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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 134
ANO DE 1964 26 DE FEVEREIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 134 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 25 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 130 e 131 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, recebeu-se na Mesa o Diário do Governo n.º 43, La série, inserindo o Decreto-Lei n.º 43 567.
Usaram da palavra os Srs. Deputado Francisco António Martins, acerca de problemas de interesse económico para Cabo Verde, e Pacheco Jorge, para tratar da questão das transferências de Angola para Macau.
Ordem do dia. - Continuou a discussão sobro o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto acerca da crise agrícola nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Reis Faria, Armando Perdigão, Antunes de Lemos, Ernesto Lacerda, Aníbal Correia e Marques Fernandes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
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Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilo.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, para serem submetidos a reclamação, os n.ºs 130 e 131 do Diário das Sessões.
Se algum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre estes números do Diário, é o momento de a deduzir.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero aqueles números do Diário das Sessões aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários de congratulação pela intervenção do Sr. Deputado Alfredo Brito sobre problemas vinícolas;
Diversos a apoiar palavras proferidas pelo Sr. Deputado Teles Grilo;
Do Grémio da Lavoura de Alter do Chão a aplaudir afirmações do Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da, Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 43, 1.º série, de 20 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 45 567, que alarga até 3L de Dezembro de 1965 o período fixado no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 059, alterado peio artigo único do Decreto-Lei n.º 44 006 (pessoal do Exército o da Armada em serviço na Força Aérea).
Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco António Martins,
O Sr. Francisco António Martins: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez nesta sessão legislativa, sinto-me com o dever muito honroso de apresentar a V. Ex.ª as minhas mais respeitosas e sinceras homenagens, dando aqui como reproduzido quanto afirmei na sessão de Fevereiro do ano transacto sobre a personalidade de V. Ex.ª, muito ilustre por força dos seus méritos excepcionais.
Para VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, vão os meus melhores cumprimentos, com a confirmação do propósito de, dentro das minhas muito apagadas possibilidades, contribuir para que a acção desta Assembleia continue merecendo o respeito e o aplauso do povo que lhe impôs a obrigação de pugnar sem reticências pelo bem-estar do nosso país.
Sr. Presidente: a apreciação de alguns problemas que dominam a vida económica e social da província de Cabo Verde será o intuito das palavras que vou proferir. Essa apreciação será concreta e quanto possível exposta na sua essência. Conheço e peso bem a força e grandeza das circunstâncias que nos obrigam a caminhar por senda espinhosa e bastante difícil de transpor. Um verdadeiro estado de guerra que nos é imposto, aberta ou ocultamente, por quase todo o mundo civilizado e por civilizar não permite ao Governo dispor dos meios e disponibilidades de enfrentar e ocupar-se devidamente de todos os problemas referentes às nossas províncias ultramarinas.
E por isso mesmo, e apesar de Cabo Verde ser um caso à parte da nossa administração, desde sempre, que eu desejo apenas fazer alguns reparos à gestão de determinados sectores especialmente ligados ao desenvolvimento económico-social da província, que provocarão uma ou outra vez crítica benévola, justamente por não saber até onde ela deverá chegar, dadas as razões atrás apontadas, sem molestar a razão e a justiça.
A concisão que eu prometi emprestar aos assuntos a expor não permite explanação demorada para bem se compreender a extensão dos males a conjurar e poder-se assim entrar num caminho mais desafogado de realizações, que não devem por mais tempo ser adiadas.
Nas suas linhas gerais, apenas se pode ter como já resolvidos os problemas referentes à construção de dois cais acostáveis, um em S. Vicente e outro em Santo Antão, à navegação entre ilhas, aos aeroportos, embora vários pormenores estejam ainda por completar e de que adiante darei conta.
É demasiado complexo o problema da economia Cabo-Verdiana, especialmente no que se refere à agro-pecuária, que tem sido. e, quanto a mim, continuará a ser, o pilar mais forte em que terá de. se apoiar essa economia.
Conquanto volumosas somas tenham sido já despendidas, o plano agro-pecuário, ainda que com ligeiros progressos já verificados, está muitíssimo longe de apresentar o desenvolvimento que era mister já tivesse. A ele me
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referi na primeira intervenção nesta Assembleia, procurando dar uma ideia clara da forma como tem sido encarado, com a certeza de que, por não se lhe ter dado o devido apreço, se mantém em forte estado de subdesenvolvimento.
Esse pouco apreço, a que temos de ajuntar as condições desfavoráveis próprias da situação geográfica do arquipélago, e uma estrutura agrária profundamente errada seroo a causa primária que não permite que o problema agrário tenha seguido rota bem diferente da que até agora tem sido norma.
É, pois, preciso que se trilhe novo caminho e sem receios, desde que orientação sábia e experiente indique rumo certo.
Estudos e completíssimos ensinamentos se encontram expostos num utilíssimo trabalho de dois ilustres especialistas que foram mandados à província para obtenção de elementos que possivelmente aconselhassem o início da cultura do algodão.
Finda esta missão, procuraram ardorosamente avaliar as possibilidades agrícolas do arquipélago, e em face delas estabeleceram as bases de ordenamento e fomento agrário. Terminada a sua prospecção em Maio de 1956, já lá vão quase oito anos, e publicado o seu notável relatório, há que perguntar: que resultou da sua estrénua tarefa? Pouco mais que termos a dita de possuir nas estantes o mais perfeito e consciencioso trabalho sobre a agricultura em Cabo Verde até hoje publicado!
Esta e outras questões, cuja solução prática cumpre encontrar e que bastante sumariamente exporei agora e mais tarde, mantêm, pela demora em serem solvidas, um estado de estagnação da vida económica da província e trazem envoltos numa inquietação constante os habitantes, e por isso precisam de ser fortemente movimentadas para que a Administração não seja duramente atingida por deslustre, o que tem de ser evitado, custe o que custar, evidentemente dentro das possibilidades de que se possa lançar mão.
A população anseia ver algumas dessas questões solucionadas, e estou certo de que o Governo vai enfrentá-las com a eficiência que, sem indecisões, costuma usar. E se não fora a certeza de ser esse o procedimento do Governo, eu não viria importunar VV. Ex.ªs com mais uma intervenção, supondo-a infrutuosa.
Vem a talho de foice e para melhor alicerçar o que acabo de afirmar reproduzir as considerações feitas no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1962 (ultramar). São deste teor:
Todos os anos se tem esperado, aliás com fundamento, uma viragem gradual mas efectiva nas condições económicas e financeiras do arquipélago de Cabo Verde que compreendesse melhoria nas receitas e nos consumos e melhor equilíbrio na balança do comércio externo; e escreve-se também com razão, porque se tem investido na província desde o início do Plano de Fomento quantias muito elevadas, na relatividade do meio.
Como tantas vezes aqui se recomendou, essas quantias deveriam de preferência ser orientadas num sentido utilitário, num sentido de reprodutividade, deixando para melhores dias melhoramentos que podiam ser adiados e utilizando até ao máximo de produtividade as obras já feitas e que possam dar melhores rendimentos do que as actuais.
O I Plano de Fomento utilizou 96 789 contos, que é soma bastante alta se forem considerados os gastos normais até 1954, e o II Plano de Fomento (anos de 1959, 1960, 1961 e 1962) já utilizou 288 051 contos, compreendendo os 61 432 contos gastos em 1962.
Quer dizer: até fins de J962 só através dos planos do fomento se consumiram 384 840 contos no arquipélago do Cabo Verde. A influência do gasto desta elevada quantia, se forem tidos em conta a modéstia do território e os gastos anteriores, deve ou devia ter produzido resultados que se pudessem traduzir na economia provincial, quer pelo aumento de consumos derivados de maiores rendimentos, quer por melhores receitas. O espaço que decorreu entre 1954 e 1962 já é suficiente para os investimentos produzirem resultados.
O exame das Contas não revela melhoria sensível: grande desnível negativo no comércio externo, receitas em pequeno aumento (entre 1957 e 1962 o aumento foi apenas de 10 000 contos).
Sugeriu-se em pareceres anteriores a necessidade de fazer um estudo cuidadoso da orientação dada aos investimentos e dos seus resultados económicos, de modo a procurar soluções adequadas a economia provincial. Esse estudo é indispensável e poderá levar à descoberta das causas que impedem melhores rendimentos. Tentar, como já se recomendou, a industrialização dos recursos potenciais que existem, como peixe e outros, deverá ser certamente um dos caminhos a seguir.
Julga-se que a economia da província não pode desenvolver-se em termos apreciáveis de outro modo. As condições agrícolas, de per si, não são de molde a progressos sensíveis.
Em referência ao comércio externo, acentua esse parecer:
O saldo negativo da balança do comércio externo ainda aumentou este ano. Elevou-se a 175000 contos. As importações atingiram 197 185 contos. As exportações reduziram-se apenas a 22 191 contos. Em 1961 a importação foi de 185 500 contos e a exportação de 27 800 contos, com saldo negativo de 157 700 contos.
Como afirmei na primeira intervenção feita nesta Assembleia, até 1960, inclusive, os deficits da balança comercial ocultavam-se sob o movimento dos combustíveis. Porque a partir de 1961 se vem utilizando a Nomenclatura da Pauta de Bruxelas, esses combustíveis passaram para mercadorias em trânsito, e assim se esclareceu o montante do deficit verdadeiro, o que interessa, para a apreciação da balança do comércio externo.
Tudo quanto é posto em foco pelo esmerado parecer citado conduz a eu ter de considerar as minhas apreensões expostas nesta Câmara na sessão de 9 de Fevereiro de 1963 um tanto agravadas.
Ainda a propósito da sugestão feita no parecer e noutros anteriores, desde 1958, quanto à necessidade de se proceder a um estudo cuidadoso da orientação dada aos investimentos e até possivelmente um inquérito (parecer de 1959), é de estranhar que os conselhos da Comissão das Contas Gerais não tenham sido escutados e postos em prática.
E tanto assim é que, no parecer de 1962, a p. 82, volta a Comissão a insistir nestes termos:
Já se consumiram, pois, por força dos planos de fomento, perto de 400 000 contos, que é soma de relevo na economia do arquipélago. Razão há para proceder a inquéritos sobre a eficiência das verbas gastas
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em matéria de melhoria, do rendimentos. Nau valerá a pena continuar um reforço de recuperação se os métodos ou processos usados não corresponderem ao esforço financeiro.
E mais adiante, a p. 86:
Outra verba que merece reparo pela sua pequena eficiência é II do plano agro-pecuário. Gastaram-se mais de 100 000 contos neste plano. Mas o exame do comércio externo continua a revelar condições precárias, idênticas, se não piores, às que prevaleciam anteriormente. Quais os resultados do consumo de tão elevadas somas?
Tanto pergunta a ilustre Comissão das Contas Gerais.
Ela própria vem respondendo em todos os pareceres que tem emitido desde 1958.
O Governo não deixará de tomar as providências que o caso requer.
A maior parte dos pontos a seguir focados nesta exposição e noutra que, como já declarei, proximamente trarei no conhecimento da Câmara, foi levada ao conhecimento do Ministro do Ultramar numa mensagem das forças vivas do Mindelo que lhe foi entregue quando da sua visita a Cabo Verde, há ano e meio.
Dado o pouco tempo que se manteve no Governo após essa visita, o ilustre Ministro não terá tido tempo suficiente, para sobre esses assuntos meditar. Se assim não fosse, certo estou de que teria gizado um plano de realizações, das quais algumas, as mais importantes, estariam em pleno andamento, por isso que S. Ex.ª visitou todas as ilhas, viu e viveu os problemas, colheu elementos seguros, que dariam direcção não menos segura a uma efectivação progressiva, ainda que lenta.
Uma das grandes vantagens que resultariam para as províncias ultramarinas se fossem mais frequentemente visitadas poios Ministros do Ultramar. Ver, ouvir, agir!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Da mensagem entregue ao Ministro respigarei, aqui e além, alguns passos e afirmações, dado que ela foi redigida com alta mestria, muita isenção e com comentários sérios e certos, dignos de merecerem momentos de reflexão.
Nela, e quando se referem ao «problema do fomento do Cabo Verde», os expoentes afirmam que:
Nas verbas consignadas nos planos de fomento; da metrópole parte destina-se a uma atitude activa, investidora e executiva por parte do Estado, e outra vultosa parte a uma atitude meramente pragmática, orientando o Estado os investimentos e a iniciativa privada, mas sem intervenção activa.
No caso de Cabo Verde não se contou com a iniciativa privada e o Estado consignou verbas apenas destinadas aos seus próprios empreendimentos, postulando a inexistência e incapacidade daquela.
Ora a Cabo Verde couberam, pelo I Plano de Fomento, 112 000 contos, revistos para 137 000 contos, como empréstimo da metrópole vencendo juros, e, pelo II Plano, 210 000 contos, também como empréstimo, mas agora sem juros.
verbas que consideram exíguas.
Tanto pelo I como pelo II Plano não houve qualquer preocupação com as possibilidades da próxima industrialização do arquipélago, concentrando grande parte das verbas no fomento hidroagrícola - campo absolutamente necessário -, mas onde os investimentos estão sendo orientados de uma forma pela qual, na mais optimista das hipóteses, só a muito longo prazo virão a produzir algum efeito sensível.
Mais afirmam nessa mensagem:
Nós sabemos ser magnífico o esforço nacional no sentido de se realizarem os meios financeiros suportes dos planos de fomento do ultramar. Também sabemos que o empréstimo sem juros representa uma atitude de extrema simpatia e carinho da metrópole para com Cabo Verde.
As referências feitas, ainda que de raspão, ao magno problema agro-pecuário, levam-me a produzir alguns comentários às já tão faladas comunicações terrestres, marítimas e aéreas.
Especialmente quanto a estradas que há mais de um século têm dado motivo a estudos e planos de construção, não posso deixar de reproduzir dois trechos de um discurso proferido pelo governador da província numa sessão extraordinária do Conselho de Governo em 28 de Março de 1961.
Disse S. Exa.:
Os trabalhos de estradas que são os mais vultosos no seu aspecto financeiro, como é que foram conduzidos? Quando os primeiros técnicos chegaram à província, não havia, creio eu, um único projecto de qualquer estrada (excepção feita ao projecto de Viriato Campos). A última tentativa para obter projectos de estradas tinha sido feita em 1959, com visita à reparação e beneficiação da estrada da baía das Gatas. Nas obras públicas não existiam projectos de estradas que seria necessário executar. Faltava o essencial: o estudo do plano rodoviário. Não existiam projectos nem o plano rodoviário estava elaborado.
E mais adiante:
Por mais de uma vez, em declarações públicas, chamei a atenção para as minhas apreensões quanto 1 ao rendimento dos trabalhos. Lembro-me de que uma vez, em S. Vicente, declarei publicamente: estamos a gastar 300 contos por dia no arquipélago e o rendimento não corresponde a esse dispêndio.
Pedi então a cooperação de todos os responsáveis.
Assim falou S. Ex.ª e, quanto a este segundo trecho, não apontou, muito naturalmente por falta de elementos, as causas seguras da não correspondência entre o dispêndio e o rendimento.
A gravidade das suas afirmações no primeiro trecho transcrito explica o facto de nunca ter sido possível estruturar uma séria e eficaz economia no domínio agrário, dado que é por de mais sabido que a estruturação de uma economia consistente não é coisa possível se não houver comunicações fáceis que permitam que os agricultores se afoitem à intensificação das plantações, aumentando e muito a área das várias culturas, com a certeza de poderem fazer escoar totalmente e em boas condições os seus produtos agrícolas. E é por isso que a área de cultura da banana não tem tomado nenhum incremento, que as apreciadíssimas laranjas quase já não existem, que a produção do café continua sendo diminutíssima, etc.
Por decreto de 7 de Novembro de 1962 foi aprovado um plano rodoviário, num total de 1283 km. Se se mantiver a morosidade que até hoje tem sido a característica da
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construção das poucas estradas existentes, é de contar que nem no fim deste século possamos dispor de comunicações capazes em todas as ilhas.
Muito bem se afirma na mensagem das forças vivas:
... havia necessidade de aceleramento do programa e de se dar prioridade às ligações inexistentes sobre a melhoria das ligações existentes. Isso não significa inacabamento de obras começadas, mas sim preferir abrir uma nova estrada entre dois centros que nunca foram ligados, a ir abrir uma segunda estrada (embora necessária) em substituição de uma já existente, ainda que funcionando precàriamente.
Existem ilhas, como Santo Antão, ainda hoje divididas em verdadeiros compartimentos estanques.
Às comunicações marítimas dedicarei algumas mais considerações, as bastantes para se poder fazer comparação entre o passado e o presente.
No que respeita, à navegação estrangeira, cujos barcos outrora utilizavam em grande número o Porto Grande de S. Vicente, foi ela decaindo progressivamente, queda que se tornou espectacular, entre outras razões, por não termos querido competir (pelo menos igualando) com os preços por que os combustíveis eram fornecidos por Dacar e Canárias.
E assim muita navegação abandonou o nosso admirável porto, não se apercebendo a Administração de que esse abandono significaria baixa muito sensível no fornecimento desses combustíveis, diminuição considerável do fornecimento de géneros, como carnes, peixe, frutas, hortaliças, bebidas, etc., e das relações mercantis do comércio local com os passageiros e tripulantes, donde proveio sempre, e enquanto o porto teve constante movimento comercial, grande afluxo de cambiais.
O exposto explica um dos motivos que levaram à decadência o Porto Grande. Até quando? Não é fácil conjecturar.
As comunicações entre as ilhas, enquanto a Empresa Nacional de Navegação delas estava encarregada, eram perfeitas, a ponto de todas terem ligação directa com a metrópole e Guiné, bimensalmente, dispensando-se assim o transbordo de mercadorias, a essas ilhas destinadas, nos portos de S. Vicente e Praia, como vem acontecendo há muitas dezenas de anos. Quando essa Empresa suspendeu as carreiras, entrou-se em período incerto e irregular. Hoje suponho estar o caso resolvido com a compra por banda do Estado de um pequeno vapor, o Santo Antão (compra, que, diga-se de passagem, não me pareceu absolutamente acertada), o qual começou este ano a percorrer as ilhas três vezes por mês, o que é já muito bom.
Um pequeno senão ensombra o panorama: o facto de o barco ser explorado pelo Estado, o que a província encara com certo temor, resultante de fracassos anteriores, justamente por a exploração ter sido feita pelo Estado, com outros navios, o que parece não deveria ter aconselhado tal sistema de exploração.
É de lamentar que o Santo Antão tenha de vir a Lisboa, duas vezes por ano, limpar o fundo, como já aconteceu desde que é pertença do Estado. Durante o tempo em que esteve na província como propriedade da Sociedade Geral, creio que cerca de três anos, nunca a Administração se lembrou de que, aumentando de alguns metros o comprimento do rudimentar plano inclinado existente no Porto Grande, ou construindo outro condigno, escusava o barco de se deslocar a Lisboa ou, como sucedia outrora, a Dacar, o que representou e representa despesa de certo vulto, além da suspensão das carreiras entre as ilhas, que também implica, inconvenientes de vária ordem.
Mais uma pequena anotação: não posso deixar de deplorar que, devendo o Porto Grande oferecer à abundante navegação que passa um pouco ao largo do arquipélago possibilidades de assistência, não esteja ele dotado de um estaleiro naval, modesto, mas com as condições bastantes para bem servir os navios que dessa assistência porventura necessitem, não podendo eles, por vezes, dada a natureza da avaria, atingir o porto de Dacar. Assim, terão de demandar o nosso porto e ali esperar que um reboque os venha buscar.
Dizem-me estar em estudo a construção do estaleiro no Porto Grande. A boa vontade sempre manifestada pelo ilustre Ministro do Ultramar não permitirá, decerto, delonga demasiada rios estudos e consequente construção.
E para terminar este capítulo referente a comunicações marítimas, é de pedir a atenção do Governo para um estado de coisas que não deve continuar a subsistir.
Outrora Cabo Verde tinha ligação certa, bimensal, com S. Tomé e Angola, mantida pelos paquetes da Empresa Nacional de Navegação.
Foi suprimida essa ligação há algumas dezenas de anos. Em sua substituição apenas de quando em vez apareço um barco que traz ou vai levar trabalhadores para S. Tomé e Angola e algum outro que é portador de géneros alimentícios para a província. Se alguém quiser embarcar dessas províncias ultramarinas para Cabo Verde, ou vice-versa, terá de vir a Lisboa, e sabe-se lá quanto tempo poderá estar à espera de um lugar para seguir viagem.
Outro tanto sucede com a actual carreira Lisboa-Cabo Verde-Guiné, feita bimensalmente pela Sociedade Geral. Só um desses seus barcos na ida para o Sul escala o Funchal. No regresso, qualquer deles não escala esse porto. Daí resulta que um passageiro que da Guiné ou Cabo Verde se destine ao Funchal tem de vir a Lisboa e daqui terá de percorrer caminho já andado até à Madeira, com perda de muito tempo e dinheiro.
Não convém às companhias de navegação a escala pelos portos de S. Vicente e Praia e a escala pelo Funchal quando os paquetes regressam da Guiné? Comercial e económicamente pode estar certo. Politicamente é que de modo nenhum.
Grandes somas, que vão a caminho de duas centenas de milhares de coutos, foram já despendidas em infra-estruturas, competindo delas destacar os planos de construção de aeródromos, que tem seguido ritmo não muito regular, mas podendo os aviões de serviço interno aterrar em quase todas as ilhas, excepto Santo Antão e Brava.
O aeródromo internacional da ilha do Sal esteve durante algum tempo votado a incompreensível abandono. Muitos aviões de companhias estrangeiras deixaram de o escalar, parece que por as condições de aterragem não terem acompanhado a evolução da aeronáutica. Assim, não foram levadas a cabo as obras absolutamente indispensáveis para que nesse aeroporto tivessem possibilidade de aterrar os jactos e outras grandes naves aéreas, que, por vezes, não podem servir-se das pistas de Dacar por razões de ordem meteorológica e que por via dessas obras teriam essa alternativa. Admite-se até a hipótese de que, com o aumento da dimensão das pistas, fosse possível contar com o regresso de muitos aviões que abandonaram esse notável aeroporto.
Constou em tempos, parece que com visos de verdade, que investimentos volumosos por companhias de navegação aérea da África do Sul iriam ser realizados nessa ilha e que seriam especialmente destinados a novas pistas, a construção de um grande hotel e pesquisas de águas ou dessalinização da água do mar para o seu devido abastecimento.
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Esse desígnio não se efectuou e o nosso Governo, de acordo com o que está estabelecido no II Plano de Fomento, especialmente no tocante à ampliação e remodelação do aeroporto do Sal, fez publicar o Decreto n.º 45212, de 26 de Agosto de 1963, em que é autorizado o Ministro das Comunicações a proceder à respectiva execução e a adquirir o equipamento necessário para a sua adaptação às exigências operacionais das aeronaves utilizadas no transporte a grande distância. Para tanto, novo decreto foi publicado autorizando a emissão de um empréstimo externo, amortizável, até à importância equivalente a 150 000 contos, devendo as aludidas obras ficar concluídas durante o ano de 1964. Bem haja o Governo por tão salutar medida!
No entanto, é de ponderar que, além do papel estratégico-militar dessa nossa base aérea, ela vai servir especialmente para reabastecimento de grandes aeronaves estrangeiras, que, por enquanto, se não pode saber se farão escala por Lisboa, pelo menos algumas delas.
Se tanto não for possível garantir, pouco interesse ficará tendo para a população o seu aeroporto, no que diz respeito ao transporte de correio e passageiros.
Para a província convém que dois pontos fiquem desde já esclarecidos e revistos.
A navegação aérea entre as ilhas, por vezes, e não poucas, sofre interrupções por causas de ordem técnica, o que mais uma vez está agora acontecendo, causas que têm de ser eliminadas quanto possível. Uma prospecção por técnicos de reconhecida competência ditará o procedimento a adoptar para que tais situações se não repitam tão amiudadas vezes.
A ligação Sal-Lisboa e vice-versa terá de fazer-se, pelo menos, bissemanalmente.
Como? Tratando-se de caso de interesse político-nacional, julgo que duas alternativas se impõem:
1.ª Ou o Governo vai promover que a T. A. P. escale o aeroporto do Sal nas suas viagens para a África ou em algumas daquelas que ligam Lisboa ao Funchal e às Canárias. Nesta última hipótese parece que duas circunstâncias não . aconselham essa ligação: uma é a de se tornar muito dispendioso o prolongamento do circuito, II outra é que a inexistência de pistas no Sal para aviões a jacto não permite para já esta alternativa;
2.ª Ou se estabelecerão ligações bissemanais Sal-Bissau, e assim os passageiros de ou para Cabo Verde poderiam, ainda que indirecta e incòmodamente, servir-se dos aviões da T. A. P. que aterram em Bissau.
Qualquer destas soluções dará um pouco de aumento de despesa, mas a verdade é que a carreira aérea Porto-Lisboa, segundo consta, implica para a T. A. P. grande deficit, que o Estado cobre sempre, visto tratar-se de um serviço nacional. Por que não adoptar o mesmo procedimento em, relação às comunicações entre Lisboa e Sal?
O Governo, em seu alto critério, resolverá.
O Sr. Vaz Nunes: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Vaz Nunes: - V. Ex.ª tem vindo II produzir judiciosas considerações e a fazer-se eco nesta Câmara dos anseios naturalíssimos da população de Cabo Verde. No que respeita às ligações aéreas da metrópole com Cabo Verde, creio que não há dificuldades; de ordem técnica insuperáveis a impedir a inclusão da escala do Sal nas carreiras exploradas pela companhia concessionária de transportes aéreos.
Mas acredito que haja razões de natureza puramente comercial, porque tal inclusão agravaria a exploração económica das linhas, o que deve preocupar a administração da companhia concessionária.
Todos nós sabemos que o Estado, por força das disposições do contrato de concessão, suporta as tristes consequências do facto de o serviço da companhia não se fazer, em condições de equilíbrio económico. É, pois, ao Governo que compete decidir se as razões de interesse nacional que aconselham as ligações aéreas regulares têm força suficiente para contrabalançar o agravamento da exploração comercial. É ainda o Governo que pode decidir se tem ou não necessidade de utilizar, a título eventual, as possibilidades de transporto da Força Aérea e se tal procedimento é ou não compatível com as exigências actuais da defesa nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Vaz Nunes: - Creio que, em caso afirmativo, haveria que regular as condições especiais de mais essa tarefa da Força Aérea.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Agradeço muito sensibilizado os preciosos esclarecimentos que V. Ex.ª acaba de prestar à Assembleia e que vieram dar grande achega ao que por mim acaba de ser exposto.
Desejo de novo frisar que me parece de adoptar para as ligações aéreas entre Lisboa e Sal o mesmo critério que se vem seguindo com as carreiras Lisboa-Porto. Se for exacto que o Estado suporta os deficits desta exploração, por que não suceder outro tanto com aqueles que possam advir da ligação Lisboa-Sal? Trata-se de um pequeno desvio de rota dos aviões que mantêm as carreiras da nossa capital para a África.
O Sr. Vaz Nunes: - Tem V. Ex.ª toda a razão. Actualmente a companhia faz uma carreira semanal com aviões comerciais para Luanda, que se poderia transformar mini a autêntica carreira de cabotagem, incluindo, portanto, a escala do Sal.
Se pedi a V. Ex.ª para o interromper, foi só para frisar com mais vigor as suas palavras e para afirmar perante a Câmara que é ao Governo que compete decidir, muito embora as carreiras pertençam a uma companhia particular.
O Orador: - Agradeço mais uma vez as explicações de V. Ex.ª
Esta questão foi à pouco tempo apresentada nesta Câmara pelo ilustre Deputado Bento Levy, tão proficientemente que esta minha referência tem de ser considerada especialmente como um vibrante aplauso a sua iniciativa e uma insistência junto dos Poderes Públicos.
Intimamente ligado especialmente às comunicações terrestres e marítimas de que me ocupei, situa-se o problema dos portos do arquipélago.
E de supor que se esteja esperando (e não há pouco tempo) uma oportunidade para construção de pelo menos dois deles, construção que toda a gente reputa de muito urgente: o da Praia e o de Vale de Cavaleiros, no Fogo.
O estado do primeiro não pode ser tolerado, tratando-se do porto da capital da província.
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A construção do porto de Vale de Cavaleiros é um imperativo para que possa ser dignificada a nossa administração. Esto porto terá dois significados: o primeiro, de resultados económicos quanto u facilidade de carga e descarga de mercadorias, cujo encarecimento se torna desnecessário; o segundo representará o alívio de quantos pretendam embarcar ou desembarcar no actual porto ou, antes, na actual praia da capital da ilha. Ninguém ignora que, desde a descoberta, ha 500 anos, por não existir um cais, o embarque ou desembarque nessa- ilha é quase sempre um acto de temeridade. Ou se faz às costas dos nativos, ou o pobre viajante vem de bordo num bote que vara na praia empurrado por esses nativos e ajudado pelas vagas, ajuda, que nem sempre é isenta de perigos e respeitadora da integridade física dos passageiros. Este último processo foi o experimentado pelo titular da pasta do Ultramar quando visitou a ilha em 1062, porque não tinha outra alternativa!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A dotação das ilhas de portos indicados no plano portuário corresponde e obedece ao que se acha escrito no relatório justificativo do I Plano de Fomento:
Os portos são elementos essenciais nas linhas de comunicações. Importa promover a sua segurança e eficiência por meio de obras de protecção e abrigo, de acostagem e correspondentes instalações terrestres para que os serviços se façam com regularidade e em condições satisfatórias de trabalho.
Cabo Verde tem-se esquecido demasiadamente desta verdade!
Merece referência fora do comum a. construção de dois belos cais acoitáveis no arquipélago: o do Porto Grande e o do Porto Novo.
É Cabo Verde devedor ao Governo de uma gratidão especial, muito especial mesmo, por ter dotado a província, da possibilidade de ver satisfeita uma das suas maiores ambições. Ela renova mais uma vez um «muito obrigado!».
Também parece de justiça lembrar os cabo-verdianos que desde há muitas dezenas de anos vieram pugnando pela construção do cais acostável de S. Vicente, destacando-se de entre eles o falecido Dr. Adriano Duarte Silva, a cuja memória quero prestar, ainda que tardiamente, a minha mais sentida homenagem. Fez parte desta Assembleia durante dezasseis anos como Deputado designado por Cabo Verde, defendendo os seus interesses com a maior inteligência, bom senso e. estranha dedicação.
Ficam esses cais na história de Cabo Verde como dois notabilíssimos empreendimentos.
O primeiro, se bem que muito tardiamente construído, poderá ainda vir a ter enorme reflexo na vida económica de toda a província. É pena ter de dizer-se, que, inaugurado vai para três anos. não está ainda devidamente apetrechado.
Em Outubro de 1962, quando visitei a província (e creio que ainda hoje), verifiquei que não possuía iluminação, rails, condutas de óleo, guindastes capazes, nem armazéns em condições, onde mercadorias facilmente deterioráveis pudessem sor abrigadas até serem transportadas para os actuais armazéns da alfândega, ainda a considerável distância.
O cais acostável do Porto Novo. situado na segunda ilha. em tamanho e produção, vai decerto ter alta influência no aspecto económico de toda a província, e muito especialmente no binómio S. Vicente-Santo Antão.
Ainda em referência ao tão ambicionado desenvolvimento do Porto Grande, quero referir-me à satisfação da população de S. Vicente quando se propalou a nova oficial de que se ia instalar na ilha uma refinaria. Toda a gente soube que se abrira concurso para essa instalação, vão já três anos. Pouco depois da nova oficial, o desgosto apoderou-se do povo quando lhe deram a conhecer que a instalação se não faria, por motivos que até hoje se mantêm desconhecidos. Perdeu-se assim, e mais uma vez, a oportunidade de melhorar notavelmente as condições de exploração do porto e usufruir outras vantagens que daí pudessem advir.
As forças vivas, a propósito da refinaria, dirigiram-se a S. Ex.ª o Ministro nestes termos:
Nós sabemos quão decepcionante foi para nós o caso da Standard Oil, que, no fim da última guerra, esteve em negociações para montagem de instalações neste porto, assunto que ficou depois sob o pesado silêncio das coisas tumulares, sepultando conjuntamente as nossas legítimas esperanças nos benefícios daí decorrentes.
Queremos pedir a V. Ex.ª, que tão alto interesse manifestou por esta oportunidade de revolucionar a economia deste arquipélago, que não deixe morrer essa importante fonte de vitalização deste porto, sem a qual o cais acostável - que tanto dinheiro custou - poderá ficar reduzido à simples categoria de belo monumento.
A má sorte não abandona Cabo Verde.
Sr. Presidente: o tempo que o Regimento me concede para esta intervenção está a esgotar-se. Por isso reservo-me para, numa próxima sessão, expor mais alguns assuntos de magna importância.
Vou terminar com a esperança de que a Câmara procurará esquecer as deficiências desta exposição, que tem o único mérito de toda ela exprimir a verdade, escrupulosamente enunciada, com o significado de tentar que se intensifique o amparo que tem sido dado a Cabo Verde, que, nesta Câmara, e pela boca do malogrado capitão Teófilo Duarte, seu antigo governador, foi considerada «a mais desgraçada e infeliz de todas as províncias que compõem a Nação» (Diário das Sessões n.º 171, de 3 de Dezembro de 1952).
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Praza a Deus que a nossa situação, perante, as convulsões que abalam o Mundo inteiro, continue a desanuviar-se, de maneira a permitir que o Governo com mais sossego e desafogo possa dedicar e estender a sua atenção, com ritmo intenso e regular, àquelas províncias ultramarinas, que continuam e hão-de continuar a manter-se livres da intervenção abusiva de estranhos, com os mesmos intentos de pilhagem e extorsão que tão teimosa e criminosamente têm mantido na Guiné e Angola.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: na sessão do passado dia 19 e no período de antes da ordem do dia. referiu-se o Sr. Deputado Cardoso de Matos ao problema das «transferências de Angola», tecendo à sua volta as mais oportunas e judiciosas considerações.
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De Macau chega até mim a notícia de que este magno problema das transferências, ou, melhor, da falta de transferências de Angola, começou também a afectar aquela província, longínqua parcela de Portugal, a partir de Dezembro do ano findo, sem qualquer prévio aviso ou razão justificativa. De repente foram as transferências sustadas é, como consequência de tal medida, a filial do Banco Nacional Ultramarino em Macau deixou igualmente de descontar as letras de câmbio sacadas sobre Angola!
São evidentes os inconvenientes e perigos do uma tal situação, face aos exportadores e industriais de Macau, que subitamente se vêem privados de podarem continuar a exportar os seus produtos, pois não iriam arriscar-se a continuar uma operação sem a mínima garantia de reembolso dos capitais por eles despendidos.
E, assim, o comércio de exportações para Angola encontra-se praticamente paralisado, com todos os inconvenientes resultantes de tal situação, que. afectando directamente os industriais e exportadores, se reflecte igualmente na vida económica da província e pode criar nos ânimos dos que, em Macau, tem vindo a investir generosamente os seus capitais, um clima d« desconfiança na nossa administração que importa a todo o custo evitar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E lugar-comum, mas nem por isso deixa de ser uma verdade de todos os tempos, que uma boa administração tem, necessariamente, de se basear na confiança dos administrados, o que, por outras palavras, quer dizer que os governantes precisam da confiança dos governados para que o seu governo seja estável, próspero e profícuo, e quando esta confiança diminui ou é abalada, depressa fará sentir os seus efeitos.
Macau está em riscos de atravessar esta crise, pois, além da falta de transferências de Angola, a que já me referi, um outro facto, a meu ver ainda mais grave, se está a passar que ultrapassa até o âmbito local, para se projectar no campo, nacional, indo colidir com a política de integração económica nacional em que o Governo se encontra empenhado.
Como de todos é sabido, o Decreto n.º 41 026, de 9 de Março de 1957, criou o regime de livre circulação em todas as províncias ultramarinas dos produtos delas originários, constituindo, por assim dizer, um primeiro passo para a integração económica do espaço português, aproximando-se, assim, da unidade política já existente.
Com a entrada em vigor do referido decreto, a província de Macau, que pela sua diminuta extensão e características especiais só pode aspirar a ser um centro de distribuição de produtos importados e nela transformados em maior ou menor escala, viu que se lhe abriam horizontes mais largos com a possibilidade de colocação destes produtos nos vastos mercados ultramarinos, designadamente Angola e Moçambique.
Com tal perspectiva e com a confiança inspirada pela Administração, começam a afluir a Macau os grandes investimentos que fazem com que o artesanato comece a ceder o passo a unidades industriais de certo vulto, dando nova feição económica à província e contribuindo para esbater o conceito que de Macau se fazia anos atrás, principalmente no estrangeiro, de «metrópole do prazer e do vício»!
Animados com as novas perspectivas que se lhes abriam e encorajados com as facilidades concedidas pelo governo local, procuraram os industriais não só ampliar e melhorar as suas instalações fabris, como ainda aperfeiçoar os processos de fabrico, por forma que o produto acabado pudesse competir, não só em preço como em qualidade, com os produtos congéneres de outras origens. O que plenamente se conseguiu!
A pouco e pouco e sempre progressivamente foram os produtos macaenses conquistando os mercados de Angola e Moçambique, onde ocupam a posição de relevância que as contas referentes ao ano de 1962 expressivamente representam:
Em 1958 o valor da exportação de Macau para as restantes províncias ultramarinas cifrou-se em cerca de 14 877 000 patacas, o que corresponde a 81 823 500$. Mas já em 1962 o valor da exportação foi para além do dobro, cifrando-se em 34 362 000 patacas, ou sejam 190 476 000$, sendo de se notar que o valor da exportação para Angola foi da ordem de 16 014 000 patacas, ou 88 077 000$ (superior à exportação global do ano de 1958), e três vezes mais do que o valor da exportação para Angola em 1958, que foi de 5 418 000 patacas, equivalentes a 29 799 000$.
Eram assim, francamente optimistas os resultados obtidos e tudo levava a crer que a curva ascensional se mantivesse, pois nem as possibilidades de Macau se encontravam esgotadas, nem os mercados ultramarinos portugueses estavam saturados, e os resultados do l.º semestre do ano de 1963 corroboraram a previsão!
Infelizmente, porém, já quase no fim do 2.º semestre do ano findo, é a província surpreendida ,com um estranho e singular despacho do Exmo. Sr. Secretário Provincial de Angola, a que coube o n.º 21/63, exarado na informação n.º 334-222/31/1.ª da Direcção Provincial das Alfândegas, e no qual se determina que na importação de determinadas mercadorias, mesmo acompanhadas de certificados de 100 até 50 por cento, poderão os importadores, se não desejarem pagar desde logo os direitos pela pauta preferencial, caucioná-los, de harmonia com o disposto na circular n.º 96 de Agosto de 1959, até resolução definitiva do assunto.
E de uma penada se derrogam, não só o decreto já citado, n.º 41 026, da livre circulação das mercadorias, como ainda os Decretos n.ºs 44 016 e 44 260, que isentam de direitos as mercadorias exportadas a coberto de certificados de origem nacional!
Estranho e singular despacho este, pois aprendi, e sempre julguei que assim fosse, que os diplomas legais só poderiam ser alterados ou revogados por diplomas legais de igual ou maior força.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E, pelos vistos, não é assim!
O Sr. António Santos da Cunha: - Isso é.
O Orador: - Independentemente, porém, de tal anomalia, o certo é que tal medida, tomada sem a audição de Macau, nem sequer com prévio aviso, colocou os exportadores e industriais em verdadeiro pânico e vibrou duro e devastador golpe na confiança sempre depositada na Administração, e sem a qual não é possível fazer-se obra que perdure, além do desprestígio que para ela acarretará.
Para já, o referido despacho determinou a suspensão imediata de ordens dos importadores angolanos, que não podendo ou não desejando imobilizar os seus capitais com o caucionamento que arbitrariamente lhes foi determinado e sem a certeza do seu eventual reembolso, e não podendo, por isso, determinar os preços para a venda a alho dos produtos importados, preferiram acabar pura e simplesmente com a importação, aguardando o esclarecimento da situação.
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No que se refere a Macau, os seus efeitos também se não fizeram esperar: a falta de encomendas de Angola, por um lado e a imobilização de capitais nos bancos de Angola, aliada à impossibilidade legal de negociar os documentos de exportação em praças estrangeiras, como Hong-Kong, por exemplo, através dos seus inúmeros bancos, por outro, vieram afectar decisivamente, o ritmo do laboração das suas fábricas, forçando-as a um tolhimento indesejável e ruinoso, ao passo que outras, que exclusivamente laboravam para Angola, se viram obrigadas pura e simplesmente a suspender a sua actividade, não me referindo já aos compromissos anteriormente assumidos, e que por obra e graça do aludido despacho não podem ser cumpridos, com todas as consequências legais resultantes do seu não cumprimento.
E, por tudo isto. a confiança na Administração ... vacila perigosamente!
Sr. Presidente: estou informado de que o Governo da província não descurou o assunto e tem procurado, por todos os moios ao sou alcance, dar-lhe solução satisfatória. Porém, porque as suas implicações transcendem os interesses locais, foi o problema posto superiormente ao Governo Central para final solução.
Sei que o problema não é simples nem de fácil solução, mas não duvido de que esta será encontrada, tendo em vista os interesses em jogo; mas porque está a tardar já vão decorridos alguns meses), entendi por bem, como representante de Macau nesta Assembleia Nacional e em defesa dos legítimos interesses da província, pedir ao Governo a sua esclarecida atenção para o caso, achando, sem mais delongas, a solução justa e equitativa que o caso requer, por forma a restabelecer a confiança dos que em Macau investem os seus capitais ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e tendo em vista, principalmente, o prestígio e bom nome da nossa Administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E para terminar permito-me transcrever o que, a propósito, disse o ilustre director do bissemanário local O Clarim., em seu número de. 30 de Janeiro do corrento ano:
A metrópole terá de intervir com medidas que estabeleçam o equilíbrio e façam regressar à normalidade as coisas, para quietação dos espíritos e defesa da integração económica do espaço português, cuja viabilidade e vitalidade se encontra neste momento posta à prova perante os olhares de quem nos perscruta os mais pormenorizados movimentos a caminho de uma autêntica unidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto acerca da crise agrícola nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Reis Faria.
O Sr. Reis Faria: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: durante séculos ou mesmo milénios e ainda hoje nas regiões primitivas da Terra a floresta é encarada pelo homem como um bem natural de que se serve sem limitações nem preocupações.
Com o aumento da população e das necessidades alimentares foi quantas vezes à custa do desbaste da floresta que o homem foi procurar os terrenos necessários às culturas onde ia buscar a alimentação, desaparecendo a floresta para dar lugar a lavradas mais ou menos extensas. O que, restava da floresta continuava a ser mais que suficiente para, lhe fornecer a madeira de construção civil, a lenha e o carvão de que necessitava.
A floresta não tinha então mais função económica que a pedreira, o areeiro ou a saibreira, fontes potenciais de riqueza na medida em que as necessidades locais o reclamavam.
Porém, a evolução dos tempos tudo mudou e, se ainda existem no Mundo vastas extensões em que a floresta nasce, cresce o morre, sem exercer, ajudar ou complementar qualquer função económica, outras regiões há em que a floresta, integrada num planeamento geral da agricultura, tem destino e função económica fundamentais no bom equilíbrio do rendimento agrícola nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tal é o caso do nosso país e, ultrapassada a fase da reconversão agrícola da floresta, temos em muitos casos de passar à reconversão florestal dos terrenos agora ainda explorados por culturas, sobretudo as cerealíferas, de natureza menos rendosa ou largamente deficitária.
Se foi fácil, apenas capricho do homem ou necessidade imediata o desbaste da floresta, lavrando os terrenos que ela ocupava, já muito mais delicado se torna agora o problema inverso de reconversão florestal. O primeiro foi determinado por uma simples «fome de terra» para acudir a necessidades locais imediatas, enquanto o actual só pode ser pensado e levado a efeito dentro de um enquadramento geral ou planificação da nossa economia.
De facto, substituir terrenos que agora se destinam a produção de produtos alimentares, mesmo em más condições económicas, onde não está provado que se tenha feito tudo ou que as melhores técnicas actuais não sejam capazes de aumentar a produtividade e a rentabilidade desses terrenos, por floresta cujos produtos não tenham colocação, por excedentários nas nossas possibilidades industriais e exportadoras, seria substituir algo por zero, e não aumentando as exportações, ir aumentar as importações, mandando para o estrangeiro um dinheiro que depois importaríamos nos visíveis ou invisíveis a juro elevado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Fala-se hoje muito na reconversão florestal como uma das panaceias da crise da agricultura, na reconversão florestal de mais cerca de 20 por cento da área agricultada do País, elevando para cerca de 50 porcento o terreno florestado, simplesmente haverá também que perguntar se, nina vez florestada toda essa enorme área, o País tirará dela um rendimento justificativo dessa reconversão e também se poderá perguntar só já há as melhores ideias sobre o rendimento real dessas áreas e das espécies florestais a explorar de acordo com as possibilidades também reais de industrialização à comercialização.
Voltar a plantar floresta para a olharmos como nos tempos primitivos, como um bem natural, sem valor econó-
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mico imediato e só como valorizadora da paisagem, não lios parece ideia que mereça qualquer aprovação.
O Sr. Mário Galo: - Muito bem!
O Orador: - Para que tal não suceda, árduo trabalho se nos prepara, mas que precisamos de enfrentar com coragem, decisão e bom esclarecimento.
Sr. Presidente: as áreas florestais do País suo conhecidas em números bastante vagos, imprecisos e sem definição exacta das suas possibilidades. São cerca de. 3 500 000 ha, em que predomina o sobreiro e o pinheiro, e são estas de momento as duas espécies florestais fundamentais à roda das quais gira a nossa economia de floresta.
Há também largas manchas de eucalipto, mal avaliadas, pois é hoje frequente no Norte ver-se o pinhal entremeado de eucaliptos, por vezes em forte percentagem.
Quanto ao sobreiro, conhecem-se bastante bem as suas possibilidades; porém, quanto ao resto, tudo são suposições e algumas vezes largas fantasias.
No relatório do II Plano de Fomento, quando se trata das disponibilidades de material lenhoso existente no País, fala-se em 7 400 000 m3 de produção anual, da qual estariam comprometidos no consumo 5 100 000 m3, havendo, portanto, disponíveis ainda 2 300 000 m3 por ano, o que daria larga folga de possibilidades de aumento das nossas industrias ligadas à madeira de pinho.
Ao vermos, porém, a discriminação do abastecimento industrial que totaliza esses 5 300 000 m3, imediatamente se encontram números em que se estabeleceu a muito vulgar confusão entre o volume do produto fabricado e o do material lenhoso necessário para o fabricar.
Isso é flagrante no capítulo «Embalagens», em que o número real é mais do dobro do apontado, o mesmo se dando para outros números citados. Além disso; na quantidade indicada para embalagens ainda falta a indicação das embalagens de consumo no País, que não sendo controladas pelo Grémio dos Exportadores de Madeiras, difícil é ter uma ideia exacta do seu valor.
Além disso, que não teria uma excepcional importância, acresce ainda que. sendo a área do pinhal, segundo números oficiais, de cerca de 1 270 000 ha, o número de 7 400 000 m3 por ano de crescimento dá um valor anual médio de cerca de 6 m3 por hectare e por ano, número que nos parece um pouco exagerado, pois excede os números encontrados em várias experiências para o eucaliptal, e em tempos era corrente, oficiosamente, citar-se apenas 4 m3 por hectares por ano como número médio do País e então as nossas possibilidades de produção actual não excederiam 5 100 000 m3, avaliados no relatório do II Plano de Fomento como o das necessidades totais de abastecimento, nada ficando disponível, ao contrário do que ali é afirmado.
E a priori, sem querer discutir estes números que lastimàvelmente ainda ignoramos na sua exactidão, isto corresponde um pouco a ideia vulgarmente afirmada de que os nossos pinhais têm diminuído. E, é claro, podem não ter diminuído em área pelas replantações feitas, mas é quase incontestável que diminuíra em idade média dos pinheiros e, portanto, de riqueza ou volume total aproveitável.
É certo que os serviços florestais têm continuado a realizar magnífico esforço de florestação, mas num nível visivelmente insuficiente para as necessidades do País. e o particular, por sua vez, com o engodo pelo rápido crescimento do eucalipto, tom plantado enormes áreas, que muito tem ajudado em lenhas, esteios, pasta para papel e até madeira para a construção civil, contribuindo assim para um pequeno abaixamento do consumo do pinheiro, diminuindo o seu possível deficit.
Estão a desenvolver-se e a tentarem estabelecer-se várias fábricas de celulose no País e parece-me que ainda não se cuidou saber exactamente das suas possibilidades de abastecimento e sobretudo de forma tal que não sejam prejudicadas as outras indústrias já existentes que exploram o pinheiro ou nele têm a sua única matéria-prima, tais como as indústrias de madeira desenrolada, aglomerados, embalagens, construção civil, resinosos, etc.
Como actividades subsidiárias destas estão algumas que interessam directamente ao próprio lavrador e fazem parte da sua economia e que, a desaparecer, lhe vão retirar mais uma pequena fonte das suas já parcas receitas.
Além disso são actividades que representam mais de 1 milhão de contos de exportação e susceptíveis ainda de aumento se forem devidamente organizadas e tiverem matéria-prima à disposição.
Mas há mais: o bom rendimento do pinhal para o lavrador, que me parece ser finalidade que não devemos perder de vista, não se obtém pura e simplesmente plantando árvores sem primeiro pensar na sua possível utilização e transformação em que o próprio lavrador poderia e deveria talvez intervir.
Para o sobreiro não há talvez grandes problemas, mas já o mesmo não sucede com o eucalipto e com o pinheiro. Para este mais que para qualquer outra espécie se pode pôr o velho aforismo da sabedoria das nações: «Diz-me o que tens e aonde».
O eucalipto é uma árvore de crescimento rápido e produção de material lenhoso relativamente fácil de avaliar. O rendimento líquido do hectare em eucaliptal, à parte as despesas de 1.º estabelecimento e depois as de conservação e corte, é, sobretudo, muito influído pela distância, ou seja pelas despesas de transporte à fábrica ou ao porto de embarque.
Já o mesmo não sucede com o pinheiro. Em primeiro lugar, é uma árvore de crescimento bastante lento, em segundo lugar, tem várias aplicações conforme a idade e o seu desenvolvimento.
Não nos parece que seja o corte raso, assim que a madeira atingiu dimensões suficientes para os aglomerados ou para a celulose, a maneira mais rentável de explorar o pinhal, tanto mais que o valor líquido da madeira aproveitada no pinhal vai diminuindo à medida que nos afastamos dos centros de consumo ou das fábricas; e se poderá haver interesse para a lavrador no corte raso perto das fábricas, já certamente o mesmo não se dá nas matas mais afastadas, onde o lavrador, esperando que se formem os pinheiros de maiores dimensões, cujo preço já suporta transportes a maiores distâncias, tem, além disso, a vantagem do lucro da resinagem, nada desprezável no conjunto da exploração, embora obtenha menor preço na venda das sufis madeiras miúdas, no caso do pinhal marginal.
O pinhal, racionalmente explorado, dá tudo: dá madeiras finas para os aglomerados e para a celulose, e deve ser mondado na devida altura, com vantagem para as madeiras que ficam e melhor se desenvolvem e vantagem para o lavrador; dá depois os esteios para minas que constituem ainda uma segunda monda e depois os cortes sucessivos e escalonados de madeira para as fábricas de serração e mais tarde as árvores velhas que darão boa madeira para a construção civil e para desenrolar: e entretanto durante alguns anos foram sendo resinadas as árvores que aguardam a sua altura de ser abatidas.
No fim de 12-15 anos existem num hectare de pinhal cerca de 2500 árvores de diâmetros de 10 em a 16 em
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que já servem para a celulose e para esteios e, além disso, alguns milhares de pequenas árvores que cresceram, mas abafadas pelas maiores, não se desenvolveram tanto. Limpo o pinhal destas pequenas árvores e abatidas algumas das 2500 de maior porte na primeira monda, ao fim de 30-35 anos existem pelo menos 1500 árvores que podem ir sendo aproveitadas para as fábricas e para resinar; escolhidas depois destas as melhores e mais robustas, poderão ficar cerca, de 350 a 400 árvores que, atingindo no todo ou em parte os 70 anos. darão, além da resinagem boa madeira de construção civil ou para desenrolar.
Explorado assim o pinhal, ele dá certamente, além do rendimento da resinagem, difícil de avaliar, mais o crescimento anual médio de 4 m3 por hectare e por ano, que para as madeiras médias para que é calculado deve certamente dar rendimento superior ao que geralmente lhe é atribuído e foi indicado no relatório do II Plano de Fomento.
Para tudo isto há, porém, imediatamente um grande óbice: cerca de 90 por cento da floresta está nas mãos de particulares e será muito difícil convencer estes a seguir o esquema, de aproveitamento atrás traçado, ou outro semelhante e melhor estudado, por quem perceba disto muito mais do que nós. simples curiosos na matéria.
O particular não vende por várias razões: porque parte do princípio de que a madeira no monte está sempre a crescer, porque não necessita ou não se interessa em realizar dinheiro, pelo preconceito de que é uma vergonha vender, etc.; não resina os seus pinheiros porque ainda julga que estraga a madeira, mesmo depois da introdução da resinagem química, e o valor económico para a Nação que representa o pinhal é um valor morto, inútil, e quantas vezes a inutilizar-se definitivamente. Com que cuidado, pois, temos de pensar, planear ou programar a tão decantada reconversão florestal.
O pinheiro, como todo o ser vivo, tem um período biológico definido e a vantagem está em aproveitá-lo na plenitude das suas faculdades. Passada certa idade, a madeira só perde qualidades e, embora a árvore não morra, a madeira vai piorando e tornando-se mesmo inaproveitável. Além disso, como todo o ser vivo, também o pinheiro é sujeito a doenças, provocadas sobretudo por criptogâmicas, que, ao desenvolverem-se num pinhal, contaminam as árvores vizinhas. Os mais elementares cuidados de sanidade vegetal deveriam obrigar os proprietários a abater essas árvores e quantas vezes a condenar o pinhal. Mas tudo isto precisa, de legislação adequada e só podemos fazer votos para que ela um dia. seja. realidade, pois a economia do nosso país bem o necessita.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: todos os problemas atrás expostos têm fácil solução e sem dúvida, bem ao alcance dos nossos técnicos silvicultores: basta um pouco de trabalho, algum dinheiro, e sobra-lhes competência para nos darem, números exactos das nossas possibilidades florestais e das medidas a tomar para o seu correcto aproveitamento. Ainda não se dedicaram verdadeiramente a esse problema, mas esperamos que em dia o façam, com toda a ciência e exactidão de que bem sabemos que são capazes.
Mas há mais problemas com a nossa floresta e especialmente no caso da reconversão florestal.
Na agricultura tem-se, seguido até hoje sobretudo numa política de abastecimento com preços fixados, tabelamentos subsídios, etc., e na floresta tem-se seguido uma política de mercado, tanto no aspecto interno, onde ainda seria defensável, como no aspecto externo, onde já o é muito menos, ou mesmo nada, pois tal política só é feita em nítido prejuízo da economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pensar, portanto, sem mais exame e atento estudo, na reconversão de áreas que hoje produzem alimentos essenciais, que se não os produzirmos teremos de comprar, para uma exploração florestal de que não vamos tirar o máximo de rendimento, pode vir a ser um mau negócio e, portanto, um mau conselho à nossa lavoura.
Quando em terrenos pobres se produz trigo, milho ou centeio, numa produção embora deficitária, todo o movimento capital-trabalho ficou na nossa economia interna, apenas com uma degradação do proprietário da exploração, mas sem degradação do volume total do rendimento nacional. O prejuízo do proprietário foi lucro ou, pelo menos, mantença de outros indivíduos do mesmo agregado nacional. Há apenas um equilíbrio interno a restabelecer.
Se, porém, transformamos essas terras em floresta e vamos buscar o seu rendimento à exportação, ou vamos buscá-lo com nítido lucro para todos os intervenientes no ciclo económico, ou, não sendo assim, estaremos a prestar um mau serviço ao País, pois não nos podemos esquecer de que teremos de adquirir fora do País aquilo que a terra transformada em floresta, mal ou bem, deixou de produzir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os terrenos marginais para a produção de produtos alimentares produzem sempre um produto que se consome integralmente e, embora especialmente destinados à silvicultura, pode ser que a sua localização os. torne também marginais no aproveitamento económico dos seus produtos, com a diferença de que os primeiros se consomem sempre e ajudam a economia geral do País e no segundo caso ficarão totalmente desaproveitados.
Isto é, a floresta sem aproveitamento integral e lucrativo, no caso da reconversão florestal, constitui uma dependência do estrangeiro e um duplo prejuízo para a nossa economia.
Parece-nos indefensável a ideia de se continuar a fazer uma política de abastecimento nos produtos de alimentação e uma política de autêntico laissez faire na industrialização e comercialização dos produtos da floresta que os vêm substituir.
Esta prevenção, que se aplica mesmo à exploração da nossa, floresta já existente, é evidentemente fundamental, e até mesmo caso de consciência, na hipótese da reconversão.
Necessitamos todos de ter uma ideia exacta do valor dos produtos da floresta, para não continuarmos a ser vítimas de fantasias desorientadoras em que tantas pessoas, ou mesmo organismos do Estado ou corporativos, caem, com grave prejuízo da economia nacional.
Fala-se, por vezes, no preço da madeira noutros países sem que haja o cuidado de saber se estamos todos a falar a mesma linguagem. A madeira, porque assim se chama, não tem toda o mesmo valor económico, não só na sua qualidade ou destino como matéria-prima, mas até no seu custo de transformação na natureza.
Pinheiro ou eucalipto para desenrolar, para celulose ou para embalagens, são madeiras completamente diferentes em idade e, portanto, no custo de produção. Há sobretudo nelas, a distingui-las, não um capital inicial terra e despesas de 1.º estabelecimento, mas sobretudo um juro acumulado desse primeiro investimento e do seu destino potencial, que especialmente as distingue e que a
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natureza se encarrega de valorizar. Tudo isso necessita de ser bem esclarecido o avaliado para o lavrador saber, sem desperdício ou malbaratamento, o destino que deve dar u sua floresta. O lavrador tem de saber o valor exacto e comercial dos seus produtos da floresta, para saber defender-se, tanto dos exageros fantasiosos, ocasionais ou fortuitos, que por vezes aparecem, prejudicando a restante gama de produtos comerciáveis na sua normalidade produtora, como também da especulação de uma indústria que procura nalguns bons negócios ressarcir-se de outros possíveis prejuízos.
O bom equilíbrio dos piremos, sem especulações nalguns sectores em prejuízo de outros igualmente úteis, é indispensável para- o melhor rendimento da economia nacional.
Tomamos como exemplo o pinheiro e em relação aos crescimentos anuais médios a que já atrás nos referimos vamos fazer algumas contas para melhor elucidação destes problemas e do que desde já pedimos desculpa a VV. Ex.ªs
Supondo uma unidade fabril a trabalhar anualmente 1500001 do, pasta de papel, serão necessários a essa fábrica paca a sua laborarão, com o pinheiro como matéria-prima, cerca de 1 milhão de esteres de material lenhoso, ou sejam cerca de 700 000 m3. Supondo a produção anual de 4 m3 por hectare e por ano, seriam necessários a esta fábrica 175 000 ha para o seu abastecimento; como a percentagem, normal do País de densidade da floresta é de aproximadamente 30 por cento, seria necessário dominar uma área de 525 000 ha.
Se nessa área se quiser aproveitar a madeira em todas as suas potencialidades, a madeira para a celulose é cerca de um terço da produção total e portanto, a área a considerar para manter todas as indústrias dependentes dessa madeira, sem se prejudicarem mutuamente, seria ainda o triplo da indicada, ou sejam 1 575 000 ha, o que dá um círculo médio de raio de acção de cerca de 70 km. Supondo um custo de transporte de 1$40 por tonelada-quilómetro e um preço de aquisição na fábrica de 160$ ou 170S por tonelada, foram apenas uns 60$ a 70$ por tonelada de madeiras finas para o lavrador marginal, o que é pouco, pois representa apenas uns 40 por cento do valor da madeira.
Se este, porém, as deixar crescer, Lies tirar o rendimento da resinagem e vier a vendê-las para os seus destinos mais valorizados, tira não só esse produto das suas mondas, como ainda um valor em que o transporte representa 10 a 15 por cento, ou ainda menos, do valor da madeira transaccionada.
É evidente que, mesmo em relação ao valor acumulado do juro do capital inicial, nos anos todos de espera da valorização dessas madeiras, ainda uca larga margem de lucro. Mas também se vê nos valores acima indicados que para um raio de ficção de mais de 120 km do centro do consumo a madeira de mondas passa a dar prejuízo, por o seu valor ser totalmente absorvido pelo transporte e portanto mais precário o aproveitamento integral da floresta, que pode até ir ao prejuízo, tal como nas anteriores culturas dos terrenos reconvertidos.
De tudo isto que fica dito, e aflorado muito genericamente, há apenas uma conclusão que não queríamos deixar de tirar e que é o melhor esclarecimento do conceito de preço da madeira, em que se ilude o lavrador, levando-o a supor, por vezes, que não tira da floresta o seu verdadeiro rendimento e está a ser explorado pela indústria; contudo, algumas vezes, é exactamente, o contrário, o que prejudica uns u desorienta outros.
Os serviços florestais já deviam conhecer hoje bem o valor da madeira comoo matéria-prima das várias indústrias e deviam orientar o lavrador nas suas vendas e na melhor e mais rentável exploração das suas matas.
Para se poder fazer uma exploração séria e poder contratar no estrangeiro os contratos que se fazem, devia haver um mínimo de segurança no custo e aquisição da matéria-prima internamente, !à parte ligeiras variações conjunturais inevitáveis.
Antes de se proclamarem irresponsavelmente preços fantasiosos da madeira, devia saber-se primeiro se tais preços são ocasionais e fortuitos ou base séria da exploração integral da nossa floresta, medindo bem os possíveis prejuízos que se possam provocar de sector a sector de exploração, industrialização e comercialização das madeiras.
Enfim só pedimos conhecimento, ponderação e estudo e então que se faça a reconversão florestal, mas com a certeza de que estamos todos a trabalhar no mesmo sentido de elevação do nível de vida do País, de possibilidades de mais trabalho, melhor remunerado e sem surpresas, para uma mais acelerada e contínua elevação do rendimento nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Perdigão: - Sr. Presidente: o aviso prévio que o ilustre Deputado Eng.º Amaral Neto em boa hora nos anunciou, e de forma verdadeiramente notável, oferece, a meu ver, aspectos de relevante importância, seja porque traz a oportunidade de se proceder ao minucioso balanço das inúmeras causas que sinèrgicamente tem vindo, ano após ano, a agravar a situação da nossa agricultura, seja ainda porque se levará ao conhecimento do Governo e do País uma mão cheia de depoimentos que, reflectindo o estado de espírito de diversas regiões metropolitanas, podem, em somatória, dar uma ideia mais realista dos inúmeros problemas cadenciados hoje pelas dificuldades agrárias.
A notável exposição que nos foi magistralmente feita pelo Sr. Ministro da Economia constitui igualmente faceta muito meritória que devemos creditar ao aviso prévio ora em debate.
Já o Sr. Eng.º Amaral Neto, já outros Srs. Deputados, fizeram aqui laboriosas análises às diversas causas que têm actuado em cumplicidade contra a nossa agricultura, facto que justificaria só por si a minha preocupação em não vos fazer perder tempo com a tarefa de inventariar tão extensa etiologia. Mas o que já creio indispensável referir e demonstrar é que essas causas delapidantes de longe têm vindo a ser denunciadas ao Governo.
Ainda em 1961 afirmava-se no conselho regional de agricultura da XIV região agrícola:
Verificamos que é caótica a situação actual da maioria dos que compõem a lavoura da região, seja qual for o aspecto que se pretenda considerar: o económico, o financeiro, o social e o moral. As principais causas da crise que nos assoberba são:
Sistemas de crédito a curto prazo desajustados a uma política de produção com sentido económico.
Áreas consideráveis dedicadas à cultura financiada, no geral deficientes e em desfavor do complexo agro-pecuário.
Baixo conceito em que na escala de valores sociais, são tidas as actividades económicas do
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sector primário, dando como resultado uma selecção negativa dos empresários.
Superabundância de mão-de-obra, com crises de emprego frequentes, obstáculo para uma mais intensiva mecanização nas zonas possíveis.
Baixíssima produtividade de trabalho.
Mão-de-obra sem preparação adequada a uma agricultura evoluída.
Preços de mercado incerto não raro abaixo dos respectivos custos; como consequência, dificuldade de escoamento dos produtos.
Desorganização comercial, de um primitivismo confrangedor, e superabundância de intermediários desnecessários no circuito económico.
Baixa produtividade da terra, principalmente por mau ordenamento, não colocando as culturas segundo a aptidão do solo e as preferências de cada um.
Acentuada escassez de matéria orgânica, indispensável à reintegração da fertilidade consumida.
Baixos preços dos produtos de origem animal e, como consequência, impossibilidade de usar rotações de culturas mais consentâneas com a conservação do solo.
Degradação dos solos de maior declive, transformando-os em esqueléticos e, dentro de pouco tempo, em desertos sem possibilidade de regeneração.
Assistência técnica insuficiente.
Actividades de baixo rendimento dos capitais investidos.
Faltas de planeamento da economia regional.
Desconhecimento, por parte dos agricultores, de quais as culturas que mais interessam económicamente ao País e melhor se adaptam ao solo e clima da região.
Necessidade de instalação de indústrias que absorvam a mão-de-obra e pagando melhores salários permitam um maior consumo local dos produtos de difícil transporte.
Falta de continuidade de uma política agrícola devidamente estruturada.
É certo que já então os responsáveis pela nossa agricultura reconheciam o estado de enfermidade em que se encontrava «hospitalizada» a lavoura, mas ante a eminência da sua agonia não houve, todavia, quem, com esmero clínico, lhe detectasse o verdadeiro quadro etiológico e, assim, nunca a terapêutica curativa e preventiva apropriada se empregou, caindo-se, como era de prever, no recurso a paliativos sem qualquer expressão decisiva na recuperação da nossa agricultura.
Ao fazer estas alusões não pretendo, evidentemente, responsabilizar este sector ou aquela entidade pelas desgraças da agricultura; desejo, sim, apontando erros e adinamias, sugerir que se não volte a insistir em soluções ultrapassadas, que no domínio da prática nada representam.
Aliás, sempre tenho perfilhado a opinião de que as recriminações nesta matéria, adiantando pouco, tem o inconveniente de dar a falsa ideia de que a agricultura é constituída apenas por agricultores, fazendo esquecer que nesta actividade convivem, ou devem conviver, em comunidade, lavradores, técnicos, industriais, comerciantes, serviços, funcionários do Estado, em suma, um ror de gente e de instituições que terá sempre maior ou menor quota-parte de responsabilidade, seja nos sucessos, seja nos fracassos da terra, visto que da sua boa ou má autuação algo de bom ou do mau advirá para o «sector que lhe dá, em última análise, a governança da vida.
Que uma tremenda crise tem avassalado e esmaga já a nossa agricultura é realidade que, ninguém contesta, e todos reconhecem requer medidas a longo e a imediato prazo.
Ora o Governo, através do Ministério da Economia, estabeleceu para a nossa agricultura uma linha de acção que procurarei sintetizar primeiro, e analisar depois, nos aspectos que mais julgo dever focar.
Lei de Orientação Agrícola (em apreciação no Conselho de Ministros para Assuntos Económicos):
Marcará os princípios e objectivos da- política agrária, em especial para o período de transição (plano intercalar de 1965 a 1967).
Adaptação gradual de culturas:
Povoamento florestal:
Criação do Fundo de Fomento Florestal e Agrícola.
Fomento de pecuária;
Obra de rega;
Regime cerealífero:
Criação de um grupo de trabalho para o trigo, presidido por um lavrador, que proporá as medidas mais necessárias para o período de transição de 1965 a 1967.
Fomento de fruticultura;
Esboço da Carta Geral de Ordenamento Agrário para o Sul do País:
Criação da Junta Coordenadora de Acção Económica Regional;
Comissão de acção económica regional:
Revisão selectiva dos preços para os produtos que mais interessa fomentar.
Aumento dos créditos:
Através:
Da Caixa Geral de Depósitos;
Do Fundo de Melhoramentos Agrícolas;
Do Fundo Florestal e Agrícola.
Melhor comercialização:
Estatuto do Comerciante;
Saneamento dos circuitos de alguns produtos (carne, leite, fruta, etc.); Armazenagem e conservação, transformação.
Apoio industrial:
Industrialização dos produtos agrícolas no Alentejo.
Nova orgânica dos serviços da Secretaria de Estado da Agricultura:
Visando ao incremento:
Do fomento;
Da assistência técnica.
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Visando à orientação:
Coordenar;
Concentrar;
Regionalizar.
Porque o enunciado corresponde a um programa do acção, merece a minha aprovação nas suas linhas gerais, posição esta que não me inibe, naturalmente, de fazer algumas considerações a tal propósito, pretendendo especialmente:
Denunciar as dificuldades que o Governo deverá enfrentar e remover;
Referir a urgência, a intensidade e o sentido que julgo deverão ser dados às medidas em causa.
A Lei de Orientação Agrícola, constituindo elemento decisivo para a orientação agrária, como não é ainda conhecida, mais não me. permitirá do que formular o desejo de que se enquadre dentro da política geral delineada para todo o espaço económico português e que igualmente se ajuste aos condicionalismos que nos virão a ser impostos por força dos acordos com a E. F. T. A.
A adaptação gradual das culturas a sul do Tejo, a chamada reconversão, encontra-se equacionada, embora a traços muito latos, no quadro seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Teremos assim de nos ir preparando para racionalizar em exploração intensiva de sequeiro cerca de 750 000 ha, em vez dos actuais 2 milhões, o que nos deve desde logo sugerir a necessidade de um aumento substancial da produtividade para aquela área, 2,7 vezes mais que a actual, a fim de que as produções globais do sequeiro não sofram quebra.
Do regadio teremos os já previstos 170 000 ha e para floresta deveremos converter cerca de 2 milhões de hectares.
Os muitos sectores que se deverão dinamizar para que todos os esforços e capacidade se ponham ao inteiro serviço de obra de tal monta, o importante papel que a cada um caberá desempenhar em estreita conexão com os demais, requererão uma autêntica mobilização geral, harmónica, de expressão verdadeiramente racional, ímpar na vida agrícola do País, onde ao lado do entusiasmo e da devoção deverão estar o apoio financeiro e técnico, procurando-se desde logo, e como ponto de partida, reconquistar a confiança e a f é da lavoura, hoje tão esmorecidas.
A conversão agrária por via florestal é no Sul, um imperativo a que se não pode renunciar, mas requerendo entre outras coisas:
Seu justo cabimento adentro de um plano geral de valorização;
Capacidade por parte da lavoura para investimentos a longo prazo (o que não está hoje ao seu alcance);
Adesão convicta e voluntária do agricultor;
Valorização dos produtos florestais já em produção;
Criação do um instituto de investigação florestal;
Criação de cursos de divulgadores e capatazes florestais;
Assistência técnica eficaz;
Equilíbrio e sensatez na escolha dos caminhos a seguir, por forma que as espécies consagradas numa região - e nalguns casos porventura as únicas adaptadas às condições locais - não sejam banidas ou subestimadas por excessivo entusiasmo pelas importadas;
Respeito pelo tipo de exploração silvo-pastoril;
Garantia de colocação e do preço para os produtos a obter;
Cobertura industrial afim;
Medidas que fomentem a criação de Cooperativas ou de sociedades aglutinando os empresários com interesses florestais, cinegéticos, turísticos e piscícolas;
Atracção de capitais privados para aqueles fins;
Actualização das Leis da Caça e da Pesca (esta última não agradou os praticantes do Sul).
O desejado fomento de pecuária deverá fundamentalmente apoiar-se nos pilares seguintes:
Manutenção a longo prazo de preços compensadores;
Respeito pelas condições agro-climáticas, que deverão, para o caso alentejano, aconselhar a seguinte ordem de prioridade:
Ovinicultura;
Suinicultura;
Avicultura;
Bovinos leite-carne:
Bovinos de carne.
Considerando que os aristinos constituem a espécie animal mais adaptada às ingratas características agro-climáticas do Sul e também aqueles que podem desempenhar relevante papel na exportação, entendo que a ovinicultura deve merecer um carinho especial, nomeadamente incrementando os cruzamentos com machos importados de alta aptidão para produção de carne.
A excelência dos nossos queijos impõe que o aspecto leiteiro dos ovinos seja devidamente considerado.
A revisão dos processos de comercialização da carne deverá ser acompanhada também da revisão dos métodos de corte e especialmente da preparação comercial desta no talho, técnica segura para se lhe aumentar o respectivo rendimento.
Igualmente o problema dos matadouros, há tanto tempo em estudo, carece de ser revisto com desassombro e urgência e pensando no melhor e condigno aproveitamento de todos os subprodutos.
A anunciada revisão selectiva de preços abre optimistas perspectivas e dá-nos conta de que a compreensão do Governo para o problema é um facto.
É certo que um diálogo à volta dos preços dos produtos agrícolas é sempre um diálogo ingrato, sobretudo se nele intervêm um agricultor e um consumidor.
É que um discute os preços por que vende e o outro reporta-se àqueles por que compra, e é evidente que, sendo grande a margem que separa um extremo do outro deste quilométrico circuito produtor-consumidor, nunca se chegará a um acordo ou a parcial concordância.
Por isso, prèviamente faço a declaração de que ao falar aqui em preços me refiro apenas aos de origem.
Tenho como certo que os produtos que mais importará contemplar nos respectivos preços são os de origem animal.
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Reconheço, todavia, que o actual preço da carne - repito, aquele que é pago ao lavrador - está a atingir níveis compensadores, embora, sob o imperativo de causas sazonais e acidentais.
Mas o que desejo sublinhar é a importantíssima, alavanca que o preço dos produtos pecuários pode constituir, pois desencadeará um decisivo mecanismo do valorização global e, o que é mais, de reconversão espontânea e onde a própria, cultura cerealífera muito beneficiará.
Na realidade, se a lavoura for solicitada a incrementar a sua pecuária, teremos, a médio prazo e inevitavelmente, as repercussões seguintes:
Aumento das áreas ocupadas com pastoreio melhorado;
Aumento das áreas com espécies forrageiras para multiplicação de sementes, ocasionando o incremento das exportações destas;
Substituição da cultura cerealífera, nos terrenos marginais, nus, sob montados e sob olivais, por prados, com a subsequente valorização destes arvoredos:
Acréscimo das produções unitárias na cultura trigueira, acantonada agora nas melhores terras;
Aumento do índice de. fertilidade da maioria, dos solos;
Acréscimo e valorização do armentio;
Maior oferta de produtos de origem animal;
Valorização das cevadas e a veias, mesmo das leguminosas em grão, por aumento do seu consumo em rações.
Não estará o autuai preço da cevada - 2 $00 por quilograma - a indicar que este cereal se encontra já a receber os favores deste mecanismo?
E não deixa de ser curioso referir que as maciças compras de trigo efectuadas pela Rússia - 14 milhões de toneladas no Outono passado - são explicadas em parte, por alguns observadores, exactamente como resultante dos preços mais elevados pagos aos lavradores daquele país pelos seus produtos pecuários.
O facto de o nosso país poder oferecer como fonte alternativa de proteína animal o peixe, a preços francamente inferiores aos da carne, pode constituir factor favorável a uma actualização do preço desta, especialmente para a de alta qualidade, preço que poderia ter pequena incidência sobre o consumidor, desde que paralelamente fosse moralizado todo o seu circuito comercial.
O afluxo turístico, que em 1963 ultrapassou os 500 000 visitantes, apresenta-se como uma apreciável população de consumidores exigentes e que bem poderia contribuir para uma justa retribuição da carne de excepcional qualidade, mercê da criação de talhos onde só fosse distribuída da extra.
Também a justa valorização da carne por via de uma classificação criteriosa das carcaças é norma que se impõe com toda a. urgência, e estímulo que considero indispensável.
O preço do trigo tem sido tema das maiores controvérsias. Realmente a sua cultura reveste-se de especial importância para a região alentejana.
Comparam-se rendimentos brutos de vários países da Europa e nestas confrontações sempre na cauda surgem os países da bacia mediterrânica, o que já é um indicativo de fraca aptidão daquela zona, a qual pertencemos.
Não tivesse o trigo destacada importância na alimentação das nossas gentes, não fosse esta a principal cultura de opção para o sequeiro e outras houvesse que a substituíssem, e já o problema poderia ter tido solução.
Sabendo que competente grupo de trabalho irá estudar o delicado assunto, dever-me-ei colocar em posição de confiante expectativa, aguardando assim as conclusões finais daquele labor.
Não deixarei, no entanto, de. lhe dedicar duas palavras.
Considerando que, na região de Évora, os encargos com a cultura de trigo andam à volta de 4200$ por hectare, verifica-se que só a partir dos 1400 kg por hectare se começa a obter lucro líquido.
Pode até, partindo daquele dado, estabelecer-se o quadro seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
Como é sabido, as nossas médias normalmente andam abaixo dos 1000 kg/ha.
No que se refere ao actual sistema do crédito agrícola, está este longe da dar satisfação prática aos fins do fomento agrário que ele deve alcançar.
A sua revisão impõe-se com a urgência que a angustiosa situação financeira da lavoura requer, pois esta situação constitui o grande e principal travão a uma conversão cultural em escala aceitável e sem hesitações.
Através da reorganização dos métodos de comercialização, confia-se se colham os melhores resultados, tanto em benefício do consumidor como do produtor.
Foco o interesse que deverá ter a revisão imediata do comércio exportador por forma a que se ponha termo a situações de prejuízo e de descrédito que comummente se têm criado, tanto por falta de disciplina e de ética como de respeito pelos interesses gerais.
E não deixarei também de apontar a premente necessidade de estabelecermos com a nossa amiga Espanha entendimentos comerciais que visem à condução de uma política concertada de preços de exportação para aqueles produtos de produção comum.
Sob o ponto de vista dos preços das matérias-primas que à agricultura são fornecidas, direi que razoável melhoria poderá advir, se se proceder a ajustamentos nos respectivos custos, caso do gasóleo, cujo preço bem poderia alinhar por aquele por que é fornecido à pesca, sem esquecer igualmente o dos fertilizantes, especialmente os azotados.
A forma mais eficiente de a indústria ajudar a sua «irmã mais pobre» será a de ela própria fazer a sua reconversão, revendo os seus processos de laboração em ordem a reduzir os seus custos de produção, recorrendo à cooperação das empresas fornecedoras da energia eléctrica.
A melhor valorização dos produtos da terra recorrendo a um apoio industrial afim interessa de um modo muito especial e mais na medida em que essas indústrias se localizarem nas próprias regiões produtoras e também sob condição de que um espírito compreensivo presida à sua
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instauração, pois já estamos habituados a ver, não raras vezes, a indústria nacional do transformação dos produtos agrícolas a adquirir estes por preços muito inferiores aos que se praticam na exportação.
A adopção de uma política de valorização económica baseada na acção de órgãos regionais coordenadores merece o meu vivo aplauso, mas deve ser acompanhada de medidas que, por um lado, favoreçam a atracção de indústrias às regiões estagnadas e, por outro, desencorajem a sua instalação em zonas mais desenvolvidas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O incremento da assistência técnica, que é uma premência, não deverá deixar de pressupor uma urgente revisão no sector do ensino agrícola, especialmente ao nível do ensino médio.
A criação do novas escolas não bastará; importante é ainda a formação especializada de técnicos, tais como regentes florestais, regentes de pecuária, regentes de fruticultura, etc.
A desorientação que algumas vezes se tem gerado no meio agrário, por virtude da inoportunidade e até descoordenação de certas medidas, é um aspecto que é forçoso focar.
São exemplos desta desorientação o imposto de indústria agrícola. R o recente sobre transportes rodoviários, medidas que, agravando o desânimo entre a lavoura, contrariam e contradizem os propósitos governamentais de dar prioridade proteccionista à nossa agricultura sobre as demais actividades económicas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De qualquer modo, considero que todas as soluções adoptadas e a adoptar para reabilitação e dinamização da nossa agricultura exigem a governantes e governados uma deliberada entreajuda e laboriosa acção coordenadora, sem desfasamentos ou desvios.
Convicto estou de que nesta hora difícil que a nossa agricultura, atravessa todos não são de mais para nela convergirem seus esforços, ajudando-a a reerguer-se e a ocupar o lugar que bem merece a par das restantes actividades nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antunes de Lemos: - Sr. Presidente: está feito o diagnóstico da doença da agricultura. Concluiu-se por acordo entre governantes e governados que existe uma crise agrícola. E basta este reconhecimento geral, assim o creio, eu que não sou lavrador nem técnico agrário, para se criar um movimento por paute dos responsáveis e dos interessados em ordem a debelar a crise no mais curto espaço de tempo. Aos restantes, que só indirectamente sentem os efeitos dessa crise, também se exige a sua colaboração e o seu esforço. É que a tarefa que objectiva criar, neste domínio, melhores condições de vida para a Nação é uma tarefa de conjunto. Dela devem participar todos os homens, unidos no mesmo esforço, mesmo que politicamente divididos. Ela não é ónus nem glória privativa dos homens da lavoura; não é responsabilidade nem honra exclusiva dos homens do Governo; bem pelo contrário, é dever e suprema ventura de todos os homens capazes de sentir, de construir, de lutar - e sentindo, construindo e lutando sejam capazes de realizar o progresso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: nesta altura do debate a matéria está esgotada, mas mesmo que assim não acontecesse não seria eu quem preencheria as lacunas da discussão.
Proponho-me, tão-sòment, por forma concisa, referir aqui alguns problemas relacionados com o vinho verde e a respectiva região que os produz.
O vinho verde tem os mesmos problemas de toda a agricultura. Mas trata-se de um produto de élite, que para ser bom necessita de ser produzido em vinha alta, razão por que a fuga do trabalhador rural pode inutilizar completamente a produção, uma vez que nenhuma máquina o pode substituir.
Ele produz-se numa vasta zona, apenas nas bordaduras dos campos e em regiões de baixa altitude. É fácil encontrar-se no mesmo concelho e em propriedades vizinhas vinhas bons e vinhos maus e até acontece que, em zonas de bons vinhos verdes tintos, os brancos são de qualidade inferior e vice-versa.
Na região produtora, 56 por cento das explorações agrícolas são feitas em regime de parceria, por caseiros e trabalhadores, com baixo nível de vida, com deficitária assistência técnica e, para já, sem os benefícios da previdência e do abono de família.
A produção média anual, na origem salienta-se bem, «na origem» é da ordem das 400 000 pipas. Em todo o caso, houve crises de produção em 1940 e 1956 e uma colheita anormal no ano de 1962-1963 da ordem das 700000 pipas.
O consumo está assim distribuído: dentro da região, 75 por cento da produção total, sendo para a casa agrícola. 180 000 e para o consumo público 125000 pipas. Fora da região: Ponto. 17 000; Lisboa, 6000; exportação, 13 000 (sendo 9000 de vinho branco): restante província, 15 000.
Há vários factores que condicionam as crises do vinho verde, podendo apontar-se, entre outras, as colheitas abundantes, superiores a 400 000 pipas, sendo neste caso necessário queimar cerca de 10 000, mas de referir que as aguardentes dos vinhos verdes são de excelente qualidade, podendo ser colocadas, segundo os técnicos, em pé de igualdade com as das mais nobres regiões de renome mundial (Armagnaques e Cognaques), a concorrência ilegal do chamado vinho americano, de produtores directos, cuja produção anual árida à volta das 30 000 pipas, a concorrência legal e ilegal do vinho maduro de mais baixo preço, a debilidade económica do consumidor, muito especialmente do caseiro e do trabalhador rural, que o produzem com tanto trabalho e que para seu consumo usam vinhos de pé ou água-pé.
Podem apontar-se factores que condicionam uma produção mais equilibrada. Assim, devia permitir-se a plantação de vides apenas em regiões de alta produção e superior qualidade, fazer-se enxertia de qualidade com características para vinho verde, distribuir-se máquinas de pulverização a preços baixos, ministrar-se ensinamentos técnicos em matéria de tratamentos e fazer-se entrega à lavoura de fungicidas a preços acessíveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É necessário manter a região demarcada, com uma comissão de viticultura devidamente estruturada e verdadeiramente representativa da região. Não se permitir a produção dó vinhos de má qualidade que permitem que armazenistas pouco escrupulosos aviltem a qualidade e façam concorrência de preços. Fomentar a construção de silos verdes, grandes armazéns situados em várias localidades da região, para recolha de vinhos
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de qualidade inferior ou dos excedentes nas colheitas de superabundância, estudando-se devidamente uma política de aguardentes de boca.
Por outro lado, a actividade engarrafadora e exportadora deveria ser feita apenas dentro da região, por empresas dispondo de técnica perfeita e com stocks elevados, com a ajuda das adegas cooperativas.
Deveria incrementar-se a produção do vinho branco, mais apreciado para exportar.
Vozes: - Muito bem, muito, bem!
O Orador: - Deveria procurar-se a expansão dos vinhos verdes, através de feiras, stands, visitas comerciais, em estreita ligação com o Fundo de Fomento de Exportação e empresas privadas idóneas. Deveria facilitar-se o circuito de transportes deste produto de qualidades excepcionais.
Deveria procurar-se a expansão destes vinhos em mercados estrangeiros. São vinhos de características únicas no Mundo, mas a sua exportação não vai além dos 4 por cento.
Mas o que deve, desde já, impedir-se é que uma garrafa de vinho verde que sai do engarrafado à volta de 3$60 e 5$, conforme se trate de vinhos de concorrência ou de elite, chegue ao armazenista entre 6$ e 9$, respectivamente, e vá ser vendida ao público entre 16$ e 25$!
Isto, Sr. Presidente, é o que se pede ao Governo, para já, em nome da lei e da moral.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto de Lacerda: - Sr. Presidente: o aviso prévio em discussão deve enquadrar-se no número dos assuntos de maior relevo e acuidade para a conjuntura económico-social portuguesa, tal a importância e complexidade das questões em que se desdobra. E as suas incidências profundas e vastas no sector político, cuja vivência estanque é mera utopia, constituem realidades flagrantes que não podemos desprezar.
Este facto, melhor, o encadeado de factos a partir da origem comum - o trabalho da terra -, é evidente até para quem se debruce, apenas, sobre os diversos problemas da lavoura; esta evidência e a particularidade de um amplo conhecimento pessoal, directo e já remoto, das condições de vida das empresas agrícolas e seus serventuários, explicam a minha presença neste debate.
O tema e as várias e multiformes implicações dele resultantes justificam, sobejamente, a análise pormenorizada que esta Assembleia lhe dedica; e impõem uma palavra de reconhecimento e louvor ao nosso ilustre colega Sr. Eng.º Amaral Neto, seu autor, pela iniciativa de interpretar os anseios colectivos da Nação. Bem haja, pois, pelo serviço prestado ao País com a apresentação deste aviso prévio.
Ultimamente, tem-se falado e escrito muito e muita vez sobre a matéria em causa. Os problemas da lavoura vêm sendo agitados na imprensa diária e regional, rádio e televisão; por isso, considero excepcionalmente propício o seu debate.
O clima «criado» despertou e animou os tímidos e desiludidos, obrigando os agricultores, de um modo geral, a rever, estudando-as criteriosamente, as múltiplas questões pendentes há longos anos. A lavoura, exangue de capitais, estava também quase desfalecida moralmente.
Embora continue desfalcada de bens materiais, é necessário salvar-lhe a alma enquanto é tempo!
Como círculo vicioso que nos apoquenta, e é motivo de desânimo e desencorajamento para cerca de 45 por cento da população portuguesa, é fenómeno mundial, também outros países manifestam as suas grandes apreensões presentes e futuras sobre os problemas agrários.
Muitas outras nações estão empenhadas em procurar dirimir o foco da expressiva desigualdade entre o rendimento da agricultura, indústria e outras actividades. Sua Santidade o Papa João XXIII, na encíclica Mister et Magistra, dedica considerações muito judiciosas ao assunto; a propósito do êxodo das populações agrícola-rurais para os grandes centros, afirma que a questão de fundo em todas as comunidades políticas é idêntica e consiste em determinar o processo para a redução do desequilíbrio na eficiência produtiva entre o sector agrícola, por um lado, e o sector industrial e o dos serviços, por outro. Isto é, o mal tem carácter generalizado, não sendo, portanto, um exclusivo português. Igualmente Sua Santidade o Papa Pio XI, na encíclica Quadragésimo Anno, já havia volvido o seu pensamento generoso para o fenómeno, apontando que a justa proporção entre os salários ajuda à realização do bem comum e que a ela está Intimamente ligada a devida relação dos preços a que se vendem os produtos obtidos pelos diversos trabalhos.
A sabedoria popular, ao referir que «mal de muitos é conforto», não deve tomar-se como norma ajustável a este problema, tanto mais quanto é certíssimo estarmos adormecidos há longos anos, como sob influência de dose exagerada de narcóticos. É tempo de despertar do letargo em que nos deixámos cair!
Vou agora abrir ligeiro parêntesis que reputo necessário e servirá de sinal de alarme a quantos me escutam ou vierem a ler. Ventilar problemas, apresentar sugestões, criticar processos, constitui prática salutar que, parece-nos, só está vedada nos chamados países de liberdade total. Daqui não se infira, contudo, que, quem assim usa de um direito constitucional, está a recriminar o Governo por não ter dado solução a todas as questões, ou a insinuar que o estado de coisas actual é fruto da inépcia ou desinteresse desse mesmo Governo. A fantasia de pretender instituir o Estado, que tudo resolve, depressa e bem, porque dispõe de um Governo com capacidade infinita para quantos problemas se lhe deparam, é ideal que nunca deixará de o ser, enquanto o Mundo for Mundo!
Os Deputados, em Portugal, usam livremente desse direito de chamar a atenção do Governo para os interesses da Nação, apontando atrasos, necessidades e erros. E fazem-no, porque só desta forma estão a cumprir os mandatos a que se obrigaram. Só assim podem, de cabeça levantada, retribuir a confiança dos eleitores que neles depositaram a convicção de ficar bem entregue a defesa dos interesses nacionais. Até hoje, e estou no 3.º ano da IV Legislatura, nunca chegou até mim. clara ou veladamente, a simples indicação de moderar ou suprimir os comentários a fazer nesta Assembleia. Em contrapartida, devo acrescentar que nunca também foi meu intento menosprezar ou minimizar a obra do Governo. Bom será, portanto, que os comentaristas às intervenções dos Deputados nesta Assembleia não mutilem quanto aqui se diz, para, pela palavra escrita e falada, respigarem tão-sòmente os reparos de que podem tirar partido no propósito de atacar, com razão e sem ela, a política portuguesa.
Fechado o parêntesis, posso agora afirmar que a lavoura é o único sector das actividades económicas nacionais não beneficiado pelas, profundas, variadas e proveitosas reformas empreendidas de 1926 para cá. E, para os leigos, há-de parecer paradoxal a minha declaração de que o Governo, quer directamente pelo Ministério da Economia e suas dependências, quer servindo-se da organização corporativa,
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tem-se empenhado em solucionar os inúmeros problemas que assoberbam a lavoura!
Na realidade, o paradoxo é de referir, porque, apesar do nunca desmentido interesse das instâncias oficiais e até das contribuições concedidas a várias actividades agrícolas, a lavoura não logrou atingir o grau de relativa despreocupação que é mister obter para bem poder desempenhar-se da sua árdua tarefa.
A crise da lavoura manifesta-se, efectivamente, como muito bem diz o autor do aviso prévia, sob três formas distintas: empobrecimento, desclassificação social e despovoamento dos campos. O observador atento poderá anotar ainda que elas são alotropia de uma única verdade incontestável: o amanho e cultivo da terra têm sido, desde tempos imemoriais, olhados como actividade inferior, a mais baixa de quantas o homem exerce.
É a altura do nos interrogarmos: aceite o princípio de nobreza para todas as formas de trabalho, sujeitas apenas ao seu desempenho honesto e eficiente, por que temos esperado então tanto tempo pela resolução do problema vertente?
A resposta é, como a crise, de carácter universal: a dificuldade é grandeza de tal ordem que tem superado as mais fortes boas vontades sucessivamente postas ao serviço demolidor daquela barreira.
Continuamos na interrogação: apesar disso, deveremos depor as armas, cessar a luta e deixar que a situação se resolva por si própria? Nunca o fizemos, nem as restantes nações; pelo contrário, todos nos temos empenhado no progressivo desenvolvimento dos meios de ataque, na busca constante de um objectivo que reconhecemos difícil.
Aqui estamos hoje, na sequência daquela determinação, a procurar intensificar o combate à crise da lavoura. Aqui estamos a lembrar que é necessário prosseguir, atacando de frente, e sem tibiezas nem delongas, a vasta gama dos obstáculos.
Sabemos perfeitamente que o sector industrial, mercê de um conjunto de factores favoráveis, pôde alcançar uma estrutura e orgânica satisfatórias num espaço de tempo mínimo, isto é, entre equacionar e resolver-se o problema, caminhou-se rapidamente na satisfação das justas reivindicações sociais de quem o serve. Não nos move a ideia insensata de esperar uma evolução que se processe ao mesmo ritmo no caso da lavoura. Mas entendemos oportuna a ocasião para definir o rumo a tomar, tanto mais que nem sequer precisamos de criar novas estruturas e consequentes órgãos directivos, tanto de carácter meramente técnico como do ponto de vista social.
A nossa organização corporativa engloba meios suficientes para, numa íntima e perfeita comunhão de esforços e trabalho, atingir a plataforma mais consentânea com os interesses da Nação, isto é, de modo a reduzir ao mínimo viável o desequilíbrio existente na relação trabalho da terra-trabalho industrial-outros serviços.
A lavoura nacional dispõe dos organismos indispensáveis à marcha regular e normal das suas actividades, e àqueles nem falta já a cúpula conveniente, pois a Corporação está criada há anos e apta a servir os fins a que se destina. As Casas do Povo, instituições de base para garantia e defesa dos interesses respeitantes aos trabalhadores da terra, estão experimentadas no decurso de longo período de funcionamento e temos a certeza de poderem satisfazer quanto delas se pede nos estatutos por que se regem; bastará, unicamente, proporcionar-lhes condições para a realização integral da obra polifacetada que a letra da lei lhes confere.
Aliás, é o próprio Ministro das Corporações quem vem corroborar a opinião emitida. Na sua visita do dia 15 próximo passado ao distrito de Setúbal, anunciou importantes progressos da política social rural, alguns deles a assinalarem já o ano corrente.
A regulamentação do trabalho e a extensão da previdência aos trabalhadores do campo são medidas de incalculável valor para debelar o gérmen da doença que se radicou nos nossos meios rurais e é obstáculo a remover com urgência.
A utilização do ensino profissional acelerado na formação e reclassificação dos trabalhadores rurais, mediante a criação de centros de aprendizagem junto dos próprios locais de trabalho, é outra achega valiosíssima para a solução do problema.
A reorganização e valorização das Casas do Povo, como organismos de cooperação e previdência rural, é pratica salutar que o Sr. Ministro também promete para breve e está absolutamente de acordo com o nosso modo de ver.
Da conjugação e interpenetração dos organismos existentes poderá, se quisermos, surgir a fórmula mais conveniente para, numa simbiose admirável, diminuir cada vez mais os diferendos do binómio lavoura-trabalhadores rurais, acabando, mesmo, pela eliminação pura e simples de todo e qualquer sintoma que possa traduzir oposição entre as empresas e os servidores.
Sendo impossível dissociar os elementos empresa agrícola e populações agrícola-rurais, ao propormo-nos solucionar a crise da lavoura, impossível se torna igualmente pretender acabar com o ancestral baixo nível de vida das gentes ocupadas no trabalho da terra sem que, concomitante e paralelamente, se dê à empresa o meio material de o fazer. As implicações assumem foros de reciprocidade que nenhum economista, por mais hábil e voluntarioso, é capaz de anular.
Lavoura pobre não pode retribuir generosamente quem a serve; populações agrícolo-rurais fracamente remuneradas constituem comunidades cuja fixação ao lugar de origem é extremamente difícil conseguir.
Os grandes centros são imanes poderosos que atraem aquelas populações dia a dia com maior intensidade. Superficialmente considerado, o êxodo dos trabalhadores rurais para os grandes aglomerados e centros onde a indústria domina é fenómeno que parece constituir manifestação egoística de quem, a nossos olhos desprevenidos, deveria continuar a viver no acanhado torrão natal. Mas, visto o caso à luz da equidade de direitos, para não o analisarmos antes sob o aspecto de humanidade, o êxodo traduz a única tentativa que o trabalhador da terra vislumbra para melhorar a sua vida e dos seus. Não nos é lícito descurar neste julgamento a penosa existência dos trabalhadores da terra, carregada de sacrifícios de toda á ordem, a começar pela dureza do seu labor e contingência de execução, para de mãos dadas com o nulo ou reduzidíssimo conforto do meio, onde quase tudo falta ou está fora do alcance da sua bolsa, passar pelo triste reconhecimento da sua desclassificação na escala social e finalizar o «seja o que Deus quiser» a respeito do futuro, quando a velhice ou a doença vierem obstar a que ganhe o «pão nosso de cada dia».
Parece-nos ouvir o eco de vozes longínquas e desgarradas, acusando o espírito de novidade e aventura de muitos. Sim, é verdade haver exemplos deste género. São, contudo, as excepções a confirmar a regra geral a que nos reportámos.
Todos temos conhecimento de que, apesar de alguns casos esporádicos de variadas causas, a principal determinante do fluxo migratório dos campos para as cidades e centros industrializados é a manifesta inferioridade do sector agrícola, que é um sector deprimido, tanto em referência ao nível de vida das populações agrícolo-rurais, como pelo índice de produtividade das forças de trabalho.
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Idêntico conhecimento temas da necessidade imperiosa e urgente do fomento e progressiva melhoria dos serviços essenciais, tais como estradas, transportes, água potável, saneamento, habitação, assistência sanitária, instrução de base e instrução técnico-profissional, condições idóneas para a regular vida religiosa, meios recreativos, previdência, promovendo-se ainda a disponibilidade dos produtos que permitam à causa agrícola-rural ser provida e funcionar de modo moderno.
Ao mesmo tempo é preciso que o desenvolvimento económico das comunidades políticas se processe gradualmente e em proporções harmónicas entre todos os sectores produtivos. Logo, é necessário introduzir inovações quanto às «técnicas produtivas, à escolha das culturas e estruturas administrativas que o sistema económico, no seu conjunto, permite ou requer; e que sejam realizadas, o mais possível nas devidas proporções, relativamente aos sectores industrial e dos serviços, como Sua Santidade o Papa João XXIII aconselhou a todos os povos. Deste modo, a agricultura absorverá uma quantidade maior de bens industriais e solicitará uma prestação mais qualificada de serviços. Por seu lado oferecerá aos outros dois sectores e a toda a comunidade os produtos que melhor correspondam, na qualidade e na quantidade, às exigências do consumo, contribuindo, assim, para a estabilidade do poder de compra da moeda, elemento positivo para o desenvolvimento ordenado de todo o sistema económico.
Há que estabelecer uma política económica cautelosa no campo agrícola, abrangendo os impostos tributários, o crédito, assistência e previdência, promoção de industriais integrantes e afins, a educação das estruturas das empresas. A agricultura não pode dar altos interesses e nem sequer, regra geral, os interesses do mercado para conseguir os capitais indispensáveis ao seu incremento e normal exercício das suas empresas. Portanto, tem de se recorrer a um tipo particular de política de crédito, criando e fomentando instituições que assegurem à lavoura os capitais necessários em condições convenientes.
É preciso também, tendo em vista a natureza dos produtos agrícolas, pôr em prática uma disciplina eficaz para defender os seus preços, não esquecendo que estes, muitas vezes, não constituem remuneração de capital, mas sim retribuição de trabalho.
O facto de todos, ou quase todos, os produtos da lavoura serem destinados à satisfação de necessidades humanas primárias - o que pode servir de argumento válido para a acessibilidade dos seus preços à totalidade dos consumidores - não é, ou, melhor, não deve ser, motivo suficiente para obrigar quem se dedica ao trabalho da terra a um estado permanente de inferioridade económico-social, pela privação de um poder de compra indispensável ao seu digno nível de vida.
Nas regiões agrícolas é de toda a conveniência e vantagem a instalação de indústrias e serviços relativos à conservação, transformação e transporte dos produtos da terra, tanto quanto nelas devem tentar-se iniciativas respeitantes a outros sectores económicos e outras actividades profissionais.
As dimensões e características da exploração, associadas aos diversos fautores variáveis de caso para caso, têm de ser tomadas em linha de conta para uma legislação diferenciada tendente ao estabelecimento das mais apropriadas estruturas económico-administrativas. Mas, parece-nos, há lima constante comum a todas: só da harmónica conjugação de vontades e esforços entre dirigentes e dirigidos, empresários e pessoal, poderá obter-se o indispensável e ideal equilíbrio que os legítimos direitos de todas as classes trabalhadoras reclamam e urge atingir.
A intervenção do Estado é absolutamente imprescindível. A técnica moderna tem de substituir, progressiva e firmemente, os processos rotineiros de fraco rendimento; a mecanização da lavoura é indispensável em grande número de empresas, tanto quanto se torna impossível nos infinitos retalhos de terra que os próprios donos trabalham amorosamente, sabendo bem da insuficiência produtiva em relação a uma vida mais desafogada.
As novas técnicas agrárias deverão ser facultadas e facilitadas pelo Estado, por intermédio do corpo de especialistas que já possui e de muitos outros a formar. As máquinas necessárias ao amanho e cultivo da terra terão de ser adquiridas no mercado nacional, embora de fabrico nosso, algumas, e estrangeiro, muitas delas. Para as primeiras há que estabelecer preços compatíveis com as disponibilidades da lavoura, ainda que, para tal, o Estado tenha de subsidiar o seu fabrico; para as outras é preciso que o Estado as isente de direitos alfandegários, ele próprio as importe e as forneça à lavoura em condições de esta as utilizar como instrumentos de trabalho que são, e nunca como artigos cuja compra seja considerada um luxo.
Sr. Presidente: alonguei-me mais do que desejava e, apesar disso, pouco disse do muito que a crise da lavoura suscita. Deixo ao Governo da Nação, especialmente aos Ministérios da Economia e das Corporações, a tarefa de aprofundar e completar os múltiplos e complexos problemas que o problema em foco arrasta. Assim procedendo, exprimo o voto de plena confiança nas providências que o Governo irá adoptar no mais curto espaço de tempo possível, a bem da lavoura, que o mesmo é dizer a bem da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Aníbal Correia: - Sr. Presidente: depois de tudo o que aqui já foi dito sobre a crise da lavoura pelos ilustres Deputados que me antecederam no uso da palavra, pode parecer que nada mais há a dizer.
Mas o problema é vasto, e, porque se estende a todo o País, também tenho uma palavra de crítica construtiva a dizer, que é ao mesmo tempo um apelo dirigido ao Governo da Nação.
O facto de a crise agrícola existente em Portugal ser idêntica à que existe em todo o Mundo, embora menos grave do que a de muitos outros países, nem por isso pode deixar de ser solucionada, com a possível urgência e na medida do possível, pois é da terra que dependemos e sem ela não poderíamos sobreviver.
Tal encargo compete aos técnicos e homens experimentados, de cujo saber não deve prescindir-se, e por isso quero apenas referir alguns factos concretos que diariamente chegam ao meu conhecimento e que podem ter solução imediata.
Como é sabido de todos, a actividade agrícola e o seu bom ou mau resultado no fim de cada ano têm repercussão imediata em todas as restantes actividades, quer no campo das profissões liberais, quer no do comércio ou no da indústria, razão por que merecem dos departamentos do Estado todo o interesse que o caso exige.
Não quero com isto dizer que o Estado se tenha alguma vez alheado do problema, pois seria ingratidão ignorar o muito que se tem feito por intermédio dos seus organismos, como, por exemplo, da Federação dos Trigos no campo cerealífero, da Junta Nacional do Vinho e adegas cooperativas no sector vinícola, as grandes obras de hidráulica que têm sido levadas a efeito, e muitas outras que poderíamos enumerar.
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Mas, sim, quero significar que é necessário tomar medidas urgentes no sentido de remediar pelo menos alguns males que já se verificam desde há anos e os que vão surgindo com maior acuidade.
O êxodo dos campos tornou o trabalho humano mais deficitário e de menor rendimento.
Os que partem são os de maior capacidade física e intelectual e os que ficam são os mais velhos e mais fracos, e por isso mesmo os de menos possibilidades para o trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode e deve substituir-se o braço do homem pelo trabalho mecânico, mas para isso é necessário adquirir máquinas, cujos preços são quase sempre incomportáveis por incompatíveis com as disponibilidades do pequeno lavrador.
Além disso, os adubos, os fungicidas E insecticidas, os combustíveis e lubrificantes, aumentaram substancialmente de preço, enquanto os dos cereais e outros produtos da lavoura estabilizaram desde há anos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se atentarmos nos elevados preços dos adubos, somos levados a concluir que essa indústria vive à custa da economia da lavoura, e o auxílio que o Estado tem concedido à produção agrícola redunda, em grande, parte, em benefício daquela mesma indústria.
Parece-me que deveria ser a agricultura a fabricar os adubos para as suas terras, e daí lhe resultariam grandes benefícios.
Por outro lado, os encargos com as máquinas, que tanto podem contribuir para melhorar a economia agrícola, não podem ser suportados pela maior parte ou quase totalidade dos médios e pequenos lavradores, porque os seus preços são demasiado elevados em relação às possibilidades destes, com a agravante de que a sua depreciação é quase total poucos anos após a aquisição.
As máquinas são um grande capital que se mantém improdutivo durante a maior parte do ano, a pagar juros que, na maioria dos casos, não são compensados pela terra que trabalham.
A aplicação da máquina deverá ser revista, depois de estudadas as condições da sua utilização; e ao lado da mecanização deverá existir uma ordenada e equilibrada indústria pecuária, ou, pelo menos, os gados necessários e correspondentes a cada exploração agrícola.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - Os preços dos produtos agrícolas não aumentaram na proporção do seu custo de produção, acontecendo que, em muitos casos, o valor desses produtos é igual e por vezes inferior ao do seu respectivo custo, o que levou o produtor a deixar de cultivar algumas terras mais pobres e que eram utilizadas no sistema de cultura extensiva ou rotativa e na criação de gados.
É certo que essas terras de sequeiro podem ser utilizadas, na sua maior parte, no repovoamento florestal, mas nem todos os lavradores podem suportar as despesas do repovoamento, e muito menos a falta total de rendimento da terra durante um período não inferior a dez anos, para que dessa plantação possam tirar algum proveito.
O lavrador médio não poderá manter-se durante tão longo período sem o indispensável à sua manutenção, e só o menos pobre poderá fazer tal sacrifício.
E quando falo em menos pobres refiro-me àqueles que podem esperar esses dez anos, mercê de outras culturas em terras mais ricas que o vão sustentando, às vezes sabe Deus como, durante esse longo período, mas esses são em número reduzido.
Em consequência da crise da lavoura, e a par desta, existe também a crise nas transacções das propriedades, não só porque diminuiu o poder de compra, mas também porque os seus proprietários resolveram vendê-las, dada a sua nula rentabilidade, e por isso encontram-se à venda muitas herdades que não encontram compradores, ainda que a baixo preço.
Embora saibamos que a crise não é de solução fácil e definitiva, estamos no entanto convencidos de que ela pode e deve debelar-se.
Parece-nos que tudo gira à volta da diminuição do custo de produção e da normalização dos preços dos seus produtos, de modo a garantir ao agricultor um mínimo de lucro que lhe baste para equilibrar a sua balança económico-financeira e lhe dê incentivo para continuar ligado à terra e para se interessar pela sua cultura.
O barateamento dos preços das máquinas e adubos, isentando-os de impostos, e a concessão de empréstimos amortizáveis a longo prazo e a baixo juro seriam um dos meios conducentes à remuneração mais justa dos produtos da terra.
E àqueles que quisessem plantar floresta nas suas terras próprias para o efeito seriam igualmente concedidos empréstimos nas condições já referidas, pelo menos durante o tempo que decorre até ao primeiro corte das árvores.
Estabeleçam-se normas a seguir obrigatoriamente pelos agricultores, destinadas a obter produtos de melhor qualidade e em maior quantidade, mas garanta-se-lhes a venda e os preços remuneradores dos valores dessa produção; numa palavra, deverá garantir-se ao agricultor o rendimento correspondente à terra que cultiva. Se assim suceder, o progresso agrícola existirá também.
A crise ou desequilíbrio da economia agrícola não resulta da deficiente repartição do capital terra, mas sim e principalmente do aumento do custo de produção sem a indispensável correspondência nos preços de venda dos seus produtos.
Os valores dos principais produtos agrícolas em relação à média do decénio 1951-1960, tomando como ponto de partida o decénio de 1910-1919, sofreram um agravamento de preço de venda nos termos seguintes:
Aveia ................... 17,3
Batata .................. 18
Fava .................... 15,6
Cevada .................. 19,6
Trigo ................... 22,7
Feijão .................. 23,8
Centeio ................. 24,4
Milho ................... 25,6
Grão .................... 23,1
Arroz ................... 27,7
Azeite .................. 28,1
Vinho ................... 27,4
Cortiça ................. 60
Por sua vez, o coeficiente de aumento dos produtos industriais de maior consumo na agricultura, durante o mesmo período de tempo, é muito mais elevado do que o dos produtos agrícolas, tal como resulta dos seguintes números:
Petróleo .................. 17
Gasolina .................. 21
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Adubos .................. 38
Sulfato de cobre ........ 44
Óleo lubrificante ....... 80
Enxofre ................. 105
Ferro ................... 120
Carvão .................. 122
Pregos .................. 150
Arame ................... 160
Ora o aumento de custo de vida no mesmo período sofreu um agravamento de cerca de 43 vezes, enquanto os produtos da terra encareceram apenas 20-25 vezes, do que resulta uma grande desproporção.
Parece-nos que para solução imediata da crise em que se vive terão de se normalizar os preços de venda dos produtos agrícolas, reduzindo substancialmente o custo dos principais artigos consumidos na agricultura, cujo sector deverá ser equiparado aos outros sectores económicos da Nação.
E não se julgue que a divisão ou parcelamento da grande propriedade pode dar solução satisfatória, mesmo àqueles a quem essas parcelas fossem entregues, e que amanhã seriam os primeiros a vendê-las ou a abandonadas, para se ocuparem de trabalho diferente e mais rendoso.
Haja em vista o que está a acontecer com muitos rapazes que regressam do ultramar e que são filhos de médios proprietários, os quais já não querem voltar ao trabalho agrícola das suas próprias terras ou das terras de seus puis, e com outros que abandonam o trabalho do campo e vão para fora da sua terra ocupar-se em ofício diferente.
O distrito de Leiria é dos maiores e mais ricos do País, na silvicultura e na agricultura propriamente dita, figurando na primeira linha dos produtores de trigo, por unidade de superfície, e de frutas.
A quase totalidade da sua exploração agrícola é exercida por milhares de médios e pequenos proprietários, que vivem exclusivamente das suas terras.
A parte sul do mesmo distrito vende diariamente à cidade de Lisboa toneladas dos seus produtos hortícolas, que são entregues nos mercados abastecedores por preços insignificantes, muitas vezes inferiores aos do seu custo de produção, e que depois são vendidos ao consumidor por sete e dez vezes mais do que o preço da sua aquisição ao agricultor.
O Sr. Rocha Cardoso: - Tal e qual como no Algarve.
O Orador: - O produtor não pode transaccionar dentro dos mercados abastecedores, e, por isso, é obrigado a suportar encargos que chegam a absorver 70 por cento dos já insignificantes preços por que suo vendidos os seus produtos no mesmo mercado.
Para melhor elucidação, citarei apenas dois dos muitos exemplos que posso documentar com fotocópias das facturas que tenho em meu poder:
No dia 14 de Setembro do ano transacto de 1963, um dos muitos lavradores do concelho de Óbidos fez entrar no mercado central abastecedor do Rego 150 kg de feijão verde ao preço de $50, e mais 242 kg do mesmo produto ao preço de $30 por cada quilo, no total de 148$10; as despesas que teve de pagar pela entrada no mercado, pela comissão ao mandatário e outras atingiram 90$50, pelo que o produtor recebeu apenas a quantia líquida de 57$60, ou seja à razão de $15 por cada quilo de feijão, que depois foi vendido ao consumidor pelo preço de 2$50.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro lavrador do mesmo concelho entregou no mesmo mercado abastecedor, nos dias 2 e 5 de Outubro do mesmo ano de 1963, oito sacos de repolhos lombardos pelo preço global de 130$; pagou de encargos pela entrada no mercado, de comissão ao mandatário e outras despesas 98$, tendo apenas recebido a quantia líquida de 32$, o que corresponde a $15 por cada repolho, que depois foram vendidos ao consumidor à razão de 2$ cada um.
Estes preços são tão escandalosos que os revendedores profissionais da província vêm comprar os produtos aos mercados abastecedores de Lisboa para em seguida os irem vender na província e até no próprio local da origem por preços muito superiores, e isto depois de suportarem os novos encargos de transporte, de perdas de tempo, etc.
O mesmo podíamos dizer em relação às frutas, em que por vezes o produtor não chega a receber preço algum, depois de pagas as despesas a que acima fiz referência.
Os mandatários nos mercados abastecedores chegam a ganhar milhares de escudos em cada dia sem dispor de qualquer quantia, enquanto o pobre produtor pouco ou nada recebe, depois de um ano de aturado trabalho e de somas avultadas aplicadas na sua lavoura.
Pelo regulamento dos mercados abastecedores, o mandatário não pode ser comerciante, mas, como a mulher ou qualquer outro familiar já o podem ser, sucede muitas vezes que eles beneficiam grandemente de tal situação.
Entram diariamente nos mercados abastecedores de Lisboa muitas toneladas de produtos hortícolas e dezenas de milhares de cabazes de fruta.
Por cada um destes cabazes o mandatário recebe obrigatoriamente cerca de 3$ e o produtor por vezes nem 3$ líquidos recebe.
Parece-me que seria medida acertada suprimir ou pelo menos reduzir consideràvelmente os encargos da entrada dos produtos nos mercados abastecedores e os da comissão aos mandatários,...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... que se limitam por assim dizer a receber os produtos e a pesá-los na balança, recebendo em troca 20 por cento sobre o seu preço global, o que lhes dá avultadas quantias.
Os concelhos de Alcobaça, Caldas da Bainha, Óbidos, Bombarral, Lourinhã e Torres Vedras, dados os factores favoráveis do seu solo e do seu clima, constituem uma das regiões privilegiadas para a produção de frutas, das mais variadas espécies.
Para que VV. Ex.ªs possam avaliar da sua riqueza produtiva, bastará dizer-lhes que só duas freguesias dos concelhos de Óbidos e Bombarral produzem anualmente milhares de toneladas de fruta, que é vendida para todo o País, desde o Minho até ao Algarve.
Como há poucos frigoríficos, e para a não venderem ao desbarato nos mercados abastecedores na época da colheita, conservam-na durante alguns meses em casas amplas, que alguns mais abonados construíram para o efeito, amontoada até à altura de cerca de meio metro, mantendo sobre ela, permanentemente e em cada compartimento, uma corrente de ar estabelecida por duas janelas.
Mais de um terço dessa fruta apodrece e os restantes dois terços diminuem de preço e modificam-se no seu aspecto inicial; mas, apesar disso, a diferença de preço para mais que conseguem obter, passados dois ou três
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meses após a colheita, compensam os produtores do prejuízo quase total que teriam de suportar se a vendessem na época de abundância.
Não é aceitável que uma maçã ou um pêssego, por exemplo, possam ser vendidos ao consumidor por 3$ e 5$, decorridos alguns meses após a sua colheita, e que os mesmos frutos tivessem sido pagos ao lavrador à razão de $20 ou mesmo $30 cada um, na época da abundância; esta grande diferença de valor reverte a favor do intermediário, que conseguiu conservá-la durante algum tempo.
O mesmo acontece com as compotas do fruta, que são vendidas por preços incomportáveis para a economia doméstica.
Para obviar a tais inconvenientes impõe-se a construção, pelos respectivos organismos, de frigoríficos, em número elevado e nos próprios locais da produção, que possam arrecadar os produtos de boa qualidade e em quantidades suficientes para os fornecerem durante o ano ao consumidor ou à indústria, por preços mais compensadores para o lavrador e mais acessíveis para o consumidor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só assim poderá escoar-se a produção que se aproxima com o novo planeamento de pomares que está a ser levado a efeito naquela região por um grupo dos melhores técnicos portugueses e de fama internacional, nomeados oficialmente para aquele fim, com a sua sede em Alcobaça. E, embora o objectivo principal seja o da exportação, a verdade é que uma parte da produção dos novos pomares há-de ser consumida dentro do País.
Uma lavoura devidamente amparada e orientada, através dos respectivos organismos inteiramente a ela ligados, em que o sistema cooperativo tem dado os melhores resultados, parece-me que seria o melhor caminho a seguir para se obter o que todos pretendemos.
A brilhante e clara exposição do Sr. Ministro da Economia deixou bem vincada no meu espírito a impressão de que está conhecedor do problema, e que é sua intenção dar-lhe solução satisfatória, tanto mais que tem a seu lado um óptimo colaborador, que é o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
De igual modo, e muito recentemente, o Sr. Ministro das Corporações manifestou o seu propósito de regulamentar o trabalho rural e ajustá-lo mais à sua natureza e às necessidades da actividade agrícola, ainda durante o ano corrente de 1964, criando centros de formação profissional agrária, etc.
Estamos esperançados em que as reformas anunciadas por este Ministério hão-de por certo beneficiar simultaneamente o trabalhador rural e o proprietário, concedendo regalias, mas impondo obrigações que até agora não existiam, nem podiam ser exigidas.
Se ao trabalhador rural for atribuído um salário normal, dentro dos limites da capacidade económica da lavoura e dos preços dos seus produtos, com o horário das oito horas e a obrigação de trabalhar horas suplementares igualmente remuneradas nas épocas de urgência nos serviços, podemos ficar certos de que ambos beneficiarão, com a garantia de que o trabalhador não poderá recusar-se a continuar no trabalho até ao pôr do Sol nas épocas em que a lavoura o exigir, e deixará de existir e, exagerada oscilação da jorna, que vai desde os 30$ aos 80$ diários.
E, já que estamos a discutir o importante assunto da lavoura, não quero deixar passar a oportunidade de falar mais uma vez sobre o preço do trigo em relação ao pagamento por parte dos rendeiros e foreiros aos respectivos senhorios.
Pelo Decreto n.º 28 906, de 11 de Agosto de 1938, foi fixada a tabela reguladora do preço do trigo, cuja média é de cerca de 16$ por cada alqueire de 11 kg.
Mais tarde foram publicados os Decretos n.ºs 30 579, de 10 de Julho de 1940, e 34 734, de 6 de Julho de 1945, que estabeleceram subsídios de cultura sensivelmente iguais aos preços fixados para o trigo na tabela de 1938.
Nesses decretos estabelece-se que as rendas estipuladas em trigo serão liquidadas e pagas ao preço da tabela oficial, sem o acréscimo do subsídio de cultura.
E como a tabela oficial, sem aquele subsídio, ainda é a mesma de 1938, o rendeiro e o foreiro pagam o trigo, a dinheiro, à razão de 16$ por cada alqueire e vão vendê-lo à Federação pelo preço de 33$, o que não é admissível.
Poderá dizer-se que a renda pode ser estabelecida em cereal diferente do trigo, mas o mesmo já não poderá acontecer com os foros fixados em trigo, porque esses não podem ser alterados, e, além disso, a renda em trigo é a que mais convém ao proprietário da terra, por ser o cereal mais caro e de consumo assegurado.
É verdade que o subsídio foi atribuído ao agricultor, para este se dedicar mais à cultura do trigo, no tempo em que o valor de cada alqueire deste cereal era o de 16$ e o do milho de 10$; mas o que já não é verdade é que esses valores sejam os que correm hoje no mercado, mas sim os de 33$ para o trigo e 26$ para o milho.
O milho teve e há-de ter sempre valor inferior ao do trigo e, por isso, não se compreende que, para efeitos de pagamento de foros ou rendas, se atribua a este último metade do seu valor real.
Não se, compreende que o preço de 16$ fixado na tabela de 1938 tenha permanecido inalterável durante os 25 anos que decorreram até hoje e não tenha acompanhado a valorização dos outros cereais mais pobres.
Hoje já não existe na prática o subsídio de cultura, pois o preço estabelecido nas estivas camarárias de todo o País é o de cerca de 33$ por alqueire, sem fazer referência a qualquer subsídio, o que, aliás, está de harmonia com os actuais preços dos outros cereais.
E se há conveniência em continuar a atribuir-se um subsídio de cultura ao produtor de trigo, para que assim se possa obter maior quantidade, o valor desse subsídio deverá conceder-se para além do preço normal e actual do referido cereal, que é o de 33$, tal como aconteceu em 1938, quando o seu preço era o de 16$.
Para que o senhorio do domínio directo e o proprietário da terra não continuem a ser prejudicados nos seus foros e nas suas rendas em trigo, e também para que desapareça a injustiça flagrante de continuar em vigor um preço de há 25 anos, completamente desactualizado, daqui me dirijo ao Sr. Ministro da Economia no sentido de fixar para o trigo dos foros e das rendas o mesmo preço que corre no mercado, e que é o das estivas camarárias, estabelecendo uma nova tabela oficial, mas actualizada.
Sr. Presidente: pelo que deixo referido, e principalmente porque tenho fé inabalável e confiança absoluta na actividade eficiente do Governo, que em todos os momentos graves da vida nacional tem sabido enfrentar e resolver outros problemas vitais de maior envergadura, vencendo dificuldades que anteriormente pareciam intransponíveis, fico certo de que os problemas da lavoura vão ter a solução adequada que todos desejamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Antes de dar por finda esta minha intervenção não quero deixar de prestar a minha muita admiração e apreço ao Sr. Deputado avisante, grande lavrador e engenheiro Amaral Neto, pelo interesse inexcedível que
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tem manifestado na defesa da lavoura e pela oportunidade do seu aviso prévio. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Fernandes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: recordo-me de uma pergunta, tipo adivinha, que se fazia nos meus tempos de criança: o que é, que é, que untes de ser já o era? A resposta é, como VV. Ex.ªs sabem, «a pescada».
Louvo e felicito o mui ilustre membro desta Assembleia Sr. Deputado Eng.º Amaral Neto pelo suculento e desassombrado aviso prévio sobre a crise da agricultura portuguesa, concebido e estruturado em termos tais que o fizeram ecoar e ser ouvido.
No entanto, desde o primeiro ano desta legislatura que a tecla vem sendo tocada, de tal forma que bem se podia já afirmar -transcrevendo antecipadamente o Sr. Eng.º Amaral Neto - que «é em nome do direito à sobrevivência de mais de 4 milhões de portugueses e do direito a vida melhor de outros tantos que eu -então qualquer Deputado interessado no problema agrícola - proclamo a crise agrícola nacional, não como mal crónico, mas como afecção agravadíssima, requerendo as mais atentas, enérgicas, prontas e eficazes providências».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tal como a pescada, que antes de ser já o era, II crise da agricultura portuguesa vem de longa data e de tal forma tem sido proclamada que a ninguém é justo afirmar dela não se ter apercebido.
A não ser, como doutamente afirma o nosso Exmo. Colega Teles Grilo, que se não trata de crise, mas de uma continuidade do viver agrícola, que bem se pode considerar pão nosso de cada dia, embora - acrescento eu - se torne mais negro e mais duro por cada dia que passa.
Que de novo poderei eu dizer?
O quadro está já pintado a cores de luto tão pesado, em que o suor do proprietário e do trabalhador rural deram realce e expressão, que só um pincel do mais fino e delicado tipo - que não a grossa broxa que represento - poderia retocar aqui e além, tornando mais vivo o abandono e a miséria da lavoura que a tela representará.
Embora um tanto a medo, seja-me desde já permitido fazer um reparo:
É que, tanto no notável aviso prévio - concebido, sem dúvida, em termos gerais - como na esclarecida e prometedora exposição de S. Ex.ª o Ministro da Economia, parece que a crise agrícola nacional se circunscreve, ou, melhor, se acentua, no sector cerealífero, com honras especiais para os produtores de trigo.
É natural que esta minha desconfiança não passe de um infundado receio.
Exagero? E possível, mas se exagero há, não é de dimensões tais que envergonhe o desconfiado autor destas despretensiosas considerações.
A verdade é que aos clamores altissonantes dos que se dedicam ao cultivo do cereal bem se podem juntar os gemidos da lavoura da Beira, que represento nesta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: Falo em gemidos, porque a debilidade económica de tantos pequenos e médios proprietários - grandes não há - não lhes permite, nunca lhes foi permitido, fazer ouvir os seus clamores, e por isso - porque de mal a pior - gemem e lamentam a sua triste sorte.
O despovoamento dos campos, como cúpula de um enorme edifício em ruínas, está a completar a obra há largos anos iniciada com uma política de preços em que as intervenções sérias e de resultados visíveis se têm traduzido, nos anos de escassez, por tabelas destinadas a proteger o consumidor.
Não critico tais medidas, note-se bem, antes lhes dou todo o meu aplauso, por as reputar inteiramente justas.
A injustiça ressalta - a meu ver - por não se dispensar protecção ao produtor na mesma medida em que se protege o consumidor.
Não vejo razões justificativas de preços máximos, sem que em contrapartida se estipulem preços mínimos.
A dor surge ao sentirem-se enteados junto dos filhos, embora uns e outros sejam filhos de gente casada e nascidos na mesma pátria.
É esta desigualdade de tratamento que, em boa parte, fomenta o êxodo rural, sentido nalguns concelhos do distrito da Guarda, talvez - digo talvez - com mais intensidade que em qualquer outra região do País.
Há aldeias em que, com raras, muito raras excepções, só crianças, velhos e inválidos se contam do género masculino. Ainda na semana passada me dizia um amigo, que na Guarda exerce uma profissão liberal, que das terras que trazia arrendadas já lhe haviam entregado seis propriedades e que não vê possibilidades de voltar a arrendá-las, mesmo a rendas baixas.
Diz o nosso colega muito ilustre Eng.º Carrilho que 40 por cento das nossas terras se encontram por cultivar, dada a falta de braços.
A fuga legal ou clandestina, mais clandestina que legal, para terras da França, tem levado os braços válidos dos nossos operários agrícolas.
E quem ousará condenar a ânsia de libertação da enxada, fonte de tribulações, de um baixíssimo nível de vida, a roçar pela miséria e pela fome próprias e dos agregados familiares que constituíram?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que mal fizeram à sociedade para cumprirem a pena vitalícia de viverem cheios de dificuldades de toda a ordem e condenados ainda a deixarem aos filhos a mesma herança que herdaram dos pais?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A enxada, como sinónimo de falta de abastança, de suor, de privações, de mal-estar familiar, confirmando o velho ditado popular: «Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão». Nem só de pão vive o homem, é bem verdade, como verdade é que sem pão também não vive.
Talvez que a circunstância de ter vivido muito em contacto com essas desprotegidas gentes me leve ao exagero de tornar mais negras as tintas do negro quadro que representa o seu viver.
Em consciência posso afirmá-lo, disso estou convencido, mesmo porque quando, a más horas, tardiamente, algumas providências são tomadas, já não são os económicamente mais débeis que delas aproveitam.
Estes vendem os produtos que a terra lhes dá, em épocas certas, por necessidade imperiosa de satisfazerem os seus compromissos.
Para semear, em chegando o tempo, quer chova, quer faça vento, diz o nosso povo. Para vender, a época não
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depende dos preços, mas da necessidade de realizar meios com que pagar dívidas contraídas.
A diferença, por defeito, do nível de vida do trabalhador rural e do pequeno proprietário, em relação às demais classes, é visível e confrangedoramente conhecida de todos quantos vivem dentro do conhecimento das realidades.
E a verdade é que o proprietário não pode remediar tais males através do pagamento de salários condignos.
A pobreza dos lucros das actividades agrícolas - quando há lucros - não permite ao proprietário aguentar o aumento que, apesar de todas as dificuldades, se vem verificando nos salários rurais.
O tempo em que, por exemplo, na apanha da azeitona se pagava aos homens e às mulheres, respectivamente, com lie com 0,5 1 de azeite já lá vai há muitos anos. Nesta conformidade, dois caminhos se abrem às classes rurais: para o trabalhador o abandono dos campos, em proporções talvez nunca vistas, e para o proprietário a impossibilidade de amanhar as terras pó: falta de braços, que em boa parte a máquina não pode substituir, umas vezes pela pequenez das áreas a cultivar, outras pela configuração dos terrenos, cheios de socalcos e de muros, e, em ambos os casos, tantas vezes por falta de disponibilidades que permitam adquirir os maquinismos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este o sombrio panorama de um presente, nalgumas localidades e noutras, de um futuro que, a largos passos, se avizinha.
Nesta época de incertezas que atravessamos, de guerras frias e quentes, parece que o Mundo - o mal, mais ou menos acentuado, é geral - se tem postado em dificultar, se não em guerrear, o aumento do nível de vida das populações rurais.
Quanto a nós, não esquecemos - seria pecado grave - a onda de progresso que o Ministério das Obras Públicas levou até às mais recônditas aldeias e lugares: estradas, águas captadas em condições higiénicas, escolas, electrificações, etc., em quantidades tais que até os cegos vêem, através dos seus efeitos.
A referência respeita apenas ao baixo nível de vida da santa gente das nossas vilas e aldeias.
Digo santa gente, porque é de facto nos meios rurais que se encontram melhor vividas e mais respeitadas as leis morais e religiosas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A trilogia Deus, Pátria e Família encontra ali, sobretudo nas aldeias, os seus melhores e mais fervorosos devotos.
Ali se louva a Deus e fortemente se contribui para a sua maior honra e glória. Dali saem os melhores contingentes de homens que abnegadamente se batem na defesa da Pátria, onde e quando a Pátria deles precisa. Ali se vive autêntica vida familiar. Em família se celebram festas com o mesmo entusiasmo, como se sentem os infortúnios e as dores alheias.
Quem como o aldeão ,sente e vive, religiosamente, as alegrias e as tristezas do próximo? E o primeiro e grande mandamento que Cristo deixou aos homens, e que tão esquecido anda por esse mundo fora. O êxodo dos campos empobrece a Nação, não só em relação ao produto nacional, como aos valores morais e religiosos.
Longe das aldeias que os viram nascer, longe do respeito devido aos seus maiores que lá deixaram, longe da igreja onde ,pelo baptismo foram incorporados no Corpo Místico de Cristo, longe da vida sã que viviam e viam viver, em breve as tentações dos meios citadinos, nacionais e estrangeiros, os pervertem, roubando-lhes a nobreza de alma que deles fazia alguém perante Deus, perante a Pátria e perante o próximo.
Presas fáceis nas mãos dos que vivem à margem dos eternos valores morais e religiosos, em breve se encontram imbuídos de doutrinas materialistas que os deformam moral e intelectualmente.
E assim se processa o empobrecimento nacional no campo material e no plano espiritual.
São estas considerações feitas à base do conhecimento directo de parte dos meios rurais do distrito da Guarda.
Estou, no entanto, em crer que bem se poderão firmar no viver de outras regiões do País, onde as populações rurais viverão à base da mesma riqueza espiritual e da mesma pobreza material.
Se a lavoura não for impulsionada e vitaminada com novas culturas mais Tentáveis, com preçários mais remuneradores, com produções mais económicas, como as da anunciada Lei de Orientação Agrícola, é de esperar que cada vez se aprofundará mais a diferença, de nível de vida dos 40 por cento das populações que à agricultura se dedicam em relação aos outros sectores, industriais, comerciais, etc., de que se compõe a sociedade portuguesa.
Na medida em que tal diferença se acentue, em que os níveis de vida mais se distanciam, juntamente com os maiores males resultantes dessa carência de justiça social, tão desejada pelos santos padres, uma vantagem resultará.
E esta será a de vermos diminuir rapidamente - pelo que se vai observando - as percentagens dos desprotegidos obreiros das actividades agrícolas.
Desta hecatombe de proporções gigantescas só os desertores rurais se salvarão.
Vou terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados. Para sacrifício de VV. Ex.ªs vai chegando, e como único mérito das minhas palavras, a brevidade.
Não apoiados.
Antes, quero afirmar que alguém me dizia que propusesse soluções. O problema difícil, sobretudo da batata, só com muito interesse e boa vontade pode ser, não direi definitivamente solucionado, mas atenuado nos seus perniciosos efeitos.
Trata-se, sem dúvida, da cultura sujeita às maiores contingências, pois ao semear-se nunca se poderá prever o preço pelo qual virá a ser vendida. Uns anos $60 por quilograma, outros, mais que raros, porque raríssimos, 1$50. Na generalidade, o preço no produtor terá andado à volta de 1$ por quilograma, preço que, sem remunerar convenientemente, é aceitável na altura do arranque.
No entanto, em meados de Fevereiro o preço de 1$ por quilograma contraria francamente a normalidade de comercialização e do preço, a que se faz referência na p. 69 da exposição do Sr. Ministro da Economia.
Parece não terem sido levadas em conta a sensível diminuição de peso e a apreciável quantidade de podre, para cujas inferiorizações não há subsídios de qualquer espécie.
Mas quê, soluções minhas?
Deus nos livre.
Nas minhas atribuições, nos meus conhecimentos e na minha inteligência só cabem passageiros reparos, que, feitos com verdadeiro espírito construtivo, me levam a afervorar a fé e a esperança em que os homens do mando - eu nasci para obedecer - permitam que para todos seja o sol quando nasce.
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Mas que mérito terá tido esta intervenção que não seja o de malhar em centeio verde?
Não discutamos, pois o meu acordo é pleno e total.
Mas a verdade é que não me parecia bem que em nome da pobre agricultura do distrito da Guarda não houvesse quem gritasse «ó da guarda».
Por isso vim e por isso gritei.
Para quê? Isso não são contas do meu rosário.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará e concluir-se-á amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alexandre Marques Lobato.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Martins da Cruz.
Artur Alves Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Olívio da Costa Carvalho.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José dos Santos Bessa.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avíllez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA