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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 137
ANO DE 1964 29 DE FEVEREIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 137 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 28 de FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr.Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 134 do Diário das Sessões.
Deu-se conta ao expediente.
Receberam-se na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Augusto Simões ao Ministério das Comunicações na sessão de 13 de Dezembro próximo passado, os quais foram entregues àquele Sr. Deputado.
Ordem do dia. - Continuou o debate nobre, o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo em Portugal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinheiro da Silva, Délio Santarém e Videira Pires.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingo Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
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Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
ram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa para reclamação o Diário das Sessões n.º 134.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados apresentar qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura da Chamusca a congratular-se com a feliz repercussão do aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Neto.
Das Adegas Cooperativas de S. João da Pesqueira e de Penajóia a felicitar o Sr. Deputado Alfredo Brito pela sua intervenção.
Do governador civil de Coimbra acerca do aviso prévio, do Sr. Deputado Nunes Barata sobre turismo.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Augusto Simões em requerimento apresentado na sessão de 13 de Dezembro do ano findo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A ordem do dia é o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo em Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro da Silva.
O Sr. José Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: sendo o homem andarilho nato, o viajar é prática tão antiga como ele. As razões, porém, que o têm movido nas suas andanças pelo Orbe hão variado muito no decurso do tempo, de acordo com a constante transformação das condições de vida.
O Grego antigo nutria um sentido amor pelas viagens Assistia-lhe uma necessidade imperiosa de conhecer quanto o limitado mas interessante mundo daquela época encerrava e se oferecia à curiosidade e à inteligência do homem culto. As viagens desempenhavam função importante na cultura dos Gregos. O viajar era elemento educativo o fonte do saber. Exercia papel humanístico. Com ele, em parte, se alcançou um dos mais fecundas ideais da educação helénica - «espírito são em corpo são» -, se chegou ao «milagre grego», origem principal do pensamento ocidental, e, finalmente, à interpenetração racial e cultural que define a civilização helenística.
Mas, ao longo dos séculos, mercê de condicionalismos novos ou renovados, gostos e necessidades modificaram-se; morreram uns, nasceram outros. Assim, o viajante completo, de que o Grego antigo é o representante mais puro, na Meia Idade quase não existe. A esse tempo, o homem desloca-se por motivos sobretudo religiosos. E a expressão perfeita do peregrino, tendo o santuário como grande atracção. As excepções são raras; vamos buscá-las entre aventureiros e franciscanos, estes por virtude da disposição naturalista da sua formação e das funções diplomáticas que por vezes exercem.
Depara-se-nos novamente o viajante, na lídima e antiga acepção do conceito, durante e após o Renascimento. As descobertas peninsulares abriram ao homo europeus ignorados mundos, estabeleceram o triunfo definitivo do naturalismo e, na ciência, o primado do critério da experiência - e esta era, em larga medida, apanágio do globe-trotter.
Se atendermos ao volume enorme dos que se deslocam dentro e fora dos seus países originários, seguramente podemos afirmar que o viajante é avis rara nesta era atómica. Dir-se-ia que é um especialista do viajar, do gozo estético e teorético do Universo. Com curiosidade indagadora visita bibliotecas, museus, monumentos, estuda os usos e costumes dos povos que o acolhem.
Pensando bem, este tipo de homem não constitui preocupação séria para o turismo dos nossos dias. Com efeito, quem domina o mundo de hoje é o turista ou excursionista. De viajante tem o nome, que não a alma. Por definição, tendências
e gostos, o turista difere do via-
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jante tal como ao de leve o apontei. Ao contrário deste, anda à volta do real, sem lhe penetrar o sentido ou a essência. Não é, pois, o pensador arguto e inquieto, mas o mero gozador dos sentidos. Está virado para o sensível, por isso lhe importa aquilo que, passageiramente embora, satisfaz o seu equipamento sensorial e as preocupações muito ligeiras do seu espírito.
Como é óbvio, o turista nasceu das condições do viver contemporâneo. Filho do dinamismo desorientado, da inversão dos valores, do materialismo, que caracterizam o nosso tempo, o turista desloca-se para libertar-se do seu estilo de vida habitual. Destarte, procura o desusado, o novo, o exótico, o excitante, como meio de cura psíquica, de esquecimento, ainda que efémero, do tédio e dureza da vida. Requisito básico de toda a acção a desenvolver no terreno do turismo é, por isso, o conhecimento da psicologia e razões que movem o turista.
Seja como for que se entenda o turismo, surgirá sempre como fenómeno social de relevo, realidade dominante no contexto económico de muitos povos. Dele brotou, de facto, a indústria turística, movimentadora de capitais vultosos, orientadora de sistemas de economia, porque fonte valiosíssima de receitas e poderoso estímulo ao fomento dos demais sectores das actividades económicas. E é neste- aspecto que ele tem fundamentalmente interessado às nações civilizadas de todos os continentes, já que preocupações de outra ordem se reconhecem de segundo plano.
Nestes termos, todo o turismo que queira ser riqueza tem de estruturar-se de forma a atrair o estrangeiro e a convidar o nacional a viajar dentro das próprias fronteiras.
Sr. Presidente: as medidas tomadas e anunciadas revelam bem a intenção do Governo de encarar com outro espírito a questão do turismo nacional, dada a sua importância no desenvolvimento geral da economia do País. Para já, os maiores esforços incidirão sobre o Algarve e a Madeira, regiões que se prestam à exploração turística de Verão e de Inverno, donde o esperar-se uma alta taxa de reprodutividade dos investimentos e um melhor aproveitamento dos recursos a ela ligados.
Contudo, é de supor que a região do Minho seja dentro em breve objecto de carinho semelhante, tanto mais que possui potencialidades que permitem uma rápida expansão do turismo. Vale a pena notar que, turìsticamente, o Porto situa-se nessa região, facto que, com inteira propriedade, nos conduz a preferir a expressão «turismo do Minho» à de «turismo do Norte». Efectivamente, o Norte é também Bragança ou Régua ou Lamego. Por outras palavras: a região do turismo do Minho vai do Porto a Melgaço ou Castro Laboreiro. Isto é suficientemente elucidativo. Ninguém desconhece a beleza paisagística da zona em apreço, a nobreza do seu folclore, o brilho do seu artesanato, o encanto e variedade dos seus monumentos, quer religiosos, quer profanos, o seu interesse histórico, a excelência da sua cozinha e vinhos, até a amenidade do seu clima, pelo que me permito ser breve e concluir, sem reticências, que ali têm condições de eleição o turismo de massa e o turismo de qualidade.
Sr. Presidente: a organização do turismo nacional, nesta fase que se pode ainda considerar de criação das infra-estruturas, de arranque, deverá processar-se com base em regiões. No entanto, isso não implica necessàriamente que cada cidade e vila não curem de um plano local de desenvolvimento dos seus recursos económico-turísticos. Só que, em verdade, o seu ulterior enquadramento no plano regional jamais deverá perder-se de vista. Por isso me referirei a alguns aspectos do caso turístico vianense.
A planificação turística da cidade e distrito de Viana do Castelo terá de colocar à cabeça a construção de hotéis e atender à criação ou fomento das indústrias afectas ao turismo, bem assim ao incremento dos desportos náuticos nos rios Lima e Minho e à exploração eficiente das suas tão numerosas como belas praias, escalonadas ao longo da sua costa. Actualmente são pouco frequentadas, se bem que a temperatura da água, pelo que nos informam os boletins meteorológicos, não seja muito inferior, por vezes nada inferior, à que se observa no Algarve.
A indústria hoteleira, suporte precioso, imprescindível, do labor turístico, possui uma capacidade tão pobre que, na opinião dos técnicos, tem vindo a afugentar, há tempos a esta parte, mais de 2000 turistas por ano. Ora, está provado que as unidades hoteleiras da princesa do Lima, trabalhando em pleno quatro meses anualmente, proporcionam um lucro compensador. É, assim, de aconselhar a construção de dois ou três hotéis acessíveis ao forasteiro médio, na cidade e no Cabedelo.
Para o mesmo efeito, a exemplo do que se vem fazendo com êxito em Espanha, deveriam ser aproveitados alguns edifícios históricos, admiràvelmente localizados e distribuídos pelo distrito, tais como a fortaleza de Vila Nova de Cerveira, sobre o rio Minho, com miradouros de deslumbrantes perspectivas panorâmicas; a fortaleza da Insua, na foz do mesmo rio, a escassas centenas de metros da terra firme (praia de Moledo e pinhal do Camarido), adaptável, além do mais, a abrigo para pescadores desportivos; o castelo do Lindoso, de traça elegantíssima, cerca da raia de Espanha, e o Paço de Giela, sobre o vale do Vez, que a Municipalidade de Arcos de Valdevez pretende transformar em pousada.
Por outro lado, impõe-se a abertura da fronteira do Lindoso, cujo encerramento prejudica directamente o movimento turístico dos concelhos de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez, com reflexos graves no complexo económico-social de toda a região. Permiti-me chamar a atenção do Governo para este assunto em intervenção anterior. Aproveito, porém, a oportunidade para lembrar a urgência da sua solução.
Termino, Sr. Presidente, esperançado em que o Governo não deixará de considerar a zona do Minho, em geral, o distrito de Viana do Castelo, em especial, nas próximas medidas que houver por bem promulgar em prol da nossa indústria turística. Espero, outrossim, que os particulares saberão secundar, como é curial, os esforços governamentais.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Délio Santarém: - Sr. Presidente: mais por respeito à justiça que por simples cortesia, as minhas primeiras palavras têm de ser dirigidas ao nosso ilustre camarada Dr. Nunes Barata, autor deste oportuno aviso prévio sobre turismo.
Sincera e gostosamente o felicito e lhe manifesto, desta tribuna, o meu vivo sentimento de profunda admiração pelas suas exuberantes qualidades de parlamentar distintíssimo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é bem custoso ao meu temperamento que esta coisa a que chamamos turismo - esta caixinha de surpresas cruzada
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por sugestiva fita de seda cujas pontas puxamos de começo perplexos e depois emocionados e mesmo ansiosos- implique, como todos os outros casos que aqui tenho abordado, com verbas e orçamentos, se dê ou se receba - perdoem-me VV. Ex.ªs a caricatura - através do prosaico e antipático guichet que, para além do mais, nos faz perder a verticalidade vertebral.
Que pena, realmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que até esta palavrinha mágica, que de um momento para o outro nos faz esquecer a dureza do real, as agruras quotidianas, lançando-nos num mundo de fantasia, se tenha do imiscuir com a trivialidade do dinheiro.
Que pena isto me dá a mim que, não tendo tido a graça de nascer poeta, não desdenharia sô-lo e, talvez por isto, constrangidamente me dou a serviços demasiadamente realistas que muito me esforço por cumprir, mas mais por imperativo da consciência que por tendência natural das minhas predilecções.
Para mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sempre que desço desta tribuna me sinto sucumbido por sempre ter verificado, em todos os casos, a presença inevitável de um denominador comum que é amo e senhor, um ditador intolerante e insubstituível: o senhor dinheiro.
Assim me sucedeu na reforma da previdência; igualmente na da assistência; nos avisos prévios sobre municipalismo e educação nacional; e escusado seria referir, como é óbvio, na fundamental Lei de Meios.
No caso hoje presente repete-se, como motivo base de partitura musical, o eco da entrada de divisas como elemento motor indispensável a qualquer actividade no foro turístico e apresentam-se estandardizados os termos da velha equação: milhares de necessidades e unidade para as disponibilidades.
Também por isto gostaria de esquecer as cifras e os cifrões; desejaria divorciar-me da ideia dos escudos em que se funde a estranha e subtil essência humana que correrá pelas artérias do nosso maravilhoso Portugal e que àvidamente se recolhem para que se forje a mola mestra desta promissora indústria de que o Estado é sócio e é gerente.
Talvez por força de tal desejo me convenci de que não vem algum mal ao Mundo, e por certo também para. o meu querido país, que me outorgou honrosa procuração, que eu analise este caso - o turismo português - de maneira menos objectiva, quiçá pouco pertinente, tanto mais quanto estou certo não faltar quem o cuide de forma bem positiva, glosando os números com a sabedoria dos mestres e o sentido prático dos homens experientes e actualizados.
Não surgirá, pois, mal ao Mundo - penso eu - que alguém lance um pouco de água no lume, para que este só aqueça ou ilumine e não queime, às vezes, caras, bem caras, aspirações.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, já tenho notado, aqui ou além, o turismo transformado em exploração e também tenho alguns maus pressentimentos quanto ao respeito devido à equidade distributiva dos dividendos em face das exigências turísticas de todo o território continental e insular e de harmonia com o mais válido interesse nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Receio que se venha a alterar o admirável rumo mantido há já alguns anos; temo a força ancestral, o poder atávico, que nos pode fazer retroceder ao privilégio restrito, ao pletorismo que contrastou, em maus tempos, com anemias perniciosas mas evitáveis. Receio com certeza injustificado, porque se baseia simplesmente na impressão subjectiva causada pela insistência de certos estribilhos, e não, evidentemente, em dúvida quanto ao espírito de justiça, ao sábio e são critério dos responsáveis, que tantas e tão grandes provas nos têm já dado da sua competência, com o brilhantíssimo desempenho de várias e delicadas funções.
É, pois, com toda a justiça que eu aqui recordo e louvo a nobreza moral, a alta craveira intelectual, o perfeito conhecimento das realidades actuais e a posse plena dos segredos de uma perfeita administração, enfim, que recordo, dizia, algumas das mais destacadas virtudes do ilustre Subsecretário de Estado da Presidência, Dr. Paulo Rodrigues, que tanto dignificou esta Assembleia e que ainda há bem pouco tempo, em profunda análise às nossas condições turísticas, dou a todo o País mais uma prova incontestável do seu enorme talento.
Com intensa alegria e muita justiça recordo também a acção criadora, a actividade desdobrante, a inteligência viva, o critério sério e sensato do Dig.mo Secretário Nacional da Informação, Dr. César Moreira Baptista, entusiasta continuador da obra de António Ferro, a cuja memória presto respeitosíssima homenagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E quero valorizar este conceito, dar-lhe toda a autenticidade, declarando que não me coíbo de, com intuito construtivo, contrariar, provàvelmente bastante mal, mas com certeza muito sinceramente, as ideias fundamentais e acessórias dos mais altos responsáveis pelo turismo em Portugal.
Assim e para já peço que me perdoem os mestres e os técnicos a ousadia de começar com uma singela advertência: cuidado, muito cuidado, com as estatísticas. Meu pai, com a sua peculiar, mas sinceríssima filosofia, considerava esse famoso instrumento informativo como a mais engenhosa mentira de todos os tempos o contava - já lá vão tantos anos -, entre irónico e incrédulo nas coisas temporais, a história de uma arruinada estrada para a qual a actividade dos altos poderes públicos dessa época jamais se voltava - porque a estatística sempre referia que não tinha movimento de veículos, esquecendo acrescentar que o não tinha precisamente por se encontrar absolutamente intransitável.
Presente pois, em mim, este paternal conselho e dada a autorização de V. Ex.ª, Sr. Presidente, atrevo-me a ligeira digressão turística, tão rápida como a VV. Ex.ªs convém e superficial como as minhas reservas nesta especialidade me permitem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: como a moralidade bem entendida e bem julgada deve começar por nós próprios, vou principiar por pedir aos responsáveis a boa atenção e o melhor auxílio para o turismo de uso interno, isto é, para o turista nacional.
Repara-se, por exemplo, e com justa razão, que milhares de nortenhos conheçam bem Paris e desconheçam as maravilhosas praias algarvias e que outros tantos desta ponta de Portugal se mostrem bem familiarizados com as avenidas de Barcelona e nunca tenham, sequer, sonhado com as telas garridas de todo o Norte do seu país.
Talvez porque esta verdade se vem apagando na sua própria rotinice, não se lhe deu a relevância merecida o se não começou pelo princípio.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
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O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Referiu-se V. Ex.ª ao movimento do turismo do norte para o sul e do sul para o norte. Mas se avançarmos para oeste, verificamos, por exemplo, que o arquipélago dos Açores é quase totalmente desconhecido.
O Orador: - V. Ex.ª terá ocasião de verificar que não me esqueci dos Açores. Julgo muito conveniente e até necessário estimular e ajudar materialmente as organizações de excursões e cruzeiros, de forma a facilitar a muitos mais portugueses o conhecimento directo do nosso território continental, insular e ultramarino, para assim mais se fortalecer o amor à Pátria estremecida.
E deste amor à Pátria, desta grande altura espiritual, não desejaria eu descer agora se não julgasse conveniente lembrar também a grave crise que o nosso pequeno comerciante atravessa - algum até arruinado por efeito reflexo do imposto de consumo que profundamente lhe reduziu a clientela - e a quem esse movimento turístico daria certo auxílio e algum alento.
As viagem turísticas ao estrangeiro por meio de cruzeiros em barcos portugueses, também me parece, são dignas de atenção, além do mais pelo que julgo favorecer a nossa própria economia, reduzindo a perda de divisas por motivos de saídas para além-fronteiras.
Sr. Presidente: voltemos agora os olhos para o turismo de fora para dentro.
Há na brilhante exposição do ilustre Subsecretário de Estado da Presidência um silogismo, com proposições tão cristalinas, que por mais que se deseje não se encontra ensejo para qualquer controvérsia bem intencionada.
Refiro-me, é claro, à raiz, aos fundamentos deste surto de turismo que hoje nos bate à porta.
Seria negar a própria realidade posta a nu diante dos olhos não reconhecer na sábia, austera e vertical política de Salazar a razão-base do extraordinário interesse que o nosso país actualmente desperta no seio do turismo mundial.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Paz, ordem, trabalho, serenidade nos espíritos, vida barata, restauro de monumentos, magníficas vias de comunicações, admiráveis melhoramentos urbanos, sedutoras pousadas, sumptuosos hotéis, enfim, toda uma enorme série de atractivos, que juntamos à prodigalidade que a Natureza nos dispensa e a todos encanta e domina, é a lógica consequência da genial política de Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A paz e a ordem voltaram como resultados de uma autoridade reconhecida e respeitada e não imposta.
As forças armadas reconquistaram a dignidade e o prestígio; e a política, apresenta ùnicamente aqueles erros inerentes à não Infalibilidade humana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os planos de fomento desenvolvem-se em ritmo consolador, não obstante a guerra que nos foi imposta.
E a lembrança de tanta obra monumental realizada leva-me a não perder esta oportunidade para dirigir também um palavra de muito apreço e de verdadeira justiça ao ilustre titular das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, pela extraordinária colaboração que a este surto de turismo tem prestado com uma excepcional acção de fomento e com uma invulgar dedicação aos municípios, tão frutuosa que já despertou justa celebridade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Do que acabo de expor devo tirar mais um outro conselho: se desejamos manter o ritmo do desenvolvimento turístico que ora se constata, precisamos de, em primeiro lugar, estar bem unidos e ao lado do Governo que criou tão magnífico clima neste país que necessita da colaboração de todos os portugueses para vencer a guerra e prosperar na paz.
Como resultado dessa feliz política oferece a nossa terra, além de muito mais, uma vida baratíssima em relação às outras, e creio que esta particularidade é, depois tia nossa paz interna, o principal atractivo da corrente turística que para nós se dirige e depois se mostra deslumbrada com a descoberta sucessiva de tantos valores materiais e humanos que aqui e além lhe retardam a partida.
E julgo que será optimismo demasiado não considerar fundamental este pormenor e crer que, mesmo sem a vida barata, se venceria a espessura da Espanha que nos separa do resto da Europa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque a problemática do custo de vida é muito complexa e dependente de múltiplos factores variáveis e imprevisíveis, não me atrevo a pô-la em equação com o objectivo de se conseguir a estabilidade dos nossos preços, mas penso que é utilíssimo insistir na campanha dos parques de campismo, das estalagens e das pousadas, em prejuízo, se tanto for preciso, do número das grandes e sumptuosas unidades hoteleiras.
É natural que estas garantam mais rentabilidade aos respectivos exploradores, mas as pousadas, com o sóbrio e distinto conforto que oferecem por preços muito razoáveis, são admiráveis motivos atractivos e adaptam-se melhor à vantajosa e equitativa política de difusão turística de que adiante me ocuparei mais largamente.
O Sr. Rocha Cardoso: - Inteiramente verdade.
O Orador: - Sr. Presidente: para mim, uma das maiores virtudes do turismo consiste em servir a fraternidade universal através de um melhor conhecimento, de um conhecimento directo, de todos os homens: dos seus usos, dos seus costumes, dos seus sentimentos, das suas virtudes, do seu ambiente, das suas potencialidades, etc.
Tomo até esta convicção como centro de todas as minhas atenções e sinto bem que ela é o pólo de atracção de todo o meu raciocínio, o ponto convergente de todos os meus passos neste momento.
Devo, no entanto, acrescentar que não confundo este objectivo do turismo com o sentido da etnografia, que também lhe é muito útil. Esta é, essencialmente, uma ciência que tudo quer na sua pureza primitiva para os olhares profundos e atentos dos investigadores, enquanto o turismo implica com a arte de embelezar para melhor deleite espiritual do observador. Daqui se infere que é mister rectificar, corrigir e, sobretudo, educar.
E nestes termos é pertinente reflectir nos benefícios que não se podem colher totalmente das grandes verbas gastas - e muito bem aplicadas -, por exemplo, com valiosíssimas obras em alguns dos nossos postos alfandegários, se a recordação que perdurará no turista é a provocada pelo impertinente papelinho a preencher, pelo pé descalço ou pela rudeza da palavra e do gesto.
Que vantagens colheremos dos dinheiros gastos - e aliás muito bem gastos também - em grandes e sumptuo-
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sas unidades hoteleiras, se os preços das diárias são proibitivos, se, em alguns casos, a cozinha não pode ser vista de surpresa e se um mendigo ou muitos nos aguardam à saída?
Caberia agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, cuidar destes males se já os não tivéssemos tratado nesta Assembleia ao apreciar os nossos métodos de educação, de assistência e de previdência.
Não resisto, todavia, à tentação de recordar, mais uma vez, a valiosíssima obra educacional e assistencial realizada pelo nosso distintíssimo colega Dr. Veiga de Macedo quando, com trabalho esfalfante e muito saber, desempenhou os altos e difíceis cargos de Subsecretário da Educação Nacional e de Ministro das Corporações. Perdoem-me agora referir ao desejo que aqui insistentemente manifestei de que não fossem extintas as comissões municipais de assistência e para que antes lhes fossem proporcionados os meios indispensáveis para o seu cabal funcionamento.
Resta-me acrescentar, a propósito destas particularidades, que estimaria sentir muito mais vivamente a presença do elo de ligação, do órgão coordenador existente entre o Secretariado Nacional da Informação e os diversos Ministérios o organismos cujas actividades implicam com o desenvolvimento ou aperfeiçoamento do nosso turismo.
Penso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este ponto merece ser posto também em evidência, porque, por um lado, o turismo está hoje na ordem do dia, e porque, por outra banda, se notam bastantes falhas neste sistema de interligação indispensável para que o turismo possa bem germinar e dar bom fruto.
De uma mais intensa actividade deste órgão coordenador resultaria - assim o entendo - um avanço na batalha contra o pé descalço e contra a mendicidade, um maior aproveitamento das naturais qualidades hospitaleiras do nosso povo, uma possível subida na escala das prioridades, tanto em relação às obras de fomento ligadas ao interesse turístico, como aos financiamentos das comissões e juntas de turismo, que, neste aspecto, muito sentem essa solução de continuidade, bem como a perda correspondente aos 20 por cento sobre as receitas ordinárias dos seus orçamentos, ou seja uma quinta parte.
Sr. Presidente: vou terminar focando um ponto que reputo fundamental na problemática do nosso turismo:
A diversidade das predilecções humanas, também reconhecida no campo do turismo; a variedade da sedutora cozinha portuguesa em função das diferentes regiões; a vida barata em qualquer ponto do Pais; a presença do mar desde a ponta norte até, ao extremo sul; a beleza de tantos rios que recortam as áreas interiores, tão ricas de fontes termais; a igualdade do clima, sem diferenças que impressionam ao longo de toda a zona marginal; a pequenez do território continental repleto de encantos naturais e que, precisamente por ser tão pequeno, tem de ser todo aproveitado para se aumentar a média do tempo de estada dos turistas no País; e, finalmente, a necessidade de distribuir por todos os portugueses os benefícios proporcionados pelo turismo, são algumas das muitas razões que me levam a sublinhar a necessidade e a vantagem de, na estruturação de um plano de desenvolvimento turístico, rios orientarmos pela política de difusão, e não pela de concentração.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem
O Orador: - Milhares de turistas preferem a incomparável e luxuriante região nortenha; outros tantos deixam-se seduzir pelos encantos das Beiras; outros milhares ficam presos ao colorido do Ribatejo ou às canções dolentes nas planícies alentejanas; muitíssimos aos encantos da luminosa costa algarvia; quantos e quantos ao sabor paradisíaco da Madeira e dos Açores; outros milhares ao bulício das cidades, às delícias das praias, ou ao romantismo das aldeias. Que precisamos juntar a tantos atractivos que a Natureza nos dispensou? Precisamos de distribuir, regular e equitativamente, sem predilecções discutíveis, a ajuda do homem, de forma que todo o País, e não apenas uma região, seja terra de turismo.
Sr. Presidente: o progresso que de ano para ano se vem registando no processo turístico nacional deve-se, em primeiro lugar, como já referi, aos benefícios que todo o País vem colhendo de uma política superior verdadeiramente excepcional e, secundária e consequentemente, à descoberta de que Portugal não é só Lisboa.
Mas verdade, verdadinha, é que nos mais afastados antecedentes da vitória sobre o «muro» do famoso triângulo turístico menos encontramos os homens do passado que a providência de sempre.
Se os olhares justos e generosos da Senhora do Rosário não se tivessem volvido para Fátima, talvez ainda hoje continuássemos confinados aos vértices desse triângulo dominador e egocentrista.
Pela graça divina, de que Ela foi mensageira, o sol entrou por todas as janelas e esterilizou o ambiente; a paz voltou à Terra e aos espíritos; os pomares começaram a dar frutos; o País passou a ser respeitado e, a pouco e pouco, admirado em toda a sua extensão; enfim, o turismo nasceu e a Revolução Nacional parece-me, agora também, um milagre de Fátima.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem! E foi assim!
O Orador: - Mas soa, ùltimamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, novo slogan sugestivo como o pecado. Autêntica arma de dois gumes que pode atirar para a penumbra do ocaso muitas e legítimas aspirações.
Atrai, seduz e mata. E, por isso, daqui me vem o receio de que a mensagem de Fátima não tenha sido compreendida por nós em todos os escaninhos do seu transcendente significado. Com docilidade a Virgem derrubou o muro triangular e arrastou os homens, de todos os continentes, até Fátima. E deste nosso centro espiritual e corográfico falou-lhes do amor a Deus e do amor ao próximo e mostrou-lhes as belezas de todos, todos, os recantos desta maravilhosa terra da sua predilecção: o romantismo dos vales; a majestade do mar; o bucolismo dos rios; a austeridade das serras; o carácter específico de cada cidade; a graciosidade das vilas; a garridice das aldeias, e a alma simples, aberta, hospitaleira, briosa e crente de todo um povo regido pelas leis mais humanas do Mundo, que não admitem a pena de morte, nem a discriminação de classes, nem de raças.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E o Mundo ficou deslumbrado. E da sua retina jamais se apagará a imagem daquela multidão com os braços em cruz, na ânsia de uma universal fraternidade, e de olhos fixos na Bainha de Portugal. Deste Portugal pequeno e grande, histórico e simples, brioso e humilde, claro e policromo, poeta e prosador, contemplativo e vivo, tão variado, tão sui generis e tão transcendente, que só seria possível traduzir-se, fielmente, em expressão pictórica, através do génio polivalente daquele que foi pintor e também poeta, escultor e humanista renascentista, músico e arquitecto, e que, há precisamente quatro séculos, ao transpor, pela última vez,
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29 DE FEVEREIRO DE 1964 3447
os umbrais da Capela Sistina, fez ranger, com sonoridade universal, os gonzos dos portões da imortalidade.
Respeitemos, gratos e reconhecidos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as dádivas e o superior desígnio da Providência, distribuindo com justiça e sábio critério as benesses de que dispomos por toda, toda, a sagrada terra portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Manuel Pires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o aviso prévio que o ilustre Deputado Dr. Nunes Barata submeteu a debate desta Câmara, que outros méritos não tivesse, acho que todos lhe reconheceremos, pelo menos, o valor inestimável de vir na hora própria. Por mim, quero ainda prestar homenagem muito sincera ao alevantado propósito e ao minucioso conhecimento de causa, que ele amplamente patenteia, a ponto de não deixar de fora nenhuma actividade, qualquer sector ou forma de vida nacional que, perto ou longe, possa relacionar-se com o turismo, desde a valorização da sua transcendência, dentro- da sociedade actual, até aos aspectos de aplicação prática e imediata.
Todos temos ainda bem presente a comunicação memorável que, na tarde de 7 de Janeiro passado, o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, ilustre parlamentar desta Câmara, fez ao Conselho Nacional de Turismo. As palavras deste ilustre membro do Governo acordaram as mais fundas ressonâncias em todos quantos conhecem um pouco a importância decisiva do problema na vida dos Estados modernos.
Quando, lá fora, povos com padrão de vida tão elevado, como a Suíça, têm no turismo a sua principal indústria, a mais rendosa e porventura a mais duradoura e a de mais benéfica influência sobre a sua cultura, precisamos nós de acertar o passo e ultrapassar até a política turística desses povos, na boa linha de incentivação que nos últimos vinte anos se vem processando, já que a Natureza nos prodigalizou recursos inesgotáveis. «Aproxima-se, de facto (como em fórmula de lápide afirmou o Sr. Dr. Paulo Rodrigues), a hora decisiva da indústria turística em Portugal».
Passou, felizmente, a hora em que, se não nos textos constitucionais, e muito menos dentro da boa verdade histórica, as leis criadoras, os debates redentores, as iniciativas arejadas, os ventos que nas asas levam as sementes de renovação e da vida parece que receavam alargar o voo aos mares mais recuados do nosso império ultramarino. Dentro desta Casa, quando hoje se fala de Portugal, logo pensamos todos na sua complexidade pluricontinental e multirracial. Aí está justificada, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha presença no aclaramento desta importantíssima questão: falarei apenas daquela que é a minha terra pelo coração - Moçambique.
Talvez diante de nenhuma outra província portuguesa se abram perspectivas mais rasgadas como para Moçambique. Bem sei que a Natureza foi generosa em dotar de encantos Portugal inteiro. Mas essas terras portuguesas da África oriental possuem atractivos sem par. Mesmo que apenas considerássemos a sua fauna e a sua flora, elas forneceriam já um cartaz turístico de riqueza e variedade incalculáveis: o Parque Nacional da Gorongosa, o mais vasto e rico do Mundo, onde nada há que possa levar-lhe vantagem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De norte a sul, feras aos milhares povoam os seus tandos, para delícia dos caçadores, que já vão chegando de toda a parte. As suas montanhas e florestas majestosas, os palmares de Quelimane, as inigualáveis plantações de chá do Gurué, as suas primorosas prais, baías e enseadas, como a baía de Porto Amélia (uma das mais belas e opulentas em pesca submarina que se conhecem), Mocímboa da Praia, a ilha de Moçambique (relíquia histórica de um passado sempre vivo), a Beira e o seu acampamento do Macúti, as ilhas do Bazaruto e de Santa Carolina, as risonhas praias Sepúlveda, do Bilene e de Lourenço Marques ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e o feitiço da cidade, com o jardim florido de Vila Luísa, a um voo, por uma estrada maravilhosa, a estância da Namaacha, com o seu clima reconfortante de altitude, o paraíso verde da Zambézia e as margens impressionantes do lago Niassa, ainda quase desconhecidas - eis aí, em rápida visão, Srs. Deputados, alguns dos nomes do maior relevo, entre tantos outros que igualmente poderiam salientar-se.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas a gente, com os seus costumes, a sua etnografia tão rica e tão variada, e a riqueza incomparável do seu folclore, não oferece menos interesse, li ver a paixão com que estrangeiros dos mais cultos vêm, pela roda do ano, estudar, filmar, guardar as suas manifestações mais representativas. Só os marimbeiros de Zavala bastavam para ilustrar a ternura e a inteligência que nós temos posto em preservar os autênticos valores nativos, eles que são o conjunto acaso mais notável de toda a África negra. O seu nome vale por um símbolo, visto que, sendo embora o mais representativo, se situa na larga e colorida teoria de muitos mais que por lá se conhecem.
Anotemos, ainda, a importância crescente que a arte indígena dia a dia vai tomando, desde o impressionismo para cá. Ora Moçambique possui excelentes escolas de artesanato nativo; e os Macondes são artistas natos, com um sentido estético tão apurado com os Lundas ou os Quiocos de Angola.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas, para o estrangeiro que chega, a maior surpresa, para mais nesta hora tão sombria para o continente africano, encontra-se na harmonia social, cultural, religiosa e artística da nossa presença ali, no milagre permanente da sociedade multirracial, que nós soubemos criar, não esmagando o Negro, mas elevando-o até nós, que primeiro soubemos descer até ele, na inteligência e na fé de civilizadores cristãos, salvando-o e transfigurando a nossa própria visão do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos a rara felicidade de estar rodeados de vizinhos que detêm o padrão de vida mais elevado de todo o continente africano e até já um dos mais prósperos do Mundo. Mas eles, em grande parte fechados no interior, não têm praias nem regiões de belezas naturais como as nossas. Por isso acodem, nas épocas próprias, aos milhares, vindos da União Sul-Africana, das Rodésias, da Suazilândia, ficando semanas e meses, por lá deixando quantidade já muito apreciável de divisas, e
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aprendendo a conhecer-nos e a admirar-nos - que é o que mais importa.
Sobre este fundo de raras possibilidades projecta-se, porém, a espantosa indigência de facilidades para podermos montar, a sério, uma indústria turística compensadora. Dispomos já de alguns hotéis e pensões excelentes. Mas devem-se quase todos à pura iniciativa privada e alguns vivem completamente abandonados aos vaivéns da sorte. Precisamos de os multiplicar, de criar pousadas modernas e confortáveis, apetrechadas com todas as exigências que o turismo de hoje reclama, dando-lhes o necessário amparo oficial. Poucas são as estradas, os caminhos de ferro, não obstante o enorme esforço despendido nos últimos 30 anos, que dotou já a província de algumas das melhores rodovias africanas. Urge dar ao C. I. T. um impulso decisivo, orçamentando-o convenientemente, criando-lhe um quadro poderoso e eficiente de funcionários especializados, dando-lhe possibilidades materiais para abrir asas a todos os sonhos que por lá nascem, abrindo delegações de turismo em todas as cidades, vilas e centros de algum interesse, centros em que não se durma o sono livre, mas se trabalhe, em profundidade, em larga propaganda e em desvelado amparo a todos quantos nós visitam.
Decorreu, recentemente, na Beira, promovido pelo C. T. T., a primeira reunião provincial de turismo. O trabalho intenso que ele promoveu, o clamor geral de entusiasmo que despertou em Moçambique inteiro, o corpo de sugestões que as teses apresentadas puseram em pé, dizem-nos que chegou também a hora do turismo em Moçambique.
Importa criar, quanto antes, um Ministério do Turismo, que, coordenando de Lisboa todas as actividades deste importantíssimo sector, abra caminhos novos, impulsione todas as iniciativas, dando a cada parcela do império a importância e a autonomia que ela merece. Quando esse dia radioso chegar (e ele tem de raiar sem demora), estou certo do que Moçambique terá visto satisfeita uma das suas aspirações mais ardentes e mais antigas; e, no quadro do turismo nacional, ocupará, certamente, posição não só inconfundível, mas a primeira entre as primeiras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão será na terça-feira, dia 3 de Março, tendo por ordem do dia a mesma da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Olívio da Costa Carvalho.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
Jorge Augusto Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA