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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 143

ANO DE 1964 12 DE MARÇO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 143 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 140 e 141 da Diário das Sessões.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.ºs 53 a 55 do Diário do Governo, que inserem os Decretos-Leis n.0 45 587, 45 589, 45 591, 45 592, 45 594, 45 595 e 45 596.
O Sr. Presidente referiu-se à morte do pai do Sr. Elísio Pimenta e propôs um voto de pesar, que ficou exarado na acta.
O Sr. Presidente, aludindo ao funeral do rei Paulo da Grécia, propôs também que ficasse exarado no Diário um voto de profundo sentimento, que foi aprovado.
O Sr. Deputado Pinto Carneiro requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério dos Negócios estrangeiros e pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista falou sobre as deficiências do ensino no distrito de Viana do Castelo.
O Sr. Deputado Sales Loureiro tratou da acção da Intendência-Geral dos Abastecimentos e da situação dos seus funcionários quanto à reforma.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita recordou a figura do general alemão Vou Lettow, recentemente falecido.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobro o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jerónimo Jorge, Moura Ramos, Dias das Neves, Abranches de Soveral, Gonçalves Rapazote e Baptista Felgueiras.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.

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Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 140 e 141 do Diário das Sessões. Estão em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Se nenhum dos Srs. Deputados deduzir qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Estão na Mesa, para efeitos do. § 8.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 53, 54 e 55 do Diário do Governo. 1.ª série, de 3, 4 e 5 do corrente, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 45 587, que substitui a composição da força da Guarda Fiscal aprovada pelo Decreto-Lei n.º 39 110; 45 589, que revoga o Decreto n.º 21 641 (capacidade produtiva das fábricas de massas alimentícias); 45591, que cria o Centro de Saúdo e Assistência Materno- Infantil do Dr. Bissaia Marreto, q u o funcionará na dependência do Instituto Maternal e nas instalações que constituem o conjunto assistencial da Quinta da Rainha, em Coimbra; 45 592, que fixa as taxas a cobrar como imposto de consumo e por quilograma no continente e nas ilhas adjacentes sobre os tabacos em folha e de origem nacional e ultramarina e dá nova redacção a várias disposições do Decreto n.º 41 397 (regime de importação, fabrico e venda de tabacos na metrópole) ; 45 594, que considera, para todos os efeitos, prorrogado por dez anos o prazo estabelecido no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 39226, que regula o funcionamento da Faculdade de Economia da Universidade do Porto; 45 595, que autoriza a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones a celebrar contratos para o fornecimento, montagem e financiamento de determinadas instalações de telecomunicações incluídas no programa, geral de remodelação do material e desenvolvimento das instalações da referida Administração-Geral; 45 596, que aprova, para ratificação, o Protocolo u Convenção Internacional de Pescarias do Noroeste do Atlântico, assinado um Washington em 15 de Julho de 3963.

Pausa

O Sr. Presidente: - Morreu o pai do nosso camarada Sr. Deputado Elísio Pimenta. Interpretando os sentimentos da Assembleia, vou mandar exarar na acta um voto de profundo pesar pelo facto.
Srs. Deputados: realiza-se hoje o funeral do rei Paulo da Grécia. Sei que interpreto o pensamento da Assembleia mandando exarar no Diário das Sessões um voto de profundo sentimento para exprimir ao Governo Grego e a toda a família real a sua condolência e a do povo português pelo infausto acontecimento que os feriu.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pinto Carneiro.

O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, me sejam prestadas, com a possível urgência, as seguintes informações:

1) Quantas organizações com a denominação de «Casa de Portugal» existem no estrangeiro?
2) Quais os países onde existem tais organizações?
3) Que actividade cultural desenvolvera?
4) De que órgãos de imprensa se utilizam para a difusão da cultura portuguesa? 5) Têm bibliotecas privativas?
6) De que meios financeiros dispõem?
7) Além das «Casas de Portugal», que outras associações portuguesas estão legalmente constituídas em países estrangeiros e quais esses países?
8) Qual a actividade cultural que desenvolvem?

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9) Quais os órgãos cio expansão de cultura portuguesa de que dispõem?
10) Qual o número dos seus associados?
11) Fornece o Governo Português quaisquer directrizes a. essas associações tendentes à maior expansão da cultura portuguesa no Mundo? Em caso afirmativo, de que modo?».

O Sr. Júlio Evangelista:-Sr. Presidente: quando intervim no debate do aviso prévio sobre a educação nacional, evitei muito propositadamente trazer à colação os instantes problemas de ensino do meu distrito, com o intuito, então afirmado, de em melhor oportunidade os abordar nesta Casa da representação nacional. Para o efeito, pedi hoje a palavra.
Está dito e redito que o planeamento educativo não suporta o menosprezo dos. comezinhos problemas do dia a dia, ou mesmo de outros aspectos, como o que hoje aqui me trouxe. E também está dito e redito que de nada nos serviria estar com grandes sonhos e ostentosos planos para daqui a dez ou vinte anos, se entretanto não curássemos de manter, melhorar e alargar aquilo de que dispomos.
O nosso rei D. Carlos soía dizer, quando lhe surgiam pela frente as quezílias e as dificuldades da política do seu tempo, e dizia-o à laia de explicação, que encerra muito de sabedoria: «São estes os portugueses que eu tenho; não tenho outros». Pois também a máquina educativa de que dispomos é aquela de que dispomos, e, por isso, temos de ir contando com ela e procurar dela tirar o máximo rendimento.
É dentro desta ideia que passo a abordar alguns aspectos mais clamorosos da situação do ensino no distrito de Viana do Castelo, pedindo à Câmara e ao Governo que vejam nestas minhas considerações o apelo desesperado de uma região esquecida inexplicavelmente, o «aqui d'El-Rei» de uma população densíssima que, face a tal esquecimento, não encontra outros caminhos senão os da emigração e os da fuga para as grandes cidades - deixando o solo, a gente, os campos e a família, em busca de um lugar ao sol, que a terra não comporta.
Viana do Castelo é o distrito do País com mais baixa escolaridade secundária, logo seguido de Viseu. Bragança e Guarda também não estão em situação brilhante neste aspecto. E se nos lembrarmos de que as grandes taxas de emigração incidem fortemente nestas zonas - talvez lobriguemos como estes problemas vivem mais estreitamente do que muita gente possa cuidar.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - O distrito de Viana do Castelo tem, por junto, uma escola técnica. Para se fazer uma pequena ideia do que isto representa de clamoroso desequilíbrio, basta dizer que o distrito de Braga tem seis desses estabelecimentos escolares - Braga, Guimarães, Barcelos. Vila Nova de Famalicão e Fafe - e o distrito de Aveiro outras seis - Aveiro, Agueda, Oliveira de Azeméis, Espinho, S. João da Madeira e Ovar. Viana do Castelo dispõe apenas da escola técnica da sedo do distrito.
É menos que pouco.

O Sr. António Santos da Cunha:- V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª pode fazer-me o favor de dizer qual a população do distrito de Viana do Castelo e qual a de Braga?

O Orador: - Tenho aqui os mapas estatísticos. Mas o problema é este: o número de escolas técnicas do distrito de Braga pode estar muito bem, o que eu quero dizer é que o de Viana está mal.

O Sr. António Santos da Cunha: - Estou satisfeito.

O Orador: - E pode estar.
Damos a seguir dois quadros estatísticos que nos elucidam a tal respeito, com grande eloquência. São extraídos de uma publicação oficial do Ministério da Educação Nacional, Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, Direcção-Geral do Ensino Primário. Lisboa, 1960, pp. 166 e 272, respectivamente.
Do primeiro quadro vê-se que há no distrito de Viana do Castelo, ao todo, 11 estabelecimentos de ensino secundário, entre particulares e oficiais, grandes,- pequenos e pequeníssimos. De 30 876 alunos que frequentaram a instrução primária, só 525 foram admitidos aos ensinos liceal e técnico, o que dá a mesquinha percentagem de 1,7 por cento.
Do segundo quadro verifica-se que Viana do Castelo leva a lanterna vermelha, quanto ao ensino secundário, entre todos os distritos do continente e ilhas, com 370 alunos no ensino liceal, 301 no ensino técnico e uma percentagem de 13,7, em relação a 32,8, que é a média do conjunto.
A situação só não é grave, porque está abaixo de qualquer qualificação. Pode asseverar-se, com justeza, que é a pior de todo o País.

QUADRO N.º l

[Ver tabela na imagem]

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QUADRO N.º 2

[Ver tabela na imagem]

Considerado o problema numa cobertura razoável, não seriam de mais, além da escola técnica da sede do distrito, dois desses estabelecimentos na zona da Ribeira Lima (abrangendo os concelhos de Ponte de Lima, Ponte da Barca e Arcos de Valdevez) e outros dois na zona da Ribeira Minho (abrangendo os concelhos de Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Paredes de Coura, Monção e Melgaço). Ficaria, deste modo, o distrito de Viana do Castelo dotado de cinco escolas técnicas - o que não seria demasiado, se atendermos à sua densidade demográfica e às carências do seu desenvolvimento económico.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Mas o óptimo é inimigo do bom. Estamos a viver horas tão graves da vida portuguesa que seria impertinente, e até mau serviço prestado u causa nacional, pedir a Lua com o ar de quem pede coisa barata, ou não ter o civismo de reprimir impulsos que nos levariam a reclamar coisas razoáveis, as quais, no entanto a conjuntura aconselha a aguardarem melhor viabilidade.
O Governa atravessa dificuldades que não constituem segredo para ninguém. Apesar disso, tem conseguido este facto extraordinário de não diminuir o ritmo de certas actividades decisivas para a vida do País e de mostrar capacidade para acompanhar a legítima insatisfação de muitos sectores - que há-de ser, afinal, a insatisfação do próprio Governo.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Digo isto muito pensadamente, e é tendo isto presente que venho à Assembleia Nacional lembrar ao Governo o mínimo dos mínimos que o meu distrito reclama, mas com a maior urgência, como necessidade vital inadiável, no campo a que me estou reportando.
Sr. Presidente: há que pôr a funcionar no próximo ano. lectivo a escola técnica de Ponte de Lima, criada pelo Decreto n.º 43 401, de 15 de Dezembro de 1960, e que deve ser o único exemplo, no decurso de quase quatro décadas de Estado Novo, de uma escola, legalmente criada, ter ficado nas tintas ... do Diário de II Governo.

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Foi criada, na convicção de que a Congregação Salesiana iria assumir a responsabilidade pela direcção da Oficina de S. José daquela vila. Por vários motivos que não importam, a Congregação Salesiana não pôde ali estabelecer-se. Da consulta ao decreto, que lhe deu existência legal, na previsão de ser confiada à Congregação Salesiana, resulta que nem sequer é preciso alterá-lo, pois a sua redacção permite perfeitamente ao Governo instalar a escola, e assumir a sua direcção, como já o deveria ter feito.
O artigo 5.º do referido Decreto n.º 43 401 diz, no seu § único, que a escola técnica de Ponte de Lima «pode ser confiada à Congregação Salesiana, mediante acordo de cooperação a estabelecer entre o Estado e a Congregação». Desta redacção resulta que, se o Estado pode estabelecer tal acordo, também pode - uma vez que não há, infelizmente, salesianos em Ponte de Lima, nem possibilidades próximas de os haver - chamar a si a responsabilidade pela direcção e funcionamento da escola.
Ponte de Lima tinha, já em 1960, uma população de 43 188 habitantes, e prevê-se que nessa escola seja ministrado o ensino do ciclo preparatório, complementar de aprendizagem e de aperfeiçoamento agrícola e de formação industrial orientada para as profissões electromecânicas.
Dentro de muito pouco tempo será inaugurado o novo edifício da escola técnica de Viana do Castelo, obra excelente, ampla e de moderna concepção. Em virtude da transferência da escola para este novo edifício, vai ficar desocupado o belo palácio da Praça do General Luís do Rego, de sóbria traça setecentista, onde até agora esteve instalada a Escola Comercial e Industrial e onde em tempos funcionou a antiga escola normal do distrito.

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O Sr. Reis Faria: - Segundo o que me consta, parece-me que com a frequência actual e aquela que virá a ter é possível que o edifício não chegue.

O Orador: - Estou esclarecido a esse respeito pelos serviços competentes de que o actual edifício tem capacidade bastante.

O Sr. Reis Faria: - Mas a frequência é já de 1500 alunos.

O Orador: - Mesmo que o fosso, o actual edifício tem capacidade para a frequência actual c para a que terá daqui a mais uns anos.

O Sr. Reis Faria: - Mas em regime de desdobramento.

O Orador: - Não, em regime normal. V. Ex.ª deve estar mal informado. Informei-me na boa fonte. Aliás, o problema será o da ampliação das instalações, quando for caso disso.
Está previsto, de há alguns anos, que este edifício, propriedade do Estado, fosse aproveitado, uma vez devoluto, para nele se instalar satisfatoriamente a Escola Oficial do Magistério Primário de Viana do Castelo. Não enxergo que até agora algo se tenha feito para tal aproveitamento, e isto preocupa toda a cidade e todo o distrito, e preocupa de tal modo que vão sendo clamorosas as incertezas a tal respeito.
Há compromissos do Governo para criar a Escola Oficial do Magistério Primário de Viana do Castelo logo que vagasse o edifício onde actualmente está instalada a escola técnica, o qual seria aproveitado para o efeito, dadas as excelentes condições de que dispõe.
Em Novembro de 1959, o então Subsecretário de Estado da Educação Nacional, e meu querido amigo, Dr. Rebelo de Sousa, depois de visitar Ponte de Lima, deslocou-se a Viana do Castelo para a escolha do terreno onde se instalaria o novo edifício da escola técnica, assentando-se, então, em que, uma vez inaugurada esta e devoluto o palácio da Praça do General Luís do Rego, logo se iniciaria o processo de criação da Escola do Magistério Primário ou oficialização da escola particular que ali existe.
O Prof. Lopes de Almeida, nosso estimado e distinto colega nesta Câmara, também a Viana se deslocou, quando Ministro da Educação, em princípios de Agosto de 1962, renovando a posição do Governo quanto ao importante problema da Escola do Magistério Primário.
Todos nos habituámos a aceitar como válida a doutrina de que, mesmo quando mudem os homens, o Governo é o mesmo - é o Governo pessoa de bem, é o Governo de Salazar, é o Governo da Nação. Por isso, faço um apelo ao Ministro Galvão Teles, apelo de justificada confiança, para não deixar perder esta oportunidade excepcional de criar a Escola Oficial do Magistério Primário de Viana do Castelo, aproveitando o edifício donde vai sair a escola técnica dentro de um mês ou dois. É um apelo do distrito mais enteado em matéria de ensino, o apelo de um povo que muito ama a terra onde nasceu e na qual não encontra, infelizmente, os meios de aprender e se preparar profissionalmente para a vida.
Apelo paira o Sr. Ministro da Educação, num brado que é quase de angústia, e apelo para o Sr. Ministro das Finanças, porque no tocante às dotações orçamentais nada o Ministério da Educação Nacional poderá fazer sem o seu apoio tempestivo e útil.
Parece que andam no ar ideias de que já temos professores a mais, o que não pode deixar de nos confranger, pois o que nós temos é escolas a menos.

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Mas, ainda quando assim se entendesse, a criação da Escola Oficial do Magistério Primário de Viana do Castelo em nada iria contribuir para o aumento de diplomados, pois apenas substituiria, como está previsto, a escola particular que naquela cidade funciona, dando aos interessados as garantias e as vantagens do ensino oficial - além de satisfazer o próprio prestígio legítimo da cidade, cabeça do Alto Minho, capital de uma das mais belas e populosas e características regiões do País.
Voltemo-nos agora, por instantes, para a região da Beira-Minho, que está igualmente desprezada quanto ao ensino secundário.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª falou há pouco em Alto Minho e Baixo Minho, agora em Beira-Minho. V. Ex.ª não acha que são Minhos a mais?

O Orador: - Suponho que V. Ex.ª compreendeu bem onde quero chegar.
Tenho tido sempre o cuidado de, sem magoar ninguém, estabelecer uma diferença entre Alto Minho e Baixo Minho, diferença essa que não é apenas de natureza geográfica ou económica, mas também de natureza paisagística e social. De tal modo que foi com muita satisfação que vi na última revisão constitucional acabar com as províncias ...

O Sr. António Santos da Cunha: - Ai isso é que não acabaram!

O Orador: -Tenha paciência. Escute o resto! Acabar com as províncias ... como autarquias locais.
Se, efectivamente, quando falo em Alto Minho e Baixo Minho V. Ex.ª não compreende, os meus queridos colegas e a gente da minha terra compreendem muito bem.

O Sr. António Santos da Cunha: - Só conheço um Minho.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª também podia falar no Médio Minho.

O Orador: - Fica para os lados de Braga.
Não fora a iniciativa particular, a Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras e ainda o excelente colégio diocesano de Monção - unidade que emparceira dignamente com o colégio diocesano de Viana -, e tudo seria deserto, árido, abandonado. De Viana do Castelo a Melgaço são 100 km de percurso. Se um modesto rapaz do Melgaço quiser frequentar uma escola técnica, terá de se deslocar 100 km para encontrar uma, que, aliás, está superlotada.

O Sr. António Santos da Cunha: - Desculpe-me mais uma vez interrompê-lo, mas quero dizer-lhe que tem a menos quilómetros de distância uma escola, que é em Braga.

O Orador: - Muito obrigado. Mas eles não conhecem bem o caminho.

O Sr. António Santos da Cunha: - Conheceu-o V. Ex.ª

O Orador: -E não estou arrependido!

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Se for de Monção ou de Valença, terá de vencer 71 km e 53 km, respectivamente; se for de Cerveira, mais de 30 km. Se for de Paredes de Coura, no coração do distrito, então será melhor para ele desistir da aspiração!
Admitindo que o concelho de Caminha possa, entretanto, utilizar a escola técnica de Viana, só os restantes concelhos que referi englobam, pelo censo de 1960, uma população d e 87 757 almas, assim distribuídas:

Melgaço ...................................... 18 211
Monção ....................................... 27 393
Valença ...................................... 16237
Vila Nova de Cerveira ........................ 11 030
Paredes de Coura ............................. 14 886
______________
Total ......... 87757

Se nos virarmos para o outro lado, para os concelhos da Ribeira Lima, o panorama é igualmente de estimular a desistência. Um rapaz de Arcos de Valdevez (38 990 habitantes) ou de Ponte da Barca (17 776 habitantes) terá de se deslocar quase dez léguas para bater à porta de uma escola técnica superlotada.
A situação é desesperante, é mesmo humilhante. Como disse no começo, o problema seria solucionado eficientemente com duas escolas na Ribeira Lima e outras duas na Ribeira Minho. (Mas, repetimos, pedindo o mínimo dos mínimos, ponha-se- a funcionar, para já, a de Ponte de Lima e crie-se uma na zona da Ribeira Minho. Um distrito como ode Viana do Castelo não pode sofrer, sem grave prejuízo para o progresso do País, que nele existam apenas dois dois! - estabelecimentos oficiais de ensino secundário.

Vozes: -Muito bem!

O Sr. Pinto de Mesquita: - Algum cicies está previsto como escola agrícola secundária?

O Orador: - Vejo que V. Ex.ª não acompanhou toda a minha intervenção. A escola de Ponte de Lima ministrará o ensino agrícola.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Peço desculpa e agradeço o esclarecimento.

O Orador: - Em elementos oficiais, publicados polo Ministério da Educação Nacional, recolhemos informações, relativas ao ano de 1960, segundo as quais, conforme atrás referi, no distrito de Viana do Castelo, a proporção de alunos da 4.a classe que tentam o prosseguimento dos estudos nos liceus e escolas técnicas é a mais baixa, do País. com a taxa de 13,7 por cento. Nesse mesmo documento (ob. cit., Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, Direcção-Geral do Ensino Secundário, Lisboa, 1960, pp. 272 e 273), escreve-se:

Nos distritos de Viseu, Viana do Castelo e Guarda não chegam a 2O por cento dos alunos da 4.a classe os que concorrem ao ensino secundário. São diversos os factores que explicam essas diferenças entre as regiões. Além das oportunidades para o acesso ao ensino secundário, devem considerar-se as condições do meio e o nível das actividades culturais e económicas.

E noutro passo, isto, que define a situação:

Observando os índices relativos aos distritos de Viseu o de Viana do Castelo, pode ver-se quanto, para além dos factores de natureza cultural, social e económica, são das facilidades resultantes da acessibilidade das escolas que se têm mostrado mais relevantes para a frequência dos estudos secundários (idem, p. 165).

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: é esta a situação. Muito se tem falado em planeamento educativo e muito se tem dito das virtualidades, dir-se-ia que por si mesmas salvadoras, de tal método de acção. Nós continuamos a afiançar que o planeamento só por si não chega. O caso do distrito de Viana de Castelo mais nos confirma em tal ideia.
Com efeito, para esta região, há um planeamento determinado pelo Ministério da Educação Nacional com base no qual e com, vista à 1.ª fase, se criou a escola técnica de Ponte de Lima pelo Decreto n.º 43401, de 15 de Dezembro de 1960; se previu a criação da escola do magistério primário, e se mandou proceder aos estudos preparatórios para a criação de uma escola técnica na zona do rio Minho
Há, portanto, um planeamento - planeamento distrital -, mas sem execução, provavelmente por falta de possibilidades financeiras. Ora, se todos os planeamentos paralisassem como este, então melhor seria não planear grandes coisas.

O Sr. Virgílio Cruz: -V. Ex.ª dá-mo licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Virgílio Cruz: -V. Ex.ª é capaz de dizer, pura esclarecer a Assembleia, quanto é que foi gasto em escolas técnicas e liceus no último quinquénio?

O Orador: - V. Ex.ª sabe de cor?

O Sr. Virgílio Cruz: - Sei que foram cerca de 500 000 contos.

O Orador: - E que é que isso representa para o que tenho estado a dizer?

O Sr. Virgílio Cruz: - Quero dizer que se em cinco anos gastámos cerca de 500 000 contos na construção de escolas técnicas e liceus, isso significa que não estamos parados.

O Orador: - Tenho usado sempre na minha vida, nas minhas atitudes e nas minhas palavras, e ninguém me dá lições a tal respeito, do maior espírito construtivo. Digo que se criou uma escola por um decreto de Dezembro de 1960, e não funciona. Digo que Viana está mal, quanto ao ensino.

O Sr. Virgílio Cruz: - O meu aparto é paru esclarecer a Câmara e dizer que o plano de construções de escolas técnicas a que V. Ex.ª se referia não tem estado parado.

O Orador: - Mas isso em nada contraria a minha afirmação.

O Sr. Virgílio Cruz:-O que quero é mostrar que se tem trabalhado, o desejo que para Viana do Castelo, para Braga, para Vila Real e para todos os distritos se faça muito.

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O Orador: - Mas o que me quer parecer é que neste aspecto a gente uca com a impressão de que há filhos e enteados. O meu distrito dá-me a impressão de que é enteado. Não atiro com as culpas ao Governo, longe de mim, mas a todos os condicionalismos que entretanto surgiram.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Dou-lhe todas as licenças que quiser.

O Sr. António Santos da Cunha: - Vou mais uma vez à raiz das coisas que determinaram a minha primeira intervenção. E começarei por dizer que considero V. Ex.ª como um dos valores mais válidos da sua geração e todos sabem o respeito e estima pessoal que tenho por V. Ex.ª
Mas quero dizer que considero incompleto o estudo que V. Ex.ª apresentou, e não quero acreditar que o tenha feito propositadamente. V. Ex.ª disse que há distritos que têm sido enteados e outros têm sido filhos.

O Orador: - Não disse. Parece que tem sido ...

O Sr. António Santos da Cunha: - Em política, o que parece é, disse o Mestre de todos nós.
A situação de Viana do Castelo não é pior que a dos outros distritos, inclusivamente o distrito de Braga.

O Orador: - Pois, com seis escolas técnicas! Apenas seis vezes mais que o distrito de Viana do Castelo ! ...

O Sr. António Santos da Cunha: - Mas qual é a população do distrito de Braga comparada com a do distrito de Viana do Castelo?

O Orador: -Eu digo-lhe já ...

O Sr. António Santos da Cunha: - Mas ainda não disse, e tinha-o prometido.

O Orador: - Braga tem na 4.a classe 10 997 alunos, enquanto Viana do Castelo tem 4898. Isto são números retirados de elementos oficiais do Ministério da Educação Nacional, referentes a 1960.
Como vê, Braga está longe de ter seis vezes mais alunos na 4.a classe do que Viana do Castelo, mas tem seis vezes mais escolas técnicas. E não as invejo, note bem!

O Sr. António Santos da Cunha:-Mas eu queria que V. Ex.ª dissesse qual é a população total de Viana do Castelo e de Braga.
O que V. Ex.ª disse tem o nosso apoio, menos quando pretende dizer que há enteados e filhos.

O Orador: - V. Ex.ª fez-me uma pergunta, mas não tirou da minha resposta a conclusão válida. V. Ex.ª perguntou-me quais eram as populações escolares do distrito de Braga e do distrito de Viana do Castelo.

O Sr. António Santos da Cunha: - Não perguntei. O que perguntei foi qual era a população total.

O Orador: - Mas o que interessa para aqui é a população escolar!

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª sabe muito bem que pode haver uma fuga à matrícula ...

O Orador: - Ora, ora! As fugas hoje são mínimas.

O Sr. António Santos da Cunha: Desgraçadamente, não tão mínimas como parece.

O Orador: - O que eu digo é que V. Ex.ª fez uma pergunta relativa, aos números de frequência escolar de Braga e de Viana do Castelo, para pretender desmentir que Viana do Castelo estivesse numa situação injusta.

O Sr. António Santos da Cunha: - E está. Mas o distrito de Braga não está melhor.

O Orador: -Então V. Ex.ª concorda! É bom que os Srs. Taquígrafos tomem nota.
À pergunta de V. Ex.ª, a minha resposta foi que Braga tem, números redondos, 11 000 alunos na 4.º classe e Viana do Castelo 5000, Braga tem seis escolas técnicas e Viana do Castelo uma. A proporção é, efectivamente, desoladora. Mas não as invejo, repito, acho até que merecia mais. V. Ex.ª é que nos levou para este terreno ...

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª está a esgotar o tempo regimental ...

O Orador: - Estou mesmo nas minhas últimas palavras, Sr. Presidente.
É por isso mesmo que apelo, não só para o Sr. Ministro da Educação Nacional, mas igualmente para o Sr. Ministro das Finanças, de quem julgo depender, em boa parte, a solução dos problemas de ensino da minha região.
Só faço votos por que daqui a um ano possa esta mesma voz, humilde voz de um homem nado, criado e enraizado no Alto Minho, erguer-se nesta Câmara para agradecer ao Governo o que, entretanto, houver feito - não já para benefício do distrito, mas para dignificação do próprio ensino em Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sales Loureiro:-Sr. Presidente: tem o Governo, através de órgãos e medidas especiais, actuado numa acção digna do maior louvor, contra actividades ilegítimas e ilegais de açambarcadores, especuladores e mixordeiros. Numa defesa enérgica, acérrima, do interesse público, como lhe cumpre, vem contrariando a tendência para a elevação do preços dos géneros alimentícios de primeira necessidade, combatendo os abusos especulativos. Ainda controla e fiscaliza os circuitos de distribuição dos produtos contingentados, em luta aberta contra o açambarque, enquanto, por outro lado, defende com denodo e vigor a saúde pública, sujeita a mixordeiros sem escrúpulos, para cujos crimes ainda a nossa lei, apesar de há tempos revigorada, parece não ter encontrado a cominação rigorosa que tal prevaricação exige.
Hoje, mais do que nunca, importa atacar frontalmente toda a indevida tendência de subida do custo de vida para que se não agravem os males de que padecemos; exige-o o nossa contingência económico-financeira; determina-o a contextura da, nossa organização social.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Instrumento eficaz, prestimoso, desta política do Governo, vem-nos sendo, de há anos atrás a Intendência-Geral dos Abastecimentos, muito particularmente, através do Serviço de Fiscalização, provido de um quadro de funcionários que num trabalho penoso.

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absorvente, ingrato, extenuante, vêm oferecendo ao País um exemplo raro de dedicação, de zelo e de altruísmo que seria injusto, nesta eventualidade, evitarmos destacar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Essa operosa actividade dos funcionários de fiscalização, o seu escrúpulo e desvelo, o seu incondicional labor, o seu alto préstimo público - tudo isto tem sido sobeja e expressivamente patenteado e elogiado em documentos oficiais, não só por departamentos estaduais,- como por ilustres membros do Governo, e reconhecido o seu mérito, quer pelo público em geral, quer pela imprensa, que lhes vêm demonstrando o seu apreço.
É da sua situação especial que hoje vimos tratar, já que um apelo de flagrante justiça social nos move e que vai de encontro ao melhor abrigo da ética social do Regime, que, apoiado nas virtudes cristãs do nosso povo, é conforme a doutrina social da Igreja. Doutrina que, à luz revelada das encíclicas, é, no que concerne a estes assuntos, esclarecida e autorizada «Madre»!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: criada a Intendência-Geral dos Abastecimentos pelo Decreto-Lei n.º 32945, de 2 de Agosto de 1943, só posteriormente, e pelo Decreto-Lei n.º 35 809, de 16 de Agosto de 1946, vem ao dia a sua Direcção do Serviço de Fiscalização.
Todavia, o Decreto-Lei n.º 80 108, de 16 de Fevereiro de 1953, que reorganizou a totalidade dos serviços daquela Intendência-Geral. incluindo a aludida Direcção do Serviço de Fiscalização, foi o que criou o actual quadro do respectivo funcionalismo. E todos os funcionários que, presentemente, fazem parte desse quadro e prestam serviço na Direcção do Serviço de Fiscalização têm a seguinte proveniência:

a) Funcionários dos organismos corporativos e de coordenação económica, requisitados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 35 809, para prestarem serviço na Direcção do Serviço de Fiscalização, que, quando da promulgação do Decreto-Lei n.0 39 108, foram integrados, ao abrigo do seu artigo 11.º, no quadro criado pelo artigo 8.º do mesmo diploma, conforme a lista assinada por S. Ex.ª o Ministro da Economia, publicada no Diário do Governo n.º 39, 2.a série, de 16 de Fevereiro de 1953. Estes funcionários, em virtude de tal integração, deixaram de pertencer aos organismos donde provinham e passaram a ser funcionários públicos, conforme parecer da Procuradoria-Geral da República, homologado por despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Orçamento, datado de 8 de Setembro de 1961, e publicado no Diário do Governo n.º 234, 2.º série, de 6 de Outubro seguinte;
b) Oficiais do Exército, requisitados também ao abrigo do Decreto-Lei n.º 35 809, para prestarem serviço na Direcção do Serviço de Fiscalização e que, aquando da promulgação do Decreto-Lei n.º 39-108, foram igualmente colocados, por força do seu artigo 11.º, no quadro criado pelo artigo 8.º do mesmo diploma, conforme a já referida lista assinada por S. Ex.ª o Ministro da Economia e publicada no Diário do Governo.
c) Funcionários que prestavam serviço, como contratados, em outros departamentos da Intendência-Geral dos Abastecimentos e passaram para a Direcção do Serviço de Fiscalização, como era permitido pelo Decreto-Lei n.º 35 809, e que, quando da promulgação do Decreto-Lei n.º 39 108 e ao abrigo do seu artigo 11.º, foram igualmente integrados no quadro criado pelo artigo 8.º deste diploma, conforme a já citada lista, assinada por S. Ex.ª o Ministro da Economia e publicada no Diário do Governo. Estes funcionários, por motivo de tal integração, passaram também a ser funcionários públicos, conforme o já citado parecer da Procuradoria-Geral da Repúbica.

Em relação aos funcionários mencionados nas alíneas a) e c) existem problemas e situações de verdadeira anomalia e injustiça, que urge solucionar e reparar. Assim:
No que respeita aos funcionários mencionados na alínea a), embora o Decreto-Lei n.º 39 108, que lhes reconheceu a qualidade de funcionários do Estado (e consequentemente tornou obrigatória a sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações e os descontos respectivos), date de 16 de Fevereiro de 1953, aquela Caixa só conta a inscrição a partir de Janeiro de 1954, alegando que só no Orçamento deste último ano vem discriminada para vencimentos a verba pela qual os funcionários são pagos.
Desta forma, tais funcionários não só perdem todo o tempo de serviço que medeia entre a publicação do Decreto-Lei n.º 39 108 e o início do desconto para a Caixa (praticamente um ano), mas igualmente todo o tempo em que anteriormente prestaram serviço na Direcção do Serviço de Fiscalização, tempo este que, para a quase totalidade dos funcionários, é de oito anos, visto prestarem serviço naquela Direcção desde a sua criação em 1946, como consta da lista de antiguidade dos funcionários da Intendência-Geral dos Abastecimentos referente ao mesmo ano, publicada no ano seguinte no Diário do Governo.
Esta situação é, entretanto, agravada ainda por outras circunstâncias. Tais funcionários fizeram descontos para as caixas de previdência dos organismos corporativos e de coordenação económica, não só durante aqueles oito anos em que efectivamente prestaram serviço ao Estado como requisitados pela Direcção do Serviço de Fiscalização, mas também, a maioria, desde muito antes - desde a fundação daquelas caixas.
E todo esse tempo de serviço e todos esses descontos, para alguns referentes a 20 e até 24 anos, são agora totalmente perdidos, pois, tendo, por. imposição legal (Decreto-Lei n.º 39 108), passado a ser funcionários do Estado e, como tal, subscritores obrigatórios da Caixa Geral de Aposentações, não podem continuar a descontar para as caixas de previdência, para onde já descontavam há 8 anos, quando há 16 ingressaram na Intendência-Geral dos Abastecimentos, e menos podem receber delas quaisquer regalias ou por elas ser aposentados. Mais ainda: tais funcionários, por motivos totalmente alheios à sua vontade e que eles próprios ignoram, continuaram, embora ilegalmente, a sofrer nos seus vencimentos descontos para as caixas de previdência, mesmo depois de 1954 e até, pelo menos, 1958, estando, por esse motivo, ainda por regularizar a sua quotização para a Caixa Geral de Aposentações referente àquele período e, portanto, por contar, para efeitos de aposentação, esse tempo de serviço, havendo, assim, funcionários que só apenas há 2 anos descontam para a Caixa Geral de Aposentações.

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Quanto aos funcionários mencionados na alínea ò), não obstante as disposições legais (artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 28 404) que determinam a fixação das pensões de reforma dos oficiais do Exército com base nos vencimentos auferidos pelas funções civis que exerçam, a Caixa Geral de Aposentações alega ser isso impossível em virtude de o seu consultor jurídico entender que a lntendência-Geral dos Abastecimentos, consequentemente a sua Direcção do Serviço de Fiscalização, continua a ser «um organismo de carácter casual e temporário» (sic), mesmo depois da publicação do Decreto-Lei n.º 39 108.
E ainda que, também mesmo depois da publicação daquele diploma e do disposto no seu artigo. 11.º, e a despeito da lista dos funcionários assinada por S. Ex.ª o Ministro da Economia e publicada no Diário do Governo, se manteve a nomeação temporária dos oficiais que nela prestavam serviço.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. António Santos da Cunha: - Queria dizer o seguinte: não sei de facto a maneira de resolver o problema, mas devo dizer que o Governo tem de reparar nele, pois está em jogo uma classe numerosa com altos serviços prestados ao País, com constantes provas de devoção pela causa pública e a sua esmagadora maioria inteiramente dedicada ao Regime, pelo que entendo que a sua situação, que está causando justos reparos, merece que o Governo se ocupe dela.
Felicito V. Ex.ª pela oportunidade da sua intervenção.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sr. Deputado: é esclarecedora, esclarecida e reconfortante a interpelação de V. Ex.ª, mas quero adiantar que me vou ocupar da maneira como poderá ser solucionada a questão.
E continuando:
Desta forma, tais funcionários, com dezasseis anos de serviço na Direcção do Serviço de Fiscalização da Intendência-Geral dos Abastecimentos, descontando sempre pelos respectivos vencimentos para a Caixa Geral de Aposentações, vêem todos esses descontos perdidos para efeitos de fixação da sua pensão de reforma, ficando, assim, em manifesta desigualdade com os oficiais que desempenham funções civis noutros departamentos do Estado e não menos manifesta desigualdade com os funcionários civis da própria Intendência-Geral dos Abastecimentos de igual categoria.
Mais ainda: quase todos, ou todos, esses oficiais foram, quando da promulgação Decreto-Lei n.º 39 108, que criou o quadro do pessoal da Intendência-Geral dos Abastecimentos, de certo modo, compelidos a passar à situação militar de reserva, para poder ser mantida a sua colocação no quadro da Intendência-Geral dos Abastecimentos, visto o Ministério do Exército alegar então que a sua comissão de serviço cessara com tal colocação, não podendo pertencer simultaneamente a dois quadros de pessoal.
Assim, ficam os mesmos oficiais altamente prejudicados no quantitativo da sua pensão de reforma, pois perderam, desta forma, todas as possibilidades de promoção no Ministério do Exército e os aumentos de tempo para a reforma que ganhariam se, mesmo na reserva, continuassem a prestar serviço naquele Ministério.
Quanto aos funcionários mencionados na alínea c), já descontavam para a Caixa Geral de Aposentações desde Janeiro de 1948; mas, prestando, de facto, serviço ao Estado, na Intendência-Geral dos Abastecimentos, desde a sua criação, em 1943, e outros desde 1945, o tempo que medeia entre a sua entrada ao serviço e Janeiro de 1948 não lhes é contado para efeitos de aposentação, alegando a Caixa Geral de Aposentações que antes deste último ano não havia qualquer disposição legal que lhes permitisse serem subscritores da mesma Caixa, dado o carácter casual e temporário da Intendência-Geral dos Abastecimentos.
Desta forma, tais funcionários perdem, para efeitos de aposentação, uns cinco e outros três anos de serviço prestado ao Estado num organismo cujo carácter temporário, afinal, já dura há mais de vinte anos, quando para se adquirir o direito à aposentação como funcionário público bastam apenas quinze anos de serviço!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a solução para a maior parte destes problemas, assim como a justa regularização das situações apontadas, só encontraria a sua natural viabilidade mediante a publicação de um diploma legislativo, com força de decreto-lei, que contivesse as seguintes disposições:
1.º Todos os funcionários da Direcção do Serviço de Fiscalização da Intendência-Geral dos Abastecimentos seriam retroactivamente inscritos na Caixa Geral de Aposentações a partir da data em que foram admitidos ao serviço do Estado, desde que o requeressem no prazo fixado pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 36 610, de 24 de Novembro de 1947, ficando sujeitos, relativamente ao tempo em que não estiveram inscritos, ao pagamento da quota legal, calculada sobre o vencimento actualmente auferido e acrescido do juro a que se refere o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 26 503, de 6 de Abril de 1936.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O débito apurado poderia ser pago, sem acréscimo de novos juros, em prestações mensais descontáveis em folha, no número máximo de 60.
2.º A pensão de reforma dos oficiais do Exército que já prestavam serviço na Intendência-Geral dos Abastecimentos quando da publicação do Decreto-Lei n.º 39 108, de 16 de Fevereiro de 1953, e foram colocados no quadro a- que se refere o artigo 8.º do mesmo diploma seria fixada com base nos vencimentos que auferissem no cargo civil que desempenhassem neste organismo. 3.º A Caixa de Previdência dos Empregados de Escritório e dos Organismos Corporativos transferiria para a Caixa Geral de Aposentações as importâncias respeitantes à parte das reservas destinadas à aposentação dos empregados seus beneficiários e que passarão a ser subscritores da segunda:

a) As reservas a transferir serão as correspondentes ao tempo de serviço a considerar pela Caixa Geral de Aposentações para efeito de aposentação;
b) A diferença porventura existente entre a importância transferida e a apurada pela Caixa Geral de Aposentações seria liquidada nos termos do disposto na parte final do n.º 1.º;
c) As dúvidas ou omissões seriam resolvidas por despacho dos Ministros das Finanças, das- Corporações ou da Economia.

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Sr. Presidente: é sensivelmente semelhante a este o projecto de resolução oportunamente apresentado pela 11.a Repartição da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, a que atrás se alude.
A adopção deste esquema asseguraria o futuro de duas centenas de zelosos servidores do Estado, núcleos de agregados familiares numerosos, ...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - ... que vivem do trabalho dos seus chefes, que, numa labuta árdua e constante de vinte anos, vêm defendendo a economia nacional, a saúde pública a os interesses dos consumidores - numa oferta- integral à defesa do bem público!

O Sr. Carlos Coelho: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Carlos Coelho: - Para reforço da solução preconizada por V. Ex.ª, posso adiantar que já há um precedente em relação ao numeroso grupo de funcionários do Ministério da Saúde e Assistência que, em situação semelhante à dos funcionários a que V. Ex.ª alude na sua intervenção, vão finalmente ser integrados na Caixa Geral de Aposentações.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o reforço da sua intervenção e aludirei a seguir às duas entidades que já estão a usufruir deste benefício.
Aliás, a aceitação do esquema proposto não é caso inédito. Procedimento idêntico se adoptou para resolver problemas semelhantes, de que são exemplo a reorganização dos serviços do Comissariado do Desemprego (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 85 200, de 24 de Dezembro de 1945) e a da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 39749, de 9 de Agosto de 1954).
A solução deste caso torna-se tanto mais premente quanto é certo estarem muitos daqueles chefes prestes a atingirem, no ano corrente, o limite de idade -um deles já no fim do próximo mês de Maio! -, abandonando, desta forma, o exercício das funções públicas sem os direitos que as mesmas conferem: com particularidade da pensão de aposentação!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta é um direito inalienável de todo o trabalhador: seja do serviço público, seja da empresa privada!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E não pode ser concebido que, após mais de vinte anos de trabalho ao serviço do País, tempo durante o qual sofreram descontos legais para a reforma, sejam lançados na miséria funcionários que, na ânsia natural e absorvente de bem servirem -alguns deles até à exaustação! - repousavam no reconhecimento do Estado u resolução das suas legítimas aspirações.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os fiscais da Intendência, combatendo com verdadeiro espírito de cruzada a corrente altista que agora perniciosamente se manifesta, apanhando nas malhas da lei candongueiros sem escrúpulos, que lançam no mercado suínos atacados de peste, e outros dementados que, na ânsia ilimitada do lucro, adulteram produtos de exportação, bem merecem o carinho e a protecção de todos aqueles para quem a justiça social não é palavra vã.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Assim vem sucedendo com os nossos governantes, que, numa legislação, dia a dia mais perfeita, dominada pelo espírito do social, vêm revelando ao Mundo a certeza das nossas preocupações humanas, provinda directamente do nosso humanitarismo cristão.
Tal tem sido o nosso avanço neste domínio, particularmente através do Ministério das Corporações, que situações como estas, por anómalas e discricionárias, berram alto pela sua flagrante injustiça.
Assim, não obstante as dificuldades por que passa, há-de o Governo encontrar urgentemente, com acerto e justiça, o instrumento legislativo necessário que contenha as providências requeridas!
A solução deste problema dos funcionários da fiscalização da Intendência já não carece de particular estudo, nem obriga sequer a movimentação financeira digna de monta, requer -isso sim! - uma justiça nutrida pela inteligência; uma prontidão nascida da vontade; um acolhimento urdido e recomendado pelo coração!

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há-de fazer-se justiça rápida aos fiscais da Intendência, porque do seu labor anónimo, mas magnífico, tem extraído o maior proveito a comunidade, e com ela também a alma do País - a própria Nação!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Mesquita: -Sr. Presidente: acaba de morrer nonagenário o general alemão Paulo von Lettow Vorbeck! O general von Lettow de 1914-1918 na África oriental!
Com os cataclismos que subverteram a Alemanha da Segunda Grande Guerra, é como se nos reaparecesse um fantasma, pois já andávamos há muito alheados da sua sobrevivência física.
Para as gerações novas mais um nome declinado nos jornais, com biografia e tudo, sendo contudo de lembrar que as suas Memórias se acham traduzidas em Português. Outro tanto não sucederá com os do meu tempo, bem como com os militares e ainda os Moçambicanos. O seu equivalente alemão na última guerra foi-o, como seu discípulo Rommell. Como relata a imprensa de hoje, von Lettow foi o invicto chefe das forças militares alemãs na África oriental durante a Primeira Grande Guerra e, incontestavelmente, a alma da quase sobre-humana resistência daquelas.
Foi contra ele que, entrados no conflito, tivemos, os Portugueses no encalço dos Sul-Africanos e dos Ingleses, de nos empenhar para a defesa de Moçambique.
Mais de dois anos de guerra com vária fortuna, de que muitas lições proveitosas se puderam tirar, e decerto as não esqueceram o nosso Estado-Maior e os actuais combatentes de Angola e da Guiné.
Já quando as forças de von Lettow não passariam de escassos 1.500 a 2000 homens, ainda haviam de se mobilizar contra ele. para lhe circunscreverem os movimentos, cerca de 25 000 combatentes!

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Mas para além dos seus talentos militares excepcionais, e que a sua resistência por mais de quatro anos basta para ilustrar, quero salientar quanto ao vigor desta personalidade três traços.
Primeiro, o do amor inquebrantável e lúcido à sua pátria e o correspondente dever de fidelidade militar.
Segundo, o de um carácter firmíssimo, que não transigia com a derrota; a que o obstáculo de um muro aparentemente intransponível não obrigava a curvar a cerviz. São desta espécie os raros Nun'Alvares que por antecipação se não resignam à derrota. E a sua lição é de que a luta, como dizia o poeta, vale sempre a pena «quando a alma não é pequena»,
Assim se conquistam «milagres»!
Terceiro, o de que este idealismo de amor pátrio, de cumprimento do dever e de perseverança de propósito não são incompatíveis com os tradicionais princípios de honra e brio militares, e até generosidade na vitória - de que paru connosco deu provas inequívocas: lembre-se a restituição da espada ao capitão Curado depois da serra M'cula -, coisas estas que, hoje quem as tenha ainda há, são obtidas por virtude. Todas estas qualidades constelam a memória do cabo de guerra que, coberto de glória e ferido ulteriormente pela adversidade sua e da sua pátria, acaba de morrer.
Em vida estes méritos foram-lhe ainda reconhecidos pelos antes seus adversários: foi Smuts, o general aliado que o enfrentara, a convidá-lo a tomar parte, em 1929, num banquete de combatentes da guerra de África, realizado em Londres e a que von Lettow veio a assistir. Fomos nós a festejá-lo, autoridades e povo, em Moçambique, quando anos depois daquela guerra por ali passou em turismo de saudade. Estas manifestações de reconhecimento ao valor e virtude alheios também concorrem para nos reconfortar de que nem tudo quanto diz respeito ao mérito moral se obliterou.
Sr. Presidente: uma última razão temos para sermos gratos a von Lettow: a de um aparente desaire militar nosso se ter convertido - o caso não é raro na- história - em importante, embora discreto, sucesso político. Foi este o ter-se escapado em 1918 aquele cabo de guerra ao cerco que em Moçambique se lhe apertava para ir infiltrar-se em plena Rodésia, onde veio a depor as armas (que por amor à honra lhe foram conservadas) só quando a Alemanha capitulou na Europa.
Este simples facto, decerto não decorrente do propósito do inimigo de então nos querer favorecer, não deixou de ser-nos altamente benéfico na ulterior conferência da paz, onde grossa sensaboria nos deveria esperar se a capitulação se tivesse passado no nosso território.
Mais um motivo este, e grande, para a nossa gratidão para com a memória de von Lettow.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua, o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo Jorge.

O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: ao tratar-se do problema do incremento do turismo entre nós, julgo ser de interesse focar o aspecto da contribuição que a marinha mercante lhe pode proporcionar e cuja importância se torna desnecessário encarecer.
Se o turismo envolve na sua concepção global as regiões por ele abrangidas, instalações hoteleiras suficientes e condignas, distracções, acolhimento, atractivos de vária ordem, não é de menosprezar nesse conjunto o aspecto dos transportes e comunicações que o servem, tais como: estradas, caminhos de ferro, carreiras aéreas e ... marítimas. Pode mesmo dizer-se que sem transportes e comunicações fáceis não há turismo, e muito menos turismo em larga escala.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Os navios - sobretudo nesta época em que os cruzeiros marítimos tendem a multiplicar-se - vêm-se acreditando como um meio indispensável e precioso de servir o turismo.
Quanto a nós, a importância das viagens turísticas por mar assume aspecto primordial, dado o facto de sermos um país que pela sua geografia e tradição é indiscutivelmente um país marítimo que, além de uma faixa litoral metropolitana e das formosas ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, abrange vastos territórios ultramarinos espalhados por diversos oceanos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os turistas deslocam-se em grande parte nos seus trajectos de ida e volta em navio.
Uma viagem turística não se confunde, nem pode confundir-se, como é óbvio, com uma viagem de negócios. Nesta predomina o interesse em se chegar o mais rapidamente possível ao ponto de destino; naquela sobreleva a circunstância de ser uma viagem de repouso e distracção, de cura tonificante para a agitada vida moderna, e por isso é acompanhada de períodos de permanência mais ou menos prolongada nos portos, para que o turista possa, à vontade e sem pressas, apreciar as belezas naturais, os atractivos cinegéticos, as maravilhas artísticas ou as recordações históricas que constituem justamente o património turístico dessas regiões.
Por tal motivo, se o avião tende a ser preferido pelos financeiros, industriais ou comerciantes, o mesmo não sucede com os turistas, como o atesta o êxito crescente dos cruzeiros marítimos, particularmente nestes últimos anos.
Por outro lado, perante os progressos técnicos da aviação e da sua resultante concorrência em todo o Mundo com as companhias de navegação marítima, estas estão a interessar-se, e cada vez mais, pela realização de cruzeiros que as compensam da diminuição de passageiros verificada em proveito da via aérea.
Mas as estatísticas vêm sem dúvida demonstrando que há clientela em abundância para navios e aviões, sempre que se processe uma captação inteligente e bem orientada.
Nada impede, no entanto, e muitas vezes seria até de aconselhar, um serviço combinado entre o navio e os outros meios de transporte: o comboio, o autocarro e o avião, para conveniência do turista ou satisfação dos seus. caprichos e para a realização dos objectivos do respectivo cruzeiro.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: os cruzeiros marítimos tornaram, como disse, extraordinário incremento. Em ré-

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gra e para o efeito tem-se recorrido a navios de passageiros, nos intervalos das suas viagens normais. Têm-se também transformado barcos para a realização contínua de cruzeiros marítimos e até, dado o interesse que esta modalidade vem despertando, algumas nações já se lançaram na construção de grandes paquetes expressamente destinados a tal fim.
Desde os Países Baixos, à Grã-Bretanha, à Alemanha Federal, à Itália, à Grécia, a Israel, à Suécia, à Noruega, aos Estados Unidos, à U. E. S. S. e à França, todos vêm ensaiando e prosseguindo nesta forma de exploração dos seus navios, com resultados compensadores, em face da enorme afluência de clientela, a ponto de se estabelecerem programas anuais com número de viagens crescente de ano para ano.
Na França já em 1961 os órgãos dirigentes da marinha mercante começaram a debruçar-se pormenorizadamente sobre este problema, estudando as providências indispensáveis para uma maior prática de cruzeiros marítimos nos seus paquetes, do que resultou a criação de uma comissão técnica, a qual começou a funcionar no princípio de 1963.
É claro que a utilização de um navio em cruzeiros marítimos não pode deixar de obedecer a determinadas considerações e particularidades: a existência de número suficiente de camarotes para alojamento adequado dos passageiros; poder o navio ser desviado da sua aplicação regular, sem prejudicar a carreira que serve e a sua clientela habitual; escolher-se a estação mais apropriada para o êxito do cruzeiro a efectuar, e ter-se em conta o rendimento a esperar de cada cruzeiro, uma vez que em tal serviço a única receita é a das passagens.
A aludida comissão destinava-se a propor as providências a tomar para satisfazer aqueles objectivos.
Em primeiro lugar, considerou se devia ou não atribuir-se prioridade aos cruzeiros de curta duração, tais como os escolares, os de empresas, os de congressistas, etc., concluindo pela afirmativa, em virtude da necessidade de ocupar uma parte da sua frota de paquetes do Mediterrâneo, que devido à independência da Argélia se tornara excedente.
Para atrair mais clientela a esses cruzeiros, considerou, depois, o problema da redução das tarifas, o que pressupunha um auxílio dos Poderes Públicos e uma acção de propaganda da parte do Comissariado do Turismo.
Tratou ainda dos cruzeiros educativos, que Americanos c Ingleses têm empreendido com muito êxito. Mas quanto a estes não se chegou a uma conclusão definitiva, embora as entidades intervenientes no problema se manifestem favoráveis à sua realização.
O incremento dos cruzeiros determinará, certamente, a transformação de alguns navios para os adaptar a tal serviço, contando-se que a respectiva despesa seja coberta com um auxílio financeiro do Estado, além dos subsídios a atribuir a cada cruzeiro, ou a cada paquete.
O Comissariado do Turismo passou a publicar nas suas folhas de informações turísticas o quadro completo dos cruzeiros marítimos realizados em cada ano por navios franceses, o que teve o mérito de incluir oficialmente o cruzeiro marítimo entre as actividades turísticas normais c de pôr ainda ao seu serviço outros meios de publicidade.
Mas, além dos cruzeiros de curta duração, já se pensa em utilizar dois paquetes em grandes cruzeiros, os quais permaneceriam nove meses de cada ano nas águas americanas e os restantes nas europeias.
Sr. Presidente: alonguei-me na exposição do caso francês, para assim apresentar um exemplo do interesse que esta modalidade de turismo está a despertar lá fora, não só entre os armadores, mas também entre os respectivos governos, estabelecendo-se uma rigorosa planificação em que todos os seus aspectos são encarados.
Esse interesse justifica-se plenamente. Os cruzeiros marítimos, além de serem um factor de angariação de divisas pela afluência de turistas que provocam, permitem a continuação ao serviço, em condições mais remuneradoras perante a concorrência da aviação, de maior número de navios de passageiros (instrumentos preciosos da defesa nacional, como transportes militares, para qualquer emergência). Acresce que, se os nossos navios não forem utilizados em tais cruzeiros, os turistas portugueses, seguindo a corrente mundial, logicamente irão recorrer a pavilhões estrangeiros, despendendo-se, deste modo, divisas que não se perderiam se, para tanto, pudessem preferir os navios nacionais. Através dos cruzeiros marítimos, e fazendo-se turismo, como já aqui se disse, de «fora para dentro», o País torna-se mais conhecido e as suas belezas mais admiradas, pelo afluxo de turistas que provocará.
Não há que providenciar ou colaborar sòmente no progresso dos cruzeiros marítimos em pavilhão nacional, há que facilitar também que os navios estrangeiros em viagens de escala pelos nossos portos os considerem tão atractivos como quaisquer outros portos dos seus itinerários. Temos de desenvolver ainda mais, se possível, particularmente no caso dos cruzeiros marítimos estrangeiros e até mesmo nas viagens de escalas regulares, uma política de simplicidade e de captação, particularmente no referente a facilidades e a baixos encargos.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - O Ministério da Marinha, como já é tradição, multiplica esforços para que os seus serviços de fomento marítimo prossigam mais intensamente em tal objectivo dentro de uma simplificada burocracia.
O Ministério das Comunicações, em identidade de pensamento e actuação, até vem tomando providências especiais, como a da constituição de «comissões de boa vontade», que agrupam, não só funcionários destacados do seu departamento, como alguns de outros Ministérios e entidades privadas que podem contribuir para o objectivo em vista.
Temos, em complemento da utilização dos nossos navios de passageiros nas suas carreiras regulares, e até mesmo em conjunto e equilíbrio das necessidades previstas dessas carreiras, de programar uma mais intensa realização de cruzeiros - quer eles sejam puramente turísticos, quer sejam também de aspecto profissional ou educativo; temos de conciliar as possibilidades do armamento mercante nacional com os pedidos e as aspirações das agências de viagem e o apoio financeiro que estes projectos requerem; temos ainda de efectuar uma política de desenvolvimento de cruzeiros, mediante fórmulas atractivas e com financiamentos razoáveis, que permitam preços acessíveis que atraiam as classes médias menos abastadas.
Há que dar à mocidade a oportunidade de efectuar maior número de excursões às ilhas adjacentes e às nossas províncias ultramarinas; ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... há que facilitar, mesmo dentro de cada província, o visitarem-se alguns dos seus lugares de interesse, mas mais distanciados, proporcionando para tal, se as condições geográficas o permitirem, viagens por mar em condições especiais.

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Caso não seja possível angariar num. cruzeiro marítimo o número de turistas suficiente para, compensar o custo da viagem através de fretamentos, deve-se começar por incluir esses programas de turismo nas viagens das carreiras regulares. Aqui, como em todo o problema, a boa compreensão e o desejo de colaboração do armamento, das agências de viagem e das entidades financiadoras tornam-se imprescindíveis.
Já temos utilizado navios nacionais em cruzeiros turísticos. Temo-lo feito menos vezes do que seria de desejar, porque as actuais circunstâncias obrigam a utilizar grande parte deles, com absoluta- prioridade, em outros serviços de mais alto interesse nacional. Resta-nos a esperança de que, passada esta emergência, possamos de futuro utiliza-los com mais frequência nos referidos cruzeiros, em serviço contínuo ou nos intervalos das suas viagens regulares. Não nos faltam excelentes unidades mercantes, que podem ombrear com as estrangeiras nesse serviço.
A marinha mercante, que tão preciosa tem sido ao País, pode também neste sector prestar-lhe assinalados serviços. É preciso, porém, não esquecer que se trata de uma actividade privada e assim só é admissível exigir-lhe sacrifícios suportáveis, pois ela não conseguirá manter-se se a exploração dos seus navios for frequentemente deficitária. Deve-se-lhe dar por isso condições de vida, ...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - ... sem as quais está condenada a definhar ou a estagnar e portanto a não acompanhar os progressos técnicos que se registam a cada hora na construção naval. Uma frota antiquada ou insuficiente não pode corresponder às múltiplas missões a que é chamada. O prestígio da bandeira, a afirmação de presença nos portos nacionais da metrópole e do ultramar e nos portos estrangeiros, a garantia de comunicações que o País requer, a independência perante o pavilhão estrangeiro, o instrumento de riqueza e de prosperidade que ela representa para a Nação, nunca devem ser esquecidos, se também neste domínio quisermos seguir uma política verdadeiramente nacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Hoje garantindo ligações regulares e frequentes entre as diversas parcelas do território e facilitando a circulação de pessoas e bens, amanhã utilizada em transportes militares exigidos pela defesa nacional, depois aproveitada em missões de paz, que proporcionem a portugueses e estrangeiros a possibilidade de fazerem digressões turísticas e educativas e de conhecerem os pontos mais afastados do nosso território & do estrangeiro, caminhando assim a par das outras marinhas e com elas competindo, a nossa marinha mercante encontra-se, como a sua valorosa companheira, a Marinha de Guerra, sempre ao serviço da Nação e para ela permanentemente mobilizada.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Bom é que todos o reconheçam e que não lhes regateiem os meios de que elas carecem para continuar ã bem servir e para servir cada vez melhor.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: são de saudação para o Sr. Deputado avisante, o Dr. Nunes Barata, as primeiras palavras que dirijo, por haver tomado a feliz iniciativa de trazer a debate nesta Assembleia um problema que «está na primeira linha das grandes preocupações dos Portugueses» - o do turismo.
A sua iniciativa bem merece o nosso reconhecimento, pelo que o deixo aqui consignado em termos da maior simpatia e admiração pelo seu incansável labor de estudioso que procura trabalhar em prol da valorização turística do País.
Bem haja, pois.
Está por de mais demonstrado qual o lugar privilegiado que o turismo, como indústria nova e fascinante, tem vindo a ocupar nas economias dos países que têm querido e sabido explorá-lo em termos convenientes.
Esse valor é, aliás, comprovado pela relevante posição que ocupa nas respectivas balanças de pagamento.
Mas se é verdade que uma indústria turística pressupõe a existência no País de condições naturais indispensáveis - e essas temo-las graças a Deus -, também não é menos certo que o turismo, como fenómeno específico da nossa época, não se compadece com organizações antiquadas nem com medidas improvisadas, antes requerendo técnicas baseadas em seguros e bem delineados planeamentos.
Assim as condições naturais deverão ser valorizadas pelo homem, que, por todos os meios ao seu alcance, deverá tornar agradável e aprazível a vida do turista e procurar prendê-lo, atraí-lo ao país visitado, e não levá-lo a arrepender-se de haver saído do seu.
E se assim não for, de nada valem propagandas por mais bem orientadas que sejam, belas paisagens e boa comida, pois que o veraneante dificilmente esquecerá as horas amargas e desagradáveis que lhe fizeram viver nas terras por onde passou.
Desde há muito tempo falamos em turismo; contudo, um falso e perigoso conceito parece ter-se enraizado na maioria das nossas populações - o de considerar o turismo como exploração descarada do turista, levando-o a pagar por cem o que, na realidade, só vale vinte.
Ora este conceito é falso, porque parte do pressuposto de que são milionários todos os turistas que nos visitam a daí o poderem ser explorados por todos, desde o hoteleiro ao engraxador. Ora o turista, se não é rico - e não o é muitas vezes -, conta com as despesas extraordinárias das férias e realizou poupanças durante o ano para fazer a sua digressão turística. Será preciso que o nosso hoteleiro se convença de que a sua indústria, desde que tenha possibilidades de abastecimento, produz maior rendimento com maior número de hóspedes a preço médio do que com meia dúzia deles a altos preços. O mesmo se pode dizer para os donos de cafés, de restaurantes, de casas de artigos regionais, de agências locais de viagens, etc.
Mas, além de falso, dissemos que o conceito é perigoso, porque se cria no turista um estado de espírito de desconfiança e até de incapacidade financeira que, em vez de o atrair, o faz afugentar para outros países, espalhando assim um ambiente que só nos desprestigiará e prejudicará grandemente.
É certo que nos últimos anos se têm verificado sensíveis progressos: aumento e melhoria das nossas infra-estruturas e a afluência simpática, e reconfortante de meio milhão de estrangeiros. Mas estas realidades devemo-las considerar apenas como ponto de partida para a batalha que se impõe travar em prol do desenvolvimento turístico do País.

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Já se proclamou que o «turismo nasce onde chega a estrada, onde o comboio pára, onde o avião desce, onde o navio toca. O turismo - afirmou-se - desenvolve-se com o hotel, a pousada, o monumento restaurado, a urbanização. Sem obras de interesse público não haveria turismo».
Sendo assim, como efectivamente é, não há dúvidas de que a obra levada a cabo pelo Governo de Salazar, criando as condições de base para o turismo, condições essas que vão desde a ordem pública às vias e meios de comunicação e aos pressupostos económicos, proporcionou um sensível aumento no ritmo de crescimento de correntes turísticas, que devem ser aproveitadas convenientemente para que as divisas trazidas por intermédio dos turistas venham a acarretar melhoria da nossa balança comercial.
O desenvolvimento turístico requer, pois, a criação da noção do valor turístico, daquilo a que podemos chamar «consciência turística», tanto nas populações como nas autoridades locais e centrais, e de uma bem estruturada e adequada orgânica onde os mínimos pormenores sejam previstos para tornar aprazível e atraente o ambiente que precisa ser de calma e tranquilidade.
Para tanto precisa o turista, logo que pise terra portuguesa, de ser acolhido com simpatia, evitando-se-lhe entraves e burocracias excessivas, complicativas e arreliadoras. Desde o pessoal dos postos fronteiriços, que deve primar por ser educado, prestável e esclarecido, às diversas autoridades locais, a- quem compete zelar pela compostura e correcção do pessoal que porventura haja de contactar com os turistas e exercer vigilância no sentido de evitar abusos em hotéis, restaurantes, lojas de artigos regionais, etc., que, normalmente, pendem para os explorar, tudo deve ser devidamente ponderado e estudado para que, através desta nova e promissora indústria, se possam alcançar os desejados resultados.
Mas importa também que se crie uma autêntica mentalidade turística nas nossas gentes, convencendo-as de que a indústria turística pode ser uma fonte de rendimento considerável, amparando as suas iniciativas, desde que razoáveis, sejam, e fazendo que o emprego dos seus capitais em empreendimentos turísticos se faça de maneira rápida, sem grandes formalidades burocráticas a cumprir, de modo a evitar a imobilização de capitais por largo tempo e, até por isso mesmo, o desvio deles para outras aplicações, uma vez que no fomento turístico se tornou difícil e complicado.
Quer dizer: há que mentalizar as nossas populações para prosseguir a passos seguros, mas rápidos, o fomento turístico do País, incutindo nos habitantes das zonas turísticas privilegiadas a ideia de que terão, não somente de viver do turismo, mas também de viver para ele.
Muito há que fazer, pois, para que a nossa indústria turística possa corresponder cabalmente ao que dela pode esperar-se.
A estruturação do turismo terá de fazer-se à escala nacional, mas, pelo menos nesta fase de arranque, deverá articular-se na base de regiões, desenvolvendo-se e coordenando-se todos os respectivos valores turísticos. Quer dizer: é preciso regionalizar o turismo.
Já em 1952 a Câmara Corporativa, ao emitir parecer sobre um projecto de estatuto de turismo que o Governo havia submetido ao seu estudo, sugeriu a «criação de regiões turísticas nos casos em que se impusesse a resolução dos problemas turísticos em termos que, transcendendo os interesses estritamente locais, não alcançassem, todavia, o plano nacional».
O âmbito dessas regiões pode não coincidir com o âmbito distrital ou provincial, pois bem pode acontecer que uma determinada região turística se desenvolva por áreas de divisão distrital ou até de províncias.
Esta ideia da regionalização do turismo parece-me fundamental para que possa dar-se o arranque conveniente à nossa- indústria turística, para que possa fazer-se «turismo a sério».
Tal «turismo a sério» corresponde à valorização de conjunto de todos os elementos que ao turista em cada região possa interessar. Só assim o turista que veio ou passou por determinada região se demorará e, ao retirar-se, será portador do entusiasmo que o faça regressar e a outros a quem o transmite.
Há, pois, que substituir o turismo feito à base do concelho, da praia ou da estância termal pelo turismo da região - integrada esta no turismo nacional. Fazer turismo por terrinhas, na base do concelho, da praia ou de estâncias termais, é quase em pura perda e é ignorar a realidade desta época de que o turista, mesmo que venha para passar uns dias em determinado local, em, pelo menos, metade desse tempo se meterá a circular pelas terras à volta onde possa divertir-se e apreciar os seus costumes, os seus monumentos, etc.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Ora este fazer turismo à escala regional está previsto já na nossa lei, pois que instituídas as regiões de turismo pela Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956, o Decreto n.º 41 035, de 20 de Março de 1957, inseriu disposições relativas à sua criação, em cujo artigo 5.º se lê o seguinte: «As comissões regionais de turismo têm por atribuições a valorização turística das respectivas regiões, cumprindo-lhes promover o aproveitamento e propaganda das riquezas artísticas, arqueológicas, históricas e etnográficas dessas regiões, bem como das suas belezas naturais, folclore, praias, estâncias e quaisquer outros elementos de manifesto interesse turístico», cuja especificação se faz nos diversos números do artigo referido.
Apesar desta disposição legal, poucas foram as comissões regionais de turismo que se criaram, não obstante ser através destas que o nosso turismo podia arrancar do marasmo em que tem vivido.
Este contravapor a uma política regional de turismo deve-se ao arreigado e antiquado conceito de turismo local, por localidade, defendido por razões de bairrismo um tanto ou quanto vesgo e acanhado e sem atender ao interesse nacional. Em muitos casos haverá também o propósito de manter à disposição receitas que os detentores podem manobrar com iniciativas de que pouco resulta turisticamente, mas que servem para satisfazer vaidades ou interesses pessoais, ou então a fazer bonitinhos de que pouca utilidade se projecta.
É preciso, pois, coragem para se definir o seguinte: ou passar a fazer turismo, centralizando as receitas e os esforços para uma acção eficaz, ou continuar a deixar-se que esforços e receitas se dispersem, a fazer cada um o que lhe apetecer.
A propósito deste aviso prévio para que pedir mais hotéis para um lado, mais estradas para outro, etc., se todos ao cabo e ao resto reconhecemos que o mais grave, o mais necessário, o mais urgente, é exactamente estabelecer estruturas de turismo na base de amplas regiões?

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Se deste aviso prévio saísse um impulso, uma arrancada em tal sentido, creio que prestaríamos o melhor serviço ao turismo nacional.

Vozes: - Muito bem !

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O Orador: - Como fiz notar, há já uns diplomas legais a falar um regiões de turismo, mas timidamente.
No citado parecer da Câmara Corporativa de 1952 lê-se, a certa altura, o seguinte:

Dada a natureza do País e as suas realidades geográficas, não considera a Câmara que a divisão regional se imponha em todos os casos. A criação de regiões turísticas não deve fazer-se por forma como que sistemática, antes deve estar ligada ao reconhecimento da função complementar que possa caber a duas ou mais zonas de turismo para o fim de constituírem um conjunto que interesse submeter a uma acção comum.

Depois da publicação do Decreto n.º 41 035, de 20 de Março de 1957, criaram-se 5 regiões de turismo no continente e 3 nas ilhas. As comissões municipais de turismo, em número de 48, e as juntas de turismo, em número de 30. estão ainda na base do nosso actual sistema, que se tem mostrado inoperante, incapaz, para o necessário esforço do desenvolvimento turístico do País.
É este um dos aspectos do problema que mais urge rever, cuidar, dividindo o País em regiões, para que se possa fazer a sério o fomento turístico de cada uma delas.
E feitas estas considerações gerais, tratarei a seguir, embora de modo sucinto, de alguns aspectos do turismo da minha região.
O distrito de Leiria é, como se sabe, uma região turística por excelência, uma região privilegiada para a atracção e exploração turística.
Desde as suas praias admiráveis e numerosas (temos 15 por cento das praias do País, quando a média dos distritos marítimos seria de 10 por cento), em que figuram a da deliciosa concha de S. Martinho do Porto, tão propícia à prática dos desportos náuticos, a do Baleai, Consolação, Peniche, com as Berlengas, Foz do A relho, junto da famosa lagoa de Óbidos, as promissoras praias de Vieira e Pedrógão, a de S. Pedro de Muel, encantadoramente disposta entre a catedral sussurrante que é o pinhal do Rei e o mar, a cosmopolita Nazaré, tão apreciada por nacionais e estrangeiros pelas suas belezas naturais e pelo típico trajar e costumes das suas gentes; à sua riqueza termal (pertencem ao distrito 8,77 por cento das termas do País), com as das Caldas da Bainha, das mais notáveis, situadas dentro da própria cidade, as da Piedade, perto de Alcobaça, as das Salgadas, a 2 km da vila da Batalha, as Termas de Monte Real, belamente situadas no meio da floresta e que são as de maior movimento termal do País; aos seus lindos castelos, como os de Leiria, Porto de Mós, Pombal e Óbidos; ao grandioso templo de Santa Maria de Alcobaça, que nos lembra a nacionalidade nascente; ao primeiro monumento espiritual da Nação, que é o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, parece-nos não exagerarmos considerando a região de Leiria, pelas suas belezas naturais desde a costa ao interior, obras de arte e padrões históricos, pelos usos e costumes das suas gentes, importância fabril e comercial e ainda pela sua proximidade do grande centro de irradiação turística que é Lisboa,- como zona privilegiada em elementos turísticos capazes de constituírem um belíssimo cartaz.
Atestam-no ainda o facto de ter até há poucos anos 20 por cento das comissões municipais de turismo, em número de dez (Alcobaça, Batalha, Caldas da Rainha, Figueiró dos Vinhos, Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Óbidos, Peniche e. Pombal), cerca de 7 por cento das juntas de turismo (a de S. Martinho do Porto e Monte Real) e 25 por cento das pousadas de turismo do S. N.º I. (a de S. Martinho, em Alfeizerão, e a Estalagem do Lidador, instalada no Castelo de Óbidos).
Pelo Decreto-Lei n.º 41 526, de 7 de Fevereiro do 1958, foi criada a região de turismo de Leiria, constituída pela área dos concelhos da Batalha, Leiria, Marinha Grande, Porto de Mós e Vila Nova de Ourem. O seu âmbito é bastante inferior ao da área do distrito, estendendo-se, porém, ao .concelho de Vila Nova de Ourem, que, administrativamente, pertence ao distrito de Santarém.
Em estreita ligação com os órgãos centrais, tem a comissão regional de Leiria procurado estruturar e planear um conjunto de empreendimentos com o fim de valorizai-os elementos turísticos da região, evidenciando assim uma firme e esclarecida vontade de bem servir. As múltiplas atribuições que por lei lhe são cometidas têm sido desempenhadas com dinamismo, entusiasmo e devoção. Com efeito, desde o auxílio técnico e difusão de normas para o aperfeiçoamento da qualidade de serviços da indústria hoteleira à adopção de medidas para tornar mais limpas e atraentes as praias; à iluminação dos Castelos de Leiria e Porto de Mós; ao estudo etnográfico da região, conhecida como é a verdade da fórmula segundo a qual «onde está a etnografia está o turista»-; ao fomento de actividades culturais e desportivas, etc., tudo vem merecendo a atenção deste organismo, que se não tem poupado a esforços desde que redundem na valorização dos seus elementos de turismo.
Pêlos, meritórios esforços que tem desenvolvido para se integrar numa política nacional de turismo, bem merece uma palavra de louvor a comissão regional de turismo de Leiria, pelo que com todo o gosto a deixamos aqui consignada.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. Gonçalves Rodrigues:-Não quero de maneira nenhuma diminuir os méritos da comissão regional de turismo que V. Ex.ª acaba de realçar. - Todavia, na minha qualidade de frequentador anual da praia de S. Martinho do Porto, tenho a impressão de que se tem descurado um pouco essa praia, tão frequentada por famílias de Lisboa. Nos últimos anos então tem-se verificado uma série de verdadeiras atrocidades, que merecem a atenção de quem de direito. Em vão tenho andado à procura dos responsáveis por tal estado de coisas. Não sei se a responsabilidade cabe à comissão regional de turismo, se à Câmara Municipal de Alcobaça ou aos serviços de turismo do S. N.º I. - o que me custa a crer. Simplesmente, as construções ultimamente feitas desrespeitam aquilo a que o nosso camarada Armando Cândido de Medeiros chamou a política da paisagem. Ali não se respeitam nem os ambientes, nem os direitos dos moradores antigos.
Se V. Ex.ª se introduzir na praceta de entrada, verificará uma monstruosa construção hoteleira, em estilo caixote, que destrói o efeito simpático de uma praçazinha de tipo português, tradicional e modesto, mas acolhedor.
O que ali se fez não só cerceia o horizonte que se desfruta das moradias construídas na colina pelos frequentadores habituais,- dos melhores da terra, como afugenta o turista de bom gosto.
Outro aspecto lamentável é a falta de aproveitamento da admirável praia em toda a sua amplitude.

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O Orador: - A crítica de V. Ex.ª vem dar razão à minha tese. S. Martinho do Porto não está integrado na comissão regional de turismo de Leiria.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Mas porque?

O Orador: -Porque não quiseram. V. Ex.ª sabe que S. Martinho do Porto pertence ao concelho de Alcobaça. Ora Alcobaça não quis integrar-se na comissão regional de turismo de Leiria. A Junta de Turismo trabalha isoladamente, e não em ligação com os órgãos centrais. Por isso talvez não receba directrizes.
Há, porém, empreendimentos que, não obstante o desejo da comissão regional de turismo de os ver resolvidos, escapam uns à esfera da sua competência e outros, embora adentro da sua esfera de competência, não poderão ser levados a bom termo sem uma substancial ajuda e intervenção mais directa dos órgãos centrais do turismo nacional e de outros departamentos do Estado.
Citaremos apenas alguns reputados de maior importância e interesse: o problema da construção de um aeródromo em Fátima, para o que já foram iniciadas diligências junto da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil e dos T A. P.; o problema do abastecimento de água a Fátima, que urge ser solucionado, quer a partir da nascente do Agroal, quer de outra qualquer, pois não se compreende que uma população fixa de milhares de pessoas e uma multidão superior a 1 milhão que acorre ao Santuário e se abriga em Fátima não disponha de água suficiente para acudir às suas necessidades; o do desenvolvimento hoteleiro na Cova da Iria, onde se ergueu em honra da Virgem Santíssima, que ali fez a «Sua aparição, o Santuário, que é centro de irradiação espiritual, de fé, aonde acorrem peregrinos de todos os cantos do Mundo e onde se justifica plenamente a instalação condigna dos CTT e de um posto de turismo à escala nacional; o da construção de uma pousada no Castelo de Ourem (ao que nos consta já em estudo na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais), de cujo alto morro se desfruta grandioso panorama; o da atribuição à comissão regional de turismo das concessões de pesca desportiva do rio Lis - zonas de Leiria e Monte Real - e lagoa da Ervideira, para se fazer o aproveitamento turístico desta, dotando-a com uma casa-abrigo e outras instalações consideradas indispensáveis, tendo em conta as belas condições que possui para prática do turismo de Inverno; o da valorização turística das chamadas grutas de Mira de A ire, promovendo a sua iluminação e tornando-as comodamente visitáveis e fazendo despertar nos turistas o interesse que merecem, pois que constituem um mundo maravilhoso de estalactites e estalagmites milenárias, de uma grandiosidade e beleza impressionantes - situadas apenas a uns 60 m do importante centro industrial que é a vila de Mira de Aire, as grutas dos Moinhos Velhos, mais conhecidas por grutas de Mira de Aire, podem vir a representar um elemento turístico de especial relevo. Sendo as maiores grutas conhecidas no continente, com um percurso de 1300 m numa só direcção e uma extensão total de cerca de 2000 m, oferecem condições excepcionais para o desenvolvimento turístico da região. Não obstante uma intensa propaganda de alguns órgãos da nossa imprensa que fez suscitar o interesse por elas, as grutas de Mira de Aire continuam a ser apenas acessíveis aos amadores de aventuras e de grandes emoções, pois a entrada ali é ainda particularmente difícil. O S. N. I. promoveu ali duas expedições, que tiveram por objectivo, a primeira, o reconhecimento oficial e, a segunda, o estudo das obras de acesso a realizar, afim de tornar possíveis levantamentos topográficos exactos e o estudo geológico.
Foram mesmo concedidos subsídios para a execução de alguns trabalhos, que deixaram de ter o seguimento que era necessário para que Mira de Aire, com as suas grutas, integrada numa região considerada das mais importantes do ponto de vista turístico e situada a pouca distância de Fátima, Batalha e Porto de Mós, pudesse ser incluída nos circuitos turísticos do País e o mundo de maravilha que encerra estivesse patente ao turista.
Torna-se, por isso, necessário retomar os trabalhos e, dado o incremento turístico que para a região adviria da imediata acessibilidade das grutas e da sua conveniente iluminação, fazer delas uma bem orientada propaganda no sentido de despertar o interesse do turista, à semelhança do que se tem feito na vizinha Espanha com as já célebres grutas de Aracena.

O Sr. Dias das Neves: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: na importante comunicação que, no passado dia 7 de Fevereiro, o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho fez perante o Conselho Nacional de Turismo afirmou-se:

Aproxima-se uma hora decisiva do turismo português. Não nos desorientemos pelo muito que de nós vai exigir.

Conjuguemos, pois, todas as boas vontades, dedicações e energias para que possamos corresponder à arrancada que o Governo se propõe dar em prol do desenvolvimento do turismo nacional.
A obra é grande -sabemo-lo bem- e, por isso mesmo, carece também de certa dose de fé e optimismo para a sua realização.
Mas, como lapidarmente disse um dia o Sr. Presidente do Conselho:

Nada de grande se pode fazer sem fé. E ainda que de modo algum se deva turvar a nítida visão das coisas, a gravidade dos problemas e a grandeza das dificuldades a vencer, um pouco de optimismo é necessário para o próprio êxito de uma grande obra.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Dias das Neves: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o aviso prévio sobre turismo que está em discussão é um momento de altíssima inspiração do nosso estimado colega Dr. Nunes Barata, a quem quero, do alto desta tribuna, prestar as maiores homenagens às suas qualidades de estudo, de inteligência e carácter e apresentar as maiores felicitações, pela sua acção de parlamentar brilhante.
O alto valor deste aviso prévio deduz-se prontamente, para além da maior elevação com que foi efectivado pelo autor, que fez estudo atento, minucioso e rigoroso do problema, da oportunidade de discussão do mesmo ao nível nacional no limiar deste ano de 1964, em que S. Ex.ª o Subsecretário de Estado da Presidência, Dr. Paulo Rodrigues, nosso distinto colega desta Câmara, a quem presto igualmente as minhas homenagens, acaba de anunciar para o ano que corre um plano contendo as linhas orientadoras da actividade turística do nosso país e a esperança de que terá chegado para Portugal a hora do turismo, e em que a evolução do momento turístico nos leva a acreditar que Portugal irá finalmente ter compensação do extraordinário esforço que tem feito para desço-

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brir e civilizar novos mundos, ao ser visitado por esses mundos que descobriu.
Sr. Presidente: vai já longe o tempo do turismo receptivo e turismo feudal, que uma classe privilegiada praticava, deslocando-se periodicamente para determinadas zonas, onde por hábito se passava a reunir para continuar a cavaqueira interrompida nos locais de origem, ou para continuar a que se interrompera no ano anterior, e realizar um convívio social em ambiente diferente do habitual.
Aqui, zonas privilegiadas e tradicionais, limitavam-se à prática de um turismo receptivo, recebendo os hóspedes habituais com as condições com que a Natureza as fadara.
A evolução social dos povos e a extraordinária facilidade de comunicações, porém, alteraram completamente a fisionomia do problema e impuseram o desaparecimento deste tipo de turismo, pela sua integração noutro de tipo mais dinâmico chamado turismo social. As férias das classes trabalhadoras, como consequência de uma evolução social, que tem levado a tratar o homem não como máquina fornecedora de mão-de-obra, mas como elemento humano ligado à actividade económica, que importa defender, impondo a existência de férias e pagamento de um subsídio das mesmas, e o natural anseio de viajar e recrear o espírito impuseram a criação deste turismo social.

O Sr. Calheiros Lopes: -Muito bem!

O Orador: - Para receber e conduzir essa grossa massa humana, que cruza as fronteiras e transita nas estradas, caminhos de ferro, barcos e aviões, importa possuir um equipamento turístico próprio, de modo a poder entrar na luta económica que se trava entre os vários países e orientar a seu favor essa torrente turística, que é ao mesmo tempo torrente de divisas, com que esses países procuram, e alguns conseguem, tapar os saldos negativos das suas balanças de comércio.
Assim, do turismo receptivo ou passivo se terá de passar ao turismo activo, servido por meios próprios, para conduzir, através de todo o País, a grande massa de turistas que se desloca ao longo do Mundo, constituindo torrente contínua que importa aproveitar durante os doze meses do ano.
O turismo desempenha um papel altamente educativo, não só para os viajantes, do contacto com outras culturas, outras civilizações, outras paisagens, que provocam o seu enriquecimento espiritual e cultural, mas também para os povos recebedores, que beneficiam do fenómeno da reversibilidade dessa acção educativa.
Da compreensão deste valor educativo se apercebeu no passado ano escolar o S. N.º I. ao preconizar, junto do Ministério da Educação Nacional, o estabelecimento- do turismo como tema do centro de interesses das actividades escolares desse ano lectivo. No sector do ensino técnico foi realizado interessante trabalho, que creio não terá sido completamente aproveitado, pois que com uma exposição final dos trabalhos realizados se poderia lançar as bases do inventário turístico a realizar no nosso país, e com um pequeno prémio ter-se-ia estimulado n. realização de trabalho ainda mais profundo.
Porém, para além do valor educativo extraordinário, o turismo tem hoje um valor económico que não pode ser desprezado, sob pena de se perder uma das maiores riquezas, que representadas no valor de exportações invisíveis são elementos da maior influência na balança de comércio, valor que importa defender e acautelar.
Como factor económico-social, deve o turismo dispor de infra-estruturas adequadas à plena execução dos seus fins. Neste aspecto, como aliás em toda a movimentação turística do nosso país, tem desempenhado o S. N. I. um papel do maior relevo, não só orientando e estimulando iniciativas particulares, concedendo subsídios paru a construção de hotéis, pousadas, miradouros, piscinas, etc., como criando e promovendo de sua própria iniciativa actividades integradas no plano turístico nacional, caminhando, com segurança e decisão, a par da valorização e elevação geral do País nos restantes sectores da actividade nacional, que são consequência imediata da acção governativa praticada por uma situação política que há mais de três décadas Salazar, na sua extraordinária visão política, deu à Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todavia, parece-nos que a marcha no caminho do turismo, porque segura e cautelosa, terá sido um tanto lenta, o que de forma nenhuma se coaduna com a actual velocidade das relações turísticas, e de tal forma que nos ficam sérias dúvidas se a actual estrutura do S. N. I. poderá satisfazer o dinamismo decorrente das suas realizações.
O turismo é hoje também uma indústria, que tem por fim prestar aos que viajam um serviço, e prestá-lo nas melhores condições, e como tal exige meios financeiros, instrumentação própria, uma administração activa e uma coordenação perfeita entre os meios e os fins. Uma indústria que utiliza uma matéria-prima sui generis, constituída por uma série de factores naturais e humanos, que existem em abundância na Natureza ou a que o homem, com o poder criador que recebeu de Deus, deu forma e expressão.
Portugal, tem a seu favor uma matéria-prima riquíssima. O seu sol, o seu mar, o seu clima, a sua paisagem, a sua riqueza monumental e artística, são armas valiosíssimas para entrar na batalha, mas tem principalmente a tradicional fidalguia do povo português, que antes de ser hospedeiro é sempre hospitaleiro, e sempre pronto a obsequiar quantos, por necessidade ou por prazer, batem à sua porta e entram em sua casa, que é este velho burgo lusitano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas se lhe sobra matéria-prima, é evidente que lhe faltam alguns dos instrumentos principais, principalmente equipamento hoteleiro, falta que urge suprir, para que não entremos na batalha com qualquer flanco .desguarnecido por onde possa infiltrar-se o inimigo. Portugal é dos países da O. C. D. E., para citar só estes, que possui um equipamento hoteleiro mais pobre, e aqui haverá que fazer um esforço extraordinário para que este não falte por acondicionar todos quantos nos visitam, pois que qualquer deficiência neste domínio pode destruir todo o esforço nos restantes. Ainda aqui haverá que ter cuidado, não se vá construir hotéis de luxo ou de 1.a classe, mutilando logo de entrada as possibilidades de utilização pelo turismo de massa. Tomemos antes o exemplo da vizinha Espanha, que tem feito o seu turismo na base de hotéis de 2.a e de 3.a classes.
Quanto às matérias-primas, haverá que fazer um inventário cuidadoso, para que se não perca alguma, na necessidade de andar depressa.
Está projectado um inventário turístico do nosso país. na execução de uma das recomendações do I Colóquio Nacional de Turismo, realizado em 1961, inventário que se torna absolutamente indispensável para se poder fazer um aproveitamento integral das riquezas potenciais do nosso país neste domínio.

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Na extraordinária comunicação do Sr. Subsecretário da Presidência, realizada em 7 de Janeiro de 1964, ao Conselho Nacional do Turismo, S. Ex.ª determina as linhas de rumo da actividade turística para o ano corrente, e na execução do seu plano, no que diz respeito ao turismo de estacionamento, dá prioridade ao estabelecimento da indústria turística na província do Algarve e na ilha da Madeira, que todos reconhecemos disporem dos requisitos naturais necessários para este tipo de turismo durante a maior parte do ano; fixa os focos polarizadores do turismo de passagem em Lisboa, Porto, e centro do País (Coimbra e Buçaco), assentes na disponibilidade do parque hoteleiro.
Ninguém pode negar às zonas destinadas por S. Ex.ª ao turismo de estacionamento o direito de prioridade, pois aí haverá que estabelecer uma indústria, e os argumentos apresentados são convincentes. Todavia, pensamos que, se em relação ao Algarve não for possível desenvolver, paralelamente, zonas aproveitáveis de turismo interior, e é difícil o acesso do Algarve ao interior do País, aproveitando ao máximo as riquezas do nosso Portugal, a corrente turística não encontrará no Algarve motivos de fixação por períodos muito longos, nem os atractivos que pode encontrar na vizinha Espanha e noutros países mediterrânicos concorrentes, principalmente na Grécia, Itália e Jugoslávia.
Assim, cremos que o valor turístico dessa zona há-de forçosamente ser completado, com vantagem para o País, pelas possibilidades que outras províncias oferecem a um turista, que, normalmente, para além do descanço e recreio físico, pretenderá o recreio do espírito e aumentar a sua cultura pelo conhecimento das realizações, monumentos e obras de arte, usos e costumes das nossas gentes.
Nesta ordem de ideias, creio que poucas províncias de Portugal dispõem de maior riqueza do que a do Ribatejo, que tenho a honra de representar nesta Câmara através do meu distrito de Santarém.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - O Ribatejo, que começa nas portas de Lisboa, e se estende pelo longo vale do Tejo, numa cambiante luxuriosa de água, planície e vegetação, por uma das mais ricas regiões da nossa terra, foi principescamente fadado pela mão divina, que por ele espalhou riquezas sem par, e possui um conjunto de atractivos valiosos, que o impõem com uma extraordinária riqueza turística que até agora não foi convenientemente aproveitada.
O Ribatejo, que nos cantares e nos dançares das raparigas, na alegria e coragem dos seus campinos e até na grandiosidade das suas cheias, tem um sublime encanto, que faz das suas gentes almas corajosas e abertas e que em cada janela que se abre na sua paisagem parece ter presente uma Joaninha de Olhos Verdes.
O Ribatejo, onde os touros, cavalos e campinos são elementos básicos de uma paisagem, que dá a esta província uma vida, uma cor, um cunho e um espírito diferente de todas as demais, é fonte de sensações e prazeres, que o impõem como zona turística por excelência.
O campino, altivo, corajoso e nobre, que montado no seu cavalo com ele constitui um todo que parece nascido da própria planície, contém em si os restos da coragem de uma fidalguia portuguesa que no arriscar da vida a favor de uma causa justa encontrava motivo para feitos heróicos sem par e que agora na luta leal e aberta com o touro encontra motivo de prazer num jogo de coragem alegre e soalheiro, e até no arriscar da vida na sua função diária encontra a alegria de viver.

O Sr. Calheiros Lopes: -Muito bem!

O Orador: - Com a sua capital em Santarém, lá no alto do morro, espreitando todos os dias pelas suas Portas do Sol, assiste ao erguer do astro-rei, que traz consigo riquezas sem par u as esbanja prodigamente pelos campos, donde mesmo em épocas de cheias se descobre a grandeza da terra ribatejana e das suas gentes, que com facilidade mudam da charrua para o remo, com um conjunto de monumentos evocativos das tradições históricas do nosso país, o Ribatejo é constituído por um conjunto de povoações, cidades, vilas e aldeias de valor turístico excepcional, que não posso deixar de referir neste momento numa modesta contribuição para o inventário da riqueza turística desta nossa província.
Tomar - que a Natureza dotou extraordinariamente com as suas riquezas, possuidora de um conjunto monumental ímpar no nosso país, donde sobressai o Convento de Cristo, jóia arquitectónica que na pluralidade dos estilos ë na majestade manuelina da sua Janela do Capítulo é narrativa completa e fiel da História de Portugal, e onde o mestre Gil Vicente encontrou ambiente mais favorável ao desenvolvimento do seu génio criador e a sua vocação teatral atingiu a mais alta expressão, com os seus parques e jardins, as margens paradisíacas do Nabão, onde o rouxinol dá largas aos seus trinados melodiosos e em cuja melodia Luís de Camões terá talvez recebido a inspiração que o há-de fazer o maior poeta europeu de todos os tempos; onde um conjunto desportivo de que se destaca uma piscina maravilhosa a atestar que os homens quiseram colaborar com a Natureza, possuidora de um rio com uma riqueza piscícola valiosa -, Tomar, dizia, possui atractivos extraordinários que a impõem já como elemento turístico valioso.
O homem e o Governo da Nação enriqueceram ainda mais esta terra maravilhosa, pela construção da barragem do Castelo do Bode, que na sua grandiosa albufeira, que se espraia por mais de 50 km, de margens arborizadas, constitui verdadeiro lago artificial, cujas reentrâncias, enseadas e baías são, a cada momento que surgem, verdadeiros recantos de paraíso, que não estarão muito longe dos famosos lagos suíços. Cujas águas têm em Novembro uma temperatura que se situa nos 20º C, mansas e paradas, a aguardar o esqui aquático, o remo, a vela e todos os desportos náuticos, que são outros tantos atractivos turísticos. Para o seu aproveitamento total, já iniciado em pequena escala, impõe-se um plano de urbanização e aproveitamento. Uma avenida marginal do lado poente, recortada na serra, fará daquela zona uma das mais aprazíveis estâncias turísticas.
Abrantes, a linda cidade florida, com o seu castelo antigo, o seu concurso das janelas floridas e um hotel de turismo categorizado; a nobre vila de Constância, qual presépio alcandorado na encosta do monte, com a sua igreja matriz, onde, no dizer de Oliveira Martins, Luís de Camões, debruçado sobre as águas mansas e espelhadas do Tejo, «ouviu as Tágides segredarem-lhe os mistérios de Os Lusíadas e ensinarem-lhe a linguagem sublime com que cantou as glórias de um povo, já então agonizante, e que mais não fez que prolongar a crise de acabamento»; o lindo Castelo de Almourol, único no País pela sua situação no meio do rio Tejo; Torres Novas, com o seu castelo, as ruínas de antigas civilizações romanas e a entrada para as grutas de Santo António, na serra de Aire, e o seu rio Almonda, de belas margens e riqueza piscícola; Vila Nova de Ourem, com o seu castelo, de traça única no nosso país, a aguardar restauração demorada, a aldeia alcandorada no monte do castelo, e Fátima, altar do Mundo, que num aceno de amor chama todos os que nos visitam para lhes dar a paz, a paz que todos procuram.

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Todas estas povoações, dizia, com a sua riqueza, constituem uma zona turística que importa aproveitar, dotando-a com uma aparelhagem necessária para satisfazer a sua finalidade turística.
Uma das riquezas de maior valor turístico que esta província do Ribatejo possui reside no seu folclore, rico e variado, em que o próprio ar, mais transparente de cor, se associa às cores garridas da paisagem natural e dos vestidos das raparigas, vivendo em festa permanente de cantares e danças regionais. 21 grupos folclóricos, espalhados pelas principais localidades desta província, constituem riqueza etnográfica e coreográfica que mais nenhuma outra possui, que importa não só não deixar perder, mas ainda estimular e acarinhar, com apoio moral e material, para que não morra ou se desvirtue uma das principais matérias-primas da indústria turística do nosso país. Grupos folclóricos que, inspirados na vida da lezíria, cantam e dançam alegremente, numa expressão natural da sua alegria, da sua vida e dos seus trabalhos.
Na cidade de Santarém doze agrupamentos folclóricos, onde um homem de uma dedicação digna dos maiores elogios, Celestino da Graça, vai realizando uma obra notável de orientação, estudo e aplicação de uma das maiores riquezas desta cidade, constituem palmarés de que não pode orgulhar-se qualquer outra cidade.
Todos os grupos, possuidores de uma riqueza coreográfica extraordinária, com os seus trajes típicos originais, têm um elevado nível artístico, distinguindo-se especialmente o, Grupo Infantil de Santarém, que tem efectuado actuações em França, Espanha e Angola, o Rancho Típico de Benavente, na Alemanha, o da Casa do Povo de Almeirim, na Holanda, Sicília, França e Itália, o Coral do Cartaxo, em Espanha, e o Grupo Coral do Ribatejo, na Inglaterra, França e Espanha, e que ainda agora acaba de fazer uma exibição em Londres.
Neste momento, o Grupo Académico de Danças Ribatejanas e o Grupo Infantil de Danças Regionais de Santarém estão convidados para se exibirem na Grécia, Espanha, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Irlanda.
Oxalá lhes não faltem das autoridades competentes o necessário apoio financeiro para poderem naqueles países ser embaixadores do turismo português.
Se pensarmos que países há que criam aldeias artificiais, com pessoas vestindo trajes também artificiais, como atracção turística, e que em Portugal, na aldeia de Glória, do concelho de Salvaterra de Magos, todas as mulheres vestem ainda o traje típico e inconfundível da aldeia, e em Coruche se verifica parcialmente igual fenómeno, encontraremos aí e no valor do folclore desta região valores fortes de interesse turístico que justificam uma acção protectora e orientadora do S. N. I.
Penso que deveria ser criada no S. N. I. uma secção de folclore, só com a finalidade de coordenar, defender e auxiliar as iniciativas deste sector e promover um estudo sério do folclore nacional, no sentido de evitar distorções e adulterações que tanto prejudicam a beleza artística do nosso país.
Como elemento principal desta riqueza turística figura ainda a festa brava, traduzida nas tentas, nas ferras e nas touradas. Se não é possível pôr o turista em contacto com a vida diária da lezíria na faina dos gados, é possível organizar ferras e tentas e paradas e desfiles de campinos,, como as que realizam em Vila Franca por ocasião das festas do Colete Encarnado.
No que diz respeito às touradas, todas as povoações que se situam nas margens do Tejo possuem uma praça de touros, à espera que a vidaa surja numa tourada, não com touros de morte, mas numa tourada à portuguesa, menos emocionante, mas, certamente, mais espectacular, pelo luzido cortejo, pela actuação dos garbosos cavaleiros.
São ainda elementos fundamentais do turismo várias realizações periódicas, de que destaco, pelo seu valor e pelas suas possibilidades de inclusão em quaisquer planos regionais e sazonais de turismo:
1) Feira da Golegã, em 11 de Novembro, S. Martinho - tradicional feira, com elegante apresentação de cavalos de cela, manifestação única no País.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -2)Festa do Colete Encarnado, em Vila Franca de Xira - majestosa parada de campinos e das famosas largadas de touros.
3) Feira do Ribatejo, em Santarém - certame que, pela extraordinária gama do manifestações típicas da região, desde as- extraordinárias corridas e paradas de campinos, aos desfiles de cavaleiros e equipagens, festivais de folclore, evocações de quadros da vida típica regional, exibições de cães de gado, que constitui hoje um extraordinário cartaz turístico, é, durante quinze dias, uma manifestação viva da vida ribatejana, e que este ano, mercê do seu alto valor económico, foi elevada à categoria de Feira Nacional de Actividades Agrícolas, e que é de esperar merecerá do S. N. I. o acolhimento justo, com a inclusão em algum dos seus planos de turismo e uma comparticipação que vá além dos 45 000$ habituais.
4) A Festa dos Tabuleiros, em Tomar - que constitui igualmente manifestação única no nosso país, espectáculo raro, pela majestade da cor e do ritmo, onde lindas raparigas, com os seus trajes típicos, conduzem à cabeça o seu tabuleiro e ao lado o seu par. Espectáculo que no seu conjunto tem raízes em manifestações pagãs de longínquos antepassados, mas que a pomba do Espírito Santo e o significado actual das várias cerimónias transformam numa das mais interessantes manifestações do espírito cristão, e que também aguarda que o S. N. I. possa de algum modo valorizá-la, integrando-a no plano nacional de turismo e concedendo subsídio para a sua realização.
Sr. Presidente: o Ribatejo, possuidor, como acima fiz referência, de uma riqueza turística sem par, a que não falta mesmo uma cozinha tradicional própria e famosos vinhos da região, de qualidades e tipos bem definidos, não dispõe hoje de um equipamento hoteleiro à altura das necessidades, necessita de uma nítida melhoria da sua rede de estradas, que todos os anos são submersas, uma e mais vezes, pelas águas das cheias, necessita de melhorar as ligações da capital do distrito com Lisboa e com o resto do País.
Constitui já extraordinário melhoramento o alargamento das pontes de Santarém e de Abrantes, nesta ainda em execução, mas creio que para uma melhor distribuição do trânsito e mais fácil acesso dos turistas que entram pela fronteira de Marvão e Eivas ao litoral há urgente necessidade de estabelecer uma nova ponte no concelho da Barquinha, cuja criação já foi defendida nesta tribuna pelo distinto Deputado nosso estimado colega Eng.º Amaral Neto em termos tais que qualquer palavra que possa acrescentar só diminuirá o valor da sua argumentação indestrutível.
Sr. Presidente: vou terminar. Quis ser breve, mas neste viajar pela linda província do Ribatejo, na contemplação da sua paisagem e da sua vida e do seu folclore e da sua riqueza turística, quedei-me embevecido, como terá acon-

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tecido a tantos outros, como Almeida Garrett, que descobriram naquela região encantos que cantaram nos seus versos e que a sua pena descreveu com tanto brilho.
Abusei da paciência de V. Ex.ª e da dos Srs. Deputados, do que me penitencio humildemente, mas parto desta tribuna com a certeza de que o turismo português, ao encontrar a sua hora, há-de saber aproveitá-la, através de um planeamento que já foi iniciado, que encontrou também um homem que, com a sua inteligência e o seu dinamismo, há-de reunir meios e polarizar vontades para que o País seja nesta hora mais rico, e na esperança de que no inventário que se impõe da nossa riqueza turística o Ribatejo ocupará o lugar a que pelo seu valor tem incontestável direito.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: torna-se cada vez mais difícil dizer algo de novo e de útil neste tão actual tema do turismo metropolitano.
Os exímios parlamentares que sobre ele se vêm debruçando interessadamente têm-no focado sob todos os ângulos e esfibrado em todos os pormenores, pelo que quem, como eu, não gosta de falar sem dizer nada, nem estima repisar ideias alheias, vê-se em embaraçosa dificuldade para trazer a esta tribuna algo mais que mero jogo de palavras, para raciocinar sem cair na imitação servil ou na mesmice, e fugindo à logomaquia e à logorreia.
Limitar-me-ei, por isso, a glosar à escala beira algumas afirmações da muito notável comunicação feita ao País pelo ilustre Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, o Dr. Paulo Rodrigues.
1) Se bem entendi, a principal batalha do turismo português actual é travada contra o tempo.
Acima dos esquemas duradouros e das planificações para o futuro, avulta o problema premente e instante de atender ao afluxo turístico imediato e próximo, que não podemos, sem riscos graves, limitar, defraudar ou desiludir.
Assim, em face da carência aflitiva de alojamentos bastantes e de disponibilidades suficientes, parece que só uma política turística será possível e viável - a de estender a todo o território metropolitano a iniciativa, o incitamento e os subsídios oficiais, a ver se assim se concitam e galvanizam, em prol do turismo, as energias, as economias e os entusiasmos regionais.
Efectivamente, se todos os nossos hotéis, se todos os nossos parques de campismo e se todos os nossos aeródromos são poucos para as necessidades previstas - seria anómala e comprometedora uma política que afunilasse o turismo, quando a verdade é que todos somos reconhecidamente poucos para tão ingente e urgente tarefa.
O turismo encarado a sério não pode deixar de erguer-se à ordem nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Chegou a hora de sarar a miopia de um turismo asmático que fazia o circuito dos Três Castelos, e cansava ...
Chegou a hora de erradicar do turismo certas. pretensões bairristas o certas veleidadezinhas regionais - porque somos territorialmente tão pequenos que qualquer particularismo seria mesquinheza - e somos tão prodigamente dotados pela natureza que qualquer presunção de proeminência local seria balofa vaidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não.
Todo o Portugal, do Alto Alinho ao Algarve, é um maravilhoso campo de turismo potencial, em que cada província, com os matizes das suas belezas naturais e dos seus recursos próprios, contribuirá para formar o quadro rico, variegado e policromo que pode e deve ser o turismo português.
Assim, por paradoxal que pareça, a melhor forma de servir o turismo de cada região é inseri-lo e enquadrá-lo no conjunto nacional, porque quanto mais vasta for a gama dos atractivos turísticos e dos cambiantes de paisagens, de costumes, de monumentos e de cores, maior será o afluxo dos visitantes interessados.
2) Cumpria-me agora soerguer a posição da Beira Alta no quadro do turismo nacional que deixo debuxado, mas não posso.
Outros o fizeram brilhantemente, já.
Eu não sei evocar condiguamente as belezas da enorme região que constitui o corne de Portugal e que a Natureza balizou com as suas mais grandiosas criações - a Estrela e o Buçaco e o Douro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estes ciclópicos acidentes corográficos imprimiram indelevelmente, na vasta província que definem o selo do grandioso.
Há regiões mais ricas, mais amenas, mais belas e mais castiças - mas nenhuma há mais grandiosa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que se sente no Poço do Inferno, da Estrela, ou na Cruz Alta do Buçaco, ou quando, na limpidez incomparável de um Outono beirão, se passeiam os olhos deslumbrados pelas abruptas ribas do Douro e do Távora, douradas pelas folhas morrentes das videiras, ou pelas encostas do vale do Vouga, alcatifadas de roxo pela urze serrana - não pode dizer-se em palavras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Descrever a Beira Alta é, de certo modo, diminuí-la..
Não bastam, porém, as belezas naturais - seria estultícia organizar um turismo puramente heliocêntrico, ou confiar apenas à amenidade do clima ou às maravilhas da paisagem os atractivos da nossa hospitalidade.
Temos de pôr em jogo os monumentos de toda a ordem prodigamente espalhados na terra portuguesa pulas gerações que assim quiseram assinalar, em dedadas perenes, as idades que viveram.
Constitui, por isso, pecado mortal, também contra o turismo, o desleixo ou o abandono dos monumentos nacionais.

O Sr. Nunes Fernandes: -Muito bem!

O Orador: - A Beira Alta ocupa, por igual, lugar marcante na monumentalidade lusíada.

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Viseu, a cidade jóia digna do escrínio em que repousa, foi sempre cidade desde que emergiu das brumas da proto-história.

O Sr. Engrácia Carrilho: -Muito bem!

O Orador: - Predestinada para capital de uma enorme província, ela possuiu sempre aquele ambiente indefinível, aquela vivência urbana e aquele tom senhorial que caracteriza uma cidade e a distingue de qualquer outro aglomerado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas Viseu não é só uma cidade; é uma cidade-museu, e é também, por destinação da Natureza apreendida há mais de vinte séculos, um excepcional centro de turismo.
Ao deslado do Pavia, fronteiro à catedral, estende-se a Cava de Viriato, monumento sem paralelo que urge restaurar, a bem do prestígio e do turismo nacional.
Para só citarmos aqui opiniões estrangeiras, tão queridas à nossa habitual xenofilia, diremos que Schulten, o mais categorizado investigador e iberólogo do último século, em carta dirigida ao saudoso Prof. Amorim Girão, confessava nunca ter visto coisa semelhante, e Blás Tarracena, notável investigador do país vizinho, escrevia «... aunque su enorme obra paresca desmentir-lo, el monumento singular de Viseu (Portugal) llamado Cava de Viriato».
Assim, a nota frisada pelos sábios estrangeiros foi a da singularidade do monumento, que realmente não tem paralelo, nem cá dentro, nem lá fora.
Este imenso octógono regular, com os seus lanços de muralha de terra batida de cerca de 15 m de altura e circuitado por um fosso exterior de 10 m de largura, sobre o qual se rasgavam as quatro portas regulamentares -pre-toriana. decúmana, dextra e sinistra -, constituía um gigantesco acampamento romano fortificado (castra stativa), destinado a vigiar as rotas e vias que de todos os ventos Ali convergiam e que para todos os quadrantes dali irradiaram.
Porque isso nos levaria muito longe, não nos deteremos a, analisar a famosa Cava de Viriato, nem a pormenorizar a sua vetustez de mais de vinte séculos, nem a enumerar as suas gigantescas dimensões, já que só o perímetro exterior ao fosso alcança quase 2,5 km e a sua área interior «excede os 30 ha.
Vou destacar apenas a lição que, para o turismo, ela constitui.
Construída por Brutus Galaicus para a sua penetração armada na Lusitânia, ou edificada posteriormente para assegurar as comunicações e a difusão da cultura romana, a Cava de Viriato ergue-se na intercepção das comunicações dos territórios entre Tejo e Douro e no nó vital donde tão vasta região podia ser dominada.
Há, assim, mais de 21 séculos que os cultos e hábeis romanos se aperceberam desta verdade: é de Viseu que irradia toda a penetração, militar ou cultural, para as vastas regiões vizinhas.
Sabido que o nosso turismo provém do lado de Espanha e que a sua via mais praticada é a de Vilar Formoso, eu «ó ponho perante os responsáveis pelo departamento do turismo nacional o que seria (agora que foi votada a restauração da fortaleza de Almeida) a recepção dos turistas em Almeida e a sua condução para a sala de visitas da Cava de Viriato, devidamente restaurada e com os seus 30 ha interiores adaptados a parque de campismo, parque automóvel, hotéis e mais instalações de recepção, utilidade, informação dos turistas, que dali irradiariam para todo o Portugal.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Estou certo de que não havia nada igual lá fora; e tenho para mim que nenhum turista olvidaria jamais tal recepção.
E note-se que não falei no campo de aviação que ali, a cinco escassos quilómetros, grita contra o abandono a que foram votadas as suas magníficas pistas ... num País onde se diz que os aeródromos escasseiam ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Tudo ali conjugado -turismo automóvel, turismo campista, turismo por via aérea- daria ao visitante disposição magnífica para dali partir a admirar as belezas e as maravilhas de todas as outras regiões do País.
E um sonho; e este sonho não era caro, nem difícil de realizar; quaisquer 20 000 ou 30 000 contos (desses que displicentemente se gastam em palaces onerosos, inúteis e ruinosos) renderiam cento por um; tratar-se-ia aqui de rendoso investimento.
Converter-se-á o sonho em realidade?
Não sei; mas, se não, prefiro viver o sonho, que a realidade será então mesquinha de mais para atrair a atenção.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: só o Sr. Deputado José Fernando Nunes Barata - quero chamá-lo pelo nome todo -, com o seu incomparável dinamismo e a sua simpatia aliciante, seria capaz de me colocar nesta difícil situação de vir aqui falar de turismo.
Não quero esquecer - ainda que dê volta ao Mundo - que sou íncola de Trás-os-Montes e venho de uma geração de lavradores aferrados ao terrunho.
O turismo, segundo aprendi, já não sei onde, é o nomadismo dos civilizados, e o nomadismo não tem expressão na minha aldeia.
Miguel Torga, cronista-mor desse reino que chamou maravilhoso, regista, com todo o rigor do seu traço viril e inconfundível, esta realidade:

Os que dali saem aos 20 anos, com a quimera metida numa saca de retalhos, voltam mais tarde com a mesma quimera numa mala de couro, gastam 100 contos numa pedreira a fazer uma horta e dizem, com ar manhoso, a quem lhes censura um amor tão desvairado à terra: «infeliz pássaro que nasce em ruim ninho ...».
E continuam a comer talhadas de presunto cru.
Os que ficam, cavam a vida inteira. E, quando morrem, deitam-se no caixão com a serenidade de quem chega ao fim de um longo e trabalhoso dia.
E ali ficam, nos cemitérios negros, à espera que a lei da Terra os transforme em ciprestes e granito.

Esta raça não pode entender nada de turismo.
Pode, porém, servi-lo, pela sua riqueza natural, pelo segredo da sua cultura milenária, por tudo isso que as condições do meio ajudaram a transmitir, felizmente quase intacto, até aos nossos dias.
Vem daí a surpresa de um Leite de Vasconcelos, que lá foi descobrir e recolher o mais rico filão do romanceiro peninsular, vem daí o encantamento do musicólogo ame-

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ricano Kurt Schindler conduzido pelo meu velho amigo P.e Firmino Martins, que surpreendeu embevecido «o ouro puro» dos seus cantares. E o tesouro de um povo que soube conservar os traços fisionómicos e a sua alma inteira, sem compromissos com o inundo exterior.
As aldeias de Trás-os-Montes são verdadeiros centros de cultura, jóias únicas que importa preservar de toda a planificação.
Os seus costumes e organização social constituem na sua integridade verdadeiras relíquias dos séculos passados, fazendo o encanto dos mais exigentes e agudos espíritos.
Quem pudera defender da acção desagregadora de novas culturas o património que essas aldeias conservaram.
As chácaras, os cantos, os costumes, as casas, a vida da gente, colhe-se sem postiços, nem perfumes, ao natural, entre a bosta do boi e a sujidade da pita. bichos também têm personalidade e quase fazem parte da família.
Quando perguntaram a uma camponesa q«e vendia em Bragança um saco de carvão donde era, respondeu cheia de segurança: «sou da Aveleda e a burra também».
Risos.
A burra também tinha direito de cidadania.
Sente-se ali a presença do comunitarismo medieval, florescendo sob as bênçãos do Convento de Castro de Avelas.
Aquelas nossas aldeias dão fé de como as execrandas trevas medievais eram, afinal, servidas por uma iluminação delicada e doce.
A cartilha do tempo inscrevia um oitavo pecado - o pecado capital da tristeza -, assegurando ao mundo medievo aquele «sólido optimismo» que Jean Tinaille nos documenta rigorosamente.
Já Dante reservara um círculo do inferno para aqueles que choram quando podem estar alegres.
Que grande colheita tem o Diabo nos tempos de hoje, em que se faz gosto em pintar de negro a vida própria e a vida alheia.
São os pintores e os poetas a espalhar o pecado da tristeza e os políticos o sentimento «construtivo» da desgraça nacional ...
Eu creio que o turismo quer alegria e paz.
Sr. Presidente: a defesa de Trás-os-Montes e da sua paisagem humana merece a protecção de V. Ex.ª, da Junta Nacional da Educação e do Instituto de Alta Cultura, antes que a inconsciência dos homens cometa o sacrilégio de sacrificar valores inestimáveis a qualquer arranjo urbanístico ou folclórico.
Primeiro precisamos do turismo dos especialistas, dos homens de letras, dos sociólogos, dos músicos, dos arquitectos, dos pintores, dos cineastas, dos artistas, para recolher, amorosamente, os traços da nossa cultura e aprender alguma coisa.
Diz o etnólogo Jorge Dias, que- ainda foi a pé - e eu lhes digo que teve de andar - de Bragança a Rio de Onor, que cultura não é só economia, e demonstrou como se pode fazer cultura pelo processo do abade de Baçal pedibus calcantibus.
Mas, tendo ido a pé, confessa que assistiu ali, em Rio de Onor, «à mais extraordinária festa da sua vida - o S. João de 1944».
Isto aconteceu uma vez porque não é bem a hipótese do S. João de Braga, que se repete todos os anos e decerto com o subsídio substancial do Secretariado Nacional da Informação ou da Câmara Municipal de Braga.
As nossas festas de aldeia ficam reservadas aos turistas que andam a pé porque são peregrinos da beleza.
Estudou o etnólogo Jorge Dias, para o Instituto de Alta Cultura - Centro de Estudos de Etnologia Peninsular -, Rio de Onor, e ali viu funcionar o «conselho» e pôde seguir a vida de um velhíssimo povo serrano, sentindo ainda - ele o diz - «o pulsar vigoroso de uma exuberância irreprimível, de uma alegria franca e de uma cordialidade profunda e generosa».
É o viver daqueles povos, são os gestos quotidianos e milenários que se repetem em quase todas as aldeias por onde se estendem as sombras das serras de Nogueira, de Montezinho e da Coroa ou por terras de Miranda, para só falar dos lugares que conheço com maior intimidade.
É a riqueza e a saúde.
Encerrados entre a cortina do Marão e a fronteira leonesa, os portugueses de Trás-os-Montes viveram séculos construindo e conservando a sua própria organização social, em volta do adro da igreja.
Está a cair essa espécie de muralha da China, e agora é preciso abrir o caminho para a nova era, que nos permita comparticipar na tarefa de engrandecimento nacional com todas as nossas potencialidades.
Miguel Torga, o cronista-mor, figurou-nos assim:

De Sabrosa ao Pinhão, do Tua a Bragança, da Régua a Chaves, de Freixo à Barca do Alva, ou de Boticas a Montalegre ... sempre o mesmo lençol de. fragas e a mesma gente a nascer nele! À força cósmica dos relevos, à, máscara vincada das penedias e à largura estimulante dos descampados corresponde, no humano, uma fisionomia igual, recortada em granito, máscula, austera, contida, e ao mesmo tempo animada de uma vitalidade fremente e generosa.

Não devo continuar ... Sinto um certo pudor.
O turismo analisado em termos de indústria ou em dimensões económicas supõe uma técnica muito acabada a que sou avesso.
Não conheço as regras gramaticais das estatísticas, nem dos planos, e oiço falar de correntes turísticas, de fluxos. de massas, de turismo social, tudo quanto eu não quero entender, porque lhe resisto muito mal.
E quando, constrangidamente, faço um esforço de compreensão e busco na exaustiva documentação das 126 páginas do aviso a presença de Bragança, encontro-me isolado e só, como é costume, na última linha, no fim de todas as escalas gráficas.

isos.
Concluo então, mais uma vez, que a linguagem dos números não pode oferecer um pálida imagem da nossa, personalidade e da nossa vida.
Acontecendo com Trás-os-Montes na paisagem nacional o mesmo que acontece com o País inteiro na paisagem internacional, fico a pensar que quanto mais nos medem e nos contam mais se enganam nos cálculos.
Risos.
Exorbitamos sempre das medidas comuns desta humanidade classificada, catalogada, desenvolvida.
Compreendo, porém, o interesse deste aviso prévio do ponto de vista da economia nacional e vou fazer um esforço generoso para colocar a pedra que corresponde aos interesses da economia da região que represento.
Mas vou colocá-la com as reservas apontadas, que me dizem directamente respeito, para me desculpar de a deixar empenada, descomposta ou mal segura, na majestade do edifício.
A Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste promoveu, o ano passado, uma semana de estudos regionais.
Andei por lá, por essas jornadas, e ouvi falar das coisas de Trás-os-Montes e do Alto Douro com um espírito novo, com uma alma nova, com palavras e ideias claras.

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Aprendi muito, e verifiquei que se manifestava aí uma vontade firme, determinada, de quebrar o imobilismo em que tem vivido a economia regional.

Vozes:. - Muito bem!

O Orador: - Um grupo de voluntários organizado pelo Eng.º Camilo de Mendonça, com quem não gasto adjectivos porque prefiro prestar homenagem ao seu trabalho, propôs-se oferecer a todo o Nordeste uma visão sobre o futuro daquelas terras, partindo das realidades presentes, combinando as forças, retemperando as energias e esquecendo os malefícios.
Todos os problemas concernentes ao desenvolvimento regional do grande quadrilátero do Nordeste, desse quadrilátero que preenche nada menos que uma quinta parte de Portugal continental e oferece ao País só metade da sua energia, foram tratados com suficiente amplitude para se lhes medir a grandeza, sem fantasias, nem ambições desmedidas.
Era preciso acertar o passo, deixando cair a lanterna encarnada desse tal chamado subdesenvolvimento que as estatísticas oficiais e oficiosas dos entendidos nos dependuraram ao pescoço e erguer a lanterna verde da nossa esperançosa ruralidade, com a qual ainda somos capazes de anatematizar a cidade monstruosa - não me refiro à formosa cidade de Lisboa, que nos recebe e encanta, nem talvez ao Chiado, de que tanto gosto e muito castigado é de calúnias.
Refiro-me directamente a quantos, por pecado de acção ou omissão, contribuem para as graves carências, para as imensas dificuldades da gente do campo.
Não sei se sabem que na minha terra se celebra regularmente a festa de S. Bartolomeu santo que deu o nome à magnífica pousada de Bragança e que é, no dizer autorizado do grande Camilo Castelo Branco, «um santo gravemente infesto a Satanás».

O Sr. António Santos da Cunha: - Mais do que o S. João!

O Orador: - Sim. E sem festa. O anátema é o resultado fatal daquela grave tensão entre a cidade e o campo que o Sr. Deputado Amaral Neto aqui nos descreveu com tanta elegância e tanta justeza.
Não vou hoje retomar essa tensão, nem abrir outra entre o interior e o litoral ou ainda outra mais pertinente ao turismo, qual seja a da montanha e do mar.
Venho cheio de propósitos generosos e só quero contribuir para aproximar, para ligar, para atravessar, a terra portuguesa do oriente para o ocidente, seguindo o caminho da luz.
Enquanto as correntes turísticas são dirigidas para as águas cálidas do Algarve, a montanha, sem inveja do mar reserva- a sua intimidade, a sua calma, a sua autenticidade, para receber os algarvios e os portugueses e estrangeiros que tenham apurado sentido de beleza e queiram descobrir o mais ignorado canto desta terra, a sua paisagem telúrica e humana.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para tanto bastará completar a rede de pousadas e hotéis, cuja falta os serviços oficiais do turismo perfeitamente conhecem, e acabar a rede de estradas, cujo traçado também os serviços prestigiosos da Junta têm estudado e sabido. Planos não faltam.
Estes problemas já não são hoje problemas de governo.
Pois a bússola do turismo tem o ponteiro voltado para as praias de águas quentes, enquanto a montanha assiste, na sua serenidade olímpica, a esta diversão dos homens e, entretanto, guarda os seus encantos e os seus tesouros para quantos procurem aquelas paisagens que sempre se situaram a um nível bastante superior ao das águas do mar ...
Se o vinho verde ferve é porque é da sua natureza ferver e picar ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Ora, como, vínhamos dizendo, apurados ainda mais os estudos do nosso desenvolvimento regional, desenvolvimento que o Sr. Deputado Nunes Barata concebe como directamente relacionado com o do turismo, chegou-se à conclusão do que há um problema que sobre todos interessa considerar, porque é o eixo onde trabalha todo o Nordeste.
Esse problema descobre-se facilmente logo que se abre o mapa.
Mete-se pelos olhos dentro que o rio Douro domina, caudalosamente, com a forca da própria força todo aquele território.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - As terras altas - terras velhas e firmes, porque emergiram primeiro e não as sentimos tremer-, a terra fria transmontana, a terra fria beiroa, ou beira transmontana, encerram e acarinham numa taça ciclópica a terra quente.
O Douro é o traço de união, ligando as margens, as culturas, os interesses, a paisagem e os homens.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por imposição da geografia, a província de Trás-os-Montes e Alto Douro é uma realidade que os sábios, com seu geometrismo no espaço, não podem desconhecer, nem a Administração ignorar.
Na hora em que se programa um desenvolvimento que tem de comprometer as economias locais numa organização solidária e eficiente, o Douro é o eixo, a estrada, o caminho, o nervo desse desenvolvimento, o transporte barato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E sobre o aspecto turístico temos de raciocinar, segundo creio, em termos mais amplos e compreender num mesmo grande cartaz todo o Norte, com a plenitude da sua «graça amorável», desde o Alto Minho ao Alto Douro, desde o vinho verde ao vinho fino.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Turisticamente a grande mancha do cartaz está feita - é ali o país do vinho.
E a estrada do vinho é o Douro.
Todo o mundo conhece o vinho do Porto, há apenas que o servir en su tinta, nos próprios barcos rabelos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Águedo de Oliveira, numa formosa página, nunca esquecida, afirma com a segurança e firmeza habituais: «Baco plantou ali o seu tirso».

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E depois canta o Douro, o «Douro celebrado» de Camões, recolhendo as falas de Estrabão, de João de Barros, de André de Resende, de Manuel Faria de Sousa e de António de Sousa Macedo, e canta-o inspiradamente.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados: é preciso aproveitar o Douro em todas as suas potencialidades, esgotar os seus recursos e completar os aproveitamentos hidráulicos já realizados ou previstos, de forma a retirar desses investimentos todo o rendimento desejável.
Já tudo foi estudado por ordem do Governo, e, feitas as contas, o acréscimo das despesas da navegação do Douro e da sua transformação numa via fluvial aberta à utilização dos barcos de grande tonelagem, desde o Pocinho ao Porto, deve custar sensivelmente o mesmo que custou a linda ponte da Arrábida, com os seus 10 km de auto-estrada.

O Sr. António Santos da Cunha: - Só isso?

O Orador: - Disseram-no os entendidos nessas contas. O- Governo da Nação, que lançou essa ponte e agora constrói a do Tejo. não pode hesitar em pôr a navegação no rio Douro.

O Sr. Amaral Neto: - Haverá possibilidade de cobrar portagem numa navegação fluvial do Douro?

O Orador: - Certamente. O Douro é uma estrada verdadeira e natural, com 172 km de navegação assegurada, servindo os interesses do 40 concelhos dos distritos do Porto. Vila Real Bragança. Aveiro, Viseu e Guarda, abrindo as mais largas perspectivas de ligação com a Espanha, em conformidade com a Convenção do 31 de Agosto de 1885.
O turismo de Espanha pode desaguar na capital do Norte. Creio que não haverá cenário mais grandioso na terra portuguesa nem melhor recepcionista do que o vinho do Porto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Douro agrícola é a epopeia do trabalho português, e Ramalho Ortigão, esse viajante infatigável que tinha olhos para ver e sensibilidade para medir os homens e as paisagens, chama-lhe apenas «um deslumbramento».

O Sr. António Santos da Cunha: - E é-o de facto.

O Orador: - Podemos, portanto, consentir que os turistas tomem a sua caneca de vinho verde, para refrescar, sob as ramadas minhotas, mas todo o Norte, onde nunca se apagou o respeito pela hierarquia e pela grandeza e onde existe um apurado sentido de quanto toca aos mais altos interesses nacionais, há-de convir que a navegação do Douro não pode circunscrever-se à acanhada perspectiva do escoamento do ferro de Moncorvo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um problema nacional, quer se olhe pelo lado negativo do desperdício do condicionalismo favorável que lhe está criado pelas águas dos aproveitamentos já realizados, quer se afronte pelo lado positivo dos novos investimentos do Douro nacional.
A navegação do rio é elemento-base do desenvolvimento económico de um vastíssimo interland.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Espero poder tratar novamente deste assunto no debate sobre as contas públicas, mas não posso deixar de afixar desde já este grande cartaz do turismo do Norte - o país do vinho -, colocando o rio Douro no lugar que lhe pertence e que o poeta lhe deu:

Eu sou o Douro famoso,
Sou mais que o Tejo orgulhoso,
Mais que o Minho poderoso,
Sou das torrentes o Bei.

... Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós não podemos ficar eternamente a recitar versos ao rio e à montanha, a cantar as alegrias do vinho novo e a admirar as nossas próprias estruturas sociais, que são de paz e de concórdia.
Precisamos de as fortalecer, e para tanto não nos podemos dispensar de proclamar desta tribuna a necessidade imperiosa de conceder prioridade aos investimentos que contribuem para que os portugueses das zonas rurais mais desfavorecidas sejam trazidos ao nível económico que de direito lhes pertence.
O turismo também se faz de sorrisos.
Não precisa o povo do Norte de grandes riquezas para cantar e para sorrir, rnas precisa daquela honrada mediania em que assenta a alegria- de viver.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - «De la panza viene la danza».
Eterna lição do «Rifonero», que é fonte de larga sabedoria .
Ao fim e ao cabo disse uma palavra sobre a paisagem humana das terras altas e frias e outra de ajuda a pôr os barcos no rio.
Quando subirmos o Douro, veremos, lá ao fundo, os amendoais em flor e por todo o caminho aquela obra-prima em que, manifestamente, colaboraram os deuses.
Foi ali que o lavrador português mediu as suas forças com a Natureza e venceu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Baptista Felgueiras: -Sr. Presidente: no prosseguimento do debate generalizado de que está a ser objecto o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata sobre o turismo nacional tem-se vindo a construir nesta tribuna, pouco a pouco, com as intervenções dos Srs. Deputados que se interessaram pelo problema, um maravilhoso mosaico, cujas pedras são os pedaços da beleza com que a Providência dotou generosamente a nossa terra e valoriza e enriquece tantas das suas regiões.
A par disso, aqui têm sido expostas as necessidades e soluções que importa considerar em relação ao fenómeno turístico, quer no plano nacional, quer no âmbito peculiar a cada região do País.
Já dois dos meus colegas de círculo trouxeram ao debate o seu contributo autorizado e valioso. Mas não quero deixar de trazer também uma pedra para a composição do quadro, ainda que descolorida e sem relevo, e de salientar algumas necessidades e aspirações concretas do meu distrito que se podem encarar do ponto de vista turístico.
O distrito de Viana do Castelo é um dos mais belos recantos do Mundo em que vivemos. Abraçam-no dois rios formosíssimos, o Lima e o Minho. Qual deles sobreleva o outro em encanto, não será fácil dize-lo, e melhor será, portanto, deixar o problema em aberto e a rivalidade de pé.

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Mas o primeiro é, sem dúvida, enriquecido pelo sortilégio das lendas seculares que o envolvem. As mais antigas crónicas identificam as suas margens com os maravilhosos Campos Elíseos e o próprio rio com o mitológico Letes, ou rio do esquecimento.
E narrou Tito Lívio que, chegando o cônsul romano Décio Júnio Bruto às margens do Lima, viu as suas hostes recusarem-se a atravessá-lo, receosas de perder a lembrança da própria pátria. E só depois de o general romano transpor o rio, e da outra margem chamar pelos seus nomes, um por um, os seus capitães, o exército conquistador se dispôs a seguir o exemplo do seu chefe, atravessando o rio também.
Dentro do território que os dois rios limitam encontram-se o deslumbramento de uma paisagem inigualável, população composta de gente simples, laboriosa e de feitio acolhedor, riqueza folclórica das mais puras raízes, vestuário cheio de beleza e colorido, excelente cozinha, vinhos dos melhores do País, em que tem lugar cimeiro o alvarinho de Monção, reconhecidamente o melhor vinho branco de mesa que se produz em Portugal.
E não falta também, neste recanto privilegiado do País, a dar testemunho da nobreza e brilhantes tradições históricas dos seus habitantes, a marca heráldica de um conjunto de solares, que são dos mais belos e grandiosos que se encontram no território nacional.
Se VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, passarem os olhos pela maravilhosa aguarela que nos deixou D. António da Costa no seu livro No Minho, cuja leitura ainda hoje nos encanta, e o acompanharem na deliciosa viagem turística - como hoje se diria - que ele empreendeu há cerca de 100 anos, encontrarão, sem dúvida, mais edifícios, porque bastantes se têm construído entretanto. Encontrarão mais vias de comunicação, mais estradas. Por exemplo, já não será necessário percorrer de barco, Minho abaixo - aliás uma viagem de sonho, que apetece repetir ainda hoje -, a distância de Monção a Caminha, sem estrada naquela recuada época.
Mas depararão, sem dúvida, com o mesmo deslumbramento que o seduziu, com a mesma imperturbada placidez, que permitiu àquele ilustre «turista» colher a mais repousante impressão da sua jornada.
Na verdade, o distrito de Viana, no seu conjunto, e salvo uma ou outra excepção rara, desconhece o fumear das chaminés fabris, o bulício dos formigueiros humanos, o afã e o estrépito da actividade das grandes indústrias, que se encontram noutras regiões do País.
Permanece ali, de um modo geral, a calma secular de viver. Não direi se é desejável ou não que tal situação se modifique. Poderá perguntar-se, no entanto, se não será a própria beleza que envolve os seus habitantes que concorre para eles renunciarem a actividades que a maculem. Há-de acrescentar-se, porém, que o distrito de Viana do Castelo é, por isso mesmo, materialmente dos mais pobres de todo o País.
Mas se a região é tal como se descreve, parece que tudo deve dispor-se para que a sua beleza casta seja desposada pelo turismo.
Posta assim a pedra no mosaico, vou passar a encarar, em traços rápidos, alguns aspectos concretos do problema.
Começarei pelos próprios rios á que me referi.
Quer num, quer noutro, há falta de pontes que interliguem as suas margens.
No rio Lima é da maior urgência a construção de uma ponte em Lanheses. Além do grande interesse que essa construção representa para o trânsito intenso de turistas que se faz pelas duas margens, constitui, de há muito, uma aspiração a todos os títulos legítima dos povos que vivem habitualmente na região, pela extraordinária facilidade de comunicação que lhes advirá. E por motivos análogos, é do maior interesse, e necessidade também, a construção, igualmente no rio Lima, da ponte do Carregadouro.
No rio Minho é instante a necessidade da construção de mais duas pontes: uma em Monção e outra no Peso, em Melgaço.
Como já foi observado nesta tribuna, não podemos esquecer que é de Espanha, e constituído por espanhóis, que temos de esperar o maior afluxo turístico para o nosso país. E das diferentes regiões de Espanha é da Galiza, pela simpatia e afinidade que tradicionalmente a ligam ao Minho, que provém a maior corrente de turistas do país vizinho.
E ambas aquelas pontes, em especial a primeira, concorrerão grandemente para a facilitar e lhe dar incremento.
A par disso, duas vias de comunicação, do maior interesse para o turismo da região, se torna urgente levar a efeito: o prolongamento, até Sistelo, em Arcos de Valdevez, da estrada que. vai actualmente de Monção a Merufe, e o prolongamento da estrada de Melgaço a Lamas de Mouro até Arcos de Valdevez, com passagem pelo Santuário da Peneda.
Ambas as referidas estradas assim prolongadas estabeleceriam, embora através de zonas diferentes, ligação do vale do Minho com o vale do rio Vez e poriam em contacto com o trânsito turístico dois maravilhosos trechos, agora praticamente inacessíveis, da região do Alto Minho.
E a segunda das referidas estradas teria ainda a vantagem de trazer a região de Melgaço a um convívio turístico muito mais intenso com o resto do País. Melgaço dispõe actualmente de uma única saída para a rede de estradas nacionais. Com o prolongamento daquela estrada poderá visitar-se a região de Melgaço sem ter de repisar o mesmo caminho na viagem de retorno, como agora acontece.
Aludi há pouco aos solares do Alto Minho. São ainda numerosos e constituem na sua maioria edificações senhoriais de grande valia, não só pela traça arquitectónica que os distingue, como até pelas páginas de história que andam ligadas a alguns deles.
É exemplar digno de especial menção o Palácio da Brejoeira, a respeito do qual pode ler-se na Grande Enciclopédia Portuguesa c Brasileira que, «exceptuando os antigos paços reais, não há em Portugal outro palácio que possa competir com este em sumptuosidade». ,Mas outros há menores, embora a sua contemplação não desperte menor encanto, como a formosa Casa de Bretiandos, na ribeira Lima.
Constituem pois tais edifícios real motivo de atracção turística. E assim não deve o Estado desinteressar-se da sua conservação. Modificaram-se as condições de vida, em relação à época em que foram construídos. A queda dos vínculos, em que muitos se integravam, o absentismo dos proprietários, atraídos pelos grandes centros, e a própria decadência da vida agrícola têm feito passar muitos deles várias vezes de mão, com a lamentável ruína de alguns.
A sua manutenção representa, não raro, autêntico mecenato por parte dos seus proprietários. Desejável é que o Estado se não desinteresse da sua conservação. Conviria inventariá-los, classificá-los e, de modo positivo, contribuir para a sua defesa. Quanto mais não fosse, isentando-os de contribuição predial.
Um outro aspecto concreto do problema turístico do distrito é o que concerne ao equipamento hoteleiro. Quase todos os Srs. Deputados intervenientes no debate aqui têm trazido o eco das deficiências do País nesse capítulo, deficiências que parecem constituir mal generalizado em

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terras de província. Mas não será de mais insistir na mate via, porque sem um bom aparelho hoteleiro nunca conseguiremos realizar bom turismo.
Ora, pelo que se refere ao meu distrito, as suas instalações hoteleiras, tirante o Hotel de Santa Luzia e a Pousada de Valença, evocam ainda a viagem turística de D. António da Costa, tal como os hotéis do Bom Jesus têm ainda sabor camiliano, segundo a observação aqui feita pelo Sr. Deputado Pinto de Mesquita. Pareceria mesmo que o encantador cronista dá relação de muito maior número de hotéis do que os actualmente existentes, se não fosse por de mais conhecida a sem-cerimónia com que então, e ainda por muitos anos depois, qualquer modesta hospedaria se adornava com o título de hotel ou de grande hotel.
Há notícia de que em relação à cidade de Viana do Castelo e à praia do Cabedelo estão em curso iniciativas que resolverão, pelo menos quanto às necessidades actuais, o problema do equipamento hoteleiro da sede do distrito Mas nas restantes localidades a carência é manifesta e sem iniciativas íi vista tendentes a remediá-la. E nalgumas bem necessária e urgente é a criação de uma instalação hoteleira actualizada: estalagem, pousada ou pequeno hotel com condições de conforto. Permito-me citar, pela sua especial situação, a vila de Monção.
Notável pela sua cozinha, pelo excelente alvarinho, que só esse concelho produz, e situada no ponto de junção das duas grandes estradas que do Porto conduzem ao Alto Minho - a do litoral, passando por Viana do Castelo, e a do interior, com passagem por Braga -, Monção não tem hoje qualquer instalação hoteleira capaz de proporcionar aos visitantes, que ali se dirigem apesar de tudo, a indispensável comodidade, no mínimo que hoje se requer. Por isso se espera que os competentes serviços do Estado suscitem ou acolham favoravelmente as iniciativas tendentes à, resolução de problema de tanto interesse.
E vou ocupar-me agora, Sr. Presidente, do último aspecto concreto que me pareceu dever encarar na problemática turística do meu distrito. Para isso regresso ao rio Minho. E faço-o para salientar as extraordinárias possibilidades que ele oferece, para além do atractivo da sua beleza natural, como local de pesca desportiva. É um rio prodigioso na sua fauna.
Salmão, lampreia, sável, truta, o próprio esturjão, se encontram nas suas águas privilegiadas. Mas dessas espécies a que especialmente interessa no aspecto turístico, pelo menos enquanto se não conseguir repovoar o rio d« salmões, é a truta, conhecida por truta marisca, variedade de notável beleza e categoria que chega a pesar 5 kg.
Para comprovar a VV. Ex.ªs o valor que tal pesca pode representar do ponto de vista turístico, recordarei o seguinte facto, que já aqui tive ocasião de referir noutra intervenção. Um pescador desportivo do Norte fez publicar na revista francesa de pesca e caça Au Bord de l'Eau um artigo sobre a truta marisca do rio Minho. Alguns dias após a publicação do artigo foram recebidas pela comissão municipal de turismo do Monção dezenas de cartas de pescadores desportivos da França e da Bélgica, na sua maior parte homens de elevada categoria social, a anunciarem o seu intento de virem à zona do rio Minho, na época própria, fazer uma temporada de pesca daquela espécie de truta e a pedirem indicações quanto a alojamentos e preços das licenças e outros informes e acrescentando alguns deles terem desejo de se fazerem acompanhar de pessoas de família.
Há, pois, todo o interesse turístico no incremento de tão preciosa pesca. Para tanto se impõe aos serviços competentes o dever do repovoamento intensivo das águas do rio, da regulamentação adequada da prática da pesca, com o indispensável estabelecimento de zonas coutadas, e da fiscalização suficiente e eficiente das suas águas.
Infelizmente, tem-se notado desde há tempos, nas águas do rio, certo despovoamento da sua fauna. Para isso poderá concorrer o assoreamento, que parece verificar-se na foz do Minho, dificultando a entrada do peixe.
Mas as causas que se apontam como mais alarmantes são a existência, em Espanha, a montante da zona fronteiriça do rio Minho,- de uma barragem, cujo regime de descargas provoca, periodicamente, alterações bruscas, mas muito sensíveis, da corrente do rio, com os efeitos mortíferos consequentes, e de uma instalação de tratamento de minérios, cujas escórias, lançadas na corrente, contaminam as águas.
A franca colaboração luso-espanhola que, no plano turístico, irá verificar-se, certamente, após a recente visita ao nosso país do ilustre Ministro do Turismo de Espanha, leva-nos a esperar que da parte do país vizinho e amigo haverá toda a boa vontade em resolver tal problema no sentido de evitar os. males apontados.
Importa, no entanto, que o assunto seja devidamente estudado e esclarecido e se busque, sem demora, a sua solução de harmonia com o interesse, afinal comum, dos dois países.
Quero concluir, Sr. Presidente, dirigindo uma palavra do mais caloroso apreço e justo encómio ao ilustre Deputado avisante pela probidade e superioridade com que realizou o aviso prévio em debate e fazendo votos para que da presente discussão venham a resultar, na ordem administrativa e no sector de turismo, providências eficazes a bem do interesse do País, que todos procuramos servir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Magro Borges de Araújo.
António Martins da Cruz.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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