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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 125
ANO DE 1964 5 DE FEVEREIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 125 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 4 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
SECRETÁRIOS: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foz aprovado o n.º 133 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Olívio de Carvalho requereu vários elementos a fornecer pela Direcção-Geral do Ensino do Ultramar.
O Sr. Deputado Santos Bessa falou sobre as vias de acesso à cidade de Coimbra.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita evocou a figura de D. Carlos, a propósito de mais um aniversário da sua morte.
Ordem do dia. - Continuou o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes da Oliveira relativo a educação nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cid Proença, Costa Guimarães, Brilhante de Paiva e Júlio Evangelista.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
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José Augusto Brilhante de Paiva.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 61 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 123, que ponho em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero aprovado o mencionado Diário.
Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar o discurso do Sr. Deputado Mário Galo sobre a Portaria n.º 20 317.
Diversos a felicitar os Srs. Deputados Martins da Cruz, D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis, António Santos da Cunha, Sales Loureiro, Alexandre Lobato, Olívio de Carvalho e Alberto de Meireles pelas suas intervenções no debate acerca do aviso prévio relativo à educação nacional.
Vários a apoiar a defesa do ensino nos colégios religiosos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Olívio de Carvalho.
O Sr. Olívio de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Nos termos regimentais, requeiro que, pela Direcção-Geral do Ensino do Ultramar, me sejam fornecidos os nomes dos professores (masculinos e femininos), suas habilitações e categoria, que em liceus do ultramar estão a ensinar a disciplina de Francês».
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: anunciaram os jornais ter sido posta a concurso uma nova variante da estrada nacional Lisboa-Porto entre Cernache e a cidade de Coimbra. Os benefícios que da sua realização advêm para a circulação rodoviária naquela zona obrigam-me a manifestar nesta Assembleia o meu reconhecimento ao ilustre Ministro das Obras Públicas por mais este alto serviço prestado à cidade de Coimbra, ao seu distrito e ao País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Coimbra não esquece o interesse e o carinho que o Eng.º Arantes e Oliveira consagra aos seus mais importantes problemas, interesse e carinho que estão exuberantemente demonstrados nas soluções estudadas e adoptadas para tantos deles.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A variante anunciada suscitou, no entanto, certa reacção, expressa em artigos publicados na imprensa local e até na de Lisboa, nos quais foram apontados certos inconvenientes que ela comporta e sugeridas soluções aparentemente mais justas e mais económicas. Não se estranhe, por isso, que eu me não limite a agradecer e que aproveite este ensejo para fazer algumas considerações sobre o problema rodoviário que envolve a cidade de Coimbra, apresentando sugestões sobre aspectos ainda não considerados ou analisando outros já encarados e até estudados pelos sectores competentes do Ministério das Obras Públicas.
Sabem quantos conhecem a actual estrada que do Sul nos leva à cidade de Coimbra como é extraordinariamente belo o panorama que se contempla ao longo de quase toda a descida que, não sei com que sentido irónico, ficou a chamar-se do Vale do Inferno, beleza a que há que atender nas soluções rodoviárias que o progresso impõe nesta época em que tanto e com tantas razões se fala de turismo e da necessidade de o desenvolver com inteligência e com são critério.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Coimbra não pode tolerar, sem veemente protesto, que se abandone esse segmento de estrada e que, em nome das necessidades da rapidez da viação automóvel, se sacrifique uma das mais belas paisagens do nosso país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois o traçado actual, na sua parte terminal, em vez de aproveitar este segmento de estrada que desce aquela encosta que se encontra a sul, em face de Coimbra, toma uma cota muito mais baixa, bastante a sul do actual miradouro, para atingir rapidamente os planos da margem esquerda do Mondego, que atravessa em S, passando entre o Convento de Santa Clara-a-Velha e o rio, para desembocar junto da ponte, em face do novo Estádio Universitário. Sacrifica, assim, a contemplação desse panorama de extraordinária beleza com que a cidade de Coimbra, o seu rio e a sua margem esquerda actualmente brindam quem demanda a Lusa Atenas.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Não posso deixai passar em silêncio aquilo que considero um dos mais graves inconvenientes da nova variante rodoviária. Em defesa do interesse turístico da região, permite-mo solicitar ao ilustre Ministro das Obras Públicas que mande estudar as possibilidades técnicas que terá o aproveitamento da actual estrada, desde o miradouro do Vale do Inferno até Santa Clara, como término da variante anunciada.
Prevejo as dificuldades, mas sei o que valem e o que podem os técnicos daquele Ministério e julgo, portanto, que o problema pode ter solução. Mas, se a não puder ter tal como sugiro, que, ao menos, se estude uma ligação ampla entre a futura variante e a actual estrada, entrando nesta acima do miradouro, e que se alargue esta última de modo que possa ser utilizada mais comodamente pela viação ligeira e de turismo.
E não só que se alargue, mas que se melhore em todos os sentidos, que se embeleze, se liberte e se proteja de certas construções e de certas pujanças vegetais que já bastante a comprometem e que tendem a anular por completo o excelente panorama que ela nos oferece.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para isto nem haverá dificuldades técnicas nem serão de aceitar recusas ou adiamentos de ordem económica. A cidade e o turismo bem merecem que se não desperdice aquilo que tão generosamente nos ofereceu a Natureza.
É fora de dúvida que a variante anunciada vem resolver o problema permanentemente aflitivo da circulação rodoviária entre Coimbra e Cernache, onde, actualmente, em estrada estreita e tortuosa, se acumulam, particularmente a certas horas, os camiões, os autos ligeiros, os carros, as carroças, as bicicletas e os peões. Afirma-se também que, pela sua função de estrada-dique, na sua parte terminal, ela virá a criar melhores condições de protecção e de defesa à velha e extraordinariamente bela Igreja de Santa Clara.
Mas também é verdade que não resolve e até agrava o problema rodoviário do Largo da Portagem, na margem direita do Mondego, à entrada da cidade.
Não o resolve, porque não melhora as condições actualmente existentes, e deve até agravá-lo, porque a nova variante com certeza vai atrair a viação pesada que actualmente evita a estrada, estreita e íngreme, do Vale do Inferno e se serve de outras estradas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Efectivamente, ali, numa verdadeira encruzilhada de importantes ligações com o Norte, com o Sul e com as Beiras, em pequeníssimo espaço, em frente do edifício da Comissão Municipal de Turismo, um sinaleiro tem de arranjar processo de escoar todo o trânsito, pesado e ligeiro, que se dirige do Sul para o Norte, do Sul para a cidade, do Sul para as Beiras, todo o que vem da estrada da Beira para a cidade de Coimbra, para o Norte e para o Sul, todos os peões que entram e saem da cidade, etc. Quer dizer: as vantagens da larga e bela Ponte de Santa Clara, a que ficaram ligados nomes dos Ministros J. Frederico Ulrich e Arantes e Oliveira, que veio substituir a velha, estreita e arruinada ponte, são anuladas por aquela forçosa, apertadíssima e angustiante passagem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As dificuldades crescem dia a dia, à medida que cresce o trânsito, e avolumam-se em certos dias e em certas horas, demorando de modo inconveniente e prejudicial o escoamento dos veículos. O novo Estádio Universitário, pela frequência que vai atrair, em certos dias e em certas horas, e o novo liceu normal, pelo movimento que naturalmente vai acarretar, são dois novos elementos a agravar as actuais condições de trânsito naquele recinto. E, portanto, fora de dúvida que as condições rodoviárias impõem e o interesse de Coimbra e do País exige que se faça quanto antes uma nova e ampla ponte que resolva os problemas da circulação automóvel e que garanta nova entrada fácil na cidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sei que o ilustre Ministro das Obras Públicas a julga igualmente indispensável, como, aliás, já a considerava o Eng.º Duarte Pacheco, e, por isso mesmo, espero que o Governo não deixe de garantir as facilidades indispensáveis ao seu estudo e à sua execução tão rapidamente quanto possível.
O que conheço da cidade, dos seus problemas actuais e do seu futuro como Cidade Universitária, como repositório de preciosidades históricas e artísticas e como terceira urbe, da metrópole, leva-me a sugerir que essa nova ponte se situe perto de Almegue, atravessando não só o rio, mas também cruzando em viaduto o actual ramal de caminho de ferro e a Avenida de Fernão de Magalhães, tendo à sua saída as duas ligações que conduzam à cidade e à estacão do caminho de ferro e uma outra que seja o seu natural prolongamento, através do vale e da Estrada de Eiras, e que irá encontrar a actual Estrada do Porto por alturas da Adémia.
Haveria toda a conveniência em que o estudo da implantação da nova ponte se fizesse em conjunto com aquele a que está a proceder a Direcção da Hidráulica do Mondego para a construção do dique de derivação com que se pretende assegurar a permanência de uma toalha líquida no leito do Mondego, mesmo no pino do Verão.
A ligação entre Santa Clara e o Almegue afigura-se-me extraordinariamente fácil, por estrada larga, verdadeira avenida que passaria entre o Estádio Universitário e a colina, alargando a actual estrada que conduz à Bencanta.
Esta partiria de um largo, onde viriam juntar-se a estrada da ladeira do Vale do Inferno, convenientemente melhorada, e a das Lajes, depois do alargamento do troço que há-de ligar a próxima variante com o término da Avenida de João das Regras. Este alargamento acarretaria a protecção e a valorização da velha Igreja de Santa Clara, libertando-a do casario que a compromete e a abafa, mas respeitando integralmente o Portugal dos Pequeninos, obra maravilhosa, de extraordinário valor turístico, verdadeiro museu nacional, dos mais visitados do País, conhecido e admirado por quantos estrangeiros nos visitam e que tem sido objecto de excelentes publicações em revistas de renome internacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim se valorizaria não só o Portugal dos ^Pequeninos e a Igreja de Santa Clara-a-Velha, mas também o novo liceu e a Quinta das Lágrimas.
Nesse largo, desafrontado do casario ali existente e convenientemente urbanizado, parece-me que não ficaria mal a estátua da Bainha Santa, entre os dois Mosteiros de Santa Clara a que estão ligados a história da sua vida gloriosa e o culto devotado de tantos milhares de fiéis. Assim se daria também solução a um problema inquietante - o da provisória instalação da sua bela estátua no terreiro fronteiro à Igreja de Santa Clara-a-Nova.
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Estas novas vias e esta nova ponte aliviariam a cidade da viação posada que; actualmente é forçada a atravessá-la sem qualquer interesse para os que a conduzem e com grave prejuízo da própria cidade. A viação ligeira acelerada também teria passagem livre e quantos demandam a cidade por motivos turísticos, comerciais, culturais ou de outra ordem teriam sempre asseguradas amplas e livres entradas. A vida das cidades progressivas exige uma e outra coisa. Coimbra bem merece, por isso, que os seus acessos funcionem como verdadeiras artérias e possam facilitar a sua vida e garantir o seu pujante desenvolvimento.
Os jornais também deram conta de um anteprojecto da Auto-Estrada Lisboa-Porto, passando na Geria. Não disseram, no entanto, as razões que impunham a passagem naquele ponto e eu não vejo bem por que motivo se há-de escolher para a travessia do Mondego um tal local que vem tornar excessivamente caras as obras indispensáveis a tal empreendimento. Nesse ponto há que contar com as travessias da vala do Norte, do rio Velho, do actual Mondego, dos campos que ficam entre um e outro e das ínsuas da margem esquerda deste rio. O aluvião acumulado pela sedimentação secular deve atingir dezenas de metros de altura e a impetuosidade das cheias há-de exigir extraordinária solidez das construções. A mim afigura-se-me que quanto mais próximo de Coimbra se fizer essa travessia, mais económica virá a ser a obra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aqui deixo este apontamento despretensioso à consideração do ilustre Ministro das Obras Públicas e dos seus dedicados técnicos.
Que ela passe próximo ou distante de Coimbra - e eu desejaria que passasse o mais próximo possível por aquelas e outras óbvias razões - será sempre possível fazer ligações rápidas com qualquer dos pontos de Coimbra.
Quanto às avenidas marginal direita, do Choupal à Portela, e marginal esquerda, do Almegue à Lapa dos Esteios, a que já aqui me referi há anos, e às futuras variantes da Estrada da Beira, encaradas uma através do rio Ceira, em ligação com a variante que agora vai fazer-se, outra pelo Vale de Coselhas, em ligação com a Estrada do Porto, e outra em direcção à cidade, não tenho senão que louvar o Ministério pela largueza de vistas com que encara o empreendimento e desejar que ela se realize o mais rapidamente possível.
Sr. Presidente: não quero terminar as minhas considerações sem dirigir ao ilustre Ministro das Comunicações, em nome dos interesses da cidade, o meu veemente apelo para que se acelerem os estudos para remover do seu interior aquele caminho de ferro e aquela estação que comprometem o seu desenvolvimento e cujos comboios constituem perigo constante para a vida dos cidadãos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por causa deles não se dá andamento à avenida marginal direita, do mais alto interesse turístico, nem se resolvem outros problemas de indiscutível importância para a cidade. A futura estação dos caminhos de ferro que substituirá a estação de Coimbra-B ficará dentro da cidade e terá assegurada a ligação com o centro da mesma e com o Calhabé, por transportes colectivos suficientes.
Os passageiros que demandem a Lousa e os que dali venham à cidade ou sigam para o Sul poderão servir-se da paragem do Calhabé para tomar ou abandonar o comboio. Esta estação do Calhabé poderia servir de testa dos comboios de passageiros entre Lousa e Coimbra enquanto se não fizesse a ligação por Coselhas ou pela margem esquerda do Mondego, conforme se impõe e segundo o projecto que vier a ser preferido e aprovado, enquanto a linha não seguir até Arganil e Beira Baixa, como é necessário. A chamada Estação Nova, às Ameias, poderia, portanto, desaparecer dentro em pouco. Assim o deseja intensamente a cidade e assim o entende igualmente o ilustre Ministro das Obras Publicas.
Temporariamente, ficaria a via para garantir o transporte de mercadorias durante a madrugada ou para assegurar qualquer necessidade imperiosa de reforço de material circulante. Assim se iniciaria a resolução de um dos mais delicados e prementes problemas da cidade de Coimbra.
Sr. Presidente: ao apresentar algumas sugestões, ao recordar problemas já tratados noutras ocasiões, ao referir estudos que, estão em curso no próprio Ministério das Obras Públicas, não quero senão mostrar os direitos e as necessidades de uma cidade cheia de tradições e de tanto valor na vida do País. E ao defender os seus direitos e o seu interesse, ao chamar para eles a atenção do Governo e ao apontar a necessidade de os resolver urgentemente, não defendo só os interesses de uma cidade ou de um distrito, mas os do País inteiro, porque a cidade é rica de valores culturais, artísticos, históricos e turísticos e porque é nó de ligações rodoviárias da maior importância para a vida da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: no ciclo anual comemorativo do fausto centenário do rei D. Carlos, o dia 1 de Fevereiro, posto aniversário da tragédia, não deve ficar omisso, mormente nesta Casa que sua foi, como cabeça da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Palavras curtas; não de funeral pela data; isso o fizemos de mãos dadas com o velho amigo Dr. João do Amaral na sessão homóloga desta, aquando do cinquentenário do atentado infando.
Cumpre-nos hoje observar o evento pelo avesso do tempo que nos decorre.
Para o rei prostrado - e com ele por régia herança para o príncipe -, como para os mártires da Igreja, o dia do seu sacrifício incruento converte-se no dia da sua glória: é o seu dia!
Isso o exprimiram bem as palavras anunciadoras do centenário à vista pronunciadas pelos Srs. Deputados Júlio Evangelista, Lopes de Almeida e Pinheiro da Silva nesta Assembleia, precisamente há um ano.
De igual sorte o fez o Sr. Deputado Cancella de Abreu na sessão de 11 de Dezembro passado, valorizando na merecida medida a inauguração reparadora, em 28 de Setembro, da estátua de el-rei, junto do Paço da Ajuda, onde cem anos antes vira a luz.
Com dignidade verdadeiramente régia se celebrou a cerimónia, onde usaram da palavra o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa e, pela comissão promotora do monumento, o Dr. Rui de Andrade, ante os representantes mais
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cimeiros do Estado e da família de Bragança, pessoas altamente qualificadas da Nação, e muito respeitosa multidão de povo.
l de Fevereiro: dia de martírio, dia de glória!
Efectivamente, a distância, no tempo, a análise desapaixonada dos documentos salvos, a lição dura dos efeitos de mitologias políticas vazias, o panorama do mundo que nos cerca, levam a mediania dos portugueses de hoje a ver a figura do monarca a uma luz muito diferente daquela pela qual o delírio passional dos seus contemporâneos o pretendeu condenar.
Sabe-se melhor agora quanto o rei se esforçou, dentro dos discretos limites da sua actuação constitucional, por reparar os desastres nacionais que a política dos partidos e as ambições estrangeiras propendiam a criar-nos.
Foi a sua política ultramarina, militar e diplomática polarizando a sua acção.
E para a proficuidade dessa política impunha-se a indispensável reforma da nossa administração interna.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nessa orientação construtiva, contra a qual a conjura dos interesses se casava com a emotividade passional do povo desvairado, se amalgamou o ambiente determinante do crime.
D. Carlos, como já alguém observou com justa serenidade, foi vítima não de defeitos que porventura tivesse - e como homem quem os não tem? -, mas das altas qualidades que em boa, ou má, hora quis desenvolver em prol da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, efectivamente, a sua morte converte-se na sua glória!
Ex adverso, sentindo isto, há quem tenha procurado obscurecer os seus méritos, sobretudo pelo que respeita à sua acção diplomática quanto à renovação da aliança inglesa.
Os documentos e depoimento que têm vindo a lume são, contudo, bem demonstrativos da sua decisiva intervenção para se alcançar tal objectivo aproveitando a guerra com os Boers.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também se pretendeu negar a sua mediação útil na Entente Cordiale, pedindo se exibam dela documentos.
Por acaso, vim ao conhecimento de uma entrevista que o escultor Teixeira Lopes, acompanhado de João Chagas, ao tempo nosso Ministro em Paris, teve com o então já ex-presidente da Republica Emile Loubet por qualquer assunto atinente a Portugal.
Falando-se do rei D. Carlos, Loubet, tecendo-lhe rasgados elogios, deplorou sua morte cruel.
E então confidenciou quanto a nação francesa devia ser grata à sua memória pela forma por que tinha ajudado a contribuir para o sucesso da realização da Entente Cordiale.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto consta das memórias manuscritas que Teixeira Lopes deixou e se acham arquivadas no respectivo museu, em Gaia.
Seja esta nota inédito retoque dado à figura pelo escultor, o ramalhete de vermelhas rosas a depor hoje no sopé da estátua de el-rei D. Carlos I.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio apresentado paio Sr. Deputado Nunes de Oliveira sobre educação nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cid Proença.
O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: já se afirmou, segundo parece, que dificilmente se teria a Câmara fixado em tema de interesse mais universal. Não ponho em causa o asserto; desejo tão-sòmente reflectir sobre o entendimento a dar-lhe.
Suspeito, na verdade, que alguns, da mais cândida boa fé, se apresentam ainda, hoje perante os problemas da educação, ou os da escola, a que em sumário juízo reduzem aqueles, na atitude passiva (acomodada ou descontente, ao caso tanto importa) de quem requereu, pagou, deu tempo ao tempo e espera haver mercê... E como investiram o capital dos educandos, segundo a medida da própria exigência, na perspectiva de um diploma nobilitante, uma aptidão profissional sujeita a contraprova, talvez a revelação de uma personalidade humanamente rica ou apenas equilibrada, o acto ritual da matrícula e o solene ponto final do exame balizam o seu interesse e constituem instrumento de quitação das pátrias responsabilidades.
Por outro lado, no tom em que às vezes são tomadas contas a respeito da condução da actividade educativa, transparece não só a partir da convicção do axiomático monopólio da competência estadual o esquecimento da missão e dos campos de acção naturais de outras sociedades, mas também o jeito de dissertar como sobre coisa estranha ao mundo pessoal e sectorial de quem critica ou aconselha.
Se o interesse é interesse da- ordem subjectiva, mero estado de espírito, a atribuída universalidade sofre, pois, avantajadas restrições, quer na consciência das responsabilidades, quer na ciência da pluralidade dos aspectos da questão.
Todavia, não é com tal sentido que deve falar-se em universalidade de interesse. Que tudo, ou como se tudo seja na vida da comunidade e no comportamento individual, condiciona, directa ou indirectamente, a obra de educação, isso sim, pode sustentar-se. Daí decorre que ninguém se isenta sem culpa do assumir neste plano posição afirmativa e, muito menos, merece absolvição das influências negativas que exerceu.
Sr. Presidente: contra a permanente sugestão dos ambientes obtêm escassos resultados individuais toda a sorte de advertências e toda a escala de constrangimentos. É dos livros e não sei que válida experiência o contrarie.
Infinitamente mais adequada portanto, e mais económica de frustrações e desenganos, a conquista dos ambientes do que a imunização contra as suas sujeições, a entrada em conta com a sua influente realidade do que as rectificações que suscite quando em pura perda se trabalhou ignorando-a.
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Quando a escola se declara, por exemplo, carecida do apoio da família, decerto não alude apenas a incentivos para o aproveitamento literário e a pressões para a conduta disciplinar, mas ao pressuposto de um clima natural favorável como condição da sua própria eficiência educativa.
Ora, em face da chamada demissão da família, forma extrema e derradeiro estádio lógico da crise endémica e já proverbial, apela-se com insistência para o reforço da presença supletiva do Estado.
Ninguém com a percepção mínima dos imperativos nacionais ousará, consideradas as circunstâncias do tempo, contestar-lhe a legitimidade e o inadiável.
Representaria, no entanto, um erro mortal que à sombra de tal suprimento de ânimo e capacidade para actuar no plano imediato não gastássemos um átomo de energia a desmentir a aparente inevitabilidade do processo desagregador.
Situamo-nos bem no âmago da questão, que não em simples afinidade com ela, se tentamos criar ou reaver as condições de ordem espiritual, social e económica que propiciem o que o irlandês Edward Leen, com certeza de diagnóstico e uma ponta de bom humor, denominou, por extensão do sentido corrente, regresso ao lar. Não pensava o nosso autor na poetizada «rainha do lar», que abandonou a arte dos seus lavores pela técnica de escrever à máquina; pousava no comum alheamento dos que deveriam vivê-lo, avaliar-lhe pelo justo preço as virtualidades e carências.
Desta sorte equacionada a questão, temos de rectificar o ponto de vista inicial: aqui não intervém o Estado em exclusivo suprimento da vontade alheia, move-se em esfera indisputável da competência própria.
A encíclica Divini Illius Magistri, tão legitimamente ciosa das prerrogativas da família e da Igreja, solicita expressamente os Poderes Públicos a intervirem para o saneamento e para a formação dos ambientes educacionais.
Entretanto, a precariedade da actuação no que toca ao ambiente formativo da família provém do facto de ela receber por sua vez e em cadeia, como é moda dizer, influências do meio circundante, e este, por força da progressiva aproximação do vário mas já tão concentrado mundo em que nos situamos, cada vez está menos ao abrigo de forçadas conveniências nem sempre edificantes.
Tudo isto parece tão demonstrado pela experiência que de todo nos acautela da perigosa ilusão de edificar a escola «suficiente educadora» por mais que a apetrechemos e a defendamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mesmo no domínio que lhe é mais específico, enquanto serve a juventude, incutindo-lhe hábitos do seriedade intelectual, o gosto do trabalho custoso e quando ocorre desinteressado, assiste, desagradada muito embora, ao convite arrogante de certos meios à superficialidade, ao desordenamento de valores, eu ia a dizer, à inspiração apátrida de actividades de extensão e vulgarização cultural. Nem descarreguemos a consciência descansando na inconsequência de tais divagações. Havemos decerto de estar lembrados do conceito que o maligno barqueiro, no auto de Mestre Gil, fazia da vontade submissa dos condenados. «Embarcai e remaremos», dizia, e era como se dissesse que, imposta a barca e a companhia, o porto de destino ele o determinaria a seu talante.
Sendo assim, como é, só podia acontecer como não raro acontece no que respeita à formação da sensibilidade e do carácter, sem cujo equilíbrio e firmeza os homens desaprendem de olhar o céu e de construir a cidade.
Há muito de heroísmo e de desvelos providenciais na fidelidade dos jovens aos nobres princípios e aos exemplos sadios, se lhos contraditam as imagens escritas e filmadas que em catadupas lhes atiram para a frente dos olhos as várias internacionais da perversão a que não podemos ou não sabemos fechar as portas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Confortando-nos e revendo-nos orgulhosos nesta presente geração de combatentes de vanguarda, pressentimos, aqui ou além, insidiosas adversativas a tentarem limitar, ante o espírito juvenil, a afirmação do direito e a vontade de resistência da Pátria.
Queixámo-nos, aliás, anteriormente, da atonia e do desvairo ideológico de alguns nas gerações que nos seguiram. Mas quantas vezes o primeiro abraço aos ideais que os não merecem não é nos rapazes traídos pelo ambiente familiar e social o protesto de um magoado desencanto; que o não deve haver mais doloroso do que supor desmentidos pelo padrão do viver quotidiano os valores que com a alma toda quisemos depois de, rendidos, os aprendermos a admirar.
Sr. Presidente: estes e juízos muito semelhantes têm sido produzidos com mais autoridade e exacta expressão. Se a eles regresso é por me parecer que devemos aproveitar todo o alcance político da nossa concordância de pensamento, unânime segundo adianto, neste preciso aspecto da questão educativa.
Não o ignora o Governo nem lhe falta decerto a inteligência das soluções possíveis, mas ser-lhe-á porventura útil saber que também aqui o acompanha a Nação, cujos sentimentos profundos julgamos interpretar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque também existe, Deus louvado, um ambiente nacional cujas reacções, longe de entorpecerem ou desvirtuarem os propósitos construtivos, são forte incentivo a que não trepide a mão que haja de traçar o caminho direito para uma educação informadamente cristã e de objectivos portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Coincidiram sem dúvida com a nossa ânsia de pôr em dia e a favor dos planos e programas de desenvolvimento cultural, social e económico as potencialidades do sistema escolar, enquanto, porém, subentendem, como em tempos ouvimos, em escorreito latim de um novo doutor de Oxford, que «num mundo em que tudo se modifica o que menos muda é o próprio homem». Acresceriam as preocupações e teriam escasso fundamento as esperanças se a escola se fechasse sobre si, sobranceira às concretas exigências da comunidade. Mas como se resignaria o sector mais consciente da Nação a que a escola deixasse de ser a «sagrada oficina das almas» para converter-se em frio maquinismo de transmissão de conhecimentos utilizáveis?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não tem por ultrapassada a lição do Disciple, acredita em que há doutrinas corruptoras e que não foram precisamente essas as que ditaram a ruína do filósofo.
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Por isso, não pode eximir-se a desejar que lhe dêem a escola identificada com uma válida concepção do homem e da vida, pois que, bem o afirmava De Bonald, também jamais foram precisas cátedras ou mestres para que aprendêssemos a duvidar e a satisfazer-nos com o magro consolo das nossas dúvidas.
Se o grande livro de certezas que é a Igreja tem aí a sua palavra a dizer, e definitiva no que mais importa, não seria lícito recusar-lhe condições de direito e de facto que facultem à mocidade, do mesmo passo inquieta e ansiosa por encontrar-se, os ensejos de ouvi-la e de a viver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, quando como nunca a Nação precisa do clima austero e heróico, sem o qual se não transpõem as tormentas, estaria desajustado ao momento o ambiente educacional, tanto escolar quanto extra-escolar, se por mediocridade reservasse os entusiasmos juvenis, por diletantismo deixasse apoucar os valores e os serviços de Portugal, por descuido culposo não prolongasse o campo de luta onde a vitória primeiro se decide.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que a Nação louvou nesta Assembleia o grau do seu inconformismo e a medida larga da sua ambição. Mas avalia de si quanto é difícil e dispendioso em canseiras e fazenda atingirmos neste capítulo, ao menos por aproximação, o sonhado ideal.
Nem por isso cairá no pecado capital de prodigalidade que consiste em minimizar o bom quando teria pretendido alcançar o óptimo; muito espera da consciência desperta e dos esforços concordes e conjugados dos responsáveis e dos interessados directos que todos somos, tudo confia em Deus, que é Mestre singular.
Sr. Presidente: termino por onde impunha a lógica e me requeria o coração que começasse. A significar aos ilustres Deputados avisantes o muito apreço pelo seu confirmado saber, a participar do comum agradecimento pela sua tão proveitosa lição.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente: ao intervir no presente aviso prévio, de oportuna e destacada iniciativa do nosso ilustre colega Nunes de Oliveira, em instante preocupação de profunda análise dos problemas da educação nacional, não ficaria de bem com a minha consciência se iniciasse a minha curta intervenção sem uma justa e merecida referência aos relevantes serviços por V. Ex.ª prestados à nobre causa da educação. Sentidamente me apraz testemunhar o preito da minha homenagem por respeito e admiração a obra que se honrou realizar como mestre insigne da nossa Universidade maior, dessa gloriosa Universidade de Coimbra, que deve precisamente o mérito das suas gloriosas tradições à estirpe de mestres como V. Ex.ª
Em V. Ex.ª, Sr. Presidente, que foi também insigne titular da pasta da Instrução Pública, saúdo as nobres virtudes do professor com superior formação, inteligência e dignidade, todas as virtudes que quis e soube transmitir e tantas gerações que tanto lhe devem e que, prestando ao País o alto serviço que a cultura e a ilustração possibilitam, fizeram que a Nação, por tudo, lhe seja duplamente devedora.
Com estes sentimentos que me apraz exteriorizar, peço humilde vénia para me permitir as considerações de modesto contributo, na necessária e salutar agitação dos problemas ora em debate.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: estou ciente de que não será criticável redundância afirmar que os problemas da educação revestem de transcendente acuidade e repercutem, com a mais flagrante actualidade, na vida política, económica e social da Nação. E indispensável que se force esta nota para que os anseios, e mais que estes as directrizes e sugestões daqui dimanadas, colham todos os efeitos que se impõe e alcancem os objectivos que correspondem à missão desta responsável Assembleia.
Numa hora de realidade, é de grave responsabilidade e dominante preocupação encaminhar a satisfação das necessidades do ensino, fim todos os seus graus e sectores.
Expressão significativa de tal preocupação se traduz no interesse generalizado no seio desta Câmara, e que impeliu uma notável maioria dos seus membros a aqui trazer as mais variadas e fundamentais opiniões.
Através delas, em paralelo com as preocupações evidentes que o Governo permanentemente vem demonstrando, e a acção, que em correspondência vem desenvolvendo, se procura, como no feixe dos vimes, juntar todos os esforços e todas as opiniões. Assim, e em sentido construtivo de plena compreensão, por acção melhor estruturada e mais esclarecida, se promoverá o progresso educacional que todos ambicionamos.
Em judicioso comentário que nesta Casa ouvi já formular e com compreensível propriedade se referiu que as necessidades da educação deverão acompanhar, muito de perto, se não até em paralelo, as fundamentais da defesa, nacional. É na verdade intuitivo que sem educação se tornará impossível a indispensável valorização do património humano nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E sem esta não poderá assegurar-se a continuidade do desenvolvimento económico e social, indispensável premissa para a valorização das fontes de produção, ou criação de outras, factores primordiais para o equilíbrio da vida pública.
Destaque-se que esse mesmo equilíbrio é que tem permitido e assegurado a implacável, tenaz e também eminente política de defesa do nosso indestrutível património pluricontinental.
Alto serviço se presta à Nação ao procurar criar-se uma mentalidade feita de viva compreensão pelos efeitos perniciosos que o estado do ensino acarreta, traduzindo-se em manifestas dificuldades da sua vida.
Em relação a estas não poucas vezes se comentam - comentários fáceis - e de igual modo se criticam as deficiências de que a mesma se possa revestir.
A mais das vezes, porém, não se cura de perceber que só uma decidida actuação e até reforma em múltiplos aspectos do ensino permitirá obviar alguns males, corrigir determinados atrasos ou eliminar teimosas inércias.
A repercussão dos problemas de educação deverá determinar, mesmo na medida de condicionalismos derivados da conjuntura que do exterior nos é imposta, uma procura persistente das suas soluções, sem entraves ou indecisões comprometedoras.
Compreensivelmente aceitamos razões inegáveis que possam obstar a resolução pronta, imediata, de todos os problemas em equação, mas aspectos há que seguramente poderão constituir relíquias de passado sem sau-
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dade, juntando-os a tantos e tantos outros que o regime vigente em tal soube transformar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: sem me deter em detalhadas particularidades, embora não deixe de focar alguns pontos ligados aos ensinos primário e secundário que já aqui foram judiciosa e brilhantemente focados pelos depoimentos autorizados de ilustres P distintos colegas, desejarei, antes de progredir nas minhas considerações, vincar uma ideia de certeza quanto à possibilidade de não haver problemas irresolúveis no campo da educação, assim se planifique e assim se queira.
Ilustro a asserção com o retumbante êxito alcançado pela campanha contra o analfabetismo, nessa luta incansável levada a cabo na metrópole pela acção pertinaz do que foi ilustre Subsecretário da Educação Nacional e é hoje nosso distinto colega, o Dr. Veiga de Macedo.
Pelas medidas tomadas, a que tributo a minha homenagem, se pôde transformar o analfabetismo em recordação de triste passado.
Que essa corajosa e decidida reforma possa vir a completar-se, em futuro breve, com a transformação do período de escolaridade primária obrigatória de quatro para seis anos. É na verdade manifesto que o ensino primário ministrado em período de quatro anos, como o actual, é insuficiente para que o educando possa vir a participar, um plena capacidade, numa sociedade activa, de cada vez mais implacáveis exigências no campo nacional e também no campo internacional, em consideração da tendência irreprimível de à livre circulação das coisas se juntar a das pessoas.
Constituirá tal medida um passo decidido para a prática de um programa positivo de valorização do homem trabalhador, e resgatá-lo do perigo de uma posição de inferioridade em que o poderá precipitar a concorrência internacional dos mercados do trabalho.
A solução do problema acarretará algumas delicadas implicações, nomeadamente nos aspectos de preparação de pessoal docente e sua distribuição, actualização e reforma de programas, nas instalações de escolas, etc.
Mas não creio que sejamos impotentes para o atacar e vencer, obviando os inconvenientes que os números penosamente exprimem: entre 1957-1958 e 1960-1961 só cerca de 30 por cento dos alunos aprovados na 4.a classe prosseguiram os seus estudos, e especificamente quanto a 1960-1961, de 100 000 alunos só 35 000 continuaram a frequência de escolas. Note-se que antes de 1950 a situação traduzia-se nos números confrangedores de 20 por cento de alunos a continuar os seus estudos.
Lembro que além de tudo o mais se eliminarão os graves inconvenientes de uma massa de juventude entregue a uma perigosa e perniciosa inactividade, pois que na maioria dos casos se lhes impõe aguardar de um a quatro anos para se empregarem, uma vez que, por disposições legais, louváveis, o acesso à actividade remunerada só é possível aos 12 e 14 anos, respectivamente para os rapazes e raparigas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: um dos aspectos gerais sumariados no aviso prévio e que mais feriu a minha atenção é o que se relaciona com a promoção de intensa acção no sentido de preparar e orientar eficazmente a juventude nos aspectos morais e sociais.
Sem me alongar, desejarei exteriorizar um veemente brado de alerta, apelando para a necessidade instante, sobretudo no ensino secundário, de se prestar imprescindível atenção a medidas que promovam a plena satisfação desse aspecto educacional.
A vida agitada que domina a sociedade do presente, em luta exigente pela aquisição de conhecimentos e habilitações que possibilitem a rápida obtenção de uma situação de subsistência, leva grande maioria dos responsáveis pela preparação dos adolescentes - e grave responsabilidade pertence também à família em consequência dessa mesma luta - a descurar a melhor preparação cívica, moral e também disciplinar que deverá constituir o complemento imprescindível da formação cultural.
É manifesto que uma acção que vise este particular colherá os mais relevantes efeitos e estou certo de que a mesma se deverá situar com mais seguros meios e possibilidades, e por isso indispensável, no período de ensino secundário, precisamente aquele em que a personalidade dos jovens mais se molda e o carácter melhor se tempera.
A delicadeza do problema exigirá sobretudo pertinácia na execução, pois, não sendo difícil delinear os respectivos meios, é na prática que está a dificuldade.
Através da disciplina de Moral Cívica, que também é religiosa, como se impõe num país com as nossas tradições, muito se poderá fazer. Conheço bem do zelo e competência pedagógica com que distintos e proficientes regentes dessa disciplina a ela se votam. A maioria dos alunos, porém, não a toma a sério. Por isso creio impor-se que a mesma seja mais autorizada, com vista à forçosa consideração a merecer por parte dos educandos.
Por outro lado, a Mocidade Portuguesa, que necessita ser revigorada nas suas possibilidades de acção, também terá papel responsável, que não se deverá descurar nem minimizar. Existir Mocidade Portuguesa obrigatória para o l.º ciclo, facultativa para o 2.º, em acção, mas obrigatória para quotização de todos, não chega. Esse prestigioso organismo precisa de ser quase obrigatório, mas, em sentido oposto, pela atracção do jovem, sentindo-o indispensável como complemento da sua vida circum-escolar.
Um outro meio disciplinador que não posso deixar de focar é o que se liga com a actuação directa dos próprios professores.
O bom professor - e há tantos e tantos a quem, como chefe de numerosa família, não posso deixar de, desta responsável tribuna, render o preito de viva homenagem e reconhecimento pelo que lhes devemos na difícil missão de nos ajudar a conduzir e preparar os nossos filhos - deverá aliar às suas superiores qualidades de cultura e pedagogia as de um disciplinador intransigente, que os alunos respeitem e considerem como as de pais que saibam merecer esta designação.
Importa que a missão de impor disciplina e respeito não seja exclusiva dos reitores dos liceus ou de directores de ciclos, mas, sim, de todos os que, tendo de preparar em cultura, poderão também formar em civismo, em respeito, moderação, reverência, e até em boas maneiras.
Quando me falam de reitores intransigentes e implacáveis em acção disciplinadora, só me louvo, como pai, pela magnífica ajuda que prestam a nós, educadores, e, mais que a nós, à sociedade, que reconhecida se torna pelos elementos melhor formados que virá a receber.
É que o civismo e a disciplina são factores seguros de uma proficiência profissional que melhor servirá o equilíbrio e estabilidade das instituições.
Não desejaria alongar-me em considerações que o estado actual do ensino liceal forçosamente nos sugere. Não resisto, porém, a uma afirmação de inteiro apoio a urgentes medidas que promovam a coordenação do ensino com programas convenientemente sincronizados.
É bem conhecida a extensão de diversas matérias que são ministradas, com mais exigência à memória que à
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inteligência, com desvirtuamento manifesto da concepção da verdadeira cultura, optando-se por um armazenamento de ideias em vez de um sentido de criação ou concepção original, com uma consequente fadiga de memória ou redução de capacidade, sempre prejudicial para uma vida onde a especialização é hoje o lema fundamental do progresso.
A evolução da vida processa-se em termos que o ensino não pode deixar de acompanhar, com a preocupação dominante de se educar para o presente, eliminando os princípios obsoletos do passado, e atentamente perscrutando as necessidades do futuro.
Igualmente desejaria apoiar, como se me impõe, o aspecto focado de revisão urgente do sistema dos exames em vigor, nomeadamente nos de admissão ao liceu, em que as provas orais para alunos com determinadas classificações nas escritas seriam pura e simplesmente de eliminar - com vantagens em todos os aspectos e, sobretudo, do próprio serviço.
Igual sugestão se me propõe quanto às provas de admissão às Universidades, pois não compreendo que necessidade haverá na sua manutenção se as provas do 3.º ciclo puderem ter lugar com a intervenção de controle e até de elaboração de pontos de especialidades já definidas, por professores das correspondentes Faculdades. Verifica-se uma manifesta duplicidade na averiguação de conhecimentos dos alunos, e só haverá vantagem em simplificar, simplificar sempre, sem que esta orientação possa constituir facilitações ou sacrifício na necessária estrutura dos conhecimentos que deve revestir a formação do futuro universitário.
Em comentário final nestas minhas modestas apreciações e aspectos do ensino liceal e técnico elementar, dois pontos fundamentais não me poderiam passar sem uma rápida asserção: um, bem delicado, é o do desequilíbrio que se vem verificando em várias zonas do País quanto à capacidade das instalações existentes para albergar o sempre crescente aumento das populações escolares. Edifícios de recente construção, com sete e oito anos de existência, programados com manifesta previsão, vêem já hoje superlotadas as suas classes, e não há salas de aula que aguentem o afluxo da população escolar, mesmo com desdobramentos sucessivos de turmas. Se providências urgentes não forem tomadas, a breve trecho se nos deparará uma situação de vermos rejeitadas inscrições nos estabelecimentos de ensino oficiais, com o consequente sacrifício do apetrechamento cultural daqueles que menos dotados em recursos materiais não possam recorrer ao ensino particular.
Na região do círculo a que pertenço há já exemplos bem elucidativos, do pleno conhecimento das instâncias oficiais, como é o caso da Escola Industrial e Comercial de Guimarães, já obrigada a recorrer a instalações exteriores que não servem para suprir as suas necessidades irreprimíveis.
Bem se desejará, por isso, a urgente previsão de novas instalações, seja para a separação dos cursos comercial e industrial, ou por critérios de ordem funcional mais vantajosos, inclusivamente a criação de uma escola técnica elementar.
A segunda questão a que aludi liga-se com o conhecimento que tenho de se efectuarem nomeações de professores para o ensino liceal que, não sendo licenciados, nem sequer são diplomados. Sem fazer comentários quanto às delicadas implicações e consequências que tal prática acarreta, formulo o ardente voto de que as medidas previstas para a formação acelerada de pessoal docente, que recentemente vimos enunciadas, com natural destaque, na Lei de Meios para o ano corrente, possam obviar a tão perniciosas práticas, que só em extrema emergência serão admissíveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: no âmbito do ensino superior problemas de instante preocupação exigem que aqui lhes dediquemos algumas incisivas referências.
Intentarei ser breve, procurando focar pontos no campo do ensino técnico, que com notoriedade se poderão reflectir em progressão lenta, que o nosso desenvolvimento industrial não poderá suportar sem que se sacrifiquem os objectivos do programa de valorização em que a economia do País está empenhada.
Não pondo em dúvida a estruturação dos organismos de ensino técnico, nomeadamente a nossa Faculdade de Engenharia e o Instituto Superior Técnico, o que é facto e que muitos aperfeiçoamentos se deverão promover para os adaptar à evolução exigida pelo decorrer do tempo, sobretudo pelo permanente aperfeiçoamento das técnicas, aspiração suprema das civilizações dos nossos dias.
Não é através de novas e revolucionárias realizações da técnica que a vida do presente permanentemente se agita?
Creio ser fora de dúvida impor-se uma reorganização, se não total, ao menos em muitos aspectos, do ensino de engenharia.
Simplificaria os meus comentários sobre a matéria se daqui dirigisse uma viva recomendação às instâncias superiores responsáveis para a devida consideração das objectivas e brilhantes conclusões, de articulação e fundamentação irrefutável, do que foi a notável iniciativa do Congresso de Ensino de Engenharia há já quase dois anos efectuado nesta cidade de Lisboa. Há nelas, assim se queira e assim se possa, uma conscienciosa definição de bases para uma reforma a estabelecer e de directrizes a adoptar para um relevante serviço da técnica-nacional nos programas de fomento do País.
Em máxima que tudo domina, ponho a preocupação de que a estrutura do ensino de engenharia deverá louvar-se, permanente e instantemente, nas previsões de necessidades do País.
Assim, urgente se torna que sejam definidas previsões das necessidades de mão-de-obra científica e promulgadas as medidas que permitam satisfazê-las.
Como o ouvi já referido a mestre distinto da nossa engenharia, este será um doa maiores serviços das Universidades.
Depois, ter-se-á de considerar que já é altura de definir, com o maior cuidado, as especialidades a professar, contemplando, de preferência, os sectores de indústria que, pelo seu desenvolvimento e contributo para a produção de riqueza, assim o justifiquem.
As escolas superiores, constituindo, sobretudo, uma base de formação, deverão depois objectivar a informação mais conveniente em concordância com as nossas limitações e uma especialização por indispensáveis cursos de aperfeiçoamento e actualização.
Esta tarefa mais eficiente se afirmará na medida em que as ligações das Faculdades com a indústria se tornem cada vez mais intensas e sólidas.
Não exagerarei se afirmar que o ensino técnico, seja o superior e o médio, tem vivido desligado das actividades empresárias dos sectores mais directamente interessados.
Se é certo que existem os ligeiros contactos estabelecidos por visitas de estudo ou pelos períodos de estágio dos estudantes, isso só não chega.
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Nos períodos de estágio, por exemplo, só em casos reduzidos os resultados intentados se efectivam, na medida em que o estagiário, além da sua vontade e interesse, pode encontrar o franco apoio de um industrial compreensivo e acolhedor, com noção espontânea do serviço que pode prestar ao futuro engenheiro, cônscio de que fará desse seu primeiro contacto com a vida prática um passo seguro de proveitosa transição para a actividade produtiva.
Ora, situações de excepcionalidade poderão transformar-se em proveitosa, normalidade, de complemento seguro de preparação, se entre o sector de instrução e o da prática se estabelecerem normas que prevejam e promovam a comparticipação numa tarefa que é afinal de objectivos comuns - propiciar à actividade industrial elementos, além de mais capazes, sobretudo mais prontos, para uma imediata reprodutividade na aplicação dos conhecimentos adquiridos.
Por isto me atrevo, em remato destas considerações, que seja devidamente estudada a possibilidade de nos conselhos escolares das nossas Universidades Técnicas e institutos industriais se poder incluir um representante qualificado, diplomado, em delegação das actividades industriais.
Por esta medida, além do problema que aludi, outros, de reflexos não menos importantes, poderiam ser devidamente contemplados, através da cooperação directa que a indústria assim poderia dar a uma organização e planificação dos nossos estudos de técnica.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: um aspecto fundamental que de modo decisivo influenciará o nível do ensino nas Faculdades Técnicas, como, de resto, em todos os estabelecimento de instrução, será um bom equipamento, em qualidade como em quantidade, do corpo docente.
Ora neste aspecto os problemas com que se debatem as nossas escolas superiores são candentes.
Ao magnífico reitor da Universidade do Porto, meu muito estimado e ilustre mestre, ouvi esta afirmação lapidar, que aqui transcrevo, para que dela se retire o significado profundo que exprime:
Os problemas são tão prementes e os corpos docentes tão reduzidos que todo o tempo é pouco para cumprir com dignidade as missões inadiáveis da Faculdade.
Ora as missões dos mestres das Faculdades têm de ser cumpridas com dignidade, para que o ensino se exprima, e em conformidade com os objectivos superiores a atingir.
Há, por isso, e quanto à qualidade dos professores, que rever em profundidade o assunto, atendendo a que se não pode aplicar às escolas do ensino de ciências aplicadas o mesmo método de selecção em vigor para as escolas de ciências puras. Esta é a opinião do mui ilustre director da Faculdade de Engenharia, que aqui me apraz apoiar e defender.
Quanto ao número de professores, analisando o caso particular da Faculdade de Engenharia, é manifestamente imperioso que o problema seja revisto com urgência e à luz das realidades prementes, que vem sacrificando a eficiência de um perfeito ensino, como se impõe e deseja.
O actual quadro docente da Faculdade de Engenharia foi estabelecido pelo Decreto n.º 18 739, de 26 de Julho de 1930. e adaptado aos planos de estudo constantes do mesmo decreto. O número médio de cadeiras a reger por cada professor (catedráticos e auxiliares), sem incluir as disciplinas do extinto 8.º grupo e as cadeiras de Desenho, era de 1,86 (33,5 cadeiras para 38 professores), o que, sem ser bom, era razoável. Com os novos planos dos cursos de Engenharia (Decreto n.º 40 378, de 14 de Novembro de 1955), esse número subiu para 3, o que é francamente mau.
Analisando comparativamente as posições do anterior regime e do actual, verifica-se que para um número de cadeiras de 54,5 (cada cadeira semestral é contada por meia cadeira) do actual regime, e para 7 grupos de disciplinas, o número de professores regentes (catedráticos e auxiliares) é de 18, quando para uma média de regências aceitável o número desses professores nunca deveria ser inferior a 30.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - É, pois, urgente actualizar o quadro de professores para o adaptar nos novos planos de estudos, sem deixar de considerar que um exagero de horas de regência ou de ocupação dos mestres não é favorável ao estudo acompanhado de evolução das ciências e dos progressos da técnica, e prejudica ainda, por saturação, a esclarecida e proficiente regência de todas as cadeiras.
A acrescer aos inconvenientes apontados refira-se que um acentuado número de regências está confiado a segundos-assistentes. o que de todo deveria evitar-se, salvo em caso de extraordinária força maior ou emergência.
Há, pois, que considerar o necessário alargamento do quadro de professores, com novo agrupamento de cadeiras e de modo a especializar suficientemente as regências teóricas e as provas de concurso.
Se pelas instâncias superiores forem devidamente consideradas as irrefutáveis necessidades apontadas, será tarefa, ingente conseguir preencher-se o quadro desejável com a rapidez indispensável, visto que, segundo os elementos que possuo, sete ou oito anos poderão ser insuficientes para tal fim.
A consideração imediata do problema poderá, contudo, favorecer a sua progressiva solução, sem perturbações de ordem escolar e até orçamental.
No aspecto da qualidade do corpo docente, considerando a projecção que este traz sobre a quantidade, a questão é extremamente complexa para que aqui a aborde, não só pela incapacidade com que me sinto para o fazer, como pela soma de pormenores que nela intervém e que não caberia numa breve intervenção que vai já mais longa do que o que era minha intenção.
Fundamentalmente, pode afirmar-se, em confirmação de judicioso comentário colhido, que «o recrutamento conveniente do pessoal docente, em especial do nível cultural e técnico do País, assim como este nível, é função da eficiência dos corpos docentes das escolas superiores. Há assim um círculo vicioso que importa romper, dando às escolas todas as possibilidades para preencher os seus quadros do professorado».
Suponho que uma colaboração decidida entre o Ministério da Educação, pela Direcção-Geral do Ensino Superior, e as direcções das Faculdades no objectivo comum do superior interesse da Nação acelerará a consubstanciação das necessidades evidenciadas.
Em aspectos gerais afectos ao ensino técnico superior entendo focar ainda a indispensabilidade de se desenvolver uma íntima ligação entre os corpos docentes e a indústria, mantendo assim actualizados os conhecimentos destes relativamente aos problemas da prática. A acumulação de actividades dos mestres dentro deste aspecto merece o meu apoio, mas com a segura reserva de que a- missão do magistério terá de ser forçosamente preponderante.
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Como indispensável consideramos também a existência de investigação, tendo em vista, de forma especial, os cursos de especialização e ainda os de pós-graduação cuja criação se justifique.
Para o efeito não devem escassear todos os meios indispensáveis, situação que em paralelo deverá ocorrer nos equipamentos de laboratórios e material de documentação.
Finalmente, os processos de recrutamento, promoção e concurso do pessoal docente deverão ser objecto de profunda revisão. Proficientes e preciosos mestres se tem perdido pelas exigências de que os mesmos se revestem e pelos planas de obrigatoriedades a que são submetidos.
Aludamos à mecânica dos concursos para se avaliar da complexidade e das contingências de que se reveste: um diplomado considerado apto é convidado para segundo-assistente.
Decorridos seis anos, é-lhe imposto o doutoramento, com uma dissertação, dois interrogatórios e uma prova prática. Depois verifica-se o concurso para professor extraordinário, que sempre depende das vagas existentes. Poderá em seguida, e ao fim de três anos, ser ou não reconduzido, o que poderá também implicar a perda de todo o trabalho precedente. Havendo vaga, ocorrerá, finalmente, o concurso para professor catedrático.
Refira-se que toda a promoção é feita por lição sorteada, e não à escolha, o que, quanto a nós, atingido o nível de selecção dos mestres e visando-se num aperfeiçoamento em especialização e especulação científica, parece contrário à natural lógica das coisas.
É intuitivo que nas condições definidas muitos mestres, com a sua vida igualmente ligada à indústria ou à técnica prática, se vejam obrigados a renunciar e o sistema redunde em prejuízo de atracção dos melhores valores técnicos para divulgação, pelo seu magistério, da sua inegável cultura e preciosa preparação prática.
Com todas as considerações desataviadas que aqui deixo sobre problemas do ensino de engenharia, apenas um objectivo me conduziu: a importância nacional, para o acelerado desenvolvimento do País, da boa formação dos nossos engenheiros.
Sr. Presidente: deveria terminar aqui, mas não o posso fazer sem um breve mas devido comentário ligado à brilhante intervenção que neste debate proferiu o nosso ilustre colega Folhadela de Oliveira. Sugeriu, S. Ex.ª a criação de uma escola ou instituto têxtil em nível complementar do ensino secundário. Na ocasião ocorreu animado diálogo, em que tive oportunidade de intervir, e da opinião que emiti poderia deduzir-se uma contradição de argumentos que se me impõe esclarecer. Desejo fazê-lo em sentido realístico quanto às possibilidades de exequibilidade de uma aspiração que nos anima, sobretudo a nós, Deputados, empenhados na satisfação das aspirações de um sector que contribui com já cerca de 4 milhões de contos para a formação de produto bruto nacional.
Apoiando a sugestão apresentada e aderindo às razões que a fundamentam, observo que, sendo o óptimo muitas vezes inimigo do bom, se me afigura que, para já, em solução imediata e que não admite dilações, haverá, sim, que criar a especialização de engenheiro têxtil nas nossas escolas superiores e de técnicos têxteis nos nossos institutos industriais, uma vez que nas escolas industriais elementares o problema já está devidamente resolvido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Será um primeiro passo, cuja viabilidade se me apresenta incontestável.
Em conclusão e resumo, destaco os seguintes pontos fundamentais: as deficiências do nosso ensino técnico giram especialmente à volta da pobreza das dotações orçamentais atribuídas, das dificuldades de recrutamento de pessoal docente e do muito reduzido espírito de iniciativa que as escolas podem manifestar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um parêntesis, bem justificado, quero intercalar neste passo da minha intervenção, dados os benefícios que à aplicação dos conhecimentos da técnica tem conferido.
Quero referir-me à notável e destacada acção do Instituto Nacional de Investigação Industrial, pela promoção de sucessivos cursos de aperfeiçoamento e formação, quer com vista à melhoria das condições de gestão das empresas, como para efeito da valorização dos métodos que promovam a melhor produtividade na exploração dos complexos industriais.
De resto, a pretensão quanto à especialização de técnico têxtil na Faculdade de Engenharia, seja em fiação, tecelagem, química aplicada (tinturaria e acabamentos) e até de tecnologia, da construção das máquinas especializadas, já foi oportunamente apresentada a quem de direito, com estudo fundamentado a preconizar a criação de tal especialização. Coube a iniciativa à Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama, e sobre a mesma recaiu parecer favorável do Subsecretário de Estado da Indústria, em despacho, de significativo apoio, do titular da pasta de então. Eng.º Magalhães Ramalho.
O processo elaborado, datando já dos princípios de 1957, baixou, por intermédio da Junta Nacional da Educação, do Exmo. Sr. Reitor da Universidade do Porto ao director da Faculdade de Engenharia, que em bem elaborado e brilhante parecer dava o incondicional apoio à iniciativa do projecto, evidenciando o seu pleno enquadramento no pensamento da Faculdade e a correspondência às ideias definidas pelo Governo, sobre assuntos análogos, no preâmbulo do Decreto n.º 40 378. E nesse parecer se afirmava ainda que o curso em causa seria possível dentro da legislação vigente (artigo 1.º, § 1.º, e artigo 24.º deste citado decreto).
Definia-se ainda a possibilidade de enquadramento dos cursos a professar em cadeiras de opção, anuais, de fiação, tecelagem, e acabamentos de fios e tecidos (química de tinturaria, de aprestos e acabamentos).
Qualquer destas cadeiras poderia ser frequentada, no final do curso, como complemento de especialização, pelos alunos que durante o curso normal por elas não tivessem optado.
E mais se afirmava que no corpo docente da Faculdade havia pessoas habilitadas a reger essas cadeiras.
Este o parecer da Faculdade, a que se seguiu o douto confirmativo da 4.ª secção da Junta Nacional da Educação realçando a indispensabilidade de dotar a mesma Faculdade de laboratório equipado com todo o material necessário à cabal preparação dos especializandos. Para o efeito se sugeriu a cooperação da indústria interessada.
Ora sob este ponto compete ao sector têxtil, agora devidamente organizado, o complemento da iniciativa lançada e a que o Ministério da Educação não poderá negar incondicional apoio para que seja imediata realidade o que se pretende e que se impõe.
Iniciativa similar se poderá adoptar em relação aos institutos industriais.
E quanto ao corpo docente especializado, independentemente dos professores habilitados que poderão, com o
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mérito da sua real capacidade, completar os conhecimentos indispensáveis com assistência a cursos similares em estabelecimentos de especialização estrangeiros, julgo que não se levantarão dificuldades, pois com bem limitado número o problema será satisfeito.
Já tal não sucederia se, considerando as flagrantes e permanentes dificuldades de pessoal docente de ensino geral, se programasse a criação imediata de mais uma escola própria.
Não duvido de que o futuro a justifique, mas para já ataquemos o que está ao alcance das nossas mãos, assim todos os interessados o queiram. E julgo que assim suceda, porque são coincidentes os interesses e as intenções de dirigentes e dirigidos.
O Sr. Folhadela de Oliveira: - V. Ex.ª há pouco começou por dizer que neste capítulo o óptimo era muitas vezes inimigo do bom, e estamos a não ver o óptimo nem o bom, nem nada.
Em 1957, também o disse V. Ex.ª, foi sugerida a criação densas cadeiras de especialidade na Faculdade de Engenharia do Porto. E afirmou mais V. Ex.ª que não duvidava da futura necessidade da criação de um instituto têxtil, mas, como V. Ex.ª, aliás, também notará, isso situa-se em diferente nível de ensino, isto é, como complemento do ensino secundário, e aquilo que V. Ex.ª sugere agora coloca-se em nível universitário.
Suponho que uma coisa não tira o lugar si outra, porque são destinadas a profissionais diferenciados.
Portanto não deixo de notar a necessidade do instituto ou escola a que fiz alusão quando usei da palavra aqui na Assembleia, até porque, sendo uma coisa muito mais simples aquela que V. Ex.ª aponta e que data de 1957, até agora ainda não apareceu nas nossas escolas.
O Orador: - V. Ex.ª só me vem dar razão.
O Sr. Folhadela de Oliveira: - Certamente.
O Orador: - Muito mais difícil será esperar que se crie de seguida a escola que V. Ex.ª propõe e que tem um aspecto totalmente novo. Devo esclarecer que nas nossas escolas técnicas elementares comerciais, e industriais do Porto, de Guimarães e suponho que também na de Vila Nova de Famalicão existem cursos de especialização de técnico têxtil que estão a ser ministrados com a maior proficiência, dadas as habilitações dos mestres existentes e a boa qualidade do maquinismo que equipa os seus laboratórios. No equipamento desses laboratórios despenderam-se verbas avultadas que, quanto à escola do Porto, salvo erro, atingem os 8000 contos e na de Guimarães os 4000 ou 5000 contos.
O Sr. Folhadela de Oliveira: - E V. Ex.ª sabe muito bem os óptimos resultados que têm dado pelo seu largo e mesmo total aproveitamento na indústria.
O Orador: - Se já temos óptimos elementos saídos das nossas escolas elementares que preciosos serviços prestam à indústria, o que necessário se torna é que também se lhes concedam técnicos do ensino médio e superior que melhor e mais proficientemente a dirijam, e que é o que eu peço.
O Sr. Folhadela de Oliveira: - Deus ouça V. Ex.ª
O Orador: - Que profundamente se medite e se tenha presente que neste sector industrial, como de resto em todas as actividades económico-industriais, a participação do País nos incentiveis movimentos de integração económica europeia, seja para já no grupo da E. F. T. A. ou, no futuro, num mais amplo que englobe esta comunidade e a do Mercado Comum, implica graves e delicadas responsabilidades quanto ao nível de preparação que nos será exigido e de actualização nos planos de ensino e formação em qualquer grau, mas sobretudo no universitário.
Eivados de tais responsabilidades e dominados pelas realidades, avancemos decididamente, acarinhando e impulsionando todos os programas e iniciativas no objectivo supremo de realizarmos, em plenitude, a causa superior da educação nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna mais uma vez para intervir na discussão de assuntos postos à consideração da Assembleia, não quero deixar passar esta nova oportunidade de expressar a V. Ex.ª os meus cumprimentos de muito respeitosa simpatia e admiração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: não é sem o temor de graves dificuldades que tomo a palavra para intervir na discussão do aviso prévio sobre a educação nacional, subscrito pelo Sr. Deputado Nunes de Oliveira e outros Srs. Deputados.
Sem dúvida nenhuma, e sem falsas presunções de modéstia, que não serviriam ao objecto nem teriam cabimento nesta Assembleia, a que só tem acesso, por direito próprio, o que se achar revestido de interesse nacional, uma das maiores é a falta de preparação, que ma impediram as inúmeras solicitações profissionais durante a minha ausência.
Outra, e não pequena, é a certeza de que as mesmas preocupações que tão lucidamente se articulam no enunciado, no todo ou em parte, estão no espírito dos nossos governantes, e mais designadamente no de SS. Exas os Ministros da Educação e do Ultramar e no dos governadores-gerais e governadores de província; julgo de meu dever não ocultar aqui uma expressão de aplauso à dedicação de que têm dado provas e de apreço à prontidão e clarividência que têm posto no estudo e na resolução dos problemas que lhes vão ocorrendo e que podem resolver.
Mais uma dificuldade, e esta apontada logo de início ria brilhante exposição aqui feita pelo nosso ilustre colega Sr. Prof. Nunes de Oliveira, é o condicionamento imposto pela nossa situação de guerra defensiva da integridade do território nacional, da qual não nos podemos dar ao luxo de desviar uma só parcela do poder económico; segundo conjecturo, esse condicionamento não permitirá senão soluções parciais no vasto campo de acção que é a preparação espiritual, cultural, moral, política e física da nossa juventude de aquém e de além-mar, sem impor restrições a outros campos da acção governativa.
O Sr. Sales Loureiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Sales Loureiro: - Louvo e admiro a coragem de V. Ex.ª ao pôr entre a formação política da juventude a nota política que, por vezes, se tem prestado a grandes equívocos.
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O Orador: - Agradeço muito penhoradamente a V. Ex.ª a sua intervenção e devo confessar que me conforta bastante a sua solícita afirmação de concordância. Na verdade, ao falar na formação política da nossa juventude, não posso de forma nenhuma supor que se não pode entender formação de espírito político, a não ser no sentido português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Garantida que seja a defesa nacional em todos os campos a que seja necessário ocorrer, quer pelas armas, quer no esclarecimento das populações estrangeiras, até agora desinteressadas dos nossos liames ou dos nossos destinos, ou dominadas por propaganda negativa, sistemática, impiedosa e isenta de escrúpulos, mas prenhe de propósitos; garantida a solidariedade e apoio totais ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, para que, quer directamente pela palavra esclarecida desse mensageiro corajoso e firme que é S. Ex.ª o Sr. Ministro Dr. Alberto Franco Nogueira, quer através das chancelarias e missões representativas, Portugal abra lugar a convicção das suas realidades internas e instile nos governantes, nas nações e nos participantes dessa comédia grotesca pseudo-internacional em que de novo se julga possível jogar aos dados a túnica do martírio, a certeza de que atrás dos nossos enviados está o Governo e atrás do Governo está a Nação inteira em todas as latitudes, parece-me também a mim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que na ordem de urgência das tarefas nacionais a da educação assume estatura de gigante.
Bem hajam os Srs. Deputados que propuseram o aviso prévio sobre a educação nacional à consideração desta Assembleia.
Na pobreza de fundamentos e de força de expressão das minhas considerações, trago o testemunho que resulta de uma experiência muito restrita, já que, fora dos períodos de actividade da sua presente legislatura, a bem dizer não tenho podido ser senão servidor de uma casa de ensino secundário oficial, sem tempo nem meios de encarar os problemas que comporta a generalidade deste tema.
Para mais, dado que no ultramar tenho vivido e trabalhado nos últimos 30 anos, compreender-se-á que se não arredem muito dele os meus cuidados ao trazer aqui, com esse testemunho, o aplauso, os comentários, os eventuais acrescentos, a quem quer que aqui se esforce por orientar ou colaborar directamente no concerto de medidas tendentes à melhoria de todo o mecanismo do ensino e da educação.
Estão, ou devem estar, no alcance dos projectos de codificação anunciados, todos os processos e atributos que possam apetrechar o indivíduo para a vida moderna, amparar a família nos seus esforços por exercer plenamente as naturais faculdades de o congregar e o orientar, couraçar as comunidades contra o parasitismo moral ou a invasão ideológica, defender e prestigiar a Nação, fortificá-la nos laços que mantém, pelo sangue, pela língua, pela comunidade de ideais, a outros povos, cujo afecto tanto se deseja que a acompanhe sempre. Está assim em causa a própria estrutura nacional, vista a partir da sua juventude e em todos os aspectos, do intelectual ao económico, do moral ao político, do espiritual ao militar, aqui na Europa e nas terras de outros continentes a que Portugal se propagou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem sido norma - segundo creio - encaminhar a feitura dos instrumentos legais da educação de acordo com os interesses e as experiências do sou sector europeu, dando ao da administração ultramarina o cuidado de averiguar da necessidade de os acomodar aos meios geográficos e sociais de que tem encargo. Provavelmente ainda assim será desta vez.
Mas agora, que se acentua rapidamente o desenvolvimento dos meios de educação pelo ultramar fora e se amontoam, de forma preocupante, as multidões de jovens, de todas as compleições e de todas as origens, que o País tem de valorizar, quer pelo ensino técnico, quer pelo literário, sob pena de ser eivado de uma perigosa renúncia, atrevo-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a perguntai-se não seria oportuno associar uma delegação ultramarina aos estudos preliminares desses instrumentos.
Peço agora vénia para uma referência breve a Moçambique, talvez mais particularmente à zona do centro, que é aquela que presentemente julgo conhecer melhor. Ali, na vastidão do campo do ensino, por toda a parte se nos deparam as iniciativas do Estado.
Com tal densidade ou tão poderoso vulto a ocupam, que parece poder dizer-se que desanimam ao primeiro passo as entidades particulares e chegam a dar-lhes magoadas convicções de exclusivismo e o travo das frustrações, umas e outras paralelas às que aqui foram expostas com tanto entusiasmo, lucidez e brilho pelo nosso colega Dr. Sales de Loureiro; mesmo as instituições de créditos firmados em longos anos de experiência lhes sentem o impacto, evidenciando, de espaço a espaço, dificuldades que, embora graduais, conduzem ao desalento; e receiam ter de chegar a viver mais como pensionatos escolares do que como institutos educativos de pleno e regular funcionamento.
Por de mais são conhecidos de VV. Ex.ªs os factores deste amortecimento, mais sensível no ensino particular laico: a barateza do ensino, o carácter irrevogável das sanções qualitativas, que propicia o funcionamento de agregados de melhor escolaridade, a possibilidade da transferência para outros estabelecimentos oficiais ou particulares, lá como cá, pesam decisivamente a favor do Estado.
Em Moçambique, e restringindo a observação mais a qualquer cidade de per si, posso dizer que raro é o instituto particular que consiga. atrair e conservar professores munidos das habilitações essenciais, sem um contrato formal, se só forem professores e o Estado os quiser para si; e nisto reside mais um factor de diferenciação do ensino. Em suma, um estabelecimento de ensino oficial pode abarcar tantos alunos como meia dúzia de colégios.
Tanto no sector do ensino secundário como no primário, assumem particular importância as organizações missionárias católicas, que têm a seu crédito esforços muito nítidos por manterem um padrão de ensino moral, religioso e literário capaz de captar a confiança do público, mas cujos encargos financeiros suponho que sejam menores do que os do ensino particular laico. Os institutos católicos têm também no internato um poderoso meio de sustentarem os seus cursos, e está bem de ver que a sua índole e organização constituem um catalisador da confiança das famílias das meninas residentes nos meios rurais.
O ensino secundário particular, religioso ou laico, pode ser considerado oficializado por despacho do Governo-Geral, quando não haja liceu na localidade onde funcione; e aos alunos que estudem no regime oficializado é garantida a transferência para os liceus na categoria de internos (só na província, claro está) e imposta a pres-
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tacão de provas de passagem, elaboradas na Direcção dos Serviços de Instrução, para a verificação oficial do aproveitamento nos anos que não sejam finais de ciclo, perante um júri cujo presidente é professor oficial de carreira.
Como pode ver-se no opúsculo Panorama do Ensino em Moçambique, publicado recentemente pela Direcção dos Serviços de Instrução, e ao qual S. Ex.ª o Sr. Governador-Geral, almirante Sarmento Rodrigues, em mais um doa nobres gestos com que vem afirmando o seu carinho pela educação, concedeu o privilégio, aliás merecido, de um prefácio elucidativo e até elogioso, a actividade estatal é sobrepujada pela missionária no ensino primário até limites que não admitem qualquer comparação, mas apenas numa modalidade tipicamente ultramarina, a que se dá o nome de ensino de adaptação, e que consiste no desdobramento do aprendizado das duas primeiras classes em três anos e se destina às crianças oriundas de meios bantos em que o português não suja a língua tradicional; a imensa maioria das 400 000 crianças do ensino primário é de cor e passa ou passou por esta forma de ensino desdobrado.
Digno de nota é ainda o vigorosíssimo impulso dado ao ensino em todas as suas formas nos últimos anos e, nomeadamente, no governo do Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, como no livrinho se patenteia. E devo afirmar perante VV. Ex.ªs que considero essas iniciativas do Estado, mais do que urna. simples utilidade, uma verdadeira necessidade, peculiarmente sensível no ultramar. As populações reclamam-nas mais do que aqui.
Só a talho de foice, não quero deixar passar a ocasião de anotar uma feição curiosa da actividade educativa no sector ultramarino - a extensão notável que assumem em Moçambique certas comunidades religiosas não cristãs, entre as quais a maometana é a mais evidente. A população maometana, perfeitamente integrada no sentimento da coesão nacional e pronta na colaboração em iniciativas do alcance colectivo, assim como na manifestação da sua lealdade à Pátria, que é de todos, merece uma palavra de apreço e um momento de meditação, dos quais não é lícito excluir outros aglomerados sociais ou religiosos, que todos dedicam os filhos ao seu serviço no tributo do sangue, que lhe prestam.
A título de curiosidade, lembro que os filhos dos fiéis do Profeta, têm geralmente de aprender o arábico, indispensável à, leitura, do Alcorão e ao culto nas mesquitas; e para compreensão do filho de um colono oriundo do Paquistão o arábico estará no mesmo plano de dificuldade em que para nós estará o irânico; o seu aprendizado geralmente coincide com a adolescência, rouba tempo a estudos e até ao rendimento escolar nas escolas técnicas ou liceus oficiais, agravando os esforços feitos no sentido de uma perfeita utilização da língua nacional.
E creio, meus senhores, que este exemplo, somado às numerosas maneiras de falar de feitura africana e a outras, terá bastado para explicar a minha firme crença de que se deveriam dedicar ao ensino da língua portuguesa muito mais horas lectivas, que ajudariam muitos alunos a salvarem o ano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De resto, convém ter presente que se não ama bem o que se não conhece bem.
Outros aspectos do ensino têm sido tratados nesta discussão de forma tão convincente que seria impertinência minha o emaranhar-me neles e não traria proveito nenhum à demonstração da necessidade de uma revisão cuidadosa a fazer com espírito de seriedade e tolerância para com a capacidade normal dos alunos, e tendo à vista a instrumentação da feição missionária do País. Mas não resisto a vincar que a ênfase dada à exigência dos exames de reverificação (entrada no liceu ou no ensino técnico, entrada nas Universidades, entrada no estágio) e a própria constituição dos exames finais de ciclo ou de curso complicam, em vez de simplificarem, o funcionamento da máquina escolar, hoje em vias de asfixia sob o peso excessivo das tarefas, e provavelmente sem beneficiarem a autoridade ou a dignidade de actos finais precedentes.
Há até um exame que é, confessadamente, de constituição transitória e que, com variantes de forma, aqui ou além, mantém a mesma estrutura vai para 30 anos. Trata-se do exame de admissão ao liceu, hoje aplicado, com variantes, ao ensino técnico. Creio que não será abusar da paciência gratificante de VV. Ex.ªs o recordar que a legislação que o criou previa expressamente o estabelecimento de medidas psicotécnicas à capacidade do aluno.
Não julguem VV. Ex.ªs que estou convencido da possibilidade de aplicação imediata destas medidas no concerto escolar africano, onde a diversidade dos meios sociais e geográficos e das idades a que os alunos comparecem para a inscrição na mesma classe não deixariam de constituir óbice de difícil tratamento.
O problema da prestação de provas, quanto a mim, exige um pouco de atenção, no sentido de se abreviar o que chega a ser um trabalho esgotante para todo o corpo escolar. Merecem sor vincadas especialmente as demoras e até correcções a que está sujeita a classificação e que alongam o período da natural expectativa dos pais e dos alunos, tantas vezes receosa.
Já tem havido alunos residentes em localidades remotas e que, por dificuldades de transporte, pelo excessivo dispêndio a que foram obrigados ao virem à cidade, ou até por ser impossível notificá-los, não podem voltar a comparecer e continuarem um exame de que tinham sido excluídos, para depois da correcção das classificações virem a ser admitidos à prestação de prova oral.
A extensão do período de exames assume particular importância em Moçambique. Os liceus têm de fornecer elementos para a constituição dos júris que vão funcionai-nos colégios oficializados e para os exames de admissão e outros que se realizam pelo interior; por outro lado, o ano lectivo abre normalmente em 10 de Setembro, ou sejam três semanas antes da abertura oficial na metrópole.
O mês de Agosto é particularmente exaustivo para os serviços, porque se acumulam nele os restos dos exames, os documentos comprovativos, a- estatística e as matrículas e preparação do ano lectivo seguinte. Mas, a manter-se também por cá o mesmo regime de trabalho, não tardará que os institutos oficiais se vejam em palpos de aranha com eles, se é que isso não sucede já.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para já, tudo aconselha que se baixe o nível a partir do qual o aluno é dispensado da prestação de provas orais.
Saindo um pouco da matéria referente aos exames, creio que deveria conglomerar-se o ensino do 3.º ciclo, hoje, disperso por uma infinidade de alíneas, o que obriga os alunos a escolher o seu caminho dois anos mais cedo do que antigamente e veio complicar notavelmente a distribuição dos serviços e a elaboração dos horários.
Quanto ao regime da concessão de isenções de propina, parece-me também excessivo aplicar dois critérios à distribuição: o da classificação e o da demonstração da necessidade financeira. Quanto a esta, para quê estar a
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exigir uma documentação complicada, com intervenção de autoridades, e não confiar o encargo simplesmente ao conselho de directores de ciclo ou equivalente? Já se terá pensado que nas famílias menos abastadas escasseiam, mercê das condições de vida, do trabalho, da alimentação, da distância, os meios de evidenciarem os talentos dos filhos? Quer-me parecer que a isenção de propinas deveria ser prémio à classificação, dado de ofícios, na secretaria ou reitoria, sem saber de meios de vida, e, por outro lado, deveria ser faculdade atribuída a esse conselho, mediante pedido, a que se seguiria a decisão, fundamentada em nota positiva e em informações confidenciais obtidas pelos seus membros e exaradas na acta respectiva.
Deveria também ser permitida a isenção a meio ou em qualquer altura do ano, para ocorrer a uma necessidade inesperada da vida familiar. Estou convencido de que não há nenhum liceu que atinja a percentagem legal de isenções.
Mas no ultramar, perante a imensidade das massas a que se vai fazendo necessário ministrar educação, não vejo justificação a que se mantenha a cobrança de propinas, até em quantitativos mais elevados do que na metrópole, como é o caso de Moçambique. De resto, quanto a mim, a cobrança de propinas acarreta um preconceito, que é o da selecção de acordo com os meios financeiros de cada agregado familiar, e, atendendo a que hoje pouco se pode fazer na vida quando se não disponha da habilitação num curso secundário, quer-me parecer que não deveriam ser cobradas antes de se atingir a Universidade.
Às considerações já aqui feitas em intervenções cheias de elevação e demonstrativas de estudo sério e aturado não escapou também o tratamento do professorado, a cuja função se não atribuem as compensações materiais, sociais e morais suficientes para atraírem a ela os melhores vaiares humanos, e ao qual se não faculta a promoção a graus de ensino mais elevados; em suma, não escapou a gravíssima carência de pessoal docente devidamente habilitado, que aqui perturba serviços escolares e tem reflexos ampliados no ultramar; esse tratamento leva geralmente à necessidade de esforços suplementares que tenham compensação monetária, como seja a administração de números excessivos de horas extraordinárias de regência.
Todas essas considerações me merecem aplauso incondicional, e para este fundamento-me não só nas dificuldades por vezes invencíveis ou quase em que o ultramar se vê para obter os seus professores, mas também na tarefa imensa que lá se apresenta à missão de ensinar.
Não resisto à tentação de apresentar um pormenor que é exclusivo daquelas terras e que, embora não dependa directamente nem do Ministério do Ultramar nem do da Educação Nacional, não deixa de ter influências na possibilidade de se recrutarem professores, no quadro permanente da metrópole para lá prestarem serviço: trata-se da suspensão de todos os direitos contratuais de seguro aos que se encontram filiados num dos montepios antes de se ausentarem para a África; é doloroso que quem vá daqui perca a esperança de deixar a família no relativo conforto material, em caso de incapacidade ou morte, que lhe garantia a filiação no montepio, a não ser que, ao regressar à metrópole, requeira a autorização para pagar todas as quotas correspondentes ao período da ausência e suspensão consequente; se este período foi prolongado, tanto se amontoaram as quotas que se não podem pagar, e lá se foram as esperanças, que os réditos do ofício não permitem erros de orçamento e os filhos estão crescidos.
Conjecturo que uma das causas estará na existência de entidades seguradoras oficiosas, de carácter mutualista, privativas de cada província; outra pode ter consistido nos
atrasos na percepção das quotas por parte da entidade metropolitana, ou até nas contingências a que estaria sujeita a saúde ou integridade física do segurado em tempos que já lá vão; não posso, infelizmente, dar-me imediatamente ao trabalho de ir averiguar os fundamentos desta disposição regulamentar, sem dúvida nenhuma ponderados devidamente a seu tempo.
Mas há um objectivo a seguir, e, em nome deste, se tanto for necessário, parece-me dever sugerir que se realize um estudo em conjunto, talvez uma conferência, quer por iniciativa de um dos Ministérios, quer pela de qualquer dos organismos interessados, e em que todos, até os segurados, tenham audição.
O país é o mesmo: deve estudar-se a forma de garantir a continuidade do seguro ao professor que vai daqui ou de lá vem, sem o obrigar a reposições, que, mesmo feitas em prestações, serão tanto mais difíceis quanto maior tiver sido a demora, isto é, quanto mais tempo tiver durado a suspensão.
Não conheço as possibilidades de acomodação que o objectivo comporta; mas, porque me parece que a sua efectivação representa um passo decisivo no terreno da atracção do professor, chefe de família ou não, ao ultramar e se ajusta ao sentido missionário da nossa acção educativa, não me esquivo a vincar-lhe aqui a importância e a recomendá-lo ao interesse e decisão dos conselhos administrativos, das mesas e do próprio Governo.
Não posso esconder perante VV. Ex.ªs a acção dos nossos padres missionários, sempre igual a si mesma e sempre intensa, ao longo dos rastos de luz que veio deixando pela história fora. Mais do que um erro grosseiro de avaliação de factos, isso corresponderia a atentar contra a dignidade do próprio país que lhes propiciou campo à dedicação e até ao sacrifício glorioso. Tudo se deve fazer para que ali continuem a ser intérpretes do ideal de amor a Deus e à pátria comum, que é Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas o País tem poucos que lhes mande em auxílio, e, se só à sua conta anda o ensino de crianças cujo número se avizinha dos 400 000 em Moçambique, em breve deitará as mãos à cabeça quando a massa escolar do ensino de adaptação e do ensino primário bater à porta dos liceus e das escolas técnicas. Sei bem que este problema ocupa o espírito do Sr. Ministro e do Sr. Governador-Geral, bem como o das direcções a que está afecto, e manifesto a firme convicção de que se não negará ensino a quem quer que o procure.
No ensino secundário tenho presente o exemplo de um liceu feito há cinco anos para uma frequência de 500 alunos e em cuja única edificação se abrigam hoje quase 1300; mais um ano lectivo, e virá a triste realidade da porta fechada a uns quantos, ou a solução da rápida acomodação deles em nova casa.
O problema complicou-se com a dificuldade de obter professores para a regência de um dos mais importantes sectores do plano de estudos, sem o qual uma centena de alunos se acharia, à entrada da Universidade, numa desvantagem de consequências fatais.
As cidades têm muitas filhas de família munidas de um diploma de habilitação para o magistério primário e que o não exercem para não terem de ir para as escolas do sertão, povoadas de horrores em tantas imaginações, longe do conchego da família e dos atractivos da civilização. É profundamente humano.
Não há professores, queixa-se o mundo, que lhes não paga, e queixa-se Portugal, onde já rareiam os candidatos
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à preparação. Não há escolas oficiais, queixam-se as famílias, acrescentando um grito aos clamores a que dá origem a presente e insuportável saturação do pessoal e das instalações.
Por que não entrar no caminho do aproveitamento da iniciativa particular, facilitando-lhe a tarefa em todos os sentidos que envolvam encargo financeiro, de modo que o seu trabalho não constitua agravamento ao orçamento doméstico das famílias, mas ao mesmo tempo se garanta o seu funcionamento correcto e válido em todos os sentidos? O problema da saturação escolar vai já tendo, desgraçadamente, implicações na atenuação do saudável convívio, individual e colectivo, entre esse prolongamento do pai, que é ou deve ser o professor, e essa espécie de filho, que é o aluno; está aí o campo aberto à fluidificação dos liames da família, da pátria, da tradição histórica, onde o cinema mau e a má propaganda de costumes e de ideais vão rasgando clareiras cada vez mais difíceis de preencher.
As gerações mais novas, ainda em meia adolescência, vão passando a vida pelos cafés e pastelarias e outros recintos públicos, aos grupos ou aos casais, encostados, fumando aos pares, ante os olhos impotentes das autoridades e dos pais, mas para contentamento dos donos de certas chafaricas que não se deveria permitir que funcionassem perto das escolas da adolescência.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por que não dar ao Ministério da Educação Nacional o poder de, por si ou pelos inúmeros serviços e estabelecimentos que dele dependem, impedir eficazmente que desse modo se transviem os nossos filhos e as nossas filhas?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Parece-me mais que tempo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de fazer da tarefa do ensino e da educação um encargo comum a toda a Nação. Merece-o o nosso passado, merece-o o imutável princípio da continuidade e da persistência portuguesas, merecem-no, acima de tudo, as populações em cujo benefício andamos empenhados há longos séculos, apesar das invejas, das falsidades e latrocínios dos que sempre nos andaram no rasto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: interpelado há dias nos Comuns, perante moção de censura contra a política seguida pelo Governo no sector do ensino, o Ministro da Educação, Sir Edward Boyle, afirmou estar a Inglaterra em vias de desenvolver esforço enorme, com vista a objectivos que se prevê sejam atingidos em 1970 no plano do ensino. A Espanha, por seu turno, vai para dois anos que elaborou e já pôs em execução, de colaboração com a U. N. E. S. C. O., um plano de fomento educativo, com termo, também, em 1970. O chanceler Erhard, pouco depois de assumir a direcção do Governo da Alemanha Federal, anunciou, ao esboçar as linhas gerais do seu programa, que nele se incluía o mais tenaz esforço, na prossecução de fins educativos. A França encetou um ritmo avassalador, em matéria de ensino, até 1970, e por toda a parte se faz do fomento da educação a pedra angular, a base, o alicerce de qualquer obra séria, no campo económico e social.
Não se consegue ultrapassar a barreira do subdesenvolvimento económico sem que previamente se ultrapasse a da educação; não se atinge a maturidade cívica e política sem a atingir primeiro na educação; o fomento social corre parelhas com o fomento do ensino e, por isso, tem de entender-se o sistema educativo como qualquer coisa por cuja eficiência é responsável não apenas determinado sector da sociedade, e sim a sociedade inteira. Trata-se de empreendimento colectivo, a que é preciso meter ombros, e esse esforço, que o nosso país ré clama, tem de contar com todos os sectores da vida nacional.
O planeamento sistemático, tal como seria desejável e o único eficiente, para a empresa que nos solicita, tem de tomar como ponto de partida a realidade económico-social do País, assentar nesse dado concreto e daí encarar a situação desejável no fim de certo prazo. Abrangerá tal estudo os aspectos demográficos, recursos humanos e necessidades de mão-de-obra, estruturas económica e social relacionadas com o planeamento nacional e desenvolvimento previsto. Terá de analisar o estado actual da educação, entre nós, por níveis e por sectores, tomar em consideração todos os contributos para tal estudo - numa obra de vasto alcance e sentido -, fixando-se, então, em função de todos esses factores, os objectivos a atingir escalonadamente, o financiamento e os investimentos. E assim que se está trabalhando por esse Mundo e assim terá de ser entre nós, se quisermos realmente fazer obra séria.
Acontece que, devendo estar em preparação os estudos prévios para o próximo Plano de Fomento, seria desejável que, paralelamente e também em função dele, se procedesse aos estudos necessários para o planeamento da educação nacional. E de presumir, em vista das declarações oficiais sobre o assunto, já tornadas públicas, que o nosso Ministério da Educação Nacional tenha em vista um tal plano.
O Seminário Interamericano sobre Planeamento Integral da Educação, celebrado em Washington em 1958, fundamentou com poderosas razões a necessidade do planeamento. Ao que sabemos, esta ideia apareceu pela primeira vez formulada e recomendada na II Reunião Interamericana de Ministros da Educação, celebrada na capital do Peru em Maio de 1956, e foi aí proposta pela delegação da Colômbia.
Reconheceu-se que para a solução dos problemas qualitativos e quantitativos da educação seria de toda a utilidade aplicar as técnicas do planeamento, dado que tais problemas requerem acção sistemática, metodologia adequada, incluindo em planos integrais que possam abarcar todos os níveis e ramos da educação. Tem-se reconhecido, Sr. Presidente, que a educação dispõe de grande multiplicador económico, social c cultural e contribui directamente para o aumento do nível de vida.
Em verdade, não existe no Mundo um só país que possa ter a veleidade de haver definitivamente resolvido o problema da educação, pois a cada dificuldade vencida logo se sobrepõe nova dificuldade, em cada ano surgem novos problemas, num inestancável renascer. E como na vida de um jornal: em cada dia se ergue e em cada dia morre, para no dia seguinte de novo se erguer, com o mesmo afã e a mesma dedicação. Também a educação é obra de todos os dias, pois todos os dias novos problemas sucedem, além de que não se encontraram ainda, em parte nenhuma, soluções pedagógicas que possam considerar-se plenamente satisfatórias. Sísifo também foi condenado a arrastar ao cume da serra uma pesada pedra que sempre
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lhe haveria de cair e rolar pela encosta até ao vale quase na altura em que a meta final estava atingida...
O planeamento, tal como hoje se faz por esse Mundo, requer actividades prévias, como:
Fixação dos grandes objectivos da educação nacional;
Elaboração das instruções ou guias de trabalho para uso da repartição ou serviço que se organize;
Organização do serviço técnico encarregado do planeamento da educação ao nível nacional e ao nível das divisões administrativas, coordenado com os vários sectores directamente interessados na educação.
A ele ficariam adstritos os serviços de estatística da educação e inquéritos, o centro de documentação e informação, a orientação escolar e profissional, a investigação e orientação pedagógica, as construções escolares, a organização e os métodos de trabalho, o programa e orçamentos.
A execução do programa esquematizar-se-ia mais ou menos como segue:
O planeamento: é actividade contínua, que requer organização permanente; é função complexa, que requer colaboração assídua de especialistas, de organismos administrativos e de instituições consultivas; tem de ser coordenado com o planeamento económico e social; deve coordenar a assistência técnica e financeira que o País possa receber do exterior; carece da participação pública e profissional.
Como é preciso começar por qualquer lado, a lógica nos aconselha a começar pela elaboração do projecto, o qual, uma vez adoptado, entraria na fase de execução, com as consequentes rectificações e adaptações. Mas para a elaboração do projecto ter-se-ia de contar com os seguintes elementos:
Natureza do plano que se pretenda;
Grandes objectivos propostos;
Meios disponíveis em pessoal, equipamento e recursos;
Tempo disponível;
Fontes de informação;
Processo de trabalho; Meios de difusão e consulta;
Meios de execução administrativa e financeira.
Nas suas linhas gerais, este esquema é o que se está seguindo nalguns países da Europa e da América.
Damos a seguir os quadros estatísticos, através dos quais se pode estimar a posição relativa, em matéria de ensino, de alguns países do Ocidente europeu, mais Estados Unidos e Rússia, a fim de podermos esboçar uma ideia comparativa sobre a nossa posição. Esta informação internacional foi recolhida na publicação Fatia et Chifres, U. N. E. S. C. O., 1961.
Os dois primeiros quadros referem-se ao ensino primário e escolaridade obrigatória. Por aí se vê que a relação de alunos por um professor é de 35 em Portugal, estando relativamente pior do que nós a Espanha, com 39, e a Grécia, com 44. Reserve-se que devem estar incluídos nestas cifras, para o nosso país, os agentes de ensino oficial não diplomados, como os regentes, cujo número no ano lectivo findo era de 5408. Os países mais bem colocados, quanto a este aspecto, são a Rússia, a Itália e a Bélgica, com 24 alunos por cada professor.
A nossa posição é, porém, muito má no que respeita ao período de escolaridade obrigatória, que nesta estatística figura como sendo de seis anos..., enquanto a maioria dos países tem um ciclo mínimo de oito anos, com excepção da Espanha, mas esta já fixou o objectivo de atingir também, a breve prazo, os oito anos obrigatórios.
Somos dos países com maior percentagem de mulheres como agentes de ensino primário, com 87 por cento, estando os Estados Unidos à nossa frente, com 88 por cento. O país mais bem colocado, nesse aspecto, é a Alemanha, com 44 por cento de mulheres, logo seguida da Dinamarca, com 50 por cento, e da Holanda, com 52 por cento.
O ensino obrigatório atinge dez anos nos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Grécia, oito na Alemanha, Bélgica, Holanda, Itália e Rússia. Entre nós é de seis anos para efeito estatístico, realmente é de quatro anos obrigatórios, quando não acontece ser apenas de três anos...
Quanto ao ensino secundário, no que estamos mais bem colocados é no ensino técnico profissional, ao que se pode deduzir destes números de informação internacional: temos 46,36 por cento de alunos matriculados, em relação ao total, percentagem superior à média do conjunto dos países considerados, que é de 41,4 por cento. A França figura com 23,91 por cento e a Espanha com 27,47 por cento - mas tudo indica que estas diferenças se devam, em parte, à própria diferença de critérios na recolha dos elementos.
Temos número relativamente baixo de alunos matriculados no ensino secundário geral. A Bélgica, de população sensivelmente igual à nossa, tem 218 286 alunos matriculados e nós 90 236, enquanto a Holanda, de 11 milhões de habitantes, tem 450 022.
No ensino técnico secundário temos 81 139 alunos matriculados, a Bélgica 207 648 e a Holanda 294 491. Na totalidade, ou seja em todos os ramos do ensino secundário, Portugal tem 175 027 alunos matriculados, enquanto a Dinamarca tem 286 621, a Bélgica 442 837 e a Holanda 750 014!
As taxas de escolarização foram calculadas de acordo com o seguinte critério, que é o da citada publicação da U. N. E. S. C. O. No ensino primário calcula-se a percentagem da matrícula total com referência à população compreendida entre 5 e 14 anos; no ensino secundário tomaram-se como termos o número de alunos matriculados em todos os ramos e o total da população de 15 a 19 anos.
Do exame do quadro das taxas de escolarização por níveis de estudo deduz-se que em Portugal o ensino secundário está insuficientemente desenvolvido, apesar do enorme esforço já feito, abrangendo, no conjunto, menos de 180 000 alunos, número modesto.
Conclui-se ainda que vamos na cauda do ensino primário, com uma taxa de 52, em face de 67 que é a média do conjunto dos países considerados!
É sempre necessário interpretar em termos hábeis os dados estatísticos, e mais ainda neste caso, dada a divergência de critérios que, por vezes, se verifica na recolha e no fornecimento de elementos e dadas, ainda, as peculiaridades de cada país.
Mas o que resulta, inequivocamente, é que nos cumpre fazer enorme esforço, a começar pelo incremento das taxas de escolarização, em que somos superados pela imensa maioria dos países.
A vizinha Espanha fixou, como objectivo a atingir em 1965, quer dizer, no próximo ano, a escolarização obrigatória até aos 14 anos, e até aos 16 em 1970. No debate de há dias na Câmara dos Comuns, a que atrás fiz referência, o ministro da educação do Governo Inglês anunciou que em 1970 o ensino geral obrigatório no seu país será também elevado até aos 16 anos. E no estudo dos professores Svennilson, Edding e Elving sobre «Objectivos da Educação nos Países Europeus», apresentado na conferência
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convocada pela O. C. D. E., em Washington, em Outubro de 1961, calcula-se que em 1970 os países da antiga O. E. D. E. estarão investindo na educação 4,04 por cento da média do seu rendimento nacional. Não desejaria alongar-me por estes domínios inesgotáveis da complexa temática do planeamento educativo e das estatísticas de ensino, áridas como todas as estatísticas, frias como frios são os números em que se exprimem e porventura sem bom cabimento neste lugar e nesta oportunidade.
Mas isto vem a dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o problema da educação entre nós está longe de ter sido equacionado em bases científicas, e há-de ser obra de especialistas, obra de equipa, através da mobilização intensiva das inteligências e das vontades, num gigantesco esforço, bem digno daquele que o País está fazendo para salvação do ultramar, que é carne e alma de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É sonho digno de ser vivido, este da grande revolução educativa de que Portugal tanto carece, obra que por si, só resgataria uma geração e consagraria uma época!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As inversões na educação nacional, também por serem decisivas para o desenvolvimento económico e social do País, devem ter prioridade, logo a seguir à defesa nacional, primeiro dever desta hora da Pátria!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas não nos esqueçamos nunca de que o planeamento não resolve problemas imediatos - e na educação os problemas são de todos os dias e de todas as horas. Planear, sim, mas sem perder de vista o dia a dia, os casos urgentes de cada hora. De que nos serviria projectar um belo edifício para daqui a dez anos se, entretanto, não soubéssemos conservar a modestíssima habitação em que nos abrigamos?
Seguem os quadros estatísticos comparativos, cuja leitura não é para aqui e se destinam a ser publicados no Diário das Sessões para ilustrar esta intervenção. Repeti-mos que devem admitir-se com certas reservas estes números, tomando-os como um valor puramente indicativo, pois em muitos casos não são comparáveis totalmente. Os países do Ocidente europeu considerados constituem excelente referência, pois com eles deveremos logicamente emparelhar. A Rússia e os Estados Unidos têm interesse pelo grande esforço que desenvolveram e desenvolvem no campo da educação.
Este aviso prévio assume o carácter de um alerta dirigido ao Governo e ao País quanto à magnitude do assunto em debate. Não pode esperar-se da Câmara o estudo de soluções para tão complexos problemas, pois as soluções e seu estudo terão de ser obra de equipa, obra morosa, cuidadosamente planificada, nos seus variadíssimos aspectos, ao nível nacional. Nós somos uma Câmara política, e, daqui, é um solene apelo político este que estamos a lançar!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não entro, pois, no remexer do pormenor, que tem anfractuosidades infindáveis, onde um homem sozinho acabaria por extraviar-se. Tenciono lembrar ao
Governo alguns aspectos instantes e importantíssimos para o meu distrito em matéria de ensino, pois - insistamos neste ponto - o planeamento não envolve menosprezo pelas exigências imediatas do dia a dia, antes pressupõe as máximas cautelas em conservar, ampliar, actualizar, a modesta máquina educativa de que dispomos, dela tirando o máximo de rendimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deixarei, contudo, para outra oportunidade o abordar dos problemas do meu distrito.
Desde já adianto que talvez não seja de todo impertinente o pensar-se em instalar nalguns centros da província - de acordo com a respectiva importância demográfica, económica e social - escolas de nível superior ou médio, designadamente quanto a novas profissões que estão exigindo preparação adequada em tal plano de ensino, onde ainda não lograram lugar ao sol. Lembro, por exemplo, a preparação profissional para a administração pública, técnicas de informação, administração de empresas, relações públicas, secretariado, intérpretes simultâneos...
É necessário ir acentuando a distinção entre preparação profissional e licenciatura. Um chefe de secção de processos não carece, obviamente, de saber tanto direito, ou o mesmo direito, que o delegado e o juiz; como as funções de notário e conservador podem não exigir preparação igual à do advogado. Um farmacêutico não é exactamente o mesmo que um licenciado em Farmácia.
A viabilidade ou alargamento da distinção, dentro do ensino superior, entre cursos profissionais e licenciatura abriria novos horizontes a estudos gerais desconcentrados, sob o ponto de vista regional, e à eventual instalação de escolas superiores fora dos actuais centros universitários.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma Universidade - com o seu conjunto de instalações, centros de investigação, apetrechamento laboratorial, bibliotecas especializadas, corpo docente categorizado, etc. - não é coisa que se improvise ou transfira, ou cujos encargos sejam, mesmo em contas de pobre, facilmente calculáveis e suportáveis. Cada vez mais estas exigências arreigam-nas aos grandes centros ou aos seus centros de tradição, pois cada vez mais o petrechal de uma Universidade assume proporções gigantescas e implica somas fabulosas.
Mas certas escolas de preparação profissional para profissões já consagradas, como para novas profissões que a exijam, podem ser instaladas em diferentes cidades, consoante as conveniências geográfica, demográfica, social, económica ou outras. A Universidade de Sevilha ministra o ensino da Medicina em Cádis e de Farmácia em Córdova; a Universidade de Oviedo ensina Farmácia em Leão; a de Valhadolid lecciona Ciências Políticas, Económicas e Comerciais em Bilbau. Isto para citar apenas o exemplo mais próximo, que é o da Espanha.
Por outro lado, há profissões que estão reclamando lugar digno dentro do ensino, e este caminho poderia oferecer ao Estado oportunidade de satisfazer aspirações da província, de acordo com um programa de valorização regional, tal. como se preconiza para a planificação económica.
Há que, deitar os olhos à província, acabar com a mentalidade dá régua e compasso em problemas sociais, lembrando-nos de que as comunidades locais têm personalidade digna de respeito e peculiaridades a atender. No projecto de lei por nós apresentado na passada sessão legislativa, e que está pendente do parecer da Câmara Corpo-
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rativa, tentámos fazer consagrar alguns princípios gerais para a valorização da vida local, princípios em que o ensino tem o seu lugar.
A distribuição geográfica dos estabelecimentos escolares, conjugada com a natureza do ensino a ministrar e programas de estudo, deve atender, também, à diversidade regional, às carências de cada região - definidas através da sua indústria, do seu comércio, da tipicidade das suas actividades, da sua composição etária, até das suas usanças e tradições e da acentuação tónica da sua vida mental e social.
Onde o Estado não chegue, não queira ou não possa, que abra a mão à iniciativa privada, já com relevantes serviços prestados ao ensino, designadamente de nível secundário, e confie na Igreja.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sejam-nos agora permitidas algumas palavras sobre a juventude, palavras de confiança e esperança, Sr. Presidente, palavras de fé e de optimismo, não por tomada gratuita de perspectiva, mas por clara opção da inteligência e observação atenta dos factos. Sou optimista quanto à juventude portuguesa; confrangem-me os tristes augúrios dos pessimistas profissionais, que fazem da mocidade o motivo perene das suas lamúrias e dos seus queixumes. Muitos nem reparam que, malsinando a juventude, se malsinam a si próprios - pois todos são, afinal, responsáveis pelo que ela é ou possa vir a ser.
Reconheça-se que a juventude portuguesa é melhor que a de muitos países grandes pela extensão, pelo poderio, pela costumada notoriedade. Para tal contribuíram vários factores.
Um dos grandes causadores da perturbação juvenil é o desenraizamento, ou, melhor, o corte de raízes. O jovem que se desliga de uma tradição, que não encontra uma crença, um lar espiritual, um regaço maternal a que regresse, um conforto sempre aberto ao filho pródigo, um alimento constante ao desgaste por actividade, será, afinal, um jovem abandonado e perdido, um jovem insatisfeito, irritado e angustiado, será um jovem que acaba por sentir-se vazio, sozinho e sem nenhuma certeza. O mito de Anteu é aqui inteiramente válido: para não ser aniquilado o gigante precisa de firmar-se na terra-mãe.
Em Portugal, o Estado e a família - esta não obstante a onda dominante que a minimiza e lhe reduz as virtualidades - têm colaborado para conservar essa ligação com as origens e essa ligação com o conjunto. Os jovens puderam sentir-se solidários, em sangue e em espírito, em sentimento e em ideal, com os ancestrais e a sua comunidade. Em vez de «multidões solitárias» houve a comunicação da fé e da vida. Evitando o excessivo parcelamento das tendências, relegando para o seu justo lugar a actividade da opinião, insistindo em doutrinas nacionais de bem comum, de agregado familiar, de unidade religiosa, o Estado evitou o grande despenhamento na ínfima fragmentação e na solidão angustiante.
A Igreja, por sua vez, tem sido firme e claro alicerce onde esmaecem todas as ondas das interrogações desorientadas. À inquietação ela opõe a segurança, a certeza, pura como uma campina de açucenas ou ardente como nocturna labareda.
Decerto que a juventude de Portugal está menos atingida pelo mal que hoje envenena o Mundo. No entanto, não esqueçamos que também veio até nós a repercussão dessa onda avassaladora. E por duas razões: a primeira é que cada vez é menos possível um país viver fechado às influências dominantes, e, por isso, há-de sempre sofrer as consequências destas; a segunda é que incorremos, em vastas ocasiões e em diversos sectores, no erro de ficar pacificamente confiados na paz quotidiana, nos meios termos e na ausência de mística.
A juventude exige, porém, como todas as almas, bem mais do que as outras almas, dádiva entusiástica, acção generosa, e precisa de ideal e de fé. Ela conjuga o verbo amar como um cântico irresistível, e quando ao seu voo decidido retiram o objecto real, ela cai, com a mesma decisão, na sombra do abjecto e na lama das estrelas, ícaro, sim, mas não por culpa própria. Antes pelo contrário, a sua queda pode ser tremendo e comovedor libelo contra quem não sabe estar à altura dela, nem corresponder ao ímpeto do seu amor irresistível, ardente, ardendo na claridade diurna, na primaveril manhã ou na fogueira dos sentidos e na noite infernal da negação.
Um meio existe para corresponder ao anseio dessa juventude, grandiosa na ascensão como na queda: atender, desenvolver e orientar a sua capacidade de dedicação, dar-lhe uma bela mística altaneira, marchar a seu lado, para a consecução de um ideal que nos transcende, nos realiza e nos liberta.
A juventude portuguesa é das melhores do Mundo, digamo-lo com ênfase e com vigor. É vê-la a ocupar o seu lugar nas primeiras linhas, não diremos alegremente, mas seriamente, como quem tem bem definida a consciência do dever.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As forças da subversão e do mal andam por todo o Mundo empenhadas em arrastar as novas gerações para os caminhos tortuosos da treva e da conspurcação. Desengonçada da sua harmonia, repelida do seu caminho natural, contorcionada e desvairada, a força vital da juventude corre muitas vezes o risco de ir servir, sob o rótulo de maior humanidade, a distorção e o rebaixamento do homem, a sua maquinização, em obediência ao plano fantástico de criar um monstro eficiente.
Os espectáculos do gamberro e dos teddy-boys não passam de meros episódios no grande conjunto dos perigos que rodeiam a mocidade do Mundo inteiro - onde o problema da juventude enraivecida é objecto das maiores preocupações, como na Suécia ou como nos Estados Unidos e na Rússia, onde aumentam assustadoramente as taxas de criminalidade infantil. Nem falemos da «internacional cujo nome não se pode dizer», expressão usada por Juan Aparício para designar o mundo torvo e sombrio da homossexualidade.
Mas vamos, por simples interesse de ilustração do tema, dar ideia sucinta da ampla manobra em que a subversão internacional pretende envolver a juventude universitária, através da referência a certas ocorrências de todos conhecidas e que fomos anotando em nossos apontamentos de curioso.
A) De 21 de Agosto a 1 de Setembro de 1960 reuniu-se em Klosters, na Suíça, a 9.ª Conferência Internacional de Estudantes, onde predominam a influência comunista e a dita neutralista. As delegações britânicas, escandinavas, suíças e austríacas sempre defenderam que estas conferências deveriam tratar apenas de «problemas que interessem o estudante como tal».
Mas a Conferência transformou-se no instrumento de uma política. Vejamos: cortou com a «organização franquista» de estudantes e, em contrapartida, admitiu outras delegações espanholas clandestinas; Israel não foi admitido, mas, em contrapartida, a Basutolândia (país que não
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existe) foi aceite como filiado, tendo-se apresentado com uma delegação de nada menos do que 180 membros! De onde veio o dinheiro para as despesas de uma delegação tão numerosa?
A União dos Estudantes do Vietname declarou que não consentia comunistas entre os seus dirigentes - e por isso não foi admitida. Em contrapartida, a Conferência admitiu a União dos Estudantes da Coreia do Sul, desde que não pudessem ser dirigentes os estudantes que apoiaram o regime de Singman Rhee!
Portugal e o seu ultramar foram alvo de violentos ataques durante esta Conferência de Klosters. De nós se dizia que éramos a «única potência colonial hoje existente» e que era preciso «esclarecer a opinião pública mundial sobre a falta de escolas nos territórios coloniais portugueses!». Depois vem esta soleníssima afirmação:
Todo o cidadão consciente não deve tolerar que o seu país participe numa guerra injusta e que se torne cúmplice de crimes colonialistas!
B) Publica-se em Praga um Boletim de Informação da União Internacional de Estudantes, de inspiração nitidamente comunista, e que, por exemplo, no seu número de Maio de 1960 inseria uma notícia sobre Angola cheia de aleivosias e mentiras.
Outra publicação estudantil, editada na Holanda sob o título de Étudiant, repetia, pouco depois, as mesmas falsidades, pela pena de um colaborador que - dizia - tinha estado em Lisboa a entrevistar dois universitários de cor. Era falsa a entrevista, como são falsas as acusações. Mas tudo isto obedecia a uma batuta secreta, com intenções por de mais evidentes.
Toda a gente conhece a ampla confraternização dos estudantes portugueses, sem distinção de cores, sem problemas raciais, em larga comunhão de espírito, que é o segredo da nossa unidade indestrutível.
Podiam estas revistas estudantis, de inspiração comunista, estudar convenientemente o grave problema racial nas Universidades soviéticas.
C) Le Figaro publicava, nos últimos dias de Setembro de 1960, um telegrama da agência Associated Press a relatar que, de regresso da Rússia, três estudantes africanos se lamentavam da discriminação racial de que haviam sido objecto. Os três estudantes dirigiram, de Francoforte e em 20 de Setembro daquele ano, uma carta aos chefes de todos os governos dos países de África e também a Hammarskjöld, então secretário-geral das Nações Unidas, na qual escreveram:
Nós partimos à pressa, e outros também se vêm embora por causa das restrições à nossa liberdade e até das brutalidades de que fomos vítimas durante a nossa estada.
Acrescentavam:
Os estudantes de toda a África e do Próximo Oriente descobrem em Moscovo que são simplesmente utilizados como agentes da política imperialista da União Soviética!
Os signatários desta carta, originários da Nigéria, da Uganda e do Togo, tinham sido convidados, três anos antes, a prosseguir em Moscovo os seus estudos de Medicina. Regressaram desiludidos, indignados, vítimas de uma discriminação racial que os atingiu moral e fisicamente.
Que belo tema de meditação para as revistas internacionais especializadas em assuntos académicos!
D) Nos começos do ano lectivo de 1960-1961 apareceram espalhados no meio estudantil de Lisboa, especialmente universitário, uns papéis que apregoavam a condenação de Portugal em face da sua política ultramarina.
Pretendia-se minar a nossa juventude, envenenar-lhe a alma, prepará-la para aceitar, sem revolta, o caminho da negação, da desistência, do amolecimento, da traição. Os impressos subversivos apareciam nas escolas superiores com frequência que denunciava uma organização a comandar a manobra.
Mesmo antes da abertura das aulas lá estavam os panfletos, num banco ou num qualquer patamar das Faculdades, ali postos não se sabe por quem, e com o ar de que haviam sido abandonados por mero acaso. Era evidente que se pretendia inutilizar a nobilíssima barricada do patriotismo juvenil. Quando tantos falam no armamento e na defesa, nos mísseis e nas deflagrações nucleares, outros sabem perfeitamente que não há arma que valha a alma de um jovem e a sua adesão ao espírito de luta.
Num desses papéis dizia-se aos jovens portugueses:
Compete-vos a vós examinar e concluir se a pilhagem, o saque e a exploração que durante séculos vêm praticando os colonialistas portugueses...
Outro passo:
Onze milhões de africanos numa superfície de dois milhões de quilómetros quadrados estão sujeitos à dominação colonial portuguesa, ao jugo colonial de um pequeno país que é o mais atrasado da Europa!
E) «Quer estudar em Cuba?» - era este o título de um convite aparecido nos primeiros meses de 1962 na publicação Informações de Cuba, editada em língua portuguesa e distribuída no Rio de Janeiro pela Embaixada daquele país. Nesse convite anunciava-se a instituição de mil bolsas de estudo para estudantes latino-americanos «que desejem cursar as escolas superiores do primeiro país socialista da América».
O Conselho Superior das Universidades de Cuba instituiu essas bolsas para as Universidades de Havana, Lãs Villas e Oriente, correspondentes aos seguintes cursos: Engenharia, Agronomia, Medicina e Farmácia, Arquitectura, Humanidades, Economia e Direito.
A bolsa é pródiga, paga quase tudo, largamente. É evidente que os bolseiros, instalados em colégios adrede preparados para o efeito, orientados por mestres do «primeiro país socialista da América», saem de lá bem instruídos em tudo, menos talvez em Engenharia, em Agronomia, em Medicina, em Farmácia, em Arquitectura, em Humanidades, em Economia e em Direito. Talvez saiam, e saem seguramente, bem preparados em doutrina socialista, marxismo-leninismo, tácticas de subversão, preparação revolucionária, decapitação do escol reaccionário, etc.
Estes papéis, distribuídos pela Embaixada de Cuba no Rio de Janeiro, andaram e andam muitos espalhados pelas Américas, e talvez até em Portugal, embora a central universitária europeia seja de preferência em Praga ou em Moscovo.
F) Entretanto, anunciava-se a realização, em fins de Julho de 1962, em Helsínquia, do VIII Festival Mundial da Juventude.
Os festivais anteriores a este foram realizados, com excepção de dois, em países da cortina de ferro: Praga, em 1947 (antes do golpe de Estado comunista); Budapeste, em 1949; Berlim Oriental, em 1951; Bucareste, em 1953; Varsóvia, em 1955; Moscovo, em 1957; e Viena, em 1959.
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Milhares de jovens convergiram para Helsínquia, capital da Finlândia, nos fins de Julho. Muitos provenientes de países comunistas; alguns comunistas ou simpatizantes, procedentes do chamado mundo livre, e bom número de distantes países da África, América Latina e Ásia, aproveitando a primeira oportunidade de visitar a Europa, para assistir ao VIII Festival Mundial da Juventude, de 28 de Julho a 5 de Agosto de 1962.
Proclamavam os organizadores do festival que este visava a promover a paz, a amizade e a boa vontade internacionais. Sem dúvida, o festival oferecia um programa impressionante de eventos.
Algo para todos: palestras, comícios, grupos de estudos, teatro, canto, danças, concertos de música clássica e de jazz, competições desportivas, exposições de pintura, de escultura e de fotografias. Entretanto, o festival era rejeitado amplamente como congresso de propaganda comunista, evitado por organizações representativas da juventude e das classes estudantis em todo o Mundo, inclusive as de muitos países neutros, e «boicotado» por todos na neutra Finlândia, com excepção da juventude comunista.
Esse festival foi organizado por duas aceites e desacreditadas organizações de frentes comunistas: a Federação Mundial da Juventude Democrática (F. M. J. D.) e a União Internacional dos Estudantes (U. I. E.).
G) A agitação académica alastrara antes pelo Mundo de forma extraordinariamente ilustrativa. Ocorre-nos o que se passou na Grécia, na Birmânia, na Turquia, no Brasil, etc. Depois disto é que se realizou o VIII Festival Mundial da Juventude, em Helsínquia.
Na Birmânia, por exemplo, foram mortos a tiro, pelas forças da ordem, 60 estudantes universitários e o Governo mandou encerrar as Universidades, impedindo a realização dos actos e punindo severamente os amotinados. No Brasil a coisa tomou aspectos de maior gravidade, as esquadras encheram-se de estudantes, a polícia bateu duro e os hospitais regurgitaram. Foi severíssima a repressão.
Meses volvidos, em Agosto e Setembro de 1962, ainda não era de calma o ambiente académico do Brasil. Grande número de estudantes denunciou o carácter comunista dos organismos integradores das associações académicas, designadamente a União Nacional dos Estudantes (U. N. E.) e a União dos Movimentos de Estudantes (U. M. E.). Por isso, os directórios académicos de vários estabelecimentos de ensino superior deliberaram denunciar e abandonar aquelas organizações.
Por toda a parte, no Mundo inteiro, o comunismo internacional não cessa de aliciar a gente moça, de pretender aproveitá-la como instrumento de agitação e de perturbação. Há que ter em conta este perigo permanente e não descurar um só instante o seu extraordinário poder de insídia e de manobra.
Ao que temos verificado, nos planos de fomento educativo, em vias de execução por esse Mundo, sob os auspícios ou com a ajuda das agências internacionais especializadas, não há lugar próprio para a formação da juventude. Isto corresponde ao carácter laico, neutro ou neutralizante dos grandes organismos internacionais do nosso tempo, que em tudo querem esbater as diferenças nacionais de cada povo, alicerçadas na história, na cultura, no modo de viver e de estar no Mundo, enfim, naquilo que constitui a alma e o cerne das nações.
Mas nós não podemos ser neutros, nós temos a consciência de que devemos formar a nossa juventude no culto dos valores tradicionais, à sombra de que nasceu, viveu, se engrandeceu e vive Portugal. Por isso, não pode haver, entre nós, o seco e neutro planeamento do ensino. Ele tem de ser realmente planeamento da educação nacional - e nas suas preocupações a juventude tem de ocupar lugar destacado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste ponto é oportuna uma palavra sobre a Mocidade Portuguesa. A Mocidade Portuguesa é criação do Estado Novo, nasceu sob o impulso de uma época determinada, veio preencher um vazio, cumprir um serviço nacional. Nas duas primeiras décadas deste século, os esforços dos educadores, que foram muitos e valiosos, não conseguiram acompanhar, em Portugal, à míngua de condições de eficiência governativa, o surto das reformas de educação e dos movimentos de juventude, que por quase todo o Mundo se verificava.
Os governos da Revolução Nacional receberam como herança uma juventude sem enquadramento, sem o aliciante aceno da prática dos exercícios físicos e sem ambiente espiritual digno das aspirações juvenis. Posto perante o problema, o Estado Novo encarou-o resolutamente, procedendo a uma reforma da instrução, com a qual coincidiu a criação da Organização Nacional Mocidade Portuguesa, em 1936.
Dez anos decorridos sobre o 28 de Maio, a reforma financeira e governativa havia gerado, entretanto, na consciência do País, nova perspectiva moral e nacional, ampla e arrojada. Criada por essa altura, a Mocidade Portuguesa atingiu o seu ritmo culminante aquando das celebrações dos centenários da Independência e da Restauração.
A obra realizada em todos os domínios não sofre contestação...
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... a Mocidade Portuguesa é credora de uma palavra de apreço, quando nos colocarmos honestamente perante o balanço da sua obra em relação aos meios e ao ambiente circunstante - desde a divulgação de práticas desportivas e atléticas, de que foi pioneira, até à educação estética, ao canto coral, à formação de um espírito nacional, de disciplina cívica e moral.
A 30 anos de distância, num mundo tão diferente do que era então o Mundo, e num país também diferente do que era então o nosso país, as perspectivas de acção juvenil hão-de ter-se alterado necessariamente, alterando o próprio equacionamento de ansiedades e objectivos. É esta lei do tempo que atinge em maior ou menor grau, e um pouco por toda a parte, outros sectores da vida nacional, às vezes com incidência no próprio Regime.
As soluções para os problemas da juventude situam-se, hoje, em plano que está fora da juventude, fora das suas organizações, reclamando a definição de uma política que está para além do próprio Ministério da Educação Nacional - na medida em que implica a colaboração e a adesão activas e actuantes de todo o Governo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Essa política pressupõe um rejuvenescimento do quadro ideológico do Regime, para própria salvaguarda do que nele há de essencial e inalterável, pois por dentro das coisas é que as coisas são.
Estamos, quer queiramos, quer não, num tempo superficial, mais visual do que intelectual, mais virado para os sentidos do que para a inteligência - assim, as formas, que em si mesmas e por si mesmas podem nada
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significar, adquirem efeitos surpreendentes e repercussões verdadeiramente desconcertantes.
É necessário que homens e ideias se dinamizem, se debrucem cada vez mais sobre a vida nacional, num ritmo de comunhão e simpatia entre dirigentes e dirigidos, dando os dirigentes - sempre e em todas as circunstâncias - exemplo de dignidade e devoção à causa. Através desse exemplo, que é, afinal, o exemplo pessoal do Sr. Presidente do Conselho, conseguiu ele maiores méritos e estímulos educativos do que mil e um ensinamentos teóricos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Defesa da família, reforma da escola, colaboração aberta com a Igreja, são pressupostos da obra educativa junto da juventude, na qual à Mocidade Portuguesa cabe lugar que mais ninguém, senão ela, pode e deve ocupar. No planeamento da educação tem de se contar com a formação integral da juventude, sob pena de nos negarmos a nós próprios e aos princípios éticos que constituem o cerne ideológico do Estado.
Ampare-se e acarinhe-se, respeite-se e estimule-se a Mocidade Portuguesa, dêem-se-lhe meios para ela cumprir aquilo que todos temos o direito de exigir dela e que ela quer realizar, por ser de sua missão. Não cortem as asas ao seu voo, nem o fogo ao seu desejo de ascender e servir. Respeitem-na e ajudem-na, compreendam-na e amparem-na.
Sr. Presidente: a juventude é fonte de pureza e dádiva. Uma fonte sempre será uma fonte. Mas se quisermos que ela contribua para a frutificação e suba com a seiva até às folhas e às flores e ao céu, temos de racionalmente canalizar a água, aproveitá-la - para que seja farta a colheita. Se a abandonarmos e a deixarmos entregue ao destino ventureiro, a água perde-se nos vieiros, mistura-se com o pó e vai criar, afinal, ou alimentar, os lamaçais, os charcos, as poças fétidas dos caminhos.
Também à juventude não se pode abandoná-la e deixá-la medrar com as ervas bravias.
Logo ao alvorecer da Revolução Nacional, em 1930, o Sr. Doutor Oliveira Salazar, definindo o seu pensamento quanto ao problema da mocidade, dizia:
O Estado tem o dever de integrar a juventude no amor dos exercícios vigorosos, que a preparem e a disponham para uma actividade fecunda e para tudo quanto possa exigir dela a honra ou o interesse nacional.
Cinco anos mais tarde, o Sr. Presidente do Conselho acrescentava:
É essencial que o espírito da mocidade seja por nós formado no sentido da vocação histórica de Portugal, com os exemplos de que é fecunda a história, exemplos de patriotismo, desinteresse, abnegação, valentia, sentimento da dignidade própria, respeito absoluto pela alheia.
Bem pode Salazar sentir-se recompensado, quando três décadas volvidas lhe é dado contemplar, em vida, o exemplo maravilhoso que a mocidade portuguesa está dando na gesta de África. A fonte será sempre uma fonte, mas a água desta fonte, que é a nossa gente moça, não se extraviou no pó dos caminhos e foi antes alimentar a seiva pujante da vida heróica!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Heróis, heróis autênticos, rebrilhando ao sol dos combates! Estes não são os heróis húmidos, descalcificados, os anti-heróis ou heróis-toda-a-gente, que certos grupos intelectualizados e estéreis pretenderam impor na literatura de ficção. A desossificação não atingiu a nossa estrutura nacional nesta era em que alguns povos parecem ter, por momentos, amolecido como geleia.
Os nossos rapazes são marcos de salvação, repositório de sobrevivência, constituem geração privilegiada, intervindo corajosamente na construção do Mundo e da Pátria. São como a beleza da terra criadora e do fragor das ondas vitoriosas: cântico dominador que sobe em louvor do sangue, da luz e da fé.
Um Maciel Chaves morre em Goa, aquando dos primeiros golpes terroristas; e anos depois, em Dezembro de 1961, ali tomba, no seu posto, António Abreu Abrantes; Nascimento Costa, cavaleiro da Torre e Espada, não tergiversa durante o assalto ao seu paquete Santa Maria e cai varado, mas no seu posto.
Algures em Angola, um, militar lança-se sobre a granada prestes a explodir, cobre-a bem com o corpo, que fica esfacelado, em holocausto, para salvar os seus soldados: chama-se José Paula Santos. Um José Ferreira de Almeida, um Chaves Retorta, um João Macias, mortos na Guiné; um Castelo da Silva e um Berque de Faria, mortos em Angola; um Mota da Costa, morto em Angola, e tantos, tantíssimos, impossíveis de enumerar!
Não se comportaram assim por saberem mais ou menos mineralogia, ou por terem roçado os cotovelos nas mesas dos cafés. São fruto de uma escola, de uma disciplina cívica, de uma boa formação portuguesa que nem sempre se estuda nos compêndios. Representam um estilo de vida, que também se exalta na morte!
Os chamados são, por sinal, património glorioso da Mocidade Portuguesa, onde todos foram graduados!
Nós não fomos tocados por aquela humidade apodrecida, que repele o sabor da vida e o risco magnífico da morte desafiadora. Na ordenança da nossa vida e da nossa acção podem estar camponeses rudes, e cavalos e toiros, e luta inebriada, e ainda o sol e os músculos, a saúde e a decisão, o sacrifício e a aventura heróica, a resolução criadora, confiança irresistível e genesíaca, ou desafio intemerato e diurno.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Heróis de carne e osso, heróis com o corpo cinzelado de estrelas, raiado de sangue como arrebol. Heróis de tal quilate, que nem a indiferença ou o nefelibatismo de quaisquer vencidos da vida conseguirão macular as épicas vibrações que neles repercutem!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem dizer metade do que deveria, mas dizendo o bastante para me haver tornado fastidioso.
Vozes: - Não apoiado, não apoiado!
O Orador: - Muito agradecido pela bondade de VV. Ex.ªs Mas, prosseguindo: o Estado Novo veio encontrar uma sociedade enfraquecida. Restituindo-nos ao sentido tradicional, considerou o indivíduo, não na sua simples e deturpada abstracção, mas na solidariedade do tempo e do espaço, na concreção, nos valores, na vida hierárquica e completa. Assentou alicerces na família, na profissão, nas comunidades históricas e locais, e encarou, sadia-
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mente, o enraizamento no pequeno povo e na grande Pátria, o progresso espiritual, a vitória da terra e do espírito.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Pinto de Mesquita: - É apenas para esclarecer que o Estado Novo foi já em parte enformado pela doutrina de uma geração que reagiu contra os desmandos que se verificavam na política dos partidos, geração essa que antes se educara já exactamente em sãos princípios nacionais. Nestes encontrou o movimento do 28 de Maio uma raiz de apoio de importância, sem a qual ele próprio não poderia resistir nem consolidar-se.
O Orador: - Tem V. Ex.ª muita razão. Aliás, nas minhas palavras está gostosamente implícita essa homenagem à geração do integralismo lusitano.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito obrigado a V. Ex.ª pelos desse movimento nacional e pela parca parcela que me possa nele tocar.
O Orador: - Certos empreendimentos demoram a realizar, a exibir a sua importância ou a produzir os seus resultados. Alguns chegam a prolongar-se por gerações - e assim se compreendem desígnios de dinastias, fidelidade a um plano. O Estado Novo afirmou-se como eminentemente criador - e a obra ergueu-se!
A revolução é essencialmente força interior. Goethe falava em polaridade para designar o movimento duplo pelo qual, em seu entender, se pautariam a vida e o Mundo: todas as coisas criadas existem por uma concentração sobre si próprias e uma expansão para as outras, por uma sístole e uma diástole, por um egoísmo e um altruísmo, uma recusa e uma entrega. E neste duplo movimento reside o segredo da própria vida, que, para o ser, se renova e vivifica.
Quando uma planta não renova os tecidos, seca. De igual modo, quando o sangue não renova os glóbulos, o animal morre. No corpo de cada um de nós verifica-se, momento a momento, célula por célula, uma renovação implacável - e é assim que vamos criando a variação das idades dentro da identidade, que não perdemos jamais. O homem de 50 anos é, sem dúvida, idêntico àquele que foi quando tinha apenas 20, mas, entretanto, para a vida se manter e prosseguir, tudo no seu corpo e no seu próprio sangue se renovou, muito foi destruído e muito foi criado. No momento em que essa renovação (essa morte!) deixar de verificar-se dentro do organismo é a hora, aquela hora, em que a morte chega e impõe a sua lei, mas aquela morte para além da qual os corpos se mineralizam ou se decompõem.
Os regimes políticos têm de manter também esse indómito segredo da renovação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não podem parar, não podem estagnar, têm de viver em permanente actualização, têm muitas vezes de morrer por dentro, aqui e além, para alimentarem a vida-tal como nos organismos vivos; têm de variar com as idades, assegurando embora os princípios de identidade, que são as linhas mestras da sua doutrina e da sua acção; têm de manter essa permanente fonte de renovar, sob pena de serem atropelados pela vida e chegarem à hora de se decomporem.
Os regimes têm de alimentar no seu próprio seio a revolta ideal que os vivifica. A falange aguerrida, que normalmente vem surgindo, traduz os princípios para a linguagem dos tempos novos, há-de recriar a fonte inspiradora e dar actualidade à verdade permanente.
E esses puros, que irrompem das raízes dos próprios regimes, podem vir regenerar-lhes e aquecer-lhes as veias. Ser eterno e ser moderno, ser permanente e actual, ser fiel e insatisfeito, participar da seiva e disparar-se em novos rumos, ir às raízes mais profundas para apontar os altos cumes - eis a tarefa de renovar e vivificar que pertence à juventude!
Só mercê de idealismo serão aceites sem revolta, e porventura com entusiasmo, os sacrifícios e as limitações exigidos por esta hora da Pátria. «Quand les peuples cessent destimer, ils cessent d'obéir» - sentenciava Bivarol -, e esta sentença reúne-se à consideração de que, quando os povos deixam de crer, deixam de sacrificar-se, de continuar o passado e de preparar o futuro; o dia de hoje, a sede de prazeres e o materialismo avançam; pão e circo transformam-se em programa de vida.
Para que as novas gerações se moderem e sacrifiquem, em obediência ao imperativo e a vocação das gerações passadas ou ao destino das gerações futuras, temos de lhes apontar, com insistência, razões místicas, ou, se quiserem, sentimentais. Temos, numa palavra, de as doutrinar no entendimento profundo e íntegro da lusitanidade. E temos ainda de manter viva a mística da acção.
Esta é a grande tarefa política do nosso tempo: tarefa que se impõe à inteligência das dirigentes e dos homens conscientes do País. A insatisfação e o idealismo são insusceptíveis de abortamento. O preciso é que estejam dentro do palácio, pertençam à família de Creonte - como aquela Antígona da tragédia -, para que não surjam, virulentos e indomáveis, de entre os que estão no arraial oposto ou nas valetas da vileza.
Há que manter vivo o facho do ideal junto das novas gerações, ideal em que o passado e o futuro se dêem as mãos, em que a mesma seiva corra das raízes, e desde a terra até às flores e ao espaço, em que a tradição e a fé se conjuguem com a experiência e as realidades, com o estudo e a inteligência. Sejamos realistas, mas sem perdermos de vista o ideal.
O maravilhoso exemplo que está dando, em África, a nossa mocidade - escrevendo uma gesta que já são páginas de história - é aceno, eloquente e firmíssimo aceno, das potencialidades espirituais da grei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará e concluir-se-á amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
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António Calheiros Lopes.
António Maria Santos da Cunha.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Coelho.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Antão Santos, da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
Quadros a que se referiu o Sr. Deputado Júlio Evangelista no seu discurso;
Ensino primário
[Ver Quadro na Imagem]
(a) Compreendidos os do educação pré-escolar.
(b) Não compreendidas as escolas privadas não subvencionadas da Escócia. Dados de 1958, Inglaterra, Gales e Escócia; de 1959, para a Irlanda do Norte.
(c) Só ensino oficial.
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Período de escolaridade obrigatória
[Ver Quadro na Imagem]
(a) Somente ensino a tempo completo; os rapazes de mais de 14 ou 15 anos que não frequentem uma escola o tempo completo estuo obrigados a frequentar uma escola técnica ou profissional, parte do tempo, ato aos 18 anos.
b) Varia com os estados.
(c) O sistema de dei anos de obrigatoriedade escolar está em vigor nas zonas urbanas. A partir de 1951-1960 começou a pôr-se em vigor um sistema universal de oito anos de obrigatoriedade escolar e a abrir escolas de onze anos de estudo.
Taxas de escolaridade
[Ver Quadro na Imagem]
(a) Não compreendido o ensino técnico e normal.
Ensino secundário
[Ver Quadro na Imagem]
(a) Conjuntamente o secundário geral e o secundário técnico.
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Ensino secundário geral
[Ver Quadro na Imagem]
a) Existem, ainda, uns 10 000 professores a tempo parcial.
b) Só dos Institutos nacionais de ensino médio.
c) Compreendido o ensino técnico.
d) Compreendido o ensino técnico. Falta o número de professores deste ensino para a Irlanda do Norte. Na Escócia não estão incluídas as escolas privadas não subvencionadas. Dados de 1958 para Inglaterra, Gales o Escócia; de 1959, para a Irlanda do Norte.
Ensino técnico secundário
[Ver Quadro na Imagem]
(a) Há ainda uns 36 000 professores do tempo parcial.
(b) Incluídos em secundário geral.
Ensino secundário normal
[Ver Quadro na Imagem]
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Bibliotecas públicas
[Ver Quadro na Imagem]
a) Somente bibliotecas municipais «classificadas». Existem ainda cerca de 500 bibliotecas municipais reconhecidas pelo Estado e 21 bibliotecas de empréstimo.
b) De 38 bibliotecas unicamente.
c) Numerosas redes de bibliotecas asseguram o funcionamento de 39 496 centros de empréstimos, compreendidas as bibliotecas escolares, as de hospital e de prisão.
d) De 451 bibliotecas somente.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA