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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 139
ANO DE 1964 5 DE MARÇO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 139 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 4 de MARÇO
Presidente: Exmo.Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 136 e 137 do Diário das Sessões.
Receberam-se na Mesa os elementos requeridos ao Ministério do Ultramar pelo Sr. Deputado Olívio de Carvalho na sessão de 4 de Fevereiro findo.
Foram entregues a este Sr. Deputado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Bull, para se congratular com a partida de um navio alemão de estudos de pescas para Cabo Verde, e Manuel João Correia, acerca do problema da cultura do tabaco em Moçambique.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio sobre o turismo português.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Rosal, Folhadela de Oliveira, Sales Loureiro, Nunes Fernandes e Alves Moreira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
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Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 136 e 137 do Diário das Sessões. Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, estão aprovados.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério do Ultramar em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Olívio de Carvalho, na sessão de 4 de Fevereiro findo. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Bull.
O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: duas palavras apenas, para manifestar a minha satisfação pela sequência feliz que, pela primeira vez, vejo emprestar, em tão curto lapso de tempo, a um empreendimento tendente a valorizar o nosso ultramar.
Refiro-me à passagem pelo porto de Lisboa da moderníssima unidade da marinha alemã Warther Herwig, que parte hoje para Cabo Verde, onde vai proceder a investigações piscatórias e de biologia marítima nas zonas pesqueiras do arquipélago, para confirmar os resultados das prospecções anteriormente efectuadas com o fim de se saber se é econòmicamente aconselhável a concretização da instalação naquela província de uma base pesqueira.
Na verdade, por notícias divulgadas oportunamente pelos órgãos da imprensa, foi anunciada a passagem por Lisboa de um grupo de peritos alemães de pesca, os quais, em Dezembro ultimo, se dirigiram para Cabo Verde com o fim de fazerem uma rápida prospecção com vista à formação de bases pesqueiras naquele arquipélago.
Ficou-se conhecendo, assim, a intenção de duas companhias mistas, qualquer delas trabalhando com capitais nacionais, mas financiadas pela banca alemã, de se instalarem na província de Cabo Verde, uma no Barlavento e outra no Sotavento, com o fim de se dedicarem à pesca racional e à industrialização dos seus derivados, e, segundo noticiaram os jornais, dispondo de capitais susceptíveis de atingirem a ordem dos 250 000 contos.
Felicito, pois, a província de Cabo Verde, por intermédio dos meus colegas e ilustres Deputados por aquele círculo, pela rápida e feliz sequência que tiveram os estudos preliminares para a instalação dessa grande fonte de receitas e meio seguro, talvez o único no arquipélago, para garantir o bem-estar à portuguesíssima gente daquelas ilhas crioulas e, como bom vizinho, desejo sinceramente que os resultados dos estudos em curso sejam satisfatórios, de modo a permitir que se concretizem, o mais rapidamente possível, as instalações dos dois complexos industriais, que, estou certo, muito virão a contribuir para o desenvolvimento de Cabo Verde, que bem precisa de ser acudida.
Felicito igualmente o nosso Governo pela política feliz que vem seguindo em prol do desenvolvimento desses pedaços do mundo português, espalhados por essa África misteriosa, mas atraente, aceitando, mesmo nestes momentos difíceis que estamos atravessando, a assistência técnica e financeira que alguns países amigos se propõem dar-nos, sem se deixar influenciar pelas enormes preocupações e canseiras que nos traz esta maldita guerra sem quartel que os nossos inimigos mantêm acesa em duas frentes do nosso ultramar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Felicito por fim os capitalistas e organizações nacionais e estrangeiras integrados nas duas sociedades de pesca em formação, pela coragem de que dão provas nestes conturbados tempos em que vivemos, aplicando os seus capitais em realizações desta ordem, e, como bom português que sou, auguro sinceramente que tudo decorra como desejam, para que, num futuro muito próximo, comecem a sentir a rentabilidade económica e social dos investimentos realizados.
Que este magnífico exemplo sirva para galvanizar os tímidos e velhos do Restelo, que nesta encruzilhada difícil da vida nacional hesitam em dar aquele mínimo de contributo que a Nação deles exige nesta hora de sacrifícios para todos, e que para alguns jovens vai até à perda da própria vida, solicitando apenas parte dos seus capitais para a concretização de empreendimentos rentáveis e outros de grande alcance social nas parcelas do Portugal de além-mar, que os nossos maiores nos legaram e nós temos o dever de manter, não só pelas armas, mas sobretudo pelo desenvolvimento racional a que têm jus, para que se possa estabelecer um melhor equilíbrio económico e social entre todos os portugueses, qualquer que seja a sua etnia.
E oxalá os estudos que o Warther Herwig vai fazer a Cabo Verde com a colaboração de um perito do Centro de Biologia Piscatória, da conceituada Junta de Investigações do Ultramar, possam ser brevemente ampliadas de forma a abrangerem a primogénita província
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portuguesa de África, a «Guiné, essa desconhecida», como bem foi designada muito recentemente num dos nossos importantes jornais da tarde.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel João Correia: -Sr. Presidente: numa visita que fiz ao Norte de Moçambique, as terras altas de Malema, Iapala e Ribaué, tomei conhecimento das necessidades e das aspirações dos agricultores que naquela região se dedicam à cultura do tabaco.
É por isso que, não obstante ter já tratado nesta Câmara, em duas intervenções anteriores, do problema que se refere à cultura daquela valiosa planta em Moçambique, volto hoje a trazer aqui o mesmo problema, com a certeza antecipada de que o espírito tolerante de V. Ex.ª desculpará a teimosia da minha insistência no assunto.
Entre as preocupações que dominam os agricultores de tabaco do Norte de Moçambique - preocupações que me foram transmitidas pelos próprios -, devo destacar as seguintes: a inexistência de crédito agrícola, a necessidade de uma maior assistência técnica, o baixo preço por que lhes são pagas as produções e a pouca assiduidade dos trabalhadores.
Começo por me referir ao problema do crédito agrícola, o qual também afecta profundamente os agricultores de tabaco.
Na última sessão legislativa desta Câmara chamei a atenção para este grave problema, no seu aspecto geral, relacionado com a vida agrária da província. Disse então que a Caixa de Crédito Agrícola de Moçambique se estava exaurindo, a pouco e pouco, dos pequenos recursos financeiros de que ainda dispunha. E acrescentava que o saldo da conta de gerência daquela Caixa, que em 31 de Dezembro de 1960 era de 4337 contos, se encontrava reduzido, um ano depois, a 3356 contos. Posso hoje dizer que as disponibilidades efectivas da Caixa, em fins de 1962, eram apenas de 2673 contos.
Penso, assim, que poderei repetir as palavras que então proferi nesta Câmara:
Longe não virá o dia, portanto, em que a Caixa verá completamente esgotados todos os seus fundos e então terminará tristemente a existência de uma instituição criada para fomentar a produção agrária de Moçambique.
Perante esta desgostante realidade em matéria de crédito agrícola, desta carência de recursos financeiros para conceder aos agricultores o amparo de que precisam, estendem-se milhões de hectares de terras férteis que poderiam proporcionar enormes somas de trabalho e de riqueza.
Não compreendo que não exista em Moçambique um robusto sistema de crédito agrário, quando é certo que a principal fonte económica da província assenta precisamente na exploração da terra.
Uma das preocupações dos agricultores de tabaco do Norte de Moçambique é justamente a inexistência de uma instituição de crédito que os ampare no desenvolvimento das suas explorações agrícolas.
O Grémio dos Produtores de Tabaco, embora não possua grandes recursos, presta, mesmo assim, valioso auxílio financeiro aos seus associados, e muito os tem ajudado nas suas dificuldades. Adianta, por exemplo, 7$50 por quilograma de tabaco curado que o associado tenha em armazém, de um crédito de 12 000 contos concedido pelo Banco Nacional Ultramarino. E possui ainda um fundo de cerca de 2000 contos que empresta aos associados a prazo médio.
Mas dizem-me que estas duas modalidades de crédito são insuficientes em face da necessidade premente de desenvolvimento das plantações. É necessária uma fonte de crédito mais larga.
Um agricultor da área de Malema confiou-me, com certa mágoa:
Precisava, de trazer água da serra, mas não tenho 40 ou 50 contos para custear esta obra. Tenho de andar a transportá-la com um tractor. Precisava também de construir mais estufas, mas igualmente não disponho de recursos. Com um empréstimo a longo prazo poderia dar um maior desenvolvimento à minha propriedade.
Como esta, ouvi muitas outras queixas semelhantes. Os agricultores de tabaco do Norte de Moçambique, dentro da sua modéstia de homens de trabalho, capazes de arrostarem os maiores sacrifícios para conseguirem o desenvolvimento das suas plantações, não aspiram a grandes empréstimos. Mas precisam de que lhes sejam facultados os recursos financeiros de que carecem para o desenvolvimento e melhoramento das suas produções.
Ainda em matéria de crédito, cabe aqui fazer menção destacada a um pedido formulado pelo Grémio, que o Governo da província atendeu e que veio dar grande impulso à cultura, do tabaco no Norte de Moçambique. Refiro-me ao aval dado pelo Governo para garantia de um empréstimo de 30 000 contos concedido pelo Banco Nacional Ultramarino ao Grémio dos Produtores de Tabaco.
Com este fundo especial ficou o Grémio habilitado a pagar aos agricultores todo o tabaco à medida que os mesmos lho vão entregando, evitando assim o antigo sistema de penhores mercantis, com empréstimos que incidiam apenas sobre parte do valor do tabaco, bem como as despesas de juros e outras inerentes a esses empréstimos.
A assistência técnica é outro factor importante para o desenvolvimento da cultura do tabaco.
Durante muitos anos essa assistência foi pràticamente nula, devido à escassez de meios. Não era possível aos serviços de agricultura, por falta de verbas, dar ao velho Posto Agronómico de Ribaué meios de poder desempenhar esse papel tão importante. Diz-se até que, certa vez, o carro existente no Posto para transporte do técnico que então o chefiava teve de deixar de circular por falta de gasolina, por se ter esgotado a respectiva verba.
O mesmo não sucede agora. Mercê dos trabalhos que estão a ser dinamicamente dirigidos pelo chefe da brigada de povoamento do tabaco, aquele Posto está a sofrer uma transformação completa, iniciando trabalhos de experimentação não só no campo da cultura do tabaco, como também de outras plantas necessárias ao desenvolvimento agrícola do Norte da província.
Com a sua vasta área de cerca de 12 000 ha e solos de variada constituição, estaria certamente indicado que o Posto se transformasse numa boa estação agrária do Norte, dotada de todos os meios para dar um verdadeiro impulso ao desenvolvimento agrário daquela enorme região da província e servir de apoio, de ensinamento e orientação aos agricultores existentes ou que venham a estabelecer-se nela.
Um estreito trabalho de colaboração entre o Posto Agronómico de Ribaué e o Grémio dos Produtores de
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Tabaco pode produzir os melhores resultados para o desenvolvimento da cultura daquela planta.
O Sr. Reis Faria: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Reis Faria: - V. Ex.ª tem-se referido muito ao crédito agrícola de Moçambique e à cultura do tabaco. Só pergunto: por que é que a Chá Namuli, de António Junqueiro, foi feita quase exclusivamente à custa do crédito agrícola, enquanto seu irmão, Manuel Junqueiro, que também explorava o ramo agrícola, não teve qualquer subvenção do crédito agrícola para a cultura do tabaco? No entanto, a Chá Namuli foi largamente subsidiada pelo crédito agrícola.
O Orador: - Muito obrigado.
Se os agricultores adoptarem os melhores processos de cultura, as áreas de Malema e Ribaué podem produzir grandes quantidades de tabaco, e de boa qualidade. Hoje mesmo já aparecem qualidades que podem perfeitamente ser apresentadas, sem receio, no mercado internacional.
A instalação de tratamento e beneficiamento do Grémio tem capacidade para laborar 3000 t a 4000 t de tabaco por campanha, o que representa uma garantia de trabalho para os agricultores que se estabeleçam na região.
A comercialização do tabaco está presentemente a ser feita nos moldes praticados na Rodésia, o que permite a Moçambique não só apresentar no mercado metropolitano melhores lotes de tabaco do que anteriormente, como ainda concorrer a mercados estrangeiros.
Penso, pelo que vi, que se está a marchar no bom caminho, e a visita que fiz tanto ao Posto Agronómico de Ribaué como às instalações do Grémio dos Produtores do Tabaco, o conhecimento detalhado que me foi dado dos planos em execução e em estudo, deixaram-me a melhor impressão e a convicção de que o auxílio que o Governo tem dado aos produtores de tabaco e o dinheiro que tem gasto com a brigada têm tido e estão tendo a melhor aplicação.
Oxalá que não haja desvios na orientação tomada, sobretudo enquanto se não tenham colhido os frutos do trabalho que está sendo executado.
Há grande esperança posta no apoio técnico que vai ser prestado pelo Posto Agronómico de Ribaué, isto é, nas variedades de tabaco que devem ser cultivadas, nos adubos que devem ser utilizados, mediante a análise química dos solos, nas rotações e nas melhores épocas de plantação e na tecnologia a seguir.
Por um grupo de agricultores de Iapala, com quem tive o prazer de falar, foi-me posta uma aspiração, que aqui deixo, confiado em que as minhas palavras se não percam. Nas áreas de lapala e Ribaué os agricultores precisariam de destroncar cerca de 600 ha de terreno para continuarem as suas culturas. Este trabalho seria muito facilitado pelo uso de tractores, que não existem. Um pequeno parque de máquinas em Iapala, orientado pelo Posto Agronómico de Ribaué, prestaria um grande auxílio e reduziria os efeitos da escassez de mão-de-obra.
Penso que Malema precisaria igualmente de um parque de máquinas para o mesmo efeito.
Estas iniciativas e formas de auxílio competem sobretudo ao Estado. Um pequeno agricultor não pode comportar o preço de um tractor com capacidade e potência para operações de destronca. De resto, parques de máquinas de aluguer, estabelecidos pelo Estado, seriam uma das melhores maneiras de auxiliar o agricultor em todos os pontos da província.
O preço médio por que são pagas as produções é outro problema que preocupa profundamente os agricultores de tabaco do Norte de Moçambique.
Será pela assistência técnica, será pelo aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, que as produções melhorarão e consequentemente aumentarão os preços.
Pensam alguns agricultores que, a partir da média de 25$ o quilograma, os preços começariam a ser remuneradores. Houve um técnico que me disse que para o agricultor conseguir equilibrar econòmicamente a sua exploração e já tirar algum lucro precisaria de receber uma média entre 22$ e 23$. Esta opinião confirma a aspiração de alcançarem, como primeiro escalão de um preço compensador, a referida média de 25$ por quilograma.
Mas estas não são, infelizmente, as médias que os agricultores do Norte de Moçambique conseguem obter pelo seu tabaco.
Examinei um mapa que me foi facultado pelo Grémio, relativo aos preços pagos pelo tabaco produzido na campanha de 1960-1961, e verifiquei que a média geral tinha sido de 17$62. Para uma produção de 1 533 986 kg de tabaco seco em estufa, entregue pelos associados ao Grémio, o valor da venda correspondente foi de 27 042 703 $30.
À média obtida desconta o Grémio 2$85 correspondente à taxa de fomento do tabaco, quota do associado, despesas de beneficiamento, trânsito, embalagem e seguro. Isto quer dizer que a média líquida final recebida pelo agricultor foi apenas de 14$77.
Na mesma campanha, a produção de tabaco seco ao ar foi de 150 682 kg, no valor de 1 813 483$60. A média geral, neste caso, antes de descontadas as taxas, foi, portanto, de 12$03.
Na campanha de 1961-1962 (a primeira pelo novo sistema de classificação determinado pelo Governo da província, que é semelhante ao sistema adoptado pelas Rodésias e a Niassalândia e aceito internacionalmente) a produção de tabaco seco em estufa elevou-se a 1 260 173 kg, que foi pago ao agricultor pelo preço médio de 16 $05. A este preço houve que descontar apenas $10 de quota para o Grémio e $50 para o Fundo de fomento do tabaco. A média líquida foi, portanto, de 15$45, isto é, um pouco maior do que a média obtida na campanha anterior.
As despesas relativas à comercialização, no caso desta última campanha, foram incluídas no preço de venda do tabaco aos industriais.
Examinando as médias obtidas por cada agricultor individualmente, verifica-se que, na referida campanha de 1961-1962, houve um agricultor que conseguiu a média de 25$15 (a mais alta da campanha) e outro, mais infeliz, muito mais infeliz, cuja média (a mais baixa da campanha) foi apenas de 4$94..
É fácil calcular em que situação ruinosa deve encontrar-se o agricultor cuja média não alcançou os 5$ por quilogramas. Não visitei a sua propriedade, por falta de tempo, mas conversei com ele. Adivinhava-se perfeitamente que era desesperada a sua situação.
É para estes agricultores sobretudo que é imprescindível a existência de uma fonte de crédito, para os amparar nas situações de desespero e para lhes permitir a aquisição de meios de trabalho que, a par de assistência técnica, lhes dê oportunidade, de melhorarem as suas produções.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O preço do tabaco é uma natural consequência da sua qualidade. Desde que o agricultor me-
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lhore a qualidade - e os processos para o conseguir são hoje demais conhecidos -, o preço melhorará imediatamente.
A média geral do preço pago, em 1963, aos plantadores da Rodésia foi de 30$50 o quilograma. Este é já um bom preço, que compensa o produtor de todas as suas canseiras e trabalhos.
Dizia-me, com razão, um agricultor de Malema, meu antigo condiscípulo, que fui encontrar dedicadamente entregue à vida agrícola naquele Norte portentoso de Moçambique: «Se tudo aqui é mais dispendioso para produzir tabaco, por que razão o havemos de vender por preço mais baixo que na Rodésia?»
A pergunta ficou sem resposta naquele momento, em que nos encontrávamos nas margens verdejantes do rio Malema, de águas mansas, correndo para engrossamento do Lúrio. Mas eu dir-te-ei, meu velho amigo, que uma das razões é simples: é preciso - e este princípio refere-se tanto ao dever da indústria em geral como ao do comércio - que se paguem os produtos da terra por melhor preço.
Na verdade, torna-se inadiável uma enérgica política de preços compensadores para os produtos da agricultura e da pecuária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto para evitar que desanimem completamente e acabem por desaparecer os que se dedicam à produção.
Fomos exportadores de milho e hoje somos importadores deste cereal; fomos grandes exportadores de amendoim e hoje as exportações desta oleaginosa acham-se representadas por números insignificantes; chegou a produzir-se tabaco em quase toda a província: no Norte, no Centro e no Sul. Hoje, quase desapareceram os cultivadores do Sul, desapareceu o núcleo do Chimoio, que era constituído por cerca de 50 agricultores. Resta pràticamente apenas o pequeno baluarte do Norte, que não podemos deixar também desaparecer. Mas este pequeno grupo de persistentes agricultores, que luta com enormes dificuldades, não consegue obter preços compensadores para as suas produções. É preciso salvá-los e pagar-lhes preços que evitem a queda em que começam a precipitar-se.
O actual Secretário de Estado da Agricultura, Sr. Deputado Azevedo Coutinho, numa intervenção que fez nesta Câmara no dia 11 de Dezembro de 1961, defendendo a necessidade de o agricultor obter melhor retribuição pelos seus produtos, preconizou justamente a instituição de «uma política de preços compensadores».
Mas parece que esta necessidade, que tem a compreensão de todos os que conhecem e sentem o problema, não é bem entendida em certas esferas de Moçambique.
Vou, finalmente, referir-me ao último problema enunciado no começo desta intervenção: a pouca assiduidade dos trabalhadores, ou seja o problema da mão-de-obra. É assunto delicado e que atinge, por vezes, proporções de verdadeira gravidade, até pelas repercussões que poderá ter na vida económica da província e, consequentemente, no empobrecimento de trabalhadores e empresários.
Julgo que este assunto deveria ser principalmente resolvido pela intervenção directa dos serviços oficiais, serviços que, dada a sua orgânica e a sua finalidade, possam educar e persuadir o trabalhador a dedicar-se mais assiduamente ao trabalho, aconselhando-o a melhorar as suas condições de vida pela aquisição de um maior salário, e que possam também esclarecer e orientar as empresas, persuadi-las e aconselhá-las, no sentido de cumprirem as determinações da lei e respeitarem a dignidade humana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As autoridades administrativas, o Instituto do Trabalho e a Acção Psicossocial, são entidades indicadas para o desempenho de um importante papel na educação e persuasão do trabalhador, procurando despertar-lhe o espírito de colaboração, o gosto do trabalho e o hábito da assiduidade, como sucede entre as sociedades civilizadas, e, pela sua acção, orientação e fiscalização junto das empresas, conseguirem a fixação de um salário e tratamento justos.
É do decreto que criou o Instituto do Trabalho, Previdência e Assistência Social o seguinte preceito: «Desenvolver uma acção educativa e orientadora junto das empresas e dos trabalhadores».
Por outro lado, o diploma que instituiu em Moçambique o Serviço de Acção Psicossocial determina que é missão daquele serviço «fortalecer a coesão nacional pela valorização espiritual, social e material das populações».
É enobrecendo e disciplinando o trabalho que se valorizam social e materialmente as populações; é proporcionando ao trabalhador maiores possibilidades materiais - um melhor salário resultante de uma maior assiduidade e eficiência no trabalho - que se facultam ao trabalhador meios de valorização espiritual.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E deste conjunto de conquistas alcançadas pelo trabalhador, num íntimo espírito de colaboração com as empresas, estou certo de que resultaria o fortalecimento da coesão nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Julgo, por isso, que as autoridades administrativas, a Acção Psicossocial e o Instituto do Trabalho, sempre orientados por uma alta missão educadora e activamente acompanhados e estimulados na sua acção pelos respectivos governadores de distrito, deveriam dedicar uma profunda atenção ao problema da mão-de-obra, procurando solucioná-lo de acordo com as modernas luzes da justiça social e da valorização económica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Recordo, a propósito, uma bela iniciativa que não chegou a concretizar-se e de que hoje poderiam estar a colher-se valiosos frutos. Refiro-me às escolas de preparação de autoridades gentílicas, criadas pelo Decreto n.º 36 885, de 25 de Maio de 1948, e regulamentadas pela Portaria n.º 8581, de 9 de Dezembro de 1950.
Eram «escolas - no dizer do preâmbulo do decreto - destinadas à preparação dos presuntivos herdeiros das autoridades gentílicas» e nas quais se ministrariam o ensino primário rudimentar e noções gerais de prática administrativa, de agricultura, de pecuária, de construções, de higiene e de tratamento de doenças tropicais.
Na província de Moçambique chegaram a construir-se, no Umbelúzi, os edifícios destinados à primeira escola. Teve especial, merecimento, na execução das construções que se fizeram, a dedicação e o entusiasmo de um distinto funcionário administrativo, que acreditava profundamente na utilidade da iniciativa.
Mas a iniciativa desfez-se como nuvem de fumo batida pelo vento.
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O decreto e a portaria acima citados, que eu saiba, não foram revogados. A iniciativa poderia, portanto, ser ainda ressuscitada. Creio que muito se ganharia com isso.
Será educando, será mostrando ao nativo o verdadeiro valor do trabalho e todos os benefícios que dele resultam, que conseguiremos que ele, a pouco e pouco, se transforme num melhor elemento social. E neste trabalho poderão ter efeito predominante autoridades gentílicas convenientemente preparadas, devidamente orientadas por serviços de acção decisiva e eficiente, que utilizem os melhores processos psicológicos e da persuasão.
Para se atentar na gravidade do problema da mão-de-obra, no que respeita à cultura do tabaco, basta dizer que há agricultores que por este motivo viram as suas produções reduzidas para menos de um terço.
Cheguei a um ponto desta intervenção em que devo referir-me, embora em traços largos e para terminar, a outros aspectos da vida agrária a que os agricultores de tabaco do Norte de Moçambique poderiam dedicar-se. Quero referir-me, por exemplo, ao mixed-farmig, praticado com êxito nas Rodésias, que é o sistema da exploração de outras actividades agrárias, nomeadamente da criação de gado, em conjunto com a cultura do tabaco.
A região de Malema é banhada pelo rio deste nome e pelos rios Nataleia e Mutivase. As terras são boas e a água é abundante. Além daqueles rios, há muitos cursos de água de carácter permanente. O clima é bom.
É região indicada para a fixação de núcleos de colonização e povoamento; pequenos agricultores, com as suas famílias, instalados nas margens dos rios, com estações de bombagem para as culturas de regadio. Além da cultura do tabaco, tradicional da região, poderiam dedicar-se a muitas outras culturas, nomeadamente das que fossem susceptíveis de industrialização, e à criação de gado leiteiro para o fabrico de manteiga e queijo. Os produtos agrícolas seriam industrializados em fábricas pertencentes a cooperativas organizadas pelos próprios agricultores. Dada a regularidade das chuvas, o milho, o trigo e outros cereais poderiam também ser largamente cultivados em terrenos de sequeiro.
Por este processo, poderiam ser instaladas centenas de famílias, que transformariam, em poucos anos, o aspecto económico e demográfico daquela região do Norte.
Os agricultores de tabaco que não quisessem dedicar-se a outras formas de agricultura deveriam, pelo monos, dedicar-se à criação de gado bovino para corte, tanto mais que o Norte da província é pobre de carne para alimentação das suas populações. É uma actividade que seria muito rendosa, pelo que é pena que não tenha merecido já uma maior atenção, quer da parte dos agricultores, quer dos serviços oficiais.
O distrito de Moçambique, com 15 360 cabeças de gado bovino e 61 796 de outras espécies (arrolamento de 1962), apenas possui um médico veterinário, em Nampula, que tem certamente de multiplicar-se em actividade e esforços para que a sua acção possa estender-se não só ao número de cabeças de gado ali existentes, como também à sua própria extensão territorial.
Disseram-me que, há anos, o médico veterinário que então chefiava a Repartição de Veterinária do distrito - o Dr. Manuel Eduardo de Sousa Santos - propôs ao Governo da província que uma manada de gado bovino, pertencente ao Estado, que se encontrava em Mogovolas, fosse distribuída pelos agricultores, com a condição de estes restituírem, mais tarde, em crias fêmeas, o número correspondente ao das cabeças que tivessem recebido. As crias devolvidas seriam, por sua vez, distribuídas a outros agricultores.
É fácil imaginar o que teria resultado desta iniciativa aparentemente simples e, na realidade, com pouco dispêndio para o Estado.
Mas esta iniciativa também se perdeu, como tantas outras, que teriam feito de Moçambique um território mais progressivo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Anda muita gente a pensar nos grandes projectos, com o cérebro esbraseado pelas grandes ideias, quando, afinal, se todas essas modestas ideias e esses pequenos projectos tivessem sido aproveitados, muito se teria feito para o bem e para o desenvolvimento de Moçambique.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A ideia do Dr. Sousa Santos não perdeu a oportunidade, pois a pecuária no Norte continua a ser uma actividade limitada. Estamos ainda muito a tempo de a pormos em prática. O Estado poderia adquirir gado no Sul e distribuí-lo por agricultores do Norte da província. Esses agricultores não precisariam assim de fazer investimentos- que o seu orçamento não pode comportar. E no fim de alguns anos a riqueza pecuária criada compensaria sobejamente o investimento que o Estado tivesse feito.
O projecto do Dr. Sousa Santos talvez fosse demasiado modesto para merecer atenção. Dir-se-ia que apenas interessam os grandes projectos, em que tanta vez se perde inùtilmente o dinheiro que teria dado concretização a muitos pequenos projectos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É o caso dos grandes projectos de rega. Concordo inteiramente que é preciso represar as águas dos rios. Mas enquanto não se represam essas águas, porque não existem estudos nem dinheiro para a execução das obras, não se devem cruzar os braços. As águas preciosas continuam a correr para o mar, enquanto as culturas das margens secam por falta de rega. Quando, afinal, com estações de bombagem instaladas nessas margens muita dessa água poderia ser aproveitada, criando-se enormes somas de riqueza.
Em matéria de silvicultura pouco ou nada se tem feito na província. Mas no Norte nada se fez.
No distrito de Moçambique as lenhas têm grande consumo, quer como combustível para os comboios, quer nas estufas de secagem do tabaco. Derrubam-se as florestas, mas não se faz o repovoamento.
Em todo o distrito apenas existe um engenheiro silvicultor: o chefe da Secção Florestal da Repartição de Agricultura do Círculo do Norte, em Nampula.
Antes da publicação do Decreto n.º 44 531, de 21 de Agosto de 1962, que veio trazer esperanças de fomento silvícola, aquela Secção Florestal dispunha da dotação anual de 25 contos, que era pràticamente utilizada, na totalidade, na reserva de Matibane. Mas desde que foi criado o Fundo de Fomento Florestal, em conformidade com o decreto citado, deixaram de ser-lhe atribuídas quaisquer dotações. Por este motivo a Secção Florestal de Nampula limita-se apenas a informar pedidos de licença para cortes de lenhas e madeiras. Se dispusesse de verbas, poderia fazer reconhecimentos, estudos e trabalhos de arborização.
Enquanto na África do Sul e nas Rodésias se tem dedicado atenção cuidadosa à criação de florestas, algumas
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de vastas dimensões, cujas madeiras já estão a ser utilizadas pela indústria daqueles países, sobretudo na África do Sul, em Moçambique continuamos numa apatia que terá repercussões ruidosas no futuro da província. Continuamos a derrubar as florestas que a natureza pôs à nossa disposição, numa dádiva generosa à qual não temos sabido corresponder com o repovoamento e com a plantação de novas florestas. Entretanto, as nossas importações de madeiras continuam a subir consideràvelmente, andando já na casa das dezenas de milhares de contos anuais.
Deveria deter-me aqui um pouco mais na apreciação do problema florestal de Moçambique, dada a sua enorme importância, mas isso ultrapassaria o âmbito restrito que pretendi dar a tal problema nesta intervenção.
Sr. Presidente: estas considerações finais, feitas em rápido bosquejo, vêm a propósito da necessidade urgente de se dar um grande impulso ao Norte de Moçambique, região que andou muitos anos esquecida, promovendo-se o desenvolvimento da agricultura, da silvicultura, da piscicultura nas águas interiores, da pecuária, das minas; construindo-se estradas e pontes; facilitando-se a instalação de indústrias e o exercício do comércio.
A área dos distritos talvez seja grande de mais para permitir aos respectivos governadores um contacto mais directo e mais estreito com as suas necessidades e aspirações. Haveria talvez que dividi-los em mais distritos e descentralizar a favor deles a máquina administrativa do Estado, que teima em concentrar em Lourenço Marques serviços que deveriam estar no Norte e deliberações, decisões e despachos que deveriam pertencer inteiramente aos governos desses distritos, dando-se-lhes uma maior autonomia e iniciativa.
Então o progresso de Moçambique seria mais rápido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata sobre o turismo português.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Rosal.
O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: têm a mais viva razão de ser e palpitante actualidade as questões levantadas pelo aviso prévio sobre turismo, que estamos discutindo.
Foram elas postas e desenvolvidas com rara felicidade e substancial conteúdo pelo seu autor, Dr. Nunes Barata, nosso valoroso camarada destes torneios de oratória em que temos andado empenhados numa série de avisas prévios, na falta de melhor, exaltando virtudes, carpindo desventuras e fazendo alvitres com conhecimento de causa, que mais poderes não temos em temas de tanta monta, manejando, por vezes, e a custo, a espada da política por tantos títulos embotada.
E todos, apesar de tudo o que se disse, acabaram em bem, cobertos por formosas moções.
O sabor político que alguns de nós damos às intervenções tem o mérito de conservar uma tradição indispensável, quando salutar, e arejar o ambiente impregnado de tanto tecnicismo de muitas estatísticas, citações e elogios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com esta deixa atrevo-me a dizer duas palavras, não para levantar uma questão, mas, apenas, para solicitar uma meditação a quem as não tenha por impertinentes.
Temos uma política a que aderimos, pùblicamente, mas que no geral se não pratica nem se estima na plenitude do seu credo com o melhor da nossa inteligência.
O próprio Estado, que é corporativo, a não respeita quando se apresenta protegendo soluções de puro liberalismo para determinados problemas, quando não de carácter socialista.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos vivido uma situação de compromisso, respeitando a palavra dada e convivendo com alto espírito de compreensão, dando provas do mais acendrado patriotismo.
Há disciplina nas fileiras, lealdade para com o chefe, mas não há comunhão de ideal que seja capaz de nos manter unidos e válidos para além do condicionalismo político em que vivemos.
Servimos o presente como se não houvesse futuro em que valha a pena pensar, neste mundo de desvairada gente que anda ao sabor de chamados ventos da história, sem rei nem roque.
Mantemos as mesmas reservas mentais, em matéria de formação ideológica, que tínhamos quando nos juntámos por estar em causa a salvação pública.
Já lá vão cerca de 31 anos em que por plebiscito se aprovou uma constituição, na qual se definiu a organização do Estado e os princípios fundamentais para o seu governo e para orientar a vida nacional.
Princípios que se invocam para tentar chamar à ordem aqueles que criticam usos e abusos, mas não para meter na ordem aqueles que cometem os factos condenáveis que dão motivos as críticas, com a ideia errada que deste modo se defende o prestígio da autoridade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Um período de 31 anos é tempo mais que suficiente para rever conceitos à luz da doutrina instituída, abdicando de alguns princípios e aceitando outros que o tempo e a experiência possam ter mostrado que são meritórios para aperfeiçoar e enraizar o Regime, garantindo a sua continuidade, expressa em certezas de carácter social, económico e moral.
São ténues os laços que nos unem, e que podem partir-se, de um momento para o outro, por fraquezas da condição humana, lançando o Regime no vácuo, e nós cada um para seu lado, impotentes e vencidos, por imprevidentes, ou a lutar por uma herança que se pode materializar numa desilusão, perdendo-se o certo pelo duvidoso, agarrados como náufragos a palavras que perderam o seu significado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não nos esqueçamos de que temos um inimigo comum, que não se vê, mas que existe e nos espreita, dando de tempos a tempos um ar da sua presença
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e que se apresentará em potência em momento de fraqueza ou de hesitação.
Se não estivermos preparados para o enfrentar em todas as contingências, com um baluarte firme e unido por arreigadas convicções e comandado por homens que foram aos comandos de todos os sectores por valor, publicamente provado, e com ânimo de antes quebrar que torcer, perder-se-á tanto daquilo que se ergueu, por esse Portugal fora, para servir o bem comum, com o génio de Salazar e o suor de tanto rosto e ao qual se juntam agora lágrimas e sangue que, heròicamente, outros estão derramando para manter íntegra a honra e o território.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: fico por aqui neste grito de alma que à boca me veio, simples pincelada num painel que pede mão de mestre para lhe dar cor e movimento, de modo que a cidade nova que construímos seja cada vez maior e acolhedora e perdure para além dos homens que a construíram, não só para ser uma verdadeira casa de pais, segundo a melhor tradição portuguesa, mas também para ser escola de filhos que lhe sejam fiéis sem deixarem de ser do seu tempo.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - Depois deste ligeiro e despretensioso desabafo volto ao tema do aviso prévio.
O número das inscrições e a qualidade das intervenções já produzidas exprimem claramente o pensamento e os desejos e anseios da Câmara, que no caso se confundem com os do País sobre este assunto, que com motivos sérios tanto e tantos preocupa.
Ele não está apenas na nossa ordem do dia, mas também figura na ordem do dia dos domínios da opinião pública autorizada, para o agitar com saber de experiência feito e consciente do seu real valor.
Pena é que aquilo que se relata nos diários não seja lido com maior atenção e deferência por quem tem o direito e a responsabilidade de dirigir a vida pública e privada.
Tantos são os ensinamentos que encerram dignos de crédito, aflorados por parte daqueles que vivem o dia a dia da vida de relações e de trabalho, em fraterno convívio com os homens, lidando com as coisas e em contacto íntimo com os acontecimentos, sentindo os seus abalos e suas repercussões.
As lições que assim se recebem não ilustram os conhecimentos teóricos absorvidos no silêncio dos gabinetes.
Esta circunstância tem conduzido às vezes a concepções, sobre os mais instantes problemas, muito bem deduzidas e programadas, mas sem sentido prático para realizar aquilo que de facto se deseja.
E porque assim se pensa, em muitas partes se recrutam os homens do Governo no seio das grandes empresas ou dos sectores da Administração onde se têm revelado dirigentes e administradores de qualidade.
Sr. Presidente: há muito tempo que o fenómeno turístico se processa no Mundo com exuberante fertilidade, e nós temos andado entretidos a fazer poesia sobre ele, encarecendo as nossas belezas naturais, com acentuado finca-pé, no mexido e colorido do folclore e no choradinho do fado.
Por toda a parte o turismo é, desde há muito, tido como firme alavanca de fomento e de progresso.
Nós não o temos ignorado inteiramente, mas temos andado com ele em mãos sem lhe saber mexer, de modo a dar-lhe o jeito, o feitio e a alma de gente grande.
Agora, e depois de alertados por homens lá de fora que estão com os olhos postos em nós e as mãos nas nossas coisas, experimentados empreendedores, sempre atentos à evolução das sociedades e tendências humanas, para as explorarem em seu proveito, com carícias ao bem comum, estamos vendo o que não temos querido ver e vamos andando à moda da Maria vai com as outras, com respeitáveis realizações no sector hoteleiro e ainda não cientes e conscientes da grandeza da missão.
Em consequência deste atardar, além daquilo que já foi pela borda fora por atraso, alguma coisa mais irá, e permanentemente, como remuneração dos investimentos de capital estrangeiro. O nosso prefere recolher-se egoìsticamente nas burras dos bancos, enchendo-as, e estes, pelo condicionalismo em que vivem, não o podem movimentar até onde seria para desejar com o sentido económico e social, frustrando-se desta maneira os desígnios da sua verdadeira virtude.
Prefere viver no aconchego da usura que a actividade bancária administra com segurança e com óptimos resultados, acusados nas contas de gerência e no espalhar de agências a torto e a direito. Tantas como cafés, que também é negócio para viver de ociosos, aos quais disputam, a peso de ouro, localizações e ultrapassando-os em luxo, com requintes de perdulário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em cada canto um Espírito Santo!
Sr. Presidente: parece ter chegado, felizmente, a hora de o turismo subir as escadas do poder e ser recebido e ouvido com algumas honras, mas não todas.
Já não era sem tempo!
Ao ouvir falar dele com voz alta, firme e autorizada, e sabido como é que as perspectivas do turismo se mantêm prometedoras, tenhamos fé e oremos pela absolvição dos pecadores, pedindo a Deus que nos ilumine enquanto é tempo e a maré enche.
O comité de turismo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico dá a conhecer no seu relatório referente a 1962 e com apontamentos sobre os primeiros meses de 1963 a evolução e as tendências do turismo nos países membros e na Jugoslávia.
Se bem que as estatísticas publicadas sofram a influência dos métodos e interpretação diferentes para definir turista, são contudo suficientemente elucidativas sobre a marcha e consequências do surto turístico no espaço mundial onde tem as mais fundas raízes e dá os mais apetecidos frutos e são fontes de estímulo e de exemplo.
Diz-se nele em resumo:
Que o movimento turístico em 1962 se manteve, mais ou menos, no ritmo do ano anterior;
Que nos primeiros meses de 1963 sofreu uma flexão, devido a más condições climáticas que se registaram nas regiões onde se localizam os mais procurados centros de turismo, mas tida como recuperável durante os restantes meses do ano;
Que a pressão turística se exerce no sentido da Europa meridional;
Que se desenvolve um maior intercâmbio turístico entre a Europa e a América do Norte, devido ao emprego de meios mais rápidos de transporte, que encurtam as distâncias, e da oferta de tarifas mais baixas, acompanhadas de facilidades de pagamento, o que alarga a outros sectores da população as possibilidades de viajar;
Que Portugal beneficiou nos primeiros meses de 1963 por excepcionalidade do tempo e da preferência das
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novas tendências turísticas, atingindo a maior percentagem de aumento geral do ritmo turístico, e de americanos em particular.
Em conclusão: pode dizer-se que o turismo é uma realidade cada vez mais potente e que se inclina para nós com a melhor simpatia e curiosidade.
Se isto dá motivos a regozijo, também dá origem a sérias preocupações, por nos encontrarmos numa encruzilhada em que a curiosidade se pode transformar em desapontamento.
Sr. Presidente: o problema não tem passado despercebido ao Governo, mas não tem sido enfrentado com as decisões solicitadas desde há muito.
Em 1952 a Câmara Corporativa emitiu um desenvolvido parecer sobre turismo, solicitado por um projecto de estatuto de turismo elaborado pelo Governo, ao qual foi entregue fez precisamente em Fevereiro passado 12 anos.
Nele se apreciava detalhadamente a conjuntura turística mundial e se recomendavam as bases para estabelecer uma política de turismo eficiente.
Num passo das suas conclusões escreveu-se:
A reforma do turismo, além de necessária, tem uma oportunidade, que não carece de demonstração especial, em ordem à expansão do fenómeno turístico em Portugal, inteiramente justificada tendo em atenção o nosso clima, as nossas belezas naturais e artísticas, a paz política e social de que gozamos, o pitoresco dos nossos costumes, o interesse da nossa história, o carácter e a educação da nossa gente e o progresso do País.
O estatuto do turismo não deve ser uma codificação da legislação que convenha manter em vigor, mas sim um diploma fundamental constituído por princípios normativos gerais e em que se caracterizem os objectivos a atingir e os meios a empregar e os órgãos a utilizar para a realização de uma vasta e eficaz acção turística.
O Governo, porém, que teve a iniciativa, não julgou oportuno tomar a posição que a Câmara - Corporativa aconselhou, e só a partir de 1954 começou a preocupar-se devidamente em fomentar um dos mais úteis sectores da actividade turística, a hotelaria. Até então o fomento do turismo esteve pouco mais que limitado a uma propaganda sem apoio logístico.
Nesse ano enviou para discussão na Assembleia Nacional um projecto de lei sobre indústria hoteleira, com disposições para estimular investimentos particulares em instalações hoteleiras, o qual depois de discutido e aprovado deu origem à Lei n.º 2073, que produziu benéficos resultados.
Em 1956 deu o Governo mais um passo no caminho da valorização turística ao mandar para a Assembleia Nacional outro projecto de lei sobre turismo.
Com ele, que depois foi a Lei n.º 2082, se deu à organização e à administração do turismo a actual feição.
Na discussão dos projectos de lei a que aludi foram focadas as virtudes do turismo em brilhantes intervenções, nas quais tomei parte com modestos depoimentos, chamando a atenção para o contributo que o Algarve lhe podia prestar.
Na elaboração dos planos de fomento, discutidos e aprovados nesta Assembleia, ignorou-se a indústria do turismo, o que foi notado por alguns Srs. Deputados, dando-se singular relevo a outras de sucesso e rentabilidade mais duvidosos.
Também me associei à sua discussão, continuando a bater a tecla das condições naturais do Algarve para fomentar entre nós uma próspera indústria de turismo.
A construção do aeroporto de Faro, que foi nas minhas intervenções um dos cavalos de batalha, que felizmente já saltou os obstáculos, está em vias de chegar à meta e passar a ser factor precioso na marcha para o futuro.
Sr. Presidente: finalmente, chegou o momento em que o Governo deu a conhecer ao País, com certo desenvolvimento, o que pensa e como deseja executar uma política de turismo, que necessita de ser definida e esquematizada em todos os seus aspectos para ser ciência e arte de governar.
A atitude agora tomada dá a entender que se pôs cobro a uma crise de entendimentos que se arrastou para além daquilo que humanamente era de admitir.
Se a comentei nesta hora de esperança foi tão-sòmente para lembrar um ,passado que deve estar sempre presente para que não sejamos tolhidos pelas mesmas inibições.
Falou o Governo pela boca do Sr. Subsecretário da Presidência do Conselho, ao presidir à reunião de 7 de Janeiro do corrente ano do Conselho Nacional de Turismo.
O País ouviu com o maior interesse o que disse e aguarda que o pensamento se transforme em força capaz de vencei-as resistências e transpor o fosso do nosso atraso.
Não faltou nas considerações que fez a nota, bem assente, da importância do turismo e dos seus reflexos e consequências de toda a ordem no progresso das nações e no viver dos povos.
Não faltou a adesão entusiástica, própria de um espírito moço disposto a entregar-se, inteiramente, a uma das mais aliciantes tarefas nacionais da nossa época.
Não despida de ponderação e equilíbrio, para que tudo se realize num clima em que a acção se desenvolva conforme as possibilidades e as razões de preferência.
Não faltou o pedido de apoio e colaboração indispensável ao bairrismo local e ao potencial e engenho da iniciativa particular.
Não faltou a indicação de pontos de apoio para desencadear algumas ofensivas de sector. Para tal anunciou-se um planeamento, para ser executado num período de cinco anos, com a ajuda de especializados técnicos estrangeiros e de investimentos do Estado para as infra-estruturas de interesse turístico, que, naturalmente, não se situam no âmbito das iniciativas privadas e são essenciais para que estas se instalem e progridam para assumirem papel de relevo no conjunto do panorama turístico.
Mantém-se contudo a estrutura de comandos sem capacidade orgânica, e consequentemente impeditiva da criação de uma nova mentalidade, que podia vir do seu reforço, para dar aos novos rumos o espírito e o movimento que não cabem nas suas limitações.
Neste particular, que é básico para nortear uma verdadeira política de turismo, será tudo como dantes: quartel-general ... nos Restauradores, catedral do nosso turismo, onde muitos entram e já poucos ajoelham nos seus altares, por terem perdido a fé nos seus santos e nas virtudes do bem falar e dos slogans para fazer o milagre que pedimos em nossas rezas e foi realizado ao pé da porta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto é, na vizinha Espanha, por esclarecidos e decididos homens de boa vontade, que se revêem hoje na sua obra com justo orgulho e satisfação pelos benefícios de toda a ordem que derramaram sobre a pátria, mesmo contrariados por uma ofensiva externa que
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quis provocar o seu isolamento no concerto das nações e, afinal, se traduziu num aumento de convivência com estranhos que em 1950 não chegavam ao meio milhão e ultrapassaram em 1963 a casa dos dez milhões.
Isto atesta que as atitudes insensatas de homens responsáveis pelos governos das nações nem sempre são, felizmente, aceites e seguidas pelos povos que governam.
O êxito da nossa política ultramarina, deturpada e mal compreendida por tantos homens responsáveis pelos destinos do Mundo, depende muito de uma viragem de atitude por pressão dos acontecimentos e de uma opinião pública bem informada, como aquela que se está operando no Brasil com estimada simpatia e esperançoso exemplo. Para essa viragem muito pode contribuir o turismo, aliado a uma informação bem inspirada e conduzida.
Que o incentivo que nos vem de Espanha possa ajudar o pensamento e os planeamentos que estão germinando e decorrendo desde 1962.
Não quero dizer que seja muito tempo para tanta coisa, nem desespero para quem tem esperado tanto. Posso dizer que é muitíssimo para quem bastante necessita e ouve bater à porta tantos oferecendo generosamente muito do que precisamos nesta hora difícil.
Termina o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho a sua brilhante exposição pondo em relevo o valor turístico do Algarve e da Madeira no conjunto turístico continente-ilhas adjacentes, como regiões susceptíveis de manter uma corrente turística para o País durante todo o ano, beneficiando assim todo o território, desde que tenhamos bem abertas as comunicações e servidas por transportes cómodos e rápidos em todos os sentidos. Não é de mais acentuar que os casos da Madeira e do Algarve não se situam no campo puramente regional, e desta maneira se percebe a razão preferencial com que o Governo os distingue e solicitam a maior compreensão, simpatia e colaboração de todas as actividades turísticas nacionais.
Simpatia, tão gentilmente manifestada, não só pelo ilustre Deputado avisante, mas também pelos três distintos oradores que ontem subiram a esta tribuna para falar acerca de turismo e produziram intervenções do mais fino quilate no descritivo e nas sugestões para o servir nos seus aspectos nacionais e regionais.
Sinto-me por tudo obrigado a saudar os distintos colegas e Srs. Deputados Dr. Nunes Barata, Dr. Agostinho Cardoso, Moreira Longo e Dr. Alberto Meireles, em nome da representação que tenho do Algarve e em meu nome pessoal, pelo brilho das suas intervenções e pelo carinho com que se referiram à minha província.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A todos muito obrigado.
Como algarvio e Deputado pelo Algarve, tenho o major prazer em felicitar o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho pela maneira distinta e clarividente como apreciou, comparou e mediu aquilo que caracteriza a minha província como excepcional região de turismo, a qual, se for devidamente apetrechada, será, sem sombra de dúvida, uma das pérolas do turismo mundial.
As suas palavras não deixam dúvidas quanto à fé que o anima e à confiança que deposita no seu poder coordenador, que tanta virtude terá de ter, e aos meios que tem de mobilizar quando diz que não existem dificuldades insuperáveis.
Como não há bela sem senão, nem sempre por defeito dela, mas dos olhos que estão postos nela, sinto-me tocado por certa intranquilidade, que seria condenável esconder.
Confia-se demasiadamente nos meios à disposição das autarquias para ocorrer aos encargos com as infra-estruturas; turísticas em matéria de abastecimento de água, saneamento, electrificação e comunicações, como, aliás, já fiz sentir quando falei na apreciação da Lei de Meios para o corrente ano.
Estes problemas mantêm-se insolúveis, em muitas partes, por falta de recursos financeiros dos municípios, apesar dê serem os que mais os preocupam, por constituírem as aspirações mais estimadas na população.
A situação agrava-se, por efeito do turismo, com a criação de novos aglomerados populacionais e mais exigentes. É evidente que só o Estado os poderá resolver com a segurança e a urgência que requerem, com dotações especiais ou tomando providências excepcionais, que estão na sua competência, porque excepcionais são as circunstâncias e os interesses em causa.
Também se me afigura inquietante a hesitação que se revela perante a estruturação dos órgãos regionais para o turismo, que pode ter origem em solicitações de natureza divergente que tenham chegado ao seu conhecimento, mas que têm de ser afastadas por quem tem a obrigação de ouvir todos, como aconselha o bom senso administrativo, e resolver com oportunidade, como o pede o bem comum, que é missão dos homens do Governo, e a oportunidade está à vista.
Não é curial, nem as circunstâncias o consentem, sem perigo, aguardar a evolução de uma batalha que se anuncia para já para organizar em pleno movimento órgãos que têm de colaborar na elaboração e execução dos projectos em que ela deve assentar.
A hipótese de criar no Algarve mais de uma região de turismo não a tenho como boa, por contrariar a unidade geográfica e ética de uma província, que nenhuma há que a tenha mais distinta, e enfraquecer os meios humanos e materiais, que não abundam e são indispensáveis para colaborar nas iniciativas, nos projectos e nas realizações, dizendo uma palavra para que na ânsia do progresso se respeitem tradições e costumes e legítimos interesses e queridas aspirações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se pode conceber porque não há Algarve-A e Algarve-B. Mas só Algarve, uno e harmónico, não orquestração dos tons diferentes da sua paisagem, que desce do alto da serra à beira-mar, povoada, é certo, por gente que veste e fala com sotaque diferente, consoante ela, mas vive numa comunhão de sentimentos, atitudes e procedimentos que caracterizam o Algarvio e não se apaga onde quer que ele esteja e é digna de apreço e respeito.
O Sr. Rocha Cardoso: - É assim mesmo!
O Orador: - Criar mais órgãos locais de turismo com os poderes e recursos de que dispõem é outra hipótese que não se aconselha.
Será contribuir para manter um estado de não cooperação para as grandes coisas, entretendo-se os homens, de costas voltadas uns para os outros, a gastar energias e a despender fundos com coisinhas que, mesmo quando são coisas, o são sem as dimensões que as actuais circunstâncias recomendam, muitas vezes não por falta de visão e espírito realizador de alguns, mas tão-sòmente por falta de conjugação de esforços e de recursos e acerto de opiniões.
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Uma comissão regional, na qual tenham representação todos os municípios e os valores económicos, culturais e sociais e representantes regionais das actividades do Estado e ainda todos os que se mostrem vinculados ao turismo, com delegações nos locais onde o interesse turístico o imponha, julgo ser o organismo que convém e deve ser criado desde já para representar o Algarve com autoridade junto dos órgãos centrais do turismo, que às vezes, lamentàvelmente, o esquecem ou não o compreendem, por falar pela boca de muitos ou porque fica mudo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se compreende, por exemplo, que uma visita ao Algarve não tivesse sido proporcionada aos congressistas que tomaram parte na reunião das agências de turismo de todo o Mundo. Assim se perdeu a ocasião para uma valiosa propaganda do Algarve, que tão cedo não haverá com tamanha dimensão e distinção.
Como também não se compreende a razão por que não se incluiu o Algarve no calendário das festas regionais do turismo, organizadas pelo Secretariado Nacional da Informação com projecção internacional.
Não será o Carnaval no Algarve, geralmente ambientado pela floração das amendoeiras, e que tem na batalha de flores de Loulé o seu nível mais alto, com nome firmado nos atractivos recomendados pelas agências de viagens estrangeiras, digno de tal distinção?
Não se deve perder a tradição desta batalha de flores, sustentada quase exclusivamente pelo brio e espírito engenhoso, e até de sacrifício, dos Louletanos, e que este ano não se realizou por vários motivos, entre os quais avultou a quebra do seu tradicional bairrismo, minada por forças do mal, e o medo ao risco financeiro, que deve ser coberto por quantos realmente beneficiam do movimento turístico que a batalha de flores provoca e pelo Secretariado Nacional da Informação, que a deve acarinhar com os meios que tem ao seu dispor para manifestações desta natureza.
O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - Este e outros motivos de distracção devem, com a organização de roteiros paisagísticos, culturais e históricos, constituir um programa de recepção para interessar e ocupar os turistas durante estadas em regiões onde são atraídos por efeito de anunciadas solenidades, festivais ou por motivos naturais da ocasião.
Porque ele faltou no Algarve durante a quadra do Carnaval, que este ano coincidiu com a plena floração das amendoeiras, e ainda por dificuldades para alojar e, servir refeições a tantos que se deslocaram, teve como resultado muitos aborrecimentos e decepções, que muito contribuem para prejudicar o desenvolvimento turístico da região.
Que o sucedido sirva de ensinamento, para não deixar repetir desagradáveis acontecimentos.
Temos de estar atentos e tomar providências sobre deficiências notadas desde há certo tempo nos abastecimentos, que não passaram despercebidos na exposição do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, que afectam a marcha do turismo e podem ser resolvidas, com relativa facilidade, desde que seja feito pelos serviços competentes do Ministério da Economia o ordenamento agro-pecuário do Algarve, que tudo pode dar e do melhor, beneficiado como está com duas importantes barragens. É imperdoável que só por falta de iniciativa e determinação de providências de pouco custo continuem a faltar as hortaliças, as carnes e o leite para o auto-abastecimento da província, provocando dores de cabeça aos hoteleiros e o desequilíbrio da economia dos que vivem à margem do turismo, pelo encarecimento dos produtos alimentares, devido à sua escassez.
Sr. Presidente: foi recentemente nomeado um delegado do Fundo de Turismo para o Algarve com amplos poderes de inspecção, coordenação e informação.
Na falta de um órgão de turismo regional, colocado dentro do esquema geral da organização turística, cuja acção flutua ao sabor de uma legislação dispersa e desactualizada, guiada por despachos de boa vontade, não será fácil ao delegado do Fundo de Turismo cumprir bem a sua missão.
Para conhecer os problemas do turismo regional na sua intimidade, e é nela que as pessoas e as coisas completamente se revelam e nos elucidam, terá de andar de terra em terra e de porta em porta, ouvindo um e outro, só porque não tem com quem fale em nome de todos.
Não há maestro, mesmo que tenha a mão firme para empunhar a batuta e saiba muita música, que seja capaz de tocar ópera com orquestra em que os músicos não afinam pelo mesmo diapasão por estarem dispersos, uns sem instrumentos e outros sem fôlego; quando muito poderá tocar um corridinho, muito pulado, à moda da região, mas desafinadamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tanto mais quando é certo que irá encontrar, por muita parte, os homens desavindos, quando era necessário que estivessem unidos nesta oportunidade, em que todos não são de mais para elevar a sua terra aos altos cumes para que está fadada pelo signo do turismo, com o melhor da sua inteligência e do seu ânimo, que estão desperdiçando inglòriamente em questões de campanário.
Tendo sempre presente à mesa pequenas coisas que dividem e nunca sentando nela os verdadeiros problemas regionais que a todos podem unir.
Tudo por imprudências cometidas, umas sobre as outras, por um ou dois, que detêm ali na mão as varas do mando da autoridade e da política, e tão desorientados andam que não aceitam o conselho e a colaboração que lhes é oferecida, só por amor do Algarve, para ser detida a onda de desagregação que estão soprando mesmo na direcção daqueles que lhe têm querido fugir, prudentemente, e já não podem sem trair o mandato que se pretende menosprezar, negando direitos que a Constituição concede.
A união em que tanto se fala, e sentimos ser indispensável para enfrentar um inimigo capcioso que de fora nos ataca e nos desgasta, não será conseguida estendendo a mão a adversários que a recusam & maltratando e expulsando violentamente do convívio nacionalista muitos dos mais dedicados só por não dizerem amém a atitudes que se não têm como certas e correctas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode pensar-se que por falta de informação bebida em boas fontes, e assim as aparências são tidas e havidas como realidades.
Uma vez que se quis aprofundar, logo se viu que era desta maneira.
Sr. Presidente: o tom de inconformismo que dei às minhas considerações podem dar-me o ar de indisciplinado ou de falho de entendimento, quando desejei apenas ser fiel aos princípios que informam o Regime, ao qual tanto se deve, servindo com lealdade, e não com servi-
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lismo, que não é da minha condição, a ainda para ser útil à minha infortunada província, não movido por prémio vil ou vã cobiça e glória de mandar, mas tão-sòmente por amor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nesta sociedade que vive sobre a pressão do deixa andar, cada um que se governe, sei que são tidos como errados os que ainda se batem pela pureza e espiritualidade dos sentimentos, mas, mesmo assim, prefiro, nesta fase da vida em que a luz se vai pouco a pouco amortecendo, persistir no erro, tendo a ilusão de que estou na verdade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Folhadela de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: nos últimos anos, em Portugal, nenhuma palavra deve ter sido usada tantas vezes como o substantivo «turismo». Tudo lhe dedica maiores ou menores comentários e, caso curioso, não há quem se não julgue com ideias precisas e conhecimentos exactos do assunto.
Quer com sugestões válidas ou vazias de conteúdo, seja em críticas pertinentes ou ridículas, a verdade é que o problema do nosso turismo brota, como mote apaixonante, no dia a dia das conversas.
Com a tranquilizante certeza de ser mais um entre tantos, também falarei de turismo.
uero primeiramente cumprimentar o nosso ilustre colega Nunes Barata, sempre alerta nos problemas que mais interessam à vida nacional, por ter trazido à Assembleia questão de tamanha actualidade. A forma exaustiva como o Sr. Deputado avisante estudou o problema e opinou soluções é trabalho digno do maior louvor e constitui valioso contributo para uma esclarecida política de turismo que desejamos ver executada.
São sobejamente conhecidas as vantagens que aspiramos obter do turismo. Ao enumerá-las ou dar-lhes relevo, teria de abusar da paciência de VV. Ex.ªs e, portanto, não o farei.
No mar das apreciações que se fazem ouvir, um ponto comum é o reconhecer-se a necessidade da sua expansão planeada. Por outro lado, lastima-se o conformismo e a ausência de entusiasmo que afectaram o aspecto directivo e que vieram a traduzir-se na inexistência de um programa orientador de conjunto.
Sei que muito se vem tentando. Mas receio os passos hesitantes, sem rumo, a exalarem a aridez das coisas improvisadas, mesmo quando a ideia é aliciante e o resultado satisfatório. Porém, esses ensaios - e creio de outra coisa, se não tratar - são já reflexo da reacção contra o imobilismo que pairava nos serviços centrais, imobilismo a que a própria estrutura conduzia.
O corpo directivo do nosso turismo sofre da acanhada organização de que dispõe, pois os serviços são demasiado limitados para a dimensão em que hoje devem actuar. Por isso, a reforma do sector central é uma necessidade que a expansão, embora modesta, mas processada em crescente ritmo, justifica.
Há radicada esperança em maior afluência de turistas para os próximos anos. Tal previsão obriga a pensar sensatamente no aumento, adaptação e melhoria dos serviços, por forma a torná-los preparados para o futuro.
E esse reajustamento não poderá deixar de ser acompanhado de atenta e esclarecida política de fomento turístico.
Precisamos da palavra de ordem, de conhecer a orientação, enfim, de um plano turístico nacional. Sem ele tudo se resume a improvisações, nascidas de mais ou menos feliz inspiração. Mas, a partir do momento em que esse planeamento seja uma realidade, então, sim, será a altura de se conjugarem todos os esforços para a sua execução eficaz.
Convém lembrar que um programa nacional de turismo não pode ser cumprido apenas pelos departamentos respectivos, pois só do ambiente mentalizado de sectores oficiais e particulares dependerá o seu êxito. Colaboração em ampla campanha à escala nacional, no rumo preestabelecido, é garantia de úteis efeitos, ainda que a longo prazo.
Não se tem visto, ou muito raramente se vê, nessa interdependência a cooperação necessária ao sucesso de algumas iniciativas.
Em matéria de turismo, ou aparece uma absoluta concordância e colaboração de actividades afins, ou o resultado é contraproducente. Tenhamos presente o caso passado na Madeira nos- princípios deste ano ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para obtermos a certeza do sucesso que desejamos, impõe-se uma estreita ajuda de todos os serviços públicos, de modo a eliminar a possibilidade de qualquer deslize, o que quer dizer a eventual destruição de um laborioso programa devido à incúria ou mesmo má vontade de um sector.
Temos raras condições naturais para competir no campo turístico europeu. E digo europeu visto que, embora hoje pese o gosto pelo exótico - cartaz quase único de outros continente -, não é de molde a suplantar os quadros legados por milénios de presença civilizada, de que a Europa se pode orgulhar.
São, portanto, essas condições que urge industrializar, fazendo-as acessíveis, aproveitando-as em todos os aspectos, tirando vantagem das suas particularidades de realce. Não nos podemos limitar a que sejam os nossos visitantes, apenas eles, os propagandistas da invulgar posição que visamos obter no campo turístico.
O Sr. Manuel João Correia: - Muito bem!
O Orador: - Precisamos de ir muito mais longe: saber chamar visitantes, atraí-los a sugestivas férias, fazer ver que o nosso país é algo diferente de tudo que conhecem, o que implica criar condições de comodidade para a sua estada.
Não é minha intenção apreciar o mérito das delegações do S. N. I. nos países onde actualmente funcionam. Assim, apenas me limitarei, desolado, a confessar que há casos em que a sua eficiência está longe de se situar em plano lisonjeiro.
É bem natural que haja sérias razões para remodelar os nossos serviços de informação e propaganda além-fronteiras. Com esperança, desejo que esse intuito de remodelação se não dê por satisfeito logo que substituir as esgotadas fotogravuras da minhota e do campino ou do galo de Barcelos que a viagem ou o pano do pó danificaram.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Oxalá se estenda também à decoração, que convém ser mais aliciante. Mas, sobretudo, interessa reavivar os que lá trabalham. Estes, de um modo geral, ausentes há largos anos no estrangeiro, raramente se des-
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locando à Pátria, apenas estão ligados através do descolorido contacto oficial de secretaria. É muito pouco para um cargo que precisa de ser exercido com devoção, entusiasmo e conhecimento assíduo e concreto das realidades nacionais.
Tudo o resto, que constitui veículo de boa propaganda, dependerá do modo como for vivida a função, pois não é assunto inédito, nem de difícil conhecimento.
O aspecto sobre o qual me proponho sumariamente deter refere-se ao esquema interno do turismo, a certos vícios da sua orgânica e consequentes reflexos práticos.
Alinho com quem defende que a programação turística deve assentar essencialmente num todo regional.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Entendo que o ponto de partida, a célula base da valorização, terá de ser o distrito. Havendo características complementares a aconselhar a ampliação, passaria a considerar-se a província.
Apenas deste modo me parece poder alicerçar-se o conjunto a partir do qual seriam criadas as condições para a expansão do nosso turismo. E nem por isso deixariam de ter privilégio aquelas zonas consideradas só por si excelente atractivo, pois teriam o natural destaque que a sua evolução e particularidades reclamam.
Chocante é ver, como até aqui, uma manta de retalhos constituída pelos esforços isolados - e nem sempre bem esclarecidos - das comissões municipais de turismo.
O Sr. Reis Faria: - Muito bem!
O Orador: - Sem qualquer rumo acima da visão local dos problemas, atacadas da anemia regulamentar de um ultrapassado Código Administrativo, essas comissões e juntas, com notória ausência de imaginação ou disponibilidades, lá se vão arrastando ano após ano, penosamente, conformadas da sua inutilidade. Limitam-se, quantas vezes, a decalcar o orçamento do ano anterior e a reimprimir anacrónicos folhetos de propaganda.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora os serviços centrais de turismo devem marcar, o sentido das coisas, determinar as linhas mestras de um atento planeamento, criar as condições afins ou complementares que só sejam viáveis em dimensão nacional.
Mas o que se lhe não deve exigir é a concretização, a escala das preferências, o pormenor, sempre atributo dos organismos regionais. Tarefa destes seria o seu preenchimento e integração na estrutura superiormente programada.
A entrada em vigor da Lei n.º 2082 deu ensejo a acabar com a actividade desencontrada de comissões municipais de turismo e juntas de turismo a coexistirem dentro do- mesmo concelho ou em concelhos nessa matéria complementares.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Através das comissões regionais de turismo tem o S. N. I. conhecimento do plano anual de actividade da região, em vista do que cessariam os inconvenientes gerados pela visão, porventura demasiado local, dos problemas.
Tem, sem dúvida, alto valor poder considerar-se o turismo como actividade ao paralelo nacional, prevalecendo sobre o interesse local ou concelhio.
Todavia, desde 1956 criaram-se na metrópole cinco regiões de turismo: Chaves, serra do Marão, serra da Estrela, Leiria e serra da Arrábida.
Talvez seja lícito reconhecer que se gorou em todos os outros casos a perspectiva legal.
Penso não andar longe da verdade quem apontar como causa do insucesso o carácter facultativo da sua constituição, a tendência centralizadora do sector directivo
- e tão criticada foi em 1956, quer na Câmara Corporativa, quer na Assembleia Nacional - e a não representação de todas as juntas, por terem sido extintas logo que deram origem u região de turismo.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Realmente, parece que seria interessante na criação dessas regiões considerar pelo menos estas duas que me ocorrem: a região da serra de S. Mamede e, lá em baixo,- a região de Monchique.
O Orador: - E muitas outras!
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sim, e muitas outras.
O Orador: - Sem considerar essas cinco regiões - acrescente-se que as de Portugal insular foram criadas na própria Lei n.º 2082 -, continuamos a viver como dantes.
O caso é este. Persiste o errado esquema das comissões ou juntas de turismo, nos termos do Código Administrativo. Controladas apenas pelos serviços centrais de quem dependem em directa ligação, vivem alheias ao que se passa à volta, movidas quase sempre por exagerados, quando não mesquinhos, preconceitos bairristas.
Não quero dizer que não haja trabalho digno de aplauso em algumas delas. Mas o que não sofre contestação é que a dependência directa dos serviços centrais de turismo conduz a um isolacionismo que as divorcia das realidades do seu ambiente geográfico.
Também não pretendo dizer que a utilidade delas é de desprezar ou que sejam- mesmo nulos os seus méritos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Tais juntas e comissões nada mais podem fazer, de facto, por uma razão simples: o condicionalismo em que vivem torna estéril e improfícua a sua actividade.
Tenho plena confiança nas instituições regionais. São servidas devotadamente, apaixonadamente, por aqueles que vivem os seus problemas, anseios e aspirações.
Com outra esquematização, não admira que apresentassem uma pujança e realce que até agora não lograram atingir.
As regiões de turismo têm um limite que me parece ser demasiado exíguo. Na própria definição legal, a região «poderá abranger dois ou mais concelhos» (base VII, Lei n.º 2082).
Ora o aproveitamento, por exemplo, de três ou quatro concelhos, muito embora possuam destacado interesse turístico, não representa mais do que uma voluntária omissão, deliberada asfixia dos municípios limítrofes.
O turismo, como exploração inteligente dos recursos da Natureza ou do engenho do homem, pode surgir onde quer que se criem condições. Esta a razão que me leva a dis-
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cordar dos compartimentos estanques que representam as regiões de turismo.
Não seria preferível tomar-se todo um distrito, destacando-se em grau superior, o interesse turístico de um ou outro concelho, mas fazendo uma progressiva valorização do seu conjunto?
No relatório que antecedia a proposta que depois veio a ser a Lei n.º 2082 dizia-se «inconveniente manter em pleno funcionamento, nas zonas abrangidas numa região, os órgãos municipais de turismo» ..., pois «determinaria duplicação e sobreposição inúteis».
Aceitemos o critério. Porém, não há duplicação no caso das atribuições culturais das juntas de distrito, nomeadamente as definidas no artigo 313.º do Código Administrativo?
Tem a junta distrital, por força daquele artigo 313.º, a seu cuidado «a criação e manutenção de museus de etnografia, história e arte regional», o «inventário das relíquias arqueológicas, monumentos artísticos e belezas naturais»,bem como «os trabalhos de recolha e publicação das tradições populares regionais e mais folclore».
Terminamos, como sempre, nas sobreposições costumadas. Claro exemplo do mesmo vício, frequente na nossa administração, é depararmos com assistências espalhadas por vários Ministérios, em vez de assistência do departamento próprio, ou escolas e institutos independentes do Ministério da Educação Nacional, etc.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não é válido argumentar com a interligação desses serviços. As regiões de turismo nada têm a ver com as juntas distritais, e, apesar de tudo, umas e outras executam finalidades comuns.
Tenho para mim que a nossa tradicional demora em corrigir e reajustar anomalias poderia ser, desta vez, aproveitada convenientemente.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Concordo até certo ponto com a orientação de V. Ex.ª
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Em todo o caso, há prós e contras nesse ponto de vista, e um deles é o seguinte: há regiões de turismo marcadas com unidade que estão a cavaleiro de dois distritos. É, sobretudo, o caso das montanhas, por exemplo o Geres e o Marão. E há regiões que têm tamanha unidade para turismo que realmente se põe o problema da sua unificação sob certos aspectos.
O Orador: - Acho pertinente essa dúvida. Também pensei nela e a seguir me referirei a esse ponto de vista.
Bastava, para tanto, dar funções mais amplas à junta distrital - pelo menos em todos os distritos onde não existisse comissão regional de turismo.
Suponho não ser impraticável, por dispendiosa ou complicada, a sua estruturação em outros moldes.
Na fase difícil que agora atravessamos, dada a patriótica exigência de uma contracção de despesas, este recurso teria um argumento justificativo, de ordem económica, que penso não ser de desprezar: o aproveitamento de um organismo já existente, instalado cem sede e quadro de funcionários próprios.
Para já, e enquanto aguardamos melhores horas, lançava-se mão da experiência de uma junta distrital, conhecedora da problemática da região em variadíssimos aspectos.
A junta distrital passaria a ter a seu cargo a integração de um plano turístico regional, por si devidamente harmonizado, às directrizes orientadoras do departamento competente.
Quer dizer: cessaria a dependência directa das referidas comissões aos serviços centrais de turismo. Passariam a estar ligadas às juntas distritais, a quem fariam presente o plano de actividades, orçamento e sugestões. Por sua vez, a junta distrital, baseada nos elementos fornecidos, mas com ampla liberdade de apreciação de modo a poder coordenar actividades e planear, elaboraria o programa turístico da região a submeter às instâncias superiores.
Dentro desta ideia - e não seria, também, inovação legal - abrir-se-ia possibilidade de uma federação de juntas distritais sempre que o planeamento turístico não conviesse ter limite meramente distrital, mas à escala da extinta província, ou todas as vezes que interessasse a dotação de uma obra fundiária comum.
Transpondo para o concreto o que venho de dizer, suponho que seria mais vantajosa a programação turística, não nos distritos de Braga e Viana do Castelo, como realidades independentes, mas a sua visão conjunta dentro do todo que é o Minho.
O Sr. Costa Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Gosta Guimarães: - Não deixo de concordar com o fundo das considerações de V. Ex.ª, simplesmente não quero deixar de chamar a atenção para a particularidade de se dever evitar correr o risco de sobrepor à centralização do órgão superior uma outra centralização de serviços que poderá representar essa junta provincial que V. Ex.ª sugere.
O Orador: - Eu disse que essa federação seria em casos específicos, isto é, sempre que interessasse ter um âmbito maior que o distrital.
O Sr: Costa Guimarães: - V. Ex.ª conhece o espírito definido pela Lei n.º 2082, diploma fundamental do turismo, que pugna pela criação de regiões de turismo de acordo com as características especiais de cada uma?
O Orador: - Certamente, mas não defendo a Lei n.º 2082 em todos os seus aspectos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Quer dizer que o intuito de V. Ex.ª e aquele que está dentro do pensamento da Assembleia não é fazer o elogio da Lei n.º 2082, mas, sim, procurar soluções mais capazes.
O Sr. Costa Guimarães: - Só pretendo que fiquemos a coberto por uma planificação como a que V. Ex.ª vem definindo, prevendo uma centralização que se vai sobrepor à existente.
O Orador: - Nós estamos a centralizar, mas apenas no âmbito regional, para evitar os inconvenientes que apontei. Tememos, isso sim, a centralização no vértice da pirâmide.
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O Sr. Costa Guimarães: - Depende da maneira como for estudada essa centralização.
O Orador: - As características complementares de um e outro distrito, a par da sua sequência paisagística, climatérica, monumental e folclórica, não são de molde a poderem ser encaradas autònomamente no ponto de vista turístico.
O Sr. Alberto de Meireles: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Alberto de Meireles: - As considerações que V. Ex.ª está a fazer no sentido da planificação, não na base distrital, mas regional, parece, na lógica do pensamento de V. Ex.ª, que deveriam levar à coordenação, não na base da extinta província do Minho, mas da região de Entre Douro e Minho.
O Sr. António Santos da Cunha: - Mas essa província não foi extinta.
O Sr. Alberto de Meireles: - Não terá sido como província, mas, uma vez extinto o órgão, ficou sem viabilidade.
Como não tem órgão, não existe.
Eu disseque a lógica de V. Ex.ª levava a que essa planificação fosse regional, porque só considero uma base capaz de turismo regional aquela que assente, não na província do Minho, mas tenha em conta uma mais ampla região, chamada Entre Douro e Minho. É que, tratando-se de turismo aéreo, há um ponto de acesso único, que é o aeroporto do Porto, que serve toda a região; e também o porto de Leixões, que é o único porto a considerar. O tour turístico do Minho é uma realidade, mas o turista de massa há-de partir do Porto para os circuitos no Entre Douro e Minho.
O Orador: - O facto de o aeroporto de Pedras Rubras e o porto de Leixões servirem também o Minho não implica que seja necessário abranger o Porto nessa região. Aliás, Pedras Rubras e Leixões servem o Alto Douro e não pode dizer-se que o Porto seja região turística do Alto Douro.
O Sr. Alberto de Meireles: - Tenho alguma experiência da organização e orientação de grupos turísticos com base no Porto. Tratava-se de visitar a região demarcada no Entre Douro e Minho, e o tour passava por Braga, Guimarães e Esposende, ou Viana, Monção, Barcelos, Amarante, etc., através da região demarcada, e em alguns casos para seguimento posterior para a região do Alto Douro, isto é, para lá do Marão.
O Orador: - Mas esse turista tanto pode tomar como ponto de partida o Porto, como Braga, se tivesse um hotel bom.
O Sr. Alberto de Meireles: - Mas para ir a Braga - desculpe-me o Sr. Deputado António Santos da Cunha - é preciso perguntar, porque Braga não tem aeroporto, nem porto, nem coisa nenhuma. Não me refiro ao turista de automóvel que entra por Valença, mas ao turismo de massa, conduzido em grupo como um rebanho.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muitas vezes para se ir para o Porto passa-se por Braga!
O Sr. Sousa Rosal: - Estou realmente impressionado com o sabor da controvérsia...
O Orador: - Controvérsia local!
O Sr. Sousa Rosal: - .... dando a impressão de que Portugal é tão grande que temos grandes dificuldades quando temos de ir de uma terra para outra. E permita-me V. Ex.ª, Sr. Deputado Folhadela de Oliveira, que conte aqui um caso, vivido a propósito, que se reveste de certos aspectos anedóticos.
Quando saí da Escola do Exército, uma das coisas que, como é hábito, se diziam aos alunos era que era necessário entregar uma declaração indicando três unidades onde desejassem ser colocados. E um dos meus camaradas, na sua declaração, dizia o seguinte: que não escolhia unidade para a sua colocação, porque Portugal é tão pequenino que onde quer que o colocassem estava sempre ao pé da família.
O Sr. Manuel João Correia: - Não é tão pequenino como V. Ex.ª diz.
O Sr. Sousa Rosal: - Não estou a falar de Portugal ultramarino.
O Orador: - No caso particular que referi tudo se articula para a junção num só plano das estruturas provinciais.
Apreciado como uma realidade, que potencial de exploração turística encerra o Minho!
Com mais de 60 km de litoral, onde surgem as praias de Apúlia, Ofir, Esposende, Cabedelo, Âncora, Moledo e Caminha, mas a clamar pela tão falada estrada marginal que dê publicidade à sequência do seu maravilhoso areal, todo ele aproveitável.
Possuidor de monumentos de que, por respeito à brevidade, apenas destaco o castelo, paços ducais e Largo da Oliveira, em Guimarães, Sé Primacial, Paço, Biblioteca e Capela de S. Frutuoso, em Braga, Misericórdia, matriz e Câmara, de Viana, matriz e forte da Insua, em Caminha, a praça fortificada de Valença, o tão esquecido Palácio da Brejoeira, a citânia de Briteiros, os castros de Sabroso e Santa Luzia, as pontes de Amares, Ponte de Lima e Lagoncinha, a cidadela de Barcelos, os seus numerosos conventos, nomeadamente de Vilar de Frades, Fiães, Refojos e Tibães, essa maravilhosa jóia romana que é o Mosteiro de Arnoso e que aguarda, já lá vão mais de vinte anos, a construção de 1 km de estrada para poder ser visto ...
Terras de esfuziante alegria, com a cor e a música sempre de mãos dadas, seja nos vistosos trajos ou nas maiores romarias de Portugal: o S. João, de Braga, e a Senhora da Agonia, em Viana do Castelo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Arquidiocese Primaz, onde o peso do factor religioso se sente presente na rara quantidade dos seus templos e no fervor com que a cidade de Braga acompanha a pompa litúrgica da sua Semana Santa.
Região tão privilegiada que até a mão do homem, ao criar-lhe riqueza, lhe somou mais encantos, pondo junto das suas inolvidáveis paisagens montanhosas as albufeiras do Ermal e as do Cávado-Rabagão.
Cheia de coisas simples que tanto agradam aos visitantes estrangeiros, desde a modesta capelinha votiva, ao seu característico artesanato, ou às garridas das feiras de Barcelos e Famalicão.
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O Sr. Gosta Guimarães: - Que elementos tão valiosos e tão mal aproveitados!
O Orador: - Com invulgar número de casas solarengas, tão portuguesas na sua traça de antanho, espalhadas nas terras de Basto ou na bucólica ribeira de Lima.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tanto haveria que dizer das possibilidades de aproveitamento dos rios que o sulcam, fomentando reservas de pesca da truta e do salmão!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Rico em estâncias termais, o Minho possui o Gerês, Caldelas, Taipas, Vizela, Eirogo, Monção e Melgaço.
Quem poderá ficar indiferente à beleza do Bom Jesus, Sameiro, Penha, Santa Luzia, serras de Arga, Geres, Cabreira e Peneda?
O Minho, 4914 km2 repletos de história e de sabor, romântico nos seus remansosos riachos, nas suas veigas sempre verdes, na tradição da culinária e do vinho característico, da hospitalidade das gentes, carece de protecção imediata.
Apoio urgente, traduzido no auxílio à construção de hotéis, pois sómente os de Santa Luzia, Ofir, Esposende e a moderna pousada de Valença e um ou outro mais se situam em nível aceitável. Consta ter o S. N. I. adquirido, anos atrás, sobranceira à barragem da Caniçada, uma residência para adaptação a pousada. Para que se perde tempo? Por que se lhe não dá o destino para que foi comprada?
O Sr. Gosta Guimarães: - Muito bem!
O Orador: - Necessita a região minhota de que sejam melhoradas as suas estradas. Por brevidade, direi que mais de metade do itinerário internacional Valença-Porto é constituído por via estreita, de mau pavimento e perigoso traçado, e os 45 km da estrada Porto-Braga são verdadeiramente esgotantes e sobressaltados para quem os percorre.
Tem toda a província duas piscinas públicas (em Braga e nas Taipas), uma semipública (Ofir) e duas particulares pertencentes a hotéis (Viana e Esposende).
E se em toda a parte é proverbial a boa mesa do Minho, convém ter presente que só depois de equipado com restaurantes condignos é que pode interessar turìsticamente.
A defesa do seu artesanato é outra das medidas de valorização regional. Instalou a Câmara Municipal de Barcelos o seu Museu de Cerâmica. Bom seria que, como sugere o Sr. Deputado Nunes. Barata, essa medida fosse acolhida noutros meios com arreigada tradição de arte popular, preenchendo lacunas que inexplicàvelmente se arrastam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os problemas de alojamento, alimentação, rede de estradas e defesa do artesanato são os que mais afectam àquela região. Solucionados eles, poderemos encarar com a maior confiança o futuro turístico de uma província de privilegiadas características como é o Minho.
A Natureza e o passado legaram-nos fabulosa herança. Saibamos merecê-la, aproveitando-a - pois cumpriremos o nosso dever.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: se outro mérito não tivesse - e tantos eles são! - o actual aviso prévio que a inteligência esclarecida e o labor incansável do seu distinto autor trouxe a esta Câmara, um haveria que sobrelevaria aos demais: o de contribuir para a formação de uma mentalidade turística, absolutamente indispensável ao triunfo de qualquer planeamento que se proponha!
Há pois, e antes de tudo, que consciencializar a Nação, destacando a importância política, social, económica e cultural do fenómeno turístico.
O turismo é o melhor espelho da fisionomia exacta de um país. Assim, o seu modo de vida, as suas manifestações artísticas e culturais, o seu particular modo de ser, as suas realizações materiais e espirituais, hão-de ser escalpelizados pelos olhos argutos ou suspicazes dos que os visitem.
E se por um lado é ponderoso motivo de equilíbrio da balança de pagamentos dos estados, como prodigioso manancial de divisas, por outro é razão segura do reforço da solidariedade internacional e da mais frutuosa convivência o colaboração entre povos.
Entendido no aspecto económico ou sobrevisto no plano das !relações humanas, o turismo é actividade primacial no processus administrativo e realizador de todo um estado, que, pelas vias mais amplas, pretenda assegurar o bem público, ao mesmo tempo que, pelo contacto populacional, concretiza em acto a suprema aspiração da humanidade, que, escrita no calendário do tempo, dá pelo nome de: paz ou harmonia universal!
Um turismo bem equacionado, convenientemente proporcionado nas suas múltiplas dimensões, é o veículo mais directo que, em forma de lição, um povo dirige à inteligência e compreensão dos outros povos. Ele lhes revela, sob forma amena e recreativa, o inesgotável manancial das suas virtualidades paisagísticas e humanas.
O património espiritual e cultural das nações, o que as caracteriza ou individualiza e é sortilégio de realizações humanas, isso tudo se expande num dom que se entrega e as mais das vezes se alberga no entendimento, na sensibilidade e na alma de quem, escorreito de raciocínio e nutrido de boas intenções, se diz vir por bem!
O conhecimento directo do mundo português pelos que nos visitam constituirá, mais que qualquer outro, um abono, o melhor aval da nossa verdade, da nossa insofismável autenticidade!
O nível crescente do caudal turístico exige de todos nós - entidades públicas e privadas - um correspondente assomo de energias e dispêndios, um especial acervo de sagacidade e visão, que seria estulto erro, nesta hora exacta que é a nossa, não saber mobilizar.
Um turismo bem organizado, em nação fadada pela Natureza, é o maior tesouro que um país pode almejar.
Com rara incidência no circuito comercial de um povo, ele desenvolve consequências de larga projecção, em diversos sectores e múltiplas actividades, enriquecendo por várias formas o produto nacional.
A verba de 1 450 000 contos que as receitas turísticas de 1962 oferecem é índice mais que seguro para organizarmos o nosso turismo sob a forma industrial, com largas perspectivas num futuro-próximo.
A receita média por turista, que, de 1961 a 1962, subiu de 2370$ para 3540$, é a melhor garantia do natural optimismo que a todos ganha, como ainda o reforça a taxa média de crescimento anual do surto turístico, que no período de 1953-1962 foi da ordem dos 12 por cento.
O Estado, os municípios e os diversos órgãos de turismo hão-de solidarizar-se, mãos dadas numa acção comum em
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prol da batalha do turismo nacional, já que esta é uma das vias que mais directa e pressurosamente nos é ofertada para, em termos económicos e psicológicos, ganhar essa outra desoladora batalha em que, por conivência e aprazimento alheios, andamos, demandados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se é certo que as dotações do Fundo de Turismo sobem de 30 000 para 50 000 contos, no ano corrente - ascensão que importa destacar -, não é, entretanto, o seu volume suficientemente poderoso para satisfazer as mais prementes carências do nosso universo turístico, votado a uma realização de larga concorrência internacional.
É o que acontece em relação à nossa vizinha Espanha, cujo Ministério da Informação e Turismo apresenta, para o mesmo ano, um orçamento que se cifra na ordem dos 600 000 contos, enquanto o Plan de Desarollo oferece a verba de 727 000 contos em investimentos para os quatro anos próximos.
E já que da nação irmã tratamos, apresenta-se-nos a oportunidade de salientar o alto significado e saudar a visita amiga do Prof. Fraga Iribarne, destacada figura do Governo Espanhol, que impregnou da sua capacidade realizadora o Ministério da Informação e Turismo.
Auguramos que das suas conversações em Lisboa resulte a mais frutuosa colaboração entre as duas nações peninsulares no domínio turístico e informativo!
Sr. Presidente: ao secretário nacional da Informação incumbe larga tarefa no plano da efectivação de uma política de turismo, de ampla latitude e a curto prazo, que há-de abarcar a totalidade do espaço português, para a qual os seus serviços, não obstante o seu mérito e o valor da obra realizada, não estão de qualquer forma preparados.
Os quadros demasiado escassos; a índole e magnitude da empresa que os aguarda; o complexo que se lhes depara quando se debruçam sobre o ultramar; a necessidade de apurar uma melhor coordenação entre os vários departamentos; o imperativo que se lhes impõe de animar sem atritos a iniciativa particular; as limitações de ordem legislativa - tudo isto é obra tão vasta e aberta a tais dificuldades, que mais carece de uma boa compreensão, em ordem a conferir-lhes os órgãos e meios próprios, do que de críticas, porque operosa tem sido a acção do Secretariado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devo ser objectivo do turismo nacional demonstrar o País aos estrangeiros, mas não menos importante será o de revelar Portugal aos seus naturais, por um intercâmbio turístico que integre- os portugueses de todas as raças, no orgulho sadio de, por tal se apelidando, comungarem dos sentimentos e aspirações comuns, que são fermento com que se levedam as pátrias!
O fenómeno turístico, em razão do trépido, da vertigem, do ritmo e da velocidade que caracterizam a vida hodierna e se exprime numa ânsia devoradora do espaço e do tempo, é um facto social que se depara aos Estados modernos. Canalizá-lo, dando-lhe o rumo devido - essa a função dos governos!
Com particular argúcia o notou o muito ilustre Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, quando na sua notável comunicação de 7 de Janeiro de 1964 apontou as traves fundamentais de um plano de acção turística, de que hão-de resultar os mais altos benefícios para o País.
São do antigo e distinto parlamentar Sr. Doutor Paulo Rodrigues as seguintes palavras:
Dar a quantos nos visitem, clara e aberta, a verdadeira face de Portugal - do Minho a Angola, das Berlengas a Timor - é, para além de todo o benefício económico, a missão mais alta em que todos quantos servem o turismo servem ao mesmo tempo o interesse nacional.
Sermos tal qual somos, e não conforme o que muitos desejam; persistirmos iguais a nós próprios, mesmo sozinhos - é força que se há-de impor a todos os ventos, porque procede de uma razão que, vinda do fundo dos séculos, tem ligada a si a marca do vigor das gerações em trânsito, unidas por um mesmo destino, a que se justapôs o selo da eternidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: entre as infra-estruturas essenciais, sobre que se apoiam os mais dilatados horizontes turísticos, salientam-se as vias de comunicação, os transportes e os pontos de apoio, com particular relevo dos recursos hoteleiros.
Ora, em relação a estes últimos, a revista Problèmes Économiques, no seu número de 4 de Fevereiro findo, anota ter a Espanha construído em cinco anos cerca de 80 000 quartos, havendo oferecido em 1962 o excelente número de 50 novos hotéis, enquanto para 1963 já esse número quadruplicava.
Em contrapartida o ritmo do nosso crescimento hoteleiro é de tal sorte modesto, com os seus 822 quartos em 1962, que importa, antes de mais, dirigir todos os nossos esforços de investimentos nesse sentido, visto que, com outros elementos, constitui a base das infra-estruturas do fenómeno turístico que preenche e aglutina as nossas melhores atenções.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem descurarmos o aspecto do turismo rico, parece-nos que a solução que melhor se nos apresenta actualmente, por mais viável e vantajosa, é a opção pelo turismo das grandes massas, jogando com o factor económico do nosso baixo índice do custo de vida, dirigido directamente a uma classe média que, ano a ano, nos visita, em contínua progressão.
Assim, há que desenvolver e orientar a nossa indústria hoteleira e de alojamento, tornando-a apta a receber nos hotéis menos graduados, assim como nas pensões, albergues e parques de campismo, a avalancha turística que, mais do que se prevê, já se avizinha.
Estas as considerações gerais que nos ocorrem sobre a questão turística portuguesa; mas ela própria, definida pela abalizada declaração do Sr. Subsecretário de Estado, reforçada em exaustivo estudo pelo Deputado avisante, assim como pelo dos colegas que se lhe vêm seguindo, não nos inibe, por oportunos e pertinentes, que salientemos alguns apectos do turismo regional, mormente de algumas zonas do distrito de Viseu.
Esta cidade, verdadeiro coração das Beiras, é centro de um núcleo de raras perspectivas turísticas, que desde já importa destacar, pois, pela sua relevância, há-de representar primordial papel na expansão do turismo nacional.
Nobre urbe, de tão acreditados pergaminhos; cidade que ostenta veneras nas suas portas de armas, nas paredes crispadas e rugosas da sua sé, por onde escorrem
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séculos que repercutem salmos, hossanas e palavras sacras, que gerações penitentes gravaram nu sua alma lavada e pura!
Mas nela admiramos também, e do mesmo modo, a traça urbanística dos nossos dias, que, de moderna, a torna irreconhecível, nas suas avenidas largas e saudáveis; nos seus bairros geométricos, mas mimosos; nos quarteirões de elegante recorte; nos seus parques frondosos, de que pinga a frescura, na ardência da canícula estival!
Destarte nós saudamos, em Viseu, este encontro do passado com o presente, feito todo de harmonia e que é milagre do gosto da sua gente, do trabalho realizador das suas corporações.
E, ao homenagearmos a cidade do trabalho, que ostenta, mais do que qualquer outra, o brasão de ter formado o espírito do primeiro trabalhador português - como o de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que dela é excelente ornamento -, nós não esquecemos o esforço notável que as suas entidades político-administrativas vêm desenvolvendo no sentido de darem forma a muitas das múltiplas aspirações turísticas!
Entre estas, salientamos as vias do comunicação, com incidência mais directa nos vários circuitos turísticos, entendidos no grau regional.
Entre tudo, há que apontar as altas vantagens da utilização imediata do Aeródromo de Gonçalves Lobato, como aeroporto de escala do tráfego interno, nas ligações aéreas entre o Norte e o Sul do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, é do mais alto valor, no domínio económico-turístico, uma ligação mais rápida entre a estação do caminho de ferro de Santa Comba Dão e Viseu, que a transformação da via reduzida em via larga naturalmente facultaria.
Na impossibilidade de que tal se venha a concretizar, ao menos não seria despicienda a correcção do actual traçado, com a utilização de automotoras rápidas destinadas às principais ligações.
E entre as vias rodoviárias salientamos a necessidade imperiosa de se rasgarem novas vias turísticas, ligando por traçado amplo, verdadeira auto-estrada, a via internacional, na sua bifurcação de Nelas ou de Urgeiriça, a Viseu, pondo-a, assim, em comunicação, pelo vale do Vouga, com o litoral, onde brilha na sua ridente beleza a donairosa cidade de Aveiro.
O percurso actual, da chamada estrada do vale do Vouga -como o da sua via férrea-, pela estreiteza e irregularidade do seu traçado, não sastisfaz às mais elementares exigências de um tráfego normal; muito menos satisfaz às que um tráfego turístico médio impõe, como condição de rapidez, do comodidade e de segurança.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De alto interesse é também, neste capítulo, a rectificação e pavimentação betuminosa da estrada que de S. Pedro do Sul leva a Castro Daire, porque, correndo numa região de raros cambiantes, oferece recortes de invulgar excelsitude, que são mais cio que mimos, segredos da Natureza!
Mas todos estes itinerários, todas as legítimas implicações do complexo turístico, requerem pontos de apoio, centros de atracção, meios de recreação e cultura, cuja inventariação, existente ou possível, imperioso se torna apontar.
Entre os pontos de apoio urge salientar que a cidade de Viseu vai contar, a partir de meados do ano corrente, com duas unidades hoteleiras da mais alta valia no turismo regional: o Hotel Grão Vasco, com os seus 55 quartos, e o Hotel Avenida, de número equivalente a 53.
Estas arrojadas obras da iniciativa privada bem merecem o apreço dos Viseenses e das entidades oficiais, porquanto vêm preencher uma lacuna que de há muito se fazia sentir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas a circundar o pólo turístico da cidade de Viriato encontramos o apoio hoteleiro que à capital do distrito fornecem os recursos dos concelhos vizinhos, com particular relevo para o Hotel da Urgeiriça, numa zona em que a vegetação vestiu galas de luxúria; a Estalagem de Viriato, embevecida nos murmúrios doces das cachoeiras do Dão; a Estalagem de S. Jerónimo, no alto do Caramulo, debruçada sobre uma das mais belas paisagens da Beira, a acenar à Estrela a sua beleza gárrula, toda feita de contrastes, na tira segura e colorida dos seus alcantis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E mais longe a de Lamego, mesmo à ilharga do Santuário da Senhora dos Remédios, preces em flor, graças do céu a cair docemente sobre a veneranda Sé, revendo-se no seu castelo, atalaiado de presenças imperecíveis do passador na igreja de Almacave; na cisterna e no museu!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas são ainda aspirações que aguardam a sua concretização, neste domínio: a da edificação de uma pousada no antigo Convento de S. Cristóvão, no trajecto que de S. Pedro do Sul leva, por Vale de Cambra, ao Porto; a da construção de uma estalagem no monte de S. Macário, ermitério de tão recuada tradição, centro, em todos os tempos, de devoção religiosa, local privilegiado, entre os mais privilegiados do País, pela extensão da panorâmica, pela sinfonia policroma que a rodeia, de costas voltadas a uma povoação onde a tradição medieva se mantém quase intacta na fisionomia habitacional e nos costumes da sua gente: é Pena - uma povoação incrustada no pó do mistério e da lenda!
S. Cristóvão, um convento em ruínas de dilatada memória; convento onde ainda agora, por entre os soluços do rio que lhe beija os pés, nas noites calmas, se enrodilham salmos e cânticos de frades que vêm do fundo dos séculos!
Mas para pousada ou estalagem temos na zona norte do distrito sítio ideal, a que não poderá também faltar o concurso do turismo e dos monumentos nacionais, pelas vias que se lhes oferecerem: é a Casa dos Coutinhos, em Penedono, edifício que se vem arruinando, solar célebre do celebrado Magriço, tornado fama da fama dos «Doze de Inglaterra»!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E adjacente o castelo, de gloriosa memória, trazida no fio da história, em mensagem que já gritava lealdade, fé e coragem desde a reconquista cristã!
Regressando à capital do distrito, já a Câmara Municipal, pelos seus serviços de turismo, se apronta para inaugurar uma nova sede da instalação destes serviços, reputada como dás melhores do País, com salas de recepção e de
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espera, salões de exposição permanente dos produtos do artesanato e outros de características mesológicas que mereçam particular destaque.
Entre as realizações camarárias, neste sector, avulta o belo e esmerado parque de campismo, em Fontelo, porventura um dos mais excelentes do País, pela moldura florestal e pelo primor das instalações.
Mas para reter o turista, como motivos de atracção, recreio e cultura, há a Feira Franca de S. Mateus, de tão larga tradição e pólo de desusado movimento, mostruário das mais operosas actividades regionais.
Há ainda o Estádio Municipal de Fontelo, aberto à realização e prática de todos os despeites, e constitui premente anseio da cidade a construção da piscina, no parque citadino, uma das jóias preciosas com que se veste a urbe de Salazar!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De resto, sobra-lhe ainda a sua monumentalidade, apostada ao máximo, na vetustidade da sua Sé, onde se justapõem os diversos estilos; recreia-se o espírito no magnífico emolduramento de diversas artes, o Museu, onde avulta e se destaca uma pintura de ímpar expressão; revive-se a história nos restos das suas muralhas, nas portas de armas, nas casas de tradição gloriosa, como a que serviu de berço a D. Duarte, ou ainda na arte com que se erguem as escadas suspensas do seminário diocesano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente.: para a pi ática dos desportos náuticos, já rejubila a região com a- perspectiva que a edificação da barragem do Távora, em Moimenta da Beira, vai naturalmente abrir, neste domínio.
O concelho de Santa Comba, porém, sob este aspecto, aguarda a ansiada construção da barragem do Caneiro-Dão, enquanto S. Pedro do Sul, pela sua Junta de Turismo das Termas, se apresta para inaugurar a construção de uma barragem que, propiciando os desportos náuticos, é mais um fulcro de atracções.
Depois, a piscina, para a qual se aguarda a preciosa colaboração do Ministério das Corporações, que em S. Pedro do Sul possui o imóvel mais admirável - a Colónia de Férias de António Correia de Oliveira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste campo, importa salientar o alto benefício que para o turista podei ia representar o repovoamento piscícola dos rios da região, tarefa a que a edilidade são-pedrense e a aludida Junta tem dedicado o maior interesse.
Aliando ao referido repovoamento uma conveniente e persistente fiscalização, poderíamos encontrar, pela via desportiva da pesca, uma forma de atracção turística do maior alcance.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desde tempos imemoriais que os rios Sátão, Vouga e seus afluentes são reputados centros de riqueza piscícola, particularmente da truta.
A tudo isto, mesmo à praia fluvial das Termas de S. Pedro do Sul, batida no período estival por suave brisa, há a acrescentar o património arqueológico, em que não é só assaz rico o concelho de S. Pedro do Sul, mas toda a região lafonense, que ansiosamente aguarda a criação de uma zona de turismo.
Desse património, anotamos da Pré-História um número sem fim de cavernas e grutas; de antas e antelas; de menhires e de castros.
Da arte rupestre salientamos: a Pedra das Ferraduras Pintadas e a dos Cantinhos, em Benfeita, e a Pedra da Escrita, em Serrazes.
A cultura castreja revela a sua presença em inúmeros castros lusitanos e luso-romanos, como o Castro do Banho e o da Cárcoda, considerados de interesse público, respectivamente, em 1957 e 1955.
O período romano espraia-se na região lafonense através de múltiplas vias. que, atravessando os vales e elevações, conduziam as legiões ao litoral.
Acrescente-se ainda a tudo isto um número extraordinário de marcos miliários, o balneun romano das Termas de S. Pedro do Sul. com os seus fustes e capitéis monumentais e as suas inscrições votivas, e bem ainda, noutros locais, um caudal de recordações da Roma dos Césares, expresso em numerosas sepulturas, numa indústria cerâmica evoluída, em variegadas espécies monetárias e preciosas virias de ouro.
A presença dos Árabes alardeia-se na toponímia e concretiza-se em numerosas lendas de sabor popular, que se encontram mesmo na típica povoação de Manhouce, a segunda aldeia mais portuguesa de Portugal, onde o folclore perdura num deslumbramento de vestes que, em seu significado próprio, marca a fronteira da terra e do mar.
São rincões inestimáveis de pedaços da serra como estes que os serviços florestais e os municípios, em pleno entendimento e numa obra magnífica, vêm revelando ao turismo nacional, por isso mesmo cada vez mais dilatado.
Da presença medieval fala-nos o Convento de S. Cristóvão de de Lafões, atrás já referido, que, sendo dos primeiros da Ordem de Cister em Portugal, foi fundado por João Peculiar, notável figura de diplomata do século XII e que veio a ser egrégio arcebispo da Sé de Braga.
Mas, ainda nesta linha de rumo, surge, nas Termas de S. Pedro do Sul, antigas Caldas de Lafões, o balneário de D. Afonso Henriques, segundo parece, enxertado no antigo balneum e onde o nosso primeiro rei se curou dos padecimentos sofridos no desastre de Badajoz.
Não longe de todo este complexo arqueológico e artístico, a Igreja de Santa Maria de Vouzela, fundada no século XI, em perfeito estilo românico e, tal com o balneário afonsino, considerada monumento nacional.
Entretanto, tem ainda o distrito um rico manancial de índole balnear, com termas de grande nomeada, pelo seu alto valor terapêutico - as Caldas da Felgueira, de Alcafache, de S. Gemil, da Cavaca e das Termas do Carvalhal e de S. Pedro do Sul.
Pelo seu valor mineromedicinal, destaca-se o alto valor destas últimas, que, pela tradição histórica e pela excelsitude das suas propriedades, bem merecem que os Poderes Públicos forneçam ao Município os meios que lhe permitam levar a cabo a empresa a que se votou: a da construção do seu novo balneário, que, uma vez edificado, poderá concorrer com os melhores do estrangeiro.
Largas e risonhas perspectivas se apresentam à estância balnear são-pedrense, que no domínio do termalismo social poderá desempenhar elevado e primacial papel.
Ela poderá constituir a réplica portuguesa à estância balnear de tão dilatada fama como é a de Sochi, na Eússia!
E já que de S. Pedro do Sul falamos, importa aqui exprimir, no seio dos representantes da Nação, o justo anseio que é o de toda uma região - o de criar em S. Pedro do Sul, na casa onde nasceu o seu poeta ou naquela em
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que viveu, nela escrevendo algumas das suas mais belas estrofes poéticas, a Casa-Museu de António Correia de Oliveira!
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - O vate glorioso do Auto das Quatro Estações, o mais autêntico poeta nacional contemporâneo, bem merece de S. Pedro do Sul, que tão bem soube cantar, de Lafões, que ele tanto amou, do povo, que estremeceu, do Município e do Governo, por dever, a homenagem que, sob este aspecto, ainda lhe é devida!
Será mais um centro de irradiação de cultura, mais um elo na cadeia das atracções turísticas de que se socorrerá Viseu, esgotadas, para quem a visite, as suas virtualidades.
E já que de Viseu falamos, é-nos muito grato apontar este feliz ensejo para esboçar uma nótula, que reputamos do maior alcance, pelo que representa nó valor histórico e arqueológico da cidade: a Cava de Viriato!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Hoje, mais do que nunca, importa cultivar a revivescência do passado, porque esta é a melhor maneira por que se prolongam as pátrias.
E os monumentos, de qualquer ordem que eles sejam, constituem a melhor lição, expressa no concreto, que as gerações podem transmitir umas às outras com a certeza de cumprirem o alto mandato que lhes cumpre.
Imperioso se torna, pois, manter as nossas preciosidades monumentais, seja por razões históricas, seja por motivos turísticos; assim o exigem os interesses e a permanência da Nação.
Assim nos cabe falar da Cava de Viriato, em Viseu, que o antigo e distinto Deputado, que foi, desta Casa e muito ilustre erudito Sr. Dr. Américo Cortês Pinto considerou «monumento primeiro que liga a história de Portugal a essa portentosa proto-história cuja glória por largo tempo lança na sombra o poderio romano e da qual os Portugueses herdaram o nome heróico de Lusitanos».
Núcleo fundamental da nacionalidade, embrião autêntico da Pátria Lusíada, a Lusitânia permanece, para além de Viriato e de seus pastores, na memória das gentes como um querer de um povo a quem não abate a estratégia e arte militar romana, que foi senhora do Mundo de então!
Essa a mensagem que, através dos tempos visigóticos, nos foi legada e nós exprimimos em ânsia de dilatar mundos, como força colectiva de um querer nacional que não se demoveu perante a odisseia marítima, porque dela fizemos questão de vida de uma nação e de um império.
Isso fez dizer ao aludido investigador que é o Dr. Cortês Pinto:
Bem se reconhece como a Cava de Viriato, representando o mais evocativo monumento a atestar a lusitanidade, constitui também o mais antigo certificado histórico e o primeiro de todos os que atestam o esforço e o génio nacionalista da nossa grei.
Depois de apontar as bem alicerçadas opiniões de iberólogos e lusólogos, o referido investigador, no trabalho que se encontra em publicação, afirma:
Sobre esta Cava têm pousado os olhos de numerosos arqueólogos e historiadores, tanto nacionais como estrangeiros. O carinho que ela nos mereça é tão honroso, também sob o ponto de vista científico, para a cultura nacional quanto o seu abandono, ou mesmo apoucado interesse, são diminuidores da nossa categoria de povo culto, perante o escol internacional de sábios que se têm dedicado aos estudos da arte militar romana e peninsular.
Inteiramente de acordo com o Sr. Dr. Cortês Pinto, necessário se torna fazer regressar o monumento viriatino à sua traça primitiva, impedir de forma rigorosa os «desacatos» dos seus proprietários e, sobretudo, fazer passar à posse do Estado esse património, que é pertença da História, porque dela é seiva e forma!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: estou prestes a terminar, mas antes apetece-me a vontade que aponte a oportunidade e vantagem da criação de regiões de turismo, perfeitamente integradas num planeamento geral de turismo, que no Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho encontrou o seu esclarecido e oportuno intérprete, porque já se vinha fazendo tarde a nossa hora do turismo! Que anote a impostergável necessidade de se fomentar, pelos serviços turísticos, a organização de feiras e exposições de artesanato, incentivando a produção dos seus artigos e velando por que não desapareça alguma das suas actividades, em risco de se perderem. Que saliente o excelente papel que a Olaria de Molelos vem desempenhando neste quadrante.
E finalmente: que se criem inventários e roteiros turísticos, que sejam bem o espelho do nosso património turístico.
Não resta dúvida de que com este aviso prévio o Deputado Nunes Barata prestou mais um relevante serviço ao País e deu-nos a oportunidade de demonstrar que o distrito de Viseu autoriza, acentua, justifica, a peremptória afirmação de que é uma saborosa e palpável realidade na inventariação das melhores realizações e virtualidades do nosso universo turístico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sim! Lá, onde nos montes próximos cintilam, eternamente, como sóis, orvalhos em folhas de estevas e queirós! ...
Lá, onde a magia de uma perpétua Primavera se agarra às coisas, num frenesim de cor, frémito de som, ao ritmo do qual se saracoteiam, desde o começo das idades, fadas e duendes num bailado que não tem fim! ...
Lá, onde os rios se adoçam numa carícia lânguida, perdendo todo o ímpeto e rudeza, amansadas suas águas numa terna suavidade, que é estigma da paixão que os devora e os deixa tontos, suspensos, exangues no quebranto dos meandros! ...
Lá, onde a serra aprendeu geometria, para se oferecer nos mais belos recortes ao céu, que a abriga como a nenhuma! ...
Sim, lá é o distrito de Viseu, um nome que não se diz, mas se reza; um hino que não se canta, mas se chora; uma saudade que já o é, mesmo antes de se lá ir!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, nosso ilustre colega nesta Assembleia, em reunião do Conselho Nacional do Turismo, proclamou que «a evolução das principais correntes turísticas e o ritmo do crescimento veri-
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ficado nos últimos três anos permitem admitir que chegou, efectivamente, a hora do turismo português».
Na verdade, os resultados da actividade turística do último ano são encorajantes e de molde a forçar-nos a um esforço extraordinário para que tais resultados mais se evidenciem nos anos subsequentes até se vencer a batalha do milhão de turistas previsto para 1965.
Já vêm de longe as previsões e votos desta Assembleia sobre a necessidade de incrementar esta benéfica e produtiva actividade, da maior projecção para a economia nacional.
E foi naturalmente que, mesmo antes de departamentos oficiais responsáveis terem estruturado princípios tendentes à necessidade do desenvolvimento turístico no país, o ilustre Deputado Nunes Barata, sempre atento aos problemas que interessam à vida da Nação, anunciou o aviso prévio ora em debate, e que desenvolveu magistralmente nesta tribuna.
Fica ele credor das nossas homenagens e agradecimentos por nos ter proporcionado o ensejo de tratar, com a devida largueza, um problema do maior relevo na vida económica da Nação.
Teve o ilustre Deputado a virtude de traduzir, com brilho, os anseios de vários Srs. Deputados que há anos a esta parte vêm insistindo pela melhor atenção a essa actividade, que, inexplicàvelmente, teimava em se circunscrever a uma área restrita de território, sem nunca perder de vista os telhados da capital.
Há uns três anos que nesta Assembleia denunciei a existência de linhas impeditivas que os órgãos do turismo não se abalançavam a transpor para levar a todo o País os benefícios de uma actividade lucrativa.
E também há anos a esta parte o ilustre relator das contas públicas vinha insistindo pela urgência de cuidar do turismo, antevendo nele uma extraordinária fonte, de receita para a economia nacional.
Os factos vieram confirmar que tinham razão aqueles que assim pensavam.
Entretanto, não obstante esses prudentes avisos, parecia que a inércia continuava a entravar a marcha do desenvolvimento turístico nacional, até que o Sr. Subsecretário dia Presidência do Conselho deu novos rumos e esclarecidas directrizes que impulsionarão o movimento turístico português.
Meio milhão de turistas em 1968, milhão e meio de contos que eles deixaram em Portugal, deram a nota real de que há a esperança, em anos futuros, desta importante actividade.
Povo de descobridores, começamos, agora, a ser descobertos pelos estrangeiros que nos visitam, que vêem nas nossas paisagens de maravilha, nos nossos monumentos, no clima, na cozinha e na bondade acolhedora e natural da gente portuguesa os melhores motivos de atracção.
E, descoberto Portugal por forma tão agradável, foram postos aos órgãos do turismo problemas que terão de ser equacionados e resolvidos com brevidade, se não quisermos perder a melhor oportunidade de rios darmos a conhecer ao Mundo e de receber dele, em compensação, as divisas tão necessárias à nossa economia.
A variedade e complexidade de tais problemas, porém, podem levar-nos a fracassar no empreendimento, se não se conjugarem esforços e não se fizerem fortes sacrifícios para se vencerem as dificuldades que surgirão.
Por amor à verdade, temos de concluir que a preparação do equipamento turístico do País, com uma eficaz cobertura através dele, está por fazer na maior parte.
O Algarve, em pleno desenvolvimento, com a constituição das estruturas apropriadas, deverá vencer a sua batalha em prazo curto e proporcionar aos turistas a possibilidade de gozarem as suas belezas naturais, que muitas são.
Entretanto, no Norte do País pouco ou nada se fez no sentido da atracção turística e, até, para a dispersão necessária, já que uma só província se veria a braços com dificuldades insuperáveis se o meio milhão de turistas tivesse de ser canalizado exclusivamente para lá.
Numa publicação da O. E. C. D., editada em 1963, reconhece-se que «há uma tendência de os turistas desejarem explorar novos países cada ano, deixando até alguns países que tradicionalmente eram mais visitados.»
A mesma publicação diz-nos que em 1962 foi de 58 por cento o número de turistas que alcançaram as nossas fronteiras por estradas.
E quem se dispõe a percorrer distâncias enormes para chegar até ao nosso país é evidente que desejará percorrê-lo de norte a sul e tomar conhecimento de todos os motivos de atracção que lhe possam ser proporcionados.
Ora é exactamente neste ponto que os órgãos do turismo terão de fixar uma cuidada atenção, impulsionando actividades particulares ou intervindo directamente para que, na verdade, o País possa vencer a apregoada batalha do turismo.
Estão em marcha algumas iniciativas para o corrente ano, como sejam a repetição do Abril em Portugal, a Festa da Vindima e outras.
A elas se poderiam juntar o espectáculo admirável das amendoeiras em flor nas duas ribas do Douro, desde a Foz Côa à Barca de Alva, e as tradicionais romarias do Norte, tão típicas e tão castiças, a regalar a vista dos turistas.
Para já, a concorrer para a infra-estrutura turística destas regiões, há apenas o benemérito esforço do Ministério das Obras Públicas tornando transitáveis as estradas.
Quanto ao resto, não obstante tratar-se de uma região tão vizinha de um posto fronteiriço de grande movimento - Vilar Formoso -, nada existe para acolher quem viaja, a não ser o Hotel de Turismo na Guarda, em boa hora construído.
E toda essa região, prolongando-se por Trancoso, Lamego e Resende, até alcançar o Porto, continua ignorada nos seus monumentos seculares, nos seus castelos e na série de panoramas admiráveis que se vão desbobinando aos olhos do viajante em cada curva da estrada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nem hotéis, nem parques de campismo a média altitude, nem roteiros turísticos, nem uma referência sequer, indicam estas regiões, que a Natureza e a mão do homem dotaram de tantos motivos de encanto para serem visitadas.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Estamos, assim, muito longe de vencer a anunciada batalha se um esforço porfiado e até oneroso não lançar as sementes susceptíveis de produzirem abundantes frutos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há que aumentar as receitas do Fundo de Turismo, não obstante a anunciada elevação de que beneficiaram no corrente ano, a fim de fornecer ao departamento governamental responsável os meios necessários
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à estruturação geral cio turismo de modo a abranger todo o País.
Só assim se poderá evitar que os excedentes turísticos que as outras regiões privilegiadas não possam comportar sintam a amarga desilusão de não encontrar alojamentos convenientes e procurem o ponto de saída mais próximo na fronteira para obterem no país vizinho aquilo que não lhes podemos fornecer.
Em 1962 construíram-se em Portugal 37 hotéis, com a capacidade de 822 quartos, e iniciou-se a construção de mais 18 unidades, com 1259 quartos. A publicação donde extraí estes números não diz a localização desses hotéis, mas estou em crer que do Mondego para norte se terão construído, quando muito, três ou quatro.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - Poderá V. Ex.ª ter mais uma certeza: que a quase totalidade desses quartos foram construídos na cidade de Lisboa.
O Orador: - Muito obrigado pela informação, que, veio confirmar aquilo que afirmei.
Ora, um estudo cuidado do problema e das possibilidades turísticas das regiões do Norte do País levaria, com certeza, ao estímulo de iniciativas que levassem à construção de hotéis em localidades de mais representação e que encabeçassem uma região turística.
E não seria necessário construir palaces com preços proibitivos; como em tempos se pensou nos organismos responsáveis pelo turismo, tanto mais que, segundo o relatório já citado, «se verifica que a maioria dos turistas tende para os hotéis de categoria média».
Além da construção de hotéis asseados e acolhedores, ainda se impõe a necessidade de dotar as regiões do interior com parques de campismo destinados, principalmente, aos desportistas desta modalidade e ao turista menos abonado, pois todos eles têm direito a receber a assistência mais adequada ao seu modo de ser e ais suas possibilidades.
Este facto não passou despercebido no relatório que se comenta, pois ali se diz que:
O aumento nos preços dos hotéis e o aumento dos automóveis empregados pelos turistas leva a criar o aumento da popularidade dos campes de campismo e férias no campo.
Começa a esboçar-se no interior do País esse movimento da criação de parques de campismo.
A frequência notada pelos turistas paia certas áreas turísticas traz a necessidade de formar novos centros de turismo, para evitar a superlotação nas férias.
Em Portugal, segundo relatórios oficiais, estão a ser criados novos centros que oferecem maiores possibilidades aos turistas.
Assim se terá processado para o Sul do País, mas a verdade é que ainda não descortino para o Norte qualquer movimento válido em tal sentido. A lei prevê a criação de diversos tipos de organismos turísticos, com acção em diferentes áreas do turismo.
A iniciativa, neste caso, é dada aos órgãos administrativos locais e terá de correr a via-sacra da burocracia para que se consiga o objectivo em vista, a menos que as petições formuladas fiquem esquecidas um qualquer gaveta da secretária do qualquer funcionário menos expedito.
Ora, para uma boa estruturação da campanha turística, havia necessidade da ordenação de um mapa do território onde se assinalassem as possibilidades turísticas de cada região, englobando os seus panoramas, os seus monumentos, as vias de acesso, o seu folclore, a cozinha regional, etc.
E, verificados todos os pressupostos, o organismo responsável pelo turismo tentaria fazer a respectiva cobertura turística dessa região, criando os seus órgãos directivos, tornando-a conhecida através de uma propaganda eficaz.
Tanto bastava para que algumas regiões ignoradas até ao presente viessem à primeira linha das actividades turísticas e colhessem os benefícios dessa mesma actividade.
Estou confiado em que será cumprida a afirmação do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho quando promete o estudo e planificação do desenvolvimento turístico no País e muito me satisfaz também a informação de que «iria ser considerado o equipamento hoteleiro, praticamente inexistente em algumas zonas».
Com o interesse natural e bem justo que todas as regiões alimentam de ver valorizadas as suas possibilidades turísticas, não faltará ao ilustre estadista responsável pelos problemas do turismo nacional o apoio decidido de todos os habitantes dessas mesmas regiões, porque, trabalhando para o seu engrandecimento e progresso, contribuem, de igual forma, para o progresso e engrandecimento do País.
Quanto a mim, para o efeito de se poder exercer uma acção coordenadora mais eficaz, julgo que dos diferentes organismos previstos na lei a região de turismo será o mais recomendável.
Ela evitaria a dispersão de esforços das pessoas interessadas, concentraria mais receitas e evitaria que os pequenos orçamentos das comissões municipais de turismo, juntas de turismo e zonas de turismo fossem quase que absorvidas por ordenados.
Não podem estes organismos abalançar-se a qualquer iniciativa de vulto por lhe faltarem as disponibilidades financeiras necessárias.
Ora uma região de turismo que congregue vários concelhos, com representação nos respectivos corpos directivos, poderá com mais eficácia elaborar o seu plano de actividades em ordem a um mais perfeito equipamento turístico e cobertura dessa região.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quem acompanhar os orçamentos destes diferentes organismos poderá chegar à fácil conclusão de que assim é.
Os dirigentes da região, mais conhecedores das suas possibilidades turísticas, seriam os melhores colaboradores do Secretariado respectivo, elaborando roteiros turísticos com vista aos monumentos e panorâmica da região, às zonas de caça e pesca, aos locais onde o folclore e o artesanato mais se distinguirem, àqueles em que existam especialidades culinárias regionais, etc.
Seriam eles os mais aptos para sugerirem o local mais apropriado para a construção de hotéis, parques de campismo e piscinas.
Ainda poderiam eles próprios tomar a iniciativa da construção de pequenos paradeiros em pontos privilegiados das estradas onde o turista poderia gozar as maravilhas do panorama e as delícias de uma bebida refrescante enquanto repousava dos quilómetros andados.
Trata-se, efectivamente, de um órgão turístico mais robusto e com mais capacidade de acção, susceptível de ser um auxiliar precioso no planeamento nacional do turismo.
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E porque ele é constituído por homens da região, ainda seria de maior utilidade em galvanizar vontades e em actuar com menos dispêndio de dinheiro.
E feita a defesa da divisão do País em regiões turísticas, não se levará por certo a mal que faça aqui a defesa das duas regiões turísticas que devem ser criadas no distrito de Viseu, tendo o rio Paiva por limite.
Não faltam a qualquer delas grandes possibilidades para atracção dos turistas.
A região a sul do Paiva, encabeçada pela progressiva cidade de Viseu, além de outros motivos a considerar, tinha o cartaz da própria cidade, recheada de monumentos e possuidora de alguns museus, donde sobressai o Museu de Grão Vasco.
Apresentaria a sua feira franca, já bem conhecida no País, os seus barros de Molelos e outros e o seu variado folclore.
Nos concelhos que a comporiam não faltam monumentos que a história e a arte marcaram, e na serra do Caramulo, beijada todas as manhãs pelo sol da seira da Estrela, encontrariam longes admiráveis, não esquecendo a região de Lafões, integrada neste conjunto turístico.
Servida por boas estradas, com dois hotéis em vias de conclusão, restaurantes e estabelecimentos modernos, seria um encontro feliz para o turista que entrasse, especialmente por Vilar Formoso.
Lamego seria naturalmente a cabeça da região a norte do rio Paiva, que me habituei a apelidar já de região turística da Beira Douro ou Ribadouro, em homenagem ao grande Egas Moniz, que ali teve a sua casa e os seus territórios.
Há quem lhe sugira o título de região do Montemuro, fundado em interessantes e proficientes estudos.
Mas o título seria de somenos importância, pois que o interesse maior reside na existência da própria região.
Também na região de Lamego a Natureza e o Homem organizaram um torneio para ver quem apresentaria obra mais perfeita.
A Natureza tomou a seu cargo a criação de vales paradisíacos onde serpenteiam as correntes de água que dão guarida a saborosas espécies piscatórias e fertilizam os terrenos onde se produzem frutas admiráveis:
Fazendo subir as encostas, possibilitou ao homem produzir o vinho mais precioso do Mundo, o vinho do Porto, que alguém já apelidou de «Sol engarrafado».
E nos altos das suas serranias apresenta panoramas sem par.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se bem que não sejam em grande número, as estradas de piso razoável já levam o viajante aos pontos de maior atracção turística.
De Lamego, a cidade-museu, como um ilustre Ministro há pouco tempo a apelidou,...
O Sr. Rocha Cardoso: - E muito bem ...
O Orador: - ... aí teriam os turistas à sua disposição a escolha de vários circuitos turísticos, fosse para apreciar o Mosteiro de Cárquere, as Igrejas de S. Martinho de Mouros e Barrô, no concelho de Resende, fosse para contemplar os Mosteiros de Ferreirim, S. João de Tarouca e Salzedas, com passagem pela ponte fortificada da Ucanha, no concelho de Tarouca, fosse para se deslumbrar com a igreja românica de Armamar, para avistar as águias do alto do castelo de Penedono, ou para se debruçar sobre os desfiladeiros do Fradinho, no concelho de Tabuaço, ou de S. Salvador do Mundo, concelho de S. João da Pesqueira.
O Sr. Pinto de Mesquita: - E contracenando defronte, simétrica, Vila Real.
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. António Santos da Cunha: - E sobre Lamego V. Ex.ª teve uma omissão, que é um museu.
O Orador: - Não se trata do uma omissão, porque mais adiante falo nele.
E em todos esses circuitos teriam ocasião de observar, a cada momento, a mutação de panoramas, qualquer deles o mais belo.
Repousando destes circuitos, lá estaria a cidade de Lamego para lhes mostrar as exuberâncias dos seus jardins e parques, a beleza dos seus monumentos na capelinha românica de Balsemão, na majestade da sua sé-catedral, na beleza da talha da igreja do Desterro, na histórica igreja de Almacave, com uma visita de encanto ao pitoresco Bairro do Castelo, encimado pela altaneira torre de menagem, e à cisterna, em vias de valorização completa, graças ao apoio decidido que o Sr. Ministro das Obras Públicas resolveu dispensar à cidade de Lamego.
A peregrinação turística terminaria no Museu Regional, a admirar as suas obras de arte, donde sobressai a melhor e mais valiosa colecção de tapeçarias do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E as festas dos Remédios, com o seu cunho característico e o seu garrido e alegre movimento de muitas dezenas de milhares de pessoas, deixariam uma agradável recordação no turista.
Certo que a cidade de Lamego, como a maior parte das cidades do Norte do País, sofre as consequências da falta de um hotel, com uma estalagem, já acreditada é certo, mas com pouca capacidade de recepção, e algumas pensões, não pode, efectivamente completar o seu equipamento turístico desde já.
Porém, afigura-se que a criação da região turística dará o impulso necessário à satisfação de tão premente necessidade.
Igualmente se afigura que as duas regiões turísticas do distrito de Viseu, do mãos dadas, seriam capazes de levar a cabo uma grande obra fomentadora do turismo, a suprir o desfavor de não ter sido, ainda, contemplada com instalações industriais capazes de elevar o nível de vida dos seus habitantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tenho fé, Sr. Presidente, no futuro do turismo em Portugal, e o crescente aumento de visitantes mais reforça essa fé.
E serão esses visitantes os melhores propagandistas das nossas paisagens, dos nossos monumentos, do sol incomparável desta nossa terra, da bondade e afabilidade do nosso povo e da ordem e tranquilidade que aqui vêm encontrar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A par desta graciosa propaganda terão os organismos responsáveis de incentivar os seus trabalhos, de arranjar a casa lusitana em ordem ao seu completo equipamento turístico.
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Há que fazer esforços extraordinários em tal sentido para que exista coerência entre à propaganda e os recursos postos à disposição do turista.
Confio na acção inteligente do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho para dar realidade às afirmações feitas e galvanizar as iniciativas públicas e particulares no sentido de se transformar Portugal num grande país de turismo.
Ao ilustro Deputado avisante quero agradecer o ensejo que nos deu para tratarmos de um problema do mais alto interesse para a vida económica e social da Nação e felicitá-lo vivamente pelo magnífico e exaustivo trabalho que produziu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: para o Sr. Deputado Nunes Barata são as minhas primeiras palavras de merecido louvor pela sua iniciativa na efectivação do presente aviso prévio e mais aquele preito de homenagem que lhe é devido pelo interesse com que sempre trata e expõe com esclarecida inteligência problemas de acuidade especial com o objectivo sempre útil de pugnar pela melhor solução dos problemas que mais afligem e preocupam a Nação. Acresce ainda que o seu minucioso trabalho de conteúdo, que denota canseira e rara visão, é obra invulgar, pois só por si é documento valioso para uma real e efectiva elucidação da panorâmica actual das implicações ìntimamente ligadas ao turismo no nosso país em confronto com o que se passa além-fronteiras, tirando as adequadas ilações.
Bem haja, Sr. Deputado, pelo muito de que é credor.
Bastará ler o seu depoimento ou ter ouvido as suas expressivas observações, e sobretudo ponderadas sugestões, para nada mais se poder acrescentar, a não ser ligeiros e superficiais apontamentos, pois tudo foi dito sem merecer a mais leve contestação. Assim, restar-me-á sómente uma resenha pessoal, em que a escassas considerações de ordem geral se sobreporão outras atinentes a chamar a atenção para alguns aspectos que dizem respeito à situação actual do distrito de Aveiro, que represento nesta Assembleia, e em especial para a sua privilegiada ria.
Nesta ordem de ideias, começare por considerar indiscutível o valor absoluto da oportunidade da discussão do aviso prévio sobre o turismo, podendo mesmo afirmar, sem receio de contestação, que há muito se deveria ter encarado com mais interesse essa arrancada do desenvolvimento turístico do nosso país, enfrentando-a nos seus múltiplos aspectos de organização administrativa, de fomento, de propaganda e de execução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aquilo que entre nós tem sido feito nesta matéria, a ritmo demasiado lento, tem ficado muito aquém da realidade internacional, e sobretudo europeia, que se tem vindo a processar de tal maneira que há muito nos deixou em posição desvantajosa, com os inerentes prejuízos de vária ordem, nomeadamente no seu aspecto económico, que naturalmente resultam do marasmo que nos manietou.
Mas não podemos deixar-nos vencer na corrida do tempo em tão momentoso assunto, e muito menos não deixar de recuperar o terreno perdido nessa nefasta inércia, que nos conduziu a um estado actual de franca desvantagem.
Tal atraso, que mesmo comparativamente com países que se nos aproximam em área é de apreciável vulto, terá de ser atenuado o mais rapidamente possível, pois só assim deixaremos de nos lastimar do inaproveitamento da riqueza que é reconhecida incontestavelmente à indústria turística nos seus múltiplos e variados aspectos. E não somos tão ricos noutros ramos de actividade que possamos desprezar esse manancial de receita que nos pode ser oferecido pelo aproveitamento total das nossas realidades turísticas, tanto mais que bastará apreciar o quanto outros países têm aproveitado neste sector, equilibrando as suas balanças de pagamentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É caso bem frisante, e que é de todos conhecido, o equilíbrio financeiro que a nossa vizinha Espanha conseguiu nestes últimos anos mercê de acertadas medidas no desenvolvimento das suas potencialidades turísticas, e que conduziram à anulação do seu déficit de balança comercial, avaliado em 8 milhões de contos.
Ora, atravessando o nosso país uma quadra da sua gloriosa história em que esforço sobrenatural lhe é exigido para salvaguarda da sua indiscutível integridade territorial, em que equilíbrios de ordem financeira são a todo o momento solicitados, lógico será que não é de desprezar mais essa fonte inesgotável de receita, com que o turismo poderá também contribuir.
Mas como, para que uma indústria dê rendimento, se torna absolutamente necessário que ela seja montada com todos os requisitos, lògicamente terão de ser criados os meios necessários e imprescindíveis para que a indústria turística, pois também poderá ser denominada com propriedade desta maneira, dê visíveis lucros. O terreno para a exploração da indústria é todo esse vasto território nacional, continental, insular e ultramarino, com as suas características comuns e peculiares a cada uma das suas parcelas dispersas, com recursos naturais invulgares, não só pela sua originalidade como também pelas suas localizações pelos variados continentes, todas elas unidas pelo elo indestrutível da lusitanidade, que lhes é comum e que se há-de manter para todo o sempre, indiferentes a tudo quanto porventura possa externamente pretender abalar essa unidade, que é exemplo raro, poder-se-á dizer mesmo único, na história da humanidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma vez que possuímos tal terreno, há que montar as máquinas e pô-las a funcionar a pleno rendimento, de molde a usufruírem-se lucros vultosos a breve prazo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É pois aqui que a acção dos homens se tem de fazer sentir com dinamismo bem orientado, pois de uma boa e inteligente gerência é que naturalmente dependerá uma organização fecunda e próspera.
Foi pois com simpatia e ansiedade justificadas que a Nação recebeu a notícia da nova planificação anunciada pela comunicação de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, Dr. Paulo Rodrigues, de 7 de Janeiro último, em que linhas mestras foram delineadas no sentido de enfrentar o fenómeno turístico como um dos factores mais relevantes da vida dos povos, em especial da Nação Portuguesa, que vê assim finalmente chegada a hora- decisiva de uma campanha que há já muito se impunha e aguardava.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
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O Orador: - É, pois, do conhecimento geral, pelas doutas palavras proferidas por S. Exa., a quem rendo as mais expressivas homenagens, qual o planeamento previsto para se encarar frontalmente o problema. Foram dadas prioridades a certas regiões do País já com cartaz turístico de melhor esboço, como sejam a Madeira e o Algarve, mas espero, e estou certo que comigo muitas pessoas bem intencionadas, que as demais regiões com características paisagísticas e recursos de desenvolvimento turístico não menos inferiores venham a merecer igualmente dos responsáveis a atenção que lhes é devida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sugiro mesmo que a arrancada, a dar-se vigorosamente, deve abranger todo o País numa cobertura indistinta, ...
O Sr. António Santos da Cunha: - É imprescindível que seja assim.
O Orador: - ... pois de contrário permaneceriam numa situação de estagnação zonas que mais tarde seriam incapazes de acompanhar o ritmo de outras, que por terem sido alvo de atenções especiais muito se viriam a distanciar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há que planear em conjunto, há que supra-estruturar, para que logo a seguir cada uma dás regiões possa por si, e pelo apoio que encontre nas entidades responsáveis, avançar, mercê das suas próprias possibilidades.
Para tal haverá também que ser feita uma distribuição de certo modo equitativa das verbas do Fundo de Turismo e de financiamento pela Caixa Nacional de Crédito, de maneira a não só permitir a acção impulsionadora dos órgãos locais, que só por si não têm possibilidades de comportar com grandes empreendimentos, mas também de interessar grupos financeiros nacionais e até estrangeiros de reconhecida idoneidade neste sector económico.
Será uma entreajuda de proveito mútuo aquela que o Estado e os municípios votarem à resolução financeira do problema, incentivando investimentos e iniciativas de que mais tarde virão a usufruir a esperada recompensa.
Será ainda da compreensão de todos os portugueses, dirigentes e dirigidos, que o incremento turístico do nosso país resultará pleno e de benéficas repercussões em todos os demais sectores da vida nacional, desde o económico ao político, passando pelo social.
As medidas de ordem geral e directrizes anunciadas, tanto a nível central como regional ou local, deverão ser encaradas tendo sobretudo em vista a unidade do País e valorizando cada região e cada terra com organizações que permitam dar expressão real a obra de tamanha amplitude.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Não quero perder-me em pormenores de organização geral, pois tal tarefa pertencerá aos técnicos, mas sim pôr bem em evidência, sobretudo, a acção proveitosa que os órgãos mais modestos, aqueles que actuam a nível concelhio, regional ou distrital, poderão desempenhar na finalidade comum, que é o aproveitamento integral das potencialidades turísticas do País. A criação de um Ministério de Turismo, conforme preconizou, e muito bem, o ilustre Deputado Videira Pires, seria uma solução ideal para a centralização e, sobretudo, coordenação das actividades dispersas pelos vários organismos que presentemente têm a seu cargo a supervisão do turismo português, como comando de todos os órgãos de zona ou locais de todo o território nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quero chamar particularmente a atenção para as comissões municipais e juntas de turismo, pois os seus elementos constitutivos, bem conhecedores dos recursos e interesses das zonas sob a sua jurisdição, poderão numa acção conjunta colaborar eficazmente na obra a realizar; simplesmente haverá que considerar todo o cuidado a pôr na escolha de tais elementos e na valorização das suas aptidões, facultando-se-lhes meios para o seu trabalho ser profícuo; de contrário não se encontrarão homens à altura que possam desempenhar cabalmente tais lugares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De uma acção individual persistente e útil e de uma conjugação de esforços de grupos que se entreajudem, com o devido apoio das entidades governamentais políticas e administrativas, resultará, sem dúvida, rendimento absoluto, que é, afinal, aquilo que se pretende. Deverei salientar, neste aspecto, a acção que tem despendido na capital do meu distrito S. Ex.ª o actual Governador Civil, chamando ao seu convívio todos esses elementos ligados à gestão do turismo da região, auscultando as suas opiniões e sugestões e oferecendo-se para as transmitir superiormente, apoiando-as com desvelado cuidado; merece incontestado louvor tal atitude, que bem demonstra o espírito de leal colaboração que sempre deve reinar na resolução de problemas de interesse mútuo a nível distrital, e que afinal se reflectem no todo nacional.
É a nível distrital que encararei essencialmente o problema que se debate, chamando a atenção dos responsáveis para o valor que Aveiro poderá desempenhar no surto turístico português, que se admite venha a ser uma breve realidade.
A sua situação geográfica no litoral e as suas características e recursos turísticos dão-lhe excepcional valor, que convém não menosprezar, procurando-se essencialmente tirar partido do bom que já existe e criando-se tudo aquilo cuja falta se vem fazendo sentir.
Seria tarefa fastidiosa considerar pormenorizadamente esta dupla faceta do problema actual do distrito, pelo que limitar-me-ei a citar muito superficialmente alguns aspectos reais que mais particularmente chamam a atenção.
Há apreciáveis praias, que se estendem quase em ala contínua, em toda a orla marítima, com os seus atributos específicos com que a Natureza as dotou, mas sem aquele total aproveitamento que poderia estar ao seu alcance; assim, muitos dos requisitos que as modernas estâncias da beira-mar reclamam estão quase na generalidade ausentes, em especial pelo que diz respeito à falta de instalações hoteleiras, que, ou não existem, ou são insuficientes.
A título exemplificativo direi apenas que na Costa Nova há um pequeno hotel, com 24 quartos, e 5 pequenas pensões, apesar da sua frequência, só pelo que diz respeito a banhistas, andar por 2000 pessoas anualmente; na Barra, uma pequena pensão; em S. Jacinto, nada; na Torreira, além da Pousada da Ria, com os seus escassos 10 quartos, 2 pensões; no Furadouro há um pequeno e modestíssimo hotel, que não basta de maneira nenhuma para valer ao
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mínimo das necessidades; em Espinho há um hotel aberto ao público, com 24 quartos, e algumas pensões, pelo que os banhistas terão de recorrer a casas particulares como única solução- para a sua instalação e permanência; e assim sucessivamente ... Mais atractivos próprios que deveriam considerar-se como indispensáveis à atracção de veraneantes e turistas também são em número reduzido.
Nota-se a falta de piscinas, pois só existe a de Espinho; nota-se a falta de festivais periódicos de valor e de locais de reunião, pois as chamadas assemble as são poucas e de carácter meramente particular, e casino é só um, o de Espinho: nota-se a falta de praças de touros, pois as que existiam o tempo fê-las desaparecer ingloriamente; enfim, falta muita coisa, que há que criar e incrementar ...
Há as estâncias termais, outros tantos centros de incalculável valor não só para os turistas, mas também para aqueles que tiram delas o proveito terapêutico para os seus achaques e salutar repouso, destacando-se sobremaneira as da Cúria e Luso, onde além do mais há piscinas, provas desportivas anuais ou periódicas de nomeada, festivais vários, de que se poderá citar, a título exemplificativo, a Festa das Vindimas da Curia, e, vá lá, unidades hoteleiras que bastam à circunscrita região, em pleno contraste com a parte norte do distrito; assim, na Cúria há hotéis, pensões, hospedarias e casas de aluguer que totalizam 774 alojamentos, além dos 45 do Hotel das Termas, e no Luso 4 hotéis em funcionamento e um prestes a abrir, num total de 460 quartos, e várias pensões e casas particulares, que perfazem mais 367 alojamentos, além do Palace do Buçaco, tão típico no seu singular traçado arquitectónico.
Há as suas belezas panorâmicas, tão diversas na sua variedade e multiplicidade, contrastando os montes e serras com os vales e planuras, de que poderei citar como exemplos, respectivamente, dos primeiros o frondoso e dominador Buçaco e dos segundos o sinuoso e luxuriante valo do Vouga.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há os seus monumentos e castelos, que poderei sintetizar no secular castelo da Feira, que altaneiro domina essa encantadora vila, tão antiga como bela, que se estende a seus pés. Há os seus antigos conventos, recheados de valores artísticos, como o da Arouca e de Aveiro. Há as suas pousadas, construídas em aprazíveis lugares, dominando vastas áreas de singular beleza, como sejam, a da Ria, na Torreira, e a de Santo António de Serém, no vale do Vouga.
Há as suas densas florestas, parques e jardins, que por toda a parte se espalham profusamente, dando variedade e cambiante à Natureza que lhes deu vida.
Há as festas tradicionais e manifestações folclóricas, que por todo o distrito dão cunho muito particular às terras que as inspiraram.
Há os festivais e competições desportivas, as mais variadas, que são outros tantos motivos de atracção das massas humanas.
Há as especialidades gastronómicas da região, incluindo as conservas e doçarias características de cada terra, além dos qualificados vinhos da Bairrada, onde são numerosas as naves, de tão boa e justificada fama.
Enfim, tantos e tantos motivos de interesse turístico existentes, a realçar e a cultivar, no sentido de maior notoriedade, mas de que me desviarei sòmente para focar aquela região que merece muito particular atenção, e que é a ria de Aveiro, esse cartaz número um do distrito, que nu; apraz considerar neste momento e que bem justificaria a extensão até esta zona do País de números incluídos no programa iniciado há um ano e rotulado de Abril em Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Realmente trata-se de uma região privilegiada do País, de recursos naturais e com condições ímpares para que se possa tirar um partido excepcional das suas potencialidades, e que se têm visto inaproveitadas, com os naturais lamentos de todos quantos estimam particularmente tais paragens, e até daqueles que, tendo a oportunidade de as visitarem, a elas rendem as suas homenagens pela prodigalidade da Natureza, mas que ficam insatisfeitos por não as verem ainda exaltadas de molde a chamarem as demais atenções que lhes são devidas.
E aqui quero abrir um parêntesis para agradecer ao Deputado Moreira Longo a simpática citação que ontem mesmo neste lugar fez a respeito da ria de Aveiro, exaltando os seus predicados e a relevância da atenção especial de que é merecedora.
Oferecendo a citada- região, pela sua extensão e penetração da ria em concelhos vários, particularidades muito especiais e requisitos que a evidenciam na panorâmica nacional, justo é que nos debrucemos sobre o seu estado actual e sobre aquele partido que se poderia tirar do seu aproveitamento integral na valorização das suas gentes, tanto no aspecto económico como no social. São muitos os concelhos beneficiados com esse dom da natureza; são muitos os interesses à sua volta, e deverão ser muitos os esforços a despender por todos aqueles que directa ou indirectamente deverão dar melhor e mais útil expressão a essa realidade, que o é por si e que mais evidente será pela acção dos homens.
O Sr. Pinto de Mesquita: - E ainda V. Ex.ª queria o artifício das piscinas!
O Orador: - Muito obrigado. Haverá pois que lhe devotar esforço intensivo no sentido de dar todo o incremento a um turismo efectivo e duradouro, para o qual a região se oferece incondicionalmente.
É só debruçarmo-nos um pouco sobre os múltiplos aspectos em que se poderão fundamentar estas minhas afirmações.
Dominando a região está a cidade de Aveiro, com o seu espelho de água repartido em canais, que lhe têm valido, com alguma propriedade, o título de Veneza portuguesa; com os costumes das suas populações tão bairristas; com as suas embarcações tão características, destacando-se o tipismo dos seus moliceiros; com as suas marinhas de sal, sobrelevadas por esses montes erguidos com o suor dos marnotos e para o labor dos quais muito contribui o límpido sol da estação estival, espectáculo invulgar para o qual se volta particularmente a atenção dos turistas nacionais, e sobretudo estrangeiros, estes mais expansivos perante o espectáculo a que pouco estão habituados, pela sua raridade e inédita beleza; com os seus produtos de doçaria regional, de que se poderão destacar, entre outros, os afamados ovos moles, tão apreciados; com os seus valores artísticos, sintetizados nesse antigo convento, e agora riquíssimo museu, chamado de Santa Joana, que ali quis passar os verdes anos da sua mocidade e onde, por manifesta vontade, repousa eternamente; enfim, tantos e tantos atractivos que oferece a quem a procura a princesa do Vouga.
A propósito do aproveitamento total das possibilidades da capital do distrito quero realçar o quanto beneficiará a região com a aprovação do plano director da cidade,
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de que já mereceu sanção ministerial a recente aprovação do arranjo urbanístico do centro, que permitirá realçar ainda mais as suas belezas naturais, pois todo ele se desenvolve tendo como fulcro o centro citadino dominado pela ria, que se oferece mais ao visitante como sala de visitas ideal; é a particular atenção que merece o seu típico bairro da beira-mar; são os acessos fáceis e directos ao seu centro e a modelar rede de circulação rodoviária que se prevê; é esse edifício de 90 m de altura que ficará no seu centro, dominando a cidade e a região, com as inerentes possibilidades de um miradouro sobre a planura imensa da beira-mar, arquitectado de maneira que na sua construção se prevê um magnífico hotel e restaurante na parte superior, com os atractivos próprios da altura e do vasto horizonte ao seu alcance; enfim, são todos esses pormenores que tornarão mais atraente aos forasteiros a cidade dos canais, pois a urbanização prevista, por bem orientada, vem, neste caso particular, não impor soluções rígidas, mas, sim, adaptar-se ao cunho especial e característico da região.
Aqui quero deixar uma grata palavra para a Câmara Municipal, e em especial para o seu presidente, pela maneira como tem encarado este magno problema actual, desenvolvendo especiais esforços no sentido de uma rápida solução que há largos anos preocupava os Aveirenses. Formulo o melhor dos votos pana que a concretização dos seus anseios se venha a efectivar realmente dentro do mais curto espaço de tempo.
Mas é mais toda essa imensa massa líquida que constitui a ria, e à volta da qual as populações da cidade e dos concelhos vizinhos de Ílhavo, Murtosa, Ovar e Vagos gozam do privilégio de mostrar aos seus habitantes todo um manancial de beleza paisagística natural, além do seu aproveitamento na prática dos mais diversos e salutares desportos de Verão, a par das marcadas possibilidades das suas praias.
Destes recursos poderão destacar-se a prática de desportos náuticos, nomeadamente a vela, a motonáutica e o remo, que encontram nesse lençol imenso de água condições ímpares; aliás, têm sido até em parte aproveitados para a realização de provas desportivas, não só a nível local, mas também nacional, e é de prever que se tornem extensivas aos praticantes das modalidades de naturalidade estrangeira, que já por várias vezes se têm manifestado nesse sentido, esperando-se que se venham a concretizar as suas legítimas aspirações, que afinal são as nossas, e que resultarão numa maior propaganda turística da região.
Ainda nesta rubrica quero referir-me às possibilidades que oferece o Rio Novo do Príncipe à construção ideal de uma pista náutica para a prática de competições de remo, pois a sua condição de supremacia para tal fim é notória, aliás como já tem sido reconhecido; simplesmente ainda não foi aproveitada, apesar de nesse local se terem vindo a efectivar competições a nível nacional; faltam-lhe as instalações adequadas, os acessos imprescindíveis e o arranjo da pista mais aconselhável. Mas espero que em breve se veja aproveitada esta dádiva da Natureza e que já os homens vêm explorando, longe ainda das suas totais possibilidades.
São ainda de considerar as possibilidades de veraneio das suas praias, nomeadamente a Costa Nova, a Barra, S. Jacinto, Torreira e Furadouro, sómente para citar aquelas que mais estreitamente se ligam à ria; a sua procura evidencia bem o quanto são apreciadas pelos turistas de passagem e, sobretudo, pelos de permanência, pois o seu sol, a sua fina areia, as suas águas da orla marítima e da ria, as suas matas e as demais possibilidades, como a caça, a pesca e outras práticas desportivas que citei, são atractivos que se oferecem simultâneamente num conjunto sem paralelo na orla marítima continental.
Poder-se-iam ainda citar os passeios pela ria em transportes adequados que se oferecem a todos os turistas que têm a rara oportunidade não só de apreciar a panorâmica dos recortes da mesma, mas também todos os motivos de interesse localizados nas margens, como sejam os estaleiros de construção naval e os barcos ancorados aguardando a hora de partida em demanda de longínquas paragens, nomeadamente os bacalhoeiros, que, uma vez regressados com o produto do seu árduo labor, produto esse que noutro espectáculo invulgar se acaba de tratar nas secas tão típicas, dispersas por toda aquela região, embelezam todo esse ambiente próprio da faina marítima tão característica dos habitantes de tais paragens, a que emprestam um cunho tão particular.
Poder-se-ia ainda proporcionar aos excursionistas da ria esse espectáculo inédito do deslizar suave dos moliceiros, de velas enfunadas, ao sabor do vento, e que sulcam a água em várias direcções na sua labuta habitual.
Mas, para que tais belezas naturais tenham o realce que lhes é devido, é necessário que se lhes possibilitem os meios imprescindíveis, de maneira que se tornem mais acessíveis a turistas nacionais e, sobretudo, a estrangeiros. São as infra-estruturas da região, para as quais se torna imperioso voltar um pouco mais de atenção, de que há a destacar, sobremaneira, os meios de comunicação e as possibilidades de alojamento.
Assim, destaca-se a necessidade da existência à volta da ria de meios fáceis de acesso aos seus locais mais típicos, pela constituição de um verdadeiro circuito que inclua a maior parte da sua periferia, ligando-os totalmente.
A estrada marginal norte da ria já permite ligar parte desses pólos, mas para que o circuito se complete falta a conclusão da ponte da Varela, aliás que se prevê para fins de Maio próximo, cujo merecimento tem sido há longo tempo exaltado pelas populações vizinhas, sobretudo da Murtosa, a quem serve primordialmente, permitindo o acesso directo daquela típica vila à Torreira e S. Jacinto; por este substancial melhoramento, duplamente funcional e turístico, devo manifestar ao Governo, e em especial a SS. Exas. os Ministros das Obras Públicas e das Finanças, o reconhecimento da boa gente murtoseira, em especial, já que a todos tão útil é.
Como corolário lógico deste notável melhoramento, há a considerar a tão falada e comentada estrada Aveiro-Murtosa, que, já planeada e prevista na sua execução, tem tido aqueles entraves que o seu elevado custo tem levantado, apesar de todo o empenho que os municípios de Aveiro e Murtosa têm posto, em verdadeira comunhão de anseios, na sua efectivação. Uma verdade é bem certa e reconhecida: a sua premente necessidade, custe o que custar.
Sabe-se estar em estudo, por incumbência de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, que dá ao assunto prioridade especial, um novo arranjo mais económico, deslocando o traçado para nascente, sem os inconvenientes do anterior, pois os terrenos agora previstos oferecem melhores condições, por mais consolidados, embora se reconheça que turìsticamente o interesse não é tão grande como o resultado daquela que inicialmente se previa; a efectivar-se a sua breve execução, um passo em frente será dado na satisfação de uma útil e velha aspiração. Faço sinceramente o melhor dos votos por que brevemente se possa agradecer ao Governo a sua realização plena.
Fica ainda por levar a efeito outra necessidade, esta de primordial importância e que é a ligação directa a
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S. Jacinto, partindo do Forte da Barra de Aveiro, fechando-se assim o circuito citado, pois essa só está facilitada a pessoas, quando é imprescindível torná-la extensiva ao meio de transporte mais usual do turista - o automóvel.
É o estabelecimento de um ferry-boat, por que se anseia e que a cidade de Aveiro apadrinha, só ainda não se tornando realidade mercê de dificuldades técnicas e financeiras. Que se removam depressa tais obstáculos, pois o turismo da região é altamente influenciado para melhor desde que surja ao público a utilização de tal empreendimento; evidentemente que há outros interesses de ordem funcional e económica que advêm da sua realização, mais ainda a justificar tal empreitada. Naturalmente que esta solução é aquela que se nos afigura como mais prática e compatível com o momento actual, pois futuramente poderá inclusivamente encarar-se a hipótese de uma ponte ligando as margens citadas, obra essa que poderia vir a sor incluída nas do porto de Aveiro e como fazendo parte da sonhada estrada atlântica.
Mas eu não queria ir tão longe ...
Ficaria assim, com estas duas realizações, fechado o circuito turístico da ria, mas há ainda outro aspecto a encarar como de premente utilidade, e que é o da construção d u uma nova ponte do Forte, ligando as Gafanhas à barra e Costa Nova, em substituição da velha de madeira existente, obra que há tantos anos aguarda uma solução; que o seu começo seja uma realidade são os meus votos.
Mas há ainda a considerar o aproveitamento turístico do porto de Aveiro, com instalações para desportos náuticos e gares marítimas a incluir na sua obra portuária, que a ritmo tão lento, nada aconselhável para a valorização económico-social local e nacional, se vão processando. Tal incremento impõe-se sem qualquer sombra de dúvida, pois as ligações fáceis entre portos do País é outra possibilidade que se oferece ao nosso turismo.
Uma palavra poderia ainda ser dada no sentido de chamar a atenção de outra possibilidade ao alcance da mesma região, ìntimamente ligada ao porto, e que é a construção do um campo de aviação de turismo ou até, por possíveis entendimentos, pois existe uma base aérea em S. Jacinto, a utilização do extenso campo de aviação existente.
O Sr. António Santos da Cunha: - É evidente; nada de duplicações!
O Orador: - E por que não encarar firmemente até a hipótese de um aeródromo, tanto de aconselhar na aproximação rápida e fácil com outros locais turísticos em evidência? Ponho estas considerações à apreciação dos respectivos departamentos do Estado. Claro que todos eles deverão conjugar os seus esforços e possibilidades na execução da vasta obra que há a empreender na valorização turística do País, motivo pelo qual deverão ter as suas representações nos estudos dos planeamentos regionais, bases a partir das quais se poderá progredir substancialmente e ordenadamente. Há precisamente em estudo um plano regional, cujo gabinete foi criado há pouco mais de um ano e com louvável sanção ministerial, a cujo significado e oportunidade me referi em anterior intervenção nesta Assembleia.
O outro aspecto encarado na minha exposição é aquele que diz respeito à escassez de alojamentos e instalações afins, mormente no que diz respeito às unidades hoteleiras da região que venho apreciando. De facto, à excepção de um único hotel na cidade, com capacidade aproximada de 100 camas, e outros dois, um na Costa Nova e outro no Furadouro, com as características paupérrimas que já apontei, sòmente para citar os concelhos da ria, e de algumas pensões, de nível modesto na generalidade, não existem instalações em número e qualidade que se ofereçam ao visitante com o conforto mínimo que se possa exigir.
Existe uma única instalação condigna, mas que é de tão restrita utilidade, pois serve a muito poucos utentes, por ter sómente dez quartos à disposição do visitante, e que é a Pousada da Ria, situada no bico do Muranzel, na margem poente da mesma, aberta ao público após inauguração oficial de cunho distinto que a presença do venerando Chefe do Estado valorizou sobremaneira e que domina visualmente uma enorme extensão da ria e terras marginais. Nesta mesma Assembleia tive então oportunidade de me referir a tão distinto quão grato acontecimento e ao seu valor turístico.
Foi mais uma obra que Aveiro e a sua região ficaram devendo ao Governo, por intermédio do Ministério das Obras Públicas.
Mas há que estimular sobretudo a iniciativa de interesses privados que se abalancem à construção de hotéis que bastem à região, permitindo o afluxo e fixação por largos períodos de turistas que acorrem à chamada do sol e da água de tais paragens. Tal estímulo terá de ser realçado; a falta de empreendimentos será consequência lógica da falta de protecção dada às iniciativas particulares. Esse estímulo far-se-á facilitando-se tais construções, sem aqueles entraves e delongas que às vezes os projectos das obras e as localizações levantam; esse estímulo facilitar-se-á com subsídios, desde que se reconheça o valor turístico dos empreendimentos.
Além dessas unidades hoteleiras, com predomínio das de nível médio, que deveriam estender-se numa apertada rede, como condição básica de recepção turística, a que não ficará alheia a boa formação profissional das pessoas encarregadas da sua exploração, poderão ainda considerar-se os motéis, tanto em uso actualmente, e os parques de campismo. Dado o interesse e procura, que se vem evidenciando pela maior parte da Europa no sentido da crescente utilização destas instalações, lógico será que teremos também de ir ao encontro dos hábitos desses turistas, que, num espírito de economia, não podem instalar-se em hotéis (além de que os não possuímos em número suficiente), procurando este meio de albergamento complementar.
Dados os invulgares recursos desta zona da beira-mar e da beira-ria para instalações condignas que proporcionem aos turistas os plenos benefícios que a natureza pródiga lhes oferece, há que os incrementar, facilitando e estimulando, por um lado, as várias modalidades de hospedagem e, por outro, criando zonas com os requisitos necessários para a prática de campismo e actividades afins, incluindo as desportivas, que tão ìntimamente se ligam, de maneira a criar condições de atracção para aqueles que as procuram, sobretudo na época do Verão.
As sugestões que acabo de fazer traduzem com perfeita exactidão os anseios de todos os habitantes da região, e sobretudo dos visitantes estrangeiros, que ficam maravilhados com a exuberância de tais recursos, e de tal maneira que se poderá sintetizar numa frase espontânea de admiração que certa vez um turista americano exclamou ao deparar-se-lhe tamanho espectáculo: «it is a gold mine», e eu poderei acrescentar: por que não se explora devidamente essa mina de ouro?!...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E mais sou obrigado a concluir o quanto necessário se torna a criação de uma junta de turismo da
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ria, com representação de todos os concelhos a ela directamente ligados, que vise essencialmente a solução dos inúmeros problemas que se deparam aos olhos de toda a gente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que diz respeito à rede rodoviária de que dispõe o distrito, quero sómente observar a necessidade de melhorar eficazmente as estradas existentes, renovando e actualizando os seus traçados, de harmonia com as necessidades de circulação, e construindo todas aquelas que se vão tornando essenciais, e até imprescindíveis, como a que citei a ligar Aveiro à Murtosa. Deverei mesmo vincar que, sendo a densidade rodoviária do distrito, por quilómetro quadrado de superfície, de 803 m, logo a seguir à do Porto (996 m) e à frente da dos de Braga (707 m) e de Lisboa (701 m), não será lícito dizer-se estar a região mal servida de estradas, mas sim que deverão ser revistas de maneira a obter-se um total e útil aproveitamento dos vários centros turísticos nas suas interligações adentro e fora do próprio distrito.
A propósito poderei mencionar uma ligação que se impõe e tem sido apontada com todo o interesse, pois, embora o seu traçado de pequena extensão se faça já na jurisdição do distrito de Coimbra, interessa o de Aveiro, aproximando a bonita praia de Mira dessa zona admirável de valor turístico constituída pela Cúria, Luso e Buçaco.
Quanto à rede ferroviária, citarei sòmente como digno de nota o pouco recomendado estado da linha do Vale do Vouga, que funcionalmente é de molde a suscitar os maiores reparos a todos os seus utentes e que se espera vir naturalmente a desaparecer, prestigiando a organização e dando-lhe uma maior utilidade, pois o contraste é flagrante com o estado actual da linha do Norte, que serve os maiores centros populacionais do litoral do distrito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: antes de terminar esta fastidiosa exposição (não apoiados), não quero deixar de manifestar a minha fé em que vamos empreender com êxito essa arrancada, que urge aproximar-nos dos países da vanguarda do turismo europeu, ou pelo menos sair da crítica posição de «lanterna vermelha», atingindo um nível mínimo de mediania. A localização e condições climatéricas do nosso país são de molde a podermos aspirar a um lugar ao sol, neste país de sol tão apreciado por todos os estrangeiros que nos visitam e que vêm encontrar nele ambiente de paz e tranquilidade tão necessário àqueles que fogem aos climas ingratos por si próprios ou transformados pelas desenfreadas paixões que intranquilizam a maior parte do Mundo.
Auguro, pois, sucesso na empresa e concordo plenamente com as palavras de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho quando diz que «se aproxima a hora decisiva da indústria turística em Portugal».
E já que invoquei o nome de S. Exa., quero desta tribuna dirigir-lhe um convite especial, e que é o da visita com pormenor a essa privilegiada região da ria, que tenho pena de não poder realçar a traços dignos de poeta neste local, pois para tanto não basta o amor que lhe tenho como filho; visita da qual resultará, sem dúvida, estou convicto, uma tal apreciação de recursos e possibilidades que S. Ex.ª não deixará de lançar sobre ela igual atenção àquela que lhe merecem outras zonas do País já citadas, pois a sua traça turística original bem o justifica.
O povo de Aveiro, hospitaleiro como é, saberá receber S. Exa., e confia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador, foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debato continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Mendes da Costa Amaral.
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Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA