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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 133

ANO DE 1964 22 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 133, EM 21 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 128 e 129 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente..
Receberam-se na Mesa os elementos requeridos na sessão de 16 de Janeiro findo pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira, a quem foram entregues.
O Sr. Presidente propôs que se erarasse um voto de pesar pelo falecimento do pai do Sr. Deputado Moreira Longo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alves Moreira, para um requerimento, e Costa Guimarães, sobre o problema do trânsito rodoviário.

Ordem do dia. - Continuação do debate, sobre o aviso prévio acerca da crise agrícola nacional e as medidas tomadas para a enfrentar.
Usaram, da palavra os Srs. Deputados André Navarro, Sousa Meneses, Martins da Cruz e Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Alaria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.

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Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram, 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 128 e 129 do Diário das Sessões, para efeitos de aprovação. Se algum dos Srs. Deputados desejar fazer qualquer reclamação sobre eles, é o momento de a deduzir.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, estão aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio da, Lavoura de Alandroal, a apoiar intervenções dos Srs. Deputados Amaral Neto, Nunes Mexia e Cutileiro Ferreira.
Do Sr. Carlos Melo, acerca da intervenção do Sr. Deputado Alfredo Brito sobre viticultura.
De diversos chefes de contabilidade de Lisboa, de congratulação pela intervenção do Sr. Deputado Carlos Coelho.
Da direcção da Federação dos Grémios da Lavoura do Porto, sobre a intervenção do Sr. Deputado Alberto Brito acerca de viticultura.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira na sessão de 15 do Janeiro findo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Soube agora que morreu o pai do nosso colega Sr. Deputado Moreira Longo. Proponho que na acta fique exarado um voto de sentimento pelo triste facto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alves Moreira.

O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«No uso da faculdade conferida pelo n.º l.º do artigo 95.º da Constituição e de acordo com as disposições regimentais, requeiro me sejam fornecidos os seguintes elementos pelo Ministério da Educação Nacional:

1.º A enumeração das escolas comerciais e industriais do distrito de Aveiro existentes e daquelas que porventura estejam planeadas para breve execução; o número de alunos inscritos nos anos de 1050, 1955, 1960 e seguintes e dos que terminaram os respectivos cursos; o número de alunos que prosseguiram os seus estudos nos institutos comerciais e industriais;
2.º O número, de alunos inscritos nos mesmos anos no Liceu Nacional de Aveiro e o daqueles que terminaram o 7.º ano; igualmente, se possível, o número dos que seguiram cursos superiores e dos que transitaram para os institutos comerciais e industriais;
3.º O número de alunos provenientes do mesmo distrito inscritos nas escolas agrícolas nos anos acima citados e que terminaram o respectivo curso.»

O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o problema instante e candente do nosso trânsito

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rodoviário, com ritmo de crescimento que todas as circunstâncias indicam ser aceleradíssimo, apresenta-se, pelas implacáveis consequências de consecutivos acidentes, como um flagelo humano cujo ataque não admite dilações. São sucessivas perdas de preciosas vidas ou, quando assim não sucede, penosas incapacidades, permanentes ou transitórias, de elementos indispensáveis à valorização da própria vida. É esta tão dolorosa e triste realidade que nos determina uma chamada mais da atenção das entidades responsáveis para que se tomem providências urgentes, seja de carácter legislativo, fiscalizador ou repressivo, que oponham um dique vigoroso à tão dolorosa e alucinante progressão dos acidentes rodoviários.
Bem estimaria - que esta minha breve intervenção fosse destituída de toda e qualquer oportunidade, mesmo até descabida ou injustificada, em consideração ao facto de que já nesta Assembleia se processaram válidas è judiciosas considerações e até recomendações, através do oportuno aviso prévio do nosso muito ilustre e respeitado colega, brilhante decano da vida parlamentar nacional, o Dr. Paulo Cancella de Abreu, a cuja iniciativa me cumpre render viva homenagem, com os sentimentos de respeito e reconhecimento.
Afigurando-se-me que tal aviso prévio não repercutiu em apetecida e esperada iniciativa de todo um conjunto de medidas que contemplassem o problema, penoso espectro duramente estigmatizado pela macabra qualificação de «sangue na estrada», é que me permito relembrá-lo.

ai já um ano decorrido sobre a sua efectivação, e, porque assim é, entendo oportuno formular o fundado e veemente desejo de ver surgir medidas concretas em correspondência ao que então se pedia ou sugeria, tanto mais que muitas delas se não apresentam com manifesta dificuldade de pronta execução. Há, na verdade, que agir, que criar uma consciencialização responsável, para que o País não continue no cume da delinquência, ou inconsciência rodoviária europeia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Relembro ainda que o ilustre avisante encerrou o debate de então sem proferir uma moção de ordem, identificando-se, em tal atitude, com a expressão de nobreza, elegância e delicadeza política que sempre caracterizaram a sua exemplar e elevada conduta parlamentar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Expressamente referiu o Sr. Dr. Cancella de Abreu que, em obediência a um espírito de digna coerência, não formulava uma desnecessária moção concreta, pois não seria por ela faltar que o Governo deixaria de seguir o caminho que o debate lhe sugeriria, acrescentando ainda que uma moção em forma, especificando regras ou soluções, poderia embaraçar o Governo, se quisesse ser fiel à doutrina ou ao voto que nela se exprimisse, por não poder consegui-lo em consideração de razões imponderadas ou supervenientes.
Ora porque grande número das sugestões dimanadas de tal aviso prévio se apresentam com premente e viável necessidade de concretização, se justifica esta minha intervenção de insistência, certo como estou de que para os objectivos visados não bastam as oportunas e significativamente proveitosas operações stop, que só pecam poise limitarem aos centros urbanos e arredores, ou as medidas de sinalização nocturna promulgadas pelo Decreto-Lei n.º 45 299, ou ainda as pertinazes e brilhantes campanhas de alarme e recomendações da muito louvável
iniciativa de certa imprensa diária como de outros organismos, com especial destaque para o Automóvel Clube de Portugal, que ao problema do trânsito tanta atenção têm dedicado.
Comungando com tantas e tão procedentes preocupações, daqui lanço mais este modesto mas vivo apelo às instâncias responsáveis, muito especialmente a S. Ex.ª o Ministro das Comunicações e à Direcção-Geral de Transportes Terrestres, no sentido de urgente promulgação de alterações legislativas que as circunstâncias determinem, inclusive a revisão de medidas punitivas e, sobretudo, e muito especialmente, para que se promova um intenso reforço da fiscalização das nossas estradas por substancial aumento do quadro da polícia respectiva, pois com a existente só é de admirar que já tanto se faça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Lembramos que é na indisciplina da estrada e no desrespeito das regras da sua utilização que está o âmago de todo o problema. E para o obviar, só uma intensa fiscalização repressiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem me espraiar em detalhes que não importam a esta breve intervenção, não resisto contudo à tentação de recordar particularidades curiosas, em verdadeiros anacronismos do trânsito, como é, por exemplo, o da velocidade limite dos veículos de carga, que raramente é satisfeito e as mais das vezes controlado, embora para tal exista uma placa indicativa da qual bem se pode dizer estar lá apenas para inglês ver.

O Sr. Manuel João Correia: - Muito bem!

O Orador: - É ainda o da localização de tantas e tantas placas de sinalização de paragens de veículos de transportes colectivos, onde as distâncias mínimas a pontos de circulação perigosa se apresentam desrespeitadas. Neste aspecto a nossa estrada n.º 1 -Lisboa-Porto - oferece flagrantes curiosos, bastando-me referir o caso expressivo de uma dessas placas de sinalização se localizar quase em cima de um cruzamento.
De uma maneira geral entendo relembrar os aspectos fundamentais, bem conhecidos, da necessidade de revisão dos sistemas de exames de condução, do seguro obrigatório de todos os veículos, de periodicidade de testes mecânicos obrigatórios das viaturas, da sinalização própria na retaguarda de todos os velocípedes, do sistema de concessão de cartas a menores,, da fiscalização rigorosa nocturna, etc., sem esquecer até a indispensável atenção que se deverá votar a uma intensa campanha de defesa do silêncio, nas nossas principais zonas de turismo, eliminando, nessas zonas, as pragas dos escapes e buzinas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim e em remate, e porque julgo interpretar os anseios desta Assembleia, aqui deixo a urgente recomendação para que o trânsito seja tratado em correspondência às exigências que da Nação se demandam, mesmo ainda que essas exigências se reflictam em sacrifício dos próprios utentes da estrada. Que se tomem, por conseguinte, prontas e drásticas medidas que reduzam ao máximo tantos e tão lamentáveis desastres, com significativo benefício para cada português e para todos no conjunto da Nação, pois que, sobretudo esta, a mais

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lesada, não poderá continuai indiferente à perda inglória de tantos e preciosos valores que tão caros lhe suo. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio sobre a crise agrícola nacional e as medidas tomadas para a enfrentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: pelo enunciado do aviso prévio posto perante esta Câmara pelo ilustre Deputado Eng.º Amaral Neto e pela exposição feita por este nosso colega, analisando, com a maior elevação, problema de tão alta complexidade, é de concluir que a situação difícil em que se desenvolvem nos tempos actuais as actividades agrícolas especialmente a cerealicultura do Sul, constitui, ide facto, óbice de grande relevo, a dificultar o progresso da economia agrícola, em paralelo com o crescimento já verificado nos domínios das actividades industriais, impedindo, assim, que se acentue o desejado desenvolvimento económico e social do País.
Antes de abordar tão vasto como complexo problema, procurando esboçar soluções para estes males, depois de apontar o meu modo de ver sobre algumas das causas das principais maleitas, que tão duramente têm atingido a economia, já muito depauperada, de alguns sectores das actividades agrícolas nacionais, ponhamos perante VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os limites restritos em que proponho realizar a minha modesta intervenção.

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - E desde já desejo confessar que as dificuldades do problema em causa são tão grandes que, decerto, o meu engenho será insuficiente para, no curto espaço de tempo desta intervenção, abordar problema de tão vasta extensão como de tão alta complexidade.
Assim, ponhamos uma primeira questão para definir as fronteiras do nosso estudo, por forma a limitá-lo ao possível, tanto quanto a latitude como a profundidade de análise.
Qual o espaço económico em que nos propomos fazer então a indispensável prospecção genérica? Primeira questão a considerar.
A seguir, qual o sector da actividade produtiva a que desejamos circunscrever este estudo?
Quanto à primeira questão posta, cingindo-nos às directrizes mestras da nossa política económica, diremos que a análise será feita à escala do todo nacional, sem qualquer restrição quanto a localizações geográficas dos territórios agricultados - ou florestados, continentais ou insulares.
Apenas para facilitar a análise projectada, a observação dos dados do problema será efectivada a um nível que permita eliminar pormenores que não afectem grandemente o rigor das conclusões de carácter geral que pretenderemos tirar no decurso desta exposição.
Quanto ao segundo ponto focado, isto é, o que se refere ao sector a que desejamos circunscrever a nossa observação, será intenção nossa ser apenas, de facto, o primário o dissecado. Isto não quer dizer, porém, que não haja de referir, para mais rigorosamente poder tirar conclusões, alguns aspectos dos domínios vizinhos - o de certas indústrias correlacionadas com as actividades agrícolas, bem como o de serviços igualmente a elas associados e também mesmo sondar nas infra-estruturas em que estes sectores se apoiam algumas das possíveis causas dos males e de certos desequilíbrios de fundamento, que afectam actividades dominantes da agricultura e da silvicultura nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Assim, procuraremos destrinçar, nos seus aspectos mais salientes, as componentes da crise que tanto vem afligindo quota-parte dominante da população activa lusa, disseminada esta por vários continentes e territórios insulares, procurando, tanto quanto possível, em cada caso, definir a profundidade e a extensão dos desequilíbrios verificados, bem como a perspectiva da evolução dos mesmos nos tempos decorrentes.
Fala-se hoje, talvez, mais da crise dos cereais do Sul do território e na dos lacticínios, isto no que se refere no continente; nas do cacau, no ambiente tropical, u menos, possivelmente, na do vinho, na da batata, na do azeite ou ainda na do arroz; na do café, na dos óleos tropicais, na do sisal e outras ou na do ananás, estas últimas produções nos domínios do ultramarino ou do insular continental.
Isto, todavia, não significa que os males agrários não atinjam também em breve, ou não tenham atingido ainda recentemente, essas e outras actividades ligadas ao cultivo da terra, hoje, porém, em situação de aparente desafogo.
Se observarmos, por outro lado, a natureza dos clamores oriundos do agrário e que têm chegado até às altas esferas da governação, verifica-se que há sempre um denominador comum que se fixa como origem de todos os males que o afligem: os preços baixos por que são valorizados a maior parte dos produtos da terra - preços alguns deles condicionados pelo poder central ou então pelas organizações dele dependentes, ou ainda, quando livre o seu comércio, sujeita a valorização destes produtos, como se diz, a uma delapidação consequente da excessiva multiplicação de intermediários entre quem os produz e quem os consome. E ainda, de realçar, como genérico, o desnível acentuado entre esses preços e os daqueles que correspondem a produtos que os agricultores têm, forçosamente, de satisfazer para poderem subsistir e para fomentarem ou apenas, até, manterem as suas explorações. E esta posição precária, mesmo valorizando o seu labor e o do alheio que associa ao seu trabalho, por preço nitidamente inferior ao que se verifica nos sectores industriais ou dos serviços. A agravar, ainda, esta situação acentua-se que os sectores de actividade secundária e terciária, no seu conjunto, não absorvem, ainda, os saldos do primário, e daí procurar boa parcela de mão-de-obra agrícola territórios de outras nações, para o exercício da actividades mais remuneradoras.
E talvez seja ainda de destacar, em relação ao caso português, que parte importante dessas correntes migratórias passarão, dentro de breves anos, como se afirma, a ser alimentadas por uma juventude bastante mais evoluída, e em que parte importante dela contactou, também, com certa intimidade, com o ambiente dos trópicos nos domínios do ultramarino. E estaria ela, assim, por isso, em condições de poder, com a maior utilidade para a Nação, ser fixada em núcleos agrários a estabelecer em zonas subpovoadas do ultramar português.

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Não serão, todavia, os clamores a que acabamos de nos referir de origem semelhante aos que se levantam a partir de outras regiões agrárias do mundo civilizado?
Não será assim este concretamente, guardando é claro a relatividade de posições, o caso dos cerealicultores e - dos cultivadores de algodão dos Estados Unidos?
Toda a política americana de protecção à agricultura, transferindo para a nação, a partir de certo momento, os encargos consequentes dos deficits permanentes de inúmeras explorações agrárias cerealíferas e algodoeiras, não terá tido, de facto, o mesmo fundamento económico?
E os desastres confessados, além dos não confessados, pelos responsáveis das explorações colectivistas russas ou chinesas não virão demonstrar que a crise das actividades rurais ainda se torna mais grave quando se aniquila ou se estiola, a iniciativa privada por via do um dirigismo exagerado?
E mesmo em referência à agricultura excepcionalmente evoluída, debaixo do ponto de vista técnico, da Europa ocidental, a crise que atravessa presentemente e que ameaça fazer ruir os próprios alicerces do Mercado Comum, não virá também denunciar idênticos pontos de partida quanto à origem dos desequilíbrios agrários já denunciados, isto é, que a produtividade não poderá nos domínios do agrário evoluir com a mesma celeridade que se tem verificado no sector das indústrias?
E já não falo do que se passa quanto à, crise do agrário para lá da «cortina de bambu» porque para essas bandas, das índias e Indonésias e que jau dos, domina uma escravatura de fácies semifeudal em que o empresário não conta mesmo ou tem em pouca conta a saúde moral e física dos seus empregados, quer no ambiente dos campos, quer no das oficinas.
Isto quanto a aspectos mais salientes.
E bastará aprofundar um pouco mais esta análise para virem então à tona do conhecimento inúmeros outros desequilíbrios, cujas causas não diferem muito das já denunciadas. Será assim o caso, por exemplo, da crise de fruticultura norte e sul-americana. consequente, em parte, depois da guerra, do aparecimento de novos e perigosos concorrentes nos dois hemisférios, e ainda o da avicultura do novo mundo, colocada em presença, nos grandes mercados consumidores, da progressiva indústria avícola europeia, especialmente da alemã e da dinamarquesa, etc.
A agravar todos estes males que atingem a cultura da terra, a indústria agrícola, por índole o natureza, falha de maleabilidade e de reflexos rápidos, luta com o evoluir imprevisível de novas modas impostas pelos ditadores da «arte de bem comer» e «de bem vestir» o ainda com as correntes de sucedâneos que surgem a cada momento nos mais variados domínios, como no do plástico e de outros sintéticos oriundos do trabalho do homem no vasto sector da química industrial.
Fibras sintéticas substituindo, por exemplo, em escala incomensurável, lãs, sedas e algodões e até flores de plástico, deslocando das jarras aristocráticas e plebeias rosas, cravos, tulipas e orquídeas; material isolador sintético ocupando na construção civil o lugar tradicionalmente reservado à cortiça, já não falando das rolhas de milhões de garrafas; aglomerados e aglutinados diversos, com ou sem colas, retirando as madeiras dos seus usos típicos. E digamos, à laia de previsão, a própria substituição de lautas e - completas ementas, que já se antevê, por sintéticas pílulas contendo, à base de algas, tudo o que uma agricultura diversificada poderia fornecer a uma humanidade com gostos e costumes dos mais variados c exigentes.
Eis, assim, alguns dos aspectos mais característicos das preocupações que afligem o empresário agrícola contemporâneo, e, como vemos, há uma quase identidade do posições quanto a causas das maleitas agrárias, entre povos evoluídos e não evoluídos, entre populações insulares e continentais, entre indígenas de novos e de velhos mundos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A crise agrícola é, assim, como parece ser, de facto, um fenómeno de carácter geral, fonte contínua de preocupações e que atinge quase todos os povos da terra.
E à medida que o homem, no uso e abuso do solo, delapida o seu potencial produtivo, que o emprego da máquina intensifica, mais se agravará a crise que atinge o cultivador da terra.
Se, por um lado, as sobreproduções regionais originam crises graves, as subproduções, mais generalizadas, derivadas da pobreza do meio ou da deficiência dos meios de produção, geram crises ainda mais graves. E de ambos os aspectos temos tido, em Portugal, exemplos de tais maleitas e, digamos, encontrado também, na nossa organização, paliativos para as atenuar.
Vejamos, então, depois destas palavras prévias qual seria o sumário da nossa intervenção, para se poder adaptar ao espírito que presidiu à apresentação do aviso prévio em causa e será talvez agora também mais fácil definir os limites que propomos para a nossa análise.
Dentro desta finalidade, sejam os seguintes os títulos do sumário da nossa intervenção:

1. Os males que afectam a cerealicultura da comunidade lusa;
2. A pecuária, fonte muito rica de possibilidades, mas, inexplicavelmente, abandonada ou desprezada nos planos de fomento agrário das actividades nacionais;
3. A fruta como fonte de riqueza nacional de excepcional valia na valorização de zonas circunscritas, mas extensas, do nosso território;
4. A viticultura industrial de produtos de qualidade e de baixo custo de produção, como sector a desenvolver nas zonas alentejanas de mesologia propícia para estes cultivos, especialmente onde se pensa realizar evolução profunda de reconversão agrária;
5. A silvicultura considerada como solução ideal para corrigir desmandos do homem no uso e no abuso da terra, e como fonte valiosa de réditos em extenso território, quer do temperado, quer do tropical. Sua influência dominante no equilíbrio da natureza e na economia das explorações agrárias;
6. As culturas tropicais de larga projecção no mercado mundial; Como realizar o seu condicionalismo por forma a evitar que flutuações periódicas de preços, nos grandes mercados mundiais, atinjam intensamente a economia dessas regiões;
7. A motorização e mecanização, grave maleita do agrário dos países de terra pobre, e, finalmente, problemas de crédito, de assistência técnica e de extensão agrícola, como base do sucesso ou causas do insucesso das iniciativas a levar a cabo nos domínios da agricultura dos países mediterrâneos.

O problema do pão digamos por outras palavras, o dos cereais panificáveis. é um dos que mais preocupam, e com toda a pertinência, os responsáveis pelo desenvolvimento económico do País, pois ele atinge, em extensão de ter-

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ritóvio e número de braços activos ocupados neste labor, valores significantes, correspondendo a cerca de 25 por cento do produto nacional bruto. Daí serem os regimes cerealíferos instrumentos legais do maior significado na política agrária da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E tudo nos leva a crer que o consumo de pão tenderá, durante largo tempo ainda, a aumentar, no que se refere ao espaço nacional, e por forma bem expressiva.

A evolução das dietas no sentido do um maior predomínio dos azotados em relação aos hidratos de carbono será, de facto, lenta e gradual nas províncias da metrópole e do ultramar, devido ao facto de o pão ser alimento de excepcional valor e em que as unidades nutritivas são de preço relativamente baixo.
O problema do consumo de cereais panificáveis interessa não só o contingente de população branca e negra, que hoje já o consome e a que corresponde razoável capitação, mas também, embora ainda com carácter apenas potencial, as populações indígenas das províncias de África que, em período relativamente curto, constituirão sector em que o pão virá também a constituir elemento fundamental das suas ementas.
Deveremos, pois, assim, contar, nos tempos mais próximos, não com um declínio na capitação do consumo de pão no nosso país, mas, antes pelo contrário, como disse, com um aumento substancial do seu uso.
Três possíveis linhas de rumo poderão ser então trilhadas ao procurar eliminar o deficit de cereais, que desde épocas muito remotas da nossa história pesa fortemente sobre o erário nacional.
Assim, ou se extensifica e intensifica a cultura, procurando levar o cereal panificável a todas as áreas com razoável aptidão para a produção destas gramíneas, tendo em atenção o nível dos custos, por forma a não ultrapassar o poder de compra das populações, e, seguindo esta rota, haverá apenas que eliminar a cultura dos cereais em regiões onde a ecologia defina inaptidão que pelo seu valor, a contre-indique, ou, então, se encaminha a agricultura nacional no sentido de reservar para a cerealicultura apenas os territórios mais férteis da metrópole e do ultramar, e haverá que ser feita profunda reconversão cultural e admitir elevada importação de trigo. Esta política acentuará a tendência para o consumo de trigo em prejuízo dos outros cereais panificáveis, mesmo nas regiões onde é tradicional o uso do centeio e do milho.
Finalmente, uma terceira hipótese - a de orientar a resolução deste problema no primeiro sentido exposto, mas admitindo, como de resto se verifica em países dos mais evoluídos da Europa, a existência de um pão popular fabricado à base de cereal de mais baixo preço e de adaptação, também, mais fácil a terras menos ricas. É o caso do pão de centeio, dominante em certos países europeus, ou do pão de mistura de cereais. O pão estreme de farinha de, trigo poderia, nesta hipótese, olhando ao destino do seu consumo, - ser valorizado por forma a cobrir o custo de produção do trigo cereal, sempre mais exigente, quanto a fertilidade das terras, e de cultura mais dispendiosa.
De resto, não seria difícil introduzir esta norma, tendo em atenção o facto de parcela importante da população portuguesa ter já, de longa data, o hábito do consumo destes cereais.
E não insisto na intensificação do uso do milho nesta solução, pois considero que, num futuro mais ou menos próximo, este cereal constituirá matéria-prima excepcionalmente valiosa para diferentes usos industriais, especialmente quando o milho híbrido tenha sido difundido, como se espera, nas regiões mais propícias para o seu cultivo, incluindo os novos regadios do Alentejo, e o milho de sequeiro tenha dado, em larga escala, lugar à cultura do trigo ou do centeio nos terrenos de encosta, guardada a reserva dos terrenos facilmente erosionáveis.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A orientação de aceitar a hipótese de uma profunda reconversão cultural acompanhada de elevadas importações de trigo, solução por alguns defendida para permitir ao consumidor, segundo pensam os seus autores, ter a sua disposição um pão mais barato, seria, segundo julgo, atitude excepcionalmente perigosa para a economia da Nação e ilusória quanto aos fins sociais que se pretendia atingir.
Além de desequilíbrio ainda mais acentuado na balança comercial, com os consequentes e imediatos reflexos no nível da existência das classes populares, a importação maciça de cereais panificáveis representaria grave prejuízo para a segurança dos meios de defesa da Nação, na hipótese de conflito armado que viesse dificultar o abastecimento de cereais oriundos de territórios de além-mar.
A experiência de duas guerras, à escala mundial, no século que decorre, é suficientemente elucidativa para não se voltar a cometer erro tão grave.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A atitude de defesa que a Rússia soviética está presentemente a adoptar, importando quantidades maciças de cereais americanos, em troca do ouro extraído das suas ricas minas, leva-nos a antever que se avizinham tempos sombrios de vacas magras.
Foi em idêntico clima de incertezas que, após o findar da guerra de 1914-1918, vários países europeus entraram francamente no caminho do desenvolvimento de fortes autarquias económicas.
As batalhas do trigo de Itália, da Espanha e de Portugal não tiveram então nem outra origem nem outro fim. Essas batalhas, a que o clima em que foram iniciadas garantiu completo êxito quanto a níveis de produção global, tiveram, porém, em prazo curto, reflexos assaz perniciosos. Refiro-me ao despertar, em escala significante, da catástrofe da erosão dos solos agrícolas. A admirável concepção de Linhares de Lima não teve também em Portugal, infelizmente, a necessária continuidade nos domínios da política agrária conducente a, conservação da fertilidade dos solos agrícolas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só em relação ao território português não será exagerado admitir que perto de 1 milhão de hectares ficou, em grande parte, despojado, a partir dessa época, dos seus horizontes de maior fertilidade, e mais acentuadamente nas manchas facilmente erosionáveis do Alentejo, da Estremadura e do interior continental.
Fenómeno análogo se verificou também nas províncias africanas, especialmente em consequência da extensificação das culturas do milho e do algodão. O acréscimo das restingas junto dos litorais foi e é aí sintoma nítido dessa grave maleita.
Mas não se julgue que estes males que apontamos não se verificaram também em alto grau em países cuja agricultura é tecnicamente mais evoluída.

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Assim, não teve outra origem o decréscimo acentuado da produtividade das grandes zonas cerealíferas norte-americanas, despertando ainda, como reflexo de desequilíbrios da natureza devidos a cortes abusivos das florestas, uma vaga gigantesca de infortúnios nesse grande e progressivo país. Este é o caso das cheias catastróficas dos seus principais rios e das tempestades de pó, levando a esterilidade superfícies infindas, outrora férteis territórios de pão e de carne.
Assim, insisto, não foram apenas os países de imo caro os que lutaram pela extensificação da cultura dos cereais. Outros houve que também o fizeram, embora, é certo, com outra finalidade. E quer nuns casos, quer noutros, as nações tiveram de suportar as delapidações que o exagero da extensificação determinou. Que sensatos foram assim, na realidade, os velhos e laboriosos cultivadores do sequeiro português, quando defenderam, contra inovações ainda não suficientemente experimentadas, a «atitude agrária» do pousio mais ou menos prolongado das suas terras.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - E isto na luta pela integridade de um capital que, uma vez delapidado, leva gerações e gerações a reconstituir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não deixo também de lembrar, para esclarecer melhor o panorama do passado e do presente. em relação a este complexo problema, os enganadores resultados a que poderão conduzir indiscriminadas campanhas de motorizacão das lavouras, em territórios em que a ardência dos climas queima, rapidamente, a matéria orgânica que estrutura e fertiliza as terras.
Este panorama que, nas linhas gerais, acabamos de desenhar leva-nos a admitir que, esgotados os solos mais ricos das terras negras russas, balcânicas e americanas do Norte e do Sul, novos escalões de terras menos férteis terão de ser lançadas no cultivo de cereais panificáveis. Assim, julgo sensato o caminho que preconizamos de introduzir, mais largamente, nos solos menos férteis, a cultura do centeio, base de um futuro pão popular. E como forma de fixação de braços e de melhor aproveitamento de mão-de-obra e consequente acréscimo da produtividade do trabalho, impõe-se paralelamente, a divulgação, nos territórios mais adequados do Sul metropolitano, da fruticultura e da viticultura; a primeira modalidade, especialmente, a partir de espécies mais aptas para a secagem e outros aproveitamentos industriais e a segunda à base, fundamentalmente, de castas de mesa, precoces e de meia estação, ou de variedades próprias para a indústria de sumos de uva de alta qualidade.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos solos pedregosos de nulo interesse arvense ou frutícola, seriam valorizados, então, pelo revestimento florestal, utilizando para tal conforme as regiões, carvalhos, pinheiros ou eucaliptos, procurando completar com espécies apropriadas as respectivas associações botânicas, por forma a garantir a melhoria da fertilidade dos solos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Procedendo desta forma, o País assistiria a uma reconversão lenta e gradual, mas segura, sem diminuição apreciável das áreas dedicadas à cultura cerealífera, que iria ocupar os territórios onde a cultura poderia ser efectuada com riscos muito menores, especialmente ao Norte e Centro litorais.
Quanto ao regadio, alimentado pelas grandes obras de hidráulica agrícola em execução no Alentejo e pelas pequenas albufeiras que se poderão multiplicar largamente em diferentes regiões do Sul do País, terá, certamente, económico aproveitamento a partir da horticultura o da floricultura nos seus mais variados aspectos e de uma cultura forraginosa que seja apoio de uma pecuária intensiva, bem como ainda de cultivos de plantas industriais.
O sucesso desta planificação dependerá, contudo, em grande parte, da resolução dos problemas de extensão agrícola e de assistência, técnica, bem como da racionalização do crédito, aspectos que versarei noutra altura desta intervenção.
Mas não só do pão vive o homem ...

O Sr. Pinto de Mesquita: - Mas sem ele também não vive ...

O Orador: - ... Este conceito é slogan de todos os tempos e também dos actuais tempos.
Na realidade, atendendo ao menor valor nutritivo do pão hoje fabricado segundo os ditames da moda fixada pelos ditadores da «arte de bem comer», é slogan que tem, na realidade, sério fundamento nutricional.
Contudo, mesmo o pão fabricado com as características do antigo pão caseiro de. farinhas de ramas é incompleto como alimento único. E por isso é também de todos os tempos o completar tão precioso alimento com vários adjuvantes, entre os quais sobreleva, pelo seu valor alimentar, a proteína animal - carne, peixe, ovos ou leite, variando o seu uso conforme possibilidades de aquisição e gostos tradicionais dos povos.
Compreende-se, assim, que andem intimamente associados os problemas das produções de cereais panificáveis e o das proteínas de origem animal.
País, como o nosso, com territórios espalhados pela montanha, pelo planalto e pela planície, indo do temperado frio ao quente e do subtropical ao tropical e equatorial; territórios, ainda, acentuo, banhados sempre por um oceano, fértil em espécies ictiológicas. não deveria haver dificuldades de maior em resolver o caso do deficit de proteínas na alimentação das- classes menos abastadas do País.
Contudo, contra o que seria de esperar, uma das circunstâncias que mais têm debilitado sectores extensos de população continua a ser, de facto, a baixa capitação deste alimento nas respectivas ementas.
E a causa deste defeito tem sido sempre o preço elevado da unidade proteica em relação ao poder de compra do português menos abonado, branco ou negro. Isto é a conclusão geral a tirar da análise deste problema, certo que em diversos casos particulares haverá também falta de conhecimentos dietéticos entre a gente menos culta. Mas estes casos particulares não invalidam o geral.
O quebrar, pois, deste círculo vicioso - não se consumirem, na escala devida, proteicos de origem animal, pela circunstância de o baixo poder de compra do consumidor não o permitir, e não se conseguir reduzir o custo de produção destes alimentos por o baixo consumo não facultar o conveniente dimensionamento. económico das empresas produtoras - só poderá conseguir-se, na realidade, pela melhoria do poder de compra dos trabalhadores, função do acréscimo de produtividade do trabalho.
E isto em todos os sectores - primário, secundário ou terciário.

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Assim, o fomento da pecuária, ou da pesca, ou das empresas dedicadas à produção de leite ou de ovos dependerá, em grande parte, do crescimento económico do País. Mas será também factor de sucesso de grande relevância no que se refere à pecuária, além do acréscimo de possibilidades forraginosas, o valor das próprias «máquinas animais» produtoras, permitam-me a expressão, máquinas que é necessário que sejam dotadas de elevada produtividade e se estabeleça ao mesmo tempo infra-estrutura adequada para que as empresas agro-pecuárias possam trabalhar em condições favoráveis de gestão.
As deficiências da rede frigorífica e de matadouros adequados e das indústrias que realizem aproveitamento de subprodutos, como ainda das indústrias de transportes terrestres e marítimos, são, só por si, quando se verifiquem, suficientes para. impedir o sucesso deste tipo de empresa.
E nos domínios da pesca, a organização da indústria e da infra-estrutura em que se apoiam todas as actividades deste tipo empresarial são tão importantes no resultado económica final como a própria fertilidade dos, oceanos em espécies piscícolas de valor destacado. A solidez da nossa organização, devida ao génio realizador do almirante Tenreiro, constitui bom fundamento das melhores esperanças. A distância, dos mercados de consumo não constituirá, certamente, óbice para estas actividades. Haja em vista a forma como trabalham as frotas japonesas em mares quase antípodas do respectivo território nacional.
Temos, assim, que fazer uma programação cuidada deste sector do fomento - o da pecuária e o da pesca - em todo o seu complexo conjunto, por forma que cada parcela de actividade produtiva possa realizar, com segurança, o seu próprio programa de produção e de distribuição.
Será, assim, do efectivar nas províncias africanas, além da racionalização da indústria da pesca, II exploração pecuária à base de bovinos e de ovinos, incluindo, possivelmente, a produção de peles de ovinos da raça caracul. Cerca de 1 milhão de hectares, desde Benguela ao Cunene e territórios extensos no Sul e no Norte de Moçambique, podem constituir base de uma exploração pecuária tão progressiva como a que já hoje se verifica nos territórios vizinhos.
Haverá que considerar ainda as elevadas contribuições da pecuária bovina c ovina dos territórios do Norte e do Sul continentais e das ilhas adjacentes. Quanto à exploração suína, só se justificará acrescê-la, substancialmente, nas regiões que permitam condições de. produtividade semelhantes àquelas que se verificam em vários países do Norte da Europa, pois não deveremos esquecer que, dentro de breves anos, será livre a circulação destes produtos em todo o conjunto europeu.
Em relação à crise que se tem notado noutros produtos proteicos de excepcional valia, destaco o estudo e as conclusões a que chegaram, quanto ao leite e lacticínios, os intervenientes do interessante colóquio estabelecido no decurso das primeiras jornadas cerealíferas e leiteiras.
Dele se conclui algo sobre a necessidade urgente de uma programação cuidadosa destas actividades, entrando em linha de conta com a comparticipação que pode ser dada, na. resolução deste problema, não só pela produção açoriana, como também pelas actuais regiões produtoras da metrópole e aquelas a beneficiar pelos novos regadios, que se antevê poderem cooperar, por forma destacada, quer no fornecimento de leite em natureza, quer na produção de leite industrial.
E do relato desse valioso colóquio se deduz ainda que, além de determinados ajustamentos necessários de preços, haverá que promover a cooperativização da lavoura, especialmente nas regiões onde dominem as pequenas explorações agro-pecuárias, como nos Açores e na Madeira e em todo o território do Norte e Centro litorais e ainda no circundante do principal centro consumidor do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta cooperativização é fundamental para a recolha, beneficiação e preparação do produto para a venda em natureza, ou para transformação subsequente, na Indústria dos lacticínios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como se verifica, as possibilidades de resolver em Portugal o problema da deficiência de proteicos nas ementas, isto em relação às classes de menor poder de compra, são numerosas, sendo, julgo, relativamente fácil, por conveniente conjugação de actividades e de interesses, melhorar muito ás características deste circuito económico, hoje eivado de numerosos obstáculos que conduzem a um encarecimento exagerado destes produtos, com prejuízo nítido para o produtor e para o consumidor.
A política que está desenvolvendo, presentemente, o Ministério da Economia permitirá, estou disso certo, acertar este rumo há tantas décadas desviado do norte orientador. E, assim, passemos ao capítulo imediato - a fruta, II flor e o produto hortícola.
Portugal, jardim da Europa à beira-mar plantado, na expressão do poeta.
E digo, mesmo, verdadeiro vergel da Europa podia, de facto, sê-lo esta nesga peninsular, mas, infelizmente, já não o é.
Até ao momento um que o parasita oriundo de terras estranhas do Novo Mundo não maculou pomos, hesperídeos ou drupas e que a navegação e a indústria frigorífica ainda não tinham aberto, aos grandes mercados europeus, novas fontes de produção dos dois hemisférios, foi, na realidade, Portugal, além de terra de vinhos preciosos e generosos, o grande produtor de frutas da Europa, de superiores qualidades sápidas.
Hoje, porém, salvo os citrinos moçambicanos, as flores da Madeira, as bananas da Madeira, de Moçambique, e de Benguela, ananases dos Açores, amêndoas e figos do Algarve, amêndoas do Douro, castanhas de caju de Moçambique, algo de uvas de Vila Franca e Carregado e melão do Ribatejo, a fruticultura e floricultura nacionais não tem outras intervenções valiosas no comércio internacional deste importante sector.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, a Saint Michael orange dos Açores, como vários outros portugalos oriundos de diversas regiões produtoras estrangeiras, conservam, indevidamente, é certo, como designações comerciais, os nomes de castas portuguesas, que deixaram nesses mercados forte rasto, de prestígio.
Algo se fez já de valor, contudo, para se reconquistar a posição perdida nos mercados do Norte da Europa, e isto principalmente nos primeiros tempos de acção da .Junta Nacional das Frutas. E o muito que já aparece, hoje, de bom e de regular nos mercados internos deve-se, de facto, a esse surto de renovação e à acção persistente de um grande nome da fruticultura nacional, o ilustre académico a Prof. Eng.º Vieira Natividade. Sob a sua inteligente direcção está-se verificando, na realidade, notável progresso, quer nos domínios da produção,

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quer no das outras fases do ciclo económico destas actividades produtivas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As regiões de Alcobaça, e das Caldas constituem já hoje valioso exemplo de progresso frutícola.
Mas este movimento de expansão está, porém, ainda longe das reais possibilidades do nosso país neste sector. E refiro-me não só às do território metropolitano continental e ilhas adjacentes, mas às de vastas regiões com aptidão frutícola incluídas nas províncias africanas.
O fomento da fruticultura e da viticultura, à base de uvas de mesa, representa, como já disse também, factor de muito interesse na reconversão da agricultura de sequeiro nas províncias do Sul. Como também a viticultura produtora de boas massas devidamente instalada por forma a reduzir os custos de produção, pelo uso adequado de cultura mecânica e utilizando castas apropriadas, poderá e deverá constituir em regiões muito restritas do Sul do País precioso auxílio para estimular a exportação de sumos destinados aos grandes mercados europeus, africanos e americanos. E esta política, que permitirá a valorização da mão-de-obra rural, hoje numa situação de subemprego no Alentejo, representará segura restauração de culturas que foram já tradicionais nessas mesmas paragens, embora com outros fins tecnológicos. Os célebres vinhos de Borba e da Vidigueira e alguns outros são, na realidade, hoje apenas apagadas testemunhas de um antigo esplendor vitícola alentejano.
Larga expansão se poderá também fazer da viticultura de mesa, em inúmeras encostas, hoje a caminho de rápida erosão em zonas várias da península da Estremadura. E nessas zonas, de microclimas variados, poder-se-á tirar bom partido pelas características ambientais do factor precocidade. E o mesmo direi, e ainda com objectivo de diversificação cultural, em relação à região duriense. onda a fruticultura e a viticultura de uvas de mesa têm possibilidades excepcionais de expansão, facultando condições de vida mais fácil às populações rurais, também em regime apertado de subemprego.
E já não falo do Algarve, estufa natural do território metropolitano e zona de eleição para a indústria turística, nem de certas regiões ultramarinas possuindo condições das mais valiosas para estas actividades produtoras. Torna-se, porém, necessário, para que a floricultura, a fruticultura e viticultura produtora de uvas de mesa e de sumos possam vir a constituir, em prazo curto, fonte de apreciável interesse nos domínios da exportação, que grupos de trabalho especializados programem todo o ciclo complexo destas actividades produtoras, desde a escolha das regiões eleitas para o cultivo das diferentes espécies; das castas a seleccionar para cada caso; dos porta-enxertos adequados; dos sistemas de instalação e de condução; dos esquemas de defesa sanitária, de colheita e de preparação da flor e da fruta para a venda; da conservação e transportes terrestres, marítimos e aéreos e, finalmente, a organização das vendas nos principais mercados mundiais, e que não se esqueça a industrialização dos produtos do pomar e da horta.

Vozes: - Muito bem!

Q Orador: - Neste último aspecto, como em muitos outros, já se encontra valioso trabalho acumulado, que facilitará muito o andar célere no desenvolvimento destas actividades agrícolas. Contudo, no que se, refere a redes de frigoríficação e de armazéns de selecção, calibragem e empacotamento, bem como o que se relaciona com os transportes marítimos e terrestres em navios e veículos apropriados, poder-se-á dizer, infelizmente, que muito está por fazer. E o mesmo direi com referência à organização do comércio interno e externo, onde haverá que eliminar uma legião de intermediários inúteis, que sufocam, totalmente, as actividades produtoras. Ainda conviria que o Estado instalasse nos principais centros produtores viveiros destinados, exclusivamente, a difundir as variedades de maior interesse económico. E elas não são muitas, digo, as que tem probabilidades apreciáveis de conquistar posição de realce nos grandes centros consumidores estrangeiros, especialmente nos mercados da Grã-Bretanha.
Seguindo, porém, sem desfalecimentos, no sentido da valorização da floricultura, da fruticultura e da viticultura de uvas de mesa o de sumos, é de esperar que o nosso país possa, em prazo curto, reocupar a posição perdida no decurso do século passado, e não ser apenas imagem do poeta o dizer-se que Portugal nos seus territórios euro-africanus será num futuro próximo, o grande vergel do mundo ocidental.
O fomento florestal aparece agora aos olhos de muitos interessados no estudo de problemas de economia agrícola, como receita, infalível «para vencer todos os males e desequilíbrios nos mundos da economia e da vida social do agro português.
Assim, se a terra foi degradada até à rocha-mãe pelos elementos ou pela cultura exaustiva, o único recurso será, como é frequente ouvir dizer, a florestação ...
Se as areias não podem ser fertilizadas pela hidráulica agrícola, há um único meio de as valorizar; e esse é semear penisco, e bastará, então, para conseguir o sucesso final da empresa, apenas, como se afirma, algo de aragem estimuladora do Atlântico ...
Se a terra foi ingrata para a vinha ou para- a seara, dando magras produções, revistam-se, mesmo assim, essas encostas pouco férteis com pinheiros ou com eucaliptos, que a rentabilidade dessas leivas surgirá com nível mais satisfatório ...
Se a azinheira foi espécie que, por virtude da desvalorização do suíno e do carvão ou lenha de azinho, deixou de pagar o justo tributo ao empresário, arranque-se o montado, para meteu floresta mais rendosa ...
Ora, de facto, tem sido muito valiosa- a política de repovoamento florestal deste país, levada a cabo pelo privado e pelos serviços oficiais, o que permitiu, na realidade, localizar a Nação no grupo das mais equilibradas, quanto a este aspecto, entra os seus pares europeus. Um quarto lugar um dezasseis países, quanto a percentagem de terra bem arborizada, é, na realidade, situação de país florestalmente evoluído.
Assim foram lixadas, na sua quase totalidade, as dunas litorais e larga superfície montanhosa ao norte do rio Tejo deixou de ter o aspecto escalvado. Ainda não está, porém, concluída essa fase do plano de povoamento florestal. E se não se foi mais longe cumprindo prazos, neste sector, em alguns perímetros florestais do Norte e do Centro metropolitanos, isso terá sido por dificuldades técnicas ou financeiras, em alguns casos, e noutros, talvez, por não convir a redução, por forma abrupta, de territórios silvo-pastoris, sustento de muitos milhares de cabeças de gado bovino, ovino e caprino.
E, ainda, se este último aspecto da diminuição do ritmo de florestação pode, à primeira vista, parecer consequência de activa reacção das populações campestres, julgo antes que deverá ser considerado como apenas o bom senso económico e social a imperar no julgamento de quem tem de decidir nestes complexos pleitos de economia agrária.

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Quando revestida, assim, a parcela que falta do território do continente e ilhas adjacentes - Madeira e Açores, mais próprio para este destino, devemos ter ultrapassado já, largamente, os 50 por cento da área total do território metropolitano, incluindo nesta superfície, é claro, o que a campanha do trigo degradou e que hoje não pode ter outro destino.
Assim, atingido esse limite, não poderemos, nem deveremos, ir mais além, sol) pena de reduzirmos demasiado as possibilidades de sustento e de certas actividades agrárias mais rendosas. De resto, não o clama a boa harmonia da paisagem e o predomínio que se daria, então, a uma economia de mercado iria, é certo, a favor da onda, como é uso dizer no Brasil, mas julgo que não seria sensato, como disse, arriscar, neste momento, a segurança do sustento, em troca de uma hipótese, sempre falível, de receber o que nos faltar, pão ou carne, de presumíveis fornecedores estrangeiros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, mesmo não ultrapassando os limites sugeridos, julgo que haverá, no sector privado, durante largos anos, vasto campo para fomento silvícola e digamos, em muitos casos, para difícil trabalho de recuperação da fertilidade das terras, à base da floresta.
Isto é especialmente verdade no interior continental, nos domínios que já o foram, em tempos recuados, do Quercus pirinaica e do Quercus ilex. Terrenos pobres, delgados, frios, muito escalvados e onde a falta de aragem atlântica impede a solução, mais simples e rápida, a partir do pinhal bravo ou manso, e a altitude, noutros casos, elimina a hipótese do eucaliptal.
Aparecem, então, é certo, respostas seguras à base de fundamentos fitogeográficos, mas o particular não aceita hoje soluções em que não veja a curto prazo, o resultado prático do investimento, nem a falta de capital, nos domínios do território interior, lhe permite aguentar soluções deste género. Este caso repete-se no degradado do Sul do Tejo e do Norte do Algarve - serra do Caldeirão e outras. Aí e aqui só com o auxílio substancial da colectividade seria possível colmatar estas difíceis situações.
Ainda haverá outros problemas complexos a resolver pura. cobrir, com a floresta, as inúmeras chagas do agrário É o caso das áreas sujeitas a cheias muito frequentes, que dificultam seriamente a prática da cultura arvense e mesmo do cultivo do lenhoso de pequeno porte; isto nas bacias hidrográficas do Mondego e do Tejo e ainda naqueles terrenos pobres, indevidamente incluídos em algumas obras de hidráulica agrícola, como nas da Idanha.
Aí só o choupal poderá surgir, de facto, como solução econòmicamente viável, o trata-se de cultura florestal com numerosos aproveitamentos industriais rendosos.
É o que resumidamente se pode dizer em relação à florestação no temperado, isto, é claro, sem exageros.
Nos domínios do luso tropical a tarefa não é menos difícil nem menos ingrata de solver, e ela, será, neste momento, como primeira fase, não deixar derrotar mais a floresta por concessionários irresponsáveis atraídos pela mira de um lucro rápido e substancial, levando a situações difíceis e morosas de corrigir no futuro.
Mas para tal será preciso ampliar, largamente, a constituição de grupos de trabalho técnico e sua coordenação, serviços que possam dominar problema tão amplo quanto profundo.
Mas onde estão, para tal, os elementos técnicos - a incluir neste sector?
Nem aparecem ao chamamento dos concursos, nem a escola superior os .está preparando com o necessário ritmo, nem existem escolas médias e elementares de técnicos de florestação.
E quanto às pirâmides estruturais de pessoal técnico inclusas no departamento respectivo, a constituição dos respectivos quadros, mal concebida, não chama novas vocações. Esta é a situação quanto a elementos técnicos disponíveis, situação que classifico de muito deficiente.
De resto o chupador da única escola superior existente já esgotou a matéria-prima, na zona de influência da capital e regiões do Sul do País.
Criem-se, pois, sem demora, no viveiro do Norte litoral, nas Universidades, do Porto e de Coimbra, Faculdades que preparem estes técnicos, elementos fundamentais para apoio do fomento agrário à base de floresta, e criem-se, também, sem demora, as especialidades de regentes florestais e de mestres florestais nas escolas médias e elementares já existentes no País, ampliando-se mesmo, quanto a estas últimas, com mais esta especialidade, os regimes de estudo das escolas industriais localizadas nas cidades da província.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só assim se poderá encarar a possibilidade de resolver o que falta no sector florestal do temperado, do tropical e do equatorial português, especialmente nos domínios tecnológicos, sectores em que se está a dar, neste momento, os mais importantes passos, quer na metrópole, quer no ultramar.
Desta tribuna apelo pois para o ilustre Ministro da Educação Nacional, Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles, para que, no seu alto critério, promova a resolução deste importante problema do ensino técnico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi, na realidade, notavelmente frutuoso o caminho já percorrido, em período assaz curto, no sentido de instalar algumas importantes indústrias florestais de base. Refiro-me às unidades já em funcionamento destinadas aos fabricas de pasta de papel e de painéis de aglomerados de madeira. Outras unidades irão ocupar novas posições nas principais regiões florestais, facultando, assim, o fácil escoamento de madeiras de pinho e de eucalipto e dos respectivos desperdícios.
Contudo, largo trabalho é necessário ainda realizar, no sentido da .instalação de novas unidades industriais, especialmente de mobiliário, de tacos de madeira para pavimentos e de construção de casas pré-fabricadas, dando assim económico aproveitamento a material lenhoso do mais diverso, incluindo o extraído dos montados de. azinho, facultando a reconversão destes povoamentos florestais a transformar em matas de mais elevada rentabilidade.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª tem conhecimento de que no Alentejo se está trabalhando activamente na indústria de tacos de madeira de azinho?

O Orador: - Sim, senhor, tenho conhecimento dessa frutuosa iniciativa, e agradeço a V. Ex.ª sua interrupção, porque, com ela veio dar conhecimento público do facto.
Dar-se-á, também, por esta forma, um acertado passo para resolver o problema da habitação rural e do respectivo mobiliário rústico.
É indispensável ainda reformar, dimensionando, convenientemente, e eliminando unidades mal equipadas, o

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importante sector Das serrações, indústrias que dão apoio a um movimento muito importante de exportação - a de caixas destinadas, principalmente, ao acondicionamento de frutas estrangeiras, taras, já hoje também construídas em Portugal por desenrolamento de toros de pinho e de eucalipto.
Haverá, finalmente, que levar a cabo até onde for possível a transformação da preciosa gema dos nossos pinhais bravos, facultando assim maiores réditos para o trabalhador português.
No capítulo dos meios de comunicação que permitam a fácil ligação dos vários perímetros florestais com os centros da transformação de material lenhoso, mercados de consumo e portos de embarque, muito haverá, também que fazer, no sentido de acrescer o produto nacional. Contudo, muito também facilitaria II resolução deste importante problema, se, nos vários perímetros, os serviços florestais fossem dotados das necessárias máquinas escavadoras e niveladoras próprias para a abertura destes caminhos de montanha.
A realização destes trabalhos teria incomensurável projecção na economia das zonas serranas do País e, consequentemente, daquelas que menos tem beneficiado do trabalho, que é justo destacar, já levado a cabo, pelos serviços competentes do Ministério das Obras Públicas. Aos ilustres Ministros das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, e da Economia, Prof. Doutor Teixeira Pinto, a quem rendo desta tribuna as minhas homenagens pelo seu saber na arte de bem governar os povos, deixo aqui este apelo, certo que tais obras, vindo a efectuar-se, darão condição de vida mais fácil a muitos milhares de portugueses das nossas zonas serranas, trazendo a uma exploração económica mais rendável dezenas de milhares de hectares de mata de pinhal e de eucaliptal, hoje praticamente improdutivos.
E não esquecer que esses meios vicinais de comunicação serão capilares dos mais valiosos para facilitar a circulação de outros produtos de actividade silvo-pastoril, especialmente os derivados da indústria dos lacticínios, como o valioso queijo da serra, que deverá, quando bem orientada a sua produção e comercialização, abranger, com êxito económico, os mercados externos.
Agora, algo vou dizer, muito pouco é certo, porque a falta de tempo não me permite ir mais além. em referência aos problemas relacionados com a agricultura nos domínios do tropical e do equatorial.
São, de facto, inúmeras, aí, como também na mesma latitude do novo mundo, as culturas de interesse económico introduzidas e divulgadas pelos Portugueses.
O cacau, o café, o chá, a cana sacarina, o algodão e diversas fibras vegetais de interesse industrial, oleaginosas várias, frutas e tantas outras, deveriam falar, permitam-me a expressão, a língua de Camões.
E se hoje muitos povos indígenas do continente negro podem sair da selva para a vida à moda ocidental, que, diga-se de passagem, tão mal ainda imitam, devem-no, exclusivamente, aos ensinamentos de missionários, cultivadores, empresários e dos comerciantes portugueses.
Algumas dessas culturas atingiram mesmo, já, nas províncias portuguesas de além-mar, situações de relevo muito especial. Entre elas saliento, acima de todas, pela rapidez do surto e valor do contributo para o produto nacional - o café angolano. Mas também sob vários aspectos económicos e sociais de maior interesse - o cacaU de S. Tomé, a cana sacarina das duas costas, os algodões de Moçambique e de Angola e outras fibras, oleaginosas arbóreas e arvenses de Moçambique, Angola e Guiné, citrinos vários, como o grape-fruit e a laranja de Moçambique, a laranja de Cabo Verde, as bananas de Moçambique e da região de Benguela, agora em pleno movimento de ascensão comercial, a noz de caju, do litoral moçambicano e tantas outras de grande valor alimentar e industrial.
Estes notáveis resultados implicaram, muitos deles, porém, grandes somas do aforro português empregadas no ultramar, bem como a colaboração activa de técnicos de vários graus e de, mão-de-obra qualificada, quer para os trabalhos de primeiro estabelecimento, quer para as actividades explorativas subsequentes, e tudo isto se fez em espaço assaz dilatado e em período de tempo muito curto. Para tal foram necessários empresários de rasgada iniciativa e técnicos de excepcional valor. E nas infra-estruturas já realizadas e em muitas outras em marcha os serviços estaduais tem pontificado também, com igual celeridade e competência.
Isto vem demonstrar que as Universidades e outras escolas de vários graus de ensino, que, têm preparado todo esse escol técnico, o têm feito com aquela competência e dinamismo que os meios disponíveis lhes têm permitido, não se justificando muita da crítica fácil, e digo injusta, feita à sua orgânica e actividades docentes.
Hoje, previdentemente, o Governo da Nação vai promovendo também a preparação in loco de uma parte deste contingente de labor especializado, que, na realidade, se mostra, em face do surto de grande progresso económico e social a que se assiste em todas as províncias de além-mar, ser já hoje insuficiente para satisfazer as inadiáveis necessidades das diferentes indústrias nascentes, quer nos domínios da agricultura, quer nos do extractivo e manu-factureiro industriais. E já. não falo no dos múltiplos serviços relacionados com a realização infra-estrutural e de prospecção levada a cabo pelos serviços técnicos do Estado.
Agora outro ponto fundamental ligado, também intimamente, à vida agrícola, do ultramar. Quero referir-me ao da hidráulica agrícola.
Sujeitas de facto as culturas tropicais aos mesmos riscos das do temperado, derivados da inconstância meteorológica, também se tem registado, na nossa África, largo esforço no desenvolvimento deste importante ramo técnico, e isto, quer por intervenção directa do Estado, quer pela acção valiosa das empresas. São exemplos destacados das iniciativas deste género, relacionadas com o regadio, as importantes obras do Limpopo e as do Cunene, bem como os regadios, por via gravítica o de aspersão, das açucareiras das duas costas, além do outras. E assiste-se, ainda, nos territórios de além-mar, a passos, já avançados, de uma prospecção para o aproveitamento, em larga escala, da energia e do poder fertilizante da água de alguns dos principais rios que sulcam o continente negro, como o Zambeze, entre os mais destacados.
Um nome, entre vários, é de justiça não esquecer, pelo muito que tem feito e haverá de fazer ainda, neste importante sector, o do Eng.º Trigo de Morais, a quem saúdo, efusivamente desta tribuna, como o grande propulsor da hidráulica agrícola em Portugal, trabalho em que teve também, larga contribuição um outro técnico, já infelizmente desaparecido, e que a ciência agronómica nunca poderá olvidar, o grande mestre Prof. Rui Mayer. A sua doutrina frutificou na nossa África, como está frutificando, agora, com celeridade crescente, nos esperançosos regadios do Sul do Tejo.
O progresso agrícola de cortas regiões do ultramar português em que a iniciativa privada teve, como já realcei, largo contributo, levou, mesmo, algumas actividades a uma situação de merecido realce internacional. É o caso da cultura do café angolano, como o foi também, anos

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atrás, o do sisal, hoje, de novo, felizmente, em situação económica mais desafogada. Trata-se, porém, de actividades relacionadas, intimamente, com uma economia de mercado e, como tais, sujeitas aos riscos de sensíveis flutuações de preços, nos grandes centros consumidores internacionais. E estes dependem de inúmeros factores, que vão desde o político - é o caso do preço do açúcar, influenciado pela quebra e desvio da produção de Cuba para mercados do Oriento, que não eram os seus tradicionais; o meteorológico, que se pode anotar em relação ao mercado do café, em que a alta de valores é largamente influenciada pela diminuição da produção de certos grandes produtores, como o Brasil, sujeito, periodicamente, à acção devastadora de geadas; e será ainda, pelos tempos fora, o factor relacionado com o aparecimento de novos produtos de substituição - caso típico de algumas fibras vegetais; e agora, com evidência, o factor sanitário, posto em realce em relação ao tabaco.
Estes e outros aspectos similares são assim de moldo a aconselhar que imo se insista no erro de fundamentar a actividade agrícola de uma região, pequena ou vasta, numa só cultura, com um. único destino.
Assim, no Congo, o café deveria ser já acompanhado, no ordenamento económico, pelas frutas, com especial relevo da cultura de bananeira e da noz de caju, esta nos territórios do litoral; pela floresta, com aproveitamentos vários do lenhoso o produtos de secreção - látex e outros; pela horticultura e floricultura industriais, não esquecendo que muito do que só produzisse para o mercado externo teria também apreciável interesse no abastecimento do principal centro urbano da província de Angola - a cidade de Luanda.
Como esta, muitas outras exemplificações poderiam ser apresentadas, caso o tempo consentido, e que corre célere, pura esta intervenção parlamentar o facultasse. Não deixo porém de citar, e apenas como nota passageira, que, em relação ao cacau de S. Tomé, não seriam apenas culturas a conjugar na economia desta maravilhosa ilha, a aliviar a crise consequente da baixa das cotações internacionais do cacau, e essas seriam várias nos domínios da fruticultura, da horticultura e da floricultura, mas também a instalação, nessa ilha, de indústria, devidamente dimensionada, que pudesse valorizar melhor o produto e o trabalho português. Não continuaríamos, assim, a incluir apenas, no produto nacional, o valor do cacau exportado e pouco mais, e este seria, significantemente, acrescido pela retribuição do trabalho do operário português incluso em várias especialidades exportadas. E não faltariam, em S. Tomé, os diversos produtos complementares que hoje valorizam a indústria do chocolate.
Mas passemos adiante e digamos algo, agora, muito pouco, é curto, sobre o complexo problema da motorização e da mecanização da lavoura. Esta aparece, perante muitos entendidos, como fórmula mágica para reduzir custos e aproveitar ensejos da terra, especialmente quando esta é muito volúvel em desejos e exigências, que é o caso genérico dos solos portugueses da metrópole e do ultramar.
Mas a motorização e a mecanização da agricultura, é bom não esquecer, é uma faca de dois gumes, e qual deles o mais afiado, diremos!
Há, de facto, melhor aproveitamento de ensejos e redução de custos quando a dimensão de exploração o faculta, tendo em atenção a subida já significante do salário agrícola, não acompanhada pelo acréscimo de produtividade do labor da mão-de-obra rural. Mas, como infelizmente a contabilidade das explorações agrícolas não está, normalmente, apta a definir, com rigor, custos de várias operações, cometem-se, por vezes, graves erros de apreciação de valores, e então no sector de uso da máquina eles são muito frequentes. E digo frequentemente, porque não se considera, normalmente, a amortização de um equipamento sujeito a delapidação rápida com o uso, especialmente em terras fortes e pedregosas, aspectos muito comuns no agro português, como também o aparecimento contínuo de novos modelos, considerados mais eficazes, ou, pelo menos, mais dentro dos ditames da moda.
Agora o outro gume, que disse não ser menos afiado. Refiro-me ao que a mecanização e motorização, especialmente esta última, podem ocasionar no desequilíbrio estrutural dos solos, pela redução do teor de matéria orgânica consequente do desaparecimento ou redução do gado de trabalho ou de função mista, no conjunto da exploração.
Mas a este óbice poder-se-á responder, e com razão, que se dê, nu estruturação agrária, o devido equilíbrio à produção do forraginosas, de unidade nutricional suficientemente baixa quanto a preço, que, então, o defeito não surgirá. E assim é que procurar realizar campanha a favor do pão desprezando carne, ou vice-versa, conduzirá infalivelmente à ruína dos solos. É a história já muito conhecida, mas pouco aprendida, de galinha de ovos de ouro. São forças do mesmo binário que não é prudente dissociar. Por isso, na minha opinião, já expressa sobre o complexo problema da reconversão agrária do País, esta não se pode fundamentar, insisto, no desequilíbrio destas duas actividades funcionais.
Só consideraremos, assim, como uma política estimulante a que for realizada nos dois sentidos apontados. E tudo se poderá fazer, como disse, sem recurso a atitudes geradoras de movimentos de inflação, por acréscimo substancial de preços ao nível do consumidor. Bastará, como sugeri, quanto ao sector frumentário, usar o cereal mais adequado ao ambiente e fabricar também um pão mais condicente com a pobreza do nosso, território cerealífero, e, quanto ao problema das proteínas de origem animal, programar este circuito económico de acordo com os preços justos definidos pela análise de casos semelhantes em territórios estranhos, tendo em atenção que esta actividade agrícola deverá alimentar, de futuro, importante negócio de exportação.
A motorização mecanização é como vemos uma faça de dois gumes. E para que seja de um só, quanto a custos e em relação aos casos mais frequentes do agro português, do temperado ao luso-tropical, é mister montar a motorização e mecanização numa estrutura cooperativa progressiva, por forma a não só aproveitar ensejos, mas reduzir, realmente, os custos, sem prejudicar estruturas de solos. E, quanto a este aspecto, termino, dizendo que não seja esquecido o fabrico da máquina agrícola entre os objectivos principais a atingir na industrialização do País. Algo já se fez, neste caminho, mas muito é preciso realizar ainda, para se atingir o desiderando da máquina portuguesa para a terra portuguesa.
A assistência técnica à agricultura nacional é, na realidade, problema fundamental a considerar na resolução de muitos dos desequilíbrios económicos e sociais que hoje afligem a vida do cultivador da terra. E isto em relação aos mais diversos escalões, desde o empresário, grande, médio ou pequeno até ao mais modesto operário revirador de leiva, motorista ou mecânico, ou paciente pastoreador do gados. Por isso lhe vamos dedicar alguns minutos.
O facto, porém, de ter encaminhado para último lugar as considerações que desejo fazer na análise sumária deste importante aspecto das actividades agrárias apenas sig-

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nifica que me é mais fácil apresentar nesta altura, e em síntese, depois de o ter feito em relação a alguns sectores da agricultura, e da florestação, soluções que permitam dar ainda maior efectividade ao auxílio que se espera que o técnico deva prestar, como teórico e prático das ciências e das artes agrícolas, a diversas actividades nos domínios do agrário.
Muito e muito já se tem feito, porém, neste capítulo em Portugal. É justo que se realce neste momento o espírito missionário que sempre tem presidido a tantos e tantos sacrifícios de inúmeros agentes deste labor em pontos dos mais afastados e recônditos do território português. E é preciso ter em linha de conta, para melhor aquilatar o esforço desenvolvido por muitas centenas destes técnicos da terra, que a sua actividade científica e prática teve de vencer, por vezes, os maiores obstáculos, servindo-se de meios dos mais deficientes.
Avaliemos, por exemplo, e isto para falar só de uma das campanhas que ficou na memória de muitos, o que foi do trabalho árduo o labor desses admiráveis agrónomos e regentes agrícolas que, em prazo curtíssimo, num trabalho desgastador de energias e de vontades, conseguiram vencer todos os escolhos e reconstituir, em grande parte da sua extensão, toda a complexa infra-estrutura da viticultura nacional, arruinada pela invasão da filoxera.
E não houve então, do facto, como acontece ainda hoje nomes a destacar, porque os heróis dessas campanhas, comandantes ou simples soldados, tinham na sua consciência e em toda a pureza a verdadeira noção do dever do técnico no mundo rural.
E a empresa realizada não teve menor valia, porém, para a economia nacional do que muitas outras obras cujos autores passaram gloriosamente à posteridade, impressos os seus nomes, até com realce, nas esquinas de ruas e vielas, do aldeias, vilas e cidades deste país.
Mas mais próximas, e assim na memória de todos, as campanhas desenvolvidas, por exemplo, por outras centenas de técnicos, percorrendo em árdua luta dunas litorais e montanhas escalvadas, vencendo a agressividade dos elementos e a ignorância dos povos.
O que a Nação deve de facto a esses admiráveis cultores da ciência silvícola e a inúmeros mestres florestais que fizeram do território metropolitano exemplo destacado de florestação, exemplo que tem servido de padrão a muitos países evoluídos da Europa e das Américas?
O que representa, na realidade, hoje para a Nação o valor dessa imensa massa florestal, acumulada em longos anos de vida dura desses laboriosos trabalhadores da floresta?
E quando foi necessário realizar trabalho célere para colmatar brechas do sustento, quando se trabalhava em plena época de economia de abastecimento, com a introdução de novos culturas de sequeiro ou de regadio, exigindo estudos minuciosos e rápidos de instalação e de exploração, não estiveram ainda os nossos técnicos agrários e outros à altura que a Nação deles exigiu?
Lembram-me agora os exemplos, entre muitos, desse malogrado agrónomo Benoliel, a quem a cultura orizícola deve, em grande parte, o seu sucesso técnico e económico, e o do Dr. Landeiro, dominador da malária, que dizimava aos milhares as populações do regadio estático.
Que me perdoe a memória desses dois grandes soldados e modestos servidores do rural português de ter dado, neste momento, projecção aos seus nomes, contra a norma que é bandeira de todo esse escol dignificado de técnicos de várias classes, agrónomos, silvicultores, médicos e médicos veterinários, regentes agrícolas e práticos agrícolas, trabalhadores benfazejos da agricultura nacional. Mas a voz da consciência levou-me, como discípulo que fui de muitos deles, sapientes mestres o foram, e ainda como modesto professor de tantos e tantos outros desses admiráveis batalhadores, que não calasse a minha voz interior, e, agora, ao deixá-la ouvir, infringindo preceito que sempre respeitei, vem-me então à memória legião infinda dos que a saudade imensa me relembra para o sempre - Barros Gomes, Ferreira Lapa, Sertório do Monte Pereira, Veríssimo de Almeida, Mota Prego, Bernardo Lima, Meneses Pimentel, Filipe Figueiredo, Tavares da Silva, Joaquim Rasteiro, Rebelo da Silva, Rui Mayer, D. Luís de Castro, Ferreira Borges, Boaventura de Azevedo, Águedo Ferreira, Sousa da Câmara, Cincinato da Costa, Mira Galvão, Augusto Ruela, Saraiva Vieira ...
Mas vou calar a minha voz nesta saudosa lembrança de tantos mestres da arte de bem ensinar, porque os vivos a quem foi passado o testemunho me chamam, e por bem, à razão.
Calo-me, sim, e ao fazê-lo peço, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o que disse, e foi apenas voz interior que não pude dominar, fique apenas a ressoar nesta sala de tão nobres tradições oratórias como apagado eco de uma voz que não soube cumprir o dever de não se fazer ouvir.
Um mundo novo desperta nesta hora que passa, em que a ciência e a técnica caminham a passos vertiginosos, acompanhando, no preâmbulo do século que se avizinha, que será o da velocidade, o horizonte infinito das necessidades humanas, sempre avassaladoramente crescentes.
Assim, compreende-se que a técnica não possa ser pautada, no que se refere à sua transmissão ao ambiente das actividades agrárias, pelos processos e pelos métodos que a voz de um passado já longíquo, decerto, fará esquecer.
Por outro lado, o fenómeno do fluxo migratório para as cidades, fenómeno de indomável violência, digamos melhor, da corrida humana para os núcleos de atracção do trabalho melhor remunerado e do prazer, e ainda o fenómeno do crescimento mais rápido da produtividade de trabalho nos sectores da manufactura e dos serviços, levando o motor e a máquina a suprir muito trabalho humano, provocam alterações profundas da paisagem rural e desequilíbrios graves da natureza; desequilíbrios que reduzem, só por si, e, por vezes, por forma significante, a efectividade do esforço em prol do acréscimo da produtividade da terra.
Este conjunto de circunstâncias obriga, assim, para solver estas graves dificuldades, a um trabalho perfeito e rápido de programação à escala do regional, ou, melhor, à escala da bacia hidrográfica, como sempre deveria ser, por forma a tirar o maior partido dos vários factores concorrentes no complexo económico, que vai desde a produção e transmissão da energia às actividades explorativas agrícolas, industriais e serviços, nos seus mais variados aspectos técnicos, económicos e sociais; à circulação dos produtos com destino aos mercados internos e externos, em suma, todo esse mundo de factores intervenientes a analisar e a sintetizar. E para tal, ainda e principalmente, o conhecimento, tanto quanto possível perfeito, do substrato técnico dos problemas.
Digamos, nesta difícil campanha que o mundo civilizado está procurando levar a cabo para dominar o espectro da fome que se projecta sobre dois terços dos actuais viventes, é necessário apoiá-la hoje em vários escalões técnicos. E estes são, entre outros: o dos grupos de trabalho organizados para os complexos estudos de conjunto, quer de prospecção, quer de planeamento, incluindo elementos destacados das actividades. O dos investigadores especializados das inúmeras actividades intervenientes.

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O dos técnicos orientadores e executadores da gestão nos diferentes graus do responsabilidade actuante.
E, finalmente, todo um conjunto estrutural coordenador, onde se implantem, como em densa copa, todos estes núcleos de actividade técnica diferenciada.
Investigação, extensão, assistência técnica e coordenação são assim apertados elos da mesma cadeia, do saber e do difundir. Trabalho árduo, é certo, o que terá de sor efectivado pela Nação, com o mesmo espírito de perseverança, e. de sacrifício do passado. Está, porém, entregue o comando desta empresa à juventude e inteligência de um valor destacado nos domínios das ciências económicas - o ilustre Ministro da Economia. Haverá, pois, que confiar no êxito de tão difícil quão ingrata missão.
Chegamos assim ao fim desta análise muito sumária da crise económica que afecta vários aspectos da vida agrícola, nacional, com os seus naturais reflexos nos outros sectores da economia e ambiente social da Nação.
Dela se conclui que não poderemos separar, por diferentes deste, fenómeno, os aspectos paralelos que se manifestam rio agrário de outras nações, e insisto, em várias Nações, tanto altamente evoluídas, como em situação de maior ou menor subdesenvolvimento.
E o fenómeno em causa repete-se, independentemente de regimes políticos ou sociais imperantes nessas nações, mas, é um facto, com mais acuidade, quando a iniciativa privada nos domínios do rural é diminuída a tal ponto que a podemos considerar praticamente inexistente. Já não falo da influência, de certos usos e costumes dominantes na vida de certos povos atrasados em que determinados conceitos religiosos dificultam ainda mais a cicatrização destas múltiplas chagas e a cura de certos males que afectam a vida de muitas centenas de milhões de viventes.
A falta de maleabilidade e faculdade de adaptação da indústria, agrícola não permite, por outro lado, mudanças de índole ou reconversões rápidas de estrutura, embora sadias, é um facto, debaixo do ponto de vista social.
Reconversões análogas são muito mais fáceis e, assim, mais viáveis no domínio das indústrias e dos serviços.
Por outro lado, o aumento da produtividade agrícola, consequente da evolução progressiva da técnica e da gestão, cifra-se sempre com menor dinamismo que nos sectores secundário ou terciário, e daí o desfasamento que os progressos da técnica industrial e dos serviços têm acentuado nesses sectores, com os consequentes reflexos no nível dos salários dos trabalhadores.
Estas circunstâncias, aliadas ao eldorado da vida citadina que a imprensa, a televisão e o cinema realçam através de tentadoras imagens, levadas todos os dias ao conhecimento do ambiente rural, estimulam hoje a migração mais activa da gente dos campos para as cidades em procura de melhores tempos.
Assim se geram e continuam a progredir as cidades tentaculares, que crescem primeiro em superfície, depois em altura, e depois, ainda, novamente, em superfície, para albergar mais e mais indústrias e serviços, e paralelamente, surgem ermos em regiões campestres outrora densamente povoadas.
A localização geográfica de grande parte do território da metrópole portuguesa em zona económica europeia, normalmente definida por mediterrânica, com características de aridez pronunciadas, acentua todos os defeitos apontados, que de resto, se verificam noutros países situados nas margens desse vasto mar interior.
Apenas a distingui-lo desses países haverá que considerar a extensão africana do território nacional, dando-nos outras possibilidades, mas também responsabilidadas acrescidas, para vencer a crise agrícola que domina, há séculos, em área tão vasta, e onde o clima constitui, na realidade, o principal factor determinante do nível de vida dos povos.
Se a vastidão do território facilita assim a resolução de inúmeros problemas de vida económica e social da Nação, não é menos certo também que as necessidades de mão-de-obra qualificada e de capital para largos investimentos tornam dificultosa a resolução destes problemas em espaço tão lato.
Haverá assim que planear, no caso português, ainda com mais segurança, para poupar energias, capitais e labor humano, e considerar, sempre, como melhores soluções, para cada caso, as que permitam um menor delapidar do que, infelizmente, falta a um povo de raras qualidades criadoras, é certo, mas pouco numeroso em relação às potencialidades que lhe compete fazer despertar.
E assim é mister evitar tudo o que seja rumo à dimimuição da produtividade, considerada esta, no sentido mais lato, abrangendo todo o conjunto de actividades que contribuem para o produto nacional.
Como elemento dominante, o crédito figura como fonte distribuidora de parte fundamental da poupança do povo português. Este deverá ser levado então a actuar, com a maior efectividade, como alimentador daquelas actividades que se considerem de maior rentabilidade económica e social e também das que a segurança nacional imponha como fundamentais na defesa da Nação.
Assim, também os subsídios equilibradores de actividades menos rendáveis, por natureza ou por razões de outra ordem, não poderão ser dispensados nos tempos mais próximos, o que não constituirá excepção no concerto das nações europeias, especialmente se tivermos em linha de conta que outros países da Europa agrícola, e mesmo da industrial, como a Grã-Bretanha, os usam, largamente, na defesa do que consideram interesses fundamentais das suas gentes.
Planeamento, crédito estimulador devidamente orientado, fisco ordenador de actividades e equilibrador de réditos, alargamento substancial e racionalização de toda a actividade comercial, fomento educacional e o desenvolvimento das infra-estruturas indispensáveis de vária ordem, constituem assim os principais fundamentos do progresso económico e social da Nação.
Este o caminho que vimos sabiamente a trilhar.
E para assegurar o êxito deste complexo labor, impõe-se, ainda, em todos os escalões, para que se possa atingir o máximo de produtividade agrícola, que se realize a necessária assistência técnica que o muito ilustre Ministro da Economia definiu lapidarmente nos seguintes três passos fundamentais:
Concentração, regionalização e coordenação.
Batalham os nossos heróicos soldados nas fronteiras do Congo e da Guiné contra inimigos externos dos mais vis e enganosos. Mas também será laboriosa e dura esta campanha da retaguarda para dar ao povo português o nível do existência que lhe é devido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Igualemo-nos, pois, todos, Portugueses, sem. distinção de raças e de credos políticos ou religiosos, nesta dura batalha que saberemos decerto vencer.
E só assim seremos verdadeiramente dignos dessa gloriosa juventude que dá todos os dias a vida por um Portugal maior.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: venho ao debate depois de alguma hesitação. Por um lado, a natureza delicada e complexa do assunto faz tremer os mais conhecedores e disso é prova o entrechoque de opiniões que desnorteiam quem atentamente lê e estuda os livros e os documentos e ouve as vozes das experiências vividas; há qualquer coisa de distante entre os planos dos técnicos e a acção dos executantes, ou porque aqueles não se aproximam destes, não os sentindo melhor, ou porque estes num exacerbado conceito individualista não acreditam naqueles; e mais confuso se fica quando se ouvem executantes, que também são técnicos ou têm capacidade para o ser, continuarem convictamente a descrer dos planos dos outros técnicos. Esta a razão da minha hesitação, que dominei, porque não sendo técnico nem executante, ou seja. lavrador, pensei que podia anotar meia dúzia de pontos que reputo essenciais, ao menos, em completa independência de espírito.
Por outro lado, e esta a razão determinante da minha vinda, represento aqui um distrito que é essencialmente agrícola, ou melhor agro-pecuário, que poderá, com os outros distritos açorianos, contribuir para um melhor e mais equilibrado progresso económico do País, se devidamente desenvolvido no âmbito regional e disciplinadamente integrado na actividade económica nacional.
Ainda bem que se encontra uma parcela de Portugal essencialmente agrícola para que, ao menos, a velha ideia de que Portugal é um país agrícola, e que está na origem de muitas das nossas fraquezas económicas, possa ter aplicação.
Eis, Sr. Presidente, as linhas gerais da minha breve intervenção.
Ouvi com a maior atenção e depois li o trabalho que o Sr. Deputado Amaral Neto apresentou nesta tribuna ao efectivar o seu aviso prévio; não sei que mais apreciar nele: se a sua oportunidade, se a clareza das ideias, se a riqueza da forma, se a crítica construtiva. Felicito muito sinceramente o nosso distinto colega e creio poder afirmar que ele prestou um bom serviço, porque, se o debate continuar como até aqui, sereno e objectivo, muito de útil há-de resultar em ajuda do Ministério da Economia, que tem perante si, sem qualquer dúvida, uma urgente tarefa a desempenhar; ficaremos assim, e no mínimo, com a nossa consciência tranquila por termos colaborado com o Governo, apontando erros passados que não devem ser repetidos, incentivando o que de bom se pretende fazer, transmitindo aspirações legítimas, sugerindo soluções equilibradas e sobretudo hipotecando o nosso voto na definição de uma verdadeira, possível e equilibrada política económica, independente dos homens que a venham a conduzir.
E assim chego a uma primeira observação que reputo estar na base da solução do problema agrícola, como afinal na de qualquer outro, e que se pode resumir assim: que papel pode e deve desempenhar o sector primário no conjunto da actividade económica do País; uma vez definido aquele, quais os caminhos que devem ser percorridos e quais as metas que tem de ser atingidas.
Do que se lê e do que se ouve parece não haver muitas opiniões divergentes sobre aquilo que o sector primário pode e deve dar ao progresso económico do conjunto nacional; sabe-se que nos países de economia evoluída o rendimento agrícola preenche menos de 15 por cento do rendimento nacional (com uma ou duas excepções); sabe-se que a diminuição do valor da agricultura no conjunto das actividades produtivas é na evolução económica, inevitável; não se ignora que nas sociedades evoluídas a percentagem da população activa que trabalha no campo está em constante regressão.
Estas parecem verdades incontroversas no fenómeno do progresso económico - é uma espécie de tributo que têm de pagar os que desejam progredir.
O problema então surge na forma como esse tributo tem de ser pago, uma vez que a agricultura, como qualquer outra actividade, tem o direito de viver não como vítima desse progresso, mas como seu elemento activo c fortemente participante.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No caso português por maioria de razão, porque ainda dela e para ela vivem alguns milhões de irmãos nossos.
Por outras palavras: o desenvolvimento económico equilibrado exige, que a agricultura nele participe do mesmo modo que as I estantes actividades. Não será justo, nem desejável, que o processo de desenvolvimento que pretendemos se faca à margem daquela actividade que ocupa uma grande parte da população portuguesa.
E aqui agora a controvérsia nos caminhos a percorrer e nas metas a atingir, mas nos modos de proceder, nos esforços prioritários desenvolvidos e sobretudo na falta de persistência e de continuidade na consecução dos objectivos do que na definição destes. De facto, já no relatório do 1 Plano de Fomento se fala em reconversão agrária; no II Plano de Fomento se reforça a ideia; e o Sr. Ministro da Economia, na brilhantíssima comunicação que nos enviou há dias, mostra-se disposto a começá-la com entusiasmo e prudência e prepara meios e activa serviços para iniciá-la com rapidez; gostaria também de lhe pedir daqui que o fizesse em força naquelas zonas ou regiões onde a prudência não tenha dúvidas, mas compreendo que, nesta altura dia vida nacional, existem factores que podem limitar este desejo.
Sem dúvida que este processo de reconversão virá agravar ainda mais o êxodo da população agrícola para os outros sectores da actividade económica ou para o estrangeiro, o que será lamentável quando deste caso, mas não é justo nem parece aconselhável travá-lo; justo porque não se pode negar ao indivíduo o direito de procurar melhores condições de vida, tentando acabar com a negra perspectiva de ser assalariado rural toda a vida, no fim da qual, muitas vezes, tem de recorrer à caridade para garantir o sustento mínimo; aconselhável porque a diminuição do número de trabalhadores rurais é agente fomentador do aperfeiçoamento técnico que provoca o aumento da produtividade do trabalho.
Do que me tenho apercebido do debate nesta Câmara parece-me que há unanimidade sobre a necessidade de se proceder à reconversão agrária.
Pois bem, apoiemos este objectivo da política agrária do Governo e façamos tudo para que ela não abrande, nem mude com os homens. Se assim for, dizem-no os técnicos e os economistas e reconhecem-no os próprios lavradores conscientes, caminharemos mais depressa e mais seguros e confiantes para tal progresso económico de país desenvolvido que todos desejamos; talvez até que na maioria dos casos o tal tributo ao progresso seja de sinal positivo.
Não é novidade para ninguém dizer que a guerra que somos obrigados a fazer necessita de dinheiro para ser alimentada e de uma economia saudável que mantenha o valor desse dinheiro; e assim maior razão para se desejar que a nossa agricultura, como elemento importante dessa economia, tenha vida saudável. Mas em contrapartida não parece razoável pensar-se que o Estado, precisamente porque tem grandes despesas com a manutenção da guerra, possa satisfazer com a amplitude necessária as

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dificuldades da agricultura; por outro lado, compreende-se que o Estado cuide zelosamente da estabilidade da sua moeda, que está na base da sua capacidade para sustentar a guerra.
E assim se chega à política dos subsídios e ao aumento dos preços de alguns géneros produzidos pela agricultura. Para mim, o Sr. Ministro da Economia foi bastante claro e coerente quando na referida comunicação aborda aqueles dois assuntos; vejo nessas declarações sobretudo um sentido realista e uma preocupação de justiça. Atrevo-me a acrescentar um ligeiro comentário.
O subsídio é sempre um acto político simpático a quem dele usufrui, mas tem efeito exactamente oposto naqueles que nada recebem; como acto económico poderá ser aconselhável como agente fomentador de determinada actividade, para efeitos de exportação, por exemplo, ou como meio transitório compensador de qualquer reconversão agrária; a não ser assim pode possibilitar a sobrevivência de explorações agrícolas ruinosas e impede portanto as mudanças de culturas; neste aspecto é inimigo da reconversão. O subsídio é assim, no meu entender, um agente corrector, com carácter transitório e nunca permanente. Como é uma solução cómoda, e por vezes rendosa, daí muitos desejarem que seja considerado como permanente.
O problema do aumento dos preços de alguns produtos da terra é o que encontra maior audiência nos nossos agricultores. Há de facto um argumento poderoso e lógico apresentado pela lavoura e que parece de grande pertinência: os produtos agrícolas estão tabelados para defesa do consumidor, que é representado pela população dos sectores secundário e terciário, visto que a do sector primário vive muito da auto-suficiência agrícola e portanto é pouco afectada pelo aumento dos preços; em contrapartida não se segue critério idêntico para defesa do agricultor, tabelando os produtos industriais.
Esta diferença de critérios é considerada injusta pelo agricultor, e não se pode deixar de reconhecer que tem razão.
Sou portanto levado a reconhecer a necessidade de tempos a tempos se fazer um reajustamento selectivo do alguns preços, se não forem encontradas outras soluções que menos efeito tenham sobre qualquer possível tendência inflacionista que do facto possa resultar. Isto, porque continuo firmemente convencido que a nossa estabilidade, financeira está na base da nossa capacidade de defesa, e esta insisto; é de momento a mineira preocupação dos Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O caminho que me parece mais aconselhável e prudente seguir para aumentar o rendimento agrícola havia de resultar da conjugação das seguintes medidas:
Convencer o agricultor a substituir-se ao industrial e ao comerciante, organizando-se em cooperativas de compra, venda e transformação. Iniciativa que muitos estão tomando, felizmente.
Encaminhar a agricultura num sentido de uma maior produtividade.
Baixar os preços dos produtos;, ferramentas e máquinas necessários à valorização e trabalho das terras.
Rever e simplificar o circuito comercial dos produtos da terra, revertendo para o produtor parte do dinheiro absorvido pelo intermediário.

O Sr. Vaz Nunes: - Aí sim!

O Orador: - Já li e ouvi de bocas bem responsáveis que. os Açores poderão ser do ponto de vista agro-pecuário tão bons ou melhores do que a Dinamarca, não perdendo, bem entendido, a noção das proporções; e como nalguns casos estamos ainda no estádio de subdesenvolvimento, agora intelectual, em que se acredita mais facilmente no parecer de estrangeiros do que no dos nossos, posso reforçar a afirmação com a opinião de alguns técnicos dinamarqueses que em tempos andaram pelos Açores em prospecção.
Existem assim possibilidades enormes agro-pecuárias em quase todas as ilhas do arquipélago e especialmente em duas do meu distrito - Terceira e S. Jorge, esta agora tão tristemente martirizada pelas violências da Natureza.
Na verdade, estima-se que os Açores podem duplicar ou triplicar o seu armentio bovino e para isso será apenas necessário continuar a recuperação florestal e pastoril dos baldios incultos, prosseguir na melhoria da qualidade dos rebanhos e aproveitar melhor a riqueza da terra pela adopção de novos métodos e novas técnicas agrícolas. O primeiro aspecto está a ser muito louvavelmente realizado pela acção persistente dos serviços florestais e aquícolas que, em tão pouco tempo de actividade no meu distrito, estão realizando obra que se deve classificar de notável.
A melhoria da qualidade dos rebanhos processa-se com alguma discussão entre os técnicos e a maioria dos lavradores; o lavrador açoriano considera o leite como o produto principal e a carne como o subproduto; daí o desejar que a melhoria dos rebanhos se faça com base em raças essencialmente leiteiras; os serviços oficiais do meu distrito têm defendido a tese do equilíbrio, ou seja, do animal de características mistas como produtor de leite e carne. A verdade é que na defesa deste ponto de vista já se gastaram muitos anos e muitas centenas de contos, se não milhares, e não creio que seja acertado desprezar este esforço.
Mas também a Administração não pode ignorar os desejos dos lavradores, negando-lhes aquilo por que ambicionam. E por que assim deve ser, verificou-se no último ano um progresso acentuado na solução deste problema, com a importação (oferta do Governo dos Estados Unidos da América) de seleccionados reprodutores de tipo holandês e com a especialização de um técnico na inseminação artificial. O problema que ficará por resolver dependerá da organização dos serviços e da disciplina e consciência dos lavradores: passarão a existir dois tipos de rebanhos, um predominantemente leiteiro, vivendo nas regiões baixas, o outro de função mista, vivendo nas pastagens de altitude; é evidente que a mistura das duas raças deve ser evitada para que não aumente a confusão.
O aumento da produtividade da terra está dependente de uma larga propaganda junto do lavrador, que se convencerá facilmente quando «as contas lhe derem certas», ou seja, quando vir maior lucro, e sobretudo de um embaratecimento dos fertilizantes, que chegam às ilhas altamente sobrecarregados pelo custo do transporte. Para este ponto se pede a atenção do Sr. Ministro da Economia e creio bem que a solução já aqui apresentada pelo Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos merece ser ponderada.
E assim chego ao problema do abastecimento de carne ao continente. Os Açores têm contribuído para o abastecimento do continente com a média anual de cerca de 2000 t de carne; o continente importou do estrangeiro carne congelada à média anual de 5200 t no período de 1955-1961. Por uma simples conta e com um mínimo

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de lógica parece possível admitir-se que se os Açores duplicarem ou triplicarem o seu armentio bovino poderão cobrir uma grande parte do deficit crónico da produção continental de carne. Desnecessário evidenciar as grandes vantagens da solução.
Vejamos agora o resultado que se conseguiria com o leite e os lacticínios.
É sabido que o consumo de leite em natureza no continente é cada vez maior, havendo necessidade de retirar substanciais quantidades da indústria de lacticínios para satisfazer essa procura. E esta tendência cada vez se acentua mais e segundo os técnicos o previsto incremento da criação continental de bovinos leiteiros não preencherá as necessidades crescentes da população, que aumenta à razão de umas dezenas de milhares de pessoas por ano.
Nestas condições, os Açores, duplicando ou triplicando o seu armentio bovino, poderão, sem qualquer dificuldade, ser a base da produção de lacticínios para satisfação das necessidades totais, do continente e até para concorrer vantajosamente nos mercados internacionais com leite em pó e, para mim, que já conheço alguma coisa do Mundo, com o queijo de S. Jorge, aqui conhecido como o queijo da ilha.
Escuso-me de apresentar os números que são do conhecimento de todos os que se ocupam destes problemas.
Eles confirmam que a grande linha de acção do Governo sobre este problema deveria situar-se nos seguintes limites: os Açores os grandes produtores de lacticínios; o continente o produtor do leite em natureza.
Carne e leite industrializado sob várias formas são, por consequência, susceptíveis de serem produzidos nos Açores em muito maior quantidade para abastecimento do continente e maior equilíbrio da economia nacional. E para isso não será necessário pedir ao Estado grandes investimentos ou despesas; apenas seria indispensável que ele exercesse a acção coordenadora no desenvolvimento regional e a consequente acção integradora na economia nacional nos seguintes aspectos essenciais:

Uma orientação definida e clara sobre os problemas da carne e dos lacticínios dos Açores em relação às necessidades do continente.
Um comércio dos produtos, limpo de intermediados, com segurança e lucro para o produtor.
Um transporte adequado e de preço acessível.

Para a definição do primeiro aspecto os trabalhos de prospecção iniciados pelo I. N. T. I. devem constituir elemento indispensável às decisões que venham a ser tomadas. Devem por isso continuar, se possível com maior rapidez. Também a comissão especial encarregada de rever a Campanha de Fomento Pecuário (estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 44 419) não pode deixar de, quanto antes, integrar a pecuária dos Açores naquela campanha. Os serviços pecuários dos distritos podem dar uma magnífica colaboração por serem experientes e competentes.
O comércio da carne não pode continuar ao livre arbítrio dos intermediários, sempre com prejuízo para o lavrador. As comissões aos consignatários são muito discutíveis e a classificação da categoria do gado deve obedecer, em muitos casos, ao jogo escuro da negociata; tenho em meu poder algumas notas de despesa de exportação de gado vivo e verifico que um lavrador que embarca duas cabeças no valor de 11 000$ recebe líquido cerca de 20 por cento menos, dinheiro que se foi, no frete (10 por cento) e em duas dúzias de outras rubricas.
Experiências recentes feitas através da própria organização da lavoura, grémio-corporação parecem indicar que este deve ser o caminho a seguir, pelo menos enquanto o gado tiver de ser exportado vivo.
No comércio dos lacticínios, que também se faz com elevado prejuízo para o produtor, recomenda a lavoura açoriana a organização da Federação Nacional das Cooperativas de Lacticínios, orgão reputado indispensável à eficiência da comercialização (vide Jornadas Cerealíferas t Leiteiras, exposição do representante da lavoura açoriana, pp. 215 e seguintes).
Finalmente os transportes. Estes o calcanhar de Aquiles do progresso económico dos Açores porque sem eles as ilhas não comunicam, não progridem, não vivem; a empresa exploradora diz-se deficitária; existem erros de estrutura reconhecidos e apontados pelo Sr. Ministro da Marinha de então, agora nosso respeitado Chefe de Estado; tive oportunidade de desenvolver este assunto na primeira sessão desta legislatura; não creio que possa haver outra solução e estou em boa companhia, mas compreendo que são grandes as dificuldades para a conseguir.
O transporte do gado vivo é a pior solução para o produtor, mas talvez seja a melhor para o consumidor lisboeta; a solução recomendada oficialmente é a da exportação da carne frigorificada; isto exigirá pelo menos mais dois matadouros-frigoríficos, um em Angra do Heroísmo; ou talvez um barco matadouro-frigorífico que circulasse pelas ilhas de acordo com planos e horários estabecidos; a experiência do magnífico matadouro-frigorífico de 3. Miguel está ainda muito hesitante para que se tirem conclusões definitivas; estou no entanto convencido de que há-de resultar e trazer benefício.
Sr. Presidente: conta-se, com foros de verdade, que o general dos Estados Unidos da América Lucius Clay, quando responsável pelo governo militar de ocupação da Alemanha, um ou dois anos após a rendição desta, mandou chamar o ministro da Economia do embrionário Governo da república Federal e pediu-lhe responsabilidades sobre a forma como ele estava a conduzir a economia germânica e disse-lhe mais ou menos o seguinte: «Sabe que os meus técnicos e os meus economistas não acreditam nas soluções que está a dar aos problemas da República Federal». O ministro da Economia respondeu-lhe de pronto: «Não se aflija, Sr. General, porque os meus também não acreditam».
O ministro era o Prof. Ludwig Ehrard; o valor das soluções está à vista do Mundo.
A reconversão agrária deve ser o objectivo da política agrária do Governo, a conduzir com a prudência que não tolha a firmeza e a rapidez de execução. O desenvolvimento regional tem de ser coordenado e integrado no conjunto nacional.
Temos pressa, porque queremos viver melhor e queremos poder continuar a defender o solo pátrio.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: cerca de 4 milhões de portugueses da metrópole vivem da agricultura e nela se ocupam 45 por cento, aproximadamente, do total da população activa correspondente. Não obstante um tal volume, apenas a quarta parte do produto nacional provém das actividades agrícolas.
E, para melhor compreensão desta deficiência, acrescente-se que nos últimos cinco anos o produto formado na indústria e nos serviços cresceu à taxa média de 6 e 7 por cento, enquanto o acréscimo no da agricultura

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não foi além rio 2,4 por cento e, ainda assim, por forma bastante irregular.
Esta situação logo se vê que afecta poderosamente o nível de vida da Nação, reduzindo os índices dos seus valores médios a limites dos mais baixos da Europa e, consequentemente, não permitindo a quase metade da população continental senão uma vida de escassas possibilidades económicas e sociais.
Numa política de verdade, como foi definida, pelo Sr. Presidente do Conselho, a da Revolução Nacional, seria intolerável não dizer a verdade, mesmo que esta possa levar a concluir pela gravidade de situações cujo mal não estará em referi-las, mas em consenti-las sem procurar-lhes remédio e solução.
Aquela verificação exprime, sem duvida, um estado de crise, que desde há anos vem sendo denunciada sem discrepância, vem sendo diagnosticada, peles técnicos e pelos responsáveis, por forma um tanto contraditória, às vezes, segundo critérios que nem sempre parecem claros, e, para mal de todos, vem alastrando e agravando-se.
Por falta de providências adequadas certamente que aí cabem razões de natureza muito complexa que parecem mergulhar suas raízes no próprio todo da economia nacional.
Bem poderá acontecer que uma dela» seja até a falta de uma política económica institucional e por isso de continuidade assegurada, e directrizes bem definidas no âmbito do Estado Corporativo, independente e à margem de critérios pessoais responsáveis que por vezes se afiguram apostados em contradizer precisamente a orientação que os precedera.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Talvez aqui aflore um problema mais grave ainda, talvez.
Mas, para lá dessa consideração, temos de referir que a ausência daquela política económica, exprimir a falta de rumo certo e a consentir o que seriam desvios frequentes numa política agrária segura, e, porque esta não existe, se confundem com outras tantas e diversas orientações, responderá certamente, e em boa parte, pela incerteza e pela desorientação que dominam a lavoura e assim contribui também para o seu lamentável panorama actual.
Já tive ocasião de aqui citar a autorizada opinião do Sr. Prof. Doutor Teixeira Pinto, ilustre Ministro da Economia, ao apontar a causa principal do atraso da nossa economia perante as economias europeias: a falta de uma instrução de base, que tolhe a capacidade da grande maioria dos Portugueses e invalida o melhor capital da Nação - o capital humano. Não foge a esta fatalidade a agricultura.
E ainda na sua recente exposição o Sr. Ministro da Economia se lhe referia ao dizer que ainda há pouco um economista, ao estudar as estatísticas de um grande número de países, encontrou uma correlação extremamente significativa entre o produto por cabeça na agricultura e a percentagem de analfabetismo nos meios rurais.
Esta verificação mais faz avultar quês uma das primei, rãs infra-estruturas do progresso da agricultura há-de ser a instrução de quantos nela trabalham, instrução traduzida num ensino agrícola responsável em todos os graus, a corresponder às. exigências do nosso tempo.
Pela simplicidade das suas tarefas, pela rotina dos seus processos e pela própria condição da sua natureza, a actividade agrícola é o mundo do trabalhador indiferenciado, que, para nós, o mesmo é dizer é o mundo do trabalhador analfabeto.
A quase totalidade da nossa população activa sem qualquer instrução trabalha na agricultura.
Não merecerá muito a pena demorar-me a comentar o contrapeso que daí resulta para o progresso da lavoura e para o aumento da sua produtividade, da sua riqueza.
O fenómeno está hoje estudado e a vulgarização das suas conclusões levou-as a chegar a toda a parte.
Apenas para elucidação, anotarei que os peritos das Nações Unidas já em 1959 concluíram que o rendimento da agricultura poderia subir de 50 por cento em vinte anos, sem aumento de capital e sem reorganização do regime agrário, apenas na condição de os trabalhadores se instruírem e assim aplicarem nu sua actividade os conhecimentos das técnicas agrícolas.
Hei-de ainda referir a curiosíssima experiência levada a cabo na Dinamarca, se não erro: confiaram-se explorações agrícolas da mesma natureza e dimensão e com os mesmos meios u cultivadores com instrução primária, com instrução secundária e com instrução superior.
Apenas essa diferença de instrução fez aumentar o rendimento de 20 por cento em cada escalão; da instrução primária à secundária mais 20 por cento de rendimento; da secundária à superior também mais 20 por cento!
Admitindo, o que parece razoável, que do analfabetismo à instrução primária a taxa de crescimento seria idêntica, concluir-se-ia que a instrução nos três graus provocaria um aumento de 60 por cento no rendimento da exploração agrícola.
Em números absolutos, a formação profissional ao nível secundário dos trabalhadores agrícolas representaria um acréscimo de 4 milhões de contos anuais no rendimento agrícola nacional.
Mesmo sem esta hipotética conclusão a experiência é altamente demonstrativa do valor da instrução na actividade agrícola.
É certo que nela, mais que na indústria, vêm a ter influência factores que o engenho humano ainda não comanda - o sol na eira e a chuva no nabal exprimem, na sabedoria da nações, a utopia que, por enquanto, a ciência não desfez.
Pois mesmo assim, com sujeição a elementos incontroláveis, o rendimento agrícola aparece em perfeita correlação com a instrução de quem o serve e o procura.
E porque assim é, a mim me faz pena que as nossas escolas elementares de agricultura somadas às de regentes agrícolas não esgotem na sua contagem os números dígitos. Na Europa, países da nossa dimensão têm-nas às centenas.
Não ignoro o actual esforço do Governo na preparação e no aperfeiçoamento profissional dos trabalhadores agrícolas; através dos cursos de aprendizagem agrícola e cursos complementares correspondentes.
Só há que louvar tão meritória iniciativa, e se algo há aí a lamentar é que só tenham surgido tão recentemente.
A preparação neles ministrada é, evidentemente, muito elementar, mas constitui já um começo, e um começo de generalização do ensino profissional que certamente virá a transformar-se em salutar ponto de partida para nova e indispensável fase no ensino agrícola, integrado, aliás, nos planos da educação nacional.
Surgirá daí a nova mentalidade - a nova mentalidade que não terá já como símbolo a enxada mas a máquina, a dar prestígio profissional e social ao trabalho agrícola, tão rico de perspectivas humanas como o industrial ou o dos serviços.
Conquistada essa infra-estrutura - que o é afinal de toda a economia da Nação, e não apenas do sector agrí-

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cola -, será então possível encarar o que tem sido reputado como uma das causas do fraco rendimento da agricultura portuguesa - a falta de técnica adequada à nossa idade.
A técnica, em todos os graus das actividades agrícolas, não será, por si, remédio salvador, mas é evidente que consistindo na ordenação dos melhores meios para II obtenção da maior produtividade - e já vão aqui implícitos estudos idóneos feitos por gente idónea, tarefas idóneas executadas por gente idónea - há-de fatalmente conduzir a melhores resultados.

O Sr. Amaral Neto: - Muito bem!

O Orador: - Escusado será dizer que a técnica, neste como em todos os misteres, será o que forem os técnicos.
A actividade agrícola não se compadece com um sabor livresco, com uma erudição de gabinete, com uma técnica de burocracia.

O Sr. Amaral Neto: - Muitíssimo bem!

O Orador: - O técnico, seja qual for o grau da sua formação, tê-la-á polivalente - boa preparação escolar, sem dúvida, mas feita também a contas com a própria experiência, em comércio com a investigação, a experimentação, as realidades agrárias de todos os dias, de todas as estações, para que a imaginação montada nas teorias o não leve a concepções que a economia agrícola repudiaria.
Uma técnica servida por bons técnicos e dispondo do adequados meios de acção parece seguro que ajudaria a agricultura nacional a debelar a crise que a atormenta e que tão incisivamente recai sobre milhões de portugueses.
Os dois pressupostos referidos - uma instrução de base acrescida de um ensino profissional apto e o consequente alcance de uma mentalidade voltada à utilização dos melhores recursos técnicos teriam desde logo profunda influência no aspecto social mais saliente da economia agrária nacional - a redução do número de quantos nela trabalham a um nível europeu.
Na agricultura ocupam-se, como já anotei, cerca de 45 por cento do total da nossa população activa. Mas aquela média, até porque o é, não permite avaliar bem as incidências regionais do fenómeno, que apresenta índices muito mais elevados na maior parte dos distritos rurais do continente, com o inevitável agravamento das condições económico-sociais que ele já de si exprime.
E, como exemplo, direi que no distrito de Castelo Branco, que tenho a honra de representar nesta Câmara, e apesar de contar com os núcleos fortemente industrializados na Covilhã, Tortosendo, Cebolais e Retaxo, a percentagem da população activa agrícola aproxima-se ainda dos 60 por cento.
É evidente que a agricultura não carece de tantos trabalhadores. Ela precisa de bons trabalhadoras, que, sendo-o, mesmo reduzido o seu número a 50 por cento do actual, responderão afoitamente por uma produtividade maior e melhor que a atingida agora pela totalidade.
Se 45 por cento da nossa população activa apenas contribuem com 25 por cento para a formação do produto nacional, já de si modesto, a respectiva capitação média tem forçosamente de ser baixa e diminuta, o que coloca o trabalhador agrícola em condições extremamente desfavoráveis em relação ao trabalhador dos sectores secundário e terciário. Gera-se aí a «miséria imerecida» da nossa vida rural, mais flagrante ainda nas pequenas lavouras, que, abrangendo 85 por cento dos agricultores, apenas detêm 21 por cento do rendimento do sector agrícola!
Louvada seja a sua sobriedade, o seu amor à terra, a sua resignação, a sua tenacidade no trabalho, que bem merece prémio bem diferente.
Importa, pois, estudar e realizar sem demora as soluções que aproximem o - trabalhador rural, na sua remuneração e no prestígio social do seu trabalho, na valorização psicológica do seu mister, dos trabalhadores dos outros sectores.
A solução espontânea que parece vir a acentuar-se ano a ano é o êxodo rural. Ele constitui uma resultante inelutável daquelas condições económicas e sociais, e demonstrado está na avassaladora emigração clandestina, sobretudo para a França, e é inútil tentar opor-lhe soluções legais sem o apoio das reais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Importará antes estudá-lo nas suas determinantes de múltipla natureza e transformá-lo de fuga desordenada e rebelde, mas de fácil compreensão e justificação, em movimento ordenado e orientado para um mundo melhor, para um mundo de trabalho que assegure aos profissionais das actividades agrícolas as condições que invejam aos profissionais dos sectores secundário e terciário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para tanto, é desde já indispensável reduzir, numa primeira fase, a cerca de 50 por cento da actual, a nossa população activa da agricultura.
Alcançado esse êxito - e só daqui a muitos anos o teremos! -, ficaremos ainda aquém da actual média europeia, que é da ordem dos 20 por cento, mas, e ainda que a produtividade se mantivesse estacionária, e tal não é de admitir, essa situação dar-nos-ia uma capitação média para o trabalhador agrícola dupla da actual.
Mas é ainda lícito supor que aquela redução de mão-de-obra não só não afectaria a produção, como até viria melhorá-la: o funcionamento da economia agrária, digamos assim, no seu complexo processo, irá libertando mão-de-obra, na quantidade, à medida que a for dominando a qualidade - donde, largo benefício para a produção.
É longo este processo. Na progressiva economia norte-americana levou 70 anos a redução da respectiva população activa agrícola, de 43 por cento para os actuais 10 por cento. A produtividade, por sua vez, foi crescendo em ritmo bem mais largo: estes 10 por cento de hoje produzem mais do triplo dos bens por que respondiam aqueles 43 por conto de há 70 anos.
Mas com o seu longo processo mais importará não demorar a aceleração da sua marcha, isto é, mais importará ir realizando com a urgência possível aquelas providências que permitam à lavoura ir dispensando cada vez mais trabalhadores com simultâneo acréscimo dos seus índices de produtividade e que permitam aos restantes sectores ir observando o trabalho de que a agricultura não precisa.
Esta mobilidade profissional não pode, porém, consentir-se que se transforme em fórmula que vá engrossar o já volumoso urbanismo, já que o sector terciário, «a par das mais prestimosas profissões, abrange toda uma série de actividades cuja utilidade social é das mais duvidosas, se não abertamente negativa: intermediários descabidos, funcionários sem função real, parasitas de toda a ordem, profissões liberais em quantidade exagerada, e até agentes de perversão moral, aventureiros do pior quilate, etc.».

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Ao contrário, terá ela de ser aproveitada para uma conveniente expansão económico-industrial, local e regional, que corresponda aos necessários ajustamentos sociais.
Menos trabalhadores na agricultura não significa, assim, mais habitantes na cidade, mas apenas mais unidades industriais, complementares ou não da agricultura, a enriquecerem os meios rurais de todas as regiões do País. Uma agricultura progressiva pressupõe uma indústria próspera a solicitá-la, a estimulá-la, a fortalecê-la, desde a aquisição de matérias-primas que lhe pede cada vez em maior volume e por melhor preço, aos consumidores que lhe oferece também cada vez em maior número e com maior poder de compra.
E por isso se me afigura que a crise da lavoura nacional alcança, no seu diagnóstico, as próprias relações com a indústria, que no seu actual estado de reorganização e funcionamento a não alivia, se é que a não agrava.
Não desejo entrar nesse exame - o das relações criadas por condicionalismos legais entre a lavoura e a indústria. Não fujo, porém, a registar como índice o que se passa neste pormenor: o exclusivo da laboração da cortiça de falca, mercê de um condicionamento industrial que suponho, pelo que dele conheço, altamente nocivo em muitos dos seus aspectos para a economia nacional, obriga a lavoura a vendê-la, a quem tem esse exclusivo, por preço sensivelmente igual a metade daquele por que a venderia se essa modalidade industrial se exercesse em regime que permitisse a livre, sã e desejável concorrência.
E como anda pelo milhão de arrobas a quantidade anualmente extraída daquela cortiça, a lavoura deixa aí de receber uns milhares de contos em benefício de outrem, graças ao condicionamento industrial.
Neste exemplo de mero pormenor, como disse, aflora um difícil e grave problema - até onde vai a responsabilidade do condicionalismo legal criado à indústria pela crise da agricultura?
Esta crise, em quantos dela se têm ocupado, parece ser mais de estrutura que de processo e parece exigir profunda reconversão em certos sectores da nossa economia agrária.
As providências anunciadas e já em execução para alguns deles não terão logrado unânime acolhimento. Sobretudo pelo que respeita ao fomento do regadio alentejano, são díspares as opiniões autorizadas.
Outro tanto o serão ainda as que incidem sobre a florestação que vem sendo proposta e defendida como um dos elementos da solução para a mencionada crise. Nem admira que assim seja.
Frente a uma arreigada tradição secular de culturas que, embora probríssimas, vêm resistindo a solicitações renovadoras, frente a uma como que ancestralidade de animadversão à árvore (talvez herdada dos Árabes!), a um conservadorismo que tem tanto de cómodo como de indolente, a uma lavoura de tão exíguos réditos que não permite uma poupança para alguns anos que consinta o desenvolvimento das árvores sem apreensões, frente a uma mentalidade pouco evoluída e a um generalizado desconhecimento da natureza e aptidão dos solos, como não entender a incompreensão de muitos per a ate as vantagens da silvicultura e as suas possibilidades de verdadeira solução para uma boa parte da agricultura nacional?
E, no entanto, é hoje um lugar-comum afirmar que dos 8 900 000 ha de terra da metrópole, cerca de dois terços só comportam uma exploração florestal desde que se pretenda fazer neles uma economia de lucro. Assim o pedem as condições edafo-climáticas aí dominantes. Com efeito, solos altamente erosionados e erosionáveis, solos desprovidos de camada arável, solos degradados e econòmicamente improdutivos, solos de fraca fertilidade natural, solos declivosos, solos delgados de granito, clima irregular com quedas pluviométricas anuais que ficam, em média, aquém dos 500 mm, parecem definir, nesses dois terços da terra metropolitana, uma decidida vocação florestal.
Há aí um imperativo do mundo físico que é preferível aceitar a combater ou mesmo a contrariar.
A essa como que fatalidade da própria natureza somam-se razões de conveniência económica, traduzidas desde logo na obtenção de novas possibilidades de criação de riqueza.
Na verdade, «ao revestimento florestal se fica sempre devendo a melhoria do clima, a defesa e regeneração do solo,. com o aumento das suas reservas hídricas, a regularização dos cursos de água, com os naturais reflexos no regime das cheias e no problema de assoreamento das albufeiras, a valorização turística do meio rural, a absorção de mão-de-obra excedente ou mal remunerada e, consequentemente, a fixação do elemento humano pela garantia de trabalho na constituição e exploração dos povoamentos e possibilidade de instalação de novas actividades subsidiárias, o encorajamento do progresso geral das populações mais afastadas, mercê das imprescindíveis linhas de penetração constituídas pelos caminhos florestais rasgados nos serranios».
Por outro lado, as perspectivas de uma economia florestal são aliciantes.
Os países da Europa ocidental, diz a F. A. O., terão, a partir de 1967, um deficit anual de 50 000 000 m3 de madeira e só para a Espanha está previsto um deficit que atingirá 17 000 000 m3 em 1975.
E que o consumo de madeira vai em ascensão permanente. A produção de pasta aumentou cerca de 80 por cento nos últimos dez anos. A química extrai cada vez mais produtos da madeira - desde os fertilizantes orgânicos às lacas, vernizes, tintas, filmes, plásticos, fibras variadas, etc.
Por outro lado, ainda a florestação permite a desconcentração industrial com todas as vantagens sociais inerentes. É possível e devem mesmo implantar-se nos respectivos enquadramentos regionais as unidades fabris dela dependentes com matéria-prima - e tantas são.
A rentabilidade por hectare dessas terras ora empobrecidas, quando revestidas de floresta, fará multiplicar os índices actuais.
É que, como acertadamente escreveu o engenheiro silvicultor Gabriel da Costa Gonçalves, a florestação «tornará possível uma fácil, segura e remuneradora colocação dos produtos e o substancial aumento da nossa produção e, em muitos casos, exportação de madeiras, cortiças, resinosos, pastas de papel, óleos essenciais, aglomerados, desenrolados, painéis de madeira aglomerada ou de partículas, painéis de fibra, caixas e embalagens, etc.».
Não obstante tantas e tamanhas vantagens, a florestação vem a processar-se com o ritmo tão lento, que, a manter-se, levará muitas décadas a cobrir de árvores os quase 4 000 000 ha desnudos de vegetação. E no entanto torna-se indispensável atingir esse efeito em breves anos.
A proposta de lei que em 5 de Março de 1857 foi apresentada à Câmara dos Deputados dava ao povoamento florestal uma solução tão empírica como fácil. Havia ao tempo 3800 autarquias locais. Cada uma delas teria de, em cada ano, fazer o revestimento florestal de 1 ha: em 100 anos seriam arborizados 380 000 ha!
Como se vê, era simples, tão simples que não deu qualquer resultado ...
E, no entanto, se assim se tivesse praticado, o País estaria hoje quase inteiramente florestado nos seus 6 000 000 ha, aptos apenas para essa forma de explora-

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cão agrícola. E, se assim fosse, certo seria que a crise da agricultura não teria talvez surgido ou, pelo menos, não teria atingido a gravidade que lamentamos.
Certo é, porém, que assim não foi e a realidade é hoje bem diversa.
Cingindo-me ao distrito de Castelo Branco, direi que dos sons 670 000 ha se encontram arborizados cerca de 21,5 000 ha. o que representa 32 por cento aproximadamente da área total.
Poderá fornecer uma taxa relativamente elevada em relação à percentagem de outras regiões de menor florestação. É, porém, sensivelmente idêntica à percentagem geral do País; mas isso deve-se, sobretudo, à mancha de pinhal da parte ocidental do distrito, abrangendo os concelhos da Sertã, Proença-a-Nova, Oleiros e Vila de Rei, que, só por si, cobre um pouco mais de um terço de toda a, área florestada do distrito.
Não possuindo solos ricos, à parte a Cova da Beira, as zonas marginais dos cursos de água mais volumosos e alguns solos aluvionais e constituindo o conhecido complexo xisto gresoso das Beiras vasta extensão da sua superfície, o distrito de Castelo Branco é florestável em 70 por cento da sua área, na autorizada estimativa do Eng.º Gabriel Gonçalves.
Isto é, estão por florestar mais de 50 por cento dos sectores carecidos de vegetação, no total de 250 000 ha.
«No ritmo do reflorestamento actual escreve aquele proficiente técnico - necessitaríamos de 50 anos para atingir aquele objectivo - a florestação completa de 70 por cento da. Beira Baixa: mas - continua - devemos reduzir aquele prazo para 20 anos, por uma questão que não será exagero denominar de sobrevivência».
Este ritmo não será de sobrevivência apenas para a Beira Baixa, mas para todo o País.
Na Europa, que avança para a economia comum, de alta rentabilidade, nós temos, para nela coexistirmos em nível digno, de lançar-nos à conquista de todos os nossos recursos, com coragem e sem perda de tempo, sob pena de mais agravarmos o nosso atraso, já que, como ensinou Varrão há 2000 anos e o Sr. Ministro da Economia citava há dias - rés rústica sic est, si unam rem sero feceris, omnia oporá sero facies.
Quanto comentei - uma política económica institucional, acertada, segura e bem definida, uma instrução de base acrescida de um ensino profissional agrícola adequado, uma técnica correspondente ao nível científico do nosso tempo, a reconversão de estruturas com relevância para o sector florestal - serão condições de progresso ou sobrevivência. Não explicam, porém, só por si, a actual situação da lavoura nacional, por vezes desoladora. Mesmo sem aqueles pressupostos, não se alcança justificação paria certo comportamento oficial em relação à agricultura.
É inegável que «o grande volume da agricultura justifica para ela as maiores atenções; tudo o que afecta a agricultura para bem ou para mal afecta no mesmo sentido toda a economia portuguesa», como se lê no douto parecer da Câmara Corporativa sobro o I Plano de Fomento. Mas das palavras aos actos vai aqui distância grande. E começa logo por notar-se nos próprios planos de fomento a desigualdade de tratamento dispensado à agricultura, que aí também aparece como enteada da economia nacional.
No I Plano de Fomento, não obstante a relevância nele reconhecida à lavoura, na qual trabalhava então 50 por cento da população activa nacional, da qual vivia cerca de .metade da população metropolitana, apenas 10 por cento dos investimentos foram destinados ao sector primário. Os sectores secundário e terciário - indústria e serviços - foram contemplados com quase 90 por cento dos 12 500 000 contos que representaram o total dos investimentos daquele Plano de Fomento.
A diferença é excessiva para que fique sem reparo. Se até aí a agricultura vinha já atrás da indústria com todos os inconvenientes sociais .para a maioria da população metropolitana, a partir de então o atraso mais se acentuou, o que viria a reflectir-se social e psicologicamente, e de modo incisivo no lamentado êxodo rural, lamentado, sem razão, aliás.
O II Plano de Fomento, ora a chegar ao fim, acudiu em parte a tão flagrante desigualdade de tratamento, mas não foi ao ponto de remediar a injustiça.
Dos 21 milhões de contos que constituíam o total dos seus investimentos, atribuiu à agricultura 17,3 por cento, no total de 3 630 000 contos.
Houve aqui já um tratamento mais justo, mas que ainda assim, na diferença que resulta do seu confronto com o dispensado aos restantes sectores, parece confirmar que no pensamento oficial a lavoura continuava a ser o parente pobre ...
Parente pobre quando é ocasião de contemplá-lo em planos de fomento, em concessões de crédito, em privilégios e regalias fiscais ou de outra natureza.
Mas parente rico quando se trata de lhe exigir sacrifícios de toda a ordem e que nesse caso se supõe com capacidade para suportar ...
E assim não deixa por vezes de aflorar pelo menos certa ironia nas comunicações oficiais ou oficiosas que vêm anunciar que a lavoura comprará os adubos, os tractores, as demais máquinas e os combustíveis ao nível médio europeu. E parece generosa concessão equipará-la à dos povos da Europa quando se trata de lhe vender o de que ela precisa.
Mas quando é o caso de ser ela a vender o que produz, então o nível a ter em conta já não é o médio europeu, mas talvez o africano.
E que a lavoura portuguesa, a que compra o que precisa ao nível médio europeu, é, em toda a Europa, a que menos recebe pela carne que vende - e seja ela de origem bovina, suína, ovina ou outra. E outro tanto se verifica em relação ao vinho e ao azeite, duas das maiores produções da agricultura nacional. Pois também aí os agricultores portugueses têm de invejar a sorte dos seus colegas europeus, que vendem esses produtos por preços por bem mais compensadores. Nos cereais, salvo o arroz, que a lavoura nacional vende pelo mais baixo preço da Europa, a situação melhora um pouco.
Mas importará ainda acrescentar que os preços a que a lavoura vende os seus principais produtos, além de serem dos mais baixos da Europa, também no próprio mercado interno não têm acompanhado a evolução dos preços dos produtos industriais. O índice de crescimento neste excede cerca de 70 pontos o índice de crescimento dos produtos agrícolas. Se estes acompanhassem os primeiros, a lavoura estaria a receber anualmente alguns milhões de contos a mais, tal como recebe a indústria. E daí penso que não adviria a inflação a que aludiu o nosso colega Dr. Armando Cândido.

O Sr. Armando Cândido: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. Armando Cândido: - Uma revisão pura e simples encaminhada no sentido da alta dos preços seria o caminho aberto para a inflação. Mas admiti a revisão apertada dos circuitos de distribuição, de modo a beneficiar o produtor, e admiti ainda uma actuação selectiva

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nos preços, também a favor do sector primário. Foi isto o que disse, a propósito e em resumo.

O Orador: - Obrigado pelo esclarecimento de V. Ex.ª
Embora assim prejudicada, ela não cessa de aumentar o volume da sua produção em ordem a ocorrer às necessidades do País e a acautelar a nossa balança de pagamentos. Com sacrifícios? Sem dúvida, mas com uma noção das suas obrigações sociais e do seu dever patriótico a que não sabe pôr limites.
«A política de preços agrícolas é indispensável - acentuou há dias o Sr. Ministro da Economia -, mas - continuou - não se tem adaptado às condições cambiantes do comércio e produção e encontra-se estruturalmente desajustada às condições ecológicas da produção. O reconhecimento e o ordenamento agrários mostram este desajustamento».
Nasci: aqui uma nova esperança para a lavoura.
O seguimento de tão autorizadas palavras será certamente o estudo das providências que coloquem a política dos preços agrícolas na sua genuína directriz, que há-de pôr fim, não por efeito de soluções artificiais, mas por força de uma adequada expansão económica, ao desajustamento daqueles preços. E essa é, como outras que referi, substancial achega para debelar a crise da agricultura nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: proposto pelo meu distrito, o do Porto, para fazer parte desta Assembleia, particularmente em atenção ao sector agrícola, nunca poderia deixar de usar da palavra frente a problema de tanta monta para a lavoura: seja o do aviso prévio do sr. Deputado Amaral Neto sobre a grave crise com que este ramo vital da economia se vê actualmente a braços.
Palavras, as minhas, decerto curtas. Os oradores intervenientes no debate, que só não esgotaram a matéria porque ela é inesgotável, focaram-na, no entanto, esclarecedoramente por diversas das suas mais importantes facetas. Assim, procurarei evitar, por ocioso, repeti-los.
De resto, Sr. Presidente, por carência de matéria legislativa, estamos a viver, sobre nós, em regime de como que uma espécie de autofagia, qual seja a da discussão destes sucessivos avisos prévios.
Embora de certa maneira tal regime possa dar aos que pensam como em melhor satisfação à natureza mais representativa do que parlamentar que deveria caracterizar os trabalhos desta Câmara, a verdade é que o exclusivo recurso ao consumo das nossas próprias reservas a prudência aconselha seja usado com morigeração. Este ainda dobrado motivo de certo laconismo, já que à vista temos, outro aviso prévio sobre o qual também não faltará que dizer.
Sr. Presidente: terão de ser de louvor para o autor do aviso as minhas primeiras palavras, pela notável lucidez, largueza e objectividade com que nesta Assembleia fundamentou o seu trabalho, por forma a nos impressionar.
E isto o digo não só por mim mas pelo que me tem sido dado ouvir, por forma a nos impressionar, a nos esclarecer e a nos convencer, quando, para, além da oratória proferida nesta tribuna, nos recolhemos na leitura meditada do correspondente texto. Trata-se, por certo, de trabalho que, até pelo gosto impecável ia redacção, pode sofrer sem desdouro confronto com o que de melhor sobre matéria agrícola haja sido outrora presente em Cortes. Exemplifico: o projecto de lei de fomento rural de Oliveira Martins, os relatórios de Emídio Navarro, de Elvino de Evito, da legislação vinícola de 1907-1908 ...
Ao Sr. Deputado Amaral Neto, por isso, renovo a minha homenagem, acrescentando ter tido ele ainda a virtude de dar ensejo à vasta e sábia exposição do Sr. Ministro da Economia sobre o assunto que nos absorve.
Esta oportuna exposição comporta muitos elementos esclarecedores da panorâmica internacional da economia agrícola e de como, face a ela, se comporta o nosso país, e das medidas que o Governo se propõe tomar para enfrentar tão evidente estado de crise. A S. Ex.ª os devidos agradecimentos, até pelo propósito que a sua iniciativa implica de útil colaboração para, ao III vista ao bem comum, se arrostar a ingrata conjuntura actual.
Será, pois, no pressuposto destas duas deveras importantes peças que nos cumpre fazer algumas considerações.
Procurou o Sr. Eng.º Amaral Neto, como expressamente o consignou, evitar referir-se a antecedentes históricos de intervencionismo do Estado que pudessem ter contribuído para a presente deterioração económica, e antes quis, para sua análise, partir apenas da observação da sua actualidade.
Supomos que nada obsta a que se lancem umas miradas retrospectivas sobre os precedentes da situação actual para que delas pelo menos se possa colher proveitosa lição.
E como o colorido das coisas não pode fugir a figurar-se pela cor dos óculos com que se observa, começarei por lembrar - já mais de uma vez o tenho referido perante esta Câmara - que sou daqueles que ainda acreditam no rigor inerente às leis naturais. Rigor, já se vê, temperado pela aceitação de que o racionalismo do homem possa, com paciente argúcia, corrigi-las, mas sempre pressupondo-as. É o sabido conceito de Bacon: Naturae non imperatur, nisi parando. E nem por outro processo foi possível edificar a multimilenária obra do agro, indispensável alicerce económico da nossa civilização e que representa ainda - e por que não sempre? - as suas mais sólidas paredes mestras.
Tanto basta para nos apercebermos de como é fundamental neste capítulo o elemento humano, e assim quanto se falseia toda a economia ou quando ele se esmaga num materialismo que lhe nega o elemento alma, ou quando esta se abstractiza num como que átomo psíquico à maneira da escola austríaca. Não: economia integrada no condicionalismo dos outros factores sociais, familiares, religiosos, éticos, jurídico-políticos ... Mas não perdendo de vista que nenhum deles pode ignorar os condicionalismos das leis naturais; e dos riscos e retornos a sofrer quando elas não são tidas na devida conta.
É ponto assente, e nisto não se nota discrepância grave entre as considerações introdutórias do discurso do Sr. Deputado Amaral Neto e a exposição ministerial, que a crise da lavoura não é fenómeno particularmente nacional, mas antes forma de um movimento geral que se vem processando e agravando com a progressão geométrica da industrialização.
Mas, ante a fraqueza da nossa economia - só económicamente entendida -, tal processo não pode deixar de revestir aspectos agravados que se traduzem na depressão comparativa e no correspondente mal-estar das respectivas populações. Daí a consequente pressão para o êxodo que se exerce, e em particular na gente moça, muito para além do que seria normal e até por isso salubre: o vigor e a virtude da gente do campo renovando a depauperante vida urbana.

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Mas, para além desta, chamemos-lhe -não «vento», que seria excessivo, além de suspeito-, e antes, «aragem da história», para além dela, dizíamos, algo diferente não teria contribuído para, entre nós, agravar o seu influxo? Conjuntura tal não haveria sido coadjuvada por certas orientações e medidas por de mais directas e estritas tendentes a contrariar a natural inclinação oscilante dos preços, que reduzem o consumo ao subir, e facilitam o escoamento ao baixar? Suponho bem que sim.
Isso deve, em espécie, fixar-se no trigo e na evolução que o respectivo regime cerealífero legal tem sofrido, desde os fins do século passado que lhe instituiu o proteccionismo a, que a memória de Elvino de Brito anda perduràvelmente vinculada.
Tendia originàriamente esse proteccionismo a fomentar na metrópole o incremento da produção trigueira, em termos a corrigir o ónus com que a sua importação pesava sobre a nossa balança de comércio.
Muito de substantivo se conseguiu através dessas medidas em termos de proveito para a lavoura e para o abastecimento do País. Mas sobreveio o novo regime, apoiado na bem conhecida propaganda demagógica desencadeada para o efeito, com o fácil engodo do embaratecimento da vida a que o consumidor corrente é sempre tão sensível. Foi a célebre propaganda espirituosamente ao tempo cognominada do «bacalhau a pataco».
Não podia ela deixar de reflectir-se no desejo de tender a. fixar favoravelmente ao consumidor o preço do pão. Foi o chamado «pão político».
Sobreveio a guerra de 1914 e os duros períodos da sua duração, agravada pela escassez de meios que a nossa intervenção nela acarretou, e aí temos a necessidade de ajustamento dos preços que a quebra da moeda impôs, com a premência do risco de o País ficar sem trigo, cuja produção se restringia, e ter de recorrer de novo cada vez mais à importação caríssima desse cereal base. E isto com a agravante da incidência de retorno, de a correspondente exportação de divisas contribuir para agravar a depreciação monetária.
Ora, quanto, materialmente, tais ocorrências provocaram o estado de deterioração económico-financeira que nós sabemos, no plano dos valores do espírito estavam elas, contudo, a preparar o terreno político para o sobressalto nacional que explodiu no 28 de Maio.
Naturalíssimo que o problema do abastecimento cerealífero do País fosse de logo encarado como indispensável e coerente complemento da reforma financeira promulgada pelo Doutor Oliveira Salazar, e aproveitando-se precisamente a aura de confiança que ela insuflou.
E assim, sob o clima do tempo, se explica e justifica «a Campanha do Trigo», que bem honra a memória do Ministro Linhares de Lima. Não obstante os inconvenientes e, porventura, exageros que mudanças de circunstâncias têm posto a nu, teve ela próximos e benéficos efeitos, sobretudo pela sua contribuição para o abastecimento do País, já desde a guerra de Espanha, mas, sobretudo, durante a segunda guerra mundial.
E porque vem a propósito do benefício que a produção trigueira trouxe ao País neste período difícil de guerras, não posso deixar de relembrar - já há dias em aparte aludi ao facto - idêntico benefício que ao País trouxe o incremento, protegido pela garantia de preços e assistência técnica, do arroz; e, até certo ponto, da batata - esta sob a espécie de semente. Permitiu tão previdente protecção que o abastecimento do País na emergência se comportasse razoavelmente, em contraste com a forma difícil e desordenada como se desenrolaram os correspondentes factos no período da primeira dessas guerras.
E, ainda a este propósito, em 1939-1945, não dispúnhamos da marinha mercante suficiente que hoje adquirimos, graças às sábias e previdentes medidas a que está ligada a iniciativa de S. Ex.ª o Almirante Américo Tomás e nos tem permitido fazer face à guerra que nos movem no ultramar.
Tanto basta para mostrar quanto neste ponto os encargos que o erário público tem suportado, embora de entrada o não parecessem, têm sido baratos para os proveitos que nacionalmente deles colhemos.
Vínhamos falando, antes do enunciado destes episódios atinentes ao mesmo tema, das sucessivas implicações políticas do regime cerealífero e estávamos aludindo ao benefício que dos resultados dessa campanha do trigo nos adveio durante a segunda guerra mundial.
Foram tabelados diversos preços de artigos de primeira necessidade para se resistir, como conseguiu resistir-se, a um natural movimento de alta incontrolada, de pânico quase visceral, próprio de tais circunstâncias. Volvidos, porém, os cinco anos da guerra, verificou-se o contrário do que me parece se deveria ter vindo operando precavidamente, e que por respeito ao consumidor - além da preguiça a favor do que está - se não fez: irem-se soltando os preços tabelados, embora gradualmente. Na França, seguiu-se critério diverso, com o inquestionável benefício do não empobrecimento da sua lavoura. Fez-se isso cá também, quanto às lenhas e ao milho, no consulado económico do Sr. Eng.º Vieira Barbosa. E o facto não trouxe realmente sobressalto apreciável.
Isto trazemos à colação particularmente visando o problema pecuário, tutelado pelos tabelamentos das carnes no comércio, que alguns oradores que me precederam sabiamente focaram e cuja matéria aqui fora já largamente debatida, quando há anos do aviso prévio do Sr. Eng.º Nunes Mexia, douto pai do ilustre Deputado que aqui há dias tivemos proveito de ouvir.
Com efeito, falamos deste produto rural, e com ele ligado o do leite, pelas palpáveis incidências económicas do seu tabelamento. Este, que, passada a guerra há muito, também hoje podemos qualificar de político - estratégico, se preferirem -, também tem acarretado repercussões graves.
Com efeito, tal sistema tem provocado a deterioração do interesse e até do gosto do lavrador pelo seu gado, que vai reduzindo, com graves e bem notórias consequências: para a economia da Nação, a de ter de importá-lo para o abastecimento público, e para a terra-madre, a do correspondente empobrecimento em indispensável matéria orgânica.
A progressiva deficiência de matéria orgânica algo deve ter contribuído para o estado de esterilidade que se verifica no Alentejo actualmente, embora nem só isso a explique. Aliás, parece que fraca recuperação de húmus para o efeito comporta a estrumação verde.
Assim concluiu o Sr. Engenheiro Agrónomo Almeida Alves no seu estudo sobre o «Problema da manutenção da fertilidade na agricultura do Sul», extractado recentemente no n.º 26 de Temas Económico-Agrários, publicado pela Junta de Colonização Interna.
Esta deficiência de matéria orgânica por certo se tem repercutido em todas as terras do País, sobremaneira nas magras, embora a sua apreciação escape à sensibilidade imediata. Não deixa contudo de pesar gravemente na fertilidade dos campos, a qual não pode ser-lhe restituída por simples incorporação de adubos químicos e correctivos. Aqueles aplicados estremes «queimam as terras» - os lavradores assim dizem - famintas de húmus, estes

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nada podem corrigir quando falta a matéria-prima susceptível de correcção ou complementar dela.
Eis aqui, incidência remota mas certa, de causa a efeito, de se não haver atendido a certas leis naturais. Em período temporário, de salus populi, o recurso a deter -, minadas medidas torna-se imperativo. For alguns anos, mas não muitos, seus múltiplos efeitos, podem limitar-se, mas, convertendo-se em regra, tais efeitos passam a impor-se em crescendo alarmante.
Este aviso prévio foi determinado pelo problema do trigo. O problema dos outros dois mais importantes cereais abastecedores do pão nacional, o milho e o centeio, não poderia estar ausente nesta discussão.
Os problemas correlativos, e até, como vimos, o pecuário, são entre si complementares. Hoje tu, amanhã eu. Na protecção que a cultura do trigo deva continuar a merecer não podem esquecer-se esses outros cereais panificáveis, e nunca deverá fazer-se em prejuízo do seu consumo. Isto porque, se na região própria para centeio melhor se pudesse produzir trigo, por certo ele já de há muito lá se teria consolidado. Quanto ao milho, penso, contra o parecer de alguns, que mesmo desprotegido como está nunca deixará de desempenhar papel importantíssimo, mesmo sem falar no monetário, na economia agrária do nosso Noroeste.
Desde que lá foi implantado, oriundo da América, pelo século XVI, e repelindo o milium e o trigo - não o centeio, com que na panificação se associa -, passou a desempenhar uma função forrageira felicíssima. Tornou-se então possível, aumentando consideràvelmente a produção de pão, conservar na mesma o gado de Verão, não obstante converterem-se em campos cerealíferos grande parte de lameiros.
Aumentaram decerto então consideràvelmente aproveitamentos marginais as linhas de água que trouxeram à paisagem do Noroeste aquela viridência estival que nos deslumbra.
Na associação do milho com o feijão, além da sua alternância com as pastagens de Inverno, se deve encontrar a explicação da perene e miraculosa fertilidade da nossa região.
Ora, também na reconversão à cultura do trigo de parte da terra minhota que para tal se preste, associando-o ao restivo milho de relva - o que já começa a praticar-se tanto com o trigo como com o centeio e com felizes resultados -, pode estar não desprezível contributo para uma solução construtiva do problema do pão em Portugal.
E cumpre-me ainda a propósito consignar as perspectivas de mercado industrial que para o milho acaba de declinar o Sr. Deputado André Navarro.
Tem tido por fim esta minha intervenção sobretudo focar os aspectos da realidade das leis naturais a que, como atrás, dissemos, se não pode fugir senão torneando-as prudentemente.
Mas, por outro lado, tem também por fim chamar a atenção para o nosso condicionalismo geopolítico, que nos obriga a prevenir-nos dos dois grandes flagelos possíveis, o da guerra e o da fome.
E como escapar-lhes em tempo útil - caso venham a dar-se em cadeia -, se, minimizando-a, nos esquecemos da experiência consagrada de cultivar o nosso pão?
Se esquecermos de mais, em nome da deseconomia da produção trigueira, hoje, amanhã porventura da do arroz, e, sobretudo, da revolução industrial que é preciso açodadamente precipitar, podemos ver-nos declarada uma guerra em circunstâncias dificílimas, por carecermos de trigo, que por preço algum se nos venderá, trigo que hoje podemos obter, cedido como excesso, por preços incríveis de liquidação.
Ora esta eventualidade o passado e o presente não nos permitem encará-la como sequer improvável; em face do seu risco, embora desamarrando o regime trigueiro de um proteccionismo excessivo de subsídios directos ou indirectos, porque não atribuir àqueles produtos cerealíferos antes certa melhoria de preço? Não será tempo já de que o consumidor colabore mais conscientemente na sua obtenção, conforme o Génesis, e, segundo a verdade do seu custo, «com o suor do seu rosto»?
Ora, simples ponderação comparativa dos preços do sector industrial e do sector agrícola, reportados aos anos de 1940 e de 1960, é de impressionante eloquência, firmando-se aqueles quase sempre acima do valor do correspondente poder de compra da moeda e estes sensivelmente abaixo.
É o que se verifica pela leitura dos quadros da autoria do Sr. Eng.º Barbedo Marques publicados na comunicação sobre o trigo do Sr. Eng.º Mariano Feio, nas Jornadas Agrícolas e Leiteira», p. 110, que eu não vou ler, mas que requeiro, a V. Ex.ª, Sr. Presidente, conste do Diário das Sessões em anexo das minhas palavras.
É isto sobretudo p que se nos oferece dizer a propósito dos riscos de uma nova guerra. A gente mais moça, o que aliás é inteiramente compreensível, só dificilmente consegue fazer dos períodos passados que não viveu uma ideia que não seja de história panorâmica. Outra coisa o sabem e sentem aqueles para quem essa história, como coisa vivida, subsiste profunda como parte da sua personalidade.
É em nome dessa experiência reflectida, sem embargo do progresso que indispensável é imprimir à nossa economia, que eu formulo reservas no sentido de este período de desamarração ser prudentemente processado.
Torno a repetir, não teria sido miraculoso prémio de seguro para a nossa sobrevivência o vultoso investimento da nossa frota mercante?
De resto, as capacidades psicológicas, de resistência e tensão do nosso povo rural estão muito para além, apesar de tudo, daquilo que nós no nosso meio urbano - disso mu penitencio - por ele supomos sentir, tal como se o caso connosco se passasse.
Nessas reservas, nesses invisíveis que não são decerto ilimitados, mas que são muito maiores do que nós, segundo as nossas estatísticas, diagramas, mapas, etc., supomos, algo devemos confiar.
Nesse sentido termino recordando o que a propósito dessa riqueza anímica do mundo rural, lá dizia Virgílio, ao fim da sua segunda égloga, na célebre apóstrofe que começa:

O fortunatos nimium, sua si bona sorint, Agricolas!...

E assim termino.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mandei distribuir ontem, a todos VV. Ex.ªs, os pareceres sobre a Conta Geral do Estado e o relatório com a declaração de conformidade do Tribunal de Contas.
VV. Ex.ªs sabem que, nos termos do n.º 3.º do artigo 91.º da Constituição, compete à Assembleia Nacional tomai-as contas respeitantes a cada ano económico, tanto da metrópole como das províncias ultramarinas, as quais lhe serão apresentadas com o relatório e declaração de conformidade, do Tribunal de Contas.

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Desde que a Assembleia Nacional se constituiu, sempre, em todos os anos sem excepção, esta exerceu a competência que pelo artigo 91.º, n.º 3.º, lhe é atribuída.
Estas notas são suficientes., segundo creio, para justificar que eu use da competência que me é atribuída pelo § único do artigo 94.º: o Presidente da Assembleia Nacional, quando o julgar conveniente, pode prorrogar a duração do funcionamento da Assembleia. Por isso o prorrogo. Prorrogo o funcionamento da Assembleia.
VV. Ex.ªs sabem, por outro lado, que neste período de prorrogação a competência da Assembleia é idêntica à que tem durante o período normal de funcionamento. Nestas condições, podemos continuar a discutir os avisos prévios e preparar a discussão e debate sobre as Contas Gerais do Estado.
Para preparar esse debate convoco desde já a Comissão de Contas. Darei a VV. Ex.ªs os dias que reputo indispensáveis para que possam ler os pareceres e o relatório e declaração de conformidade do Tribunal de Contas.
Mas, como disse há pouco, a competência da Assembleia é a mesma de durante o período de funcionamento normal, por isso podemos continuar a discutir este c outros avisos prévios.
Nestes termos, marco para a próxima sessão, como ordem do dia, a continuação do debate sobre a crise agrícola nacional, matéria que temos estado a discutir.
E com estas palavras encerro a sessão, pedindo a VV. Ex.ªs que façam esforços no sentido de estarem propalados para entrar no debate sobre as Contas Gerais do Estado.
A próxima sessão será na terça-feira, dia 25.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alexandre Marques Lobato.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
José dos Santos Bessa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Quadros utilizados pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita no seu discurso:

Preço dos produtos industriais

[Ver Tabela na Imagem]

Preço dos produtos agrícolas

[Ver Tabela na Imagem]

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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