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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 130
ANO DE 1964 19 DE FEVEREIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 130 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 18 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.{ Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado II n.º 137 do Diário das Sessões, com um pedido de rectificação do Sr. Deputado Amaral Neto.
Leu-se o expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição,
recebeu-se na Mesa o Diário do Governo n.º 34, 1.ª série, de 10 do corrente, inserindo diversos decretos-leis.
Foi autorizado o Sr. Deputado Manuel Nunes Fernandes a depor no tribunal da comarca de Lamego.
O Sr. Deputado José Manuel Videira Pires foi autorizado a prestar declarações na Subdirectoria de Lisboa da Policia Judiciária.
Usou da palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo sobre o estabelecimento de zonas francas em portos, nomeadamente no do Funchal.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a crise agrícola nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gamboa de Vasconcelos, Vitória Pires, Francisco António da Silva, Nunes Fernandes, Mário Galo e Quirino Mealha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
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Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luis Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Para efeitos de reclamação, está na Mesa o n.º 127 do Diário das Sessões, correspondeu à sessão de 6 do corrente.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: desejo pedir a atenção de V. Ex.ª para o facto de nesse Diário e no relato do discurso de apresentação do aviso prévio existirem vários lapsos que numa leitura cuidada se tomarão em devida conta, mas há alguns pontos que me parecem merecer rectificação especial no Diário.
Assim, a p. 8172, col. 2.a, 1. 41 e 45, onde se lê: «efeito do King», deve ler-se: defeito de King»; .a p. 3177, col. 2.a, 1. 28 o 29, onde se lê: «da rentabilidade», deve ler-se: «dos rendimentos»; a p. 3179, col. 2.a, 1. 45 e 46, onde se lê: «declarações», deve ler-se: «decelerações».
Além disso, Sr. Presidente, por várias vezes, os tipógrafos me atribuíram o uso da palavra «rentabilidade». Ora eu desejaria que ficasse consignado no Diário que nunca da minha boca saiu tal palavra, que me parece galicismo demasiado gratuito, mas sim «rendabilidade», como de renda.
O Sr. Presidente: - Continua em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado, com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Das Cooperativas do Lacticínios da Madeira a aplaudir a intervenção do Sr. Agostinho Gomes em defesa dos produtos de lacticínios da Madeira.
Da Adega Cooperativa de Ponte de Lima a apoiar o debate sobre o aviso prévio acerca da crise agrícola nacional.
Do Grémio da Lavoura de Viana a secundar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto.
Do Grémio da Lavoura de Montemor-o-Velho a aplaudir a intervenção do Deputado António Santos da Cunha sobre o mesmo assunto.
Do Sindicato de Lanifícios da Covilhã a solicitar a revogação do § 2.º do artigo 7.º da Portaria n.º 20317.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 34, 1.ª série, de 10 do corrente, que inseri; os seguintes decretos-leis: n.º 45 556, que suspende, até 31 de Dezembro de 1964, o pagamento do imposto de minas liquidado si Empresa Industrial Carbonífera Electrotécnica, S. A. B. L., e à Empresa Carbonífera do Douro, S. A. K. L., pulas suas minas, respectivamente, de Rio Maior e Castelo de Paiva e que se encontra por pagar; n.º 45 558, que permito ao Conservatório Nacional contratar acompanhadores musicais para as aulas de canto, instrumentos, canto coral, dança e educação física, e n.º 45 559, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma importância para fundo da manutenção da Cantina Escolar do Coronel Francisco Pina Lopes, anexa às escolas de Escalos de Baixo, concelho do Castelo Branco.
Está na Mesa um ofício do juízo de direito da comarca de Lamego a solicitar autorização para o Sr. Deputado Manuel Nunes Fernandes depor naquele tribunal amanhã, pelas 15 horas.
Ouvido o Sr. Deputado sobre se via algum inconveniente para o exercício do seu mandato de Deputado em lhe ser concedida autorização, respondeu que não via inconveniente. Submeto, por isso, à consideração da Câmara o pedido de autorização.
Consultada a Gamara, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Está também na Mesa um ofício da Polícia Judiciária, Subdirectoria de Lisboa, pedindo autorização à Câmara para que o Sr. Deputado José Manuel Videira Pires possa ir prestar declarações no próximo dia 20, pelas 15 horas.
Ouvido sobre o assunto, o Sr. Deputado Videira Pires declarou que não via inconveniente para o exercício do seu mandato em que lhe fosse concedida autorização. Nestes termos, submeto o pedido à Assembleia.
Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Alberto de Araujo.
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O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: alguns portos portugueses, mercê da sua situação, como sejam Lisboa e Setúbal no continente, Funchal e S. Vicente de Gabo Verde, nas rotas do Atlântico Sul, têm sido. por mais de uma vez, apontados como possuindo condições excepcionais para constituírem zonas ou portos francos de primeira ordem.
Um porto franco, como já foi definido, é «um porto estabelecido fora da linha das alfândegas, aberto a todos os navios de comércio, sem distinção, quaisquer que sejam as suas bandeiras e a natureza da sua carga. E um ponto comum ao qual vêm ligar-se, por uma espécie de ficção, o território prolongado de todas as nações. Ele recebe de umas e lança noutras, livremente e sem direitos, os produtos respectivos.»
Os portos francos têm sido, através dos tempos, instrumentos fecundos de expansão económica. Porque são centros de agrupamento e armazenamento e, por vezes, de manipulação e transformação de mercadorias, activam o comércio externo, aumentam a reexportação e o tráfego marítimo, facilitam a utilização da mão-de-obra, são factor de desenvolvimento do rendimento nacional e, naqueles que têm um carácter industrial, elemento relevante no lançamento de novos empreendimentos e actividades, cujos benefícios não se circunscrevem ao porto franco, mas, pelo contrário, se alargam a todo o país em que este se encontra situado:
A navegação, as bolsas de comércio, o sector bancário, o turismo, o comércio de comissões e corretagem, encontram meios naturais de expansão e desenvolvimento no estabelecimento de zonas francas, que são também fonte importante de obtenção de moedas e divisas.
Foi certamente em obediência ao conjunto destes benefícios que se encarou já a possibilidade de criação de zonas francas no nosso país. A ideia é velha entre nós, mas pode dizer-se que só foi estudada em profundidade pela comissão formada pelas portarias do Sr. Ministro das Comunicações de 14 de Novembro de 1949 e 21 de Abril de 1950, a que presidiu o Sr. Eng.º Salvador de Sá Nogueira. A comissão, de que faziam parte diversas entidades que, pelas funções que desempenhavam, podiam pronunciar-se sobre os diversos aspectos a esclarecer e ventilar, encarou a possibilidade de se estabelecerem zonas francas em Lisboa e em Setúbal.
Sobre o assunto fizeram-se diversos estudos parciais, alguns deles de grande interesse, como os dos Srs. Eng.º Bacelar Bebiano, vogal do conselho de administração do Porto de Lisboa, Carlos Mantero e Manuel Alberto de Sousa, presidente e vogal da direcção da Associação Comercial de Lisboa, Dr. Miguel Bastos e Eng.º Luís da Fonseca, então, respectivamente, presidente da Junta Autónoma e engenheiro director do Porto de Setúbal, sendo o relatório geral da autoria do presidente da comissão, o Sr. Eng.º Salvador de Sá Nogueira, que produziu um trabalho notável, não só pelo seu ordenamento, mas também pelos esclarecimentos que lança sobre matéria tão vasta e complexa.
A definição e o âmbito de uma zona franca, as várias modalidades que pode revestir, as controvérsias que tem suscitado, as vantagens que do seu estabelecimento resultam, a disciplina e regras a que está sujeito o seu funcionamento e a sua administração, condições mais convenientes para a sua localização, espaço e instalações que pressupõe e implica, tarifa aduaneira aplicável às mercadorias importadas da zona- franca para o interior, aplicação de contrôle de câmbios e contrôle de comércio, tudo está estudado e exposto com uma clareza e objectividade que muito honram a inteligência e o saber do seu ilustre autor.
Depois de expostos e desenvolvidos todos estes pontos, a comissão concluía por considerar possível e altamente conveniente para a Nação o estabelecimento de zonas francas nos portos de Lisboa e de Setúbal, de carácter comercial e limitadamente industrial.
A construção e exploração destas zonas deveriam ser feitas directamente pelo Estado ou em regime de concessão a longo prazo. Em primeiro lugar devia
tentar-se a construção e a exploração em regime de concessão e, se a tentativa não surtisse o efeito desejado, o Estado tomaria para si o encargo de realizar todo o empreendimento.
O Sr. Eng.º Sá Nogueira, ao terminar o seu relatório, lembrava a célebre frase de D. Pedro V:
Quando se nomeiam comissões é para que elas façam um trabalho útil e não para que os seus escritos aumentem os valores mortos, que jazem na poeira dos arquivos das secretarias de Estado.
São passados quase doze anos e, apesar de longo período decorrido, não deixamos de considerar trabalho utilíssimo o que realizou a comissão encarregada de estudar a possibilidade de estabelecer zonas francas nos portos de Lisboa e de Setúbal pela contribuição que deu para um assunto que, desde o rei D. José, por mais de uma vez, tem sido debatido nó nosso país.
É evidente que, como se afirma, num estudo citado no referido relatório:
O problema das zonas francas é, essencialmente, um problema de comércio internacional. E sobretudo em relação às condições gerais em que se podem efectuar as trocas internacionais que ele deve ser estudado. Não se trata, somente, de saber se convém subtrair uma parte do território à aplicação da regulamentação aduaneira ou de estimular as reexportações, facilitando a criação de vastos centros de distribuição internacionais de mercadorias ou mesmo de transformações industriais. Trata-se também de saber se as disposições que se podem tomar no quadro da legislação aduaneira são compatíveis com os regulamentos estrangeiros, se correspondem ao clima em que se efectuam as trocas de mercadorias entre nações no momento preciso em que o problema se discute.
Escritas há perto de vinte anos, estas palavras tem plena actualidade, sobretudo à face das novas directrizes que informam a política aduaneira dos diversos países. Formaram-se na Europa dois blocos de nações que prosseguem uma política de desmobilização pautai e de um dos quais Portugal faz parte. Por outro lado, criou-se o espaço económico português, destinado precisamente a fomentar o intercâmbio comercial entre todas as parcelas do território nacional.
Marcou-se também uma orientação definitiva no sentido da maior industrialização do País.
E em face destas realidades que tem de ré ver-se o problema do estabelecimento de zonas francas, que continuam a ter a maior importância, sobretudo em países possuidores de portos situados nas encruzilhadas da navegação ou nas proximidades de grandes mercados consumidores.
Em obediência, certamente, a esta orientação, mandou o Governo que se estudasse a possibilidade do estabelecimento do regime de franquia aduaneira na ilha de S. Vicente, ou até em zona mais vasta de Cabo Verde.
Também no cumprimento deste despacho se efectuaram estudos destinados a determinar as vantagens e incon-
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venientes resultantes do estabelecimento de zonas francas naquele arquipélago.
Ao abordar este assunto tenho em vista dois objectivos: o primeiro é que se tomem em consideração os trabalhos efectuados para rever o problema da criação de portos francos em Portugal, em face da actual conjuntura económica interna e externa; o segundo, o de afirmar que se há porto que, pela sua localização, no cruzamento das grandes linhas marítimas de África, da América Central e da América do Sul, possui condições naturais para ser um grande centro reexportador de mercadorias, esse porto é o do Funchal, na ilha da Madeira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pena foi que quando no começo do nosso século a Espanha começou a desenvolver os seus portos das ilhas Canárias, por forma a fazer deles, pelo seu apetrecham eu to e pelo seu regime de franquia, dos mais movimentados do Atlântico Sul, não se tenha metido ombros à construção do porto franco do Funchal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aqui levanto de novo uma questão que corresponde a uma antiga e velha aspiração da população da Madeira, e que podia ter a maior projecção em toda a economia, do arquipélago.
O ideal seria fazer de toda a ilha uma zona franca, mas, enquanto esse objectivo não pudesse ser atingido, devia estabelecer-se um regime de franquia aduaneira, pelo menos para todos os artigos essenciais ao consumo público e ainda para aqueles que são necessários ao turismo ou que o turista gosta de adquirir nas estâncias ou terras que visita, como acontece nas Canárias, em Tanger e em Gibraltar.
Para já e nesta linha de orientação, os armazéns a construir no molhe da Pontinha deviam ser depósitos ou armazéns gerais francos, administrados pela Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira, e que seriam, assim, num futuro próximo, uma zona franca limitada.
Se a par disso, se permitisse a entrada na Madeira, livro de direitos, como já disse, dos produtos essenciais ao consumo público e daqueles artigos necessários ao turismo e que o turista gosta de adquirir, ter-se-iam dado os primeiros passos para no futuro se estabelecerem naquela, ilha. fórmulas mais amplas de franquia aduaneira.
Sr. Presidente: já reconheceu o Governo, por forma expressa a necessidade de se efectuar o planeamento económico regional, elaborando o projecto de decreto-lei n.º 520 que criava uma junta encarregada de o orientar, e sobre a qual incidiu um desenvolvido parecer da, Câmara Corporativa.
O planeamento regional assenta na diversidade de condições das diversas parcelas do território nacional e na necessidade de para cada uma se estabelecer um plano de valorização dos seus recursos, por forma a se obterem mais altos níveis de desenvolvimento económico e melhores condições de progresso social.
Se há regiões do País que têm, no ponto de vista- da sua estrutura económica, características próprias, a Madeira é, certamente, uma delas. Terra essencialmente agrícola, mas de pequena propriedade e de culturas especiais, isso dá-lho, neste aspecto, uma feição económica própria. Por outro lado a profunda interdependência de toda a sua economia do comércio de exportação e do turismo mais comprovam a necessidade de se estabelecer para o arquipélago da Madeira um plano específico de valorização económica regional.
Está concluída uma importante rede de estradas, finalizada a 1.ª fase do prolongamento do porto do Funchal, em pleno funcionamento a instalação de fornecimento de óleos à navegação, aberta ao tráfego a pista do Porto Santo e em via de conclusão a pista de Santa Catarina, formando as duas o aeródromo da Madeira.
É de esperar que a criação destas infra-estruturas e que a construção de novas unidades hoteleiras estabeleçam as bases indispensáveis para um maior desenvolvimento do turismo naquele arquipélago, dados os atractivos e recursos naturais que possui.
A verdade, porém, é que o turismo só constituirá elemento de equilíbrio e de valorização da economia regional desde que esta seja planeada tendo em consideração as exigências que o próprio turismo impõe. Se não se facilitar a importação de determinados produtos e se não se encorajar a produção local num determinado sentido, podemos criar problemas de encarecimento de vida de graves consequências para as classes de recursos mais limitados. Por outro lado, as comunicações aéreas criam para a Madeira possibilidade de aumentar a exportação de produtos (frutas, flores, primores agrícolas) que constituem grandes riquezas de países que estão longe de possuir as nossas condições climatéricas.
Tudo isso exige atenção, trabalho, estudo, numa palavra, planeamento.
Não queremos um planeamento estabelecido por uma comissão ida do continente e que em quinze dias formule as suas conclusões. O planeamento económico da Madeira terá de ser orientado pelo Governo, através dos seus serviços técnicos, e com a colaboração das entidades mais representativas da vida pública e privada daquele arquipélago.
A criação de regimes de franquia aduaneira, o fomento da agricultura, a defesa dos produtos pela sua melhor qualidade, a prospecção dos mercados, a reconversão de certas actividades, a protecção a obter para novas indústrias e para o artesanato, o conveniente aproveitamento da riqueza florestal, as razões determinantes do alto custo de vida e as medidas a tomar para lhe fazer face são, entre tantos, assuntos que urge considerar e estudar num planeamento económico do arquipélago.
Espero, por isso, que o Governo não deixará, com possível brevidade, de o orientar e conduzir, na certeza de que, a Madeira, através do sector público e do sector privado, dará a sua melhor colaboração a um empreendimento que é de vital importância para o seu futuro e para o seu progresso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a crise agrícola nacional e as medidas tomadas para a enfrentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Sr. Presidente: o aviso prévio que ora se discute nesta Câmara, pelo alto valor dos interesses materiais e humanos que nele se con-
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tem e pelas sérias consequências de ordem económica, social e política que dele podem advir, é, sem dúvida, um dos mais importantes que têm sido postos à, nossa consideração.
Trouxe-o à liça desta Assembleia o Sr. Deputado Amaral Neto, homem de invulgar clareza de inteligência, de serena rectidão de espírito e de nobre independência de carácter, para quem os problemas da terra não têm segredos.
Daqui o felicito, pois, pela utilidade da sua iniciativa e pela profundidade do seu trabalho, daqui lhe agradecendo também a oportunidade que me deu de bordar algumas considerações em torno do assunto.
Srs. Deputados: os problemas que estão na base da crise agrícola do continente português têm sido tão longa e brilhantemente expostos e comentados nesta Casa, quer pelo ilustre Deputado avisante, quer por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia, quer por tantos outros nomes de valor que a este sector têm dado o melhor da sua atenção e do seu saber, que estultícia seria da minha parte julgar que sobre eles poderia ainda lançar alguma luz.
Tantas foram, porém, as vezes que ouvi aludir a dificuldades agro-sociais das regiões do Norte e do Sul do País, sem que nunca se buscasse saber se noutro quadrante haveria terras aráveis ou gente viva, que achei do meu dever intervir, começando por formular uma pergunta:
E a Madeira e os Açores, ou melhor, as ilhas adjacentes?
O Sr. Sousa Meneses: - Muito bem!
O Orador: - Não farão elas parte integrante da metrópole, tal como nos foi ensinado nos recuados e saudosos tempos da instrução primária?
Não interessará trazer para aqui alguns dos seus problemas mais instantes, uma vez que se discute nesta Assembleia, não a crise da agricultura continental, mas a crise da agricultura nacional?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu sei que a economia das ilhas adjacentes é considerada uma economia marginal, tão marginal ou desprezível que nem sequer tem tido a honra de figurar, na constituição do valor do produto nacional bruto ...
Mas, seja como for, julgo que mais de meio milhão de portugueses (619 611 precisamente, pelo censo de 1960) têm direito a fazer ouvir a sua voz neste debate.
Eis por que, como açoriano, peço vénia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para falar agora dos Açores.
Os Açores, como toda a gente sabe, são nove pequenas ilhas dispersas no meio do Atlântico, cuja superfície não chega à metade da do Algarve, mas onde vivem
336 000 habitantes, isto é, mais 16 000 do que todos os existentes nesta província.
Começo por citar estes dados, comparando-os com os desta encantadora região, não só como homenagem à terra e aos homens que primeiro concorreram para o reconhecimento e para o povoamento daquelas ilhas, mas ainda para dar a VV. Ex.ªs a ordem da pequenez da sua área e a ordem de grandeza da sua população.
Semelhante demografia, se nos dá, à primeira vista, a medida da feracidade do meio, dá-nos também, e de pronto, a marca da actividade do homem.
Com efeito, os Açores não eram, no princípio do século XV, quando foram encontrados pela gente do Infante, ilhas habitadas ou desbravadas.
Uma espessa e intrincada camada de vegetação selvagem cobria-as totalmente, não deixando adivinhar sequer a sua superfície.
Houve que abrir clareiras a golpes de fogo e de machado, para que o solo surgisse, rugoso e duro, por entre acidentes vulcânicos de ciclópicas proporções.
No decorrer dos tempos, e a despeito dos inúmeros terramotos e das constantes tempestades, o homem foi pouco a pouco dominando e adaptando esses longínquos pedaços de terra as suas necessidades imediatas, por meio de difíceis e dispendiosas arroteias que ainda não terminaram.
Do trabalho insano que tão ingente tarefa representa, resultaram os campos, os prados, as hortas, as quintas e as matas que agora, por toda a parte, ali se vêem.
Nas baixas e raras planícies, como nas altas e íngremes encostas, o mesmo homem introduziu quase todas as espécies arvenses, arbustivas e arbóreas da Europa e muitas das que fazem as galas botânicas da África, da América, da Ásia e da Oceânia.
Ele aí tem, como culturas dominantes, o milho, que é a base da alimentação do povo, logo seguido do trigo, que em tempos foi a sua maior riqueza; ele aí possui as mais variadas forragens em belas e extensas pastagens onde cria todo o gado de que precisa e que lhe sobra; ele aí semeia a batata, o feijão, a fava, o tremoço e muitos outros produtos de que precisa; ele aí faz crescer a vinha, as árvores de fruto e numerosas essências florestais, onde predominam a criptoméria e as acácias.
odo este pequeno mundo vegetal, que as chuvas abundantes e frequentes conseguem trazer sempre viçoso c verde, a despeito dos ventos desabridos, constitui a base de sustentação em que assenta toda a economia açoriana.
Esta base, porém, nunca foi suficiente para enfrentai-os problemas da sua população.
Bem cedo os Açores tiveram de buscar na emigração solução, não só para a colocação dos seus excedentes demográficos, mas ainda para a obtenção das divisas indispensáveis à compra de tudo o que lhes falta.
Esta triste solução, que ainda hoje é válida, fixou no Brasil, nos Estados Unidos, na Bermuda, na Venezuela, no Canadá, e até no arquipélago do Hawai, centenas de milhares de açorianos, que, sem esse meio, teriam baqueado, nas suas ilhas, por falta de recursos.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - E, no entanto, isto sucedeu c sucede, não porque o Açoriano se não tenha esforçado, em todas as épocas, por criar, paralelamente à sua limitada economia de subsistência, uma mais ampla e rendosa economia de mercado, mas porque a distância e o isolamento a que o condenam a sua fatalidade geográfica, aliados a outras adversidades de natureza diferente, tem feito gorar ou limitar a maior parte dos seus empreendimentos generosos.
É disso mais forte e vincada prova a ilha de S. Miguel, que passo a
descrever-vos com minúcia:
S. Miguel é a maior ilha dos Açores.
Toda a sua grandeza territorial não vai, porém, além de 747 km2.
Nestes escassos 75 000 ha, onde há cerca de 25 por cento de ravinosas montanhas ainda incultas ou incultiváveis, por quase inacessíveis, vivem 171 000 habitantes, isto é, mais de metade da população dos Açores.
Quer isto dizer que, nesta pequena ilha. cada quilómetro quadrado de terra aproveitada tem que sustentar 305 indivíduos.
Esta média, demasiadamente alta para um regime que mantém não só 60 por cento da população activa na agricultura, mas ainda a maior parte dos restantes 40 por cento em sectores subsidiários da mesma agricultura, ex-
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plica, em grande parte, por que é que S. Miguel, sendo a ilha de maior riqueza, é também a ilha de maior pobreza.
É certo que no quadro da estratificação social da população activa agrícola há desequilíbrios que também concorrem para a explicação deste fenómeno: mais de 79 por cento de assalariados e mais de 29 assalariados por patrão, mas também há, no mesmo quadro, correctivo favorável, qual é o de existirem mais de 60 por cento de pequenos empresários familiares: isto significa que a maior parte daqueles assalariados explora também a terra por conta própria, embora na condição de rendeiro, e rendeiro que não necessita, sequer, de maiores garantias legais de estabilidade, visto esta lhe haver sido sempre conferida, e até transferida, de pais para filhos, através dos séculos, como direito consuetudinário de forte raiz tradicional.
Esta condição não lhes evita, porém, a pobreza, e não lhes evita porque à, gente é muita, a invernia é longa e rigorosa e os períodos intercalares de desemprego entre as sem ente ir as e as colheitas são extensos.
Calcula-se em cerca de 100 dias apenas a média de trabalho que pode ser garantida aos assalariados agrícolas em cada ano.
Nos restantes, só o rendimento das pequenas glebas que trazem de renda lhes pode assegurar a existência.
Não admira, pois, que àqueles que não conseguem um pedaço ,de terra, embora esta se encontre parceladíssima no seu arrendamento, só reste um recurso: emigrar.
Desta forma, o êxodo rural continua, não como um mal necessário, mas como um bem imprescindível.
Não se pense, porém, que em presença da gravidade de tal situação os homens de S. Miguel, sobretudo os mais abastados, cruzaram os braços, ficando indiferentes à miséria dos seus conterrâneos menos favorecidos.
Foram esses mesmos homens que, sem esquecerem outros aspectos da caridade, tentaram, por todas as formas, auxiliar o seu semelhante pela maneira mais digna por que se pode valer ao pobre: criando novas fontes de riqueza e dando-lhe trabalho.
Foram eles que, na última metade do século passado, quando então eram já poucas as esperanças de salvar os laranjais (que haviam feito a riqueza da ilha com a exportação, em larga escala, da laranja para a Inglaterra, mas que se encontravam irremediavelmente perdidos pelo ataque da icéria), se abalançaram à constituição de grandes empresas industriais e comerciais, algumas das quais ainda hoje surpreendem pelo arrojo da concepção e pelo vigor da dimensão.
As primeiras grandes estufas de vidro para a cultura forçada do ananás; as primeiras fábricas de chá; as primeiras fábricas de cigarros; a Parceria Marítima, da qual resultou a Empresa Insulana de Navegação, com navios a vapor para a Madeira, para o continente português e até para a América, e as fábricas de álcool, datam dessa época.
Não ficaram, porém, por aí as arrojadas medidas dos Micaelenses para debelarem as carências da sua terra.
Já neste século, e portanto nos nossos dias, eles construíram: uma fábrica de açúcar de beterraba, que ainda hoje é única no País; uma fábrica de tecidos de linho; uma fábrica de moagem; várias desfibradoras de madeira para as embalagens dos ananases e outras de fibra de espadana para aproveitamento extensivo da tábua; uma fábrica de cerveja; duas fábricas de conservas de peixe e de outros alimentos; várias estufas de torrefacção de chicória; uma fábrica do óleo e de farinha de baleia; uma fábrica de sabões e de óleos vegetais; uma fábrica de ágar-ágar; quatro fábricas de lacticínios e várias oficinas de mecânica, de carpintaria e de outros materiais destinados à construção civil.
No decorrer deste tempo eles criaram ainda mais duas novas empresas de navegação - a Mutualista Açoriana e os Carregadores Açorianos, esta com várias unidades de carga destinadas ao transporte de mercadorias nas linhas do Norte da Europa e da América.
Depois deste extenso rol de actividades do sector secundário e do sector terciário, mas quase todo relacionado com o sector primário, parece que não pode atribuir-se aos Açorianos nem falta de iniciativa, nem falta de coragem para empregarem o seu dinheiro em arriscadas empresas económicas.
Tudo isto representa algumas centenas de milhares de contos, e, se essa quantia nada significa para o continente, para uma pequena ilha como S. Miguel ela demonstra um grande, um enormíssimo esforço.
Vejamos, porém, como tudo isto funciona e porque não toma o desenvolvimento necessário para poder absorver na hora própria os elevadíssimos saldos fisiológicos da população e debelar as crises periódicas de desemprego dos seus assalariados agrícolas.
Comecemos pelos transportes: para uma terra que se situa em pleno mar, a mais de 1400 km de Lisboa e a mais de 3000 km das costas da América, terra esta que, por sua vez, está separada das outras ilhas do arquipélago a que pertence por outras extensões de mar que vão de 50 a 200 milhas, os barcos são, mesmo na ura dos grandes aviões de carga e de passageiros, os grandes e imprescindíveis companheiros da sua vida.
Eles trazem-lhe tudo quanto ela necessita. Eles levam-lhe tudo quanto nela sobra.
E prestam este serviço sem discutirem o peso, a natureza ou o volume das cargas que transportam.
Ora os Açores, embora se encontrem exactamente no paralelo de Lisboa, ficam fora das grandes linhas de navegação do Atlântico.
Isto significa que eles só podem contar, regularmente, com os seus próprios navios, e estes para escalarem todas as ilhas, a maior parte das quais sem portos adequados, demoram dias, e esta demora encarece, sobremaneira, o preço por milha percorrida. Os fretes surgem assim como dos mais caros do Mundo, e esta circunstância onera em demasia tanto os produtos que para lá vão como os produtos que de lá vêm.
Daqui resulta que nem o comércio se desenvolve na medida que era necessária, nem as companhias de navegação auferem aquilo que a sua dispendiosa exploração exige.
Este é o primeiro e, sem dúvida, o mais importante óbice aposta à expansão do comércio açoriano, óbice este que, por estar ligado directamente à fatalidade geográfica, não parece fácil nem possível remover.
Ao lado dele ergue-se, porém, um outro, de não menor valor perturbativo, que não só contraria a unidade económica metropolitana, como até impede a própria unidade do arquipélago: são os impostos indirectos, as taxas e outros encargos fiscais de natureza semelhante cobrados pelas alfândegas.
Em cada ilha há um posto aduaneiro que exige, implacàvelmente, esses impostos, taxas, etc., sobre todas as mercadorias provindas do continente ou mesmo de qualquer outra ilha.
Isto equivale a dizer que a vantagem da livre circulação dos gados, géneros ou quaisquer outros artigos que se verifica, sem qualquer entrave, entre todas províncias. distritos e concelhos do continente (conforme preceitua o § 1.º do artigo 704.º do Código Administrativo) não
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existe lias ilhas adjacentes, e não existe não porque a Madeira e os Açores não façam, politicamente, parte do mesmo país, mas porque as suas «fronteiras» não são sólidas nem contínuas, são líquidas e distantes ...
Surge assim um segundo óbice - e óbice de monta -, que se soma ao primeiro para impedir o desenvolvimento da economia açoriana.
E este óbice, que se julgava possível ver desaparecer com as leis da integração do espaço económico português, também se verifica não ser fácil de eliminar.
Pelo menos o Decreto n.º 44 016 não se atreveu a bulir com ele, sem dúvida por não saber onde ir buscar receita equivalente para compensar as câmaras municipais do prejuízo da sua abolição.
Mas não são só estas causas, de ordem permanente, que limitam ou tornam impotente o esforço particular dos Micaeleuses, tanto no campo agrícola como nos campos industrial e comercial.
Ao lado destas, quantas outras não surgem, estranhas ao seu próprio meio ou à sua própria vontade, que, nem por serem fortuitas, deixam de anular ou restringir as suas iniciativas?
Cito, ao acaso, alguns exemplos:
Quando no final do século passado as vinhas do continente foram atacadas pelo mundo, pela filoxera e pelo oídio, a ponto de muitas terem de ser arrancadas e substituídas, foram os Açores, ou mais precisamente S. Miguel e a Terceira, que, montando as suas grandes fábricas de álcool (tão grandes que uma delas era, ao tempo, das maiores do inundo) valeram à região do Douro, fornecendo-lhe todo o álcool indispensável ao tratamento dos seus preciosos vinhos.
Coincidiram com o emprego deste álcool, de extrema pureza, extraído da batata doce, as melhores partidas qualitativas de vinho do Porto que até hoje se conheceram.
Apesar disso, tão depressa as vinhas do continente se restabeleceram, imediatamente os viticultores da região do Sul protestaram contra o álcool puro açoriano, e tão atendida foi a sua reclamação ou tão desprezados foram os interesses insulares que o Governo de então (1901) nenhuma dúvida teve em proibir expressamente a entrada daquele produto no continente.
Esta proibição, que ainda hoje, passados 63 anos, se mantém, deu como resultado não só o encerramento imediato e definitivo de quatro fábricas, ficando uma só, e em estreitos limites, a laborar, mas ainda a, grande redução da área da cultura da batata doce, com os consequentes prejuízos para a agricultura.
A liberalização, dentro de dez anos, do comércio interno deve, porém, modificar radicalmente a ingrata posição actual deste produto.
Outro exemplo é o do açúcar. Em 1903 o Governo, como «compensação» pelos prejuízos sofridos com o álcool, permitiu que se montasse em S. Miguel uma fábrica de açúcar de beterraba.
Logo ficou, porém, estabelecido que o âmbito da produção se restringiria ao arquipélago, apenas se permitindo que 500 t pudessem entrar, anualmente, no continente, pagando 25 por cento da taxa mínima da pauta alfandegária.
Esta disposição, que ainda hoje vigora, faz com que todo o resto da produção seja considerado, para efeitos fiscais, como estrangeiro, e portanto nem sequer beneficie dos 50 por cento da redução de taxas aduaneiras de que gozam as dezenas ou centenas de milhares de toneladas que as províncias ultramarinas colocam todos os anos no País.
Só a título muito excepcional, e quando as fábricas ultramarinas não podem ou não querem preencher a cota de consumo continental ou madeirense, é que se permite superiormente que S. Miguel envie, em melhores condições, 3000 t ou
4000 t de bom açúcar cristalizado ...
E, todavia, o que representaria para S. Miguel, e mesmo para as outras ilhas, um alargamento da área de cultura da beterraba se maiores facilidades fossem dadas à entrada do açúcar açoriano no continente!
Ela corrigiria, em boa parte, as insuficiências financeiras das pequenas explorações agrícolas e ajudaria, em larga medida, com a sua polpa residual, a manutenção de maiores efectivos pecuários.
Espera-se, no entanto, que a evolução da economia portuguesa também acabe por abater os muros que encareceram este produto.
O Sr. Rocha Cardoso: - Oxalá!
O Sr. Manuel João Correia:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ainda outro caso é o da cultura do tabaco.
O tabaco cultiva-se livremente nos Açores desde 1815 e manipula-se, também livre e legalmente, desde 1864.
Essa liberdade representa para os Açorianos uma indiscutível vantagem, de que já hoje a agricultura insular não pode prescindir.
A sua entrada em bruto no continente beneficia, porém, sómente de 10 por cento de redução da taxa alfandegária para as espécies escuras e de 15 por cento para as espécies claras e semiclaras.
Uma mais larga percentagem de redução, provocando maior expansão da cultura, traria à economia açoriana um bom auxílio. Não é de esperar, infelizmente, que esse produto possa um dia libertar-se completamente da teia alfandegária, dadas as características predominantemente fiscais da indústria que alimenta.
E que dizer do chá?
O chá é cultivado o manipulado em S. Miguel desde 1878. Foi nessa data que os Micaelenses mandaram buscar propositadamente à China sementes, utensílios e técnicos que permitiram o seu desenvolvimento posterior.
Contam-se por vários hectares as encostas altas que apresentam, bem alinhadas, as suas plantas, como também se contam por uma ou duas centenas as toneladas de chá manipulado que sai anualmente das suas fábricas.
Pois, apesar de a quantidade ser grande e da qualidade ser óptima, poucas são as pessoas no continente que lhe reconhecem a origem.
O chá micaelense só muito timidamente aparece como tal em dois ou três estabelecimentos de Lisboa. Para onde vão então as dezenas ou centenas de toneladas que S. Miguel produz?
Em Lisboa o chá que bate, o chá que se prefere, é o chá «inglês» e, embora este, nas suas embalagens populares, honestamente, diga, em letras muito miudinhas, que é preparado com «a blend of teas from the Portuguesa overseas» ... nada há que denuncie, nesses pacotes, a presença de S. Miguel, senão ... o cheiro e o sabor.
Não há, portanto, provas visíveis da sua presença ali e, portanto, não há que estranhar também que o chá daquela ilha seja ali vendido, por grosso, a preços de miséria, enquanto o mesmo chá «inglês», depois de transpor os oceanos, atinja, em Lisboa, cotações altíssimas.
No jogo das interferências comerciais todos os mistérios e todos os milagres são possíveis. O que é pena é que no meio destes milagres e destes mistérios haja em S. Miguel plantações abandonadas e fábricas paradas por falta de
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rentabilidade compensadora para os enormes capitais e para as elevadas despesas de mão-de-obra a que semelhante indústria obriga ...
Mas aqui a culpa não é das alfândegas, que nenhum entrave põem à sua entrada. Aqui a culpa é outra ... ou de outros ...
Todos estes casos que relato, como simples ilustrações de algumas afirmações atrás referidas, bastariam talvez para dar a VV. Ex.ªs a ideia exacta da apertada malha de dificuldades que enreda a vida açoriana.
Mas sobre esta malha caem ainda tantos outros contratempos inesperados que não resisto à tentação de vos citar alguns para verdes como é variada e numerosa a gama das nossas atribulações: em Janeiro de 1962 os fretes marítimos das cargas para os Açores foram aumentados, e nesse aumento foram abrangidos os adubos e o gado que passaram a pagar, respectivamente, mais 25$ por tonelada e mais 20 por cento sobre a tabela anterior.
Os adubos são, para uma terra e para uma agricultura que trabalha em regime intensivo de culturas, quase sem rotações e sempre sem pousios, elementos essenciais da sua fertilidade u da sua produção.
Qualquer alteração que se verifique, pois, no seu preço repercute-se imediatamente nos resultados económicos da sua exploração.
Por sua vez, o gado, através do leite e da carne que produz, constitui para os Açores não só o mais forte esteio da sua agricultura, mas ainda o mais valioso factor de equilíbrio da sua balança de pagamentos. Desta forma, qualquer encargo a mais que surja na sua manutenção ou no seu transporto reflecte-se fatalmente na economia das próprias ilhas.
Por estas subidas razões o presidente do Grémio da Lavoura de Ponta Delgada, tão depressa teve conhecimento do aumento dos fretes, dirigiu ao presidente da sua Corporação um apelo no sentido de obter qualquer compensação para aquele agravamento.
O presidente da Corporação, na impossibilidade de conseguir, como contrapartida, um aumento dos preços dos produtos agro-pecuários no mercado, enviou, por sua vez, em Junho do ano findo, uma exposição ao Sr. Ministro da Economia em que propunha duas soluções para os adubos: ou a despesa do seu transporte para os Açores passar a ser suportada pelo Fundo de Abastecimento, de forma que o preço dos fertilizantes fosse igual em todos os distritos da metrópole, ou o seu envio passar a fazer-se segundo as normas da expoliação para o estrangeiro, isto é, a preços abaixo da tabela interna.
Pois nenhuma dessas soluções foi aceite e o despacho, fixando o preço geral dos adubos para 1963-1964, saiu, em Setembro passado, sem que qualquer determinação especial tentasse eliminar ou corrigir os enormes encargos que o mar e as alfândegas impõem aos insulares.
E o caso não ficou por aqui. Um novo aumento de fretes, agravando em mais de 20$ a tonelada dos adubos e em cerca de mais 15 por cento a tabela de transporte de gado, acaba de surgir com o novo ano como espectro de maiores tormentos. E, todavia, nada apareceu até agora a indicar como será resolvida esta situação.
Outro caso que feriu a sensibilidade dos Açorianos foi a questão dos subsídios aos produtores de trigo.
Em 1961 foi concedido aos produtores de trigo do continente um subsídio de
220 000 contos como compensação dos fracos resultados obtidos, particularmente nas regiões do Sul, com as colheitas dos cinco anos anteriores.
Quando nos Açores se soube que esse subsídio era extensivo a todos os distritos da metrópole menos aos das ilhas, imediatamente o presidente do Grémio da Lavoura de Ponta Delgada expôs ao presidente da sua corporação as onerosas condições em que esse cereal era produzido naquele arquipélago e a fraca ou nenhuma compensação que dessa cultura auferiam os seus pequenos e pobres produtores.
O presidente da Corporação, ao tomar conhecimento de que a renda de um simples alqueire de torra de vara grande (1393 m2) importava em 600$ ou 800$ anuais, que essa terra exigia constantes siderações e frequentes adubações e que os salários dos assalariados chegavam a atingir 60$ ou 80$ diários nos períodos «de ponta» das sementeiras e das colheitas, nenhuma dúvida teve em concluir que, por melhor que fosse o teor da produção, nunca esta poderia enfrentar com lucro semelhante despesa.
Essa conclusão foi levada então à consideração do antigo Secretário do Comércio Sr. Dr. Manuel Sanches, que, pouco depois, solicitava à Corporação da Lavoura os dados necessários para que o novo subsídio de 160 000 contos destinado aos produtores de trigo no ano de 1962 fosse extensivo aos Açores.
Estes dados, que fixavam em 3835 contos (e não em 8000 contos como ao princípio se julgou) a parte que caberia aos produtores açorianos no cálculo do rateio então feito, não puderam ser entregues na Secretaria do Comércio antes de 23 de Abril de 1963.
E quando todos esperavam (até porque nos havia sido directamente prometido) que o novo Secretário do Comércio deferiria, por justa, a proposta da Corporação da Lavoura, eis que esse pequeno subsídio é negado com o fundamento de que «faltava o requisito essencial para que ele fosse atribuído aos Açores, pois este fora destinado a compensar os maus resultados da colheita do trigo no ano de 1961, seu objectivo especial, e não a resolver o problema de os produtores de trigo auferirem ou não a justa remuneração da cultura» (sic).
Se bem entendo, isto é o mesmo que dizer que, para efeitos de subsídio, os maus resultados de uma cultura só devem ser avaliados pelo número de grãos que a terra dá, e não pelos prejuízos que o agricultor suporta.
E um critério. Mas um critério difícil de aceitar, sobretudo quando se sabe, pelo Decreto-Lei n.º 44 570, que os 160 000 contos distribuídos apenas à lavoura continental tiveram a consigná-los «para satisfação das responsabilidades emergentes, até à concorrência do seu montante, as receitas percebidas pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo provenientes dos trigos exóticos para as ilhas adjacentes».
Na verdade, 12 000 contos, que é quanto, em média, a Federação Nacional dos Produtores de Trigo cobra de diferencial de preços na importação de trigos exóticos destinados ao consumo dos Açores, chegavam bem para pagai-os 3800 contos que a Corporação da Lavoura havia atribuído aos produtores das ilhas.
De resto, se tivesse havido vontade de se tomar em consideração as duras condições em que trabalha o agricultor açoriano, nem era preciso ir retirar aquela importância do Fundo de Abastecimento.
Bastaria utilizar a terça parte do que sobrou dos 160 000 coutos orçamentados paru que essas migalhas pudessem ter melhorado a sorte de muita gente ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas este caso não tem, materialmente, grande valor. Valor real e de grande importância e repercussão imediata têm, realmente, os aumentos dos fretes a que se alude atrás, como valor real e de grande projecção futura tem outro assunto, que passo a expor, relativo à pecuária.
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A pecuária é, como toda a gente sabe, uma das maiores riquezas dos Açores.
Nas ubérrimas pastagens artificiais de 3. Miguel, como nos extensos prados naturais das outras ilhas, há mais de 151 000 bovinos, ou seja 15 por cento dos existentes em todo o território continental.
Este poderoso armeutio tem permitido não só auto-abastecer aquele arquipélago, mas ainda suprir, em medida apreciável, os deficits de carne e de lacticínios que se verificam no continente.
Ora este suprimento, se é já da ordem dos 93 por cento relativamente ao deficit da manteiga, não vai além de 25 por cento pelo que respeita ao deficit da carne de vaca, o que quer dizer que mais de três quartas partes da carne que falta (com excepção de uns escassos 9 por cento provindos do ultramar) ainda é fornecida pelo estrangeiro, que com isso ganha, em boas e acreditadas divisas, à roda de 100 000 contos.
Semelhante situação, que se tende a agravar no continente, com o aumento constante da população, com o turismo e com a melhoria do nível de vida, poderia, em grande parte, ser resolvida pelos Açores, com a duplicação, ou mesmo triplicação, dos seus efectivos pecuários.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para tanto não eram precisas nem obras dispendiosas de irrigação, nem grandes construções, nem. muita maquinaria.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - Uma melhor remuneração do gado ao produtor, paralela a maiores facilidades de crédito e a mais perfeitas normas de comercialização, bastaria para que, em prazo relativamente curto, aquela finalidade fosse atingida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi pensando e agindo neste sentido que S. Miguel, com as simples forças da sua Junta Geral, dos seus homens mais abastados e da sua principal câmara municipal, seleccionou todo o seu gado, procedeu à arroteia de difíceis incultos, transformou os seus pascigos naturais em ricos pastos artificiais e construiu um modelar matadouro frigorífico e industrial com capacidade bastante para laborar não só os 55 000 bovinos do seu distrito, mas todos os que a escassez da terra pudesse vir, no futuro, a comportar.
Depois de tantos esforços e de tanto dispêndio, pensava o Micaelense que lhe seria fácil marcar uma boa presença nacional, ou mesmo internacional, no campo da exportação de carne (tal como já o conseguira com os lacticínios, cujo valor ascendeu a mais de 62 000 contos no ano de 1962), substituindo o «circuito vivo» do velho processo de exportação de gado pelo «circuito morto» da moderna exportação de carne frigorificada.
E, satisfeito e confiante, procedeu no dia 10 de Julho do ano passado à sua primeira experiência, enviando para Lisboa, pelo navio Terceirense, um pequeno lote de carne naquelas condições.
Quando se julgava, porém, que tudo iria correr bem economicamente, tal como havia decorrido tecnicamente, eis que surge a conta da empresa armadora marcando 7$31 por cada quilograma de carne transportada!
O Sr. Sousa Meneses: - Absurdo! ...
O Orador: - Ninguém queria acreditar, e não queria porque esse frete equivalia a três vezes mais do que se esse mesmo volume de carne limpa fosse enviado, no porão, sob forma de gado vivo.
E começaram as reclamações, reclamações que chegaram à Junta Nacional da Marinha Mercante, que acabou por fixar, a título experimental, durante um ano, o frete de 2$80 por quilograma, acrescido de. 20 por cento para operações de. carga e de descarga.
Semelhante redução não resolveu, porém, o assunto, e não resolveu porque esse frete, adicionado às restantes despesas de exportação, nenhuma margem de lucro deixa para ser oferecida, como vantagem, à gente da lavoura.
Estas últimas despesas são, em Ponta Delgada:
Despacho de cabotagem ................... $25
Seguro marítimo......................... $0538
Utilização do matadouro ............... 1$00
Taxa de amortização do matadouro ...... $65
Refrigeração e conservação ............ $80
Invólucros............................. $30
Transportes ao cais ................... $10
_______
Soma ......... 3$1538
E em Lisboa:
Desembaraço aduaneiro .................. $0878
Transporte do cais ao matadouro ........ $25
Taxa da Junta Nacional dos Produtos
Pecuários............................... $14
______
Soma .......... $4778
perfazendo 3$6316, importância esta que somada a 3$36 (2$80+20 por cento) de frete totaliza 6$9916, que é preço bastante para desaconselhar ou impedir a comercialização das carnes refrigeradas dos Açores.
Desta forma ficaram logradas as esperanças dos Micaelenses, que supunham ter no seu moderno matadouro o instrumento ideal para melhor fomentarem a produção do gado de corte através de uma maior valorização do seu preço de compra e melhor expandirem o seu comércio através de uma mais perfeita apresentação dos seus produtos.
E ao chegar a esta dolorosa conclusão não podemos deixar de perguntar: mas o que é que está errado em tudo isto?
O matadouro do Ponta Delgada não foi feito sem o conhecimento e a aprovação do muitas entidades superiores, nem sem a orientação e o concurso de técnicos distintíssimos.
Um serviço oficial chegou mesmo a oferecer-lhe uma parte da sua aparelhagem para que mais rapidamente ele pudesse surgir, na plenitude da sua função, como «unidade-piloto» que guiasse, no futuro, alguns empreendimentos semelhantes.
O defeito não deve estar, pois, nem na sua planificação, mim na sua construção, nem na sua dimensão.
Mas se o defeito não está em si próprio, onde está então?
Na distância?
Mas meu Deus! Muito mais longe do que os Açores estão Angola e Moçambique, o Uruguai, a Argentina e a própria Austrália, e, todavia, todas estas províncias ou todos estes países conseguem trazer até aqui, em boas condições económicas, milhares de toneladas de carne congelada.
Sei que a carne congelada, por ser transportada sobreposta, ocupa muito menos espaço nas câmaras frigoríficas do que a carne frigorificada, que requer vir senarada e
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dependurada; mas também não ignoro que o número de milhas que há a percorrer entre os Açores e o continente ou entre aquelas terras e Lisboa é diferentíssimo: não chega à quinta parte para as mais próximas e excede a décima ou mesmo a vigésima para as mais longínquas.
O defeito deve estar, pois, nos homens.
E estando nos homens, ainda cabe perguntar:
E o frete que está arada elevado?
São as outras despesas de exportação que estão a mais?
É o preço ao produtor que está alto?
É, o preço no mercado consumidor que está baixo?
Não é a mim que compete dar resposta a estas perguntas.
Sei que os serviços municipalizados da Câmara de Ponta Delgada, proprietária do frigorífico, pediram à «Junta Nacional da Marinha Mercante para baixar o preço do frete para 2$ e à Junta Nacional dos Produtos Pecuários para suportar, por si ou pelo Fundo de Abastecimento, as despesas inerentes a Lisboa.
E também sei que estas entidades indeferiram o seu pedido.
Parece, portanto, que só à variação dos preços da produção e do consumo se poderão ir buscar as soluções do problema.
Mas será esta a única forma de resolver o assunto?
Ou preferir-se-á perder os 14 000 contos do frigorífico e a magnífica oportunidade de nos lançarmos abertamente em novos e mais arrojados moldes de economia, deixando tudo como dantes?
Ponho à Consideração do Governo o assunto, certo de que ele não é tão marginal, nem tão insignificante, que não mereça a honra da sua atenção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: já falei demasiado sobre os Açores e, sobretudo, já feri, talvez mais do que devia, a nota das vicissitudes que entravam ou amarguram a vida naquelas ilhas.
Através do quadro que esbocei, e onde só ficaram mais nítidas algumas manchas relativas a S. Miguel, creio ter dado a VV. Ex.ªs uma ideia geral do panorama económico e social daquelas terras.
Mas terão sido os traços apressados deste quadro elementos suficientes para definirem, em primeiro plano, uma crise específica da agricultura?
Vejamos mais de perto esse plano.
Eu disse que a terra era fértil, referi que as chuvas eram abundantes, admiti que a produção unitária era boa e assegurei que o homem era- empreendedor e diligente.
Mas em briga com todos estes factores favoráveis também afirmei que o Inverno era longo e rigoroso, que os ventos eram frequentes e desabridos, que a gente era muita e que a terra era pouca.
Quem introduza neste balanço os índices demográficos e sociais de S. Miguel (305 habitantes por cada quilómetro de terra aproveitada, mais de 79 assalariados na população agrícola activa, e estes com menos de 100 dias de trabalho por ano), mesmo que não queira entrar em linha de conta com os outros factores negativos atrás citados, tal como o preço dos fretes, os empecilhos aduaneiros, etc., terá fatalmente de cair no dilema ou de que a terra já deu tudo quanto podia dar ou de que a torra pode ainda dar muito mais.
Se a primeira indicação fosse verdadeira, ninguém teria o direito de falar em crise agrícola, e então só nos restaria o dever, para resolver a crise demográfica ou social, de transferir imediatamente pelo menos um terço da população açoriana para terras ou países de maior desenvolvimento económico. Mas se, em vez daquela, fosse a segunda indicação a verdadeira, então já toda a gente poderia assacar insuficiência de desenvolvimento à agricultura e, portanto, afirmar, já sem receio de errar, que a crise agrícola era evidente.
Ora o que é já hoje de todos conhecido é que os Açores tem ainda no seu solo imensas potencialidades inexploradas.
Assim o pensam os engenheiros agrónomos e silvicultores que conhecem as ilhas, assim o afirmou o enviado da O. C. D. E.. Sr. Deca, quando em Fevereiro de 1962 visitou aquele arquipélago a convite do Instituto Nacional de Investigação Industrial.
E, sendo assim, tem que se falar e tem que se afirmar que existe uma crise da agricultura açoriana.
Mas, então, se essa crise existe, o que se tem feito para a resolver?
Afirmei também no começo que o Açoriano tinha, por si próprio, não só arroteado as zonas baixas das suas ilhas, nelas introduzindo quase todas as culturas conhecidas da Europa, nas, penosamente, arroteado também a maior parte das encostas e ravinas das zonas altas, nelas semeando forragens e plantando espécies florestais exóticas e nelas lixando enormes contingentes pecuários. Esse trabalho não foi feito ad hoc. Nessa tarefa o Açoriano teve sempre o avisado conselho dos técnicos das suas estações agrárias e das suas intendências de pecuária. Simplesmente, estas estações e intendências, dispondo de escassas verbas, porque escassas também eram e são as disponibilidades financeiras das juntas gerais dos distritos dos que dependem, nunca puderam auxiliar substancialmente o esforço particular, e muito menos promover ou efectivar campanhas de fomento de mais largo âmbito.
O ilhéu, ficando assim limitado aos seus fracos recursos, nada mais pôde fazer, pelos tempos fora, do que assistir, com plena resignação cristã, ao exagerado crescimento geométrico da sua população e ao débil crescimento aritmético dos seus meios de subsistência.
E agora é a altura de perguntar: E o Estado? Que fizeram os órgãos superiores do Estado para debelar esta situação?
O Estado, à parte o largo programa florestal estabelecido no I Plano de Fomento Nacional para os Açores, programa este que tem sido não só fielmente, mas sábia e zelosamente cumprido, nada mais pôde fazer, de grande, no sector agrícola até agora.
E certo que ele nunca deixou de auxiliar, tecnicamente, através da
Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas e da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, todos os problemas que dizem respeito à investigação, à melhoria c à sanidade das plantas e dos animais, como também não é menos verdade que em 1962 se preocupou seriamente com esta situação, a ponto de destacar para os Açores três das melhores equipas de diagnóstico do Instituto de Investigação Industrial, com vistas à elaboração urgente de um plano de valorização regional.
Mas, afora este precioso contributo, nada mais ali se viu neste sector que pudesse tomar-se como ajuda material de grande vulto.
O próprio e último Plano de fomento pecuário, aprovado pelo Conselho Económico em 1962 e destinado a resolver, em nível nacional, os problemas da escassez da carne e dos lacticínios, só fala nos Açores para referir o não desprezível contingente com que eles já concorrem
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para a minorização do deficit continental, mas nau para os incluir em qualquer projecto que promova a melhoria ou o aumento da sua produção.
Refiro-me com mágoa a esta falta de maior apoio superior ao sector agro-pecuário das ilhas açorianas, restringindo o apontamento dessa falta a este sector.
E restrinjo porque noutros, como, por exemplo, o das obras públicas, o Estado tem dispensado aos Açores tão grande atenção e tão grande carinho que não o referir ou não o agradecer aqui seria imperdoável ingratidão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem as prontas e generosas comparticipações para melhoramentos rurais do Sr. Ministro das Obras Públicas e sem o cuidado de fazer coincidir essas comparticipações com os longos períodos de desemprego forçado na agricultura não sei o que teria acontecido já u maioria dos assalariados que nesses períodos não têm onde ganhar o pão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: como VV. Ex.ªs vêem, não são poucas nem pequenas as dificuldades que pesam sobre a gente dos Açores.
Ali não é sómente 40 por cento da população que vive do sector primário, como no continente.
Ali quase todos os habitantes dependem da agricultura, sendo escasso o número daqueles que empregam a sua actividade em sectores alheios à sua órbita.
Tal como no Norte, ali existe uma zona de alta pressão demográfica (S. Miguei), que disputa e parcela a terra até ao exagero e que repulsa constantemente para fora da Pátria boa parte do seu potencial humano. Ali surgem os problemas do milho, da batata, do leite e da carne, com todos os prejuízos inerentes à insuficiência dos preços à produção e à falta de ordenamento da sua comercialização.
Tal como no Sul, ali se encontra um demasiado número de assalariados agrícolas e ali se obtém (embora por razões diferentes) parco ou nenhum rendimento da cultura do trigo, não havendo desenvolvimento industrial que chegue para melhor equilíbrio do seu quadro social.
Todos os problemas que trazem em crise a agricultura do continente aparecem, pois, nas ilhas não da mesma forma, nem com a mesma intensidade, mas sempre muito mais agravados por circunstâncias específicas, a que não são alheios o mar e a distância.
Se o Fundo de Abastecimento tem por fim prover às exigências do consumo sem deixar de considerar e corrigir os factores influentes no preço dos produtos no mercado, ninguém mais do que as ilhas carece da sua protecção.
Se os subsídios se destinam a compensar os prejuízos ou os fracos resultados obtidos na exploração da terra, alentando assim o produtor e desta forma evitando maior drenagem de divisas para o estrangeiro, ninguém mais do que as ilhas necessita do seu auxílio.
Se os planos de fomento visam o incremento da produção e, através deles, a maior expansão da riqueza e, portanto, melhor nível de vida da população, no futuro ninguém mais do que as ilhas requer a sua acção.
E partindo destes pressupostos, e tendo em mente as razões atrás apresentadas, que termino dirigindo ao Governo um veemente apelo, expresso nos seguintes votos:
1.º Que se estudem e coordenem, sem delongas, todos os serviços afectos ao sector terciário dos Açores de molde a que a navegação e o comércio ajustem os seus legítimos interesses aos não menos legítimos interesses da agricultura e da indústria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - 2.º Que o Governo, em todas as deliberações que visem a boa articulação dos interesses da metrópole, nunca esqueça o condicionalismo geográfico c demográfico dos Açores, dispensando-lhes todas as facilidades e auxílios que esse condicionalismo requer para que iguais se tornem as possibilidades de vivência em todo o território nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - 3.º Que se concluam, com toda a brevidade, os trabalhos de diagnóstico, iniciados pelo Instituto de Investigação Industrial, nos Açores, em 1961, de forma que se passe, sem demora, à urdidura do Plano de valorização regional, indispensável ao bom ordenamento sectorial da vida económica do arquipélago.
4.º Que se incluam os Açores em todos os planos de fomento e campanhas de valorização agrária de forma a obter não só maior e melhor produção das culturas, mas ainda mais justa compensação da exploração da terra e mais perfeita protecção do trabalhador rural.
5.º Que se incluam os Açores em todos os planos de fomento e campanhas de valorização - pecuária, nunca esquecendo que é naquelas ilhas que se encontram as condições ecológicas mais favoráveis - entre todas as do território metropolitano - para a criação de gado e, portanto, para a rápida solução do problema da falta de carne e de lacticínios do continente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - 6.º Que se intensifiquem os já notáveis trabalhos dos serviços florestais nos Açores, dotando-os com os meios e os instrumentos necessários para que continuem não só os racionais aproveitamentos silvo-pastoris de todos os baldios públicos do arquipélago, mas também o de todas as zonas incultas particulares, pelo fornecimento gratuito de plantios e sementes e pela concessão de créditos a baixo juro e a longo prazo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vitória Pires: - Sr. Presidente: antes de iniciar as considerações que desejo proferir, quero dirigir a V. Ex.ª respeitosos cumprimentos e, com eles os protestos da minha elevada admiração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: começo por remontar às origens e fazer um pouco de história.
Estávamos em 1929 e o País atravessava uma época de verdadeira asfixia económica. A drenagem de divisas com as importações era assustadora e havia que procurar evitá-la. O trigo figurava como um dos produtos que mais pesavam na hemorragia cambial. No quinquénio de 1925-1929 as suas importações atingiam o volume médio anual de 191 500 t.
Foi neste ambiente, e em face das condições então verificadas, que o antigo Ministro da Agricultura tenente-coronel Linhares de Lima lançou as bases da Campanha do Trigo.
Precisamente porque as condições financeiras do País eram precárias, os serviços agrícolas arrastavam uma vida penosa, não podendo actuar eficientemente, e, salvo escas-
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sãs possibilidades provenientes do material recebido por conta das reparações da guerra de 1914-1918, os técnicos de todo o País sentiam a ineficácia dos seus esforços e a falta dos indispensáveis meios de acção.
A Campanha do Trigo, além de outros méritos, fez reacender no espírito dos técnicos e dos lavradores a chama do entusiasmo, operou a sua aproximação e foi verdadeiramente notável a dedicação com que todos se lançaram no desempenho de uma missão para a qual lhes não faltava nem fé nem confiança, nem apoio moral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vivia-se então um período semelhante ao actual no respeitante à carência de técnicos, tendo sido necessário chamar a colaborar na Campanha os alunos dos dois últimos anos do curso de Agronomia.
Linhares de Lima conhecia a psicologia humana e sabia, com a sua palavra sempre afável e confiante, captar simpatias e incutir entusiasmo, colhendo em troca a devoção de que necessitava para realizar o objectivo inspirador da Campanha.
O resultado, Sr. Presidente, conhece-o V. Ex.ª e conheço-o eu, assim como todos os que viveram essa época; mas os que presentemente têm o privilégio da juventude só por informações ou leitura dos escritos do tempo se podem aperceber da amplitude dos resultados conseguidos.
As produções passaram de 275 337.t, como média anual do quinquénio de 1925-1929, para 440 076 t no período de 1935-1939. Foi assim possível reduzir substancialmente o dispêndio de divisas, o que permitiu ao grande obreiro da reconstrução financeira e económica do País, que nessa altura sobraçava a pasta das Finanças, dar impulso ao seu plano de acção.
Recordo-me de que num dos seus magistrais discursos, proferido quando se adquiriu a primeira unidade para renovação da nossa marinha de guerra, afirmou - e estas palavras têm um significado que importa recordar:
Para que pudessem sulcar os mares navios portugueses, foi preciso que a charrua sulcasse mais extensamente, e melhor, a terra pátria, poupando à Nação largas somas do seu ouro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tive a honra de pertencer a esse grupo de técnicos que deram o melhor de si mesmos, em esforço tenaz e em actividade construtiva, ao êxito da campanha. Fi-lo no exercício do cargo de director do Posto Agrário de Elvas, que desempenhava havia três anos e a que vi acrescentada a chefia da brigada técnica dessa região agrícola.
Falo, portanto, com conhecimento de causa e com a segurança que me dá a circunstância de ter começado a minha vida oficial como soldado das primeiras linhas e tomado parte nessa batalha criadora.
Não posso, assim, compartilhar da ideia, criada com alguma superficialidade em espíritos talvez insuficientemente esclarecidos, de que a Campanha do Trigo não foi benéfica para a economia nacional. A Campanha do Trigo cumpriu a sua missão e não tenho dúvidas em afirmar, volvidos 34 anos, que cumpriu bem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando se considerou que a sua 1.ª fase estava alcançada e que, dentro, aliás, do princípio da intensificação definido no relatório do decreto orgânico, se devia passar do ponto de vista unilateral para uma acção de conjunto, o que era facilitado pelo treino já adquirido, o próprio autor da Campanha do Trigo transformou-a em Campanha da Produção Agrícola, iniciada em 1931-1932.
Mas, mesmo antes dessa transformação, já tinham sido aprovados programas para outras campanhas, como a da fruta, a do leite e lacticínios, melhoramento e intensificação da cultura da batata, olivais e azeites, campanha da vinha e do vinho.
É evidente que aquela linha de orientação exigia disponibilidades superiores às da Campanha do Trigo e uma orgânica diferente, pelo que, passados poucos anos, a campanha foi integrada na Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, através da reforma do Ministério da Agricultura levada a efeito em 1936 pelo Dr. Rafael Duque, tendo nessa altura sido criada a Estação Agronómica Nacional, organismo ao qual se confiou a investigação científica.
Em 1938 o mesmo Ministro publicava a Lei do Povoamento Florestal, primeira medida tomada no sentido de uma arborização das dunas e dos baldios sem aptidão agrícola, e em 1942 criou a Estação de Melhoramento de Plantas, que tinha por missão obter novas variedades de cereais e forragens mais ajustadas às nossas condições ecológicas e com valor económico superior ao das que então se utilizavam.
Várias medidas foram tomadas no sentido de se substituírem algumas culturas e intensificar outras, por forma a conseguir-se melhoria económica e produtividade mais adequada.
Podemos dar alguns exemplos: a intensificação da cultura do arroz com resultados brilhantes, pois permitiu o auto-abastecimento até há poucos anos e mesmo apreciáveis exportações; o fomento da cultura do cânhamo, que deixou de se importar; os pomares industriais; expansão da cultura do linho no Norte do País, de tão evidente utilidade; os campos experimentais de culturas de sequeiro, e os ensaios de cultura com plantas industriais, designadamente a beterraba sacarina e o tomate.
Surgiu a segunda guerra mundial e, muito embora tivéssemos podido ficar fora do conflito, graças a uma política conduzida com excepcional visão, vivemos o clima de guerra, com as suas consequências. Houve necessidade de lançar mão de todos os recursos e tomar medidas que atenuassem as dificuldades do momento; por isso se lançou a Campanha de Produzir e Poupar, da feliz iniciativa do Subsecretário de Estado da Agricultura Prof. André Navarro.
Circunstâncias diversas, entre as quais figura com maior importância o estado de guerra no Mundo, conduziram a perturbações e atrasos na realização das intenções projectadas. Daí as deficiências que hoje se apontam e os critérios de apreciação que classificam de erro uma acção que serviu adequadamente o progresso agrícola e os interesses do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Só se pode apreciar com justiça o passado quando se conhecem pormenorizadamente os seus aspectos e o clima em que os factos se desenvolveram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As condições de então eram bem diferentes das actuais e grande parte dos conhecimentos de que hoje dispomos não existiam.
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A economia mundial caminhava rapidamente no sentido do auto-abastecimento total. A Alemanha organizava-se em autarcia e inventava produtos sintéticos, para não ficar na dependência dos outros países. A Itália procurava seguir-lhe o exemplo.
As trocas internacionais eram sujeitas a apertada disciplina; imperavam os regimes de compensação, e a liberdade cambial sofria severas restrições, impeditivas ou entorpecedoras da circulação de mercadorias.
É, pois, muito fácil dizer-se presentemente como se devia ter procedido há um quarto de século, mas era muito difícil nessa altura proclamar uma orientação totalmente oposta àquela que o Mundo defendia e procurava seguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A segunda guerra mundial trouxe, no entanto, modificação profunda de conceitos, e no período que se lhe seguiu deu-se praticamente em todos os países uma viragem de orientação que obrigou a alterar os processos até então adoptados. Mas porque a economia desses países tinha possibilidades maiores do que a nossa, quer pela industrialização que já possuíam, quer pelas próprias condições da produção agrícola, caminhou-se a ritmo mais veloz. Porém, como resultado da expansão das indústrias de guerra e da rarefacção dos bens de consumo, verificou-se a elevação astronómica dos preços e a consequente inflação.
Apesar de tudo, tomaram-se medidas para a colheita de elementos que permitissem em futuro tão próximo quanto possível definir orientação e indicar o caminho a seguir, não só à lavoura como às actividades a ela ligadas. Seguiu-se, portanto, um processo evolutivo mercê do qual se tornou possível dispor presentemente de uma soma apreciável de elementos sobre os quais se pode raciocinar e proceder à elaboração de planos, mediatos e imediatos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As atenções tiveram de se concentrar em problemas que requeriam pronta solução e respeitavam principalmente ao abastecimento do País em muitos produtos que não tínhamos ou de que éramos deficitários.
Os grémios da lavoura tiveram de exercer a meritória função de reguladores dos preços do mercado interno e com essa preocupação desviaram-se das suas verdadeiras atribuições.
Procurou-se corrigir o desvio criando-se cooperativas anexas aos grémios que se ocupassem da actividade comercial, medida que teve particular incremento a partir de 1950.
Entretanto os organismos de investigação procuravam soluções para os problemas agrícolas, e assim a Estação Agronómica Nacional, ao longo da sua actividade, resolvia alguns casos concretos da mais alta importância para a economia nacional.
Citaremos os de maior relevo, entre os quais figuram as formas de trevos e outras forragens, que ocupam alguns milhares de hectares e estão sendo utilizados noutros países da zona mediterrânica: as variedades de arroz obtidas por cruzamento artificial e selecção, algumas produzindo mais 15 por cento do que as normalmente utilizadas; as novas variedades de morangos e de melão; os tipos de porta-enxertos que permitem uma arboricultura moderna com produções muito superiores aos sistemas clássicos; os novos híbridos de videiras, uns para a produção de uva de mesa e outros para o fabrico de vinho, dando mostos com colorações duas e três vezes mais intensas do que os das castas vulgares, além de uma produtividade 50 e 100 por cento mais elevada; o combate às pragas de gafanhotos, cujos prejuízos representariam valores quinze vezes maiores do que a importância despendida nessa campanha; a solução do problema da maromba nas vinhas do Douro, ocasionada por uma deficiência de boro, de que resultariam prejuízos superiores a 20 000 pipas anuais, outro tanto sucedendo com as oliveiras nalgumas zonas do País; a carta dos solos iniciada pela Estação Agronómica e que continua a ser elaborada sob a orientação do seu pessoal; o fornecimento de elevado número de cafeeiros isentos de ferrugens às nossas províncias ultramarinas, através do Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro, instituído pela Junta de Investigações do Ultramar e que funciona integrado na Estação Agronómica.
Toda esta actuação, e apenas me referi nos problemas já resolvidos com maior projecção económica, representa muitos milhares de contos que o País usufruiu. Há, no entanto, uma enorme soma de trabalho realizado e em curso na procura de soluções para muitos outros problemas, tais como: matéria orgânica, com vista ao aproveitamento de todos os resíduos orgânicos utilizáveis na agricultura; elementos mínimos, com fim de evitar a sua carência nas culturas; dessalgamento, para estudo e recuperação dos sapais do País; fitopatologia, entomologia, ambos para defesa das culturas contra doenças e pragas; estudos pomológicos; fomento frutícola, e conservação do solo.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. Amaral Neto: - E só para pedir a V. Ex.ª e, com V. Ex.ª à Assembleia que ponderem como esse notável trabalho da nossa Estação Agronómica Nacional tem tido incomparavelmente menos publicidade que o também muito notável trabalho do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Eu, que, sendo por formação engenheiro civil, não escondo uma viva simpatia pelos problemas da que foi minha profissão, não quero estabelecer nem de longe um juízo de valores entre as duas obras. Quero estabelecer, sim, um juízo de valores entre a publicidade que se dá a uma e a outra obra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Simultaneamente, a Estação de Melhoramento de Plantas, de 1942 a 1959, isto é, em 17 anos de existência, entregou à lavoura 22 formas de trigos, das quais 8 híbridos por ela criados e 14 linhas novas das variedades portuguesas tradicionais; 6 cevadas, sendo 3 para alimentação animal e igual número destinado à indústria de cerveja; 6 aveias; 25 milhos híbridos. 3 criados na Estação, em Elvas, 8 no seu núcleo de melhoramento de Braga, 7 no núcleo do Porto e 7 no de Viseu; 8 forragens anuais e 9 permanentes. Quer dizer: a Estação pôs à disposição da lavoura, nesses 17 anos de existência -, 53 formas novas de cereais e forragens e os seus núcleos 22 tipos de milhos híbridos.
Esta produção da Estação de Melhoramento de Plantas pode considerar-se um verdadeiro record e documenta exuberantemente a extensão e utilidade do esforço dos seus técnicos.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - O Instituto de Svalõf, na Suécia, considerado um dos primeiros organismos mundiais de melhoramento de plantas, completou 75 anos em 1961 e a sua produção, no campo dos cereais e forragens, foi de 174 novas formas, o que equivale à média anual de 2,3.
A nossa média eleva-se a 8,7.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Faltaria a um imperativo de consciência se não acentuasse que este alto nível de produção só foi possível graças ao interesse que a Estação sempre mereceu às instâncias superiores, ao Ministério da Economia e, além deste, ao Ministério das Finanças e ao Ministério das Obras Públicas, aos quais muito deve; e não esqueço a colaboração preciosa e verdadeiramente dedicada da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, cujo início se deu na época em que os meus saudosos amigos Dr. José de Andrade Lopes e Eng.º Saraiva Vieira eram, respectivamente, presidente o delegado do Governo daquela instituição.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem sido mantida com a melhor compreensão e o mais elevado espírito construtivo por todas as direcções a colaboração a que me acabo do referir.
Mais tarde a Estação passou a receber também valioso apoio da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, e durante algum tempo teve-o igualmente da Junta de Exportação dos Cereais, sobretudo no período em que colaborámos activamente na montagem dos trabalhos de melhoramento de cereais e forragens em Angola e Moçambique, para onde foram técnicos preparados pela Estação de Elvas muito principalmente destinados aos quadros da Estação de Melhoramento de Plantas de Angola, transformada recentemente no Instituto de Investigação Agronómica.
Tive a satisfação de visitar este organismo em Outubro do ano passado, quando ali tomei parte nas IV Jornadas Silvo-Agronómioas por honroso convite do Governo-Geral, e foi-me dado ensejo de admirar a sua estrutura, o magnífico corpo de pessoal científico de que dispõe e os estudos em curso, garantia de uma eficiente e valiosa projecção no desenvolvimento agrícola da economia angolana.
Toda aquela actuação da Estação de Melhoramento de Plantas de Elvas teve e tem importante reflexo na economia do País. Bastará dizer que os aumentos de produção das variedades por ela obtidas, relativamente às que a lavoura utilizava anteriormente, podem computar-se em 8 a 23 por cento nos trigos, 15 por cento nas cevadas, 20 a 80 por cento nas aveias e 20 a 79 por cento nos milhos híbridos.
Nas forragens é difícil indicar percentagens, por falta de termo de comparação; sabe-se contudo que as produções de matéria verde das formas anuais variam entro 15 t e 30 t por hectare.
Quanto às forragens permanentes, os prados semeados revelam capacidade de apascentamento quádrupla da que possui a pastagem natural em pousio de um ano.
Tendo em conta os volumes de sementes seleccionadas das variedades de trigo da Estação vendidas pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo; as quantidades de covada para semente e as destinadas à indústria; o volume das aveias, cuja utilização cobre hoje praticamente o País inteiro; o aumento de produção determinado pelos milhos híbridos, embora eles não tenham ainda a expansão
desejável, tendo em conta todas estas circunstâncias, ia dizendo, pode
afirmar-se com segurança que a projecção da Estação de Melhoramento de Plantas na economia do País de 1953 a 1961 se traduz em valor superior a 750 000 contos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se incluíram neste valor - cumpro salientá-lo - os benefícios referentes ao período de 1944 a 1952, porque nele se operou gradualmente a introdução das novas variedades, e também se não indicaram os valores relativos às novas forragens, porque a carência de elementos torna difícil a estimativa. Estamos, no entanto, convencidos de que de 1944 a 1963, ou sejam vinte anos. a sua projecção económica pode, com prudência, computar-se num valor superior a
1 milhão de contos.
Não vou detalhar os métodos de cálculo utilizados; possuo, no entanto, os números, que desde já ficam à disposição de quem desejar consultá-los.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o intuito de promover a distribuição de culturas de harmonia com as condições pedológicas e climáticas do País
encontra-se no pensamento do autor da Campanha do Trigo e permaneço nos nossos espíritos, tão intuitivo e racional só afigura.
Mas é evidente que tinha de se conhecer primeiro, em pormenor, a Carta dos solos, as cartas agrícola, florestal e pecuária, a carta de capacidade de uso do solo e, por fim,- a carta de ordenamento.
Deve-se ao saudoso Eng.º Pereira Caldas, como Subsecretário de Estado da Agricultura, o despacho que mandou proceder a esses estudos, denominados, no seu conjunto, pela designação de Plano de fomento agrário, e que em 1958 se passou a intitular Serviço de reconhecimento e ordenamento.
Esses estudos foram reforçados e intensificados a partir de 1950 e puderam prestar ao Ministério das Obras Públicas valiosos elementos para a elaboração dos projectos respeitantes ao Plano de rega do Alentejo, notável iniciativa do Sr. Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes de Oliveira. Este facto foi possível porque se fez incidir a partir de 1955 toda a acção dos serviços respectivos nas províncias alentejanas.
Mas como a melhor distribuição de culturas se deve fazer não perdendo de vista a possibilidade de elevar o nível de fertilidade das terras, a fim de não destinar à floresta solos que, melhorados, são susceptíveis de suportar culturas indispensáveis ao sustento das populações, e os estudos de reconhecimento agrário ainda não podiam fornecer os elementos necessários ao ordenamento, procurou-se não perder tempo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pôs-se assim em execução em 1954 toda uma série de medidas que constituíram o Movimento de Intensificação Agrária, alicerçadas na base de uma maior produção de matéria orgânica, condição indispensável a qualquer aumento de fertilidade dos solos e consequente elevação da sua capacidade produtiva. E isto porque os adubos minerais, tão necessários às altas produções, não podem evidenciar as suas faculdades se lhes falta o fundo orgânico nas terras.
Preparou-se pessoal técnico de investigação e do extensão, dando-se primazia a esta última, nos melhores centros da Europa e dos Estados Unidos.
Promoveram-se campanhas de forragens, adubações, calagens, milhos híbridos, arborização, higienização e melhoria do leite.
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Intensificaram-se os cursos de podadores de sobreiros, as escolas de resinagem e as medidas de combate aos insectos que atacam os montados e fomentou-se a sementeira dos sobreiros, alargando-se a sua área de povoamento.
Com o fim de incutir o amor pela terra às crianças da instrução primária, o então Subsecretário de Estado da Educação Nacional, Dr. Veiga de Macedo, publicou um despacho, integrado no seu notável Plano de educação popular, no qual estabelecia o indispensável contacto entre a Direcção-Geral do Ensino Primário e as Direcções-Gerais dos Serviços Agrícolas, Florestais e Aquícolas e Pecuários, para se organizarem anualmente «cursos especiais sobre assuntos relacionados com a vida rural destinados aos alunos das escolas do magistério primário, bem como aos professores e regentes dos postos escolares».
Esta iniciativa tinha por fim criar uma mentalidade agrícola logo nos bancos das escolas, fomentando o interesse pela terra c o desejo de a ela se ficar ligado, objectivo que todos os países visam alcançar e que nos Estados Unidos se procura conseguir através dos clubes dos 4 H, organização de renome mundial.
Na mesma linha de acção, fomentou-se a construção de silos e nitreiras, intensificando-se as medidas que se haviam iniciado em 1943, mas que em 1948 tinham sido suspensas.
Durante esses 5 anos construíram-se 506 silos, com a capacidade total de 7948 m3, e de 1951 a 1958, através dos subsídios da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, 1493 novas unidades, com a capacidade de 27 549 m3, e 1767 nitreiras, totalizando uma área de 137 531 m2. Com esta medida de fomento despendeu-se uma média de 2240$ por unidade.
Muitas outras realizações se efectivaram nesse período com os empréstimos do Fundo de Melhoramentos Agrícolas ou por exclusiva conta dos agricultores.
O movimento cooperativo foi também intensificado em vários sectores da produção, nomeadamente no campo dos lacticínios, lagares de azeite e adegas cooperativas, devendo salientar-se a solução do difícil problema do fornecimento de leite higienizado à, cidade de Lisboa e a outros importante centros do País, assim como os vastos planos de adegas cooperativas aprovados por sucessivos despachos do Ministro Dr. Ulisses Cortês, que interessaram todas as nossas regiões vinícolas.
Ao abrigo dessa salutar medida construíram-se ou estão em acabamento na região dos vinhos verdes 16 adegas cooperativas, com a capacidade total de 37 872 hl, representando um investimento de 30000 contos; na região do Douro 23 unidades, cuja capacidade é de 215 875 hl e o valor do investimento 46000 contos; na região do Dão 5 adegas, com 89 965 hl de capacidade e o investimento de 17 000 contos; na área da Junta Nacional do Vinho, incluindo a região do moscatel de Setúbal e as adegas das ilhas do Pico e Graciosa. 35 unidades, com a capacidade de 713 500 hl e o investimento de 154500 contos. Temos assim no total 79 adegas, com a capacidade de 1 057 212 hl e o investimento de 247 500 contos.
Procurou-se portanto orientar os agricultores, defendê-los através de sistemas cooperativos e encaminhá-los para uma exploração da terra em condições mais equilibradas e que lhes proporcionasse maiores rendimentos unitários.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - Tive assim ocasião de afirmar à lavoura que:
Produzir muito já é alguma coisa, mas é preciso também obter produções remuneradoras a custo mais reduzido. Agricultores o técnicos terão de adicionar os esforços para alcançar esta posição com brevidade.
Para isso pretende-se que a lavoura colabore ainda mais intimamente com o departamento da Agricultura e que essa colaboração se inicie no momento de se elaborarem os próprios planos de acção.
O Movimento de Intensificação Agrária, com as suas campanhas, constituiu a preparação para o decreto destinado a ampliar a assistência técnica da
Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, situando-se ao nível concelhio e descentralizando os órgãos de acção.
O Sr.- André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. André Navarro: - Esse decreto que V. Ex.ª referiu e que causou no ambiente agrário a maior satisfação parece-me que depois não teve sequência.
V. Ex.ª é capaz de explicar à Assembleia qual a razão por que isso não se verificou?
O Orador: - Gostaria muito de explicar a V. Ex.ª a razão, mas desconheço-a.
Por outro lado, facilitou-se o povoamento florestal da propriedade privada e desenvolveu-se a assistência técnica das Direcções-Gerais dos Serviços Florestais e Aquícolas e dos Serviços Pecuários através das respectivas reformas.
Esses diplomas foram publicados em 1954, 1956 e 1957 também pelo Ministro da Economia Dr. Ulisses Cortês.
No relatório do decreto que intensificou a assistência técnica agrícola lê-se:
A melhoria do nível de vida resultante da expansão económica e o próprio desenvolvimento demográfico conduzem a acréscimo de consumo, a que o sector agrícola, por meio de intensificação e de um novo ordenamento cultural, tem de dar adequada satisfação.
Confia-se em que as soluções agora adoptadas tenham marcada influência no melhoramento das condições de vida das famílias rurais, quer sob o ponto de vista material, quer cultural e moral.
Criando, em fases consecutivas, os necessários centros de assistência técnica, reequipando os serviços e operando a sua descentralização ao nível concelhio.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: -
... espera-se conseguir uma acção eficiente c útil, da maior relevância na actual fase de desenvolvimento do País.
Note-se que, além da intensificação da assistência- técnica e de um novo ordenamento cultural, se faz referência ao melhoramento das condições de vida das famílias rurais, quer sob o ponto de vista material, quer cultural è moral.
A acção neste último aspecto foi iniciada, após a publicação do decreto, por pessoal previamente preparado nos Estados Unidos, onde esses serviços se encontram intimamente ligados com a assistência técnica agrícola e recebem forte apoio do Governo.
É notável o esforço desenvolvido neste sector, em que o grupo técnico, constituído por senhoras com os cursos de engenheiro agrónomo, regente agrícola e agentes de
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educação familiar rural, está conseguindo resultados de muito interesse através dos cursos de extensão agrícola familiar.
Até final do 3968 tinham-se criado 84 centros fixos e 12 centros ambulantes, nos quais se haviam concluído 89 cursos, encontrando-se presentemente em funcionamento 46. O número de alunas eleva-se a 1174.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, representa a preparação para um melhor ajustamento de culturas, que se desejava fosse promovido por uma assistência técnica exercida através de uma rede concelhia, com o apoio dos órgãos centrais de cada região, constituídos pelas respectivas estações agrárias e brigadas técnicas.
É evidente que essa assistência técnica havia de dispor de medidas complementares de apoio financeiro para que a sua acção resultasse profícua.
Sr. Presidente: vou terminar, acrescentando que esteve permanentemente no meu espírito o melhor ajustamento das culturas as condições dos solos portugueses, e outra coisa não significa o forte apoio dado aos trabalhos de reconhecimento o ordenamento agrário de 1950 a 1958.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Teve-se, no entanto, como indispensável, à medida que se caminhava evolutivamente naquele sentido, amparar a lavoura através de medidas que lhe permitissem vencer as dificuldades e superar a sua situação, já nessa altura pouco desafogada.
O Sr. Rocha Cardoso: - É verdade!
O Orador: - Mantenho hoje as mesmas posições e, por isso, não regatearei o meu apoio à reconversão agrária que sempre preconizei e a que permaneço fiel. Suponho ser essa também a posição de princípio da Assembleia.
Duas ideias desejo, todavia, reafirmar, ao concluir estas considerações: a de que a reconversão deve ser levada a efeito com grande prudência e de modo «gradual», como o ilustre Ministro da Economia, Prof. Teixeira Pinto, judiciosamente sublinhou na sua brilhante exposição, e a de que urge enfrentar sem demora os problemas angustiosos em que a lavoura se debate e se traduzem, segundo a expressão feliz do Sr. Deputado Eng." Amaral Neto, numa grave crise da agricultura nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Francisco António da Silva: - Sr. Presidente: ao iniciar a minha intervenção no oportuno aviso prévio do Sr. Deputado Amurai Neto, a quem rendo as minhas homenagens, faço-o apenas com o propósito de evidenciar alguns dos principais problemas que afligem a lavoura, cuja situação, muito especialmente no Alentejo, é verdadeiramente alarmante.
E faço-o porque represento aqui um distrito quase completam ente devotado às actividades agrícolas e onde - se sentem, por isso mesmo, mais duramente os efeitos de uma crise já longa e cuja solução se não antevê para breve.
Daí a necessidade, cada vez mais imperiosa, de que se discutam nesta Câmara, a mais alta representação da vida nacional, os problemas da lavoura, a fim de que o Governo seja esclarecido e tome as providências adequadas e urgentes que ponham termo ao mal-estar em que vive o Alentejo.
O muito louvável estímulo que se tem dado à indústria, as medidas proteccionistas com que se tem procurado favorecer esse importante ramo da economia, de forma alguma poderão justificar o estado de abandono a que tem sido votada a agricultura, que tem vivido até hoje quase da improvisação, sem plano definido, sem horizontes que permitam antever futuro promissor.
Sr. Presidente: é um agricultor que fala. E fala não só por viver directamente os problemas agrícolas, mas também porque sente a intranquilidade de uma população laboriosa que luta, que sofre, mas que começa a descrer das suas possibilidades.
E preciso viver o dia a dia do Alentejo para verdadeiramente avaliar todo o triste panorama alentejano. O mito da sua riqueza tem-se desfeito e assiste-se ao soçobrar contínuo de casas agrícolas, algumas de grande tradição familiar, e ao constante êxodo das populações rurais, outrora tão apegadas às terras onde nasceram.
Adversidade de clima, inadaptação de culturas, exigências de uma mecanização crescente, desvalorização dos produtos, encarecimento de fertilizantes, etc., tudo tem contribuído para uma situação cada vez mais agravada, que faz da agricultura, no panorama económico nacional, um sector deprimido.
E urge acudir-lhe com medidas eficazes e inadiáveis, que façam acreditar o Alentejano na razão da sua luta e do seu esforço.
Acreditamos ainda, como bem salientava há dias um articulista do jornal O Século ao referir-se aos problemas da lavoura, que «há ainda recursos, forças realizadoras, potencialidades várias mobilizáveis», mas que «é preciso não deixar que o desalento e o abandono os enfraqueça e prejudique mais; é preciso, pelo contrário, fomentá-los, insuflar-lhes energia, lançá-los na luta, guiando-os por planos bem preparados e campanhas esclarecedoras, de simples compreensão, é preciso não lhes faltar com o auxílio financeiro e técnico à altura da obra a levar a cabo e, sobretudo, acompanhar com acção as frases reflectidas, calculadas, dos discursos, dos despachos, dos comunicados».
E é neste propósito que ousamos analisar, em traços gerais, que procuraremos sejam elucidativos, o panorama agrícola do distrito de Beja, preconizando para ele algumas soluções.
Vejamos então.
A situação actual, como dissemos, é produto de um complexo de causas.
As contingências de um clima seco, quase mediterrânico, que, nos últimos anos, se tem mostrado instável, umas vezes com pouca pluviosidade, outras com pluviosidade excessiva para a cultura de sequeiro, têm gerado uma série de maus anos agrícolas, com produções inferiores e pouco compensadoras.
O Baixo Alentejo, zona de peneplanície, vive quase só da cultura cerealífera.
A falta de água, a secura do clima, não são propícias para uma policultura.
É certo que, aqui ou ali, onde a água é mais abundante, desponta um hortejo.
Há numa ou noutra zona a oliveira e a azinheira; esta outrora árvore importante no conjunto alentejano, perdeu o significado económico que tinha, em virtude de as lenhas não terem valor e de a peste suína africana ter dizimado os efectivos.
A suinicultura era uma parcela extraordinariamente volumosa da economia regional, servindo para colmatar as brechas da exploração cerealífera.
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Hoje, nem com essa fonte de receita o lavrador alentejano pode contar. É tal a gravidade da doença que o efectivo suíno da região está reduzido em mais de 50 por cento.
Ás outras explorações pecuárias, pelos baixos preços dos produtos, também não têm dado condições satisfatórias.
Desta forma, pouco mais nos resta que a cultura do trigo, que faz desta província uma região quase de monocultura e, nas condições actuais, deficitária.
Isso é ponto assente, reconhecido até pelas instâncias superiores. Insistir nela parece-nos que é agravar a situação económica da lavoura. Mas viver sem ela, no Alentejo, é, presentemente, viver sem justificação.
E porquê?
O Eng.º Mariano Feio, num curioso trabalho sobre a situação económica e perspectivas da cultura do trigo, di-lo, claramente, nestas palavras:
Nas condições presentes, abandonar a cultura do trigo seria a atitude mais sensata, se fosse possível, para a maior parte dos produtores, e até para a classe, no aspecto que só a carência melhora os preços. Não existem, todavia, culturas de substituição; para muitos é difícil - e doloroso transferir a actividade para outro ramo de economia onde lhes escasseia a competência; finalmente, muitos outros só a poderiam abandonar neste momento através de uma falência: a única possibilidade de evitar este desenlace é continuar.
Na verdade, o preço do trigo mantém-se estacionário desde 1948. O propósito
governativo de o estabilizar, para não agravar a situação económica das classes mais pobres, cuja base de alimentação é o pão, seria louvável se fosse acompanhado de medidas adequadas para a sustação dos preços dos factores da produção. Mas isso não tem sucedido.
Os fertilizantes têm aumentado de preço, e a mão-de-obra, cada vez mais diminuída, valorizou-se. Por outro lado, a necessidade de aumentar a produtividade, forma necessária de embaratecer o custo da produção e de atenuar os efeitos, da escassez da mão-de-obra, tem levado a uma progressiva mecanização.
Mas a mecanização custa muito dinheiro. O preço das máquinas tem subido desde a fixação do actual preço do trigo, isto é, desde 1948, em mais de 200 por cento.
E estará a lavoura, nas presentes circunstâncias, apta a enfrentar os vultosos encargos da mecanização?
O aumento de produtividade requer ainda uma permanente assistência técnica, que permita melhorar a qualidade do trabalho e das culturas.
Como poderá essa assistência técnica ser eficaz no maior distrito do País, com uma área de 10 278 km2, se a brigada da XIV região agrícola dispõe apenas de cinco engenheiros agrónomos, quatro regentes agrícolas e um prático agrícola?!
Se não fosse o extraordinário esforço e competência desses poucos técnicos, muito reduzida seria a assistência prestada.
O regime de exploração agrícola tem igualmente contribuído para o actual estado de coisas.
Há no distrito de Beja a grande, a média e a pequena propriedade. Grande parte das explorações faz-se em regime de arrendamento.
Os maus anos agrícolas, gerados por todos os factores que indicámos, têm levado os rendeiros a todos os esforços para uma produção maior no mais curto prazo.
O rotativismo das culturas não é respeitado, pela necessidade de produzir, muitas vezes de qualquer maneira. As terras estão esgotadas, pelo que delas se tem exigido.
Todas estas causas são a razão de um verdadeiro estado de empobrecimento e de miséria, que só pode levar à concentração da propriedade.
Os pequenos e médios proprietários ou estão na falência, ou à beira dela. Só os grandes proprietários, e sabe Deus com que sacrifícios, podem sobreviver.
Foi há pouco indicado o caminho que a lavoura deverá seguir: o da reconversão.
Mas a reconversão não se faz de um dia para o outro.
O Sr. Ministro da Economia, na sua importante comunicação a esta Câmara, em 13 do corrente, não deixou de manifestar certo optimismo na solução de muitos problemas que afectam a lavoura. As palavras de S. Ex.ª trazem esperanças quanto a futuro melhor, mas é preciso não esquecer o presente, e este é muito grave.
A reconversão das culturas exige tempo, carece de estudos demorados.
Há necessidade de encarar o problema de frente, sem mais delongas, com soluções a curto e a longo prazo.
Parece-nos necessário para isso:
a) Valorizar os produtos agrícolas, pecuários e florestais;
b) Dar nova estruturação ao crédito;
c) Procurar uma comercialização ajustada aos interesses da produção;
d) Criar indústrias junto da produção;
e) Desenvolver a assistência técnica;
f) Ampliar o ensino agrícola para uma melhor preparação tanto do empresário como do trabalhador rural;
g) Criar um planeamento agrícola regional perfeitamente integrado no plano nacional.
Já apontámos, no decorrer da nossa intervenção, as razões por que achamos necessária a valorização dos produtos agrícolas. No período de reconversão que vai iniciar-se, essa valorização, embora a título precário até à reconversão total, parece-nos uma solução para as necessidades imediatas da lavoura. Seria uma compensação para o período difícil que terá de viver-se.
O sistema de crédito deve ser estruturado tendo em atenção as novas condições que vão ser criadas pela reconversão.
A comercialização implica necessariamente a criação de indústrias nos locais da produção e torna-se imperiosa como meio de fixar as populações rurais, evitando que procurem noutros meios e no estrangeiro remunerações mais compensadoras.
Ainda recentemente, numa elucidativa série de artigos sobre o Alentejo, o Diário Popular descrevia a tristeza das nossas aldeias, com ruas abandonadas por uma população que procura nos meios industriais a valorização do seu trabalho. É, verdadeiramente, confrangedor observar que no distrito de Beja, o de menor densidade demográfica e o que menos contribuía para a nossa emigração tradicional, se tenha processado, nos últimos anos, um largo movimento emigratório das populações rurais.
Ora urge que se procurem soluções que fixem os trabalhadores agrícolas.
O Sr. Lopes Vasques: - Muito bem!
O Orador: - E nada melhor, em nosso entender, sobretudo numa altura em que se verifica um extraordi-
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nário esforço de industrialização, do que pensar no Alentejo para a localização de algumas indústrias, que permitam uma melhoria de vida às sacrificadas populações rurais.
A ampliação do ensino agrícola, para a formação de empresários e trabalhadores, é outra exigência da situação actual da lavoura, pela necessidade de criar e desenvolver uma melhor preparação profissional, pois sem ela não se poderá chegar a uma agricultura devidamente evoluída.
O Alentejo, que abrange quase metade do País, tem apenas uma escola de regentes agrícolas. Por que não criar em Beja, ou no seu distrito, uma outra escola de regentes e feitores agrícolas, que melhor pudesse contribuir para a criação de uma mão-de-obra especializada?
Por outro lado, é necessária a ampliação dos quadros técnicos das brigadas agrícolas, pecuárias e florestais, permitindo urna- melhor assistência e diminuindo o risco da improvisação.
Igualmente se torna necessária a elaboração de um planeamento agrícola nacional, onde estejam enquadrados os planeamentos regionais, pois só assim se poderá traçar em definitivo uma orientação para a agricultura.
Sr. Presidente: cheguei ao fim da minha intervenção certo de não ter abrangido este magno e complexo problema, mas com a certeza de, como agricultor, ter dado o meu modesto contributo para um melhor esclarecimento da angústia e desespero em que vive e trabalha a lavoura alentejana.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: creio ser da maior oportunidade a feliz iniciativa do ilustre Deputado Amaral Neto ao anunciar o aviso prévio sobre a situação da agricultura.
Ninguém poderá negar a vantagem do debate deste problema, que, em certa medida, toma aspectos angustiantes.
Desde há muito que a situação da nossa agricultura se encontra na primeira linha das preocupações daqueles que se debruçam sobre este importantíssimo sector da vida económica da Nação, num claro reconhecimento de que se torna indispensável conseguir para ele soluções rápidas e eficazes que obstem ao desarticulamento da vida económica, social e política do País.
É uma preocupação constante de governados e governantes, como o demonstram a acção dos órgãos representativos da lavoura, o presente aviso prévio e a clara e lúcida exposição que o Sr. Ministro da Economia se dignou fazer neste caso.
Quem, como eu, está em permanente contacto com a média e pequena agricultura pode sentir o rápido definhamento económico dessa sacrificada gente e cuja intensidade de sofrimento vai desbordando da sua conhecida passividade e a lança num desespero bem justificado, por reconhecer que os seus lamentos só tardiamente são ouvidos e muito mais tardiamente atendidos.
Há que considerar, porém, ser ela durante longos anos a espinha dorsal da orgânica económico-social e representar ainda hoje um elemento de real valor a considerar na vida da Nação.
Ainda é ela a portadora de virtudes ancestrais a respeitar, com a sua marcada organização familiar, única susceptível de contribuir para a permanência e prosperidade dos povos que vêem na família cristã o melhor pilar em que assenta a sua estrutura político-social.
Na terra nasceram e viveram os seus maiores, e foram tão profundas as raízes por eles lançadas que, apesar de todas as vicissitudes por que tem passado, pretende continuar agarrada à mesma terra empapada com o seu suor e com o daqueles de quem a herdou.
E, perante a fuga, sob certos aspectos calamitosa, que o trabalhador do campo está á operar, os pequenos e médios agricultores, não obstante o crescer de dificuldades, continuam amarrados ao seu torrão, no esforço tenaz de o defender, numa época em que tudo lhes é adverso.
São eles as vítimas inocentes da época em que vivemos, à espera de que as bases equilibradas de uma nova economia, orientada pela razão e pelo respeito à pessoa humana, seja capaz de encontrar uma solução justa que salvaguarde os seus interesses, por forma a evitar o seu aniquilamento, com prejuízo para a própria vida da Nação.
O Sr. António Santos da Cunha: Muito bem, muito bem!
O Orador: - Poderá dizer-se, é certo, que, na época actual, o objectivo de toda a política consiste em elevar o nível de vida da população, ou seja aumentar o rendimento per capita, como já se escreveu.
Efectivamente, toda essa política de desenvolvimento, para atingir os seus fins, terá de ser orientada no sentido de assegurar a toda a gente um rendimento mais elevado que o actual.
E porque no sector agrícola nem sequer é possível conseguir um rápido e vultoso aumento de rendimento, vai-se dedicando mais atenção à indústria para se conseguir tal objectivo.
Entretanto, não pode deixar de se manter uma íntima correlação entre as duas actividades, até para evitar que o remédio com que se pretende debelar uma instabilidade económica acabe por matar o doente já caduco e o infante que acaba de nascer.
Para criar uma indústria próspera há que manter uma agricultura desafogada de boa rentabilidade para um equilibrado poder de compra e de consumo dos produtos fabricados e naturais.
Estamos longe, infelizmente, de obter esse equilíbrio, mercê da situação angustiosa da lavoura.
Quem percorrer o Norte do País logo pode verificar, sem grandes inquéritos, este fenómeno do rápido empobrecimento do médio e pequeno lavrador.
Deve ser, na verdade, muito pequeno o número daqueles que não tenham as propriedades comprometidas com empréstimos, encontrando-se uma boa parte com o seu património irremediavelmente perdido.
O facto resulta, além de precários anos agrícolas, do elevado preço dos salários, que o preço normal do produto não comporta, e do encarecimento de fertilizantes e sementes.
A protecção gremial à agricultura tem-se mostrado quase ineficaz, até porque a sua acção desaparece, precisamente, quando o produtor mais necessitaria de protecção, ou seja na valorização do produto e estabilização de preços dos mesmos.
No Norte, além da benemérita acção da Casa do Douro na região que assiste, não existe qualquer outra organização capaz da defesa dos produtores.
Quanto ao vinho, vai-se desenhando um interessante movimento cooperativista e ao qual, valha a verdade que se diga, não tem faltado a protecção do Estado, através dos órgãos competentes, embora ainda deixem a desejar
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os aspectos comerciais que estas cooperativas teriam de encarar com decisão.
Chega-me a notícia de que no distrito de Bragança surge algo de novo na organização e protecção da agricultura, devido ao dinamismo de um antigo ornamento desta. Assembleia.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que toca aos restantes produtos, especialmente a batata e as frutas,- continuam eles à mercê de intermediários indesejáveis, que deixam nas suas mãos aquilo que à lavoura pertence de direito.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - Por vezes, lá surge uma panaceia para atenuar estes malefícios, como aconteceu, ultimamente, com a batata, embora não lhe fosse fixado um preço mais remunerador, como era de esperar, dado o custo da produção e a melhoria dos salários.
E porque de panaceia se trata, chega quase sempre tarde, já porque a lavoura, vivendo o seu fatalismo, não contava com ela, já porque, por necessidade de satisfazer compromissos inadiáveis e para sua própria manutenção, teve de se entregar às mãos dos especuladores de suas próprias infelicidades, chegando a vender o produto por preço inferior ao que custou a sua própria cultura.
Efectivamente, no ciclo económico actual, todos entendem dever tirar lucros compensadores, excepção feita ao lavrador, que deu o capital-terra, sementes e adubos e o capital-trabalho, forçado a vender por baixo preço, para outros, que nada arriscaram, levarem o melhor lucro.
Por maiores economias que o produtor de batata execute, não consegue obter um quilograma de batata por menos de
Já pode considerar-se feliz quando vende a 1$, pelo que o diferencial .de venda para o preço da produção nem sequer supre as necessidades do próprio agregado familiar.
Entretanto, sejam quais forem as flutuações de preços na lavoura, o consumidor continua a pagar o produto pelo mesmo preço, para satisfação dos interesses de toda a cadeia de intervenientes entre o produtor e o consumidor.
Certo que as cooperativas de produção podem resolver, em grande parte este problema terminar, assim, com a actuação destes intermediários em ostensiva e imoral negação de uma apregoada economia dirigida.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Mas, até aqui terá o próprio Estado que intervir, já que,
tratando-se de um princípio novo para muitos, necessita de ser orientado e explicado aos interessados, até que eles adquiram consciência do seu préstimo e possam afastar a natural desconfiança resultante da pouca ou inadequada protecção que lhes tem sido dispensada.
E se da batata passarmos às frutas, encontram-se os mesmos inconvenientes, possivelmente agravados pela existência de uma organização que parece ter como principal função o enriquecimento de uma nova classe, apelidada pomposamente de «mandatários».
Os serviços oficiais lançaram a campanha de plantação de árvores frutíferas, o que, em princípio, está certo, já que o nosso agro, especialmente em certas regiões, se revela apto a produzir excelentes frutas.
Porém, a campanha da plantação não foi acompanhada, em igual ritmo, da campanha de colocação das frutas.
Daí advém um excesso de produção de que só resulta o já falado enriquecimento dos intermediários, aproveitando-se à maravilha da intensa oferta, que provoca preços irrisórios, para evitar uma perda total do produto.
Há anos falou-se na instalação de armazéns frigoríficos destinados a armazenamento de frutas, que conservassem a sua sanidade e servissem, ao mesmo tempo, de reguladores indirectos dos preços.
Recordo-me do alvoroço com que a notícia foi recebida na minha região, produtora de frutas excelentes, julgando-se que o problema ia ser resolvido.
Assim se determinou e as brigadas de técnicos apareceram para a escolha do terreno onde construir o armazém, mas a verdade é que tão salutar determinação ainda não foi executada até ao presente, com grave prejuízo para a lavoura.
Daqui se pode concluir que o mal maior que aflige a lavoura nortenha não é propriamente a falta de medidas apropriadas, mas, sobretudo, a sua inexecução ou demora da execução.
Do organismo controlador do mercado de frutas guardo a desagradável impresão que me causou ter rejeitado a um pobre rendeiro, há anus, 1300 kg de batata, em
10 000 kg que lhe foram enviados, e cuja rejeição só foi comunicada ao produtor 45 dias depois, com a informação de que a batata rejeitada tinha sido distribuída pelas casas de caridade do Porto.
A organização resolveu, nesse ano, fazer caridade por conta alheia, distribuindo por velhos e doentes batata considerada pela organização imprópria para consumo, sem ter a caridade mais compreensível dê perguntar ao pobre produtor qual o destino a dar ao produto rejeitado, pois este não fugiria às despesas do retorno para as dar a comer aos animais que criava.
Ainda há bem pouco tempo uma revista oficial reconhecia a necessidade de uma organização racional do mercado de frutas.
E acrescentava:
Onde não há normalização, a ausência do critério da qualidade prejudica a rapidez e honestidade das transacções e suscita numerosos litígios prejudiciais às boas relações que devem vigorar entre vendedores e compradores.
Desde há muitos anos que tais anacronismos existem.
No entanto, não se deu um passo decisivo para a solução imediata do molestar criado nem para a valorização de um produto cuja cultura se aconselha intensivamente.
E, contudo, não faltam os estudos oficiais sobre o problema, crendo, para mim, que seria, por vezes, mais profíqua a acção do que a abundância de literatura.
Ora, se os departamentos governamentais têm a honestidade de reconhecer que produtos fundamentais à alimentação do homem estão a sofrer uma desvalorização, não obstante o aumento do custo de produção, há que encarar, e já, a valorização forçada desses mesmos produtos, para evitar a maior ruína daqueles que se dedicam à tarefa de os produzir.
Não pode essa gente esperar pela reorganização geral da agricultura portuguesa, baseada na adaptação dos solos às culturas de maior rentabilidade, até porque obra de tamanho vulto é sempre morosa.
Demais, afigura-se que esses trabalhos de adaptação virão criar problemas humanos de grande monta com a
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necessária deslocação de parte da população que se dedica aos trabalhos agrícolas, especialmente se a florestação se tornar uma realidade nas regiões do Norte, onde a intensidade de população é, por via de regra, apreciável.
O problema continua em aberto até à altura do completo ordenamento nacional do sector agrícola, que não se antolha fácil, nem rápido.
Terá de ser trabalho de longos anos, e essa circunstância impõe a necessidade de se continuar a insistir pela imediata solução do problema dos preços dos produtos, ao mesmo tempo que se faça o trabalho de pedir à terra, muitas vezes ingrata, o esforço de uma produção maior.
E só assim se conseguirá dar à desgraçada lavoura mais um pouco de bem-estar e a possibilidade de pagar melhores salários para sustar a fuga, por vezes aflitiva, que se nota em muitas localidades do Norte do País e do distrito de Viseu.
O Sr. Amaral Neto: - Do Norte e do Sul! E do Centro!
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. António Santos da Cunha: - De todo o País continental!
O Sr. Amaral Neto: - E insular!
O Orador: - Bem se poderia ter obstado a tal fuga se, porventura, a localização das indústrias tivesse sido estudada racionalmente e fosse espalhada pelo País, mesmo com prejuízo do conforto dos seus dirigentes.
Fora das horas do trabalho fabril, o operário ainda tinha tempo disponível para tratar da sua horta, da sua casa e da sua família.
Com isso se teria obtido a solução de um problema social, e até de ordem moral, pois o operário continuaria no seu meio, a dar ainda o seu contributo aos campos e rodeado dos seus familiares, quase sempre abandonados quando a ambição o força a ir procurar longe uma fonte de receita mais abundante.
Agradou-me ouvir a informação do Sr. Ministro da Economia de que iam ser criadas fábricas no Norte do País, talvez porque a sua clarividente inteligência tenha reconhecido os errados caminhos seguidos naquele departamento ministerial, sempre solícito em rodear a capital com uma cintura de chaminés.
Risos.
E este facto, já por si, é susceptível de provocar o desequilíbrio entre as actividades industriais e agrícolas.
O caso é de sobejo conhecido e a própria imprensa se tem debruçado sobre o assunto.
Não fujo, até, à tentação de transcrever de um interessante artigo do jornal O Século a seguinte passagem:
Precisamos, sem dúvida, do reequipamento e expansão industriais e neles estamos
deveras empenhados, mas não podemos, sem temerário risco, sacrificar-lhes nada de nobre da lavoura, 2m cuja velhice, cansaço e decadência ninguém veja motivos de censura, nem de descrédito, mas tão-sòmente as consequências de maus tratos e abandonos de que não é responsável.
Certo que está na linha do pensamento do actual titular da Economia a necessidade de conseguir um justo equilíbrio entre as actividades económicas nacionais quando preconiza que «a agricultura, a indústria e o comércio tem de se expandir harmoniosamente, interajudando-se para que possam sobreviver em conjunto».
Mas, para concretizar este feliz pensamento, há necessidade de criar desde já organismos eficazes, isentos da imperrante burocracia de muitas repartições estatais, servidos por homens de mãos limpas e que sintam os problemas, pois só sentindo-os se poderá obter a solução apropriada.
Se for encarada a solução de todos estes problemas através das cooperativas de produção, há que exercer desde já uma intensa acção educativa sobre os interessados e usar de meios adequados de molde a conduzi-los para elas.
e, para a batata e frutas, for preconizada a criação de armazéns apropriados à sua conservação, há que, também desde já, estudar a sua localização e construção, a par da fixação de preços compensadores que restabeleçam a confiança e a tranquilidade perdida da nossa lavoura.
E, para que a próxima colheita já possa beneficiar de medidas proteccionistas, há que estabelecer prazos aos técnicos, para que a burocracia não venha a prejudicar medida de tão avantajado alcance económico, social e político.
Para terminar, resta-me felicitar o ilustre Deputado Amaral Neto pela oportunidade do seu aviso prévio, louvar o brilho com que o desenvolveu ...
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - ... e agradecer a possibilidade de abordar alguns aspectos de interesse para todos quantos trabalham nos nossos campos, dignos da melhor protecção e amparo, até porque ainda reside neles um salutar portuguesismo que é indispensável acarinhar e estimular.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados colegas: o nosso ilustre colega Eng.º Amaral Neto, ao iniciar as suas considerações sobre o oportuno aviso prévio de que ora nos ocupamos, afirmou que estão a soprar de há uns dois anos para cá ventos de mudança nas coisas da nossa política agrícola, «enquanto ressoam cada vez mais alto, mais fortes e mais plangentes - como, aliás, por toda a Europa, anote-se de passagem - as lástimas dos lavradores queixosos da contínua deterioração das suas condições de produção».
Este intróito ninguém pode deixar de o ter como consubstanciando tudo o que envolve de problemas e procura de soluções respectivas - considerada a nossa vida da terra. E não só a nossa, como também a de, praticamente, todos os países por esse mundo fora.
São truísmos a que nos devemos render. São verdades evidentes que, afinal, devemos ter sempre diante de nós. São «verdades de problemas» que, mais do que os que envolvem as outras actividades por que se reparte a vida de produção e de consumo das nações, variam consideràvelmente - dada a circunstância de os povos não dominarem a marcha ou as excentricidades do tempo, na sua expressão meteorológica, o que os coloca num ano sob a férrea garra das pequenas ou nulas produções, para no ano seguinte se verem colocados sob a por vezes não menos férrea garra das superproduções!
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Bem haja o nosso ilustre colega autor do aviso prévio pela sua iniciativa - já que isso nos proporciona trazer para aqui muitos dos aspectos estruturais ou conjunturais da vida das nossas terras.
Diz muito bem o autor que o problema não é só nosso. Ele, assoberba todo o Mundo. E, se isso é plenamente conhecido de todos os que, de qualquer modo e em qualquer intensidade, têm de, por obrigação ou pendor de observação, olhar pelo que se passa neste sector da economia - a verdade é que. pode haver quem esteja fora de toda a problemática do fenómeno, que, repete-se, não é só nosso.
E podem estar fora do conhecimento da extensão e da agudeza de tal estado de coisas mesmo muitos daqueles que à lavoura dedicam, com as suas mãos. os seus capitais de terras e outros investimentos. Porque, se há uma ilusão de óptica psicológica na generalidade das pessoas, que julgam que o Mundo vai mal só porque o seu caso pessoal assim se comporta - não menos raro e verdade é que, no aspecto da lavoura de certos países (entre os quais Portugal), o homem da terra julga que o problema é só seu. E, porque o julga, vai de pensar também que pouco custa resolvê-lo.
É, claro, o que se diz à escala do homem, eis que o temos como aplicável à escala de nação. O que, então, nos conduz a dizer que não pode Portugal
julgar-se o único país atingido - como o não poderá dizer qualquer outro país isoladamente.
Com efeito, se compulsarmos os relatórios e outras peças informativas que os serviços competentes, por exemplo, da F. A. O., fornecem a todo o Mundo, certo será que os números que de lá extraímos não serão de molde a darem-nos alegria nenhuma. Quer no que se refere à suba-limentação, quer no respeitante à, subnutrição - bom é que se saiba que há ainda muito caminho a percorrer para se alcançar um nível que não choque o observador. Acontecendo, até, que o observador (por obrigação ou por devoção) nem sequer se poderá conservar de ânimo frio, imperturbável.
Sr. Presidente: na realidade, fica-se imediatamente com a certeza da imensidão da obra que se terá de fazer à escala mundial, não apenas pela solução que cada país pense ser a melhor para o seu caso nacional, mas também pela solução que, ao fim e ao cabo, terá de considerar o conjunto, com todo o seu jogo de interpenetrações de problemas e soluções - em que a solidariedade será chamada a dar. talvez, uma palavra final, com o seu cortejo de prioridades resolutórias, a prazo curto e a prazo largo.
Isto é: quando se tem diante do País o que falta fazer entre nós, em esforços de planificação completa da política agrária nacional - não nos esqueceremos de que ela. ao mesmo tempo que tem de ser concertada com a política económica geral do País, terá de lançar as suas vistas pelo panorama mundial.
Até porque do contexto mundial do problema agrícola podemos, pelos nossos altos departamentos deliberativos e executivos, obter indicadores ou realidades que comecem por nos situar em coordenadas de soluções que se ligam mais às realidades imperiosas, realidades para muito tempo, e as facilitem entre nós, não com vista, pois, a mera condução para uma política de abastecimento, mas indo-se mais longe - com todo o jogo dos objectivos, não meramente imediatos ou a curto prazo, mas também a longo prazo, não apenas, em qualquer dos casos, quanto ao abastecimento interno, mas também com vista ao mercado externo, uma vez que, no que concerne ao âmbito mundial, os cálculos dos departamentos especializados internacionais dizem claramente que a percentagem dos esfomeados por todo o Mundo é enorme.
Em boa verdade, não ignoramos o que a F. A. O. pôs em nítida letra do forma perante o espírito dos responsáveis de todo o Mundo em matéria de alimentação e do nutrição. É o que se depende dos seguintes passos de um dos seus relatórios, quando fala de objectivos a alcançar:
Os objectivos a curto prazo (atingindo os anos de 1970 a 1975) visarão a eliminar a subalimentação e a subnutrição, que estão com o seguinte nível:
Países de baixo nível calórico: por habitante, há apenas disponibilidades alimentares para a cobertura de 80 por cento das necessidades de uma vida activa e sã;
Todo o Mundo: tem cada habitante apenas 90 por cento de cobertura das suas necessidades.
E comenta a F. A. O.:
Os resultados do inquérito demonstram que. no conjunto do Mundo, o d o fiou imediato é de cerca de 60 milhões de toneladas de produtos animais, 50 milhões de toneladas de fruta e legumes, 5,5 milhões de toneladas de gorduras. E, para vencermos os objectivos a longo prazo, haveremos de aumentar a produção actual de cerca de duas vezes o equivalente daqueles deficits.
Há aí, seguramente, muito para se dedicar a atenção de quem governa o Mundo em que vivemos - até para que não se reduzam produções (e até para que aumentem). Ponto será que se saiba como estabelecer equilíbrio são entre os povos produtores e os povos consumidores - nestes estando também aqueles, necessariamente.
Prezados colegas: segundo os departamentos competentes da O. N.º U., a população não deve andar por este mundo lá muito satisfeita. Nem agora, nem para os anos de 1975 e 2000, já que os cálculos demográficos e calóricos não são de maneira nenhuma brilhantes, como podemos ver:
[Ver quadro na imagem]
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Acrescendo que os cálculos feitos com referência a situações de há uns quatro anos (mas ainda com pertinência ou relevância) davam o seguinte quadro:
Repartição da população, dos rendimentos nacionais e das disponibilidades alimentares
[Ver quadro na imagem]
(a) Extremo Oriente, China Continental, Próximo Oriento, África o América Latina.
(b) Europa, União Soviética, América do Norte o Oceânia.
Não admira, pois, que os governos de todo o Mundo - e o nosso não constituiria, naturalmente, excepção - se preocupem com os problemas da terra, por tudo e até porque sentem a necessidade das promoções de condições do equilíbrio de todos os factores que concorrem para o bem-estar desejável dos povos.
Expoentes de tais preocupações à escala mundial - expoentes de imenso significado, até porque, ao lado das altas preocupações da entidade que as emitiu, surgem as que se ligam à própria vida material dos povos - vamos encontrá-los na admirável encíclica Mater et Magistra, que todo o Mundo acolheu e considerou com o natural alvoroço dos que agurdam qualificadas proposituras de problemas e não menos qualificadas directrizes na sua possível solução. O bondoso e esclarecido Papa João XXIII, de tão grata memória, ao falar das «exigências de justiça em ordem às relações entre os sectores produtivos», disse ser incontestável «a existência de um êxodo das populações agrícolo-rurais para aglomerados ou centros urbanos, êxodo que se verifica em quase todos os países e que às vezes assume proporções maciças, criando complicados problemas humanos de difícil solução».
João XXIII focara exactamente um dos mais agudos efeitos das grandes dificuldades, dos grandes problemas, que assoberbam o âmbito da agricultura - o efeito que, sem dúvida, mais perfeitamente dá a nota saliente do mal-estar do grande sector produtivo agrícola. E, entre outros motivos para o êxodo, João XXIII lá foi apontando o de ele residir no facto «de o sector agrícola, quase por toda a parte, ser um sector deprimido, quer quanto ao índice de produtividade das forças de trabalho, quer quanto ao nível de vida» das populações que se dedicam de qualquer modo à vida das terras.
«Por isso - lê-se em Mater et Magistra - há um problema de fundo que em quase todas as comunidades políticas se põe - e é o seguinte: como proceder para que seja reduzido o desequilíbrio na eficiência produtiva entre o sector agrícola, por um lado, e o sector industrial c o dos serviços, por outro ...». E este trecho precede o que se refere à afirmação de que a agricultura fornece cada vez mais o que é preciso à industria para o sustento da família humana e que devem os governos promover o desenvolvimento económico das comunidades políticas actuais por forma gradual e em proporções harmónicas entre todos os sectores produtivos - «isto é: no sector agrícola, serão introduzidas inovações concernentes às técnicas produtivas, à escolha das culturas e às estruturas administrativas que o sistema económico, considerado no seu conjunto, permite ou solicita; e serão realizadas o mais possível nas devidas proporções relativamente ao sector industrial e ao dos serviços».
Aconselhou João XXIII apropriada política económica no campo agrícola: sobre impostos; sobre crédito; sobre seguros sociais; sobre defesa dos preços; sobre promoção de indústrias integrantes, e sobre adequação das estruturas empresariais.
E, quanto a estes conselhos, é de alto interesse ventilar-se o pensamento nos pontos seguintes:
Defesa dos preços: é que, dada a natureza dos produtos agrícolas, «é necessário pôr em prática uma disciplina eficaz para defender os seus preços, utilizando para tal fim os múltiplos expedientes que hoje a técnica económica está em condições de sugerir. E altamente desejável que essa disciplina seja, principalmente, obra das categorias interessadas; não pode, no entanto, faltar-lhe a acção moderadora dos Poderes Públicos.»;
Promoção de indústrias: é que não pode deixar de considerar-se oportuno promover nas zonas agrícolas as «indústrias e os serviços relativos à conservação, transformação e transporte dos produtos agrícolas.»;
Adequação das estruturas empresariais: é que, não sendo possível estabelecer a priori qual seja a estrutura mais conveniente à empresa agrícola, dada a variedade «que apresentam os ambientes agrícolo-rurais no interior de cada comunidade política e mais ainda entre os diversos países do Mundo [...], para tal fim é indispensável que os cultivadores sejam instruídos, incessantemente actualizados e tecnicamente assistidos na sua profissão, indispensável que criem uma abundante rede de iniciativas cooperativistas e que sejam profissionalmente organizados e activamente presentes na vida pública, tanto nos organismos de natureza administrativa como nos movimentos de finalidades políticas».
Um ano antes cia emissão de Mater et Magistra, João XXIII já fora severo nas suas falas, quando se dirigiu exactamente aos dirigentes e funcionários da
F. A. O.:
Todos nós somos solidariamente responsáveis pelas populações subalimentadas ...;
e, por isso:
... é necessário educar a consciência no sentido da responsabilidade que pesa sobre todos e cada um ...
Sr. Presidente: tomei as preclaras indicações de uma encíclica, da mais alta e relevante significação - mas podia Ter ido buscar indicações da mesma qualidade a também admiráveis relatórios e estudos de vária índole emanados dos competentes grupos de trabalho da F. A. O. - operoso departamento técnico da
O. N.U. - e a estudos do mesmo alto calibre da própria O. G. D. E. e da sua
antecessora O. E. C. E. Interessa, até, que se diga que o fundamental que se deixou ligado aos aspectos da elevação do homem do campo nos escalões da respeitável pessoa humana - e que João XXIII exigiu - isso o encontramos nós nos documentos da F. A. O. e da O. C. D. E.
E, com isto, chego à natural pergunta: que admira, então, que, entre nós, aqui no nosso país, nos entreguemos a preocupações (até por solidariedade levada junto
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de quem pelo mundo fora também trabalha pelo bem .comum a partir da elevação do campo)?
Como quer que seja, estamos atingidos - e não pouco - em matéria de males na nossa vida agrária. E a força com que tais males nos tocam - bem a podemos ver no quadro comparativo do produto nacional, em que o sector vulgarmente chamado «agrícola» ocupa posição não compatível com a população activa que no sector se congrega - consideràvelmente maior a percentagem de elementos humanos ocupados relativamente à população total activa do que a percentagem no produto nacional. Todos o sabemos, e não vale a pena fazer a demonstração pelos próprios quadros oficiais.
Quando se diz que os ventos correm mal para todos ou quase todos os países da Europa - diremos melhor: de todo o Mundo - e o nosso se encontra metido nesse número, é evidente que nos cumpre não nos lançarmos na «resignação fundamentada, ou desculpada no que nos demais países se passa». Há, sim, que vermos - pelo menos, isso - se encontramos ou não meios de qualquer índole que possamos utilizar na suspensão de tais ventos ou nalguma modificação do seu sentido - a nosso favor!
Mas que as coifas, em matéria agrícola, nas suas produções unitárias, não estão de grande feição (pelo contrário!) para nós - eis que o provam os indicadores comparados seguintes:
Produções unitárias - média simples das médias de países que têm as respectivas culturas -100 kg por hectare
Quinquénio 1955-1959
[Ver quadro na imagem]
(a) Inclui Portugal o Finlândia.
O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. André Navarro: - Mas isso é a produção de trigo por hectare?
O Orador: - Exactamente.
O Sr. André Navarro: - E V. Ex.ª faz a comparação da produção com os países da E. F. T. A.?
O Orador: - É com os países da E. F. T. A. que faço a comparação.
O Sr. André Navarro: - Mas o nosso país, na parte cerealífera, deve comparar-se com os países mediterrânicos. E se compararmos, por exemplo. o nosso país com o Sul da Itália, com a Grécia e a zona norte da orla africana. as produções andam sensivelmente na mesma base.
O Orador: - Ainda assim a nossa é pior.
O Sr. André Navarro: - O que há são terras nitidamente impróprias para a cultura do trigo. Eu aponto este aspecto para que não fique no espírito de quem ouve o trabalho, aliás excelente, de V. Ex.ª a ideia de que a nossa produção é baixa por a agricultura ser rotineira, É baixa porque a extensificação cultural levou o trigo a regiões impróprias para o seu cultivo. Isso atira com as médias para níveis mais baixos comparados com os do Norte de África. Mas no Norte do País. onde os terrenos de cultivo do trigo são de melhor qualidade, essas médias baixas já não se verificam.
O Orador: - A maior produção que encontrei foi de 2021 kg por hetare, no concelho de Peniche. Além disso, os dados que apresento são extraídos do relatório dos produtores de trigo referente ao ano de 1961.
Se tomarmos apenas o trigo (e vou-me servir de números de 1961 que nos são facultados pelo extenso e bem elaborado relatório do ano de 1962 da Federação Nacional dos Produtores de Trigo - cuja generosidade de indicadores é verdadeiramente notável e digna de todos os louvores), imediatamente veremos quão diversas têm sido as produções desse cereal nas várias terras de Portugal continental - tudo a dizer que não parece estar a sua cultura a ser conduzida ou mantida nos melhores ou mais racionais moldes, já que, como poderá ver-se num mapa que elaborei para os concelhos em que a soma das áreas cultivadas tem mais de 1 ha e uma produção total superior a 1000 kg (e cuja leitura não faço para não enfadar os prezados colegas, mas que me permito pôr em anexo), aparecem médias de produção de apenas 195 kg por hectare (concelho de Castelo Branco, em área semeada de 4026 ha) até 2021 kg por hectare (concelho de Peniche, em área semeada de 1082 ha) - mesmo assim, quanto a este concelho, inferior à média de qualquer dos agrupamentos E. F. T. A. e C. E. E., como o quadro que já referi o diz.
Estas duas médias nacionais passam, por exemplo, pela média de 889 kg por hectare em 22 concelhos, numa área total semeada de 104 594 ha, e pela de 579 kg em mais 28 concelhos, numa área semeada de 92 288 ha - estes dois últimos conjuntos os maiores semeados entre nós e representando só por si 86 por cento da área trigueira de Portugal continental.
Tem-se a impressão nítida, pois, de que há algo que não corre bem nestas coisas do trigo, o que. aliás, se confirmaria com a leitura de outros quadros que se inserem no relatório a que me referi.
Penso eu que este estado anómalo de coisas poderá dever-se à circunstância de a produção ter a aquisição garantida em condições (incluindo as subvenções) que já poderão ser satisfatórias para alguns produtores (mesmo sem produtividade), mas que certamente não satisfarão o País.
Sr. Presidente: porque os rendimentos de quase todas as nossas culturas são baixos, em si e relativamente ao conjunto dos países da E. F. T. A. e do Mercado Comum, e também porque (pelo exemplo que ficou citado quanto ao trigo) há zonas que estão afectadas a culturas em que o rendimento sai fora de todas as marcas imagináveis -
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impõe-se que, independentemente da desanexação de quaisquer terras que se deverão dar a outras culturas, ou mesmo à florestação, a produtividade se implante firmemente no que fica ou no que se juntar e esteja fora dessas actividades. Ê, aliás, o que preconizam os departamentos técnicos da O. N. U. e da O. C. D. E. que estudam as técnicas conducentes ao melhor aproveitamento das terras. Porque, não há dúvida: a agricultura portuguesa, longe de poder promover os incrementos dos índices de produtividade, antes tem, paralelamente a maiores produções, afectado maiores áreas - o que nos faz cair na certeza de que estamos em presença de meras extensificações, que não abonam a favor dos desejos (que devem prevalecer) dos referidos incrementos de produtividade. E isso me leva até a considerar que devemos usar da maior prudência em matéria de política de rega, porquanto para um bom resultado de regadios me parecem ser essenciais as condições seguintes:
Existência de água em quantidade suficiente e a bom custo;
Terra que seja susceptível de ser irrigada e possa ser económicamente preparada para receber os benefícios da rega;
Existência de elementos ou factores produtivos, humanos ou mecânicos, a bom preço;
Possibilidade de incorporação no solo da matéria orgânica indispensável para lhe dar ou manter nível de fertilidade; e colocação assegurada dos produtos em termos de remuneração adequada.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - Tem havido entre nós, prezados colegas, «políticas agrícolas» parcelares - sempre, praticamente, sem um vínculo a que se possa chamar «denominador comum» e conducente a uma «política agrária total» (unitária), consideràvelmente de mais necessidade para nós. Quando se fala entres nós da «nossa política agrícola», certo será que a toda a gente ocorrem imediatamente as «parcelas», não o «todo». Temos as «políticas»: do leite; do arroz; do trigo: da fruta: da batata; da florestação - ou reflorestação, como se quiser; da rega e outras mais - mas sem que a «soma» dessas «políticas» venha a dar a «política agrária». Até se dão casos em que, no campo operacional, muitas acções de cada grupo de trabalho afecto às referidas «políticas», longe de serem paralelas, ou concorrentes, ou complementares, antes promovem caminhadas divergentes, quando não anuladoras umas das outras. Ficam umas «políticas», no fim, com o sinal negativo, embora consigam outras um sinal positivo - mas podendo acontecer que, ao fim e ao cabo, o sinal da soma seja negativo, pura e simplesmente. Estou convencido de que, salvo em casos de emergência aflitiva, não devem ser fomentadas campanhas conducentes às incrementações producionais desprovidas de produtividade. Porque muitas se fazem e são abraçadas pelos lavradores menos evoluídos só porque poderão ter garantida a aquisição das produções a preços, subvencionados ou não, que lhes agradam.
Entendo que as produções (promovidas ou não por campanhas) deverão ser conduzidas, na quantidade, na qualidade e na oportunidade, por forma que não se criem situações que ultrapassem a mera conjuntura que as promoveu. Porque não raro se assiste a casos em que parece que as campanhas que eram realmente de mera conjuntura se ficam com as galas de campanhas de estrutura, com afectação de garantia de preços e de aquisição. O trabalho será árduo. Alas nem as dificuldades são só nossas, nem, naturalmente, o mérito da sua resolução será fácil de conquistar-se - o que quererá dizer que já haverá mérito se enveredarmos decididamente pela propositura dos temas e dos problemas e pelas sinceras tentativas de os resolvermos.
Sr. Presidente: estive até aqui a falar de aspectos gerais da nossa agricultura - no seu contexto, pois, tradicionalmente englobado: «agricultura, pecuária, silvicultura a caça». Permito-me agora entrar no capítulo privativo da «silvicultura», no que se refere à florestação em si e quanto à função que esta desempenha na própria defesa dos solos em geral e sua propiciação a fins diferentes.
É que, na resolução do problema agrícola em geral, certo é que a florestação ou reflorestação tem uma palavra a dizer - uma obra a realizar. E grande poderá e deverá ser essa palavra - essa obra.
Nas minhas intervenções nesta Assembleia, e sempre que o tema ou o ensejo o proporcionavam, a florestação e, repito, a beneficiação dos solos foram preocupação dominante dessas minhas intervenções. E, se faço a defesa dos solos, de qualquer modo e pelo recurso à florestação, isso é porque só assim se recuperarão terras que virão a ser mais tarde aproveitadas para as culturas das várias espécies da agricultura tradicional ou reconvertida e se defenderão ou salvarão mesmo as que estarão em termos de se perder para a economia nacional.
Ninguém ignora que são muito raros entre nós os terrenos de planície aptos a serem explorados agricolamente sem preocupação quanto ao problema da sua conservação. Desde as pequenas ondulações até às zonas de grandes declives, tudo existe entre nós espalhado por toda a área continental e em escala elevadíssima. E se tal aspecto paisagístico, pela sua apresentação, deleita o turista, a verdade é que isso contraria em absoluto uma boa exploração agrícola do solo, sem custosos trabalhos de nivelamento, que, aliás, são muitas vezes impossíveis, dado que a espessura da camada arável se apresenta frequentemente reduzida a limites baixíssimos, aflorando a rocha à superfície.
Torna-se, assim, técnica e económicamente impossível promover o surto dos grandes «terraços», que se impunham para se tornar a exploração dos solos rodeada de segurança quanto à sua conservação - e isso nos faz admirar a tenacidade e o esforço dos nossos antepassados, que, em tantas e tantas das nossas montanhas, ergueram os socalcos onde viceja a vinha e se exploram hortas.
O que, inclusivamente, nos dá bem a nota do quanto de custoso seria uma obra dessas hoje, com uma mão-de-obra de obtenção cada vez mais problemática. E o que também nos mostra claramente o que de difícil ou impossível se tornará explorar parcelas que ainda se disseminam pelos montes e às quais o acesso das máquinas não se antolha possível. Até porque não nos podemos divorciar da ideia de que na máquina estará fundamentalmente a chave da produtividade das explorações agrícolas.
É monótono - mesmo triste - o panorama das longas planícies que podemos percorrer por tantos desses países da Europa, onde só as cortinas de arvoredo contrariam tal monotonia, tal tristeza da paisagem. Mas é dessas campinas extensas que se obtêm os maiores rendimentos unitários em cultura agrícola; é aí que se encontram os solos férteis, que não perdem os seus princípios nutritivos pela acção erosiva das águas. E por lá é tão intuitivo, mesmo, o problema da defesa do solo contra a erosão que a mais ligeira ondulação de terreno nós a vemos sempre revestida do manto protector da vegetação permanente, arbórea, arbustiva ou mesmo herbácea.
O estado de degradação a que chegaram grandes superfícies do nosso país leva-nos a preconizar ou a admitir
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que só o revestimento florestal imediato poderá resolver satisfatoriamente grande parte do problema de reconversão de culturas que se nos apresenta.
A experiência e as provas que têm dado os serviços florestais do nosso país levam-me a pensar que o Governo poderá confiar neles inteiramente para mais esta dura demonstração da sua competência e do seu amor e zelo. O nosso venerando Chefe do Estado, na sua última mensagem de Ano Novo, bem reconheceu tal, quando disse:
Ainda me parecem dignas de ser referidas as visitas que fiz aos perímetros florestais de Basto, do Marão, do Geres e da Cabreira, pelo grande interesse que
inegavelmente despertam e por evidenciarem um trabalho notável - e pouco conhecido.
Palavras que bem concitam a gratidão de todos os florestais portugueses pelo acento de justiça que as promoveu.
Acontece até que a defesa da florestação tem de ser um facto porque, se olharmos a posições relativas, dentro do próprio produto bruto agrícola, aí teremos clara noção do quanto a floresta decaiu nesses indicadores - havendo fundadas esperanças de que proximamente se processará uma boa recuperação, com subida substancial, pois ainda não se encontram em rendimento grandes trabalhos ultimamente levados a efeito pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas -, o que, evidentemente, não invalida a asserção de que haverá que intensificar-se cada vez mais entre nós a florestação ou reflorestação.
Com efeito,- o quadro, que anexarei simplesmente, também para não enfadar os ilustres colegas com a sua leitura integral, referente à evolução do produto bruto agrícola, no total e nas suas grandes parcelas, com ponto de partida no ano de 1938 - esse quadro dá-nos, a preços constantes de 1958, os seguintes indicadores percentuais limites:
[Ver quadro na imagem]
A quebra percentual da participação do produto da floresta deverá atenuar-se, como já se disse, em futuro próximo.
Sr. Presidente: toda a imprensa, além dos demais meios de informação, tem defendido a necessidade de os Poderes Públicos se ocuparem persistentemente dos assuntos relativos à florestação ou reflorestação - até pela necessidade que aponta de se defender o solo português e levá-lo a níveis de rendimento que não tem. Um dos nossos grandes quotidianos - O Século - disse há uns dois anos que a floresta não só protege a terra e dá madeiras e outros produtos: ela facilita também a criação de pastos que podem e devem concorrer para o fomento da pecuária. E brada:
Salve-se e recupere-se a terra! Salvem-se os nossos rios e outros cursos de água, de tão alto valor económico também! Tudo quanto se fizer será altamente reprodutivo e, por isso, é urgente e necessário que se faça.
E aqui me parece que a Secretaria de Estado da Agricultura já se muniu de instrumento legal para agir na conformidade das circunstâncias. Refiro-me ao Decreto-Lei n.º 45 443, de 16 de Dezembro último, cuja fundamental finalidade consiste no «planeamento dos trabalhos de arborização com fins produtivos dos terrenos cuja capacidade de uso seja predominantemente florestal, particularmente nos casos onde importe assegurar a fixação e conservação dos solos». E interessa dizer-se que tal decreto-lei se situa na linha mestra do ordenamento agrário do território metropolitano, pois se deseja atribuir às diferentes culturas as localizações que melhor correspondam às potencialidades naturais. «Tal objectivo implica possibilidades de intervenção ou apoio que tornem viável, em prazo não muito longo, o revestimento arbóreo das áreas de capacidade de uso florestal actualmente incultas ou votadas a outras formas de aproveitamento». E os trabalhos revestirão o modo das «matas de protecção não produtivas»,«matas de protecção produtivas» e «matas produtivas não desempenhando funções de protecção».
O Fundo de Fomento Florestal e Aquícola auxiliará, além da concretização dos planos propriamente do Estado e para as suas matas, também a dos que se referem a matas particulares. Acontecendo que os planos de arborização por zonas serão levados a cabo em íntima colaboração com os órgãos de planeamento nacional e regional, existentes ou a criar, com os órgãos consultivos da agricultura regional e segundo as normas gerais da política florestal - muito sinceramente faço votos no sentido de aqueles órgãos e o próprio Fundo de Fomento não deixarem de, para bem funcionarem, ir buscar todo um capital de experiência directa da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, em qualquer dos aspectos que se considerem de interesse para aquele funcionamento. E que o capital de experiência é bem mais difícil de conseguir-se do que o capital financeiro. Demais a mais, tendo aquela Direcção-Geral já dado sobejas provas da sua competência e da sua dedicação - bem reconhecidas pelo nosso ilustre Chefe de Estado, como se viu.
E que tudo quanto se faça pela florestação ou reflorestação é de considerável interesse nacional - até porque, como já se foi vendo, aquela operação tem de ser considerada a mais do que a dimensão promovida pelo propósito de defesa da terra contra a erosão e, não raro, de correcção climática, uma vez que se vai também para as correcções edafológicas, que, necessariamente, irão promover, por sua vez, na conjunção dos outros benefícios, acréscimos de condições para o erguimento de agricultura tradicional. O que, tudo isso, proporcionará acréscimos industriais e no próprio sector terciário, na sua constelação de serviços de toda a ordem.
Sr. Presidente: tentei colaborar com o ilustre autor do aviso prévio que nos tem aqui, trazendo à consideração complacente da Assembleia o que julguei ser o melhor ao meu alcance:
Reconheci que a crise agrícola existe em Portugal;
Reconheci que a crise agrícola não é só em Portugal que existe;
Reconheci que a crise agrícola portuguesa precisa de solução: em termos de curto prazo e em termos de longo prazo;
Reconheci que a crise agrícola portuguesa tem de se enquadrar nas linhas mestras de soluções de âmbito mundial - pois a solidariedade é, neste caso, como em muitos outros, benefício que se dá e se recebe;
Reconheci que na crise agrícola nacional deverá inserir-se, como termo, além de importantíssimo, prioritário, da fórmula resolvente, a florestação ou
reflorestação; pois
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Reconheci também que na florestação ou reflorestação em termos convenientes reside o primeiro princípio da recuperação, da melhor adequação e do afeiçoamento das nossas terras às culturas tradicionais e às que sejam trazidas pelas reconversões; e Reconheci, finalmente, o mérito da oportunidade da apresentação pelo nosso ilustre colega Eng.º Amaral Neto dos termos da crise que atravessa a agricultura nacional e mundial.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Quirino Mealha: - Sr. Presidente: a vinculação à «Planície Heróica» de uma grande parte da minha mocidade ali vivida, em dádiva total ao serviço do ideal corporativo de justiça social, depois transposto para mandato político; o reconhecimento devido às suas boas gentes que generosa e intensamente se abriam à melhor cooperação, em cujos sofrimentos, sabe Deus quão pesados, sempre as acompanhei, e a raiz de ruralidade do meu carácter que a cidade não conseguiu despedaçar, levam-me a não ficar numa atitude de mero assistente a este debate, como seria mais cómoda e adequada ao cabedal dos meus conhecimentos ...
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - ... e recursos minimifundiários agrícolas.
Ao intervir, renovo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as saudações da mais alta admiração ë peço licença para, com a devida vénia, prestar as mais sinceras homenagens de muito apreço ao ilustre Deputado Eng.º Amaral Neto pela forma elevada e objectiva como apresentou o aviso prévio, que já teve, entre outros, o mérito, pelo menos para mim, de provocar a extensa exposição do ilustre Ministro da Economia à Comissão de Economia, reproduzida em trabalho escrito, com alguns acrescentos, cuja leitura tive o prazer de ouvir nesta Assembleia.
Quando escutava a sua primeira parte, o brilho didáctico fez-me lembrar um dos meus grandes mestres de Direito, que, no final das suas magníficas, prosaicas e literárias lições, dizia aos alunos: «Poderão consultar com vantagem ...», e indicava a seguir as obras e os autores.
Implicitamente, aqui seriam: Problèmes dêconomie Rurale, por Pierre Fromont, o grande economista especializado nos problemas agrícolas que a morte prematuramente arrebatou e que ainda não teve sucessor, LAgriculture Aujourd'Hui et Demain, de Jules Milhau e Roger Montagne, e L'Êconomie Rurale, por Jean Valarché.
Ainda que sobre a mesma não tenha havido controvérsia com o autor, traduz, no entanto, uma elevada intenção de esclarecimento justificativo de uma posição e orientação, que só dignificou o sentido político da Assembleia e do Ministro.
Vem este aviso prévio reavivar o sentimento- desta Câmara pelos problemas agrícolas, onde a sua ressonância de representação nacional parece ter de ouvir-se em som mais agudo, não só por si, como para suprir a falta de voz própria e directa no Conselho de Ministros.
A agricultura tem muitos problemas, e alguns bastante sensíveis, que escapam à óptica da economia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: para brevidade das minhas considerações e fugir ao perigo de me perder na vastidão e complexidade da matéria do aviso prévio, disciplinei-me a algumas notas sobre a panorâmica geral e local, política económico-social, designadamente quanto ao trabalho e organização corporativa.
1) Como diz Fromont, ao referir-se à agricultura em comparação com a industrialização, «celle-ci a beau avoir, en deux siècles, transforme notre vie, gagné un tiers de l'humanité et faire l'objet de convoitises éperdues dês deux autres tiers, elle nempêche plus lês regards de se porter vers une activité ancienne, dont il apparait de plus en plus quelle joue dans notre vie un role quil est impossible de considérer comme secondaire. Sans doute, les plus épaisses fumées d'usines n'ont jamais empêché lês hommes dapercevoir cette vérité que lagriculture, en nourrissant 1homme, est à la base de toute vie et de toute civilisation.»
A agricultura é da essência da criação do Mundo, em que o homem, para viver, a teve de utilizar logo.
Por mais variadas que sejam as civilizações das sociedades humanas e por mais voltas que o progresso dê, em espiral ou em leque, da agricultura terão de emergir ou à sua porta terão de ir bater.
Da sociedade há-de ser esteio para que a terra não corrompida liberte a humanidade da fome.
O nosso rei D. Dinis chamava aos lavradores os nervos da república.
Assim como o corpo humano não pode viver sem sistema nervoso, assim a conjuntura económica não poderá existir sem agricultura saudável.
O drama da vida económica presente está, em grande parte, em ter o sistema nervoso agrícola em crise.
Por uma forma ou por outra, nos países subdesenvolvidos aos mais evoluídos, nos capitalistas aos comunistas, na Europa como na América, e mais ainda na Asia e África, a agricultura está em crise. Robin chama-lhe «état permanent d'inadaptation».
A crise agrícola portuguesa, parecida com a dos povos mediterrânicos, é, no entanto, especificamente grave pelo estado de pauperismo a que foi conduzida pelas más colheitas e pela falta de uma sucessiva actualização de preços ou dê subsídios proteccionistas que garantissem ao agricultor possibilidades de acompanhar os preços intervenientes nos custos de produção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As crises dos países evoluídos traduzem-se, na sua maior parte, em questões de luta numa concorrência de mercado pelo alargamento dos espaços económicos, num estado progressivo devidamente coadjuvado pelos respectivos Estados que estão em presença.
A nossa nem sequer está em condições de lutar.
Todas as organizações internacionais - O. N.º U., designadamente a Comissão Especial da Agricultura do Conselho da Europa, F. A. O., B. I. T., O. C. D. E., C. E. E., E. F. T. A., G. A. T. T., C. A. E. M. ou Comecon, etc., se debruçam sobre os problemas agrícolas.
A O. C. D. E. tem marcada para esta semana uma reunião do seu Grupo de Trabalho das Frutas e Legumes para tratar da evolução da produção, a longo prazo, e das possibilidades de organizar confrontações sobre as políticas e intenções dos governos em matéria de produção e de comercialização dos frutos e legumes, e para os dias 26 e 27 do corrente uma sessão ao nível ministerial do Comité da Agricultura consagrada aos problemas da adaptação da agricultura (explorações de fraco rendimento, problemas de mão-de-obra e desenvolvimento das zonas rurais).
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Seria interessante que ao País se fosse dando conhecimento do que se vai passando na O. C. D. E. que nos possa interessar.
No quadro geral em que se opera o desenvolvimento económico, o sector agrícola é o que tem de sofrer maior transformação, porque é o que tem mais tradicional e secular estrutura.
Ora o progresso, que tem por essência movimento de inovação, encontrará resistência cias estruturas existentes, que muito humanamente se lhe opõem, com mais ou menos vigor, conforme o grau de compreensão. Da resultante entre as duas forças, cuja luta na agricultura é sempre dolorosa, depende a sua marcha, e daí a necessidade que há em se tomar consciência do seu meio antes de qualquer programação económica.
Tão dolorosa ela é que à medida que se vai modernizando a agricultura esta vai dispensando saudosamente os seus filhos queridos, e por tal forma que hoje já constituem índices do seu progresso as percentagens da população activa que Vai ficando, considerando-se tanto mais evoluída quanto mais baixas elas são.
Assim, com elementos de 1950, a repartição da mão-de-obra agrícola em percentagem da total, por continentes, era de 75 por cento em África, 34 por cento na América, 73 por cento na Asia, 38 por cento na Europa (sendo 20 por cento na ocidental, 47 por cento na oriental e 58 por cento na meridional) e 17 por cento na Oceânia.
Por países: 5 por cento na Inglaterra, 11 por cento na Bélgica, 12 por cento na Holanda, 13 por cento nos Estados Unidos da América, 16 por cento na Suíça, 20 por cento na Suécia, 23 por cento na Alemanha Ocidental, 23 por cento na Dinamarca, 26 por cento no Luxemburgo, 26 por cento - na Noruega, 32 por cento na Áustria, 36 por cento em França, 41 por cento na Itália, 45 por cento na Irlanda, 45 por cento na U. E. S. S., 46 por cento na Finlândia, 48 por cento em Portugal, 52 por cento na Espanha, 56 por cento na Grécia e 80 por cento na Turquia.
A Suécia, mercê da sua política económica de pleno emprego com estabilização dos preços e salários sempre actualizados em relação à produtividade e rendimento nacional, conseguiu já não ter uma perda de dias de trabalho superior a 50 por ano por cada 1000 trabalhadores, enquanto - na Inglaterra ainda são perdidos 200 e nos Estados Unidos 1350. Por uma mecanização mais intensa da agricultura terá uma redução na sua população activa agrícola de um terço nos próximos quatro anos, cuja colocação nos sectores secundário e terciário está prevista.
Por números apresentados à Academia da Agricultura de França, em 1958, os países do Mercado Comum, no seu conjunto, mostram que a população activa agrícola é de 24,7 por cento, sendo 11 por cento na Bélgica e Países Baixos, 20 pôr cento na Alemanha, 26 por cento em França e 33 por cento na Itália.
Os países evoluídos marcam a tendência de paridade de nível de vida entre o trabalhador agrícola e o da indústria.
Portugal continua ainda com 40 a 44 por cento, num desnível confrangedor entre o homem do campo e dos centros urbanos industriais!
É curioso repararmos que os movimentos emigratórios europeus, segundo um mapa publicado pela O. C. D. E., se dão da Península Ibérica e do Sul da Itália para a França, Alemanha e Suíça; da Grécia para a Alemanha: da Irlanda para o Reino Unido e da Dinamarca, Noruega e Finlândia para a Suécia. Quer dizer que os países de mais baixa população activa agrícola atraem a mão-de-obra dos de maiores percentagens.
Trabalharam na Alemanha, em 1962, cerca de 705 000 estrangeiros (cerca de 850000 em 1963), sendo 40 por cento italianos, 15 por cento espanhóis e 12 por cento gregos; na Suíça, 645 000, ocupando a França o 3.º lugar, e na Suécia, 127 000.
Todos os países de emigração estão activamente a adoptar políticas de investimentos que levem a um- aumento de postos de trabalho em ritmo acelerado e na preparação intensa davalorização qualificada do trabalhador.
A Itália, com o seu miracolo, está em vias de reduzir muito a sua emigração; a Grécia, associada já ao Mercado Comum, está a ser ajudada no seu crescimento económico; a Espanha, a tentar europeizar-se com pretensões de milagre espanhol, com o seu plano de desenvolvimento recentemente aprovado; a Turquia, na fase da preparação para se associar ao Mercado Comum, para o que está a receber grandes financiamentos.
Em consequência de todo este movimento económico, virá a incidir sobre a nossa mão-de-obra maior pressão para a sua fuga, se o nível de vida dos nossos campos não subir.
Os salários deixaram de ter base económica, pois só há procura sem oferta, e a lavoura, com a política de preços vigente e sem estímulos compensadores, vai empobrecendo, se é que é possível ainda mais, não com a esperança de ser alegremente, como outrora, mas com desencorajante e VII tristeza.
Há anos a esta parte que tem sido generalizada a intervenção dos Poderes Públicos na fixação dos preços de certos produtos agrícolas. A princípio era só no preço do trigo, mas agora já vai essa intervenção em cerca de 150 produtos, como no caso americano.
São os próprios agricultores que já não querem estar sujeitos à contingência da lei da oferta e da procura, porque a maior já eles têm, que é a do factor tempo.
No mundo agrícola predominam os elementos naturais - terra e clima -, que ao homem não é dado comandar: portanto, existe mele uma escala de valores própria, que não pode ficar apenas entregue às leis das outras actividades económicas.
É um fenómeno desta época. O homem, perante tanta incerteza, mais aspira à segurança.
Os preços dos produtos agrícolas passaram para o domínio do interesse público, não só para satisfazer uma melhor estabilidade aos agricultores, mas, sobretudo, para os Estados terem à sua mão uma maior possibilidade de manejarem a política de estabilização financeira com que enfrentem a inflação e o equilíbrio da balança de pagamentos.
Nesta orientação, assistimos a os Estados intervirem para que a produção agrícola não desconcerte o equilíbrio indispensável dias conjunturas nacionais.
São vários os sistemas que adoptam, ou garantindo um preço mínimo, ou concedendo subsídios em nome da solidariedade económica nacional, ou, ainda, por meio de prémios ou bónus.
Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, a Suíça, a Holanda e outros países praticam, em larga escala quaisquer daqueles sistemas, mas sob o princípio de assegurarem a estabilização do poder de compra do agricultor, e, consequentemente, os preços não são de ordem empírica.
Em face deste princípio, e apesar de mais evoluída a sua agricultura, aqueles países não terão, com certeza, um preço para o trigo com tanta antiguidade como o nosso.
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Do sistema português, agora inesperadamente posto a funcionar ao contrário em matéria de incentivo, a maior vítima é o distrito de Beja.
Sendo este distrito a sede do celeiro de Portugal, onde predomina a
monocultura-trigueira, a eliminação do subsídio representa ficar desfalcado em mais de 50 000 contos, o que, para uma economia empenhada em mais de 80 por cento, é muito grave e não deixará de ter efeitos consideráveis no futuro, por vir a reflectir-se na sangria de divisas.
Quanto a compensação concedida nos créditos, resta saber se foi pelos lindos olhos dos lavradores ou se não terá sido o reconhecimento da impraticabilidade de proceder de outro modo, pelo estado de insolvência que acarretaria.
Com um ano agrícola nada bom a seguir a uma série de quatro de mau, muito mau, pior- e pouco melhor, a eliminação do bónus de adubo, o encarecimento de quase tudo que a lavoura tem de adquirir e a subida dos salários pela rarefacção da mão-de-obra - será caminhar para o abismo.
A Campanha do Trigo, integrada no período do nosso ressurgimento financeiro, em tão boa hora inaugurada na Herdade de Agua de Peixe, no limite do distrito de Beja com Évora, há mais de 30 anos, conseguiu resultados extraordinários, que, se melhores não foram, é porque não teve continuidade a política que a definira em ser completada com o fomento pecuário, o fomento florestal e o fomento frutícola. Parece ter agora o seu epílogo inglório!
Sem prejuízo da política agrícola a longo termo, não se devia ter desencorajado repentinamente aquela Campanha.
Ambas necessitam da adesão entusiasta dos agricultores.
Havia que refazer a confiança da lavoura, aliás nada difícil, quando se sabe interessá-la e esclarecê-la com sinceridade, tanto mais que às solicitações do Governo nunca faltou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O distrito de Beja, mesmo com a sua lavoura descapitalizada, tem vindo a arrastar-se a produzir trigo, mantendo a sua posição de principal fornecedor interno da Nação.
Tanto assim que, segundo o último relatório publicado pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo, o distrito de Beja, na campanha de 1960-1961, semeou 19 519 589 kg de trigo numa área de 185 683,77 ha e colheu 138 707 412 kg, o que deu uma produção média por hectare de 747.
«Vendeu 98 930 004 kg, ou sejam mais 60 409 927 kg que Évora, mais 68 579 437 kg que Portalegre, mais 68 566 419 kg que Lisboa e mais 76 626 899 kg que Santarém, que foram os distritos que se lhe seguiram.
Ocupa o primeiro lugar na percentagem do produto interno bruto de cereais, no produto interno bruto de vegetais, com 72 por cento e na superfície de culturas arvenses em 97 por cento, o que denuncia a sua característica mono-cultural.
Para se ajuizar da crescente aplicação de adubos, apresentamos um mapa das campanhas de 1955-1956 a 1962-1963, a publicar em anexo.
Também não deixa de ser interessante a evolução da distribuição de semente seleccionada de trigo em comparação com a da totalidade dos restantes distritos do continente desde 1948. conforme os quadros que junto.
Em matéria de máquinas agrícolas, o distrito de Beja no ano de 1962 tinha 2079 tractores, 474 debulhadoras e 206 ceifeiras-debulhadoras, quando nos restantes distritos do continente existiam 9727 tractores, 4814 debulhadoras e 257 ceifeiras-debulhadoras.
É de notar que uma lavoura em más condições financeiras que se vai mecanizando mostra bem o sacrifício na sua aspiração de progresso!
Também não é menos interessante referir que o distrito de Beja conta 64 barragens de particulares, com uma área regada de 1168 ha. Houve um período de entusiasmo nesta matéria, que não continuou ao mesmo ritmo por virtude de alguns insucessos económicos.
A lavoura mais progressiva tem já variedade de culturas, que vem a efectuar desde há anos.
A fruticultura e horticultura, forragens e pecuária, arborização, etc., vão sendo reconhecidas como culturas a intensificar, ...
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - ... sendo do maior interesse uma industrialização e comercialização que imprimam incremento. Para tanto, terá o Estado de criar e desenvolver a investigação, assistência técnica, matas experimentais,
pomares-piloto, - matadouro regional, armazenamento, etc.
Dispõe já o distrito das cooperativas seguintes:
Adegas. - Adega Cooperativa da Vidigueira, Cuba e Alvito.
De Olivicultores. - Cooperativa dos Olivicultores de Beja, Cooperativa dos Olivicultores de Safara e Cooperativa Agrícola dos Olivicultores da Vidigueira.
De compra e venda. - Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos.
De frutas. - Cooperativa Agrícola dos Fruti-Horticultores da Vidigueira.
Mistas. - Cooperativa Agrícola de Beringel, Cooperativa Agrícola de Ferreira do Alentejo e Cooperativa Agrícola de Vila Verde de Ficalho.
De ovinos. - Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos de Aljustrel, Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos de Almodôvar, Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos de Castro Verde, Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos de Mértola, Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos de Ourique, Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos de Ourique, Cooperativa Agrícola dos Criadores de Ovinos da Vidigueira, Cuba e Alvito e Cooperativa Agrícola dos Ovinicultores de Feiireira - do Alentejo.
Em 1949 houve um reconhecimento para a localização de pequenos regadios a levar a efeito pelo Estado, ou em regime de comparticipação, que beneficiariam uma área relativamente importante em relação aos encargos da instalação, que não passou do papel.
Já vão longe os períodos de crises de trabalho, que chegaram a atingir mais de 20 000 trabalhadores, tendo começado aí o drama do depauperamento do trabalhador, que veio a ser aliviado com o aumento de dias de trabalho em cada ano por efeitos da Comissão Coordenadora das Obras Públicas no Alentejo, da feliz criação do ilustre Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e
Oliveira, ...
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - ... que vem actuando desde 1956 com resultados dignos dos melhores louvores.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Talvez pudesse ir derivando para interferir numa melhor distribuição da mão-de-obra pelos diferentes trabalhos e épocas do ano.
Tem o distrito de Beja uma área de 1 027 856 ha, com uma população residente em 1960 de 276 895 habitantes, representando apenas 3,4 por cento da população total do continente. Verificou-se de 1950 para 1960 uma diminuição de população em 14 129 habitantes.
Tem a mais baixa densidade demográfica do continente, que não chega a 30 habitantes por quilómetro quadrado.
A sua população activa distribui-se em 72,2 por cento pela agricultura, 9,8 por cento pela indústria e 18 por cento pelos serviços. A percentagem de trabalhadores assalariados na agricultura é de 83 por cento.
Apesar de uma região tão extensa, e que, historicamente, tanto custou a povoar, começou também já ali o fenómeno do êxodo rural.
Para um trabalhador alentejano sair do seu meio, eu que o diga, com alguma experiência em várias tentativas, aliás sem resultado, quando outrora havia desemprego agudo, é porque realmente está muito doente a economia da região.
Essa pobre gente bem merece que a planície alentejana se transforme e se desentranhe em riqueza com que possa estancar a sua saída.
O Alentejano não tem grandes ambições, nem emigra como aventureiro a despegar-se do lar.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª chama ao emigrante aventureiro?
O Orador: - Digo que alguns vão à aventura.
O Sr. António Santos da Cunha: - A emigração que se tem verificado para as nossas províncias ultramarinas, para o Brasil, para a Argentina, América e outros países honra o País, e não tem sido feita com espírito de aventura.
O Orador: - Eu falo em aventura no sentido de incerteza.
Basta que o seu nível de vida, conseguido pelo trabalho, esteja à altura de manter com dignidade a elevada nobreza do seu carácter, que só está completo no agregado familiar.
Tem uma filosofia algo profunda da vida e um sentimento muito apurado da justiça, que nem todos entendem. É preciso ter-se vivido lá, para bem se conhecer e estimar.
2) Estamos no fim da execução do II Plano de Fomento, aquele Plano a que o então Ministro da Economia, hoje nosso muito ilustre colega nesta Assembleia, Dr. Ulisses Cortês, dedicou o melhor da sua competência, cultura e inteligência.
Há que recolher os dados da experiência, que antes não havia, para o futuro plano director.
Parece-me chegado o momento oportuno de serem definidas as directrizes gerais da política económica que se irá seguir, antes mesmo que a da agricultura, pois só entendo o desenvolvimento harmonioso do País sectorial e regionalmente.
Reconversão agrária e definição de uma política agrícola?
Inteiramente de acordo.
Plano de florestação do Sul? Só há que desejar que a sua execução chegue ao fim o mais rapidamente possível e não fique apenas no Diário do Governo, tentação dos governantes, como em 1867. Será de prever que a floresta não venha criar exclusivos industriais e comerciais que só beneficiem alguns em prejuízo de todos.
Tudo isto e mais objectivos, que interessem ao desenvolvimento do País, se integrem numa programação global onde fiquem estabelecidas as prioridades.
Não podemos continuar num sistema, muito nosso, de retalhos descoordenados ou de que cada governante inicie uma orientação intitulada de política, que depois não tenha continuidade ou se desvie das linhas mestras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos de passar a uma política de investimentos, que esteja na tendência do pleno emprego, em ordem a mais alta produtividade, que se traduza em melhores salários.
Aprendamos a lição que resulta de o nosso produto nacional bruto ter registado 54,1 por cento de 1950 a 1960, em que a agricultura contribuiu apenas com 12,4 por cento, fazendo descer a sua participação. Cerca de 42 por cento da população activa contribuiu para a formação de cerca da quarta parte do produto global do continente, o que representa uma baixa produtividade. Em 1961 houve um pequeno acréscimo.
No decénio 1950-1960 também a agricultura foi vítima de factores de ordem climática que contribuíram fará uma certa irregularidade verificada nas produções.
Definida uma política económica geral para a programação do novo plano, os investimentos para a agricultura e suas indústrias deveriam estar nas primeiras preocupações.
O plano económico que vier a ser delineado não poderá deixar de considerar Beja para a localização de um pólo de crescimento, pelas razões a que aludi, respeitantes ao seu estado económico-social. Aproveitar-se-ia dar rendimento ao grande investimento aplicado no Plano de rega do Alentejo, acompanhado da instalação de indústrias agrícolas e não agrícolas. Enfim, um pólo de crescimento que servisse a economia nacional, em que se integrasse o planeamento da região.
Considero das melhores regiões para os economistas darem largas ao seu saber.
Na política económica deverá integrar-se uma autêntica política de trabalho. Aquela que leve a maior produtividade e tenha como resultado salários mais altos.
O momento de sacrifício que a Pátria atravessa parece ser o oportuno para um choque de arrancada de campanha de trabalho.
O sacrifício de muitos dos nossos no ultramar exige da retaguarda maiores responsabilidades.
E preciso despertar no trabalhador uma missão que o transcenda, de modo a ter consciência do valor em que está investido quando contribui para a elevação do nível de vida português e que ele próprio sinta subir.
Uma melhor repartição dos rendimentos dos investimentos em salários que resultasse do novo planeamento económico poderia facilitar a adesão a maior produtividade.
Criar no trabalhador um estado de espírito anti-reivindicativo que o fortaleça de optimismo gerador de intensidade de trabalho pela sua participação nos resultados das explorações e até pela sua representação nos órgãos da empresa parece ser uma das importantes tarefas da actualidade.
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A pretexto de um novo plano económico, com pólos de crescimento nas zonas atrasadas e pólos de desenvolvimento nas semidesenvolvidas, poder-se-ia preparar um clima social saudável.
Há que enfrentar com coragem uma política de salários directos com base na produtividade, ainda que em prejuízo da inovação ou aumento de certas regalias que acarretam encargos sociais a pesar na economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Teremos de caminhar para um nível de vida à escala europeia para todas as classes sociais, com prioridade para a rural, que precisa desde já de que lhe seja concedido abono de família.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - 3) Quanto a esta terceira e última nota, direi apenas que a sua matéria daria uma intervenção completa para o tempo regimental, o que não é admissível neste momento, nem meu propósito.
Espero ter a oportunidade de voltar a referir-me a ela, ainda que seja apenas para afirmação de fé como abencerragem do espírito corporativo de 33.
Entretanto, ouso deixar aqui as sugestões seguintes:
Que seja apreciada a oportunidade da extinção dos organismos de coordenação económica (base IV da Lei n.º 2086, de 22 de Agosto de 1956);
Que os grémios obrigatórios passem ao regime de grémios facultativos;
Que na revisão dos preços dos produtos agrícolas sejam actualizadas as taxas para o Fundo Comum das Casas do Povo;
Que seja conhecido pela Corporação da Lavoura o resultado do estudo sobre cooperativismo agrícola a que se refere o despacho da Secretaria de Estado da Agricultura n.º 23/62.
Quanto às Casas do Povo, que me propunha tratar com algum desenvolvimento, congratulo-me por o ilustre Ministro das Corporações e Previdência Social ter escolhido esta oportunidade para anunciar na Casa do Povo de Alvalade que vai ser intensificada a política social rural.
Que se revitalize o espírito de apostolado que animara a criação das Casas do Povo é o meu voto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos:
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
D. Custódia Lopes.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
Joaquim de Jesus Santos.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Veicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Aviltes.
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Quadros a que se referiu o Sr. Deputado Mário Gallo no seu discurso:
Produto bruto agrícola a preços de 1958
[Ver quadro na imagem]
Colheita de trigo de 1961 por concelhos com área de cultura de mais de 1 ha e produção superior a 1000 kg
[Ver quadro na imagem]
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[Ver quadro na imagem]
Área afecta à cultura
[Ver quadro na imagem]
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Quadros a que se referiu o Sr. Deputado Quirino Mealha no seu discurso:
Adubos recebidos para consumo, por caminho de ferro, na XIV região agrícola (Beja) nas campanhas a seguir indicadas
(Unidade: tonelada)
[... ver tabela na imagem]
Fonte: Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos - Janeiro de 1964.
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Distribuição de semente seleccionada (trigo)
[Ver quadro na imagem]
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA