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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131

ANO DE 1964 20 DE FEVEREIRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 131 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 19 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.{Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 113, o qual insere o relatório c conta a da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1962.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutou.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta, do expediente.
O Sr. Deputado Cardoso do flatos falou nobre as transferências de Angola.
O Sr. Deputado Sousa Meneses referiu-se aos fenómenos sísmicos que então a
dar-se na ilha de S. Jorge (Açores).

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate nobre, a crise agrícola nacional suscitado pelo aviso prévio do Sr. Debutado Amaral Veto.
Usaram da palavra os Srs. Deputa-los Proença Duarte, Engrácia Carrilho, Alfredo Brito, Teles Grilo e Belchior da Costa.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas e 60 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes. Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.

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D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Boseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel da Costa.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Carta

Do P.e Martinho Pereira dos Santos sobre a crise agrícola nacional.

Telegramas

Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Agostinho Gomes sobre a reorganização da indústria de lacticínios da Madeira.
Do Grémio da Lavoura de Mora a felicitar o Sr. Deputado Amaral Neto pelo seu oportuno aviso prévio sobre a crise agrícola nacional.
Do mesmo Grémio a felicitar o Sr. Deputado Nunes Mexia pela sua intervenção no debate deste aviso prévio.
De José Mexia de Almeida a felicitar os Srs. Deputados Nunes Mexia e Cutileiro Ferreira pelas suas intervenções no debate do mesmo aviso prévio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra d Sr. Deputado Cardoso de Matos.

O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: as transferências de Angola -, pelos reflexos que têm dentro e fora do território nacional, levaram-me a classificá-las como o que hoje ainda considero o problema número um, e ao qual é mister dar a devida prioridade.
Entrados em vigor os decretos normativos em que se processaria a integração do espaço económico nacional, assistiu-se a uma melhoria no funcionamento de toda a mecânica das transferências: os pagamentos de mercadorias obtiveram imediata cobertura; os rendimentos de capitais e as mensalidades encontraram um critério de autorizações que é justo destacar; as transferências dos chamados «atrasados» tiveram, embora só em Outubro passado, um seguimento favorável - até à importância de 200 000$ foram integralmente autorizadas e, posteriormente, em 10 por cento do saldo remanescente - critério aceitável, se tivermos em conta que tudo indicava que o seu seguimento se processaria rapidamente.
Para esta situação terá concorrido não sómente a legislação promulgada mas também o aumento sensível das cotações dos principais produtos de exportação: café, sisal, derivados da pesca - que influíram grandemente no saldo de mais de 500 000 contos verificado na balança comercial de Angola no ano findo.
Exactamente dentro desta optimística panorâmica surge em Novembro transacto, e sem qualquer aviso prévio, sem prevenção alguma aos interessados, quase um retorno às dificuldades anteriores, que se julgavam já ultrapassadas, e com o ineditismo de se emitirem ordens de pagamento sobre a metrópole sujeitas a cobertura por parte do Banco - de Portugal - com a agravante ainda de esta não ser imediata e nem sequer se saber em que prazo, já que qualquer indicação nunca foi dada ao público.

O Sr. Burity da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Burity da Silva: - Este aspecto não há dúvida nenhuma que é um facto de uma delicadeza extraordinária, porque se ouvem a cada momento queixas, sobretudo no aspecto particular, de pessoas que tem de receber as suas mesadas; uns, porque estão a estudar, outros porque têm assuntos a tratar, enfim, pelas mais variadas razões.
Conheço casos de pessoas que vêm para cá por 15 ou 30 dias para resolverem assuntos urgentes da sua vida que fazem uma pequena transferência e regressam sem conseguir levantar a importância. Conheço o caso de uma pessoa que cá veio tratar de uns assuntos. Por sorte não se hospedou num hotel, foi para uma casa particular. Por

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isso não teve de pagar o hotel; se tivesse, não sei o que teria acontecido.
Neste aspecto de mesadas e dos casos individuais, o que se passa levanta clamores, para os quais tem de se chamar a atenção de quem de direito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Agradeço a achega de V. Ex.ª, e como V. Ex.ª irá verificar um pouco mais adiante, vou falar no assunto, simplesmente não o ilustrarei com exemplos como V. Ex.ª acaba de fazer, pelo que lhe estou duplamente grato.

O Sr. Carlos Alves: - Em continuação das palavras dói nosso ilustre colega ,Sr. Deputado Burity dia Silva, tenho também um caso a focar. Todos nós sabemos que esta questão das transferências está a ser muito discutida. Mas este caso é um caso concreto:
Um redactor do Jornal do Congo trouxe uma transferência de 5000$. Esteve oito dias aqui, mas não conseguiu receber o dinheiro. No fim desse tempo retirou-se para Angola, mas teve de ficar a dever o hotel pelo facto de não ter recebido o dinheiro.
Suponho que todos VV. Ex.ª estão de acordo em que isto deve ser evitado pelos serviços entre o Banco de Angola e o Banco de Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Carlos Alves: - Pelo menos as pequenas transferências até dois, três, quatro e cinco contos devem ser motivo de um serviço interno entre os dois bancos, de forma a evitar que o público precisado fique assim sem recursos quando tenha uma transferência e não possa utilizar-se dela, por não lha pagarem.

O Orador: - Agradeço muito ao Sr. Deputado Carlos Alves mais esta achega - a este problema, tanto mais que, muito embora eu mais adiante me refira ao assunto, não o farei com tanto pormenor como acabam de fazer os meus ilustres colegas Burity da Silva e Carlos Alves.
Há casos em que deve haver um tratamento especial, e, embora a legislação não preveja estes factos, os responsáveis devem pensar nos problemas humanos que se levantam, até mesmo para uma simples transferência de 500$.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas importâncias até podem ser destinadas ao pagamento de uma renda de casa antiga, que tem um prazo de pagamento que não pode ser excedido.
E o mais grave de tudo é que as transferências são feitas e nem sequer podem garantir um prazo de pagamento. Temos um papel na mão, referente ao pagamento que foi feito em Angola, mas não sabemos quando passa a haver dinheiro.
Há transferências que demoram 20 dias, mas também, poderão demorar 30, 40 e 50 dias, e a ignorância que nós temos da demora é que nos aflige.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nós compreendemos os sacrifícios que é necessário serem feitos e estamos prontos a suportá-los, mas precisamos de saber com o que podemos contar, e isto é deveras importante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Agradeço novamente as achegas que me foram dadas pelos meus ilustres colegas a que há pouco me referi, e tomo a liberdade de continuar.
Por outro lado até hoje pesou um silêncio absoluto sobre a transferência dos atrasados ainda pendentes, sem qualquer explicação, nem uma só palavra veio ao conhecimento dos interessados.
Qual a razão de tão insólitos factos?
Porquê - exactamente quando a balança comercial apresenta o maior saldo positivo de todos os tempos (embora este não possa corresponder ao da balança de pagamentos) - Angola se retrai e cria dificuldades a quantos nela trabalham, nela investiram os seus capitais - em resumo, nela vivem - mas para cujo progresso também contribuem?
Não funcionou o Fundo Monetário da Zona do Escudo?
Não teve ele o mérito de agir como se previa e não conseguiu, portanto, o fim que presidiu à sua instituição?
Parece óbvio que, sejam quais forem as razões conducentes a tal situação, esta deve ser explicada, pois não se nos afigura aconselhável e lógico, seja a que título for, manterem-se os interessados na ignorância do que se tenha passado, ou se esteja a passar, e que o justifique, talvez até com toda a razão.
Se as entidades comerciais vêem reduzidas, inesperadamente, as suas disponibilidades, sem dúvida se lhes criam complicações - problemas que, sendo solúveis embora, não deixam de o ser sem sacrifícios. Mas quando se trata de particulares, que para a sua subsistência estão atidos a créditos de Angola, que dizer quando estes lhes faltam, fazendo perigar toda a estabilidade da sua vida?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poderão estas últimas situações ser consideradas o caso isolado, a excepção u regra, o imprevisto que não coube no parágrafo?
Não cremos, nem nos convencemos de que se possam subestimar tais situações, por elas em si - tanto de atender - como pelos reflexos que têm na economia de uma província em evolução e crescimento como é Angola.
E se estas incidências são preocupantes, que dizer das consequências que pode ter na política de investimentos de capitais, de que tanto se necessita, ao deixar de haver a confiança necessária, se cessa a garantia de que ao menos a remuneração desses capitais é livre e de garantida disponibilidade?
Sr. Presidente: este problema fundamental de Angola tem aqui sido versado por mina insistentemente na convicção da utilidade do seu agitar constante. Não tenho que acrescentar muito ao que já disse e sempre tenho dito, para evidenciar a sua premência.

O Sr. Costa Guimarães: - E nunca é de mais.

O Orador: - E, porém, forçoso repor a situação, ao menos no ponto em que se encontrava após a entrada em vigor da integração do espaço económico nacional, sob pena de vermos retroceder tanto do caminho já andado e de se manifestar de novo uma falta de confiança de forma alguma justificada perante as portentosas possibilidades económicas de Angola.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tenho a certeza de que os responsáveis pela economia nacional não ignoram estes factos e a eles

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dedicam o melhor da sua atenção e saber - mas é preciso fazer depressa - e para eles aqui fica o meu apelo. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: pedi a palavra para trazer à consideração da Câmara um apontamento sobre as notícias, um tanto ou quanto alarmantes, que nos chegam das minhas terras dos Açores.
Dizem os jornais que fenómenos sísmicos com certa violência se estão processando na região central do arquipélago; que há - populações transferidas para outras ilhas e que as comunicações estão interrompidas. Dizem ainda os jornais, felizmente, que até à data não se observou qualquer caso de morte em pessoas ou em animais. Parece-me também saber-se que o Governo, através das autoridades locais, procura agir com rapidez no sentido de evitar males maiores.
A ilha de S. Jorge, no grupo central, bela no alcantilado das suas costas e rica na fertilidade das suas pastagens, é a vítima principal da raiva da natureza.
Creio, Sr. Presidente, que todos nós nesta Câmara acompanhamos com ansiedade, carinho, simpatia e fraternidade cristã aquelas populações, que devem estar vivendo um terrível período de ansiedade c sobretudo de insegurança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio também interpretar o sentimento desta Câmara ao manifestar a essas populações toda a nossa fé, toda a nossa confiança, toda a nossa esperança na graça de Deus para que tudo acabe o mais depressa possível e volte a paz serena e doce aos campos, aos centros urbanos, às almas e aos corações, para que essas populações possam prosseguir no caminho da sua vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou certo de que, se porventura a ruína e a miséria forem grandes, o Governo não deixará de empregar os meios disponíveis e acorrer rapidamente pára refazer os males que a desgraça trouxe. E com esta fé e com esta esperança desejamos que a paz e a tranquilidade volte à querida ilha de S. Jorge e aos seus habitantes.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto acerca da crise agrícola nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: têm razão para se considerar satisfeitos os que no exercício de uma função política tomaram pela primeira vez a iniciativa de indicar o Eng.º Carlos Amaral Neto para candidato a
Deputado pelo círculo de Santarém e pelas diligências que junto dele fizeram para anuir a que fosse feita essa indicação, iniciativa e diligência que tomaram e fizeram só levados pelo anseio de bem servir a causa da Revolução Nacional, que era então para eles, como o é ainda hoje, a única determinante da sua actividade política.
É que o Deputado Amaral Neto tem agido no exercício do seu mandato por forma a bem servir o interesse nacional, prestigiando-se e prestigiando a Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso daqui lhe dirijo, com viva satisfação, as minhas saudações e lhe presto as minhas homenagens.
Do enunciado do aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto e do desenvolvimento que dele fez nesta tribuna parece evidente que entendeu necessário chamar a atenção do Governo para a situação do sector agrário, que considerou estar atravessando uma «crise aguda», que pode ter graves reflexos no desenvolvimento e progresso da vida económica e social da Nação.
Estará, de facto, a actividade agrícola portuguesa vivendo um momento de crise aguda que pode atingir o crck?
Se existe esse estado de crise, será ele um fenómeno económico exclusivamente nacional ou comum a todas as economias agrícolas? Se assim é, quais as causas da crise nacional e que medidas governativas é legítimo solicitar para a combater?
São estas as interrogativas que afloram ao meu espírito e sobre elas me proponho discorrer, tão limitadamente quão limitadas são as minhas possibilidades. (Não apoiados). Faço-o, tão-sòmente, com vista a dar modesto contributo para se esclarecer um problema que reputo basilar para a vida da Nação.
Seguindo a ordem de enunciação das dúvidas referidas, considerarei em primeiro lugar se é normal ou patológico o estado actual da economia agrícola portuguesa, ou seja, se a economia agrícola se encontra ou não em estado de crise.
O Sr. Deputado Amaral Neto, ao anunciar o seu aviso prévio, começou por dizer que desejava ocupar-se «da crise agrícola nacional».
Partiu, assim, do pressuposto de que a economia agrícola se encontra num estado de crise.
E foi legítima a sua pressuposição, pois aqui se pode aplicar, por analogia, o princípio de hermenêutica judiciária, que, entre nós é hoje princípio legal, de que os factos notórios de conhecimento geral não carecem de prova.
Não fez carreira a construção jurídica em que se apoiou certa decisão judiciária dando como não provado que em 5 de Outubro de 1910 tinha havido em Portugal uma revolução de que resultou a mudança do regime político.
Pois é notório e do conhecimento geral que a economia agrícola se encontra numa conjuntura perigosa; vive um momento anormal, grave e difícil.
E não me parece que haja dialéctica capaz de urdir construção económica que demonstre que a economia agrícola não se encontra em estado de crise verdadeira, mas sim num estado de «crise aparente» ou «falsa crise».
É certo que há sempre, nos momentos de vida difícil da agricultura, quem pretenda demonstrar a sem-razão das suas queixas.
Ainda bem recentemente há em órgão categorizado da imprensa estrangeira, a propósito dos acordos de Bruxelas,

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e subordinado ao titulo «La Révolution Agricole», o seguinte passo:
Os camponeses, desde que o Mundo é Mundo, suo pessoas difíceis de contentar. A hostilidade larvada que reina entre o campo e as cidades data dos tempos mais recuados e quando os camponeses protestam os governos sentem-se ameaçados.

Simplesmente, o articulista absteve-se de esclarecer que quando os camponeses protestam e reclamam é porque já esgotaram todas as suas resistências para continuarem a sofrer e calar a situação de injustiça económica que lhes foi criada por todos ou só por alguns dos factores que interferem no processo económico da sua actividade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, quando os camponeses reclamam e protestam, é certo que alguma razão lhes assiste, pelo que se impõe aos órgãos conscientes da administração pública ouvi-los atenta e atenciosamente e procurar solução ajustada para os problemas que suscitam.
E esta a conduta imperativa dos governantes avisados e esclarecidos.
Mas nem só aos governantes interessa ouvir e tomar deliberações atinentes à resolução dos .problemas da agricultura. Interessa a todas as demais actividades, sejam de que natureza forem, porquanto a existência de uma clientela agrícola próspera constitui base insubstituível do desenvolvimento e progresso económico e do bem-estar social. Constitui axioma económico que uma agricultura empobrecida e deficitária refreia a expansão geral da economia.
Afastei-me um momento do caminho que vinha seguindo tendente a chegar à demonstração de que também em Portugal a economia agrícola se encontra mim estado de crise verdadeira.
Reingresso nesse caminho.
São numerosos e evidentes os sintomas que conduzem ao diagnóstico seguro de crise aguda dessa economia.
Estão à vista de todos esses sintomas, e não é preciso ser especialista da economia para os surpreender, interpretar e concluir que a agricultura está doente.
Apontemos alguns:

a) A agricultura está desmedidamente endividada.
Consta de vários documentos oficiais publicados, e foi referido pelo Sr. Presidente da Corporação da Lavoura na entrevista na Radiotelevisão Portuguesa, quando afirmou, com toda a responsabilidade do cargo que exerce:

... O Sr. Ministro da Economia comunicou-nos há bem pouco tempo que o aumento da dívida da lavoura à Caixa Geral de Depósitos, de 1958 para cá, foi, no respeitante a empréstimos da campanha de trigo, de 198 000 contos para 618 000 contos e em empréstimos sobre hipotecas de propriedades de 374 000 contos para 770 000 contos. Quer dizer: hoje a lavoura só à Caixa Geral de Depósitos deve 1 380 000 contos. Quanto será a dívida dela no geral? 8 a 10 milhões de contos? E que juros pagará? Talvez enormes, alguns dos quais são já do conhecimento geral (4 Voz da Lavoura, Novembro de 1963).

O Sr. Ministro da Economia, também em entrevista realizada na Radiotelevisão Portuguesa em 4 de Novembro de Í963, disse:
Nós tínhamos, por exemplo, na cultura do trigo cerca de 400 000 contos de empréstimo - à lavoura, de adiantamentos à lavoura tínhamos, também na cultura do trigo, mais de 200 000 contos de moratórias de empréstimos anteriores. O que é que nós fizemos? As moratórias de empréstimos anteriores, quer dizer, aqueles 220 000 contos que a lavoura devia, não as paga agora. Ficou definido, fizemos um empréstimo a prazo, sem juros; portanto os lavradores não têm nada a pagar durante uns anos e viram-se livres, por agora, de uns 220 000 contos, digamos assim. (Diário da Manhã de 5 de Novembro de 1963).

Quem tenha tomado conhecimento dos relatórios dos grémios da lavoura relativos à gerência dos últimos anos e neles verificado o montante dos débitos dos sócios constantes de letras do sou aceite e saque dos grémios e descontadas na banca particular não achará que peque por exagero a hipótese formulada pelo Sr. Presidente da Corporação de atingir 8 ou 10 milhões de contos o montante das dívidas da lavoura.
E a admissibilidade desta hipótese mais se confirmará, se através das conservatórias do registo predial se fizer apuramento do montante de empréstimos com garantia hipotecária contraídos pela lavoura a prestamistas particulares.
Fica, ainda assim, por determinar o montante de outros débitos da lavoura titulados por letras de câmbio que estão aparecendo nos tribunais, em grande quantidade, a servir de base a acções ou execuções para obter o respectivo pagamento.

O Sr. Pinto Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - O estado de insolvência em que tantos empresários agrícolas se encontram e as liquidações correspondentes dos seus patrimónios a que particular ou judicialmente - se está procedendo, atingindo, por vezes, passivos de milhares de contos, como é do conhecimento público, é outro sintoma fortemente esclarecedor do desmedido endividamento da lavoura.
b) Também é facto incontroverso que os empresários agrícolas se encontram sem reservas e, por tal, incapacitados de fazer quaisquer investimentos na terra, quer para remuneração imediata, quer para remuneração a prazo.
Assim se vão empobrecendo as terras e diminuindo as possibilidades de a agricultura contribuir para o aumento do produto nacional bruto dentro de curto prazo.
Já a O. E. C. E. no seu relatório de 1961 observava que uma das causas da estagnação da produção agrícola portuguesa era o fraco nível dos investimentos por ela realizados.
c) Também são realidades: que dia a dia vem baixando o preço da terra; que desaparecem os rendeiros; que a parte válida da população rural abandona o campo e emigra para as cidades e para u estrangeiro em proporções anormais.
Ninguém quer empregar capitais na adquisição de terras nem nelas trabalhar.
E o que referiu a O. E. C. E. em 1961 subsiste nos anos ulteriores, como se refere no relatório da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964 quando diz:
Para a expansão do produto nacional bruto no último quinquénio contribuiu fundamentalmente o produto formado nos sectores de «indústrias» e de «energia eléctrica e serviços», que experimentaram taxas médias de crescimento de 6,1 e 7 por cento, respectivamente. Na verdade, o sector «agricultura, silvicultura, pecuária e pesca», que tem apresentado evolução muito irregular, registou no período considerado, acréscimo médio apenas de 2,4 por cento.

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Noutro passo do relatório, referindo-se aos factores que têm influído na baixa de produção agrícola: diz-se:

De entre estes importa destacar, por um lado, o reduzido volume de investimentos e de mão-de-obra qualificada e, por outro, a inadequação da estrutura da propriedade e do sistema de culturas tradicional à necessidade de um mais completo aproveitamento dos recursos naturais do País, implícita num processo de desenvolvimento económico acelerado ...
... Tem constituído preocupação constante dos Poderes Públicos a resolução dos constantes problemas da agricultura. Assim, o Governo tem procurado obviar à escassez de investimentos neste sector através, nomeadamente, de empreendimentos abrangidos nos I e II Planos de Fomento ...

E no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1961, escreveu-se:

O não se terem tomado medidas enérgicas no sentido de descentralizar a vida industrial e até a vida administrativa relacionada com actividades económicas e de promover a modernização de estruturas agrícolas, incluindo a dos processos de exploração e a valorização dos produtos, gerou uma situação grave nos sectores agrícolas ... A percentagem de 40,5 da população activa na agricultura é alta. O produto que jesuíta da sua actividade é baixo, comparado com outras actividades. A capitação do produto neste sector subiu menos de 2000$ no decénio, enquanto noutros sectores o aumento foi superior a quatro, cinco ou mais vezes.

Todos estes factos e ainda outros que podiam apontar-se são claros e elucidativos sintomas de que a agricultura se encontra num estado de «crise», de verdadeira e grave «crise», no sentido técnico-económico, que habilitam a formular prognóstico pessimista, se não forem rapidamente debeladas as suas causas mediatas e imediatas.
Mas para debelar as causas é preciso conhecê-las.
Determinar as causas das crises ou, como diz o Prof. Doutor Costa Leite (Lumbrales) no seu Ensaio sobre a Teoria das Crises Económicas, o problema das crises é um problema que «encerra em si um tão grande número de questões fundamentais, que se pode afirmar ser um dos problemas basilares da ciência económica».
Ora eu não sou um estudioso permanente da ciência económica.
Sou pouco menos do que um leigo na matéria.
Isso não impede que, à luz de alguns conhecimentos, da observação dos factos, da vivência de alguns dos problemas do sector agrícola e de outros sectores da nossa vida económica, possa arriscar algumas considerações sobre as causas determinantes do estado de crise em que se encontra a nossa economia agrícola.
Creio que a actual crise deriva de causas gerais, ou sejam causas comuns a todas as economias agrícolas, e de causas particulares da nossa economia agrícola.
O Sr. Deputado Amaral Neto apontou, exaustivamente, umas e outras no desenvolvimento do seu aviso prévio.
As causas gerais mais se denunciam no processamento económico dos tempos que correm, em que o impulsionamento da produção em todos os ramos de actividade é subordinado a planeamentos elaborados à base de critérios científicos onde se alinham todos os factores que nela intervêm e na medida em que intervêm, para através de uma racional e lógica articulação dos mesmos obter o maior rendimento com o menor custo, fixando-se o preço da venda enquanto subsistir a conjuntura que foi considerada.
Simplesmente o processo é muito contingente na agricultura, porquanto nesta há um factor decisivo mas incontrolável, que é o factor tempo.
Da influência deste factor resulta a impossibilidade de prever e assegurar a produção unitária, o que não acontece na produção industrial.
Daqui deriva principalmente a instabilidade dos preços de custo agrícolas e a produtividade da agricultura.
Acresce que a formação dos preços de custo de produção dos produtos agrícolas depende também em boa parte, e cada vez mais acentuadamente, do preço dos produtos industriais que a agricultura tem de pagar para obter a sua produção: máquinas, fertilizantes, insecticidas, herbicidas e toda a gama de alfaias indispensáveis para a actividade agrícola.
E todos estes produtos industriais têm de ser pagos pelo agricultor por preços que incorporam altos salários industriais; benefícios sociais para os operários; lucros assegurados aos empresários e aos intermediários que se interpõem entre o industrial produtor e ele consumidor.
Para esses preços que a lavoura tem de pagar a indústria não há limitações legais nem qualquer condicionamento em geral, contrariamente ao que acontece aos produtos agrícolas considerados de primeira necessidade.
Daí provém o desequilíbrio que facilmente se estabelece entre a rentabilidade de actividade agrícola e da industrial.
Para a formação desse desequilíbrio contribui, ainda, a pressão que os salários industriais exercem sobre os salários agrícolas, pois estes tendem a
aproximar-se ou mesmo igualar-se àqueles, o que é compreensível e socialmente justo.
Tudo isto contribui para a falta de rentabilidade da agricultura.
Se estas e outras causas que aqui foram tão proficiente e exaustivamente apresentadas e demonstradas pelo Sr. Deputado Amaral Neto têm carácter geral, no sentido de que são comuns a todos os países, outras há particulares da nossa actividade agrícola que mais agravam a sua situação e arrastam a sua economia para o estado de crise em que se encontra.
Entre elas avultam a natureza do nosso solo, considerado dos mais pobres da Europa, só se assemelhando a ele o do Sul da Itália e o da Grécia; a marcada irregularidade do nosso clima, de chuvas torrenciais no Inverno e de extrema secura no Verão; a exiguidade dos nossos mercados, quer internos, quer externos, para a colocação dos produtos da nossa agricultura; a diminuta produtividade do nosso trabalho agrícola e o peso que os salários têm no custo de produção; a falta de adequada orgânica da comercialização dos nossos produtos agrícolas, que chegam às mãos do consumidor por preços enormemente elevados em relação àqueles por que são pagos à lavoura; a falto, de ajustado ordenamento das nossas culturas por carência de elementos oficiais que permitam estabelecê-lo; a circunstância de uma grande parte dos produtos industriais que a agricultura tem de utilizar para o exercício da sua actividade produtora ser de origem externa e aqui chegar onerado com direitos alfandegários e outros encargos que excessivamente elevam o seu preço.
A estas causas particulares da nossa actividade agrícola outras se podiam juntar bem conhecidas de todos por dia a dia serem apresentadas na imprensa e nas publicações periódicas de carácter agrícola.
Todas esta causas, gerais umas e particulares da nossa agricultura outras, têm vindo continuadamente a corroer a nossa economia- agrícola, conduzindo-a ao ponto de crise

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aguda em que se encontra: descapitalizada, deficitária, empobrecida já, endividada em muitos dos seus elementos para além do limite das possibilidades de solverem os seus compromissos.
Nesta situação não pode contribuir para o aumento do produto nacional bruto, que se pretende seja acelerado, para que em prazo relativamente curto o nível da produção e dos rendimentos nos aproxime sensivelmente do nível atingido noutros países mais evoluídos da Europa ocidental.
Esboçado o quadro, é lógico perguntar se algumas das causas geradoras desta situação poderiam ter sido eliminadas pela acção governativa ou pelo esforço dos que exercem a actividade agrícola.
Não carece de demonstração que nem o Governo nem os agricultores poderiam ter evitado as desfavoráveis condições atmosféricas que foram o apreciável factor determinante do acentuado recuo da produção agrícola nos últimos anos.
A colheita do trigo em 1960 foi 30 por cento inferior à de 1959 e as colheitas do trigo que se seguiram foram todas igualmente más, com excepção da de 1962, que foi colheita sofrível.
E tão más elas foram que o Governo se viu na imperiosa necessidade de em 3961 pagar aos produtores de trigo, baseado no manifesto de produção do quinquénio de 1956-1960, uma subvenção que importou em 220 896 contos.
Certamente baseado nestes dados ou noutros é que o Sr. Ministro da Economia afirmou na já referida entrevista dada à Radiotelevisão Portuguesa que «temos tido uma série de maus anos agrícolas» e o levou a reconhecer que a agricultura «... é sim grande desprotegida do clima, sem dúvida».
O subsídio concedido aos produtores de trigo deve considerar-se como reconhecimento de que a cultura deste cereal foi deficitária para o produtor. Foi um subsídio idêntico às subvenções directas ou indirectas que os Estados de outros países. da Europa ocidental, incluindo os das que fazem parte do Mercado Comum, concedem normalmente aos camponeses para manterem a sua agricultura.
Tais subvenções fazem parte da política agrária desses Estados.
O Governo no ano de 1968, que foi outro mau ano agrícola, não concedeu subsídio aos produtores de trigo, mas, como disse o Sr. Ministro da Economia na referida entrevista, os 220 000 contos que a lavoura devia de empréstimos feitos anteriormente e que estavam «em moratória» não os paga agora. «Ficou deferido, fizemos um empréstimo a prazo, sem juros; portanto os lavradores não têm nada a pagar durante uns anos e viram-se livres por agora desses 220 000 contos, digamos assim».
Há, assim, um reconhecimento expresso por parte do Estado, feito pelos seus órgãos representativos, de que a produção agrícola ou, talvez melhor, a produção cerealífera dos referidos anos não foi paga pelo preço justo, entendendo-se por preço justo o que cobre as despesas de cultura e condigna remuneração do capital e do trabalho investidos.
Tendo como certo que nem ao Governo nem ao empresário agrícola cabe a responsabilidade das desfavoráveis condições atmosféricas, na medida em que estas contribuíram para os maus resultados da exploração agrícola em todos estes anos, cumpre determinar se noutros aspectos, ou seja quanto a outras causas do mau estado da economia agrícola, podiam estas ser eliminadas ou atenuadas pela acção governativa ou pela própria lavoura e seus organismos representativos.
O Sr. Ministro da Economia, apreciando este aspecto do problema, com a dignificante probidade intelectual e manifesto conhecimento de causa de que vem dando exuberantes provas, disse na mencionada entrevista:
Quanto ao papel do Governo, é natural que tenham alguma razão de queixa ... E tem, têm algumas razões de queixa.
Se a agricultura tem algumas razões, legítimas são as suas queixas e reclamações e não impertinentes ou descabidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De que se queixa a agricultura quanto à acção governativa, ou, talvez melhor, quanto à acção do Estado?
Queixa-se de o Estado, pelo que fez ou pelo que deixou de fazer, ter contribuído, em parte, para que a economia agrícola chegasse à crise em que se encontra.
Por mim, estou em crer que o que o Estado deixou de fazer, quer pelo seu poder deliberativo, quer pelos- seus órgãos de execução, é que justifica os queixumes e críticas.
Na verdade, o que o Governo da Revolução Nacional fez pela agricultura com carácter estável tem de ser reconhecido e louvado, e por mais de uma vez nesta Assembleia esse reconhecimento e louvores lhe têm sido tributados com inteira justiça.
E conto-me entre os que aqui por mais de uma vez têm louvado e também entre os que têm reclamado.
A título exemplificativo refiro o plano de povoamento florestal,, as obras de hidráulica agrícola, de colonização interna e melhoramentos agrícolas, a investigação agronómica e a assistência técnica, tudo com vista ao fomento da agricultura.
Quanto à comercialização dos produtos agrícolas, há que referir a criação da Federação Nacional dos Produtores de Trigo; a Junta Nacional do Vinho; a Junta Nacional do Azeite, e outros organismos similares, que têm prestado inestimáveis serviços à agricultura.
Também temos de afirmar que pela acção governativa - através de melhoramentos públicos- se tem elevado consideràvelmente o nível social das populações rurais, que é hoje bem diferente do que era em 1926.
Os que pela idade, com espírito de justiça, podem fazer o confronto têm de o afirmar e louvar o Governo da Revolução Nacional, porque, embora tais melhoramentos sejam obrigação de toda a acção governativa, a verdade é que nesse tempo, por falta de recursos, não foi possível realizá-los.
O caminho percorrido e a obra realizada, mesmo quando considerado isoladamente o sector agrícola, obrigam-me a prestar homenagem e manifestar reconhecimento ao Sr. Presidente do Conselho pelo que tem feito pela agricultura e pelas populações rurais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E sinto-me perfeitamente à vontade, livre de quaisquer vinculações pessoais, para o fazer desta tribuna, sem outro objectivo que não seja o de prestar justiça a quem neste momento já avançado da vida continua esforçada e esclarecidamente a servir e só viver para a Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: no entanto, como diz o Sr. Ministro da Economia, a agricultura pode formular

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queixas pelo que o Governo deixou de fazer, quer quanto ao fomento da agricultura, quer quanto à justa remuneração e comercialização dos seus produtos.
Não é que se não tenha delineado e formulado com certa clarividência, em certos momentos, por parte do Governo, uma política agrícola ajustada às realidades do nosso meio.
Podemos - mesmo dizer que se tem legislado acertadamente em vários aspectos para fomentar a agricultura e a elevar ao nível condizente com o das outras actividades económicas.
Mas temos também de dizer que os justos princípios consignados nessa legislação nem sempre têm tido efectivação prática.
Porquê?
Por falta de verba? Por falta de capacidade realizadora e dinamismo dos órgãos de execução? Por ocultas forças de pressão a exercerem acção impeditiva?
Talvez por tudo isto junto.
Continuemos a título exemplificativo a destacar alguns aspectos que demonstram que os bons princípios e objectivos contidos nas leis e nos planos não tiveram objectivação prática.
Diz-se, e talvez fundadamente, que uma das causas da falta de rentabilidade da agricultura é o desajustamento entre as qualidades e virtualidade dos solos e as culturas que os empresários agrícolas neles praticam.
Não há um ordenamento cultural.
Não o há porque não se realizaram oportunamente os «estudos básicos da capacidade de produção agrícola e da estrutura agrária» indispensáveis para um planeamento agrícola com base científica, hoje reclamada como indispensável para uma racional exploração da terra.

O Sr. Amaral Neto: - Muito bem!

O Orador: - «Entre nós forçoso é reconhecer que no campo agrário não se dispõe ainda de um conjunto de elementos básicos suficientemente aproximado que permita definir com certeza as causas que originam situações desfavoráveis e encontrar a melhor solução para certos problemas de produção, comércio ou consumo e muito menos para alicerçar um bem articulado plano de fomento». Assim se exprime o relatório final preparatório do II Plano de Fomento quando trata dos «Estudos básicos da capacidade de produção agrícola e da estrutura agrária».
Na verdade, não se tem indicado à agricultura quais as culturas para que temos razoáveis condições de produção, definindo-lhe as respectivas zonas e seus resultados prováveis tanto para consumo interno como para exportação, dados estes que pressupõem a existência de uma carta agrícola do País, que pudesse estar ao alcance e entendimento dos empresários agrícolas.
E não é que os órgãos estaduais não tenham suscitado estes problemas e até sobre eles legislado.
Em 1940 iniciaram-se na Estação Agronómica trabalhos sobre cartografia dos solos, sendo então Ministro da Economia o Dr. Rafael Duque e Subsecretário de Estado o nosso colega André Navarro, que tanto pugnaram pelo levantamento da carta .dos solos do País, elaborando-se mesmo um projecto de decreto que não pôde ter execução por circunstâncias várias.
Mas a ideia estava lançada e foi fazendo caminho, até que em 1949, por despacho do então Subsecretário de Estado da Agricultura, Dr. Pereira Caldas, foi criado o Plano de Fomento Agrário, com o objectivo de inventariar o que a nossa agricultura produzia e de traçar as principais linhas do ordenamento cultural para os nossos solos.
Como esse trabalho requeria a existência de uma carta de solos, só então esta começou a ser elaborada, mas a ritmo lento, por falta de verba, estando hoje cartografada a parte do território ao sul do Tejo, devendo até fim do corrente ano estar publicadas 60 folhas das 175 que correspondem ao continente.
A carta agrícola e florestal está também a ser elaborada. Só agora terminado já todo o trabalho de campo, estarão, possivelmente, publicadas até ao fim do ano 220 folhas das 639 que respeitam ao continente.
O número de folhas publicadas até ao fim do ano de 1962 por conta do II Plano de Fomento era de 144, faltando publicar, nessa data, 128 nos dois anos que então faltavam para esgotar o prazo do II Plano de Fomento, o que os serviços consideravam impossível realizar, a não ser que as dotações concedidas fossem substancialmente reforçadas.
Quanto às cartas dos solos e da capacidade do uso dos solos, o número de folhas que cobrem a região a sul do Tejo é de 78, das quais se encontram publicadas 29, faltando publicar, na vigência do II Plano de Fomento, 49.
Admitindo, como diz o serviço, que a média de publicação anual de folhas é de nove, chegar-se-á ao fim do prazo do II Plano de Fomento com um atraso que corresponde a mais três anos de trabalho. Estes dados extraem-se do relatório da actividade referente ao ano de 1962 - II Plano de Fomento.
Nele se afirma que o respectivo serviço tem possibilidades de trabalhar a ritmo nitidamente superior, desde que lhe sejam concedidos os meios indispensáveis.
Fizeram-se estes apontamentos para mostrar que por falta de verba suficiente não se executará o programado no II Plano de Fomento para a agricultura, silvicultura c pecuária.
E, no entretanto, diz-se no já referido relatório final preparatório do II Plano de Fomento respeitante a estas actividades:
Constituem trabalhos básicos do plano de fomento agrário: a carta agrícola e florestal (conjunto de 608 cartas na escala de 1:25000); o atlas zootécnico ...; o inquérito agrícola, florestal e pecuário; a carta dos solos; a carta de declives; a carta das estações ecológicas e a carta do ordenamento, que constitui o objectivo final de todo o trabalho ... Pode dizer-se que tais estudos são os alicerces mais sólidos de toda a política agrária, desde a investigação e extensão até às grandes obras de fomento hidráulico, de arborização e de colonização.
Entre os estudos de maior utilidade no campo da averiguação das possibilidades agrícolas, tanto do ponto de vista técnico -, económico e social, destacam-se os que constituem o chamado Plano de Fomento Agrário ... Os reconhecimentos, estudos, inquéritos e cartas que no seu tinto formam o Plano de Fomento Agrário constituem uma devassa agronómica, florestal e pecuária do maior alcance e das mais completas que têm sido empreendidas no Mundo como tal reconhecida pelas autoridades no assunto que lios têm visitado.

d) No que fica transcrito vê-se que os elementos referidos são indispensáveis para se elaborar, com base sólida, uma política agrária.
Porque assim se reconheceu consignou-se no II Plano de Fomento a base XIV, que determina:

Até final de 1964 o Ministério da Economia completará o reconhecimento agrário do País e promo-

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verá a publicação da carta agrícola e florestal, da carta dos solos e da carta da capacidade de uso.

Como já referimos e consta do relatório da actividade referente ao ano de 1962 da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas - sobre o II Plano de Fomento -, nem a carta agrícola e florestal nem a carta dos solos e carta da capacidade de uso estarão concluídas no fim de 1964, em que termina é prazo do II Plano de Fomento.
E esta falta de execução do II Plano de Fomento, na parte que visa o desenvolvimento da agricultura, é devida, segundo se depreende do dito relatório, à falta de verba suficiente.
Seria oportuno fazer neste momento o balanço da execução do II Plano de Fomento, para se apreciar em que medida ele se cumpriu no programado para a agricultura.
A escassez de tempo, a falta de elementos de informação e a vastidão do assunto não permitiram essa apreciação de conjunto, que poderia esclarecer o esforço da acção governativa em prol da terra e da agricultura em geral, através de investimentos de vária ordem, de que virá beneficiar no futuro este sector da economia da Nação.
Uma política agrária, solidamente estabelecida e persistentemente seguida é que nos tem feito falta e nisso está, possivelmente, uma das causas da crise aguda a que foi conduzida a economia agrícola, que originou o oportuno aviso prévio.
Daí advém que umas vezes se incita a lavoura a produzir mais trigo, como foi com a Campanha do Trigo, outras se proíbe a lavoura de semear trigo em determinadas zonas, como aconteceu em 1955 com a publicação do Decreto n.º 25 947, de 15 de Outubro, em cujo relatório se escreveu:

No tocante à questão dos trigos já se tem dito, noutros documentos, que o aumento da produção derivou, certamente, do impulso do Estado pela propaganda, pelo crédito - e pela assistência técnica.

Por este decreto-lei foi proibida a sementeira do trigo, nesse ano cerealífero, nos terrenos que tinham produzido trigo no ano anterior; nos montados de azinho e nos terrenos povoados de olival de superfície superior a 1 ha e que tivesse, pelo menos, 100 oliveiras por hectare, etc.
Isto se legislou para obviar aos efeitos da sobreprodução de trigo resultante das colheitas de trigo de 1934 e 1935.
Também, em relação ao plantio da vinha, se verifica, periodicamente, mudança de orientação na política do Estado, ora alargando, ora apertando o condicionamento do plantio, como pode ver-se de vários diplomas legais, designadamente a partir de 1930, em que se publicou o Decreto n.º 19 253, de 17 de Dezembro desse ano, que promulgou várias disposições sobre o fomento vitivinícola; e no correlativo relatório escreveu-se:
Na parte que mais de perto se prende com a intervenção do Estado no fomento vitivinícola nacional verifica-se a falta de um plano geral que compreendesse todo um programa de trabalhos a realizar.

... Considerando que é da maior vantagem estabelecer princípios basilares, sobre os quais assente toda a obra de fomento a realizar;
Considerando a primordial importância que no nosso país tem a cultura da vinha e a absoluta carência de uma eficaz orientação e persistente assistência técnica exercida pelo Estado, neste ramo de exploração agrícola do solo pátrio ...

A despeito destas hesitações e mudanças de orientação sobre plantio da vinha, que as circunstâncias de momento têm imposto, tem de dizer-se que a acção do Governo tem sido da maior eficiência para a produção vinícola, facultando ao correspondente organismo - a Junta Nacional dos Vinhos - os créditos necessários para que esta tenha exercido benéfica acção na defesa dos preços do vinho no produtor, defendendo este, designadamente o pequeno produtor, da especulação do comércio, pela sua intervenção por compra à lavoura e retirada do mercado dos excedentes nos anos de superabundância.
Assim se tem evitado, pela acção dinâmica e ousada da Junta, apoiada pelo Estado, que a vitivinicultura, na respectiva área, tenha sofrido crises de depressão, outrora tão frequentes e tão perturbadoras da ordem e paz social.
Daqui se presta a devida justiça ao Governo da Nação que se formula o voto de que ele continue a facultar à Junta Nacional do Vinho, em todas as oportunidades, o apoio financeiro de que ela carece para exercer a sua acção de amparo e defesa deste importante sector da nossa vida agrícola e para que possa realizar cabalmente os objectivos que se propõe o II Plano de Fomento.
Bem pode dizer-se que a viticultura se tem integrado no espírito do II Plano de Fomento, mecanizando-se, melhorando os seus processos de cultura e de fabrico, esforçando-se por obter as melhores produções unitárias, fazendo os necessários investimentos compatíveis com as suas possibilidades económicas, melhorando os salários e mostrando, assim, este ramo da agricultura que quando os preços agrícolas garantem uma justa remuneração dela beneficiam não só os respectivos empresários mas também os trabalhadores e a economia nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Também da acção da Junta do Vinho se pode colher o ensinamento de que quando o produtor agrícola está defendido na comercialização do seu produto, da especulação dos intermediários, as oscilações do preço são menos acentuadas e mais ajustadas as realidades da conjuntura.
Este ensinamento deve ser aproveitado pelos dirigentes da lavoura para promoverem uma mais rápida organização corporativa e cooperativa deste sector económico para que por si possa defender-se das actividades parasitárias que nele se inserem e lhe subtraem a melhor parte do preço por que os seus produtos são vendidos ao consumidor. A própria lavoura, hoje organizada, terá de interferir na comercialização e industrialização dos seus produtos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A intervenção do Estado tem de ser meramente supletiva, para além das suas funções de coordenação de todos os interesses legítimos e de orientação e criação dos meios de progresso económico.
E nessa função supletiva e impulsionadora temos de afirmar que o Governo da Revolução Nacional tem dado à agricultura substancial colaboração através da elaboração de planos de fomento, de investimentos feitos na terra, de financiamentos, de assistência técnica, de organização de vários sectores da actividade agrícola, de fornecimentos de plantas para fomento da arboricultura e de adopção de outras medidas que bem traduzem o alto sentido que tem da importância da agricultura na vida económica e social da Nação.
Mas terá o Estado considerado devidamente todos os interesses e todos os direitos em causa na política agrária

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adoptada ou, talvez mais ajustadamente se dirá, na política económica que vem realizando, de forma a conseguir perfeita justiça distributiva?
Terão sido devidamente ponderados todos os factores que interferem na formação do custo de produção dos produtos agrícolas, quando se tabelam, por parte do Estado, os preços de venda desses produtos pelo agricultor?
É este, no momento, o ponto crucial do problema em discussão e a partir dele é que a lavoura formula as suas queixas e reclamações.

O Sr. Amaral Neto: - Muito bem!

O Orador: - Uma política agrária não pode deixar de ter em consideração que ao Estado compete assegurar a alimentação da população a preços econòmicamente adequados.
Mas essa adequação dos preços dos géneros agrícolas à capacidade de compra dos consumidores não pode sor feita só à custa dos legítimos interesses e direitos
do agricultor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O agricultor tem direito a uma situação económica e categoria social idêntica ao dos que se consagram a outras actividades.
Ao Estado compete promover o equilíbrio estável de todos os sectores económicos ainda que para tanto tenha de adoptar medidas de emergência em benefício de algum que se mostre em estado de inferioridade, quando mesmo para essas medidas de beneficiação tenham de contribuir todas as demais actividades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A agricultura é esse sector económico que neste momento se encontra em estado de inferioridade e a sofrer as consequências de um desequilíbrio económico que não foi provocado pelos que nela trabalham.
O Governo da Nação, pela voz do Sr. Ministro da Economia, prestou ao País, através de entrevista sobre o assunto e da comunicação enviada a esta Assembleia, desenvolvida, metódica e profunda informação das medidas adoptadas e das que se propõe adoptar a favor da agricultura para a libertar da situação de crise em que reconhece ela se encontra e para a erguer ao nível das demais actividades económicas.
E devemos reconhecer que a comunicação do Sr. Ministro da Economia revela profundo e minucioso estudo do problema, vontade decidida de o resolver com justiça para a agricultura, e com proveito para a economia nacional.
Pode dizer-se que a sua comunicação a esta Assembleia constitui um verdadeiro programa de política agrária, como raramente se terá apresentado.
Mas esse programa é, sobretudo, para produzir efeitos à la longne. Não nos indica expressamente qual o tratamento imediato para reconduzir o organismo agrário a um estado de saúde que lhe permita retomar o trabalho indispensável para cabalmente preencher os fins que lhe cabem no complexo da vida económica.
No estado de depauperamento e de desequilíbrio económico em que se encontra o organismo agrário, não será possível dirigir nem estimular as suas fracas forças para a obra de reconversão que se preconiza, nem mesmo para cumprir a sua função rotineira de produzir o necessário para alimentação da população portuguesa, se não se eliminarem as causas do mal e se lhe não restabelecerem
rapidamente, por meios de efeitos heróicos, as forças e o equilíbrio perdido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos convencidos de que à cabeceira de Lázaro se encontra o profissional competente para o fazer ressurgir e caminhar.
Que todos os que podem e os que devem lhe prestem aberta e pronta colaboração.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Os indispensáveis balões de oxigénio! ...

O Orador: - Com balões de oxigénio não se dá grande vida ao doente, evita-se a crise fatal.
A apreciação crítica das origens do mal está feita; o quadro dos sintomas devidamente apreciado conduziu a diagnóstico seguro.
A lavoura prestará agora colaboração construtiva, como meio terapêutico indispensável.

Sr. Presidente: de tudo quanto aqui se tem dito parece concluir-se:

1) Que uma das causas da crise é uma deficiente estrutura agrária;
2) Que há diversos outros factores a contribuir para a crise, entre os quais avultam: as próprias condições naturais, mutáveis de ano para ano; a exiguidade dos mercados e uma comercialização pouco adequada; a alta dos salários e a baixa produtividade do trabalho, e finalmente, falta de actualização dos preços dos produtos.
Em face do exposto não mo pertence concretizar soluções, mas sómente apontar o sentido dessas soluções tal como em meu modesto entender as vejo.
Para tanto parto de um primeiro princípio: é de que a Europa caminha para a criação de espaços económicos cada vez mais vastos, dentro dos quais dominará o princípio da liberdade de circulação de mercadorias, de serviços, de capitais e de pessoas.
Daqui advém que a lei reguladora será a da concorrência.
Só isto bastaria para. nos levar a pensar que em face da reconhecida crise de estrutura temos de procurar definir as zonas mais aptas do País para as diferentes produções.
Mas quando mesmo a evolução da Europa fosse outra este princípio ainda estava certo, porque a concorrência faria sempre que os produtos aparecessem no mercado pelo menor custo de produção possível.
Era ao mesmo tempo, como é evidente, um processo de alargamento dos mercados.
Por isso, penso que a primeira atitude governativa deveria ser a de definir para cada um dos produtos principais as suas zonas de eleição.
Para tanto é que carece o País da «carta dos solos» e da «carta agrícola» para sobre elas estabelecer o devido ordenamento das culturas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio que se poderia ganhar tempo se, enquanto não dispomos daqueles elementos básicos,, se criassem grupos de trabalho, com os nossos melhores técnicos, encarregados de, em relação aos ramos da pró-

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dução mais importantes, apresentarem as soluções para as quais a lavoura deva ser encaminhada e bem assim os meios a pôr em prática para ajudá-la a efectuar esta reconversão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - b) Quanto aos domais factores de crise, há que salientar aqueles em relação aos quais o Governo pode ter acção. Respeitam eles em primeiro lugar ao regime de trabalho na agricultura, sua retribuição e produtividade; em segundo lugar ao regime de preços dos produtos agrícolas e sua actualização; em terceiro lugar à comercialização dos produtos agrícolas e extensão dos correspondentes mercados interno e externo.
Portanto, o Governo deve regulamentar o trabalho agrícola condicionando a retribuição a, produtividade do mesmo.
Quanto aos preços dos produtos agrícolas, deve proceder à sua actualização, com o duplo objectivo de sustentar a produção dos géneros mais necessários à vida e evitar o agravamento da situação económica da lavoura, que é já muito grave.
Quanto a comercialização dos produtos agrícolas, deve organizar-se de forma a eliminar intermediários parasitários, que encarecem o produto no consumo, restringindo assim o mercado interno.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a conquista dos mercados externos deve ser orientada por métodos apropriados e por quem tenha dado provas inequívocas de estar no seu conhecimento e de ter capacidade realizadora.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É quanto se me oferece dizer sobre o magno problema em discussão, pedindo se me releve a insuficiência e agradecendo a generosidade do acolhimento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Engrácia Carrilho: - Sr. Presidente: acolhemos com a maior simpatia e a mais fundada esperança o aviso prévio que o nosso ilustre colega Amaral Neto anunciou dias após a abertura dos trabalhos desta Assembleia.
Presto ao preclaro colega avisante as minhas homenagens pela iniciativa que tomou em favor do bem-estar da lavoura nacional, contribuindo, assim, para agitar problemas do mais alto interesse económico-social que o tema do aviso encerra, e que urge resolver com toda a força e no mais curto espaço de tempo.
A crise agrícola nacional foi o título pelo qual o ilustre avisante designou o seu aviso prévio.
Mas existe, na verdade, uma crise agrícola nacional? Sem dúvida que existe.
Para o reconhecer bastará reparar atentamente no que escrevem e no que dizem não só os representantes mais qualificados da lavoura mas também, isoladamente, os homens, desde os mais evoluídos aos mais rotineiros, que ao sector agrícola consagram toda a sua vida e todo o seu saber.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ouçamos a lavoura:
A emigração tem tomado aspectos alarmantes. Os proprietários vêem-se em sérios embaraços para conseguir pessoal para os seus trabalhos agrícolas. Há freguesias donde já emigraram legal e clandestinamente mais de 300 homens e mulheres. A situação é tão grave que não se encontra um pastor ou um criado de lavoura, estando por isso cerca de 40 por cento das terras abandonadas.
Pelo mesmo motivo a criação de gados está baixando e a desvalorização da propriedade rústica é assustadora.
Mas, para além dos trabalhadores rurais, emigram os pequenos e os médios lavradores, que abandonam as terras, suas ou de renda, sabe Deus com que sacrifício, e vão tentar amealhar alguma coisa para a velhice.

Durante o debate do presente aviso prévio chegou-me às mãos uma carta de um lavrador do Norte, que, referindo-se à crise que a lavoura atravessa, se exprime do seguinte modo:

O Governo desconhece o êxodo clandestino de homens para a Franca. Esta região está despovoada, N ficando só os velhos, mulheres e crianças. Muitos terrenos vão ficando incultos e os salários dos homens, que dão um dia por favor, são elevadíssimos. Depois, o que aprende o nosso camponês em França? Maus costumes. Não vão à igreja, não querem mais filhos, pouco esforço no trabalho, etc.
Os francos ganhos compensarão tal desmoralização?
Os pequenos proprietários não sabem como viver. A batata é baratíssima. Adubos, sementes e salários pela hora da morte. A continuar a crise os proprietários não tiram da terra o lucro necessário para pagar a contribuição da mesma.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sobre a cultura do milho - que no Norte assume lugar de relevo -, diz um qualificado representante da lavoura:

A miséria do milho é bem notória. Que poderei eu dizer que não seja do conhecimento geral, quando para mais não existem entre nós estudos oficiais de preços de custo deste cereal, existindo apenas relativos ao trigo e ao arroz? Mas a miséria do milho é tão palpável que dispensa neste momento tais estudos.
Outros afirmam ainda:
A falta de um ordenamento cultural contribui para encerrar o lavrador no beco em que a cultura do trigo o meteu.
Há um desequilíbrio entre a cultura cerealífera e II exploração pecuária, por virtude de uma protecção oficial à cultura do trigo, que não foi acompanhada dos meios adequados ao incentivo da criação de gados.
Há um defeituoso sistema de concessão de crédito a curto prazo.
Há uma deficiente assistência técnica prestada pelos serviços oficiais, por virtude das limitações com que lutam os técnicos agrários regionais no que se refere a meios de acção e condições de trabalho.
Nota-se uma falta de preparação em trabalhadores e muitos empresários agrícolas para a gerência da sua exploração. Para muitos a crise da lavoura si-

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tua-se, ainda, no facto de os cereais, a carne e o leite não serem pagos convenientemente e os circuitos comerciais serem complicados e caros, contribuindo este facto para a inferioridade dos rendimentos do sector agrícola.

Sr. Presidente: estes depoimentos constituem um quadro real e impressionante em que decorre a vida nos nossos campos que mais nos habilitam - a afirmar que a agricultura portuguesa atravessa uma grave crise.
Quais as causas desta crise?
As causas desta crise situam-se mais em causas distantes e profundas do que motivos actuais e superficiais.
Uma análise simples c imediata leva-nos a aceitar:
l.º Que, seja como for, é o êxodo que, rompendo um equilíbrio tradicional, é simultaneamente uma das causas da crise da agricultura e um factor essencial para a sua reestruturação em bases de mais sã economia.

O Sr. Amaral Neto: - Muito bem!

O Orador: - 2.º Que outra causa da crise é a disparidade existente entre a indústria e a agricultura, entre a cidade e o campo, entre o capital e o trabalho, entre regiões desenvolvidas e atrasadas.
3.º Grande parte da crise da agricultura resulta de a produção agrícola não se ajustar exactamente à procura. Se este ajustamento fosse possível,
eliminar-se-iam investimentos inúteis, garantir-se-iam os preços e não haveria produções esbanjadas.
Mas, Sr. Presidente, se quisermos desvendar com consciência e em profundidade quais as causas determinantes da crise que a lavoura nacional atravessa é necessário, antes de mais, fazer um exame prévio - embora a traços largos - da situação actual da agricultura portuguesa.
O produto agrícola bruto. - A análise do produto nacional bruto revela-nos que a parte originada no sector agrícola não atinge um quarto, embora nele se empregue metade da população activa.
Segundo os elementos obtidos no Instituto Nacional de Estatística, poder-se-á analisar:

a) A comparação do produto agrícola bruto com o produto nacional bruto.
b) A composição do produto bruto agrícola.
c) Percentagens das produções, vegetal e animal, em vários países da Europa.

Estas análises referem-se ao quinquénio 1955-1959.
No quinquénio considerado, o acréscimo do produto nacional bruto foi de 16,6 por cento, o que dá uma taxa anual de 3,32 por cento. O produto agrícola bruto apenas aumentou no mesmo período de 0,20 por cento, ou seja 0,04 por cento por ano.
Enquanto o produto nacional bruto tem vindo a aumentar progressivamente, o produto agrícola bruto acusou uma descida em valor absoluto a partir de 1958.
As razões desta descida devem procurar-se em parte na própria composição do produto agrícola bruto, em que avultam os valores das proporções de origem vegetal, cujas colheitas anuais conhecem grandes oscilações, reflectindo a incidência de um clima muito irregular. As variações anuais nos preços de alguns produtos devem exercer também alguma influência, ainda que muito menos marcada.
Quase 60 por cento do produto bruto agrícola pertencem aos produtos agrícolas vegetais, dos quais cerca de 25 por cento cabem aos cereais. Os produtos animais contribuem apenas com cerca de 22 por cento e os produtos da floresta com 17 por cento.
Quando confrontados com números análogos referentes a países de agricultura evoluída esta composição de produto bruto agrícola revela uma queda muito acentuada na parcela correspondente às produções animais.
A estrutura agrária. - De acordo com os elementos fornecidos pelo inquérito às explorações agrícolas do continente, efectuado nos anos de 1952 a 1954 pelo Instituto Nacional de Estatística, existiam no País 853 568 explorações, conforme se apresenta no quadro respectivo.
Ressalta dá observação do quadro a posição de forte predomínio que em número apresentam as empresas familiares (82 por cento do total), destacando-se em especial as familiares imperfeitas (50 por cento), isto é, empresas que não asseguram à família a plena utilização das forças de trabalho disponíveis. Estes números sobem bastante em Castelo Branco (59 por conto) «Santarém (57 por cento); deverá notar-se que grande parte das empresas classificadas como familiares perfeitas asseguram a plena utilização do trabalho familiar, mas a um baixo nível de produtividade.
Por este simples quadro é simples compreender quantos obstáculos se opõem à modernização da agricultura na maior parte das empresas familiares, que só irão tendo solução à medida que diminuir sensivelmente a forte pressão demográfica que se está exercendo sobre o sector agrícola.
Ainda com base nos elementos apurados pelo Instituto Nacional de Estatística no inquérito referido, poder-se-á fazer uma ideia da extensão das explorações agrícolas através da área nelas ocupada pela cultura arvense, a única recenseada.
Poder-se-á agrupar as explorações, de acordo com a perspectiva área, em cinco categorias - muito pequena, pequena, média, grande e muito grande - cujos limites variam, aliás, de concelho para concelho, de acordo com as características da agricultura respectiva:

[Ver quadro na imagem]

De acordo com este quadro, verifica-se que 54 por cento do total das explorações agrícolas com cultura arvense se agrupam no escalão «muito pequena» e que a esse número corresponde apenas 6 por cento da área; no escalão «pequena» incluem-se 38 por cento do número e 27 por cento da área; na classe «média» figuram, respectivamente, 8 por cento e 28 por cento; na «grande» 0,0 e 18 por cento, e na «muito grande» 0,0 e 21 por cento. 33 por cento da área está distribuída por 92 por cento das explorações e nestes números se contém todo o drama do minimifúndio agrícola. Por outro lado, 39 por cento da área pertencem a menos de 1 por cento do número de explorações; trata-se do outro reverso da medalha: o problema do latifúndio.
Estes números são um documento flagrante da necessidade de uma actuação, através de medidas directas e indirectas, que conduza a uma situação completamente diferente da actual, pois que a existente constitui um verdadeiro gargalo de estrangulamento de toda a economia.

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A população agrícola. - Através dos números dos recenseamentos de 1940 e de 1950, poder-se-á obter a distribuição da população activa, a população activa agrícola com situação no emprego, a população activa agrícola com situação na profissão, a população activa agrícola por estratos sociais, etc.
Fixemo-nos na população agrícola activa com situação na profissão:

[Ver quadro na imagem]

a) Inclui os agricultores patrões o os agricultores isolados.

Os números apresentados no presente quadro revelam dois factos de profundo significado social: a predominância de trabalhadores sobre os agricultores (ao contrário do que se verifica nas agriculturas norte-americana e da Europa setentrional) e, dentro dos trabalhadores, uma predominância acentuadíssima (94,2 por cento) dos trabalhadores não especializados.
Esta circunstância denuncia a urgência de uma acção intensa de instrução, preparação profissional e promoção social a exercer sobre os quase 850 000 trabalhadores rurais, sob pena de constituírem o verdadeiro peso morto, do ponto de vista económico, a travar não só o aumento da produtividade no sector agrícola como a própria expansão económica, não falando já nas inerentes consequências no campo social.
Através deste quadro poder-se-á observar ainda: a diminuição da percentagem de trabalhadores especializados, com o consequente aumento na de trabalhadores não especializados. Estes representavam 64 por cento do total (94,2 por cento do total de trabalhadores) em 1940 e passaram a constituir 68,3 por cento (e 95,4 por cento do total).

A comercialização dos produtos agrícolas. - As nossas produções destinam-se em boa parte ao consumo das próprias casas agrícolas; uma parte mais importante dirige-se ao mercado interno; uma outra destina-se à exportação.
O nosso comércio de exportação é alimentado grandemente pelos produtos da terra, contribuindo decisivamente para esta circunstância a aptidão natural para certas produções - como a cortiça e os vinhos, por exemplo.
Se analisarmos os números que traduzem o nosso comércio de exportação, verificar-se-á que em 1938 a exportação de produtos agrícolas representava 35,5 por cento das quantidades saídas e 54,4 por cento do correspondente valor.
No quinquénio 1956-1960 a percentagem dos produtos agrícolas, na exportação total, atingiu 32,7 por cento das quantidades e 46,2 por cento dos valores.
Embora estes valores sejam mais baixos que os de 1938, verifica-se que a ordem de grandeza é a mesma, representando, portanto, um terço das quantidades e metade dos valores de exportação. Isto quer dizer que a diversificação do nosso comércio exportador se está processando a um ritmo demasiado lento.
Analisando seguidamente as mercadorias agrícolas exportadas no período 1956 -1960, verifica-se que o primeiro lugar pertence à, cortiça, com 1400000 coutos, seguindo-se-lhe, por ordem de importância, os vinhos, com 725 000 contos, as madeiras, com 525 000 contos, os resinosos, com 350 000 contos, o azeite e óleo de bagaço, com 350000 contos, as frutas, com 135000 contos, os produtos hortícolas, com 60 000 contos, etc.
Com excepção dos produtos florestais, a grande percentagem da nossa produção agrícola destina-se ao consumo nos mercados internos.
O nosso mercado interno caracteriza-se, fundamentalmente, por uma enorme população de intermediários e por um acentuado afastamento entre os preços no produtor e no consumidor.
Por outro lado - com excepção de alguns cuja produção provém essencialmente de explorações orientadas para o mercado, modernizadas nalguns aspectos -, os padrões de qualidade de grande parte das respectivas produções são comercialmente maus.
Assim, poder-se-á apontar, com raras excepções, quais as características das produções agrícolas nacionais:
Cultivam-se, indiferentemente, boas e más variedades, em promiscuidade que não permite a constituição de lotes homogéneos; muitos produtos não possuem propriedades que satisfaçam o consumidor; as doenças e pragas deixam neles vestígios que desagradam; a preparação posterior à colheita é rudimentar; a selecção imperfeita, a embalagem descuidada - como a diversidade de características é muito grande, ou não há possibilidades de constituir grandes lotes homogéneos ou a constituição destes exige separações onerosas; mais frequentemente os lotes comercializam-se tal como saem da produção, mas não alcançam nesta hipótese classificação superior à dos últimos graus de padrões internacionais.
Por outro lado, o comércio exportador, na sua maior parte, não dispõe de organização capaz, dispersa-se sem se especializar e compromete com uma concorrência feroz entre si quaisquer possibilidades que se ofereçam.
Ora, atingiu-se no comércio internacional dos produtos agrícolas um nível qualitativo de acordo com as exigências dos consumidores, que se situa muito acima do verificado no nosso mercado interno.
Urge, pois, Sr. Presidente, tomar medidas no sentido de elevar os padrões de qualidade dos produtos agrícolas oferecidos ao consumidor português ao nível europeu.
Sr. Presidente: além das causas apontadas, que determinam a crise pela qual a lavoura nacional está passando, outras se lhe adicionam, como sejam: a pobreza dos solos, a irregularidade do clima, a forte pressão demográfica no sector agrícola, os níveis de produção, o apetrechamento técnico e produtividade, etc.
O exame assim feito à situação actual da agricultura portuguesa revela, sem dúvida, a existência de uma grave crise, que não é mais do que o reflexo de um insuficiente desenvolvimento de toda. a nossa economia. A visão do conjunto da agricultura portuguesa é pouco animadora.
Quer se considere o modo como se conserva o património dos recursos naturais, o ordenamento cultural, o nível quantitativo e qualitativo das produções, a forma por que se repartem os rendimentos, a preparação técnica e económica dos empresários, a preparação profissional dos operários rurais, a análise revela graves insuficiências estruturais. Para remover este quadro estrutural não bastam as acções exercidas no próprio sector, mas são fundamentais as que se vierem II exercer noutros sectores da economia.

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Um meio de acelerar o desenvolvimento económico consiste em diversificar a economia, alterando a estrutura da população activa pela aspiração do excesso de mão-de-obra rural para novas actividades. Entre estas actividades estará, sem dúvida, a indústria. Mas os efeitos benéficos da industrialização não se conseguem só com grandes indústrias. Há todo o interesse na criação de
pequenas indústrias à escala regional que possibilitem o êxodo agrícola.
As indústrias de transformação e conservação dos produtos agrícolas podem desempenhar papel importante na valorização regional.
A tendência em todos os meios evoluídos é a de fazer com que a produção agrícola possa procurar e encontrar em certos tipos de preparação ou transformação industrial dos seus produtos, como na comercialização, parcelas de rendimento que atenuem os sempre limitados preços que obtém ao nível exclusivo da produção.
Sr. Presidente: sem dúvida que o desenvolvimento industrial do País é indispensável para atrair a mão-de-obra da agricultura; para alargar a procura de alimentos; para aumentar a procura de matérias-primas, para fornecer mais baratos meios de produção, etc.
Mas também não se deve esquecer que o desenvolvimento agrícola é condição complementar e indispensável ao desenvolvimento económico global. É do aumento da produção agrícola comercializada que resultarão os rendimentos monetários necessários a sustentar o crescimento industrial.
Por isso Barre afirma que «nenhum desenvolvimento industrial é possível se não se apoia uma revolução agrícola». E também está reconhecido que a industrialização de um país corre graves perigos desde que não seja acompanhada por um esforço paralelo na agricultura.
Sr. Presidente: corre pressa que o Governo se disponha, de uma vez para sempre, a encarar muito a sério o problema agrícola português, tomando medidas imediatas e a longo prazo - mesmo que para tal se tenham de usar meios que irão, certamente, ferir os interesses e as comodidades dos muitos que a isso estão habituados - para que o lavrador não perca a honra de o ser e o trabalhador se vincule mais ao ambiente rural.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Mas também, Sr. Presidente, é indispensável que a lavoura - sobretudo aquela que por mercê de Deus dispõe de maiores meios de defesa - se disponha a colaborar com o Governo, mas com compreensão da hora difícil que o País e o Mundo atravessam no caminho que há a percorrer, e que não será isento de dificuldades, para lançarmos em novas bases, de um melhor futuro, a agricultura portuguesa.
Noutros períodos graves da vida nacional a lavoura soube sempre reagir com decisão e encontrar forças para resolver os problemas e prosseguir a marcha.
Valem mais os homens do que os meios ao seu dispor.
Ora estou certo de que os homens da lavoura, apesar das dificuldades actuais, não deixarão de compreender as exigências do futuro, dispondo-se a todos os sacrifícios, desde que o Governo defina os princípios orientadores de uma política agrária que conduza a agricultura portuguesa a uma situação mais próspera.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: antes de terminar estas minhas modestas considerações, ouso enumerar alguns dos aspectos fundamentais da agricultura nacional, para os quais deverá recair a melhor atenção do Governo.
Ensino. - E necessário trabalhar no sentido de conseguir, para todos os que trabalham ou venham a trabalhar na agricultura, uma mentalidade e uma receptividade que lhes permitam corresponder às exigências crescentes de uma actividade cujo processo de produção é cada vez mais complexo.
Dadas as exigências de uma agricultura modernizada, é indispensável valorizar o nosso trabalhador rural através da especialização.
Todo o esforço deverá recair sobre as camadas jovens, necessariamente as mais receptivas, não esquecendo as mulheres e as crianças.
Presentemente existem os chamados Centros de Extensão Agrícola Familiar, a cargo da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
É da máxima importância o alargamento destes cursos, através de uma rede que cubra todo o País, assim como a criação de centros de adestramento, quer fixos, quer ambulantes.
Paralelamente ao esforço a desenvolver para a valorização do trabalhador rural, outro se há-de exercer de valorização do agricultor.
A empresa agrícola é complexa; não se pode esperar que ela seja bem administrada se o respectivo empresário não possuir as mínimas bases técnicas e económicas do seu funcionamento.
De pouco servirá conseguir empresas bem estruturadas se os respectivos empresários ignorarem as exigências dos mercados, as combinações mais produtivas, os resultados económicos obtidos etc. Creio bem que a formação de empresários agrícolas deverá figurar na primeira linha de preocupações dos serviços oficiais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Cursos, visitas orientadas, constituição de grupos de agriculturas que tenham problemas comuns a resolver, o contacto frequente com as explorações dos organismos do Estado, a instalação de explorações-piloto, etc., serão meios óptimos aos quais se deverá recorrer para progredir neste campo.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Pinto de Mesquita: - A propósito da preparação dos empresários agricultores tem-se discutido já nesta Assembleia aspecto que me parece fundamental: a preparação nas escolas de instrução primária e, ainda, através da criação regional indispensável de escolas de instrução secundária agrícolas exactamente desses futuros empresários.
Por elas os lavradores dariam a seus filhos possibilidade de tomarem conta, numa feição mais modernizada e técnica, exactamente da condução futura desses empresas, pois neste capítulo a família é importantíssimo que permaneça, passando essas empresas de pais a filhos.

O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª Mas se a formação de empresários é da mais alta importância para o progresso da nossa agricultura, não menos importante é a preparação das respectivas mulheres. O conjunto de conhecimentos que é usual designar por economia doméstica deve ser posto ao alcance das mulheres e das raparigas dos meios rurais.

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Mas, Sr. Presidente, o ensino dos meios rurais não deverá ser exclusivamente agrícola. E indispensável que os jovens recebam solicitações profissionais que despertem as suas aptidões naturais, o que lhes permitirá especializarem-se naquelas em que o apelo seja mais forte.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À instrução e 11 educação cabe sem dúvida o mais importante papel na aceleração do processo de crescimento da nossa economia; por isso deverá
ser-lhes concedido elevado grau de prioridade.
Assistência técnica. - Este é também um ponto, Sr. Presidente, que reputo da mais alta importância para o desenvolvimento da nossa agricultura.
Creio na investigação agronómica; e só lamento que a este sector não tenha sido prestada a atenção correspondente à sua alta importância.
A experimentação deverá ser considerada como o elo que liga a investigação à assistência técnica do agricultor.
Ao contrário da investigação, a experimentação deve ser desdobrada ao nível regional. Cada região apresenta peculiaridades diversas, quer quanto ao meio físico, quer quanto ao ambiente económico, etc.
O lavrador só acredita em determinado aperfeiçoamento técnico quando verifica que através da sua influência resulta o aumento de rendimento.
E este sem dúvida o objectivo que deve nortear a experimentação. Demonstrar que existem grandes probabilidades de que resultem melhorias de natureza económica da adopção de novos preceitos técnicos - sejam eles a introdução de novas espécies, modernas fórmulas de fertilização, novos modelos de máquinas, etc.
Neste campo, cabe ao Estado um lugar da maior relevância. Mas devemos reconhecer que os serviços oficiais não dispõem, nas diferentes regiões do País, de terrenos suficientemente amplos e representativos dos solos locais.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª acreditaria na viabilidade de um sistema que procurasse fundar a divulgação na utilização de explorações-piloto, isto é, explorações que os proprietários cedessem de bom grado à, orientação doa técnicos para suprir a acção do Estado?

O Orador: - O serviços oficiais deviam ter explorações-piloto que fizessem experimentação.

O Sr. Amaral Neto: - Eu, quando falei em explorações-piloto, quis dizer explorações particulares que se prestassem a servir de piloto.

O Orador: - Se o proprietário se dispusesse a isso, era de tentar.
Os serviços oficiais só estarão em condições de aconselhar a introdução- nas explorações de uma nova técnica quando o resultado for económico, porque, afinal, é este que mais interessa ao empresário.
Mas, Sr. Presidente, as disponibilidades dos serviços, quer em terrenos adequados à experimentação, quer em recursos financeiros, estão muito abaixo das necessidades.
A assistência técnica tem de ser eficiente, dinâmica, especializada e coordenada, porque só assim será um trabalho sério, capaz de valorizar a nossa agricultura.
Comercialização dos produtos agrícolas. - Para obter o aumento de rentabilidade na agricultura é indispensável a correcção dos circuitos de comercialização dos produtos.
A actividade a desenvolver deve ter por objectivo assegurar o funcionamento correcto do mercado, impedindo todas as acções monopolísticas ou especulativas. Neste aspecto cabe um papel importante às cooperativas.
Há planos em curso de adegas e lagares cooperativos.
Urge alargar estes planos a outros sectores, como sejam as frutas, os produtos hortícolas e os lacticínios.

O Sr. António Santos da Cunha: - Alargar e intensificar!

O Orador: - Muito bem! E sabido que o êxito da cooperação depende da existência entre os cooperadores de um forte sentimento de solidariedade. No nosso meio rural não é de esperar um forte movimento espontâneo neste sentido. Por isso o Estado tem prestado larga ajuda na criação de cooperativas; mas esta ajuda deverá ser fundamentalmente exercida no sentido de vencer a inércia do meio e prestar uma assistência técnica e económica favoráveis ao desenvolvimento da cooperativa.
Sr. Presidente: se quisermos tirar partido da nossa integração europeia naqueles sectores para os quais as nossas condições -geográficas, de meio agro-climático, ou económicas - nos favorecem, teremos de operar uma revolução profunda nos processos técnicos, de que resultem acréscimos quantitativos e qualitativos em tais produções, e de estruturar paralelamente as organizações comercial e industrial convenientes. Teremos, pois, de encarar de frente o ordenamento cultural, que não é mais do que o resultado da incidência de um conjunto de factores de natureza económica e social.
Através do ordenamento cultural far-se-á o ajustamento dos tipos de utilização do solo à capacidade de uso deste, com salvaguarda da manutenção ou do acréscimo, se possível, das suas potencialidades naturais.
O nosso país oferece condições maravilhosas ao fomento da fruticultura.
Se neste campo quisermos caminhar depressa e bem, há que ter técnicos agrícolas convenientemente preparados e mentalizados, assim como pessoal rural devidamente preparado.
Para a preparação do pessoal rural há que estabelecer centros de preparação junto dos organismos regionais, os quais deverão ministrar um ensino completo, desde a plantação, adubação, granjeios, podas e tratamentos, até à colheita, conservação, calibragem e embalagem dos frutos.
Como ponto de apoio dos técnicos, torna-se necessária a existência nas zonas frutícolas de uma propriedade onde possa ser feita a experimentação, que não deve ser realizada na casa do lavrador, mas que nunca se deve abstrair de uma íntima e estreita colaboração.
No fomento da fruticultura há que olhar de frente e no mais curto espaço de tempo, e até sem regatear encargos, o problema da conservação e comercialização, criando uma noção de segurança, e nunca um clima de incertezas ou de desconfiança.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Muito bem!

O Orador: - E, pois, necessário criar centrais fruteiras ou cooperativas de fruticultores nas zonas de interesse, as quais, construídas a pedido da lavoura, seriam subsidiadas em grande parte pelo Estado.
O estabelecimento de uma rede de conservação levaria à melhoria do comércio e, consequentemente, a uma ex-

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pansão em muito maior escala, o que permitiria pensar logo na industrialização, não dos refugos, mus antes de produtos capazes de concorrer com os dos outros países. Sr. Presidente: além dos aspectos enumerados, e para os quais a atenção do Governo deverá incidir, ouso ainda chamar a atenção para os seguintes:

A revisão urgente da estrutura dos serviços da Secretaria de Estado da Agricultura, dando-lhe dinamismo que não possui.
Pôr à disposição da lavoura crédito fácil e acessível.
Incrementar a expansão da pecuária, subordinando-se, essencialmente, às exigências do mercado.
Fomentar mais intensamente as produções florestais atendendo às favoráveis perspectivas do seu escoamento, quer no mercado interno, quer nos externos;
Dar aos agricultores orientação no que se refere à mecanização da lavoura..

Sr. Presidente: as medidas já tomadas e as que recentemente foram enunciadas pelo Ministério da Economia visam enfrentar muitos dos problemas que atormentam II agricultura portuguesa.
Confiamos na inteligência, no bom senso e na acção pronta e rápida do Sr. Ministro da Economia, dando à lavoura nacional a atenção de que é merecedora, situando-a ao nível das agriculturas europeias mais evoluídas.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: poderá parecer estranho que um Deputado que sempre tem nesta Assembleia levantado problemas industriais, ou problemas com eles relacionados, venha agora a esta tribuna falar de problemas agrários. Mal daqueles que julgam a economia nacional pelo prisma dos problemas das suas actividades. Quero lembrar que numa intervenção que tive a honra de fazer nesta Assembleia sobre planeamento industrial procurei demonstrar o interesse económico de um sistema que levasse à simbiose agricultura-indústria; e mais tarde, numa comparticipação à brilhante intervenção do meu ilustre colega Deputado Virgílio Cruz, falei sobre o problema do vinho do Porto. Dentro desta minha linha de pensamento e de actuação julguei por bem vir hoje aqui dar a minha comparticipação ao sector dos vinhos de pasto em relação ao aviso prévio sobre crise agrária.
Sr. Presidente: existe, crise vinícola?
E essa crise manifesta-se tão-sòmente ao nível nacional ou mundial?
São duas perguntas que a mim sempre faço quando me debruço sobre o problema da chamada «crise agrária».
Não poderia a vinicultura fugir à maléfica, mas injustificada crise agrária, epidemia que grassa hoje em todo o Mundo. E digo injustificada, pois, estando dois terços da população do Mundo actual subalimentados, como explicar a crise neste sector de produção, quando é certo que até agora a indústria, pela via da síntese química, ainda não conseguiu criar produtos substitutos senão a partir de outras substâncias organizadas? E, por outro lado, porque é que tendo sido criada a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(F. A. O.), com o fim de lançar uma vasta acção destinada a aumentar os recursos alimentares, continua o grupo das actividades primárias em crise permanente?
E a contradição é ainda mais nítida se atentarmos em que, segundo os serviços demográficos da O. N.º U., «os nascimentos superam os falecimentos numa proporção tal que, tanto quanto podemos calcular, a Terra, obrigada actualmente a alimentar perto de 3000 milhões de seres humanos, contará mais de 5000 milhões no ano 2000 e mais de 25 000 milhões em 2150 ...», como se pode ler na introdução com que se inicia o relatório das intervenções no encontro internacional de Genebra sobre a fome em Agosto e Setembro de 1960, elevação esta da população - que já levou Malthus a preconizar a condenável teoria da limitação da natalidade - que seria justificação suficiente para um aumento de produção e com ela um aumento de rentabilidade, em vez do fenómeno inverso que, efectivamente, se verifica.
Como se compreende que se tenha chegado a queimar, para manter uma estabilidade de preços nos países produtores, os alimentos de que uma grande parcela do Mundo está ávida? Não quero tirar conclusões dos factos, mas tão-sòmente apontá-los, pois este premente, vasto e complexo problema não poderia ser tratado no tempo limitado da intervenção que me proponho fazer.
Pergunto, portanto, outra vez: há crise vinícola no nosso país?
Para mim a resposta é afirmativa.
É lógico que os sistemas que se têm vindo a seguir, e que consistem, por um lado, na limitação do plantio da vinha e, por outro, na aquisição, para queima, dos sobrantes do consumo interno e da exportação, têm, dentro do possível, equilibrado os preços do vinho. Mas deverá esta política processar-se indefinidamente?
Creio que não, porque não concordo com toda e qualquer medida que possa travar o crescimento do produto nacional bruto. Ora este é um conceito estatístico, resultando da agregação de valores acrescentados por cada indústria, por cada actividade ou por cada sujeito económico. E se, numa fase da evolução da nossa economia, considerei lógico aquele sistema limitativo, sempre pensei que seria de aconselhar a sua revisão logo que se alterassem as condições de acordo com as quais a limitação do plantio da vinha não se traduzia numa limitação ao crescimento do rendimento nacional.
Na verdade, penso que, se estabelecermos a actividade vitivinícola numa base que permita uma concorrência sã, e organizada entre os produtores, e com a garantia da qualidade, poderemos expandir este sector e proporcionar um contributo crescente para o produto nacional.
Sr. Presidente: vou dividir esta intervenção sobre vinhos de pasto em três partes, referindo-se a primeira à produção (viticultura), a segunda à transformação (verificação) e finalmente a terceira à comercialização.
Podemos afirmar que o cultivo da vinha cobre praticamente todo o solo nacional - com excepção das zonas de elevada altitude.
A diversidade das características geológicas e climatéricas, ou melhor dito, microclimatéricas, aliada às castas usadas e também aos sistemas de cultivo, dão-nos uma gama muito extensa de tipos de vinho, com características químicas e organolépticas muito diversas, desde os vinhos verdes - tão influenciados pelo teor elevado no mosto de ácido málico; que permite a fermentação
malónico-láctica, que imprime características tão especiais a esse vinho - até aos mostos donde se parte para a preparação do vinho do Porto, que, pela sua composição inicial, aliada aos novos compostos que se desenvolvem durante a fermentação, reagindo posteriomente entre si durante o período de maturação e envelhecimento, conferem a este vinho a supremacia que, sem estar eivado de espírito nacionalista, e muito menos regionalista, poderei apodar de «rei dos vinhos licorosos», pelo seu excepcional bouquet.

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Em relação aos tipos característicos, c irei ame: ri tos a zonas de maior ou menor extensão, foram estabelecidas as regiões demarcadas, ainda hoje em número relativamente restrito, mas que poderão e deverão ser ampliadas, por exemplo, com as de Pinhel, Bairrada. Alcobaça, Óbidos, etc....

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - ... indo-se por este modo diminuindo as regiões anónimas e incaracterísticas, que pouco contribuem para II qualidade dos nossos vinhos. O conceito de região demarcada engloba determinadas características geológicas, climáticas, botânicas (cavalo e castas), culturais (amanhos, condução, podas, etc.), tecnológicas (processo de fabrico), amadurecimento do vinho (envelhecimento) e da sua apresentação.

O Sr. Engrácia Carrilho: - Muito bem!

O Orador: - Nas regiões demarcadas impõe-se uma valorização do produto, designadamente pela qualidade. Não se admite um vinho mau. nem mesmo fraco; só o
bom e o muito bom podem interessar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É o produto de elite - que merece a garrafa e que poderá destinar-se à exportação de qualidade. Está provado que o consumo do vinho nos mercados internos dos países produtores se expande à medida que aumenta o nível de vida, se bem que de uma maneira não proporcional. Assim, o Instituto de Cultura Hispânica calculou, para o país vizinho, as seguintes elasticidades-rendimento para a procura de vinho:

1958-1963 ................. 0,6
1963-3967 ................. 0,35
3967-1972 ................. 0,1

Isto é, aceita-se que, à medida que o nível de vida for aumentando, o consumo de vinho aumentará (e por isso a elasticidade-rendimento é positiva), mas a um ritmo inferior ao daquele. Mas não há apenas que contemplar este aspecto quantitativo do problema: temos também de notar que o aumento do poder de compra no mercado interno é acompanhado por uma modificação na estrutura da procura interna. Cada vez serão mais desejados os vinhos de qualidade, fenómeno que será acompanhado por idêntica evolução na exportação.
Ora esta alteração na estrutura da procura do vinho tem importantes consequências económicas e sociais.
O futuro está, pois, na produção das regiões demarcadas. Nestas, a cultura e o tratamento da vinha são normalmente caros, pela dificuldade de mecanização; a escolha de castas nobres, produtoras de vinho de qualidade, reduz a produção. A preparação de Um vinho típico, característico e de qualidade requintada, onera a vinificação. A conservação e envelhecimento, exigindo tempo, cuidados e aparelhagem especializada, são operações dispendiosas. Mas nas restantes e inqualificadas regiões, normalmente a cultura e tratamentos mecânicos são mais fáceis, verificando-se mais pródigas produções e as graduações são mais elevadas (neste caso, factor primordial de valorização), o que lhes permite uma concorrência mais fácil com as regiões demarcadas.

O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

U Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª é partidário de que se deve fomentar no nosso país apenas a produção dos vinhos de qualidade. Ora a produção desses vinhos faz-se em regiões de fraca produtividade e altos custos de produção, e não são certamente esses vinhos que irão ser destinados a exportação.
Parece que devemos antes fomentar a cultura dos vinhos naquelas regiões em que é maior a produção unitária e em que. portanto, o custo de produção pode ser rebaixado e exercer uma influência importante na balança de comércio e até na de pagamentos.

O Orador: - A exportação de vinho de pasto deverá processar-se na maior escala, mas sempre dirigida à qualidade. Realmente. dada a superfície do País dedicada ao cultivo da vinha, têm-se encontrado dificuldades para a colocação total dos seus produtos, não só no mercado interno como também no externo.
No momento verifica-se uma corta exportação para a Alemanha de um vinho anónimo, de lote incaracterístico. não indo com ele a real valia dos nossos vinhos de pasto. Há uma necessidade, dado o cultivo que poderemos considerar mediterrâneo e portanto limitado, não sómente de se procurar fazer concorrência aos vinhos incaracterísticos de outros países, mas de procurarmos predominantemente uma extensão de mercados cada vez maior para os nossos vinhos de qualidade.

O Sr. António Santos da Cunha: Como acontece na França.

O Orador: - Se continuarmos a manter sómente a exportação com vinhos incaracterísticos, teremos de sofrer a concorrência de preços, pois um produto que não é vendido por qualidade tem de ser vendido em concorrência com os outros mercados exportadores. Se tivermos a preocupação de estruturar o comércio dos nossos vinhos pela qualidade, essa concorrência não se verificaria em tão alto grau. E mais interessante vender valores que vender litros.
Deve procurar fazer-se uma transposição dos vinhos anónimos para as regiões demarcadas. Temos de tomar em atenção essas regiões, que, aliás, não prejudicam as outras. Efectivamente, ternos de ir para uma estrutura de qualidade, para uma imposição dos vinhos de qualidade, pois será com estes que nos imporemos no estrangeiro. Enquanto em França, por exemplo, se procura impor externamente o borgonha e outros vinhos famosos, por cá deparamos com marcas comerciais que nos deixam sem conseguir saber quem é o pai da criança.

O Sr. Proença Duarte: - Hoje, no mercado interno o internacional, o que se procura é que haja um tipo de vinho de não tão alta qualidade que. chegue a todas as mesas e consumidores. Se procurarmos só os vinhos de alta qualidade, vamos restringir o consumo do vinho, porque ele não é acessível a todas as economias neste mundo e neste tempo das economias que se democratizam.
É preciso cultivar produtos que cheguem a todas as economias, ainda as mais modestas, e não são os vinhos de alta qualidade que o conseguirão. Se deixarmos de cultivar os vinhos incaracterísticos como V. Ex.ª os designa, teremos a certeza de que o produto vinho deixa de influir na formação do Produto nacional bruto, e é muito importante que a cultura de vinhos em todo o País continue a exercer influência no quantitativo do produto nacional bruto.

O Orador: - Há uma confusão por parte de V. Ex.ª Eu não disse que se deixassem de cultivar os vinhos anóni-

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mos. Disse, sim, que há uma necessidade premente de valorizar os vinhos regionais.
Quanto ao problema que V. Ex.ª me pôs de que é preciso fazer chegar o produto a qualquer ponto, direi que primeiro temos o produto, em seguida a embalagem e o transporte o no fim de tudo os direitos. Verificamos que o vinho de qualidade em relação ao vinho de menor qualidade chega praticamente ao consumidor externo pelo mesmo preço, pois os valores acima apontados são sempre os mesmos.
A única parte que vai onerar o preço é o custo inicial do produto.
Portanto, nós podemos exportar para o estrangeiro vinhos que vão concorrer com aqueles que já tem o nome consagrado, ou sejam vinhos a que se pode dar o nome. Não são os vinhos anónimos que se estão hoje a transportar em tanques para a Alemanha que podem acreditar os nossos vinhos.

O Sr. Proença Duarte: - Mas esses vinhos representam uma verba importante na nossa balança comercial.

O Orador: - Nós temos de nos preocupar mais em qualidade do que em quantidade.

O Sr. Proença Duarte: - Não sou contrário a que se aperfeiçoe a qualidade, mas sem prejuízo da quantidade.

O Orador: - As regiões demarcadas são regiões com limitado quantitativo e por isso mais razões temos de olhar para. elas e procurar fazer dos seus vinhos vinhos do qualidade.

O Sr. Proença Duarte: - Inteiramente de acordo, mas sem prejuízo das outras zonas em que se cultive o vinho. Era esta ideia que eu queria que ficasse esclarecida.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Acompanhei a intervenção em aparte do Sr. Deputado Proença Duarte e compreendo-lhe a lógica: desde que se postula a democracia política ela pede a democracia dos vinhos.
Risos.
Mas essa democracia vínica tal como geralmente se inculca e pratica, pela degradação dos preços, acarreta graves distorções económicas: afoga os produtos de qualidade; degrada, a fama dos vinhos nacionais. Evidentemente que a par dos vinhos de alta qualidade, sobretudo ligados por garantia de marca de origem, é necessário haver vinhos comuns, mas nunca estes devem merecer protecção legal.
Há sempre uma coisa que estes últimos aproveitam da qualificação dos primeiros o nome do país que os produz.
Os vinhos de qualidade afamada são sempre a ponta de diamante, atrás da qual os menos qualificados melhor podem em sequência acompanhá-los.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Proença Duarte: - Estamos perfeitamente, de acordo. Eu concordo que se valorizem os vinhos das regiões demarcadas, mas que não se pretenda com isso prejudicar «is outras regiões. Se V. Ex.ª entende que se deve fazer uma valorização dos vinhos das regiões demarcadas, não são os outros que lhe vão fazer concorrência. Portanto, que continuem a existir os vinhos das regiões demarcadas, mas que isso não tenha repercussão no plantio da vinha em Portugal.

O Orador: - Neste momento, nem se pode pensar no plantio, o que é necessário é escoar os lotes enormíssimos de vinhos que se encontram nos depósitos da Junta, o que está a causar dificuldades financeiras, porque há milhares de contos que estão estagnados.

O Sr. Proença Duarte: - Devo ainda objectar a V. Ex.ª que, por exemplo, para tratamento dos vinhos do Porto, se destilam massas vínicas do Douro que dão aguardentes a preços que seriam relativamente mais baixos se as adquirissem no Ribatejo ou no Sul. Creio mesmo que poderiam ficar por metade do preço.

O Orador: - Eu não queria entrar no problema dos vinhos do Porto, mas já que O Ex.ª o abordou, eu vou explicar.
Quando se iniciou na região do Douro o fabrico de vinhos do Porto, era através dos seus vinhos que se preparavam com as aguardentes da região. Mais tardiamente, como se começaram a preparar vinhos bastante doces, fomos recorrer ao Sul numa altura em que o Douro tinha uma possibilidade de expansão dos seus vinhos e não tinha necessidade da queima dos sobrantes.
Posteriormente, as circunstâncias modificaram-se, os mercados do vinho do Porto foram reduzidos ...

O Sr. Proença Duarte: - Os vinhos aristocráticos deixaram de ter o consumo que tinham!

O Orador: - O Douro teve necessidade de consumir as suas próprias aguardentes e é exactamente por essa circunstância que a região do Douro, que conheço bem tem belíssimos mostos para a preparação do vinho do Porto e também para a produção de vinhos de pasto. Ora se esses vinhos de tão boa qualidade, como os melhores estrangeiros, fossem exportados, ficaria automaticamente aberta uma posição para as aguardentes do Sul. Como V. Ex.ª vê quando falei de marcas regionais foi com a ideia de uma valorização.

O Sr. António Santos da Cunha: - Eu só pretendia sossegar o Sr. Deputado Proença Duarte, dizendo que, por certo, não estava na intenção de V. Ex.ª, nem de ninguém,. pôr em vigor as disposições do tempo do Sr. Marquês do Pombal, que mandava enforcar quem plantasse vinhas no Sul.

O Orador: - Importa, pois, fundamentalmente, destrinçar e definir concretamente as regiões demarcadas, limitando-as em áreas e características.
Esta é a tendência do mundo vinícola europeu, tal como em Itália. França, etc. Torna-se, pois, necessário efectuar um estudo completo, consciencioso e bem alicerçado neste sentido, para que se legalizem todas aquelas zonas com atributos e direitos àquela designação. São as zonas em que mais necessário se torna a realização de um cadastro, em que as exigências culturais, sobretudo quanto a castas, têm de ser profundas e em que se impõe uma perfeita tecnologia vinária e de envelhecimento.

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: - Tudo tem do ser conduzido com vista a uma valorização do produto pela qualidade, e compete aos órgãos governamentais não só defender aquela qualidade como também acarinhá-la e ampará-la para que a referida valorização do produto se verifique.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Convém frisar que esta valorização não quer significar puramente um preço elevado, mas sim uma rentabilidade económica mais favorável pela obtenção do mais baixo preço do custo do produto, mas nunca esquecendo a sua qualidade.
Nas regiões anónimas, atípicas e incaracterísticas, a produção vinícola deve ser conduzida para uma produção ao mais baixo preço de custo, dentro do uma qualidade aceitável, seja por uma perfeita mecanização de cultura e tratamentos, seja por uma industrialização em larga escala, por forma a onerar o menos possível o produto.
Sintetizada vima estrutura vitícola nacional, dirijamo-nos agora para a vinificação.
Contrista-me muito, quando me é dado apreciar um vinho de origem qualificada, encontrar nele defeitos como casses, acetificação, refermentação, turvação, depósitos, gosto e cheiros anormais, etc., consequências de uma fermentação em condições fora de toda. a técnica vinícola, ou da falta de assistência após a vinificação, isto é, durante o período de amadurecimento do vinho. Quantas vezes, ao visitar uma adega, encontramos a mesma instalada num ambiente de pocilga, em vez do ambiente requerido para um produto de tão elevada sensibilidade. Não quero, nesta altura, deixar de apontar o estado precário de muito vasilhame, causador predominante da acetificação e de outras doenças e defeitos do vinho, que o vêm desvalorizar e, assim, diminuir o encaixe já tão precário do produtor.
Nesta altura estou a perceber, no espírito de muitos, o eterno estribilho: dê-se-lhes técnica; o Governo tem essa obrigação.
Mas o que se julga de tão fácil crítica, neste caso não tem cabimento de base; senão vejamos:
Só a região demarcada do Douro tinha, na média dos anos 1950-1958, 25 819 viticultores, assim distribuídos: até 5 pipas. 18 980 viticultores, ou seja, 75,51 por cento do total; de mais de 5 até 10 pipas. 0180. ou seja, 12,32 por cento; de 10a 25 pipas, 2284, ou seja, 8,65 por cento; de 25 a 50 pipas, 878, ou seja. 8,4 por cento; de 50 a 100 pipas, 893, ou seja, 1,52 por cento; mais de 100 pipas, 154. correspondendo a 0,6 por cento. Não será veleidade querer arranjar técnicos para, no curso espaço de tempo compreendido entre o corte e a vinificação, se poder prestar directamente ao lavrador uma assistência eficaz? Parece-me que sim. Mas dada esta inviabilidade, o assunto deverá ser abandonado? De modo algum.
Posso afirmar que a vinificação de pequenas partidas de uvas é mal fundamental da nossa vinificação.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Eis por que devemos dirigir para as adegas cooperativas, numa 1.ª fase, os pequenos produtores, que serão seguidos pelos restantes vinicultores que o desejem, quando as condições de espaço e armazenamento o permitirem.
Um técnico permanente que desse, assistência a uma ou mais adegas vizinhas poderia prestar um serviço eficaz, que nunca seria conseguido de outro qualquer modo. Por outro lado a adega cooperativa, construída de molde não só a poder vinificar os mostos como também a armazenar os vinhos, permitiria também cuidar da sua conservação e envelhecimento. A adega cooperativa, ainda no campo da produção, deveria orientar os cultivos, os tratamentos anticriptogâmicos, a data da vindima, etc. Também competiria à adega colaborar no máximo da sua capacidade com o grémio da sua área e com os serviços oficiais para a elaboração do cadastro de propriedade.
Julgo nesta altura dever chamar a atenção desta Assembleia para o facto do o Conselho da Europa no anteprojecto da Convenção sobre a produção e comercialização dos vinhos e bebidas alcoólicas elaborado pelo comité de peritos para a produção e comercialização dos produtos da vinha e bebidas alcoólicas, ter incluído, num dos seus capítulos, o estabelecimento do cadastro de propriedade. A esta convenção terão de obedecer, no futuro, todos aqueles que pretendam fazer transacções comerciais com os países do Mercado Comum. Ignorá-la é negar as relações futuras com os países membros daquele bloco europeu. Por tal razão, como acima disse, julguei conveniente apontá-la nesta intervenção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma medida fundamental para a valorização dos nossos produtos, mas que tem grandes implicações, tanto de ordem financeira como técnica. Mas só apoiados num cadastro de propriedade se poderá dar o verdadeiro valor aos mostos entregues às adegas cooperativas pelos seus associados, o que. até ao presente, se baseia praticamente no álcool provável, princípio que sendo no momento a única forma de valorizar o produto, enferma de um erro fundamental - que é o de se antepor o subproduto ao produto, em prejuízo das características organolépticas, características essas que são o fundamento da qualidade do vinho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não quero esquecer que na região do Douro o cadastro já existe e nele assenta o critério de pontuação elaborado em 1947, muito judiciosamente, pelo distinto engenheiro agrónomo Moreira da Fonseca, quando presidente da direcção da Casa do Douro, pontuação essa usada hoje não só para a valorização dos mostos como também para a partilha do benefício. Ora este sistema é aconselhável enquanto outro melhor não for encontrado.
Termino aqui a segunda parte da minha intervenção, para entrar agora na comercialização dos vinhos de pasto.
Sr. Presidente: a comercialização é em grande parte, praticada por empresas (pois que de indústria pouco exercem) sem a conveniente estrutura económica e sem técnica adequadas às suas funções. Limitam-se a comprar o vinho ao produtor, esmagando o preço em prejuízo da qualidade (e quantas vezes do seu estado sanitário), para no dia seguinte o lançarem no mercado .muitas vezes sem a indispensável preparação e o que é mais grave, com uma apresentação o mais imprópria possível.
Interessaria rever a obrigação de stocks mínimos, os quais deveriam ser mais avultados no caso dos vinhos das regiões demarcadas (destinados a apuramento e envelhecimento) e menos exigentes nos das outras regiões. As empresas deveriam também ser obrigadas a um mínimo de condições quanto a instalações e quanto a técnica, com vista a uma melhor apresentação do produto.
A constituição de stocks mínimos mais elevados teria a vantagem de em tempo oportuno permitir o escoamento de uma grande parte dos vinhos da lavoura. Desta forma criar-se-iam empresas sólidas e tecnicamente bem montadas, eliminando a concorrência dos comerciantes aventureiros, que por nada terem a perder só lhes interessa o negócio do momento, sem finalidade e sequência.

Vezes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - O contacto exclusivo do armazenista com responsabilidade junto da lavoura evitaria o aviltamento de preços e formaria uma consciência vinícola só vantajosa para a melhoria do produto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As adegas cooperativas estariam implicitamente incluídas na classe dos armazenistas, com iguais direitos de comercialização tanto nos mercados internos como nos externos.
Desta forma, dispondo-se de stocks capazes, de aparelhagem apropriada e de técnica perfeita, poderíamos atacar os mercados externos com um nível de qualidade, preço e apresentação que os blocos económicos em formação no Mundo exigem e requerem.
Assim terminaria no vinho a retalho a influência dos comerciantes aventureiros e, com eles, a baixa qualidade que, impem normalmente neste sector do abastecimento público.
O vinho encascado que, em regra, se encontra no consumo público, além da dúvida de ser ou não genuíno, é falho de qualidade e, quantas vezes, é fruto de mixordice e de meios tecnologicamente ilegais.
Os problemas bromatológicos que existem no mercado são muitos e mal conhecidos. A escassez (para não dizer falha) de fiscalização tudo permite e torna a fraude apetecida e simplificada. Então em anos de colheitas pouco abundantes ...A colocação dos vinhos por intermédio das cooperativas, ou melhor, da sua federação, directamente ao consumidor seria o antídoto mais eficaz deste mal. Tudo vai em habituar o consumidor a este género de distribuição e em acreditar, pela qualidade e preço, os prestáveis serviços das cooperativas. A comercialização pelas adegas cooperativas seria feita, fundamentalmente, pela distribuição no regime de encascados.
Quanto aos engarrafados e engarrafonados, penso que haveria vantagem em serem reunidas (principalmente para os engarrafados) numa federação regional que dispusesse, além da indispensável e competente assistência técnica, de instalações apropriadas de armazenamento, conservação, envelhecimento, clarificação e estabilização o ainda de um centro de engarrafamento e engarrafamento em estado natural ou gasificado..
Engarrafar o vinho (ou mesmo engarrafonar) exige técnica, especializada e equipamento adequado. Não se pode improvisar, com risco de tudo comprometer. Ou se apresenta bem ou é melhor não se apresentar.
É indispensável a adopção de um ou mais (mas sempre um número reduzido) tipos de garrafa normalizados, factor primordial para o empreendimento. Garrafa branca ou verde muito clarinha, (tipo Reno ou Alsácia) para o vinho branco e a verde corrente para os tintos, mas sempre normalizadas de forma a facilitar a mecanização do engarrafamento, a embaratecer o tipo de rolha (único), a proporcionar a acomodação e o transporte e, até, talvez como principal vantagem, a permuta entre as adegas do material de retorno.
As federações regionais estariam interligadas, e criar-se-iam nas principais centros urbanos estabelecimentos de venda ao público, onde o consumidor poderia abastecer-se de vinhos de todas as adegas cooperativas do País em condições de preço não especulativas, como se verifica muitas vezes na venda dos vinhos através dos estabelecimentos do retalho.
Deste modo, estes centros de abastecimento, que promoveriam as vendas, tendo em atenção as margens de compensação devidas ao comércio do ramo, serviriam com grande vantagem de elemento estabilizador dos preços.
Um ponto que interessa focar e dar relevo é a ausência do conhecimentos, por parte do público interessado, do que é um bom vinho e dos vários tipos de vinhos nacionais. Desconhece-os o público anónimo e consumidor diário; desconhece-os o cliente nos restaurantes e hotéis. Como regra o criado recomenda, força e serve o tipo de vinho que maior «rolha» lhe concede ou menos maçada lhe dá. Admitindo mesmo que, da parte deste, não é o interesse material que o induz nos conselhos que presta, é patente, como regra, um desconhecimento completo em matéria de vinhos, suas qualidades e características, para bem orientar o cliente no vinho a servir.
A criação e preparação de escanções, ou maîtres de cave, isto é, de empregados com o mínimo de preparação e conhecimentos em matéria de vinhos, impunha-se e seria de reconhecido mérito.
É de recordar a iniciativa tomada já neste sentido pela indústria hoteleira, com a coadjuvação da Junta Nacional do Vinho e do Instituto do Vinho do Porto. A escola hoteleira, que funciona, em Lisboa e tem já alguns cursos efectuados, é uma obra de mérito, digna de louvor.
A ideia da criação do museu do vinho, que paira há muito no espírito dos enólogos portugueses e a que o Prof. Cincinato da Costa tem dado todo o seu carinho e apoio, perfilhando-a com entusiasmo, a exemplo do que os Italianos já fizeram em Siena e que os Espanhóis também já realizaram em Vila Franca dei Panadés, muito viria contribuir para a instrução do público neste sentido.
Mas, para se atingir o desiderato aqui exposto, são precisos técnicos em grande quantidade e qualidade. E não é só do técnico enólogo que a adega precisa, mas também do técnico cooperativista, isto é, do gerente que tenha uma noção exacta e perfeita da missão que lhe incumbe o do que é cooperativismo.
Julgo e penso que não seria difícil reunir no mesmo indivíduo as duas especializações, desde que fossem criadas escolas apropriadas àquela finalidade. A iniciativa do Centro de Estudos de Economia Agrária, da Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com os organismos corporativos e pré-corporativos, já encetada, é digna de registo e louvor neste campo. E porque interessava precisamente que aquele técnico tivesse uma actividade permanente e constante durante todo o ano, seria de desejar que o mesmo fosse instruído no campo vitícola, para poder prestar assistência ao viticultor.
Julgo que qualquer coisa está já em marcha no nosso país neste sentido. Segundo me consta, o Centro Nacional de Estudos Vitivinícolas está a montar em Dois Portos uma escola inspirada na que existe em Madrid, do Sindicato da Vinha e do Vinho, na qual se formam não só técnicos com a categoria de condutores para a actividade vitivinícola, conhecedores da teoria e prática indispensáveis à sua missão, como também técnicos agrários (engenheiros ou auxiliares), onde podem fazer, em instalações-piloto bem apetrechadas, estudos ou aperfeiçoamentos
eno-industriais.
Sr. Presidente: quando, há longos anos, a minha actividade se circunscrevia ao sector vitivinícola, foi-me dado verificar que Portugal, país rico de massas vinícolas invulgares pelas suas múltiplas qualidades, produzia vinhos que, na sua maior parte, em nada lhe correspondiam.
Os esforços da Administração neste sector, que não devemos desmerecer, não têm conseguido fazer desaparecer este mal, talvez em razão do parcelamento da propriedade, que se verifica predominantemente nas regiões demarcadas, como também pela intervenção perniciosa de intermediários indesejáveis e de maus armazenistas.
A pulverização do comércio de vinhos de pasto pois só na área do Grémio dos Armazenistas de Vinhos atingiu,

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em 1962, 453 armazenistas, sendo 251 na área de Lisboa e 202 na área do Porto, a que correspondeu uma venda média anual respectivamente de 1109 pipas e 759 pipas por armazenista - é, a meu ver, uma das causas da degradação a que chegou este sector da actividade económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Devia-se, pois, como já tive ocasião de dizer, fomentar a valorização dos nossos vinhos, procurando dentro das regiões demarcadas, existentes e a criar, incrementar a criação de marcas de propriedade - a exemplo da França com o seu Chateau - que seriam transaccionadas directamente pelos seus proprietários. Os restantes produtores, através das adegas cooperativas, deveriam estabelecer, em colaboração com os serviços oficiais, uma classificação de qualidade idêntica ao Cru francês de longa data, como por exemplo na região do Médoc, produtora do Sauterne, que já vem de 1855, quando os vinhos da região foram classificados pelo Sindicato dos Corretores.
A vinificação seria feita, predominantemente, quanto aos pequenos viticultores, através das adegas cooperativas, devendo o Estado facultar todos os meios para o desenvolvimento das existentes e também para incentivar a criação de novas adegas. Estas deveriam ter permanentemente um técnico responsável, sendo necessário, para esse fim, desenvolver-se ao máximo e no mais curto espaço de tempo a sua formação.
A comercialização deveria ser feita sómente através de unidades capazes, o que seria conseguido por uma elevação das existências mínimas obrigatórias.
Julgo que, se assim se proceder, será possível aumentar o consumo no mercado interno, onde a capitação de consumo de vinho é praticamente metade da que se verifica em França, além de que produziríamos vinhos em condições de serem colocados nos mercados externos exigentes e onde só um produto de qualidade se poderá impor.
Creio que, seguindo-se as linhas mestras que acabo de enunciar, além de se debelar em parte a crise de um dos sectores agrários do País, contribuir-se-ia para a valorização da economia nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Teles Grilo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: generalizado o debate sobre a crise da agricultura em Portugal, não podia - eu, como Deputado por uma das regiões menos evoluídas do País. deixar de trazer a esta alta Câmara o meu depoimento acerca de alguns problemas que preocupam o agro transmontano do Noroeste, e em especial a zona abrangida pelos concelhos de Chaves, Vila Real, Valpaços, Vila Pouca, Boticas e parte de Montalegre.
E antes de mais, e como ponto de partida para as minhas considerações, direi que não reputo de verdadeira «crise» o que ali se está a passar, mas de simples e normais consequências de um estado de facto que desde sempre existiu.
Em linguagem da medicina antiga a palavra «crise» significa o ponto culminante no processo de uma doença, ou, mais precisamente, o momento crítico a partir do qual o doente ou morre ou entra em período de melhoria e cura.
Essa palavra passou depois ao campo económico-político, para significar, em termos gerais, e segundo Von Kleinwachter (in op. Economia Política, pp. 444 e segs.), o estado patológico ou de enfermidade da vida económica.
Assim, a crise é sempre dependência necessária de um estado patológico, de uma situação normal de saúde sem perturbações funcionais ou desarranjos orgânicos.
Ora, como é do conhecimento geral, a região do Noroeste transmontano nunca gozou de boa «saúde», do ponto de vista económico-social, com todas as suas implicações agrícolas,- industriais, educacionais e pecuárias. Nunca soube o que fosse evolução, progresso, euforia. Nunca experimentou a ventura de saber-se a caminhar com passos firmes, decididos, rumo às benesses e sortilégios de uma civilização que todos os outros parece já terem descoberto. Nenhum desafogo ali, quase nulo aforro ou poupança, níveis de vida em estagnação ou retrocesso, anseios e esperanças sem títulos de legitimidade, a indústria sem indústria, o comércio à espera - de comércio e a terra a consumir-se na terra, a definhar-se na terra, a morrer na terra!
Onde pois, a «saúde» desta região? Tanto quanto a memória dos homens pode alcançar, ninguém nunca a conheceu!
Disse deste mesmo lugar, em 10 de Janeiro de há dois anos, ao traçar uru quadro do que se passa pelo Noroeste transmontano:
Não satisfaz a sua rede de comunicações, quer por estrada, quer por caminho de ferro.
São deficientes, e em parte antiquados, os meios de transporte.
Está longe, muito longe, do seu termo, a execução de obras para. o abastecimento de água das povoações, e, com maior acuidade, para a electrificação dos médios e pequenos aglomerados populacionais, e isto - o que é realmente de estranhar! - apesar de nesta zona se situarem quatro das nossas maiores centrais eléctricas, com outras em construção.
A propriedade rústica encontra-se muito dividida e dispersa, e regra geral é cultivada à base de processos anacrónicos, que jamais poderão conduzir a resultados satisfatórios.
Os 70 por cento da sua população Activa, que directa ou indirectamente se dedica à agricultura, vive, por vezes, em condições chocantes da dignidade humana, bastando referir, a propósito, e para que se não duvide do asserto, que em grande número do casos essa pobre gente não dispõe dê estradas, nem de água potável, nem de electricidade, nem de telefone, nem de assistência médica ou social, nem de previdência, nem de ensino.
Demais, e para além do próprio teor deficitário da alimentação, é confrangedor o primitivismo da sua habitação, quase sempre acanhada e desprovida das mais elementares condições de higiene e conforto, e onde não raras vezes se vive amontoado, em degradante promiscuidade de pessoas e animais, com todas as inevitáveis consequências para a saúde física, mental e moral das respectivas populações.
Pois bem: se isto é assim hoje, se era assim ontem, se sempre foi assim, se efectivamente a região em referência nunca conheceu outro teor de vida, se a sua agricultura, em especial, jamais deixou de rastejar e exibir a sua crónica mediania, insuficiência e involução, se ela sempre foi doente sem melhoras, se ela nunca viveu verdadeiramente e apenas se tem limitado a vegetar - pergunto como poderá, em tão especiais quanto chocantes circunstâncias, falar-se em crise da lavoura no Noroeste transmontano!

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Não, não há crise. Há apenas o que. sempre houve e que é aquilo que acabo de relatar: uma subsistência de factores de vária ordem a determinar uma situação permanente que já não pode reputar-se de simples conjuntura, mas que em si mesma reflecte, claramente, todo um vasto e complexo problema estrutural dessa lavoura.
A crise, para ser crise, tem de representar algo diferente da realidade habitual, tem de constituir uma qualquer espécie de perturbação ou alteração do que é usual e corrente, tem de surgir como acontecimento insólito, diverso, a sobrepor-se ou a destacar-se do curso rotineiro da vida.
E não é isso, infelizmente, o que acontece naquela região.
Infelizmente, repito, porque se acontecesse era sinal de que antes as coisas estavam ou tinham estado a correr bem!
Atente-se, portanto, na gravidade da situação.
É normal o lavrador só conhecer uma espécie de contacto com os bancos, casas bancárias e estabelecimentos de, crédito, públicos ou particulares: o contacto para a solicitação de empréstimos sucessivos que sucessivamente vão agravar a sua cada vez mais precária situação financeira.
É normal o lavrador ignorar os modernos métodos e técnicas agrícolas que lhe consentiriam aumentar a produção e torná-la mais lucrativa.
É normal o lavrador olhar indiferente ou conformado para a dispersão e pulverização da sua propriedade sem se aperceber de que esse duplo fenómeno constitui, afinal um dos maiores óbices à reestruturação ideal do agro, como ponto de partida, para o autêntico progresso da agricultura.
É normal o lavrador não dispor, no campo, de máquinas, de armazéns, de silos, de meios de transporte adequados, de serventias ou vias de comunicação adaptadas às necessidades da exploração, de assistência técnica permanente e pronta, de assistência financeira atempada e eficiente, e, em casa de electricidade, de esgotos, de água corrente, de abundância, de higiene, de comodidade, de alegria de viver!
É normal o lavrador lançar uma semente à terra para só colher meia dúzia, tendo feito uma despesa que só viria a ser coberta se colhesse pelo menos dez.
É normal o lavrador submeter um terreno a determinada cultura nada lucrativa ou mesmo ruinosa por não saber que as características agrológicas, geológicas e climáticas desse terreno exigiam que lhe fosse destinado um tipo de. cultura totalmente diferente.
É normal, por fim, que o trabalhador agrícola, o jornaleiro, o homem da enxada, para quem o horário de trabalho consiste em baixar o dorso quando o Sol se erguer e só erguer o dorso quando o Sol baixar - receba um salário muito próximo do afrontoso - porque mais o lavrador não pode dar, e mesmo esse só o possa vencei quando o tempo lho permita; normal que ele não goza de qualquer protecção estadual, de qualquer modalidade de assistência ou previdência, nem beneficie de seguros obrigatórios, nem de tabelas de salários mínimos, nem de horários de trabalho, nem de férias pagas, nem de abonos de família, e assim arraste uma existência de verdadeiro pária, com um nível de vida sem termo de comparação, a debater-se permanentemente em faltas e necessidades, e a toda a hora a ruminar na fuga da terra, madrasta no êxodo para uma existência melhor!
E é a esta situação de facto, estabelecida desde o fundo dos séculos, sempre igual, sempre corta, intacta, indeformável, que se teima em chamar de «crise», pomposamente, por luxo fazendo-se crer que antes as coisas corriam de vento em popa às mil maravilhas!
Ora nunca foi assim! Pelo menos no Noroeste transmontano, a que me estou a referir.
Normalidade, portanto, adentro da própria anormalidade.
E um dos aspectos que assume essa estranha normalidade é o da confusão, do abandono, do erro e por vezes do caos em que se processa a cultura da batata nas zonas da região em causa, a ela afectadas, com justo relevo para o concelho de Chaves.
Reporto-me à batata, não só por ser a cultura ali dominante, com interesses de monta a ela ligados, como ainda pela notável frequência com que os produtores, consumidores, compradores, organismos corporativos e o próprio Estado se vêm envolvidos em complicadíssimas situações, donde, por via de regra, só consegue sair-se à custa de considerável sacrifício, quer dos particulares, quer do Estado, e sempre da economia da Nação.
É claro que estas alterações periódicas da normalidade sui generis atrás apontada hão-de ter uma causa, ou mais.
E têm-nas, efectivamente, de ordem genérica, umas, e de ordem específica, outras.
As primeiras, de todos conhecidas, e que já deixei em grande parte enumeradas, concernem à lavoura em geral, ao seu estado de involução ou penosíssima evolução, à ausência ou incipiência da sua mecanização, industrialização e comercialização, ao clima de subdesenvolvimento II inviabilidade que a tolhe, asfixia e lhe determina o rumo incerto por onde vai seguindo, aos baldões, desajeitadamente!
As segundas, conhecidas só de alguns, respeitam à própria batata, desde a sementeira à venda, com percurso por todas as vicissitudes do seu ciclo de produção, e a abranger problemas de transporte, colocação, importação ou exportação, sementes, crédito, preços, taxas, intermediários, etc.
Ora, como a lavoura da região a que venho aludindo está neste momento a suportar as agruras de mais uma daquelas cíclicas perturbações a que soe apelidar-se de «crise» - a meu ver erradamente, atentas as razões expostas - e visto que tal perturbação afecta de modo directo a comercialização e preços da batata, com todo o seu cortejo de más consequências para o equilíbrio económico, social e até político das zonas interessadas, é de flagrante oportunidade que se enumerem as causas específicas do fenómeno, a fim de que, pelo seu exacto conhecimento, possam os responsáveis tomar as medidas reclamadas pela urgente resolução do caso presente, e também das medidas de fundo exigidas para a resolução definitiva do problema.
Pois bem: como principais factores determinantes de todas as crises da batata (usando da terminologia corrente), costumam apontar-se:

1.º A livre importação de batata de semente de polpa amarela, o que, pelo jogo de fixação de quotas de importação determinadas pela quantidade, leva os importadores a inscreverem-se com os maiores contingentes possíveis daquela batata, embora daí lhes não advenham praticamente quaisquer lucros, mas procedendo assim para firmarem posições que lhes permitam importar depois largos contingentes de batata de semente de polpa branca, da qual auferem, segundo os melhores cálculos, um lucro de cerca de 100$ por cada saca de 50 kg!
2.º A falta ou irregularidade de manifestos de sementeira e produção nos grémios da lavoura, com o consequente desconhecimento, pelas entidades que superintendem no assunto, da exacta situa-

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cão do mercado, em cada momento, portanto, dos seus excedentes ou das suas reais necessidades, o que em última análise pode determinar medidas erradas quanto a importação ou exportação. Daí que,
3.º Por sistema da importação da batata de consumo em determinado ano provoque sempre no ano imediato um fenómeno de sobreprodução, pois grande número de lavradores utiliza essa batata como semente, dada a sua barateza e proveniência de regiões mais frias, o que faz aumentar consideràvelmente as áreas submetidas à respectiva cultura.
4.º A existência de inúmeros intermediários, postados avidamente entre o produtor e o consumidor dos grandes centros, com a execrável missão de arrebanhar lucros que moralmente não lhes competem, provocar numa ponta o excesso do preço, noutra o seu aviltamento, e deste modo contribuir em falta escala para a perturbação e desorientação verificadas.
5.º A especial publicidade, através da- imprensa e da rádio, dada à chegada ao País de barcos com batata, quase sempre sem indicação do seu destino (semente ou consumo), às vezes mesmo sem indicação da quantidade, o que, para além de constituir boa achega para aquela desorientação, causa natural estranheza nos espíritos atentos ao problema, já que a mesma especial publicidade não se constata em relação a tantíssimos outros produtos importados.
6.º O pesado gravame imposto pela Junta Nacional das Frutas ao preço da batata entrada em Lisboa e Porto, cobrando a taxa de $07 por quilograma -, o que parece realmente demasiado em atenção à pobreza do produto.
7.º A inexistência de uma rede de armazéns próprios, em quantidade e em qualidade, destinados à recepção e adequado acondicionamento da batata no arranque (em especial a do pequeno lavrador), a que deveria seguir-se um financiamento sério, de modo a libertar o produtor da angústia e do medo do descalabro.
8.º A falta de grandes armazéns de retém nos primeiros centros consumidores - Lisboa. Porto, Coimbra, etc. - que servissem de elementos estabilizadores na política dos preços.
Estas as causas comummente apontadas.
Mas acrescentarei uma outra, específica da região de Chaves, a que, aliás, já fiz aqui desenvolvida referência na minha intervenção de 21 de Março de 1962: a falta de uma unidade industrial para desidratação de vegetais.
Disse então - e suponho que a afirmação não perdeu ainda interesse nem actualidade - que a escolha do local para a respectiva instalação deveria confinar-se exclusivamente às regiões que dispusessem de boas condições para a cultura em grande de produtos hortícolas, visto estes constituírem a principal matéria-prima da fábrica de desidratados, preferindo-se, de entre essas regiões, aquelas em que a água fosse mais abundante e estivesse a ser aproveitada da forma mais racional sol) o ponto de vista técnico-agrícola.
Ajuntei várias outras considerações e argumentos e concluí que no Norte do País era a zona de Chaves a que reunia as melhores condições para nela ser instalada a indústria em causa, pelo que me permitia dirigir um veemente apelo ao Governo, através das Secretarias de Estado da Agricultura e da Indústria, no sentido de que tal instalação fosse ali autorizada e feita, afirmando, a terminar:

O Governo tem agora ocasião, talvez a única realmente séria que se lhe proporcionou no decurso dos últimos 30 anos, de demonstrar a um vasto sector do distrito de Vila Real, e mais concretamente às populações dos concelhos de Chaves e limítrofes, que a má sorte que as tem perseguido nas coisas agrícolas e, consequentemente, nas coisas comerciais, financeiras, sociais, etc., sempre foi motivo de fortes preocupações para os dirigentes da Revolução Nacional, que, por isso mesmo, não podem ficar agora insensíveis à pretensão formulada, nem deixar de realizar a justiça que representa o seu deferimento sem reservas, já que esse acto consubstanciará a solução óptima de há tanto ansiosamente aguardada para os crónicos, difíceis e até à data insolúveis problemas de vária ordem que atormentam, asfixiam e esmagam unia das mais belas, mas também uma das mais duramente, experimentadas regiões do País: a região de Chaves.

Porque hoje, como há dois anos, é o mesmo o condicionalismo económico, social e agrário dessa região, nada mais me resta do que renovar ao Governo o pedido então formulado para que a indústria de desidratação de vegetais venha a ser na veiga de Chaves uma consoladora realidade no mais curto prazo possível!

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: as causas que deixei enumeradas foram, mais uma vez, responsáveis pelo actual período de intensa perturbação ou grave, crise, como lhe queiram chamar, que as regiões flaviense e limítrofes estão a atravessar, e cujo processamento começou a delinear-se a partir de. Dezembro último.
Ora, manda a verdade que se diga que o facto foi desde logo conhecido das entidades oficiais.
Quando naquela data e sem qualquer justificação aparente, o preço da batata começou a descer, passando de 1$10/1$15 para $80/1 $00 o quilograma, o que era absolutamente anormal, visto ela estar a perder peso, o Grémio da Lavoura de Chaves, pelo menos, logo deu conta do evento à Junta Nacional das Frutas, à Corporação da Lavoura e à Federação de Grémios da Lavoura de Vila Real e Alto Douro.
E sabe-se que, por sua vez, a direcção desta Federação de Grémios se pôs em contacto sobre o assunto com a Corporação da Lavoura, que logo intercedeu junto da Secretaria de Estado da Agricultura no sentido de que fossem adoptadas medidas para restabelecer a bondade e equilíbrio dos preços e medidas que aliás, foram expressamente sugeridas, dizendo respeito, em especial, a uma eficiente stockagem com fiscalização rigorosa.

O Sr. Amaral Neto: - Mas deixe V. Ex.ª faltar a batata nacional no mercado e logo os seus comprovincianos terão o gosto de ver vender batata a 2$20 ou 2$401

O Orador: - É exacto.
Apesar disso, o que se fez nesse capítulo, ou não se fez, ou se ordenou que se fizesse, sem se fazer, foi de tal jeito que o mal piorou, a pontos de a Corporação da Lavoura, assediada por ofícios alarmantes oriundos da Beira Alta e Trás-os-Montes, ser levada a insistir com a Secretaria de

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Estado da Agricultura pela urgente solução do problema da batata, dado o avolumar da sua gravidade.
É exactamente, por essa urgente solução que aquelas martirizadas, regiões aguardam, a todo o momento, com penosa expectativa, enquanto vão contemplando, incrédulas e sucumbidas, o reles preço de $80 por quilograma, e menos, que agora lhe oferecem, em gritante e revoltante injustiça quando em comparação com o do 1$80 que o mesmo quilograma vale em Lisboa!
O problema existe, pois, e bem agudo, mau grado as palavras de conforto e esperança que, sobre a rubrica «Batata», trouxe a esta Assembleia S. Ex.ª o Ministro da Economia através da sua fulgurante exposição do passado dia 13.
E se por um lado, a especial natureza do produto reclama solução imediata para a «crise» em curso, por outro, é fortemente evidente que se torna indispensável procurar uma solução de base para o futuro, de modo a regularizar para. sempre uma situação endémica que tanto dissabor, transtorno, prejuízo e desprestígio tem acarretado!
Ora quanto à solução imediata, e uma vez que as coisas atingiram já aquele limite extremo para além do qual só resta ao lavrador cruzar os braços sobre a cabeça e deixar-se ir ao fundo, paulatinamente, como um vulgar símio não se afigura que ela possa ser diversa de outras soluções urgentes que foram adoptadas em transes semelhantes, e igualmente difíceis.
E essa solução é a da intervenção directa da Junta Nacional das Frutas, no sentido de retirar do produtor, o mais depressa possível, a quantidade de, batata que se reputar necessária à consecução e manutenção do perdido equilíbrio no sector da comercialização e preços do malfadado tubérculo.
Tal solução, porém, segundo os melhores dados e informações recolhidos, só se afirmará válida e eficaz se a retirada a executar corresponder a um mínimo de 500 vagões, ou seja 5000 t, e se o respectivo preço não descer para menos de l$20 o quilograma.
Não sou técnico no assunto: mas se se ponderar que a existência actual de batata de consumo nos concelhos de Chaves. Valpaços, Vila Real, Vila Pouca, Boticas c Montalegre deve orçar por 3000 vagões, ou mais expressivamente, 30 milhões de quilogramas, logo se concluirá que o que se pede não é de forma alguma exagerado.
Só pela forma sugerida, ao que julgo supor, poderão ser contrariadas as consequências do lastimoso estado a que se chegou no sector visado.
Em nome das populações interessadas, que aliás tenho a honra, de representar nesta Câmara, daqui dirijo, pois, a S. Ex.ª o Ministro da Economia este sentido e respeitoso apelo, fazendo-o com a antecipada certeza de que ele será ouvido e atendido, ]á que S. Ex.ª, por natural formação, por princípio inderrogável, por consciente respeito aos melhores cânones da governação, e até por encomioso timbre político, jamais deixou de atender uma pretensão justa.
E é justa a pretensão dos lavradores de Chaves e das regiões vizinhas!

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à solução ou soluções de base para esse sempre momentoso problema, é intuitivo que a sua enunciação competirá aos técnicos da economia e da agronomia.
Mas se ao leigo é permitido arriscar uma opinião, ele dirá que na procura de tal solução hão-de assumir sempre importância capital as questões relacionadas, por um lado, com uma eficiente armazenagem na origem e na ponta de distribuição, e, por outro, com a supressão dos intermediários mediante a comercialização e transporte da batata pelo próprio lavrador, devidamente organizado em cooperativas de produção.
Não estará aí o ovo de Colombo de todo este complicadíssimo caso?
Desde que em todas as regiões produtoras de batata de consumo fossem construídos vastos armazéns tipo para recepção e acondicionamento desse produto, dotados dos melhores requisitos da técnica actual e com capacidade para acolher até um terço de toda a produção local, que seria financiada pela Junta Nacional das Frutas; desde que, por outro lado, não se descurasse a construção de grandes e também modernos armazéns de retém nos principais centros consumidores do País, com possibilidades para a constituição de stocks equivalentes a períodos de consumo mais ou menos longos, conforme as circunstâncias; desde que uma amparada, estimulada e desafogada organização cooperativa do produtor lhe permitisse tomar a seu cargo o transporte e comércio da batata, sem dependência dos detestáveis intermediários; desde que, simultaneamente, os demais factores da produção fossem controlados e dirigidos por forma a evitar, sobretudo, fenómenos de excesso ou escassez da mesma produção; desde que tudo isto se consiga - e com aqueles cerca de 40 000 contos despendidos pelo Estado nas suas três intervenções de emergência para retirar batata de Chaves e regiões vizinhas em «nos transactos ter-se-ia já conseguido, certamente, a construção de todos os armazéns necessários à realização dos fins apontados - creio poder afirmar, sem receio de errar grandemente, que estarão então encontradas as bases mestras da solução por tantos e há tanto desejada!

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Mas, repito, são os técnicos que deverão ter a última palavra sobre o assunto, naturalmente.
Sr. Presidente: tudo ou quase tudo o que disse, até este momento, foi sugerido e instigado por um estado de alma em desalento e afinal sequioso de melhores dias para a agricultura pátria.
Falei subjugado ainda pela dura realidade que envolve todo o lavrador no seu manto esburacado, desconfortável e próximo da algidez do finamente.

is, porém, que esses melhores dias são anunciados por um eminente responsável, e em termos tais que nenhuma legitimidade nos resta para duvidar do seu breve, alvorecer.
Foi o País informado das medidas tomadas e a tomar para enfrentar a crise agrícola nacional, e logo ao soçobro e desânimo, já fundamente enraizado na alma e no espírito dos detentores da terra, pôde suceder um forte renascer de esperanças, que, praza a Deus, não venham nunca a ser iludidas, desfeiteadas!
E, assim, para além do deferimento que venham a ter os apelos formulados há pouco, quero, desde já; significar ao Governo da Nação o reconhecimento das populações do Noroeste transmontano pela quota-parte dos benefícios que lhes possam advir da nova política agrícola agora anunciada e, aliás, já em começo de execução.
Mas desejo, muito em especial, manifestar à Junta de Colonização Inferna, na pessoa do seu ilustre presidente, Sr. Eng.º Vasco Leónidas, o aberto e franco agradecimento de todos os flavienses pela obra de extraordinário alcance económico-social que, segundo as melhores fontes, vai essa Junta realizar na veiga de Chaves, à sombra

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do plano intercalar do II Plano de Fomento, e adentro das superiores directivas do Planeamento Regional de Trás-os-Montes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Submeter-se, a regadio mais 1080 ha da ubérrima terra dessa veiga, mediante a execução de dez captações gigantes de água subterrânea e da construção de uma barragem na ribeira de Areossó;
Resolver o problema da recomposição predial da área em causa, bem como o da motomecanização da sua agricultura, além, por meio de uma eficiente operação de emparcelamento, a que acrescerão, para sua completeza, várias obras de beneficiação do agro e das condições da sua exploração e industrialização; aqui, por meio da criação de um parque de máquinas de grande potência, ligado à secção de máquinas da futura Cooperativa- Agrícola de Chaves, e da constituição de associações de vizinhos equipadas com máquinas de pequena u média potência, também enquadradas naquela secção, e todas servidas por oficinas de reparações e escolas de mecânicos e de tractoristas, anexas àquela Cooperativa, mas dependentes da Escola Técnica de Chaves;
Promover o bem-estar rural em toda a zona abrangida pela veiga, e a interessar os seus 22 aldeamentos, pela atribuição às respectivas populações daquele mínimo de comodidade e conforto que as exigências da sociedade moderna fazem situar no plano das coisas indispensáveis à definição de um nível de vida compatível com a dignidade humana, e mínimo esse que se obterá pela beneficiação das habitações, pelo arranjo das ruas e sua pavimentação, pelo abastecimento de água e energia eléctrica, pela dotação com redes de esgotos ou de fossas sépticas e pela construção e arranjo de caminhos;
Despender nestes trabalhos, como julgo estar calculado, A imponente cifra de
75 000 contos;
Realizar tudo isto, assim do pé para a mão, quase sem si: esperar, de tanto se ter esperado, é realizar um autêntico milagre, é operar a revolução ansiada por todos os lavradores da velha Aquae Flaviae, com vista à melhoria geral do seu nível de vida, é autorizar que todos eles possam agora pensar a sério,
dedicar-se a sério à valorização integral da terra, em todos os seus múltiplos aspectos, e por essa via contribuir também para o fortalecimento da economia da zona, e indirectamente da economia da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso estão gratos ao Governo.
Mas ousam pedir - e é o último pedido! -, com os olhos postos no quadro negro que ainda não desapareceu, com o pensamento nos longos, mas bem próximos, dias, meses e anos de privações e faltas, de desolação e endividamento, de improdutivo labor, esperança destroçada u fé perdida, que não seja retardado o início dos trabalhos projectados, a fim de com eles se iniciar também a era de renovação e progresso de toda a região flaviense, como fruto primeiro e apetecido da nova política agrícola oficial.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: subo a esta tribuna exactamente movido pelo mesmo impulso que a ela me fez subir, já não sei se pela primeira vez, aí por 1948, quando se suscitou nesta Câmara um amplo e exaustivo debate à volta do um aviso prévio relacionado com os problemas do pão.
Então como agora vim aqui dar um testemunho e trazer uma palavra de reconhecimento e de conforto e naturalmente de defesa a favor da lavoura da minha região - aquela cuja actividade, agrícola produz os géneros que podemos classificar de pobres (pobres certamente apenas pelo baixo preço por que são pagos à produção): o milho e o leite, que são a base principal (e quase única) da sua economia agrícola.
Os males que então afligiam a agricultura portuguesa e que aqui foram amplamente apreciados agravaram-se enormemente desde então para aquém. Sobretudo, é alarmante o desnível entre o alto preço dos custos de produção e o baixo preço dos produtos. E já por aqui se vê quão oportuno é o aviso prévio que prende neste momento a nossa atenção.
Deste modo, no limiar das despretensiosas considerações que vou fazer impõe-se expressar aqui uma palavra de- homenagem ao ilustre autor do aviso prévio. Sr. Eng.º Amaral Neto, a quem toda a lavoura portuguesa deve estar profundamente reconhecida, e felicitá-lo pela oportunidade da sua - iniciativa, ao que da minha parte acrescentarei o tributo de uma nota de muito apreço e de muito louvor pela sua coragem e pela ampla riqueza e lucidez do magistral trabalho que constituiu a efectivação do seu aviso prévio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: provenho da terra c à terra estou ligado por laços tão apertados que sinto na minha carne e na minha alma, com particular acuidade, os sofrimentos e as atribuições, sem conta e sem medida, que a todo o momento afligem u gente dos campos, aquela que ainda persiste - e de cada vez vai rareando mais - apegada à rábica do arado por fatalidade de um destino que se lhe antolha impossível de modificar ou de vencer e por isso lhe faz perder a esperança de melhores dias.
Essa gente perdeu a fé numa melhoria de condições de vida. Tornou-se descrente, céptica. Vai morrendo com ela a alegria dos campos. Sente-se ofendida e, o que é pior, humilhada.
Ao proferir estas palavras tenho os olhos postos especialmente numa parte do nosso continente, no Norte; e até principalmente no Noroeste, na Beira Litoral, em Aveiro, onde se produz, essencialmente, além do vinho, o milho e o leite.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Os pequenos lavradores proprietários ou rendeiros, que são a imensa maioria dos trabalhadores dessas terras, vivem realmente ofendidos e humilhados. Ofendidos - porque vêem os seus mais sagrados direitos postergados ou mal defendidos e os produtos do seu trabalho pagos por preços que estão longe de corresponder a uma compensação justa do esforço despendido e do capital empregado. Humilhados - porque se sentem diminuídos na sua personalidade e até na sua dignidade perante os seus concidadãos do mesmo nível, mas com vida económica mais desafogada.
Vivem tristes, irresolutos e descrentes.
Com estes é, pois já quase impossível contar.
O pior de tudo é ainda o deplorável exemplo que esta vida sem esperança incute nos que vivem em sua roda e deviam ser para futuro a garantia de uma continuidade de esforços no amanho da terra que a todo o pano importa preservar e defender.

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Esses, testemunhas presenciais das angústias e das misérias que acabrunham os pobres chefes das suas casas, não sentem qualquer impulso para tomar o mesmo modo de vida; e é hoje frequentíssimo ver em numerosas famílias de pequenos lavradores caseiros ou proprietários não seguir qualquer dos seus membros a actividade dos pais.
O êxodo rural tem assim o sentido de uma espécie; de «libertação», como quem se desprende de pesadas grilhetas a que estivasse amarrado.
Neste caminhar não virá longe o tempo de os campos ficarem desertos, abandonados, incultos - atraída a sua gente para- actividades que, mais rentáveis ou não, lhes proporcionam, todavia, um estalão de vida social mais compatível com as preferências do mundo de hoje. E não haverá então leis de sesmarias que façam regressar essa- gente aos campos.
Deste modo, a crise da agricultura não é apenas de sentido económico, mas também e muito acentuadamente de sentido moral e social, se assim posso definir aquele estado de permanente desalento, de inferioridade e de frustração que é o clima psicológico característico do viver e do morrer do modesto e do pequeno lavrador - e tanto do proprietário como do rendeiro - do Norte do Pais, se não mesmo do País todo.
Mas, além disso, ao avaliar-se a crise da agricultura nunca se deverá esquecer também a crise agrária. Uma palavra, pois, sobre ela.
Sr. Presidente: visando a região do continente para que estou voltando os olhos, a crise agrária expressa-se pela excessiva dispersão e fragmentação da propriedade rústica, exactamente ao invés do que se observa no Sul do País, onde a propriedade se apresenta demasiadamente concentrada.
A resolução da crise «agrária parece, pois, que se pode operar pela resolução do problema de estrutura da propriedade, tendo em conta a sua natureza, as suas aptidões e a sua dimensão, por forma a encontrarem-se unidades capazes de assegurar uma exploração agrícola económicamente viável.
Na sessão de 19 de Janeiro de 1962 ao intervir na discussão da proposta da lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica, tive então ensejo de me prenunciar abertamente, a favor do regime jurídico do emparcelamento, ao mesmo tempo que preconizei a conveniência de se caminhar também, com o cuidado preciso, mas ,resolutamente para o parcelamento da propriedade demasiadamente concentrada -, o isto não só para se criarem possibilidades de acesso à propriedade de mais densas camadas da população como ,também para aumentar o produto nacional no sector da agricultura.
Visei então que eira imperfeita a estrutura da nossa propriedade rústica e que se impunha, por isso, fazer a reorganização agrária para se evitar o pior dos males, que seria a revolução agrária.
Ainda hoje, Sr. Presidente, estou convencido da actualidade daqueles meus juízos: e por isso aqui os reedito, por se me afigurar também que não são descabidos dentro da matéria do debate que nos está ocupando.
A constituição de unidades de exploração agrícola de suficiente dimensão para se tornarem econòmicamente viáveis há-de ser, pois um processo que se antevê promissor para a fixação de agregados familiares à terra portuguesa em ordem ao seu melhor aproveitamento e à sua melhor defesa contra os males de que. enferma actualmente.
Penso, porém, que a resolução deste aspecto do problema só se vai operar a longo prazo, talvez mesmo muito à distância; e de qualquer modo não se apresenta como remédio heróico para que os problemas que atormentam a população agrícola portuguesa se resolvam de uma vez só pelo seu uso e utilização, muito menos no plano imediato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, há que atacar mais de perto as verdadeiras causas da crise agrícola que nos aflige e as quais através deste debate têm sido postas a descoberto com iniludível clareza, nomeadamente pelo ilustrado autor do aviso prévio através do seu magistral trabalho.
Creio, porém, Sr. Presidente, como já disse, que a crise agrícola não é só de natureza económica, mas também social e moral.
Sabemos que os nossos agricultores vivem pobres. Mas também sabemos que vivem tristes. E isso é dramático.
Aquele slogan de ser a agricultura a arte de empobrecer alegremente está há muito fora da realidade.
Estaremos mais próximos da, verdade se dissermos que a lavoura, esta a que me estou referindo, pelo menos, passou a ser «a arte de empobrecer ... mas tristemente».
Há, portanto, além de uma crise de natureza económica, uma crise de natureza social e moral. E talvez esta não seja menos acentuada e menos nefasta que aquela; e por isso mesmo carecida de diagnóstico e de terapêutica adequada.

O Sr. Amaral Neto: - Tem toda a razão.

O Orador: - Com efeito, Sr. Presidente, o homem da terra, aquilo que se chama ainda na minha região o lavrador, vive, além do desprotegido, de certo modo segregado e diminuído.
Na Beira Litoral e também no Entre Douro e Minho existe, como se sabe a zona de maior densidade da população ou uma das de maior densidade. São por isso intensas as actividades ligadas aos diferentes sectores, mas com predominância para as do sector secundário.
Deste modo, criou-se para esses sectores mais afortunados um estilo e um estalão de vida a que o modesto lavrador não pode chegar.
Por outro lado, a protecção e as garantias e regalias que vêm sendo concedidas aos trabalhadores da indústria e do comércio, e também das artes, em contraste com a total carência de protecção e regalias aos que trabalham a terra ou aos pequenos lavradores, que sendo juridicamente senhores dela, são de facto seus escravos, criaram na mentalidade do rural um verdadeiro complexo que o inferioriza e o humilha perante o seu semelhante das outras artes.
O rural sente-se diminuído perante os seus compatrícios, com a vaga noção de que pertence a um sector inferior da sociedade de que faz parte.
Por isso mesmo, Sr. Presidente, como já aqui disse uma vez, ao abordar estes temas, impõe-se promover sobre os trabalhadores da terra - os tais a que me refiro e a todos quantos se sintam diminuídos na sua função - uma melhoria de nível moral e social e muito especialmente um trabalho de verdadeira recuperação psicológica, chamando-os por todos os meios que estiverem ao nosso alcance à realidade da sua função útil à sociedade, da sua função utilíssima, e da sua cooperação imprescindível à sobrevivência da grei, em ordem a recobrarem o sentimento dessa sua utilidade, a noção perfeita do seu valor no concerto do agregado social e familiar, fazendo-lhes compreender a dignidade e até a beleza da vida rural e a grandeza do seu

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sacrifício, tudo de modo que se convençam do especial valimento da sua tarefa.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Penso, assim, que se impõe iniciar uma campanha de recuperação social e moral da gente dos campos; e que essa campanha deve ser imediata e conduzida utilizando-se para o efeito todas as formas de propaganda e sobretudo de persuasão e de convencimento pelos largos meios de que a publicidade moderna pode lançar mão, desde a família à Igreja, da Igreja à escola, ao grémio, à Casa do Povo. à imprensa, nacional e regional, à T. S. F., à televisão, ao cinema, à conferência, à palestra, ao diálogo, à palavra, ao contacto directo, pessoal, feito por aqueles que, ainda possuídos de fé, de esperança e de optimismo, possam incutir nos cépticos, nos indiferentes, nos descrentes, não apenas palavras de conforto, de consolação, de resignação, mas sobretudo notas vivas de crença, de satisfação, de alegria, de reconhecimento pela missão de verdadeiro alcance social que compete àqueles que dedicam o seu trabalho honesto e abnegado à cultura dos campos para que, na palavra lapidar do Sr. Presidente do Conselho, «tenha cada boca o seu pão». E que a F. N. A. T. desça das oficinas aos campos para trazer aos rurais um momento de distracção e alegria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É um trabalho que urge, repito.
Mas também julgo - ai de mim! - que esse trabalho de promoção social e de recuperação moral e psicológica demanda um trabalho prévio de ajustamento económico, com certeza imprescindível aos seus resultados e êxitos.
Sim, antes e acima de tudo, parece que li á necessidade de atacar e se possível resolver a crise no seu aspecto económico.
Na verdade, se a crise agrícola é um tanto crise agrária e ainda mais crise moral e social, é sobretudo crise económica.
Com certeza a lavoura é vítima de uma defeituosa estruturação agrária; sofre, seguramente, de crise moral e social por vencida, descrente e humilhada na sua função perante os servidores das outras artes e dos outros sectores; mas sobretudo está empobrecida na sua economia. E por isso o que antes e acima de tudo se impõe é vencer a crise no aspecto económico.
Claro que a primeira condição para tal se conseguir reside ria maior e melhor valorização dos produtos da terra, quer seja conquistada através da redução dos custos de produção, quer em consequência do aumento, de produtividade, quer por motivo da melhoria de preços dos produtos, quer. finalmente, em resultado da conjugação do todos ou de alguns destes factores.
Certo é que outros factores podem concorrer adjuvantemente para aquela valorização: intensificação da mecanização e motorização da agricultura: uma melhor comercialização dos produtos: um sistema de industrialização capaz; mais completa organização da lavoura: mas, ao fim e ao cabo, todos estes factores se contêm mais ou menos implicitamente naqueles outros.
Por isso mesmo, as medidas que se impõem, por forma imediata e urgente, para se tentar debelar a crise agrícola no seu aspecto económico, são com certeza, todas quantas conduzam a uma maior e melhor valorização dos produtos da terra, nomeadamente dos produtos característicos daquele sector do mapa agrário nacional que estou mais especialmente contemplando - o milho e o leite.
As jornadas cerealíferas u leiteiras vieram trazer um raio de esperança à lavoura milheira e leiteira. Foram essas jornadas, sem qualquer dúvida, uma iniciativa de toda a oportunidade e um sucesso de organização; e estes méritos devem-se, com certeza, e em primeiro lugar, à organização corporativa da lavoura, mais propriamente ainda à Corporação da Lavoura, que a lançou e lhe imprimiu o elevado interesse nacional de que se revestiu.
Porém, no aspecto das conquistas imediatas, em ordem à satisfação de certas reivindicações da lavoura, nada se conseguiu, a não ser aqueles magros $10 para o centeio e os $20 para o leite nas áreas do Porto e de Lisboa.

O Sr. António Santos da Cunha: - Que não corresponde à realidade, porque não houve, de facto, um aumento ao produtor.

O Sr. Amaral Neto: - Havia um subsídio que foi retirado e substituído por um aumento.

O Orador: - Tudo o mais ficou como estava. Mas em compensação logo se fez subir, e de forma bem sensível, o preço das sémeas e dos adubos; e esta atitude, que até parece revestida de certa ironia, chocou profundamente a lavoura e, o que é pior ainda, afectou em certa medida, e não talvez em pequena escala, o prestígio da própria organização da lavoura, amargurando-a até nos seus brios, como se depreende das palavras do presidente da Corporação na sua célebre entrevista à Radiotelevisão Portuguesa. Não está certo. A primeira medida de protecção que se impõe é justamente a do reajustamento, ao nível actual e à escala conveniente, dos preços dos cereais e, do leite.
Até por motivos de prudência ou mesmo de defesa nacional para horas de emergência, devemos tudo fazer para que se não abandone a cultura do milho; mas é certo e seguro que essa cultura irá sendo sucessivamente votada ao abandono, se entretanto não se estabelecer uma melhoria de preço do produto em relação ao preço mínimo por que o toma actualmente a Federação Nacional dos Produtores de Trigo. E também não será com a manutenção dos actuais preços atribuídos ao leite que se estimulará a obra de fomento pecuário que se intenta levar a efeito. E para essa obra oxalá se resolva de uma vez por todas a precária situação em matéria de vencimentos dos médicos veterinários municipais. Não, assim não chegaremos lá; u eu quase temo que deixe de se chamar à minha região de Aveiro a Holanda portuguesa, só porque aconteça vir a desaparecer do conjunto da sua paisagem singular uma das notas mais expressivas, dada pela presença do claro-escuro das suas vacas turinas.
Por consequência, o que acima de tudo se impõe como medida mais urgente e necessária é o estabelecimento de preços mais compensadores e mais justos para os produtos agrícolas.
Este objectivo e esta preocupação devem vir à cabeça de todas as iniciativas com que se tente remediar a crise agrícola.
Sr. Presidente: da exposição que o Sr. Ministro da Economia mandou a esta Câmara, e que constitui um elemento do maior enriquecimento deste debate, ressalta, como uma das suas conclusões mais salientes no plano do fomento da agricultura, a necessidade, de uma melhor comercialização dos produtos, servida pelo indispensável e complementar apoio industrial.
Por certo ninguém poderá negar a lucidez deste juízo: e, sem qualquer dúvida, a conquista destes objectivos vai possibilitar em larga medida uma apreciável melhoria de valorização dos produtos da terra.

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Desejaria, porém, que essa comercialização e essa industrialização se processassem no seio da própria lavoura, através da sua organização própria e característica, sem a intromissão de intermediários, para que seja ela própria a colher os benefícios resultantes da adopção dessas medidas de mais intensa e perfeita comercialização e de maior e mais eficaz apoio industrial.
E penso que a lavoura, através da sua organização, está apta a tomar um seus ombros essa tarefa, desde que as estações oficiais lhe não falhem com o seu apoio técnico, económico e financeiro e também, o que é muito importante, com o calor do seu apoio moral.
Os grémios da lavoura e suas federações ou uniões não têm apenas, como se sabe, funções de ordem social e de ordem política. Tem também funções de ordem económica; e a minha experiência do muitos anos de presidente de um grémio da lavoura, prova-me que são ainda essas funções aquelas através das quais os; grémios da lavoura melhor se fazem creditar perante os seus próprios associados.
Essas funções estão bem patentes, quer no articulado da Lei n.º 1957 quer através do regulamento consubstanciado no Decreto n.º 29494. Enumerá-las seria, por isso, fastidioso.
Entretanto permita-se-me sempre que recorde as suas atribuições mais salientes neste sector, como, nomeadamente, a de auxiliar e promover a colocação e venda dos produtos agrícolas dos seus associados, a de possuir armazéns, celeiros, adegas, máquinas, etc., bem como a de montar instalações ou serviços de interesse comum dos agremiados e, em suma, a de contribuir por todos os meios ao seu alcance para o desenvolvimento económico e aperfeiçoamento técnico da produção agrícola, com o fim de melhorar as suas condições económicas e sociais.
E todo um vasto programa de organização e de acção, desde que cumprido nos seus múltiplos aspectos e nas suas inesgotáveis possibilidades, nomeadamente quando, como vai acontecendo por todas as regiões do País, a organização corporativa da lavoura já se completou pelo estabelecimento das respectivas federações de grémios e pela criação, no cimo da pirâmide, da Corporação da Lavoura.
Desejaria, por isso, repito, que fosse cometida, à organização corporativa da lavoura, como quem diz aos grémios da lavoura ou suas federações, papel preponderante no programa de comercialização e industrialização dos produtos da agricultura ao formular-se o Estatuto do Comerciante anunciado na exposição do Sr. Ministro da Economia.
Está a organização, como se mostra, devidamente aparelhada já, no plano jurídico, para tomar a seu cargo, orientação e responsabilidade, o desempenho dessas tarefas, que como também se vê, estão na base da sua própria razão do ser.
O problema que se pode pôr é apenas o da sua capacidade financeira e administrativa em ordem a poder assumir com a necessária competência e eficiência essas novas ou aumentadas tarefas.
Está a organização da lavoura apta a bem desempenhar aquelas funções? Penso. Sr. Presidente, que se o Estado lho não faltar com o necessário apoio financeiro a organização da lavoura dispõe de um corpo de dirigentes e de servidores e, em suma, de uma capacidade administrativa verdadeiramente à altura de bem desempenhar essas tarefas.
Poderia dar a tal respeito exemplos vários, como a condução da campanha para a importação directa de, batata de semente por intermédio das federações de grémios, a campanha de colocação de gado para abate directamente nos matadouros, etc., mas quero deter-me essencialmente, apenas num, seguramente dos mais importantes e dos mais espectaculares, que é o serviço do abastecimento de leite à cidade do Porto e outros aglomerados urbanos limítrofes, levado a efeito pelos grémios da lavoura de Entre Douro e Minho através da sua Federação.
É esse um serviço que se pode considerar-modelar. E já aí por 1961 tive ensejo de nesta Câmara o apontar a consideração do País e do Governo..
Iniciado em 1959, contando, por isso apenas cinco anos de existência, tem-se mostrado tal serviço perfeitamente apto aos fins para que foi montado, tendo-se conseguido através dele, como é do perfeito conhecimento das instâncias oficiais mais ligadas ao problema, maior - consumo de leite em natureza e melhor sanidade o higiene do produto - bens estes que por certo serão do maior apreço.
A bilha inviolável foi sem dúvida uma das maiores conquistas para essa melhoria de condições higiénicas e sanitárias do leite.
E essa inovação deve-se exactamente à iniciativa da Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho.
Mas, Sr. Presidente, a montagem desse serviço só foi possível através da entrada em vigor na área da Federação do regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 39178, de 20 de Abril de J953, mandado aplicar na referida área por despacho ministerial publicado em 14 de Janeiro de 1957. Por esse regime, instituído pelo mencionado decreto-lei, deu-se satisfação a uma antiga e justa aspiração da lavoura produtora de leite, cometendo-se aos grémios da lavoura o exclusivo da instalação, manutenção e exploração dos postos de recolha e de concentração do leite e obrigando-se os produtores a fazer a entrega nesses postos do leite destinado tanto ao abastecimento público como à indústria.
Para tanto, criou-se uma deusa rede de postos, que, na área a que me estou referindo e apenas no que respeita à zona e subzona de abastecimento de leite à cidade do Porto e aglomerados urbanos vizinhos, atinge o número total, de 224, achando-se já instalados definitivamente 208.
O novo condicionamento relativo à recolha e comércio do leite instituído pelo mencionado decreto-lei do mesmo passo que deu satisfação a uma velha aspiração da lavoura de dispor ela do produto mais apetecido da sua indústria, veio pôr cobro a todo um clima de concorrência desleal entre industriais interessados nessa recolha, e por isso mesmo possibilitar a conquista de um ponto de equilíbrio entre os interesses da produção, os do consumo o os da indústria, visto que nos seus articulados se contêm as disposições necessárias à harmonização desses interesses.
Dir-se-ia, ter-se atingido, com tal regime, o equilíbrio necessário à conjugação desses interesses díspares. Certo, porém, é que a indústria, sentindo-se desalojada de posições que pudera, obter antes da instituição do dito regime, jamais se conformou com a sua instituição e por todas as formas ao seu alcance procura destruí-lo, opondo à sua execução as maiores dificuldades.
E o que é pior é que esta luta tem sido de certo modo incentivada com base em medidas legislativas, como, nomeadamente, a Portaria n.º 19 086, o Decreto-Lei n.º 48 418 e, mais recentemente, a Portaria n.º 19 966, de 24 de Julho do ano findo, cabendo assim ao Governo graves responsabilidades na campanha de destruição do sistema, instituído pelo Decreto-Lei n.º 39 178.
Está o dito regime a ser sabotado continuamente e o que é pior, a lei da sua instituição a ser violada a cada

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20 DE FEVEREIRO DE 1964 3301

passo com conhecimento dos órgãos encarregados de velar pelo seu cumprimento, sem que eles tomem as providências necessárias a pôr-se cobro a semelhante estado de coisas.
A lavoura da produção leiteira está naturalmente inquieta e justificadamente alarmada com o que se vem passando a tal respeito e o que anseia e o que pede insistentemente é que se mantenha em toda a sua profundidade e extensão e que se alargue às demais regiões do País o condicionamento estabelecido pelo referido Decreto-Lei n.º 39 178, cuja experiência vem sendo sucessivamente adoptada nas zonas de Lisboa, Santarém. Évora, Viana do Castelo, Braga e Porto e muito brevemente na Beira Litoral, com resultados que excedem as mais exigentes expectativas, como acontece na área do Entre Douro e Minho, e muito especialmente na área do Porto e suas zonas e subzona de abastecimento, como se acaba de demonstrar.
Sr. Presidente: são termos correntes no sector agrário e no sector agrícola o ordenamento, a reconversão, a rentabilidade e outras fórmulas que exprimem conceitos por certo da maior oportunidade para a resolução dos nossos problemas de economia agrícola e agrária. Pensa-se, porém, que a adopção dessa terapêutica só a longo prazo é que há-de vir a mostrar os seus efeitos.
Para já porém, importa que se tomem medidas de efeito mais imediato, como nomeadamente o desenvolvimento de uma campanha sistemática pela mecanização e motorização da lavoura.
A adaptação da máquina à terra, e sobretudo da máquina motorizada, tem-se vindo operando por um processo demasiadamente lento; e por isso mesmo se torna mais reparada a escassez de braços no amanho da terra.
Bato-me. Sr. Presidente, desde há muito, por que se dote o agro nacional com os parques de máquinas que tornem o seu amanho menos penoso e mais produtivo.
Por certo que aos grémios da lavoura está reservado um apreciável papel para a intensificação da mecanização e motorização da lavoura; mas por via de regra não têm os grémios possibilidades económicas para criar esse equipamento e o manter em devida e correcta forma. É pois urgente que o Estado, ou seja toda a colectividade, através dos seus serviços, desça aos campos com bom espírito e com ânimo de levar a efeito a obra que se impõe neste capítulo, dotando o País com o equipamento necessário a formação de um parque de máquinas utilizáveis pela indústria agrícola à escala verdadeiramente nacional.
Desejaria porém que em toda essa obra de reconversão, de ordenamento, de modernização dos processos da agricultura fossem os grémios da lavoura convidados a colaborar activamente, não só por serem os depositários mais qualificados das aspirações da lavoura como por poderem dispor de um pessoal de direcção e de serviço por via de regra cheio da melhor boa vontade de prestar desinteressada e abnegadamente o seu desvelado concurso em prol da comunidade.
Sr. Presidente: vou terminar: e já não cansei pouco a benévola atenção de VV. Ex.ªs Ao concluir reafirmo que há que preservar e defender a organização cooperativa da agricultura dos ataques ou dos males que a afectam ou podem vir a afectar.
E desses o maior mal será, seguramente, o destituí-la de funções, desprovê-la de sentido e esvaziá-la de conteúdo.
E preciso, portanto, que se não restrinjam as funções que são específicas dessa organização, e antes se alarguem e ampliem na medida do possível e do desejável, tornando-as extensivas a mais amplas actividades e fazendo-as projectar sobre mais largos sectores da economia agrícola e agrária.
Formulo este voto ao descer desta tribuna, no final destas minhas descoloridas considerações, convencido desta verdade, que, embora comezinha, constitui motivo de justificada preocupação: fazer corporativismo agrícola ainda será a melhor forma de evitar que se venha a fazer algum dia, em nossa terra, o pior de tudo. que seria o colectivismo agrário.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Martins da Cruz.
Armando José Perdigão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
James Pinto Bull.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
António Barbosa Abranches de Soveral
António de Castro e Brito Meneses Soares.

ntónio Tomás Prisónio Furtado.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Jacinto da Silva Medina.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos B essa.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes

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Quadrou a que se referiu o Sr. Deputado Engrácia Carrilho no seu discurso:

Comparação do produto agrícola bruto com o produto nacional bruto (segundo o Instituto Nacional de Estatística)

[Ver quadro na imagem]

Composição do produto agrícola bruto (segundo o Instituto Nacional de Estatística)

[Ver quadro na imagem]

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20 DE FEVEREIRO DE 1964 3303

Percentagens das produções vegetal e animal em vários países da Europa no quinquénio 1955-1959

[Ver tabela na imagem]

Percentagens do número de empresas familiares nos vários distritos do continente ( segundo o Instituto Nacional de Estatística )

[Ver tabela na imagem]

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