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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 138
ANO DE 1964 4 DE MARÇO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 136 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 3 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr.Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 135 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Foi autorizado o Sr. Deputado Nunes Fernandes a depor como testemunha no tribunal de Lamego.
Foram lidas as notas de perguntas feitas pelo Sr. Deputado Lopes Roseira e de respostas dadas pelo Ministério do Ultramar.
O Sr. Deputado Marques Fernandes falou sobre delegados escolares e regentes de ensino.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Moreira Longo, Cutileiro Ferreira e Alberto de Meireles.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
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Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 135, para efeitos de aprovação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deduz qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado.
Deu-se o seguinte
Expediente
Telegramas
Da direcção da Adega Cooperativa de Freixo de Numão a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Alfredo Brito no debate do aviso prévio sobre a crise agrícola nacional.
Da Câmara Municipal de Viana do Castelo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pinheiro da Silva no debate do aviso prévio sobre turismo.
Da Câmara Municipal de Ponte da Barca no mesmo sentido.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do juízo de direito da comarca de Lamego pedindo para ser autorizado a depor como testemunha o Sr. Deputado Nunes Fernandes no dia 20 do corrente.
Ouvido o Sr. Deputado sobre se via inconveniente para o exercício do seu mandato em que lhe fosse concedida autorização, informou que não via qualquer inconveniente.
Nestas condições, ponho o assunto à consideração de VV. Ex.ªs
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, com a nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Francisco José Lopes Roseira, a respectiva resposta.
Vão ser lidas a nota de perguntas e a resposta.
Foram lidas. São as seguintes:
Nota de perguntas
Ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Regimento, requeiro:
a) Que, pelo Ministério do Ultramar, me seja informado:
1) Se está completamente esclarecido sobre a crise que atravessam os serviços judiciais do ultramar e das consequentes dificuldades que a magistratura judicial está sofrendo para poder cumprir com honra e prestígio o primado social de ministrar justiça a tempo e horas;
2) Em caso afirmativo, isto é, certo de ter plena consciência de tal situação, quais as providências já tomadas para normalizá-la;
b) Que, estando prevista no artigo 159.º do Estatuto Judiciário da metrópole, posto em vigor pelo Decreto-Lei n.º 44 278, de 14 de Abril de 1962, a unificação dos serviços judiciais da metrópole e do ultramar, me seja informado pelos respectivos Ministérios da Justiça e do Ultramar:
1) Diligências e providências já realizadas no sentido da preconizada unificação:
2) Fase em que se encontram os trabalhos para concretização da unificação:
3) Para que data se calcula que a preconizada, desejada e necessária, unificação venha a ser efectivada: e
4) As causas que, objectiva e concretamente, possam, porventura, estar a dificultar a realização da unificação.
19 de Fevereiro de 1964. - O Deputado. Francisco José Lopes Roseira.
Elementos de resposta
1) Presentemente funcionam no ultramar dois distritos judiciais: Luanda e Lourenço Marques - pois as comarcas de Macau e Timor, pelo Decreto n.º 44 142, de 30 de Dezembro de 1961 (artigo 14.º), ficaram, transitoriamente, afectas ao distrito judicial de Lourenço Marques; os tribunais da índia, pelo disposto na base IV da Lei n.º 2112, de 17 de Fevereiro de 1962, ficaram integrados nos tribunais da Relação e da comarca de Lisboa; e as comarcas da Guiné e de Cabo Verde, nos termos do Estatuto Judiciário, estão integradas no distrito judicial de Lisboa.
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II) No distrito judicial de Luanda há um tribunal da Relação e as seguintes comarcas:
Benguela, Bié, Cabinda, Congo, Guanza, Huíla, Lobito, Luanda, Malanje, Moçâmedes, Moxico, Nova Lisboa, Novo Redondo e S. Tomé.
A comarca, de Luanda tem quatro varas, um tribunal do trabalho, de menores e de execução das penas. As comarcas de Benguela, Lobito e Nova Lisboa têm duas varas e as outras uma só vara.
O Tribunal da Relação tem oito juizes, incluindo o presidente. Os respectivos lugares estão integralmente preenchidos. Assim:
Presidente - Matias Farinha.
Vogais - Alberto Marques Mano, M. Carlos da Rocha, Luís Brites Ribas, J. Correia de Paiva, M. Duarte Morais, J. Pinto Furtado e João Vaz Araújo.
Junto desse Tribunal exerce as funções de procurador da República, o juiz Antonino Pais. São seus ajudantes os Drs. J. Ferro Ribeiro, A. Resende Rego e Mendes Faria.
Todas as quatro varas de Luanda e o Tribunal do Trabalho, de Menores e de Execução das Penas têm juiz e delegado:
Na 1.º vara:
Juiz - Bento Pereira Pinheiro.
Delegado - João Barroso de Moura.
Na 2.ª vara:
Juiz - Domingos Barroso Afonso.
Delegado - L. Luís de Matos.
Na 3.ª vara:
Juiz - Lucílio Pinto.
Delegado - M. Monteiro Duarte.
Na 4.ª vara:
Juiz - O. Castelo Paulo.
Delegado - J. Queiroga Chaves..
No Tribunal do Trabalho, de Menores e de Execução das Penas:
Juiz - Arlindo Ferreira da Silva.
Delegado - Miguel Araújo e Sá.
As outras comarcas do distrito judicial de Luanda, já anteriormente mencionadas, todas têm juiz efectivo, com excepção da comarca de Cuanza e da 2.ª vara de Benguela, instalada há pouco mais de um mês.
São juizes, respectivamente, em Benguela (l.ª vara), Bié, Cabinda, Congo. Huíla, Lobito (l.ª e 2.ª varas), Malanje, Moçâmedes, Moxico, Nova Lisboa (1.ª vara), Novo Redondo e S. Tomé os Drs. José da Silva Rebordão, António Lemos Viana. Roque Benjamim Gracias, José Salgueiro Alves, Ventura de Faria, Vítor Pereira, de Castro, Fernando Ferreira Pinto, José Gonçalves da Costa, Prabacar Canecar, José António da Cruz, António Robertinho Fernandes, Júlio de Castro Lopo e Fernando Alves Ribeiro.
As aludidas comarcas, com excepção apenas de Cabinda e Congo, estão todas providas de delegado.
São delegados em Benguela, Bié, Cuanza. Lobito (1.ª e 2.ª varas), Malanje, Moçâmedes, Moxico, Nova Lisboa (1.ª vara), Novo Redondo e S. Tomé, respectivamente, os Drs. Ernesto Teixeira da Silva, Viterbo do Rosário Rego. Rocha Brito. M. Farinha Nogueira, Jorge Filomeno Sobral, Augusto da Silva Pereira, Manuel da Costa, Raul Galvão de Melo, Justino Miguel da Costa, Francisco da Rocha Moreira e Arnaldo Cardoso Dias.
III) No distrito judicial de Lourenço Marques há um tribunal da Relação u as seguintes comarcas:
Lourenço Marques, Beira, Cabo Delgado, Gaza, Inhambane, Manica, Moçambique, Nampula, Niassa, Quelimane e Tete.
Em Lourenço Marques há quatro varas e um tribunal do trabalho, de menores e de execução das penas.
Todas as comarcas, com excepção de Moçambique (ilha), têm juiz.
O Tribunal da Relação, composto de oito juizes, incluindo o (presidente, tem todos os seus lugares providos.
Há também delegado em todas as comarcas, com excepção de Tete.
Assim:
Tribunal da Relação:
Presidente - Albuquerque Sousa.
Vogais - J. Afonso dos Santos, M. Abrantes do Amaral, M. Ferreira Martins, A. Costa Tavares, Júlio Franklin, Amílcar Xavier e Alberto Malva.
Junto deste Tribunal exerce as funções de procurador da República o desembargador Melo de Gouveia. São seus ajudantes os Drs. Martins Alves, Severino Balula e Costa Rosa.
Todas as quatro varas de Lourenço Marques têm juiz e delegado:
1.ª vara:
Juiz - J. Martins da Fonseca.
Delegado - J. Oliveira Leão.
2.ª vara:
Juiz - M. Fernandes Mota.
Delegado - Nuno Forjaz Sampaio.
3.ª vara:
Juiz - Mário de Noronha.
Delegado - Jorge de Azevedo.
4.ª vara:
Juiz - J. Duarte Gouveia.
Delegado - Ivo Anastácio.
Tribunal do Trabalho, Menores e Execução das Penas:
Juiz - A. Silva e Sousa.
Delegado - F. Gouveia Pinto.
As demais comarcas de Moçambique todas têm juiz efectivo:
Manica, Moçambique, Nampula, Niassa, Quelimane, Tete, Cabo Delgado, Inhambane, Beira (l.ª e 2.ª varas), respectivamente, Vítor Henriques, A. Carvalho Faria, Rui Fernandes, H. Pires Pardal, A. Gonçalves Ferreira. Amaro Farinha Ribeiras, D. Azevedo Coutinho, Álvaro Soeiro Baptista, Alípio Gonçalves e Danilo Alves Martins.
Com excepção de Tete, estão todas providas de delegado:
Beira, Cabo Delgado, Gaza, Inhambane, Manica, Moçambique, Nampula, Niassa, Quelimane, respectivamente,
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David Guedes de Carvalho, Manuel Fernandes, Filipe Aires, Fernando Salpico, Alberto Bento, Armando Coimbra, Arménio Hall, Aires Mesquita e Oliveira Leão.
IV) Entrando nos serviços anexos aos serviços indiciais pròpriamente ditos, temos:
Todas as comarcas do distrito judicial dt Luanda., com excepção de Moçâmedes, têm notário ou notários efectivos.
Na verdade: Benguela - Corte Real Delgado; Bié - Ângelo Casimiro: Cabinda -Amadeu Ferreira; Congo - José Mendes; Cuanza - Custódio dos Santos; Lobito- Quina Ribeiro: Luanda - Maria Fernanda Carvalho, Rui de Pádua, Manuel de Azevedo e Mário Nogueira; Malanje - José Marreiros; Moxico - Domingos Fernandes; Nova Lisboa - José Bastos; Novo Redondo - Lia Cantante, e S. Tomé - Armando Cruz.
Vagou há poucos dias o lugar na comarca da Huíla.
As comarcas do distrito judicial de Lourenço Marques, excepção feita, a Inhambane, tom todas notário efectivo.
Assim: Lourenço Marques - Adriano Silva Graça, Antonino Cardoso, Abel de Araújo e Camilo de. Sequeira; Beira - Joaquim Palhinha e João dos Santos; Cabo Delgado- Jaime Estrela; Gaza - Ana de Macedo; Manica - José Correia de Lacerda; Moçambique - Artur Machado: Nampula - Cortesão Casimiro; Quelimane - Júlia- Bordalo e João Lopes da Cruz e Tete - Caramela Conde.
No distrito indiciai de Luanda só as comarcas do Congo, Cuanza e Nova Lisboa não têm conservador dos registos.
No distrito judicial de Lourenço Manques todas as comarcas têm conservador dos registos.
Apenas em Luanda estão por preencher os lugares desanexados de conservador do Registo Comercial e do Registo Civil, por estarem dependentes de promoção a processar.
V) Completou-se no dia 13 de Dezembro do ano findo o processo de concurso para escrivães de direito. Candidataram-se onze escrivães da metrópole e dezoito ajudantes de escrivão do ultramar. Está-se processando o preenchimento das vagas existentes no Lobito, Congo, S. Tomé, Sotavento, Cabinda, Niassa, Manica, Moçâmedes, Guiné e Nova Lisboa.
As portarias respectivas estão correndo já os trâmites legais.
VI) Nas comarcas de Cabo Verde, da Guiné, de Macau e de Timor apenas temos neste momento vagos o lugar de delegado em Timor e o de conservador dos Registos na Guiné. Todos os demais estão preenchidos por magistrados e funcionários de carreira.
VII) Esta é a realidade presente do estado dos quadros do pessoal dos serviços de justiça no ultramar.
Numa luta incessante e silenciosa, o Ministério do Ultramar tem conseguido recrutar pessoal para os quadros da magistratura, dos registos, do notariado, dos oficiais de justiça, da polícia judiciária e dos serviços técnicos do registo criminal e identificação civil, num ritmo apreciável e digno de ser encarado com apreço por quantos dedicam ao ultramar esforço e carinho.
VIII) Para assegurar a eficiência da actividade dos serviços no ultramar dispõem os serviços de justiça de dois inspectores Superiores, actualmente os desembargadores João Semedo e João Coias.
Esses inspectores encontram-se constantemente no ultramar, estando neste momento o desembargador João Coias em Angola e seguindo no próximo dia 6 de Março o desembargador João Semedo para Moçambique.
Para os serviços prisionais a fiscalização está a cargo de dois inspectores localizados em Luanda e Lourenço Marques, respectivamente os Drs. Mendes de Faria e Costa Rosa.
IX) Em extensa actividade tem-se levado a cabo uma profunda acção renovadora nos mais variados domínios da administração de justiça.
Assim, ainda recentemente, durante a viagem ministerial a Angola, se publicou o Diploma Legislativo Ministerial n.º 13 e depois o Decreto n.º 45 454.
Nesse mesmo aspecto se refere que foram publicados:
Orgânica judiciária: Decretos n.ºs 43 742, 43 882, 44 369, 44 548, 44 844, 44 323, 44 961, 45 212 e 45 586 e Portarias n.ºs 18 315 18 397 e 19 757.
Registos e notariado: Decretos n.ºs 43 899, 44 185 e 44 905 e Portarias n.ºs 18 714, 18 751, 18 823, 18 830, 18 822, 18 945, 19 063, 19 532, 19 582, 19 583, 20 155, 20 156 e 20 091.
Serviços prisionais: Decretos n.ºs 42 703, 43 600, 44 789 e 45 454 e Portarias n.ºs 18 539, 18 702 e 18 872.
Polícia judiciária: Decreto-Lei n.º 45 125, Decreto n.º 44 736 e Portarias n.ºs 17 907, 18 453, 18 238, 18 469, 19 171, ,19 248, 19 651, 19 835 e 20 711.
Registo criminal e identificação civil: Decreto-Lei n.º 43 089, Decretos n.ºs 44 171 e 44 555 e Portarias n.ºs 19 248, 19 270, 19 579 e 19 756.
No mesmo domínio de acção dos serviços de justiça se publicaram os seguintes diplomas, de largo alcance na vida das províncias ultramarinas: Portaria n.º 19 505, a estender ao ultramar o Código de Processo Civil; o Decreto n.º 43 809, aprovando o Código das Custas Judiciais do Ultramar; o Decreto n.º 43 525, aprovando a lei do arrendamento urbano no ultramar; o Decreto n.º 44 416, sobre providências relativas aos bens dos indostânicos no ultramar; o Decreto n.º 44 555, sobre facilidades na obtenção do bilhete de identidade dos autóctones; o Decreto n.º 44 905, para facilitar o registo dos actos afectos ao registo civil em função da extinção do indigenato; o Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto n.º 44 309; a orgânica dos tribunais do trabalho, aprovada pelo Decreto n.º 44 310; a Portaria n.º 18 381, sobre crimes contra a saúde pública e a economia nacional, e ainda, inúmeros diplomas a pôr em vigor no ultramar, diplomas em vigor na metrópole, com as alterações exigidas pelo meio social do ultramar.
X) O artigo 159.º do Estatuto Judiciário estabelece que «enquanto os serviços judiciais da metrópole e do ultramar não forem unificados» os magistrados do ultramar podem ingressar no quadro da metrópole mediante a observância de determinadas condições.
Esse princípio é uma consequência do comando constitucional da integração, que necessàriamente pressupõe a existência de serviços de âmbito nacional.
Nesse entendimento, a Lei Orgânica do Ultramar, quer na redacção anterior, quer na actual, considera a viabilidade dessa integração condicionada às condições do meio social e às conveniências da Administração. Sem dúvida que um dos serviços cuja integração no regime geral da Administração da Nação se pode admitir é o da justiça. Esse problema importa entendimento e contactos entre os Ministérios da Justiça e do Ultramar, visto que há problemas diferenciados em cada um dos quadros da magistratura da metrópole e do ultramar.
Além disso, os serviços anexos têm também os seus problemas, sobretudo agora que alguns desses serviços estão no ultramar em franco desenvolvimento.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 1964. - O Chefe do Gabinete do Ministro do Ultramar, Nuno Alvares Matias Ferreira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Fernandes.
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O Sr. Marques Fernandes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: como de costume, nada de novo conterá esta minha intervenção.
O assunto de que me vou ocupar foi já tratado nesta Assembleia.
Apesar disso, não me parece mal a repetição das reclamações feitas e o pedido das soluções julgadas mais convenientes.
Impossível - como nos parece - o aperfeiçoamento total de todos os serviços de cada Ministério, pelo respectivo titular, durante uma estada mais ou menos longa, é sempre motivo de renovadas esperanças qualquer remodelação.
O que vou dizer é como que uma ressonância do pedido de solução para um tal estado de injustiça, que bem se pode dizer que é dos que bradam aos céus. O remédio está dependente do Ministério da Educação Nacional, e repugna-me a ideia de que o mui ilustre titular daquela pasta, espírito brilhante, vivamente esclarecido e dominado por sãos critérios de justiça, não dê ao caso a atenção que merece.
Das injustiças a que vou referir-me são alvo os professores de instrução primária, sobretudo os que são forçados a juntar às suas específicas actuações de ensino o desempenho das funções de delegados escolares. A falta de concordância entre as obrigações que a uns e outros são impostas e os direitos que em contrapartida lhes são concedidos reclama rápida revisão, no sentido de um melhor ajustamento.
Realmente, tanto os princípios da justiça, como os de mera humanidade, não se compadecem com situações anómalas, que nem dignificam os sistemas que as comportam, nem inspiram vontade num cabal cumprimento dos deveres inerentes à função desempenhada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É princípio de honestidade, generalizado em todas as actividades, dar o seu a seu dono.
As injustiças, embora, por vezes, referentes a questões de pouca monta, deixam sempre um ressaibro amargo no espírito daqueles que por elas são atingidos.
Direi mesmo que basta serem injustiças para que delas resultem consequências mais ou menos graves, num ambiente que, sem mesmo se generalizar no meio social, causa, insatisfação por parte dos atingidos.
E estes, tantas vezes, tornando a nuvem por Juno, sentem tendência para generalizar e tornar extensiva a injustiça que os fere aos demais sectores da vida social, cuja situação avaliam pelo que consigo se passa. Quando a situação na escala dos valores sociais e a correspondente retribuição não se harmonizam com o esforço exigido e efectivamente despendido, surge um desequilíbrio entre os serviços prestados e as honras e proveitos auferidos. Se aqueles se avantajam em relação a estes, assume o patrão, como sói dizer-se, a condenável posição de explorador, que, à custa de uma desmedida mais-valia, se vai enriquecendo, menosprezando o suor e o sacrifício dos seus servidores. Se se verifica, a inversa, é sobre estes que, com identidade de razão e de justiça, recaem as mais acerbas críticas. Num o noutro caso se verificam faltas a que é preciso pôr cobro, para que a cada dever corresponda, um direito e cada direito resulte do cumprimento de um dever.
Da falta de consciencialização deites preceitos, ora por culpas atribuídas aos dirigentes, ora por culpas dos dirigidos, resulta certo mal-estar social.
Enquanto uns não produzem o que deles havia a esperar, pelas posições concedida? e mesmo pelos vencimentos auferidos, outros não vencem retribuição condigna com as missões desempenhadas e as actividades despendidas.
Falo por outros, não por mim, que vivo satisfeito, contente e feliz, com o nível de vida atingido para mim e para os meus que - embora modesto - satisfaz todas as minhas aspirações.
Por outro lado, parece que nem sempre os meios empregados com vista ao honesto cumprimento das atribuições conferidas, e sobretudo à repressão dos abusos cometidos, estão sujeitos ao mesmo rigorismo. A injustiça, por insignificante que a uns tantos se afigure, é provocadora de estados de espírito revoltados e inconformados.
E quanto mais a vítima se aperceber da justiça que domina na generalidade, na quase totalidade dos casos, mais infeliz u revoltada se sente por se ver relegada a um regime de excepção.
À base destes princípios, debrucemo-nos um pouco sobre a situação dos delegados escolares:
Como professores, exercem as suas funções em absoluto pé de igualdade com os outros agentes do ensino primário. No entanto, do desempenho das funções que aos delegados escolares incumbem resultam deveres que vão das informações ao superior hierárquico - director do distrito escolar -, dos recenseamentos e estatísticas, dos serviços de matrículas, da representação do director escolar junto das câmaras municipais, da disciplina do corpo docente do concelho, da justificação de faltas dadas, de processar mensalmente as folhas de vencimentos, conferir posses, passar certidões e diplomas, até à elaboração do relatório anual dos serviços concelhios do ensino primário.
Em dezasseis números especifica o artigo 15.º do Decreto n.º 22 369, de 30 de Março de 1933, as atribuições dos delegados escolares.
E o legislador, receando talvez que algo tivesse esquecido naqueles longos dezasseis números, torna, no § 1.º do mesmo artigo, o delegado escolar responsável por todas as infracções que sejam do seu conhecimento, quando as não evite ou delas não dê conta ao director do distrito escolar.
Assim, àquelas já vastas atribuições junta o referido parágrafo funções de policiamento, com todo o odioso daí resultante. É certo que nos concelhos de mais de 50 agentes de ensino podem ser nomeados adjuntos dos delegados escolares, nas seguintes proporções: concelhos com mais de 50 agentes - 1 adjunto; concelhos com mais de 100 agentes - 2 adjuntos; concelhos com mais de 180 agentes - 3 adjuntos; e com mais de 300 agentes - 4 adjuntos.
Como já se disse, o desempenho das funções específicas dos delegados escolares não deve nem pode ser executado durante os tempos lectivos. Compreende-se que assim seja, para que não sofram os alunos os prejuízos resultantes do cumprimento dos deveres específicos do delegado escolar.
A coisa está certa, mas, de outro modo, resulta um aumento de horas de trabalho que se aproxima das gastas nos seus trabalhos docentes durante os 208 dias lectivos do ano. E essa aproximação é tal, que anda calculada, segundo informações colhidas, em dois terços das horas de trabalho normal, do que resulta um acréscimo correspondente a 138 dias lectivos.
Por outro lado, como as actividades da delegação escolar se processam em qualquer época do ano, logo resulta que o delegado escolar está inibido de gozar do grande, melhor direi, do único atractivo do exercício da profissão de agente de ensino primário: as férias do Na-
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tal, do Carnaval, da Páscoa e as chamadas férias grandes.
Assim, o delegado escolar tem, como qualquer funcionário, fora do seu quadro, apenas direito a 30 dias de licença graciosa por ano.
É que, na verdade, em todos os meses se processam folhas de vencimentos, se passam diplomas e certidões, se conferem posses, se fazem transferências e se recebem ordens dos directores, a que há que dar cumprimento e tantas vezes conhecimento aos outros agentes do ensino concelhio.
Calculem VV. Ex.ªs o tempo gasto a transmitir essas comunicações a, perto de 50 agentes de ensino.
Até 50 agentes de ensino não há direito a nomeação de adjuntos, o que quer dizer que, havendo no concelho 49 agentes, tem o pobre do delegado escolar de escrever 49 vezes a mesma comunicação. É assim mesmo, porque não lhes são atribuídas máquinas de escrever.
Pelo muito respeito que tenho por essa classe do professorado primário, do coração lamento que depois de cinco horas a aturar crianças seja dada a um delegado escolar a distracção de escrever à mão 60, 40 até 49 vezes a mesma comunicação.
E como recompensa por todo este acréscimo de trabalho, correspondente a cerca de 138 dias lectivos e à redução das férias a 30 dias por ano, são os delegados escolares gratificados com as importâncias de 100$, 150$ e 200$ mensais, conforme tenham a seu cargo, respectivamente, 40, de 40 a 80 e mais de 80 lugares do professor no seu concelho.
Notem VV. Ex.ªs que nestes números só entram professores, pois deles se excluem os regentes escolares, precisamente, os que, com menor preparação - como é natural -, mais trabalho dão aos delegados escolares. Os adjuntos existentes nos concelhos com mais de 50 agentes de ensino são gratificados com 150$ mensais.
E a nenhum professor é permitido dizer não, porque é obrigatório o desempenho da função durante o longo período de cinco anos.
Cinco anos de condenação a trabalhos forçados, recaindo a pena quase sempre nos professores de maiores méritos, e que por isso inspiram mais confiança. Como recompensa de esforço e de dedicação não seria muito fácil idealizar pior.
Outra situação cujo motivo justificativo nunca consegui vislumbrar -esta referente a todos os professores - é a seguinte:
Aos professores do ensino superior e do ensino secundário são pagos os exames que fazem.
O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Devo informar V. Ex.ª de que isso não é verdade no que diz respeito aos professores do ensino superior, o que se torna penosamente difícil em anos escolares em que há quatro, cinco e seis meses de exumes.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a informação que me acaba de dar, pois estava convencido do contrário. Mas, pelo menos quanto ao ensino secundário, creio estar certa a minha afirmação.
O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Os extremos tocam-se.
O Orador: - Os professores do ensino primário só recebem ajudas de custo por serviços de exames desde que a distância da povoação onde residem até ao local dos exames ultrapasse 10 km.
Onde e quem será capaz de descobrir razão justificativa para tão acentuada diferença de tratamento?
Que prejuízo não causará à apertada economia do professor primário que se desloca à sede do concelho para fazer parte de um júri de exames, desde que a deslocação não atinja 10 km?
A que princípio de justiça obedecerá tal medida? Já me lembrei de que talvez seja fruto da aplicação da lei da atracção universal, quando diz que a matéria atrai a matéria na razão directa da massa, etc.
É que, na verdade, a economia do professor primário não tem, não deve ter, em face dos vencimentos recebidos, massa que atraia outra massa.
No meu acanhado horizonte visual (não apoiados) nada vejo que justifique a desfavorável posição do humilde professor primário.
Digo humilde, no sentido económico, porque em tudo mais - na generalidade dos casos - a alma do professor primário, em riqueza de formação religiosa e patriótica, não receia confrontos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Certo da verdade evangélica de que os humildes serão exaltados, não duvido de que o professor primário, mesmo neste Mundo em que vivemos, virá a ocupar o lugar que lhe pertence na escala social, em que o factor económico será também chamado à colação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Vou terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados; antes, porém, não à laia de um choradinho bem acompanhado, mas em ardente, oração e fervorosa prece, daqui imploro um simples olhar de compreensão, de misericórdia, se preferirem, para os regentes escolares, que depois de dezenas de anos de serviço - quase sempre de bom serviço - ficam completamente desamparados, sujeitos, talvez, à caridade dos seus numerosos e agradecidos alunos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que para estes servidores, que nem funcionários públicos são considerados, se faça um dia luz na escuridão da sua vida presente e nas negras trevas do futuro que os espera.
Que dentro da grandiosa obra que vem sendo realizada pelo Estado Novo em todos os sectores da vida da Nação, inclusive no da educação nacional, não haja destes pequenos pontos negros, onde tantos se fixam, esquecendo, maldosamente, as virtudes, para só dos defeitos se ocuparem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca do turismo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Cardoso.
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O Sr. Agostinho Cardoso: -Sr. Presidente: ao iniciar a minha intervenção congratulo-me pela presença em Portugal do Sr. Ministro da Informação e do Turismo de Espanha, até pelo facto de a sua presença no nosso país coincidir com o aviso prévio sobre turismo que está em debate nesta Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A amizade peninsular, cimentada na personalidade dos dois países irmãos, está hoje, no Mundo em delírio, ao serviço de um alto ideal humano e histórico.
No turismo continuaremos a ser, todos o esperamos, colaboradores desse mesmo ideal, dos interesses peninsulares e dos nossos interesses nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: a exposição do Dr. Nunes Barata neste, aviso prévio e os depoimentos dos ilustres Deputados que se lhe seguiram pouco me permitem, quanto a generalidades, acrescentar alguma coisa de original. Limitar-me-ei, no plano nacional, a historiar, salientar e comentar alguns aspectos que se me afiguram importantes, no desejo de não repetir argumentos e juízos; numa segunda parte, procurarei contribuir com um estudo objectivo para o problema do turismo na Madeira.
Porque ela é a zona turística mais antiga do País, já no século passado de renome mundial, porque indicada pelos técnicos nacionais e estrangeiros como uma das grandes zonas de turismo português a ràpidamente desenvolver e porque todos os seus problemas, mercê de condições insulares e características económicas próprias, se revestem de saliente especificidade - o seu caso obriga a estudo complexo e polivalente, de planeamento regional em que se enquadre o seu planeamento turístico. Por eles venho pugnando quando posso.
Sr. Presidente: é este o segundo aviso que sobre turismo se realiza nesta Assembleia. Com efeito, em 1950 o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu, que temos a honra de ter entre nós, levou a efeito, com notável brilho, um aviso prévio sobre este assunto.
Ao falar de turismo nesta tribuna, um forte imperativo de justiça me leva a evocar a figura do António Ferro, o homem que nos alvores da actual situação política sonhou fazer de Portugal um grande país turístico, clamou quanto pôde a grandeza da nossa vocação e das nossas possibilidades nesse domínio, semeou esperanças e directrizes, que, em parte já realizadas, se mantêm um quarto de século depois bem vivas e actuais.
O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!
O Orador: - Precursor apaixonado das escolas modernistas em arte e literatura no nosso país, pôs o seu talento, o seu arrojo e o seu trepidante dinamismo a demolir o «conformismo definitivo» e a anunciar os novos tempos com gritante originalidade.
Genial modelador de paradoxos, realizou nele próprio o seu maior paradoxo: transformar o irrequieto - ia a dizer sísmico - intelectual em homem de acção, que, impulsionado por um superpatriotismo, se transformou em poderoso organizador no traçado dos planos e no pormenor das realizações.
O seu modernismo - ia a dizer de extrema esquerda - levou-o a um militante nacionalismo no campo da actuação, prestando ao País o notável serviço de revelar-lhe a personalidade íntima e a fisionomia profundamente humana de Salazar, então quase desconhecida de muitos, porque oculta por detrás de um ascetismo absorvente ao serviço da Nação.
Esta posição político-intelectual e artística e este amor a Portugal constituem uma espécie de testemunho a ser considerado, mas integralmente, pelas novas gerações.
Ele reclamou, protestou, escandalizou até, mas «cá dentro».
Tudo fez por criar consciência das coisas novas que iam surgindo ou que ele adivinhava iam surgir, por alertar inteligências e vontades, como quem toca a rebate, renovando sem negar, construindo e não recusando, apoiando os chefes e não opondo-se-lhes. Quem reler o seu livro Turismo - Fonte de Riqueza e Poesia, editado em 1949, vai encontrar nele um colorido cartaz e uma resenha dos principais problemas turísticos do nosso país.
As linhas gerais da legislação a criar, o papel dos transportes e da hotelaria, das «pousadas» e «casalinhos» especificamente, portugueses, a propaganda e a insuficiente tiragem dos nossos «desdobráveis» e cartazes, as agências de viagens, o combate ao amadorismo, a indispensável unidade no comando e actuação, a valorização do folclore, da cozinha e das riquezas turísticas de Portugal, a luta pela higiene de terras e populações, contra a imundície e o pé descalço - tudo perpassa nesse livrinho, onde se espelha a personalidade deste verdadeiro bandeirante do turismo em Portugal.
Foi nessa época que surgiram as «brigadas hoteleiras», «de bom gosto», que iam pela província alindar pensões e boteis, e que foi criada uma comissão de recuperação social para lutar contra a mendicidade.
Eis algumas frases suas:
... o turista puro - não o esqueçamos- é o único estrangeiro que não vem a Portugal buscar dinheiro, mas deixar dinheiro.
É um ingénuo aventureiro, um ingénuo descobridor do que já foi feito para ele descobrir.
O turismo desempenha o altíssimo papel de encenador e decorador da própria Nação.
O prestígio internacional de uma nação é consequência em certos aspectos da sua organização de turismo.
O turismo é, portanto, além de um indiscutível factor de riqueza e civilização, um meio seguríssimo, não só de alta propaganda nacional, como de simples propaganda política.
Sr. Presidente: a história do turismo perde-se na noite dos tempos.
O espírito de curiosidade cedo atirou os homens para as estradas do Mundo.
Os peregrinos, os comerciantes, percorrendo longos caminhos à procura do sal, do âmbar ou das pedras preciosas, os Fenícios e os Helenos, aventureiros e arrojados em busca do desconhecido, foram talvez os primeiros antepassados do actual turista. É antiga a sede de viajar.
Estrabão e Heródoto foram escritores-viajantes, movidos pela curiosidade pura.
Heródoto, observando e anotando, viajou pelo Egipto, Pérsia, Fenícia. Babilónia e Itália. Deixou observações tão exactas que. pouco perderam do seu valor descritivo.
Roma antiga, com as suas termas, os seus balneários, as suas «vilas de recreio», as redes de estradas, alongando-se pelo mundo antigo com pontes e albergues, apresenta-nos como que as primeiras estruturas turísticas.
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Nas peregrinações medievais, nos que procuravam as grandes feiras ou o saber em universidades distantes, havia já um pouco da «curiosidade desinteressada» que é própria do turismo.
Marco Pólo, Fernão Mendes Pinto, I oram, até certo ponto, turistas, como os albergues dos mosteiros, do certo modo, antepassados das pousadas e centros de acolho.
Com a Renascença, começa a distinguir-se melhor esta viagem de curiosidade da viagem utilitária ou de peregrinação religiosa.
As grandes navegações abrem largos horizontes. Corre-se mundo, começa a procurar-se a Itália para ver ruínas antigas e monumentos.
O Pantagruel, de Rabelais, com as suas viagens fantásticas, representa já este novo tipo do turista.
Montaigue, nos seus Ensaios, quase que esboça certa filosofia do turismo ao dizer:
Entre as condições humanas é comum a de gostar-se de movimento e de mudança. Viajar parece-me útil, porque o espírito terá nisso um contínuo exercício ao encontrar coisas novas e desconhecidas. Não conheço melhor escola para ilustrar a vida do que lhe propor insistentemente a diversidade, de outras vidas, fantasias e usanças.
Referindo-se a si próprio, Montaigne toma um ponto de vista turístico:
Eu, que viajo quase sempre por prazer, não encontro nisso dificuldades: se à direita il fait laid, tomo pela esquerda; se não posso continuar a cavalo, paro; e se deixei alguma coisa de belo para trás, volto. Eis o meu caminho: não lhe traço nenhuma linha fixa, nem recita, nem curva.
Turismo lento, calmo, que não volta, sem horas de partir nem de chegar, sem o horário do escritório, da fábrica ou da repartição.
Os séculos XVI e XVII vêem passar de liteira, a cavalo, em coche e depois em diligência, os raros turistas desse tempo, e entre eles Madame de Sévigné e La Fontaine.
Aparecem os primeiros guias turísticos:
O Guia dos Caminhos de França, em 1552.
La voyage en France dressé pour la comodité des étrangers, em 1589, o Fiel Condutor para a Viagem em França, em 1654.
Nos séculos XVIII e XIX há um turismo sentimental e aristocrata, de gente rica e culta. Há também o turismo dos doentes em procura da saúde nos climas privilegiados. É a época em que António Nobre vai à Madeira ver se não morria, o que ali foi finar-se uma jovem princesinha do Brasil, numa «quinta», entre flores e suaves aromas, debruçada sobre o maravilhoso cenário da baía do Funchal, o qual não bastou para sarar-lhe o mal do peito.
Os Ingleses e os Nórdicos foram os grandes turistas dessa época.
A França e depois a Suíça foram os primeiros países a esboçar uma organização turística de carácter colectivo, pois só no começo do século XX é que o turismo tomou aspecto de indústria para prestação de serviços individuais a só depois da última guerra se desenhou o turismo de grupos humanos.
O Clube Alpino Francês fundou-se em 1874; em 1890 o Touring Club de Franco - no começo um simples agrupamento de ciclistas - e em 1895 o Automóvel Clube Francês. Nas duas Câmaras francesas constituíram-se grupos parlamentares de turismo.
Em 1903 fundou-se o Automóvel Clube de Portugal, de que foi primeiro presidente o infante D. Afonso de Bragança.
Em 1906 surge a Sociedade de Propaganda de Portugal, que pretende «colocar Portugal no mapa de turismo do Mundo e criar os meios de defesa e propaganda do nosso país lá fora».
Este organismo, com a sua legenda «Pro Patria Omnia», constitui um caso salientíssimo de patriotismo, do unidade e união de portugueses dos mais diversos sectores, que se expandiu e multiplicou em iniciativas utilíssimas.
Há quase 60 anos, teve a referida Sociedade a nítida consciência do interesse económico do turismo, e atingiu mais de 75 000 sócios logo alguns anos após a sua fundação! Organizou em 1911 o IV Congresso de Turismo Internacional, em Lisboa, e, o I Congresso Nacional de Turismo em 1930. Foi o berço do Touring Club Português, fundado em 1934, e do Club dos 100 à hora. As suas delegações em Paris e no Rio de Janeiro representaram, por assim dizer, um esboço das primeiras Casas de Portugal no estrangeiro.
Foi em 1911 e em seguida ao IV Congresso Internacional de Turismo acima referido que apareceram as primeiras providências legislativas para a organização do turismo em Portugal.
Um decreto criou a Repartição de Turismo no Ministério do Fomento, orientada por um conselho de sete membros, um dos quais seria o chefe da Repartição.
Em 1920 os serviços de turismo passaram a ficar enquadrados - embora autónomos - na Administração-Geral das Estradas e Turismo, do Ministério do Comércio e Comunicações. Em 1927 a Repartição de Turismo vem para o Ministério do Interior, agrupando-se melhor os serviços na Repartição de Jogos e Turismo, que funcionava junto da Secretaria-Geral daquele Ministério.
Próximo das exposições de Sevilha e Barcelona, ou seja, em 1929, houve uma nova reorganização, criando-se o Conselho Nacional de Turismo, com mais vasta competência e possibilidades directivas, ainda no Ministério do Interior. Em 1939 transita o turismo para o Secretariado da Propaganda, pertencente à Presidência do Conselho, passando o Conselho Nacional de Turismo a ter carácter consultivo.
Em 1944, um decreto-lei concentrou vários serviços, entre os quais o turismo, no Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, que substituiu o antigo Secretariado.
Em 1952 foi publicado um parecer da Câmara Corporativa, donde recolhemos estes resumidíssimos dados, acerca do projecto de Estatuto de Turismo, de que foi relator o Dr. Luís Supico Pinto, a que já se havia referido o Decreto-Lei n.º 34 133, de 24 de Novembro de 1944, e cuja elaboração António Ferro anunciara num discurso pronunciado em Dezembro de 1947 numa reunião das comissões e juntas de turismo do País. Não se tratava, diz o referido parecer, «de uma proposta de lei que já tenha sido presente à Assembleia Nacional, mas sim de um projecto de diploma sobre o qual o Governo deseja ouvir previamente a Câmara Corporativa antes de decidir sobre se deve publicá-lo sob a forma de decreto-lei ou transformá-lo numa proposta a ser presente à Assembleia Nacional».
O projecto fora elaborado por uma comissão não oficial : constituída por entidades que o Secretariado Nacional da Informação indicara para tal fim. Posteriormente, o próprio Secretariado Nacional da Informação elaborou outro projecto que enviou à Câmara Corporativa e foi apenso ao primeiro para estudo de conjunto.
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Nesse extenso e notabilíssimo parecei- estuda-se o fenómeno turístico em todos os seus aspectos, esgotando-o assunto, em relação à sua época. Nele se põe uma questão prévia, ou seja, se o estatuto deveria constituir uma codificação e actualização de leis e outros diplomas sobre turismo, que de 1931 a 1952 atingiam o número de 242, ou se um conjunto de princípios normativos gerais que estruturassem o turismo nacional e definissem uma política de turismo a regulamentar posteriormente. Era esta última a opinião da Câmara Corporativa, que optava «pela elaboração de um projecto de diploma fundamental em que se concretizassem os objectivos a atingir, os meios a empregar e os órgãos a utilizar para o enquadramento em novos moldes do turismo em Portugal e para a realização de um vasto e eficaz plano de acção turística».
A Lei n.º 2073 veio, em Dezembro de 3954. dar uma larguíssima protecção à indústria hoteleira. No dizer do Prof. Krapf no relatório a que adiante me refiro, é de uma amplitude que a legislação de nenhum outro país possui. Promove a classificação dos estabelecimentos hoteleiros, atribui isenções fiscais e aduaneiras de grande latitude, créditos através do Fundo de Turismo (sem juro) e da Caixa Nacional de Crédito, reembolsáveis a largo prazo, e direito a expropriação por utilidade pública de locais para construção de hotéis.
Em Junho de 1956, a Lei n.º 2082 veio corresponder a, sugestão da Câmara Corporativa no parecer a que me referi quanto a um estatuto de turismo e, no mesmo ano, a, Lei n.º 2081 esclarece e amplia vários aspectos da protecção hoteleira da Lei n.º 2073. Os Decretos n.ºs 40 912 e 40 913 regulamentam em seguida o funcionamento do Fundo de Turismo.
Sr. Presidente: o turismo-indústria nasceu e medrou com características originalíssimas. Sua matéria-prima é toda ou quase toda património colectivo de uma nação, não sofre desgaste, serve sucessivamente a todos os que chegam, é em grande parte dom gratuito de Deus.
E temos de confessar que ainda aqui Ele foi generosíssimo com a Nação Fidelíssima ao dar-lhe uma preciosa matéria-prima. valorizada, é certo, por muitas gerações, a qual tão tarde descobrimos, mas que interessa utilizar agora em força, mobilizando todas as energias nacionais.
De resto, como poderíamos ter feito turismo sem estradas, navios, aeroportos, com casa arruinada e mal asseada? ...
É matéria-prima desta estranha indústria a paisagem, o clima, o museu, o monumento, a cozinha típica, o pitoresco dos trajes, festas e costumes, o desporto, o repouso e o divertimento, o sol, a praia e o mar, o night-club e a excursão, a caça e a pesca, os rebanhos ao longo das campinas, o ski aquático, as tradições, a música popular e a cultura! ...
O investimento no equipamento desta indústria tem de ser volumoso e de realização rápida, porque, uma vez em moda um país, tem o seu turismo de acompanhar de perto na oferta a procura, sob pena de os ventos turísticos poderem mudar de direcção.
Na sua complexa, personalidade, é o turismo estimulador e cliente de muitas outras indústrias e actividades subsidiárias. Dele constituem, por outro lado, indirecto investimento, todos os factores que fomentem o progresso de um país, porque se situam na base da sua preparação turística.
A mão-de-obra que utiliza, excepto no sector dirigente, c pouco especializada e fácil de treinar, o que muito interessa sob o ponto de vista, de emprego. Já em 1952, diz-nos o parecer da Câmara Corporativa que citei, 6 a 8 por cento da população activa dos países participantes do Plano Marshall trabalhava em turismo e em 1948 estimava-se em 1 500 000 o número de pessoas que em Franca viviam directamente do turismo.
A sua técnica é cada vez mais complexa, à medida que tem de incluir elementos de previsão, actuação e estudo cada vez mais vastos. Os homens cada vez mais viajam, mas a concorrência internacional é também cada vez maior na captação do turista.
Os estudos feitos, sobretudo com base na componente hoteleira, mostraram, com surpresa para muitos, que no nosso país o seu rendimento directo, o seu contributo para a formação do produto nacional e a sua capacidade de absorção da mão-de-obra são, em percentagem, inferiores aos do sector industrial. Números que já foram aqui ventilados, e que não repetirei.
É todavia convicção geral que o valor real destes elementos, porque inclui numerosos factores indirectos não mensuráveis, ultrapassa bem o do sector industrial.
Tal dificuldade de mensuração reside sobretudo nos indetermináveis factores e actividades por onde o turista dissemina divisas e na compartimentação de indústrias subsidiárias, como a de construção, civil, mobiliário, vestuário, produtos alimentares, etc., que a indústria turística mobiliza.
Uma realidade é indiscutível: a sua característica de exportação invisível, a sua contribuição cada vez maior pela entrada de divisas para equilibrar o déficit das balanças de países como a Itália e a Espanha, onde ràpidamente se tem desenvolvido.
No relatório da Lei de Meios para 1964, ao qual me referi em Dezembro último na Assembleia Nacional, salientou-se a importância deste factor.
Sr. Presidente: a comunicação recente feita pelo Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, Ministério a que pertence o departamento estadual do nosso turismo, ao Conselho de Turismo Nacional, e através dele à Nação, veio na hora própria definir uma política, traçar directrizes, anunciar o planeamento turístico nacional e os estudos técnicos em curso. Define também claramente o Algarve e a Madeira como as duas grandes zonas turísticas do País.
Através desse documento, que constitui uma notável síntese do actual fenómeno turístico e das suas incidências e perspectivas no plano nacional, sente-se vontade firme do Governo em incrementar ràpidamente o nosso turismo, mediante planificação cuidadosa baseada em «estudo técnico esclarecido».
«Aproxima-se uma hora decisiva do turismo português - diz o Sr. Dr. Paulo Rodrigues -. Não nos desorientemos pelo que de nós vai exigir».
Dois valiosos trabalhos ]á levados a efeito pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo no âmbito desse estudo são, respectivamente: o estudo preliminar de um plano de desenvolvimento turístico para o período de 1964-1968, da autoria do Dr. Silva Lopes e do arquitecto Teixeira Guerra, e o relatório dos peritos suíços Prof. Kurt Krapf, de Berna, director da Federação de Turismo, e Dr. Oscar Michel, de Zurique, director da Sociedade Suíça para a Hotelaria.
No primeiro desses trabalhos conclui-se claramente que «o desenvolvimento das actividades turísticas merece certamente um alto grau de prioridade em qualquer plano de desenvolvimento da economia nacional».
Esta prioridade e a estimativa a que se chegou quanto à necessidade de 3 milhões de coutos no período de 1964-1968 para os investimentos num plano de desenvolvimento do turismo no continente e ilhas adjacentes levam-
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-me a formular votos da sua inclusão no III Plano de Fomento nacional.
E se uma grande parte deste total terá de ser assumida pela iniciativa privada, não esqueçamos que, dele, 70 por cento são atribuídos ao apetrechamento hoteleiro.
Sabe pois o País que se estuda, programa e planeia o seu desenvolvimento turístico a ritmo acelerado, mediante o estudo económico da indústria de turismo, inventariando-se os elementos turísticos existentes, prevendo-se aqueles que se necessita criar, em face das perspectivas e tendências do referido desenvolvimento e do aproveitamento das possibilidades turísticas naturais.
Acentuando tratar-se, de um estudo preparatório, os autores do referido trabalho, estruturado em bases técnicas de elevado nível, conseguiram definir as tendências do movimento turístico, deduzir as deficiências e dificuldades encontradas, os recursos turísticos existentes e os empreendimentos a efectuar para completá-los, avaliar o seu financiamento e distribuição deste no tempo, analisando também os diversos aspectos da política turística. Apreciaram também a viabilidade e os efeitos económicos e sociais do desenvolvimento programado.
Ali se observa que as receitas turísticas representam já quase 10 por cento das vendas de bons e serviços da metrópole no estrangeiro e que estas aumentaram 180 por cento no período de 1953-1961. Também se prevê que o desenvolvimento económico da metrópole envolverá um rápido acréscimo das importações, que é de estimar em cerca de 8 a 10 por cento, e que, obtendo-se até 1970 um aumento de 10 por cento ao ano no total das vendas de bens e serviços da metrópole no estrangeiro, o turismo não fornecerá em 1970 mais de 12 por cento das divisas fornecidas por essas vendas.
«A captação de clientes turísticos é mais fácil do que a colocação no mercado externo de bens resultantes da indústria em face da concorrência dos poderosos países industrializados».
O relatório do Prof. Krapf confirma as nossas grandes possibilidades turísticas naturais, graças ao clima, variada topografia, património turístico e cultural, folclore e cozinha. Constitui uma análise objectiva do fenómeno turístico português, nos seus índices e aspectos mais expressivos, concluindo por um programa de acção. Nele se acentua que, embora o turismo em Portugal se tenha desenvolvido favoràvelmente nos últimos dez anos, o seu ritmo de crescimento não atingiu todavia o dos países concorrentes e não pôde beneficiar do aumento geral do turismo internacional de modo análogo a outros países, como a Espanha e a Grécia.
Deduzo eu que as percentagens de aumento do movimento turístico são aparentemente altas para os que partem do valores modestos.
Quando se diz que Portugal aumentou 241 por cento é porque partiu em 1952 de 110 000 turistas entrados naquele ano, para 275 000 em 1961. Se a Espanha, que em 1952 recebeu 1 485 000, aumentou 402 por cento no mesmo período, isso significa que em 1961 recebeu 7 455 000. Isto não diminui o valor do esforço que se acentuou nos últimos anos para aumentar o nosso turismo activo, o qual, como foi tornado público, deve ter atingido 520 000 turistas em 1963.
A nossa situação hoteleira é das mais modestas entre os membros da O. E. C. D., com o inconveniente ainda do que os hotéis se encontram na maior parte concentrados em volta de Lisboa e ao longo do litoral do País, situação atenuada, pela construção de pousadas e hotéis pertencentes ao Estado, cerca de dezasseis, de «alta qualidade», nas regiões desprovidas.
Refere-se o relatório à amplitude da Lei n.º 2073, de protecção à indústria hoteleira.
Supõe o autor que este regime de protecção não tem sido suficientemente divulgado entre os capitalistas estrangeiros nem assaz valorizado na política económica do País.
São bastante optimistas as perspectivas quanto às possibilidades e vocação turística de Portugal e aconselha-se a tudo fazer para encurtar o período do démarrage, fazendo-se sugestões quanto a transportes e vias de condução.
Lisboa, segundo os peritos, continuará a ser sempre a atracção turística principal do País e o seu centro de gravidade.
O custo elevado do transporte para o turista do Norte ou do Centro da Europa, dada a situação geográfica de Portugal - extremo ocidental desse continente -, só pode ser compensado com o preço dos hotéis.
Há necessidade de construir novos hotéis e sobretudo para o turismo médio, acentua-se no relatório.
Este turismo médio, em pleno crescimento, é uma realidade a que não se pode fugir. Embora seja o turismo de 1.ª classe que ainda dá prestígio e nome às regiões, o das massas pesa incontestavelmente sobre o turismo de um país.
Menos lucrativo per capita, encontra certa resistência nos investimentos hoteleiros num país como o nosso, cuja capacidade hoteleira se preenche ainda fàcilmente com o turismo de 1.ª classe.
A política hoteleira tem de encontrar um justo equilíbrio entre os hotéis de luxo, de 1.ª classe e de turismo médio, já que vai diminuindo pouco a pouco o fausto de certa vida mundana e que se tende para a aproximação e nivelamento das classes pela subida das massas.
Os serviços de turismo têm-se esforçado por conseguir este equilíbrio e impô-lo. Importa todavia criar-se a consciência de que sem o turismo das massas, e o apetrechamento hoteleiro para ele, não serão obtidos os grandes números e as importantes divisas a que aspiramos.
É aliás capital a sua importância para o turismo interno, quase, sempre de pequena estada, mas que tanto interessa, no desenvolvimento de regiões do País não especializadas em turismo e que deve ser valorizado num país pluricontinental como o nosso. Os Portugueses só com hotéis de 2.ª classe podem viajar em Portugal.
Viajar na sua terra, ir passar as férias a outra província ou região do País, correspondo a um movimento de trocas de grande interesse económico, cultural e até patriótico, sobretudo se considerarmos a gente portuguesa que habita nas ilhas ou no ultramar. Daí também a vantagem de uma política de transportes em todas as vias, política que facilite as excursões e viagens de férias, estimulando o turismo interno.
O turismo social, as excursões dos grandes grupos proletários, tem mais limitado interesse económico, quanto aos estrangeiros, mas vale como propaganda do País. É de grande importância no plano do turismo interno, necessidade psicossocial em relação às nossas massas operárias, desenvolvendo nelas espírito associativo. Grandes esperanças se depositam na previdência quanto ao seu desenvolvimento. Lamento não poder fazer referência ao turismo universitário, desportivo e cultural, aos grandes certames desportivos, congressos, feiras e exposições internacionais, que têm constituído um autêntico triunfo para o departamento do turismo e um alto serviço prestado ao País.
Concluiu-se já o estudo preliminar do plano de valorização turística do Algarve; está em curso idêntico trabalho referente à Madeira. Adianto, em relação a este último, os meus votos, dadas as características especiais deste
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arquipélago, que sejam largamente ouvidas na devida oportunidade as entidades responsáveis do distrito do Funchal, cuja experiência parece ser útil como elemento informativo.
E se me retiro aos nossos serviços de turismo, tenho de dizer que o seu problema número um mu parece ser o da coordenação, e será tanto mais grave quanto mais houver - e havê-lo-á cada vez mais, por força do seu desenvolvimento - esforços e actividades a coordenar.
Coordenação que signifique, saliente posição coordenadora da entidade dirigente do turismo nacional em relação às actividades subsidiárias mas basilares que decorram por outros departamentos do Estado, sempre que nelas haja incidência turística ou resultante de natureza turística.
Posição coordenadora que na «batalha do nosso turismo» não parece compatível com lentos o complicados processos burocráticos nem com raros e cerimoniosos contactos interministeriais, coordenação com métodos reais, simples, efectivos e eficazes do contacto interministerial - eis, parece-me, o primeiro problema das estruturas dirigentes do nosso turismo nacional.
No seu discurso, o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência, do Conselho refere-se a esta coordenação a propósito do Conselho Nacional de Turismo e do grupo de trabalho especial que funciona no âmbito da Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica.
Quanto ao primeiro, aquele ilustre membro do Governo concede que não pode realizar de forma inteiramente satisfatória a coordenação a que me referi.
Tenho dúvidas de que a sua constituição, formada, como é, por representantes de departamentos estatais e do sector privado, de membros que têm de comparecer a todas as reuniões e de outros que só o fazem quando convocados, possa, mesmo remodeladas as suas funções, englobar certos aspectos que exigem minúcia e frequência de contactos na coordenação interministerial.
Em relação ao segundo, constituído por técnicos de incontestável mérito, localizando a sua acção no estudo de plano de investimentos para o nosso desenvolvimento turístico - tem um âmbito nìtidamente especializado.
Tem de continuar a predominar e a acentuar-se a preocupação, do contacto, convívio, intercâmbio ou adesão - no grau conveniente para cada um -, em relação aos organismos internacionais de turismo.
Por último - não sendo de menor importância -, parece que interessa rever o nível departamental a que funciona o nosso S. N. I. e os seus serviços de turismo, já que a sua pequena máquina o os seus autuais efectivos não podem aguentar o grande passo em frente que se prepara e que se espera.
Um parêntesis para prestar homenagem à obra profundamente patriótica que com esforço e sacrifício está a realizar a gente que trabalha no S. N. I., e se não nomeio os dirigentes dos seus sectores, que todos conhecem, é para salientar melhor o esforço comum.
A posição do secretário Nacional da Informação e Turismo é a de um director-geral especial, cuja competência abrange numerosos problemas, exigindo técnicos muito qualificados e com alto nível directivo.
Não concretizarei, porque isso pertence, ao Governo, a que nível departamental deve ser estruturado o actual S. N. I., cujo similar em certos países, como a Espanha, constitui um Ministério independente e que em França - como convém que continue entre nós - está incorporado na Presidência do Conselho sob a forma de comissariado. Há neste caso a comparação possível com a Junta Nuclear, que possui duas direcções-gerais, permitindo-lhe enquadrar técnicos de alto nível.
A este respeito o Prof. Krapf. no seu relatório - depois de referir-se aos técnicos e dirigentes do nosso serviço de turismo -, aconselha a criação de postos de «estado-maior» conselheiros técnicos, dada a necessidade de uma planificação cada vez mais marcada do nosso turismo.
O problema dos investimentos parece que conviria revestir-se, em certos casos, de novas e arrojadas modalidades. Seria, por exemplo, de estudar a possibilidade de criar-se empresas de economia mista, como existe em França em casos excepcionais, como a aquisição de grandes extensões de terreno de interesse turístico, adentro das quais se venham a colocar sucessivamente as diversas peças de um conjunto turístico.
Acrescente-se a isto a capacidade a conceder a autarquias (câmaras municipais e juntas gerais de distrito) para construírem edifícios destinados a hotéis, a serem arrendados para exploração a pessoas conhecedoras da profissão hoteleira.
Os municípios e as juntas de turismo - mas não as juntas gerais de distrito - já possuem, como é sabido, a capacidade de conceder compartimentações até 50 por cento à iniciativa privada para a construção hoteleira.
Não repugna também que a previdência seja colocada em condições de colaborar nas modalidades de investimentos referidas. Só com medidas excepcionais e a mobilização de todas as possibilidades podemos enfrentar o maior óbice do nosso desenvolvimento turístico: obter-se a capacidade hoteleira suficiente com a rapidez e a localização convenientes. E não deixemos de reflectir no número de meses necessários para fazer-se um hotel desde que o seu anteprojecto começa a esboçar-se até que possa abrir as portas aos clientes.
Mas, Sr. Presidente, o turismo não comporta apenas aspectos económicos, mas também incidências humanas. A sua planificação deve ter um fim último: servir o homem - o português que recebe e o turista que chega.
A aliciante exportação invisível que ele representa pretende-se que redunde, em última análise, em subida do nível de vida, na medida em que os seus benefícios se derramem com relativa equidade directa ou indirectamente por todos os portugueses. Por isso ainda, o turismo tem de processar-se, a ritmo suficiente, mas com crescimento ordenado.
Essa subida de nível, para ter autêntica expressão humana, deve corresponder à dignificação do homem para que este não perca o sentido tradicional da verdadeira hierarquia, de valores humanos.
Infelizmente, o progresso material rápido, em certos países econòmicamente muito desenvolvidos, desequilibrou esta hierarquia, atrofiando os valores espirituais.
Neles, em muitos homens, o sentido único e superior da vida seria o bem-estar material: uma crescente subida do seu nível mais a higiene, mais a saúde, mais a cultura.
Temos de lutar por que o turismo entre nós não faça perder aos Portugueses a alegria sã, a felicidade interior que provém da consciência dos valores espirituais, em ordem a que essa subida não faça baixar os olhos do alto, com suas estrelas, para o chão. com a sua poeira ou sua lama. Isto ainda para que não se pague o progresso material, como outros povos o fizeram, com altos índices de loucura, alcoolismo ou suicídio. Com efeito, será sempre verdadeira a sentença de Saint-Exupéry:
Trabalhando só para os bens materiais, nós próprios construímos a nossa prisão.
Por um lado, temos de proteger nas zonas turísticas uma população que trabalha do contraste com o turista que fora do seu país e no período de férias repousa e se
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diverte, e cujos costumes, por vezes diferentes, não podem ser de chofre integralmente compreendidos.
Entre a nudez das praias, a vida dos hotéis de luxo, casinos, bairros turísticos e as nossas pequenas povoações rurais ou bairros operários tem de haver sempre zona de transição, que separe, atenuo o proteja estas duas formas diferentes de viver.
Em relação ao turista que chega, a amabilidade senhorilmente acolhedora, o espírito de fraternidade discreta, plasme sempre os hábitos de recepção turística do nosso povo «a atitude simpática e discreta» de que fala o Dr. Krapf no seu relatório. Mais do que a luz do Sol e o azul do mar - acentua o Sr. Dr. Paulo Rodrigues no seu discurso -, o nosso grande património turístico é a hospitalidade da gente portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O turista que nos procura, estandardizado - ia a dizer, despersonalizado - pela sua agência de viagens, leva na retina e na máquina fotográfica o bom ou mau pormenor que primeiro o impressionou. Passando rápido, numa visão cinética da paisagem e dos costumes, sem outra preocupação que não seja a sua curiosidade, a primeira impressão é a que fica.
«Não deve ver-se nele um filão a explorar até ao esgotamento - diz-nos o parecer da Câmara Corporativa á que me referi -, mas sim um valor a acarinhar para que frutifique e se multiplique». Os pormenores de conforto e amabilidade na recepção podem transformar-se em propaganda ou antipropaganda. Livremo-lo da perseguição da mendicidade e do pé descalço, a suprir assistencialmente, nos casos em que não é subdesenvolvimento, subeducação, insuficiente consciência de dignidade pessoal, neste caso, a educar ou reprimir.
Facilitemos-lhe os movimentos, sinalizando nas principais línguas turísticas as gares, estradas e monumentos para que se sinta menos embaraçado perante uma língua que não conhece. Criemos cursos sintéticos e rápidos de língua portuguesa para turistas.
Cada vez mais há que alindar, caiar, assear, florir, as terras, estradas e ruas do nosso país - a rua é o primeiro ambiente que o turista conhece e o impressiona. Este espírito de recepção, que por vezes pouco custa, fez iluminar maravilhosamente pela noite as fontes e monumentos de Lisboa e florir canteiros nas praças públicas.
Livremo-lo também da insistência do pequeno comerciante e do falso guia.
Ao percorrer livremente o nosso país, onde nada se oculta à sua curiosidade, transformar-se-á num compreensivo e fiel amigo, que rirá a bom rir ou se indignará lá fora dos grosseiros sofismas preconcebidos e facciosos com que se ridicularizam os que gritam aos quatro ventos que nós fazemos perigar a paz do Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque o turismo faz, conhecer e respeitar a história e a vida do povo que se visita, em demanda de paz e de alegria, é uma escola de solidariedade humana, porque nunca se esquece ou deixa de amar os lugares onde se foi feliz.
Sr. Presidente: a palavra de ordem que nos chega através do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência dó Concelho e as expectativas que cria impõem a quem dirige, qualquer actividade, autarquia, organismo público ou privado de qualquer natureza que ponha a si próprio esta pergunta: em que posso contribuir na preparação do País para a batalha do turismo português? E a Nação, em cada agrupamento vivo e diferenciado e em cada cidadão, sob o signo da unidade tem de ganhar esta batalha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: dada a importância turística da Madeira e a saliência do seu «caso turístico», impunha-se que alguém o viesse tratar neste aviso prévio.
Tomei sobre mim logo de início o encargo, e ao anotar que o Dr. Nunes Barata no seu valioso trabalho mal aflorou esse capítulo, sem dúvida por deferência pessoal, registo a discreta mas elegantíssima cortesia pela qual lhe exprimo o meu agradecimento.
Autorizadas vozes não madeirenses atribuem recentemente à Madeira prioridade na batalha do turismo nacional.
Afirma-o o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho no discurso que já várias vezes referi:
Quanto ao turismo do permanência, os estudos económicos de que já se dispõe, baseados nas preferências das correntes turísticas, nas realidades do clima e na taxa mínima de ocupação anual exigível para a viabilidade económica dos empreendimentos hoteleiros, apontam, seguramente, para a promoção imediata de dois centros turísticos: o Algarve e a Madeira.
E no estudo para o plano de desenvolvimento turístico, também já referido, diz-se a p. 25:
São razões económicas desta natureza, aliadas às preferências dos turistas a que se não pode fugir, que levam a considerar que os esforços de desenvolvimento das condições turísticas nos próximos anos se devem concentrar essencialmente nas zonas de Lisboa, do Algarve e da Madeira.
Diz-nos ainda o estudo preliminar do desenvolvimento turístico para o período de 1964-1968:
E essas duas zonas (Madeira e Algarve), principalmente a primeira, precisam realmente, ao contrário do que acontece na zona de Lisboa, que o turismo lhes traga um impulso que não lhes tem vindo de outros sectores económicos, de forma a permitir-lhes acompanhar sem atrasos a marcha geral do progresso na economia do País.
Se os fluxos turísticos vierem a atingir na Madeira e no Algarve os volumes que se esperam, eles poderão provocar uma verdadeira aceleração das economias regionais. Não será apenas o emprego em hotéis, em restaurantes e em outros estabelecimentos dedicados directamente à clientela turística que contará. Interessarão também os efeitos sobre a agricultura (provenientes de frutas o produtos agrícolas), sobre o comércio e sobre o artesanato locais.
Finalmente, no seu relatório, também várias vezes já citado, o Prof. Krapf, que na sua visita a Portugal esteve na- Madeira em Agosto de 1962, acrescenta: «Não será preciso salientar as virtudes do clima da ilha da Madeira-. Portugal tem o grande privilégio de dispor de um centro turístico de reputação mundial, que permite actividade hoteleira- em todo o ano. É possível a intensificação do movimento turístico da Madeira, que resultará da melhoria do acesso pelo ar, e deverá ser acompanhada de uma descentralização dos serviços de recepção turística. Convirá, assim, encarar a criação de novos hotéis, para uma clientela menos rica, fora do centro do Funchal. Pensar, por exemplo, em localizar alguns novos
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hotéis em povoações típicas de pescadores, como Câmara de Lobos. Parece impor-se igualmente o alargamento das iniciativas turísticas a Porto Santo, porque, a clientela turística procura particularmente as praias de areia fina.»
Sr. Presidente: o turismo é para a. Madeira uma vocação histórica e um desbaratado tesouro. Já em 1889, no seu livro de propaganda médico-turistica. Madère - Station Médicale Fixe, o Dr. Mourão Pita dizia:
Somos visitados anualmente por .centenas de ingleses, alemães, muitos russos, e muitas centenas de outras nacionalidades, excepto franceses; todavia, no último Inverno vieram algumas famílias desta nacionalidade, quase por acaso, visitar a nossa ilha, mas sem dela ter um conhecimento preciso.
A suavidade do seu clima temperado, ligeiramente sedativo e docemente estimulante, a paz e serenidade que irradiam da sua paisagem maravilhosa, numa época em que a terapêutica activa era escassa, apaixonou a medicina de então, cuja experiência achou virtude nessa «Suíça do Oceano», como lhe chamou Jacquod, para calmar sintomas pulmonares, debilidade física, sistema nervoso excitado ou deprimido.
Foi no Funchal, de 1747 a 1753, que Tomas Heberden realizou acerca do clima da Madeira, com processos e resultados tècnicamente aceitáveis, as primeiras observações em Portugal, publicadas na Philosophal Transactiotis, de Londres. Desde então mais de duas dezenas de trabalhos foram publicados. Muitos desses livros tinham directa, ou indirectamente fins de propaganda turística. Refiro entre eles o do médico Dr. Nicolau Pita, em 1812, Account of the Island of Madeira; a comunicação do Dr. Francisco Barrai, em 1858, à Academia Real das Ciências de Lisboa, traduzida para francês e ampliada pelo Dr. Garnier; o Climat de Modère, do almirante Hugo de Lacerda, publicado em francês e traduzido em inglês, e um trabalho de Serviço Meteorológico Nacional, de 1955, sobre o clima dos Açores e Madeira, na publicação O Clima de Portugal.
A Madeira, sob o signo dos seus maciços montanhosos, vales profundos, vegetação luxuriante e influência do mar que a envolve, apresenta uma variedade de micro-climas. Pode no Funchal em certo momento fazer sol e calor, e em 10 minutos de automóvel chegar-se a 500 m de altitude, ali sentindo-se frio e havendo nebulosidade, como se atinge facilmente, em certas estradas, 1400 m em 25 minutos de carro observando-se então um clima bem diferente do nível do mar. É a beira-mar, e sobretudo o anfiteatro do Funchal, a zona climática temperada por excelência, onde a temperatura média anual é de 18,8º, a qual desce para 16º no mês mais frio do ano (Fevereiro) e sobe no mais quente (Agasto) para 19,5º, com uma amplitude média de variação diurna de 6º e anual de 6º também. A temperatura da água do mar no Inverno é superior à do ar, ao contrário do Verão. No Inverno, diz o Dr. Barrai, a sua temperatura é muito superior à de Nice, Lisboa e Cairo e superior a Lãs Palmas quanto à humidade e variações térmicas. P. Smith diz que as temperaturas médias no Inverno são:
[Ver Tabela na Imagem]
Não há, assim, um clima na Madeira, mas vários climas, e quando só fala na benignidade do seu clima referimo-nos ao Funchal e ao litoral sul da ilha.
James Yate (1885) diz que a diferença entre o mês mais frio e o mais quente é metade do que em Malta ou Palermo.
O Dr. Mourão Pita indica-nos as seguintes temperaturas médias para cada estacão no Funchal: Inverno, 17,9º; Primavera, 18,03º; Verão, 22º, e Outono, 21.6º.
O almirante Hugo de Lacerda insiste, na comparação com a Cote d'Azur, a temperatura de Verão é mais baixa no Funchal e mais elevada no Inverno do que naquela região, sendo menor o grau de humidade.
Estes elementos climatológicos fazem da Madeira não apenas uma estação turística de Inverno onde ingleses e nórdicos se refugiam do frio, mas uma autêntica estação fixa de turismo, zona permanente de turismo, e como tal deve ser apresentada no mercado turístico internacional. De resto, no mês de Agosto está a aumentar cada vez mais o afluxo de turistas franceses aos hotéis da Madeira, gente em regra jovem, ao mesmo tempo que continuam os ingleses a vir em Fevereiro - o nosso mês de ponta -, com certo predomínio de gente idosa que foge às inclemências hibernais das ilhas britânicas. A temperatura da água do mar, mais quente no Inverno do que a do ar, faz com que se possa nadar nesta estação nas suas piscinas ou na sua beira-mar, sobretudo quando se vem de latitudes e climas onde para isso. em pleno Verão, se tem de esperar por felizes e raros dias e pela hora de maior calor. Ora na Madeira há muitos anos que se nada nas piscinas e nas praias mesmo à luz do luar ...
Mas, Sr. Presidente, esta fama turística e terapêutica da Madeira nos últimos dois séculos fez ali acorrer aristocratas e doentes, reis. príncipes e escritores das mais diversas nacionalidades. Cite-se a rainha Adelaide da Inglaterra, a imperatriz Isabel da Áustria e o infeliz arquiduque Maximiliano, noivo que foi da princesa D. Maria Amélia do Brasil e fuzilado quando imperador do México. Dos russos, recordo o príncipe de Oldemburgo, tenente-general dos exércitos do czar, que em 1884 fez publicar, em Paris, a tradução francesa de Eurico, o Presbítero, e que viveu dois anos na Madeira com grande fausto e gestos de filantropia.
Os ingleses predominaram entre todos e ali estabeleceram sólido comércio, sobretudo em volta do vinho da Madeira, que marcou nesse tempo como o mais requintado néctar em todas as mesas aristocráticas. Era no tempo da Inglaterra vitoriana com todos os seus condicionalismos: foram eles os primeiros a descobrir as doçuras do clima e da paisagem; muitos ali se fixaram e os seus filhos lá nasceram e já lá morreram. Alguns amaram sinceramente a Madeira. É o caso de Henrique Veitch, cônsul-geral da Inglaterra na Madeira, o único autorizado a visitar Napoleão abordo do Northumberland, quando passou no Funchal a caminho de Santa Helena, o qual lhe pediu para comprar em terra uma caixa de vinho da Madeira, que pagou com luíses de ouro.
Veitch fez enterrar as moedas nas fundações da igreja luterana ali erguida por volta de 1820, com a cláusula posta pelas autoridades locais de que se não parecesse nem de longe na arquitectura com a de um templo católico. Veitch construiu, entre várias, uma quinta em plena montanha madeirense, longe de tudo, com dificuldades que hoje nem podem ser apercebidas, e determinou que ali fosse seu corpo enterrado logo após a sua morte. E hoje, Sr. Presidente, quem ali passe pode ver em plena serrania madeirense e em local de deslumbrante
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beleza a campa, do cônsul Veitch, fiel à ilha maravilhosa que tanto amou. Albert Page, outro inglês, agraciado duas vezes por D. João VI, feito cavaleiro da Torre e Espada, construiu na Madeira, à sua custa, caminhos, pontes, uma casa do abrigo, algumas fontes públicas, auxiliou a população por ocasião de várias intempéries o contribuiu com dinheiro para o resgate de marinheiros portugueses aprisionados pelos então piratas de Argel. Indo à, Madeira por volta de 1890 acompanhando um filho doente, Lord Halifax, apaixonado pela união das igrejas no seguimento do movimento de, Oxford, ali realizou com espírito ecuménico largas conferências com o P.º Portal. A Madeira tem assim o seu lugar na história do movimento ecuménico. Dos portugueses citem-se, entre muitos que por lá estiveram. António Nobre, Júlio Dinis e Bulhão Pato.
Sob o estímulo deste espontâneo afluxo turístico, construíram-se hotéis de beira-mar e de montanha, alguns dos quais hoje fechados ou adaptados a outras actividades. Surgiu uma série de produtos para turistas: o bordado, os artefactos, os artigos de artesanato, os vinhos. Os carros de bois e os «carrinhos do Monte» deliciavam os visitantes. Um funicular, já demolido, ligava a cidade aos hotéis do Monte e a um restaurante de montanha no Terreiro da Luta, há muito encerrado.
Veio a navegação a carvão; a Madeira teve depósitos flutuantes desse combustível em pesados batelões, que se alinhavam ao longo da baía do Funchal, e os navios demandavam o seu porto para abastecer-se. Chegaram a funcionar ao mesmo tempo quatro casinos com jogo de fortuna e azar aí por volta de 1920. O Madeirense fez-se, assim, técnico de turismo e criou sòzinho um esboço de indústria, turística que prosperou há meio século. Vieram depois os navios a óleo com longo raio de acção, sem necessidade e sem possibilidades de abastecer-se na Madeira. Não tínhamos aviões, nem aeródromos, nem cais acostáveis, nem instalações de combustível líquido. Não erguemos em tempo devido uma indústria turística de grupos humanos, que caminhava a passos largos, exigindo uma técnica, um apetrechamento, transportes, capital. E a Madeira caiu verticalmente no seu turismo.
Desbaratada a posição turística que a Madeira ganhara no século passado e no primeiro quartel deste século, foi esta aproveitada pelas áridas Canárias, que valendo-se de situação geográfica semelhante, construíram quilómetros de cais artificial, refinarias e depósitos de óleos, porto franco, hotéis, alguns dos quais construídos pelo Cabildo e pelo Estado, campos de aviação e ligações com helicópteros para as ilhas não acessíveis ao avião, sistemas de irrigação permitindo-lhe modernizar a sua agricultura e em especial a sua fruticultura. E os seus 800 000 habitantes conheceram cedo uma prosperidade, hoje ainda no domínio das esperanças para a gente madeirense.
Levámos, Sr. Presidente, dezenas de anos a gritar ao Terreiro do Paço o drama da Madeira: 300 000 habitantes em 800 km2 aráveis, 1000 habitantes por quilómetro quadrado arável! Produzimos trigo para dois meses e milho para dez dias; temos uma insuficiente pecuária; importa-se arroz, azeite, trigo e tanta coisa mais.
Encarcerados pelo mar, a grande e única indústria possível de montar em larga escala na nossa ilha era o turismo, a única também em que a matéria-prima gratuita era da melhor do Mundo, em que a mão-de-obra, treinada hereditàriamente ao longo do nosso velho turismo, era das melhores também, em que podia realizar-se facilmente, o sortilégio da exportação invisível. E o Madeirense em massa foi fertilizar o Brasil, Curaçau, Venezuela, ou a África do Sul.
Um círculo vicioso do qual se nau saía! Não havia transportes, portos e aeroportos para os turistas virem e regressarem em datas certas, nas férias contadas dia a dia, que são a característica do nosso tempo; não se construíam hotéis porque os turistas não vinham. Em tal dilema, perderia quem primeiro começasse a sair dele. Com dificuldades, hesitações, mas alto interesse, resolveu-se o problema, dos transportes e com o aeroporto de Santa Catarina e o porto de abrigo do Porto Santo ficará a, sua infra-estrutura completa. O navio Funchal assegura ligações rápidas com Lisboa.
Vai para quinze anos, junto a uma janela sobre o Terreiro do Paço, onde fora pugnar pela ampliação do porto do Funchal, dizia-me um estadista, grande amigo da Madeira, que os principais problemas da ilha estavam em franca solução (as estradas, a irrigação, a electrificação) e que devíamos desistir da ideia de comparação com as Canárias. «Nem Lisboa tinha ainda nesse tempo instalações portuárias para abastecimento de óleos.» Tive de responder com cerimoniosa firmeza que reivindicávamos o porto e os óleos, não a pensar nas Canárias, mas que a nossa, sobrepovoada ilha, de formosa paisagem e insuficiente produção agrícola, cada vez mais isolada do Mundo, seria, sem o porto, no futuro, lugar de penúria crescente para os que não emigrassem em massa para terras estrangeiras. E acrescentei que a Madeira - a única terra do País que pagou com um imposto suplementar uma revolução que lá se fizera - só pedia que a deixassem construir e pagar o seu novo porto.
Foi uma luta árdua, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, que nós, os Madeirenses, todos unidos como um só, sem esmorecer na esperança o na fé, num exemplo notável de unidade regionalista, sustentámos em todas as tribunas e repartições para sermos compreendidos. Louvado Deus, parece ter chegado a hora do turismo madeirense, a grande indústria que pode responder à superpopulação dessa ilha rodeada de mar e problemas por todos os lados, como, salvo erro, disse Leitão de Barros. Hora que esperamos há muito, mas que tem de ser conduzida simultâneamente, com celeridade, sentido das realidades e dimensões, consciência da alta especificidade do caso turístico madeirense.
Podem enumerar-se como se segue as razões dessa especificidade: na Madeira a sua excessiva densidade populacional não pode ser compensada pela industrialização, e só esta permite, em regra, que um bom nível de vida coexista com sobrepovoamento. A Madeira não é suficientemente industrializável, repito.
Ora as ideias de planeamento regional conduziram ao critério de procurar subir o nível de vida das regiões subdesenvolvidas, de agricultura pobre, instalando nelas unidades industriais, especializando mão-de-obra local e mecanizando a agricultura. Rarefar-se-ia assim o excesso de população empregue na lavoura e transformar-se-ia o agricultor em operário agrícola. Onde se diz indústria, na Madeira tem de dizer-se turismo, e o binómio agricultura-indústria tem de ali denominar-se agricultura-turismo. O turismo corresponde assim a um dos dois factores do planeamento regional. Daí a prioridade a que a Madeira tem direito quanto aos investimentos para o seu desenvolvimento turístico nesta hora tardia do seu planeamento regional. Porém, o outro factor - a agricultura - não constitui uma entidade isolada, antes se integra no pequeno conjunto económico local. O momento turístico actual define-se: há transportes; vêm aí os turistas, mas não há hotéis. E há que acrescentar: esse turismo tem de pressupor uma estrutura agro-económica que o suporte.
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O turismo com efeito envolve, com a entrada de divisas, o movimento do massas humanas, que pela sua capacidade de consumo pesam ria frágil economia da ilha que tem de alimentá-las. Uma insuficiente produção Pm muitos sectores das necessidades humanas para um aumento de consumo corresponderia à rarefacção e sobrevalorização de produtos: desequilíbrio da balança comercial, e, em parte, perda de divisas, agravando o custo de vida, que se repercutiria sobretudo no funcionalismo e nos que trabalham por conta de ou trem. Considere-se ainda para tal efeito o preço elevado dos transportes marítimos os encargos portuários e o conjunto de taxas locais que constituem uma verdadeira barreira alfandegária. Há que estudar o consumo, orientar, a produção e ensinar o agricultor.
No estudo preliminar do plano de valorização turística do Algarve diz-se:
Só atentas estas condições (exigências do consumo) se deverá pensar na localização de quaisquer iniciativas turísticas e a expansão urbanística nelas apoiada só deverá considerar-se quando o seu dimensionamento seja proporcionado às possibilidades alimentares oferecidas, local ou regionalmente.
Independentemente de considerações de ordem paisagística ou climática, as praias de valor turístico indiscutível do Sul da França devem por certo aos recursos alimentares de uma privilegiada região grande parte do seu êxito de nomeada universal.
Os resultados do turismo na Madeira - dizia eu nesta Assembleia, há um ano -, como a única grande indústria possível, serão limitados, se a tempo não se planificar e coordenar a sua economia.
E noutra ocasião acrescentei:
A Madeira é com efeito, em certos aspectos, um pequeno país sob o ponto de vista económico, cercado pelo mar, exportando e importando em parte directamente do estrangeiro, com uma fronteira alfandegária estanque ...
Condicionam sobretudo a sua economia a interdependência dos sectores económicos locais, a mútua repercussão de suas actividades, a variável extensão do terreno por onde se expande cada produto agrícola segundo a sua fortuita valorização, os volumes de produção, consumo, rarefacção ou pletora do seu bem delimitado mercado interno e a possibilidade de absorção por parte dos mercados externos seus clientes. Interessa-lhe directamente uma política económica deste conjunto e só mais de longe a economia específica de cada produto no plano nacional. É específica a prospecção e conquista do mercado para os seus bordados, a banana, os vinhos, as flores, os vimes ou os produtos hortícolas. Pode dizer-se, de certo modo, que tem a sua balança comercial própria - o dinheiro que entra vindo dos emigrantes, das exportações ou do turismo e o que sai pelas importações e colocação no estrangeiro de rendimentos e lucros.
Ora acontece que o arquipélago, sendo por fatalismo geográfico-económico o tal pequeno país sobrepovoado a que me venho referindo, não tem a sua economia estruturada nesse sentido.
A próxima visita do Sr. Ministro da Economia à Madeira é segura esperança de que o estudo dos seus problemas económicos vai ser realizado e equacionado. São eles numerosos:
1) A reestruturação da agricultura e sua mecanização;
2) O regime sacarino em face do deficit crónico da produção de açúcar, da não ampliação das zonas de plantio e da sua importação antieconómica;
3) A exportação, comercialização, transporte, armazenamento em Lisboa e distribuição da banana;
4) A construção de silos para cereais;
5) O problema dos intermediários em certas importações, como as do azeite;
6) O fomento pecuário difícil na Madeira e mais fácil, embora irregular, no Porto Santo;
7) O fomento da avicultura;
8) A comercialização dos produtos agrícolas e disciplina dos seus preços;
9) A revisão e redistribuição das taxas alfandegárias locais;
10) A criação de um organismo coordenador a nível distrital, orientador de actividades, com seus serviços de estatística, informação, assistência especializada e prospecção dos mercados externos e internos.
E concluo esta parte: o desenvolvimento turístico que se desenha obriga à planificação e coordenação da economia da Madeira - caso à parte na economia nacional pela sua insularidade, pletora populacional e condições económicas próprias.
Vejamos agora de relance a actual situação e apetrechamento turístico da Madeira. Em Outubro de 1963 havia em hotéis e pensões 772 quartos e 1411 camas e em pensões residenciais recentes 18 quartos e 35 camas, o que totaliza 780 quartos e 1440 camas. Na esteira das tradições e da vocação turística madeirense desenha-se no sector privado um movimento interessante: o apetrechamento de quartos e apartamentos para turistas em residências particulares. Estão a adaptar-se algumas quintas e outros edifícios a apartamentos, residências e pensões residenciais para turistas. Encontravam-se em Outubro de 1963, funcionando em residências particulares, 105 quartos, com 208 camas, e dentro de poucos meses começarão a funcionar mais 250 quartos, com 493 camas. Pode-se assim estimar que a máxima capacidade hoteleira da Madeira atingirá em breve 1135 quartos e 2347 camas. Em 1962 a capacidade do continente e ilhas adjacentes era de 38 812 camas.
Anote-se, assim, que este interessante exemplo regionalista, devido à iniciativa particular, contribuirá muito em breve para um aumento de 45 por cento em quartos e de 48 por cento em camas em relação aos efectivos anteriores. Alguns destes números, obtidos através dos relatórios da delegação de turismo local, apresentam ligeiras diferenças com os que se mencionam no quadro n.º 33 do trabalho Subsídios para Uma Análise da Oferta e da Procura, do Dr. Alfredo Magalhães, promovido pelo Gabinete de estudos do S. N. I., diferenças que não modificam o aspecto do conjunto. Por este trabalho verifica-se, em relação a 1962, que há um grande predomínio nos hotéis de 1.ª classe (969 camas) sobre os de 2.ª e 3.ª classes, que totalizam 306.
A percentagem dos quartos com banho é de 41 por cento, muito superior à, dos estabelecimentos hoteleiros do continente, onde é de 33 por cento. Tem aumentado nos últimos anos esta percentagem de quartos com banho e diminuído a dos sem banho, o que significa, melhoria
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de condições do recepção. Em 1000 as diárias indicadas pelos hotéis acusam um aumento de 32 por cento em relação no ano anterior, aumento que se vem acentuando nitidamente a partir de 1961, a que corresponde a abertura do aeroporto de Porto Santo em Agosto de 1960:
Diárias declaradas
pelos hotéis
1956 ........................ 133 054
1957 ........................ 342 767
1958 ........................ 111 748
1959 ........................ 113 067
1960 ........................ 112 047
1961 ........................ 123 404
1962 ........................ 148 066
1963 ........................ 195 613
Não possuo elementos seguros para calcular a taxa de ocupação dos hotéis da Madeira Se para 1963 incluirmos as 208 camas de residências particulares já em funcionamento, adicionando-se às 1446 de hotéis e pensões, obtemos uma taxa não muito baixa (37 por cento), que melhoraria se as referidas residências não funcionassem durante todo o ano. O turista de estada média - entre 15 dias e 1 mês - interessa mais que o de longa estada, o qual dá menos movimento nos hotéis e aos transportes.
Das diárias dos hotéis ressalta a irregularidade e relativa estagnação do movimento hoteleiro, que só melhorou nos últimos dois anos. nos quais se registaram aumentos de 20 e 32 por cento, respectivamente, em relação ao ano anterior.
Escapam as causas dessa irregularidade. É possível que a descida que vai de 1957 a 1960 corresponda à suspensão das carreiras da Aquila, o desastre da Artop e a suspensão definitiva das carreiras aéreas com hidroaviões. A abertura do aeroporto do Porto Santo e a entrada do navio Funchal em carreira, ambos em 1960, explicam as subidas a partir de então.
Tende a diminuir desde 1957, em que atingiu o máximo dos últimos doze anos, o número de passageiros desembarcados de navios, como se verifica no mapa a seguir:
Passageiros
1957 ............... 9435
1958 ............... 7657
1959 ............... 8429
1960 ............... 7451
961 ............... 6902
1962 ............... 7297
1963 ............... 7021
Parece isto corresponder à tendência crescente para os turistas viajarem de avião:
[Ver Tabela na Imagem]
Agosto tem sido o mês de ponta do tráfego aéreo, sobretudo pelo afluxo de franceses, seguido de Julho, Dezembro e Setembro, respectivamente.
Por outro lado, verifica-se aumento progressivo no número do passageiros em trânsito, pela via marítima, nos últimos cinco anos. o que salienta a importância que tem de dar-se ao turismo de passagem:
Número de passageiros
em trânsito
1959 ....................... 166 230
1960 ....................... 179 779
1961 ....................... 189 350
1962 ....................... 202 105
1963 ....................... 225 530
Manteve-se de 1962 para 1963 quase estacionário o movimento de entradas de navios no porto, mas vinha lentamente subindo desde 1957 (713 navios), atingindo 1016 em 1963.
O porto, cuja 3.ª fase esperamos ver efectivada, permitirá, com a sua instalação de óleos à navegação, uma campanha de propaganda junto das companhias de navegação estrangeiras para que o Funchal volte a ser lugar de escala para algumas carreiras permanentes e para excursões e cruzeiros de turismo. Para isso, interessa completar o apetrechamento do porto e seguir uma política portuária que facilite e torne econòmicamente favorável, em relação a outros portos, a acostagem de navios. Embora cada vez mais os turistas prefiram o avião ao navio, há ainda milhões de turistas, sobretudo ingleses, que não viajam de avião.
As principais nacionalidades a que pertencem os turistas vindos à Madeira são:
[Ver Tabela na Imagem]
Os Suecos, que constituem o grupo mais recente, ocupam os estabelecimentos hoteleiros mais modestos. Viajam quase na totalidade de avião, seguidos de perto pelos Franceses e pelos Alemães. Os Americanos utilizam em cerca de 30 a 40 por cento a via marítima e os Ingleses usam-na ainda duas vezes mais do que a aérea, tendência que vem a diminuir. Com efeito, em 1961 foi de 7 por cento o número de turistas ingleses que vieram de avião, 22 por cento em 1962 e 30 por cento em 1963.
Os Ingleses, que predominavam em absoluto no turismo da Madeira, representaram em 1963 apenas 41 por cento do total, em virtude do aumento dos outros contingentes, sobretudo dos Franceses e Suecos. São os de maior estada, e considerando a influência das 1400 agências de viagem britânicas e que 85 por cento dos Ingleses viajam através delas, é de aconselhar que se intensifique a propaganda junto das mesmas, sobretudo em relação aos meses de Maio e Novembro, os de menor ocupação hoteleira.
A soma de passageiros (nacionais e estrangeiros) desembarcados por via aérea e marítima pode dar-nos uma ideia da evolução do tráfego em conjunto:
[Ver Tabela na Imagem]
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Limitando este quadro aos estrangeiros, ternos a mais aproximada ideia acerca da evolução do número de turistas estrangeiros entrados:
[Ver Tabela na Imagem]
Verifica-se um aumento de 36 por cento, em cada um dos últimos dois anos, no número de turistas entrados. Os 18 110 turistas de 1963 constituem, todavia, número quase irrisório para uma estância de turismo. A utilização da via marítima foi ultrapassada pela primeira vez, em 1963, pela via aérea, e terá ainda mais preferência quando abrir ao tráfego o aeroporto de Santa Catarina. Contudo, durante este último ano, cerca de 40 por cento dos turistas estrangeiros vieram por mar.
Daí a importância que teriam viagens regulares por um navio português, pelo menos durante o Inverno, no circuito Inglaterra-França-Lisboa-Madeira-Canárias ou Inglaterra-Madeira-Canárias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Chego assim, Sr. Presidente, ao último capítulo da minha intervenção, e poderia intitulá-lo: perspectivas, aspirações, possibilidades e elementos equacionáveis do turismo madeirense. Com ele pretendo fornecer uma achega ao trabalho em realização por ilustres técnicos do Secretariado Nacional da Informação sobre a Madeira, paralelo ao estudo preliminar do plano de valorização turística do Algarve, já concluído, dando ao mesmo tempo à Assembleia Nacional notícia das reservas que constituem, esse desbaratado tesouro que é a capacidade turística da Madeira e das suas possibilidades de utilização para bem do homem madeirense.
1) O problema mais imediato e premente: vai inaugurar-se o aeroporto do Funchal e não vemos subir as paredes de nenhum novo hotel. Atrasámo-nos mais uma vez, enrodilhando-nos na teia das grandes preparações burocráticas, prudentes hesitações e dificuldades de verba. Poderemos partir ao encontro dos turistas com o máximo de 2000 camas, incluindo pensões e a comparticipação das residências particulares a que me referi. Não quero adiantar-me aos técnicos, mas parece-me que tudo o que seja ir para o plano de desenvolvimento turístico de 1964-1968 com uma programação inferior a 5000 camas corresponde a prever volume de turismo com insuficiente expressão económica. Se no plano de desenvolvimento turístico do País se calcula um aumento de 17 por cento anual de movimento turístico, para a Madeira a oferta ficará sempre muito aquém da procura.
Dos 3 milhões de contos previstos como necessários para o plano de desenvolvimento turístico (2 milhões dos quais para investimento hoteleiro), quanto se calcula que deve atribuir-se à Madeira e qual a distribuição desses investimentos no tempo?
Desse total, em quanto se estima e até onde se admite que chegue a contribuição do Estado neste caso da Madeira, que parece ter direito a electiva prioridade? Na Madeira, onde a rápida valorização dos terrenos pode constituir um perigo para este efeito, não se constrói e põe a funcionar um hotel em menos de três a quatro anos. Para começar a construí-lo é preciso um anteprojecto, um projecto, aprová-los sucessivamente, comprar terrenos, e então começar a erguer-lhe as paredes.
Como perspectivas mais ou menos imediatas cito o Hotel Savoy, que começou já, ou vai começar, a sua ampliação para mais 300 hóspedes; a Sociedade Soturna, com 1.ª fase de um hotel de 2.ª classe ainda por adjudicar, representando 100 camas a aumentar posteriormente; um hotel para 400 hóspedes, na fase ainda de anteprojecto, da Companhia Inglesa de Aviação B. O. A., iniciativa dependente de facilidades no tráfego aéreo pedidas por aquela Companhia e em estudo no Ministério das Comunicações. Estas sociedades possuem já terreno para a construção. Admitindo-se a adjudicação do jogo, prevê-se ou pressupõe-se a construção de um hotel pelo concessionário que podemos estimar em 300 camas.
Iniciativas de pormenor vão surgindo, mas de limitada expressão numérica, como a readaptação do velho hotel de montanha, o Monte Palace Hotel, há muito fechado, com cerca de 40 quartos, o seu frondoso parque, o seu lago-piscina e a sua situação maravilhosa no anfiteatro do Funchal, que um hoteleiro a quem a Madeira muito deve vai aproximadamente fazer reviver. Estas pouco sólidas perspectivas não irão além de 1200 camas, a funcionar, na melhor das hipóteses, num período que irá de três a cinco anos. Adentro da modesta perspectiva que aventei como hipótese, há a construir hotéis no valor de 1700 camas.
Fazer conveniente, propaganda no estrangeiro das facilidades e apoio concedidos pela nossa legislação à construção e apetrechamento hoteleiros; atribuir fundos suficientes para financiamento, indo ao encontro de iniciativas e candidatos que se desenharam ou desenhem; assistir-lhes tècnicamente, aplanar-lhes os caminhos burocráticos, que desnorteiam por vezes os estrangeiros, encurtar o tempo das operações prévias - eis alguns objectivos imediatos.
Parece-me, todavia, como já o disse, que na nossa revolução turística tem de ir-se mais além nos investimentos por parte do Estado e até em novas medidas legislativas. É o caso de dar capacidade jurídica às autarquias e outros organismos - sem esquecer a previdência - para construir hotéis e outras estabelecimentos de carácter turístico (piscinas, pousadas, centros de acolho, restaurantes, etc.).
É incontestável que o turismo permanente localizar-se-á no Sul da ilha. Dadas as suas condições climáticas e a valorização do terreno que ali já se esboça, parece-me que é de aconselhar, desde já, a delimitação de uma zona de interesse turístico entre o Funchal e Câmara de Lobos, onde uma empresa de economia mista, género ainda não ensaiado em Portugal, de modelo aproximado ao que se utiliza em França, encontraria uma activa, sólida e fomentadora colaboração do Estado com a iniciativa privada.
O slogan turístico dos nossos dias «sun, sand, sea» e a tendência que representa indicam que se multipliquem as piscinas com pequenos restaurantes ou snacks-bars ao longo da beira-mar do Sul da ilha, do Caniçal à Ribeira Brava, aproveitando as reentrâncias da costa ou apoiando-as nos rochedos, como se fez em Porto Moniz e em Ponta Delgada. E que a Madeira tem a sua grande praia de areia fina e amarela ... no Porto Santo. Eis um campo aberto às iniciativas locais de municípios e outros organismos.
2) Há necessidade, Sr. Presidente, de o Governo definir uma política de tráfego aéreo para a Madeira. Impõem-se num primeiro período de propaganda facilidades de trá-
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fego turístico, considerada u distância da ilha aos grandes centros do mercado turístico, repercutindo-se no custo dos transportes, e ainda o condicionalismo do aeroporto do Funchal com duas pistas, uma em cada ilha. Há ainda que anular a antipropaganda que representou a falta de um porto de abrigo em Porto Santo e os percalços marítimos de todos conhecidos, obrigando a estada forçada de turistas nesta ilha. Cite-se ainda, a este respeito, o Prof. Krapf:
Não é segredo dizer que a travessia marítima (Porto Santo-Madeira), por um braço de mar geralmente agitado, levou algumas agências de viagens a eliminar dos seus programas a visita à Madeira, em benefício das ilhas Canárias, acessíveis directamente pelo ar.
Essa política de tráfego aéreo tem de orientar-se no sentido da «liberalização», como aconselha b Prof. Krapf, que mais uma vez cito:
É de prever que uma grande parte dos turistas, sobretudo do turismo de grupo, procurarão, por razões de economia, viagens de charter e não utilizarão os serviços aéreos regulares. Eis porque nós, os peritos, recomendamos uma «política aérea liberal» susceptível de facilitar íi vinda de serviços charter. Observe-se que os turistas frequentadores destes voos não utilizam geralmente os serviços regulares, preferindo renunciar à viagem aos países que põem entraves ao serviço charter. O exemplo das ilhas Baleares, cujo êxito turístico prodigioso se apoia principalmente sobre o charlei, mostra claramente a utilidade de uma política aérea liberal.
Aliás, se quisermos ser modestos colegas, porque vizinhos das Canárias e do seu turismo, em face do seu porto franco, teremos de começar por fazer do nosso aeroporto, nos primeiros anos pelo menos, uma espécie de aeroporto franco, autorizando carreiras internacionais e voos de fretamento e excursão (charter) sem preocupações de reciprocidade, simplificando as formalidades de concessão e as despesas portuárias, que demoram e fazem por vezes desistir os interessados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O aeroporto do Funchal tem de ser de certo modo o cartaz da Madeira, ilha cheia de novidade para as agências de viagens à procura, de novas ilhas turísticas. E ela situa-se a poucas horas de Paris, Londres, Estocolmo e a pouco mais de uma hora dê Lisboa.
Tem de considerar-se - há que não esquecê-lo - o papel complementar de Porto Santo como estância turística de estação que pode atingir quatro a seis meses no ano. A arrojada iniciativa que representa a construção de um hotel nesta ilha, o qual é hoje apoio indispensável ao seu tráfego aéreo, a concepção que ele representa e a experiência que já conta são de considerar-se na programação turística da referida ilha.
A extensa praia de areia fina de suave declive, sol, mar límpido, onde é fácil a pesca desportiva e a pesca submarina, as uvas de mesa tão apreciadas, a água mineral, largamente usada na Madeira, não são de desprezar no turismo do arquipélago.
Na programação turística de Porto Santo há que considerar a necessidade de um pequeno bureau turístico, de um café-restaurante ou snack-bar junto à praia, a valorização paisagística dos seus moinhos de vento, a replantação de videiras, já que as suas uvas estão a diminuir progressivamente, e o estudo do valor termal das suas águas, porque o termalismo voltou a ser um precioso apoio do turismo.
É de efectuar o estudo, por técnicos especializados, da transformação do Porto Santo em estância termal.
Adentro do planeamento do tráfego aéreo, no que respeita ao turista americano, saltitante e apressado, querendo em cada viagem de férias passar curtos períodos em vários locais, haveria que considerar o triângulo turístico Algarve-Madeira-Canárias e regiões turísticas que podem apoiar-se mutuamente nesse género de turismo. Sugere-se, pois, o estudo da hipótese de ligações directas Madeira -Faro, como as que já há Porto Santo-Canárias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O tráfego aéreo Funchal-Porto Santo em excursões com pequena estada nesta ilha, em voos de charter, é de importância, se se seguir uma política de preços módicos.
Sr. Presidente: na sua crónica do último domingo, Leitão de Barros, o burilador requintado de filigranas jornalísticas, volta a falar da valorização do património arqueológico da Madeira e, em volta disso, faz sugestões de grande interesse. Com efeito, o edifício da antiga alfândega, com seu tecto manuelino e sua situação junto ao mar, a antiga fortaleza filipina do Castelo do Pico, a fortaleza de Santiago, adaptável a clube naval do Funchal - o que bem podia cometer-se à Junta Autónoma dos Portos do Funchal -, e a adaptação das famosas quintas da Madeira a pensões residenciais, eis motivos aliciantes de programação turística. Este clube naval, centro de pesca e marinha desportivas, constitui já um núcleo importante; deveria ter instalações de apoio no novo porto de abrigo de Porto Santo.
Há ainda que completar o arranjo da Praça do Município, de grande beleza arquitectónica, libertando as arcadas do Paço Episcopal, no lado sul. E as igrejas do Funchal? O que há a fazer na iluminação indirecta do seu exterior e dos seus interiores, dos seus valiosos azulejos e altares e dos formosos arabescos das naves da catedral! Impõe-se a instalação digna num dos vetustos edifícios da cidade do arquivo distrital, com seus preciosos documentos antigos, a valorização do Museu de História Natural, possuidor de um recheio e de um técnico de excepcional valor, a ampliação do aquário, que poderia exibir a fauna dos mares da Madeira. Este aquário, a situar numa zona turística como a das Quintas do Estado, a velha alfândega ou junto ao futuro clube naval. A valorização da Casa-Museu da Quinta das Cruzes e do Museu de Arte Antiga, onde podem admirar-se alguns valiosos quadros flamengos - tudo isto interessa ao turismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se nos voltamos para os aspectos culturais do turismo, porque ele deve servir o homem madeirense, elevando-lho o nível económico e espiritual, parece ser a hora de articular ao plano turístico a solução de alguns dos seus problemas educacionais, considerando a tendência descentralizadora usada em relação ao Funchal resultante da especificidade dos seus problemas e da sua insularidade. Consiste esta na centralização local coordenadora desvários serviços de educação e cultura, na ampliação do ensino infantil, na estrutura de quadros estáveis do corpo docente de ensino secundário, liceal e técnico, promovendo e facultando o estágio para professores como nos liceus normais, estágio controlado pelos órgãos superiores.
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É aflitiva a instabilidade do professorado do ensino secundário do Funchal, dado o custo de vida na ilha. Os licenciados que ali vão preencher as ocasionais vagas de professores adventícios, provisórios ou agregados procuram regressar aos estabelecimentos escolares do continente na primeira oportunidade.
37,9 por cento dos alunos que concluem a instrução primária matriculam-se no ensino secundário, percentagem que só é ultrapassada pelos distritos de Lisboa e Porto. Acrescente-se a experiência a fazer de um esboço de Estudos Universitários na Madeira, réplica aos Estudos Universitários Ultramarinos, numa tendência descentralizadora que se verifica noutros países, a qual vai de encontro à pletora das três Universidades e adentro das tendências que se observam noutros países. Haja em vista as Canárias, com a sua Universidade de La Laguna, em Santa Cruz de Tenerife, e a jovem Universidade de Lãs Palmas.
De começo, tal experiência podia limitar-se a um dos ramos do curso superior de Letras e a outro do curso superior de Ciências. O êxito do primeiro curso de férias da Universidade de Lisboa, que foi presidido pelo nosso colega Prof. Gonçalves Rodrigues, pode para tal efeito considerar-se uma útil prospecção.
Registe-se aqui a iniciativa florescente da Academia de Música e Belas-Artes do Funchal, com seus cursos de características universitárias em ligação com o Instituto Superior de Belas-Artes de Lisboa, que desloca anualmente à Madeira um júri de exames. Acentuem-se também os cursos recentes de estudos de grau médio-superior, que de início atingiram grande frequência (alemão, francês, inglês, italiano e língua e civilização portuguesas).
Sr. Presidente: diz o Sr. Dr. Paulo Rodrigues em relação à Madeira, no seu discurso, que «terá de considerar-se a melhor articulação entre os vários serviços que directa ou indirectamente interferem na recepção turística e a própria revisão dos órgãos e serviços locais de turismo». Criada a Delegação de Turismo do Funchal pelo Decreto n.º 26 980, de 1936, foi-lhe conferida competência de certa latitude no âmbito local. A Lei n.º 2802, de 1958, criou a «região de turismo» da Madeira, a ser dirigida por uma comissão regional de turismo, em que seria integrada a actual delegação, e a ser definida por uma portaria especial. Esta regulamentação, que ainda não foi feita, interessa que comporte - dada a importância da região constituída por um distrito autónomo insular - capacidade coordenadora e directiva de certo nível, permitindo-lhe interferência em todos os assuntos locais que tenham interesse turístico.
Sr. Presidente: no feixe de notas com que tenho apressadamente de terminar incluo a necessidade de criar-se uma escola hoteleira, iniciativa que se espera do Ministério das Corporações; a aprovação do plano de pousadas proposto superiormente; a instalação do posto regional da Emissora Nacional e da televisão, que é possível na Madeira com técnica especial, como o foi nas Canárias; a supressão de um ou dois bairros da lata que restam nos arredores do Funchal; a montagem de serviços telefónicos rápidos com os países estrangeiros; a ampliação dos quadros da Polícia de Segurança Pública, que não aumentaram nos últimos vinte anos, tão importante na sua secção de turismo e na repressão da mendicidade.
A luta contra a monotonia, ocupando e divertindo o turista - o que o Americano sobretudo exige -, deve ser um dos problemas a encarar, valorizando e aumentando os atractivos turísticos. Há algumas boîtes de nível e alguns bares nos hotéis de 1.ª classe. Falta um restaurante típico, a ser criado e subsidiado onde se dê predomínio à cozinha e ao folclore madeirense, e o casino, com o jogo de fortuna e azar, que interessa sobretudo pelos investimentos iniciais em estabelecimentos hoteleiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto u sugestão do Prof. Krapf no que respeita a Câmara de Lobos, poderia com investimentos suficientes fazer-se dali uma segunda praia da Nazaré, cheia de pitoresco, com a sua baía de recorte característico e a sua paisagem tão original.
Obrigaria isto a um estudo de conjunto do problema habitacional e psicossocial do aglomerado piscatório daquela vila, e do seu relativo subdesenvolvimento, e a uma, campanha que se lhe seguisse, em que o sector assistencial e corporativo convenientemente dotado, interviesse a fundo, transferindo-se até para outros locais de trabalho um certo número de famílias de pescadores.
As ligações aéreas permitirão a vinda de artistas de variedades por períodos curtos e renovando-se com frequência. O desenvolvimento do sky aquático, moto-náutica, vela e outros desportos náuticos, a criação do clube de golf e mais campos de ténis serão necessários.
Junte-se a isto a consciência a criar nos industriais hoteleiros para se organizarem no sentido de facultarem jogos e divertimentos aos seus hóspedes, a organização de festivais folclóricos no género da Festa da Vindima, levada a efeito em 1963 pela delegação de turismo, e de certames desportivos internacionais, como os já levados a efeito em automobilismo e yatching. A importância como fonte de divisas do turismo de passagem (cerca de 225 000 passageiros em 1963) obriga que se o considere nos seus diversos aspectos e sobretudo no dispositivo e roteiro de excursões a preços fixos, utilizando não só autocarros, mas táxis, o que permite maior capacidade de emprego para os motoristas. Os roteiros de excursões organizados e orientados pelos serviços de turismo por forma a facultar a visita aos locais de maior interesse turístico com tempo de duração previsto teriam alternativas obrigatórias para a hipótese de haver nebulosidade nas montanhas e serem substituídos por outros no litoral. Os serviços meteorológicos informariam os serviços de turismo três vezes ao dia das condições climatéricas nos diversos pontos da ilha.
Há que acelerar a repavimentação das velhas estradas, abrir estradas de montanha para os locais pitorescos do interior e caminhos de acesso directo aos centros de produção agrícola, auxiliando-se a Junta Geral e aumentando as verbas aos serviços florestais para poderem concluir e melhorar algumas de grande interesse turístico que estão construindo; criar parques de campismo em moldes modernos. Cite-se a beleza dos miradouros e veredas turísticas de montanha já concluídos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Refira-se a actuação da Junta de Colonização Interna, nos créditos para a divisão pelos colonos de alguns grandes prédios agrícolas e nos investimentos para a modernização de métodos agrícolas e para a nascente indústria de floricultura, já que a Madeira, com carreiras regulares de aviões, poderá ser «a estufa de flores da Europa».
Além do plano de pousadas, haveria que amparar e subsidiar as casas de chá e restaurantes fora do Funchal, alguns dos quais fecharam por insuficiente movimento, estudar a adaptação a centros de apoio e motéis de algumas casas de abrigo situadas em lugares pitorescos no interior da ilha.
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Acrescente-se a vantagem em alargar as isenções ou redução de encargos na importação de certos produtos para a alimentação de aves e gado bovino e outros destinados aos hotéis ou relacionados mais ou menos directamente com o turismo. Alguns são habitualmente importados do estrangeiro, porque de mais baixo preço e melhor qualidade (lagosta, peru, carneiro, etc.).
Interessava para defesa de divisas que fosse importado tanto quanto possível do continente português aquilo que a Madeira não produz em quantidade suficiente.
Refere o Sr. Dr. Nunes Barata que em 1961 o nosso turismo passivo correspondeu a cerca de 511 000 contos saídos do País. Centenas de milhares de portugueses viajam em cada ano, e, todavia, se muita gente no continente conhece Paris, muito pouca vai à Madeira. Excursões de navio, voos de tipo charter em série realizados pela T. A. P. a baixos preços nos meses de menor movimento turístico, excursões de turismo social, eis algumas sugestões para valorizar o nosso turismo interno, para o qual interessam sobretudo hotéis de 2.ª classe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente, fazendo votos para que do Plano de desenvolvimento turístico da Madeira resulte:
1) A planificação e coordenação económica da Madeira paralelamente ao estudo do seu planeamento turístico;
2) A construção e apetrechamento da hotéis a ritmo acelerado, tomando-se medidas de apoio complementares da legislação existente, e propaganda no estrangeiro acerca da Madeira, dessa legislação e dessas medidas. Que se considere o necessário equilíbrio entre hotéis de 1.ª classe e de turismo médio;
Vozes: - Muito bem!
O Orador:
3) Que se estimule e subsidie a adaptação de «quintas» e a construção de apartamentos e residências turísticas, elementos importantes enquanto se não edificam novos hotéis;
4) Que se solucione o problema do jogo;
5) Que se instale o posto da Emissora Nacional, se encare a possibilidade da televisão na Madeira e se amplie a ligação telefónica directa entre a Madeira e o estrangeiro;
6) Que sejam aumentados os efectivos de Polícia de Segurança Pública, insuficientes em relação às necessidades turísticas;
7) Que seja definida uma política de liberalização de tráfego aéreo;
8) Que o Porto Santo seja considerado um complemento turístico da Madeira, e como tal enquadrado no seu plano de desenvolvimento turístico ;
9) Que seja dada a conveniente prioridade à Madeira nos investimentos do Plano de desenvolvimento turístico nacional;
10) Que sejam utilizados para fins turísticos alguns edifícios antigos e antigas fortalezas na posse do Estado, construindo-se um aquário e criando-se uma escola hoteleira;
11) Que sejam estudadas providências no sector educacional orientadas no sentido atrás exposto;
12) Que um conjunto de obras públicas atrás sugerido, a realizar aceleradamente, valorize o interior da ilha como o seu litoral, utilizando os elementos existentes e completando-os com outros novos;
13) Que seja estimulado o turismo interno no sentido de os Madeirenses poderem conhecer melhor o continente e os continentais melhor a Madeira.
E termino, Sr. Presidente, com uma frase que não é minha, mas de um homem que, não tendo nascido na Madeira, cantou a epopeia da sua gente e a beleza da sua paisagem:
É preciso que nos debrucemos enfim num gesto caloroso de solidariedade humana, de compreensão e enternecida simpatia sobre a Madeira, que moureja porfiadamente para ter mais terra o para que dessa terra venha brotar mais pão.
Já não há mais terra a arrotear, Sr. Presidente. Que do turismo brote pão para a população madeirense.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: por me parecer que o problema do turismo em Moçambique é da maior acuidade, tencionava dedicar-lhe algumas palavras numa breve intervenção antes da ordem do dia.
O presente aviso prévio veio, porém, dar-me uma dupla oportunidade para me referir a alguns dos problemas directamente ligados ao turismo, referentes tanto à metrópole como a Moçambique.
É assunto que suscita o maior interesse de quantos acompanham a marcha do desenvolvimento do País e encontra, sem dúvida, a maior oportunidade.
De facto, sendo o turismo uma indústria tão importante, que numa grande parte dos países ocupa os principais lugares relativos aos valores das receitas arrecadadas, bem merece o turismo português, quer no continente, nas ilhas ou no ultramar, que lhe dediquemos a nossa maior atenção, dando-lhe o relevo que merece e o lugar a que tem jus, em face das enormes possibilidades que a Natureza nos oferece.
Antes, porém, de expor as minhas muito despretensiosas considerações que compõem esta minha intervenção, a que mais logicamente deverei chamar apontamento, desejo deixar aqui uma palavra de homenagem ao autor deste aviso prévio, o ilustre Deputado Sr. Dr. Nunes Barata; a quem esta Câmara muito deve dos seus bem estruturados trabalhos aqui apresentados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: num país tão privilegiado como o nosso, onde a Natureza é tão pródiga que convida o Verão a vir passar o Inverno a Portugal, oferecendo-nos dias tão radiosos como os que apreciámos durante ,todo o mês de Janeiro, deitando por Fevereiro fora, num espectáculo maravilhoso de luz e de sol que causa a admiração e inveja de quantos nos visitam, há que tomar medidas urgentes e enérgicas no sentido de se aproveitarem mais e melhor os vastos recursos de que dispomos, dando uma arrancada sem par neste sector da vida portuguesa de tão grandes perspectivas para o nosso país.
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Tudo nos indica que devemos multiplicar o mais breve que nos seja possível a afluência turística vinda de além-fronteiras, por ,ser a que mais interessa ao País, tanto económica como politicamente, já pela posição favorável que se regista na entrada de divisas e ainda também pelo muito que a nosso favor pode contar no campo político um maior conhecimento dos elementos primordiais que alicerçam a história de um povo que soube dar novos mundos ao Mundo e que se orgulha também, muito legìtimamente, de dar lições em matéria de civilização, como a que estamos oferecendo nas nossas províncias ultramarinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas para que o fomento de turismo em nível elevado como o que se pretende possa ser efectivado há que proceder-se a uma programação em forma, racional, inteligente e realista, da qual não poderão deixar de fazer parte obras que compreendam uma maior gama de atracções turísticas paralelamente a uma propaganda no exterior, que deverá ultrapassar os limites da Espanha e da França, onde muito pouco ou nada se sabe dos encantos e valores turísticos de Portugal e muito menos se sabe quanto aos seus baixos preços, nos quais abrangemos os hotéis e restaurantes, que, sem receio de desmentido, são os mais baixos do Mundo e de qualidade em nada inferiores aos do estrangeiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os valores e as belezas de Portugal nos seus vários aspectos, quer histórico, museográfico, paisagístico, etc., e o rico e variado folclore, tão apreciado pelo estrangeiro, carecem de melhor posição, que lhes conceda maior relevo no cartaz turístico de que hoje fazem parte e que tem honrado, brilhantemente, não só o País como todas a iniciativas, tanto oficiais como privadas, que lhes tem dedicado o melhor do seu saber e do seu carinho, dignos dos maiores louvores.
Impõe-se, além do muito que está por certo no programa e no espírito de quem dirige a vida turística do País, e o tem feito sempre com o maior brilho, dedicação e saber, dignos das nossas homenagens, a ampliação do número de hotéis, sem ostentação, mas funcionais e a preços acessíveis a um turismo de nível médio, por ser esse que mais se movimenta em todo o Mundo e que por certo mais acorre a Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A construção de novas pousadas ou estalagens e a ampliação do número de quartos das pousadas já existentes são obras que não podem esperar, pois se está a afugentar determinado número de turistas que em certas épocas do ano são obrigados a modificar o seu programa e, consequentemente, a desviar o seu rumo por não conseguirem alojamentos nas tão conhecidas e muito apreciadas pousadas portuguesas, a que António Ferro, tão dedicadamente, se devotou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há, na realidade, muitas obras e até pequenos nadas que muito poderão concorrer para o enriquecimento do nosso turismo, se delas deitarmos mãos sem delongas, para que as oportunidades, nos não fujam por entre os dedos, escoando-se pelo horizonte fora em rumo para além-fronteiras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me não ser descabida a ideia da criação de um clube de turismo em Portugal, à semelhança dos que existem lá fora, cujo objectivo principal seria um intercâmbio cultural de carácter turístico com os restantes clubes do Mundo e até de facilidades dos respectivos sócios nas visitas aos vários países.
De certo modo se faria, automàticamente, uma constante propaganda em todo o Mundo, que se torna bastante necessária, pois a ignorância de certas partes do Mundo a nosso respeito é tão grande, como eu próprio tenho constatado, que há lá fora quem leve o seu analfabetismo ao ponto de julgar que Portugal é uma simples província de Espanha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De algumas obras já existentes, directamente ligadas ao circuito turístico, como, por exemplo, o célebre Casino do Estoril, que ocupa um dos principais lugares turísticos do País, que apresenta um aspecto desolador e pouco dignificante, merece em seu lugar um edifício próprio e ao nível de um país que tem as suas tradições honrosas e que pretende criar, através do turismo, uma das suas principais fontes de receita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Algarve, centro turístico por excelência, clama por obras urgentes para além das que se encontram em curso e planeadas. As suas praias, de grande beleza, a que a transparência e amena temperatura das suas águas eleva o seu valor, e o mar, de uma fauna tão rica e propícia ao desenvolvimento da pesca desportiva, tão em voga, exigem aproveitamento rápido para acolhimento de muito maior número de turistas que ali encontram um verdadeiro paraíso para passar as suas férias.
Ao invocar o Algarve como centro de turismo por excelência seria ingrato se não lembrasse também a linda e sui generis região de Aveiro, com os seus sinuosos e profusos canais e ria pitoresca, que nos fazem lembrar Veneza! Os seus característicos barcos moliceiros, emoldurados pela ria de um mar de prata, compõem uma paisagem deslumbrante que jamais desaparece da nossa retina. Região de inconfudível valor paisagista, não pode deixar de ter lugar de relevo no quadro turístico português.
Sr. Presidente: por chamar a minha atenção um artigo que li há pouco sobre o perigo que ameaça o brilho das touradas em Portugal far-lhe-ei uma leve referência, por me parecer oportuno.
Espectáculo de tão grande cartaz turístico, que tanto interesse suscita pela arte e valentia dos seus operadores, merece uma especial atenção de quem de direito, pois parece estar a decair por se exportarem touros bravos para França e Espanha, sem uma contrapartida na importação, o que, segundo o artigo, concorre grandemente para um enfraquecimento das touradas portuguesas, se medidas adequadas não forem tomadas.
Aqui me permito pedir a atenção para este problema que respeita a um atractivo de grande projecção no turismo português.
O turismo em Portugal requer uma política à altura das nossas tradições, numa maior mentalização, que deve começar pelo mais alto ao mais baixo servidor e deverá
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estar sempre presente em cada português, numa cortesia que é devida a quem nos visita e que foi sempre apanágio dos Portugueses.
Dessa política e mentalização em favor da corrente turística estrangeira faz parte também a nossa encantadora paisagem, a que as vilas e aldeias dão encanto pitoresco, sobretudo quando o brio e orgulho dos proprietários do casario, a que não deve ser estranha a presença de um incentivo camarário, são postos à prova, num esmero inexcedível no aspecto domingueiro que as suas casinhas apresentam, sempre donairosas, compondo um quadro de rara beleza paisagística portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse encanto que serve de cenário belo aos nossos olhos na paisagem minhota, algarvia e alentejana, onde as casinhas das regiões se apresentam sempre vestidas de gala, o que dá ao turista uma impressão deveras agradável que muito nobilita o povo e o próprio País, vai-se infelizmente perdendo em triste e desolador contraste com o que se vê pelo Vale do Vouga fora, na maior parte das vilas e aldeias, que ao brigo das estradas e ruas principais apresentam um aspecto triste, a que mais pròpriamente deverei chamar de desmazelo, parecendo que não há interesse em alindar a terra onde se vive e que a ela não chega a acção das juntas de freguesia e das respectivas câmaras municipais.
As juntas de turismo teriam aqui importante papel a desempenhar, desenvolvendo uma acção benéfica, se não carecessem de personalidade administrativa e de meios que lhes possibilitem a actividade para que foram criadas.
É inegável que temos enormes possibilidades de fazer turismo a um nível verdadeiramente nacional e que necessitamos de acompanhar o ritmo do desenvolvimento turístico dos países vizinhos, cujo crescimento se regista de dia para dia.
A programação para se conseguirem tais fins não carece nem de vontades, nem de dinamismo, nem de técnica importada, pois em matéria de turismo o que se encontra já feito honra bem a nossa técnica e toda a iniciativa, quer estadual, quer privada.
O que na realidade parece existir, e isso terá de ser vencido a todo o custo, por constituir um verdadeiro entrave ao progresso turístico, é a falta de disponibilidades financeiras para se poder cumprir num curto espaço de tempo um programa de tão vastas proporções como o que se preconiza e é mister realizar.
As exigências orçamentais a que a defesa da nossa integridade em África obriga contra a bem conhecida cobiça estrangeira, habilmente mascarada de um emaranhado de feições políticas, não nos permitem grandes largas em gastos noutros sectores deste género na vida do País.
Tudo indica, por isso, que nos devemos aproximar quanto possível das realidades, indo até onde a prudência o indicar na importação de capitais estrangeiros e aliciamento de capitais nacionais e ainda na concessão de explorações que interessam ao desenvolvimento turístico.
Numa grande parte das capitais de valias nações que se interessam por esta indústria se vêem empreendimentos de grande envergadura cujos capitais pertencem a nacionalidades diversas, e só assim o turismo tem ascendido, lá fora, ao mais alto grau.
Se soubermos e quisermos caminhar paralelamente a esses países, secundando-os no que de bom o turismo ali representa, daremos um grande passo na fomentação de uma indústria que nos interessa sobremaneira, tanto no seu aspecto económico, como no político e espiritual, que actuará como veículo nas boas relações humanas.
Sr. Presidente: a panorâmica turística de Moçambique enferma dos mesmos males metropolitanos, que bem se podem sintetizar numa grande falta de capacidade financeira que lhe vem tolhendo os movimentos e que será sempre o maior obstáculo a um grande desenvolvimento que se impõe.
As grandes perspectivas que toda a província nos oferece, de norte a sul, para a exploração de um turismo em mais elevado nível que conte grandemente na vida de Moçambique em todos os seus aspectos, quer económico, quer político e até espiritual, exigem de nós um esforço hercúleo, um arranque especial, um dinamismo à altura dos nossos dias, que deverá traduzir-se no aliciamento e importação de capitais estrangeiros e em concessões de vária ordem que interessem ao turismo, a empresas que nos dêem seguras garantias de idoneidade.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - Uma programação completa em toda a província, contando com os elementos já em actividade e com os restantes que se julguem necessários e ainda os que já se conhecem mas continuam em perfeito embrião, pré vendo-se as obras que podem ser suportadas pelo orçamento da província e a parte que deve deixar-se à iniciativa privada, é tarefa ingente a que devemos deitar mãos urgentemente, como passo principal do início de uma obra do mais alto interesse para Moçambique.
Não vamos encarecer nem especificar aqui, neste breve trabalho, como é óbvio, as condições excepcionais de que a província dispõe para um turismo rico, que pode desenvolver-se mais sobretudo através do desporto cinegético e da pesca desportiva de toda a gama, designadamente submarina, mas podemos afirmar, pelo que conhecemos, porque também sofremos dessas doenças, e pelas afirmações de consagrados caçadores e pescadores estrangeiros que conhecem quase todos os centros turísticos do Mundo, que Moçambique é um verdadeiro oásis, que só lhe falta uma exploração capaz e uma consequente e bem organizada propaganda.
Na programação que urge fazer-se tão breve quanto possível não poderá deixar de ter posição especial a picada aberta da Machava à Moamba para Ressano Garcia, que deverá converter-se ràpidamente em estrada de primeira ordem, para trânsito dos turistas sul-africanos, em cujo trajecto se poupam quarenta e tal quilómetros da fronteira a Lourenço Marques, ou seja uma poupança de quase 50 por cento em relação ao trajecto feito por Boane.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A actual estrada que serve a fronteira é bastante estreita, perigosa por tal motivo e ainda porque atravessa variadíssimas regiões de gado onde frequentemente se dão desastres.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O acabamento e asfaltagem daquela estrada é de absoluta necessidade para atrair a corrente turística que nos fins de semana visita o Krueger Park, na ordem dos milhares, e que uma vez encurtada a distância para Lourenço Marques não deixará de visitar a cidade de que tanto gosta. Saber-se que tal projecto encurtou aproximadamente 50 por cento tem influência psicológica no turista que se desloca de automóvel, e que é a maior parte.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Para além das muitas obras requeridas pelo desenvolvimento das várias atracções turísticas, impõe-se também a construção de hotéis e pousadas, consoante as varas necessidades, nos vários locais cujo valor turístico o justifique. Deve ter-se sempre em consideração que pelos vários pontos da costa de Moçambique o luxo nos hotéis e pousadas deve ser substituído por partes funcionais e cómodas, pois a superfluidade encarece o turismo e em nada interessa ao visitante, mormente ao pescador ou caçador, até ao paisagista ou urbanista, que preferem apenas higiene e conforto em contacto com as maravilhas que a Natureza lhes proporciona.
Alojamentos funcionais e a preços acessíveis, a par de acesso fácil e cómodo para os locais a que se destinam, como, por exemplo, pistas para acesso de aviões rápidos (pelo menos de turbo-hélice), são obras inadiáveis, se quisermos pensar a sério em turismo.
A protecção, através de subsídios, aos hotéis já existentes que fazem parte da cadeia turística e aos que venham a construir-se, a par de isenção de contribuição industrial, bem como a isenção de direitos aduaneiros de determinados artigos destinados às respectivas construções e isenção de taxas de água e energia eléctrica aos hotéis e pousadas que sejam considerados de primeira linha no turismo, são benefícios que não podem deixar de ser concedidos como incentivo de uma indústria que tanto interesse tem para o turismo.
O Hotel Polana, que serve de exemplo frisante, não constituiria hoje um valor de Moçambique se o Governo lhe não prestasse grande auxílio ao longo de alguns anos, através de um subsídio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fecharam já alguns hotéis em Moçambique e outros seguir-lhes-ão o caminho se não tiverem o necessário amparo, o que vem trazer sérios embaraços para acolhimento dos turistas, sobretudo na época das praias.
O Hotel Girassol encontra-se fechado há já bastantes meses. Hotel de características arrojadas, constituía um encanto dos Sul-Africanos, que representavam, por assim dizer, 90 por cento da sua clientela.
O actual proprietário, o Banco Nacional Ultramarino, não poderá dar-lhe destino diferente, sem correr o risco de prejudicar a vida turística da capital de uma província onde deve todo o seu ser ultramarino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A construção de um hotel em Porto Amélia é obra que tem de estar na ordem do dia, pois a sua falta representa o elemento principal para o desenvolvimento das suas praias, das mais lindas de toda a costa, e de uma fauna e flora que dão o melhor interesse ao pescador desportivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ali se pescam desde a barracuda até ao veleiro e marlim negro e azul, trofeus do mais alto valor para o pescador.
Esse hotel terá de ser feito com verbas orçamentais do Governo, uma vez que a iniciativa privada não se acha com capacidade, sobretudo porque lhe falta o elemento financiador, que de há tempos para cá, incompreensivelmente, tem restringido os seus créditos.
A cidade de Porto Amélia, a que a Excelsa Senhora Rainha D. Amélia quis ligar o seu nome e a que com propriedade podemos chamar a pérola da costa moçambicana, com uma luxuriante vegetação que muito a embeleza, tem a seus pés a mais rica baía de todo o território português, considerada a terceira do Mundo, onde se podem praticar todas as modalidades de desportos náuticos e se pescam todas as espécies que povoam o oceano Indico.
O Sr. Fernando Frade: - É exacto.
O Orador: - Não se pode, por isso, e porque o turismo pode vir a contar grandemente no orçamento do distrito, se olharmos para essa indústria com ânimo e perseverança, deixar que a falta de um simples hotel ou pousada esteja a dificultar o desenvolvimento da capital de um distrito de grandes possibilidades como é o de Cabo Delgado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No campo etnográfico o distrito de Cabo Delgado tem também certo interesse turístico.
Salientaremos, por exemplo, em breve síntese, a raça maconde, por possuir características especiais. Guerreiro e caçador por índole, o Maconde é artista nato.
Em trabalhos esculturais de arte gentílica muito apreciados, tem merecido os maiores louvores da crítica onde têm sido expostos, como, por exemplo, no Brasil, onde há pouco, por iniciativa do Governo-Geral de Moçambique, se fez uma interessante exposição da arte maconde e de conchas oriundas de Moçambique.
De tatuagem especial e dentes pontiagudos que lhe dão um aspecto verdadeiramente selvagem, mas de certa personalidade, o Maconde possui também um sentido apurado da música.
Digno dos maiores louvores, a Missão Católica de Nangololo (no planalto dos Macondes) instruiu um grupo de cerca de 200 crianças daquela raça, de idades entre os 7 e os 14 anos, que constitui uma maravilha inédita.
Em cânticos de igreja, num conjunto com tambores de batuque, que em descrição parece paradoxal e de certo modo chocante, este espectáculo é verdadeiramente maravilhoso, sublime e deveras emocionante.
E é tal o seu valor que, ao ser descoberto pelo Geografic Magazine (americano), logo para ali se deslocaram técnicos de cinematografia com aparelhagem sonora para registo de tão impressionante espectáculo.
A propósito, lembro-me bem da resposta que o cônsul belga em Lourenço Marques me deu, quando visitou esta Missão e eu lhe perguntei se tinha gostado do grupo coral dos Macondes.
Bastante emocionado, disse-me: «Nunca vi coisa mais bela!»
Em nada julgo exagerar nesta pequena descrição.
Acho que vale a pena mostrar esta maravilha, dentro e fora do País, para que o Mundo possa aquilatar de quanto é capaz a nossa capacidade civilizadora em África!
As companhias de navegação, que tanta colaboração têm prestado ao turismo de Moçambique, concedendo passagens a preços regulares para o cruzeiro do Cabo ao extremo norte da província, poderão aumentar esse auxílio, baixando ainda mais essas passagens e fazendo simultâneamente uma adequada propaganda.
Os espectáculos tauromáquicos na capital da província podem ser também bastante beneficiados através das companhias de navegação marítima, se estas lhes fizerem tarifas especiais para o gado transportado e para o respectivo pessoal que o acompanha. De igual modo, as companhias de navegação aérea podem também concorrer para
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o mesmo fim, concedendo passagens especiais aos toureiros que viajem de avião e se destinem a esses espectáculos. As touradas constituem um grande espectáculo, muito apreciado pelos visitantes sul-africanos, mas os seus preços não permitem grande afluência. As respectivas despesas, que são grandes, carecem de um corte razoável e, portanto, todo o auxílio deve ser prestado a este tão importante elemento turístico de Moçambique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A indústria de turismo, enquanto estivei-nos seus primeiros passos, terá de ter o auxílio de todos quantos possam concorrer para o seu desenvolvimento. Ao Banco Nacional Ultramarino, único banco português em Moçambique, cabe especial lugar no auxílio a conceder a esta indústria, tal como sempre o tem feito noutros ramos da vida da província, no sentido de concorrer para o progresso daquelas terras de além-mar.
Sr. Presidente: do conjunto turístico moçambicano não poderá deixar de fazer parte integrante a exploração do jogo, especialmente nos centros de Lourenço Marques e Beira e até noutros pontos da costa, onde a afluência turística o justifique.
Devo confessar que não compreendo um turismo bem organizado que não integre um certo número de atracções nocturnas, onde funcionem os vários jogos de azar que conhecemos em todo o Mundo e até na metrópole.
Um casino onde seja permitido o funcionamento do jogo foi sempre considerado uma verdadeira fonte de riqueza, donde nascem as divisas estrangeiras, aliás de que tanto carecemos.
O Sr. Brilhante de Paiva: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Sim senhor, com muito prazer.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito obrigado a V. Ex.ª, e desejo vincar que me acho profundamente impressionado pelo interesse que V. Ex.ª põe na sua intervenção sobre o problema do turismo de Moçambique.
Tenho muito prazer em apoiá-lo por inteiro e, quanto à zona central, vinco que tanto V. Ex.ª como o Sr. Deputado Videira Pires se referiram efectivamente à cidade da Beira e aos seus atractivos.
Não sei se, provàvelmente, V. Ex.ª achará importuna a sugestão que vou fazer; mas, uma vez que foram focados aspectos referentes pròpriamente à cidade da Beira, com os seus atractivos, e à Gorongosa, parece-me que seria de aproveitar a oportunidade para fazer também uma referência à Chicamba Real, que é já hoje um grande atractivo para muitos turistas estrangeiros, especialmente da Rodésia.
Assim, é mais um ponto que me parece se deve incluir no planeamento do turismo de Moçambique.
Peço desculpa e agradeço a V. Ex.ª ter-me permitido interrompê-lo, mas pareceu-me de meu dever não deixar passar este ponto sem lhe fazer uma merecida referência.
O Orador: - A intervenção de V. Ex.ª foi uma honrosa achega ao que eu vinha afirmando, e, na verdade, foi uma omissão da minha parte, pois concordo inteiramente com V. Ex.ª
Monte Carlo só é Monte Cario porque lá se joga!
E eu estranho que se dispensem tratamentos diferentes entre a metrópole e Moçambique, neste particular, autorizando-se o jogo no Estoril, em Espinho, etc., e proibindo-se em Moçambique!
Lembro-me ainda da euforia que se verificava em Lourenço Marques por volta de 1928, quando a exploração do jogo era permitida. As libras-ouro que giravam com fartura na província e concorriam bastante para aumentar o nosso nível económico rolavam fronteira abaixo do grande manancial que é a África do Sul.
O turista, que nessa altura não tinha outros atractivos na capital que chamassem a sua atenção senão o funcionamento dos casinos, vinha exclusivamente a Lourenço Marques com a finalidade fixa de jogar.
Era o jogo a principal atracção turística e há-de ser sempre, pelos tempos fora, o fulcro de maior atracção; por isso advogo a sua permissão em Moçambique.
Persisto nesta ideia, afirmando que o jogo é peça importante do quadro turístico de Moçambique, sem o qual esta indústria se poderá considerar sempre defeituosa e deficitária.
As linhas limítrofes de Lourenço Marques e Beira com a vizinhança estrangeira de capacidade financeira exigem que dás nossas atracções nocturnas façam parte os jogos de azar, uma das grandes predilecções do turista.
Sr. Presidente: antes de terminar quero fazer uma referência; especial, por justa e merecida, ao esforço que pela iniciativa particular tem sido dispensado ao turismo de Moçambique, o que concorre grandemente para o seu progresso.
Desde os conhecidos safaria, que com tão perfeita organização têm dado ao visitante a melhor impresão, aos motéis, tanto do agrado do turista, ao Clube Naval, onde tanto visitante se recreia, passando pelos centros de pesca desportiva, que tanto adepto tem levado a Moçambique, saindo de lá verdadeiramente encantado com as maravilhas que viu e com a fineza de trato que lhe foi dispensado, até ao Clube de Pesca de Lourenço Marques, obra gigantesca que nos mostra de quanto o homem de Moçambique é capaz quando sente pela sua terra verdadeiro amor, como o Dr. Esteves de Sousa, que, com o seu dinamismo, persistência e trabalho insano, consegue levar a efeito uma obra que bem honra Moçambique. Equipado com embarcações modernas e velozes, onde existe toda a aparelhagem necessária à navegação do alto mar, o Clube de Pesca de Lourenço Marques conta já com um número de sócios bastante elevado, em grande parte estrangeiros, que ao Clube dedicam uma especial amizade espiritual e até económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao velho colono e homem de Moçambique que à província tem dado o maior do seu esforço vai para cinco décadas, e a quem o turismo deve o primeiro e maior entusiasmo, quer através de editoriais no seu muito conceituado jornal Noticias, quer no Conselho do Governo ou no Conselho Legislativo, dos quais tem feito parte desde há longos anos, o Sr. Capitão Manuel Simões Vaz, eu quero dizer deste lugar um «muito obrigado» em nome de Moçambique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: das preocupações que o governador-geral de Moçambique, comandante Sarmento Rodrigues, tem tido no tão difícil governo daquela província, ao qual se tem dedicado de alma, e coração, sem se poupar a esforços ou canseiras na resolução dos problemas moçambicanos, faz parte também o desenvolvimento turístico, a cujo sector S. Ex.ª tem dado muito do seu dinamismo e da sua actividade, por reconhecer
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que é no turismo que reside uma das grandes fontes de riqueza para o futuro de Moçambique.
Não faltasse a esta actividade o apoio financeiro de que tanto carece e que a província lhe não pode fornecer para além de certos limites, e toda a província registaria em breve tempo uma verdadeira euforia em todos os locais indicados para turismo em terras de Moçambique, onde os visitantes encontram um autêntico paraíso, não apenas pelas belezas e riquezas turísticas de que desfrutam, como pela paz, ordem e sossego que ali encontram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não obstante as dificuldades - e não são poucas - que este organismo tem tido, a sua acção tem sido verdadeiramente extraordinária, parecendo impossível ter-se feito tanto com tão pouco.
Pelo esforço e dedicação verdadeiramente gigantescos que tem dispensado ao turismo, o Dr. Botelho de Sousa, director do Centro de Informações e Turismo de Moçambique, bem merece que o saudemos e que eu, daqui, lhe preste as minhas justas homenagens.
Sr. Presidente: prometi para comigo ser curto nas minhas palavras, mas não consegui!
Serei sempre longo!
Risos.
Perco-me no entusiasmo e na vastidão dos problemas que constituem a vida daquelas terras longínquas onde me tenho radicado desde há muito.
Só à benevolência de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e de VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, eu devo a atenção com que me escutaram.
Não quero terminar sem, verdadeiramente convicto, fazer a afirmação de que tudo o que fizermos no sentido de multiplicar a nossa acção neste sector da vida portuguesa terá os seus frutos neste país de tão grandes tradições, que está a iluminar a estrada do Mundo, ensinando a manter a ordem, criando a paz e o progresso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: depois do exaustivo aviso prévio do nosso ilustre colega Dr. Nunes Barata, nada ou quase nada se poderá dizer sobre o turismo em Portugal. O nosso brilhante colega apresentou, criticou e propôs todas as soluções possíveis para este magno problema. Pouco mais nos resta que dar a nossa aprovação à moção que vier a ser apresentada e, pelo menos por mim, concorrer- com ligeiras achegas em pormenores regionais. E o que irei fazer em relação ao distrito de Évora.
Julgo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e esta foi uma das poucas coisas que o ilustre Deputado Dr. Nunes Barata nos não disse, que o desejo de o homem fazer turismo é uma consequência atávica da saudade que lhe ficou do paraíso que perdeu. Sendo assim, como creio, o turismo aparece com o primeiro homem na Terra e perdurará até à sua extinção. Sabemos que em todas as épocas históricas o homem se deslocou, com ou sem sentido comercial ou guerreiro, para além dos limites da sua pátria. Nos monumentos do Egipto encontram-se inscrições de turistas gregos. Marco Pólo, sem grande dificuldade, pode considerar-se um turista, e nas armadas das Descobertas, tanto portuguesas como espanholas, não são raros aqueles que embarcaram como simples turistas, mais ou menos aventureiros e, por vezes, preciosos cronistas.
É fácil concluir que o homem se deslocou e desloca movido pela curiosidade de novos horizontes, novos costumes, novos monumentos, outras gentes e outras civilizações, outros climas. Reside, muito especialmente, nesta diversidade de ambientes, o incentivo mais poderoso para atrair o turista, esse simpático e apetecido distribuidor de divisas. Como conclusão somos levados a aceitar que se devem manter os costumes e os monumentos que nos diferenciem dos outros povos, já que o clima, ao que parece, se manterá com ligeiras alterações.
O turista, no caso particular de Évora, chegará pela única via por ora ao seu alcance, a via terrestre. Pode optar pelo caminho de ferro ou pela estrada. Na primeira hipótese não estará de parabéns pela escolha que fez. O caminho de ferro entre o Barreiro e Évora percorre apenas 117 km, a que teremos de juntar cerca de o milhas de travessia fluvial entre Lisboa e o Barreiro. É, como se vê, uma distância bastante pequena, mas, porque o estado da via e do material o não permitem, a velocidade comercial é, para a nossa época, insuficiente.
Pelos mais rápidos meios ferroviários e fluviais a viagem Lisboa-Évora demora - se os horários se cumprirem - 2 horas e 47 minutos. Esta é a teoria horária, que só raramente se cumpre. A realidade usual é bem diferente. No capítulo da comodidade ainda a coisa é pior. Há composições que, chego a acreditar é propósito, mais parecem reconstituições históricas de material do que comboios do século XX. Os horários são inadequados às necessidades dos utentes. Em qualquer dos dois sentidos - Lisboa-Évora ou Évora-Lisboa - há 4 comboios diários, com os horários seguintes: de Lisboa com partidas às 7 horas e 40 minutos e 8 horas e 50 minutos (l hora e 10 minutos de intervalo) e às 17 horas e 25 minutos e 19 horas e 25 minutos (2 horas de intervalo). Das 8 horas e 50 minutos às 17 horas e 25 minutos (8 horas e 35 minutos de intervalo) e das 19 horas e 25 minutos às 7 horas e 40 minutos (12 horas e 15 minutos de intervalo) não há qualquer ligação ferroviária para passageiros entre as duas cidades no sentido Lisboa-Évora.
De Évora para Lisboa com partidas às 8 horas e 11 minutos e 8 horas e 43 minutos (32 minutos de intervalo) e às 18 horas e 15 minutos e 18 horas e 32 minutos (17 minutos de intervalo). Das 8 horas e 43 minutos às 18 horas é 15 minutos (9 horas e 32 minutos de intervalo) e das 18 horas e 32 minutos às 8 horas e 11 minutos (13 horas e 39 minutos de intervalo) não há qualquer ligação ferroviária para passageiros no sentido Évora-Lisboa.
Não vale a pena qualquer crítica ao estabelecimento dos horários indicados. Todos compreendemos que os interesses dos passageiros, e da própria C. P., não estão acautelados. Com estes meios, na parte ferroviária, não há turismo possível. Falta velocidade, comodidade e horários menos espaçados.
Sr. Presidente: se eu tivesse a dita de ser escutado por algum ilustre dirigente da C. P. com a atenção que V. Ex.ª me presta, certamente Évora estaria mais bem servida.
Se o turista pretender dirigir-se ou sair para ou de Évora, por estrada, será mais feliz, mas, certamente, não tanto quanto seria desejável.
No trajecto de, ou para, Lisboa terá de atravessar uns péssimos 15 km da estrada nacional n.º 114, no troço entre Évora e Montemor-o-Novo, que requerem uma reparação total e a respectiva dotação de verba.
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Se pretendermos fazer que o turista que utiliza a estrada Europa n.º 4 siga por Montemor-Évora-Estremoz, falta a construção de escassos quilómetros da estrada nacional n.º 18, entre Évora e Azaruja. Se, porém, o turista vier do norte não será mais feliz, pois a entrada mais fácil no distrito de Évora será feita pelas estiadas nacionais n.º 2 (do limite do distrito até Mora) e n.º 251 (Mora a Pavia), as quais precisam de verba para urgente reparação de, respectivamente, cerca da 5 km e 8 km.
Há mais estradas que necessitam de ser construídas e reparadas, mas, atendendo às dificuldades do Tesouro, para uma primeira escala no apetrechamento e melhoramento rodoviário distrital, o que acabo de indicar seria o mínimo absolutamente indispensável, não para ganhar a batalha do turismo em 1964, mas para criar condições para uma vitória a mais longo prazo.
Modernamente, porém, o turista utiliza, e em grande parte, a via aérea para se deslocar. Évora não tem um aeroporto. A capital do Alentejo (sob todos os títulos) ainda não foi considerada digna desse melhoramento. Mas um dia, mais tarde ou mais cedo, há-de haver quem queira fazer essa justiça a Évora. Que ela não tarde, são os meus desejos. Um simples aeroporto, talvez preparado para linhas de helicópteros de tráfego nacional, sem luxos, mas seguro, impõe-se.
Vou falar-vos agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, das instalações hoteleiras que Évora ainda, não tem e de que precisa. Este é problema candente, na minha terra.
Não é hoje o momento próprio para dizer das tentativas goradas e ... porquê.
Falarei um pouco sobre o que interessa imediatamente fazer: a iniciativa privada, com ajuda do Estado, tem em acabamento o Hotel Planície. A morosidade desta obra, cujas causas não me interessam de momento, não se compadece com as necessidades da cidade. Urge que o Secretariado Nacional da Informação, ou quem de direito interfira, active e conclua. Não se pode esperar mais.
O turismo tem de dispor de alojamento para os viajantes. Está, ainda, em construção uma pousada, ou unidade semelhante, no antigo Convento dos Loios. Parece-me que não vai ficar mal, mas, suponho, necessitaria de algum alargamento. Talvez fosse possível a utilização do actual edifício da Biblioteca, e a transferência destes serviços para outro edifício, a adaptar, em conjugação com o Arquivo. Aqui fica a lembrança tio ilustre titular da pasta das Obras Públicas.
Creio ser pertinente, nesta ligeira nota sobre alojamentos, uma palavra sobre ementas regionais. A cozinha alentejana é sápida e suculenta, os seus doces são afamados, os vinhos de Borba, Redondo e Reguengos suportam qualquer comparação, mas, e isto é triste dizer, nem sempre o que se encontra à disposição dos turistas corresponde ao título e ao preço. Uma fiscalização idónea, concursos de provas, e sinais exteriores, mas sérios, de autenticidade, impõem-se como propaganda e defesa dos interesses de todos.
Os turistas, muitos turistas, deslocam-se em busca de novos sectores na arte e na arquitectura. Para estes, Évora é um manancial inesgotável.
Civilizações e povos passaram ... Évora guarda, ciosamente, os testemunhos desse passado.
Teremos todavia, de cuidar da sua conservação, do seu reparo e, ainda, da sua valorização estética. Que recolham a Évora as pinturas que lhe pertencem.
Que se desobstruam muitos dos seus monumentos e, sobretudo, que se iluminem, como convém, para que prendam os estudiosos, os amantes da arte e, finalmente, os possuidores de divisas.
Precisamos, localmente, de montar e manter serviços de propaganda, de todos os tipos, não esquecendo os mais modernos e eficientes. Para já é indispensável que as autoridades competentes não neguem, antes auxiliem, a criação de um posto emissor - A Voz do Alentejo - que leve a toda a província e aos que nela transitam a sua música, os seus cantares, os seus desejos, as suas dores, as suas alegrias, a sua cultura e o seu sentir. Esta poderosa voz, tão dos nossos dias, não destoará nessa tão mal compreendida Planície Heróica.
Évora é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um dos mais valiosos tesouros turísticos do Portugal continental. O seu passado longínquo iluminou a história da nacionalidade desde o seu alvorecer. Todos os factos notáveis têm a sua parcela eborense.
Enumerá-los seria um nunca acabar de citações honrosas, mais Évora quer progredir e estar presente em todas as manifestações da era actual. O turismo, como indústria, é de criação recente, mas, não o olvidem os responsáveis, todos os responsáveis, nós já temos tradições e não as queremos perder, e para isso basta uma só coisa: não nos esqueçam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: o esclarecido Deputado avisante deu, através da exaustiva exposição; com que abriu este debate, mais uma amostra brilhante do seu talento e de excepcionais qualidades de estudioso seguro e documentado.
Para além da homenagem que tão grato me é prestar ao Sr. Dr. Nunes Barata, eu queria significar-lhe quanto me satisfaz o poder despir de toda a substância estatística, que seria já agora tão impertinente como inútil, esta minha intervenção.
Com isto espero fatigar menos VV. Ex.ªs
E, por mim, afeito a buscar no turismo mais a satisfação de curiosidades próprias e evasão de um quotidiano, por vezes esgotante, do que tema de especulações científicas ou investigação económica, louvo-me em que possa ser assim.
António Ferro (e muito propositadamente coloco o seu nome no pórtico desta fala como pioneiro que foi na cruzada do turismo português), ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... António Ferro disse um dia que:
Se o turismo é um problema sério, e não um simples passatempo, é porque está ligado, directa ou indirectamente, a quase todos os problemas nacionais, contorno indispensável da nossa renovação, seu necessário acabamento. O turismo perde assim o seu carácter de pequena e frívola indústria para desempenhar o altíssimo papel de encenador e decorador da própria Nação.
E mais além:
O turismo constitui em si mesmo uma obra profunda de higiene e de bom gosto, uma divulgação de gostos e princípios indispensáveis à elevação artística e espiritual de cada povo. Mais ainda: o prestígio
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internacional de uma nação é consequência, em certos aspectos, da sua organização de turismo. O turista estrangeiro, salvo aquelas excepções que felizmente nos têm batido à porta, interessa-se menos pelos problemas de ordem económica e política do país visitado do que se preocupa com as comodidades que o país lhe oferece: a boa cama, a boa comida, o conforto não luxuoso mas suficiente, o pitoresco para lhe entreter a imaginação, o bom gosto para lhe alimentar o espírito. Atendidas estas condições mínimas, com melhor disposição se resolverá a admirar tudo o mais: a história, as ideias, as instituições, os monumentos. O turismo é, portanto, além de indiscutível factor de riqueza e de civilização, um meio seguríssimo não só de alta propaganda nacional, como de simples propaganda política.
O turismo é um fenómeno reconhecidamente contemporâneo, e pelas suas origens, evolução histórica e mesmo situação actual um fenómeno fundamentalmente europeu.
Só metafòricamente poderão considerar-se turísticos os grandes movimentos militares ou religiosos da Idade Média ocidental, que têm nas cruzadas e na rota de Santiago de Compostela os seus mais significativos expoentes.
As grandes viagens de exploração, comerciais ou de missão, que caracterizam a Idade Moderna (Marco Pólo, Fernão Mendes Pinto, S. Francisco Xavier), e em que Portugal teve primazia, dando novos mundos ao Mundo, foram o devassar do ignoto, e não uma expressão, mesmo remota, de turismo.
Constitui ainda uma aventura individual, nitidamente inglesa e reservada a raros privilegiados, a visita às grandes capitais da Europa («The grand tour»), com que, a partir da segunda metade do século XVIII, se completava a educação de todo o gentleman que se prezava.
Só em 1841 Thomaz Cook, o criador da agência de turismo que ficou como um símbolo, lançou a sua primeira viagem organizada por via férrea, entre Leicester e Longhborough. Pode considerar-se esta data como a do início da nova era turística.
Os «viajantes» - e assim eram designados, como pode ler-se nos curiosos guias de então, de que possuo este raro exemplar (Guia de Viajantes em Lisboa e Suas Vizinhanças, Lisboa, 1845, tipografia de O. R. Ferreira & C.a), e para os quais Mr. de Laporte escreveu ainda no século XVIII os 30 volumes do seu Viajante Universal- passaram gradualmente a ser «turistas».
Na base da designação está a organização do tour, o crescente enquadramento em programas definidos através das agências especializadas na esteira de Cook.
Os meios de comunicação, aumentando em regularidade, rapidez e segurança, favorecem a definição de correntes turísticas de interesse e com elas se firmaram estruturas turísticas valiosas.
A triunfante Côte d'Azur teve a consagração da presença da rainha Vitória em 1895. A Suíça, pelo sortilégio dos Alpes, meça dos pulmonares abastados, acaba por monopolizar, juntamente com a Itália, a França e a Áustria, o entusiasmo deambulante dos turistas de marca.
Foi o tempo áureo dos palaces, dos casinos, das praias mediterrânicas, como também a de Davos-Platz; La Promenade des Anglais, o ineditismo do Sol e das palmeiras; o azul tranquilo da costa de Amalfi; havia cabeças coroadas em -Sorriento; Capri embalava docemente amores fugitivos e o spleen inglês tudo invadiu e sustentou.
Paris e Viena esfuziavam de música e diamantes, mas já os tiros de Serajevo abafam o estralejar do champanhe chez Maxims. O ritmo trepidante do can-can cede o passo ao bater cadenciado dos tambores de guerra; as casacas vistosas e os peitilhos brancos são já uniformes cinzentos; os cavalos dos fiacres estrenoitados foram atrelados a peças de artilharia e não demorará que os táxis barulhentos de Paris rolem para o Marne e que nos pomposos reposteiros dos hotéis - agora hospitais de fortuna - surjam salpicos de sangue.
Findara La Belle Époque. E nem os entusiasmos de paz wilsoniana a conseguiram ressuscitar senão por fugidio momento.
Mas já havia brotado, com um turismo gradualmente alargado a novas camadas sociais, a consciência turística oficial, pela espectacular valia económica do fenómeno turístico.
Das cinzas da Europa, após a guerra de 1939-1945 veio a surgir o novo mundo turístico actual.
Então a América saltou espectacularmente e em massa o Atlântico, aproximadas inverosìmilmente as suas margens pela velocidade estonteante dos jactos. Passou a ser possível na rotina dos voos comerciais encurtar para horas a volta ao Mundo que Júlio Verne fantasiara em 80 dias. E a Europa, em plena recuperação e florescimento económico, respondeu, pelo seu lado, com um imenso surto deambulatório, favorecido pela alta do nível de vida, aumento mais generalizado de recursos e crescentes períodos de férias pagas.
Vão-se diluindo as fronteiras clássicas, eliminando formalidades, libertando a circulação de divisas.
Viajar deixou assim de ser privilégio de reduzido estrato social, em que abundantes disponibilidades de meios e lazeres tornam fácil vagabundear pelo Mundo. O turista, de que foi símbolo-caricatura o inglês carregado de spleen e de libras, infatigável globe-trotter e corredor de palaces, è já agora multidão de gente anónima, apressada, com tempo e dinheiro severamente contados, que aproveita curtos tempos de férias para se evadir da rotina quotidiana.
À clientela solene, repousada e fiel dos lugares-comuns de encontro cosmopolita sucedeu-se uma onda de gente curiosa, que faz campismo, povoa campos de férias e realiza com alegria e simplicidade a ambição de uma vida - conhecer novos horizontes. Esta mutação, a que podemos chamar «a democratização do turismo», é certamente um dos fenómenos «da era do social» em que vivemos e tem como pressupostos mais altos padrões de vida, períodos razoáveis de férias remuneradas, o acesso das massas a mais elevado nível de cultura. Justo é que lembremos aqui, no domínio do «turismo social», a acção meritória da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (F. N. A. T.), que foi entre nós a esforçada pioneira desse movimento de alto sentido social, e que desde 1935 se vem empenhando, com real êxito, em proporcionar aos trabalhadores portugueses a possibilidade de conhecerem melhor a sua terra (e mesmo alguns países estrangeiros) dentro das limitações que forçosamente decorrem do condicionalismo existente no nosso mundo do trabalho.
Um breve apontamento estatístico, relativo ao movimento apenas do ano de 1963, dará ideia aproximada da actividade da F. N. A. T. nesse domínio:
1) Turismo social tomando como base as colónias de férias da F. N. A. T.:
Beneficiários .............. 13 618
Quilómetros percorridos .... 5 650 200
2) Turismo social por intermédio dos parques de campismo da F. N. A. T.:
Beneficiários ............... 3 100
Quilómetros percorridos ..... 1 287 000
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3) Turismo social tomando por base 179 excursões realizadas, das quais 8 a países estrangeiros:
Beneficiários .............. 12 559
Quilómetros percorridos .... 145 786
A par deste turismo «por estrada» também a F. N. A. T. realizou alguns cruzeiros à Madeira e aos Açores, um paquetes especialmente fretados, ou aproveitando grande parte da lotação dos navios de carreiras regulares.
Pena é que este movimento de tão grande alcance e utilidade, que no ano tansacto interessou já 20 000 trabalhadores, não tenha tido ainda maior expansão, em especial quanto aos cruzeiros marítimos, por dificuldades no fretamento dos barcos. E aguarda ainda concretização o já antigo sonho de um cruzeiro a Angola para trabalhadores portugueses, agora mais oportuno do que nunca.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Afigura-se-me que poderia resultar num êxito, o até benefício económico, o aproveitamento eventual de navios sem utilização, e que, em vez de permanecerem fundeados no mar da Palha, poderiam efectuar cruzeiros ao ultramar português, especialmente destinados a trabalhadores.
Ainda é oportuno referir que o intercâmbio estabelecido entre a F. N. A. T. e a obra da Educación y Descanso constitui um eficaz, se não até agora mesmo o único elemento de colaboração turística ibérica. A F. N. A. T. recebeu nos últimos três anos 1163 trabalhadores espanhóis na sua colónia- de férias Um Lugar ao Sol, na Caparica (a preferida em virtude da sua localização junto a Lisboa), o foram em número de 1008 os trabalhadores portugueses beneficiários da F. N. A. T. que estagiaram nas colónias do férias espanholas de Cádis. Tarragona e Marbella.
A F. N. A. T. tem sido assim elemento efectivo do intercâmbio turístico com a Espanha, embora no campo restrito do turismo social. Mal se compreenderá que não só lho reconheça ter também uma palavra a dizer em eventuais negociações, contactos ou consultas acerca da coordenação e equacionamento dos problemas gerais do turismo peninsular.
Que pensar do estado actual do turismo em Portugal?
O panorama estatístico, ia a dizer o retrato estatístico em corpo inteiro, deu-o esplêndidamente o Dr. Nunes Barata.
E o também nosso ilustre colega nesta Câmara Dr. Paulo Rodrigues, na comunicação feita em 7 de Janeiro, definiu, com notável clareza e sentido das realidades, as linhas mestras da política, nacional do turismo.
Sabemos que se trabalha com entusiasmo na elaboração de um plano de desenvolvimento turístico para o próximo lustro alicerçado em estudo de base que teve em conta as realidades e virtualidades das nossas possibilidades turísticas.
Como afirmou o Sr. Subsecretário de Estado, «a evolução das principais correntes turísticas e o ritmo de crescimento verificado nos últimos três anos permitem admitir que chegou, efectivamente, a hora do turismo português. Cumpre agora fazermos tudo para a não perder».
Sr. Presidente: veio a Lisboa, e por coincidência, que reputo de feliz augúrio, exactamente quando nesta Câmara se debate o problema do turismo, D. Manuel Fraga Iribarne, prestigioso Ministro de Información y Turismo de Espanha.
Figura de grande relevo na política espanhola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... professor catedrático de Direito, diplomata e director dos Estudos Políticos de Madrid, foi-lhe confiado, em 1962, o comando superior do turismo e informação da nação vizinha.
Assistido pelo Subsecretário do Turismo, Don Antonio Rodriguez Acosta, formando com ele uma equipa cheia de dinamismo e juventude, teve oportunidade de ver realizado o mais espectacular surto turístico actual - que se traduz em quase 11 milhões de turistas entrados em Espanha no ano de 1963, com receitas totais na ordem dos 20 milhões de contos.
Continuador e impulsionador esclarecido de um pensamento político que vem de longe, e que teve em Don Álvaro de Figueiroa, conde de Romanones (autor do Decreto de 6 de Novembro de 1905, que lançou as bases da acção estatal sobre turismo), e no marquês de Vega-Inclan os mais destacados precursores, da sua acção diz esclarecido autor espanhol, Don Ricardo La Cierva, «que pode considerar-se asombrosa».
A reorganização profunda dá Administração Central do Turismo e a criação das bases para uma definição técnica e ideológica do turismo espanhol através do Instituto de Estudos Turísticos são apontadas como constituindo o estímulo eficaz para a conquista definitiva de uma consciência turística nacional no país vizinho.
Como afirma também Ricardo La Cierva, aludindo ao surto turístico espanhol:
Todo o crescimento desmesurado tem os seus perigos. Mas não há vitória sem continuidade. Poucas vezes se deu em Espanha uma conjugação de caminhos mais ampla e mais consciente entre o Estado e as forças vivas da nação.
O turismo espanhol está em boas mãos e segue por bom caminho; dentro da paz hispânica é toda uma aurora de promessas.
De esperar é que da visita de tão alto e eficiente governante possam surgir novos caminhos de colaboração no campo turístico, exactamente um daqueles em que a efectivação de uma política de conjunto, leal e esclarecida, no plano peninsular, poderá afirmar-se triunfalmente. As afinidades étnicas, culturais, sociais e económicas, pressupostos da pax iberica, que constitui (pese embora às forças. mundiais da desordem) um dos mais sólidos valores da Europa e do mundo ocidental, permitem certamente que se articule na ordem prática, e sem demora, essa política turística de colaboração, de que ambas as nações recolherão vantagens.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Saudando o ilustre hóspede de Portugal e eminente homem do Estado que é Don Manuel Fraga Iribarne, penso que exprimo o sentir geral de todos nós na afirmação de uma fraternidade que a circunstância de S. Ex.ª ser, como o generalíssimo Francisco Franco, natural da Galiza, torna- ainda por ventura mais espontânea e sentida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Impus-me ser breve neste apontamento. Nem me atreverei a aflorar concretamente quaisquer aspectos ou problemas de turismo regional e local, aliás tanto da minha predilecção.
Limito-me a enunciar um problema e a afirmar a minha certeza, quanto à validade dos nossos valores e virtualidades turísticas, que em grande parte aguardam ainda, a sua hora do aproveitamento.
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A opção fundamental de um planejamento turístico em Portugal é a definição de prioridade na qualidade dos investimentos a efectuar. Infra-estruturas para turismo rico ou para turismo de massas?
Ricardo La Cierva observa não ter sido um mal que as primeiras vagais do turismo de mascas sobre a Espanha lhe tenham trazido, antes de mais, as classes médias da Europa. O turismo de elite, que sempre se mantivera, aliás, em Palma de Maiorca, veio depois.
Mas reconhece também que «para manter o turismo de massas em Espanha é necessário o turismo da elite».
É sabido que os baixos preços constituem factor básico do progresso turístico. Assim o proclamaram em declarações recentes os directores do turismo espanhol e francês.
E tem interesse registar uma afirmação contida na publicação espanhola Hotels Hoy:
Tivemos a sorte imensa de poder jogar com o argumento de preços reduzidos junto de uma clientela especialmente predisposta a conceder prioridade na programação das suas viagens às condições económicas. Se tivéssemos orientado o nosso esforço para receber clientela puramente aristocrática e tivéssemos desprezado o factor preço, o fracasso teria sido certo.
Ainda em muito recentes estudos publicados no Diário Popular acerca de investimentos hoteleiros o problema foi equacionado com segurança, assinalando-se que a grande massa da nossa clientela turística se orienta cada vez mais para os estabelecimentos de categoria média. E .ainda que o motel cresce muito ràpidamente em vários países; as aldeias turísticas ou de férias estão gozando de uma popularidade crescente, tal como os campings e a locação de casas mobiladas e quartos em casas particulares.
Não há muitos dias tive ocasião de ver o crescimento espectacular da faixa marítima entre Motril, por Málaga a Torre Molinos, e Marbella, não só de hotéis, como de apartamentos para aluguer e venda, e zonas de urbanização para pequenas casas de praia, em aldeamentos que se repetem durante larga extensão da costa.
E o facto só me convenceu mais ainda das possibilidades imensas da nossa costa algarvia, com a superioridade visível dos seus longos areais e da inexcedível beleza das caprichosas falésias da costa de Barlavento.
Mas do Minho ao Algarve, à Madeira, aos Açores, já para não falar nas províncias ultramarinas (e que esplêndido surto vai tendo o turismo em Moçambique e o poderá ter em S. Tomé), Portugal é um diorama pitoresco, variado e belo, capaz de atrair crescentes correntes turísticas:
Ouçamo-lo na prosa colorida de António Ferro:
Nada nos falta: vales que são como cestos de flores e de frutos; montanhas que se prolongam no céu: a renda do nosso litoral; florestas encantadas onde podemos topar, de repente, com a belle au bois dormant; rios e lagos onde se colhem peixes como se colhem flores. Portugal, antologia de todos os países; paisagens risonhas, coloridas como tapetes de retalhos, paisagens escalvadas, duras, abismos, paisagens suaves, impregnadas de saudade, onde se está com a impressão de ainda não ter chegado, paisagens humanas, sobre humanas, paisagens que parecem do outro mundo ou de outros mundos. Dando unidade a todos estes países diferentes dentro do mesmo país, uma vida puramente nacional, de um alto pitoresco, em cores fortes e sólidas, e, acima de tudo, um povo admirável, aristocrata por instinto, que pode às vezes não saber ler, mas que sente e entende como poucos.
Por tudo isto, o ainda porque «Portugal é um cofre de velhas e coloridas coisas que não é difícil trazer à superfície, flauta rústica onde dormem velhos ritmos e melodias e um dos mais sugestivos guarda-roupas na Europa», razão tinha António Ferro em dizer, lá por 1949, que o turismo «é a sorte grande de Portugal, mas uma sorte grande que ainda não quisemos - talvez prudentemente - rebater».
Atrevo-me, no entanto, a corrigir, numa afirmação de confiança: «que só agora nos dispomos a rebater» ...
E oxalá que sem hesitações nem demoras.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
19 horas e l5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Belchior Cardoso da Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Olívio da Costa Carvalho.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Marques Lobato.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
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Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Jacinto da Silva Medina.
José Pinto Carneiro.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA