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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 142
ANO DE 1964 11 DE MARÇO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 142 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 10 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 139 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 45 581, 45 58í e 45 585 e da Câmara Corporativa, o parecer sobre o projecto de lei relativo a isqueiros e acendedores.
Foram lidas as respostas do Ministro da Justiça a perguntas do Sr. Deputado Lopes Roseira.
O Sr. Deputado Pinto Carneiro requereu elementos acerca dos leitorados de Português em Universidades estrangeiras.
Sr. Deputado Herculano de Carvalho falou sobre a designação de «Política ultramarina do Governo».
Ordem do dia. - Continuou a discussão do aviso prévio acerca do turismo nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Armando Cândido, Nunes de Oliveira, José Alberto de Carvalho, Fernando Frade e Sousa Birne.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 45 minutos.
CAMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 15/VIII , acerca do projecto de lei n.º 21/VIII [alterações ao Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937 (uso de acendedores e isqueiros)].
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Bego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Mana Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
rmando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José- Machado.
Bento Benoliel Levy.
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Carlos Alves.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Kosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 77 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas c 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 139, que se submete à aprovação.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a seguinte rectificação: na p. 3495, col. l.a, 1. 28, onde se lê: «Secretário Nacional da Informação» deve ler-se: «Secretariado Nacional da Informação».
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado com a rectificação apresentada.
Deu-se conta, do seguinte
Expediente
Telegrama
Do presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Reis Faria no debate do aviso prévio sobre o turismo.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 51, 1.ª série, de 29 de Fevereiro último, que insere os seguintes Decretos-Leis: n.º 45 581, que torna extensivo à utilização das verbas que foram inscritas no orçamento dos Encargos Gerais da Nação com destino às construções militares a realizar na península de Tróia o preceituado no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41 575; n.º 45 582, que regula o pagamento dos emolumentos devidos a cada perito médico pelos exames realizados em processo penal, e n.º 45585, que inclui indistintamento o fabrico e transformação das resinas sintéticas e matérias plásticas na rubrica «Indústrias químicas (resinas sintéticas e outras matérias plásticas)», constante do quadro I anexo a Decreto-Lei n.º 39 634, que promulga a revisão do regime de condicionamento estabelecido para as diferentes indústrias e modalidades condicionadas.
Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei relativo ao uso de acendedores e isqueiros.
Estão também na Mesa as respostas dadas pelo Ministério da Justiça sobre a unificação dos serviços judiciais da metrópole e ultramar, para dar satisfação à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Lopes Roseira na sessão de 20 de Fevereiro último.
Vai sor lida a resposta do Ministério da Justiça.
Foi lida. É a seguinte:
Resposta à nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Francisco José Lopes Roseira sobre a unificação dos serviços judiciais da metrópole e do ultramar.
l.a Diligências e providencias já realizadas no sentido da preconizada unificação.
R. - A unificação está prevista no artigo 159.º do Estatuto Judiciário de 14 de Abril de 1962, tal como já estava no estatuto de 1944.
Tem-se, porém, entendido que as necessidades que a unificação visa satisfazer respeitam directamente mais aos magistrados e serviços de justiça do ultramar do que aos magistrados ou serviços da metrópole, sendo por conseguinte o Ministério do Ultramar a entidade que melhor pode decidir sobre a oportunidade da providência.
Em Agosto de 1957 a Repartição de Justiça do Ministério do Ultramar enviou á Direcção-Geral da Justiça o parecer n.º 6 da 1.ª secção do Conselho Ultramarino, versando uma «questão prévia sobre o projecto do Estatuto Judiciário do Ultramar», que consistia na «integração dos serviços de justiça do ultramar no Ministério da Justiça, com subordinação às mesmas regras e organismos que na metrópole vigoram e superintendem».
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Sobre esse parecer e o projecto do estatuto tinha S. Ex.ª o Ministro do Ultramar lançado o seguinte despacho:
O Conselho encara a questão sob um ângulo tão restrito - unificação das magistraturas (não interessam agora as conservatórias, etc.) - que lhe escaparam os problemas principais que têm obstado a que o Ministério do Ultramar caminhe no sentido da unificação. A dificuldade, com efeito, não reside na unificação das magistraturas, mas dos outros tribunais, que no ultramar são mais complexos.
O parecer atendeu a todos os interesses dos magistrados e mesmo nesses pormenores há muitos pontos com que eu não concordo, como, por exemplo, os vencimentos. E também evidente que a unificação implica a imediata extinção da 2.a secção do contencioso do Conselho Ultramarino.
Antes, porém, de discutir esses pormenores interessa conhecer a opinião do Ministério da Justiça sobre as questões básicas, e para esse efeito ser-lhe-á enviado o parecer com este despacho.
10 de Agosto de 1957. - Raul Ventura.
A unificação dos serviços judiciais suscita, com efeito, dificuldades sérias, que no sector da magistratura só poderiam ter sido devidamente estudadas na altura em que no Ministério da Justiça se estudou a reforma das instituições judiciárias da metrópole. Mas no momento em que o projecto do novo estatuto judiciário começou a ser revisto já o Ministério do Ultramar, criando a sua Direcção-Geral da Justiça, tomara deliberadamente por uma orientação diferente da consignada no projecto da unificação.
Por essa razão, e por julgar mais fácil começar a unificação pelos serviços dos registos e do notariado, pretendeu o Ministério da Justiça nos começos do ano de 1961, com o acordo inicial do Ministério do Ultramar, realizar um estudo aprofundado das dificuldades que a unificação poderia suscitar nesses serviços em cada uma das províncias ultramarinas. Designou-se para esse efeito o próprio director-geral dos Registos e do Notariado, que, todavia, não pôde realizar a viagem de estudo de que fora incumbido, por não ter conseguido obter .da Direcção-Geral da Justiça do Ultramar a colaboração que pedira e- julgava indispensável à execução da sua tarefa.
2.a Fase em que se encontram os trabalhos para concretização da unificação.
R. - A resposta a esta pergunta resulta da parte final da resposta à pergunta anterior.
3.a Para que data se calcula que a preconizada, desejada e necessária unificação venha a ser efectivada?
R. - A unificação depende dos resultados a que chegue o estudo prévio que os Ministérios da Justiça e do Ultramar projectavam realizar ou de outras investigações que para o efeito venham a ser ordenadas.
4.a As causas que objectiva e concretamente, possam, porventura, estar a dificultar a realização da unificação.
R. - Ao que consta já da resposta à primeira questão, julga-se oportuno acrescentar as considerações que sobre o problema da unificação foram feitas por nós, em acto público realizado em 10 de Outubro de 1963:
Um problema que está hoje muito na ordem do dia e merece ser visto em primeiro lugar pelo alto plano em que se situa, é o da unificação das magistraturas metropolitana e ultramarina, desde há vários anos prevista na legislação.
A unificação, além de pôr termo a algumas diferenças chocantes de regime na constituição e no funcionamento dos órgãos judiciários, teria como traço característico a formação de um quadro único da magistratura nacional.
Mas são precisamente as consequências provenientes da existência do quadro único para a colocação ou transferência dos magistrados que suscitam as maiores reservas contra a tese da unificação.
E não vale a pena, de facto, nem contestar a existência nem subestimar o valor da dificuldade, muito embora haja meios de até certo ponto a atenuar; pois se já hoje são infelizmente notórios os esforços que muitos fazem para não servir nas ilhas, não são difíceis de prever as resistências que se haveriam de opor a uma colocação em Timor ou em Macau ou a uma transferência para a Guiné ou o interior de Angola.
E à dificuldade fundada no simples interesse dos magistrados da metrópole uma outra consideração se pode juntar ainda, no plano superior dos próprios serviços.
O número dos magistrados que em cada ano ingressam na carreira do Ministério Público mostra-se desde há vários anos incapaz de cobrir as vagas abertas no quadro metropolitano, pelo que são várias as comarcas das ilhas que não têm delegado e muitas as do continente providas interinamente em delegados sem o concurso de habilitação. E tudo indica, nas presentes circunstâncias, que o alargamento do quadro da judicatura, por força da unificação das magistraturas, mais haveria de acentuar, pelo menos durante algum tempo, a situação de carência dos efectivos do Ministério Público.
Simplesmente, toda a dúvida está em saber se a questão pode ser posta nos termos em que vem formulada, se as diversas soluções do problema podem neste momento ser legitimamente apreciadas em função do mero interesse particular dos magistrados ou no plano restrito das conveniências de uma fracção do território nacional, e não devem, pelo contrário, ser amplamente examinadas à luz das necessidades reais do todo que é o Estado Português.
Todos sabem, com efeito, que o crescimento demográfico das províncias ultramarinas, a subida do nível de vida das populações, a execução prática de certas providências, como a abolição do indigenato, hão-de tornar cada vez mais insuficiente o quadro da judicatura nos grandes centros urbanos do ultramar e mais precária a actual divisão judicial dos territórios. E as insuficiências não serão fáceis de suprir, por mais regalias que se concedam, enquanto as províncias não regressarem á situação de completa normalidade e os quadros metropolitanos se não mostrem saturados.
E o que em semelhante conjuntura cabe logicamente perguntar é se o Governo pode aceitar de braços cruzados este progressivo desequilíbrio frente às necessidades prementes de desenvolvimento ordenado do ultramar, com todo o cortejo de consequências que é fácil de imaginar, ou se deve antes repartir igualmente pelas diferentes parcelas do território nacional todas as disponibilidades do seu quadro de juizes, embora desta forma se possa agravar temporariamente a insuficiência dos quadros do Ministério Público.
Por outro lado, se quem governa não pode esquecer nem subestimar os inconvenientes particulares das
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grandes deslocações impostas aos magistrados, também não devem ser omitidos os benefícios consideráveis que do sistema da unificação podem advir para a formação da perfeita consciência nacional e para o reforço da unidade política de Estado Português, que mais avultarão ainda se, futuramente, vierem a ser criadas Faculdades de Direito no ultramar.
Quando se consideram estes e outros aspectos imo monos relevantes do caso ou se estende o nosso exame a outras situações que interessam igualmente ao sector da justiça, eu chego, por vezes, a recear que a nós próprios suceda alguma coisa de semelhante ao que se passa com certas pessoas que nós conhecemos e se não cansam de proclamar o seu patriotismo, de pedir meças com o nosso nacionalismo, para depois, pelo boato que espalham, pela notícia que divulgam, pelo relevo especial que concedem a quantas ocorrências favorecem o jogo do inimigo ou são contrárias aos interesses do País, tudo fazerem afinal para minar a resistência moral da Nação.
Pois também nós, que sentimos a necessidade de preservar a unidade política do agregado nacional sem prejuízo da descentralização administrativa imposta pelas circunstâncias, poderemos involuntariamente comprometer os fundos alicerces em que aquela unidade assenta se não procurarmos com as luzes da razão - mas sobretudo de coração aberto - os caminhos que melhor servem os verdadeiros interesses da colectividade e nos não dispusermos a agir enquanto é tempo de o fazer.
Não se veja neste paralelo qualquer insinuação capciosa destinada a forçar, ou a insinuar sequer, de- terminada solução num problema que depende tanto do Ministério da Justiça como do Ministério do Ultramar; trata-se apenas de completar o enunciado dos termos essenciais da questão, tal como pessoalmente a sinto no momento sério que a Nação atravessa e em que os ventos perigosos da história não sopram só de um dos lados do quadrante.
Ministério da Justiça, 4 de Março de 1964. - O Ministro da Justiça, João da Matou Antunes Varela.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pinto Carneiro.
O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, através do Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidas, com a possível brevidade, as seguintes informações:
a) Qual o número de leitorados de Português actualmente existentes em Universidades estrangeiras (i quais essas Universidades?
b) Qual o número de alunos que nos últimos três anos frequentaram cada um daqueles leitorados?
c) Quantos relatórios foram enviados nos últimos três anos ao Ministério da Educação Nacional pelos leitores de Português em Universidades estrangeiras respeitantes à actividade cultural que desenvolveram?
d) Qual o número de concorrentes aos leitorados de Português nas Universidades estrangeiras e qual o número dos que foram atendidos nos últimos três anos?
e) Quantas bolsas de estudo foram pedidas ao Instituto de Alta Cultura nos últimos três anos por diplomados portugueses e quantas bolsas foram concedidas?
f) Qual a classificação universitária mínima dos concorrentes a quem nos últimos três anos foram concedidas bolsas de estudo e leitorados em Universidades estrangeiras?»
O Sr. Herculano de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra porque entendo indispensável definir a minha posição em relação à política ultramarina do Governo.
Debateu-se nesta Assembleia, há algumas semanas, o oportuníssimo aviso prévio apresentado em 4 de Dezembro passado pelos ilustres Deputados Veiga de Macedo, Soares da Fonseca, Jesus Santos, Carlos Alves, Francisco Tenreiro e Alexandre Lobato. A culminar os debates foi aprovada por unanimidade uma moção de apoio à política intransigente de defesa da integridade do território pátrio. Isto foi o que aqui se passou. Não se pôs em causa nada a que se pudesse chamar política ultramarina. O próprio texto do aviso prévio só mencionava essa expressão para dizer que não era apropriada para definir o fenómeno.
Pois, apesar de tudo, persiste-se na confusão, e num periódico publicado por um departamento do Estado chegou-se ao extremo de se afirmar que a Assembleia Nacional havia aprovado por unanimidade uma moção de apoio à política ultramarina do Governo. Ora, se ainda se pode admitir que a imprensa particular erre na interpretação dos factos, já outro tanto não deve suceder quando se trata de uma notícia inserta num órgão da imprensa oficial ou oficiosa.
Houve já quem me dissesse que não havia que dar grande importância ao facto, por se tratar de simples erro de nomenclatura, e que tanto fazia chamar as coisas por um como por outro nome, porque elas não mudavam na essência. Estará certo este modo de ver? Não. Ainda que não sejam bastantes as razões da lógica, há que se chamar as coisas pelos seus nomes por razões bem mais graves. Política ultramarina é outra coisa completamente diferente, e desta confusão resultam sérios riscos.
Em primeiro lugar de ordem externa.
Com efeito, os argumentos de ordem histórica e jurídica que apresentamos ao Mundo em justificação da nossa causa resumem-se afinal a isto: Portugal é uma nação unitária, ultramar e metrópole não são mais do que zonas geográficas descontínuas de um todo político e social uno e inseparável. Isto é incontroverso.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Mas se chamarmos política ultramarina à, determinação de mantermos intacto aquele todo político, social, histórico, a que chamamos Pátria, então caímos em contradição, que não parecerá ser só de nomenclatura. Se bem que a lógica e a coerência não sejam qualidades que concorram nas pessoas dos que nos atacam, nós, que temos pelo nosso lado a força do direito, não as devemos dispensar. Se tivéssemos de defender o solo nacional nos Açores ou no Minho, chamaríamos a essa defesa política açoriana ou política minhota? Com certeza que não. E pela mesma razão devemos .rejeitar indignadamente uma forma de dizer que parece dar a entender que, defendendo Angola, não estamos defendendo Portugal.
O Sr. Lopes Roseira: -Muito bem!
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O Orador: - Depois, um grave risco de confusão no âmbito interno.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: para nós, Portugueses, a palavra ultramar só pode ter um significado - um significado geográfico, ou, se o preferirmos, regional. Ultramar é a área de Portugal que fica para além do arquipélago da Madeira. E, com propriedade, o nome de Portugal só se devia aplicar a todo o espaço português que vai do Minho ao ilhéu de Jaco.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para quem aceitar estas premissas a fórmula «política ultramarina» só será aceitável quando exprimir, identicamente, um conceito estritamente regional, o que pressupõe que a política nacional seja uma só. Nesta ordem de ideias, será apropriado dizer-se, por exemplo, «política de desenvolvimento do ultramar» como poderíamos dizer «de desenvolvimento do Alentejo»; o que não podemos admitir é que haja uma política ultramarina, no sentido político do termo, diferenciada da política metropolitana. E, caso ela exista, é nosso dever fazer todos os esforços para se rever um tal estado de coisas.
O Sr. Lopes Roseira: -Muito bem!
O Orador: - Ora sucede que o ultramar, em bloco, tem um estatuto jurídico próprio, tem um regime administrativo próprio, um Ministério próprio.
O estatuto jurídico, uma espécie de subconstituição, é a Lei Orgânica do Ultramar. A simples existência deste diploma num Estado unitário é um contra-senso. Já em 6 de Abril do ano passado, durante a discussão da proposta de lei de revisão da Lei Orgânica do Ultramar, apresentei o meu modo de ver nas seguintes palavras:
Daqui, o reconhecer-se a necessidade de (...) se conceder a cada território um estatuto próprio cujas normas correspondam aos condicionamentos específicos dó meio local.
Este mesmo princípio reconhece implicitamente que a diferenciação das leis será resultado das diferenças de cada território, considerado em si mesmo, em relação a cada um dos restantes, e não do ultramar, considerado em bloco, em relação à metrópole.
Então, parece desde logo que a existência de um diploma com a feição de uma lei orgânica do ultramar, criando uma diferenciação de princípio entre a metrópole e todo o restante espaço português, sugere que entre este e aquele haja uma diferenciação de facto, uma separação política.
Será necessário dizer que não se limita a sugerir, mas sim que estabelece essa diferenciação?
Ora a especialização das leis, se é necessária, é-o para cada um dos territórios. A especialização das leis segundo áreas provinciais é fenómeno que até dentro do espaço metropolitano se compreenderia se houvesse diferenciações que o justificassem, como sucede na nossa vizinha Espanha, em que a província de Navarra se rege por foral próprio. Mas não vejo como seja possível encontrar tão profundas analogias entre a Guiné, Angola e Timor que justificassem uma especialização de conjunto. Ressalvadas as analogias que decorrem da sua comum nacionalidade, as províncias são tão diferentes entre si como cada uma delas é diferente da metrópole.
Será então de admitir um estatuto jurídico comum a todas aquelas e diferente do desta?
A admitirmos isto cairíamos naquela dualidade metrópole-territórios, que, no dizer de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, se pode considerar aberrante.
Mas não insistirei sobre este ponto, porque durante a discussão daquela proposta de lei vários outros Deputados melhor do que eu o souberam expor, e defender.
O sistema administrativo próprio é o definido pela Reforma Administrativa Ultramarina. Não creio que para a sua elaboração se tivesse ido buscar a experiência ultramarina multissecular genuinamente portuguesa, mas sim a experiência recente de belgas, holandeses, franceses, ingleses, em suma, daqueles que nunca tiverem nem tentaram ter - salvo na pessoa de algum raro Liautey - a ambição de criar uma nação ultramarina.
É certo que depois da promulgação daquele diploma as alterações não faltaram; depois dela vieram decretos, portarias, circulares, despachos, em tal profusão que se pode considerar tarefa sobre-humana a compilação do texto actual a partir do diploma original. A única virtude de tanta alteração foi introduzir-se uma certa tendência municipalista na máquina administrativa, mas uma tendência limitada, muito modesta, muito tímida. As câmaras municipais, onde as há, têm a sua jurisdição circunscrita às áreas urbanas e o restante espaço das áreas concelhias está entregue, em exclusivo, a funcionários de carreira. As comissões municipais, onde as há, estão igualmente circunscritas às áreas urbanas, e só muito especialmente são presididas por alguém que não seja funcionário de carreira. O panorama geral é o que descreveu há dois anos nesta Câmara o ilustre colega Dr. Marques Lobato: «regiões imensas, onde um só homem manda na chuva».
Ora isto já não é admissível. Ao longo da evolução histórica de Portugal, chegamos a um ponto em que não é de aceitar a existência simultânea de dois sistemas administrativos. - um para proveito exclusivo da metrópole e outro para os territórios. Aqui temos outra vez a dualidade aberrante.
Os portugueses ultramarinos são hoje todos cidadãos nacionais. Reconhecendo-se-lhes o direito de cidadania, deve-se-lhes ter reconhecido o direito de. usufruírem de fórmulas administrativas mais evoluídas que não devem ser regalia da metrópole.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Somos todos cidadãos do mesmo Estado, temos todos os mesmos direitos, inclusivamente o de beneficiarmos do sistema administrativo metropolitano.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - A menos que se prefira continuar nas pisadas das potências coloniais.
Mas não acredito que seja este o caso. Nós queremos para uso do ultramar o Código Administrativo Português. Um verdadeiro sistema de autarquias locais lá como cá.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Queremos presidentes de câmaras que sejam inerentemente administradores dos respectivos concelhos, ...
O Sr. Lopes Roseira: - Muito bem!
O Orador: - ... nomeados e exonerados nos precisos termos em que o são os da metrópole. Queremos juntas de freguesia e juntas locais, em vez de postos admi-
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nistrativos. Isto é o que nós queremos, porque queremos o ultramar mais português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Já ultrapassámos a fase do indigenato, ultrapassemos então de uma vez para sempre a fase dos sistemas administrativos obsoletos.
Temos, finalmente, um Ministério próprio - o Ministério do Ultramar. Não me referirei às implicações políticas gerais do facto; essas já aqui foram debatidas por alguns ilustres colegas, e não vou, por isso, apresentar sobre este ponto argumentos, certamente bem mais pobres do que os que já aqui tivemos ocasião de ouvir. Embora tirando da lição dos factos as conclusões de ordem política que deles resultam, prefiro analisá-los por um prisma puramente orgânico.
A «organização» é uma disciplina recente, mas nem por isso o sou conhecimento é menos necessário para quem queira estruturar uma unidade militar, uma empresa, um governo ou, de um modo genérico, um corpo funcional, de modo que cumpra a sua missão com o máximo rendimento. Poderemos dizer que os postulados da organização são meros postulados de senso comum, como, aliás, o são os da matemática, mas, tal como esta, aquela agrupou-os, sistematizou-os, generalizou-os, e assim se formou um novo corpo de ciência. Receio que no nosso país poucos a tenham estudado. Se fosse esse o caso, estou certo de que já não havia Ministério do Ultramar.
Tracemos o organigrama dos órgãos superiores do Estado e analisemo-lo. As três grandes missões do exercício da soberania estão atribuídas a outros tantos órgãos: a judicial aos tribunais, a administrativa ao Governo, a legislativa a este Câmara. Por sua vez o Governo, que constitucionalmente chama a si a maior parte da missão legislativa, funciona como um todo, e o traçado dos laços hierárquicos, funcionais, técnicos e coordenativos apresentado, aproximadamente, segundo um sistema a que os franceses chamam funcional e os americanos staff. A coisa parece- estar organicamente- correcta.
Mas isto é enquanto no nosso organigrama apenas tivermos representados os Ministérios metropolitanos. Juntemos-lhe agora o Ministério do Ultramar e analisemos o esquema- que daqui resulta. Enquanto até aqui tínhamos um grupo funcional de Ministérios para o governo da metrópole, cabendo a cada Ministério uma função bem definida, ou seja uma só pasta, vemos surgir agora para governo do ultramar um só Ministério, que centraliza, com excepção das militares, todas as funções governativas. Em boa verdade, temos, para os territórios, um Ministério de todas as pastas civis, que, se para a metrópole estavam distribuídas por Ministérios, aqui estão distribuídas por direcções-gerais. Não há dúvida, é um segundo governo. Um governo dentro de outro governo. Cada um deles com II sua área de responsabilidade bem definida; um, com uma quinzena de Ministérios, cuja competência acaba nas ilhas adjacentes, o outro, um só Ministério, um só Ministro, cujos poderes começam em Cabo Verde e vão acabar a 400 milhas da Austrália, no ilhéu de Jaco.
Verificamos mais que os poderes do Ministério do Ultramar se não limitam ao Executivo. Para toda a área ultramarina também o mesmo Ministério tem nas mãos o Poder Judicial e o Legislativo; não apenas parte do Poder Legislativo, como sucede com os Ministérios da metrópole, mas todo.
A Assembleia Nacional, essa só pode legislar para o ultramar sob proposta expressa do Ministério do Ultramar, e a sua competência limita-se exclusivamente aos pontos apresentados. Quer dizer: a Assembleia Nacional é, como há dias ouvi dizer melancolicamente a um ilustre colega ultramarino, simplesmente o «conselho legislativo» da metrópole.
O Ministério do Ultramar é tribunal, é governo, é assembleia legislativa, para os territórios. Mas então, tendo nas mãos todos os poderes da soberania, não é apenas um governo dentro de outro governo: é um estado dentro de outro estado.
O Sr. Lopes Roseira: -Muito bem!
O Orador: - Quais as consequências funcionais desta anomalia orgânica? A dois sistemas. orgânicos distintos hão-de corresponder pontos de vista, orientações, soluções, doutrinas, também distintos.
Ora isto permite-nos concluir, já no campo político, que também os rumos serão diferentes. Muito diferentes? Pouco diferentes? Diferentes, em qualquer caso. Pelo menos na medida em que se mantém para o espaço ultramarino um estatuto jurídico próprio, um sistema administrativo próprio, um governo próprio.
É certo que para todo o espaço português há uma só capital. Para realizarmos o desiderato que S. Ex.ª o Presidente do Conselho tão bem definiu no seu discurso de 12 de Agosto do ano passado é preciso agora optarmos pela solução de um só governo e uma só política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No aspecto da economia nacional já algo de construtivo se fez e está fazendo através do Plano de integração económica, a cujo ilustre autor, o Ministro Correia de Oliveira, desejo fazer sentir o meu mais alto apreço.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sei que o seu plano tem sido objecto de muita controvérsia, mas, ainda que outro mérito não tivesse, ele representa um esforço sério, muito português, para acabar com a dualidade metrópole-territórios.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: dei o meu voto à moção de apoio á posição firme, patriótica, que o nosso Governo assumiu na defesa do solo nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Recuar no ultramar, no continente ou nas ilhas teria para nós o mesmo sabor amargo da perda de um pedaço de Portugal, e á Nação não admitiria que o Governo enveredasse pelo caminho do medo, da derrota negociada.
Mas isto é política nacional da mais genuína. Não lhe podemos dar outro nome, sob risco de darmos a entender aos nossos concidadãos que estamos todos de acordo sobre os actuais rumos da nossa política interna para o ultramar. Esta política teria sido oportuna na época em que foi concebida. Talvez. Hoje está ultrapassada. As nossas províncias de além-mar sofreram uma profunda evolução e, de territórios sertanejos que eram há algumas décadas, transformaram-se em florescentes comunidades, em que o progresso material se está processando em ritmo extraordinariamente acelerado. E quanto ao progresso social? Alguma coisa se fez, é certo, mas está bem longe de acompanhar o progresso material. Há que dar novo rumo à
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orientação da política ultramarina, há que estender à comunidade portuguesa de além-mar os benefícios do sistema administrativo e da organização corporativa da metrópole.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não será este o objectivo último de uma nação constitucionalmente unitária, e corporativa?
Em resumo, só teremos realizado a missão ultramarina de Portugal quando tivermos uma política única para todo o espaço nacional - uma política portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo. Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.
O Sr. Armando Cândido: -Sr. Presidente: creio que a humanidade nunca viveu tão afogada em problemas como agora. Sociólogos, economistas, financeiros e políticos propriamente ditos adiantam as suas teses e assistem, as mais das vezes, ao embate das soluções por uns e outros requeridas. E de tudo se faz um problema. Tanto que nos velhos dicionários - velhos e dignos de serem manuseados com mão- diurna e nocturna, como diria o vernaculíssimo Camilo - parece não existir palavra capaz de abarcar os múltiplos aspectos em que se dividem as questões levantadas. Começou então a falar-se, e fala-se agora muito, de «problemática». Porque detrás de um problema está outro e de cada vez mais os problemas se sucedem e interpenetram, a ponto de constituir excepção o assunto que não se prenda com outro assunto e não reclame coordenação de esforços.
Não se arreceou, no entanto, o Sr. Deputado Nunes Barata da complexidade do seu aviso prévio, e com o senti infatigável espírito de trabalhador útil trouxe a esta Assembleia densa cópia de elementos para serem convenientemente ponderados, sendo, por isso, e pelas sugestões oferecidas, merecedor da plena confirmação do nosso apreço. Existem mesmo, no desenvolvimento das suas largas considerações, pontos de muito interesse, que por si só se recomendam à atenção superior, pelo que estou pessoalmente convencido de que serão atendidos, ainda que tenham de sujeitar-se aos irremovíveis limites das nossas possibilidades.
Aludi ao risco de não podermos isolar os problemas, para os tratar e resolver em separado. Vejamos, por exemplo, a matéria em discussão.
Haverá o problema do turismo sem problemas dele emergentes ou com ele articulados ou a articular?
«Turismo» não é vocábulo nosso. Mas está internacionalizado e desdobra-se em vários ramos. Qual deles convirá mais aceitar e desenvolver? O turismo externo, passivo ou activo? O turismo interno? O popular ou o de elite? O social? O juvenil? O que se interessa só pelas práticas desportivas? O que busca o sortilégio das águas termais? O que se apraz unicamente em ser romeiro da natureza?
O turismo vinícola - também referido pelo Sr. Deputado Nunes Barata? O que parte em demanda das frutas deliciosas e das curiosidades gastronómicas? O que
procura expressões de arte, ou o sossego dos lugares ermos, ou as diversões ruidosas, ou o pitoresco dos costumes?
E bastaria toda esta diversidade para tornar difíceis a indagação e a resolução aos que pretendam enfrentar, com o seu zelo de dirigentes, um problema tão gerador de problemas, uma vez que as predilecções dos visitantes têm as suas exigências, e para as satisfazer importa mobilizar energias e recursos em muitos sectores da vida nacional, alguns deles nem sempre habilitados, devido a circunstâncias de maior premência, a darem o seu contributo.
Seja como for, a verdade é que poucos serão, no mundo de hoje, os que se limitam a exprimir - como VI declarado algures - que desejariam empregar toda a sua vida a viajar, se lhes fosse consentida uma segunda vida para viverem em casa. A força dos homens o que quer é o céu por cima da cabeça deles e caminhos abertos a seus pés - tal qual li não sei onde, a propósito de outro tema. E o turismo - o turismo, na amplidão do seu significado e na multiplicidade das suas incidências - não é só uma realidade poderosa, mas uma realidade crescente, que tem de ser estudada e aproveitada sem desperdícios de tempo nem retracção das ajudas possíveis.
Sr. Presidente: a primeira condição que o turismo externo exige é a de existir paz nos países a que só destina. E essa condição basilar - a paz interna resultante da boa estabilidade política - não nos tem faltado, não devendo contar para o efeito, como é evidente, as restritas alterações que em determinadas fronteiras do nosso além-mar alguns perturbadores estranhos têm provocado e não desistiram ainda de provocar, apesar de termos demonstrado e continuarmos a demonstrar os mais exemplares processos de fraterno convívio, o que deveria mesmo constituir objecto de interesse susceptível de despertar uma. espécie de- turismo de observação imparcial, muito benéfico para os participantes e para nós dado o conhecimento, por parte daqueles, de uma verdade que carece de ser espalhada- no Mundo, de modo a frutificar, pelo menos nas almas dos mais conscientes e dos mais responsáveis.
Custou muito a estabelecer esta paz interna e muito mais teria de sofrer o País se os Portugueses não compreendessem que só assim, unidos na sua- razão, conseguiram vencer as dificuldades passadas e estarem preparados para dominar as presentes e as que vierem. Por isso, cada qual deve ter bem presente a necessidade, primordial - essencialíssima - do seu esforço sempre directo e sempre constante para a manutenção dar paz adquirida e dignamente sustentada.
Tumultos, greves e assaltos, diferendos entre homens que deveriam dar-se as mãos para viverem na mesma lei. com inteligência aberta á mútua compreensão e em clima propício às justificáveis tarefas do progresso, é o que infelizmente abunda, designadamente entre os que mais de perto pretendem ditar-nos ou impor-nos normas estranhas à nossa consciência de povo civilizador e com direito a ser respeitado pela sua longa e frutuosa experiência histórica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, e pelo mais, não devemos perder o bem que alcançámos, por constituir factor indispensável a todos os empreendimentos, sem excluir o de chamar até nós os estranhos, para que levem na alma e no coração tudo o que lhes pudermos oferecer em beleza, tranquilidade e conforto.
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As condições político-sociais de um país têm, sem dúvida, influência preponderante no desenvolvimento do seu turismo externo. Lembremo-nos, por exemplo, da França, que em 1962 sofreu uma redução de 12 por cento no número dos turistas, por causa da agitação política que então nela lavrava.
Se não me engano, foi Santo Agostinho, na De Civitato Dei, quem observou constituir a paz um bem tal que não pode apetecer-se outro melhor nem possuir-se outro mais proveitoso.
er paz e exportar paz julgo ser o primeiro argumento da política de valorização e atracção turísticas em que estamos, empenhados. Temos, pois, de preservar a todo o preço a nossa paz, defendendo-a com vontade indomável e fé constante, mas defendendo-a no nosso próprio interesse, como precioso resultado a que o nosso entendimento chegou, rechaçando toda e qualquer interferência contrária, venha como vier ou seja de quem for.
O Sr. Deputado Nunes Barata, no decorrer da sua trabalhosa exposição, e na sequência do que já nos oferecera em outro lugar ao ocupar-se da «oportunidade do turismo», estabeleceu vários confrontos, através do quais acabamos por figurar sempre ou quase sempre em modesto lugar, mas neste, que diz respeito à paz interna, uma vez estabelecido, aposto em que lograremos posição de assinalado relevo.
Nem será de estranhar o nosso modesto lugar resultante de certos confrontos, se atendermos às ingentes obras de ressurgimento, a que nos tivemos de lançar a fundo, e às sagradas tarefas a que nos dedicamos totalmente contra os que nos querem retalhar e diminuir.
No entanto - e isso sim, constituirá justo motivo de admiração -, dentro do condicionalismo que não podemos negar nem podemos modificar a breve trecho, estamos tratando de melhorar sensivelmente a nossa presença sob o ponto de vista turístico. Todavia, devo manifestar aqui uma forte preocupação que me tem assediado ultimamente.
Já nesta legislatura e neste período de sessões se efectivaram alguns avisos prévios de relevância nacional. Formularam-se nesta mesma tribuna, ao longo de sucessivas intervenções, votos no sentido de se acudir à educação e à agricultura. Agora, em outras intervenções, as teorias programáticas estão alargando os seus voos no sentido de que ao turismo sejam concedidas verbas que permitam o seu urgente e indispensável crescimento.
Mas atormenta-me o pensar na vasta soma de fundos que seria preciso mobilizar para satisfazer a tudo e a todos ao mesmo tempo. O Sr. Deputado Nunes Barata, aliás baseado em estudos, cálculos e modelos a que se reporta, diz-nos que se tornaria necessário investir no sector do turismo três milhões de contos durante os anos de 1964 a 1968. Ora, sem querer, de forma nenhuma, ofender a nobre aspiração do ilustre Deputado e todas as outras nobres aspirações anteriormente formuladas por outros ilustres Deputados a propósito dos avisos prévios já discutidos e a que já fiz referência, olho para o Orçamento Geral do Estado, considero o volume das receitas e o das despesas, e não vejo forma de o Governo sair do embaraço, a não ser a de pesar o conjunto para o reduzir segundo um rigoroso critério de prioridades dentro de rigorosos programas de acção, pelo que, sem perda da independência e autoridade dos nossos juízos, talvez seja preferível - afigura-se-me - moderarmos os votos de maneira a torná-los mais consentâneos com as reais possibilidades da sua execução.
Bem sei que esta ânsia de ver o nosso querido Portugal lançado francamente nas vias largas do progresso útil e exuberante nos leva a pedir tudo o que nos parece bom para o tornar maior e mais próspero. Mas também não sei se às vezes somos úteis como desejaríamos pedindo às suas forças demasiado ou incomportável esforço.
As declarações feitas ao País no dia 7 de Janeiro último pelo Dr. Paulo Rodrigues, Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho; não só atestam as altas qualidades daquele ilustre membro do Governo, que conta nesta Casa sólidas amizades, como traduzem planos de entendimento e acção que têm de ser considerados como resultado de um estudo meticuloso do problema, ou, melhor, dos problemas do turismo, segundo os meios disponíveis, para lhes dar as soluções adequadas, tendo sempre em vista que «a batalha do turismo português» tem de ser ganha «sem deixar perder nunca a verdade da nossa maneira de ser, a autenticidade dos nossos costumes, a pureza das nossas festas e tradições populares, o real valor da arte e do engenho deste povo, a beleza da paisagem servida pela arquitectura e à decoração que nela se integrem», e com a colaboração de todos, por cada português ter o «seu quinhão de responsabilidade» ligado ao êxito da «campanha de abrir Portugal ao Mundo, numa visão actual, digna e válida de interesse turístico».
Dessas declarações ressalta o «esboço de trabalho» para o ano corrente, devido «à urgência de acção», e sem prejuízo de um «plano de desenvolvimento turístico para os próximos anos».
Mesmo no que respeita à indispensável e tão reclamada coordenação, que se pretende evolua para o mais alto nível, não se pode dizer que o problema esteja descurado, «pois a lei portuguesa, atribuindo - como recorda o Dr. Paulo Rodrigues - à Presidência do Conselho a definição e execução na política do turismo e estruturando no seu âmbito o Conselho Nacional do Turismo, para o qual podem ser convocados os directores-gerais dos vários Ministérios, permite realizar, embora de forma não inteiramente satisfatória, a coordenação indispensável».
Não posso agora - nem o tempo de que disponho o consentiria - referir todas as passagens de maior relevo e projecção de tão importantes e oportunas declarações, mas quero associar-me à justiça que nelas se presta aos serviços de turismo pelo muito que fizeram, não obstante «a modéstia dos seus quadros e recursos», e sublinhar o ponto em que o Subsecretário de Estado da Presidência alude, e muito bem, «às condições em que se tiveram de criar as infra-estruturas de base para o turismo, que vão desde a ordem pública às vias e meios de comunicação e aos pressupostos económicos».
Sr. Presidente: é natural que, tratando-se de turismo e de riqueza para as zonas contempladas ou a contemplar, cada um de nós se empenhe em chamar a atenção do Governo para as regiões mais aptas situadas dentro dos limites do círculo eleitoral que representa. E a todos assiste esse compreensível e inegável direito. Mas estamos prevenidos de que «a utilização dos recursos disponíveis para o fomento turístico» terá de submeter-se «a uma escala de prioridades, segundo a qual haverá que dar preferência decidida aos investimentos mais rentáveis, embora sem deixar de acarinhar, na medida do possível, todas as iniciativas», sendo certo que não se trata de «favorecer ou desfavorecer esta ou aquela zona, de reconhecer ou negar méritos absolutos de atracção turística a cada região», mas de «equacionar em mérito relativo as possibilidades de todas elas e, atentos os recursos disponíveis, optar pelo caminho mais conforme com o interesse do turismo nacional no seu conjunto».
Vozes: - Muito bem !
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O Orador: - Neste ponto teremos mesmo de fazer um sério apelo à nossa consciência no sentido de admitirmos como indispensável ao bom êxito de uma futura e ampla resolução do problema, considerado na sim totalidade, o facto de «esta fase da política de turismo já esboçada se investir mais onde se prove ser maior o rendimento. É que a dispersão absoluta prejudicaria os objectivos gerais em vista, ...
O Sr. Agostinho Cardoso: - Muito bem!
O Orador: - ... parecendo favorecê-los de entrada, pelo que insisto na conveniência de julgarmos a questão à luz do puro interesse nacional.
O Sr. Agostinho Cardoso: -Muito bem!
O Orador: - É dentro deste quadro de mobilização de recursos e valores que vou tentar inscrever, com a indispensável objectividade, a posição dos Açores. E não é isento de importância o facto de me querer ocupar do arquipélago, e não isoladamente das ilhas de S. Miguel e de Santa Maria, pois considero os Açores no seu conjunto para o efeito de constituírem uma zona turística, embora dividida em três regiões, correspondentes à actual divisão administrativa por distritos.
Para cada região haveria uma reduzida comissão, dotada de autoridade e de meios de acção suficientes, dentro do possível.
Tenho pouca fé nas comissões de muitos membros e nunca esqueço as observações de veia polémica contra elas feita pelo velho e famoso paladino da autonomia micaelense Dr. Mon'Alverne Sequeira ao advertir o mundo oficial de que deveria obrigar a máquina burocrática a utilizar sem demora os relatórios que lhe fossem remetidos. Acima dessas comissões, um delegado dos serviços centrais de turismo, com os necessários poderes de inspecção; coordenação e informação, à semelhança do que foi previsto para o Algarve. Opto pela existência de um delegado dos serviços centrais, em vez de um órgão de coordenação. Os especiais condicionalismos em que terão de desenvolver-se as actividades turísticas no arquipélago assim o exigem, e até a experiência nos diz que onde muitos ou todos mandam não manda nenhum. É evidente que o referido delegado, unia vez em exercício, daria conta da sua actuação aos serviços centrais, que teriam, como é óbvio, o direito de inspecção directa e superior.
Desde logo se trataria de escolher em cada região os locais mais apropriados para o desenvolvimento turístico, encaminhando para eles todos os esforços, de modo a criar as condições de atracção mais aconselhadas.
Ao mesmo tempo que se prepararia tudo para o crescimento do turismo de passagem, ir-se-ia estudando, dentro dós regimes climáticos conhecidos e segundo as estações do ano, as bases para um turismo de permanência a sério.
Os Açores, dadas as dificuldades por que está passando a sua economia, bem precisam de que se lhes acuda com a estruturação de um turismo progressivo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ao tratar das «incidências do turismo», na sua comunicação «Problemas da recepção turística nacional», apresentada ao I Colóquio Nacional de Turismo, o Prof. Doutor João Faria Lapa observa que «o turismo pode constituir um dos elementos infra-estruturais dos pólos de crescimento regional, pois que é estimulante de grande número de actividades locais, desde a hospedagem e restauração até aos transportes, à exploração de atractivos naturais, às indústrias de produtos regionais» - ou seja, o benéfico estimulante de que os Açores carecem, não só para absorver os braços inactivos, como aqueles que se preparam para trabalhar em terras estranhas, destinando-se a fecundar o solo alheio, em vez de enriquecerem o solo pátrio.
Não vou enumerar aqui as obras de interesse turístico já realizadas no arquipélago, enfare as quais avultam as respeitantes à ilha de S. Miguel. Mas julgo interessante referir que as ajudas referidas do Fundo de Turismo se elevam até agora, e a partir de 1957, a 9 534 500$ - ou seja a nove mil quinhentos e tanto contos-, envolvendo subsídios, subsídios de comparticipação, comparticipações e garantias por meio de fiança junto da Caixa Nacional de Crédito, sendo de notar que uma parte desses financiamentos foi concedida já no corrente ano, no montante de 4000 contos, o que revela o crescente apoio dispensado por aquele Fundo aos empreendimentos turísticos nos Açores.
Dir-se-á, porventura, que não é muito, mas é um começo bastante razoável, se atendermos às disponibilidades do mesmo Fundo e à demora no arranque da iniciativa privada. E como o Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, nas declarações já mencionadas, se referiu - o que penhoradamente lhe agradecemos - ao arquipélago açoriano, afirmando que «os nossos itinerários turísticos não podem esquecer as ilhas maravilhosas dos Açores, onde a progressiva melhoria das comunicações completará um quadro de altos atractivos cuja exploração se tem de formular» - confiamos no dinamismo e no esclarecido critério do Dr. Paulo Rodrigues, aguardamos a sua provável visita àquelas ilhas, que saberão louvar-lhe gratìssimamente a deferência, e temos fé na actuação de todo o Governo, pois em matéria de comunicações, designadamente, muito haverá ainda a fazer, quer relativamente à construção e melhoria de portos de mar, quer no que diz respeito à construção de novos aeroportos.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: -Muito bem!
O Orador: - Já disse, nem só uma vez, nesta Assembleia que as populações das ilhas dos Açores precisam tanto de portos como do ar que respiram. Essa necessidade evidencia-se de forma clamorosa quando aqueles pequenos espaços de terra, rodeados de mar e no meio do mar, têm de suportar os arrebatamentos do tempo. Toda a atenção prestada ao sistema de comunicações não será demasiada. Por isso, os Açores carecem de possuir portos capazes nas diferentes ilhas e aeroportos também, uns e outros nas dimensões aconselhadas, técnica e economicamente. E desejaria que tudo isto se fizesse de um dia para o outro, mas, exactamente porque não pode ser assim, penso que o melhor seria começar a rever o problema, de modo a intensificar, como for possível, a sua satisfatória resolução.
No que se refere à construção de aeroportos, o Sr. Deputado Nunes Barata, nas conclusões do seu aviso prévio, foi bem explícito ao requerer a construção do novo aeroporto de Lisboa e quanto à criação de uma rede de .aeródromos na metrópole, mas nada disse sobre a construção de novos aeródromos nos Açores,- pelo que, se o ilustre Deputado me desse licença, eu completaria, nesta parte, as suas conclusões, inserindo nelas a necessidade turística e, antes disso, profunda e indiscutivelmente humana de se estabelecer nas ilhas dos Açores uma rede de aeropor-
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tos, pequenos alguns, certamente, mas todos aptos a apertarem nas suas malhas, carinhosamente, as populações dispersas e às vezes impossibilitadas pelo estado do mar de comunicarem umas com as outras.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E se o mar e o vento paralisarem depois, aliás transitoriamente, tanto a navegação aérea como a marítima, sempre será mais reduzida a impossibilidade e sempre será mais resignada a sorte daqueles que compreenderão na altura, totalmente, que tudo se fez para lhes valer.
Foi o Dr. Ricardo Jorge, no Canhenho de Um Vagamundo - aquele canhenho em que se sente, segundo ele próprio confessa, o tecum erras do filósofo, «sempre às voltas ao longe com o seu eu e a sua terra» -, foi o Dr. Ricardo Jorge, repito, quem advertiu os que prezam os «voos da eloquência e as inflorescências da retórica» de que «ficariam medianamente impressionados com a oratória britânica, em regra despida de adornos, chã e singela, sem calor nem ressaltos». E eu, ao falar do desenvolvimento turístico dos Açores, com a preocupação da objectividade, talvez tivesse desiludido muitos com a singeleza, das minhas palavras. Mas não posso evitar que o fogo do meu entranhado amor aos Açores me aqueça as palavras e lhes empreste algum colorido ao chamar a atenção para o ineditismo, para o pitoresco, para o diferente, que naquelas ilhas escorre da natureza e das almas.
Imaginem muitas crateras de vulcões dados por extintos, a atestarem a passada ira subterrânea. Em cima das crateras, formando lagos, a água que desceu e desce das encostas outrora abrasadas. Ou então, camadas de terra, sobrepostas pelos séculos e que o homem revolveu e expurgou da vegetação bravia, afagando o torrão, lançando sementes, ajeitando plantas, erguendo casais e igrejas - mourejando para viver e rezando para se salvar.
As bocas, que dantes vomitavam lava, calaram-se. Estão atulhadas de vida. Dantes saíam labaredas. Agora mergulham nelas raízes. Até as flores desabrocham em cima das goelas de fogo amansadas pela teimosia dos anos e pela teimosia dos homens.
Comove, pela beleza enraizada na tragédia.
Impressiona até ao pasmo.
Arrebata pela originalidade heróica.
É diferente!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E quem deixa a sua torra para visitar a alheia é para ver e admirar o que não conhece, o que nunca viu, o que não é igual.
Poesia, repto oratório, exagero?
Vão aos Açores e vejam!
Vejam os Açores e acreditem!
Existe lá a maior hidrópole mundial. Não sou eu quem o diz. São os depoimentos autorizados como este, entre muitos:
... uma prodigiosa riqueza de águas medicinais ... a mais exuberante de toda a Europa, em abundância de caudal, de termalidade, de composição e indicação terapêuticas ...
Águas sulfúreas, águas carbonatadas, águas carbogasosas, umas frias, outras quentes, águas hipossalinas, lamas termais, de tudo há ali com que possam ser instaladas as mais ricas e sumptuosas termas do Mundo.
Sete Cidades e Furnas são, sem dúvida, dos mais famosos sítios que existem, afirma um conceituado técnico da silvicultura, que sugere a criação - «na zona central da ilha de S. Miguel, no maciço da Barrosa, na lagoa do Fogo, onde a vegetação arbustiva, cobrindo as margens caprichosas, confere ao conjunto imponente e original beleza selvagem» - de um parque nacional, onde os botânicos teriam possibilidades de observar a magnífica flora açoriana, os naturalistas de encontrar vasto campo de estudo e os turistas «uma das mais expressivas paisagens açorianas e do Globo».
Deslumbrada com a beleza das ilhas dos Açoras, e descrevendo-as. Margaret Yrwin fixa uma nota que de certo modo corresponde à definição de «comprimido de exotismo» que um dia me foi dada, em conversa directa, a propósito da ilha de S. Miguel, por Robert Chauvelot, escritor e viajante de nomeada e que já citei nesta mesma tribuna há alguns anos. «Todavia, há sempre mais surpresas e contradições» - observa, com muito interesse, Margaret Yrwin!
E é assim, quando tudo se julga ter visto nos Açores, aparece sempre algo de surpreendente para ser visto e admirado.
Têm visitado ultimamente os Açores alguns apaixonados da pesca desportiva, e todos se confessam maravilhados com o que encontraram. Mas, entre tantos, e depondo como tantos. Victor de Sanctis, famoso realizador da televisão e do cinema italianos, relata o que verificou, com a eloquência destas certezas:
Há muita coisa a ver aqui que não encontramos em qualquer costa europeia. Não exagero se afirmar que nunca vi, como nestes mares, tão grande quantidade e variedade de peixes.
Também quanto à cinegética, os Açores oferecem aliciantes condições. Lembro-me sempre daquele príncipe de Mónaco que intermeava as suas explorações oceanográficas, nos mares do arquipélago, com excursões venatórias a algumas das ilhas e do Bulhão Pato caçador, que se dou à triunfante curiosidade de alargar a sua paixão à ilha de S. Miguel.
Quantos hotéis, hospedarias e pousadas serão precisos?
Só através de um planeamento de ordem e alcance regionais se poderá saber. Mas desde a ilha de S. Miguel até ao minúsculo Corvo - ex-líbris da pertinácia e do ardor patriótico dos Açorianos -, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... onde se poderia erguer a mansão para turistas mais sossegada do Mundo, no meio de uns centos de pastores e pescadores aferrados ao seu viver quase bíblico, de uma fidelidade impressionante às virtudes- mais cristãs e mais remotas, quanto terá de ser realizado ao longo dos anos! Porque elas são nove ilhas e cada qual com a sua originalidade e as suas paisagens sempre renovadas.
Não exagero - repito. As potencialidades turísticas dos Açores são enormes. E se algumas dúvidas porventura existem, deixo-as a contas com a verdade - a verdade esmagadoramente verdadeira.
Sr. Presidente: ao intervir em Março de 1950 na discussão do aviso prévio sobre o turismo em Portugal, então efectivado pelo Dr. Paulo Cancella de Abreu - ilustre decano desta Casa, a quem presto as homenagens do meu respeito e consideração - disse, entre o mais, que cumpria a nós, portugueses das várias terras portuguesas,
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não sair do culto de Portugal, combatendo a invasão do mau gosto, do incaracterístico, do que não é nosso.
Vozes:. - Muito bem!
O Orador: - Até as pedras dos muros sem interesse- sugeri, como quem leva a sua ansiedade até o mais extremo reduto - hão-de ser ajeitadas a nosso modo.
Por outro lado, condenei a adulteração dos nossos costumes e tradições e o desfazimento das nossas obras de arte, que reforçavam o carácter único da vida do nosso povo e davam mais arcaboiço à nossa personalidade.
Bem novo ainda, li com repassado gosto e não menor proveito aquele precioso livro do sadio Ramalho O Culto da Arte em Portugal, que deveria constituir breviário obrigatório de quantos frequentam as escolas, e jamais esqueci a mágoa com que o lídimo escritor censurava o egoísmo dos que em arquitectura trabalham unicamente para si - «sem cuidados de futuro, sem pensamentos de continuidade de raça ou de família, deslembrados de que teremos vindouros» - e relacionava muitos dos feios atentados até ali verificados contra tantos e tão venerandos monumentos.
Com a leitura desse admirável livro é que comecei verdadeiramente a apreciar a genuinidade da nossa arte. Assim, foi com a maior satisfação que, nas citadas declarações do Subsecretário de Estado da Presidência, reparei no empenho vivamente manifestado em relação à «defesa do cunho original da arquitectura e decoração regionais».
É de extrema relevância, como factor de valorização turística, o cuidado a pôr no exame dos projectos dos edifícios a construir e no restauro dos que foram já sacrificados às inclemências do mau gosto. Se todas as cidades, vilas e aldeias do Mundo fossem iguais não valeria a pena sair das nossas para nos demorarmos a ver as outras. Seria a monotonia decepcionadora, o tédio paralisador.
No Rio de Janeiro, por exemplo, além da paisagem sem par e do frémito português transplantado para a outra margem do Atlântico, não foram os prédios de muitos andares - os caixotes muito altos e muito envidraçados, apesar do clima tropical - que me entusiasmaram. Foi tudo o que por lá encontrei ainda contido na feição tradicional, como que oculto na concha do tempo, com receio do camartelo impiedoso. E não é porque a grande urbe, apertada entre o mar e os morros, não tivesse e tenha, aqui e além, de ser aumentada, devido ao incessante crescimento da população. Mas tudo se poderia fazer seguindo, tanto quanto possível, a pureza das antigas construções, que traduzem ainda o esforço dos que as ergueram com fé de perpetuidade.
Neste domínio, e no que nos toca, urge travar uma forte batalha extensiva a todo o País, na qual as câmaras municipais terão, de tomar parte muito activa, e nem só as câmaras municipais, o ensino público e particular, de forma a conseguir-se em toda a linha a consciencialização do magno interesse turístico da originalidade arquitectónica portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Designadamente os arquitectos terão de responder em cheio ao apelo, estudando e compreendendo o nosso estilo, para o prolongarem e melhorarem, porventura, baseando nele novas concepções.
O que está a avolumar-se para aí são modelos estranhos às peculiaridades das nossas velhas traças arquitectónicas e vários sonhos vindos na bagagem de emigrantes e que se materializaram à sombra de cortas indiferenças e tolerâncias que importa combater e fazer desaparecer.
Em arquitectura temos de banir a adopção do figurino estrangeiro, a teimosa ideia - tão infeliz como obstinada - de construir como lá fora.
Sejamos portugueses, até no desvelado amor ao feitio dos nossos beirais.
E a imaginação dos arquitectos deste país subirá de fecundidade, pois não terá a influenciá-la o desenho de construções estranhas ao seu próprio sentimento, mas as características arquitectónicas portuguesas que lhes estão nos olhos e na alma, reclamando o aproveitamento da sua riqueza típica. Para tão benéfica influência deverá concorrer a pratica adquirida na reintegração do nosso património artístico, que cumpre levar a cabo, não parando um só dia, sendo de justiça salientar o muito que já se tem feito através do esforço desenvolvido - notável esforço, direi mesmo- pelo Estado, sobretudo, e por alguns organismos administrativos e até pelos particulares que têm sido despertados pelo exemplo oficial ou pela sua própria consciência.
Temos de curar as feridas ainda abertas nos monumentos que por esse Portugal fora suportaram danos sem perdão e não deixar que a paisagem se perca com enxertos impróprios ou não condizentes.
Já ouvi falar de uma lei da paisagem destinada a salvaguardar a beleza panorâmica dos nossos territórios. Bem necessária é essa lei mesmo que não se verificasse o actual incremento na utilização dos terrenos para a construção de edifícios o de vias de comunicação. Aí deverão ter a palavra e as correspondentes tarefas os bons arquitectos paisagistas, e pena tenho de não os ver já a trabalhar por toda a parte.
O fenómeno turístico também se funda, e muito, em argumentos de ordem estética.
A propósito apraz-me salientar o feliz acerto com que o Sr: Deputado Nunes Barata encara o problema no seu aviso prévio, dizendo a respeito da inolvidável Coimbra as seguintes palavras que gostosamente recordo:
Impõe-se, na verdade, não afastar Coimbra da sua vegetação secular, mas antes devolver à paisagem regional um possível sentido de natureza intacta ou, ao menos, um equilíbrio biológico que se oponha à degradação de um utilitarismo grosseiro, de uma desordenada presença do exótico ou até a prenúncios de uma monotonia pré-desértica.
Pegue-se no que foi assim dito com referência à paisagem de Coimbra e aplique-se a todo o nosso património paisagístico, para que o mesmo não se reduza em face da necessidade de o valorizar e aproveitar.
Sr. Presidente: o turismo é uma arte de grandes e pequenas coisas. Encontradas as directrizes essenciais, elaborados, aprovados e executados os projectos, tudo dentro de planos conscienciosa e modelarmente estudados, haverá sempre esquemas de valorização a prosseguir através de grados e mínimos pormenores.
Por isso, o turismo é uma obra de devoção constante e de paciência sem limites, à qual ninguém se deverá eximir, pois a todos caberá o benefício.
Temos já esboçada uma política de turismo para a hora do turismo português.
«Sistematizar intervenções públicas e privadas; planificar, sem entraves; coordenar, sem prepotências; animar, respeitando inicativas alheias» - são normas de acção traçadas com sereno e fundado propósito por quem tem nas mãos o governo do turismo em Portugal.
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E eu acredito em que tenhamos dificuldades, designadamente por causa do tempo exigido pelo labor das raízes, o qual não se vê nem se avalia senão quando a árvore despede vulto e se desentranha na bondade dos frutos. Mas os Portugueses sabem esperar para vencer e vencer para progredir.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado. -
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: depois de ter ouvido com o maior agrado-a extensa e bem delineada exposição do nosso colega Dr. Nunes Barata, a quem endereço as minhas mais vivas felicitações, na apresentação do seu aviso prévio sobre o turismo em Portugal, reflecti bastante sobre se deveria subir a esta tribuna. O que seria possível dizer-se após um estudo tão bem cuidado e tão proficientemente elaborado?
Pensei no entanto não desperdiçar esta oportunidade que se me oferece para algumas breves considerações sobre dois aspectos referidos no aviso prévio e que, embora interessem a muitas regiões do País, se situam em plano de relevo no distrito que aqui represento.
Deter-me-ei, por conseguinte, .no que respeita ao artesanato e às estâncias hidrotermais.
São em quantidade razoável as indústrias caseiras típicas ligadas às actividades artesanais e que merecem ser acarinhadas. Aí desenvolvem o seu trabalho especialmente indivíduos do mesmo agregado familiar, com a colaboração de um reduzido número de operários, exigindo justificado realce as que se encontram instaladas nos distritos de Braga, Évora, Portalegre, Leiria e Viseu.
E já que penso situar-me fundamentalmente no distrito a que pertenço, representaria grave injustiça não citar antes dessa minha digressão bairrista, plenamente justificada, a bela cerâmica de Estremoz, Redondo, Viana do Alentejo e S. Pedro do Corval; os interessantes chocalhos e esquilaria de Alcáçovas; os tarros de cortiça de Azaruja; as artísticas e elegantes mobílias alente j anãs; as mantas de Reguengos, etc., tudo isso que faz do distrito de Évora, de entre outros encantos, um centro de artesanato da maior importância.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E ainda de referi a cerâmica de Nisa, das Caldas da Bainha, de Molelos, e a tão útil como delicada cestaria feita em várias regiões, fabricada com diversos materiais (vime, palma, ráfia, etc.), e tantos outros tipos que evito agora enumerar para não me alongar demasiado.
Constituem um caso à parte os famosos bordados da Madeira e dos Açores, cujas exportações atingem já anualmente a soma aproximada de 150 000 contos, dos quais apenas 20 000 contos se referem aos Açores, mas com possibilidades de poder ascender a um grau de desenvolvimento ainda maior, prevendo-se que com melhor ordenamento seja possível decuplicar o valor da exportação actual.
O panorama relacionado com o curioso sector do artesanato rural não é, infelizmente, auspicioso, apesar de louváveis tentativas feitas em alguns centros artesanais pelo Fundo de Fomento de Exportação e pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, que, prodigalizando auxílio de vária ordem, têm procurado, não só evitar o desaparecimento dos melhores tipos artesanais, mas promover ainda a sua expansão.
Entretanto, para pouco vale incrementar sem o estabelecimento de condições que permitam uma coordenação eficaz, por forma a salvaguardar o verdadeiro artesanato rural e a assegurar a sua comercialização e exportação, evitando que os autênticos artesãos abandonem a sua arte por falta de protecção que os compense do seu esforço e do seu trabalho.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Várias medidas se impõem para a defesa do artesanato rural. Parece-me que a primeira seria a criação de escolas artesanais, com a instalação de secções nos meios rurais onde se justifiquem, dependentes das escolas técnicas das respectivas zonas.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desta forma estaríamos desde logo a concorrer para que o número reduzidíssimo de velhas e velhos artesãos que ainda existem não deixassem de transmitir a sua arte e os seus conhecimentos para que as peças que criaram não se extingam quando eles, pela lei natural da vida, desaparecerem. Assim, novos artesãos surgirão como fiéis depositários de uma tradição que por vezes vem de séculos e que caracteriza uma determinada região, ao mesmo tempo que se tornam aptos a promoverem novas criações, fundamentadas em temas peculiares da região, embora acompanhando a evolução das coisas e da época ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, a circunstância de essas escolas estarem na dependência das escolas técnicas concede aos artesãos, entre outras vantagens, maior facilidade no conhecimento e escolha da matéria-prima a utilizar e na forma mais conveniente de operar a cozedura das peças fabricadas, como acontece, por exemplo, com a cerâmica. E com isto se pretende sobretudo conseguir uma produção em melhores condições de técnica, para que os produtos resultantes se tornem facilmente exportáveis.
Evidentemente que não reside apenas neste aspecto a solução do problema, porquanto é do meu conhecimento que a Escola Industrial de Évora mantém um curso de olaria -com a duração de três anos- em Viana do Alentejo, o qual terá de ser encerrado a verificar-se a sua reduzida frequência de alunos.
Alguma coisa mais e de maior importância interessará fazer para estimular esses alunos, ou seja proporcionar-lhes posteriormente uma garantia e compensadora retribuição no exercício da sua profissão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tendo presentes as palavras de Sua Santidade o Papa Pio XII quando diz que «a pequena e a média propriedade, na agricultura, no artesanato e nos ofícios, TIO comércio e na indústria, devem ser garantidas e promovidas, assegurando-se-lhes as vantagens da grande empresa por meio de uniões cooperativas», também me parece considerar-se do maior interesse a formação de cooperativas nas regiões onde as potencialidades do artesanato nos aparecem mais vincadas.
Vozes:-Muito bem!
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O Orador: - Através delas se estabeleceria a sua defesa própria e se facultaria o auxílio financeiro indispensável a um trabalho calmo e fecundo.
Como cúpula de todo o edifício, impõe-se a criação sem delongas do Instituto Português de Artesanato, que assim poderia ser denominado, organismo que não só promoveria o auxílio financeiro a que aludi, para a compra das necessárias matérias-primas e melhoria das instalações, sem lhes retirar o cunho rural sui generis, como asseguraria a aquisição de toda a produção por preço compensador e a sua colocação nos mercados interno e externo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nestas condições já seduzia uma produção contínua, longe da preocupação de armazenamento sem garantia de venda imediata.
Equacionada assim a defesa das condições económicas do artesão, além do estímulo real que tais medidas representariam, evitar-se-ia, por exemplo, a venda em Lisboa de uma peça autêntica por 50$ que se sabe ter sido paga ao artesão por 5$ 1 De uma maneira geral, acontece também que quando o turista a adquire na própria origem dá por ela uma importância que está longe de compensar o artesão.
Ora, deverá ser fonte de permanente atenção dos responsáveis por estes problemas manter íntegra esta manifestação da alma do nosso povo - traduzida nas suas criações artesanais - por despertar não só em quem nos visita um interesse especial pelo conhecimento directo dessas regiões onde floresce o artesanato, como valoriza essas mesmas regiões do ponto de vista turístico. Além disso, virá a constituir, sem dúvida, um fundo de divisas da maior relevância, quando nos encontrarmos devidamente organizados para produzir e exportar em condições semelhantes às de vários países concorrentes rendimento que poderá atingir anualmente muitas centenas de milhares de contos.
Atente-se, por exemplo, no que se verifica nos países nórdicos. Lembro propositadamente o caso do artesanato dinamarquês, que está a exportar, segundo pude ler em publicação da especialidade, cerca de 1 milhão de contos por ano da sua produção artesanal.
Para que a expansão que se pretende seja efectiva importa começar por criar interesse no mercado interno pelas peças de artesanato verdadeiro, por forma que não as vejamos, como é o caso mais frequente, a serem totalmente substituídas como elemento decorativo, pelos recuerdos, os souvenirs, etc.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à divulgação do nosso artesanato no estrangeiro, um aceno da maior simpatia tem de ser dirigido ao Fundo de Fomento de Exportação pela obra meritória que tem realizado. São disso concludente prova algumas exposições de ensaio levadas a efeito em feiras internacionais na França, Inglaterra, Estados Unidos da América, Alemanha, Bélgica, Suécia, Suíça, Áustria, Itália, Canadá e Brasil e as «semanas portuguesas» organizadas em grandes armazéns de Paris, Bruxelas, Lausana e Londres, que permitiram revelar ser fácil a colocação de vários tipos de produtos artesanais, chegando até a dar-se nessas «semanas portuguesas» a que aludi o facto significativo de os stocks previamente calculados para oito dias terem sido de tal maneira disputados pelo público que a sua venda total se operou em um ou dois dias.
António Santos da Ganha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - Estou escutando com o maior interesse aquilo que V. Ex.ª diz, e acima de tudo queria referir-me aos cursos a que V. Ex.ª se referiu e que na verdade são uma necessidade imperiosa, sobretudo na nossa região. Nomeadamente no concelho em que V. Ex.ª nasceu torna-se premente a criação desses cursos. Mas parece que cursos como os que estão a ser experimentados em Viana do Alentejo não são os mais indicados, dada a extensão a que obrigam - três anos. Para um artífice parece-me de mais, porque entendo que deverá ser estudada a maneira de criar escolas móveis e que, como no caso de Barcelos, se estendessem a diferentes centros de olaria em cursos intensivos, de maneira que ao fim de poucos meses o artífice pudesse ter uma ideia perfeita do assunto.
Outro ponto que tem muito interesse é a aceitação que no estrangeiro tem o nosso artesanato. Posso citar a V. Ex.ª o caso de Évora ter enviado à Feira de Bruxelas um mostruário que foi imediatamente adquirido e quero, por isso, prestar homenagem à Junta Distrital de Évora, que viu assim coroada com esse prémio a decisão de enviar para aquela Feira o mostruário já referido.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª e associo-me à ideia.
Como li numa publicação do Fundo de Fomento de Exportação, «há que fazer apelo ao patriotismo de todos os jornais portugueses, seja qual for a sua tiragem e expansão, para que insistam, repetidas vezes, junto dos seus leitores que concorram para o engrandecimento do artesanato português comprando peças artesanais representativas da arte rural portuguesa». «Há que fazer igual apelo aos proprietários e gerentes de hotéis, restaurantes, bares, casas de chá, lojas de moda, livrarias, teatros, cinemas, escolas, etc., para que exibam, em lugar de destaque, cerâmicas, vidros, pratas, filigranas, cobres e ferros trabalhados, mantas, tecidos, bordados, etc.».
Não resta dúvida de que ao observarem essas exposições em hotéis, restaurantes, etc., as pessoas passam a ter interesse em visitar as terras que produzem esse artesanato.
Um apelo mais desejo acrescentar a estes, mas agora dirigido ao Governo, para que não se faça esperar a protecção devida e que consistirá na criação de órgãos que, à escala nacional e regional, se ocupem do artesanato.
O Sr. Sales Loureiro: - Muito bem !
O Orador: - Temos falado essencialmente do artesanato tradicional e regional, pelo que nos vamos referir, embora sucintamente, ao artesanato já demasiadamente industrializado.
A industrialização que conduz ao fabrico em série, se tem o seu lugar próprio e que ninguém pretende discutir, é em muitos casos o golpe fatal no artesanato representativo da arte rural, que mais se agrava quando envereda pela imitação do artesanato congénere estrangeiro. Cada qual deverá situar-se na sua específica posição, até porque o fabrico em série tem e terá sempre o seu mercado próprio. É o caso, por exemplo, das obras de prata e filigranas, vidros, porcelanas, cerâmicas, bordados da Madeira, etc., embora em relação a algumas as empresas de tipo mais ou menos industrial sejam em número reduzido.
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Seja-me permitido agora, por uma razão bem compreensível, que vos fale do distrito que aqui represento, e isto por entender que ele deverá ocupar, por direito e sem favor, um lugar cimeiro o inequívoco da maior importância, no turismo nacional.
O Sr. Costa Guimarães: -Muito bem!
O Orador: - Não se pode dissertar sobre artesanato, com o risco de se cometer um grave pecado de omissão, sem referir imediatamente o concelho de Barcelos - o maior dos concelhos do distrito e o maior de Portugal em número de freguesias, com a bonita soma de 89.
Centro artesanal dos mais característicos e já com renome internacional através dos seus inconfundíveis galos de barro, encontramos disseminados pelo seu vasto concelho diversos tipos de artesanato, alguns lamentavelmente adormecidos e que é preciso fazer renascer. De entre todos sobressai, com justificado orgulho dos Barcelense, o fabrico da louça e bonecos de barro, tão conhecidos e procurados; as rendas de crivo; a curiosa tecelagem caseira; os belos jugos do mais elevado sentido artístico, etc.
Justo é pôr era relevo o carinho com que a Câmara Municipal e o Grémio do Comércio têm procurado valorizar o artesanato local, impedindo a sua degenerescência. Haja em vista o Museu de Cerâmica Regional, inaugurado em Maio de 1968, por ocasião das tradicionais Festas das Cruzes, com II presença do ilustre secretário nacional da Informação, Dr. César Moreira Baptista. À Câmara Municipal se fica devendo esta iniciativa, embora essa realização só fosse possível graças ao bairrismo e ao espírito de compreensão de alguns barcelenses que generosamente ofereceram colecções valiosas, a par de outras aquisições feitas directamente aos artesãos. Nu organização do Museu e na selecção das diferentes peças colaborou um delegado do S. N.º T., com uma devoção e um entusiasmo que muito nos apraz registar.
Possui também o Grémio do Comércio uma colecção de artesanato, donde já chegaram a ser cedidas algumas peças para figurarem em várias exposições, entre as quais me lembro de uma realizada em Hamburgo.
Têm sido ainda de uma eficiência digna do maior louvor as exposições artesanais levadas a efeito, sob o patrocínio da Câmara Municipal e organização do Grémio do Comércio, durante as Festas das Cruzes, que todos os anos se realizam nos primeiros dias do mês de Maio. Como consequência disso é de assinalar a participação com catorze stands na Feira Popular do Porto, no ano de 1962, a convite do governador civil do Porto, presença que interessou vivamente o público, que teve a feliz oportunidade de observar a execução de muitos trabalhos dos dezoito artesãos que aí actuavam diariamente. Durou essa exposição quatro meses, tantos como a Feira Popular, tendo sido esta visitada por cerca de 500 000 pessoas.
Pode afirmar-se que muito têm contribuído estas manifestações públicas para o conhecimento e divulgação do artesanato, com as inerentes repercussões no volume das encomendas, que excederam de longe a capacidade de produção. Pecaram, quanto a nós, estas exposições por falta de coordenação, no sentido de dissociar a mistura do verdadeiro e do falso artesanato. Mas essas louváveis iniciativas, que têm merecido o melhor estímulo do Fundo de Fomento de Exportação e do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, constituíram uma preciosa experiência para aquelas que irão seguir-se. E ]á não faltam dois meses para que possamos assistir em Barcelos a nova exposição artesanal, que obedecerá, estou certo, à directriz que venho defendendo: a dissociação, repito, da autêntica arte rural, do artesanato industrializado para fabrico em série, com condenáveis imitações até de artesanato estrangeiro.
Mas não ficam só por aqui as actividades artesanais do distrito, porquanto merecem ainda uma palavra de simpatia e a indispensável protecção os bordados de linho e algodão de Guimarães; as mantas tão características de Cabeceiras de Basto e de Vieira do Minho e as interessantes e delicadas filigranas da Póvoa de Lanhoso.
Sei que na Junta Distrital de Braga se trabalha activamente no sentido da organização de um museu, onde será integrado o Museu Etnográfico Regional, tendo sido já adquirido um belíssimo solar, pelo que se evitará a perda de muitos exemplares extremamente interessantes que existem pelo distrito e se farão renascer muitos aspectos do artesanato da região.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: chamou o Dr. Nunes Barata a atenção para a necessidade de valorização das estâncias hidrotermais, objectivando o seu ponto de vista com um quadro estatístico, onde nos são revelados números relativos à frequência dos estabelecimentos termais franceses em 1961.
As estações termais, disse o autor do aviso prévio, «pela sua localização, poderão ainda apoiar o desenvolvimento de regiões atrasadas no nosso país. Convirá, por outro lado, ter presente que os portugueses do ultramar constituirão de futuro um maior mercado para esta oferta».
Pois bem, na sequência das considerações do Dr. Nunes Barata, quero desde já fazer a afirmação, que, aliás, não constitui novidade para ninguém que conheça estes problemas, de que possuímos em Portugal tão boas águas mineromedicinais como as melhores do estrangeiro, das quais posso citar pelo seu renome as de Cestona, Vichy, Montecatini, etc.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: -É curioso recordar o que se lê no preâmbulo do Decreto de 30 de Setembro de 1892, que regulamentava o aproveitamento das águas minerais em Portugal.
Diz assim:
As águas minerais foram desde a mais remota antiguidade e são ainda hoje consideradas como um eficaz meio curativo para muitas moléstias rebeldes a quaisquer outros tratamentos.
Atestam-no por forma incontroversa as ruínas das famosas termas romanas, tão numerosas na Península, e os luxuosos estabelecimentos balneoterápicos da França e da Alemanha.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Não me é possível, pela riqueza do nosso património hidromineral e pelo tempo de que disponho, evocar em pormenor algumas estâncias termais portuguesas que mereciam, sem qualquer dúvida, uma referência especial. Dada essa impossibilidade, dirijo de novo o meu pensamento para o distrito de Braga, onde as estâncias termais de que dispõe se enquadram perfeitamente em zonas do mais elevado interesse turístico.
E agora, que continuo a falar-vos do distrito que represento, confesso que nunca desejei tanto ser poeta como no momento presente, para, em estilo grandíloquo e digno da terra, poder cantar os seus valores culturais em que ressaltam altaneiros os lugares históricos, os monumentos, os museus, os arquivos, as bibliotecas e ainda o seu arte-
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sanato, o seu folclore, as suas estâncias hidrotermais, a sua paisagem deslumbrante, que, com a sua vastidão, delicadeza e suavidade, perduram longamente no espírito de todos aqueles que por lá passaram.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Nos idílicos recantos das aldeias minhotas, tão profundamente portuguesas, nos seus santuários tradicionais, nas suas majestosas serras, nas vastas toalhas de água que hoje se podem contemplar com enlevo na região das grandes barragens - um poderoso atractivo turístico ainda inexplorado e que se situa em pleno Minho - há outros tantos motivos para chamar a esta formosa região do nosso país não apenas os turistas estrangeiros, mas também os turistas nacionais que os desconhecem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E tudo isto em grande parte se pode dizer situado no distrito de Braga, uma das mais belas terras de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - As suas estâncias hidrotermais, vasto laboratório da natureza, estão localizadas nos concelhos de Terras de Bouro - Caldas do Geres; de Amares - Termas de Caldelas; de Guimarães - Caldas de Vizela e das Taipas; de Barcelos - Termas do Eirogo.
Pode afirmar-se que todas elas, de acordo com a sua classificação, que não interessa agora para o caso em debate, e consequente acção terapêutica, se encontram entre as melhores que do género possuímos no País.
A estância termal do Geres, que está localizada aproximadamente a 47 km de Braga, 40 km de Guimarães e 96 km do Porto, surge-nos rodeada de montanhas de rara beleza, sendo os seus pontos mais elevados a Calcedónia (1000 m), Pé de Cabril (1235 m), Carris (1507 m), Borrageira (1433 m), e quando observada lá do alto mais nos parece colocada num berço feito de montanhas.
A juntar ao renome das suas águas - anualmente ali acorrem alguns milhares de aquistas, tanto da metrópole, como do ultramar e do Brasil -, a beleza e a imponência da paisagem confere a esta terra condições excepcioais para que passe a constituir um dos atractivos turísticos da maior relevância.
Um plano turístico devidamente estudado, com a colaboração dos serviços florestais e as empresas das grandes barragens do Cávado e do Rabagão, permitiria não só admirar o quadro extraordinário que da serra de desfruta como a prática da caça, da pesca, dos desportos aquáticos, etc. Até para os entusiastas do montanhismo a serra oferece, talvez como nenhuma outra em Portugal, a possibilidade da sua prática.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É urgentíssimo cuidar das vias rodoviárias que dão acesso ao Geres, beneficiando-as no seu traçado e alargamento das faixas de rodagem, permitindo estabelecer excelentes circuitos turísticos.
De excepcional importância seria para o Geres e para toda a região bracarense a abertura da fronteira da Portela do Homem, ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... velha aspiração das populações raianas, quer de Portugal, quer da Espanha, facilitando ainda o afluxo de turistas por estabelecer a mais rápida ligação com Orense e outras localidades espanholas, estando já a estrada do lado espanhol em boas condições para uma fácil e imediata concretização desta importante medida que urge tomar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por um dever de justiça não posso deixar de pôr em relevo a acção meritória dos serviços florestais, que possibilitou, com a abertura de estradas, agradáveis circuitos turísticos pela serra, facultando assim fácil acesso, por automóvel, a alguns pontos dos mais impressionantes pela sua beleza.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sei que o Sr. Ministro das Obras Públicas está interessado na valorização do Geres, pelo que o esclarecimento de certos aspectos relacionados com o plano de urbanização da estância terá certamente muito em breve adequada efectivação com a presença de S. Ex.ª no Geres.
O problema hoteleiro, tortura quase geral, merecerá em conjunto, na parte final da minha intervenção, uma referência especial.
Transportando-nos agora ao concelho de Guimarães, duas estâncias se nos deparam, com tradições que as impuseram como termas cosmopolitas. É o caso especial de Vizela nos tempos que dispunha do seu casino e em que a afluência de aquistas atingiu um volume considerável. Com uma situação que a coloca a 9 km de Guimarães, 31 km de Braga e 50 km do Porto, permite circuitos turísticos de grande interesse, bem como as Taipas, na margem direita do rio Ave, a 7 km de Guimarães, 14 km de Braga e 56 km do Porto. Em qualquer delas se nos deparam aqui e além vestígios romanos.
Ambas as regiões são beneficiadas por vegetação abundante e de montanhas com acesso por automóvel, donde se avistam panoramas surpreendentes, e banhadas por dois rios - o Vizela e o Ave, aquele afluente deste - com condições óptimas para a prática da pesca.
A curta distância da cidade de Guimarães, com o seu monte da Penha, orgulho dos Vimaranenses, onde a paisagem atinge aspectos agradabilíssimos, aquela oferece aos que a visitam um repositório histórico do mais alto valor. O Castelo só por si - e nele simbolizo todos os seus monumentos -, com as suas muralhas oito vezes centenárias, recorda e faz meditar, todos os que o contemplam, sobre os mais brilhantes monumentos lusíadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A poucos quilómetros de Braga, apenas 18, vamos encontrar as Termas de Caldelas, onde surgem evidentes os sinais de fixação dos Romanos naquela região, devendo-se a primeira indicação referente a estas águas a um farmacêutico do Convento do Carmelo, de Braga.
Quase rodeada por montanhas, a estância sente-se abrigada a norte pelas colinas de S. Sebastião e da Peneda, a este e sul pela montanha de S. Pedro Fins, estendendo-se noutro sentido o fértil vale de Alvito, com vegetação exuberante.
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Dada a sua proximidade de Braga, ali está a capital do distrito, com o seu ex-líbris que é a Sé Patriarcal, a simbolizar os seus preciosos monumentos. O Bom Jesus, o Sameiro, a Falperra, representam um triângulo turístico do mais alto valor e que seria um crime desperdiçar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Finalmente, as Termas do Eirogo, situadas numa zona fértil, é daquelas que se encontram em situação privilegiada, apenas a 3 km de Barcelos, 14 km de Esposende, 18 km de Braga, 30 km de Viana do Castelo, 42 km de Guimarães e 50 km do Porto. Dispondo de bom clima, está ainda protegida dos ventos por à sua volta predominar o pinhal. A seu lado, altivo, o monte do Facho, donde se desfruta um panorama de sonho, sendo de lamentar que não exista uma estrada que faculte o acesso por automóvel.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - A valorização desta estância, com o mar e praia a 14 km e o Cávado apenas a 3 km, local excelente para a prática da pesca, tinha o maior interesse para Barcelos, até porque as águas são, no género, das que se impõem pela sua acção terapêutica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Está a estância carecida, sobretudo, de modernização das suas instalações balneares e da construção de um hotel, que viria beneficiar II cidade. E esta, com o seu passado histórico e as suas inconfundíveis belezas naturais, muito tem para oferecer ao olhar dos seus visitantes.
O incomparável monte da Franqueira, que se torna mister valorizar, com a sua ermida, o Convento do Bom Jesus do Monte e as ruínas do Castelo de Faria; as ruínas dos paços dos condes-duques de Barcelos, do século XIV, e a matriz; a Torre da Porta Nova, do século XIV; o Mosteiro do Senhor da Cruz, os seus velhos solares, o rio Cávado, com a beleza das suas margens, a sua feira semanal, das mais importantes do Minho, etc., colocam, sem dúvida, Barcelos numa posição de grande realce do ponto de vista turístico.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: se tudo o que acabo de descrever corresponde apenas a uma pálida visão do que a realidade nos faculta, o que bem demonstra o interesse turístico indiscutível da região, o turismo está comprometido desde que carecem as possibilidades de alojamento dos turistas.
Graças ao Regime, que, sob o superior comando do Sr. Presidente do Conselho, nos tem proporcionado a ordem, a paz e a tranquilidade, a par da beleza da nossa paisagem e da suavidade dos nossos costumes, Portugal ainda pode ser apontado como um oásis nesta Europa e neste Mundo inquieto, como recanto propício ao descanso e à, calma.
Façamos mais um esforço para elevar substancialmente o número e a qualidade dos alojamentos, não pela construção de hotéis luxuosos, mas sóbrios e de preços acessíveis a nacionais e estrangeiros.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Em todo o distrito de Braga existem somente 22 hotéis, dos mais luxuosos aos mais modestos, dispondo apenas de 1030 quartos, dos quais um número reduzidíssimo com quarto de banho privativo, com capacidade para 1642 hóspedes, sendo insuficientes as pensões aceitáveis e deficientes as instalações de alguns desses 22 hotéis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O problema que se suscita no distrito é grave. Já aqui foi referido por alguns dos meus colegas o que se passa em Braga (três pequenos hotéis), Bom Jesus (três hotéis insuficientes), Guimarães (dois hotéis insuficientes) e Barcelos, onde não há um hotel, nem tão-pouco uma estalagem.
No Gerês, dado o grande movimento das termas, impunha-se uma urgente modernização dos hotéis e pensões existentes e a construção de novas unidades hoteleiras. Convém acentuar neste caso concreto que a situação foi agravada pelos incêndios de dois hotéis, ocorridos no Verão de 1962, cujas ruínas continuam a dar um ar de desolação à única avenida das Termas.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Estou convencido de que nesta notável estância termal estaria destinada a pleno sucesso a construção de um hotel de montanha, situado na encosta da serra, em local a estudar, cujo acesso poderia ser feito através da instalação de um funicular.
O Sr. Costa Guimarães: - Muito bem!
O Orador: - A contínua evolução sofrida pelo turismo não se compadece com a falta de condições que permitam uma estada com a indispensável comodidade.
Portugal também foi dotado por Deus com sol radioso e com praias magníficas, com serras admiráveis e inéditas paisagens. Saibamos nós aproveitar da melhor maneira todas estas dádivas da Natureza.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: ao intervir no debate começo por felicitar o seu autor não só pela iniciativa que teve em apresentar este aviso prévio, como ainda pela forma como estudou o assunto e o apresentou na sua efectivação. Estamos todos mais elucidados e temos, por isso, também, a oportunidade de apresentar o nosso ponto de vista.
Representa a indústria de turismo, nos dias de hoje, razão de estudo sério e cuidado, no desejo de ser esquematizada uma política de turismo nacional com vista ao mais rendoso aproveitamento das diferentes correntes.
Li, algures, que por turismo poderíamos entender: «termo novo que se define por conjunto de medidas e disposições atinentes a tirar o máximo proveito económico do gosto das viagens».
Esta definição exprime um conceito velho que foi buscar as suas raízes ao estudo da vida dos povos desde a antiguidade, onde o limitado dos interesses se circunscrevia ao ambiente e às possibilidades de fazer dele a fonte dos meios de sobrevivência. Nesse período da vida o homem era ainda um ser em luta pela própria sobrevivência, curioso, no sentido animal, de mundos desconhecidos,
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ávido de espécies que lhe poderiam dar melhores condições de vida. Podemos mesmo dizer que o homem desconhecia o homem.
Limitado, assim, por força da carência de recursos e pela necessidade de defesa contra o meio hostil que o rodeava, a viver o seu ambiente mais próximo, o homem foi-se libertando através do tempo e procurou com curiosidade - diríamos agora que o homem emigrou. Começa aqui a aparecer o turismo económico: viajar para tirar das viagens o maior rendimento económico.
Progridem os séculos e o homem vai tomando conhecimento da sua própria personalidade humana e da existência do seu semelhante, das suas ideias e das ideias dos outros, dos seus costumes e dos costumes do seu vizinho, da sua fé e da fé do seu irmão. É o turismo das ideias, o turismo humano, que nasce e progride, originando as peregrinações, as conquistas, o missionalismo. Rompem-se então todas as muralhas, incapazes de suster as ideias no seu avanço arme, e então o homem liberta-se dos conceitos puramente materiais e passeia portador de mensagens, do gosto de viver. É então que, no desejo de encontrar uma harmonia para os interesses totais que motivam as viagens - o negócio, o prazer, a cultura e o conhecimento próprio -, surge a necessidade de estabelecer uma nova política: a política do turismo.
Se é certo que entre nós. o órgão competente tem procurado realizar essa, política, certo é também que ela não existe, resumindo-se «a criar motivos de interesse turístico para entretenimento dos estrangeiros que nos visitam». Em obediência a esse princípio anunciam-se as Festas de Abril, do Maio Florido, das Vindimas e do Vinho Novo, que, sendo já alguma coisa, são organizações pouco sentidas pelo turismo nacional.
Continuamos, porém, carecidos de uma verdadeira política de turismo e até mesmo de um órgão com mais possibilidades de a estabelecer, órgão esse que poderia ser, como já foi dito aqui, o Ministério do Turismo, que coordenaria todas as actividades que estivessem ligadas a essa indústria.
Recentemente, o Ex.mo Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho anunciou a organização de um planeamento nacional de turismo, o que muito nos anima e faz prever que se pretende acompanhar a vizinha Espanha nesta corrida para o cabal aproveitamento de todas as oportunidades que do turismo se possam colher. Por essa razão precisamente este debate tem oportunidade, na medida em que poderá contribuir para a estruturação desse plano.
Quanto a mim, tenho por fundamental a intenção de encarar o assunto sob o aspecto humano, e nesse sentido inferir das premissas do anuncio as ilações que sejam de aplicar a mencionada finalidade.
O turismo implica, fundamentalmente, no aspecto económico e no aspecto social, neste com marcada projecção no desenvolvimento cultural dos naturais. Poder-se-á por esta razão afirmar que o turismo serve de veículo ao desenvolvimento económico interno e ainda como meio de solução de preocupações sociológicas. De facto, sendo o homem um ser social e sociável, necessita de ter uma vida de relação para que possa compreender o verdadeiro sentido da sua mensagem na terra; assim o homem ao relacionar-se se elevará ou humilhará, será mais humano e compreensível às dores do seu semelhante e apreciará melhor os benefícios que recebeu da vida que vive.
Trata-se de encarar o problema sob uma óptica humanista, fazendo com que o desenvolvimento económico nacional que advirá da exploração turística tenha por fulcro o proveito que dele o homem possa tirar.
Ao nascer foi colocado o homem na sua própria época c encarregado de viver essa época com todas as suas potencialidades em paz e alegria; ele contribuirá então, eficazmente, para o aperfeiçoamento do mundo em que se situa. E porque vivemos uma nova era, a era do homem social, o conceito da extracção da riqueza em proveito da própria riqueza cedeu o passo ao conceito de que a riqueza só tem expressão quando se destina a dar proveito ao homem. Focaliza-se neste conceito humanista do desenvolvimento económico do Mundo a plenitude do valor humano.
Assim, e encarado o aspecto sob esta face, o turismo deve ser estudado no plano das relações:
Relações entre nacionais (turismo de naturais viajando pelo País);
Relações entre nacionais e estrangeiros (naturais viajando pelo estrangeira); e
O turismo internacional.
Não desprezando de modo algum o valor que representa a segunda modalidade, fundamentalmente pela sua contribuição para a elevação cultural do povo, o certo é que são precisamente as outras duas modalidades as que mais interesse oferecem a um estudo nacional do problema.
Os turistas nacionais em viagem pelo País contribuem em tal medida para a preparação básica do planeamento do turismo internacional que só por isso merecem que consideremos o facto com atenção. Podemos mesmo dizer que essa modalidade serve de alicerce a toda a indústria turística, tornando possível organizar e assegurar a continuidade de todos os serviços criados e que representam as infra-estruturas desta indústria - os alojamentos, os transportes, os atractivos turísticos e o pessoal. Sem ela não será possível enfrentar as quebras na corrente turística, quebras que as estações do ano, ou outras razões, sempre provocam. Temos, por isso, de fomentar o turismo nacional, pois que, com o seu aumento, aumentarão, em consequência, as possibilidades de sobrevivência das indústrias Criadas com vista ao turismo internacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Encarado sob este aspecto, o turismo deverá ser necessariamente compatível com o poder económico das diferentes massas de passeantes e deverá basear-se em estudos e planos que estabeleçam uma utilização das diferentes regiões do País, segundo as melhores condições climatéricas e os diversos atractivos naturais. Justificam esta minha preferência por planos regionais, em lugar de um plano nacional de tipo único, não só a diversidade do território nacional, como também o facto, bastantemente mostrado, da existência de graus diferentes de desenvolvimento dentro do próprio território. Não se pretende com isso, de modo algum, que se criem regiões turísticas autónomas, sendo de aconselhar até uma integração de cada uma num plano nacional, de modo a obter a harmonia e o equilíbrio no seu desenvolvimento.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Esse facto implicaria, como é natural, a necessidade de organizar uma carta turística do País, a qual seria profusamente difundida, não só através dos diferentes órgãos de informação, como ainda pela utilização de programas próprios de rádio e de televisão atraentes e bem orientados.
Na estruturação de «m plano de turismo haverá que ter em conta a necessidade de fomentar o intercâmbio
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entre a metrópole e as diferentes provindas ultramarinas,...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... no sentido de estabelecer um maior conhecimento das terras e das gentes do nosso mundo.
Só dessa maneira, verdadeiramente, só dessa maneira, será possível a concretização efectiva da nossa política de integração, aproveitando-se para isso a excepcional e natural tendência do Português para anuir o seu semelhante, indiferente à cor da pele ou à- raça. Será passeando pelas nossas queridas províncias do África ou da Ásia que nós poderemos demonstrar que somos os mesmos, quer tenhamos nascido aqui, junto ao Alinho ou ao Guadiana, ou além, em Cabo Verde, Guiné ou Macau. O convívio que estabelecermos com os nossos irmãos, conhecendo-os na sua vida e no seu lar, servirá para que se estabeleça uma maior afinidade, o desse conhecimento que da terra e da gente só obtenha advirá uma ideia de fixação e de aproveitamento dos valores económicos do nosso ultramar. Não será também de menosprezar o muito que daí advirá em contribuição económica, que o será também a utilização dentro da Nação das reservas que o povo faz para c gozo das suas férias. As nossas agências de viagens, preocupadas com o critério de que turismo à apenas o intercâmbio entre nações, e também com o sentido do lucro certo, preocupam-se somente com a organização de viagens ao estrangeiro, ignorando totalmente a existência do valor que, também neste aspecto, representam as nossas províncias ultramarinas. Por isso será necessário que o S. N.º I. e a F. N. A. T. se encarreguem, de princípio, de organizar a canalização do turismo nesse sentido, levando um e outra os seus colaboradores e associados a visitar essas terras, pois que, se é certo que temos necessidade de que o estrangeiro conheça e compreenda a nossa causa, certo é também que não podemos prescindir da compreensão do nosso próprio povo, pois que essencialmente será com ele que teremos dê contar para que possamos fazer vingar a nossa razão.
Ao estruturar um plano de acção turística teremos de contar assim com todo o território nacional, evitando-se, tanto quanto possível, a criação de zonas privilegiadas ou campos específicos de acção turística, pois que não só existem pólos de atracção por todo o País, como ainda imo será possível circunscrever a digressão dos visitantes a essas zonas.
Com a criação de manchas criar-se-iam, consequentemente, motivos de chocantes diferenças, que não deixariam de provocar desagradáveis reacções, que seriam prejudiciais não só ao desenvolvimento da política turística, como ainda limitariam o País a determinadas zonas de influência e atracção, privando as restantes do poder de desenvolvimento que essa indústria representa.
Um plano desta natureza deveria criar também, quando bem elaborado, centros polarizantes, que poderiam bem servir para diminuir, em certas regiões, os efeitos que a ausência, de pólos de desenvolvimento provoca, com reflexos na debilidade económica da região.
Como exemplo, referirei o que se. passa na vasta zona que abrange o concelho de Vila Nova de Gaia. Esse concelho, rico de tradições históricas e cheio de pergaminhos artísticos, oferece, mercê do seu folclore, com renome internacional, e dos seus monumentos e tradições, remontando algumas ao período anterior à Fundação, condições excepcionais para um aproveitamento turístico, que em muito viria a beneficiar a economia local, falha de fontes de receita. Ali poder-se-ia facilmente promover a instalação do parques de campismo, dadas as condições excepcionais que para o efeito oferecem as terras da beira-mar, ou mesmo as zonas do interior.
Com uma vasta costa, onde as praias, de características variadas, se oferecem em fácil holocausto, o concelho tem condições de rápido e fácil aproveitamento. Desde a Afurada dos pescadores, com o seu tradicional culto dos mareantes por S. Gonçalo, até às cosmopolitas praias da Granja, Miramar e Francê-los, tudo é uma rica zona de iodo e arvoredo num agradável despique para tornar mais útil a vida ao veraneante.
A mais afastada destas praias situa-se a 8 km da sede do concelho e as mais próximas levam os seus limites quase ao coração da cidade do Porto, dando, a quem nelas se acolhe, a possibilidade de estar dentro de um centro urbano no curto espaço de cinco minutos. Além do mais, tem ainda o concelho, todas as actividades indispensáveis a uma indústria de turismo, as quais permitiriam a organização de festividades, exposições, passeios e visitas.
E no entanto, Sr. Presidente, nada está feito com vista ao aproveitamento de toda esta riqueza natural, perdendo-se de ano para ano o pouco que existia, numa teimosa disputa entre as dádivas da Natureza e o desinteresse dos homens. E assim as praias carecem de instalações hoteleiras ou de simples pensões, oferecendo ao uso envergonhados e modestos restaurantes, simples casas de pasto, que usam como tabuleta o simbólico ramo à porta. E, para além da falta de uma modesta indústria hoteleira, todas as praias estão privadas de água e saneamento e as tais avenidas ou ruas que bem delineadas convidariam a um repousante passeio ao crepúsculo encontram-se esburacadas, cheias de ervas e mal iluminadas.
Uma só piscina, a da Granja, um só parque de campismo, o da Casa dos Jornalistas, dois hotéis de 2.a classe e duas pensões, a inexistência de quaisquer pólos turísticos ou de simples planos regionais de aproveitamento das condições turísticas da região constituem por si só a prova de abandono a que atrás me referi. Quero com este exemplo comprovar a minha tese de que se deve encarar a necessidade de se proceder ao aproveitamento turístico de todas as regiões do País, ,num planeamento e num ordenamento regional com vista ao estabelecimento de bases de apoio ao turismo nacional. Deverão criar-se pólos de atracção turística com fundamento nas condições climatéricas, no aproveitamento dos centros mundanos de. turismo social ou simplesmente dos centros de turismo natural. Deverá ainda ter-se em conta a necessidade de organizar uma rede turística que permita o aproveitamento das actividades comerciais estabelecidas nas cidades ou vilas carecidas de condições especiais para o fomento do turismo.
Sob este aspecto a região da cidade do Porto é rica em possibilidades pela facilidade que oferece em ligações da grande urbe com os locais de maior interesse turístico dos concelhos de Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia e Gondomar. E para além desses concelhos, que constituem um verdadeiro colar da cidade, estende-se toda essa vasta região de Entre-Douro e Minho, vasta de beleza, plena de meios de expansão, rica em possibilidades de interesses artesanais e folclóricos, tudo para além dos motivos históricos que oferece.
Esta área constitui um todo vincadamente turístico que se estende e abrange todas as actividades nos seus aspectos ecuménicos. Precisamente para o aproveitamento dessas actividades na maior medida, deverá orientar-se o plano regional a aplicar ali, desenvolvendo-se a estruturação no sentido de uma propaganda bem elaborada; de
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forma a dar aos locais e às suas actividades o realce que as suas condições específicas aconselhem.
Deverão, pois, estudar-se, em cada zona, as suas características polarizantes e daí concluir-se quais as infra-estruturas a estabelecer, de forma a uma rendosa utilização das mesmas.
Em resumo, preconizo o aproveitamento em pleno das condições turísticas de todo o País com vista a provocar uma repartição das actividades através de todo o território nacional que permita o mais rápido acréscimo do rendimento e uma mais profusa convivência entre o povo.
Trata-se, como tive ocasião de dizer ao começar esta minha intervenção, de uma óptica de feição humanista, pois que se de qualquer modo se pretende centrar a actividade turística com vista ao aumento do produto nacional, deseja-se, por outro lado, estabelecer uma relação entre o homem e a economia relativamente à melhoria das condições de vida e de ambiente. Que se não caia no erro frequente de criar condições de despovoamento de determinadas áreas transformadas em desertos de iniciativas ou em desesperada algaraviada de reclamações insatisfeitas em favor de outras mais favorecidas, mercê de interesses nem sempre merecidos.
E esta a melhor maneira de fazer uma verdadeira política de turismo, verdadeira e útil política, ficando ao Estado a obrigação na criação das infra-estruturas indispensáveis, tais como a rede rodoviária, os transportes, a propaganda e os pólos de atracção. À iniciativa particular caberia, em exclusivo ou em comparticipação, a utilização dessas infra-estruturas dentro de planos nacionais, quer estabelecendo a rede hoteleira, quer valorizando as indústrias, o asseio, o artesanato, etc.
Sr. Presidente: termino como comecei, fazendo votos por que este debate traga os frutos que para ele desejou o seu autor. Neste campo somos ricos em possibilidades; basta que as saibamos aproveitar.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Fernando Frade:-Sr. Presidente: todos os ilustres Deputados que me antecederam para se pronunciarem sobre a matéria constante do aviso prévio que estamos tratando dirigiram palavras de justo louvor ao seu autor, Dr. Nunes Barata, pelo seu oportuno e fecundo trabalho. Presto-lhe também as maiores homenagens, e por isso me associo inteiramente e com verdadeira sinceridade a essas palavras.
Quero ainda significar-lhe o meu reconhecimento, em nome de todos os moçambicanos, pelas referências que fez às possibilidades turísticas da nossa província, alinhando as suas privilegiadas regiões com aquelas que no conjunto nacional representam verdadeiros pólos de atracção para a exploração da indústria que estamos apreciando.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A recente visita que o ilustre Deputado avisante efectuou àquela nossa vasta parcela do Indico chegou para lhe patentear com nítida evidência o potencial turístico nela existente, e o facto de lá ter estado faz com que o seu testemunho assuma a maior importância.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Regozijo-me, pois, com a circunstância de Moçambique contar com mais um defensor de grande prestígio e estou certo de que o mesmo sucederia a todos aqueles como alguns de VV. Ex.ªs se lhes fosse oferecida a oportunidade de efectuar uma visita.
Seja-me permitido abrir um parêntesis para aproveitar este ensejo e deste lugar formular um voto para que se estude com a possível urgência a deslocação de grupos de Deputados portugueses às nossas províncias de além-mar, proporcionando-lhes assim o conhecimento directo das condições de vida que lá existem e garantindo desta forma maiores possibilidades de se discutirem, equacionarem e resolverem à escala nacional os problemas que se trazem a esta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estou convencido, Sr. Presidente, de que V. Ex.ª será o primeiro a reconhecer o mérito desta sugestão e que, por consequência, lhe dispensará o melhor apoio para que ela se torne em rápida realidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Faltaria ao mais elementar princípio de justiça se nesta altura não dirigisse umas palavras de muito apreço ao nosso ilustre colega Paulo Cancella de Abreu pela efectivação do seu aviso prévio em 1950 sobre a crise do turismo em Portugal e ainda pelas suas ulteriores intervenções acerca do mesmo assunto.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ao ler a sua intervenção e a dos outros Deputados que subiram a esta tribuna para se pronunciarem sobre a mesma matéria, fiquei com a consoladora ideia de que, se Portugal ainda está atrasado no desenvolvimento dó seu turismo, não foi porque nesta Assembleia não se tivesse ventilado com oportunidade este grande problema.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado. fiquei, todavia, com a impressão, já nada consoladora, de que andamos em marcha reduzida, o que terá feito perder algo de valioso ao longo destes anos.
Dizia há dias o nosso ilustre, colega Délio Santarém na sua intervenção que se sentia sucumbido por sempre verificar ao descer desta tribuna a presença no seu espírito de um inevitável denominador comum: o dinheiro. Que tal factor, participando de forma decisiva em todas as suas intervenções, o deprimia.
Devo confessar que de certo modo o invejo, porque mesmo assim preferia o seu denominador comum ao meu, que é: «o tempo que se perde a activar o andamento de todos estes problemas da mais alta importância».
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dir-se-á que é destituída de utilidade esta referência ao passado. Seria assim se nós dela não quiséssemos que se aproveitassem as lições da experiência para os novos caminhos a seguir.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a multiplicidade de sectores que a indústria do turismo engloba e os imponderáveis e implicações a que estão sujeitos são de tal ordem que reputo indispensável não nos deixarmos aliciar pelos seus possíveis volumosos resultados e, consequentemente, corrermos a foguetes. Trata-se de uma indústria de grande complexidade e especialização e, como tal,
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ela exige, para vingar, que previamente se estabeleça um planeamento razoável e uma estruturação de serviços adequada. O seu desenvolvimento tem de se processar com segurança, porque disso tem necessidade o País.
Para esta segurança muito poderemos contar com a experiência adquirida pelos países estrangeiros, embora cada um possua condições especiais resultantes do seu próprio meio. Mas as bases da técnica da indústria são, todavia, comuns e, se estivermos dispostos a aprender desses outros e aproveitar o que eles nos possam oferecer, imprimiremos notável velocidade à nossa acção e recuperaremos assim parte do tempo perdido.
Vive-se hoje no País num período de euforia turística, em que as ideias e soluções brotam em catadupas. E salutar o entusiasmo, mas afigura-se-me existir um certo desordenamento, a que urge pôr cobro.
Sendo importante, por exemplo, a construção de estabelecimentos hoteleiros, é essencial, parece-me, ter em mente que há hotéis fechados e outros existem cuja utilização de quartos, ao longo do ano, ainda está abaixo das médias consideradas como limite máximo para uma exploração rentável.
Esta realidade, entre outras, não pode deixar de merecer cuidada atenção, porquanto os nossos recursos financeiros exigem o seu mais completo aproveitamento. Faça-se obra nova, moderna e dinâmica, mas atente-se no existente, não por razões de ordem sentimental, mas porque já no j e traduz património valioso e representa afinal o meio imediato e menos dispendioso para aumentarmos as receitas em divisas.
Sr. Presidente: há muitas formas de encarar o turismo, e a que ao meu coração mais seduz será a de, através dele, conseguir-se o estreitamento dos laços de amizade entre os homens. Contudo, e independentemente, temos de encarar as realidades da vida, e por isso entendo que a nossa actual situação exige que se encare o turismo como o meio através do qual se obterão vultosos cambiais mediante serviço prestado às pessoas com vista ao seu completo recreamento.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sinto que, se não f cr este o objectivo principal, perder-nos-emos em divagações mais ou menos poéticas que não servem a Nação. Aliás, exprimir uma finalidade primeira não é de forma alguma diminuir a importância de outras, pois tudo será uma questão de prioridades. Se na consecução do objectivo principal se conseguir, paralela ou subsidàriamente, dar a conhecer aos estrangeiros a nossa terra, os nossos costumes, a nossa história, a nossa mesa, etc., estaremos por corto dentro do caminho ideal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria, ao fim e ao cabo, juntar no útil o agradável.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Embora sendo este que acabo de mencionar o objectivo que suponho interessar ao País, aceito que esta Assembleia e até o próprio Governo se pronunciem por qualquer outro. Mas se assim for, que se o afirme claramente para que a Nação tenha dele conhecimento e haja consciência dos caminhos que se trilham. Acima de tudo tem de prevalecer o interesse nacional e todos têm de colaborar na obra.
Talvez desta forma se moderassem os sentimentos regionalistas na medida em que eles são factores de confusão ou mesmo de atraso na evolução normal do desenvolvimento turístico. Mal iremos se nos deixarmos arrastar por esses sentimentos, porque eles desviam-nos do objectivo fundamental que defendo e que se me afigura ser o mesmo de todos VV. Ex.ªs
Que cada freguesia, concelho, distrito ou zona exponha as suas possibilidades e interesses, mas no momento próprio e através das vias competentes, para que não haja desvio das prioridades que o planeamento geral recomenda. Ninguém também se deverá sentir diminuído ou ferido no seu bairrismo se, por virtude de execução do plano, a sua região não merecer os mesmos favores. Acima de tudo o que deve prevalecer, insisto, é o interesse nacional.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Sr. Presidente: definidos e escalonados os objectivos que se pretendem atingir através da exploração do turismo, interessa fazer-se o planeamento. Este tem de ser realizado mediante a inventariação prévia dos nossos recursos, trabalho que suponho já deva estar em fase de apreciável adiantamento, em virtude da sua importância fundamental.
O planeamento deverá definir as prioridades com vista à sua execução por fases, em virtude da vastidão da obra, e. para que o esforço despendido não seja em vão e os recursos financeiros mal aproveitados.
Entrando no campo da acção, creio que não haverá dúvidas de que esta acção só poderá ter início desde que se conte com uma estrutura organizada de acordo com o plano estabelecido e programa de trabalhos para a sua realização.
Sendo de considerar a importância dos assuntos referentes ao turismo, é-se conduzido à ideia de que a sua orientação deva estar sob a responsabilidade directa de um Ministro. A especialização e multiplicidade desses mesmos assuntos recomendam a inclusão dos serviços num mesmo Ministério.
Por este motivo me associo à opinião que alguns ilustres Deputados desta Câmara já emitiram em favor da criação de um Ministério próprio.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ainda quanto ao problema da estruturação, afigura-se-me desejável proceder à revisão e actualização da existente, com vista a obter-se o melhor rendimento na acção das comissões distritais, juntas de turismo e comissões locais de turismo. Dentro do existente, muito ,têm estas feito, e por isso são credoras do nosso apreço.
No que diz respeito ao sector privado também há uma palavra a dizer. Cabendo ao Governo a orientação do turismo, o seu trabalho só será positivo desde que conte com estreita e efectiva colaboração das pessoas e entidades privadas interessadas na exploração da indústria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os interesses destas já hoje se encontram representados, em nível superior, pela Corporação de Turismo e Transportes. Mas, pelo que me é dado conhecer e ouvir, parece que este importante organismo corporativo não estará a produzir trabalho à pressão que as exigências actuais recomendam.
Sr. Presidente: a exploração do turismo, como já o afirmei, obedece a uma técnica especializada. Nesta conformidade, afigura-se-me que a acção do Ministério deverá estender-se ao ultramar de modo que este possa usufruir
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dos benefícios de uma orientação superior e conhecedora. É o caso, entre outros, da propaganda, que, pela sua especialização e custo, necessita estar centralizada.
Atente-se, todavia, que as características das províncias ultramarinas e do conjunto metropolitano são diferentes u que, por consequência, o turismo tem possibilidades distintas e em grau variável em cada uma das parcelas. Esta realidade, aliada à distância que as separa, exige uma acentuada autonomia na acção a tomar em cada uma delas. Creio que, quanto a este aspecto do problema, não precisarei de acrescentar mais nada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o facto de a província que represento ser cerca 350 vezes maior do que a superfície do Algarve ou do Minho, o seu potencial turístico ser também notavelmente superior e a circunstância de a fonte alimentadora do seu turismo ser diversa da metrópole justificam dizer uma palavra acerca das suas possibilidades neste campo de actividade, embora sobre elas já se tenham debruçado o ilustre Deputado avisante e os meus colegas de Moçambique.
Ao contrário do que sucede no Portugal metropolitano, em que, por virtude de se situar num extremo da Europa, o seu turismo encontra dificuldades, Moçambique está em posição privilegiada por ser vizinha da República da África do Sul, Suazilândia, Rodésia do Sul, Rodésia do Norte, Niassalândia e Tanganhica. A valorizar esta circunstância acresce o facto de que para a maior partes destes territórios as nossas praias são as suas e o potencial económico da República Sul-Aíricana e da Rodésia do Sul poder ser fonte de preciosas receitas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A quem sejam atribuídas as altas funções de conduzir o turismo nacional não poderá escapar nenhum dos excepcionais atractivos existentes em Moçambique e o seu dinamismo e larga visão serão atributos, entre outros, com que as gentes desta província contarão.
Na metrópole já existem estruturas, embora sujeitas a actualização e aperfeiçoamento, como o disse anteriormente, mas na nossa província do Indico ainda estamos no começo, e este começo peca por excessiva modéstia. Os serviços de informação de turismo de Moçambique não estão estruturados com suficiência e nem sequer têm recursos financeiros para a sua própria subsistência.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Deste modo não podem produz Lr trabalho satisfatório, apesar de toda a dedicação, interesse e qualidade dos seus servidores.
Sr. Presidente: tive a preocupação de abordar o tema do aviso prévio fugindo à tentação de cair na apreciação de detalhes, se bem que muitos destes merecessem o mais elevado interesse. Desejei portanto limitar-me a focar os aspectos que considerei fundamentais. Esquivei-me a louvar o que de bom tenha sido feito, assim como me parece não ter feito crítica destrutiva.
Tenho esperanças, pois, que a minha intervenção possa ser útil e termino com a afirmação de que estou convicto de que a discussão deste aviso prévio permitirá o estabelecimento das bases orientadoras da política a seguir pelo Governo .no desenvolvimento do turismo nacional.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Birne:-Sr. Presidente: apresento em primeiro lugar os meus cumprimentos ao Sr. Dr. Nunes Barata pelo seu propício aviso prévio e, em especial, felicito-o pelo discurso de abertura do debate, exposição brilhante e totalmente esclarecedora sobre situação, hesitações e dinâmica do turismo em Portugal.
Na verdade não é fácil, sinceramente, encontrar sector, aspecto ou versão que tão completo estudo não investigue. Daqui até um motivo de embaraço em subirmos a esta tribuna; motivo que ainda mais se avoluma se acrescentarmos ao esgotante início a numerosa sequência de distintas intervenções.
De facto, a presteza ou ainda a intuição com que se encontram os mesmos ângulos de melhor evidência e a nossa pobreza de imaginação são triste garantia de que a intervenção repete o que já se disse nesta Assembleia.
Ternos assim que pedir a VV. Ex.ªs imensa desculpa d«i maçada em voltar-se a ouvir o que já se ouviu. Vale no entanto, por outro lado, como compensação geral, a certeza de que as afirmações ganham vitalidade quando se avoluma o número de opiniões concordantes.
Sr. Presidente: habituado ainda à modesta significância de números de 153 000 turistas estrangeiros e de uma receita bruta da ordem dos 315 000 contos em 1953, não admira que o País se impressione ao verificar que em 1961 tais números subiram respectivamente para 375 000 turistas e 890 000 contos de receita e, ainda que, indiscutivelmente, tenha de admitir que está em presença de caso industrial de alto valor ao ter conhecimento, pelas declarações do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência de 7 de Janeiro de 1964, de que o volume total das receitas turísticas em 1962 foi de 1 450 000 contos, com a entrada de 409 500 turistas, e, finalmente, que a entrada de turistas em 1963 deve ter sido aproximadamente de 520 000.
De especial significado é também a expressão do positivo contributo do turismo na nossa balança de pagamentos, que de 379 000 contos em 1961 bruscamente saltou, em 1962, para 727 000 contos.
A feliz descoberta do Algarve, descoberta que promete ser de espectacular cartaz na expressão de valores turísticos do País, e a impressionante vertigem ascensional do volume da indústria turística da vizinha Espanha excitam, por sua vez, a esperança e a promessa de garantia de que o turismo nacional se pode concretizar dentro de poucos anos em voos muito mais largos.
O ponto é que se adoptem a persistência de trabalho devotado e a coragem de investir, embora com sacrifício, e se suprima qualquer tendência fácil ao entorpecimento e a descrença.
Passa-se por cima - para evitar repetições demasiadas- de apreciações estatísticas comparativas de volume, valorização e montante monetário de resultados da indústria de turismo nos grandes países clássicos ou de localizações mais favorecidas e do turismo nacional, apreciações estatísticas comparativas, aliás, inepta e desnecessariamente condutoras de desalento, pelo que de nós revelam de expressão modesta, porque ao conceito do caso do turismo português o que mais interessa e importa é o alto valor que para nós significa a modéstia comparada da sua expressão absoluta.
E dessa forma nos limitamos à repetição de que entre nós a taxa média de crescimento de movimento turístico foi no decénio 1953-1962 de 12 por cento e que a evolução positiva se anunciou como de franco progresso em 1963, com o salto de 409 500 turistas em 1962 para 520 000 em 1963, que, a confirmarem-se os números, afirma a esperançosa taxa de aumento de 27 por cento.
Este aspecto evolutivo, ultrapassado nos últimos dez anos pela Espanha com 20 por cento, pela Jugoslávia
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com 19 por cento, pela Grécia com 16 por cento e pela Áustria com 14 por cento, não deixa, no entanto, de revelar-se promissor e satisfatório em face do quadro europeu.
O exemplo da Grécia, embora facilitado por cartaz monumental e artístico clássico impossível de oferecermos, deve constituir estímulo à nossa- iniciativa turística, que também dispõe, para nelas se basear, de atracções de valor, embora diferentes. Aquele país, a maior distância que Portugal da origem provisora, arrancou da minguada base de 83 500 turistas em 1950 - número muito inferior ao nosso - para se creditar com 440 000 em 1961 e para altivamente anunciar esperança de receber 800 000 em 1963.
A observação do grande manancial italiano de 15 milhões de turistas anuais e a iniciativa conjunta, oficial dos dirigentes do turismo e privada dos armadores gregos, conduziram a Grécia ao estabelecimento de carreiras turísticas entre Brindisi e Corfu por dois esplêndidos barcos, de 7000 t cada, para 700 passageiros e 115 automóveis, com restaurante, snack-bars, lojas, etc., onde o turista, o mais agradavelmente, passa sete horas de viagem, no melhor ambiente de recreio e conforto.
Por esta simples descoberta e realização soube o turismo helénico aproveitar por diversão em seu benefício de apreciável volume do enorme potencial do turismo clássico italiano, diversão que em grande parte é razão do seu espectacular incremento.
Ao pé da porta, a nossa vizinha Espanha recebe já em 1963 em volta de 11 milhões de turistas e prepara-se para a recepção do 13 a 14 milhões em 1967.
O exemplo da Grécia impõe, com toda a propriedade, à consideração a melhor possibilidade oferecida pela grande corrente turística espanhola, atraindo à visita ao nosso país uma percentagem elevada dos turistas que percorrem a Espanha.
A apreciação fácil por índice a que pode chamar-se de «densidade turística» revela que, enquanto 11 milhões de turistas em Espanha significam nesse país a densidade de 22 turistas por quilómetro quadrado, em Portugal os 520 000 turistas de 1963 significam apenas uma densidade de 5,9 turistas por quilómetro quadrado.
Por outras palavras: se considerar a relatividade das áreas dos dois países, Portugal ficará em pé de igualdade proporcional com a Espanha turística de hoje - mesma densidade - quando em vez dos 320 000 actuais souber atingir 2 milhões de turistas.
A conservar-se estacionário o ritmo de crescimento que se tem vindo a processar no País, mais ou menos de 13 por cento, seria em 1974 que se atingiria este nível turístico.
Entretanto, considerações de planeamento e estudos de completa ponderação estatística dos organismos oficiais do turismo nacional anunciam a previsão de 1 500 000 turistas em 1970.
Com a tendência optimista do incremento de 27 por cento de turistas de 1963, podem assim afirmar as simples deduções estabelecidas inteiro apoio à consistência do anúncio de 1 500 000 turistas em 1970, número que implicará um aumento rítmico anual até então aproximadamente de .16,5 por cento, ritmo que, desta forma, parece na verdade revelar-se como possibilidade de garantida concretização, se claramente houver diligência em não deixar desviar a moda e se souber pisar com igual esforço acelerador o variado teclado da valorização e da atracção turística.
E tem de aceitar-se mal a avareza de esforços e de dinâmica ao apreciar-se que aquele volume de 1 500 000 turistas significará para a balança económica da Nação a entrada anual de 4 a 5 milhões de contos em divisas estrangeiras - seriam mesmo 5 300 000 contos se mantivesse a excelente viragem de 1962 para a receita média por turista de 3540$.
E tem de aceitar-se mal até pela promessa que aquela realidade, uma vez atingida, oferece à concretização de voos expansivos ainda mais ambiciosos, que todos arquitectam para o turismo nacional.
Revela também a estatística que II alimentação da corrente turística é essencialmente dimanada da Espanha um primeiro lugar, como não podia deixar de ser, pela proximidade geográfica, e, por sucessão de importância, dos Estados Unidos da América, da França, do Reino Unido, da Alemanha, do Brasil, e, já no plano inferior, sempre pela mesma ordem de sucessão, dos países nórdicos - Suécia e Noruega -, da Itália, da Holanda e da Bélgica.
A análise de toda a pirâmide alimentadora, com o complemento apreciativo dos seus respectivos índices de influência, não pode deixar de ser ponderada, no campo de possibilidades e tendências que oferece, ao estabelecer-se dinâmica activa para a dilatação futura.
Os países da Europa de maior potencial de afluência ^turística e que se afiguram de grande interesse ao País situam-se nas suas zonas central e nórdica.
A França envia anualmente para férias no estrangeiro mais do 2 milhões de franceses, e nós só recebemos 70 000; a Inglaterra manda 3 500 000, e apenas vêm até Portugal cerca de 47 000; no entanto, a acentuada preferência do turista inglês pela Península Ibérica é já altamente aproveitada pela Espanha, que recebe aproximadamente 1100000 ingleses por ano, ou seja cerca de 31 por cento do potencial turístico total da Inglaterra; por sua vez o turista alemão entrega ao turismo estrangeiro mais de 10 milhões de contos, dos quais entram as fronteiras portuguesas apenas 90 000.
E ainda do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos da América, enviam anualmente para a Europa 1 100 000 americanos, e nós só recebemos cerca de 90 000. Aqui, o elevado ritmo de aumento de afluência americana ao País afirma que as nossas características turísticas lhe merecem um especial agrado, que interessa intensamente cultivar.
Portugal, país dos de mais ao sul da Europa, reúne em altíssimo plano as características intensas de sol, de céu azul, de praias douradas e de férias tranquilas, que exercem especial atracção à rotina da vida fria e trepidante dos turistas nórdicos.
Sem dúvida que a distância quanto maior é mais se acentua como inimigo a vencer.
Mas a hostilidade da distância pode eliminar-se ou reduzir-se por propaganda altamente esclarecedora e cativante e por marcada popularidade de transportes.
E há um aspecto da maior importância em que se insiste; o País pode oferecer idênticas condições de conforto turístico a um preço mais moderado que o de outros países. Oferece-o actualmente c deve ter sempre em vista manter para o futuro a possibilidade da oferta. E atracção compensadora, do mais alto efeito na origem, para a contrariedade económica de uma viagem mais longa.
Passa-se a uma breve análise do equipamento hoteleiro.
Refere o anúncio estatístico de 1962 a existência na metrópole de 1310 unidades hoteleiras, com a capacidade de alojamento de 56 090 pessoas, entre hotéis, pousadas, estalagens e pensões.
Do número consideram-se desde já eliminadas de qualquer alcance turístico as 630 pensões de 3.a classe, com a sua capacidade de alojar 15 300 pessoas.
Só com grande relutância se pode admitir qualquer conveniência para o turismo à maior parte das 256 pen-
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soes de 2.a classe, para 9400 pessoas, e ainda se regista dificuldade de admissão a apreciável número dos hotéis de 3.a classe, que podem alojar 6500 pessoas.
De resto, do total de 1 357 500 dormidas de estrangeiros registadas no País em 1962 concentraram-se 1 153 000 dormidas nos 328 estabelecimentos de melhor categoria. Hotéis de luxo, 1.a classe e 2.a classe, pousadas, estalagens e pensões de 1.ª classe - com uma capacidade de alojamento de 24 800 pessoas -, enquanto que aos estabelecimentos de menor categoria acima designados, no total de 965 unidades e da maior capacidade de alojamento de 31 300 pessoas, apenas couberam 204 500 dormidas.
A procura do turista estrangeiro aos estabelecimentos hoteleiros é essencialmente diminuta nas pensões de 2.a classe e 3.a classe e tem de admitir-se que, quando adoptada, a procura foi, na sua quase totalidade, relutantemente imposta por recurso de apuro entre dormir na rua ou simplesmente debaixo de telha, e com certeza, com poucas excepções, todos os que o fizeram constituíram casos de irradiação geometricamente progressiva de má propaganda turística.
Admite-se, no entanto, a conversão ao crédito turístico de muitos dos hotéis de 3.a classe e de uma certa percentagem das pensões de 2.a classe, mas a Direcção dos Serviços de Turismo bem terá de impor esforços, intenso saneamento e acção estimulante eliminadora do muito que está errado.
Por agora considera-se que destes só a excepção de muito reduzido número complementa a rede em que se apoia o sistema hoteleiro em condições de, com propriedade, servir, nas suas compartimentadas categorias, o turismo do País: 345 unidades, dispondo de 13 100 quartos, assim distribuídas:
114 hotéis de luxo, de 1.a classe e de 2.a classe, dispondo aproximadamente de 8090 quartos;
52 pousadas e estalagens, dispondo aproximadamente de 760 quartos;
179 pensões de luxo e de 1.ª classe, dispondo aproximadamente de 4250 quartos.
O ritmo de aumento da capacidade hoteleira do País tem sido inferior ao ritmo de aumento da influência e do número de dormidas; no entanto, e limitado o aspecto a uma apreciação geral média, salvo excepções de períodos de ponta, não parece poder afirmar-se que a desproporção na progressão tenha constituído até agora importante causa travão ao alargamento da actividade.
E esta a conclusão a tirar das taxas de ocupação da capacidade hoteleira, conjuntas da afluência estrangeira e do movimento interno, movimento interno que, evidentemente, ultrapassa aquele.
Mas um exame de diferenciação aponta já lacunas incontestáveis e capacidade insuficiente em certos centros de atracção do litoral, de que o Algarve e, supomos, a Madeira são os exemplos cruciais mais flagrantes.
Além disso, está posta ao País a iniciativa de gradual preparação para poder receber, dentro de seis anos, um movimento turístico triplo do actual.
Retira-se do relatório da Comissão de Turismo da O. C. D. E. a referência de que, durante o ano de 1962, se construíram no País 37 novos estabelecimentos hoteleiros, com 822 quartos, e de que estava em curso, em 1963, a construção, de mais 18 unidades, com um total de 3260 quartos.
Estes números expressam que nos últimos dois anos o equipamento hoteleiro cresceu, em média, 1020 quartos por ano, ou seja uma taxa de crescimento médio de 3,61 por cento em relação ao equipamento total, e aproximadamente de 7,5 por cento, se o relacionarmos apenas ao já mencionado, mas que passámos em claro, equipamento em condições de servir o turismo com propriedade.
A diferença entre este ritmo de crescimento hoteleiro e o ritmo aguardado até 1970, de 16,5 por cento do crescimento da afluência turística, aponta imediatamente à consideração a necessidade de aumentar o primeiro.
Se admitir que o custo por quarto na edificação hoteleira, mesmo de 1.ª categoria, não excede 175 contos- e não devia exceder, mas sim ser, se possível, menor-, o investimento anual para os 1020 quartos que, em média, se construíram em 1962 e 1963 teria sido de 170 a 200 000 contos.
A manutenção daquele ritmo no período 1964-1970- 7 anos- equivale ai ter em 3970 mais 8700 quartos, « o capital investido com equipamento hoteleiro durante os mesmos anos seria aproximadamente de 1 500 000 contos, portanto a média anual de 214 000 contos.
Mas já se referiu que este ritmo de crescimento do equipamento hoteleiro se revela muito inferior ao ritmo de crescimento da afluência turística e dessa forma, se quiser estar preparado para a expressão numérica de 1 500 000 turistas em 1970, o apelo conjunto ao capital, da iniciativa privada e oficial do Fundo de Turismo terá de ser muito mais forte do que actualmente se evidencia.
O equipamento hoteleiro afirma-se, sem dúvida, como o investimento mais volumoso do equipamento turístico, mas não pode esquecer-se, para estímulo de forças e de ânimo, que a reprodutividade do capital nele investido no decénio de ]953 a 1962 se creditou pela taxa de 670 contos de receita anual bruta por cada 1000 contos de capital investido, o que é garantia de promessa de alta expressão de rentabilidade.
E a propósito se refere que até a própria medida desta afirmação prometedora revela a insuficiência do ritmo actual do crescimento hoteleiro para atingir a expressão de receita provável de afluência de 1 500 000 turistas em 1970.
O Sr. Subsecretário de Estado da Presidência, nas suas anteriormente referidas declarações de 7 de Janeiro do ano corrente, referiu-se à perspectiva imediata da posição hoteleira dos dois centros de turismo de permanência do País de dominante indiscutível eleição e direito de primazia: Algarve e Madeira.
O Algarve dispõe actualmente de 32 unidades hoteleiras, com 890 quartos, e afirmam-se em vias de construção mais 4 hotéis e 2 estalagens, e com projectos aprovados pelos serviços de turismo mais 20 unidades. Acrescentarão as 26 unidades em vias de construção e com projecto aprovado 2025 quartos ao equipamento hoteleiro actual. Depois de executado o programa -mas, evidentemente, só depois-, o Algarve disporá de uma capacidade hoteleira mais do que tripla da de hoje. O que é necessário é que se torne realidade o que apenas se definiu por enquanto como enunciado de uma esperança executiva e há empresas financeiramente preparadas que têm esperado a possibilidade e devida autorização oficial para poder iniciar a concretização das suas iniciativas.
Mas a difusão turística pelo País reflecte-se também de manchas negativas que se impõe reparar. Como muito, bem mencionou o ilustre Deputado anunciante do aviso prévio, clamam, por actualização urgente do seu equipamento hoteleiro as cidades de Braga, Évora e Leiria, de já intenso movimento turístico, e pondera-se igualmente a necessidade de apertar a malha da rede da distribuição hoteleira ao longo dos circuitos turísticos do País. pela construção de novas pousadas - modalidade sempre excelente ao serviço do turismo - ou de estalagens, cir-
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cultos que os há ainda longos, sem que o turista de passagem encontre recurso conveniente para paragem repousante apetecida.
Faz-se uma breve referência sobre classe de equipamento hoteleiro.
Hoje não viaja só a clientela endinheirada de mais de 50 ou 60 anos dos hotéis caros e de luxo.
Conta o turismo cada vez mais com o volume das bolsas jovens e modestas, que procuram comodidade mais económica, quando se não limitam ao desporto barato dos parques de campismo.
A título demonstrativo cita-se que ria Itália, em 1962, os hotéis e pensões de 3.a classe registaram, em relação ao ano anterior, um aumento de 25 por cento no número de dormidas, enquanto este número se manteve estacionário nos hotéis de 1.a classe e acusou regressão nos hotéis de luxo.
O planeamento e execução do nosso equipamento hoteleiro não pode alhear-se do aspecto determinante da moderada economia da grande corrente turística, e anteriormente se vincou já a grande vantagem que, para a expansão turística do País, é racional concluir da oferta do turismo a preço de concorrência.
De resto, já no I Colóquio Nacional de Turismo, realizado em Lisboa em Janeiro de 1961, aquela orientação foi recomendada e a mesma orientação está partilhada pela Direcção dos Serviços de Turismo na sua nota explicativa de 24 de Abril de 1962, ao chamar vivamente a atenção dos interessados para o facto de que dependerá fundamentalmente da economia das soluções apresentadas, e portanto das tarifas propostas, o apoio financeiro a conceder, directa ou indirectamente, pelo Fundo de Turismo.
O reforço da insistência não é, no entanto, descabido para que inteiramente se eliminem evidentes tendências contrárias, ainda bem recentemente manifestadas.
Mas a valorização turística do País não se resume certamente ao equipamento hoteleiro.
O centro turístico do Algarve espera a conclusão do seu Plano urbanístico director para início da construção de um conjunto de apoio de atracções turísticas -amenidade imprescindível para forte afluência-: casinos, equipamentos balneares e de desportos náuticos, golf, etc., e a já tardia conclusão do plano não deveria ser causa obstrutora de materializar uma realização parcial, a inaugurar, pelo menos, no Verão de 1965, para não perder demasiadamente a oportunidade da conclusão do aeroporto de Faro, anunciada para Setembro ou Outubro próximo- um dos passos decisivos da expansão do turismo do Algarve.
Está igualmente anunciado o indispensável plano do centro turístico da Madeira.
À parte a elevada importância para a expansão turística destes e de outros centros de permanência do litoral, a valorização turística tem também de orientar-se para tornar igualmente atraente e expansivo o turismo de passagem, de marcha ou de visita, e o planeamento turístico do País, cuja execução o Conselho Nacional de Turismo já aprovou há mais de um ano, não deve, de forma nenhuma, deixar de consagrar a este aspecto profunda consideração.
Sabe-se que o País não pode oferecer para este turismo - e tal não é indispensável à expansão - imponência qualitativa maciça.
Mas dispõe de uma já tão falada - e que não deve cansar-se de apregoar - sequência de valores, naturais, variados, dispersos, típicos e diferentes, que definem conjunto de alto apreço ao turista estrangeiro, conjunto no qual se tem de apoiar fortemente a expansão do turismo nacional: são os monumentos, que não são apenas Batalha, Alcobaça e Jerónimos, etc., mas muitas das nossas igrejas e ermidas simples, mas vetustas, centralizadas algumas em paisagens de elevada beleza, e também tantos dos velhos solares que há que apontar a uma visita.
São os castelos altaneiros, afirmadores da história da lusitanidade no Mundo.
São as preciosas relíquias de expressão urbanística medieval profusamente dispersas em cidades, vilas e aldeias, a reclamar encarecidamente projecção turística de grande plano;
E a venerável contemplação da arqueologia monumental das citânias e das ruínas romanas;
É a tão apreciada atracção dos nossos moinhos de vento, a impor maior valorização turística;
É o nosso folclore: a garridice inconfundível das romarias que é preciso dar muito mais a conhecer; a originalidade, a alegria e a variedade das danças regionais, de valor turístico a proporcionar com toda a popularidade através de exibições nos centros de permanência e de passagem turística de maior afluência;
É o típico da cozinha portuguesa; são os nossos vinhos, as frutas e a produção regional alimentar, tudo a permitir ementas diferentes de região para região de incontestado apreço e de conta modesta.
E apoia-se o realce de todos estes e outros valores na variedade e na policromia de paisagens bonitas, nos favores do nosso clima, no azul do céu, no brilho do sol, na simplicidade do nosso viver o na pureza e serenidade do ambiente que se vive.
A valorização turística de todo este forte conjunto tem de firmar-se, em primeira instância, num planeamento completo de inventariação e ordenação de todos os valores e, a seguir, pelo estabelecimento e definição de circuitos ou rotas de interesse turístico, com fundamental apoio de motivos paisagísticos e com evidência suplementar das restantes atracções.
Só assim se desperta interesse turístico; de outra forma, são apenas valores a esmo sem expressão comercial, exclusivamente à mercê de encontro casual e raro.
E a sua valorização terá de, cadenciadamente, completar-se.
Pela beneficiação ou nova construção de ramais de acesso a monumentos ou locais panorâmicos e pela inerente beneficiação dos próprios monumentos e locais; pela ponderação da construção, onde necessárias, de pousadas ou outros estabelecimentos em locais tranquilos de importância panorâmica, e de enorme valor turístico se reputa o aproveitamento, para este fim, dos nossos castelos, aproveitamento que de forma nenhuma pode significar destruição ou alteração da sua majestosidade ou da sua singeleza, mas integração no conjunto da obra que se realize.
Pela valorização do artesanato expondo à venda - sempre a preço baixo - em simples instalações desmontáveis ou fixas, mas atraentes, em locais de afluência turística de passagem, de visita ou nos centros urbanos.
Pela instalação de museus regionais, repositórios de artigos, objectos, utensílios, etc., reveladores dos nossos costumes e características da vida regional actual e de antanho, museus que igualmente seriam locais próprios para exposição e venda de produtos de artesanato.
E refere-se ainda que o processamento de valorização não pode deixar de completar-se pela eliminação de aspectos que designámos de «ofensa» turística:
Em primeiro lugar, o «pé descalço». O estrangeiro não perdoa essa inferioridade e serve-se dela - embora erradamente - para medida de miséria nacional.
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O «pé descalço» do País é, no entanto, muitíssimo mais rotina de mau hábito que reflexo de necessidade. Prova-o até o facto de que no País se não vê, e não há, «pé descalço» em certas regiões de muito menor nível económico do que o de outras em que ele se espalha profusamente.
De resto, não parece que seja mais barato o vestir do que o calçar.
Já há cerca de doze anos VI compilado num meritório livro, além de pormenorizada enumeração de tristes casos de morte pelo tétano, todo um conjunto de medidas, de exposições e de reclamações, revelador de profunda preocupação de longa data para que este humilhante aspecto da vida portuguesa desapareça por completo.
Várias campanhas se têm feito, dimanadas de organismos oficiais de saúde, dos governos civis e, na sua sequência, das câmaras municipais, dos comissariados policiais, etc., mas, ou por falta de persistência, ou por força de rotina perante moderação rui imposição, ou ainda por carência do regulamentação de cume, o facto é que ao fim de tanto ano de acção o «pé descalço» persiste ainda, embora - diga-se - com muito menor expressão e hoje quase limitado aos meios rurais.
Não me furto a apelar para que se renove a iniciativa de campanha, de inteiro âmbito nacional, compreensiva mas definitiva, condutora de eliminação rápida e total do «pé descalço» no País, campanha que não precisa, nem deve esquecer, o amparo de casos raros e isolados de carência, através dos centros de assistência local.
Outro aspecto a eliminar: o pedir esmola em público - este aspecto está ainda, com não rara frequência, generalizado a centros urbanos, grandes ou pequenos, a meios rurais e aos locais privilegiados de concentração e afluência turística.
É obrigação nossa suprir através de toda a organização assistencial, oficial e privada, com total amplitude os casos de carência; mas é altamente humilhante para nós - e a acção policial tem de o eliminar eficaz e totalmente - o recurso do nosso «pobre» - fingido ou real - à caridade do turista estrangeiro.
Torna-se também necessário banir a possibilidade do péssimo industrial, hoteleiro ou proprietário de restaurante, que faz com o cliente estrangeiro especulação de preços, numa atitude, além de desonesta, imbecil, porque não descortina ao longe, que em vez de multiplicar por pouco, divide por muito, a possibilidade, do desenvolvimento do turismo nacional e da sua própria indústria.
Têm ainda de eliminar-se aspectos hostis, como aquele há dias referido na imprensa, de agentes fiscais entrarem de chapéu na cabeça, ostensivamente, e com consequências vexatórias, na sala restaurante e bar de estabelecimento público de categoria e clientela turística. A fiscalização é imprescindível para defesa do próprio cliente ou turista, mas exerce-se recatadamente. Não procedendo dessa forma, pode concorrer-se para vigoroso aspecto de propaganda antiturística, até pelo que se avoluma e distorce.
A expressão do grande valor que assume o turismo de passagem é em grande parte definida pelo número dos que entram a fronteira por via rodoviária, uma vez que esses que se deslocam em veículos automóveis, ou vêm dispostos a percorrer o País, ou percorrem-no com certeza antes e depois de fixar-se.
Em 1962 entraram as fronteiras do continente 64 800 automóveis estrangeiros, tendo o número mais que duplicado no lustro 1958-1962.
Processou-se dessa forma o aumento durante aqueles cinco anos a um ritmo de 20 por cento, o que revela, se este se relacionar com o ritmo de afluência total, uma tendência a entrar-se cada vez mais no País viajando de automóvel.
Por outro lado, se aceitar como firme aquele ritmo de 20 por cento até 1970, entrariam nesse ano no País 277 300 veículos estrangeiros, ou sejam mais do que o quádruplo do número de 1962.
Se admitir a média de 3 passageiros por veículo, dos 195 000 turistas automobilistas de 1962 passar-se-ia aos 830 000 em 1970, e o volume do turismo de passagem complementa-se ainda pela irradiação dos centros de chegada do turista que vem pelas vias clássicas do transporte colectivo: avião, comboio e barco.
É fundamental, para que se atinja o nível de expansão turística que legitimamente se procura, que a «Voz de Portugal Turístico» se faça ouvir com autoridade competitiva em todos os países em que se revelam tendências de potencial alimentador do turismo nacional, por persistente propaganda aliciadora através dos organismos representativos da nossa actividade turística no estrangeiro: Casas de Portugal, centros de turismo e informação - criando, quando os não haja, em países que afirmam possibilidade alimentadora, e nada parece impedir que, para idêntica finalidade, se interessem e se habilitem as nossas representações diplomáticas e consulares.
São meios de acção a prover aos centros: cartazes, impressos desdobráveis, roteiros, em boa linguagem nativa do país a que se destinam, e não em traduções que espalhem ridículo em vez de fazer propaganda - mas tudo fornecido com liberal profusão, e não em remessas de 100 e 1000, referidas como enviadas ao director do nosso Centro de Turismo de Bona, tal qual se tratasse de exercício de propaganda para uma festa de família.
Terá de manter-se insistente publicidade em jornais e revistas e de impulsionar demonstrações ocasionais de elevada e característica expressão nacional de atracção turística e ampla projecção colectiva.
Tudo a irradiar lá fora, bem forte, a inconfundível modalidade e distinção do turismo nacional.
Cá dentro: recepção de simpatia e regozijo por coloridos cartazes, de boas-vindas, em várias línguas, à entrada da fronteira; sinalização perfeita e atraente ao longo das estradas, evidência dos roteiros turísticos, de acesso a monumentos, castelos, locais panorâmicos - tudo quanto seleccionado como valor turístico; e nos centros urbanos - cidades e vilas - orientação convidativa às zonas centrais e ao órgão local do turismo.
A acção dos órgãos locais de turismo (comissões regionais, juntas de turismo e comissões municipais) -que em muitas zonas se limita a pouco mais que existência - deve ser: prontidão em auxiliar o turista; fornecer esclarecimentos sobre equipamento hoteleiro local, preçários, dominância comercial local; exercer propaganda, distribuir impressos elucidativos e convidar à visita de atracções turísticas regionais.
E passamos a breves aspectos de caminhos ou vias de acesso turístico ao País.
Verifica-se que a afluência turística está a acorrer aproximadamente da seguinte maneira:
Percentagens
Por estrada ........................ 43
Por avião .......................... 34,5
Por caminho de ferro e barco ....... 22,5
_______________
Total ............... 100
Desta fornia, dos 520 000 turistas vindos ao País em 1963, 223 600 teriam acorrido pela estrada, 179 400, por avião, e os restantes 117 000, por caminho de ferro e por barco.
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Toma-se assim evidente que é a estrada a viu mais popular ao acesso turístico do País.
Para isso concorrem certamente os cerca de no 000 turistas que a Espanha anualmente nos envia, grande parte dos quais se deslocam de automóvel, mas já há pouco se referiu que a apreciação rítmica de incremento turístico por via rodoviária revela uma popularidade crescente, que é de todo o interesse acarinhar e promover.
Não se pretende entrar em considerações sobre benefício e extensão do sistema de estradas de interesse turístico e de ordem de primazia, fácil de estabelecer, considerações, aliás, evidenciadas noutras intervenções, apenas nos cumprindo, como representante do círculo de Viseu, apontar a premente necessidade de efectuar a reparação dos escassos 10 km em falta - da ponte sobre o Dão à vila de Nelas;- na estrada n.º 204, que define o esplêndido roteiro mais curto Viseu-Torre, ponto mais alto da serra da Estrela, e acelerar a realização da reparação total da estrada n.º 2, ligação das duas únicas cidades do distrito: Viseu-Lamego, e é roteiro turístico de alto valor para as belíssimas paisagens duriense e transmontana do distrito de Vila Real.
Pertence - e nela plenamente se confia - à acção do Ministério das Obras Públicas, e ao montante de possibilidades que lho são consentidas, estabelecer regimo e cadência de processamento beneficiário de forma que cada vez mais se garanta, à crescente afluência turística, beleza o conforto em viajar pelas nossas estradas.
Há, porém, um aspecto bem simples e muito mencionado, a que se faz menção.
Não se pode obviamente saber quantos, ao definir orçamento prévio e plano de próxima viagem de férias pela Península Ibérica, ou ainda quantos já em Espanha e até perto da fronteira portuguesa, recuarão do um desejo de visita ao País, decidindo que a Portugal não vêm porque a gasolina- é mais cara.
O que se tem de reconhecer é que entre os modestos ou moderadamente económicos - e são já em grande número e crescem cada vez mais, como já se disse, os turistas deste padrão -, entre esses, repete-se, decisões destas tomam-se mais até propriamente por sugestão de causa do que por volume de efeitos.
Daqui a ponderação da vantagem do estabelecimento de uma tarifa especial - pelo menos em regime transitório de propaganda - para a gasolina turística..
Como anteriormente se disse, entram actualmente a fronteira cerca de 75 000 automóveis ligeiros estrangeiros; aceitando que estes 75 000 carros fazem no País uma média de 1500 km/carro -provavelmente a média não pecará por excesso- e que o consumo médio entre todos é de 10 l aos 100 km, a redução de 1$ no preço por litro de gasolina representaria um sacrifício da Nação de 1125 contos anuais.
O sacrifício não se afigura de significância ponderável no conjunto nacional, e basta que conduza à decisão favorável de uma pequena percentagem de indecisos, para que possa ser largamente compensada.
Pelo que se refere ao acesso por via férrea, é a ligação Lisboa-Paris, por Vilar Formoso, Irun e Hendaia, aquela, em que se tem que concentrar toda a atenção, pela centralização que já exerce da quase totalidade do nosso movimento internacional ferroviário, e pelo maior interesso turístico que pode vir a significar. É pena, mas a flagrante diferença de conforto, serviço e velocidade entre a viagem feita no percurso francos - Paris-Hendaia - e a viagem Hendaia-Lisboa convida o turista estrangeiro antes a- não arredar pé de Hendaia do que a seguir até cá. O País tem de preocupar-se seriamente com a perfeição desta ligação, que interessa muito mais ao caso do turismo português do que ao caso espanhol, quer pela distância, quer pela menor pluralidade das vias de acesso a Portugal.
Quanto propriamente a melhoria de percurso, pouco se poderá intervir no longo trajecto de Espanha. Pode-se, no entanto, no percurso nacional, e para esse efeito impõe-se uma preocupação imediata, pela elevada valorização que afirma, a electrificação da linha da Beira Alta desde Pampilhosa a Vilar Formoso.
Por outro lado, não parecerá difícil garantir à formação e composição portuguesa do Sud-Express, considerada composição de luxo, conjunto que defina conforto, amenidade e prazer de viajar a todos quantos a utilizam.
Dispõe para a longa noite carruagens-camas, mas deveria poder oferecer aos que não podem ou não querem pagar 450$ ou 590$ por cabina dupla ou cabina simples
- a alternativa de se poder dormir mais economicamente, pela instalação do sistema de couchettes - 2.a classe -, sistema há tanto tempo em uso nas grandes ligações internacionais.
Por sua vez - em aspecto e em actuação -, o vagão-restaurante requer integral aperfeiçoamento e correcção: em vez de ementa de espécie invariável ou permanente, serviço de nível à lista - e não é indispensável grande variedade para que se atinja nível; e serviço irrepreensível, prestado em condições de perfeito conforto e amenidade, e não em regime toque de caixa, de competição com a velocidade do comboio; as refeições devem poder servir-se no lugar ou no restaurante-bar, conforme a preferência do passageiro.
E, além disso, que tudo seja inconfundivelmente português de classe: comida, vinhos, bebidas espirituosas, águas, etc.
Ainda um aspecto que se afigura importante é que o vagão-restaurante da nossa composição seja mantido em toda a viagem, eliminando a necessidade do recurso ao serviço do restaurante da composição espanhola.
Considere-se e torne-se como tal a nossa composição internacional como primeira sala de recepção turística para quem demanda Portugal pelo comboio, assegurando que ela seja redutora da longa e morosa distância pelo conforto, conveniências e atracção que oferece, e de forma que possam lá fora os serviços da propaganda garantir ao turista, com toda a propriedade, o comboio como um dos melhores meios de viajar da Europa central ao País.
E passamos a rápidos apontamentos sobre o acesso por via aérea.
Referiu-se anteriormente a elevada importância que o tráfego aéreo assume na provisão do turismo nacional, e a nossa situação, da extremidade sul ocidental da Europa, aponta o transporte por avião como a melhor possibilidade de atracção ao País de elevado potencial turístico das distantes regiões da Europa central e nórdica e é exclusivamente o sistema de viagem que, pela rapidez, pode permitir a vinda dos muitos turistas da actualidade, que apenas dispõem de curtos períodos de férias de duas a três semanas.
Assim, o acesso por avião arroga-se de alto crédito para o turismo nacional, e consequentemente requer, dos. seus responsáveis, elevada consideração da complexa acção a desenvolver, para que se possibilite e proclame profusa oferta e preços atraentes de viagens aéreas, quer por aviões de carreira regular, quer por aviões especialmente fretados - voos chartered.
Entre Londres e Lisboa está estabelecido, mas só durante o Verão, o serviço turístico de voos nocturnos, ao preço de 40 libras - durante a semana - e 45 libras
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- fim de semana -, em suplemento do serviço normal diurno ao preço de 65 libras - classe turística.
O primeiro reparo a fazer é que seja considerada u possibilidade de extensão a outros países, do regime especial de preços turísticos: Paris, Bona, Bruxelas, Estocolmo e Oslo. Outro reparo: mesmo o preço especial Londres-Lisboa de 40 libras é considerado excessivo e cria obstáculos à vinda turística, quando comparado com o preço de idêntico regime de outras rotas: de Londres a Gibraltar, distância apreciavelmente maior que a de Londres-Lisboa, pode o turista vir, sublinha-se, durante todo o ano, por 34 libras.
Por sua vez o turismo e férias em países distantes, pelos voos chartered -voos deregime irregular, em aviões especialmente fretados para viagens com tudo pago -, tende a expandir-se largamente e é o sistema que atinge com maior amplitude o nível de mediana economia da grande massa, porque é o único que, pelo preço reduzido que pode oferecer, o torna compatível com a realização da miragem de férias passadas na irresistível atracção dos meios totalmente diferentes a grandes distâncias.
A Espanha, no continente, nas ilhas Baleares e nas Canárias, deve não pequena parte do surto espectacular da sua expansão turística ao afluxo que assim lhe pode chegar -e só por esse sistema lhe chegaria- pelos voos chartered.
Parece indiscutível que o nosso país neste arranque de voo para voo mais largo do seu turismo deva adoptar a melhor política de liberalização das suas aerogares para a recepção destes aviões turísticos chartered, procurando-se sempre o caminho de tornar possível a garantia de licenças de aterragem.
Viu-se afirmação de companhia inglesa de viagens sobre especial dificuldade na obtenção de licenças de aterragem em aerogares do País e por sua vez o Travel Trade Gazette de Outubro de 1963 refere a recusa do Air Transport Licensing Board de Inglaterra, de oito pedidos de aterragem em aeroportos portugueses já para 1964.
O assunto merece toda a ponderação porque é determinante oposta à linha de rumo da expansão turística, e confia-se numa determinação aberta de esclarecimento total e de resolução eliminatória de obstáculos ou tendências que permitam queixas e recusas, onde só deve chegar, da nossa parte, campanha de incitamento e de apelo a facilidades.
A aterragem no continente português das carreiras internacionais é assegurada pelo sistema reduzido de dois aeroportos - o de Lisboa e o das Pedras Rubras (no Porto -, sistema ao qual se vai juntar dentro de poucos meses o super justificado aeroporto do Algarve.
Situam-se as três aerogares ao longo da faixa litoral e servem essencialmente a distribuição imediata do turismo de permanência pelos centros de férias da beira-mar.
Afirmou já, e muito bem, o ilustre Deputado anunciante do aviso prévio que a expansão da actividade turística requer amplitude da rede pela construção de aerogares junto de mais alguns centros urbanos.
Por um lado, aprecia-se a enorme vantagem de despolarizar o afluxo turístico para as zonas do interior que melhores possibilidades ofereçam à difusão e expansão da passagem turística.
Por outro, nota-se há muito a lacuna do nosso reduzido sistema litoral de aerogares, da existência de um aeroporto em local interior, de características climáticas opostas, que assegure possibilidades de diversão de rota no País quando da vedação de aterragem no sistema litoral imposta por tempestade local ou densos nevoeiros pairando sobre a baixa quota da sua posição marginal marinha, diversão cuja necessidade tantas vezes se tem sentido e que só foi e é possível resolver-se, com elevado cortejo de desvantagens para os que se destinam ao País, pelo recurso de apoio ao muito distante aeroporto de Madrid. Desta forma, não hesitamos em apontar a necessidade de utilização do Aeroporto de Gonçalves Lobato, de Viseu, como complemento imediato da rede de aerogares que o preenchimento da lacuna do sistema impõe e a valorização da expansão turística pelo interior requer, e expomos as vantagens:
Existe já uma pista de aterragem, que basta ser adaptada e ampliada para que permita a aterragem das aeronaves de curso internacional.
A região está a 80 km da costa litoral -linha recta-, é de média altitude - cerca de 500 m - e o local do aeroporto está aproximadamente a 550 m; está isolada da influência litoral pelo sistema Caramulo-Buçaco e tem clima de características continentais, com baixo grau médio de humidade, assegurando assim condições de apoio de substituição à rede litoral nos casos de vedação à aterragem.
Viseu está na encruzilhada de roteiros turísticos do mais alto e variado relevo e sucessivo contraste paisagístico e na zona central da província da Beira Alta, que se reconhece de extensa expressão atractiva de alto interesse turístico: a majestosidade da serra da Estrela e da serra do Caramulo; locais panorâmicos de grande plano, como o miradouro do Caramulinho e da Senhora do Castelo de Vouzela; a relevância monumental da cidade de Viseu e da cidade de Lamego; o museu de pintura de renome e cartaz internacional de Grão Vasco, a Casa-Museu de Almeida Moreira - este a inaugurar em Junho próximo- e o bonito e atraente Museu do Caramulo; o repouso e o benefício das estâncias termais, entre as quais sobressai o primeiro plano das Termas de S. Pedro do Sul, enquadrado na surpreendente e maravilhosa paisagem do vale do Vouga; a beleza, a simplicidade e o pergaminho de inúmeros e bonitos solares, quantos oferecendo excelentes condições de aproveitamento - localização e construção- para pousadas e estalagens; o bulício típico dos mercados e feiras rurais e, em Setembro, a alegria colorida da romaria da Senhora dos Remédios em Lamego, e da feira franca de S. Mateus, em Viseu; dispõe de rios e lagoas para o muito apreciado desporto da pesca à truta; tom o artesanato das oficinas familiares de trabalho de cobre, de ferro forjado, dos bordados de Tibaldinho, de tapeçarias e dos barros pretos de Molelos; tem ainda o complemento gastronómico da sua cozinha regional, a afamada carne de vitela de Lafões, o presunto de Lamego e o queijo da serra da Estrela, e oferece a excelência dos seus vinhos de mesa do Dão e dos célebres espumosos de Lamego.
Apresenta já apreciável equipamento hoteleiro: Urgeiriça, S. Pedro do Sul e Abrunhosa-a-Velha, além de uma pousada e três estalagens, e propriamente Viseu - quase zero anterior em equipamento hoteleiro- inaugura no próximo mês de Junho um excelente hotel de turismo (l.a classe) e um bom hotel de 2.a classe e dispõe já de um bom parque de campismo.
E a cidade de Viseu, capital da província, com situação central na área geográfica da metade norte do País, que inaugura também dentro de breves meses instalação própria- e atraente do seu Centro de Informação e Turismo, assegura conforto c hospitalidade à recepção turística e afirma beleza, dignidade urbanística e nobreza monumental, que a definem como excelente centro polarizador irradiante da expansão turística.
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Finalmente, para completar «aspectos de vias e acesso turístico ao País», limitamo-nos a mencionar, quanto ao acesso por via marítima, uma sugestão, ouvida há dias a um inglês devotado apreciador do «turismo em Portugal» e que mais uma vez no País se encontra de visita turística. Dizia ele:
Se houvesse navios a fazer cruzeiros turísticos para Portugal, muitos ingleses os aproveitariam nos seus curtos períodos de férias de 15 dias: 4 a 5 dias - ida e volta - de viagem atractiva e 10 a 11 dias de férias do maior interesse no magnífico clima do belo país.
E nós acrescentamos: É evidente que cruzeiros - a partir de Inglaterra e de outros países - poderiam desenvolver-se á Madeira e Açores. E cabe aqui relembrar o exemplo da Grécia.
Sr. Presidente: peço desculpa que a exposição foi longa de mais para a fraqueza e para a monotonia da oratória.
O turismo afirma-se entre nós como promessa de altíssima significância contributiva no sistema evolutivo da economia do País.
Não temos nada que nos impressionar com os números «arranha-céus» da actividade e dos rendimentos do turismo dos favoritos clássicos; basta que a modéstia da sua expressão relativa assuma entre nós significado absoluto, que satisfaça e vigorize.
A possibilidade do que a indústria turística atinja no País a receita. bruta anual de cinco ou seis e mesmo mais milhões de contos parece desenhar-se e está ao alcance da capacidade organizadora e investidora do País.
Por outro lado, fazer-se conhecido com dignidade, com cavalheirismo e com a revelação dos nossos sãos e pacíficos costumes e hábitos de vida, faz-se propaganda de simpatia e de aproximação de alto valor social, cultural e político. E águas passadas rezam que daqueles estrangeiros, infelizmente ainda em número reduzido, que nos têm visitado são, desses poucos, muito mais os que têm uma palavra de defesa para o Portugal modesto, mas digno e nobre, que cativa, do que os que fazem coro com muitos que ignoram e insensata e erradamente atacam.
Para ser possível arrecadar resultados são necessários devotado esforço dinâmico e sacrifício de gasto.
Compreende-se o limite do critério ponderado na liberalização financiadora de investimentos, mas a falta do coragem para acompanhar dados concretos expressivos da expansão rítmica da actividade elimina a possibilidade da sua concretização e é iníqua falha administrativa.
Verifica-se pelo exame das bases I, II e III da Lei n.º 2082:
1.º Que compete ao Estado promover a expansão do turismo nacional;
2.º Que o Conselho Nacional de Turismo, junto da Presidência do Conselho, é o órgão de coordenação e consulta;
3.º Que a acção do Estado em matéria de turismo está integralmente centralizada no Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, competindo assim a este organismo a enorme responsabilidade de responder por toda a acção planificadora, dinamizadora e de propaganda do turismo nacional.
Não pretendemos estabelecer considerações sobre se se impõe ou não reforma total orgânica, criadora de órgão central de nível ministerial, queremos ainda admitir que insuficiências de vitalidade já bem manifestas são mais consequência de meios de condicionamento do que de orgânica ou de função, mas o que desejamos afirmar é que o órgão central dinamizador da actividade turística tem de ser assistido de elasticidade, de volume e categoria sectorial e de meios de acção que lhe permitam com toda a propriedade responder ao propósito expresso de que o turismo nacional dê o passo decisivo que as circunstâncias e a oportunidade lhe oferecem.
Só dessa forma e de uma irradiante acção criteriosa, dinâmica e devotada se poderá atingir a plenitude turística que a Nação aguarda.
E é para todos de altíssimo significado económico, social e político que plenamente se dê hoje a conhecer ao Mundo o país que brilhantemente, há cinco séculos, deu o Mundo a conhecer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Sr s. Deputados que entraram durante a sessão
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
Artur Alves Moreira.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco António da Silva.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto dos Reis Faria.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
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Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Urgel Abílo Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempo.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes
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CÂMARA CORPORATIVA
VIII LEGISLATURA
PARECER N.º 15/VIII
Projecto de lei n.º 21/VIII
Alterações ao Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937
(Uso de acendedores e isqueiros)
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 21/VIII, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), à qual foram agregados os Dignos Procuradores António Jorge Martins da Motta Veiga, Fernando Emygdio da Silva, Manuel Jacinto Nunes e Pedro Mário Soares Martinez, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1.º
Preliminares. Justificabilidade do projecto
1. Apresentado à Assembleia Nacional o projecto de lei n.º 21/VIII, contendo «alterações ao Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937 (uso de acendedores e isqueiros)», foi este enviado à Gamara Corporativa para sobre ele incidir o respectivo parecer.
E a primeira pergunta para a qual parece dever a Câmara buscar resposta cabal é a que respeita à justificação ou fundamentação de uma providência legislativa sobre a matéria. Fundamentação em que distinguíramos dois aspectos: era face da lei, a qual, quanto a um projecto de lei inovadora surgido no seio de um órgão de soberania como a Assembleia Nacional, consiste puramente na sua constitucionalidade; e em face da justiça o do bem comum.
2.º
Fundamentação legal
Constitucionalidade
2. Examinaremos, assim, antes de mais, o aspecto da fundamentação em face díi- lei - legalidade, lato scusu - do projecto apresentado, a qual se traduzirá na sua constitucionalidade.
Demonstrá-la-emos rapidamente em face dos dois preceitos constitucionais que poderiam - sem fundamento - ser chamados à colação: o artigo 92.º e o artigo 97.º da Constituição Política.
3. Quanto ao artigo 92.º - Cabe à Assembleia Nacional, nos termos do artigo 92.º da Constituição Política, a «aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos»; embora este preceito seja juridicamente uma lex imperfecta, como
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se vê da sua parte final, mal ficaria à Câmara Corporativa não apontar imediatamente qualquer desvio ou violação que a esse preceito se pretendesse fazer.
No entanto parece que, sob este prisma, não sofre dúvida razoável a constitucionalidade do projecto. Com efeito, ele incide sobre «bases gerais de um regime jurídico» - o do uso de acendedores e isqueiros. Que o objecto desse regime jurídico seja de relativamente pequena importância, já não é relevante para o efeito de aplicação do preceito constitucional referido. A Assembleia Nacional é soberana quanto à escolha da matéria que versa legislativamente; só quanto à forma lhe impõe limitações o citado artigo 92.º Esta disposição poderá exigir a revisão de preceitos pesada e minuciosamente redigidos, como o da base II do projecto; mas esse ponto caberá melhor aquando do exame na especialidade.
4. Quanto ao artigo 97.º - Também ao projecto, na sua generalidade, não tem aplicação a proibição contida na parte final do artigo 97.º da Constituição Política. A esse respeito poderiam levantar-se - sem razão - dúvidas em face dos preceitos das bases IV e v; essas dúvidas, analisá-las-emos quando do exame na especialidade.
3.º
Fundamentação axiológica
Quanto ao conteúdo e mérito actual
5. Resta agora a justificação do projecto em face da justiça e do bem comum.
E sob este prisma há dois pontos a considerar: primeiro, quanto ao conteúdo da inovação proposta, e aqui ainda se podem distinguir dois aspectos: o do seu mérito actual - será o regime proposto melhor que o vigente, que se pretende substituir? - e o do seu mérito potencial - não haveria regime melhor ainda, que se lhe pudesse substituir? Em segundo lugar, há a considerar a forma pela qual a inovação se pretende operar - será de alterar-se o regime vigente por meio de lei (em sentido formal) ?
Todos estes aspectos serão considerados sucessivamente no parecer.
6. E assim, encaremos o primeiro: o mérito da inovação tal como se apresenta (independentemente de como se poderia apresentar).
O conteúdo inovador do projecto assenta em dois pontos principais:
A) Alargamento do prazo de isenção a pessoas não residentes na metrópole;
B) Atenuação das medidas previstas contra o uso ilegal de acendedores e isqueiros, sobretudo pela supressão da sua incidência, pessoal.
7. A) Dado que esta finalidade inspira uma única disposição do projecto, a da base IV, reservaremos a sua análise para quando do exame na especialidade.
8. B) A ideia, mestra do projecto, segundo parece à Câmara Corporativa, é a da atenuação, através muito particularmente da supressão da incidência pessoal (1), das medidas tomadas contra o uso ilegal de acendedores e isqueiros. Como tal ideia inspira quatro das cinco bases do projecto (com exclusão apenas da base IV), parece curial examiná-la nesta parte do parecer, reservada à apreciação na generalidade.
Esta linha de orientação é seguida quer quanto às medidas processuais (captura, custódia), quer quanto às próprias penas.
Assim, dispõe o projecto que o não pagamento imediato da multa só envolve captura do infractor em caso de não identificação (base II). Limita-se assim o âmbito de uma medida que, não sendo em rigor uma pena, no entanto se lhe assemelha pela imposta restrição da liberdade pessoal.
E antecipe-se desde já que parece à Câmara inteiramente de aplaudir este sistema. Mas o ponto será retomado quando do exame na especialidade da base n.
Quanto às penas, restringe-se a sua pessoalidade, quer a de origem - as multas aplicadas a funcionários públicos não são elevadas ao dobro (base v) -, quer a de incidência - as multas deixam de ser convertíveis em prisão (base I) e deixam de ter reflexos ou efeitos profissionais ou disciplinares (base III).
Parecem à Câmara de aplaudir sem reservas estas inovações.
Agora, na apreciação do projecto na generalidade, a atenção incidirá apenas sobre o que parece ser o seu objecto essencial: a abolição da incidência pessoal das medidas tomadas contra o uso ilegal de acendedores e isqueiros (2).
A ideia fundamental do projecto parece ser realmente a de limitar a sanção de um delito (contravenção) que lesa unicamente (e só reflexamente) os interesses patrimoniais do Estado, a medidas de natureza e incidência também unicamente patrimoniais. Bastaria este paralelismo lógico talvez para justificar o regime do projecto, mas parece à Câmara Corporativa que ele pode basear-se ainda na seguinte linha de considerações, que se procurará em seguida demonstrar mais pormenorizadamente.
A) As penas curtas de prisão, ou as situações equivalentes, como a custódia, são de evitar na medida do possível;
B) Sobretudo no caso de crimes que poderíamos dizer de pura criação legal, como o que está em causa;
C) E designadamente tratando-se de uma infracção fiscal.
A) Contra as penas curtas de prisão tem-se a- doutrina penalista pronunciado; e ,como a questão interessa neste ponto - a prisão por uso ilegal de acendedor ou isqueiro não pode ir além de dez dias (3) - convém examiná-la com maior minúcia, até porque parece à Câmara Corporativa que a importância do projecto vem menos das soluções em si que dos princípios que põe em causa.
Contra o sistema penal dos tempos antigos, elevaram-se no século XVIII vozes de protesto, entre ias quais se salienta a de Beccaria, em Itália.
(1) Nesta abrange-se a incidência profissional (cf. base III III fine).
(2) Incidência potencialmente pessoal, no caso da conversão da multa em prisão.
(3) 20 sendo o infractor funcionário público - a multa é de 250$ (Decreto-Lei n.º 28 219, de 7 de Junho de 1937, artigo 1.º. § 1.º), elevada ao dobro «se o delinquente for funcionário do Estado, civil ou militar, ou dos corpos administrativos» (artigo 2.º do mesmo diploma, cuja revogação se propõe - base V do projecto) e é convertida em multa a 25$ por dia (artigo 11.º do mesmo diploma, cuja revogação igualmente se propõe - base I do projecto).
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A esto momento de reacção, sentimental e destrutivo, seguiu-se um momento de reflexão, lógico e construtivo, que deu origem à chamada escola clássica (do direito penal).
Nesta escola clássica chocaram-se pois os mais nobres sentimentos humanitários com a mais fria e muitas vezes desapiedada lógica.
A pena curta privativa de liberdade é o resultado do encontro destas duas tendências:
Da tendência humanitária, que preconizava a abolição das antigas penas cruéis e infamantes e a sua substituição pela pena privativa da liberdade-que, segundo o parecer da comissão revisora do Código Penal Português de 1852, deveria teoricamente ser a única pena.
Mas também do seu orgulhoso logicismo de jurisprudência de conceitos, porque nunca a escola clássica se preocupou em apurar se todas estas penas privativas de liberdade, mesmo quando extremamente curtas, seriam ainda eficazes, cumpririam realmente a sua função social.
O problema da função social, ou da eficácia, ou do fim da pana criminal, foi relegado pela escola clássica para plano muito secundário.
A pena corresponde ao delito como o efeito :i causa; pune-se porque e não para que (teorias absolutas da pena criminal, que. encontraram apoio firme em Kant e Hegel-Koestlin).
Punindo-se porque, o grande princípio a que deve obedecer a pena é o da sua matematicamente exacta adequação à gravidade do delito cometido: o efeito deve corresponder à causa. Um crime muito grave exigirá uma punição muito prolongada; um outro pouco grave, outra pouco prolongada.
E mesmo que o jogo matemático destes princípios se traduza numa prisão de dois dias, esta será de aplicar-se, ainda que não sirva absolutamente para nada.
Já em 1864, em pleno domínio da escola clássica, Bonneville de Marsangy (4) se insurgiu contra as penas curtas de prisão, consubstanciando as suas reflexões na seguinte fórmula: «a pena privativa de liberdade não deveria ser nunca pronunciada quando a pena pecuniária basta à repressão».
A evidência dolorosa deste princípio levou-o a intervir activamente nos Congressos Penitenciários Internacionais de Londres (1872) e Estocolmo (1878); mas sem resultado, devido ao triunfo então absoluto o mundial dos princípios da escola clássica.
Coube à escola positiva um novo movimento humanitário contra o logicismo excessivo da escola clássica.
Acima do crime como ente jurídico abstracto pôs o delinquente real, o uomo delincuente: hominis causa omne ius constitutum est.
Reflexo desta orientação foi o primado dos problemas do fim, função social e eficácia da pena, resolvidos segundo o inegável axioma- de Platão: nemo prudens punit quia peccatum, sed ne peccetur.
O fim da pena não é repressivo, mas preventivo; segundo outra técnica terminológica, toda a repressão (entendida como qualquer reacção da sociedade contra o crime) deve ter fim preventivo. É preciso que a pena seja, não só justa, mas também útil ou eficaz.
E um dos resultados a que quase unânimente chegou a análise positiva dos problemas penais foi o seguinte: Les courtes peines privatives de la liberté sont presque toujours inutiles et même nuisibles (5).
Em suma: a pena curta privativa de liberdade é inútil e prejudicial. A sua eficácia preventiva não está em correlação com os prejuízos que causa.
Neste sentido se pronunciaram, como nota o criminalista espanhol Cuello Calon (6), penalistas como Mittelstadt, Rosenfeld, Franz von Liszt, Heilborn, Vila Miguel, Cuche, etc.; congressos e associações de juristas, como os Congressos Penitenciários de Roma (1883), S. Petersburgo (1890) e Paris (1895), aos quais podemos juntar os de Londres (1925); os Congressos Internacionais da União Internacional de Direito Penal (Bruxelas, 1889, Berna, 1890, Cristiânia, 1891) e os dos Juristas Alemães de Bremen (1895).
Todas estas entidades, juriscientistas e colectividades bonac voluntatis condenaram a pena curta privativa de liberdade e pediram a sua substituição por outras medidas.
Um dos maiores criminalistas desta plêiade, Adolphe Prins (7), resume neste trecho todas as críticas que se dirigiram ao instituto em exame:
78G. Lês peines de courte durée sont onéreuses, car dans tous les pays l'entretien du détenu dans la prison, quelle que soit la perfection du regime pénitentiaire, ne sera jamais un moyen d'amendement ou de régénération.
Elles n'auront pas d'effet intimidant sur les endurcis qui, en général et quand la détention est courte, se trouvent mieux en prison que chez eux.
Elles sont enfin nuisibles aux individus encore doués de sentiments d'honneur, car elles dégradent, découragent le détenu, le rabaissent aux yeux de sa famille et de ses compagnons; elles affaiblissent en lui la notion de dignité personnelle; dans bien des cas elles enlèvent au malheureux sa place ou ses clients et le poussent à l'ivrognerie ou au vagabondage.
L'Etat supporte donc de ce chef des charges lourdes et inutiles. De plus les prisons sont encombrées dune population flottante livrée à un va-et-vient perpetuel qui rent la mission du personnel de surveillance difficile et empêche de fournir un travail régulier aux détenus disposés à travailler.
787. D'autre part, l'Etat a intérêt à réduire le rôle de la prison parce que l'emprisonnement appliqué à ceux pour qui cette peine n'est pas indispensable entame le fonds d'honorabilité et de dignité qui est le patrimoine moral d'une nation.
Parece à Câmara Corporativa particularmente relevante esta parte final.
Cuello Calon (8) acrescenta a estes inconvenientes a corrupção resultante do contacto com os delinquentes e a perda definitiva dos que entram no cárcere possuindo ainda um resto de moralidade.
Edgard Frère resume um artigo seu cheio de interesse (por exemplo, concretiza a expressão «pena curta privativa
(4) Amélioration de la loi criminelle, Paris, 1864, vol. li, p. 251.
(5) Bekaert et Cornil, «Les Courtes Peines de Prison», in Revue de Droit Pénal et de Criminologie, ano 19.º, p. 982.
(6) Penologia, Madrid, 1920, pp. 216 e seguintes.
(7) Science Pénale et Droit Positif, Bruxelas, 1899, p. 467.
(8) 0b. cit., pp. 217 e 218.
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de liberdade» como sendo a de duração inferior a seis meses) com esta frase edificante:
C'est donc à juste titre que l'on affirme que les courtes peines de prison créent des recidivistes (9).
O indivíduo que as sofre perde o amor próprio e a consideração dos que o cercam; em muitos casos pode desadaptar-se socialmente:
Chez les individus plus sensibles, une peine d'emprisonnement, même courte, fera naitre des sentiments de révolte et cet individu peut devenir un être anti-social (10).
Vê-se assim como os penalistas criticam a pena curta de prisão (independentemente de ser ou não aplicada por conversão de outra pena). Não parece curial estabelecê-la senão por igualmente fortes razões contrárias. Vejamos se existem.
) E de Garofalo uma distinção que, tratando problemas criminais de jure condendo, parece à Câmara Corporativa ter alto valor: a distinção dos delitos (ou crimes, lato sensu) em delitos naturais e aquilo a que Garofalo chamava, em contraposição e completamente fora do significado hoje usual da expressão, delitos políticos. Retendo a ideia fundamental do criminologista italiano, deve reconhecer-se uma profunda distinção entre os crimes que correspondem à violação de uma norma recebida e defendida como essencial pela ética social (positiva) (11), e aqueles que sancionam penalmente um acto que a ética social positiva não condena, e até algumas vezes impõe. Não convém chamar a estes últimos delitos políticos, como fez Garofalo, dado o sentido hoje corrente da expressão; chame-se-lhes, convencionalmente, crimes (lato sensu) ou delitos de pura criação legal.
Destes, alguns há através da criação dos quais a ordem jurídica pretende justamente actuar sobre a ética social positiva e torná-la (segundo a sua concepção) mais perfeita - é o caso típico do duelo. Mas há outros que representam pura e simplesmente a punição de actos para os quais não é fácil encontrar outra sanção eficaz.
A aplicação de penas de carácter pessoal aos agentes de crimes de pura criação legal, deste último tipo, representa a deliberada degradação moral, pela ordem jurídica, de uma pessoa que em nada mostrou falta de princípios éticos ou morais. A sua mais coerente justificação ainda se encontra numa ideia de prevenção geral. Mas é preciso não esquecer que a ideia de prevenção geral como fim da pena transforma o homem num mero instrumento da ordem jurídica, a usar «para que os outros vejam», e é assim contrária ao personalismo de origem cristã, que não devemos permitir que os técnicos da eficiência - os quais, cegos pelos fins, vêem em tudo instrumentos a usar para a sua prossecução - posterguem da ordem jurídica portuguesa.
Ora o uso ilegal de acendedores e isqueiros é sem dúvida alguma um crime (12) de pura criação legal: na
(9) «Les Courtes Peines de Prison», parte I, in Révue de Droit Pénal et de Criminologie, ano 19.º, p. 372.
(10) Frère, ob. cit., p. 273.
(11) «E então chamaremos delito natural à ofensa dos sentimentos profundos e instintivos do homem social» (Garofalo, Criminologia, 2.a edição, Turim, 1891, p. 9).
(12) Lato sensu - trata-se de uma contravenção. O que aliás se pode discutir. _V p. ex. Dr. Mouteira Guerreiro, «Direito Processual Tributário», in Boletim da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos n.º 22, p. 1736:
O que tudo revela é a dificuldade da construção da figura jurídica da infracção fiscal, certo que se trata de um delito sociedade, à luz da sua ética positiva ou natural, não se pode considerar reprovável (13) o não possuir licença de isqueiro. Parece portanto justificado à Câmara Corporativa que as medidas a tomar contra aqueles que usem ilegalmente acendedores e isqueiros se mantenham livres de toda a incidência de degradação moral.
Poderá suceder que a pena seja assim menos eficiente, mas é sem dúvida mais justa.
Tanto mais que o objecto jurídico da infracção é a protecção da rentabilidade de um imposto - não o do próprio imposto do selo sobre os acendedores e isqueiros, mas mais propriamente a protecção da rentabilidade do regime tributário especial dos fósforos.
Este regime já não é hoje o de um monopólio fiscal, como foi entre nós até 1925, mas o de uma indústria em regime tributário especial, consistente sobretudo num imposto de fabrico, que se pretende seja o mais possível rendoso. Mas parece à Câmara Corporativa em qualquer hipótese exacto que não è justificável a intervenção do Estado que tale na vida económica, designadamente favorecendo, ou impedindo tipos de consumo, com o fim primário de conseguir receitas. Sobretudo, repita-se, quando essa intervenção tente fazer persistir certas formas de consumo e actividade (p. ex., fósforos), impedindo o progresso ou, que seja mesmo, a mera moda de actividades e consumos diferentes (p. ex., acendedores e isqueiros). Então o poder do Estado é usado para impor aos seus súbditos uma verdadeira servidão pessoal, sobrepondo ao interesse geral o interesse particular do Estado- e são coisas distintas. Parecem à, Câmara Corporativa válidos estes princípios não só em doutrina económica e financeira, como em face da nossa Constituição Política, máximo artigo 31.º
A única justificação real do monopólio dos fósforos, diz Pascaud, é a de que ... as pessoas se habituaram já a ele (11); mas em rigor é essa também só a justificação de qualquer forma de protecção tributária da sua venda e consumo.
C) E ainda a natureza de infracção fiscal que reveste o acto de uso ilegal de acendedor ou isqueiro vem ao encontro destas considerações.
E doutrina amplamente dominante entre nós que a multa imposta por infracção fiscal não é em regra convertível em prisão (15). Ora, não vemos qualquer razão
com uma natureza híbrida, toda peculiar, ora a comparticipar da teoria da contravenção, ora da teoria do crime, suscitando sanções que pressupõe ora um ilícito civil, ora um ilícito penal.
Sobre o ponto, ver também Dr. Mouteira Guerreiro, «Em Torno da Infracção Fiscal», in Ciência e Técnica Fiscal, n.08 37 e 38, pp. 117 a 153, e Domingos Martins Eusébio, «Subsídios para uma Teoria da Infracção Fiscal», in Ciência e Técnica Fiscal n.º 55, pp. 107 e seguintes.
(13) A não ser como desobediência a uma lei; mas por este raciocínio qualquer acto ilícito deveria ser punido.-
(14) Pascaud («Les Monopoles d'État et leurs Funestes Consequénces Économiques», in Revue Critique de Législation et de Jurisprudence, ano 52.º, 1903, pp. 416-417):
Nous ne concluons pas à la supression des monopoles des tabacs et des allumettes: le temps nous y a accoutumés, et en matière de finances il faut savoir se garder de toute innovation qui fait table rase du passé si l'on ne peut pas se rendre un compte exact dês conséquences quelle produira dans l'avenir.
(15) Prof. Beleza dos Santos, «Ilícito Penal Administrativo e Ilícito Criminal», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 5.º p. 57; Dr. Mouteira Guerreiro, As Transgressões no Direito Fiscal, Viana do Castelo, 1943, pp. 78 a 81; Dr. Manuel Cortes
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- qualquer dignidade criminal específica - para abrir uma excepção quanto ao uso ilegal (sem licença) de acendedores ou isqueiros.
Tendo o Decreto-Lei n.º 39 187, de 25 de Abril de 1953, amnistiado «todas as contravenções puníveis com pena de multa» (artigo 1.º, n.º 2), levantou-se o problema de saber qual o âmbito de aplicação deste diploma em matéria fiscal. As dúvidas foram resolvidas pela Portaria n.º 14 516, de 27 de Agosto de 1953, confirmada pelo Decreto-Lei n.º 39 785, de 25 de Agosto de 1954, distinguindo entre crimes fiscais [fundamentalmente os actos ilícitos declarados puníveis e regulados pela lei penal, e sujeitos ao regime do direito criminal comum, mas incidindo sobre matéria fiscal - p. ex., a simulação em prejuízo do Estudo, artigos 455.º do Código Penal e 99.º, § 1.º, do Regulamento de 23 de Dezembro de 1899, hoje revogado e substituído pelos artigos 102.º e seguintes do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (16)]; contravenções de natureza penal, fundamentalmente (17) quando punidas com multa convertível em prisão; e infracções de natureza administrativa, quando punidas com multa não convertível. E indica a mesma portaria três exemplos de contravenções de natureza penal:
As transgressões aduaneiras (18), cuja gravidade advém do prejuízo que causam a uma economia proteccionista;
As infracções fiscais de funcionários fiscais, particularmente obrigados a absterem-se delas (19);
O uso ilegal de acendedores e isqueiros, nos termos do Decreto-Lei n.º 28219.
Salta à vista a desproporção entre a gravidade dos dois primeiros exemplos e do último. Na verdade, não descobre a Câmara Corporativa qualquer razão para considerar o uso sem licença de um acendedor ou isqueiro facto mais grave do que a maioria das transgressões fiscais, e por isso a qualificar como infracção de natureza penal, e não administrativa.
Acresce que, segundo o regime actualmente vigente, a imposição de uma sanção potencialmente pessoal é cometida, não a um órgão de soberania (como o tribunal - artigo 71.º da Constituição Política), mas ao chefe de secção de finanças (embora com recurso) - artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937; e é aplicada, não mediante a due process of law, per legale judicium, mas «sem estrita observância de fórmulas» (artigo 6.º do mesmo diploma). É certo que a conversão em prisão é requerida pelo Ministério Público ao juiz (artigo 11.º), mas a função deste é - parece - meramente homologatória. Talvez não formalmente, mas materialmente, há aqui uma violação do básico princípio nulla pocna sine judicio.
9. O exame à luz do direito criminal e financeiro do sentido geral da inovação proposta parece assim à Câmara justificá-la inteiramente, quanto ao seu mérito actual.
Quanto ao conteúdo e em mérito potencial
10. Mas não seria possível, para regular o uso de acendedores e isqueiros, um regime mais perfeito ainda?
Refere-se a justificação da apresentação do projecto em análise, feita à Assembleia Nacional por um dos seus autores, o Deputado Sr. Alberto de Meireles, à «circunstância de ser desconhecida nos restantes países a exigência de licença para uso de acendedores e isqueiros» (20).
Em regra, realmente, o regime é diferente em países estrangeiros (21); e um regime, muito usado nesses países, e que portanto se apresenta como possível e assim como alternativo em relação ao do projecto, é o regime da cobrança de um imposto único sobre o isqueiro ou acendedor, imposto que, como todos os indirectos, seria pago imediatamente pelo fabricante ou importador, ou pelo vendedor, mediante a aposição de um selo metálico ou contrastaria oficial, mediatamente pelo adquirente, cujo preço seria aumentado pelo mesmo imposto. Seria portanto um imposto de fabrico e importação, ou então de consumo, integrado no regime tributário especial dos flamíferos.
Esta solução é diversa, quer da vigente, quer da do projecto. Parece à Câmara Corporativa dever limitar-se a lembrá-la como possível, sem a sugerir ou defender. Na verdade, tal solução oferece vantagens, mas também inconvenientes. Tem a vantagem da maior comodidade - o adquirente do acendedor ou isqueiro paga de uma vez só o direito à sua utilização, sem se ter de preocupar com o pagamento anual da licença ou com os riscos da sua omissão, que se podem figurar como imposições de natureza pessoal, de certo modo vexatórias. Talvez tenha até a vantagem de uma maior rentabilidade - abrangerá mesmo os isqueiros e acendedores de uso doméstico, os quais, dado que aos fiscais não é permitida a entrada em casa alheia para fiscalização, hoje de facto não pagam licenças; e além disso facilita a tarefa da fiscalização e diminui assim o respectivo custo. Tem, porém, a desvantagem da onerosidade para o contribuinte: primeiro, porque o imposto único, para ser correspondente (22) ao valor do anual (mesmo tomando em linha de conta a duração provável dos objectos), terá forçosamente de ser relativamente elevado, elevado sobretudo em relação ao custo do próprio objecto (aliás, de forma alguma indispensável e cuja venda e consumo fortemente se ressen-
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Rosa, «Natureza Jurídica das Penas Fiscais», in Boletim da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos n.º 19, pp. 1269 a 1277, n.ºs 20-21, pp. 1571 a 1575, n.º 22, pp. 1759 a 1770; Dr. Mouteira Guerreiro, «Em torno da Infracção Fiscal», in Ciência e Técnica Fiscal n.ºs 37-88, p. 129; Vítor da Silva Garcia, «A Infracção Fiscal», in Ciência e Técnica, Fiscal n.º 46, p. 512; Domingos Martins Eusébio, «Subsídios para Uma Teoria a Infracção Fiscal», in Ciência e Técnica Fiscal n.º 55, pp. 127 e 128. «A multa fiscal é assim uma pena não criminal» - Dr. Cortes Rosa, 06. cif., p. 1273; cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, vol. n, p. 162.
(16) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958.
(17) A portaria indica como característica da contravenção fiscal de natureza penal a intransmissibilidade aos herdeiros da multa correspondente antes do trânsito em julgado da sentença que a imponha.
(18) Artigos 11.º, 50.º, 51.º p 151.º do Contencioso Aduaneiro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31 664, de 22 de Novembro de 1941.
(19) Decreto n.º 17 731, de 7 de Dezembro de 1929.
(20) Diário das Sessões, 1964, p. 2935.
(21) Mas em Itália, um decreto-lei de 11 de Junho de 1956 substituiu o direito único sobre o isqueiro por um direito anual a cargo do utente ou detentor, pago mediante a aquisição de um selo «que o utente pode aplicar sobre o aparelho ou sobre um qualquer documento de identificação pessoal» - Benato Alessi, Monopoli Fiscali, Impaste di Fabricazione, Dazi Doganali, Turim, 1956, p. 232.
(22) Parece à Câmara Corporativa que seria inconstitucional, por força da parte final do artigo 97.º da Constituição Política, um projecto de lei abolindo a licença de isqueiro, será, criar uma fonte de receita em princípio equivalente e compensatória.
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tiriam); em segundo lugar, porque hoje a licença é do utente, que com um mesmo dispêndio fiscal pode ter assim dois., três, quatro, dez isqueiros, ao passo que segundo o sistema alternativo suportaria um dispêndio proporcional.
Quanto à forma
11. Dado que a inovação proposta, como se explicou atrás, diz fundamentalmente respeito a uma restrição injustificada ao direito de liberdade dos cidadãos portugueses - direito originário, como o qualifica o artigo 359.º do Código Civil - e representa um salutar e diríamos mesmo exemplar retorno aos sãos princípios do direito contra o tecnicismo da eficiência a todo o custo, responsável da aluvião crescente de normas incriminatórias e reforçadoras da severidade das sanções, é inteiramente justificado que tal inovação seja discutida no seio da Assembleia Nacional.
Bastava aliás, repita-se, tratar-se de matéria que toca o direito de liberdade dos cidadãos portugueses.
E parece à Câmara Corporativa dever a matéria ser resolvida fundamentalmente em face dos princípios, sem quaisquer considerações derivadas da rentabilidade dos impostos e taxas envolvidos. Só quando se apresentarem alguns factos de ordem e natureza histórica serão insertos alguns números referentes a essa rentabilidade (cf. infra, n.º 16), 12. Com estas considerações, julga a Câmara Corporativa ter coberto as principais questões que a apreciação do projecto na generalidade pode suscitar.
Antes de passar, porém, ao exame na especialidade, parece-nos ser útil para o esclarecimento desta matéria uma rápida vista de olhos sobre o seu aspecto histórico.
Esquema da história do regime legal do uso de acendedores e isqueiros
13. Um rápido bosquejo da história do regime fiscal dos fósforos e restantes flamíferos pode desdobrar-se em dois períodos:
1.º período - de 1891 a 1925;
2.º período - de 1925 aos nossos dias.
14. 1.º período - de 1891 a 1925.- Começaremos o resumo histórico em 1891. Nesse ano, «a lei de Meios de 30 de Junho de 1891 autorizara o Governo a pôr em concurso o exclusivo da fabricação dos fósforos, adoptando-se por base de licitação a receita anual, líquida para o Tesouro, de 250 000$» (23).
A razão com que se havia justificado o pedido de autorização desta medida era a crise (24), «crise financeira agudíssima» (25), aliada à verificação da fraca tributação da indústria (26).
O exclusivo seria temporário - pelo prazo de doze anos. Talvez por o prazo ser tão reduzido, o concurso que a Lei de Meios de 1891 permitia ficou deserto (27). Depois de outras medidas tributárias (28), um decreto (n.º 1) de 14 de Março de 1895, de Hintze Ribeiro, veio permitir a adjudicação do exclusivo da fabricação dos fósforos pelo prazo máximo de 80 anos.
No relatório deste decreto lêem-se duas frases curiosas. A primeira é, textualmente, a seguinte: «preferíamos não ter de decretar um monopólio». A segunda é a referência às dificuldades da indústria dos fósforos, já então «em luta com os artefactos que a todo o custo procuravam substituir-se ao consumo dos fósforos».
O contrato de exclusivo com o concessionário autorizado por este decreto foi celebrado em 25 de Abril de 1895, por 30 anos (cláusula 1.ª) (29), e nesse contrato, na cláusula 26.ª, lia-se que «o Governo, pelo modo que julgar mais conveniente, regulará a importação e venda de qualquer artigo destinado a substituir o uso de pavios fosfóricos, por forma a não diminuir o consumo dos fósforos nacionais».
Já é extraordinário que o Governo se obrigue a garantir que os seus súbditos consumam fósforos. Mas mais extraordinárias parecem ainda as medidas que o Governo nesse sentido sucessivamente tomou:
1.º Os artigos 83.º a 87.º do Regulamento sobre os Exclusivos de Fabricação de Fósforos e Isca, aprovado pelo Decreto de 4 de Julho de 1895, e de que o artigo 83.º nos dá o teor:
Para evitar a diminuição no consumo dos fósforos nacionais, quando essa diminuição provenha da importação ou produção no País e respectiva venda de artigos destinados a substituir o uso de pavios fosfóricos, o Governo poderá proibir a sua importação, ou restringi-la por meio da elevação de direitos, ou tributar a sua venda e produção conforme for mais conveniente (30).
2.º A proibição de importação de acendedores de cigarros Titan (Decreto de 5 de Novembro de 1905);
3.º A proibição de importação de quaisquer acendedores portáteis análogos (Decreto de 3 de Abril de 1911);
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(23) Prof. Caeiro da Mata, Monopólios Fiscais, p. 162.
(24) «A situação financeira é difícil, embora esteja longe de ser desesperada ..., o acréscimo das receitas públicas ... indeclinável. For isso nos pareceu conveniente lançar mão das condições especiais em que se encontram o fabrico do álcool industrial e o dos fósforos. Essas indústrias que noutros países rendem receitas avultadas, ou deixaram de produzi-las em Portugal, ou não deram nunca receitas apreciáveis»:- Relatório da proposta de lei n.º 8 de 1891 (Lei de Meios), sessão n.º 22 de 1891, p. 10.
(25) «A primeira tentativa para o exclusivo do fabrico de acendalhas, palitos ou pavios fosfóricos foi feita em 1891, com a mira de obtenção de maior receita para o Estado, que estava atravessando uma crise financeira agudíssima» - Parecer da comissão de finanças da Câmara dos Deputados acerca da proposta de lei de que saiu a Lei n.º 1770, de 25 de Abril de 1920, in Diário da Câmara dos Deputados, sessão n.º 60 de 1925, p. 19.
(26) «A indústria e comércio dos fósforos, que constitui em França uma fonte importante de receita pública, entre nós nada tem produzido, porque insignificante é a tributação industrial e de mínimo rendimento os direitos pautais. Daí o pensamento do Governo, adoptado pelas vossas comissões, de pedir a esta indústria um imposto em benefício da Fazenda Pública. E para chegar-se a este resultado, à semelhança do que em França existe, pareceu também melhor sistema o do exclusivo» - Parecer das comissões da Fazenda, Orçamento e Administração Pública acerca da proposta de lei n.º 8 de 1891, in Diário da Câmara dos Senhores Deputados n.º 22, de 1891, p. 4.
(27 CL Prof. Caeiro da Mata, ob. cit., p. 163.
(28) Cf. Prof. Caeiro da Mata. ob. cit., pp. 163 a 165; Relatório do Decreto n.º 1 de 14 do Março de 1895.
(29) «Se para o Governo a medida foi boa, o mesmo não se poderá dizer a respeito do público: para o consumidor o contrato só teve como resultado ver subir o preço, ao mesmo tempo que na qualidade dos fósforos se dava o facto inverso» - Prof. Caeiro da Mata, 06. cit., pp. 167 c 168.
(30) No artigo 86.º dispõe-se que, se se preferir a tributação, esta será regulada «de modo a evitar o seu consumo».
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4.º A prescrição de que tais acendedores seriam apreendidos e inutilizados «por meio de fogo» (artigo 1.º do Decreto de 14 de Dezembro de 1912);
5.º A proibição de fabrico, venda e uso de quaisquer acendedores portáteis análogos (a pedra de referência é sempre o - historicamente importante - acendedor Titan) - Decreto n.º 83, de 23 de Agosto de 1913 (31);
6.º A prescrição de entrega à Companhia Portuguesa de Fósforos (presumivelmente para serem destruídos pelo fogo) de todos «os acendedores portáteis que forem apreendidos em contravenção das prescrições legais, e que, por tal motivo, são julgados perdidos a favor da Fazenda» (Decreto n.º 9473, de 7 de Março de 1924).
Ficou assim o País condenado, a bem do fisco, a usar fósforos ou pelo menos acendedores essencialmente diferentes dos Titan, e desde que com isso não diminuísse o consumo daqueles. A situação manteve-se até 1925, em que a expiração do prazo de 30 anos do exclusivo repôs o problema em causa.
15. 2.º período - de 1925 à actualidade. - A discussão iniciou-se na Câmara dos Deputados, pela apresentação de uma proposta do Governo que, submetida a parecer das comissões parlamentares e a discussão, se transformou (com alterações, claro) na Lei n.º 1770, de 25 de Abril de 1925 (a qual entrou em vigor no dia seguinte).
Por essa lei, terminava o monopólio dos fósforos. O fabrico destes era livre às sociedades «que entreguem ao Estado, do seu capital social realizado, 25 por cento em acções ou quotas privilegiadas, com preferência sobre os lucros até 8 por cento», ou às empresas individuais ou pelo menos com capital não representado em quotas ou acções que dessem ao Estado uma participação a fixar (base A da lei). Criava-se além disso um imposto de fabrico. Ainda hoje é este o regime fundamentalmente em vigor (32).
Como medida de condicionamento da circulação jurídica em Portugal de acendedores e isqueiros, havia na Lei n.º 1770 a base C do artigo 1.º, a qual dizia:
Os acendedores portáteis e isqueiros só serão permitidos depois de pagarem um imposto do selo que não excederá 30$ cada um, além do custo do selo metálico e das taxas de contrastaria que forem exigidas. O Governo poderá fixar os tipos de acendedores a admitir à selagem e o imposto a pagar pela isca.
Esta base, porém, estava mal redigida; não se proíbe ou permite um objecto, mas só um acto que sobre ele incida, e no caso concreto ficava-se sem se saber bem, a atender à base, o que era em rigor permitido condicionalmente: se só o fabrico, se o fabrico e venda, se só a venda, se até mesmo o uso. Mas o entendimento mais natural da base era que o que era sujeito à tributação era a colocação à venda, pagando-se o imposto uma vez só, por cada isqueiro (como na solução alternativa de que se fala supra, n.º 10).
Simplesmente, o regulamento da Lei n.º 1770 - Decreto n.º 10 838, de 9 de Junho de 1925 - estabeleceu nos seus artigos sistema diferente.
Depois de no seu artigo 35.º, coerentemente com a cessação do monopólio, ter estatuído que «é livre a importação, fabrico e venda de acendedores portáteis, isqueiros e quaisquer outros objectos portáteis destinados ou aplicáveis a substituir o uso dos palitos ou pavios fosfóricos, desde que sejam de tipo previamente aprovado pelo Governo, por intermédio da Inspecção-Geral dos Fósforos», submetia a imposto de selo, quanto a acendedores e isqueiros:
A sua venda e exposição ao público (artigo 36.º);
A sua importação (33) (artigo 38.º);
O seu uso (artigo 37.º).
Os dois primeiros impostos, eram pagos por uma só vez (por selo metálico); o último era anual, e é a primeira vez que nos surge no nosso direito fiscal a licença de isqueiro (34). Parece que o regulamento excedeu a lei quanto a este ponto.
E «o uso de acendedores portáteis ou isqueiros e os abjectos a que se refere o artigo 35.º, e ainda a sua simples detenção quando prontos a funcionar, sem a licença a que se refere o artigo 37.º» era considerado descaminho, e punido com a multa - aplicada em regulamento (mas que, parece, seria inconvertível) - do quíntuplo ao décuplo do imposto respectivo (35) e com o «perdimento dos objectos do delito» (36).
O Decreto n.º 11 148, de 15 de Outubro de 1925, aprovou em seguida um modelo oficial de acendedor a gasolina e um modelo oficial de isqueiro (a isco de pano), proibindo «a importação, fabrico, venda e uso de quaisquer outros tipos de acendedores portáteis ou isqueiros diferentes dos adoptados por este decreto, qualquer que seja a sua forma ou fins, e ainda a sua simples detenção, desde que, de qualquer modo, em público ou em particular, se destinem a substituir o consumo de fósforos de indústria nacional ou importação legal» (37).
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(31) De cujo relatório se extrai:
Tendo a Companhia Portuguesa de Fósforos reclamado contra o facto, lesivo para os seus interesses e para os do Estado, de se estarem fabricando no País acendedores portáteis de gasolina, análogos àqueles de produção estrangeira cuja importação foi proibida.
(32) Com as alterações dos Decretos n.ºs 12 025, de 30 de Julho de 1926, 22 326, de 17 de Março de 1933, 29 336, de 31 de Dezembro de 1938, e 36 036, de 14 de Dezembro de 1946.
(33) Além dos direitos aduaneiros.
(34) Artigo 37.º do Decreto n.º 10 838, de 9 de Junho de 1925:
O uso dos acendedores e objectos referidos no corpo do artigo 35.º fica sujeito ao imposto do selo de 30$, pago anualmente por meio de licença, que será passada pelas repartições do finanças dos concelhos ou bairros das residências dos portadores.
§ único. O imposto do selo será, dentro de cada ano civil, de quantia invariável, seja qual for a data do seu pagamento.
(35) Portanto, 150$ a 300$ - a multa podia ser superior à que se aplica hoje (250$).
(36) O fabrico de acendedores e isqueiros de tipo não aprovado pelo Governo e a exposição, venda e uso de acendedores e isqueiros a que faltasse o selo metálico era considerado transgressão e punido com a multa de 20$ a 3000$ (artigo 83.º). A partir do Decreto n.º 11 042, de 28 de Agosto de 1925, os acendedores e isqueiros apreendidos deixaram de ser entregues à Companhia Portuguesa dos Fósforos e passaram a ser (inutilmente) inutilizados na Inspecção-Geral dos Fósforos.
(37) De notar é também o artigo 2.º deste decreto:
São sempre considerados portáteis quaisquer tipos de acendedores cuja aplicação mais geral seja o uso doméstico, desde que os seus portadores sejam encontrados a deles fazer uso em público, devendo como tais ser apreendidos e ficando os seus contraventores sujeitos às penalidades cominadas no artigo 82.º do Decreto n.º 10 838, de 9 de Junho do corrente ano.
Note-se que focamos o assunto só em linhas gerais; senão deveríamos referir os Decretos n.ºs 11 056, de 11 de Setembro de 1925, e 11 389, de 8 de Janeiro de 1926, que contiveram medidas de ocasião.
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Este algo estranho decreto foi revogado pelo Decreto n.º 12 024, de 30 de Julho de 1926, cujo artigo 1.º estabelecia a permissão de importação, fabrico, venda e uso de acendedores portáteis e isqueiros de quaisquer tipos. Este diploma baixava ainda 25$ o custo da licença anual (38).
O Regulamento do Imposto do Selo, aprovado pelo Decreto n.º 12 700, de 20 de Novembro de 1926, retomou a matéria e regulou-a no seu artigo 41.º Mantendo o princípio da liberdade de importação, fabrico, venda e uso de quaisquer tipos de acendedores portáteis e isqueiros, suprimia o imposto de selo (metálico) sobre a venda e exposição ao público; e elevava de novo para 30$ a taxa anual. A tabela geral do imposto do selo alterou-a mais uma vez: 30$, se passada em 1 de Janeiro com validade até 31 de Dezembro, 20$, se passada em 1 de Julho, com a mesma validade (39).
No § 5.º do referido artigo 41.º estabelecia-se que «a instrução e julgamento dos processos para a imposição das penas cominadas ... serão regulados pelas disposições aplicáveis do Decreto n.º 2 de 27 de Setembro de 1894 e mais legislação que o tenha modificado».
Ora o Decreto n.º 2 de 1894 regulava o contencioso fiscal aduaneiro; e havendo desde 1922 (Lei n.º 1368, de 21 de Setembro) um contencioso das contribuições e impostos, levantaram-se justas dúvidas sobre o contencioso a que o uso ilegal de isqueiros estava adstrito. Essas dúvidas foram resolvidas (e bem) pelo Decreto n.º 21 709, de 7 de Outubro de 1932, no sentido de a matéria pertencer ao contencioso das contribuições e impostos, fundamentalmente regulado no Decreto n.º 16 733, de 13 de Abril de 1929.
Registe-se também que foram variando quer a taxa da licença, quer a forma do seu pagamento.
Quanto à taxa da licença, variou:
1.º Para 37$50 e 25$ (por aplicação do factor 1,25 - Decreto n.º 21 427, de 30 de Junho de 1932);
2.º Para 30$ e 20$ (tabela geral do imposto do selo, quer a aprovada pelo Decreto n.º 21 591, de 11 de Agosto de 1932, quer a actualmente em vigor, aprovada pelo Decreto n.º 21 916, de 28 de Novembro de 1932, e em ambos artigo 105.º, verba XXXIV);
3.º Para 40$ e 25$ [por força da alínea j) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 36 608, de 24 de Novembro de 1947] - são as taxas em vigor.
Sobre estas taxas incide um adicional de 20 por cento para o Fundo de Socorro Social, actualmente por força do artigo 2.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 45 527, de 10 de Janeiro de 1964. Desde o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 36 604, de 24 de Novembro de 1947, e actualmente por força do artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 45 527, este adicional é pago «por meio de estampilhas fiscais com a sobrecarga «Assistência», apostas nos cartões em que forem passadas as mesmas licenças e inutilizadas pelos funcionários que as assinarem». Pelo que a licença de isqueiro custa (mais o valor do impresso, $50) 48$, se válida de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, e 30$, se válida entre 1 de Julho e 31 de Dezembro.
Quanto à forma do pagamento, foi sucessivamente por meio de licença (artigo 37.º do Decreto n.º 10 838, de 9 de Junho de 1925), por meio de estampilha (tabela geral do imposto do selo, aprovada pelo Decreto n.º 16 304, de 28 de Dezembro de 1928) e por meio de cartão selado, como é hoje e desde o Decreto n.º 16 732, de 13 de Abril de 1929 (artigo 4.º).
15. Em 24 de Novembro de 1937, o Decreto-Lei n.º 28 219 - ainda fundamentalmente em vigor - regulou com certa minúcia o uso ilegal (só o aspecto ilícito) de acendedores e isqueiros; e .fê-lo no seu aspecto substantivo e adjectivo.
Fixou a multa em 250$ (artigo 1.º, § 1.º), elevada ao dobro «se o delinquente for funcionário do Estado, civil ou militar ou dos corpos administrativos» (artigo 2.º).
E é de notar que as disposições deste decreto, que se pretende revogar, são inovações do mesmo decreto, sem tradições no regime .anterior. Assim é quanto à convertibilidade da multa em prisão (40); quanto à captura para apresentação à autoridade fiscal, salvo em caso de pagamento voluntário da multa; e quanto à duplicação da multa e adstrição de responsabilidade disciplinar aos funcionários do Estado e dos corpos administrativos.
Quanto ao procedimento a adoptar em caso de não pagamento voluntário e imediato da multa, foi o Decreto-Lei n.º 28219, de 24 de Novembro de 1937, alterado pelo Decreto-Lei n.º 32 834, de 7 de Junho de 1943.
O Regulamento da Inspecção-Geral das Finanças, aprovado pelo Decreto n.º 32 341, de 30 de Outubro de 1942, contém o regime da fiscalização do uso de acendedores e isqueiros, confiado fundamentalmente a brigadas móveis distritais.
Este regulamento foi alterado, num ponto de importância para o parecer (referente à matéria sobre que incide a base IV do projecto), pelo Decreto n.º 37807, de 6 de Maio de 1950.
16. A título de informação, e não como base de argumentação, crê-se útil registar alguns números referentes à matéria que ficou descrita (41).
Rendimentos da tributação dos fósforos, em número absoluto e em percentagem do montante das receitas do Estado (a), no l.º ano do monopólio, 1895, e nos últimos cinco anos
[Ver tabela na imagem]
(a) Em igual período de tempo e em relação ao mesmo número de caixinhas de fósforos que serviu de base para a determinação do imposto do fabrico, foi também liquidada pela Inspecção-Geral do Finanças a importância do 71399 088£ para o Fundo de Socorro Social.
(38) O diploma seguinte, Decreto n.º 12 025, da mesma data, também se referia ao regime geral de tributação dos fósforos.
(39) Tabela geral do imposto do selo, Decreto-Lei n.º 16 304, de 28 de Dezembro de 1928, verba XXXVIII do artigo 105.º O Decreto n.º 16 732, de 13 de Abril de 1929, regulou a forma de liquidação do imposto e o modelo da licença.
(40) Note-se que se excluem da convertibilidade os menores, de 16 anos, e de qualquer responsabilidade (patrimonial ou pessoal-) os menores de 14 anos - artigo 12.º
(41) Elementos fornecidos pela Inspecção-Geral de Finanças.
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Número de licenças de uso de acendedor ou isqueiro concedidas nos últimos cinco anos, e o seu rendimento em número absoluto e em percentagem do montante de receitas do Estado
[Ver tabela na imagem]
(a) Não estão incluídas as referentes ao mês de Dezembro.
Número de autuações nos últimos cinco anos, rendimento e percentagem de conversões em prisão
[Ver tabela na imagem]
17. É tudo quanto se oferece registar sobre o projecto quanto u sua apreciação na generalidade.
II
Exame na especialidade
Base I
18. Justamente por ser a disposição mais importante do projecto, ficou ela, parece, plenamente justificada, sem necessidade de maiores considerações, pelo que ficou exposto aquando da apreciação na generalidade.
Dá a Câmara Corporativa, como se viu, inteiro aplauso ao princípio da inconvertibilidade aqui aplicado, e não vê qualquer modificação, mesmo de forma, a propor a esta base do projecto.
Tanto mais que, pelo direito penal comum, pressuposto da conversão da multa em prisão é a impossibilidade de pagar - imposta uma multa, e não paga, procura-se executá-la patrimonialmente, e só na impossibilidade disso se converte (artigo 639.º, § 10.º, do Código de Processo Penal, redacção do Decreto-Lei n.º 22 627, de 6 de Junho de 1933). Pressuposto da conversão da multa em prisão por força do artigo 11.º do Decreto n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937, é a simples recusa de pagar, não se distinguindo a hipótese de o infractor ter bens exequíveis para saldar a multa e o imposto ou não os ter. Todas estas incongruências ficarão sanadas por um regime mais justo.
Base II
19. O mesmo se não pode dizer da base II.
Parece à Câmara Corporativa que o pormenor de regulamentação em que a mesma base entra é contrário ao preceito .do artigo 92.º da Constituição Política.
A base geral do regime jurídico que se extrai do complexo preceito da base II do projecto é, parece, a da inadmissibilidade de captura do infractor encontrado em flagrante delito, salvo para efeitos de identificação.
Parece de aplaudir esta regra, dadas as considerações feitas quando da apreciação do projecto na generalidade e dado o princípio do nosso direito processual penal, expresso no artigo 250.º do Código de Processo Penal (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34 564, de 2 de Maio de 1945), de que só cabe captura mesmo em flagrante delito quando ao crime corresponde pena de prisão (42); de resto, só cabe aquilo que o Prof. Cavaleiro, de Ferreira chama efectivação coerciva da identificação (43).
Note-se que aquilo que se efectiva coercivamente é mais que a identificação. É a identificação em termos de oferecer segurança a determinação da pessoa e do seu paradeiro, para efeitos de aplicação da sanção.
E assim, o Código de Processo Penal oferece o seguinte quadro de soluções, para a hipótese de flagrante delito de crime (lato sensu) a que corresponde pena de multa:
Pode ser determinado o seu nome e residência (entenda-se: residência actual e futura na metrópole em termos de poder ser movida a acção criminal) - são anotados, e o infractor não é capturado;
Não pode ser determinado o seu nome e residência - «o infractor terá de acompanhar a autoridade ou agente que o houver detido ao tribunal ou repartição competente, ou posto policial mais próximo, e aí, averiguada a sua identidade ou depositado o máximo da multa que corresponder à infracção, se esta for a pena aplicável, será posto em liberdade».
E o § 6.º do artigo 639.º do Código de Processo Penal dispõe que «quando o réu não for conhecido em juízo, não residir na comarca, ou for notoriamente havido como ocioso ou vadio, ou houver fundadas suspeitas de que pretende ausentar-se ou, por qualquer forma, esquivar-se ao pagamento, poderá o juiz exigir que ele pague imediatamente a multa, o imposto de justiça e quantias acrescidas, ou preste caução idónea, sob pena de ficar, desde logo, detido e lhe ser convertido o imposto de justiça ou a multa em prisão».
Se se pretende uma segurança suficiente na efectivação das sanções, terá de se adaptar ao presente domínio o regime, como se vê bastante completo, do Código de Processo Penal. Mas parece à Câmara Corporativa que a pouca gravidade do assunto não justifica procurar-se tão acèrrimamente a efectivação da sanção; nos casos de trabalhadores sem residência certa nem bens, que facilmente escaparão à execução coerciva da multa, a apreensão do isqueiro é por si só uma sanção a considerar relevante.
Note-se também que o regime da base II do projecto é de certo modo mais duro que o regime actual. Por este, se o infractor pagar imediatamente a multa e a importância do imposto, nunca é capturado (artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28 219, com a redacção do Decreto-Lei n.º 32834). Pelo regime ora proposto, parece que o infractor que não se identificasse devidamente (exibindo o respectivo bilhete de identidade, ou outro documento
(42) Ou «se trate de delinquentes de difícil correcção, vadios e equiparados ou libertados condicionalmente» (artigo 250.º, § único do Código de Processo Penal). Neste caso, «a possibilidade de captura deriva do poder de vigilância especial a que os delinquentes de difícil correcção, vadios e equiparados, como tais já declarados, e os libertados condicionalmente se encontram sujeitos»- Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. n, p. 391.
(43) Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. n, pp. 384 e 385.
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de identificação suficiente, ou apresentando testemunhas que abonassem a identidade) seria sempre capturado, ainda que se oferecesse para pagar imediatamente a multa e a importância do imposto. Não se vê justificação desta dureza, nem necessidade absoluta de uma identificação segura do transgressor, caso este liquide logo a sanção que lhe é pedida.
Parece à Câmara Corporativa que à Assembleia Nacional só deveria caber emitir uma regra geral deste teor ou semelhante:
1. O infractor ao disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28 219 encontrado em flagrante delito só poderá ser capturado pelo autuante se se recusar a pagar imediatamente a multa c a importância do imposto e além disso não provar a sua identidade e residência.
2. Capturado nos termos do número anterior, o infractor deverá sor conduzido polo autuante à dependência policial ou posto da Guarda Nacional Republicana mais próximo, ou ao regedor da freguesia, para os efeitos da parto final do § único do artigo 250.º do Código de Processo Penal, não podendo a detenção demorar mais de 48 horas.
3. O depósito da multa, atrás previsto, terá lugar também quando se tome conhecimento de que o infractor pretende mudar a sua residência para o estrangeiro ou provinda ultramarina.
Cremos que esta disposição, completada com a base V e com a regulamentação que se lhe fizer seguir, salvaguarda suficientemente os direitos do Estado e a liberdade dos cidadãos.
20. A querer-se manter a regulamentação da base II do projecto, sugere-se:
O desdobramento da base, em pelo menos duas, correspondente a primeira aos quatro primeiros parágrafos gramaticais: e a segunda ao último;
A substituição da referência ao artigo 23.º do Decreto n.º 16 733, de 13 de Abril de 1929, hoje revogado, pela referência aos artigos 108.º e 109.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 005, de 27 de Abril de 1963;
O aditamento, em seguida ao terceiro parágrafo gramatical, da expressão: «ao qual serão aplicáveis as disposições dos artigos 137.º a 143.º do Código de
Processo das Contribuições e Impostos».
Base III
21. Concorda também a Câmara Corporativa em termos gerais com esta disposição, consoante resulta da apreciação na generalidade.
E certo que o artigo 2.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis do Estado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 32 659, de 9 de Fevereiro de 1943, define infracção disciplinar «o facto voluntário praticado pelo funcionário com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce ou com ofensa dos deveres gerais dos cidadãos impostos pela lei ou pela moral social». Daqui poderia concluir-se que a infracção a um dever geral seria sempre concomitantemente infracção disciplinar; mas daqui teria de concluir-se então que todo o acto ilícito seria infracção disciplinar e está rcductio ad consequentias é uma reductio ad absurdum (44).
A parte final do referido estatuto não tem correspondência nem no Código Administrativo (45), nem no Estatuto do Funcionalismo Ultramarino (46); e representa, como salienta o Prof. Marcelo Caetano, um aditamento infeliz, «pois que a violação dos deveres morais e legais dos cidadãos só pode constituir infracção disciplinar na medida em que seja a violação de um dever funcional - embora dever de conduta privada ou de fidelidade política» (47).
Parece assim à Câmara Corporativa de repudiar a consideração automática do delito de uso ilegal de acendedor ou isqueiro como infracção disciplinar. Mas já não parece de aceitar a exclusão, automática também, dessa qualificação, tal como resulta da base do projecto ora em exame. Com efeito, se um funcionário qualquer usar acendedor ou isqueiro sem licença, parece que não será passível de responsabilidade disciplinar; mas se se tratar justamente de um fiscal das brigadas móveis da Inspecção-Geral de Finanças, ou se por outra razão o facto ilícito estiver próximo da função que exerce, já se compreende que uma proibição da responsabilização (tal como resulta da parte final da base em análise) seja pouco curial também.
Por este motivo parece à Câmara Corporativa dever alterar a parte final da base.
Julga também que a palavra incorrer não convém ao acto (não se incorre num crime, ou numa infracção), mas aos seus efeitos (incorre-se numa pena ou em responsabilidade) .
E, assim, propõe a Câmara Corporativa a seguinte redacção da base III:
Se o transgressor (48) for funcionário do Estado, civil ou militar, ou dos corpos administrativos (49), será passível da multa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28 219, incorrendo em responsabilidade disciplinar apenas no caso de a infracção, nos termos gerais de direito, constituir violação dos seus deveres funcionais.
Base IV
22. A isenção de licença para uso de acendedor ou isqueiro para estrangeiros ou cidadãos não residentes na metrópole vem do artigo 151.º do Regulamento da Inspecção de Finanças, aprovado pelo Decreto n.º 32 341, de 30 de Outubro de 1942.
(41) A distinção entre deveres gerais e deveres especiais dos cidadãos é ténue de mais para nela se fundar a diferença: o não pagamento de uma dívida (violação de um dever especial) é violação do dever geral de pagar as dívidas. (43) Artigo 559.º:
Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário praticado pelo funcionário com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce.
(46) Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40 708, de 31 de Julho de 1956, artigo 350.º:
Considera-se infracção disciplinar o facto voluntário praticado pelo funcionário com infracção de qualquer dos deveres correspondentes à função que exerce.
(17) Prof. Marcelo Caetano, Manual do Direito Administrativo, é a edição, p. 524, nota 2; cf. também Do Poder Disciplinar no Direito Administrativo Português, pp. 79 e seguintes. Correspondentemente, o mesmo autor (Manual cit., p. 524) define infracção disciplinar «o facto voluntário praticado pelo agente com violação de algum dos deveres decorrentes da função que exerce».
(48) Ou infractor, como na base II.
(49) A redacção poder-se-ia simplificar, mas convém acompanhe o preceito do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28 219.
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Dizia esta disposição:
Os cidadãos estrangeiros que se encontrem em viagem de turismo no País por tempo não excedente a quinze dias são dispensados da licença para uso de acendedores e isqueiros.
A disposição era limitadíssima:
Quanto às pessoas: só beneficiava os estrangeiros, não por exemplo os nacionais domiciliados no estrangeiro ;
Quanto às circunstâncias: só se referia às viagens de turismo - estavam sujeitos a licença, por exemplo, os estrangeiros que viessem dois dias a Portugal em viagem de negócios;
Quanto ao tempo: só se aplicava se a duração não excedesse quinze dias.
O Decreto n.º 37 807, de 6 de Maio de 1950, veio no seu artigo único alterar esta disposição, que passou a dizer:
São dispensados da licença para uso de acendedores e isqueiros os cidadãos não residentes no continente ou ilhas adjacentes em viagem de trânsito ou turismo, com demora não superior a 80 dias, contados da data da entrada no País.
Assim:
Quanto às pessoas: fala-se em «cidadãos», sem mais, de que o correcto entendimento seria «cidadãos portugueses»; parece preferível substituir pela palavra «pessoas».
Quanto às circunstâncias: fala-se em «viagem de trânsito ou de turismo» - porque não a de negócios ou a de investigação? Parece que seja de omitir qualquer restrição neste ponto. Quanto à duração: aumenta-se para 80 dias.
Note-se que o Regulamento das Alfândegas, aprovado pelo Decreto n.º 31 730, de 31 de Dezembro de 1941, dispõe que «os passageiros que se não destinem a permanecer no País e que tenham declarado trazer armas de fogo, acendedores automáticos ou isqueiros e bilhetes de lotarias estrangeiras e coloniais poderão depositar esses objectos na «estância aduaneira, para lhes serem restituídos por ocasião da saída, desde que a sua demora não vá além de seis meses».
Parece assim que, para uma demora de 6 meses ou 180 dias, o Estado se desinteressa da licença, não havendo razão .para- manter a dualidade: até 80 dias de permanência, pode ficar com o objecto; acima de 80 e abaixo de 180 não paga licença, mas deve deixar o objecto depositado.
E não trazendo a disposição directamente, mas só reflexa ou indirectamente, «diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores» parece não caber na alçada do artigo 97.º da Constituição Política.
E assim aprova a Câmara Corporativa a disposição da base IV, com leve diferença de redacção:
São dispensadas de licença para uso de acendedores e isqueiros as pessoas não residentes no continente e ilhas adjacentes que se encontrem nestes territórios com demora não superior a 180 dias, contados da data da sua entrada.
Base V
23. A inserção num diploma legal de uma disposição revogatória é dispensável. A da base V não está completa: entre as disposições que o projecto altera figura justamente a do artigo 151.º do Regulamento da Inspecção de Finanças, com a redacção do Decreto n.º 37 807, de 6 de Maio de 1950; e, no entanto, nem por esta disposição não figurar entre as referidas na base V deixa de ficar alterada pela lei nova. Propõe assim a Câmara Corporativa que:
Ou se mantenha só a enumeração dos artigos revogados - os artigos 2.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937;
Ou se acrescente às disposições alteradas a que ficou referida.
A Câmara prefere a primeira solução.
24. A revogação expressa do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 28 219 - que estabelecia a conversão em prisão da multa por uso ilegal de acendedores ou isqueiros, em caso de recusa de pagamento - é também em rigor desnecessária: decorre da entrada em vigor, se aprovada, da base I do projecto.
Quanto ao artigo 2.º do mesmo decreto-lei já o caso é diferente.
Esta disposição contém duas partes:
a) Elevação da multa ao dobro «se o delinquente for funcionário do Estado, civil ou militar, ou dos corpos administrativos»;
b) Obrigatoriedade de o chefe da secção de finanças comunicar o delito fiscal à entidade que sobre o mesmo funcionário tiver «competência», «para lhe ser instaurado o competente processo».
25. a) A lei penal só considera circunstância agravante
- e dos crimes (50) - a qualidade de funcionário público se ela for causal em relação ao crime [artigo 34.º, n.º 24, do Código Penal (51)] ou se o agente tiver «a obrigação especial de o não cometer, de obstar a que seja cometido ou de concorrer para a sua punição» (artigo 34.º, n.º 25, do Código Penal).
Só parece realmente justo agravar a sanção prevista para o delito quanto àqueles funcionários que estejam em relação a ele uma conexão especial, do tipo da prevista no artigo 34.º, n.º 29, do Código Penal. Ora, sendo esses passíveis de responsabilidade disciplinar, parece tal agravamento da sanção suficiente à Câmara Corporativa; pelo que aprova a revogação do proémio do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28 219.
A constitucionalidade deste preceito do projecto em face do artigo 97.º, parte final, da Constituição Política parece de novo (tal como quanto à base anterior) assegurada pela circunstância de não impor directamente, mas só eventual ou indirectamente, uma «diminuição de receita do Estado criada por leis anteriores».
26. b) A comunicação obrigatória prevista na parte final do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28 219 compreendia-se num regime em que a infracção fiscal era cx lege sempre, automaticamente, infracção disciplinar.
Não se verificando essa conexão, a referida disposição perde a sua razão de ser. E inútil sobrecarregar as secções de finanças com a necessidade de comunicar um facto que pode, em circunstâncias excepcionais, constituir infracção
(50) Quanto às contravenções, vigora o artigo 33.º do Código Penal: «a responsabilidade criminal por contravenção não pode ser agravada nem atenuada, salvo o disposto no artigo 36.º» (reincidência) .
(51) É circunstância agravante «ter sido cometido o crime prevalecendo-se o agente da sua qualidade de funcionário».
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disciplinar. Se algum caso porventura há em que a comunicação se justifique, tal particularidade pode ser regulada em decreto ou mesmo simples despacho ou ordem interna do Ministério das Finanças.
27. Poder-se-ia acrescentar um novo número à base v, concebido assim:
Em tudo o mais não previsto nesta lei regularão as disposições aplicáveis do Código de Processo das Contribuições c Impostos, bem como do Decreio-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro do 1937, na parte não revogada.
Como, por outro lado, a disposição é desnecessária, a Câmara Corporativa não a faz objecto de uma proposta formal.
28. Aceita assim, pois, a Câmara Corporativa a base V do projecto, com a seguinte redacção:
São revogados os artigos 2.º c 11.º do Decreto-Lei n.º 2S 219, do 24 de Novembro de 1937.
III
Conclusões
29. Assim, a Câmara Corporativa, aceitando na generalidade o projecto de lei n.º 21/VIII, propõe para as suas disposições a seguinte redacção:
BASE I
As multas devidas por infracção ao artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937, não são convertíveis em prisão.
BASE II
1. O infractor ao disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28 219 encontrado em flagrante delito só poderá ser capturado pelo autuante se se recusar a pagar imediatamente a multa e a importância do imposto e além disso não provar a sua identidade e residência.
2. Capturado nos termos do número anterior, o infractor deverá ser conduzido pelo autuante à dependência policial ou posto da Guarda Nacional Republicana mais próximo, ou ao regedor da freguesia, para os efeitos da parte final do § único do artigo 250.º do Código de Processo Penal, não podendo a detenção durar mais de 48 horas.
3. O depósito da multa, atrás previsto, terá lugar também quando se tome conhecimento de que o infractor pretende mudar a sua residência para o estrangeiro ou província ultramarina.
BASE III
Se o transgressor for funcionário do Estado, civil ou militar, ou dos corpos administrativos, será passível da multa prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28 219, incorrendo em responsabilidade disciplinar apenas no caso de a infracção, nos termos gerais de direito, constituir violação dos seus deveres funcionais.
BASE IV
São dispensadas de licença para uso de acendedores e isqueiros as pessoas não residentes no continente e ilhas adjacentes que se encontrem nestes territórios com demora não superior a 180 dias, contados da data da sua entrada.
BASE V
São revogados os artigos 2.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 28 219, de 24 de Novembro de 1937.
Palácio de S. Bento, 5 de Março de 1964.
Adelino da Palma Carlos.
José Alberto da Veiga Leite Pinto Coelho.
José Augusto Vaz Pinto.
José Damasceno de Campos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Duarte Gomes da Silva.
Manuel Jacinto Nunes.
Pedro Mário Soares Martinez.
João de Castro Mendes, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA