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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 126

ANO DE 1964 6 DE FEVEREIRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 126 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 5 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 124 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 45 551.
O Sr. Deputado Cancella de Abreu referiu-se à reforma fiscal que entrou em vigor.

Ordem do dia. - Continuou o debate suscitado pelo aviso prévio sobre educação nacional.
Falaram os Srs. Deputados Cerqueira Gomes, Gonçalves Rodrigues, Teles Grilo, Abranches de Soveral e Júlio Dias das Neves.
A encerrar o debate falou o Sr. Deputado Nunes de Oliveira, que, no final do seu discurso, leu e mandou para a Mesa uma moção também assinada por outros Srs. Deputados.
Posta à votação, essa moção foi aprovada.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.

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Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, para efeitos de reclamação, o Diário das Sessões n.º 124.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Da Federação das Associações de Futebol a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões sobre problemas ligados ao desporto nacional.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 25, 1.ª série, de 30 do mês findo, que insere o Decreto-Lei n.º 45 551, que aprova o Regulamento da Indústria de Engarrafamento de Aguas Minerais e de Mesa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: breves palavras.
Noticiou a imprensa que, em 31 de Janeiro findo, o Sr. Ministro das Finanças convocou paru o seu gabinete a Comissão da Reforma Fiscal, instituída pelo Decreto-Lei n.º 41 036, de 20 de Março de 1957, a fim de agradecer a todos os seus membros, e especialmente ao seu presidente, Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, a eficiente e valiosa colaboração por ela prestada. E, na mesma data, o Diário do Governo inseriu uma portaria na qual o Sr. Ministro deu público testemunho de louvor à mesma Comissão pela elaboração de sete diplomas legislativos de capital importância para a nova estruturação do sistema financeiro do Estado.
Com natural ressalva de legítimas discordâncias ou dúvidas, das injustiças, dos receios que resultem da doutrina e do texto dos sete importantes diplomas elaborados pela Comissão e da sua projecção na economia nacional, bastariam o volume, a novidade, a importância e o melindre do seu conteúdo para justificar aquele louvor oficial e o reconhecimento dos esforços empregados no difícil e arriscado empreendimento, "aliás explicado nos relatórios que os precedem.
Bastaria mesmo a circunstância de esses diplomas terem sido promulgados há pouco tempo e alguns só agora estarem praticamente em início de execução para, afora os inegáveis factores de competência e do zelo do Ministro e da Comissão, outros elementos seguros ainda não existirem que permitam ajuizar definitivamente de todos os resultados da aplicação prática das alterações substanciais do anterior sistema ou do modo como se processa ou irá processar-se a aplicação da nova rede fiscal em todo o seu conjunto ou parcelarmente, sem mesmo deixar-se de ter em atenção a tradicional e incómoda exigência de documentação que por tudo e por nada, porventura, se continue a impor ao contribuinte, mesmo quando não se trata de mais que não seja a exacta repetição do anteriormente certificado ou declarado, como há-de suceder, por exemplo, com as declarações relativas aos arrendamentos urbanos.
Não é, todavia, de esperar que na prática desta grande reforma fiscal, tal como está elaborada, venham a surgir surpresas ou se mantenham injustiças ou exageros incomportáveis ou irremovíveis, tanto mais que há dias, na resposta ao Ministro, o ilustre presidente da Comissão lhe pediu que velasse, com todo o interesse, pela execução da reforma, pois - acrescentou - ela há-de ser o que ela vale por essa execução.
O contribuinte confia na alta capacidade de quem a elaborou e de quem a promulgou, e isto traz-lhe a persuasão de que foi devidamente contemplada e considerada a capacidade tributária do País e especificamente a de cada ramo da actividade nacional e individualmente a dos que a exercem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, acresce e é importante ter o contribuinte a consciência da grave hora presente e do sacrifício que todos temos o dever de suportar, contribuindo, na justa medida, para os encargos excepcionalmente vultosos a que nos compeliu o estado de guerra

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em que nos encontramos e nos é imposto pelo dever indeclinável de defesa do património nacional por todo o preço.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porque assim é, tem-se estado a assistir em todo o País à expressiva solicitude com que os contribuintes acorrem em massa e ordeiramente às secções de finanças, para dentro dos prazos legais, entregarem as declarações a que são obrigados, como sucede aos que têm de ser colectados nas contribuições predial e industrial, no imposto profissional, etc.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tal foi a afluência no mês de Janeiro que chegaram a esgotar-se, nalguns concelhos, os modelos impressos, e os contribuintes formaram, por vezes, multidão nos acessos às secções de finanças, não obstante o zelo e a muito louvável dedicação e o trabalho exaustivo do pessoal das repartições respectivas.
Isto sem falar da utilidade dos serviços de informações fiscais, cujos empregados se multiplicam em esforços para atenderem um público numeroso e apressado, fazendo-o, como fazem, com notórias solicitude e delicadeza.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porém, o interesse dos contribuintes e a acumulação inevitável dos serviços criaram a indispensabilidade da prorrogação dos prazos, que findavam em 31 de Janeiro e, por isso, muito acertadamente procedeu o Sr. Ministro das Finanças em, por intermédio da Direcção-Geral respectiva, fazer prorrogar até 15 de Fevereiro corrente os aludidos prazos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Seja como for, haja o que houver e vá até onde não pode prever-se ainda, a projecção do novo regime tributário na economia da Nação ou nas actividades de cada um dos seus sectores, ou no aforro particular, e não obstante a transitória isenção de algumas sanções ou penalidades e o condicionalismo suave de outras para o futuro, a verdade é que no mês de Janeiro findo levantou-se um pé-de-vento de envergadura tal que só uma providência pronta e eficaz poderia amainá-lo e neutralizar ou reduzir assim a perniciosa confusão que só o civismo do público e a dedicação e o zelo dos serviços poderiam evitar.
Bem haja, pois, por isso, o Sr. Ministro das Finanças.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate acerca do aviso prévio sobre educação nacional. Tem a palavra o Sr. Deputado Cerqueira Gomes.

O Sr. Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: há no complexo problema da educação múltiplos aspectos a considerar e alguns de grande relevância. Neste debate muitos foram já apreciados, com comentários e sugestões a ponderar pelos que hão-de definir, numa visão de conjunto e amplo espírito renovador, o planeamento integral da acção educativa.
Por mim, proponho-me apenas abranger um dos aspectos da magna questão. Mas, este, aspecto que aos meus olhos e aos olhos de muitos se reveste da maior transcendência. E é: a necessidade de dar ao nosso ensino um carácter vincadamente nacional. Que o mesmo é proclamar que a educação da nossa mocidade há-de ter em vista não apenas formar o homem, mas, decidida e concretamente, formar o homem português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não o homem sem vínculos telúricos e humanos, ou seja a abstracção platónica do homem em si, ou seja o Robinson aberrante e insulado, ou seja o cosmopolita incaracterístico e insulso. Mas o homem verdadeiramente português, enraizado, de corpo e alma, na terra e na grei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E ser português, digo e redigo teimosamente, não é apenas ter nascido em Portugal. Ser português é amar e servir os valores que enformam a essência da Nação e se projectam nas grandes linhas de rumo da sua história. Amar e servir a Nação na autenticidade da sua vocação e do seu génio inconfundível, na fidelidade à mensagem cristianíssima que levou a todos os cantos da Terra, com alto sentido de apostolado e de missão. É amar e servir o património, de que é depositário e responsável, criado pelo esforço quase milenário das gerações que o precederam, para transmitir inviolado e, se puder ser, enriquecido, aos que vierem depois.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas para amar e servir é preciso conhecer. E para conhecer, para conhecer a Nação, é, mais que tudo, necessário conhecer a sua história.
Manuel Múrias, que me parece ver ainda presente nesta sala, a acamaradar connosco, mais vivo que muitos vivos, num livro onde desfilam dramaticamente os oito séculos da nossa história e se sente como ele desceu às profundezas mais íntimas da alma nacional; no limiar desse livro, que dá bem a medida da sua densa cultura, da sua grande intuição histórica, da sua fina sensibilidade portuguesa e da emotividade comunicativa da sua pena, viva e alada, inscreveu esta sentença breve e lapidar: «Verdadeiramente, uma nação - é a sua história». E logo completa, para esclarecer, perfilhando Aquiles Ratti, que depois veio a ser o grande pontífice Pio XI: «História - tecido dos factos vivos». Para depois prosseguir: «A história de uma nação é a sua vida; e não apenas a sua vida no passado - a sua missão: no passado, no presente, no futuro; a sua vocação. A sua missão na história: a sua cooperação efectiva no labor comum, persistente, vivo e doloroso, do homem na terra». É erro considerar toda a história como mundo de coisas mortas, necrópole impassível de mortos sepultados para sempre. Há história viva e bem viva.
E nenhuma história mais viva que a nossa história.
Nenhum passado mais presente que o nosso passado. Vivos os nossos mortos, que andam à nossa volta na obra que nos legaram, e andam dentro de nós, a dar sentido ao presente e, através de nós, a comandar o futuro.
Viva a nossa história e vivo o nosso passado - oito séculos de afirmação e heroísmo, de força criadora e de

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beleza, de soberania de valores do espírito e constância no sentido de Deus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vivos os nossos mortos, que ainda ontem reencarnaram na floração de heróis que escreveu a gesta da ocupação africana - autênticos varões de Os Lusíadas.
Tão vivas as vozes que nos vêm do fundo dos séculos que ao seu apelo acordaram os vivos do presente, para ressurgir, com o levante de Maio, em surto maravilhoso de resgate e afirmação.
Tão viva a responsabilidade da herança que recolhemos, tão vivo o sentido da grande missão que o passado e a história nos transmitiram que, por amor e fidelidade a essa herança, a esse passado e a essa história, afrontamos nesta hora o Mundo inteiro, de cabeça erguida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E por amor e fidelidade sofremos os ódios e as incompreensões, os agravos e as injustiças do Mundo.
Por amor e fidelidade sofre e morre em África o melhor da nossa mocidade; sofre e morre ante um mundo sem grandeza e sem norte, num alto exemplo de fé nos mais altos valores da vida, numa grande lição de sacrifício, de renúncia e de beleza moral.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a consideração do factor nacional na formação do homem não é apenas exigência decorrente do nosso nacionalismo; aliás, em tudo equilibrado e legítimo, ainda que, porventura, insistamos neste aspecto com maior vivacidade. Mas é também ditame expresso - e lógico - da mais saudável pedagogia, e designadamente da pedagogia de inspiração cristã, que abrange o homem numa visão integral.
No delineamento de um plano geral de acção educativa haverá de considerar, por um lado, o problema dos fins, ou seja o ideal educativo, e, por outro, o sistema de meios - processos pedagógicos e métodos adequados - conducentes à sua realização.
O problema dos fins é uma doutrina, tributária de uma filosofia da vida. Os meios, uma técnica, quer dizer, uma ciência e uma arte, com grande subsídio da biologia, da psicologia e das ciências sociais.
Há seguramente, já no âmbito dos meios, peculiaridades de ensino ou modos de ensinar mais conformes com a psicologia portuguesa; haverá mesmo, porventura, como alguns pretendem, um verdadeiro sistema original - uma pedagogia nacional.
Deixo este aspecto da questão à competência dos pedagogos, ainda que o assunto também interesse ao objectivo central da minha intervenção, pois que ensinar à portuguesa é já lição de portuguesismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E volvo-me para o outro lado, para o problema dos fins da educação.
Já disse, e todos sabem, que um ideal educativo, que toda a pedagogia como ciência dos fins educacionais, tendo em vista a formação integral do homem -sujeito da educação -, está subordinada a uma concepção geral da vida, a uma visão total do homem e do Universo - portanto a uma doutrina filosófico-religiosa.
A nossa concepção do homem é - não podia deixar de ser - a concepção cristã do homem. Para muitos, para a maior parte, para os crentes, antes do mais, porque é a verdadeira. Para todos, porque é historicamente a portuguesa. Para todos, também, porque o humanismo cristão, mesmo desligado das suas raízes transcendentes, mesmo olhado à luz da razão humana num plano não confessional, é o que mais enobrece o homem, o que mais o engrandece, proclamando a sua alta realeza espiritual.
E ainda porque neste mundo europeu, que nasceu no regaço da Igreja e nesta civilização que o cristianismo maternalmente fecundou e alimentou, no andar dos séculos; e mais, neste solar peninsular, onde a crença foi mais viva e a fidelidade mais constante, tão impregnado está o ambiente, a tradição e, até, as almas, de perfume cristão, que, apesar de todos os repúdios e todas as negações, de todas as recusas e todos os desvios, o homem do nosso mundo e da nossa civilização é ainda o homem cristão, mais ou menos laicizado - no dito certeiro de Maritain.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No conceito cristão o homem é um grande senhor, revestido de eminente dignidade pela sua alta realeza espiritual e a soberania dá razão, universo moral com autonomia é liberdade de escolha, portador de valores eternos, criado à imagem e semelhança de Deus, resgatado por Deus humanado e para Deus ordenado, como seu fim último.
«Estais no Mundo, mas não sois do Mundo» - disse o Divino Mestre, segundo S.º João. E também escreveu S. Paulo: «Nós não temos aqui morada permanente.» Mas se não são do Mundo nem no Mundo têm morada permanente, os homens estão no Mundo e têm aqui morada.
E não estão no Mundo desligados, como areia solta, nem reunidos ao acaso e sem nexo, como as coisas inanimadas, nem, ainda, como os brutos, uniformemente agrupados para cada espécie e, para cada espécie, sem pluralismo nem variedade simultânea e sem variação no espaço e no tempo.
Os homens estão no Mundo unidos por relações orgânicas, mútuas de colaboração e dependência. Por natureza somos sociais, quer dizer, destinados a viver com os outros homens, por impulso espontâneo de um instinto profundo.
E só em sociedade e pela sociedade o homem, pode realizar a sua condição humana. E portador de virtualidades latentes que só no ambiente social desabrocham e podem chegar à plenitude. A sua cultura e a expansão da personalidade estão assim na dependência das riquezas naturais e sociais que envolvem o seu ser e o seu destino. E porque assim é, porque só no meio social e através dele realiza plenamente a sua humanidade, o homem deve ser educado para o desempenho dos seus deveres sociais, e a educação será, de si mesma, uma adaptação social.
De todos os grupos em que a sua vida se insere, a comunidade nacional é a que mais o penetra e condiciona o seu ser, a que mais fundamente se inscreve na formação da sua personalidade. Nesse ambiente que logo encontra ao nascer, sem liberdade de escolha, que o envolve de perto e sem. cessar e insensivelmente o afeiçoa, recolhe os elementos que fecundam as possibilidades latentes com que veio para o Mundo. A educação há-de ter em conta as particularidades desse ambiente para que o homem, através da boa integração no quadro nacional, valorize as suas riquezas próprias e sirva e enriqueça a comunidade que o agasalha e o alimenta do seu ser, numa reciprocidade indissolúvel de mútuos benefícios.
São de duas ordens os elementos que no meio nacional modelam e condicionam o corpo e a alma dos que ali nascem e crescem. Uns culturais, obra do homem e na maior parte criação da sua liberdade. Outros naturais e de maior pressão determinista - dominantemente a terra e o san-

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gue, o factor geográfico e biológico. Aliás, elementos que se cruzam numa interpenetração onde muitas vezes não é fácil destrinçar a interferência de cada um. A cultura é o património espiritual que um povo através das gerações foi lentamente arrecadando e enriquecendo e onde mais vivamente se projecta a originalidade do seu génio e se reflectem as vicissitudes da sua história.
Por isso também é a herança cultural o que melhor caracteriza e extrema as nações. E pode até dizer-se que é na unidade e especificidade de uma cultura que se funda a nação, cuja alma é a consciência de destinos comuns a realizarem-se na história.
Da terra e do sangue que já tão vivamente impregnou a cultura também dependemos por vínculos vigorosos e fundos.
Dependemos da terra, que é donde nos vem a seiva da vida, que cria a nossa carne com a sua carne e à semelhança da sua carne, por uma perene transfusão do seu ser. E que assim como faz o nosso corpo, modela a nossa alma, porque toda a sua fisionomia se espelha no nosso mundo espiritual: o seu clima, os seus relevos, a sua paisagem, a sua vegetação, a sua bruma melancólica ou a alegria radiosa do seu sol.
Dependemos do sangue, nós, que somos o prolongamento dos nossos pais. Nós, um elo da grande cadeia das gerações.
Cada grei representa um encadeamento de esforços, uma cooperação sucessiva de vontades, uma tradição. E o homem não é mais que o usufrutuário dessa herança acumulada de pais a filhos. Todo o passado da nossa raça revive em nós, na nossa fisionomia, nos nossos actos, na nossa vida espiritual. É na terra dos túmulos que mergulham as raízes criadoras do nosso ser. Delas haurimos a seiva fecunda que alimenta a nossa vida.
Renascem em nós os mortos, com as suas ideias, as suas crenças, os seus sentimentos. São as suas vozes que nos comandam. «Lês vivants sont gouvernés par lês morts» - clamava sabiamente Augusto Comte.
Dependemos da terra e da grei na perpétua criação das suas núpcias abençoadas, na sua perene comunhão de afectos e de energias.
Porque, se a nossa terra tem para nós um sentido profundo, que as outras não têm, é porque ela foi já a terra dos nossos pais. Ali tiveram eles o seu berço. Ali viveram e sofreram. Ali descansam em paz os seus restos sagrados.
E assim como já a terra se projectou neles, na mesma os alimentou do seu ser e os criou também, como a nós, à sua imagem e semelhança, assim eles retribuíram à terra, em bênçãos e carinhos, o seu amor maternal. A cada canto sentimos o produto do seu trabalho, a criação do seu amor, o suor derramado dos seus esforços: nos templos e nos monumentos, nas cidades e nos campos, nos troncos seculares das árvores, cujo fremento as suas mãos confiaram ao solo criador.
Assim, o homem aparece carregado de vínculos que encadeiam, os vínculos sagrados da terra, do sangue e da cultura. E o homem só é homem se aceita nobremente a sua dependência, se reconhece a sua subordinação, submetendo-se à sua terra e aos seus mortos, ao património espiritual da Nação.
É essa a lição profunda dos Déracinés, como é a lição perene e soberana da vida. Porque só através desses laços, raízes permanentes da sua vida, é que o homem realiza plenamente o seu desenvolvimento espiritual. Só assim, na harmonia com as forças que o criaram, é que o homem se possui inteiramente. Só assim, recolhendo no húmus do passado a seiva elaborada pela longa experiência das gerações, é que ele toma consciência das forças secretas que o habitam e o trabalham.
O homem isolado é como o roble arrancado do solo. Só vinculado à sua terra, aos seus mortos e ao ambiente cultural o homem se compreende e o seu frágil destino individual toma um sentido profundo e uma finalidade mais alta.
Perante a nossa dependência é que sentimos a nossa força. E aceitando as cadeias que o homem ascende e se enobrece.
Apaga-se a «pobre criatura transitória» para se exceder a si próprio, integrando-se na família, na raça, na vida perpétua das gerações.
Pela subordinação é que o homem satisfaz a sua ânsia de durar, à sua nobre sede de imortalidade.
Com razão cantava a inspiração profunda de António Sardinha, o poeta das suas ideias:

Porque os limites doces que me imponho
Dão consistência às asas do meu sonho
E ajudam-me a subir ainda mais

Submisso ao passado, o homem prolonga-se no futuro, revivendo nos seus descendentes, como já nele próprio reviveram os seus antepassados.
E como o roble, subirá tanto mais alto e com tanto mais arrojo no espaço quanto mais fundas e mais vigorosas forem as raízes que o amarrem à terra criadora, donde provém.
Sr. Presidente: não hei-de sair desta tribuna sem dizer algumas palavras mais.
Primeiro, para aqui proclamar alta relevância, o significado nacional e histórico do grande interesse que o problema educativo suscitou, nesta hora, entre nós e do sentido construtivo com que está a ser considerado pelos altos dirigentes, em ordem à sua solução - uma solução ampla e acertadamente estruturada e tão rapidamente quanto o poderão consentir as realidades condicionantes da presente conjuntura nacional e a devida ponderação e complexidade do problema e dos problemas que envolve, das suas múltiplas incidências e implicações.
Olhando das grandes altitudes e numa rasgada perspectiva histórica, para que as coisas se projectem no contexto do espaço e na trajectória do tempo; para que se distinga o essencial do acidental e do contingente e o permanente do efémero e do transitório, para que os olhos se não enleiem no pormenor ou em visões unilaterais ou parcelares ou deformadas e tudo, seja considerado e tudo situado no seu lugar e proporcionalmente, numa ampla visão de conjunto - como é preciso para o julgamento valorativo, razoado e justo, de uma época; olhando, assim, de um ponto de vista adequado, podemos bem proclamar, sem nenhuma dúvida e sem sobrevalorização, que é verdadeiramente grandiosa e imponente a obra reconstrutiva e criadora realizada em Portugal, no grande ciclo histórico em que entramos a seguir ao levante de Maio. Grandiosa e imponente pelo seu volume e muito mais pelo seu significado histórico, verdadeiramente transcendente.
Mas, ainda que grandiosa, obra que tem, como toda a obra humana, as suas sombras e deficiências. Todo o esforço do homem padece desta tara insanável - a imperfeição. O nosso ideal há-de sempre macular-se na encarnação.
Sempre o ouro humano andará aliado à ganga VII das escórias. Nunca o homem poderá, na sua condição temporal, libertar-se do barro das suas misérias nem na sua obra deixarem de projectar-se as misérias do seu barro.
E também a obra do homem, de par com as imperfeições da sua natureza, há-de sempre ressentir-se da limitação dos seus meios e das possibilidades de que dispõe.

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Na nossa obra avulta, entre as máculas mais vivas e as deficiências mais relevantes, a situação do nosso ensino e do nosso sistema educacional - insuficiente nas dimensões, antiquado nos métodos e conceitos pedagógicos, em muitos aspectos indefinido ou mal orientado relativamente aos fins superiores da educação e ao ideal educativo.
Não que não sejam importantes as realizações promovidas no sector da educação, e sobretudo as de ordem quantitativa. Mas, tudo longe da revisão profunda e integral, da reforma rasgada e saudável, que se impunha nesta hora alta de restauração e de engrandecimento nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Olha-se, agora, decididamente para a solução do magno problema e, seguros das possibilidades, da eficiência e da força criadora do regime, já tantas vezes e tão exuberantemente provadas, seguros podemos também estar de que o problema será dominado e plenamente resolvido, seguros de que vamos também ganhar a grande batalha da educação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fundamentalmente só há duas vias para reformar e melhorar o Mundo: uma é reformar o homem, a outra as instituições. E velha a divergência e a disputa sobre a preferência a dar aos caminhos sugeridos nas pontas deste dilema. E, enquanto uns dizem: dirijamo-nos primeiro aos homens, outros apregoam: melhoremos as instituições.
Visões unilaterais, porque o verdadeiro caminho será agir ao mesmo tempo sobre as instituições e o homem, duas realidades solidárias e indissociáveis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse em tempos aqui, e não será de mais repisar: o valor dos homens influi, sem dúvida, no funcionamento das instituições, mas as instituições influem fundamente e, porventura, ainda mais sobre os homens - no valor e no rendimento dos homens. Influem no valor, porque através das instituições se formam, em grande parte, os homens, se estruturam sentimentos e hábitos. E há instituições que melhoram e enriquecem o homem e outras que o diminuem e o corrompem. Influem no rendimento do homem porque para os mesmos homens, tal como são em cada lugar e em cada tempo, há instituições que apoucam e outras que favorecem o rendimento humano.
No nosso esforço de renovação, temos até agora olhado preferentemente o problema das instituições, ainda que sem descurar a valorização e melhoramento do homem. E a mostrar o valor das instituições está aí patentemente o balanço da nossa obra.
Porque à estrutura demo-parlamentar e ao espírito de partido - fautor de disputas e divisões no seio da Nação, fundamento de um poder instável, precário, dependente dos interesses e das visões partidárias e de uma política dominantemente absorvida nas lutas pelo poder; porque à estrutura demo-parlamentar e ao espírito de partido substituímos a visão nacional dos problemas e instituímos um poder unificador, promotor da coesão nacional, estável e contínuo, dispondo de tempo para os grandes desígnios e grandes realizações, sobranceiro às querelas e interesses de facções e com intenção e possibilidades de se consagrar ao serviço do bem comum; porque reformámos, em fundamentos sadios, a nossa organização política e criámos instituições adequadas a uma política eficiente nos meios e convenientes nos fins, pudemos promover a obra gigantesca que está aí a caracterizar uma das épocas mais fecundas e criadoras da nossa vida quase milenária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Voltamo-nos agora decididamente para a consideração da outra face do labor da nossa revolução construtiva - a valorização do homem pela educação, uma formação que assegure, com plena expansão da sua personalidade, o melhor rendimento no plano social e nacional.
Assim se amplia e completa o programa do nosso esforço, se ampliam e completam os aspectos da nossa obra. E, por isso, digo que esta hora e a empresa que iniciamos tem vasto alcance e significado transcendente na história da Revolução, vasto alcance e significado transcendente para a vida e o futuro da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, para encerrar, algumas palavras de homenagem.
E estas dirigidas aos que promoveram este movimento esperançoso.
Entre todos distingo os que conceberam e apresentaram a problemática deste aviso prévio, particularizando o Prof. Nunes de Oliveira.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, acima de todos, aponto o Sr. Ministro da Educação Nacional, que, tão abertamente e tão esclarecidamente, assume a iniciativa e o comando deste grande desígnio nacional.
As exposições que S. Ex.ª dirigiu ao País sobre o problema dão bem a medida do seu interesse, da sua decisão, da sua capacidade para a grande tarefa.
Nelas se projectam vivamente as feições bem vincadas de um espírito superior - inteligência lúcida, disciplina mental, equilíbrio e saudável formação espiritual.
Inteligência lúcida, na clareza das ideias e na visão clara dos problemas. Disciplina mental, na sua perfeita ordenação, metódica e proporcionada. Equilíbrio e boa formação, na definição das linhas mestras da grande reforma que vai empreender - visão integral do sistema educativo, articulação unitária de todos os seus aspectos, subordinação a uma justa hierarquia de valores, com proclamação do primado do espírito, e reconhecimento da importância dos escóis e necessidade de assegurar a sua formação.
Prossiga Sr. Ministro no seu alto propósito e prossiga na linha que tão superiormente definiu, dando-se com amor e sentido de missão à obra grandiosa que se propõe realizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ficará a sua passagem no Governo como alta chama de espírito a projectar-se luminosamente e criadoramente no tempo.
E o seu vulto há-de erguer-se na história como um dos grandes obreiros do nosso renascimento e com um dos títulos que mais pode engrandecer um homem e enobrecer uma vida humana. Ficará, verdadeiramente, um grande construtor de futuro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Sr. Presidente: subi a esta tribuna, não porque tivesse qualquer coisa de construtivo a trazer ao debate que nos ocupa, mas porque entendi, em consciência, ser já tempo de alguém ter a coragem de dizer duas verdades amargas sobre o assunto.
Não tencionava intervir no aviso prévio e dessa decisão dei conhecimento aos meus distintos colegas que dele tomaram a iniciativa. Era ela ditada, melancolicamente ditada, pelo cepticismo profundo que de há anos se me vem arraigando no espírito, vendo forcada a actuar na mais mortal das rotinas, na mais letárgica inanidade, a máquina oficial com que se pretende levar a cabo a tarefa de educar os jovens portugueses para as tremendas e grandiosas responsabilidades do futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: peco a V. Ex.ª, em quem me habituei a admirar a inteligência excelsa do professor, o carácter impoluto e a nobilíssima isenção do homem público, que seja intérprete perante todos quantos possam ver nas minhas palavras uma censura pessoal da solene afirmação de que não há nelas a mais ténue preocupação de atingir personalidades, discutidas ou discutíveis, o mais insignificante propósito de «fazer política» a favor ou contra seja quem for, porque poderia até supor-se o impossível e que o próprio nome de V. Ex.ª, que foi Ministro ilustre da pasta da Educação Nacional, onde ainda preside, com notória e indiscutível elevação, ao mais importante dos seus órgãos de orientação superior, fosse envolvido nas alusões que alguns não deixarão de entrever nas palavras que vou pronunciar.
Desde já repilo a insinuação inevitável, reiterando ao Sr. Presidente do Conselho a grata admiração do português que se orgulha do privilégio de poder servir Portugal sob a sua alta orientação.
É nessa missão de serviço que diariamente vivo. É essa consciência ainda que aqui me traz a proferir palavras que muitos julgarão desrespeitosas e inoportunas, e todavia são a substância da verdade que não posso calar em mim, e é preciso que para dignidade da Câmara alguém tenha o desassombro de proclamar.
Proferiram-se aqui muitos discursos que honram os seus autores e, testemunhando da seriedade com que nesta Casa se abordam os problemas, reflectem também as justas preocupações dos pais, dos educadores, dos moralistas e dos dirigentes das actividades económicas e sociais.
Passaram-se em revista, que só não foi exaustiva porque o tempo e a natureza complexa dos assuntos o não permitiram, inúmeros aspectos da educação em Portugal, desde os vários graus do ensino oficial e particular, até às incidências do progresso técnico sobre a formação moral dos jovens de ambos os sexos.
Pareceu-me todavia a mim, a partir do momento em que o Governo anunciara o início dos trabalhos de planeamento de uma reforma geral do ensino e distribuíra as matérias por especialistas idóneos, que nada se ganharia em repetir à saciedade aquilo que o Governo decerto melhor que ninguém sabia, e se dispunha a estudar de forma definitiva. Havia que aguardar pacientemente as declarações públicas autorizadas para delas extrair uma ideia sobre o âmbito exacto da investigação iniciada, os seus princípios orientadores, os métodos da análise sociológica indispensável, os objectivos sociais próximos e remotos a alcançar, os prazos a ter em conta, os meios financeiras necessários à elaboração dos estudos preliminares e a sua rápida publicação para esclarecimento do País - numa palavra, os pressupostos de uma planificação séria, mesmo dentro da relativa modéstia que as nossas circunstâncias actuais recomendam e até impõem.
O País, porém, continua a aguardar pacientemente. Será talvez cedo. Mas começa a desconfiar, e eu com ele, de que baixou sobre as actividades da comissão de planeamento uma espessa, inexplicável cortina, não direi de ferro, mas de fumo, que nos deixa a todos na maior perplexidade.
De que se trata afinal?
Da revolução educativa, cujo frémito inicial se sentiu há anos com a campanha de alfabetização e educação de adultos tão cedo interrompida?
Vamos procurar, de facto, definir os objectivos de uma educação moral, intelectual e profissional para os portugueses de todos os continentes? Para os que hoje entram na escola e hão-de querer sentir o orgulho de serem portugueses ao atingirem a maioridade, nesse mundo misterioso, fantástico e imprevisível de 1980?
Vamos, efectivamente, lançar mãos à obra. fazer exame geral à consciência colectiva e começar a estudar para podermos finalmente prever, definir, pensar e decidir?
Ou preferiremos deixarmo-nos soçobrar no mundo de amanhã, vítimas do atraso sonolento, da mediocridade imaginativa, da estreiteza de visão de que todos seremos depois culpados?...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O mundo misterioso, fantástico e imprevisível de 1980 ...
Mas 1980, Sr. Presidente, é já amanhã. Amanhã seremos não 20, mas 40 milhões. Amanhã teremos reduzido a zero a taxa de analfabetismo, as nossas escolas serão colmeias multirraciais cuja gama cromática e variedade de falares acompanhará naturalmente a unidade de sentimento e a expressão linguística comum. Amanhã continuaremos a ter por vizinhos povos negros evoluídos, já talvez estabilizados e talvez ainda inimigos, que se rirão de nós se os não ultrapassarmos no ímpeto civilizador, no forte querer que foi sempre timbre da lusitanidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ou seremos, num mundo que caminha a passos largos para formas ainda mal definidas mas inevitáveis de unidade económica e talvez política, parceiros envergonhados, parentes pobres, europeus de terceira classe?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se o tema educativo ocupa hoje espaço cada vez maior nos planos nacionais de desenvolvimento de todos os países, ele é para nós de uma premência dramática e vital.
Não basta termos os recursos físicos e militares para defendermos o património herdado: é necessário que o Mundo se capacite de que somos dignos de o reter, integrado na própria alma.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Uma educação nacional, no Portugal de hoje, tem de partir da definição global não do que somos apenas, mas daquilo que queremos ser.
A um plano nacional de educação devem presidir conceitos fundamentais sobre o que é ser português, e a que

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procuraremos dar formulação actualizada, envolvente e dinamizante. Não se pode ser português integral na defesa, na política e na administração, e ser-se só meio português na educação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estas premissas impõem desde já a necessidade de não cometer o pecado antinacional de formular soluções apenas metropolitanas ou soluções metropolitanas automaticamente aplicadas às províncias ultramarinas, seja por inércia seja por vício orgânico. Uma educação nacional implicará, portanto, hoje, um sério estudo da situação geral, dos fins nacionais a atingir, dos meios financeiros e dos órgãos burocráticos adequados para os realizar a prazo mais ou menos curto. Parece que, nestas circunstâncias, haverá que começar por um exame das actuais estruturas que servem os fins nacionais na educação.
O Ministério da Educação não se encontra em situação de poder servir de base para qualquer planificação séria. Dividido em quatro direcções-gerais, para o ensino primário, liceal, técnico profissional e superior, e servido por quatro inspecções superiores (ensino primário, liceal, particular e bibliotecas), um órgão disciplinar e pedagógico (a C. P. A. E.) e outro órgão geral orientador (a J. N. E.) ambos consultivos, o Ministério da Educação Nacional está há muitos anos desactualizado na sua estrutura burocrática...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e apesar do congestionamento das escolas, onde o número dos alunos triplicou e o dos professores aumentou enormemente, permanece com as repartições de há dez, quinze e vinte anos, com um pessoal assoberbado de trabalho, reduzido à simples função de accionar a pesada máquina, irremediavelmente incapaz de qualquer esforço de actualização no ritmo, na qualidade, na consciência viva dos problemas.
Perdõem-se-me as generalizações apressadas que não envolvem desprimor para a qualidade pessoal dos altos funcionários, alguns dos melhores que temos, que aguentam o embate directo dos problemas e lhes vão dando a solução provisória que só aumenta a desfavorável reacção pública.
À parte o surto efémero da reforma do ensino técnico e da campanha de alfabetização, da actividade criadora dos serviços raras propostas chegam à concretização do Diário do Governo, com grave injustiça para o laborioso e atento escrúpulo desses mesmos serviços. Deste modo, não há talento, saber, entusiasmo para a acção, que resistam a este persistente estrangulamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O órgão central que legisla, fiscaliza, orienta e controla tudo quanto respeita à educação sofre de carências anacrónicas inacreditáveis:

1) Não há uma biblioteca central especializada de educação que sirva funcionários e professores;
2) Não há um serviço privativo de estatística escolar;
3) Não há um serviço de relações exteriores, não só com os outros países como com os inúmeros organismos internacionais interessados no nosso desenvolvimento escolar e cultural;
4) Não há uma comissão permanente de orientação pedagógica;
5) Não há um corpo de inspectores que efectivamente funcione num plano pedagógico;
6) Não há imensas coisas que devia haver, e seria fastidioso enumerar. (Risos).

As exposições que tivemos o gosto de ouvir nesta Assembleia puseram o dedo em inúmeras feridas e deram justo relevo às preocupações dos professores e das famílias.
Uma das queixas mais insistentes respeita à composição do corpo docente e à insuficiência dos quadros efectivos.
Eis aí um gravíssimo, problema que parece eternizar-se entre nós.
Vivemos efectivamente num regime singular de pessoal - chame-se ele eventual, provisório ou agregado - em proporção muitíssimo superior ao pessoal docente efectivo. Isto quer dizer que o Estado se encontra enleado numa imperdoável contradição interna, porque de duas uma: ou se exige de mais para chegar à efectividade, ou a qualidade do ensino é desprezada por esse mesmo Estado, ao permitir a invasão dos eventuais não qualificados, ele que tão rigoroso se mostra. a exigir qualificações para o exercício pleno da profissão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É francamente desolador que tenhamos de nos resignar ao aproveitamento de material inferior e não criemos estímulos a uma profissão nobre e socialmente imprescindível.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A situação é idêntica em todos os graus de ensino. No primário, o recurso aos regentes escolares não devia ter-se prolongado por mais de cinco ou dez anos, depois dos quais cursos intensivos de habilitação permitiriam a absorção, pura e simples nos quadros desses estimáveis membros da colectividade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nos liceus e no ensino técnico, continuamos a fechar os ouvidos às queixas dos interessados, a quem se negam as regalias que o Estado, ele próprio mau patrão, reclama das empresas particulares para os seus funcionários e trabalhadores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No ensino superior, andamos no regime dos assistentes fora do quadro, e esse data muitas vezes da época da fundação das próprias escolas. No que respeita a funcionamento, este regime traz as maiores irregularidades à vida universitária, prejudica o ensino, afugenta os mais classificados, perturba a investigação e o acesso académico.
Encontramo-nos, assim, perante um panorama desolador de desorganização instalada no âmago do executivo, que vai repercutir-se, em ondas concêntricas, por todo o vasto sistema, imagem fiel desta vasta confusão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - In principio erat chãos... (Risos).
Mas também era ... a verba, na consagrada facécia popular.
Porque tudo isto assenta, por sua vez, na realidade omnipresente de uma hierarquia que em tudo o mais deu maravilhosos resultados, mas me parece aqui afectar pró-

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fundamente os valores fundamentais da nossa cultura e pôr em perigo inegável a nossa sobrevivência como povo civilizado.
Porque uma administração não pode exercer-se apenas nas perspectivas do desenvolvimento económico, capaz de garantir mesa farta, boas digestões e ócios divertidos a um número cada vez maior de portugueses; não pode ter em vista apenas a defesa física do território e vigiar o aumento da riqueza material.
Aceitaríamos assim a atitude suicida de quem cegamente pretende alimentar-se com os germes da própria destruição,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... quando ignoramos ou subestimamos os valores da cultura que nos cumpre transmitir, ou quando verificamos que a seiva espiritual de que se tem alimentado a grei é agora incapaz de subir até à última folha da árvore pelas raízes ressequidas do tronco milenário.
Os Ministros das Finanças - e eu presto as minhas homenagens a todos quantos desde o início têm sofrido o calvário insano da defesa da moeda e do equilíbrio da Administração - não podem ser os exclusivos juizes do ritmo de crescimento da tarefa educativa, porque esta coloca-se precisamente a par dos mais prementes problemas - da defesa militar e da defesa económica, direi mais, é condição sine qua non da viabilidade e perdurabilidade de ambas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim chegamos à situação parodoxal de o Ministério da Educação Nacional se ver praticamente privado do poder de iniciativa, como Ministério proletário que há muito tempo é, ao passo que os Ministérios ricos, que dispõem de fundos próprios, verificando a forçada inércia daquela Secretaria de Estado, naturalmente reagem para satisfação de necessidades próprias ou gerais, tomando a iniciativa de cursos de toda a espécie e aumentando assim, na melhor das intenções, a confusão geral. Assistimos assim a um movimento inverso daquele que há vinte anos se tornou necessário, de concentração no Campo de Santana de serviços de ensino até então dispersos por outros Ministérios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A atender todas as sugestões e desejos manifestados, teremos em breve verdadeiros sistemas escolares na Presidência do Conselho e nas pastas da Educação, do Ultramar, do Exército, da Marinha, das Corporações, da Saúde, da Justiça, da Economia. (Risos).

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Só!?

O Orador: - Não duvido de que haja plena justificação para certos tipos especiais de ensino e formação profissional. Obrigado a falar em termos muito gerais, pretendo apenas salientar a progressiva subalternização do Ministério da Educação Nacional na matéria que é especificamente sua. E que essa subalternização deriva em grande parte da exiguidade das verbas orçamentadas para o funcionamento normal dos seus serviços ou para permitir o reajustamento periódico de estruturas que outros países consideram axiomático.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não admira por isso que os organismos se ossifiquem numa rotina exasperante, que as instituições se desvitalizem, que se perca no aluno o gosto de aprender, no professor o de ensinar e de estudar. Vivemos sob o signo do Ersatz, do professor barato, semiformado, utilitário, saldo de fim de estação (risos); ei-lo a correr, ofegante para o segundo e terceiro empregos que lhe garantam um mínimo de suficiência, porque o Estado não pode gastar mais com a educação, e só paga férias ao fim de uns tantos anos e muitos e variados concursos; pronto a fugir para uma actividade particular logo que aviste nicho mais cómodo e abrigado.
E o que se diz dos professores repete-se com os contínuos, os aspirantes, os chefes de secção, os altos funcionários, abrindo vazios periódicos que fazem cabelos brancos aos responsáveis pela direcção dos estabelecimentos e transformam o que antigamente era distinção apetecida num posto de sacrifício inglório, sem honra nem proveito.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O resultado é que, no momento em que a necessidade de aumentarmos o escol intelectual do País se torna dramaticamente evidente, é que se observa a fuga sistemática à carreira universitária de todos quantos podem cá fora encontrar actividade mais bem remunerada.
Pois bem. Vamos ter agora um Plano Nacional de Educação. Mas reflectiu-se bem no que isto significa? Diga-se desde já: o País não toleraria, em matéria de tão profundas repercussões na vida e no futuro da Nação, um arremedo de plano, um pseudoplano ou um infraplano que tornasse caricata a própria noção de plano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nem o regime se prestigiaria, como convém. A primeira tarefa consiste em planear o próprio planeamento numa ampla base nacional, para além do Ministério da Educação Nacional, que seria no entanto o seu órgão executivo, e para o qual se tornaria indispensável a representação e colaboração permanentes da Presidência do Conselho, onde funcionaria a comissão central, do Ministério do Ultramar e dos governos das províncias ultramarinas, dos Ministérios do Exército, da Marulha, do Interior, da Justiça, das Corporações e Previdência Social, da Saúde e Assistência, das Finanças, das Obras Públicas e da Economia.

O Sr. Martins da Cruz: - Muito bem!

O Orador: - A estes agregar-se-iam representantes da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa, da Igreja, da Universidade, das Corporações do Comércio, da Indústria, da Lavoura e das actividades económicas do ultramar, assim como da Mocidade Portuguesa, da Mocidade Portuguesa Feminina e dos pais de família, dos professores do ensino particular, das Misericórdias, das juntas distritais e de todas as entidades cuja intervenção pudesse esclarecer qualquer aspecto a considerar.
A comissão executiva, apoiada no Instituto Nacional de Estatística, teria poderes para mandar proceder a uma série prolongada de inquéritos e sondagens, tomando para modelo os relatórios frequentemente dimanados dos órgãos nacionais executivos de muitos outros países.

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Entretanto, o para dar ao debate a amplitude nacional de que deveria revestir-se, a comissão poria à consideração do País, através das sessões periódicas de um congresso de educação nacional, os problemas mais candentes, apontando as soluções possíveis lá fora já propostas ou postas em prática, a fim de se estudar, sobre os dados estatísticos recolhidos, a solução mais conveniente, em função do crescimento demográfico e do desenvolvimento económico, mas sobretudo em função das exigências do futuro que queremos construir e havemos de construir para os nossos filhos, em nome do imperativo moral recebido das gerações.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Tenho acompanhado, como, aliás, toda a Câmara, o muito bem estruturado trabalho de V. Ex.ª e todos estamos convencidos da magnífica intenção que anima o espírito de V. Ex.ª Parece-me que lá para trás V. Ex.ª referiu-se ao de leve, como, aliás, convinha, a um problema que se me afigura de importância capital. Não posso naturalmente referir estatísticas, mas de certo modo posso garantir que no resto da África actualmente soit-disant independente assiste-se a um movimento intenso de educação em massa das populações.
Escusado será dizer que a orientação dessa educação, pelo menos por enquanto, não pode ser favorável aos Portugueses. Por isso creio que temos realmente de estugar o passo para que não sejamos ultrapassados dentro um breve. Não tenho dúvida alguma de que no passado (e passado bem recente) nós fomos sem dúvida alguma, repito, os que melhor trabalhámos para a educação das populações ultramarinas, mas a verdade é que agora assistimos a um caminhar muito lento, em face do novo condicionalismo que o mundo político nos oferece.
Quero felicitar V. Ex.ª não só pela sugestão que deu como por ter-me proporcionado a oportunidade de alto e bom som também exprimir as minhas preocupações a respeito e chamar a atenção do Governo para esse problema, que se me afigura merecedor de uma atenção apurada e rápida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que a Nigéria, ao tratar do seu problema educativo, pediu a Sir Eric Ashby, uma das maiores figuras universitárias de Inglaterra, que presidisse a uma comissão para esse efeito. Elaborou um relatório intitulado «Investment in Education», que, partindo do ensino universitário, concluía não ser possível fazer obra de monta som se proceder a uma reforma geral do ensino. Sei que em Angola e Moçambique e em outras províncias ultramarinas se está a trabalhar, e muito bem, em certos aspectos. Simplesmente quis focar aqui a desarticulação total em que vivemos.

O Sr. Burity da Silva: - Eu não posso deixar de prestar também a minha inteira concordância, relativamente às preocupações que V. Ex.ª manifestou em relação ao nosso problema, do ensino. Problema que tem, realmente, aspectos muito sérios, em face da evolução do ensino que verificamos hoje em toda a parte, e muito especialmente em África. Mas seria injusto comigo mesmo se não deixasse aqui uma palavra de estímulo, de apoio, pelo esforço tremendo e pela grande vontade que se verifica em Angola no sector do ensino, para se dar uma maior aceleração, esforço que, apesar das nossas deficiências, das nossas dificuldades, da necessidade imperiosa de se estruturar em formas mais adequadas à época, não deve ser ignorado.
Pude constatar isso ainda há um ano, quando fui a Angola. E verifiquei, realmente, que há uma vontade enorme e se está a trabalhar intensamente no campo do ensino. As minhas preocupações são as de V. Ex.ª e as da Nação. Temos de actualizar-nos, temos, realmente, de acompanhar a evolução do Mundo no ensino, temos de adaptar as normas de ensino aos processos que já fizeram escola em relação ao ensino no ultramar. O nosso esforço é grande, mas tem de ser muito maior e ter em atenção, acompanhando-as de perto, as estruturas do ensino.

O Orador: - É algo de parecido com isto que se pretende fazer? Se é, por que se cala esse propósito? Se não é, para que iludir o País e as gerações novas que neste momento dão tudo, na dor da renúncia e na alegria de um sacrifício plenamente aceite, do qual seria sacrílego escarnecer? Que futuro vamos nós construir para esses rapazes que viram «claramente vista» a verdadeira dimensão espiritual e física do mundo luso-tropical, integrado na harmonia da tradição cristã com a doce, amorosa familiaridade portuguesa? Que garantias vamos oferecer às multidões nativas, legitimamente ávidas de promoção social através da educação, como aquela que em Angola eu VI em demonstração de afecto, que foi como que diástole da sístole do Terreiro do Paço, naquela tarde inesquecível de 27 de Agosto?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portugal ergue-se em armas para defender-se a si e à civilização. Mas o esforço ingente que a providência de nós reclama só terá sentido se for total. A economia não pode ficar atrás da defesa, nem a educação pode ficar atrás de uma ou de outra. Espada e charrua hão-de ser conduzidas por cérebros apetrechados de todas as noções e capacidades desejáveis, mas informados por um espírito sadiamente integrado na compreensão dos valores sobrenaturais e terrenos que conscientemente aceita e o conduzem na acção.
A mobilização do País para a educação torna-se assim uma tarefa inadiável. Mas uma mobilização cautelosamente preparada. É preciso pensar - mas primeiro é preciso ter sobre que pensar. Ora o pensamento que não incida sobre generalidades e abstracções, ao tratar de matéria social tão delicada como esta, tem de exercer-se sobre realidades averiguadas; e entre nós está praticamente tudo por averiguar.
Pensar assim é levar a inteligência a actuar no vácuo, exibir perante o País maravilhado jogos florais e fogos de Bengala, sem a menor incidência sobre os dados concretos deste angustioso problema nacional.
Num país em que não há estatística escolar, nem professores bastantes, e em que mesmo esses poucos fogem da profissão em busca do mínimo que ela lhes não dá; onde não existe literatura pedagógica nem debate público e o divórcio entre a escola e a sociedade atingiu proporções abismais; num país em que não há investigação nem experimentação pedagógicas e há dezassete anos se fala naquela manhã de nevoeiro em que há-de ser criado o Instituto Superior de Ciências Pedagógicas; em que passam decénios sem que as estruturas oficiais se ajustem às modifica-

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coes da sociedade, se escravizam gerações inteiras a planos ultrapassados e nocivos é se submete ao traumatismo psicológico de um exame de admissão inadmissível...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... - na matéria, nos métodos, na atitude professoral, na terminologia rebarbativa - dezenas de milhares de crianças de 11 anos; num país em que não há psicologia, nem pedagogia, nem inspecções, nem manuais, nem bibliotecas, em que as ideias são ideias feitas ou semi-ideias; em que uns organismos surgem nados mortos, outros morreram há muito e continuam de pé, exibindo na máscara cadavérica de uma vida artificial a sua incontestável morte civil..., que sentido pode ter o anúncio de um plano nacional de educação?...
Quando há dois anos aqui apontei a necessidade desse plano, longe estava eu de supor que ele viria a ser tão deficientemente interpretado. Tinha então em mente qualquer coisa que surgisse, pelo menos, com dignidade idêntica a um plano de fomento, para o qual se não regateassem nem pessoal nem verbas, e fosse, sobretudo, um plano financeiro preliminar, distribuído por vários anos, e sem o qual o outro, o plano educativo, estaria de antemão condenado ao insucesso.
Confessemos que, apesar do grandioso volume das realizações materiais, sobretudo na construção de edifícios, e à excepção de um ou outro sector confiado a destacadas personalidades - que as há -, não temos tido uma política educacional.
O Ministério das Obras Públicas, como máquina eficientíssima que é, cumpre exemplarmente os seus programas de construção;...

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - ... e muitas vezes se dá o caso de as Obras Públicas terem já construído edifícios para instituições que a Educação Nacional não sabe bem ainda a quem vai entregar ou como vão funcionar - vejam-se os edifícios dos restaurantes e convívio e o estádio universitário.
Por outro lado, zonas há que ficaram totalmente abandonadas ou, se existem, não passaram do estado embrionário - como o ensino dos anormais, dos inadaptados, dos retardados. Legislamos em massa para a massa e desconhecemos exigências individuais que noutros países são objecto de particulares cuidados.
Ignoramos a vida familiar dos alunos, os ambientes de crise que em tanta criança geram psicoses desprezadas; mas ninguém pensou ainda em criar um serviço de assistência social que estabeleça a ligação entre a escola, a família e a sociedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entregámos à Igreja a disciplina de Moral e de Religião, e de consciência tranquila passámos adiante como se tivéssemos cumprido tudo quanto era de exigir de um Estado que se preza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, quiosques e conceituadas livrarias exibem panoramas altamente educativos importados às toneladas dos maiores centros gráficos dos Estados Unidos ou do Brasil; as autoridades contemplam com paternal complacência os inconformistas de 12 anos que pejam as artérias das nossas cidades pendurados em cigarros notoriamente recomendados pelas sociedades médicas do mundo inteiro; nos espectáculos públicos progride-se no combate ao preconceito pelos mais modernos métodos audio-visuais. Há quem calunie a juventude mencionando o uso de estupefacientes, mas deve tratar-se de louvável ousadia destinada a erguer-nos o nível no desconcerto das nações.
É, todavia, lamentável que a Mocidade Portuguesa tenha desprezado a educação política da juventude a tal ponto que se tornou possível a agitação estudantil de 1962, e que o espírito reivindicativo e convivial domine os ânimos juvenis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - «É preciso reformá-la», e há oito anos que os curandeiros se afadigam à procura da fórmula salvadora, como se de mera fórmula se tratasse. Aqui, como na moral e na religião, bastou criar a disciplina de Organização Política e Administrativa da Nação para ficarmos igualmente tranquilos.
Simplesmente, a quem se entrega a elaboração dos programas?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem inicia os eventualíssimos professores na didáctica dessa e de outras disciplinas?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem acompanha e orienta fora dos liceus normais a planificação das lições? Quem emite directivas? Quem ajusta, corrige, actualiza ou renova?
O milicianismo caracteriza a docência da maior parte das nossas escolas e muito particularmente do ultramar, e nada parece poder corrigir em algumas delas os desmandos do professor novato investido de uma autoridade para o exercício da qual nunca foi preparado, nem do poder discricionário de castigar no aluno a sua própria ineficiência profissional e pedagógica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os velhos professores do tempo em que havia tempo para se ser só professor, e considerar os alunos um por um (e de quantos me não recordo eu!), hão-de sentir muitas vezes arrepios com a desenvoltura das meninas que na Faculdade passaram sabe Deus como e vão para a aula com a autoridade de um académico de numero. E rara a escola secundária em que funcione a sério uma biblioteca juvenil - organizem-se as estatísticas de leitura e ver-se-á! O esforço meritório da Direcção-Geral do Ensino Primário neste campo vê-se dificultado por cortes sucessivos de verbas e ainda mais pelo dilúvio de publicações em que a imagem e a legenda substituem o estilo e a impressão intelectual.
Se passarmos aos manuais de ensino, bem claramente ficou acentuada a nocividade de alguns no que respeita ao ultramar português. Mas se quisermos caracterizar rapidamente os livros adoptados para o ensino primário, ressalvada uma ou outra excepção, há que recorrer a um superlativo bíblico - são a abominação das abominações.
Do ensino superior já me custa falar. Há anos que se verificou a ineficácia do exame de aptidão e o desperdício de energias que ele exige; há anos que se fala da necessidade de estabelecer graus inferiores à licenciatura que

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poderiam constituir a base de recrutamento para os primeiros graus do ensino.

O Sr. Alberto de Meireles: - Muito bem!

O Orador: - O congestionamento é tal que em breve regressaremos à situação em que nos encontrávamos antes da construção dos grandiosos edifícios das cidades universitárias. Mas não consta que se esteja considerando a possibilidade de criação da novos estabelecimentos de ensino superior em centros culturais importantes do País, como Braga e Évora; e mesmo nas já existentes, só Coimbra possui o órgão central em que se realiza a unidade e universalidade do saber - a biblioteca universitária.
No ultramar criaram-se os Estudos Gerais Universitários. Evidente como era a necessidade de satisfazer exigências inadiáveis de cultura e promoção social, não posso calar a suspeita de que se tenha cometido um erro grave, obedecendo a uma filosofia de educação inaceitável no seu tecnicismo exagerado, que ignora a controvérsia universal que se desenvolve à volta da antinomia das «duas culturas» e do problema da absorção da ciência e da tecnologia numa concepção moderna de humanismo integral.
No ensino do ultramar não interessa apenas a zoologia e a botânica, a medicina e a engenharia - interessa acima de tudo o homem português num ambiente português ultramarino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não deveriam, portanto, ignorar-se a filosofia,, as ciências humanas, a história da cultura, as línguas modernas. E não se diga que se criaram cursos de ciências pedagógicas - porque com essa criação apenas se agravou a situação multiplicando o erro do que na metrópole se fez e se não fez. O mesmo direi da fundação de escolas do magistério primário - reprodução exacta do que por cá se sabe reclamar reforma, e sem a menor conexão com a ambiência africana ou as peculiaridades locais da missão do professor.
Um plano nacional de educação há-de necessariamente conduzir à reestruturação da Direcção-Geral do Ensino, talvez à sua integração no Ministério da Educação Nacional, ou quanto mais não seja a formas de intimidade interministerial, de que são já magníficos exemplos o serviço nacional do ensino superior e os serviços da Mocidade Portuguesa para o ultramar.
Se passarmos aos aspectos da vida estudantil... Talvez seja melhor deixar para outra altura mais demorada consideração deste candente tema. Direi apenas que há oito anos dorme nas gavetas ministeriais o relatório sobre o princípio da residencialidade na Universidade portuguesa em que se emite opinião, creio que autorizada, sobre residências e colégios universitários.
Acompanha-o nessa sonolência irremediável o plano de inquérito às origens sociais e às necessidades materiais e culturais do estudante universitário português - ponto de partida indispensável à definição de uma política nesse campo que tantas preocupações já causou.
Sacrificou-se em tudo a qualidade. E sacrificou-se a um critério de poupança que algum dia terá sido necessidade imperiosa, mas que, tratando-se de coisa essencial, quanto não estará custando hoje ao País em rendimento diminuído de capital humano?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perdas já agora irremediáveis e que, lançadas no passivo daquela contabilidade invisível que historicamente conta mais que a outra, fariam empalidecer o financeiro mais empedernido.
Sr. Presidente: perdoe-se este mal alinhavado desabafo de um homem que ao estudo e à educação tem dado o melhor da sua existência, percorreu de olhos abertos muitos países, frequentou como aluno ou professor cinco Universidades e sente que, para além dos meros dados quantitativos que as estatísticas registam, já tem, quanto à qualidade, termos de comparação suficientes para saber exactamente onde nos encontramos em matéria de educação.
E o resultado das minhas reflexões é esta melancólica jeremiada que não posso conter, seja qual for o muro a que me encoste para entoar o meu treno de lamentação.
É possível, sim, é mesmo até provável, que eu não tenha razão. Outros, mais previdentes e sábios, terão tomado, e continuarão a tomar, as melhores decisões.
Quem poderá lançar uma pedra que seja, na ignorância das situações e das necessidades, longe das responsabilidades directas da governação, julgando no desconhecimento dos mil e um factores que influem na salvação de um povo neste século de soturnos perigos e inomináveis terrores? Quereria apenas que se atendesse às realidades substanciais e, sem desdenhar de aparências ematerialidades secundárias, reclamar maior respeito pela tradição moral em que crescemos. Se para haver bons professores é preciso gastar mais, pois construa-se com menos espavento. Gabemo-nos da qualidade do ensino que não da grandiosidade dos edifícios, onde os mármores não substituem o rigor crítico, nem as colunatas a ausência de idoneidade científica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O dinamismo interior da escola reside no perpétuo diálogo entre professor e aluno, que às vezes atingirá vibração maior na excelência do apetrechamento e das instalações.
Nós, os que pertencemos ao pequeno escol português, temos hoje muito que aprender e também algo que ensinar. Perante as potencialidades de um povo cujas virtudes os séculos consagraram, mas cuja riqueza intelectual jaz ainda em grande parte adormecida, cumpre-nos ser hoje, humildemente, professores de muita coisa: de língua portuguesa e de energia combativa, de ciências naturais e de vigorosa fé no futuro, de matemáticas gerais e especiais e de incansável ardor construtivo, de história e de sentido convivente e universal.
Agarrados ainda às raízes ou transplantados para onde quer que o seu destino português os levou, é nossa convicção que todos eles têm direito inalienável à superior dignidade do varão culto, do cidadão esclarecido, do homem versado na ciência do bem e do mal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto é que, para mim, é educar. Isto é que parece deveria merecer o carinho dos governantes, nesta hora turva em que uns se degradam nos abismos da traição, outros se erguem da vida efémera à vida inextinguível, e, afirmando o supremo amor da Pátria, erguem a sua maior oração a Deus.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o Professor dirá.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Teles Grilo: - Sr. Presidente: vai-se tornando cada vez mais difícil abordar o tema da educação, dadas as suas implicações com outros sectores da vida nacional, a exigir, de quem se propõe tal encargo, vasta soma de conhecimentos não só de carácter geral, como específicos da matéria. Minguados me são os primeiros, quase nulos os segundos (não apoiados), pelo que o meu depoimento necessariamente carecerá de interesse ou só o terá na medida em que VV. Ex.ªs se dignarem, com muita benevolência, apreciar o esforço, a boa vontade e a sinceridade que nele vou pôr.
Sinceridade, sobretudo. Porque é com sinceridade que os problemas ligados à nossa política educacional devem ser tratados. E com tanta sinceridade quanto é certo que todos eles, de uma forma ou de outra, mediata ou imediatamente, se prendem e gravitam em torno dessa extraordinária ideia-força, ideia-valor, que é a juventude!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quando se fala de, para ou com a juventude, não podemos nem devemos usar de embustes ou sofismas, jogar com. ela, explorá-la. Só assim evitaremos que se afirme, cada vez mais fundo, o dissídio entre os mais novos e os mais velhos e facilitaremos que entre eles se estabeleça um diálogo aberto e franco em todos os domínios da complexa vida social dos nossos dias.
Certo que essa divergência existirá sempre como fruto decorrente, inexoravelmente, da própria natureza humana; mas aos responsáveis pelos destinos dos jovens, em tudo quanto signifique orientar as suas qualidades, quase sempre dinâmicas em excesso, vigiar a sua por vezes tumultuosa gestação biológico-social, imprimir o melhor sentido às suas tendências e impulsividades, ao seu dinamismo vital, aos seus sonhos e ambições, a toda a gama das suas preferências e novas opções, e por fim aproveitar e canalizar, rumo ao tipo de cultura que mais interesse à Nação, a sua extraordinária potencialidade, dia a dia a desabrochar em poesia criadora, perenemente viçosa, empolgante! - aos responsáveis, ia dizendo, por este labor gigantesco, competirá realizar, com perseverança e nunca amolecido entusiasmo, um esforço positivo tendente a reduzir o fosso a proporções que não alarmem, usando de inteligência e bondade, de ponderação e amor, a par, como é óbvio, de indispensáveis e cada vez mais profundos conhecimentos psicotécnicos.
Esse terá de ser, fundamentalmente, o papel do educador hodierno, amarrado, sem possibilidade de fuga, a esta época de generalizada turbação, de desordem nas almas e nos espíritos, de tendência para a discussão, negação e massacre de conceitos multisseculares, de estrangulamento dos valores básicos e tradicionais que em quase dois milénios puderam estabelecer a harmonia da sociedade a que pertencemos - a esta época que, na ânsia indómita, e nem sabemos bem até que ponto legítima ou ilegítima, de provocar uma solução de continuidade na história, está, afinal, a pôr às escâncaras os prole-gómenos de uma autêntica viragem dessa mesma história!
Assim, batido impiedosamente por todos os maus ventos do pretérito, agora engrossados pelos desvairados ventos do presente, o homem a quem está confiada a nobre missão de educar só pode salvar-se, nessa qualidade, e com ele salvar as gerações de jovens que lhe forem confiadas, se puder dispor de meios técnicos, materiais e morais que, para além de fautorizarem a sua firme independência económica, tão imprescindível à eficiência do ensino, possam transformá-lo, a ele, mestre-escol a, a ele, professor liceal, a ele, lente universitário, em pedagogo consciente, possivelmente em sociólogo mais ou menos notável, e sempre num autêntico Educador, com E grande, tão interessado em fazer saborear à inteligência dos jovens, sempre ávida, irrequieta, os frutos ímpares das letras, das artes e das ciências, como preocupado em alimentar nas suas almas, sempre generosas e boas, os mais acabados ideais de cunho eminentemente cristão, em ordem à sua formação moral e profissional, à sua plasmação humana e nacional.
É esse o tipo de educação que deve ser dado à nossa juventude, o tipo de educação que deve ser exigido de todo o professor, desde o do ensino primário ao do ensino superior.
Mas, como a axiomática nos diz, ou pelo menos aconselha, que não deve solicitar-se de alguém aquilo que esse alguém não tem, não pode ou não quer dar, logo ocorre formular, em conclusão meridiana, que se vão pedir as coisas só a quem as tenha, as possa e deseje dar.
E esta conclusão sugere uma outra ordem de considerações, a implicar com o problema do recrutamento do pessoal docente, aliás já aqui tratado com tanto brilho, profundidade e saber, além de outros, pelo Sr. Deputado Dr. Olívio de Carvalho. Todavia, o diverso teor da minha exposição e os diferentes objectivos que através dela me proponho alcançar não justificarão que trilhe, a não ser muito fugazmente, e só num ou noutro ponto, os caminhos já percorridos por outros ilustres parlamentares.
Abordarei o problema em termos muito genéricos, até porque não sou técnico, mas leigo, e dos mais completos, no assunto. Anima-me um único e franco propósito: o de contribuir, na medida do possível, para alertar os responsáveis e chamar-lhes a sua esclarecida atenção para uma ou outra anomalia verificada no sector educacional.
Pois bem, eu desejo perguntar, muito claramente:
Quem tem sido professor?
E como o tem sido?
Quem deve ser professor?
E como deve sê-lo?
Sr. Presidente: evidentemente que as respostas a cada um desses pontos dariam matéria, não para uma modesta e despretensiosa intervenção, como a que VV. Ex.ªs estão a ouvir, mas para extensos e bem documentados trabalhos, a realizar pelos técnicos respectivos.
Limitar-me-ei a responder consoante a um ponto de vista meramente pessoal, e aliás perfilhado por exigência expressa de conceitos e princípios que me nortearam desde sempre e que não podiam ser agora postergados neste transe emocional de uma tomada de posição sobre assunto de tão transcendente importância.
Na verdade, penso que em Portugal - o Portugal cristão que tanta cristandade derramou já pelo Mundo! - tem-se descurado abertamente o problema da formação pedagógica e moral do professor em benefício de uma dominante preocupação de tecnicismo, de especialização, de vultosidade de conhecimentos (uns e outros, aliás, servidos por uma ainda deficiente investigação científica) e de puro profissionalismo a tender para um tipo de ensino a todos os títulos reprovável: a fria exposição ex cathedra, com o desbobinar enfadonho das matérias, a silenciosa passividade dos alunos, e logo o seu alheamento ou desinteresse pela maioria das disciplinas que cursam!
Esta tem sido a realidade, salvo as honrosas excepções daqueles que, por si sós, e não por obediência a normas estabelecidas no alto, vão remando teimosamente contra a maré, sacrificando interesses pessoais, aparentando conformismo com as remunerações oficiais, mas estudando e ensaiando sempre novas formas de elevar o nível do ensino, cuidando sempre do seu aperfeiçoamento e da sua formação pedagógica, não esquecendo nunca a sua

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nobilíssima missão de educar, na mais completa e verdadeira acepção da palavra.
Há que reconhecer, porém, que o caso excepcional, e para mais voluntário, nenhuma influência poderá ter na solução do magno problema que está posto.
O mestre glacial que se limita a ensinar conhecimentos, todo fechado, inacessível, por vezes jactante, e quase sempre longínquo, a afectar soberana indiferença pelas dúvidas o interrogações dos seus alunos, pelos seus embaraços e insatisfações, e até pela sua ânsia natural de esclarecimento e orientação nos caminhos, ou difíceis, ou traiçoeiros, ou perturbantes, da religião, da moral, da sociologia, e mesmo da política, esse mestre, assim posto à margem daquilo que de mais sublime existe no seu múnus, e que é o labor estritamente formativo e educativo, tem de ser substituído de uma vez para sempre,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e desde a escola primária à Universidade, pelo professor compreensivo e humano, pelo professor educador, pelo professor plasmador de almas e caracteres, pelo professor mentalizado em ordem a servir com dignidade a sua pátria,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e professor do qual há-de passar a exigir-se que suja cristão, como mínimo de garantia da sua lealdade e respeito pelos valores que substratam a Nação Portuguesa e como mínimo de garantia da sua honorabilidade e autenticidade de pedagogo moldado ao espírito da Constituição, a qual nos indica imperativamente, no § 3.º do artigo 43.º, como o ensino ministrado pelo Estado deve visar, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectutais, a formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pelos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, como poderia validamente, coerentemente, exigir-se do professor não cristão o acatamento deste preceito constitucional?
Aqueles deverão ser, pois, os mestres educadores que, sem excepção, e adentro do planeamento educacional já anunciado, hão-de passar a prestar ou continuar a prestar o seu inestimável contributo para que a nossa juventude, agora tão desorientada, tão perflexa, tão abandonada, se reencontre nos amplos caminhos da dignificação humana, da espiritualidade que cria, transfigura e empolga, da congregação dos mais nobres ideais, dos mais sadios entusiasmos e das mais alevantadas virtudes, de dávida total aos valores eternos que definiram e cimentaram, em termos de primoroso equilíbrio, a unidade moral e político-social do mundo português!
Eu disse, «sem excepção», porque reputo dever indeclinável do Estado impedir, em obediência ao estatuído no citado artigo 43.º, § 3.º, do nosso diploma fundamental, a conspurcação dos quadros do pessoal docente pela espécie de «ensinadores» que, para além de estarem especialmente adornados com todos os defeitos já atrás referidos, ofereçam ainda a inacreditável particularidade de serem agnósticos e estrénuos apologistas de ideias e doutrinas totalmente incompatíveis e até escandalosamente ofensivas daqueles mesmos valores em que assenta a nossa civilização ocidental e cristã!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que não possa haver entre as fileiras do professorado quem tenha a ousadia e a desvergonha de transformar a cátedra em tribuna e dela proclamar, com fins inconfessáveis, aberta ou veladamente, palavras de desencorajamento para nobres e heróicas gestas de lusitanidade, palavras de falso humanismo em justificação e defesa de todas as poderosas forças de desagregação que campeiam no Mundo, palavras de negação, apoucamento, ataque e escárnio de instituições, de direitos e deveres multisseculares, de conceitos basilares de ética e estética, de filosofia e religião, de arte e política, palavras, enfim, empapadas dós venenos mais letais para as almas e os espíritos juvenis!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A nossa juventude não pede, nem nunca pediu, que lhe empestem a existência com tão cínicas e degradantes mistificações!
O que ela pede e deseja, no mais íntimo dos seus anseios, embora por vezes o não saiba formular com precisão, é que ao menos lhe apontem, com segurança, um rumo certo de vida moral e espiritual, e isso feito que lhe não neguem nem cerceiem os meios de a aperfeiçoar, embelezar e engrandecer, tornando-a colaborante e consubstanciante da sua formação intelectual e profissional, numa virtualidade fecunda e possibilitante dos mais lídimos e acabados caracteres!
Dê-se então aos jovens, sem demora, o que eles pedem ou nem sabem pedir mas nós sabemos desejar e atente-se particularmente em que dessa juventude, toda ela generosa, mas não suficientemente virilizada, toda ela sequiosa de verdade e justiça, mas longe de uma conveniente modelação e subordinação, dessa juventude, que constitui afinal o «corpo e a forma do futuro», como já lemos algures, a parte mais interessada num urgente deferimento das suas pretensões é a que escolheu e escolhe Deus...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e assim mesmo o afirma corajosa e orgulhosamente, como aliás já o soube demonstrar, nas magníficas e para sempre inolvidáveis jornadas do Encontro, no ano transacto, ante a raiva e o desespero de alguns, o aplauso e o incitamento de outros e o espanto e quase incredibilidade de todos, tal a imponência e grandiosidade do espectáculo a que foi dado assistir e o altíssimo significado que dele pôde legitimamente extrair-se!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pois são esses jovens do presente, realidade do presente, força do presente - quando é que deixaremos de lhes chamar apenas os «homens de amanhã» ... -, são esses jovens, cientes de que algo de específico lhes compete realizar agora, para além do que possam vir a realizar depois, são eles que, nesta diferente hora nacional, interrogam, graves e preocupados, os responsáveis pela sua educação e lhes perguntam acusadoramente como é possível, por exemplo, que no mesmo estabelecimento de ensino, no mesmo dia, ouçam proclamar a existência de Deus na aula de Religião e Moral e ouçam logo a seguir negar essa mesma existência na aula de Filosofia ou de Ciências!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E são eles ainda que perguntam, cheios de mágoa, talvez de revolta, talvez de indignação, como

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é que assim não hão-de sentir-se perturbados, desorientados, abandonados!
Impõe-se, na realidade, que a resposta a esta e a outras perguntas, igualmente embaraçosas, seja dada quanto antes.
E ao dá-la, não poderá esquecer-se, como afirmou, lapidarmente, o ex-Subsecretário de Estado da Educação Nacional Sr. Dr. Carlos de Soveral, que:

Está em jogo a formação cívica, psíquica, moral, política, convivente, está em jogo a mais conveniente preparação dos intelectuais, dos especialistas, dos técnicos que terão de ser disseminados por todos os continentes do mundo português, e por isso há realmente que fazer um esforço ciclópico para dotar a educação com os meios de que carece para que tenhamos um ensino que plasme, modernize, dinamize, humanize, um ensino de hábitos de trabalho e energia e que conduza a retomar ou recriar uma forte e. viril qualidade na gente portuguesa.
Há que educar com um fito do mesmo passo técnico e humanista, positivo e antropológico, científico e cultural. Há que manter a escola portuguesa ao nível da actualidade que vivemos: dos seus problemas, das suas necessidades, do seu estilo, para assim podermos desenvolver a eficiente acção educativa que sirva e imponha os valores da civilização que, por uma estrita razão geopolítica, desempenhamos no Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é isto, afinal, e prevalentemente, o que há-de ser tomado, em conta ao assentar-se numa adequada educação de base, ao procurar solucionar-se o problema da generalização dó acesso ao ensino secundário e ao tentar estabelecer-se o rumo que há-de seguir o ensino superior.
E é isso também o que há-de constituir preocupação constante dos responsáveis pelo planeamento da nossa educação, por aqueles, isto é, que hão-de fixar os processos de estabelecer antecipadamente uma forma de acção própria e tendente a garantir a nossa política educacional, pela adaptação conveniente dos meios aos fins a prosseguir.
Sr. Presidente: se é certo que o ensino é o principal meio de que dispõe uma sociedade para modificar o seu sistema de valores e aumentar o seu potencial de conhecimentos e competências, se é certo que o problema do desenvolvimento da educação está intimamente ligado ao do desenvolvimento geral do País, o que exige, cada vez mais, que se lhes destinem elevadas percentagens dos recursos nacionais; se é certo que toda a problemática educativa assumiu uma dimensão tal que a tornou incompatível com soluções de emergência ou com soluções parciais, sendo, portanto, legítimo que ela se ponha em termos de justa ambição quanto ao enunciado das soluções últimas, e se é igualmente certo que o tipo de trajectória que viermos a seguir no ensino e na educação há-de determinar fatalmente o tipo das trajectórias a seguir em todos os outros sectores básicos da vida portuguesa; se tudo isto é certo, não o é menos que o êxito, o esplendoroso êxito de quanto se promover, delinear, legislar e planear, há-de depender sempre, em derradeira análise, de que ao serviço do ensino e da educação se encontre um autêntico escol de professores, entendida essa autenticidade no sentido que desde início venho defendendo: autenticidade no referente à sua cuidada preparação profissional, à, sua conveniente cultura geral e à sua indispensável formação pedagógica, de base eminentemente cristã!
Consiga-se a criação desta élite e ver-se-á que a maior parte, se não todos os problemas que agora afligem educadores, educandos e, acima deles, o próprio Estado, deixarão de suscitar qualquer interesse por se reputarem então absorvidos ou ultrapassados pelas realidades, acabando mesmo por ser esquecidos, pura e simplesmente!
Importa, porém, não esquecer que uma elite não se consegue sem dinheiro, e muito menos sem dinheiro se poderá ela manter ou dela exigir-se que cumpra o melhor possível e renda o máximo possível!
É que ela é constituída, prosaicamente, por homens com encargos de família, as mais das vezes bem pesados: formada por homens cultos e de posição social destacada, a exigir, por isso mesmo, a manutenção de um nível de vida apropriado; por homens conscientes da elevada missão que lhes foi confiada e das obrigações correlativas, a vedar, por exemplo, e aliás muito bem, que eles possam expandir a sua actividade por campos estranhos aos da educação, e por homens que não necessitam de realizar grande esforço para equacionar a qualidade, o volume e a decisiva importância; ao nível nacional, do seu trabalho, por um lado, e a remuneração que legalmente lhes compete, por outro, confrontar o quadro obtido com aqueles outros quadros que oferecem as mais diversas actividades estaduais - e já nem cito o que vai por certas actividades particulares ... - e logo concluírem, desolados, que a sua situação, por muito distante daquela a que têm jus, reclama melhoria urgente, e tão urgente que nem deverá aguardar-se a conclusão e entrada em vigor da reforma geral do ensino, dependente da planificação a realizar nos domínios da educação nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - No resto, e sobretudo quanto à preparação científica do pessoal docente, poderá talvez afirmar-se que as maiores dificuldades foram já aplanadas, o que deve registar-se com satisfação e, vamos lá, com sincero alívio.
A este propósito cabe aqui uma palavra de justo encómio e penhorado agradecimento ao Instituto de Alta Cultura pela meritória e já vultosa obra realizada em prol da investigação científica nacional, bastando referir, por exemplo, e para o demonstrar, as dezenas de centros de estudos por ele criados e hoje em funcionamento efectivo, com particular realce dos que se dedicam ao estudo da energia nuclear.
E isto sem falar já das centenas de bolsas de estudo concedidas no País ou no estrangeiro, a fim de permitir aos respectivos beneficiados um complemento da sua formação científica, e, decorrentemente, o seu contributo para a remodelação e aperfeiçoamento dos serviços a seu cargo; sem falar também em todos quantos, graças ao auxílio recebido, puderam preparar-se para o doutoramento ou para concursos de acesso ao professorado, e sem falar ainda no considerável número de institutos, laboratórios, museus, clínicas e outros estabelecimentos que receberam subsídios, em parte destinados à aquisição de livros e material, noutra parte reservados para acorrer a despesas com publicações, e, noutra parte ainda, cativos para a remuneração dos investigadores e seus auxiliares.
Fecharei esta breve mas merecida referência à acção desenvolvida pelo Instituto de Alta Cultura e ao seu inestimável contributo para a promoção e auxílio da investigação científica em Portugal com o seguinte e atinente passo da modelar exposição-relatório do Exmo. Prof. Doutor Amândio Tavares sobre, a actividade daquele estabelecimento no decêndio 1951-1960:

Julga o Instituto de Alta Cultura ter feito, na medida das suas possibilidades, obra útil, a constituir garantia segura de que maiores serviços prestará ao

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País se lhe forem dados os meios precisos para que essa obra se possa intensificar, aperfeiçoar e perdurar, e venha corresponder ao que da instituição se espera. Não se lhe regateiem esses meios de que carece, porque este género de trabalhos requer laboratórios bem equipados e, sobretudo, pessoas especialmente preparadas e treinadas e dotações financeiras consideráveis.

E mais adiante:

Deste modo se conseguirá uma melhor preparação de investigadores e seus auxiliares, incrementar a acção dos nossos órgãos de investigação e orientar as suas tarefas no sentido de dotar o País com o número e qualidade de cientistas e técnicos indispensáveis ao seu progresso.

O Sr. Sales Loureiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor!

O Sr. Sales Loureiro: - Oxalá que o propósito que V. Ex.ª refere se efective quanto antes, porque muito há a esperar do Instituto de Alta Cultura.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que manifesto aqui essa minha esperança na exposição que faço.
É de desejar, sinceramente, que isso aconteça, e sobretudo, que ao ser encarado o problema do alargamento da acção do Instituto, não se protele por mais tempo a criação de um centro de estudos pedagógicos, como fulcro do futuro instituto de ciências pedagógicas, verdadeiramente indispensável nesta hora de exaltação dos nossos mestres, de quem todos se preparam para exigir, ao que parece, o mais alto grau de eficiência no seu labor educativo e formativo da juventude.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar. E as minhas últimas palavras serão de viva saudação a essa juventude, a todos os jovens de Portugal - sejam eles da P. E. N., da U. N. E. P., do C. A. D. C., das A. A. C. C., do J. P.! - todos eles que, olhos atentos nos mais velhos, aguardam, esperançadamente, disciplinadamente, que lhes resolvam os seus problemas, por forma ao mesmo tempo digna, inteligente e actual.
Bem firmados nos seus postos de combate, bem certos da sua identificação com os ideais que tornaram grande a nossa Pátria, e sabendo, sem uma hesitação, qual o grave papel que têm a desempenhar na perturbante conjuntura político-social do momento, esses jovens, assim imbuídos de vivificante espiritualismo, assim triunfantes de todos os engodos negativistas, assim lançados no soberbo ritmo de quem já tomou a melhor resolução e se apresta para se bater por ela, esses jovens, isentos de culpas materialistas, isentos de compromissos com quaisquer forças de desagregação, isentos de contaminação por doutrinas, ideias e filosofias que de um modo ou outro possam brigar com a sua mística cristã, esses jovens têm na verdade o indiscutível direito de esperar que os responsáveis pela sua formação lhes mitiguem a sede das suas justas reivindicações no plano educacional!
Reivindicações no sentido de uma educação de base à altura das necessidades do nosso tempo; no sentido de uma aprendizagem activa consentânea com as sempre maiores exigências do ensino; no sentido de um substancial incremento dos meios postos ao serviço da investigação científica; no sentido de uma prudente política de generalização do acesso ao ensino secundário, concomitante com a formação, acelerada de professores, técnicos e investigadores; no sentido de um adequado refreamento da tendência para a especialização absorvente, para aquele clima de pura tecnicização que está a dominar, em muitos países, os ensinos secundário e superior, e que afinal se tem revelado contraproducente, já que a evolução constante das técnicas o que impõe, cada vez mais claramente, é aptidão para mudar de especialização, e tal aptidão depende sobretudo do grau de cultura geral que assiste ao profissional; no sentido, enfim, da dignificação do professor, compreendida ela nos vários aspectos moral, intelectual, pedagógico e material, por forma a poder exigir-se dele, e então com toda a autoridade, o mais acabado, o mais construtivo, o mais eficiente cumprimento dos seus graves deveres de técnico e educador cristão!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É a tudo isto, fundamentalmente, que aspiram os jovens de Portugal, num inquietante afã de justiça e de superiorização, numa preocupação constante e legítima da sua crescente valorização, num transbordante desejo de que a Pátria os saiba alcandorar por fim aos cumes luminosos, donde só possa avistar-se, a toda a largura do horizonte, a paisagem calma, majestática e reconfortante da nossa lusitanidade sempre renovada e engrandecida!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: ao ocupar pela primeira vez nesta sessão legislativa esta tribuna, realizo uma agradável obrigação de ordem moral apresentando a V. Ex.ª os mais rendidos e sinceros cumprimentos.
Sr. Presidente: não podia coerentemente desinteressar-se do aviso prévio que visa a educação nacional quem, como eu, reputa a educação o fulcro da vida e da sobrevivência nacional.
E isto bastaria a conferir valor ímpar ao amplo e arejado debate sobre este tema, mesmo que ele se não revestisse - como agora se reveste - da mais flagrante actualidade, por fornecer ao Sr. Ministro da Educação Nacional, na hora em que ele se propõe reformar o ensino, a elucidação desinteressada e valiosa que necessariamente resulta desta discussão.
Na verdade, só os obcecados ou os fanáticos têm a estulta pretensão de monopolizar a verdade; mas, muito ao invés, uma inteligência culta e viva e um espírito aberto, como o do Sr. Ministro da Educação Nacional, não pode ignorar nem minimizar a valiosa achega que este alto areópago está dando à causa educacional...

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - ... - tanto mais que S. Ex.ª sabe bem que esta Assembleia Nacional tem tanto interesse e quase tanta responsabilidade como ele na boa solução deste problema vital para toda a Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E desde que assim coloco, no seu verdadeiro nível supremo, o problema em debate, cumpre-me dar a VV. Ex.ªs a razão por que, no meio de uma dis-

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cussão esmaltada pelas mais doutas e eruditas dissertações, ousa erguer a voz quem, como eu nunca queimou pestanas nos tratados de pedagogia e de psicologia e só passou nos bancos escolares como aluno medíocre, rebelde e pouco interessado.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - Sendo assim, perguntar-se-á, que poderei eu trazer de novo a esta alta tribuna?
Posso, precisamente, trazer aquilo que é indispensável ao debate, ou seja, a opinião do leigo que só conhece os problemas pedagógicos pela rama, e que usufrui, por isso, a vantagem de os apreciar no seu conjunto e na sua projecção exterior.
Venho aqui dizer, precisamente, que o problema da educação nacional não é apenas um problema técnico: situa-se noutro nível e tem de ser encarado sob outros ângulos, porque é um problema nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Num diálogo sobre a educação pública todas as vozes suo de atender.
Opinam os peritos, consultam-se os técnicos, escutam-se práticos, discreteiam os especialistas, mas é também indispensável que seja ouvido o principal interessado - o chefe da família, o cidadão comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Represento nesta Assembleia a massa dos cidadãos da minha província rural e faltaria ao meu basilar dever se não trouxesse a este lugar a voz que eles, por outra forma, não podem fazer ouvir aqui.
É nesta qualidade que quero abordar ligeiras anotações a alguns aspectos chocantes da educação portuguesa:
1) Educação, no verdadeiro sentido da palavra, não é apenas instrução, porque é muito mais do que isso.
Infelizmente, porém, no nosso país têm-se confundido e equiparado os dois conceitos, com grave detrimento da função educacional, que se vê confinada aos mais estreitos limites da instrução.
Suponho que isso resulta da importância desproporcionada que em Portugal se vota ao mérito intelectual, com quase absoluto menosprezo dos valores morais e espirituais.
Daí os exemplos frequentes e lamentáveis de pessoas em que o mais alto quilate científico contrasta com deplorável formação - ou deformação - moral e espiritual.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este desequilíbrio entre a cultura científica e a preparação espiritual é responsável pelas linhas de fractura moral que afectam toda a nossa sociedade, de alto a baixo, e que não podem ser ignoradas nem minimizadas por serem responsáveis por muitas das mais graves mazelas que achacam os mais diversos sectores da vida portuguesa.
E julgo não errar muito se atribuir a responsabilidade por esta subversão axiológica principalmente e quase exclusivamente às deficiências da estruturação do nosso ensino oficial.
Enquanto noutros povos o ensino procura forjar homens e caracteres, o nosso ensino almeja, sobretudo, gerar sabichões.
Efectivamente, o Estado força a criança que atinge certa idade a frequentar uma escola primária onde ,os pais não podem entrar e onde ela é confiada a estranhos que nem a conhecem nem procuram conhecê-la.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No ensino liceal mais se acentua este isolamento, pois aí o professor - ilaqueado por programas rígidos e normalmente esmagadores e incríveis - constitui uma figura fugidia que não pode, e muitas vezes não quer, tomar contacto directo com os alunos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A criança é, assim, separada da família - que fica sempre fora da porta do estabelecimento escolar -, para mergulhar no gélido ambiente da burocracia oficial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto é, o Estado procede como se ignorasse que a educação é essencialmente obra de colaboração que não pode dividir-se em compartimentação estanque sob pena de malogro total.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o que temos visto até agora?
Gravíssimas crises que bem indiciam o estado patológico da nossa educação oficial e a que se procura obviar com transigências deseducativas e com panaceias e discussões de um tecnicismo muitas vezes estéril, por não poder alcançar o âmago dos males que procura debelar.
Equacionam-se cientificamente os problemas da juventude de hoje, como se acaso eles não fossem apenas os eternos problemas da juventude de sempre, tão-sòmente agravados pelo abandono, a incúria, a inépcia e a covardia dos adultos, que se consideram dispensados dos deveres inerentes à sua condição de pais, de mestres e de educadores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não, senhores.
O mal não está na juventude (que é hoje o que foi sempre); ou não está apenas na juventude. O mal está principalmente em nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O mal é dos pais que se demitem da sua dignidade; o mal é dos educadores que burocratizam as suas funções até ao desinteresse total; o mal é, finalmente, do Estado, que, usando e abusando de um tecnicismo absorvente e nefasto, julga que pode comprimir a alma sob a técnica e reduzir as reacções humanas a simples fórmulas de gabinete ou de laboratório.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há que arrepiar caminho porque já não é cedo e amanhã pode ser tarde.
Simplesmente, desde que, como vimos, os mais graves problemas não são só fruto de deficiências pedagógicas - não podem eles ser resolvidos apenas por técnicos de pedagogia.
Sem dúvida que no nosso ensino há inúmeras deficiências estritamente pedagógicas, mas não são elas que nos preocupam aqui.

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Agora, preocupa-nos o âmbito o coordenação a dar à educação para que modele criaturas equilibradas e perfeitas.
2) Bem sabe-mos que o Estado não pode, só por si, dar aos jovens a preparação moral que lhes é fundamental para a vida.
E disto é prova provada a quase inutilidade das cadeiras de Moral, timidamente criadas para últimos anos do liceu, porque a Moral não pode ensinar-se como ciência exterior a nós, - mas como vivência a estruturar um teor do vida.
A moral vivo-se, ou não se vive.
E não é a lição de um padre, por mais abnegado que ele seja, que pode mascarar a onda de brutal materialismo e de demo-liberalismo agressivo que informa e orienta muitas das decisões oficiais do nosso ensino.
Como escreveu o Santo Papa Pio XI na magistral encíclica Divini Illius Magistri, «... uma escola não se torna conforme aos direitos da Igreja e da família cristã e digna da frequência dos alunos católicos pelo simples facto de que nela se ministra a instrução religiosa, e muitas vezes com bastante parcimónia».
É realmente certo que o Estado não pode, por si só, fazer a formação moral da juventude; mas pode e deve, em tal capítulo, fazer muito mais do que até agora tem feito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pode e deve fiscalizar e sancionar o comportamento moral de professores e alunos, dentro e fora dos estabelecimentos escolares, pois só em Portugal é que a acção educativa cessa no limiar da porta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E mais pode e deve chamar a colaborar consigo, e animar no seu desenvolvimento, as verdadeiras fontes da autoridade moral e da disciplina espiritual - a família e as confissões religiosas -, sabido como é que a moral é fruto da religião e corre o perigo de estiolar-se se for amputada dela.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Evidentemente que não pode impor-se a educação religiosa a quem a não quiser; mas o que tem é que incentivar-se a educação religiosa por forma a facultá-la a todos quantos a desejem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para tanto cumpre ao Ministério da Educação Nacional o indeclinável dever de facilitar e subsidiar substancialmente os institutos de educação religiosa, por forma que eles alarguem a sua proveitosa acção educativa aos 8 milhões de católicos que dizem haver em Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E mais lhe cumpre - agora por mero dever de elementar justiça -, chamar aos órgãos directivos e consultivos da educação pública portuguesa a voz autorizada das organizações pedagógicas católicas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Efectivamente, é preciso querer ser cego para ignorar a obra dos institutos religiosos portugueses, ou para minimizar os serviços prestados a mais de 150 000 alunos do ensino secundário por cerca de mil religiosos diplomados, num devotamento tal à causa da educação que os lucros da actividade são inteiramente consumidos na educação da juventude menos afortunada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nem os cegos podem ignorar esta doação total das organizações católicas à juventude portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E não contentes com a experiência e a autoridade que a prática intensiva do ensino lhes confere, criaram os organismos católicos educacionais o Instituto de Psicologia Aplicada, que, conjuntamente com o Instituto de Cultura Geral e o Instituto de Cultura Superior Católica, eleva a um nível não excedido em Portugal os estudos da mais apurada técnica pedagógica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para finalizar esta referência às organizações pedagógicas católicas ocorre-nos perguntar: conhece ou desconhece o Ministério da Educação Nacional a obra grandiosa da nossa pedagogia católica?
Certamente a não desconhece, porque não pode ignorar a dimensão total do sector que orienta.
Se a conhece, - em nome de que princípios e em nome de que justiça se não escuta nos supremos auditórios da educação nacional a voz autorizada desta organização que, por seus próprios méritos e esforço, atingiu lugar cimeiro na patriótica acção de educar?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se o Estado tem assim grande dívida em aberto para com a pedagogia católica, muito maior dívida tem para com a família.
A educação familiar é, no tempo e no quilate, a melhor e mais valiosa que pode ser prestada à juventude, de sorte que em relação à puerícia ela se considera insubstituível.
Aceitando esta verdade, cumpre ao Estado chamar a família a colaborar activamente na instrução primária e liceal, por forma a colmatar o abismo que separa a instrução oficial, confinada à escola, da educação familiar, forçada a parar no limiar da mesma escola.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há que criar junto de cada escola rural ou suburbana um núcleo educacional que sirva para coordenar os esforços de todos os elementos de educação e a fomentar a elevação do nível humano da tão abandonada população rural.
Para tanto impõe-se, por um lado, dar ao professorado rural um campo de acção que transcenda as paredes da escola e vá junto das famílias apurar do ambiente e necessidades dos alunos confiados à sua educação; e, por outro lado, há que chamar os pais ao núcleo cultural da escola - a constituir pelo professor, padre, autoridades locais - pára todos se aperfeiçoarem e se articularem na obra educativa comum.
Torna-se, porém, indispensável e urgente que se coíba o abuso já generalizado de os professores primários dos meios rurais ou suburbanos se deslocarem às escolas nas horas de serviço, tratando de se raspar a toda a pressa logo que acabaram de engrolar a lição.

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Como é que um educador pode educar num meio que não vive, nem conhece, nem sente?

O Sr. Augusto Simões: - Tenho estado a acompanhar V. Ex.ª e vejo que V. Ex.ª tem inteira e absoluta razão. Realmente, há muitos aspectos que não podem ser esquecidos quando se encara o ensino nos meios rurais. Ali, ele tem sido entregue às regentes escolares, e se já vai havendo um critério de selecção bastante apreciável, o certo é que durante muito tempo foi um escaparate para onde todas as actividades se dirigiam. Por isso, e porque esses agentes de ensino foram e são tratados como uma espécie de párias, de tolerados, que não têm férias pagas nem as necessárias garantias de sobrevivência, não têm qualquer espécie de estímulo que os leve a desempenhar a sua missão como um verdadeiro sacerdócio. E agora pergunto: tratando-se, como se trata, no ensino, da necessidade de estabelecer uma política de inteira verdade, como é que se pode exigir àqueles que vivem submetidos a uma verdadeira escravidão o cumprimento integral das suas importantes funções? Parece que para se poder exigir a tão devotados servidores o cumprimento das suas funções é de exigir que se lhes criem as condições necessárias para que eles possam exercer o seu múnus. Enquanto não houver sólida moralidade na situação desses agentes, também não pode haver exigências como as que é legítimo fazer a todos os encarregados de ministrar o ensino, seja onde for!

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.

O Sr. António Santos da Cunha: - Eu queria dizer que é uma lacuna profunda a não residência dos professores nas aldeias, no meio rural, e faz muita falta o influxo da sua presença.
Recordo o velho professor da aldeia que o povo respeitava como uma autoridade social que era. Hoje é, geralmente, uma menina que vem na camioneta e se vai embora na primeira que passa. As novas escolas não têm residência para o professor e na maior parte das freguesias não é possível arranjar para o professor uma residência compatível com a posição de um indivíduo que tem um curso médio.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. Evidentemente que é indispensável a residência para o professor.
Mas com residência ou sem ela o que é indispensável é que o professor eduque, o que não pode é continuar o actual estado de coisas. O professor chega na camioneta, traz o seu lanche, passa os deveres e uma coisa que se inventou - para que os alunos tenham todo o tempo ocupado - e depois volta na mesma camioneta e não se sabe mais nada.

O Sr. António Santos da Cunha: - A falta de residência para o professor contribui para que este não tenha amor à terra onde está a educar e seja um pássaro de arribação. Noutro tempo o professor plantava uma árvore no quintal a que ganhava amor e era sempre um elemente importante do meio.

O Sr. Amaral Neto: - Peço desculpa de intervir, mas quero corroborar o aparte do Sr. Deputado António Santos da Cunha, que tem a minha inteira concordância, e dizer que o professor não é um elemento da vida social da aldeia, mas sim o elemento mais destacado, onde não há padre, da vida social.

O Orador: Constitui um elemento importante da vida rural.

O Sr. José Alberto de Carvalho: - E preciso que facultem aos professores meios económicos que lhes permitam atingir o fim a que se dedicaram e que é o da educação.

O Orador: - É exactamente o que eu proponho. E preciso que os professores constituam um núcleo depois da escola.
Formar um núcleo em que eles sejam uma das figuras preponderantes juntamente com o padre, se o houver.
Não ignoramos que a ausência dos professores se desculpa com a falta de habitação condigna; mas também sabemos que em 99 por cento dos casos esse pretexto é falso e infundado, - e que no 1 por cento restante será facilmente remediável.
Obriguem-se os professores rurais e suburbanos a viver efectiva e permanentemente na área da sua escola e a fazer reuniões quinzenais, com pais, padre e autoridades locais, no propósito de aperfeiçoar a educação; responsabilizem-se as direcções escolares pelo estrito cumprimento de tal determinação e pela fiscalização, dos progressos obtidos nas reuniões, - e as coisas serão muito outras, e muito melhores.
Semelhantemente se deverá proceder nos liceus e colégios, apenas com a diferença de que, dada a cifra dos interessados, o núcleo de fomento educativo teria de ser constituído por um número limitado de pais que quinzenalmente reuniriam com os reitores e orientadores escolares para discutirem os problemas da educação, - elucidando-se, justificando-se e até penitenciando-se, já que as faltas, na educação, serão tanto dos educandos como dos educadores; estes pais, por seu turno, levariam à assembleia geral dos pais dos alunos os problemas que o merecessem.
Em resumo: há que chamar os pais dos alunos à colaboração activa na função educativa, na qual ninguém é mais legitimamente interessado que eles.
Esperamos que o Sr. Ministro da Educação Nacional, mesmo antes da planificação do ensino, estude e resolva, com seu superior critério, os problemas que deixamos enunciados.
Mesmo antes da planificação do ensino - voltamos a repetir -, porque a planificação, como todas as obras humanas, tem indiscutíveis vantagens, mas pode ter graves inconvenientes.
E um dos seus piores inconvenientes será o de que, quando a carência de meios impede que se faça tudo. se acabe por não fazer nada. quando era indispensável e já bastante fazer alguma coisa.
Vamos terminar, porque já fomos muito além do que queríamos.
Podem objectar-nos que quanto dissemos está já dito e redito por vozes mais autorizadas que a nossa: é verdade.
Podem dizer aos que as traves mestras que sugerimos estão já alinhadas nos artigos 42.º e 44.º da Constituição Política; e também é verdade.
O que desejamos, porém, é que estes princípios desçam da Constituição a informar toda a orgânica da educação portuguesa.
Queremos que eles deixem de ser apenas «princípios», para se tornarem «realidades».
Queremos que, pelo menos em matéria educacional, se elimine o vício comum à vida portuguesa e que é um daqueles que nós debitamos à deficiência da nossa educação: o vício de dizermos «sim» e fazermos «não», o

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vício de termos duas verdades - a pública e a privada -, em suma: a hipocrisia na mais desbragada expansão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E se o conseguir, terá o Sr. Ministro adquirido jus à gratidão eterna de todos nós.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Dias Neves: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira voz a esta tribuna quero apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos e os protestos da minha maior admiração pela maneira inteligente e sábia como V. Ex.ª vem dirigindo os trabalhos desta Câmara.
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, quero agradecer todas as atenções que vos tenho merecido e os muitos ensinamentos que tenho colhido do convívio convosco e testemunhar toda a minha consideração e os protestos da minha melhor colaboração com os desejos das maiores felicidades e prosperidades pessoais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: está em discussão um aviso prévio sobre educação e ensino. O alto interesse deste aviso prévio desprende-se imediatamente da natureza do tema versado, que trata de um dos mais importantes, se não o mais importante, dos problemas nacionais, e da oportunidade da sua apresentação, pois que num momento em que um departamento governamental de planeamento e coordenação económica prepara mais um plano de fomento do nosso país, onde este problema não poderá deixar de ser considerado, e em que S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional anuncia a elaboração de um estatuto nacional da educação, qualquer ideia, qualquer proposta, mesmo qualquer crítica, quando construtiva, aqui expostas, poderão constituir contributo valioso no planeamento iniciado, planeamento que podemos considerar, nesta matéria, como processo de estabelecer, antecipadamente, o modo de acção própria para assegurar a aplicação de uma política nacional, adaptando o melhor possível os meios aos fins propostos.
Nesta linha de pensamento, faço a presente intervenção, na convicção honesta de que contribuirei de algum modo para prestigiar o ensino e valorizar o nosso país.
Creio que antes de mais nada havemos todos de felicitar o Sr. Deputado Nunes de Oliveira, e todos os outros Srs. Deputados que subscreveram o aviso prévio, pela sua apresentação, como resultado de uma inquietação interior que, na sua qualidade de professores e portugueses, sentem em relação à posição deste problema da vida nacional.
Sr. Presidente: a extraordinária transformação que sofreu o Mundo após a segunda grande guerra mundial, principalmente nos campos da ciência e da técnica, modificou estruturalmente as condições de vida dos povos, e por isso se tornou necessário adaptar às novas sociedades sociais, económicas e científicas, um ensino que pudesse formar os técnicos e os produtores de que os países necessitam para o seu esforço de reconstrução.
No decurso destes anos, os países deram-se conta de que a sua prosperidade futura dependia cada vez mais da existência de um número suficiente de pessoas dispondo de uma sólida formação científica e técnica e mais reconheceram que não poderiam fazer face às suas necessidades de expansão económica se não fizessem chamada a todas as reservas intelectuais da sua população, orientando-as por meio de instrução apropriada, particularmente nos ramos das ciências e da técnica, cujas necessidades em elementos de valor aumentam mais rapidamente do que na maior parte dos outros sectores.
Todos os povos comprometidos no conflito conheceram as mesmas dificuldades e cada um se esforçou por resolver os seus problemas nacionais segundo as possibilidades próprias e as suas tendências políticas e sociais.
Esse esforço traduziu-se, aqui, por reformas radicais das estruturas escolares; além, por experiências educativas que deviam preceder reformas mais completas, mas nessas tentativas se vislumbrava um desejo comum: renovar o espírito e os métodos de ensino e assegurar possibilidades de instrução a maior número de pessoas.
No quadro da política geral das nações, a política respeitante à educação tem dois objectivos principais:

a) Responder aos desejos dos indivíduos de desenvolver as suas capacidades pessoais;
b) Responder às necessidades da sociedade, a fim de assegurar o seu desenvolvimento harmonioso e homogéneo.

Objectivos que se atingem, o primeiro, colocando o ensino ao alcance de todos, quaisquer que sejam os seus rendimentos e a sua classe social; o segundo, exigindo ao ensino que forneça aos sectores produtivos e às instituições pessoal de cultura geral e conhecimentos técnicos adequados.

Verificado que os sistemas educativos em vigor não correspondiam aos objectivos declarados nesta política, acentua-se cada vez mais o desejo de estender e melhorar a educação e aumentar as despesas neste domínio. Assim, a educação tornou-se um sector dispendioso da economia e não se podia desenvolver largamente sem que lhe fosse consagrada uma parte importante dos recursos nacionais.
Um grande número de economistas e educadores debruçou-se sobre o problema e encontrou que existem relações estreitas entre o esforço produzido por um país no domínio do ensino e os seus progressos no campo económico e social.
A verificação destes fenómenos uniu pedagogos e economistas no sentido de examinarem mais de perto as relações entre os fins e os meios, com vista à elaboração de um plano no qual os slogans e as ideias vagas cedessem lugar a uma formulação precisa dos objectivos a atingir, baseados em factos e análises científicas que possam assegurar o fundamento de uma política de educação.
Esta aliança entre a economia e o ensino contém a promessa de uma vida melhor para milhões de pessoas que, .sem ela, ficariam toda a sua vida muito abaixo do seu potencial humano.
O desenvolvimento da educação tornou-se assim imperativo de todos os governos, que passaram a incluir nos seus programas, como. elemento principal, o ensino e a educação do povo, com vista a facilitar o esforço que há que realizar neste domínio, se não se quiser ver entravado o desenvolvimento geral do país, já que constitui a principal infra-estrutura desse desenvolvimento.
Ainda aqui importa definir o que se entende por educação do povo e esclarecer que a educação que se pretende não é a que conduz a um tecnicismo que leve à escravidão do homem pela técnica, para a produção de bens. Importa esclarecer que o ensino não é só um sistema pára conseguir a produção de maior número de bens, mas o de o conseguir respeitando a dignidade humana.
A educação é um direito reconhecido hoje em todo o Mundo como resultante da nossa condição humana, e im-

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põe-se, é necessário acentuá-lo, «não como um caminho para a liberdade ou para a abastança, embora se reconheça ser uma e outra coisa, mas principalmente por constituir uma exigência da dignificação da pessoa humana».
A educação, entendamos bem, é essencialmente um processo de desenvolvimento completo da personalidade e de todas as aptidões inatas do homem, com respeito pela sua dignidade humana, com vista no seu integral aproveitamento, a favor do bem comum.
Um dos principais meios de favorecer esse desenvolvimento é o ensino que visa inculcar estruturas culturais, científicas e técnicas e favorecer o desabrochar das potencialidades existentes no homem.
Portugal, embora não tivesse tomado parte no conflito, não se furtou ao fenómeno da evolução económica e social e de adaptação do seu esquema de «usino às estruturas da época.
Assim, ainda durante o conflito, em 1944, a voz autorizada de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, sempre atento à evolução do seu país, anuncia o fim do privilégio da educação, proclamando em comunicação aos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência:

A educação e instrução têm por isso de ser postas ao alcance de todos, a fim de aproveitar-se as melhores capacidades de todas as classes.

É um vasto programa de ensino, que constitui linha de rumo que vai nortear o Governo na sua actuação e vai conduzir o País ao nível dos mais evoluídos da Europa.
Surge, em seguida, a reforma, a do ensino técnico, como expressão das disposições sobre ensino profissional industrial e comercial, expressas na Lei n.º 2025, de 19 de Junho de 1947, e cujo estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 37 028, de 25 de Agosto de 1948, e Decreto n.º 37 029, da mesma data.
Em 1947, pelo Decreto n.º 36 507, de 17 de Setembro daquele ano, surgiu também a reforma do ensino liceal, que no seu preâmbulo assinala:

Reconheceu o Governo a urgência de uma reforma do ensino liceal, não só por terem sido formulados numerosos e fundamentados reparos ao actual regime, mas por se tornarem necessárias medidas de coordenação entre este ramo de ensino e o ramo paralelo do ensino técnico, recentemente remodelado.

Merece relevo especial, neste campo de reformas de ensino, o extraordinário Plano de Educação Popular, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 38 968, de 27 de Outubro de 1952, de cujo relatório transcrevo as seguintes palavras:

Na sua execução será posto todo o interesse, até porque não pode esquecer-se que com a expansão do ensino primário se alarga a base de recrutamento daqueles que nos diferentes ramos de actividade hão-de ser elementos condutores da vida social e constituir, pela sua preparação e formação, o escol intelectual e moral da Nação.

Plano extraordinário, na elaboração e execução do qual se manifestou toda a gama de qualidades, de inteligência, de espírito de realização do Exmo. Sr. Dr. Veiga de Macedo...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... nosso distinto colega desta Câmara, qualidades que o impuseram como governante de eleição e a quem o País, neste e noutros campos de actividade pública, muito fica devendo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O estabelecimento da escolaridade obrigatória, que levou à alfabetização de 97 por cento das crianças em idade escolar, e a Campanha de Educação de Adultos, são dois elementos principais do aumento do nível cultural das nossas populações e são fundamento principal do surto de população escolar do ensino secundário.
Medida extraordinária, da extensão da instrução a todos, na preocupação de cumprir o plano de Salazar que acaba com o privilégio da educação e que no coração deste governante se manteve como preocupação dominante, como acaba de demonstrar ao conceder, através das obras sociais da Federação Nacional das Caixas de Previdência, a que dignamente preside, no ano de 1963, cerca de 2000 bolsas, e maior número em 1964, a filhos de beneficiários daquele organismo, entre 300$ e 1000$ mensais, no propósito de permitir uma maior valorização e promoção social dos filhos das classes menos favorecidas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Algumas Universidades sofreram também alterações nos seus planos de estudos, graças ao Prof. Eng.º Leite Pinto, a cuja acção na pasta da Educação o País fica devendo os maiores serviços no desenvolvimento de um extraordinário esforço de valorização do nível pedagógico das nossas escolas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Finalmente, o Decreto-Lei n.º 42 944, de 28 de Maio de 1960, estabelece a reforma do ensino primário.
No preâmbulo deste decreto-lei pode ver-se a preocupação do ajustamento do ensino às estruturas e condições de vida actuais do nosso país e em certa altura pode ler-se:

Está já concluído o estudo dos planos que se destinam a prolongar o ensino primário pára além da 4.ª classe e espera-se que conduza a idênticos resultados a já iniciada instituição, nos meios rurais, de cursos complementares de ensino agrícola.
Entretanto, porém, a limitação a quatro classes da escolaridade primária cria um problema de difícil solução: sendo necessário transmitir durante ela os conhecimentos fundamentais à grande maioria de portugueses que não vai continuar os estudos, a concentração de matérias tem grandes inconvenientes psicopedagógicos.

Em relação à primeira afirmação, podemos concluir que é preocupação do Governo aumentar a escolaridade obrigatória para além da 4.ª classe, como consequência da evolução social do País e do reconhecimento das insuficiências resultantes de uma escolaridade de quatro anos.
Como é do conhecimento de todos, foram publicados dois volumes contendo os planos do «Ciclo preparatório para o ensino secundário» em 1960 e 1961, onde se faz um estudo exaustivo, completo e brilhante da matéria e que o País acolheu com júbilo. Mas até ao presente, não foi sobre os mesmos tomada qualquer decisão.
Estudo valioso realizado por professores qualificados do ensino, que nos dão a certeza de constituir um elemento

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de alto valor, que S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional tornará efectivo para interesse do nosso país, que está acima de quaisquer interesses sectoriais.
No que respeita à segunda afirmação do preâmbulo mencionado, creio que estão ali as duas razões principais de descoordenação do nosso sistema de ensino com a vida actual:
1) A certeza de que a grande maioria dos portugueses não continuará os estudos e pretender dar-se-lhe conhecimentos básicos;
2) Pretender que os conhecimentos transmitidos nas quatro classes do ensino primário possam considerar-se fundamentais para a prática corrente da vida.
A primeira apresenta uma realidade confrangedora - 70 por cento das crianças que acabam a 4.ª classe não continuam os estudos secundários, o que, para além do mais, representa uma injustiça social que urge resolver e que filio em três causas:
1) Desigual desenvolvimento económico regional, reforçado por um conceito antiquado de que o ensino se destina principalmente a fazer face às necessidades locais e que, enquanto as necessidades locais o não justificarem, não haverá outro grau de ensino além do primário, 43 por cento dos alunos que fazem exame de admissão ao ensino secundário pertencem aos distritos de Lisboa e Porto; apenas cinco distritos excedem a percentagem média de 33,1 por cento, que é metade da que se verifica em Lisboa, segundo dados recolhidos de «Análise quantitativa da estrutura escolar portuguesa de 1950-1959 - Projecto Regional do Mediterrâneo».
2) Como consequência do número anterior, uma rede de cobertura, escolar do País por estabelecimentos de ensino secundário de malha irregular. Com a agravante de que nas regiões menos desenvolvidas está mais presente o ensino particular menos acessível às classes mais desprotegidas.
Presentemente o ensino secundário é ministrado só em 189 dos 303 concelhos do continente e ilhas. Só em 67 existem estabelecimentos oficiais, liceus ou escolas técnicas; nos restantes 122 o ensino é assegurado por ensino particular.
Dos 189 concelhos, apenas 3 não têm ensino particular.
O ensino liceal é ministrado em 187 concelhos e o ensino técnico em 83. Ensino técnico em estabelecimentos oficiais há apenas em 62 concelhos e 36 em particulares.
É ministrado ensino liceal exclusivo em 106 concelhos, e o técnico só em 2.
São 114 os concelhos onde não existe qualquer estabelecimento de ensino secundário. Apesar do seu extraordinário desenvolvimento nos últimos anos, ainda só cobre um quarto dos concelhos do País o ensino técnico.
3) Razão de ordem económica: principalmente nos meios rurais e menos desenvolvidos, os pais não têm sequência fácil para os seus filhos, que, se forem alunos vulgares, ficarão pelo 2.º ciclo ou, no caso do ensino técnico, pelo curso de formação, a um nível profissional que alcançarão se forem colocados como aprendizes em qualquer empresa, com a vantagem de que durante este tempo constitui neste caso um auxílio para o orçamento familiar; se é um aluno acima do normal, então ele só tem saída para dois institutos, um em Lisboa e outro no Porto, cujas deslocações são insuportáveis para as suas possibilidades económicas.
Em relação à segunda questão, o desenvolvimento tecnológico e o número de conhecimentos que é necessário hoje para os casos mais normais da vida, e principalmente porque todo o homem tem direito a tomar conhecimento exacto e consciente das condições do meio que o rodeia e acompanhar a evolução social das estruturas do seu país, exigem conhecimentos que a 4.ª classe não pode dar de modo nenhum.
Todas as reformas foram encaradas como necessidade de adaptação dos processos de ensino às condições da época e quase isentas de espírito de previsão, que, aliás, não era possível por carência de dados estatísticos de então, e também porque o desenvolvimento do País se tem realizado com uma velocidade que ultrapassaria decerto as previsões mais optimistas.
Manteve-se a estrutura de ensino com quatro compartimentos: primário, secundário, médio e superior, constituindo cada qual um ciclo fechado, que representa no plano da estrutura geral o principal obstáculo a uma política integrada de instrução geral e formação profissional, no qual se passa de uns para os outros, por filtrações sucessivas em exames de saída de um e entrada noutro e em que se foram enxertando reformas sucessivas de planos e programas, conservando uma estrutura que não satisfaz, hoje, as necessidades da educação, não acompanha o País na evolução das suas estruturas económicas e sociais e, principalmente, não dá satisfação de modo nenhum ao princípio da educação e instrução para todos de modo a aproveitar os melhores de todas as classes.
Estrutura que importa substituir por uma que permita alargar a base de recrutamento de valores que hão-de constituir o escol da Nação e realizar o objectivo total da educação, a educação permanente. O homem desde que nasce é sempre susceptível de educação e compete ao Estado possibilitar essa educação, em termos de aproveitamento das valorizações obtidas nos diversos escalões do ensino.
Conservou-se um ensino secundário dividido em dois ramos paralelos, liceal e técnico, que no seu paralelismo travam uma luta de concorrência para a obtenção de um prestígio sectorial, que nem sempre é benéfica, concorrência que se manifesta nas várias relações entre elementos dos dois ensinos, estabelecendo situações que o Governo sanciona, que não dignificam um nem outro e de que dou alguns exemplos:
1) Aos professores eventuais de ensino liceal, quando vão tomar conta dos seus lugares em localidade fora da sua residência habitual, são concedidas requisições de transporte de caminho de ferro. Certo. Justo. Mas os professores provisórios do ensino técnico não beneficiam da mesma regalia: se têm a mesma formação profissional, se se destinam ao mesmo fim e pertencem ao mesmo Ministério, custa a entender tal distinção.
2) Os professores eventuais do ensino liceal têm vencimento mensal de 4000$; os do ensino técnico, de grau correspondente, vencem apenas 3400$. Se as habilitações específicas são iguais, licenciatura em qualquer das Universidades, e se podemos considerar o ensino técnico mais trabalhoso, pois além do serviço diurno dirigido a populações de menor nível social ainda têm serviço nocturno, custa a entender a razão da diferença.
3) Se considerarmos que no ciclo preparatório do ensino técnico se faz um ensino equivalente ao 1.º ciclo do liceu, e que aqui os professores ganham 4000$ mensais e os professores adjuntos que ministram o ensino no ciclo preparatório, pertencentes ao quadro, apenas 2900$, podemos chegar a esta conclusão ridícula: «há dois processos de ensinar a língua pátria ou a raiz quadrada, que custam ao Estado um 4000$, outro 2900$».
4) Não cremos que um liceu com três ciclos seja mais difícil de dirigir que uma escola técnica, com ciclo preparatório, cursos de formação de comércio, serralheiro, electricista, formação feminina, carpinteiro-marceneiro. secções preparatórias para os institutos e cursos nocturnos. Portanto, não podemos entender que o reitor

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de um liceu tenha uma gratificarão de 1000$ e um director das escolas técnicas apenas 800$ e, na maioria dos casos, 600$.
Repare-se que não estamos a dizer que é elevada a gratificação do reitor, mas que há uma desigualdade que importa eliminar, e mais, haverá que adaptar essa gratificação à importância das funções que ambos desempenham, nos domínios pedagógico e administrativo. Importa que o reitor do liceu e o director da escola técnica não tenham de recorrer a trabalhos externos para poderem levar uma vida social compatível com a dignidade das funções que desempenham. E não seria de mais que aos reitores do liceu e directores das escolas técnicas se retirassem definitivamente as gratificações e se lhes atribuísse o vencimento correspondente ao de professor efectivo com duas diuturnidades.
5) Aos mestres das escolas técnicas, a quem se exige uma formação profissional técnica mais profunda, paga-se-lhes 2400$, 2200$, 2000$, conforme pertencem à classe A, B ou C; aos que exercem idênticas funções no liceu dá-se-lhes a categoria de professores e paga-se-lhes 3000$.
6) Os exames de admissão feitos no liceu são válidos para as escolas técnicas; a recíproca não é verdadeira.
Ao olharmos o panorama da Europa neste domínio verificamos que Portugal é dos poucos países que mantêm o seu esquema tradicional de ensino.
Sentindo, embora, que os figurinos estrangeiros não devem ser aplicados sem cuidados ao nosso país, sob pena de se perderem alguns princípios e tradições próprias da vida portuguesa, sentimos que a evolução do nosso país, o seu desenvolvimento económico no sentido mais amplo da palavra, que inclui mesmo uma reforma de mentalidade nacional, adaptada às novas condições económico-sociais, impõem desde já um esquema de ensino com vista ao futuro, no âmbito nacional, englobando metrópole e ultramar, que em vez de ter como centro o ensino primário, e uma vez ultrapassada a fase da alfabetização das crianças em idade escolar, desloque o seu centro de gravidade para um ensino secundário, gratuito, unitário e polivalente, de acesso livre a todos os portugueses, sem peias de exames de admissão ou de outra ordem que não seja a própria capacidade dos indivíduos.
Polivalência que significa possibilidade para a criança escolher entre várias vias diferentes, no fim dos seus estudos. Afãs que não terá sentido real se esse fim de estudos não for recuado tanto quanto possível e só a criança não for colocada realmente em face de opções e escolhas variadas.
A profissão escolhida pela criança, que vai ligá-la ao futuro e na qual terá de realizar todas as potencialidades que Deus quis insuflar-lhe na criação, não pode ser determinada, como agora, aos 10 anos, idade em que a criança entra no ensino secundário. Uma escolha nesta idade assenta normalmente nos preconceitos de umas famílias mais privilegiadas e no desejo de promoção social de outras menos privilegiadas.
Terá de falar-se de uma polivalência estabelecida o mais tarde possível, nunca antes dos 14 anos, para não assistirmos como actualmente a dois anos de inactividade ou de trabalho para além das suas possibilidades, de uma grande massa de crianças que não seguiram os estudos e que por força da legislação de trabalho só aos 12 anos podem entrar na profissão, que, engrossada por aqueles que abandonam o l.º ciclo, porque o ofício os chama irresistivelmente, como pretexto, como refúgio, como razão de ser, mas quase sempre por razões desordem económica, constitui uma grande corrente de trabalho infantil rica de esperanças mas pobre de conhecimentos que enche o nosso mercado e que este aproveita para explorar em proveito próprio e num esbanjar de riqueza sem par.
Na base dessa polivalência é imperioso um ciclo orientador, porquanto o desenvolvimento geral do País, como consequência lógica da aplicação de dois planos de fomento, e a criação do novas indústrias criaram novas necessidades, que- impõem uma educação de base e uma formação profissional que permita uma maior mobilidade profissional e a utilização dos mais aptos em cada posição para efeitos de produtividade do trabalho.
No momento em que a Corporação da Indústria faz um inquérito para estabelecer as condições do aprendizado, faço votos para que se estabeleça uma correlação entre a escola e a indústria no sentido de se coordenar os fins das duas instituições.
Porque em relação ao ensino liceal já o Sr. Deputado Olívio de Carvalho e outros Srs. Deputados em intervenções brilhantes fizeram estudo completo e exaustivo e cujas considerações perfilho também, farei algumas considerações sobre o ensino técnico profissional, onde tenho a honra de exercer a minha actividade profissional.
O Estatuto do Ensino Técnico Profissional, aprovado pelo Decreto n.º 87 029, de 25 de Agosto de 1948, constitui o documento mais notável no campo da evolução do ensino em Portugal, contém uma experiência pedagógica de valor inestimável, que à data do seu estabelecimento poderia figurar entre os mais perfeitos da Europa e ainda hoje mantém este ramo de ensino à frente dos demais no panorama pedagógico do nosso país.
Nas 103 escolas técnicas, das quais 65 criadas nos últimos 15 anos, e no aumento de alunos, que passou de 33 000 para 130 000, consequência da aplicação do novo estatuto, reside a força, e poder da elevação do nível técnico das nossas indústrias e do desenvolvimento económico do nosso país.
São suas características principais:
1) Apresenta a primeira tentativa organizada de orientação escolar, nos termos dos seus artigos 25.º e 51.º, e fez a introdução de novos métodos pedagógicos e didáctica adequada.
2) Traz consigo um extraordinário meio de evolução cultural do povo português, de extensão da instrução primária e de valorização profissional nos cursos complementares de aprendizagem.
3) Estabelece, a possibilidade de uma formação pré-profissional e de uma especialização ao nível secundário, que dá aos seus alunos possibilidade de ao fim de um estágio profissional adequado, concluir uma formação profissional que muito tem contribuído para a elevação do nível técnico da nossa indústria.
4) Estabelece as possibilidades de uma estreita ligação entre a empresa e a escola pelo estabelecimento de comissões do patronato, que podem influir na organização de programas e planos de estudos e ajudar a escola na solução de alguns dos seus problemas, permitindo estabelecer um diálogo entre a escola e a vida a todos os títulos benéfico.
5) Constitui passo definitivo no caminho de um ensino moderno e actualizado.
Todavia, passados quinze anos, não foi possível realizar integralmente a sua extraordinária função, como, aliás, foi reconhecido pelo 1.º Congresso Nacional do Ensino Técnico, realizado em 1958, principalmente porque:
Em relação à primeira alínea: por deficiente formação pedagógica dos professores para actuar no ciclo orientador e falta de centros pesicopedagógicos para recolha e estudo dos elementos de orientação; por confusão entre a orientação escolar e orientação profissional, por deficiente interpretação do artigo 25.º do estatuto e por uma contradição

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flagrante entre o ciclo orientador, que pretende ser, e o sistema pedagógico de exames de admissão e saída do ciclo, realizado este na base de conhecimentos adquiridos em exame estandardizado para todo o território português mesmo em desiguais estádios de evolução.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um exame de admissão que é pedagogicamente um erro para além de estruturalmente inaceitável; pois não podendo ser por razões de ordem psicopeda-gógica feito senão por averiguação dos conhecimentos adquiridos até à 4.ª classe, e estes foram averiguados no exame de instrução primária, significa em última análise desconfiança no trabalho tão digno dos professores de instrução primária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderia ser substituído por testes psicopedagógicos, o que suscitaria o problema dos reprovados ou desadaptados, a que teria de ser dada solução, para não encher as turmas de alunos sem condições ou para não irem engrossar a torrente de trabalho infantil a que já me referi.
Não havendo base segura para a orientação escolar, a escolha da profissão é normalmente feita pela família, segundo os seus desejos ou segundo um conceito utilitarista da profissão mais remunerada no momento ou por preferência desta ou daquela profissão, independente da vocação do aluno, com todos os inconvenientes que de uma tal medida resulta.
Em relação à alínea 2), a criação dos cursos complementares de aprendizagem é feita pelo artigo 52.º do estatuto, que estabelece:

Os cursos complementares de aprendizagem são ministrados paralelamente e em correlação com a iniciação profissional realizada nas fábricas, oficinas, estabelecimentos comerciais e semelhantes, e destina-se a facilitar aos aprendizes e praticantes a educação geral c técnica, que, associando a técnica à prática, obtida fora da escola, lhes confira a conveniente aptidão profissional.

Estes cursos de planos reduzidos, destinados a aumentar a cultura geral e o aperfeiçoamento profissional, seriam realizados a seguir ao período normal de trabalho, não indo as aulas além das 19 horas, nos termos do artigo 58.º
Pois bem, este extraordinário meio de elevação cultural e técnica dos nossos aprendizes não foi totalmente aproveitado e está hoje reduzido a um valor quase nulo pelas razões seguintes:
1) Porque as entidades patronais nunca deram cumprimento ao estabelecido no artigo 57.º do estatuto, que impõe àquelas entidades a obrigação de participar à escola o nome dos seus aprendizes para serem matriculados no ano seguinte. Algumas indústrias adoptaram até, quando tiveram de o fazer, II medida negativa de só admitirem aprendizes com a 3.ª classe que não podiam ser matriculados.
2) Porque as delegações do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência não fizeram a fiscalização do cumprimento desta medida, conforme estabelece o artigo 64.º do estatuto.
3) Porque a escola não exigiu o cumprimento da lei e matriculou mesmo nestes cursos indivíduos que não estavam empregados, adulterando assim a finalidade de um curso de extraordinária importância para a elevação do nível cultural e profissional da nossa mão-de-obra.
4) O desconhecimento por parte das entidades patronais da verdadeira finalidade destes cursos levou-as a exigir dos diplomados trabalhos para que não estavam preparados, com o consequente descrédito do ensino, que levou a escola a ir suprindo cada vez mais os cursos de aprendizagem existentes tal como vinham sendo realizados, não existindo hoje mais de uma dúzia a funcionar, excepto no sector agrícola, onde foram criados 250 cursos frequentados por cerca de 5000 alunos.
Em face da actual carência de mão-de-obra especializada e semiespecializada para a nossa indústria e para evitar que continuemos a exportar mão-de-obra desqualificada, importa fazer a reabilitação destes cursos, na pureza dos princípios que presidiram à sua criação, dado que, para além do mais, constituem o excelente meio de prolongamento de escolaridade obrigatória e ainda, creio, um excelente auxílio da formação profissional acelerada em que está empenhado o Ministério das Corporações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à alínea 3), podemos afirmar que os estágios profissionais, salvo numa dúzia se tanto de organizações, onde os mesmos são organizados segundo métodos racionais e científicos, reduzem-se, nas restantes, a uma iniciação profissional sem qualquer coordenação com o esquema de ensino; com sérias repercussões na formação profissional dos alunos, e responsável pela maior parte dos desaires no exame de aptidão profissional que estes realizam após os seis meses de estágio.
A escola não é só prefácio da profissão, porque a profissão é também escola. A educação escolar, qualquer que seja o grau ou nível, constitui apenas a primeira fase de uma boa formação profissional.
Não pode, portanto, exigir-se do ensino técnico profissionais acabados, mas antes indivíduos dispondo de uma cultura geral e de uma formação pré-profissional que só no exercício da profissão poderá atingir o seu pleno desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A escola técnica incute nos alunos capacidades genéricas ou de base relativas a famílias de várias profissões, que poderão ser desenvolvidas depois por especializações nas diferentes profissões seguidas. Às empresas caberá aqui papel preponderante, organizando estágios, criando cursos de treinamento e especialização, de cujos resultados serão as principais beneficiárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: da composição e organização dos planos de estudo dos cursos do ensino técnico ressaltam também anomalias que importa remediar. Cito apenas três.
Nos cursos de formação do comércio o número de horas por semana é de 28 no 1.º ano, 30 no 2.º ano e 31 no 3.º ano, o que distribuído pelos cinco dias dá 6 horas de trabalho intelectual por dia.
Nos cursos de formação de serralheiro há, respectivamente, 38, 42 e 40 horas semanais. No curso de montador electricista são, respectivamente, 40, 43 e 42 horas, das quais metade teóricas e metade práticas, mas que perfazem mais de 8 horas de trabalho diário.
A estada de alunos em plena adolescência durante 8 horas por dia na escola, que só com um intervalo de

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10 minutos para desentorpecer as pernas vão passando pelas diferentes aulas e oficinas, tem uma extraordinária repercussão maléfica na saúde mental dos alunos. Se atendermos que para além dessas 8 horas ainda há uma hora ou mais de caminho a percorrer, às vezes a pé, e que em casa ainda haverá que preparar os trabalhos e as lições para o dia seguinte e possivelmente um explicador, portanto mais uma ou duas horas de trabalho, haverá de reconhecer que é uma violência para uma criança desta idade, e havemos de encontrar aí a razão do fraco rendimento dos cursos industriais e comerciais.
Presença de uma criança de 12, 13 e 14 anos numa oficina em trabalhos violentos de lima e de ajuste cria o cansaço físico e intelectual que leva à fuga das obrigações escolares e à consequente perda dos anos por faltas.
No caso dos cursos comerciais, em que a média é de seis horas de aulas teóricas e depois mais uma ou duas de trabalhos em casa, podemos verificar que se chega a pedir à criança oito e mais horas por dia que esteja tranquila na sua cadeira, sem se distrair durante várias horas seguidas, coisa que poucos adultos têm coragem e vontade de fazer, sem falar da capacidade de atenção necessária que é preciso suportar em tal regime durante nove meses ou mais do ano escolar.
Razões diversas se podem invocar para justificar o sistema, desde as condições do edifício e os meios pedagógicos até às razões de ordem económica do País e das famílias, que não comportam despesas com estudos prolongados. Um certo número de questões, porém, estão hoje definidas e aceites: os adolescentes têm tanta necessidade de repouso como de actividade, eles têm necessidade de momentos de ócio e de solidão que possam utilizar à sua vontade, mesmo a não fazer nada, bem como períodos de esforço e trabalho disciplinado, individual ou colectivo. No equilíbrio da utilização do seu tempo com vista ao seu desenvolvimento e formação integral reside o segredo de uma educação completa.
Se atendermos a que na sobrecarga dos planos de estudo residem, pelo menos, 30 por cento dos fracassos dos alunos do ensino secundário, conforme conclusões de autoridades da saúde mental, encontraremos motivos mais que suficientes para fazer uma melhor distribuição das matérias, por mais um ano escolar pelos menos.
Vejamos o panorama do aproveitamento dos alunos, em relação ao ano de 1960-1961.

[Ver Tabela na Imagem]

Concluiremos assim que 27 por cento dos alunos matriculados ou não eram susceptíveis de orientação se o ciclo fosse efectivamente orientador, e então haveria que pôr o problema dos desadaptados, ou a mesma percentagem não conseguiu adquirir conhecimentos escolares para passar aos cursos de formação, o que, tendo em atenção a extensão dos programas e depois de aferidos os conhecimentos pelo exame de admissão, só é possível atribuir à deficiente actuação dos professores, acrescida das deficientes condições em que na maior parte das escolas se ministra este ensino e da deficiência dos meios postos ao dispor dos mesmos professores.

[Ver Tabela na Imagem]

importa, pois, aplicar um plano de estudos que não faça uma excessiva concentração de matérias, mas antes as distribua por maior número de anos, evitando, assim, que o aluno seja transformado no pequeno funcionário ou no operário em miniatura, ao qual é preciso ensinar muitas e preciosas técnicas, mas seja antes aquilo que é: uma alma em maturação que leva o seu tempo a amadurecer.

Comércio: alunos
matriculados

formação................................. 13 552
Aperfeiçoamento.......................... 14 690
Aprendizagem............................. 1 126
29 368

Indústria:

Formação................................. 12 327
Aperfeiçoamento.......................... 12 051
Aprendizagem............................. 958
25 336

Deste último mapa podemos concluir que a grande massa da população escolar das escolas técnicas frequenta o ensino de aperfeiçoamento, sintoma de que os alunos começam cedo a sua actividade profissional e passam a frequentar os cursos nocturnos.
Sr. Presidente: se o actual esquema do ensino técnico correspondeu às necessidades de equilíbrio e coordenação com o desenvolvimento económico do País em épocas anteriores, tomando em conta o risco que se corria de criar um proletariado intelectual, fonte de desequilíbrio das estruturas económicas, sociais e políticas, também é verdade que no actual estádio de desenvolvimento geral do nosso país e nas previsões que se vislumbram para o futuro já não tem cabimento um esquema de ensino que faz a formação de técnicos em nível médio, os mais necessários ao País na presente fase de desenvolvimento, a fim de evitar descontinuidades na pirâmide da organização profissional das nossas indústrias apenas em duas cidades do País - Lisboa e Porto -, fazendo uma selecção de valores já em exames de admissão sem valor pedagógico, mas principalmente com base em desigualdades económicas do povo português.
Efectivamente não acorrem hoje aos institutos médios mais candidatos, porque os encarregados de educação dos alunos da província não têm possibilidades económicas para deslocar os seus filhos para aquelas duas cidades,

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e se o podem fazer fazem-no para as Universidades. E sintomática a situação dada pelas estatísticas de 1960-1961: dos 229 alunos matriculados noa institutos comerciais, 376 destinam-se às secções preparatórias para o ensino superior e 53 para o curso de contabilistas. Creio ser viável o estabelecimento de institutos médios, mistos, industriais e comerciais, pelo menos, em todas as cidades com escolas técnicas e onde funcionam já as secções, preparatórias para estes institutos. Assim se criaria neste ramo de ensino um 3.º ciclo, que, paralelamente a uma formação técnica mais aperfeiçoada c elevada ao nível de mestres e contramestres, tão necessários à nossa indústria, poderia também preparar agentes técnicos de engenharia ao nível médio.
Os indivíduos assim habilitados poderiam substituir grande parte dos engenheiros e licenciados em Económicas, que hoje não há e que em boa verdade não vejo que sejam muito indispensáveis para ministrar os conhecimentos tecnológicos dos primeiros anos dos cursos de formação. Esta posição seria um estímulo mais a acrescentar ao interesse de valorização dos alunos sem grande aumento de despesas por parte das famílias.
Sr. Presidente: na base do ordenamento e realização de qualquer plano educativo há um elemento imprescindível, fundamental, do qual depende sempre o êxito ou inêxito das reformas que se fizerem. Esse é o pessoal docente. Professores e mestres, todos unidos na mesma finalidade da educação, devem constituir um corpo uno, prestigiado, consciente do seu valor, da sua função e da parte que lhe cabe no campo de engrandecimento do nosso país.
Ora, creio que este princípio é absolutamente incompatível com a situação actual dos professores, que são na sua maior parte professores eventuais, sem formação profissional e pedagógica apropriadas, e, o que vai sendo mais grave, sem as habilitações literárias necessárias para o exercício da sua função, com a medida de eficiência que implica fraco rendimento e cuja actuação tem reflexo extraordinário em toda a vida nacional.
Sabido como é que o aluno aprende mais pelo exemplo que por qualquer outro processo, importa prestigiar uma função que, exercida em condições de deficiência de meios e de formação profissional, deixará profundos sulcos na formação dos alunos, com o consequente reflexo na sua conduta, futura.
Ao professor caberá fazer desabrochar no aluno todas as qualidades potenciais, positivas e negativas, em ordem ao máximo aproveitamento daquelas e à subordinação destas, a um juízo de valor e à formação de um carácter que só um professor digno poderá conseguir.
O panorama do ensino técnico, porém, neste campo, não é de modo nenhum animador, como consequência do extraordinário afluxo de alunos que nos últimos dez anos tem chegado a este ramo de ensino, que exige um grande número de licenciados de todas as especialidades, licenciados que vão faltando cada vez mais ao ponto de já grande percentagem do ensino técnico não ter sequer a habilitação legal exigida, para o magistério eventual.
Às escolas chegam todos os anos dezenas de universitários dos últimos e agora já dos primeiros anos das Universidades, que, cheios de entusiasmo e boa vontade, mas falhos de uma formação pedagógica necessária ao bom exercício da profissão, lá conduzem os seus alunos ao fim do ano com mais ou menos valores. Esta situação, para além do diminuir o prestígio de uma classe, diminui a qualidade do ensino ministrado: tem ainda um inconveniente maior, que é o atraso que ocasiona na formatura dos licenciados, por um lado, pois que o regime de trabalho nas escolas técnicas não é compatível com o sossego de espírito necessário para prosseguir na formação universitária e leva o indivíduo a uma situação que é provisória, mas que pode arrastar-se por tanto tempo que mais pode considerar-se definitiva, e embota, por outro Lido, o espírito universitário, tão necessário às tarefas de investigação a que esse mesmo espírito deve conduzir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, creio que a profissão de professor terá de construir carreira própria dentro das nossas Universidades pela criação de um instituto superior de pedagogia, para evitar que, após uma licenciatura longa e difícil, o candidato a professor ainda tenha de fazer mais dois anos de preparação pedagógica, o que muito contribuiu para o seu afastamento desta profissão. Nas especialidades técnicas exigir-se-ia a formação pedagógica, simultâneamente com o exercício da profissão nos primeiros anos, conduzida por professores metodólogos itinerantes ou inspectores metodólogos, que, por meio de orientação, fiscalização e colóquios temporários, avaliariam das possibilidades de efectivação dos candidatos. Em qualquer dos casos, porém, o professor, ao entrar no exercício da sua função, deve fazê-lo com um vencimento correspondente pelo menos à categoria de auxiliar.
Para melhor avaliação da posição do problema, consultemos os dois quadros de pessoal docente em exercício no ensino técnico, o primeiro referido ao ano de 1957 e o segundo ao ano lectivo de 1963-1964.

[Ver Quadro na Imagem]

Depois da elaboração deste quadro, foram criadas mais 30 escolas, o que significa ser maior o número do professores indicados:

Agentes do ensino do quadro:

Professores efectivos............................ 403
Professores adjuntos............................. 278
Professores auxiliares........................... 41
Mestres.......................................... 290
Contramestres.................................... 34
Auxiliares....................................... 28 1074

Agentes de ensino do serviço eventual:

Professores agregados............................ 16
Professores extraordinários...................... 504
Professores provisórios.......................... 2 171
Professores contratados.......................... 750
Mestres.......................................... 232
Contramestres.................................... 301
Auxiliares provisórios........................... 879 4353

Total............................................ 5427

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Podemos, em face dos mapas, tirar as seguintes conclusões:
1) Reduzido número de vagas do quadro em função das necessidades.
2) O pessoal eventual excede mais de 80 por cento o pessoal do quadro, numa verdadeira inversão de posições.
3) Há grupos onde os lugares estão todos preenchidos, pois estão em exercício 41 auxiliares e 16 agregados esperando vagas para acesso à efectividade.
4) Em face das razões anteriores, importa fazer um alargamento de quadro para que não se verifique a inversão de valores que se antevê.
Vejamos agora o panorama em relação em estágio: Ano de 1961-1962 - 120 candidatos dos vários grupos. Ano de 1962-1963 - 87 candidatos dos vários grupos, dos quais só compareceram às provas, 79, nas quais reprovaram 20.
No 11.º grupo eram 27 candidatos a professores adjuntos, dos quais 18 professores primários com 15 valores e 10 anos de serviço, 6 licenciados e 3 com habilitações específicas para professores adjuntos.
8.º grupo, 1.º grau, 19 candidatos, dos quais 8 professores primários, 9 licenciados e 2 com habilitação para professor adjunto.
Ano de 1963-1964 - 69 candidatos dos vários grupos, dos quais 2 não compareceram às provas.
Não abriu o estágio para o 10.º e 11.º grupos, 2.º grau, por estarem preenchidos todos os lugares do quadro.
Ficou deserto o concurso no 8.º grupo, 2.º grau.
Foi aprovado apenas um candidato no 9.º grupo.
20 candidatos destinam-se a professores adjuntos do 11.º grupo, sendo a maior parte professores primários.
18 candidatos destinam-se a professores adjuntos do 8.º grupo e são constituídos igualmente por professores primários.
O conjunto dos dois grupos dá número superior ao número de candidatos nos restantes grupos.
Podemos então concluir:
1) A profissão começa a não interessar aos jovens, pois, como se vê nos últimos concursos de estágio, nos grupos em que podem concorrer, o maior número é de professores primários já antigos que procuram melhorar a sua situação e aproveitar o direito, que a lei lhes confere, de acesso a um ramo de magistério superior.
2) A profissão não interessa aos novos licenciados, como é evidente, pois alguns concursos ficam desertos.
Mas não interessa principalmente na parte técnica, porque, para além de uma licenciatura longa e difícil, ainda lhes são exigidos dois anos de estágio, ainda que remunerado em parte, mas com uma certeza apenas: que após um estágio com provas de entrada e de saída, onde farão a sua preparação pedagógica indispensável, irão exercer a sua actividade em qualquer cidade ou vila da província auferindo o vencimento mensal de 4500$, sujeitos a desconto, vencimento que qualquer empresa particular paga de entrada, sem qualquer estágio, e que o próprio Estado paga também, porque, devido à falta de licenciados, entrou já em regime de concorrência, como se vê do anúncio publicado no Diário de Noticias de 5 de Janeiro de 1964, que não resisto à tentação de transcrever:

Licenciados ou licenciadas em Engenharia, Ciências Económicas, Economia, Finanças. Matemática, Direito ou Letras, para chefes de secção de organismo oficial em Lisboa. Vencimento 4500$. Indicar curso, idade, data da sua conclusão, etc.
A falta de professores não é um problema exclusivamente nacional, mas sim um problema mundial, sendo mais importante nos países altamente industrializados. Todos os países têm recorrido a medidas diversas de aliciamento de professores. No nosso país criou-se a categoria de professor extraordinário, pelo Decreto n.º 41 176, de 8 de Julho de 1957, que não surtiu o efeito desejado, porque estabelecia as mesmas condições de professor eventual no que diz respeito a direitos e a obrigação de ficar três anos preso na mesma escola, sem direito a pagamento nas férias. Esta desigualdade de direitos e obrigações provocou a fuga de alguns e a não entrada de mais e acabou por ser principalmente um processo de assegurar a estabilidade dos menos aptos.
Sr. Presidente: a juventude é a maior riqueza de qualquer nação. Esta frase, hoje um lugar-comum, é a manifestação de uma realidade palpável que a ninguém é lícito desconhecer ou negar.
A juventude é seiva vivificadora da Nação, que urge evitar que seja envenenada para que não morra com ela essa nação e se não perca a própria pátria.
Importa, portanto, dar à juventude uma formação integral que faça dela a garantia segura da continuação deste Portugal que, na sua pluricontinentalidade e plurirracialidade, queremos uno, livre, independente e cristão.
Importa, assim, que os planos de estudo do ensino secundário contenham, para além de uma cultura académica ou técnica e física, um conjunto de actividades culturais formativas, acessórias e complementares, que seja muito mais do que as expressas na actual hora de educação moral e religiosa, e duas sessões de actividades da Mocidade Portuguesa obrigatórias para o 1.º ciclo e facultativas para os outros.
É necessário que nos planos de estudos sejam considerados tempos livres durante os quais o jovem possa dar execução às suas capacidades criadoras. Que esses tempos livres não sejam, como os de agora, licenciosos, mas livres para o aluno realizar aquilo que o seu engenho idealizou dentro da escola.
Assim, paralelamente à escola e integrada nas suas actividades escolares uma organização juvenil, constituída por jovens, com jovens e para jovens, haverá que permitir-lhes utilizar os tempos livres em actividades complementares da sua actividade escolar. Uma organização nacional que faça educação nacional, pois que, como Almeida Garrett, entendo que nenhuma educação pode considerar-se verdadeiramente útil se não for eminentemente nacional.
Uma organização que efectivamente existe em Portugal desde 1936, a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, que foi berço de heróis, como Maciel de Chaves...

O Sr. Júlio Evangelista: Tem V. Ex.ª muita razão. Apoiado!

O Orador: - ... e outros tantos quantos no nosso ultramar e viveiro dos mais altos valores nacionais, dos quais se contam alguns elementos do Governo, mas que, por razões de uma visão acanhada, talvez da sua verdadeira finalidade por parte das famílias e de alguns dirigentes responsáveis, vive atrofiada pelo desinteresse destas entidades e, principalmente, por uma extraordinária falta de meios, que mutila todas as iniciativas e mata todas as actividades e possibilidades de formação da juventude.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sabido como é que as famílias são maus educadores e que com o sentido utilitário das coisas não se apercebem do extraordinário valor destas actividades e que os dirigentes, por outro lado, por razões de comodidade uns, de ignorância outros e outros sabe-o Deus, suo os verdadeiros culpados desta situação, importa rever o problema para prestígio de uma organização que o Governo criou num momento delicado da conjuntura nacional e cujo abalar do prestígio abala o prestígio do próprio Governo.

Uma organização ao âmbito nacional, cujo orçamento anual é inferior ao da Casa Fia de Lisboa, como afirmou o Sr. Deputado Gonçalves Rodrigues, dá uma noção exacta do ridículo dos suas possibilidades de desempenho da sua função.

O Sr. Júlio Evangelista: - Muito bem!

O Orador: - Mas uma coisa são os meios e outra os princípios em que assenta. Princípios que, representados no respeito dos valores mais altos da nossa vida pela trilogia Deus, Pátria e Família, hão-de fazer dos jovens homens dignos, cidadãos portugueses, conscientes, capazes de tudo dar, até a própria vida, por esta pátria que queremos grande.

O Sr. Sales Loureiro: - Muito bem!

O Orador: - Assim haverá, creio eu, a par de uma reorganização dos planos de estudos, que reformar a Organização Nacional Mocidade Portuguesa, de forma a dotá-la com os meios necessários para poder realizar a sua missão formativa e patriótica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As actividades criadoras dos jovens podem ser distribuídas pelos variados sectores: desportivo, teatro, poesia, literatura, jornalismo, aeromodelismo, naviomodelismo, estudo astronáutico, música, artes plásticas, fotografia e cinema, campismo e actividades de carácter social, orientando e administrando uma secção de camaradagem com largo alcance social no auxílio aos alunos mais necessitados, desde as cantinas, propinas, livros, transportes, lares para rapazes e raparigas, etc., à organização de estudos e inquéritos que levam os jovens ao conhecimento de problemas sociais do seu meio e da sua época e que podem levar à formação político-social da juventude.

É todo um largo campo de actuação de uma juventude que hoje, sobrecarregada de estudos livrescos e maçudos, impossibilitada de realizar, por falta de meios, as iniciativas da sua capacidade criadora, abandona, procurando refúgio em organizações dos mais variados matizes e que, sem uma orientação definida, é conduzida no desinteresse, ao cansaço e à revolta, que são habilmente aproveitados pelos inimigos da Nação para os converter a doutrinas que levam a subversão dos valores que tanto queremos defender.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Importa, Sr. Presidente, rever este problema, fazer um inventário da obra da Mocidade Portuguesa, fazer um inventário das realizações que tem levado e leva todos os anos a efeito, fazer inventário das suas possibilidades e das suas actividades fundamentais, acrescentando-lhe todas as que possam interessar aos seus fins o expurgá-la de qualquer abcesso que esteja a minar a sua acção e dotá-la dos meios eficazes, materiais e humanos que possam levá-la a realizar a obra que todos esperamos dela.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Rever o problema dos dirigentes lembrando que, sendo obra de educação, são os professores quem possui as melhores condições para o fazer e que na complementaridade destas actividades encontrarão também motivo de interesse pessoal para além do interesse da formação da própria juventude, e, tendo em atenção que nem todos os directores de centro e dirigentes estarão verdadeiramente integrados na finalidade dos princípios da obra, há que organizar cursos de dirigentes ou colóquios para esclarecimento e doutrinação dos mesmos.

Rever os programas de construção dos edifícios escolares para que a estas actividades seja dada uma percentagem maior de construção, para que não aconteça não se poder desenvolver as actividades pelo facto de as instalações as não comportarem.

Rever o plano de actividades que têm de deixar de ser circum-escolares para serem escolares, de modo que não sejam só as quartas e os sábados, mas todos os dias, gastos em actividades voluntárias organizados pelos jovens e para o maior número possível de jovens, aproveitando os préstimos desses extraordinários servidores que são os professores de Educação Física, que, pela sua formação universitária, técnica e pedagógica, estão em condições de organizar uma grande tarefa, e de todos os outros professores que, fazendo a orientação das actividades, perceberiam um vencimento constituído por horas extraordinárias.

Importa, Sr. Presidente, dotar a Organização com os meios necessários para bem cumprir as suas funções.

Sr. Presidente: o momento que o nosso país atravessa é dos mais decisivos da nossa história. As decisões que se tomarem hoje podem estar velhas e ultrapassadas amanhã. Se não quisermos perder neste campo da educação a companhia dos primeiros e ser talvez ultrapassados pelos últimos, havemos de ter a coragem de, embora com os cuidados que um planeamento já revela, dar um passo mais largo no sentido de melhorar o nosso esquema de ensino.

Para tanto importa dotar o Ministério da Educação Nacional com os meios financeiros necessários ao bom exercício da sua missão.

Sabemos todos que a guerra que nos foi imposta e a defesa da sobrevivência do nosso país impõem sacrifícios enormes e outra orientação de dinheiros públicos, mas também é necessário lembrar que, se há que fazer economias, compressão de despesas, essas não podem fazer-se no sector da educação, pois que ele é o principal órgão motor do desenvolvimento da Nação e da criação de novas riquezas, cujos rendimentos irão auxiliar essa mesma defesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quero terminar, Sr. Presidente. Nas minhas muitas mas apoucadas palavras (não apoiado) pretendi demonstrar que a educação é ao mesmo tempo a causa e consequência do desenvolvimento geral das unções, como o Governo Português sempre entendeu e entende, pois outro não deve ser o sentimento que anima S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional ao anunciar o planeamento de acção educativa nos seus aspectos qua-

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litativo o quantitativo, que expresso num estatuto nacional de educação há-de dar satisfação às aspirações de todos os portugueses.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Que nos actuais planos de ensino há algumas falhas, e há sempre falhas que são mais consequência da actuação dos homens do que da essência dos princípios, e que urge remediar, atrevi-me mesmo a fazer sugestões. Não tenho a certeza de o ter conseguido, e assim a mágoa de não ter feito render todos os talentos que Deus entregou a minha guarda. Uma certeza me ficou, porém, deste debate, é que outros o fizeram por mim com tanto brilho que hão-de apagar o eco das minhas descoloridas palavras.

Quero porém acrescentar que no momento presente, em que ao País se põe o problema gravíssimo da sua sobrevivência numa guerra que lhe foi criminosamente imposta de fora, e que esgota dia a dia as possibilidades do erário nacional, havemos todos de fazer um esforço mais para vencer a dura batalha da educação, que há-de cimentar a unidade da retaguarda e ao mesmo tempo assegurar a criação de novos riquezas que hão-de contribuir para uma nova vitória no campo do desenvolvimento geral do nosso país, já que a vitória militar está assegurada pelas mãos das gloriosas forças armadas, que na grandeza de uma Pátria que querem grande, livre e independente, na força e coragem da juventude portuguesa que as integra e nas tradições de um passado brilhante encontram motivo bastante para heroicamente se bater, viver e morrer por Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para encerrar o debate o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: eis-nos chegados ao fim deste debate, que, excluindo a nossa modesta contribuição (não apoiados), nos pareceu pertinente e útil. Pela parte que nos diz respeito, sentimos sinceramente pena de não ter correspondido à grandeza do assunto (não apoiados), mas resta-nos como lenitivo a certeza com que VV. Ex.ªs ficarão de que viemos mais para cumprir um dever - dever que á grato ao nosso coração de português - e sem qualquer sombra de pretensiosismo e de preconceito renovador, como logo de início acentuámos.

Ao encerrar-se, portanto, este debate, cabe-nos a honra de agradecer em primeiro lugar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, com o testemunho do maior reconhecimento, a atenção que sempre se dignou dispensar-nos e que, mais uma vez, pôs em plano de evidência a sua generosidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A todos os Srs. Deputados que participaram nesta discussão, os nossos cumprimentos e agradecimentos pela dedicada e inteligente colaboração que nos prestaram, através de valiosíssimas contribuições que pudemos interessadamente seguir durante as oito últimas sessões e em que usaram da palavra 30 Srs. Deputados, numa afirmação de extraordinário interesse pelo problema suscitado, o que permitiu que o debate se revestisse de uma elevação que de outro modo estaria comprometida.

Queremos ainda tornar extensivo o nosso reconhecimento a toda a Assembleia pela benévola atenção e bom acolhimento que nos proporcionou.

Finalmente, a imprensa, à rádio e à televisão, o testemunho de muito apreço pelo relevo que sempre foi dado a este debate.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: como algures dissemos, para aqueles que, como nós, vivem a sua profissão, que procuram ter da vida uma visão que nos desperte na alma uma dedicação contínua e um entusiasmo sem arrefecimento, mesmo nas situações mais delicadas, é sempre com incontida satisfação que nos debruçamos sobre problemas que directamente nos dizem respeito, não só por nos permitir um reflectido exame de consciência, como ainda no propósito de evitar que, umas vezes por negligência, nossa e outras por influência de certo alheamento de prementes realidades, sejamos arrastados para situações que nos poderão ser fatais.

E porque durante o debate nenhum colega se ocupou da investigação cientifica, creio de muito interesse uns momentos de reflexão sobre o que se passa neste importantíssimo sector.

Na sessão de 22 de Março de 1962 tivemos oportunidade de fazer algumas considerações sobre a investigação científica como consequência da actividade desenvolvida pelo Instituto de Alta Cultura. Nesse momento não regateámos os louvores que nos pareceram justos, motivo por que agora nos encontramos em posição insuspeita para mais algumas notas complementares.

A investigação científica tem de ser orientada e coordenada com o apoio e colaboração das Universidades para que a mutabilidade atinja o seu expoente máximo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O futuro investigador, como já uma vez afirmámos, deve possuir formação científica suficiente para ser capaz de assimilar com maior ou menor facilidade os ensinamentos de outrem ou, por si só, lançar-se na busca de novos horizontes das matérias que ocupam a sua atenção. Portanto, a aprendizagem prévia que, fornecendo-lhe os necessários conhecimentos, lhe desenvolva o desejo de encarar problemas mais transcendentes e a criação da mentalidade de investigador, são funções da Universidade.

Mas o desenvolvimento da investigação no nosso país tem de obedecer a um trabalho perseverante e bem orientado, e para tal nada mais seria necessário do que reorganizar o Instituto de Alta Cultura, com vista a poder desempenhar essa elevada missão, pois que actualmente já não corresponde às exigências científicas e culturais do momento que atravessamos.

E é necessário também que a indústria nacional, em fase evolutiva importante, compreenda que é de incomensurável proveito para o seu desenvolvimento uma investigação científica de elevado nível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há países, por exemplo, onde o "montante de bolsas ou subsídios originários da indústria e destinados às Universidades chegam a atingir mais de 30 por cento da quantia que estas utilizam na investigação".

Neste, como noutros aspectos, justo é pôr em evidência o notável auxílio que a Fundação Calouste Gulbenkian tem

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generosamente concedido, impulsionando de forma extraordinária a investigação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No articulado do Decreto n.º 38 680, de 17 de Março de 1952, que desligou o Instituto de Alta Cultura da Junta Nacional da Educação, além de se ler que aquele organismo propulsionará a investigação científica, coordenará os trabalhos de investigação científica nacionais, organizando, definindo e classificando os centros criados pelo Ministério da Educação Nacional, mais se lê também que superintenderá nas relações culturais com o estrangeiro e na difusão da língua e da cultura portuguesas. Ainda no artigo 33.º do citado decreto se diz que "dentro do prazo de 60 dias, a contar da publicação deste decreto-lei, o Instituto de Alta Cultura elaborará e submeterá à aprovação ministerial os regulamentos necessários à sua inteira execução". Ora, como parece que os regulamentos, se realmente se procedeu à sua elaboração, não foram publicados, depreende-se que o Instituto de Alta Cultura se rege pela legislação anteriormente existente relativa ao Decreto n.º 36 381, de 16 de Janeiro de 1929, que criou a Junta de Educação Nacional, e pelo Decreto-Lei n.º 26 611, de 19 de Maio de 1936, que aprova o regimento da Junta Nacional da Educação.

Pensámos que seria do maior interesse que o Instituto de Alta Cultura, como futuro organismo coordenador do toda a investigação científica, pudesse dotar os institutos de investigação e centros de estudo com regulamento próprio, superintendendo nas suas actividades científicas e procurando manter a mais íntima colaboração com a Universidade.

Pensámos também, que seria do maior interesse que esse departamento superintendesse efectivam ente no fomento e conhecimento da língua portuguesa no estrangeiro e na divulgação da nossa literatura, da nossa arte, da nossa história, etc.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pensámos ainda que serão de fomentar acordos culturais com vários países e cumprir devidamente os existentes, evitando a perda de certo prestígio internacional no campo cultural.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aqui deixamos, em suma, algumas justificadas apreensões para atenta reflexão e muitas outras poderiam ser formuladas no sentido de evidenciar a urgência de uma reorganização da orgânica do Instituto de Alta Cultura. Uma sugestão, porém, nos permitimos apresentar neste momento: da sua direcção deveriam fazer parte os reitores das Universidades, por conhecedores no mais elevado grau de todos os pormenores que às mesmas Universidades dizem respeito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: teve este aviso prévio a vantagem de tornar possível a agitação de problemas, não ocultando as deficiências ou omissões, a que urge dar rápida solução para prestígio das instituições e como útil serviço ao País, mas sem minimizar, o que seria flagrante injustiça, a notável obra já realizada. Todos os Srs. Deputados que intervieram directamente neste debate, como os milhares de portugueses que atentamente o seguiram e de cujo sentir nós somos intérpretes, conhecem perfeitamente o âmago do problema e são concordes em que é imperioso actuar com decisão e rapidez na reorganização de todos os graus de ensino, por forma a assegurar a eficiência da sua função, com vista a uma efectiva política de educação e de ensino.

É evidente que o assunto não foi esgotado, embora tivessem sido praticamente debatidos todos os aspectos fundamentais do aviso prévio, e dificilmente poderia sê-lo no condicionamento de tempo de que dispúnhamos e pela complexidade e um sem-número de implicações que envolvem todo este importantíssimo sector da educação nacional. Entretanto, a largueza de conceitos, a profundidade atingida em alguns aspectos, os pensamentos elevados que a todos nos arrebataram, vem revelar que nunca é demasiado debater problemas desta natureza, por apaixonantes e representarem ao mesmo tempo o fulcro de toda a actividade humana, com as mais vivas e transcendentes repercussões na vido da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É de assinalar o facto de ter existido a maior concordância com os princípios fundamentais enunciados no nosso discurso de apresentação do aviso prévio, pelo que está assim plenamente facilitada a nossa tarefa neste momento.

A extensão da escolaridade obrigatória na instrução primária; a revisão dos planos de estudo; a formação dos professores, do ponto de vista pedagógico, científico e moral; a revisão dos quadros de professores; a preparação da juventude, integrada em métodos e sistemas que correspondam aos moldes da melhor tradição portuguesa, tornando-a firme para resistir a todas as tentações ideológicas que a possam seduzir; a protecção e assistência médico-sanitária dos estudantes, como factores de primordial importância e do maior interesse social, tudo isto, comum afinal a todos os graus de ensino, foi aqui largamente debatido com impressionante uniformidade de opiniões. Seria, por conseguinte, estultícia da nossa parte reproduzir de novo o que tão brilhantemente já foi dito.

Um ponto há, também acentuadamente referido, que importa salientar, pois impõe que, tanto quanto possível, se mude de orientação, e que é o que se relaciona com a integração de escolas e institutos de investigação em Mistérios alheios a preocupações pedagógicas. Estas preocupações, como é evidente, apenas dizem respeito ao Ministério da Educação Nacional, pelo que o comando de tudo que a educação e ao ensino interessam devia depender do único departamento que existe para esse fim.

Daí a confusão que frequentemente se gera e a descoordenação inevitável, que se traduz quase sempre num desaproveitamento das totais possibilidades que possuímos e no enfraquecimento das respectivas instituições.

Sr. Presidente: quisemos ser breves, e por isso vamos terminar este debate servindo-nos de palavras em tempos proferidas por um dos maiores valores da nossa geração, o Prof. Braga da Cruz:

É muito o que acabo de pedir? Não me compete a mim responder. Posso apenas asseverar que pedi o que é justo e o que é necessário. Sei bem que é dura e de sacrifício a hora que vivemos e que o momento é o pior para pedir; mas sei também que os problemas da educação, ao lado dos problemas da defesa nacional, são aqueles que menos podem esperar.

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Por isso peço; e espero, apesar de tudo, ser ouvido. Espero confiadamente ser ouvido, naquela firme convicção de que de todos os pecados o pior é sempre o de perder a esperança.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: finalmente, pedimos permissão para depositar nas mãos de V. Ex.ª uma moção que pensamos conter os pontos que consideramos fundamentais e que foram debatidos no decorrer deste aviso prévio.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Q Sr. Presidente: - Vai ser lida a moção que acaba de ser apresentada.

Foi lida. É a seguinte:

Moção

A Assembleia Nacional, considerando a excepcional relevância dos problemas inerentes à educação e ao ensino, tanto na metrópole como no ultramar, pela sua elevada repercussão no progresso do País e natural projecção nos demais aspectos da vida da Nação, exprime os votos seguintes:

Que se promova, em futuro tanto quanto possível próximo, a extensão da escolaridade obrigatória;

Que se reconheça como de flagrante necessidade a preparação e valorização dos professores e a actualização dos seus quadros, bem como a conveniência da revisão dos planos de estudo em todos os graus de ensino;

Que se criem, com a possível urgência, nos estabelecimentos de ensino de grau mais apropriado, nomeadamente no ensino secundário, serviços de orientação profissional que permitam encaminhar os alunos num sentido mais de acordo com as sua tendências e aptidões e com as necessidades do País;

Que se tenha como fundamental e urgente a elaboração de um plano eficaz de formação da juventude, de características verdadeiramente nacionais, como o exigem os superiores interesses e futuro do País, criando-se simultaneamente as condições básicas para a sua realização;

Que se prossiga no reconhecimento da necessidade de desenvolver e fomentar o ensino particular;

Que se reorganize e dote convenientemente o Instituto de Alta Cultura por forma a poder vir a desempenhar o papel intensificador e coordenador de toda a investigação científica;

Que se atente na indispensabilidade de uma vasta remodelação do ensino superior, com vista a corresponder melhor ao tríplice objectivo de formação cultural, transmissão de conhecimentos e preparação de investigadores;

Que se acentue a consideração do relevante importância do papel que a Igreja, como é direito inerente a sua missão, tem desempenhado e deve continuar a desempenhar ao serviço da educação e do ensino.

Sala dos Sessões da Assembleia Nacional, 5 de Fevereiro de 1964. - Os Deputados: Joaquim José Nunes de Oliveira - Custódia Lopes - Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro - Olívio da Costa Carvalho - José Alberto de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.

Vai votar-se a moção.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão, com a seguinte ordem do dia: efectivação do aviso prévio sobre a crise agrícola nacional e as providências tomadas para a enfrentar, apresentado pelo Sr. Deputado Amaral Neto.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Antão Santos da Cunha.
António Magro Borges de Araújo.
António Martins da Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto dos Reis Faria.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Marques Fernandes.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Águedo de Oliveira.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.

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Jacinto da Silva Medina.
Joaquim do Jesus Santos.
José Luís Vaz Nunes.
José Maria rebelo Valente de Carvalho.
José dos Santos Bessa.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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