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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 123

ANO DE 1964 31 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 123, EM 30 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Interior a requerimento do Sr. Deputado Nunes Barata e que os mesmos lhe seriam entregues.
O Sr. Deputado Manual João Correia falou sobre o problema da cultura do tabaco em Moçambique.
O Sr. Deputado Antão Santos da Cunha fez considerações relativas ao novo regime de comercialização do sal.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes de Oliveira.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis, Sousa Birne, Marques Lobato, Gonçalves Rapazote e Martins da Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.

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João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Enviados pelo Governo, estão na Mesa elementos fornecidos pelo Ministério do Interior, a requerimento do Sr. Deputado Nunes Barata, apresentado ria sessão de 25 de Abril do ano findo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel João Correia.

O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para trazer hoje a esta Câmara um problema de grande importância para a vida económica de Moçambique. Trata-se do problema relativo à cultura do tabaco naquela nossa grande província ultramarina.
Diz-se numa publicação editada pelo Barclays Bank em 1961 que o tabaco é uma cultura diferente de qualquer outra, pela influência que exerce na economia, na política e na finança; pela sua posição inigualável, em quase todos os países, como valiosa fonte de rendimento.
Há países cuja economia assenta profundamente na cultura do tabaco. E o caso, por exemplo, da Grécia, da Turquia e dos territórios que constituíam a antiga Federação das Rodésias e Niassalândia. Nos Estados Unidos o tabaco ocupa também uma posição de relevo: o quarto lugar na escala da sua produção agrícola, com cerca de 880 000 t anuais, a seguir às produções do algodão, do trigo e do milho.
Mais de 38 por cento do valor total das exportações da Grécia e da Turquia são representadas por tabaco em folha. E nas Rodésias e na Niassalândia, territórios vizinhos de Moçambique, este produto representa cerca de 20 por cento do valor total das suas exportações. Em 1962 a exportação de tabaco destes territórios elevou-se a 95 000 t, no valor de 3 360 000 contos.
Dedicam-se à cultura desta planta nas Rodésias e na Niassalândia cerca de 4400 agricultores europeus e entre 70 000 e 100 000 agricultores africanos, que produziram, em 1962, 122 000 t de tabaco de todos os tipos.
E em Moçambique?
Vejamos o que se passa com esta nossa província.
Moçambique começou a cultivar tabaco mais ou menos na mesma época em que as Rodésias e a Niassalândia iniciaram a sua cultura. Contudo, a produção anual daqueles países atingiu nos nossos dias, como se viu, mais de 120 000 t, enquanto as produções de Moçambique continuam a não conseguir elevar-se acima da média das 1300 t a 1500 t anuais, ou seja cerca de 1 por cento.
Na verdade, as nossas produções, nos últimos anos, foram representadas apenas pelos seguintes números: em 1958, 1355 t; em 1959, 1887 t; em 1960, 1517 t; em 1961, 2262 t; e em 1962, 1312 t.
Somente em 1961 é que se verificou o salto brusco para uma produção superior a 2000 t, mas infelizmente este quantitativo não se confirmou no ano seguinte, nem se confirmará também na produção respeitante a 1963. - Enquanto nas Rodésias e na Niassalândia há milhares de agricultores que se dedicam lucrativamente à cultura do tabaco, em Moçambique registaram-se em 1962 apenas 262 agricultores europeus. Mas o facto de se terem registado não quer dizer que todos tenham chegado a exercer a cultura do tabaco.
O Grémio dos Produtores de Tabaco do Norte de Moçambique, por exemplo, tem 85 associados inscritos, mas apenas 66 é que estão em actividade.
Não consegui apurar com exactidão o número de agricultores africanos, mas sei que não são também representados por muitas centenas.
Não obstante a disparidade de produção que acabámos de ver, o certo é que Moçambique possui condições ecológicas para a cultura do tabaco semelhantes às das Rodésias e da Niassalândia.
A província de Moçambique poderia ser hoje uma grande produtora e exportadora de tabaco. Não desfruta desta posição porque não teve, nos tempos difíceis em que deu início à cultura desta importante solanácea, o necessário apoio da indústria tabaqueira da metrópole. O desinteresse dessa indústria e a falta de legislação proteccionista impediram que Moçambique desenvolvesse a cultura de tão valiosa matéria-prima. Isso teria dado lugar a que o tabaco representasse hoje um dos seus principais produtos de exportação. Enquanto isto acontecia, a metrópole importava e continuou a importar do estrangeiro as ramas para a laboração da sua indústria de tabacos, com uma drenagem anual de cerca de 150 000 contos de cambiais e grave enfraquecimento da economia, do País.
Quem se debruce um pouco sobre o problema do tabaco e procure ver o papel que este produto poderia desempenhar ria economia nacional fica surpreendido por não ter sido ainda dada solução a tão revelante problema, tanto mais que, desde há longos anos, o relator das contas públicas, na justeza e oportunidade dos seus pareceres, vem chamando insistentemente a atenção para o assunto.
Penso ser oportuno citar aqui, como reforço dos intuitos desta intervenção, alguns dos comentários feitos e dos

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critérios defendidos acerca do problema do tabaco ultramarino nos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado.
Compulsando apenas os volumes respeitantes aos anos mais recentes - de 1956 a 1961 - para não sobrecarregar esta intervenção com muitas transcrições que, embora de valor, a tornariam demasiado extensa, seja-me permitido mencionar alguns passos desses pareceres. Diz o relator das contas públicas o seguinte:
Em 1956:

Continuamos a ser tributários dos Estados Unidos e de outros países pelos consumos do tabaco, e não se compreendem bem as causas que obrigam ao dreno de somas elevadas, que, pelo menos parcialmente, poderiam ser desviadas para. Angola e Moçambique.
Poucos resultados se têm obtido destes esforços, porque as produções de Angola e Moçambique só fracamente encontram saída para a metrópole.
Parece que as dificuldades residem na falta de consumo da metrópole, que adquiriu o hábito de importar dos Estados Unidos a maior parte dos seus tabacos.
É preciso, assim, remover os obstáculos que se opõem ao desenvolvimento da cultura do tabaco, por melhor organização e maiores importações metropolitanas.

Em 1957:

São unânimes as informações sobre as possibilidades de larga produção nos territórios ultramarinos...
Parece ser já tempo de resolver um problema que tem a dupla importância de valorizar as condições de povoamento e de melhorar as balanças do comércio das duas grandes províncias portuguesas do Atlântico e do Indico.

Em 1958:

Todos os anos se faz menção nestes pareceres da origem dos tabacos consumidos no País e se acentua a necessidade de desviar as importâncias para o ultramar português.

Em 1959:

Valeria a pena fazer um esforço decidido no sentido de melhorar as qualidades e aumentar a comparticipação do ultramar, porque a importação total anda à roda de 160 000 contos e, destes, um pouco mais de 100 000 contos são enviados para a América do Norte.

Em 1960:

Parece não valer a pena retomar o fio das considerações aqui feitas há tantos anos sobre, esta estranha anomalia das relações entre a metrópole e o ultramar português. Há, seguramente, qualquer coisa que escapa à observação do relator das contas.
Com efeito, sabe-se que tanto em Angola como em Moçambique há zonas propícias à produção de tabaco e têm-se feito esforços e despesas no sentido de produzir boas qualidades em castas aceitáveis pelo consumidor e em quantidades que assegurem maiores consumos na metrópole.
No entanto, como mostram os números de importação todos os anos, as quantidades de tabaco consumidas na metrópole são muito pequenas. Em valor apenas 10 por cento dos consumos. Falta da metrópole, ou falta do ultramar?

E, finalmente, em 1961:

Este pesado dreno de divisas, da ordem dos 140 000 contos, ou mais, por ano, pode ser consideràvelmente reduzido se for seguido em Moçambique e Angola o exemplo dos países vizinhos. Este assunto já foi tratado muitas vezes nos pareceres, com pouco êxito.

Peço desculpa de ter feito transcrições um pouco extensas, mas elas só por si dizem tanto, na sua síntese impressionante e convincente, que não pude furtar-me à tentação de as reproduzir aqui.
Aproveito o ensejo, antes de prosseguir no desenvolvimento desta intervenção, para, em nome da província ultramarina que represento, agradecer ao ilustre relator das contas públicas, Eng.º Araújo Correia, o interesse e a defesa que sempre tem posto, ao longo de muitos anos e com insistência incansável, no desenvolvimento da cultura do tabaco no ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Diz o relator das Contas Gerais do Estado - cujos pareceres deveriam ser profundamente meditados por todos os que têm a seu cargo qualquer parcela de administração pública - que a metrópole continua tributária do estrangeiro pelos seus consumos de tabaco, não obstante existirem em Angola e em Moçambique «zonas propícias à produção de tabacos», sendo «unânimes as informações sobre as possibilidades de larga produção nos territórios ultramarinos».
Por outro lado - diz ainda o mesmo relator -, as produções de Angola e Moçambique «só fracamente encontram saída para a metrópole», parecendo que as dificuldades que impedem o desenvolvimento da cultura do tabaco no ultramar «residem na falta de consumo da metrópole».
E pergunta, em dado passo de um dos seus doutos pareceres, após comentários que revelam um fio de desilusão, se a culpa é da metrópole ou do ultramar.
Não quererei absolver inteiramente o ultramar; dizer, sem mais preâmbulos, que o ultramar não teve culpas. Acredito que tenha havido culpas da parte dos produtores de Moçambique; culpas por lhes terem faltado meios de trabalho; culpas por lhes ter faltado apoio dos serviços oficiais; culpas por lhes ter faltado assistência técnica e financeira; culpas também da máquina burocrática da província.
Veja-se o que, a respeito da máquina paralisante da burocracia, escreveu o engenheiro agrónomo Monteiro Grilo, então chefe dos serviços de agricultura de Moçambique, no seu relatório referente aos anos de 1940 a 1944:

Para a satisfatória assistência técnica (referia-se a assistência técnica a conceder aos plantadores de tabaco) mandou o diploma legislativo referido (referia-se ao Diploma Legislativo n.º 753, de que foi autor e com cuja publicação se abriram novos horizontes para a produção do tabaco em Moçambique) que o Posto Agronómico de Ribaué se votasse experimentalmente à, cultura do tabaco e servisse de centro de estudo e de propaganda da cultura na região, à qual, como atrás se disse, se deu preferência para a instalação de novos cultivadores desta solanácea.
Circunstâncias particulares e especiais, não só técnicas, como administrativas, não permitiram até agora (o relatório tem a data de 30 de Junho de 1946 e o Diploma Legislativo n.º 753 é de 16 de Junho de 1941, isto é, de cinco anos antes, precisamente) àquele es-

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tabelecimento agrícola. exercer qualquer influência útil na cultura regional.
A simples construção da primeira estufa para secagem da folha a ar quente arrastou-se de tal modo que foi preciso, mais de uma vez, solicitar a intervenção da primeira autoridade da colónia para remover obstáculos de orgânica burocrática que, em verdade, não tinham resistência superior à de teias de aranha. A decisão de a edificar é de Dezembro de 1940; em fim de 1944 ainda não estava concluída, etc.

Estas são algumas das culpas de Moçambique. Mas a metrópole também teve culpas - e culpas muito graves. A metrópole não apoiou a produção ultramarina, comprando-lhe as ramas para a laboração da sua indústria tabaqueira.
Dir-se-á, talvez, nas queixas que se façam contra Moçambique, que a sua produção não era regular; que não era boa a qualidade do seu tabaco.
Mas eu pergunto: como poderia a produção ser regular se não havia a garantia de um mercado para a sua colocação?
Deste aspecto ocupar-me-ei mais adiante. Quanto à qualidade, direi apenas que os cigarros fabricados em Moçambique, em cuja composição entram 85 por cento de tabacos produzidos na província, são muito apreciados na metrópole.
Com efeito, a metrópole ignorou durante longos anos, até quase aos nossos dias. a existência do tabaco ultramarino, as óptimas condições que Moçambique reúne para a cultura em larga escala desta rica planta industrial.
Não foi assim que procedeu a Inglaterra em relação ao seu ultramar, pois com o estabelecimento da Imperial Preference, em 1919, agravada no seu proteccionismo em 1925, facilitou e permitiu o desenvolvimento da cultura do tabaco nos seus territórios ultramarinos, nomeadamente nas Rodésias e na Niassalândia.
Quando as disposições da Imperial Preference entraram em vigor, em 1919, apenas 1 por cento de todo o tabaco importado pelo Reino Unido era produzido no seu ultramar. Mas em 1959-1960 as suas importações dos países do Commonwealth tinham já atingido 50,8 por cento, precisamente em consequência desse tratamento preferencial.
Foi devido a esta situação de preferência que a cultura do tabaco nas Rodésias e na Niassalândia conseguiu a expansão que hoje tem, com uma exportação em 1962, só para o Reino Unido, de 41 por cento do quantitativo total das suas exportações de tabaco, quantitativo este representado por 40 183 t, no valor de 1 815 576 contos. Nos dois anos anteriores, porém, as porcentagens tinham sido mais elevadas, isto é, 52,7 por cento em 1960 e 48,8 por cento em 1961, correspondentes a 46 009 t e 46 508 t, respectivamente. Cerca de 70 por cento de todo o tabaco em folha exportado pela antiga Federação das Rodésias e Niassalândia eram destinados aos países do Commonwealth Britânico, incluindo o Reino Unido.
Diz-se no preâmbulo do Diploma Legislativo n.º 753, de 16 de Junho de 1941, que regulamentou a cultura do tabaco em Moçambique:
Fechado praticamente o mercado inglês em 1925 pelo agravamento do proteccionismo adoptado em 1919, os cultivadores, depois de infrutíferas diligências para o abastecimento da metrópole (o sublinhado é meu), tiveram de restringir as suas vendas às fábricas da colónia.
Dizia-se ainda no mesmo preâmbulo que a laboração fabril raramente excedia 300 t anuais, mas que a produção da província em 1928 já tinha conseguido elevar-se a 1000 t e que, na impossibilidade de colocação das suas colheitas, «numerosos agricultores abandonaram as propriedades, que entraram em ruínas».
É pena que, tendo a província conseguido atingir em 1928 uma produção anual de 1000 t de tabaco (pouco menos do que a sua actual produção, que, como vimos, anda à roda das 1300 t a 1500 t), tenha visto desfeito todo o esforço e ruídas todas as esperanças de criar uma próspera economia com base na cultura do tabaco. Foi o desinteresse da metrópole, que preferiu importar as suas ramas do estrangeiro, contra todos os princípios de uma boa política de estreitamento de relações com o ultramar e de consolidação da economia nacional, que produziu o mau resultado de que difícil e tardiamente estamos procurando levantar-nos.
Para uma melhoria da situação, que começa a vislumbrar-se através da rigidez dos números estatísticos, veio contribuir decisivamente a publicação dos Decretos n.ºs 41 386 e 41 397, de 22 e 26 de Novembro de 1957, respectivamente, aos quais me referirei mais adiante.
Moçambique, que há dez anos exportava apenas cerca de 1501 anuais de tabaco em folha, tinha conseguido exportar já quantidades apreciáveis, para a época, há mais de 40 anos. Em 1916, por exemplo, exportou 111 t; em 1919, 119 t; em 1922, 159 t. Não estão incluídas nestes números - e alguns devem certamente existir - as saídas correspondentes a quaisquer exportações que porventura tenham sido feitas pelos círculos aduaneiros, então administrados pelas antigas companhias de Moçambique e do Niassa.
Aqueles foram os anos em que se conseguiram melhores exportações. Eram então compradores de Moçambique alguns territórios do ultramar português e sobretudo o seu vizinho Transval, a Inglaterra e as suas possessões. A metrópole pouco ou quase nada comprava. Em 1922 é que se fez notar a sua maior presença, com cerca de 12 t apenas.
É curioso notar que já em 1913 (há precisamente 50 anos) a província tinha conseguido exportar 59 t de tabaco. Neste número não está também incluída qualquer quantidade de tabaco que tenha porventura saído pelas alfândegas das citadas companhias majestáticas.
Desde então, que longo caminho tivemos de percorrer, eriçado de dificuldades e de desenganos, até chegarmos, com passos frouxos, às exportações da década de 1950, que indecisamente oscilaram entre as 150 e as 400 t, com repentina subida, para 500 t em 1958. Mas já o panorama se apresentou mais brilhante e prometedor nos anos de 1961 e 1962, cujas exportações ascenderam a mais de 1 milhar de toneladas (1083 t e 1087 t, respectivamente).
Tudo isto, volto a repetir, porque se não dedicou a este problema a devida atenção, quanto mais não fosse - vejo-me novamente tentado a utilizar uma opinião do relator das contas públicas (vol. da metrópole, 1960, p. 168) -, «para evitar o dreno de 3 ou 4 milhões de dólares que todos os anos saem de uma economia combalida com balança de pagamentos deficitária».
Vejamos agora o tabaco não manipulado que a metrópole pode comprar ao ultramar, pois é justamente nesta possibilidade que deve assentar, na sua primeira fase, toda a produção ultramarina. Só depois de assegurada a colocação na metrópole de uma parte substancial da produção do ultramar este poderá tentar a conquista de alguns mercados estrangeiros, que, aliás, são grandes consumidores de tabaco em folha e onde pode haver tam-

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bem lugar para a colocação de uma parte da nossa produção ultramarina.
A metrópole e as ilhas adjacentes importaram, em 1960, 1961 e 1962, 6004 t, 5923 t e 6041 t de tabaco não manufacturado, no valor de 175 147, 165 699 e 170 228 contos, respectivamente. Desta importação, couberam ao ultramar 706 t em 1960, 1123 tem 1961 e 1547 t em 1962. Moçambique contribuiu com 430 t no primeiro ano, 1050 t no segundo e 998 t no último.
Pelo exame destes números, facilmente se conclui que a metrópole pode vir a ser grande compradora do tabaco de produção ultramarina. Foi de acordo com este critério que o Governo publicou, em 1957, os já citados Decretos n.ºs 41 386 e 41 397.
Pode dizer-se que a publicação destes decretos iniciou uma nova época para a cultura do tabaco no ultramar, pois foi a primeira vez que se lhe reconheceu, por lei, o direito de ser um fornecedor natural, embora ainda em pequena escala, das ramas de que a indústria tabaqueira da metrópole necessite para a laboração das suas fábricas.
São do preâmbulo do Decreto n.º 41 386 as seguintes palavras, que se registam como uma nota significativa e de esperança para a cultura do tabaco no ultramar português:

Adoptam-se providências no sentido de aumentar o consumo das ramas originárias do ultramar. Tanto do ponto de vista económico como cambial, são manifestas as vantagens que desse facto advirão para o País. Resta esperar, confiadamente, que os produtores das nossas províncias ultramarinas, por vezes com dificuldades e a colocação das ramas, se disponham a corresponder, em preços e qualidades, à situação preferencial que por este diploma lhes é criada.

Embora nos regozijemos com esta decisão do Governo Central, lamentamos, ao mesmo tempo, que só em 1957 a metrópole tenha finalmente determinado, por lei, uma situação preferencial já estabelecida pela Inglaterra em 1919 em relação ao seu ultramar. Nestas demoras, nestas delongas, no desinteresse que durante muito tempo mereceram os problemas ultramarinos, entravados pelas engrenagens emperradas da máquina do Terreiro do Paço, é que residem muitos dos problemas que presentemente afligem a Nação, que hoje procura, num grito de consciência nacional, conservar unidos todos os territórios de que se compõe, procurando dar-lhes, ao mesmo tempo, o desenvolvimento a que aspiram e que merecem.
A situação preferencial criada pelo Decreto n.º 41 386 foi consignada no seu artigo 7.º, que determinou que «o Ministro das Finanças, ouvido o do Ultramar, fixará anualmente o contingente das ramas das províncias ultramarinas que as empresas serão obrigadas a utilizar na sua indústria, por forma que a partir do quarto ano de exploração seja possível atingir o número de 20 por cento do peso total das ramas consumidas anualmente pelas respectivas fábricas».
Foram boas as intenções do legislador ao estabelecer o preceito que veio obrigar a indústria de tabacos da metrópole a adquirir ao ultramar uma parte das ramas para a Liberação das suas fábricas. Na prática, porém, esta determinação não tem correspondido inteiramente ao objectivo que se depreende ter sido a intenção da lei, isto é, o do fomento da cultura do tabaco ultramarino pela garantia da sua colocação.
Ora vejamos porquê.
A deficiência consiste no modo utilizado para a fixação dos contingentes.
Para efeitos de execução do que determina o citado artigo 7.º do Decreto n.º 41 386 (ou o artigo 15.º do Decreto n.º 41 397, que é do mesmo teor), o Ministério do Ultramar costuma consultar telegràficamente a província, por volta de Janeiro ou Fevereiro, pedindo a indicação da quantidade de tabaco em folha disponível para o fornecimento, durante o ano, às fábricas da metrópole. Naquela altura do ano, porém, é tarde de mais para se indicarem aos produtores as quantidades que poderiam cultivar com garantia de mercado, porque as culturas já estão feitas.
Em 1963, por exemplo, a comunicação do contingente fixado pelo Ministério das Finanças apenas chegou à província em fins de Março, isto é, passados três ou quatro meses do início das colheitas. Isto quer dizer que o agricultor preparou as suas culturas sem ter a certeza prévia da quantidade de tabaco para que teria colocação. Pode ter produzido de mais ou de menos.
O sistema acertado seria o da fixação dos contingentes com antecipação ao início da época da cultura. Foi assim que se fez nas Rodésias e na Niassalândia, cujos produtores tiveram a garantia de contingentes fixados para períodos de cinco anos, revistos anualmente, o que lhes facultou a possibilidade de desenvolverem largamente e com segurança as suas produções. Este proveitoso sistema resultou do Acordo de Londres, assinado em 1947 entre os principais industriais de tabaco do Reino Unido e o Rhodesian Tobacco Marketing Board.
No caso de Moçambique, e para os tabacos secos em estufa que a metrópole pode comprar, os contingentes - quando não fosse possível seguir sistema idêntico ao que foi utilizado nas Rodésias e na Niassalândia - deveriam ser fixados, todos os anos. em Setembro ou Outubro, o mais tardar, para assim permitir ao organismo que na província regule a produção do tabaco a distribuição pelos diversos agricultores inscritos das quotas que a cada um couberem.
Ora o que determina o artigo 7.º do Decreto n.º 41 386 não é que seja solicitada às províncias ultramarinas a indicação das quantidades de tabaco em folha disponíveis para fornecimento às fábricas da metrópole; determina - e isto é bem claro - que será fixado «anualmente o contingente de ramas das províncias ultramarinas que as empresas serão obrigadas a utilizar na sua indústria».
Isto é bem diferente. Uma coisa é perguntar-se à província a quantidade de tabaco que existe disponível, isto é, a quantidade que sobrou depois de abastecida a indústria local; outra coisa é determinar-se previamente, com a necessária antecipação, a quantidade para a qual a província terá na metrópole uma colocação garantida, de modo a permitir aos produtores que orientem as culturas no sentido de obterem produções de acordo com essa certeza prévia de colocação. E isto pode fazer-se sem contrariar a doutrina contida no citado artigo 7.º, pois em vez de se fixar um contingente baseado numa quantidade existente e disponível, poderá fixar-se esse contingente com vista a uma certa quantidade a produzir. O contingente será, do mesmo modo, fixado anualmente, como preceitua a lei. Assim é que estaria certo.
Como se vê, está a proceder-se ao contrário. Este erro compromete gravemente os intuitos construtivos e fomentadores do artigo 7.º do Decreto n.º 41386, o que não pode compreender-se que suceda. Ou a lei foi publicada com o propósito honesto de procurar solução para um problema nacional - que não é só de Moçambique nem do ultramar - e, portanto, há que interpretá-la de maneira que se consiga atingir os objectivos que se tiveram em vista, ou então há que procurar ver onde se

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encontra a deficiência que impede que essa lei seja inteiramente cumprida.
Transcrevo aqui, como reforço do princípio que defendo, o que acerca do mesmo assunto escreveu o engenheiro agrónomo Reinaldo Lima da Silva, chefe da brigada de povoamento do tabaco, no seu relatório intitulado «Produção, Comércio e Indústria de Tabacos em Moçambique»:

De todos os modos se tem procurado conseguir que as fábricas da metrópole, feitos os primeiros ensaios de lote com tabacos SE de Moçambique, aceitem a sugestão de, anualmente, em data previamente fixada, pedirem contingentes certos para a compra do ano imediato. (O sublinhado é meu). Deste modo se poderia tomar o compromisso de fornecimento de quantidades e qualidades certas, se alargaria a distribuição de quotas a novos agricultores e se desenvolveria, portanto, o povoamento nacional nesta província.

Vejamos agora um outro aspecto da questão.
Dizem-me que um sector da indústria de tabacos da metrópole precisa, para laboração nas suas fábricas, de certas quantidades de ramas de qualidade inferior. E dizem-me - o que é pior - que deseja preencher uma parte desse seu requisito com tabacos adquiridos no ultramar, nomeadamente em Moçambique.
Isto quer dizer que uma parte das quotas fixadas ao abrigo do artigo 7.º do Decreto n.º 41 386 seria composta de tabacos de baixa qualidade, o que trairia o espírito e os intuitos daquele decreto, de cujo preâmbulo se infere a esperança de que, beneficiando da nova situação preferencia] criada, os tabacos ultramarinos possam justamente melhorar de qualidade.
Procurar que as quotas do ultramar sejam preenchidas com tabacos de má qualidade é orientação errónea, que Moçambique não pode aceitar. Seria o mesmo que pedirmos aos cultivadores moçambicanos que passassem a produzir unicamente tabacos de qualidade inferior, em vez de os estimularmos a melhorarem, cada vez mais, a qualidade das suas produções, para assim nos podermos erguer ao nível das melhores produções de outros países e podermos também, no futuro, não só contribuir com boas ramas para o abastecimento da indústria da metrópole, como ainda tentar com êxito o mercado internacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se a indústria da metrópole precisa de qualidades inferiores de tabaco, dado o fraco poder de compra de uma parte dos seus consumidores, seria preferível que adquirisse esses tabacos no estrangeiro, com economia do cambiais, por serem mais baratos, procurando, pelo contrário, adquirir em Moçambique as ramas de melhor qualidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta seria a melhor maneira de contribuir para a valorização da economia nacional, e nunca aquela que alguns parecem proferir, esquecendo-se imperdoavelmente de que acima, dos lucros que possam aparecer nas suas contas do resultados estão os interesses sagrados da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: como esta intervenção já vai um pouco longa, entendo que devo suspender aqui as considerações que trouxe a esta Câmara acerca do problema do tabaco em Moçambique. Mas a verdade é que ainda tenho que dizer acerca deste problema, pelo que peço a V. Ex.ª se digne autorizar-me a voltar a este assunto oportunamente, com nova intervenção.
Antes de terminar, porém, desejaria pedir a esclarecida atenção do Governo para os diversos aspectos que tratei nesta intervenção, nomeadamente para os seguintes:

1.º Que ao artigo 7.º do Decreto n.º 41 386 soja dada interpretação de acordo com o princípio que defendi, isto é, que os contingentes anuais sejam fixados com antecipação à época das culturas;
2.º Que seja sucessivamente elevada, à medida que a produção ultramarina, aumentar, a percentagem fixada no mesmo artigo.

Com estas medirias poderíamos ter a certeza de que a cultura do tabaco no ultramar português tomaria um rumo de grande desenvolvimento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: na sessão do passado dia 33 de Dezembro, tive a honra de enviar para a Mesa um requerimento no qual solicitava do Ministro da Economia, pela Secretaria de Estado do Comércio, o envio de certo número de elementos referentes ao novo regime de comercialização do sal, instituído pela Portaria n.º 20216, de 4 daquele referido mês.
E permiti-me, então, salientar a urgência com que tais elementos deveriam ser fornecidos, como condição da sua utilidade.
Ora aquela Secretaria de Estado foi diligente e pronta na satisfação do que se lhe pedia, e, pouco habituados a tão exemplar procedimento, temos redobrada razão para o agradecer a S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado do Comércio, a quem me apraz render as homenagens da minha consideração e respeito.
Sr. Presidente: o articulado da portaria que está na base da intervenção que hoje faço nesta Câmara põe, na sua aparente inocuidade, alguns sérios e preocupantes problemas da nossa vida económica, e de modo muito especial algumas questões do mais alto interesse para as actividades comerciais.
Qualquer desses problemas e questões permitiria larga apreciação, em busca de esclarecimentos de uma linha de rumo que habilitasse cada um a definir os termos em que se deve processar a sua colaboração na economia do País, a bem conhecer os seus direitos e deveres, de modo a poder prevenir-se contra intervenções inesperadas, que, por desrespeitarem, muitas vezes, princípios e normas gerais que ninguém revogou, ocasionam, quase sempre, graves e imerecidos prejuízos.
As actividades económicas não raro são surpreendidas por decisões só possíveis por infidelidade aos postulados doutrinários do nosso ideário político-económico, pela ausência de uma orientação definida no plano governamental, impondo cada qual as soluções que melhor se quadram às suas preferências pessoais.
Apreende-se a cada hora a falta de uma clara política económica do Governo e tudo se altera e modifica, mesmo ao nível dos serviços, desordenada e casuìsticamente, criando situações de nocivo desequilíbrio e de marcada injustiça.
Mas, Sr. Presidente, a direcção da vida económica - de que em muitos aspectos e sectores não podemos

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prescindir - é matéria de extrema delicadeza e complexidade e o seu exercício não se compadece com teorias que se situam fora do quadro doutrinário e institucional a que todos devem obediência, ou com abstracções que as realidades comprometem ou invalidam.
Isto se diz para pôr em relevo a prudência e o realismo com que haverá de intervir e actuar, não sacrificando os interesses legítimos das actividades privadas a caprichosos ensaios e experiências muito do agrado de certos falsos técnicos da economia, aos quais sobeja em imaginação e audácia o que lhes falta em conhecimento seguro e sério dos problemas que são chamados a solucionar.
E este desfasamento entre as duras realidades da vida e o fácil mundo das utopias torna imperiosa a necessidade da presença efectiva, no estudo e resolução dos problemas económicos da representação qualificada dos interessados, a única que pode garantir, pelo seu largo e indispensável capital de conhecimentos e experiência, as melhores e as mais acertadas soluções.
Sr. Presidente: pelo que toca à Portaria n.º 20 216 - que pode ter nascido da generosa intenção governamental de procurar a melhoria do preço do sal para o consumidor -, o estudo dos elementos que me foram fornecidos permite-me, antes de mais, concluir pela inexactidão dos dados de facto de que se partiu (informação da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, de 21 de Outubro de 1960), o que desde logo compromete o sentido da solução que, no plano ministerial, se deu ao assunto e frustrará, de modo muito especial, aquele generoso objectivo.
Por outro lado, só dificilmente os organismos representativos das actividades interessadas - se fizeram ouvir -, e depois de ouvidos, ninguém se deu ao cuidado - que era obrigação - de apreciar e discutir as suas opiniões.
Assim, foi de todo inútil essa audiência, e a Administração procedeu, no terreno prático, como se a ninguém tivesse ouvido. Por isso, bem se poderá dizer que a solução encontrada é só sua, pelo que só suas terão de ser também todas as responsabilidades do previsível fracasso do sistema e dos prejuízos que ele possa provocar.
Anoto, pois, e sublinho, a falta de autenticidade e verdade na audiência dos interesses, com grave infracção do espírito representativo das nossas instituições e com injustificada desconsideração e desnecessário desprestígio dos organismos (os grémios) que titulam aqueles interesses.
Acresce que em toda a portaria perpassa uma vincada subestimação da posição do comércio, relegado para uma situação de subalternidade inexplicável.
Parece estar na moda, em certos meios oficiais, minimizar aquela posição, e alguns mais extremistas não se coíbem mesmo de apelidar de parasitárias as actividades comerciais.
Tudo isto anda precisado de um manual elementar de economia, mas da nossa economia, da economia portuguesa - que o Prof. Salazar um dia sintetizou em Conceitos Económicos da Nova Constituição -, e não de economia marxista ou de uma mal entendida, e mais mal aplicada, economia neoliberal.
Ora a vida comercial, no que ela tem de utilidade económica, deve ser respeitada e defendida, sem a deixar estiolar pela injustiça de situações de favor e privilégio para outros sectores, com o que o consumidor nada ganha.
Neste aspecto também a portaria não está isenta de pecado, ao permitir que toda a indústria, mesmo aquela em que o custo do sal nada conta, tenha directo acesso à produção. O comércio vê, deste modo, perdida parte essencial do objecto do seu negócio, sem que os preços dos produtos manufacturados sofram qualquer redução.
E se isto não bastasse para cavar a ruína do comércio, também se confere idêntica posição privilegiada às cooperativas de consumo, cuja existência e sobrevivência em economia corporativa pode merecer - e eu faço-as - as mais sérias reservas.
Na verdade, se a cooperativa de consumo é um instrumento de defesa contra os abusos do comércio e se em nossa ordem económica tais abusos não são permitidos, não se vê que justificação possa haver para uma organização de defesa, contra perigos que não existem.
Mas estes singelos, mas importantes, problemas de coerência doutrinária e de harmonia do sistema estão fora e longe das preocupações de alguns reformadores da nossa economia, estilo nouvelle vague...
Sr. Presidente: para além dos aspectos genéricos que ficam apontados, há múltiplas questões ligadas à comercialização do sal que merecem ser consideradas.
Mas a sua natureza, por um lado, e a escassez de tempo, por outro, não permitem que aqui faça a sua apreciação.
De resto, depois do meu requerimento de 18 de Dezembro, e já depois de ter recebido os elementos que requeri, os Grémios do Norte e do Sul dos Armazenistas de Drogas, Produtos Químicos e Farmacêuticos enviaram-me - atenção que agradeço - cópia de uma representação endereçada a S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio.
Nesse documento se abordam aquelas questões em termos que - quero crê-lo - vão merecer estudo e consideração por parte daquele ilustre membro do Governo.
A interdependência do problema da produção e do comércio, a diversidade do custo do sal nos diferentes salgados e a sua incidência na liberdade de circulação do produto, as particularidades de distribuição do sal em zonas afastadas da produção, a concorrência de falsos armazenistas e de comerciantes oportunistas, são algumas dessas questões.
Desejo apenas salientar que nenhuma delas foi objecto de discussão válida que- autorize seja quem for a concluir pela bondade das soluções que estão preconizadas, devendo apenas fazer-se excepção quanto às louváveis medidas previstas pelo que respeita à higienização do sal destinado ao consumo público.
Sr. Presidente: realizar uma política que procure beneficiar o consumidor com produtos a mais baixo preço não pode merecer reparos de ninguém, antes o devemos aplaudir e encorajar.
Haverá, no entanto, que procurar ao mesmo tempo a eficiência dos métodos adoptados e a sua justiça. Podemos ter de condenar um processo eficiente se o mesmo for injusto.
Pelos elementos que me foram presentes, pelo conhecimento que possa ter deste sector, sou forçado a concluir pela ineficácia dos métodos e também pela sua injustiça.
Na verdade, não estou convencido de que o sal acabe por chegar mais barato às mãos do consumidor, a menos que se faça tábua, rasa dos bons usos comerciais e nos percamos nos caminhos interditos da concorrência ilícita e desleal.
E não posso aceitar, pelo que tem de injusto, que alguém espere alcançar aquele objectivo pelo prejuízo e ruína do próprio comércio.
Fiar daí a solução do problema seria praticar uma justiça de funil e deixar mal acautelada a moralidade do sapateiro da minha terra...

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Ora, quando as coisas se nos apresentam obscuras, porque não foram apreciadas em todas as suas implicações, nem se mediram todas as suas consequências, tudo aconselha e impõe que se proceda a um estudo mais detalhado e profundo do problema.
Este estudo não deve incomodar ninguém, e muito menos aqueles que sincera e lealmente estiverem convencidos do acerto do caminho que traçaram para este sector económico.
E sempre agradável sair vitorioso de uma discussão...
Por outro lado - e nisso só por teimosia se pode deixar de convir -, o prazo que foi dado para a execução da portaria é excessivamente curto.
Estão praticamente decorridos os 60 dias concedidos para essa execução, e não será ousado dizer que ninguém - mesmo os próprios serviços - está convenientemente preparado para lhe dar cumprimento.
São mesmo de recear sérias perturbações no abastecimento, na medida em que se concederam apenas 60 dias para fazer a reestruturação de uma vasta rede comercial que se movimentara em bem diverso sistema - aliás, oficialmente imposto - durante nada menos do que 11 anos!
E ainda acresce que, no parecer dos mais competentes, a entrada em vigor do novo regime de comercialização sempre se deveria ter feito coincidir com o começo de uma nova campanha salineira.
Isto equivale a dizer que não só não há inconveniente como haverá vantagem em prorrogar a data de entrada em vigor da Portaria n.º 20 216.
Essa prorrogação permitiria a livre escolha, no plano superior, de um dos seguintes caminhos:

a) Ou o estudo mais amplo e conveniente do problema, confiado possivelmente, e como já vimos sugerido, a um grupo de trabalho, do qual fizessem parte representantes qualificados dos serviços e dos organismos que representam os interesses em jogo;
b) Ou o simples esclarecimento de algumas fundamentadas dúvidas que se levantam na execução da portaria e a promulgação de normas regulamentares ou instruções cuidadas que tornem mais perfeita essa execução, dando em qualquer caso ao comércio, em seus diferentes escalões, tempo para se integrar no novo regime, sem perturbações para a sua economia e para o abastecimento e sem lesão para os interesses do consumidor.

É essa prorrogação que daqui peço ao Sr. Secretário de Estado do Comércio, espírito naturalmente aberto a sugestões construtivas como aquela que faço, convicto de que o problema, pelas suas múltiplas incidências e pelos interesses que afecta, merece, na verdade, ser reexaminado e de que, em qualquer hipótese, a boa execução da portaria só lucrará com mais largo prazo para a sua conveniente regulamentação e, portanto, para o seu melhor cumprimento.
E porque, Sr. Presidente, com isso ninguém sofre prejuízo, e porque seria intolerável que alguém quisesse fazer prevalecer em assunto de tamanha magnitude caprichos ou birras, sinto-me inteiramente à vontade para fazer ao Governo este apelo e para confiar em vê-lo deferido.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes de Oliveira acerca da educação nacional.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.

A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis:
Sr. Presidente: profundamente interessada, tenho seguido o aviso prévio que o Sr. Deputado Nunes de Oliveira teve o mérito de propor e que nos leva a debater um dos grandes problemas da vida nacional, melhor direi, da vida mundial, como ainda há meses o comprovou o congresso internacional realizado em Beirute sobre os direitos da criança à educação.
Em repetidas intervenções produzidas ultimamente nesta Câmara sentia-se já o eco de uma vibração provocada por algumas atitudes da gente nova e pela falta de valores humanos nos diferentes sectores da vida pública. Essa faceta negativa de uma juventude que se exibe nas grandes capitais do Mundo, sem que as distâncias a impeçam de influir na mocidade sã de velhas e novas nações, tal como aqueloutra de ordem económica, da premente solicitação de mão-de-obra especializada a nível de corresponder aos imperativos do desenvolvimento dos povos, leva-nos a repensar o essencial .da questão.
Está a juventude portuguesa a corresponder aos seus valores potenciais? Se sim ... até que ponto não será temerário confiar na sua invulnerabilidade perante males que já causaram estragos bastantes para além-fronteiras? Se não ... estaremos porventura convencidos de que as coisas vão ao seu lugar por simples movimento natural?
Parece-me, pois, extremamente oportuno rever a nossa posição de educadores quanto a princípios e a métodos; alertados, sim, pela pressão das circunstâncias actuais, mas. sobretudo conscientes da superior responsabilidade que deriva do próprio conceito de educação tal como o define o pensamento cristão de que se orgulha a civilização ocidental.
Se educar é dar a cada pessoa humana a possibilidade máxima de se realizar em ordem ao ideal superior que nos anima, na expressão mais adequada ao tempo e ao espaço em que vivemos, só poderemos levar a cabo essa missão se nela reflectirmos demoradamente, e estudarmos com serena objectividade a criança como indivíduo e ser social, analisando cuidadosamente as condições socio-económicas dos meios em que está sucessivamente integrada. Por outras palavras: a responsabilidade de educar reclama da nossa parte uma mentalização profunda e uma acção concreta inteligentemente apoiada nos dados científicos do problema.
Sr. Presidente: pouco tempo havia decorrido sobre a apresentação deste aviso prévio quando o Sr. Ministro da Educação Nacional anunciou ao País, em notável comunicação de 26 de Julho passado, o estudo do planeamento da acção educativa, em palavras que aliavam à elevação de pensamento a visão clara das realidades a enfrentar. Quase nos sentimos dispensados de trazer aqui o nosso grito de alarme; poderia, no entanto, interpretar-se esse silêncio como desinteresse pela magnitude da causa aquele velho hábito de deixar comodistamente a outrem o cuidado de resolver as nossas próprias dificuldades, para depois submeter a uma severa crítica a mais ligeira imperfeição e ignorar quaisquer resultados positivos do trabalho realizado. E por isso que, por minha parte, em-

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bora com a feliz certeza de que o Governo está a trabalhar com profundo conhecimento de causa e nobreza de intenções, não me parece descabido o nosso depoimento, como testemunho de adesão à tarefa comum.

Em momento oportuno -disse então S. Ex.ª - será de promover uma campanha de educação nacional destinada a interessar vivamente toda a população nos problemas educativos, fazendo um apelo aos educadores e investigadores para que cada vez tomem mais consciência da importância e nobreza da sua missão e se lhe consagrem mais devotadamente à massa geral das pessoas para que colaborem activamente na elevação do seu próprio nível de instrução e cultura; e a todos os que estejam em condições de estimular e ajudar o progresso educacional, tanto no plano nacional como no regional, para que propiciem esse estimulo e ajuda.

Palavras estas do mais alto valor e que me animaram a trazer a esta tribuna, onde tão elevados depoimentos se têm feito ouvir, algumas considerações sobre determinados aspectos da educação feminina, pensando que não vêm a despropósito, adentro dos programas que foram anunciados tanto no aviso prévio, como na comunicação a que me referi.
É do conhecimento geral que a mulher portuguesa, como a mulher de todo o Mundo, tomou na sociedade contemporânea um lugar completamente diferente do que ocupavam as nossas avós.
Tão radical foi essa modificação que nos deixou perplexos sobre o seu significado e consequências, parecendo à primeira vista que estaria completamente deslocada ao assumir qualquer posição da vida pública, sempre ingrata de coadunar com a vida de família, onde é indiscutivelmente rainha. A verdade é que esta situação não era inteiramente nova. A influência feminina fizera sempre sentir-se nos meios pequenos muito para além do limiar da porta, como o comprovaram, aliás, alguns estudos recentes em povos primitivos.
O Que É a Educação, «a emancipação da mulher fez-se há 1900 anos. Onde o cristianismo triunfou, abriram-se para as mulheres as portas da sua plena afirmação. É-lhes possível a afirmação da sua personalidade. Foi-lhes concedida uma dignidade que a alguns respeitos lhes dá vantagem sobre os homens. Nas épocas de fé foi concedida à mulher o privilégio de ser a ama de nobres feitos e a inspiração de grandes empresas. Ela moveu o Mundo e moldou os seus destinos, não abdicando das suas qualidades feminis, mas cultivando-as na sua melhor expressão. Quanto mais era ela própria, mais influência exercia.»
Os séculos encarregaram-se de modificar profundamente a sociedade; as estruturas da vida pública agigantaram-se progressivamente, ao mesmo tempo que se. tornavam menos humanas, dada a desorientação mental que as informava, e cujas raízes profundas havia de procurar-se no afrouxamento do um verdadeiro espírito de fé e consequente desagregação moral.
Afectada por estes condicionalismos, a mulher viu-se relegada por largos anos ao exclusivo domínio do lar.
Em dada altura, porém, as guerras levaram os chefes de família para o campo de batalha; o surto industrial exigiu um aumento de mão-de-obra em ritmo que não permitia esperar pela conversão do sector agrícola.
A mulher, por natureza intuitiva e generosa, deu conta das lacunas existentes e mostrou-se apta enfrentar a luta pela vida, corajosa, desembaraçada, capaz de iniciativa e decisão. O seu sentido de adaptação levou-a a inserir-se com rapidez e eficiência na vida pública e a prestar-lhe um contributo positivo digno de menção. Igualmente depressa, apercebeu-se dos problemas humanos do seu tempo e, ainda que sob outras designações e formas, foi, em muitos casos, a pioneira dos grandes movimentos sociais da actualidade.
Por outro lado, a sua personalidade, abafada durante anos por um estilo de vida excessivamente pragmático, voltou a definir-se de forma própria, muitas vezes inadequada e até ridícula, mas firme na afirmação a que tinha direito.
Na Semana Social de Franca, realizada em Reims em 1961, o facto é acusado nos seguintes termos:

O meio do século XX descobre de repente que a campainha da sufragista ou a algazarra do movimento feminista oram apenas a expressão desajeitada ou audaciosa de uma vaga profunda donde emerge uma nova figura de mulher ...

O relator imediatamente acrescenta:

Os problemas da juventude de hoje pertencem a essa vaga profunda.

Resultaram, no entanto, alguns aspectos negativos desta nova situação da mulher, por tão brusca e inesperada.
Não lhe foi possível, depois de resguardada por tão largo tempo dos embates exteriores, reencontrar de repente a linha traçada nos alvores do cristianismo.
E surgiram, na sociedade contemporânea, graves crises na estabilidade, do lar. dificuldades na educação da juventude, e quantas vezes diminuição da própria dignidade da .mulher, que suportava mal, física e psicologicamente falando, os moldes do trabalho masculino.
Gustavo Corção, no seu livro Fronteiras fia Técnica. constatando a ajuda que a mulher trouxe ao mundo do trabalho, deixa adivinhar que mais alguma coisa ela deveria dar à sociedade, sob pena de ficar derrotada na competição:

O concurso que as mulheres têm trazido ultimamente, lamento dizê-lo, tem mais a marca da uniformidade do que o cunho autêntico da organicidade. Elas vieram ao nosso encontro. A última guerra viu mãos femininas nos tornos mecânicos 6 no controle dos aviões de bombardeio. E a situação ainda continua. Elas vieram ao nosso encontro, mas o seu concurso tem sido apenas numérico, quantitativo, mecânico. Vieram ao nosso encontro como pessoas, como braços, como cabeças, mas não vieram como mulheres. O coro das vozes engrossou, mas não se tornou mais harmonioso. O conjunto de gesto se multiplicou, mas não se tornou mais ordenado. Vieram ao nosso encontro para fazer as mesmas coisas. Com os mesmos gestos...

Os mesmos gestos ... e daí o seu justificado desânimo, que páginas adiante esclarece, ao acusar de avitaminose a situação da sociedade privada da necessária componente feminina:

Eu diria - refere, o autor, apoiando Gertrud le Fort - que esta cultura está masculinizada, não pelo predomínio do masculino, mas pelo desfalque do feminino, e importa muito acentuar esto aspecto de carência ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - O facto, porém, do aparecimento da mulher na vida pública é tão notório que o Santo Padre

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João XXIII não hesita em designá-lo como um dos que caracterizam a época presente:

... o ingresso da mulher na vida pública, mais acentuado talvez em povos de civilização cristã, mais tardio, mas já em escala considerável, em povos de outras tradições e cultura.

Entre muitas razões que levaram a mulher a tomar definitivamente lugar na vida pública, prevalece a necessidade premente de ajudar o chefe de família, operário, modesto empregado c em alguns casos até profissional de nível superior, a equilibrar um orçamento que dê satisfação ao mínimo de bem-estar que a família legitimamente ambiciona nos tempos de hoje.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, a mesma sociedade que de princípio apenas tolerou a mão-de-obra feminina num momento de crise, hoje reclama-a, não só para satisfazer quantitativos que a produção requer, mas também para desempenhar funções que se vieram diferenciando, e nas quais é quase insubstituível o elemento feminino; poderíamos colher um sem-número de exemplos em serviços que vão desde a confecção do vestuário às artes domésticas, à assistência paramédica, à educação infantil, reabilitação de deficientes ... no domínio da indústria, do comércio, do ensino, da saúde, etc.
Se bem que seja indispensável humanizar cada vez mais as tarefas femininas quanto a horários, condições de higiene, protecção contra acidentes de trabalho, ambiente moral, etc.. é inútil reafirmar-se a impossibilidade de retrocesso desta situação. A bem ou a mal ... «saltando o muro» se aqui ou além uma mentalidade rígida tente entravar a caminhada, a pressão das circunstâncias levará as nossas filhas a tomar na sociedade o lugar a que têm direito: direito à cultura, ao trabalho, ao recreio, à livre escolha do seu rumo.
Cada vez mais cônscia da própria dignidade-afirma ainda o Papa João XXIII na encíclica Pacem in Terris -, não sofre ser tratada como objecto ou instrumento, reivindica direitos e deveres consentâneos com a sua dignidade de pessoa humana, tanto na família como na vida social.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

A Oradora: - Uma de duas atitudes nos resta: ou utilizamos egoistamente os frutos do trabalho feminino com alma de calculista apenas interessada na rentabilidade cio processo, inconscientes da calamidade que preparamos, ou enfrentamos o problema em toda a sua dimensão humana e social. E este consiste, segundo creio, em descobrir essa nova imagem da mulher do século XX, de que o movimento feminista foi uma caricatura grosseira, e ajudar a juventude a realizá-la com nobreza, numa expressão actual da mulher pura e forte do livro da sabedoria.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Pio XII refere-se a essa nova imagem da mulher em termos tão sublimes, que só lamento não dispor de tempo para apreciá-los detalhadamente. Enaltece a tal ponto a importância social da mulher nos tempos actuais, que não hesita, em variadas alocuções que dirige a grupos que procuram a sua palavra esclarecedora, em responsabilizá-la pela promoção humana, pela paz internacional e sobretudo pela defesa dos valores espirituais na sociedade materialista do tempo.
Mas toda essa influência nos é revelada como uma verdadeira ampliação da sua missão maternal - essa fundamental e insubstituível - à escala do Mundo; e não encontro palavras para resumir em poucos minutos as lições de sabedoria, a riqueza espiritual com que o mesmo Pontífice, na sequência dos seus antecessores, define e aprofunda a missão da mulher como esposa, mãe, educadora da juventude e guarda dos direitos e integridade da família.
Outras vozes masculinas expressam-se em termos que seguem a mesma linha de pensamento.
Edward Leen, depois de pôr em relevo a missão maternal da mulher, generaliza-a àquelas que não a podem exercer junto dos filhos, vincando a unidade do ser feminino.
«Em toda a mulher deve existir o instinto maternal», diz o autor, e mais adiante afirma:

A grandeza do homem é sempre de carácter conquistador: cifra-se sempre numa aquisição. A grandeza da mulher está em dar, procurando à sua volta alargamento e expansão de vida. Ao contacto com ela, as coisas tomam vida, porque ela é a fonte da vida nos desígnios da Providência.

Outros depoimentos completam estas ideias como eu não poderia nem ousaria fazê-lo:
«As reservas do ser feminino são daquelas de que a humanidade não soube aproveitar todos os recursos», diz Mounier, e o seu pensamento é completado por René Caillot, citados um e outro nos relatos da Semana Social de França a que já me referi:

Será preciso desmistificar a própria palavra trabalho, a obsessão económica é tal que os homens acabaram por acreditar que só há um trabalho: o produtivo; ora, quanto a «tarefas civilizadoras», as mulheres levam-nas mais longe do que as «tarefas produtivas». Trabalhar, para elas, não deve ser produzir, mas enfanter l´humain no lar, na cidade, na civilização.

Perdoai que não saiba traduzir ... E o relator continua:

Poderá talvez tomar-se consciência do imenso capital de experiência, de savoir faire, de realismo, de vida, de uma mulher, essencialmente utilizável em contacto com o educativo, com o social, o económico, o político. Tesouros de competência que estão por explorar na «cidade», pois as estruturas do diálogo, da reflexão, da acção, estão ainda por inventar, uma vez que no lugar da mulher, fora do seu quadro familiar, estão apenas previstas em função das profissões existentes, e não daquelas que seria preciso criar.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora:

A vida de uma mulher (...) conhece disponibilidades social e cívica que estão insuficientemente utilizadas.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Suponho que estas palavras são explícitas bastante para compreender quanto a comunidade humana tem necessidade de uma presença feminina autêntica, que a mulher só pode e sabe realizar no nobre

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desempenho da sua missão específica, tornada extensiva a todas as tarefas que execute.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Tenhamos presente aquela outra invasão feminina, usurpadora de lugares que não lhe pertencem na vida pública, e ela própria vítima da pseudo-economia do progresso e da miragem de uma. falsa independência. Esquecendo que «a mulher é verdadeiramente livre quando tem a liberdade de se tornar mulher», na sábia expressão de Edward Leen, essa mocidade incaracterística torna-se escrava do estilo de vida masculino que servilmente copiou, e dos defeitos a ele inerentes, sem sequer as virtualidades necessárias para imitar a grandeza que o homem poderá, imprimir às suas ocupações ...

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Escrava de um egoísmo tão contrário à própria, natureza da mulher, que lhe tira a possibilidade de ser feliz.
Mas poderá o mundo moderno, tão sequioso de verdadeiro entendimento entre os povos, de esperança de melhores dias de fé autêntica, tão batido pelo ritmo do trabalho utilitário, tão agitado pela violência das paixões e pelo choque dos egoísmos, resolver os grandes problemas humanos que o dilaceram sem o concurso da alma feminina? Creio poder afirmar-se que qualquer coisa lhe faltaria como ao ser vivo a quem privassem de seiva ...
Talvez o jeito do sacrifício daquela que foi talhada para dar a vida à custa da própria vida- e traz as mãos habituadas às tarefas mais humildes. Talvez o clima de paz e de interioridade onde se escuta a voz de Deus ...

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - E não temos de as admirar, essas mulheres humildes ou letradas que têm sabido cumprir heroicamente o seu dever de estado e encontrar a maneira de desdobrar forças e repartir o saber para prestai-os mais variados serviços à sociedade. São assim mesmo. Temos, sim, de as defender e de desbravar o terreno onde, por sua vez, a nossa juventude encontrará o caminho.
E foi por mo parecer que a todos nos cabe este cuidado, que julguei oportuno pôr a questão nesta tribuna.
Acaso julgaremos nós que se improvisa a «mulher forte» deste século, tão cheio de perigos para a sua dignidade, quando se leva anos a preparar um simples técnico de nível médio?
Acaso julgaremos que a rapariga descobre sozinha aquela imagem digna de constituir o seu ideal na caminhada que percorre em termos idênticos aos dos seus irmãos e colegas, preocupada apenas com os resultados escolares?
Importa, Sr. Presidente, cerrar fileiras em defesa daqueles sagrados valores a que há pouco me referi e outros tiveram o mérito de pôr em destaque. Aliás exporemos a juventude à voragem dos que contam com a desagregação da família e com a decadência da mulher para a queda da civilização ocidental.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: é indiscutivelmente à família que cabe, por direito natural, o grave dever da educação; a tal ponto inalienável, que só em casos extremos de impossibilidade física ou falta de idoneidade moral os pais podem ser substituídos na sagrada missão de educar os filhos que Deus lhes der. Isto não significa, porém, que a família possa ou deva ficar limitada ao seu saber e experiência para encaminhar a criança até à idade de poder conduzir-se sozinha na vida.
Há condições gerais que à sociedade cabe proporcionar-lhe para que possa desempenhar-se da sua tarefa e outras especiais, mais directamente ligadas à função, que não podem descurar-se hoje em dia. Em várias intervenções parlamentares tive a oportunidade de referir-me a circunstâncias que afectam de forma notável o comportamento familiar e, consequentemente, a própria educação da mocidade: o nível económico do agregado familiar, o trabalho profissional da. mãe de família em regime de tempo completo, a habitação, a segurança social, a assistência sanitária, o clima moral da sociedade e da própria família, a literatura e espectáculos, etc.
Não vou repeti-lo, nem repetir-me, ainda que tenha a convicção de que os problemas são de tal modo interdependentes que qualquer planeamento de acção educativa deve ter implicações obrigatórias sobre aqueles sectores da vida social, sob pena de ver inutilizados muitos dos objectivos propostos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A criança não sofre ser educada como se fora uma manta de retalhos; antes reclama uma convergência de meios educativos e uma identidade de princípios que assegurem a unidade da pessoa do educando.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - O valioso testemunho que o Sr. Deputado Moura Ramos trouxe a esta tribuna veio comprovar a veracidade desta asserção.
Entre os meios directos de ajuda à família em matéria de educação, situa-se em primeiro plano a escola, que os países de civilização ocidental ficaram a dever por longos séculos à exclusiva e maternal solicitude da Igreja; toma, porém, na vida moderna uma tal importância, que veio progressivamente a congregar nos mesmos países o esforço de instituições privadas e uma intensiva acção dos Poderes Públicos.
A variedade das matérias necessárias à preparação profissional, o volume de aquisições científicas, a complexidade do problema educacional em toda a sua dimensão, requerem hoje uma tal pluralidade escolar e tão variado concurso de especialistas que seria impossível confinar-nos adentro dos recursos de uma família ou mesmo das instituições privadas.
Regiões inteiras há em que não raramente se transitou, em uma ou duas gerações, do analfabetismo à licenciatura, da casinha de pedra tosca ao arranha-céus, da convivência entre os parentes ao intercâmbio mundial, da comunicação postal ao telefone, à rádio, à televisão.
Por isso as escolas se abriram de par em par à totalidade das populações, rapazes e raparigas, frente à vida profissional e à, vida pública numa intenção de cultura, de aquisição de conhecimentos técnicos, de promoção social.
Em toda a parte do Mundo se verifica em ritmo cada vez mais progressivo a chamada «explosão escolar», que, no entanto, é insuficiente na América do Sul, na Ásia, na África, onde as percentagens não ultrapassavam em 1957, respectivamente, 12,7, 10,3 e 7,2, em relação à população total, contra 15,5 na Europa, 19,4 na Oceânia, 23,5 na América do Norte.

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Em todos os continentes aumenta o número de unidades escolares e não chegam, ampliam-se os quadros docentes, e a relação alunos-professor não satisfaz o ensino, afectam-se verbas fabulosas à educação e não cobrem as despesas.
Quem percorra os relatos dos mais variados países, publicados peta U. N. E. S. C. O., encontra por toda a parte a mesma preocupação de alargar a instrução de base, de promover élites cada vez mais numerosas e cultas, de levar mais longe a especialização, diferenciando cursos que valorizem as aptidões das várias etnias, dos sexos, das pessoas, e entrem em concordância com os planos de desenvolvimento das respectivas nações. Donde uma intensa utilização da psicopedagogia, da higiene escolar, da sociologia, das ciências morais, donde o recurso à orientação escolar e profissional.
Se me permite V. Ex.ª, deter-me-ei um pouco sobre o problema da diferenciação escolar dos dois sexos - assunto que, como afirmei, me trouxe especialmente a esta tribuna.
A sua necessidade deriva, a meu ver, da própria igualdade de direitos que nos leva a recusar que metade da população tenha de aceitar escolas concebidas e organizadas em moldes talhados ao jeito das condições mentais e físicas da outra metade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Se é de louvar calorosamente o acesso livre da estudante a todos os ramos da cultura e da técnica, indispensável me parece assegurar uma educação de base que salvaguarde os valores femininos a que atrás me referi, numa intensa colaboração da escola e da família.
Se na verdade, Sr. Presidente, nem sempre é fácil ao rapaz ver no pai a sua imagem futura de homem feito, ainda quando mantida intacta a linha ideológica da- família e conservados os mais sólidos laços afectivos, que dizer, no caso da rapariga, da dificuldade em encontrar a linguagem adequada ao chamado diálogo entre duas gerações?
A geração daquela que preparava o caldo com os recursos da horta, na lareira que agasalhava a família reunida à mesma hora, enquanto tecia, remendava e talhava a roupa, e preparava tisanas, segundo receitas caseiras ... daquela que amealhava- tostões ao canto da gaveta para qualquer eventualidade imprevisível ... E a geração dos supermercados, do equipamento eléctrico, das confecções em série ... dos antibióticos ... dos seguros ... da velocidade ... dos horários desencontrados pelas ocupações exteriores de todos os membros da família ...
Por tudo isto, Sr.. Presidente - assuntos comezinhos que valem muito pura o bem-estar da sociedade - importa que não só se faculte à mulher acesso à cultura e à profissão, mas se dê através da escola ou das actividades circum-escolares, uma autêntica formação feminina, que abranja ensinamentos teóricos e práticos, a ministrar num clima em que as virtudes da mulher se exercitem com simplicidade e alegria.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Temos em Portugal uma escola primária, hoje frequentada praticamente por toda a população, onde estão previstas actividades de carácter feminino; não é mistério para ninguém a importância que reveste para a criança a primeira escola que frequenta ao saúdo ambiente familiar; quantas vezes é a única durante a sua vida e deixa nela uma marca indelével.
Creio, portanto, que há riquezas inexploradas que urge aproveitar naquelas salas onde se conversa à volta de um texto como a propósito do caso do dia (entre parênteses, lembro que a Espanha e certos cantões suíços usam um livro diferente nas escolas dos dois sexos) ... onde se aprende a contar e a coser, onde se prepara o presépio e se descobrem valores futuros ... onde se é a Luisinha, a Guida ... e não um número despersonalizado.
Se estes quatro anos apenas esboçam uma formação feminina, seria fácil adquirir uma sólida preparação de nível elementar com os seis anos de escolaridade que se torna indispensável prever.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A costura, a higiene, a economia doméstica, a puericultura, encontrariam lá o seu lugar, num ambiente de educação cívica e moral adequado.
A ginástica, os jogos, a música e as artes plásticas poderiam ter papel relevante no desenvolvimento físico e na formação do carácter da criança, como não têm hoje, em horários comprimidos pelas matérias de exame ... Como poderiam então encontrar o necessário zelo nos serviços de inspecção e a mesma exigência de provas.
Uma vez ampliada a escola, poderiam inclusivamente prover-se alguns ajustamentos dos programas nos meios rurais que assegurassem uma melhor integração regional, tão pouco verificada hoje; entre as raparigas de aldeia que obtêm diploma de exame.
Creio não ser necessário encarecer as vantagens que adviriam do uma maior vivência da escola primária; cito como exemplo frisante a possibilidade de aproveitamento integral de medidas que visam a melhoria de nível sanitário e económico da população, tantas vezes decretadas com magníficas intenções e tantas vezes perdidas pela ignorância da mulher rural, insuficientemente preparada para se situar numa sociedade em que vacinas, rastreios, higiene alimentar, seguros, etc., são lugares-comuns.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Em qualquer hipótese, suponho que a chave do problema, venha ele a resolver-se concretamente desta ou daquela forma, estaria em consciencializar desde já as alunas das escolas do magistério primário sobre o significado e a importância de uma valorização autenticamente feminina e em prepará-las mais directamente para uma acção educativa nesse sentido; indispensável também proporcionar à professora primária condições sociais prestigiantes, que atraiam a esta nobilíssima profissão uma juventude moderna que esteja à altura de continuar a exercê-la com competência e devoção.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Mas ainda subsiste o problema de uma educação feminina mais desenvolvida para toda a rapariga que prossegue os estudos e vive nos anos em que a sua formação se poderia fazer, fortemente atarefada com as disciplinas, «com nota» e «com exame», e lhe enchem os horários, os tempos de estudo ... e a preocupação dos familiares e da escola.
Este problema foi encarado com devoção e clarividência há 25 anos, quando a Mocidade Portuguesa Feminina se entregou carinhosamente à missão de completar a educação da família na formação integral da rapariga; nós, as que frequentamos as actividades domésticas - da culinária aos primeiros socorros -, as físicas, com os seus jogos e danças, as actividades artísticas, do entre as quais sobres-

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saía a música, tão profundamente educativa, nós, que lemos as revistas e tomamos parte nas tradicionais campanhas do Dia da Mãe, do Folar e outras, tal como em campos, em cursos, em cruzeiros, em encontros, sabemos quanto ficaram a dever à organização muitos milhares de raparigas, que hoje são mães de família, e quanto continuam a dever-lhe as que procuram as actividades hoje existentes na metrópole e no ultramar.
Éramos então umas escassas centenas de estudantes que, apesar de tudo, vivíamos mais protegidas contra uma acção deletéria exterior e tínhamos em casa, pelo menos, o acolhimento agradecido da acção educativa que a Mocidade e outros movimentos da iniciativa da Igreja lhe prestavam complementarmente.
A própria escola - e não atravessava ela então um momento feliz na história da educação em Portugal - dava-nos com seriedade o pouco que era possível incluir nos horários para que não esquecêssemos as nossas responsabilidades femininas, obrigando-nos a merecer a necessária classificação na pauta.
Eu própria fiz exame de costura no Liceu Maria Amália ... Meu Deus, o problema não se põe hoje com menor acuidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - A população escolar feminina no ensino de grau médio cifra-se pelos milhares.
As famílias dificilmente acompanham as nossas raparigas, que passam o dia na escola, regressando a casa a desoras, depois de percorrerem a cidade ou o campo em condições mais que precárias e inconvenientes.
Por outro lado, a falta de exigência nas matérias que não constituem prova de exame relegam para o rol do esquecimento grande parte das actividades femininas facultativas e obrigatórias, básicas, afinal, para a formação completa da rapariga. Como pedir a esta a atenção e a disponibilidade para assuntos que deixam a família e a escola indiferentes?
E assim vão crescendo as futuras mães, esposas, rainhas do lar ... e tudo o mais que lhes será pedido pela sociedade do seu tempo. É certo que a melhoria de nível intelectual e técnico será um precioso instrumento a utilizar quando chegar o dia de pôr a sua competência à prova ... Mas não esqueçamos que a corrida aos diplomas não confere a verdadeira cultura, nem a especialização de sentido único assegura a polivalência e aquele sentido de universalidade tão necessários à mulher.

O Sr. Elísio Pimenta: - Muito bem!

A Oradora: - Em boa verdade, esta nunca sabe totalmente, ao preparar o seu futuro, o estilo de vida que a espera, tão dependente de um casamento que não tem a certeza de realizar e, em caso afirmativo, em que condições. Não peçamos milagres ao Céu ..., e é caso para duvidar que os improvisos de uma juventude alheada de misteriosos pequenos nadas, que dão calor e vida ao lar, de toda a bagagem prática de economia e actividade doméstica (e mais do que nunca toda a mulher terá de enfrentar) e, sobretudo, de uma equilibrada formação mental, não se deparem cheios de surpresas, de escolhos, de fracassos, de infelicidade familiar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: graves responsabilidades impendem sobre nós se continuamos a ter só como importante na educação da rapariga o útil, o eficaz, o que rende em escudos ..., com absoluto desprezo por aquilo que abre a alma à beleza, à cultura, ao amor de Deus, da família e do próximo em geral.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto antes importa encontrar o jeito de traduzir o interesse pelos valores que atrás defendia, pela seriedade com que se exige a formação espiritual e feminina que é possível desde já proporcionar em torno da vida escolar das nossas jovens.
Outra situação, a da rapariga que se orienta para um ensino de grau médio, de feição acentuadamente diferenciada. Muitos cursos das nossas escolas técnicas oficiais e outros de grau médio de iniciativa privada preparam a rapariga para profissões especificamente femininas, num sentido de diferenciação que tende a acentuar-se não fio entre nós, como em todos os países civilizados.
Poderíamos citar exemplos de escolas de economia doméstica, de agricultura feminina, de bordados, de culinária, de enfermagem, de educação infantil ..., que por toda a parte do Mundo tendem a aproveitar as naturais tendências da mulher, valorizando-a e facultando-lhe um diploma profissional que lhe assegura a1 entrada na indústria, no ensino, nos serviços de saúde, em termos adequados à vida da mulher.
Creio não ser necessário encarecer este louvável intuito de ir sucessivamente prevendo as necessidades da formação da rapariga como da procura de mão-de-obra, na linha natural das actividades femininas, que deveria ainda traduzir-se numa melhoria de condições de trabalho-especificamente feminino, de forma- a torná-lo mais atraente e convidativo.
Entre nós é tempo de rever posições, lembrando que vai diminuindo o património de conhecimentos transmitidos através da vida familiar, quer aos membros da casa, quer a empregadas domésticas, onde muitos serviços públicos têm recrutado os melhores valores em toda a escala de trabalhos e artes domésticas.
O incremento do turismo, exemplificadamente, como o desenvolvimento da indústria do vestuário, deveriam atentar a necessidades futuras de mão-de-obra especializada em economia doméstica, culinária, roupas, adorno do lar, etc.
Muitas instituições religiosas se têm desde sempre dedicado à educação feminina de crianças de meios menos favorecidos; e é digna- de menção entre outras a acção educativa junto dos meios rurais levada a cabo pela Obra das Mães pela Educação Nacional. Nestes últimos anos, dignas ainda da- melhor consideração as iniciativas particulares que têm fundado e mantido escolas de enfermagem, de educadoras infantis, de serviço social e outras cujas trabalhadoras tão relevantes serviços prestam ao País.
E já que veio a propósito referir a iniciativa privada, desejaria, se V. Ex.ª me permite, fazer uma última apreciação. Se as famílias e as instituições da Igreja e outras particulares não podem de modo algum prescindir da colaboração do Estado, quer no aspecto quantitativo, quer na superior condução de uma política educacional em prol do bem comum, também não podemos esperar de braços cruzados que os organismos oficiais suportem todo o peso moral e material dos necessários investimentos. Seria talvez cómodo para quem não esteja disposto a assumir responsabilidades. mas profundamente errado.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Penso exactamente que chegou a hora de tomarmos a causa da educação como um problema

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nacional, a resolver por parte dos Poderes Públicos como das entidades privadas, numa bem orientada colaboração, em espírito do coerência com os princípios cristãos que informam a Constituição Portuguesa, e de objectividade em relação às necessidades do País.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Se até hoje o ensino particular tem contribuído com um volume de trabalho notável no ensino liceal, a verdade é que se impõe um reajustamento das condições do ensino livre, que dê a, família a possibilidade de uma verdadeira escolha entre estes dois ramos de ensino, ao professorado uma ocasião de estímulo e valorização pedagógica, à Nação um notável enriquecimento do que resulte uma acentuada promoção humana.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Precisamente no campo da educação feminina, que vastas perspectivas se oferecem a uma livre iniciativa! Para a viabilidade deste reajustamento está em jogo, além de uma mentalização indispensável, um problema financeiro. E este é, sem dúvida, no actual momento da vida portuguesa, um ponto extraordinariamente melindroso. Será justo pedir ao Estado maiores dotações orçamentais? Será possível pedir às famílias o sacrifício de uma taxa de escolaridade, quando a política fiscal não tem conseguido poupar às famílias numerosas - aquelas á quem mais pesam os encargos da educação - outros encargos gerais da Nação?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Poderá vir a equiparar-se o regime do ensino livre ao do ensino oficial, modificando o sistema que leva o primeiro a suportar, através dos impostos de que está onerado, uma parte dos encargos do segundo, além dos próprios?
Deixo as perguntas em aberto, lembrando, no entanto, o seguinte: circulam hoje por todo o País avultadas quantias por conta da educação: propinas, material escolar, transportes, lições auxiliares, uniformes, etc. As famílias sentem tão imperiosamente a necessidade de educar a juventude que não se poupam a sacrifícios nem hesitam em dispensar os possíveis salários dos filhos para conseguir os seus intuitos.
Nos meios económicamente débeis o facto é de assinalar e de louvar, assim como é de notar que em todos os meios sociais a verba da educação toma hoje lugar preponderante no orçamento familiar. Não me parece inviável fazer-se uma estimativa dessas verbas privadas e daquelas que estão oficialmente consignadas, tal como o estudo da possibilidade de uma mais equitativa redistribuição social, em que se me afigura justo poupar as famílias que mais filhos dão à Pátria.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Seria de ter em conta a generosidade com que todos afinal se dispõem a gastar com a educação, respeitando, porém, nesta hora de sacrifícios, o dever de ser sóbrio, austero, poupado nos dinheiros da Nação.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - E qualquer que venha a ser a fórmula encontrada para resolver este delicado aspecto da questão, indispensável será fazê-la acompanhar de um esclarecimento, tão completo quanto possível, que disponha os espíritos a favor de uma verdadeira, fraterna cooperação social.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente: alonguei-me excessivamente e nem assim soube equacionar e apontar soluções aos problemas.

Vozes: - Não apoiado!

A Oradora: - Tenho, porém, para mim que não ganharemos a partida se, por receio da sua complexidade, os pusermos simplesmente de lado.
Pelo contrário, penso que a política da educação se conduz como uma batalha de que não se põe em dúvida a vitória: com fé na justiça dos objectivos, com perseverança na luta e usando com paciência e conhecimento de causa os meios que estão ao nosso alcance.
Batemo-nos em África pela integridade nacional, e a ela temos dado o melhor da nossa alma e das nossas forças.
À Nação, porém, mais do que a terra, é a gente que lhe dá expressão e vida. E a campanha da educação, que urge levar a cabo, é a segunda batalha da mesma guerra pela integridade de Portugal. Também para ela não pode faltar o nosso esforço, o nosso entusiasmo, o mais devotado amor à Pátria.
E com a ajuda de Deus venceremos!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Presidente?
Queria apenas fazer um rápido comentário à exposição que acabamos de ouvir da nossa ilustre colega Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis. Creio que todos os que me ouvem concordarão comigo quando eu afirmar que ela nos expôs um diagnóstico inteligente, feito com sensibilidade e com inteligência e cultura, de um problema que não é de hoje, mas que não pode ser já equacionado com os dados de há 17 anos, de quando data a reforma do ensino liceal.
A sociedade portuguesa está passando por transformações profundas, de muitas das quais até nem tomámos ainda consciência.
Entendo que a exposição aqui feita deve constituir hoje um ponto de partida muito importante para o estudo da educação feminina em Portugal.
Ficamos a dever à Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis uma interpretação pessoal de uma autoridade rara. Permito-me felicitar V. Ex.ª em meu nome, e julgo que o poderei fazer em nome de todos os Srs. Deputados, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - ... pela brilhante exposição que acaba de fazer à Câmara.

A Oradora: - Agradeço muito a V. Ex.ª as suas palavras e peço que este apoio às minhas considerações não seja tomado como referência pessoal, mas vá contribuir para aumentar o interesse que o problema em si realmente merece.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

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O Sr. Sousa Birne: - Sr. Presidente: começo por apresentar os meus cumprimentos aos ilustres colegas desta Assembleia a quem se deve a feliz iniciativa deste oportuníssimo debate e a seguir manifesto um caloroso desejo de que o debate resulte altamente cooperante e de acção dinâmica afirmativa de novos e mais irradiantes rumos.
Tendo passado uma vida sempre vivida nos meios industriais de ambiente rural, e muito tempo mesmo em centros solitários das serranias, vida assim afastada* da nobilíssima missão educadora, e portanto grandemente distanciada dos problemas da cátedra, foi natural a hesitação de aparecer como concorrente ao debate, perante a certeza de lhe comprometer a elevação.
Mas vim exactamente por aquele motivo, vim precisamente porque tive ocasião de avaliar e sofrer o enorme embaraço que a falta de instrução acarreta às actividades, e daí à inevitável determinação do engrandecimento económico do País, agrícola e industrial.
Apreciei a justa medida das dificuldades de toda a ordem, social e económica, que o analfabetismo e o baixo nível cultural dos povos introduzem no ordenamento, na racionalização e na renovação - no andamento em suma - das organizações industriais e reconheci, objectivamente, o próprio reflexo que essas mesmas dificuldades, implacável e injustamente, exercem sobre o crescimento económico das classes atingidas.
É no analfabetismo e no baixo nível cultural que basicamente se apoia a enorme montanha de dificuldades que os homens de boa vontade - os mais favorecidos - e os governantes - por mais esclarecidos e esforçados - topam no caminho determinante do ressurgimento da economia da Nação.
Não oferece dúvidas que é imperante realizar com plenitude a importância decisiva da elevação do nível cultural na valorização dos recursos do País e na adaptação do potencial económico a premente actualidade dos rumos internacionalistas.
É evidente que a valorização económica se não resolve só com a elevação do nível cultural, mas é evidente também que a mesma valorização se não resolve sem essa elevação, e não oferece igualmente dúvidas que a elevação cultural é de per si causa automática de maior rendimento do indivíduo e, consequentemente, da Nação.
Esta é a expressão que define a elevada rentabilidade garantida ao financiamento da instrução e que pode apontar aos países todo o interesse em aprová-lo, embora sob imediato imperativo de profundo sacrifício.
A população activa do País - considerando de actividade o período dos 15 aos 75 anos - é de cerca de 6 100 000 pessoas e abrange, aproximadamente, 2 100 000 analfabetos.
A verdade, bem conhecida, é que a nossa taxa de analfabetismo é a mais elevada da Europa e bastante superior à dos países que lhe seguem na escala: Espanha e Grécia.
Não interessa ao País a curvatura de constrangimento pela extremidade da posição, antes valem a coragem para a esclarecer e o dinamismo para a dominar.
Nos centros urbanos, pelas causas óbvias de conhecimento geral, a incidência analfabética é menor; em contrapartida, a percentagem concentra-se nos meios rurais e a concentração está, ainda por cima. em processo de intensificação pela triagem do êxodo e da emigração, que vão levando das províncias, quase exclusivamente, os que sabem ler.
Assim, é nas áreas rurais, onde vivem espalhados mais de dois terços da população, que a vida activa - quer a industrial, quer a agrícola- sofre o embate mais forte da elevada incidência analfabética e, quando ocorre lembrar, que a actividade industrial, pelo seu mais expressivo poder económico e por maior carência de apuro, exerce selecção, não é de admirar que seja - em última análise a actividade agrária aquela que forçosa e aflitivamente se debate num meio trabalhador de iliteracia intensamente dominante.
Quase apeteceria dizer que não são pura coincidência a deficiência económica do sector e o domínio do analfabetismo.
É difícil no entanto distinguir onde estão causa e efeito, mas a ruptura do círculo vicioso terá, sem sombra de duvida, de ser impulsionada pela instrução.
É altura de referir que se vai limitar a nossa modesta intervenção a breves anotações, da mais singela expressão objectiva, só sobre três aspectos: instrução elementar, iniciação técnico-profissional e ensino técnico superior. Começa-se pela instrução elementar.
Já se alertou que são os próprios trabalhadores e operários quem sofre, com a- mais profunda e dolorosa acuidade o reflexo directo do seu baixo índice educacional e se alertou também que este baixo índice é, por sua vez, gerador, na orgânica do País e nas actividades, de situações complexas que não permitem ir de encontro ao acerto total das suas mais justas e mais humanas aspirações.
A instrução elementar deveria estar à altura de garantir esse nível mínimo de educação adequado, uma vez que são as classes trabalhadoras - de hoje e do futuro - aquelas que, quase na sua totalidade, se integram na vida da Nação, exclusivamente com esse mínimo.
A instrução elementar de menores (instrução primária é considerada mínima obrigatória de quatro classes desde 1956; assenta sobre rede infra-estrutural de 18 200 salas de aula (continente e ilhas) e é ministrada por 26 800 agentes de ensino - entre professores primários diplomados e regentes.
As escolas primárias são frequentadas por cerca de 900 000 crianças, e a comparação entre este número e o número das existentes no País em idade escolar - 7a 12 anos - estabelece que é muito reduzido o número das subtraídas à escolaridade. Vimos uma referência de que no ano lectivo de 1957-1958 este número foi de cerca de 8000, o que daria, já naquela altura, uma reduzida e compreensível percentagem, inferior a 1 por cento da totalidade.
Pode, desta forma, tranquilamente, reconhecer-se ter sido finalmente atingido aquele objectivo - embora muito modesto que é - de que todas as crianças do País, em idade escolar, frequentam a escola.
Parece assim eliminada, para a geração futura, a causa básica responsável da elevada taxa de analfabetismo - iliteracia total - dos adultos de hoje.
O problema da instrução primária está porém, por enquanto, longe de ser resolvido. O nível de instrução do objectivo atingido não é mais da actualidade; está ultrapassado; as quatro classes de instrução mínima constituem, no presente, relíquia que só nós conservamos na Europa e, fora dela, países de muito menor evolução que a nossa a aboliram já.
A maior parte dos países europeus adopta períodos de instrução mínima que vão dos sete anos de duração, na Dinamarca, aos doze, na Alemanha Ocidental. (A Áustria, a Bélgica, a Checoslováquia, a Finlândia e a França adoptam oito).
A Espanha e a Grécia, no campo económico e social, os nossos mais semelhantes países europeus, instituíram já as seis classes de instrução mínima.
Com os quatro anos de Portugal são conhecidos no Mundo a Etiópia, as Filipinas e a Tailândia e parece que também ainda o Brasil, um país, aliás, cuja companhia

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sempre nos honra, mas na qual neste particular, se assim é, não desejaríamos permanecer. Deve notar-se, que em qualquer destes quatro países a instrução se processa em meios muito mais retrógrados, de muito maior incidência de analfabetismo.
É, no entanto, sintomático que outros países, também de intensidade analfabética muito mais elevada que a nossa, adoptaram já instrução mínima superior a quatro anos. São os casos da Turquia, com cinco anos, e do Egipto, Irão, México e Venezuela, com seis anos.
Entre nós a adopção dos oito, nove- ou mais anos, nas condições do presente, só constitui, infelizmente, sonho ideal, mas considera-se realidade inevitável a instituição imediata de. uma obrigatoriedade mínima de seis classes.
O País, com plenitude, confirma a imperativa autoridade da resolução, como pilar básico educacional de elevada repercussão global, social e económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São aproximadamente 90 000 portugueses que na metrópole anualmente saem das escolas de instrução elementar que não ingressam em qualquer outro ensino, e que. portanto com a instrução elementar se ficam para »a vida inteira, para serem homens, essencialmente para serem os operários e os trabalhadores, básicos e executivos, da planificação do desenvolvimento nacional.
A adição de mais dois anus permitirá não só consolidação e desenvolvimento direccional da interpretação c aplicação de conhecimentos como supressão do insuficiências e ausências notáveis da formação elementar existente que tão evidentes são Refere-se ainda um grave aspecto social relacionado com a educação elementar.
As cerca de 90 000 crianças que anualmente não transitam ao ensino secundário terminam actualmente a sua educação escolar geralmente aos 11 e 12 anos.
Novas de mais para se empregarem, até porque legalmente há disposições de limite de idade mínima, plenamente justificadas, de 14, 16 e 18 anos em determinados serviços, acontece que para a grande maioria se segue, à vida escolar, um período de vadiagem, em grupos pelas ruas. prejudicial sob todos os pontos de vista: esquecem o que aprenderam - e não poucos regressam ao quase analfabetismo -, contraem vícios que, por vezes, os estigmatizam para a vida inteira e constituem profunda preocupação de pais e de quem se detém no exame e na análise de tão alto perigo moral e social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode a gravidade do aspecto diluir-se e passar despercebida nos grandes centros urbanos, mas está bem à vista nos meios rurais das nossas aldeias e mais ainda nos meios operários e na vida dos aglomeramentos industriais rurais.
A instituição das seis classes permitirá a passagem imediata directa do período escolar ao trabalho, e esta é com certeza uma circunstância de não menor grandeza em valor moral, social e material.
Sr. Presidente: todos crêem conceber que o único embaraço ponderável à instituição das seis classes mínimas é o do «financiamento», e compreendem-se hesitações perante as despesas extraordinárias que o tumultuoso marc magnum externo insiste em impor à legítima e indeclinável defesa do nosso ultramar, mas a determinação é de ordem tão crucial que irresistivelmente requer que se aceite, embora como difícil mas cabalmente exequível, o que porventura se pretenda considerar impossível.
A planificação da ampliação do período escolar teria, pelo menos de início, de apoiar-se na rede infra-estrutural das 18 200 salas existentes, rede única aliás que vai a todos os centros rurais - onde a carência é mais premente -, e teria de fazer-se pela integração na instrução primária.
A obra de melhor adaptação e necessário robustecimento da rede infra-estrutural ir-se-ia processando sem retardo da fase inicial, no melhor ritmo possível, mas de cadência suportável.
Não se vê igualmente por que, da mesma fornia, pelo menos de início, se não possa definir programação compatível com o nível pedagógico dos professores primários diplomados - cinco anos de liceu e dois anos de escola cio magistério primário -, o que tornaria mais fácil o arranque imediato, considerando que a sempre prestigiada classe do professorado primário não regatearia o seu concurso, à Nação pelo aumento, embora transitório, do número de horas de regência, equitativa e suplementarei ente remuneradas.
O ensino das quatro classes custa anualmente ao País cerca de 450 000 contos. Embora a economia de uma estruturação daquela ferina admitida para a fase original, a adopção da extensão aos seis anos resultará inevitavelmente num aumento ponderável da despesa anual. Mas a própria instauração do sistema poder-se-á fazer, cadenciadamente, mediante plano de cobertura geral em vários anos, e não sofre admitir razão ou obstáculo intransponível, para que se não enfrente desde já o seu início, iniciando pelos meios rurais, onde prevalecentemente se faz sentir a sua falta.
Em paralelo com a instituição das seis classes obrigatórias, refere-se um simples apontamento sobre, a iniciação técnico-profissional.
Por mais elementar que, a análise seja, reconhece-se imediatameute o elevadíssimo significado e o transcendente valor da introdução da iniciação técnico-profissional na educação elementar, pelo menos para aqueles que à educação elementar limitam a sua aprendizagem escolar, e para esses se considera de necessidade indispensável - os aspirantes a trabalhadores e operários - iniciação que não poderá deixar de ser sectoriada, dentro da diversidade corrente da gama profissional: agrícola e pecuária, e industrial: carpintaria, serralharia, construção civil e electrotecnia.
A instituição deste ensino exercerá efeito reparador na dificuldade ou no abuso do empresário oficinal, actualmente único e incompleto provedor do ensino da iniciação profissional (pela admissão -quase sempre regateada e concedida a título de favor- de aprendizes, numa situação de humilhação e de subemprego, situação não poucas vezes interminavelmente prolongada, e mesmo explorada, entre actividades rudimentares de economia insuficiente.
Acode também - e esta é a sua finalidade perfeita - à falha, tantas vezes irrecuperável no futuro, daquele mínimo de conhecimentos básicos indispensável para a formação completa de um profissional competente e total dominador da sua arte.

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Sempre com significativo interesse de simplificar, admite-se também a perfeita incorporação da iniciação técnico-profissional no sistema da instrução elementar, embora obviamente o seu ensino esteja fora do âmbito didáctico do professor primário.
É indiscutível o óptimo concurso directamente oficial, mas este é mais complexo de instituir, e assim considera-se que o ensino poderia apoiar-se - no início - só na telescola - através da qual uma programação capazmente elaborada, uma regência competente, o auxílio da representação gráfica e o recurso à filmagem demonstrativa não deixariam de constituir um curso de pleno valor para uma iniciação profissional.
O curso seria ministrado durante os últimos dois anos - 5.º e 6.º - da instrução elementar, por grupos de igual modalidade de iniciação, antes ou depois do tempo regulamentar das aulas primárias.
Considera-se aqui a necessidade da primeira intervenção de um «ciclo de observação» - lacuna tão fundamental da nossa orgânica educacional ao longo dos diferentes graus de ensino - por prova prévia, embora elementar, orientadora da intuição profissional e selectiva da modalidade do curso a seguir.
E passamos a seguir à instrução elementar dos adultos: o potencial operário e trabalhador de hoje e o foco centralizador de 2 100 000 analfabetos.
Relacionado à totalidade - de cerca de 6 100 000 - da população activa do País, o significado da incidência do analfabetismo que neles se instala revela-se pela taxa de 34 por cento.
Não oferece já qualquer surpresa que este índice se situe no extremo inferior do campo ouropeu de paralelo significado sectorial.
A posição nacional continua a ser mais proximamente seguida pela Grécia, com 25 a 30 por cento, e pela Espanha, com 15 a 20 por cento, antes de atingir imediatamente a série de países de elevada evolução educacional, da Bélgica e da França, com 3 a 4 por cento.
Reconhece-se que não será possível que a recuperação dos adultos exceda o limite de uma instrução elementar - 3.ª e 4.ª classes, o que, aliás, já é muito -, e não se vê melhor nem mais fácil maneira de prestar o seu ensino que continuá-lo pela Campanha de Educação de Adultos, feliz e brilhante iniciativa e acção do Exmo. Sr. Dr. Veiga de Macedo, quando Subsecretário da Educação Nacional. À exclusiva acção desta prestigiosa iniciativa se deve já, desde o seu início, a admirável eliminação de cerca de 580 000 analfabetos, a um ritmo médio aproximado de 55 000 por ano, ritmo que atingiu ponto culminante em 1954, com 86 370, e que a seguir entrou em regresso, até descer a 33 320 em 1962.
A distribuição etária dos 2 100 000 analfabetos existentes revela que, aproximadamente, 1 200 000 se situam no grupo 15-50 anos e 900 000 entre os 50 e os 75 anos.
Infelizmente, para aqueles de idade superior a 50 anos, nada mais se poderá fazer do que aguardar a sua eliminação natural, eliminação que a estatística demonstra processar-se à razão de 20 000 a 25 000 por ano.
É sobre os 1 200 000 que a Campanha poderá e terá de exercer ainda acção redutora.
Reconhece-se que, na medida em que a Campanha avança no tempo, tropeça cada vez mais com os menos favorecidos e os mais desinteressados.
Mas, por isso mesmo, a Campanha terá de redobrar de actividade, em vez de fundamentar defesa para letargia.
Não é puro sonho, com certeza, poderem retirar-se do vasto campo de iliteracia 500 000 a 600 000 analfabetos. Mas para isso a Campanha, em vez de embotar, terá de regressar ao vivo entusiasmo do começo, manter sempre forte a energia da sua irradiação, pelo zelo de uma inspecção frequento, pela repressão do refractários e de desinteressados, pela persuasão, pelo estímulo e ainda pelo apelo às entidades patronais, quer individuais, quer grandes ou pequenas empresas, industriais ou agrícolas, para que cooperem, para que directamente se interessem na Campanha, numa perfeita compreensão do alto valor que a instrução significa para as suas actividades e para os seus servidores.
Só desta forma poderá o País aspirar a reduzir, nos próximos dez anos, o analfabetismo da sua população activa de 34 por cento a um índice menos assustador e de características muito mais progressivas de 20 a 22 por cento.
Sr. Presidente: vamos passar ao último dos aspectos: o ensino técnico superior.
Hoje, como há 37 anos, diploma-se o engenheiro ao fim de 17 anos de ensino: 4 de instrução primária, 7 de liceu e 6 de escola superior.
Iniciando a sua vida escolar aos 7 anos, está o diplomado apto a começar o exercício da sua profissão, no mínimo, aos 24 anos e normalmente aos 25 e 26.
Ao longo da nossa vida profissional tivemos ocasião de comparar, por observação directa - único valor da comparação -, a formação dos nossos técnicos à saída da Universidade - e vincamos à saída da Universidade, porque desejamos apenas referir-nos à acção formativa do ensino -, com a dos técnicos de escolas estrangeiras em pé de igualdade.
Os técnicos estrangeiros começam a sua vida profissional nas actividades industriais dos 21 aos 23 anos, quando os nossos nunca antes dos 24 aos 26, e foi evidente que os nossos, em relação àqueles, apresentam: muito maior cultura geral - ponto favorável: muito maior cultura matemática - outro ponto favorável; equivalente cultura das ciências aplicadas; menor sentido objectivo das aplicações, e falha notória de orientação e selectividade profissional, traduzida por deficiências de adaptação e de interesse pela profissão.
Partimos da expressão deste breve enunciado, de pura base objectiva, para as nossas simples considerações.
O ensino universitário tem de ser necessariamente de domínio elevadamente amplo, para que possa garantir ao País toda a diversidade intelectual criadora e motora do seu contínuo e progressivo desenvolvimento.
Para quem frequenta a escola superior com o fim de exercer uma determinada profissão especializada - propriamente o técnico profissional - tem o ensino de assumir aquele mínimo de instrução que cabalmente corresponda ao exercício perfeito da sua profissão, afirmando-lhe capacidade intelectual permissiva, através da experiência, do seu contínuo aperfeiçoamento até à plenitude dominadora da actividade a que se dedicou: comando, gestão e inovação.
Por sua vez, compete ao mesmo ensino universitário afirmar ao País a formação de um escol básico de eleição intelectual que assegure o acompanhamento contínuo da evolução científica e inovadora mundial, que promova a constante valorização dos recursos nacionais através da investigação e que assegure ainda através do ensino a constante actualização da intelectualidade juvenil.
Por outro lado, é de elevada expressão para o próprio e para a economia do País que o diplomado inicie a vida profissional o mais cedo possível; portanto que obtenha o seu diploma no mais curto prazo.
Do valor desta expressão e da amplitude do âmbito ressalta um dos erros fundamentais do nosso ensino técnico superior: a existência do grau único.

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É evidente que quanto maior for a diferenciação morfológica do ensino, mais ele se cinge ao regime perfeito; no entanto, a diferenciação tem de condicionar-se. por sua vez, a, por vezes, oposto e complexo sistema de uma diversidade de parâmetros, de tal forma que, se se reconhecer que por agora não é possível ir mais além, só considere imprescindível a instituição imediata de dois graus universitários.
Observa-se, entretanto, que a diferenciação que melhor se ajusta ao sistema de condicionamento do País tora de ser superior, mas precisamente um dos nossos teimosos males - e muitos são os casos - é preferir permanecer recuada e calamitosamente parado até à possibilidade da solução óptima, em vez de ganhar gradualmente caminho por soluções evolutivas e transitórias.
O Congresso do Ensino de Engenharia, com elevado espírito objectivo e renovador, realizado um Lisboa em Novembro de 1Ü62, incluiu já entre as suas várias e oportuníssimas conclusões a necessidade urgente da instituição de graus académicos naquele ensino.
Concluiu igualmente o Congresso do Ensino de Engenharia que o primeiro destes graus de ensino não seja superior a cinco anos.
É evidente que a redução em tempo tem de ser feita sem prejuízo de que o diploma continue a assumir garantia de sólida preparação científica - pilar fundamental da formação do diplomado universitário - no domínio das ciências de base (matemática, física, química, etc.), das ciências aplicadas e, por fim, das ciências de aplicação (propriamente a especialidade.).
É, no entanto, com certeza, possível a redução do volume deste ensino, por sentido objectivo mais intenso a que a programação deve obedecer, reorganizando-a profundamente na Universidade e já no ensino secundário, definindo com precisão e mesmo pormenor o âmbito da programação, condutora de maior concentração do próprio ensino, sem a deixar tão livremente ao critério e à preferência individual do professor, critério e preferência que resultam em repetições inúteis e desperdiçadoras de tempo ao longo dos cursos, e, por vezes, em excessos de professores, brilhantes cientistas, mas de deficiente sentido pedagógico objectivo.
Quanto a nós, não prescindimos de insistir na elevada expressão numérica do potencial económico que a redução do tempo de duração dos cursos significa para todos os aplicantes e para o País, e, por imperativo desse forte conceito, de afirmar que toda a ponderação deve ser exercida na investigação da possibilidade de que, ao adoptar-se a instituição dos dois graus no ensino técnico superior, seja reduzido - evidentemente sem prejuízo da formação - o 1.º grau a quatro anos, com a obtenção, «assim, do diploma ao fim de quinze anos de estudo.
A este respeito permitimo-nos a seguinte observação natural:
O conceito do valor do aproveitamento do tempo não se limita ao indivíduo.; generaliza-se, ao âmbito das actividades, e assim, é espontâneo o reparo de que gastar um ano para aprender só durante cinco ou seis meses - a quanto se resume geralmente a prestação do ensino universitário - parece desperdício de tempo em demasia.
Os períodos de férias são indispensáveis ao repouso cerebral e ao equilíbrio do desenvolvimento físico, mas quando exagerados têm inconvenientes que todos reconhecemos. Entre nós são mais liberais do que geralmente lá fora, logo a partir da educação primária e através do ensino secundário. Uma ponderada revisão do sistema de férias, indispensàvelmente acompanhada pela ciência médica,
poderá conduzir a um mais perfeito ajustamento da duração e da repartição dos períodos de forma a cingi-los melhor ao que é requerido, sem excesso, de harmonia com a intensidade evolucionai, física e mental, da criança e do adolescente.
Por sua vez, a reorganização do sistema de provas escolares - que profundamente se impõe - deverá reduzir a extensão do período de exames ao fim do ano lectivo.
Por outro lado, como é do conhecimento geral, muitas das Faculdades não começam efectivamente as suas aulas - embora já estejam abertas oficialmente - antes do fim de Outubro, princípios de Novembro, e casos há em que só na parte final deste mês. Mas é pior ainda, porque a totalidade do início não é instantânea. A integração vai-se fazendo gradualmente e a prazo longo, professores havendo que só muito mais tarde iniciam as suas aulas.
E de toda a importância, com certeza, que esta flexibilidade seja exclusivamente consentida em casos de plena justificação, e é, sem dúvida, de fundamental alcance e de pura ética educacional que o ano escolar se inicie, com plena realidade e totalidade, no dia oficialmente fixado.
Parece assim evidente que da profunda ponderação destes vários aspectos poderá resultar um adicional de tempo considerável no actual período de escolaridade efectiva e, a título de apreciação da importância que tal adição pode significar, se refere que se no conjunto dos dezassete anos de vida escolar for possível considerar o aumento médio efectivo de três semanas em cada ano, o aumento, só de per si, resultará numa valiosíssima redução de um ano na duração global do curso.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Creio que V. Ex.ª não está a focar exactamente o problema. Tem razão nas suas alegações, ao desejar que o ano lectivo se inicie no. dia em que o regulamento o determina o termine no fim do ano lectivo. Mas isso implica um aumento de quadros, porque a relação, pelo menos na minha Faculdade, entre o número de professores e alunos é de 1 para 90. Na Inglaterra e na Rússia é de 1 para 9. Isso implica que os exames tomam o tempo do professor durante semanas e meses.
O problema fundamental é focar, a necessidade de uma actualização de quadros.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a intervenção e compreendo a necessidade da actualização dos quadros. Referia-me à fixação do tempo dentro de um aspecto, que é precisamente o de o período de exames ser reduzido por uma inteira reestruturação.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Há muitos exames porque os alunos e os pais dos alunos reclamam segundas e terceiras épocas. Ou vamos para aquilo que alguns consideram direito natural do aluno ou para aquilo que outros tomarão por violência da autoridade constituída. Temos de escolher entre as duas partes deste dilema.

O Orador: - Limito-me a apontar aspectos que saltam à observação. A mim acontece-me muitas vezes, no exercício da minha profissão, feita com o melhor cuidado, vir um estranho e fazer-me um reparo justo, tendo eu de reconhecer que tem razão. Muitas vezes com o hábito da profissão podem-nos passar aspectos relacionados com a possibilidade de melhoria.

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O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Na Universidade temos plena consciência dos problemas. Simplesmente os nossos queixumes...

O Orador: - Agradeço mais uma vez a intervenção de V. Ex.ª
É definição perfeitamente sabida que a finalidade positiva e basilar da educação é a valorização, no mais alto grau, dos recursos da faculdade humana.
Dessa forma, como imediato corolário, tem de considerar-se de fundamental importância a intervenção de uma acção selectiva intensa ao longo do ensino, de forma a explorar o campo da aptidão do indivíduo e a integrá-lo no sentido perfeito das suas preferências e inclinações.
Só assim se proporciona o melhor rendimento individual, só assim se evita o profissional falhado e infeliz na vida que adoptou, e o ensino por sua vez cresce em eficiência, porque o aluno aprende mais quando lhe ensinam o que melhor se ajusta à preferência das suas faculdades receptivas.
A primeira entrada em acção do ciclo de observação psicotécnica, já o referimos, deverá ser na iniciação técnico-profissional da educação elementar, embora prova mais elementar e simples orientadora de profissões de características manuais.
Terá de incidir de novo no fim do 5.º ano liceal, quando o aluno tem de enfrentar a decisão de uma série de alíneas discriminativas de grupos de cursos, decisão que - até por indecisão natural do estado evolutivo da sua formação juvenil - acaba muitas vezes por ser tomada por reacções puramente momentâneas, casuais e extemporâneas, ou por obediência à preferência dos pais, bem intencionada sempre, mas inapta tantas vezes.
São muitas as decisões erradas que assim se tomam: umas emendam-se mais tarde, mas depois de terem ocasionado prejuízos aos próprios, aos pais e à educação nacional; outras constituem soluções falhadas para toda a vida. E, por fim, a acção orientadora da prova psicotécnica deverá exercer-se já no ensino técnico superior, na altura em que o aluno vai assumir a grave decisão de optar pela especialidade determinativa da sua futura profissão numa acção orientadora, profunda não só da aptidão técnica específica, mas investigadora até da capacidade de interesse pela profissão e de adaptação ao meio em que habitualmente se desenvolve a sua actividade, sistema condicional de alto valor para que se seja profissional eficiente e dedicado e para que se viva vida feliz no exercício da profissão.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença mais uma vez?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Onde é que se vai fazer a análise psicotécnica no ensino superior?

O Orador: - Eu não sei.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Eu também não.

O Orador: - Mas admito a possibilidade de se fazer, e creio que lá fora existe.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Portanto, estamos reduzidos a verificar em mais um ponto a ausência de métodos contemporâneos para lançar as bases da educação nacional.

O Orador: - Eu sei muito bem que isso não se pode fazer neste momento.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Mas pode começar a pensar-se nisso.

O Orador: - É isso exactamente o que nós pretendemos. Não sei muito bem como se pode fazer uma coisa que, se calhar, nem sequer está ainda definida no nosso país.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Os nossos peritos psicotécnicos formam-se no estrangeiro porque não têm cá onde formar-se.

O Orador: - Há um Instituto de Orientação Profissional...

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Existe, mas não vive.

O Orador: - O que não está é reconhecida a necessidade e grande vantagem de ser obrigatória a observação psicotécnica.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Neste momento está entregue a psicólogos de formação exclusivamente médica.
Eu estou apenas a observar o panorama.

O Sr. Sousa Meneses: - Este problema da montagem de um serviço psicotécnico para medir a capacidade de cada um, e, portanto, para lhe dar um rumo na vida, não me parece que seja muito complicado, nem me parece muito difícil situá-lo em qualquer serviço do Ministério da Educação Nacional.
No Exército, há anos, verificou-se a necessidade de organizar um serviço psicotécnico e, por simples decisão de um Ministro, arranjou-se uma dúzia de rapazes que se enviaram à Bélgica, onde havia uma escola orientadora do género.
Os rapazes estiveram lá creio que umas seis semanas, aprenderam não só certas coisas indicadas em livros, como ainda, e muito especialmente, coisas práticas. Vieram para Portugal e imediatamente se pôs a trabalhar com eles uma dúzia de outros rapazes.
E agora, no antigo edifício do Instituto de Altos Estudos Militares, em Caxias, está a funcionar um curso de psicotecnia, que não digo que seja de grande categoria, mas que satisfaz perfeitamente os fins para que foi criado.
E constituíram-se ali brigadas móveis, as quais têm percorrido o País, e, muito embora sem grandes concepções, as coisas lá vão funcionando.
Repito: a questão é simples, a questão é haver um ou dois homens que se decidam a estudar e a resolver o assunto com vontade de o resolver. O que se está fazendo no Ministério do Exército é bastante útil e não deve custar muito dinheiro.

O Orador: - Agradeço muito a V. Ex.ª a sua interrupção e estou inteiramente de acordo com as palavras de V. Ex.ª, e o que se faz já no Ministério do Exército poderia talvez fazer-se também no Ministério da Educação Nacional.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Não tenho a veleidade de falar em nome do Ministério da Educação Nacional, mas decerto que ali se inveja a mesma liberdade de movimentos de que felizmente goza o Ministério do Exército.

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O Sr. Sousa Meneses: - Toda essa liberdade de movimentos é muito relativa, o que é fundamental é haver uma ideia firme e um espírito desejoso de levar a cabo essa ideia, porque creio, como já disse há pouco, que o problema é relativamente simples e que não necessita de grandes concepções.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Mas isso só se dá no Ministério do Exército, como já afirmei há pouco.

O Sr. Sousa Meneses: - Faço votos para que se dê no Ministério da Educação Nacional.

O Orador: - Agradeço muito as intervenções de VV. Ex.ªs e vou continuar.
Há quem só compreenda a felicidade na vida quando vivida nos grandes centros urbanos, e são conhecidos numerosos casos de total renúncia à adaptação aos meios rurais onde têm que trabalhar, e que nunca deixam de considerar a sua situação como temporária e exclusivamente de trampolim, de salto para os grandes centros - que tantas vezes tarda -, vivendo, entretanto, vida contrariada ou revoltada, sempre reflectora de apatia e de baixo rendimento no exercício da profissão.
Aproveitamos ainda para fazer uma breve menção sobre a inspecção médica que está instituída, mas que está longe de ser eficientemente e totalmente exercida.
Considera-se de toda a necessidade que a inspecção médica se exerça com capacidade eliminatória à entrada na especialidade.
Com efeito, a crescente acção preventiva e de protecção social do trabalho, essencialmente no que respeita à contracção de doenças profissionais, determina um condicionalismo físico na admissão às actividades, condicionalismo que muitas vezes conclui -já tardiamente - que o candidato tem insuficiente capacidade física ou é possuidor de afecções crónicas eliminatórias ou altamente incompatíveis para o desempenho da profissão, incapacidade ou afecções que já existiam e deviam ter sido evidenciadas e plenamente ponderadas na altura oportuna da escolha da especialidade profissional.
Nós conhecemos vários casos destes, especificadamente de insuficiência física e de afecções de carácter cardíaco e pulmonar.
Sr. Presidente: chegamos ao fim da nossa intervenção.
O Sr. Ministro da Educação Nacional já em 7 de Maio do último ano, através de declaração a todos os títulos notável, plena de oportunidade e elevadamente esclarecedora, deu ao País a boa nova da elaboração do «Planeamento racional e orgânico da acção educativa», estatuto básico de profundo sentido coordenador, irradiante da sequente estrutura parcelar, programática e executiva de todo o sistema educacional do País.

arefa magnânima de alta transcendência e do maior sentido na valorização nacional, daqui rendemos a S. Ex.ª as nossas homenagens e apresentamos as nossas modestas, mas sinceras, felicitações pela brilhante iniciativa.
A Nação tem os olhos fixa e intensamente postos na execução de tão valoroso trabalho e não tem receio, porque plenamente confia no dinamismo do Sr. Ministro, de que não esteja concluído naquele curto prazo, que inteiramente responda à premente instância nacional de que possa iniciar-se, sem demora, a fase activa da sua execução, e aspectos há - que S. Ex.ª também superiormente considerou - que, por manifesta necessidade e pela evidência espontânea da sua integração no planeamento, não ficam dependentes da sua conclusão para que se realizem.
Revelou também o Sr. Ministro da Educação, em 12 de Dezembro último, todo o interesse e todo o carinho que ao seu Ministério está a merecer a instituição do telensino, outra magnífica iniciativa de alto reconhecimento do País, e anunciou para breve a fase inicial experimental da telescola, fase inicial na qual está incluído um curso, já de natureza escolar, de apoio aos cursos de adultos, apoio de tão evidente e considerável estímulo e valorização da Campanha Nacional de Educação de Adultos, que - anteriormente o reconhecemos - necessita cada vez mais de ser incentivada.
Não podemos deixar de dar todo o nosso aplauso ao começo da era da telescola, mas o nosso aplauso é mais caloroso ainda porque a iniciativa da telescola culminantemente se creditou pela preferência, de alto significado, que deu à educação elementar, e é sobre o sentido da elevada expressão intencional desta preferência que convictamente baseamos a esperança do próximo lançamento, pela telescola, dos cursos de iniciação técnico-profissional, dentro de uma planificação de cobertura gradual do País, de irradiação progressiva a partir dos centros rurais de menor grandeza e maior isolamento, onde a carência, por mais forte, deve ser originalmente combatida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E termino por onde comecei. Peço imensa desculpa da intervenção, que nunca soube elevar-se acima do nível terreno da expressão objectiva.
Eu disse que tenho uma vida sempre passada longe da nobilíssima missão do ensino, e acrescento: o excessivo hábito aos limites rectilíneos, do planeamento, da promoção e da dinâmica executiva.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Lobato: - Sr. Presidente: o problema da educação está na ordem do dia em todo o Mundo, o que não admira, porque o Mundo empurra as ideias e as técnicas para o futuro, e é por isso constante e premente a necessidade de uma adaptação permanente das formas educativas às conjunturas que se processam.
É isto apenas o que me leva a intervir no debate, para considerar, muito de relance, que é toda a minha possibilidade, o interesse que ele tem na conjuntura ultramarina portuguesa. E chamo conjuntura ao complexo de circunstâncias de toda a ordem, por vezes contraditórias, que existem na vida e nos povos do ultramar, derivadas da multiformidade social, da variedade de estruturas económicas, das formas peculiares da administração, do estado geral de desenvolvimento e progresso.
Pelo que respeita a Moçambique, que é o paradigma das minhas considerações, o exame do estado educacional traduz com certo rigor a situação geral da província e indica-nos, com a relativa segurança destas coisas, quais as zonas mais desenvolvidas e as mais atrasadas, bem como onde é que se têm conseguido progressos visíveis e onde é que o arranque tem sido tão penoso, que as melhorias são apenas preliminares.
A contraditória falta de paralelismo consequente entre o que desesperadamente se tenta com tanta soma de trabalho e despesa e o que relativamente se consegue tem-me levado a meditar repetidas vezes em busca de uma justificação.

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Claro que o meu ponto de observação do fenómeno moçambicano se situa numa perspectiva nacional, e, portanto, global, e necessariamente em ordem à natureza universal do homem, que é o único plano em que todas as realizações valem e todos os homens se encontram.
Com estas indispensáveis coordenadas poderei dizer que Moçambique se me afigura ser um dos territórios do Mundo do seu tipo e das suas condições em que a educação está a progredir sensivelmente, com inteiro respeito pela universalidade dos princípios. A instrução é ministrada independentemente da qualidade das pessoas, sem outras considerações que não respeitem à capacidade de recebimento da instrução em língua portuguesa, único instrumento cultural comum para tantos povos diferentes e com culturas regionais próprias na minha província.
A este respeito verificaram-se grandes progressos éticos em Moçambique nos últimos anos quanto à instrução primária, que, como ninguém ignora, estava na prática cindida em dois ensinos separados: o de adaptação, com duas classes de programa metropolitano distribuídas por três anos, e o comum, com o programa metropolitano completo.
Aquele ensino foi, praticamente, instituído em 1907, com programa provincial, quando na massa geral da população eram poucos os que falavam português e quase toda a província era mato por desbravar, sem comunicações densas, sem viação nem povoamento europeu de contacto e convívio. Ainda não tinha aparecido o automóvel, que foi o grande penetrador da África.
As populações negras estavam, no geral, considerávelmente atrasadas. Os responsáveis da época reconheceram, naturalmente, que não era possível ministrar-lhes uma instrução que ultrapassasse largamente os ambientes culturais tribais, os níveis económicos de situações locais fechadas e os ambientes sociais confinados. A instrução era para a vida e tinha de acompanhá-la.
O que se fez, e o que se conseguiu até 1940, que é o ano do Acordo Missionário, não foi muito, por falta de meios, mas foi alguma coisa de fundamental para o arranque. Entretanto, Moçambique tinha por si retomado o problema e regulamentado a instrução aos indígenas. Todavia, a Concordata e o Acordo Missionário foram, efectivamente, os instrumentos que tornaram possível criar uma nova máquina destinada à educação das chamadas populações indígenas.
Não me alongarei na acção missionária, porque, por agora, me interessa afirmar que vinte anos depois da Concordata e do Acordo Missionário todo o sistema em vigor estava envelhecido e ultrapassado pelas progressivas realidades sociais da província e carecido da urgente reforma que está lentamente a operar-se.
A conclusão a tirar de uma estrutura que envelhece e se mostra ultrapassada pela realidade da vida e as necessidades futuras é a de que cumpriu os seus fins e se esgotou pela criação de necessidades novas.
Com efeito, o ensino de adaptação que se ofereceu às populações nativas como forma compreensível de solicitação preliminar para outros modos de viver já não tem razão de ser como instrução separada, contido em si próprio. Tecnicamente é impossível eliminá-lo para todos quantos ainda careçam da aquisição da condição única de ingresso no ensino primário comum, que é o entendimento de um mínimo essencial à compreensão corrente, e a que chamarei português básico.
Ao que me dizem, o Ministério do Ultramar prepara actualmente a supressão do ensino de adaptação como ensino próprio e separado e vai transformá-lo em classe preparatória para funcionar apenas onde se torne necessário. E prepara também outras medidas legislativas que considera importantes e são esperançosas.
No que se refere à política do ensino em Moçambique, vai agora consagrar-se uma evolução que durou anos e em que a lei andou atrasada em relação às ansiedades e realidades, porque a administração do ensino da província não compreendeu oportunamente o espírito que presidia ao chamado ensino de adaptação, espírito que claramente visava uma adaptação para uma continuação que se não processou a tempo e está agora a criar-se.
Por muitos motivos que não vêm ao caso, fez-se da adaptação, por comodismo, e na prática, uma finalidade. Quem rompeu esta contradição foram as missões religiosas, ao abrigo dos princípios gerais nacionais da Concordata e do Acordo Missionário.
As machadadas finais foram dadas pelo Ministro Adriano Moreira, que tão louvavelmente extinguiu o indigenato político, e pelo governador-geral Sarmento Rodrigues, que iniciou ò seu governo com uma importante série de realizações para a expansão do ensino em larga escala por toda a província, correspondendo assim, psicologicamente, a uma ansiedade dos tempos e dos povos.
Foram duas medidas modernizadoras, mas peço a atenção da Câmara para o facto de a expansão do ensino em Moçambique se ter iniciado meses antes de o Governo modificar o estatuto político da massa geral da população.
Quero dizer que, se foi possível promover-se uma expansão explosiva da instrução em Moçambique na vigência do Estatuto Político dos Indígenas, é porque não havia qualquer necessária relação de causa e efeito entre indigenato e instrução.
Todavia, durante anos, a Administração viveu em Moçambique com suficiente indiferença o nascer psicológico dessa falsa causalidade, que nunca teve fundamento legal ou ético. Afirmações contrárias feitas recentemente na O. N. U. são inteiramente falsas, porque a verdade da universalidade do ensino não pode confundir-se com a carência de condições económicas familiares das populações pobres, geralmente nativas, e o problema é outro.
Claro que o governador-geral de 1907, que era o grande Freire de Andrade, não poderia ter actuado assim, por manifesta falta de condições. Mas o que lamento é que só em 1961 a administração do ensino na minha província tivesse sido empurrada para novos rumos, especialmente no que se refere ao ensino primário, quando afinal as estruturas para isso começaram a ser montadas em 1940. Mesmo assim, os defeitos do funcionamento orgânico são graves e a impreparação provincial, no que respeita a estudos de instrução, educação e cultura e ao conhecimento das previsões ou medidas, é impressionante. Direi o mesmo das técnicas de ensino.
Aludi há dias à necessidade de uma mentalidade nova nas províncias do ultramar. Acrescentarei que se torna necessário estar atento à existência criadora de um espírito sempre novo para que as construções realizadoras correspondam em todos os seus pormenores à fraternidade idealística que as dita. Porque de contrário pode voltar a suceder que a burocracia rançosa e cristalizadora diga outra vez, como já disse, num recente colóquio relativo aos problemas do ensino primário, que o ensino de adaptação não tinha ali lugar porque constava de outro regulamento para outro ensino.
De facto, a província possui um regulamento novinho em folha para o ensino de adaptação e tem de o deitar fora, porque, além de corresponder a um conceito ultrapassado, não levou em conta que a adaptação é meramente individual e se contém toda apenas em meia dúzia de regras muito gerais, que não podem ser rígidas, porque

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o segredo do êxito da adaptação, e é o que interessa, está na conjugação dos factores professor; aluno e ambiente.
Não deve a adaptação ter prazo, ou escalonar-se, ou revestir formas especiais. Depende do estado e das necessidades de cada aluno, nem deve sequer dar-se por adquirida mediante exame, porque deixará de ser uma adaptação escolar, aliciante, carinhosa e promotora.
Todas estas considerações, muito sumárias, visam pôr aos nossos pedagogos a essência de um problema nacional, o que me leva a exprimir o desejo de ver estas coisas seriamente consideradas pelo Ministério da Educação Nacional nas reformas que tem entre mãos.
Ainda por isso não me quero esquecer de pedir concretamente, e insistentemente, que sejam convenientemente revistos os programas das escolas do magistério primário. Dois anos de curso é francamente pouco.
Há, aliás, que preparar o professorado primário para leccionar nas escolas primárias a maior parte das matérias dos primeiros anos do ensino liceal e técnico se queremos, como é preciso e urgente, alargar o âmbito da nossa educação de base. Mas no ultramar dois anos de curso de magistério primário são perigosamente insuficientes, porque o ensino da língua comum, que é o português, o ensino da vida portuguesa e da nossa ética são coisas que requerem tempo e não podem fazer-se de afogadilho.
O ensino do português, falado e redigido, põe problemas delicados de métodos, de técnicas, de glossários, de textos de literatura corrente, de processos audiovisuais, de intensidade e durabilidade do ensino, de preparação de pessoal e material, porque, sem os povos assimilarem o que se chama o génio da língua, o nosso idioma não se radica nem perdurará e terá o destino de servir apenas para enriquecer as línguas coloquiais locais.
Não esqueçamos que Moçambique está sujeita à pressão psicológica da língua inglesa como língua universal.
O Ministério da Educação Nacional, que, desde que me conheço, tem andado positivamente arredio das implicações ultramarinas (com a honrosa excepção dos últimos programas de instrução primária, para os quais, porém, não existem livros capazes), não pode deixar de ter em conta a realidade nacional no ultramar e de subordinar neste ponto o interesse metropolitano ao interesse nacional, que nesta época é relevantemente ultramarino. E uma exigência peremptória que lhe fazemos.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?
Não seria preferível dizer que o Ministério do Ultramar é que tem, também em muitos casos, andado arredio da educação nacional?

O Orador: -Eu sou de opinião contrária e peço licença para a ter.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Com certeza! Fiz apenas uma interrogação.

O Orador: - Devo também chamar a atenção do Ministério da Educação Nacional para as situações grotescas, ridículas, vergonhosas, criadas por tanta ignorância, tantas vezes estampada em livros por ele aprovados, escritos por professores que afinal não sabem e se propõem ensinar.
Tem sido regra os livros metropolitanos que se referem ao ultramar conterem erros, apresentarem omissões graves ou referirem-se u situações ultrapassadas há dezenas de anos quanto a vida das províncias. O que não está certo.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de livros escolares as províncias estão já a pôr de parte os da metrópole, pela simples razão de que estes não satisfazem.
Reportando-me a uma geografia aprovada oficialmente para a instrução primária na metrópole, por onde meu filho estuda, numa edição de 1961, acho que está errado incluir-se o algodão nas produções de Cabo Verde ou dizer-se que o arquipélago é muito frequentado pelos vapores que fazem as carreiras entre a Europa e a América do Sul, «o que facilita as comunicações entre as várias ilhas e entre estas e o continente» (risos).
A mesma geografia não enumera todos os territórios que compõem o Estado da índia; diz que o território de Damão é muito acidentado; afirma que «em quase toda a colónia o clima é quente e doentio».
Acerca de Macau pode ler-se que «Portugal exerce ainda a sua soberania sobre as ilhas da Lapa, de D. João e da Montanha» (risos). Por essa geografia, que examinei para ver o que é que o Ministério da Educação Nacional manda ensinar aos meus filhos, fiquei a saber que os habitantes de Macau trabalham o ópio (o que eu julgava proibido) e a cidade é notável «pelas suas hortas e quintais» (finos). Das produções de Timor diz que a principal é o café e acrescenta que, «além deste, tem ainda cacau, cana-de-açúcar, carvão, petróleo, cobre, ferro, ouro, etc.», ficando-se, pois, com a errada impressão de que Timor produz tudo isto.
A minha província é porém, a mais maltratada, a começar por estar errada a enumeração dos países vizinhos. Vem a seguir que «o território de Moçambique é essencialmente montanhoso» e lêem-se estropiados os nomes das serras.
Diz-se erradamente que no porto de Lourenço Marques podem entrar navios de toda a lotação e que a ilha de Moçambique fica em frente da cidade do mesmo nome, o que muito naturalmente se considera nos meus sítios uma calinada de alto coturno (risos).
A cabeça das indústrias moçambicanas apresentam-se na citada geografia os artefactos de palha, cerâmica e manufactura de utensílios de ferro.
Se em Moçambique adoptarem este livro inefável, que está oficialmente aprovado pelo Ministério da Educação Nacional para uso das escolas portuguesas, ficarão ali a saber que o caminho de ferro de Quelimane a Mocuba «é para ser prolongado até Tete e daí ao caminho de ferro do Cabo». Também aprenderão que a linha de Quelimane tem um ramal para o Maquival. E deverão fixar muito bem este mimo:

O Trans-ambeziano vai da Beira a Murraça. na margem direita do rio Zambeze, com 251 km. Neste troço de linha férrea há uma ponte sobre o rio Zambeze. em extensão considerada como a maior do Mundo, e depois levará este caminho de ferro até ao interior da Niassalândia.

Ora quando eu estive na Zambézia pela primeira vez, há 21 anos, isto já não era assim haveria uns 10 anos. Também se poderá notar que os grandes aeroportos da província aparecem confundidos com simples pistas de terra e capim numa velha lista já sem interesse, anterior à última guerra. Nampula e o Lumbo não figuram, mas aponta-se em compensação um campo de aviação na cidade do Moçambique, o que seria excelente se fosse verdade.
O campo não existe, porque nem sequer há espaço para ele, mas o meu filho irá aprender que há uma carreira aérea «a ligar a cidade de Lourenço Marques com a cidade de Moçambique». O caminho de ferro de Tete, construído

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há tantos anos, também não aparece neste livro, que ignora por completo coisas fundamentais, como a cultura do chá, o colonato do Limpopo, as ligações aéreas com a metrópole, as radiocomunicações internas (pois diz que há o extinto cabo submarino e apenas um posto de radio-telegrafia em Lourenço Marques), nem tem uma palavra relativa aos povos, à sua vida e ao seu progresso.
O ultramar é apresentado neste livro, aprovado pelo Ministério da Educação Nacional para as gerações de amanhã, como terra primitiva, sem civilização nem progresso, de que não há nada a dizer para ensinar.
Claro que na explosão da nossa cólera estes factos recebem o nosso riso, porque não podemos fazer mais nada, mas sentimos que são profundamente tristes, pois sabemos que são altamente alarmantes, porque é pela grandeza destas pequenas coisas que podemos medir a espessura da nossa ignorância.
Os senhores que na metrópole são responsáveis por estes dislates, porque os escrevem, ou porque os consentem, não sabem o mal que fazem, nem como tornam difícil a missão do professorado ultramarino, que tão delicado tem sido à causa da educação nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não obstante, fazem-se por vezes milagres e, apesar desta ignorância oficialmente aplaudida, é verificável que em Moçambique, por exemplo, o ensino primário comum tem geralmente melhor nível do que na metrópole.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Ainda bem, apesar de lá também se adoptar o livro único da metrópole.

O Orador: - Depois disto tudo estou hesitante sobre se hei-de apresentar ao Ministério da Educação Nacional os meus protestos ou os meus cumprimentos. Mas talvez não valha a pena protestar, porque já o fez o Ministério do Ultramar, e as coisas continuam na mesma. Com efeito, há anos, quando estive na índia, apareceu-me um dia arreliado, exaltado, o chefe da Repartição de Instrução com uns livros escolares acabados de chegar aos centos de Lisboa e cheios de disparates relativos à nossa índia.
Devidamente informado, o governador-geral levou o caso ao conhecimento do seu Ministro, que o endereçou ao colega da Educação Nacional.
Li na altura, em Goa, dois protestos oficiais idênticos e específicos, fora referências de generalidade em relatórios. Ficou tudo na mesma, e o caso é tão velho e tão público e familiar para nós no ultramar que até já o incluímos no bragal das nossas anedotas sobre alguma ciência ultramarina que se exibe e vende na metrópole. Como vão distantes os tempos em que mestre Nicolas escrevia o seu tratado de aritmética compondo problemas com dados tirados da vida do ultramar.
Há ainda outro aspecto desta importante questão dos livros, mas diz respeito à interpretação dos programas. Concretamente, o programa de história.
Não conheço nada mais mal feito do que o programa de história, primário ou secundário, e correspondentemente, nada mais mal laborado do que os respectivos compêndios.
Peço licença para ter muito convictamente, esta opinião, que fundamento na minha vivência de, oito dos doze territórios nacionais e no conhecimento que tenho da história de cada um deles e da do seu conjunto como Nação Portuguesa, que é um tanto diferente da que anda nos compêndios que o Governo aprova.
Aliás, devo esclarecer que o problema da dificuldade do ensino da história portuguesa às populações nativas do ultramar foi-me frontalmente posto por professores primários em Moçambique.
Tal como anda nos livros escolares, surge ao aluno a metrópole contraposta ao ultramar numa série ininterrupta de actos de forca para submissão de povos, sem que se diga uma linha plenamente justificadora de tal acção; a história oficialmente aprovada, e oficialmente desvirtuada pelos pedagogos, não ajuda a educar a mocidade ultramarina no sentimento nacional.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Nem a de cá.

O Orador: - Mas lá a coisa tem outros perigos.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Isso põe a nu um problema gravíssimo. A exposição e a crítica que V. Ex.ª tem estado a fazer constituem um depoimento notável sobre o estado em que se encontram os manuais de ensino. Ora. o que isso vem denunciar é, sobretudo, o erro fundamental dos compartimentos estanques estabelecidos nos hábitos e talvez na orgânica do Ministério da Educação Nacional no que respeita a esse aspecto particular: professores primários para livros do ensino primário, professores do ensino secundário e técnico para esses graus de ensino, etc. O que devia haver era uma comissão nacional a que pertencessem professores e não professores, pessoas idóneas e cultas capazes de apreciar os livros por onde os nossos filhos vão aprender. Dessa comissão deviam fazer parte professores de todos os graus de ensino, pais de família, representantes grados de interesses morais e cívicos, impregnados da consciência da unidade nacional e das suas exigências actuais. Trata-se de um magno problema nacional, de profundas repercussões políticas, que não pode deixar-se abandonado ao jogo dos interesses pessoais ou comerciais.

O Orador: - E naturalmente sensível à vaidade portuguesa o prurido heróico, mas quem estuda as verdades da vida dos povos sabe que as heroicidades são apenas desesperos das horas de não morrer, e sabe que só são possíveis na convicção íntima de que já não há mais nada a fazer pela verdade, pela justiça, pelo bem ou pela honra. O que dá sentido completamente novo e diferente às batalhas e às conquistas, e é preciso dizer e provar.
Ainda acerca do ensino primário quero lembrar a alta conveniência nacional de se ampliar desde já essa instrução de base ao nível da antiga 5.ª classe que a primeira República tão prometedoramente instituiu e a Ditadura tão estranhamente extinguiu, em vez de generalizar.
A antiga 5.ª classe dava excelente preparação em português, especialmente redacção, ensinava preciosos rudimentos de aritmética comercial, fornecia um conhecimento aceitável de ciências naturais e geografia.
A educação cívica do aluno era particularmente cuidada, a preciso regressar ao velho esquema, e para a Nação inteira, e especialmente para o ultramar, é fundamental cuidar-se meticulosamente da educação moral e cívica, sem enveredar pela comodidade fácil de a confundir com a formação religiosa, por um lado, e a organização política e administrativa, cujo programa parece lamentavelmente decalcado dos do concursos para funcionários públicos.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - O resultado é que, neste campo, informa desnecessariamente, mas não forma convenientemente, como é essencial em educação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Vem a propósito dizer algumas palavras sobre organizações educativas da mocidade. Entre outras de menor vulto, tínhamos em Portugal, além das privativas das igrejas, a generosa e universal escola de homens de carácter que é o escutismo, introduzido na metrópole em 1913 e em Moçambique em 1915, salvo erro. Centenas de rapazes passaram por essa escola magnífica, e eu fui um deles.
Toda a nossa aprendizagem desportiva, moral e cívica assentava na colaboração voluntária idealista e fraterna entre dirigentes e filiados.
Ora um dia aconteceu que a Mocidade Portuguesa, instituída há alguns anos na metrópole, foi tornada extensiva a Moçambique, como obrigatória, e extinto o escutismo. A Mocidade-Portuguesa obteve assim, na minha província, o monopólio das actividades circum-escolares da juventude.
Esta situação monopolista manteve-se também praticamente por largos anos na metrópole. Penso que teria sido inteligente estabelecer entre organizações similares de vária índole um sadio espírito de emulação, e subsidiá-las, como penso que convém transformar a Mocidade Portuguesa numa organização particular e dar meios de acção aos Escuteiros de Portugal e ao Corpo Nacional de Escutas das várias dioceses.
O monopólio ultramarino da Mocidade Portuguesa foi quebrado, em Moçambique, porque, ao abrigo da Concordata e do Acordo Missionário, algumas dioceses criaram os seus grupos de escutas. Se a educação da juventude pertence à família, o Estado não pode arrogar-se o arbítrio de criar situações monopolistas; cumpre-lhe mesmo evitá-las.
Esta tese, que reputo fundamental e está na Constituição, leva-nos ao problema do ensino particular, que no nosso país não tem tido a alta consideração que merece.
O ensino particular é um bastardo cheio de vícios e defeitos no sistema educativo português. Economicamente, é um ensino para ricos, porque o Estado o não subsidia. Socialmente, é um vazadouro de estudantes falhados e insolentes, que em regra os colégios não corrigem nem educam, porque precisam deles para viver.
O Estado faria uma boa operação financeira e promoveria um grande bem social se subsidiasse o ensino particular, de modo a barateá-lo substancialmente e a libertá-lo dos defeitos inerentes à comercialização.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há no ultramar ensino particular vulgar e ensino particular subsidiado, que é o das missões católicas. E muito grande, como se sabe, a controvérsia em torno das missões. Claro que estão sujeitas a todos os desvios possíveis em instituições humanas, mas há sobre todos um mal grave que as aflige, que é a pobreza.
Este reparo leva à resposta frequente de que os padres gastam em igrejas e capelas boa parte do subsídio do Estado, mas há que compreender a Igreja com a sua ética, nem ela aceita outra, e se acaso isso é verdade, é de lembrar que o próprio Cristo disse a Pedro que construísse a sua igreja.
Parece portanto conveniente e prático que o Estado venha a atribuir às dioceses ultramarinas subsídios globais para a acção propriamente missionária e subsídios escolares destinados aos estabelecimentos escolares das missões, escola por escola, conforme os resultados que obtenha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto permitirá ao Estado concertar um plano de acção paralela, conjunta ou separada, conforme as conveniências das populações e os meios de acção. De qualquer modo, é preciso acabar com mal-entendidos e trabalhar em comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As missões poderiam ser um excelente apoio para o ensino técnico profissional elementar de artes e ofícios a espalhar por todo o interior da província. Todas elas têm mais ou menos as suas oficinas, que podem servir de base a uma escola de operários e artífices especializados e escolarizados.
O ensino oficial de artes e ofícios, introduzido em Moçambique no tempo do governador-geral Francisco Maria da Cunha, em 1876, tem quase um século, mas existem apenas quatro escolas, o que é lamentável. Estranhamente andaram afectas aos governos dos distritos, que não têm capacidade para dirigir o ensino. Passaram agora para a instrução, e há que multiplicá-las.
O processo prático é aproveitar as missões, aliás para a criação de centros escolares dotados de indispensáveis internatos para os alunos oriundos das pequenas aldeias do mato.
O problema do ensino técnico não está, a meu ver, a ser considerado em Moçambique em termos desejáveis. O Governo provincial tem-se esforçado por criar novas escolas e a rede escolar em funcionamento já representa um progresso considerável e digno de nota.
Porém, tecnicamente, há que lançar mão de outros meios para dotar a província com operários especializados em profissões que não são escolarizáveis nos cursos professados em escolas.
Precisamos nacionalmente de legislar no sentido de se criar uma colaboração funcional entre as escolas técnicas e as pequenas e grandes empresas comerciais e industriais, para além da colaboração formal que já existe, de modo que os alunos possam receber a formação cultural nas escolas e a aprendizagem profissional nas oficinas e escritórios das empresas. O Estado não pode apetrechar escolas para todas as profissões.
Em África isto tem uma importância considerável, porque, por falta de oportunidades neste sentido, numerosas famílias pobres, especialmente nativas, encaminham os filhos para o ensino liceal, que só é útil continuado até ao ensino superior, mas para o qual lhes faltam meios.
Daí a acuidade do problema de bolsas e internatos.
Em Moçambique, o grande problema social é o do robustecimento económico das famílias, e o processo que se me afigura mais conveniente é o da larga e variada especialização profissional para se obterem bons empregos que garantam bons salários e abram amplas perspectivai à educação de alto nível nas famílias da geração seguinte.
Se se não contrabalançar a afluência ao ensino liceal, em benefício de uma mais larga e compensadora procura do ensino técnico, tenderá a criar-se em Moçambique uma sociedade desarmónica. c haverá uma inflação social nas ocupações que requerem aprendizagem liceal, que é sempre uma aprendizagem intermédia sem finalidade em si mesma.
O que é verdade é que a capacidade de oferecer empregos de habilitação literária de tipo liceal é restrita e está

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fortemente condicionada pelo desenvolvimento das actividades imediata e económicamente produtoras e rentáveis que recorrem à especialização profissional técnica.
Esta tendência geral africana, desequilibradora, estendeu-se naturalmente a Moçambique, com tendência para criar vazios em certos sectores e congestionamentos noutros, o que requer a mais cuidada atenção. Infelizmente, a província não possui meios de medir e estudar o problema.
Uma tentativa que fiz em 1961 para se transformar a malograda escola de aprendizes dos caminhos de ferro em Lourenço Marques numa boa escola técnica de electricidade e mecânica, capaz de habilitar para salários altos, não deu resultado, porque burocràticamente se entendeu que as oficinas dos serviços públicos devem ser para seu uso. No entanto, na Guiné eram as oficinas da Capitania dos Portos que tornavam possível o funcionamento da escola técnica.
Não quero deixar sem uma palavra o problema do ensino agrícola, tão cheio de dificuldades em toda a parte. Sei que se continuam esforços para o instituir convenientemente em Moçambique. E oxalá se consiga, porque é uma velha aspiração da província.
Ultimamente começaram ali a funcionar os Estudos Gerais, e venceram-se grandes dificuldades para que tudo começasse bem. A extensão da Universidade a Moçambique cria novas e amplas possibilidades, que é preciso aproveitar e fazer valer, especialmente no domínio da cultura.
Não repetirei algumas considerações que fiz em Lourenço Marques a esse respeito, tanto mais que sei de alguns planos que se desenvolvem no sentido de assegurar à cultura portuguesa uma posição marcante em África, e por outro lado enriquecê-la com o que a província tem para oferecer-lhe.
Mais uma vez, Sr. Presidente, a minha intenção foi a de levantar os temas e suscitar as ideias no sentido de se criar uma política de ensino que contemple devidamente os problemas, os interesses e as circunstâncias de Moçambique, que são nacionais, na sua específica natureza, e estão a projectar-se no mundo da nossa cultura com impressionante grandeza.
Mas não quero acabar estas notas soltas sem uma palavra de apreço por todos quantos se esforçaram e esforçam por fazer mais e melhor. E devo acentuar que a maior parte das dificuldades e dos problemas actuais derivam precisamente do muito que se tem progredido e do muito que se tem realizado. Há progresso sensível, e é por isso que há problemas grandes, o que me apraz registar com a consoladora esperança que brota sempre das grandes certezas, quando há vontade, porque há fé.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: quero ser breve e desejaria ser quase tão leve como uma pintura a fresco.
Venho a este debate preso de dois propósitos e voltado para duas ideias.
Vou considerar, em função das coordenadas nacionais, a estrutura, a grandeza do problema da educação, situando-me depois, para além dos esquemas, dos programas, das técnicas, junto das almas e das raízes.
Começo pelo Olimpo ...
Os mais sábios professores do Oriente e do Ocidente juntaram-se, algures, para discutir, para confrontar, problemas de humanismo e de educação, sob o signo da U. N. E. S. C. O., e tiveram de concluir que este é, verdadeiramente, o problema central da humanidade.
Educar técnicos que tornem o homem eficaz nos quadros sociais;, educar todos os indivíduos para desempenharem o seu papel de homens livres; educar o homem para lhe permitir dominar suas conquistas, servindo-lhe a precisa sabedoria - aquela sagesse - de que tanto necessita; educar em termos de permitir a cada cultura guardar e renovar os seus próprios valores, o seu património moral e espiritual, salvando com ele a humanidade ameaçada.
E os sábios registaram que se processou, nas últimas dezenas de anos, uma larga experiência educativa, relacionada com as transformações do ideal, do homem, ao mesmo tempo que se fez um esforço desmedido para a formação de quadros técnicos em todos os quadrantes do Mundo.
O apelo à liberdade criadora, à experiência vivida; as relações entre o sagrado e o profano - entre a religião, a vida espiritual, a ética e a política; o ideal do homem senhor da natureza pela técnica e o ideal do homem em comunhão com a mesma natureza; a ciência e a sabedoria; a ciência e a cultura; a influência do ideal no plano da conduta individual e das instituições; o ideal da justiça e o facto da desigualdade; as concepções da educação e o ideal da mesma igualdade; a participação de todos na vida cultural; o papel das instituições políticas nacionais e internacionais na formação do novo humanismo; o problema da tolerância - da tolerância e do cepticismo; a tradição e a renovação como factores decisivos da filosofia da educação; e, finalmente, a acção e a contemplação - o sábio, o filósofo, o santo, o místico; a importância da filosofia do trabalho do homem - o ideal do ascetismo e o bem-estar para todos.
Está aqui um mundo de questões e um pálido resumo de quanto os senhores sábios do Oriente e do Ocidente discutiram e confrontaram e depois ofereceram, generosamente, à nossa meditação de leigos e de curiosos.
Aquele meu avô de terras de Miranda que usava capa de honras e ouvia gaita de foles contentou-se de transmitir à lareira, a filhos e netos, a herança de uma doutrina muito singela - «antes quero boa regra que boa renda».
Tomava partido na ordem dos valores e logo se continha no conhecimento da nossa velha e tradicional sabedoria, mais ou menos inscrita nos ensinamentos da cartilha, centrada nas virtudes cardiais do homem cristão.
Os tempos mudaram, as receitas caseiras continuam válidas, mas a grandeza e profundidade da crise que atravessamos exige uma terapêutica que desperte o povo, todo inteiro, e retempere as suas energias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em 1943, numa hora trágica para a França, o espírito gentilíssimo e agudíssimo de Simone Weil colocava a teoria da acção pública como modo de educação do país.
Era uma espécie de testamento espiritual onde se avistava muito longe e se analisava muito de perto quanto concerne às relações do homem e da colectividade em que se insere.
A educação, dizia, consiste em suscitar motivos de acção, fornecendo o carburante, a soma indispensável de energia para realizar, para agir.
Creio que nenhum de nós duvida de que o povo de quem temos honrosíssimo mandato está empenhado num esforço gigantesco de conservação do corpo e da alma.

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Não basta, porém, acreditar no seu instinto de conservação, é preciso distribuir com permanência, aos novos e aos velhos, o alimento próprio para aumentar as suas energias, a sua inspiração criadora, o seu espírito de sacrifício ë de missão.
Temos cuidado bastante das necessidades físicas do homem português, debruçamo-nos, continuadamente, sobre as suas privações, mas é tempo de também nos preocuparmos de outras necessidades vitais que constituem o alimento da própria alma.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esse alimento é fornecido por cada comunidade com sabor e cheiro próprio e específico e não tem equivalente.
Nele se encontram comprometidos, em doseamento subtil, o perfume da própria terra, o calor e a bênção das gerações e creio que a música dos ninhos.
Deve servir-se na praça pública e pode recolher-se nas horas altas de vigília e de comunhão nacional.
Mas eu sei, porque mo vêm ensinando a minha perceptora e guia do dia de hoje, que há colectividades que em lugar de servirem de alimento comem elas mesmas as próprias almas.
Quando assim acontece, quando esta desgraça acontece, ou quando as almas definhem, há graves sintomas de doença no corpo social e é preciso urgente tratamento, médico e cirúrgico.
Não quero saber de programas, nem de esquemas; nem de quadros, nem de cifras, nem de escolas, nem de métodos, nem de resultados do ensino.
Quero apenas inquirir, desejo conhecer, como se educam, como se alimentam as energias cívicas dos portugueses de todos os credos, de todas as cores, de todas as idades, de todas as raças, de todos as latitudes, de todos os continentes.
Tenho de averiguar das necessidades da alma, das necessidades vitais do homem português sujeito a uma prova duríssima, sofrendo, sangrando, num clima que lhe arrasa os nervos e queima a pele, cercado, incompreendido, injuriado, combatendo em diversas frentes com o mealheiro partido e derramado, a casa em reconstrução e a Índia cativa.
Creio que esta situação não tem paralelo na história da nossa existência de nação livre e que somos nada menos do que escândalo do Mundo.
Escândalo, porque vivemos, porque teimamos em viver, sossegados em nossa casa, e o fazemos naturalmente, com a naturalidade de quem repete um gesto familiar e vai andando e suando indiferente ao tempo e à temperatura.
Sem alarde, sem bazófia, sem arreganho, conscientes das nossas acanhadas forças e das nossas muitas fraquezas, mas dignos, firmes, seguros, do nosso direito e da nossa vontade.
Cumprimos um mandato imperativo desde aquele dia histórico em que ouvimos uma ordem clara, precisa, curta, que fez estremecer todos os lares portugueses - «vamos para Angola e em força».
Ninguém duvidou, ninguém discutiu, ninguém mais mediu o risco, nem deitou conta à fazenda, nem se queixou do sacrifício.
O Sr. Presidente do Conselho exerceu um admirável magistério, mostrou-se naquela emergência igual a si mesmo, símbolo de perfeita fidelidade à Nação/
Começava um capítulo novo da nossa história ê da nossa vida pública com este exemplo de maior projecção na educação política do País.
Era uma vez um soldado, regista Simone Weil, que contava o seu comportamento em campanha, e, contando-o, dizia que sempre tinha obedecido às ordens recebidas. Porém, reconhecia que lhe teria sido impossível, por infinitamente superior à sua coragem, caminhar voluntariamente, decididamente, para o perigo, sem essas tais ordens.
E comenta depois: «Encerra-se aqui uma verdade profunda; a ordem é um estimulante de uma eficácia incrível, contendo em si, dadas certas circunstâncias, a energia indispensável à acção que determina. Está na definição dessas circunstâncias a chave dos problemas essenciais da vida política.»
Pois aquela ordem pôs em movimento o nosso povo, redobrou-lhe as energias, e ainda se sente subir a seiva das raízes, inundar o tronco e reverdecer os ramos.
É nosso estrito dever alimentar as mesmas raízes, e esse alimento é a própria essência da educação cívica e política que reclamo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o meu outro propósito foi exactamente conceber a acção do Estado, a acção pública, como modo de educação do País.
Reconhecida a utilidade e a urgência desse magistério, pretendo que tomemos perfeita consciência desta hora crucial em que se moldam e se fundem as nossas estruturas do futuro.
Educação política quer dizer, em primeiro lugar, interesse pela coisa pública.
Diz um doutrinador nosso vizinho de ao pé da porta, doutrinador de grande classe, que o homem de hoje, salvo escassas excepções, vive na mais lamentável penúria doutrinal.
Tem poucas ideias acerca da sociedade e do Estado e dos seus múltiplos problemas.
E a verdade é que também lhe não fazem muita falta, porque o que o move na vida política é o interesse ou a ambição.
Por isso, não tem espírito de sacrifício em relação à comunidade, nem de obediência em relação a quem manda.
A sua ideologia é determinada, em parte, pelo seu interesse pessoal, de burguês ou proletário, e noutra parte por uma peculiar filosofia da historia.
Não sei se querem mais, esta é uma pequena amostra do panorama arrepiante que nos cerca, arrepiante e confrangedor.
Substituiu-se, diz o nosso vizinho, a teologia política pela filosofia da história, è toda a propaganda nas massas se consome na demonstração de que se está do lado das coisas que vêm.
As coisas que vêm só podem fazer-nos mal se não mantivermos a decisão de fazer outras coisas, caminhando em frente, completando o nosso esquema doutrinário, corrigindo erros, usando com exemplaridade dos poderes que nos foram confiados, aperfeiçoando as instituições, exigindo, em nome da Nação, que todos os que são chamados a servir - sirvam; a combater - combatam; a ensinar - ensinem; a estudar - estudem; a trabalhar - trabalhem; e a rezar - rezem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É este um grande plano de educação e um grandioso plano de fomento, pois não custa dinheiro e assegura um rendimento efectivo que neste tempo de indispensável austeridade não podemos desperdiçar.
Enquanto se estuda, se programa e se discute nas altas esferas da educação e do ensino, tratemos das raízes, pondo a colectividade nacional em condições de produzir

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o alimento de que necessitamos para multiplicar as energias de cada um.
Há que prover às necessidades da alma.
Isso quer dizer que precisamos de ir satisfazendo às suas exigências.
Exigências da ordem, em primeiro lugar, ordem que, na expressão delicada de Simone Weil, constitui um tecido de relações sociais permeável ao cumprimento das mais rigorosas obrigações, sem necessidade de violar quaisquer outras.
Há depois que satisfazer às exigências da liberdade e da obediência às regras e da obediência aos comandos; que cuidar de despertar o gosto pela iniciativa e reforçar o sentimento de responsabilidade; que respeitar a igualdade dos homens; que assegurar o castigo exemplar, castigo que também é uma necessidade vital da comunidade; garantir a liberdade de opinião - necessidade primária da inteligência; que reforçar o sentimento de segurança e afirmar a vantagem do risco, e, finalmente, que espalhar a verdade, a verdade, que é a mais sagrada de todas as necessidades da alma humana.
Quantos alimentos avariados a nossa comunidade tem servido e continua a servir enquanto a nossa acção se não exercitar na escolha e preparação de cada um destes condimentos que é forçoso pôr à disposição dos Portugueses de hoje, equilibradamente, para retemperar as suas energias e assegurar o esforço criador em que estamos empenhados para sobreviver, iguais a nós mesmos ou ainda maiores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muito têm que fazer os juristas, os moralistas, os sociólogos, os filósofos, os políticos - os mestres da nossa inteligência e da nossa sensibilidade.

O Sr. Ubach Chaves: - E os governantes ...

O Orador: - E os governantes. Também precisamos constituir grupos de trabalho para cada um destes problemas e, desta vez, terão de recuar os economistas (risos).

É natural que não suba o rendimento bruto da Nação, mas sobe, com toda a segurança, o nível espiritual e moral dos Portugueses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A educação de que me ocupei interessa todas as classes e todas as idades, mas não quero abalar daqui sem uma palavra de carinho para a juventude.
Sei muito bem, porque a ouço, e a olho, e a sigo interessado, que tem outros modos, outros temas, que veste a seu gosto, mas também sei que pode entender a nossa linguagem, que sabe dialogar e até jogar às escondidas.
Em todos os tempos, em todos os séculos e em todas as raças os novos e os velhos estiveram sempre, mais ou menos, em oposição.
E houve sempre também quem julgasse a mocidade insuportável ou impertinente e, ao contrário, quem entendesse e compreendesse os seus problemas.
Devemos envelhecer com elegância (risos).
A juventude prestou-nos já um imenso serviço.
Deu-nos a alegria de verificar que podemos contar com ela, que tem ideias próprias e põe grande tenacidade em se libertar e em prosseguir.
Para sermos justos no nosso julgamento e serenos, imparciais, na decisão, devemos conhecer a sua lógica e as suas ideias, confrontá-las com o relógio do mundo, avaliar a franqueza e sinceridade das suas atitudes, a lealdade dos seus processos e a coragem e independência das suas acções.

O Sr. Pinto de Mesquita: - O mal é que as ideias não são deles.

O Orador: - Nesta querela de velhos e de novos, aceito inteiramente a lição que me dá o P.e Ronsin, da Companhia de Jesus, aconselhando-me a compreender e a amar.
Está escrito que «uma geração é verdadeiramente grande quando, depois de alardear a sua oposição e de ter escavacado ou enterrado uma boa porção de ídolos, é capaz de retomar a tradição e de a renovar com espírito de fidelidade criadora».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu não tenho vergonha da minha, dessa geração que soube lutar, trabalhar e obedecer.
Lembro-me, Sr. Presidente, de que, há mais de trinta e cinco anos, V. Ex.ª, de quem recebi os frutos da plena maturidade do seu magistério e em quem pude admirar a maior lucidez na inteligência das ideias e dos factos, e o milagre constante da permanente clarificação de uma fórmula ou de um pensamento, nos. deu uma admirável lição da disciplina de uma escola e dos princípios da ordem que era preciso definir e impor: «... eu vou dar aulas ainda que para tanto seja preciso fazer um quarto de sentinela».
Obrigado, meu mestre.
Foi assim, João Ubach Chaves, que nós e tantos outros começámos.
Enfim, agora não vamos afrontar a juventude. Aguente. Um poeta, e os poetas estão sagrados para adivinhar o futuro, segredou-me baixinho: «O Inverno fica sempre a perder quando discute com a Primavera.»
Havemos de conversar com o seu filho quando voltar de Angola.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Martins da Cruz:-Sr. Presidente: vivo interesse pelos problemas da educação nacional tem pairado nesta legislatura da Assembleia Nacional.
Se eles são, como a mim se afiguram, dos de maior importância na vida do País, bem justificada resultará por isso a atenção que aqui lhes vimos dedicando.
Vem ela, com razão, a culminar no presente aviso prévio, por que felicito os ilustres colegas que o requereram, já que, adentro das fórmulas regimentais de expressão de interesse parlamentar, me parece, para o caso presente, a mais adequada.
Poderia ser-se levado a pensar que, tendo S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, o Prof. Doutor Galvão Teles, anunciado para breve profunda reforma no sector da educação - reforma ainda em estudo aturado -, seria talvez neste momento menos oportuno o presente debate.
Inclino-me a crer que não seja assim, e isto por o aviso prévio ser hoje também uma forma de consciencializar a Nação na medida em que os seus representantes, por ele, lhe acordam a atenção para algumas das suas vitais questões.
E assim, se nos move não o propósito de apresentar soluções concretas, mas. apenas o de ajudar a esclarecer,

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a definir ou a confirmar as bases gerais por onde elas hão-de ser procuradas, como julgo melhor competir, de modo geral, a esta Câmara, não creio que aqui perturbemos o trabalho de quem tem a responsabilidade de decidir, já que nos guia apenas o desejo de colaborar.
E também o é alargar, por esta forma, à audiência da Nação, um tema de que ela terá por vezes andado arredada e que também por essa razão não terá logrado ainda o desenvolvimento que o Sr. Ministro da Educação Nacional justamente anseia dar-lhe.
Pelo que me respeita, é nessa firme convicção que nele participo, voltando assim, e mais uma vez, a debruçar-me sobre o tema predilecto das minhas bem modestas e desvaliosas intervenções nesta sala.
Como posição prévia a definir, em relação à alínea do anúncio do aviso prévio em que vou demorar-me, hei-de anotar que, em assuntos desta natureza, nos quais me não é lícito dar opinião que não se limite a tocá-los senão em generalidades ao alcance de um profano, o objectivo que julgo primacial na educação é o de colocar o homem, pelo adequado desenvolvimento do seu espírito, na plenitude da sua personalidade.
O homem, pelo simples facto de o ser, traz consigo, como um direito natural, o direito à instrução, o direito de exigir à comunidade que o integra o retire da ignorância, nos precisos termos em que lhe exige o retire da miséria. A justiça social faz-se de pão e de luz - nem só de pão vive o homem.
«Deriva da natureza humana o direito de participar da cultura e, portanto, de receber uma instrução de base e uma formação técnica e profissional conforme o grau de desenvolvimento intelectual de cada comunidade» - ensinou e definiu o Santo Padre João XXIII, na salutar encíclica Pacem in Terris, e o Sr. Presidente do Conselho, como tantas vezes aqui tenho lembrado, proclamava há 30 anos:

Mais longe iremos ainda quando pudermos não só anunciar nos discursos ou inscrever nas leis, mas efectivar na prática, os dois maiores direitos que, em nosso parecer, ao homem podem ser assegurados - o direito ao trabalho e o direito à instrução.

O direito à instrução traduz-se na reivindicação natural das condições indispensáveis ao completo desenvolvimento das potencialidades intelectuais de que Deus tenha dotado cada um dos seus filhos.
A finalidade primeira da instrução aparece assim como a valorização do homem enquanto homem, o seu enriquecimento espiritual, a sua promoção a estádios cada vez mais elevados do entendimento e da compreensão do Mundo e da vida, na maravilhosa e inesgotável riqueza dos problemas que levanta a sua efémera mas gloriosa passagem pela história, na transcendência da sua origem e do seu destino.
Esse objectivo, fundamentalmente espiritualista, é, sem dúvida, o tema maior da educação. Não será, porém, o único.
Como seu corolário imediato, pode sustentar-se que todo o homem, porque vive e se realiza numa sociedade de que a economia é factor essencial, tem o direito de alcançar a plena expressão da sua capacidade, recebendo a formação profissional que lhe permita desenvolvê-la em toda a sua dimensão, como elemento útil nas forças produtivas da comunidade de que é membro.
Daqui se infere ainda que na definição e realização da sua política social cabe ao Estado o dever de aproveitar na sua economia todos os humanos recursos potenciais da Nação, isto é, cabe ao Estado assegurar, pela instrução levada a todos, a formação e o desenvolvimento de quadros profissionais qualificados em todos os misteres - dos mais simples aos mais exigentes e complexos, que de si garantam um volume de riqueza suficiente para as necessidades totais do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Numa sociedade como a do nosso tempo, voltada à conquista do bem-estar para todos, em que tamanha influência detém o espírito humano evoluído, logo se alcança a primordial função do ensino profissional, visto agora não como simples aprendizado de uma arte ou de um ofício, mas como aquisição de uma cultura e de uma formação de base que, precisamente por ser científica, permita compreender, na sua natureza e finalidade de simples meio, a acção técnica e permita que a capacidade de trabalho de cada qual se desloque de um sector para outro sem grave embaraço. Aí se formou o técnico dentro do homem.
A educação profissional vê-se assim como uma escola de formação polivalente, na qual a cultura e a técnica se ordenam a uma visão humanista da vida, a uma integração do homem como cidadão e trabalhador na sociedade contemporânea.
Esta conclusão nos domínios da teoria comprovam-na os factos por esses continentes além: os países de maior e melhor nível de vida são precisamente os de maior índice de educação e formação profissional; as nações de vida mais modesta, sejam quais forem as suas riquezas naturais, são as de mais fraco desenvolvimento educacional e profissional.
Aliás, é hoje uma verdade aceita sem discussão, é hoje artigo de fé, o decisivo papel da instrução no crescimento económico. Por quantos têm comentado o facto, citarei o Ministro Leite Pinto: «O desenvolvimento económico é um problema de instrução de todos os homens, a vários níveis».
Não vou deter-me agora na análise que consentem os parâmetros da nossa educação quando vista sob o signo de ser dada a todos em vários níveis. Espero poder ainda voltar a este ponto.
O ensino profissional, nos seus diferentes ramos, afigura-se-me a solução mais adequada para ministrar à grande maioria da juventude portuguesa ainda sem instrução secundária a formação cultural e profissional indispensável do homem do nosso tempo.
Mas se assim é, logo ocorre perguntar - pelo que lhe respeita, que situação detemos?
Teremos sido das primeiras nações da Europa a iniciar a sua sistematização, e bem vale apenas recordar o caminho andado desde então.
Sem preocupações de rigor histórico, poderá talvez asseverar-se que o ensino técnico, no seu conceito vulgar, terá começado entre nós, de forma embrionária, é certo, com a Aula do Comércio, criada pelo marquês de Pombal e solenemente inaugurada, em Lisboa, em 12 de Dezembro de 1756, por el-rei D. José I.
A dar consistência e seguimento a tão louvável iniciativa, viria a ser publicado, pouco depois, o alvará de 19 de Maio de 1759, a promulgar a organização do ensino comercial.
No início da segunda metade do século XVIII, Portugal assumia assim o papel de precursor, antecipando-se, por essa forma, a muitas nações do velho mundo, cujos planos de instrução desconheciam ainda o ordenamento daquele ramo de ensino.
Certo é que breve iria fenecer o espírito inovador que nos colocara na senda dos pioneiros.

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É que poucos anos após fica ele de todo à margem do extraordinário fomento quantitativo levado à instrução secundária pelas reformas pombalinas: cadeiras de Latim, às centenas, de Grego, de Retórica, de Filosofia, espalhou-as o Primeiro-Ministro de D. José por essas cidades e vilas do País.
O Desenho Industrial, porém, a Matemática, a Química, a Mecânica, as Ciências Naturais, as Artes Industriais e as demais disciplinas que poderiam definir um ensino profissional, de nível elementar embora, mas à margem do simples aprendizado prático e oficinal dos diversos misteres, haviam de aguardar mais de um século para constituírem matéria de programas escolares.
No governo da rainha D. Maria I, as reformas da instrução, menos espectaculares e formalistas, são mais pedagógicas e eficazes, é certo. O ensino técnico profissional, pelo menos ao nível secundário, continuaria, porém, a não seduzir os reformadores.
O Decreto de 3 de Janeiro de 1788, a ordenar que na Real Casa Pia de Lisboa o estudo abranja o desenho, a aritmética, a geometria, o francês, a carpintaria, a serralharia, a tecelagem, etc., embora revele preocupação pela formação profissional dos alunos daquela instituição recém-criada, não poderá, no entanto, considerar-se como providência generalizada que defina um plano daquele ensino, tanto mais que o seu exemplo não registaria continuadores.
Anote-se, todavia, que foi o governo daquela por vezes tão mal julgada rainha que formalizou o ensino técnico superior com a criação de escolas, v. g., de arquitectura civil, desenho e engenharia militar, da qual, só muitos anos após, havia de separar-se a engenharia civil nas suas múltiplas ramificações.
Nas décadas seguintes, o ensino técnico profissional também não lograria as atenções dos legisladores. José Acúrsio das Neves, o notável economista dedicado a el-rei D. Miguel, havia de, por este facto, ver condenada a total malogro a particular atenção que dedicou ao problema. Passos Manuel não seria mais feliz: morreram, no plano da acção útil, com o decreto que os criou, em 18 de Setembro de 1836, os seus conservatórios de artes e ofícios! As lutas partidárias, então a iniciar a sua ascensão, haviam de continuar a demonstrar ao País a sua eficiente capacidade para, em muitos casos, anularem os melhores propósitos, mesmo de bons governantes...
Nesta breve nótula da história do ensino técnico profissional no nosso país, considerando-o unicamente no aspecto do seu fomento, que não da sua orientação pedagógica nem da sua organização escolar, merece especial menção o Decreto de 30 de Agosto de 1852, da rainha D. Maria II, que, ao instituir o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, referia explicitamente, nos seus objectivos, aquele ensino, do qual também fazia depender o desenvolvimento económico do País, ao acentuar que, sem ele, «as indústrias dificilmente poderão progredir, porque não sabem melhorar os seus processos, aproveitando as indicações da ciência».
Em execução daquele pensamento, logo em 30 de Dezembro do mesmo ano viria a ser criado o Instituto Industrial de Lisboa, ao qual se seguiu a Escola Industrial do Porto.
Estas são as disposições legais que poderão considerar-se decisivas para a criação formal do ensino técnico profissional entre nós.
A el-rei D. Luís coube o mérito do o instituir como um serviço, com organização e regime próprio, entendido já como um dos factores imprescindíveis ao programa cultural e económico do País.
A Lei de 20 de Dezembro de 1864 enunciaria, por isso, princípios seguros que haviam de manter-se em sucessivas reformas posteriores, além de transformar desde logo a Escola Industrial do Porto no Instituto Industrial, daquela cidade e de criar as Escolas Industriais da Covilhã, Portalegre e Guimarães, preconizando ainda que, no futuro, se procedesse ao estabelecimento de escolas idênticas «nas mais terras do Reino que pela sua importância fabril carecerem delas».
Anos após são criados os Museus Industriais e Comerciais de Lisboa e Porto, três escolas técnicas em Lisboa (Alcântara, Xabregas e Belém), três no Porto (Bonfim, Vilar e Vila Nova de Gaia), uma em Coimbra e outra nas Caldas da Rainha.
Não iria ficar por aí o incremento do ensino técnico profissional no reinado daquele monarca.
Deixando já para trás a legislação um tanto platónica, romântica e profundamente idealista de 1879 e 1880, a instituir as escolas dominicais, as escolas nocturnas, as bibliotecas e as escolas de aprendizagem, insistentemente recomendadas aos governadores civis, que haviam de trocar por essa preocupação a de atenderem aos caciques do tempo, refira-se a criação das Escolas Industriais de Tomar, Torres Novas e Braga, ainda em 1884, a de Peniche, em 1887, as escolas de Bragança, Faro. Figueira da Foz, Setúbal, Leiria. Viana do Castelo e Vila Real, em 1888, do Funchal e Matosinhos, em 1889, de Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Alenquer, em 1889, a que há-de acrescentar-se ainda a de Chaves.
Ao findar o seu reinado, D. Luís poderia orgulhar-se de haver dotado o País de uma rede escolar de carácter profissional e destinada sobretudo às classes menos favorecidas que abrangia 2 institutos industriais - os únicos de que ainda hoje dispomos! - e 27 escolas técnicas, número que só viria a dobrar já nos alvores de 1950!
Admirável êxito de uma política de instrução que constituía preocupação dominante dos governantes de então e à qual ficariam para sempre ligados os nomes de João Crisóstomo, António Augusto de Aguiar e Emídio Navarro.
Não foi tão feliz el-rei D. Carlos. Mal subiu ao Poder logo viu cortado o progresso e a ascensão do ensino técnico pela reforma de João Franco de 1891.
Substituído, porém, João Franco na pasta de que dependia o ensino técnico, logo foi retomado o seu incremento, e assim, em 1892. o Ministro Costa Sequeira criou a Escola Comercial Rodrigues Sampaio, seguida das Escolas de Aveiro, Príncipe Real e Elementar do Comércio em Lisboa.
No Porto, de igual modo, foi criada em 1895 a Escola Elementar do Comércio e com funções semelhantes a classe preparatória no Instituto Industrial. Foram ainda recriadas as Escolas da Figueira da Foz e de Angra do Heroísmo, que haviam sido extintas por João Franco, e criadas as de Viseu e Viana do Alentejo; a de Torres Novas fora transferida para Lagos e a de Alenquer extinta em 1889.
Não fora, na verdade, o reinado de D. Carlos, neste como noutros aspectos, de tão bom augúrio como o de seu augusto pai. Mas ainda assim pôde a República receber da Monarquia 2 institutos industriais e 30 escolas do ensino técnico comercial e industrial!
Nos primeiros anos do novo regime, até ao consulado do Sidónio Pais, continua, a inesgotável proliferação legislativa que vinha já do século anterior. Ascendem a centenas as leis. os decretos e demais diplomas que se ocupam do ensino técnico.
«Tanto diploma e quase coisa nenhuma em ramo social de tamanha magnitude» - havia de exclamar, desolado,

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o autor da reforma de 1918, Dr. Azevedo Neves, que então presidia à Secretaria de Estado do Comércio, departamento a que pertencia o ensino comercial e industrial.
Reforma altamente meritória foi, sem dúvida, a sua no domínio da pedagogia e da organização. Quanto ao fomento do ensino, à sua ramificação pelo País, à criação de novas escolas, o seu articulado não corresponde, de modo algum, a euforia do relatório. E vão ser necessários ainda muitos anos para que novo alento bafeje este ensino, «sobre o qual parece impender sina triste.
Aquelas 30 escolas herdadas da Monarquia ainda em 1947 não viam sua gloriosa família aumentada senão em 50 por cento ... Mas é precisamente por essa altura que começam a fazer-se sentir os resultados da orientação que vinha sendo dada à Direcção-Geral do Ensino Técnico desde 3941, ano em que o Sr. Prof. Doutor Mário de Figueiredo, então Ministro da Educação Nacional, em boa hora a confiara ao sou actual responsável, Dr. Carlos Proença.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Ministro, com a sua inconfundível inteligência, que desce ao âmago dos mais complexos problemas da governação, apercebera-se da obra extraordinária que urgia preparar e executar neste sector da vida nacional de vivas repercussões no futuro do País. O director-geral que escolheu para seu colaborador havia de, ao depois, mostrar uma invulgar capacidade para realizar, com persistência e denodo, o pensamento do Ministro.
As providências então ordenadas viriam a dar a Lei n.º 2025 de 19 de Junho de 1947, que abre, entre nós, novas perspectivas ao ensino técnico, e tais são elas que, à sua sombra e da demais legislação que provocou, o número de escolas técnicas sobe de 47 em 1948 para cerca de no neste ano, e a sua frequência, de 38 000 alunos de então, anda agora pelos 120 000!
Não nos iludamos, porém. O progresso nos últimos anos é extraordinário, sem dúvida; o seu ritmo é consolador, mas infelizmente, de todo insuficiente, e a manter-se tal qual. não apanharemos a Europa nos próximos cem anos. É que dos trezentos e tantos concelhos do País cerca de 80 por cento não possuem ainda escolas técnicas! Um dos 22 distritos vive também nessas condições e 5 outros distritos, dos quais um com 500 000 habitantes, não dispõem senão de uma!
Tal como noutros sectores, o confronto com o que nesse domínio se passa na Europa não é animador.
Para uma população de 9 300 000 habitantes dispomos de cerca de no escolas de ensino industrial, comercial e agrícola. A proporção é assim, de 1 escola por cada grupo de 80 000 habitantes aproximadamente.
A Finlândia, para os seus 4 300 000 habitantes, dispõe de 550 escolas profissionais, o que coloca aquela proporção na relação de 1 escola para cerca de 8000 habitantes. Na Holanda. Noruega e Bélgica, cada escola técnico-profissional responde por 6000 habitantes aproximadamente. Nos restantes países do Norte «Centro da Europa a proporção sobe um tanto, mas não excede os 10 000 habitantes por cada escola, merecendo referência a Alemanha Ocidental com as suas 8000 escolas profissionais.
Desta situação resulta que de 1 milhão, que tantos são os jovens portugueses na idade ideal para receber uma formação profissional seja ela qual for, frequentam, entre nós, o ensino técnico profissional cerca de 120 000, e pelos outros ramos do ensino, liceal e primário, sobretudo, andam à volta de 180 000. Assim, próximo de 700 000 jovens não recebem, naquele grupo etário, qualquer instrução secundária e deveriam frequentar o ensino profissional.
Na base de 1000 alunos por escola - a média elevada que está a verificar-se sensivelmente no nosso ensino profissional - , necessitamos de mais 700 escolas para darmos a todos os portugueses naquela idade adequada formação profissional e cultural. Somado aquele número ao das existentes, aproximar-nos-ia do nível geral da Europa: uma escola profissional para 10 000 habitantes.
Quando poderemos fixar-nos nesta relação?
A manter-se o ritmo dos últimos quinze anos, acelerado já mercê dos planos de fomento, atingi-lo-íamos nos próximos 150 anos! E é de todo indispensável alcançá-lo até ao ano 2000.
Teremos, para tanto, de vencer inúmeras dificuldades, sobretudo as que vêm de dentro de nós mesmos, do nosso cepticismo conformista, que, por comodismo e falta de fé, nos leva a aceitar como inevitável conclusão das forças da história o que não é senão receio de lutar contra fantasmas.
Razões de toda a ordem, desde as de simples consideração humana às de natureza económica, evidenciam a necessidade de um excepcional fomento do ensino profissional. Aliás, esta vem sendo entre nós a preocupação permanente de todos os responsáveis.
Já em 1911, no relatório, da reforma do ensino técnico, o seu autor a revelava ao escrever que o nosso atraso provém apenas da insuficiência do nosso ensino técnico, insuficiência que ontem era um mal e hoje é um perigo...
De igual modo, no relatório da reforma de 1918, ao aludir-se ao necessário desenvolvimento das actividades económicas, se acentuava que a nascente desses afortunados rios de abundância está apenas na escola técnica, escola que entre nós vinha sofrendo de prejudicial atraso.
Esta necessidade de incrementar o ensino profissional continua patente na Lei 11.º 2025, de 19 de Junho de 1947, no texto da sua proposta, no erudito parecer da Câmara Corporativa de que foi relator o Ministro Prof. Ferreira Dias e nas brilhantes intervenções dos ilustres Deputados da Nação que dela aqui se ocuparam.
E o sentido da necessidade de fomentar aquele ensino não esmorece, antes continua vivo, e assim é que, logo no I Plano de Fomento, constitui objecto de um dos capítulos da proposta de lei que se inicia por estas oportunas palavras:

O desenvolvimento económico do País está dependente, em elevado grau, da qualidade da sua técnica e da beneficiação da mão-de-obra de que se dispõe.
Foram já lançadas com a reforma do ensino técnico profissional as bases indispensáveis à conveniente preparação de técnicos e aperfeiçoamento de operários especializados, mas não tem sido possível até agora tirar dessas reformas o necessário rendimento por carência de edifícios escolares o de instalações oficinais devidamente apetrechadas.

Por forma tão perfeita, definia o Governo, naquela proposta de lei do 1 Plano de Fomento de há doze anos, a urgente necessidade de novos edifícios para escolas técnicas, para que o direito à instrução não ficasse apenas inscrito nas leis... Por isso incluiu naquele I Plano de Fomento a construção de treze novos edifícios.
O parecer da Câmara Corporativa que na especialidade recaiu sobre tal proposta, e de que foi relator o Ministro Eng.º Arantes e Oliveira, depois de assinalar que é do ensino técnico que em boa parte depende o desenvol-

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vimento económico do País, apoia a proposta de lei e comenta que a situação de extrema deficiência das instalações escolares para os primeiros graus do ensino técnico profissional justifica a atenção especial que o Governo dedicou ao assunto no Plano do Fomento.
O II Plano de Fomento é ainda mais explícito ao formular a necessidade de desenvolver o ensino técnico e nas providências para tal apontadas.
A construção de escolas técnicas outra- expressamente na base II da proposta de lei. O excelente estudo que constitui a explanação da proposta, depois de assinalar que a falta de técnicos embaraça o arranque e dificulta a continuidade da expansão, originando típico estrangulamento da evolução económica, acentua que o ensino técnico é, com efeito, o que se reflecte imediatamente na produtividade, contribuindo de modo directo para preparar e adestrar o trabalho nacional para as tarefas produtivas basilares. Apreciando depois a urgência de construir novos edifícios para escolas técnicas, remata:

A importância cada vez maior do ensino técnico profissional - viveiros dos técnicos de que a Nação precisa - impõe maior número do escolas...

Esta necessidade leva o Governo a propor no II Plano de Fomento a verba total de 400 000 contos para aquele fim, com cerca de 66 000 contos por ano, verba que, mercê do ritmo da construção que vem desde o início da execução do Plano, está a ser excedida em cerca de 50 por cento.
Registe-se, no entanto, que dos 30 edifícios previstos apenas 3 respeitam a escolas a criar; os restantes 27 destinam-se a substituir as inadequadas instalações de que dispunham então escolas já existentes.
Por isso, a Câmara Corporativa, tanto no parecer geral, como no parecer subsidiário, de que foi relator o Ministro Eng.º Frederico Ulrich, não se mostra disposta a aceitar, nos limites apresentados, a proposta do Governo, antes se lhe afigura ser necessário um alargamento substancial da respectiva verba!
E expressa o desejo de que, extintas as razões que a limitam, venha a ser possível o reforço da dotação prevista para a construção de novos edifícios, o que, na verdade, está a verificar-se.
Acrescente-se que, na Assembleia Nacional, mereceram então formal apoio tanto a proposta do Governo como os doutos pareceres da Câmara Corporativa.
E para terminar esta série de referências autorizadas à necessidade de fomentar o nosso ensino profissional, relembrarei que, em recente declaração à radiotelevisão, S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia explicou o nosso atraso em relação às economias europeias pelo nosso atraso na instrução profissional.
Parece ser assim unânime o ponto de vista de todos os responsáveis: a necessidade de fomentar o desenvolvimento do ensino técnico profissional industrial, comercial e agrícola, com a imediata criação de novas escolas e a construção de novos edifícios.
É quase já um lugar-comum assinalar a falta de técnicos nos quadros da economia nacional - desde o grau elementar ao médio e ao superior, e tanto no continente como no ultramar; mormente em Angola e Moçambique, necessitamo-los nos milhares, e nem sequer dispomos deles às centenas.
No grau elementar complementar a falta de mão-de-obra qualificada tende a tornar-se assustadora.
Pelo que ao ultramar respeita, dentro dos próximos dez anos será preciso pôr ali a trabalhar milhares e milhares de portugueses profissionalmente instruídos, sob pena de perspectivas muito desagradáveis, que poderiam afectar irremediavelmente a batalha da paz.
No continente, deixando de lado as necessidades presentes e considerando apenas as futuras, embora não existam prospecções dos mercados de mão-de-obra especializada, sabe-se que o II Plano de Fomento cria já a necessidade anual de milhares de novos empregos, que deverão ser confiados àquela mão-de-obra. Este número subirá ano a ano e sobretudo nas décadas de 1970-1980 e 1980-1990, quando as estruturas dos planos de fomento começarem a atingir o sou pleno desenvolvimento.
Precisaremos então do muitos milhares de técnicos em todos os graus, sob pena de frustração daqueles momentosos empreendimentos.
As actuais fontes da nossa formação profissional não dispõem de meios que garantam no presente, e muito menos no futuro, o abastecimento das necessidades do trabalho qualificado.
Como remédio - teria sido preferível prevenir... - tomou o Ministério das Corporações e Previdência Social a louvável iniciativa dos cursos de formação profissional acelerada. Destinam-se, como é óbvio, a aprendizes e a trabalhadores adultos. De sua natureza, afastam a formação cultural de base. limitando-se tão-sòmente a um aprendizado racional das artes e ofícios. Logo se vê que, valendo como solução de recurso, não dispensam a formação profissional clássica, digamos, obtida através do ensino técnico nos seus diferentes ramos.
Mas este, no seu estado actual, não pode, de modo algum, ocorrer àquelas necessidades. Por falta de vocações?
De modo algum. Percorre o País um desejo cada vez mais vivo de instrução técnico-profissional: escola que se cria é escola que se enche a trasbordar. Prevista para 800 ou 1000 alunos, breves anos após tem 1500 ou 2000.
De todos os lados as autarquias locais e as forcas representativas das actividades económicas e culturais solicitam encarecidamente ao Governo a criação de novas escolas técnicas. O Governo, a Câmara Corporativa, a Assembleia Nacional, as instituições representativas dos interesses económicos, sociais e culturais, pensam e sentem de igual modo: é indispensável, é urgente, é imperioso fomentar aquele ensino.
Mas é evidente que além das já referidas providências previstas nos planos de fomento, nenhumas outras se tomaram. E não é menos evidente que estas são insuficientíssimas para dar ao problema a solução inadiável de que carece.
Mais grave ainda é a situação quanto a técnicos de grau médio no ensino industrial.
Andam pelos 100 anos os únicos dois institutos industriais e comerciais que possuímos! E, no entanto, que caminho percorrido desde a sua criação em todos os sentidos que exigem a presença dos técnicos neles formados!
Em 1961 frequentavam aqueles dois institutos, no conjunto de todas as suas especialidades, 1671 alunos, para ocorrer às necessidades de toda a Nação, aquém e além-mar!
O número de engenheiros anualmente formados em Portugal é sensivelmente duplo do número de agentes técnicos que concluem seus cursos.
Mais oficiais que sargentos, como ironicamente costuma comentar um ilustre professor da Universidade Técnica.
Não atinge 5 por cento o número de alunos saídos do ensino comercial e industrial que procura os respectivos institutos.

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A razão parece clara: a grande maioria das famílias daqueles alunos não dispõe de haveres que lhes permitam enviar seus filhos para Lisboa e Porto e frequentar aqueles institutos.
Mas se assim é, parece impor-se criar novos institutos comerciais e industriais por esse País além, não só para facilitar o acesso à sua frequência a uma população escolar que de outro modo cessará seus estudos à saída da escola técnica, como também para de algum modo valorizar cultural e socialmente as nossas cidades da, província, que muito lucrariam se enriquecidas com estabelecimentos de ensino médio.
E a mim me parece que criar institutos comerciais e industriais em Braga, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro e nos Açores seria levar a milhares e milhares de jovens a possibilidade de acesso a um curso que Lisboa e Porto lhes nega pelas razões ditas e seria preparar melhor a Nação para as tarefas que a esperam no pleno desenvolvimento dos planos de fomento.
Embora, como referi, o número de engenheiros que ano a ano concluem seu curso seja sensivelmente duplo dos diplomados anualmente pelos institutos industriais, não vá, no entanto, supor-se que abundam entre nós os engenheiros, pois, bem ao contrário, a sua. falta é já considerável, e tende infelizmente a agravar-se, em termos tais que compromete a continuação do nosso diálogo com o Ocidente, como, em palavras sugestivas, o Prof. Leite Pinto não há muito dizia ao aludir ao problema de formação dos quadros científicos superiores.
Por um lado, os planos de fomento exigem cada vez mais engenheiros, e não os formamos; por outro, o acesso aos cursos respectivos representa apenas cerca de 50 por cento da percentagem de candidatos que, em relação à população, procuram os mesmos cursos na quase totalidade dos países da Europa.
Desde a criação do Instituto Superior Técnico, há cerca de meio século, a população portuguesa aumentou de 8 milhões; a população escolar mais que duplicou; a vida económica, cada vez mais técnica, beneficiou de um surto extraordinário. Pois continuamos a dispor apenas da Faculdade de Engenharia do Porto e daquele Instituto em Lisboa.
As repetidas e justificadíssimas solicitações da Universidade de Coimbra para a criação da sua Faculdade de Engenharia continuam a não encontrai eco em quem devia ouvi-las.
E se foi tão fácil criar uma faculdade no Ministério das Corporações, de necessidade muito discutível e de organização mais dispendiosa, sem aludir já ao regresso que tal solução constitui, pois aquele Ministério não tem finalidades pedagógicas, não se entendem os invencíveis obstáculos à criação de mais uma escola numa Universidade um funcionamento.
É por certo no ultramar que a falta de engenheiros está a assumir aspectos de gravidade que não vale a pena ocultar.
«O desenvolvimento da economia nacional e o incremento geral da tecnicidade das diversas actividades, associados ao retrocesso na preparação de pessoal dos domínios da ciência, conduziram a uma carência geral do que hoje se vem designando por mão-de-obra científica. Essa situação assume gravidade especial no ultramar, onde, a par do uma agudíssima carência u da dificuldade de recrutar os melhores valores, a resolução dos problemas é, em regra, mais difícil, quer pela falta de estruturas evoluídas e até de numerosos elementos de apoio de acção aos técnicos, quer pela maior complexidade com que os problemas muitas vezes se apresentam».
E o autor de que nos servimos, depois de aludir à magreza verdadeiramente esquelética dos quadros técnicos de Angola, comenta:

Para qualquer pessoa que não ignore as raízes do progresso de um território, é de uma evidência cristalina que nessas condições não será possível empreender, com o ritmo por que se anseia, a ocupação económica e cultural.
Mas verificámos e continuamos a verificar - lá como cá - que os responsáveis não negam a deficiência da armadura técnica, mas não se apercebem, salvo casos raros, da extensão do mal e da gravidade das implicações.

É apenas de cerca de 500 lugares o quadro de engenheiros de Angola; pois, apesar disso, estão providos sómente 40 por cento!
E onde procurar os 800 que faltam, se os que se estão formando anualmente mal chegam para a metrópole?
É evidente que os cursos ora criados em Angola e Moçambique muito contribuirão, quando em pleno rendimento, para vencer aquelas dificuldades. No entanto, nem por isso nas próximas dezenas de anos o problema deixará de subsistir.
Mas o sector da economia nacional em que a falta de técnicos se faz sentir já de modo inquietante é o da agricultura, com particular relevo para a silvicultura, onde o problema está a revestir aspectos gravíssimos, com o lamentável e consequente desaproveitamento de centenas de milhares de contos.
Somos um país agrícola - trabalha na agricultura quase metade da nossa população activa - e da agricultura provém cerca de 25 por cento do produto interno bruto.
Pois não dispomos senão de uma Faculdade de Agronomia, de três escolas de regentes agrícolas e de três ou quatro escolas práticas de Agricultura.

O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª refere-se só ao continente?

O Orador: - Não, refiro-me também ao ultramar.

O Sr. André Navarro: - Então são quatro escolas de regentes agrícolas.

O Orador: - Muito obrigado.
As Faculdades de Agronomia de Coimbra e Porto aguardam a fecundação financeira. As escolas de regentes agrícolas, enteadas do ensino médio, parece que tanto servem os 9 800 000 habitantes de hoje como bastavam aos 6 milhões de há 40 anos.
Aqui o quadro é sensivelmente idêntico ao que descrevi para os institutos comerciais e industriais.
Pelos motivos já expostos, julgo de necessidade imediata a criação de novas escolas de regentes agrícolas. Vila Real, Castelo Branco, Beja e ilhas adjacentes bem nas precisam.
As escolas práticas de Agricultura ia saindo a sorte grande no II Plano do Fomento: ali se reconhece a necessidade da sua criação em Trás-os-Montes, Alto Douro, Beira Alta, Vale do Vouga. Algarve, Madeira e Açores. Claro que muitas outras regiões, porém, terão de aguarda: novo plano de fomento, já que no em execução apenas se prevê a criação de duas daquelas escolas, e está ele quase no fim sem que ao menos essas duas tenham sido criadas.

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Quando estabelecidas, ficaremos a dispor de meia, dúzia. Com cerca de 4 milhões de habitantes, a Finlândia tem 85 e na Holanda o seu número ronda as 5 centenas!
Nem sempre o empirismo agrícola é falso, evidentemente. Não o julgaremos, porém, à altura de bastar às exigências da exploração na agricultura de hoje.
A técnica, em todos os graus, extrai da terra várias vezes mais produtos do que permitem as condições empíricas. Pois, não obstante, são estas as dominantes na nossa vida agrícola. Neste quadro, muito difícil será estruturar, em ordem a compensadores resultados, as reformas agrárias decretadas e em estudo.
E não parece que a situação tenda a melhorar. Os cursos de aprendizagem agrícola serão um recurso elementar; não constituem, porém, solução definitiva.
A frequência das escolas de regentes agrícolas é tão escassa que não permite que o número de alunos que concluem seus cursos atinja a média de 70 nos últimos dez anos!
A do Instituto Superior de Agronomia nem sequer acompanha o ligeiro acréscimo do nosso ensino superior. No que respeita à silvicultura, receia-se mesmo que, a manter-se o ritmo decrescente dos últimos anos, tal especialidade se reduza a índices de nulo significado, o que originaria irreparáveis e incalculáveis prejuízos à economia da Nação.
Este quadro da mão-de-obra qualificada e de técnicos de todos os graus e ramos exige providências de múltipla natureza, e entre esta avulta a urgente necessidade de trazer ao ensino profissional a juventude portuguesa, que dele anda arredia por falta de edifícios onde possam instalar-se as escolas indispensáveis.
Mas, dada a unanimidade de governantes e governados perante esta exigência, por que lhe não temos dado satisfação? Por uma razão e um pretexto.
Razão - carência de meios financeiros: pretexto - falta de professores.
Quanto a este, vivemos um círculo vicioso: não temos professores porque não temos ensino desenvolvido; não temos ensino desenvolvido porque não temos professores. Ora, se há que romper tal círculo, façamo-lo pelo desenvolvimento do ensino através da criação das escolas necessárias. E que não só nunca uma escola deixou de ser criada por falta de professores, como até, quanto à falta destes, nada se fez até hoje. Sinal de que o argumento é sobretudo pretexto.
Quanto à carência de meios financeiros, dir-se-á que a construção e apetrechamento conveniente de uma escola técnica pronta a funcionar, para uma lotação média de 1000 alunos, importa à volta de 13 000 contos.
Mercê do financiamento excepcional dos dois planos de fomento, pôde o Governo destinar inicialmente a esse objectivo, nos doze anos de 1953 a 1964, 520 000 contos, verba depois beneficiada com reforços, sobretudo nos últimos anos, que a elevam a cerca de 850 000 contos. Este montante permite construir cerca de 70 edifícios - na média aproximada potencial de 6 edifícios por ano. Mesmo que se tratasse da criação de novas escolas - e não é o caso, pois que a maior parte daqueles edifícios se destina à instalação de escolas já existentes que urgia acomodar convenientemente -, acrescentar-se-iam à rede escolar do País 6 escolas profissionais por ano, quando seriam precisas, só para dar abrigo aos alunos que todos os anos ficam em condições de ingressar no ensino profissional, e nele não entram por falta de escolas, cerca de 100, que importariam em quase milhão e meio de contos!
Nem a Nação pode despender anualmente, nesse sector, verba tão elevada, nem, que o pudesse, seria possível pôr em cada ano 100 escolas a funcionar, aí, sim, por falta de professores em número bastante.
Mas se esta razão não consentis a abertura desse número de escolas, não se opõe a que aquela média de seis suba, v. g., para vinte, se for possível encontrar a verba necessária.
Com este número de vinte escolas por ano atingiríamos, nas proximidades do fim do século, a rede escolar suficiente para ministrarmos aos jovens portugueses, na idade 11-16 anos, o ensino técnico-profissional de que eles precisam e de que a Nação precisa tanto como eles.
Para o conseguir urge encontrar a verba que possa permitir aquele objectivo.
E aí reside o grande, o único óbice à execução do que é pensamento e desejo comum do Governo, da Câmara Corporativa, da Assembleia Nacional, das autarquias locais, das forças económicas e das instituições culturais, regionais e nacionais.
A lição da nossa história da educação pode ajudar a encontrar a solução.
O marquês de Pombal fez na expansão do ensino, uma obra de excepcional grandeza. Para tanto, não contou com o Orçamento Geral do Estado: criou um imposto especial, que havia de ficar conhecido por «subsídio literário» e recaía sobre o vinho, a aguardente e o vinagre. Em técnica orçamental, mesmo para o seu tempo, talvez tenha errado. Mas acertou na solução! É que o incremento da instrução durou enquanto aquele imposto subsistiu.
No reinado de el-rei D. Luís o desenvolvimento do ensino técnico fez-se à custa do imposto de minas, àquele fim destinado pelo Decreto de 3 de Janeiro de 1884, a que acrescia ainda o rendimento das taxas dos privilégios de invenção.
A cessação posterior destes preceitos acarretou desde logo o afrouxamento no progresso do ensino técnico. O mesmo erro talvez em orçamentalogia, mas o mesmo acerto no impulso dado à instrução profissional.
Quando a França, em 1925, quis refazer o seu ensino técnico, ressentida ainda dos efeitos da grande guerra, não hesitou em criar, para o efeito, o imposto especial previsto na Lei das Finanças de 13 de Julho daquele ano.
Quando, entre nós, em 1923, o Governo apresentou ao Parlamento a proposta de lei de 2 de Julho, a reorganizar a educação nacional, não hesitou em, para o efeito, criar o Fundo da Educação Nacional, no qual se previam diversos impostos especiais.
Quando agora o Governo decidiu apressar a construção de edifícios para as escolas técnicas, também não hesitou em inscrever verbas especiais nos planos de fomento, se bem que, para o efeito, se não tenha socorrido de impostos especiais.
Aliás, são inúmeros os exemplos de tributações especiais criadas para numerosos fundos e serviços - Fundos de Turismo, de Teatro, do Cinema, de Socorro Social, do Fomento de Exportação, dos Transportes Terrestres, de Desemprego, de Construção de Cadeias e Tribunais, etc., etc.
A lição da história parece ser esta: um incremento excepcional da educação nacional não pode obter-se à custa das receitas previstas no Orçamento Geral do Estado.
Há que procurar-lhe apoio financeiro próprio e específico.
O Sr. Presidente do Conselho considerou como condicionante de toda a obra da Revolução Nacional as finanças públicas, que recebeu em total desordem! Sem finanças equilibradas e sãs nem sequer seria pensável a renovação extraordinária e profunda que, sob a sua direc-

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ção sapiente e firme, vimos operando em todos os sectores da vida nacional.
E por tal forma o Sr. Presidente do Conselho soube estruturá-las que o Sr. Ministro das Finanças podia ainda recentemente acentuar que, apesar do elevadíssimo custo da defesa da nossa soberania em terras do ultramar, a Nação continuava de segura robustez financeira, a manter equilibrado o seu orçamento e forte a sua moeda.
Esta situação dos réditos nacionais permite, por isso, sem receio de quaisquer perturbações, que possam admitir-se, ainda que a título excepcional, módicas providências que tenham de empreender-se para inadiável fomento do ensino profissional.
Por outro lado, não parece que este, no estado actual das necessidades do País e atentas as perspectivas do futuro que se avizinham, possa dispensar o mínimo de 200 escolas técnicas para os próximos dez anos, com a média anual de cerca de 20, programa que, a repetir-se nas dezenas seguintes, nos colocaria, ao findar do século XX, no ponto em que ora se encontra a quase totalidade dos povos da Europa. A ser assim, não os alcançaríamos ainda então, mas em muito teríamos reduzido o fosso que deles nos afasta.
A construção e apetrechamento daquelas escolas supõe verba que excede, nos anos considerados, 8 milhões de contos! Onde buscá-los? Onde estiverem, naturalmente.
A proposta de lei sobre a reforma do ensino técnico e que viria a converter-se na Lei n.º 2025, de 19 de Junho de 1947. previa expressamente a colaboração dos organismos de coordenação económica e corporativos na obrada educação e formação profissional, colaboração que deveria traduzir-se pelas formas aí mencionadas, entre as quais a «criação de centros de ensino próprios, designadamente nas localidades onde não existam escolas do Estado e onde embora existindo, não disponham de capacidade para todos os candidatos à matrícula ou para proporcionar todas as formas de aprendizagem que interessem às actividades profissionais aí exercidas».
Até ao presente, e já lá vão quase, vinte anos, aqueles organismos de coordenação económica, e corporativos, não tanto por falta de verba, mas por outros motivos, jamais deram cumprimento à obrigação que lhes foi criada naquele preceito legal, nos termos em que o é.
Os organismos de coordenação económica são hoje, depois de criadas e institucionalizadas as corporações, uma excrescência no plano da doutrina e dos princípios; no plano da acção, é discutível a sua utilidade e, no entanto, cobram da Nação centenas de milhares de contos por ano, dos quais uma parte teria excelente aplicação se destinada, ao cumprimento daquela específica disposição legal - a criação do ensino profissional.
Apelo daqui para o Sr. Ministro da Economia para que faça cumprir aquele preceito e sem demora. Tanto dinheiro eles gastam em automóveis caros dispensáveis, tanto dinheiro, no condenável abuso dos seus serviços - platonicamente proibidos por lei que ninguém acata, mais outra! -, tanto dinheiro gasto em «estados-maiores» desnecessários, etc., etc., e nenhum dinheiro para executar um preceito de uma lei que o Governo propôs, esta Assembleia aprovou e o Sr. Presidente da República promulgou!
Eu não me conformo.
A mesma Lei n.º 2025 estipula também, e em termos idênticos, igual obrigação para as empresas das actividades económicas, que, também de igual modo, têm ignorado a obrigação ali imposta.
Ocorre ainda que, além deste dever legal, aquelas empresas, sejam elas singulares ou colectivas, serão os destinatários imediatos do acréscimo de riqueza que o incremento do ensino profissional há-de necessariamente originar. Deveriam assim ser elas as primeiras interessadas na solução deste momentoso problema. Pois, triste é reconhecê-lo, e à parte uma que outra excepção, executada aliás por forma precária, parece não se terem dado conta nem daquele dever nem daquela conveniência.
São possíveis outras fontes de receita e bem justificaria o seu estudo o alto fim, de carácter nacional, a que seriam votadas.
Por agora, quis apenas anotar duas delas, já definidas e estabelecidas em preceitos legais e que, apesar disso, continuam estéreis e secas, porque ninguém, de entre os que podem e devem, com isso se importa ou incomoda.
E porque ninguém se importa ou incomoda com fazer cumprir a lei, nestes quase vinte anos e por essa específica razão, quantos jovens portugueses ficaram sem formação profissional? Ficaram sem acesso a uma vida melhor? Quem me responde? A quem, em nome deles, poderei exigir responsabilidades? Eu sei: a ninguém, e ninguém poderá avaliar a mágoa profunda que eu sinto, mas Deus sabe que não é fingida.
Os propósitos, as intenções e as reformas são inúteis se desacompanhados dos meios financeiros suficientes. Mas eles serão também improfíquos. se a fé, o desejo de vencer, o ideal de servir, os não apoiarem. Estes não nos faltam - aos que servimos a Revolução Nacional.
Nós queremos que a Revolução Nacional realize integralmente o pensamento do Sr. Presidente do Conselho - efectivar na prática o direito à instrução de todos os portugueses, os da cidade e os do campo, os ricos, os remediados e os pobres.
Nós queremos que a Revolução Nacional vença a batalha da, instrução como venceu a do analfabetismo, removendo as fatalidades da história e os graves egoísmos do presente.
Nós, os da Revolução Nacional, assim o queremos, assim o desejamos e, ainda que nos sejam negados os meios de alcançá-lo, nem por isso desistimos de repeti-lo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O debate continua, amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António C alheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Martins da Cruz.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Francisco José Lopes Roseira.

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Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Marques Fernandes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António da Veiga Frade.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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