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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 144

ANO DE 1964 13 DE MARÇO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 144 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 12 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira de Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 14? do Diário das Sessões.
Deu-se conta, do expediente.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz falou sobre ensino secundário.
O Sr. Deputado Amaral Neto fez considerações acerca, de problemas estatísticos relativos à agricultura.
O Sr. Deputado Augusto Simões referiu-se a vias de comunicação do distrito de Coimbra.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Custódia Lopes, Costa Guimarães, Carlos Coelho, Alexandre Lobato e Antunes de Lemos.
O Sr. Presidente, encerrou á sessão às 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.

gostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio do Carvalho Antunes de Lemos
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando José Perdigão.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.

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Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho..
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Está na Mesa, para reclamação, o n.º 142 do Diário das Sessões, correspondente à sessão de 10 de Março. Se nenhum dos Srs. Deputados fizer qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Está aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De Lima de Carvalho, a apoiar a intervenção do. Sr. Deputado Júlio Evangelista acerca do ensino no Alto Minho.
Vários, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Sales Loureiro sobre a situação do funcionalismo dos serviços de fiscalização da Intendência-Geral dos Abastecimentos.
Vários, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote no debate acerca do aviso prévio sobre o turismo.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.

O Sr.- Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a frequência do ensino secundário está a aumentar de ano para ano em progressão geométrica e a um ritmo que, a manter-se, conduzirá à sua duplicação em menos ,de dez anos.
Várias forças e factores, tais como o crescimento demográfico, a elevação geral do nível de vida dos Portugueses, a modernização das escolas técnicas e liceus, o alargamento da sua rede, uma sadia consciência cada vez mais espalhada do valor da instrução (fruto do Plano de educação de adultos vitoriosamente lançado e impulsionado pelo nosso distinto colega Sr. Dr. Veiga de Macedo) e as exigências que o progresso do País implica de cada vez maior número de técnicos e trabalhadores qualificados, originam o crescimento acelerado da população escolar.
Estudos merecedores de toda a atenção consideram que, dentro de dez anos, a frequência dos liceus, hoje de 60 000 estudantes, poderá exceder os 150 000 e a das escolas técnicas, actualmente da ordem dos 130 000 alunos, virá a exceder os 300 000.
Por isso, as previsões elaboradas rio Ministério da Educação Nacional para Portugal continental e insular levam a crer que a frequência dos estabelecimentos do ensino secundário se aproximará, dentro de uma década, do meio milhão de alunos. O futuro talvez mostre não haver exagero nestas previsões, porque aquelas que há oito anos se fizeram para elaborar o II Plano de Fomento, e na altura pareciam mais ousadas do que estas, já foram excedidas.
Este índice de progresso é essencial, ele modificará, sem dúvida, muitas coisas para melhor, porque a instrução é a pedra basilar em que terá de assentar todo e
sistema de desenvolvimento.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A evolução que se está a processar na nossa terra, se, por um lado, é de louvar e estimular porque o incremento da instrução, causa e efeito do surti industrial, será decisivo para acelerar o desenvolvimento do País, impõe, por outro lado, ao Governo pesadas responsabilidades, tanto para uma conjugação equilibrada d binário instrução-desenvolvimento económico que crie fontes de trabalho aos novos diplomados e evite o proletariado intelectual, como para acompanhar pari passu ess movimento ascensional da frequência com a corre? pondente ampliação da rede de escolas e dos seus quadre docentes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se recordarmos que em 1960 o custo total do ensino técnico não chegou a 52 000 contos e que no se crescimento contínuo ele já excedeu no penúltimo ar quatro vezes mais aquela quantia, ver-se-á a extensão a caminho andado.

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A obra realizada neste domínio não sofre contestação, mas, apesar do grande esforço feito, o problema das instalações das escolas secundárias mantém-se com grave acuidade, visto termos de prepará-las para receber de ano para ano contingentes mais vultosos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo que respeita à Escola Técnica de Vila Real, que serve vários concelhos do distrito que tenho a honra de representar nesta Assembleia, as suas instalações carecem de urgente ampliação. Esta escola, localizada na capital do distrito e da província, na cidade que é fulcro da vida social e económica de região e pólo de atracção cultural de uma vasta área de influência, viu a sua frequência quase quintuplicada nos últimos dez anos.
Apesar de dispor de um edifício novo, acontece que a falta de instalações para a conveniente acomodação dos seus alunos se faz sentir aflitivamente, estando essa falta a ser suprida pelo sacrifício do escritório comercial dos museus, das salas de trabalhos manuais, da de convívio das alunas e dos anexos dos laboratórios, que por grande necessidade passaram a funcionar como salas de aulas normais, e ainda à utilização do. anfiteatro- de tecnologia também para aulas de disciplinas não tecnológicas, ou da especialidade.
Apesar de toda a boa vontade e dedicação do quadro docente da escola e do seu ilustre director, Eng.º Calejo, aos quais dirijo deste lugar uma palavra de merecido apreço, não conseguem, devido à grande carência de instalações, o equilíbrio funcional necessário a uma completa e eficiente acção educativa e de formação profissional coma eles tanto desejariam.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A criação da secção preparatória para os institutos industriais, que vai começar a funcionar já no próximo ano escolar e para isso precisa de instalações, e o aumento da frequência, que cresce de ano para ano, agravam o problema. A construção de mais um piso na ala poente do corpo de aulas, assente sobre um andar existente e já preparado para o efeito, e uma pequena ampliação das oficinas, cujo custo global andará pelos 600 contos, permitiriam alargar as instalações para resolver os problemas actuais e os do futuro próximo.
Ampliar quanto antes a Escola Técnica de Vila Real com estas duas obras já estudadas e que acabamos de referir é unia necessidade urgente. E para evitar o grande congestionamento nas horas de saída pretende ainda a direcção da Escola a abertura de um portão de serviço para alunas, como existem em várias escolas técnicas de grande frequência.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: para fazer face às necessidades criadas pelo grande desenvolvimento do ensino técnico profissional - o viveiro de técnicos de que a Nação precisa-- tem sido levada a efeito pela Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário uma obra de vulto que se insere no quadro geral dos esforços do Governo para dotar com instalações satisfatórias os diferentes sectores do ensino.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - No último quinquénio- foram gastos mais de 476000 contos em obras realizadas pela Junta para escolas técnicas e liceus.

No quadro seguinte indicamos a repartição dessas verbas:

[Ver tabela na imagem]

Apesar do grande esforço feito, o ritmo de construções precisa de sei- acelerado, porque, por um lado, há que fazer face ao grande crescimento da frequência no ensino técnico e, por outro lado, várias das escolas já existentes (escolas industriais, comerciais e agrícolas e institutos de ensino médio industrial e comercial) funcionam em edifícios antigos e deficientemente adaptados às necessidades escolares, precisando por isso de instalações novas para poderem funcionar nas condições didácticas exigidas por um ensino mais eficiente.
Para liquidar esta pesada herança do passado faltam ainda 40 edifícios novos, que precisaremos de ir substituindo à medida que for sendo possível, e para corresponder ao crescimento acelerado da população escolar, há que construir em cada ano cerca de 12 escolas técnicas, estas destinadas a fazer face só ao grande e contínuo aumento da frequência.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, que já no ano de 1960 executou obras no valor global de 319 000 contos, está estruturada e apetrechada para corresponder a esta importante e aliciante missão, que, para ser executada ao ritmo desejável, necessitaria de investimentos anuais da ordem dos 200 000 contos para escolas técnicas e liceus.
O alcance educativo das obras escolares construídas pela Junta é enorme. Ao Sr. Prof. Pinto Barbosa, Ministro ilustre e professor distinto, se solicita o apoio necessário para ajudar o financiamento deste magno programa, pois estamos certos dos altos propósitos e melhores desejos do Sr. Ministro da Educação em impulsionar a grande obra educativa que é- preciso realizar.
Tudo deve ser feito para que se não caia no círculo vicioso de não dar maior impulso ao ensino por falta de rendimento nacional e de não poder acelerar o desenvolvimento económico por falta de ensino.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A Junta tem tido a louvável preocupação de normalizar e simplificar soluções para embaratecer e tornar mais rápidas as construções e, com vista a obter o máximo rendimento das enormes verbas a investir nestas obras, está a trabalhar nela um grupo de especialistas em construções escolares e pedagogia, nas bases de um acordo firmado em Dezembro último, em Paris, entre o nosso Governo e a O. C. D. E. O grupo referido está a estabelecer normas gerais para escolas técnicas e liceus que permitam a execução das suas construções dentro cios modernos critérios da máxima eficiência e economia.
Espera-se que já em 1966 se possa beneficiar dos resultados destes trabalhos, cujos encargos estão a ser custea-

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dos, em partes iguais, pelo Governo Português e pela O. C. D. E.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas as dificuldades do estabelecimento de tantas escolas não são só de ordem material e financeira, elas residem principalmente, e cada vez mais, na falta de professores.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - A carência de vocações docentes é um dos problemas mais trágicos do ensino. Nas escolas técnicas 80 por cento do serviço docente tem sido, nos últimos anos. entregue a professores eventuais. Os quadros efectivos, por conservarem ainda a estrutura de 1948, são pequenos, correspondendo apenas a cerca de um quarto das necessidades actuais, mas, mesmo assim, ainda têm vagas em vários grupos, porque muitos professores eventuais não mostram interesse em se habilitarem para os preencher.
Há uma grande crise de vocações docentes para o professorado efectivo, talvez por se tratar de uma função para que se exige preparação demorada e trabalhosa, mas que ainda está mal remunerada, embora seja uma das funções de maior interesse e importância para a vida presente e futura da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Criar às carreiras docentes maior poder de atracção parece ser uma necessidade urgente.
Devemos fazer tudo quanto seja possível para ganhar a batalha da educação em todas as posições estratégicas, porque pura conservar o nosso ultramar não basta defender vitoriosamente pelas armas as províncias ultramarinas, é necessário, além disso, que pela preparação profissional da nossa gente o Mundo se capacite de que somos dignos de o reter sob a nossa soberania, porque temos capacidade técnica para o desenvolver.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nos nossos dias essa capacidade é um problema de instrução dos homens nos vários níveis. No vértice da pirâmide está o crescimento da formação de diplomados universitários, que deverá em princípio ter uma taxa de aumento dupla da do crescimento do rendimento nacional, e isto para se conseguir um desenvolvimento global equilibrado.
O País vive uma época cheia de dificuldades em que os limitados recursos são solicitados para múltiplos fins, mas os Portugueses, quando unidos, conseguiram sempre realizar prodígios, e por isso confio em que, se soubermos trabalhar unidos, também sairemos vitoriosos das várias dificuldades e conseguiremos alargar o ensino à dimensão necessária para o tornar cada vez mais acessível ao maior número de portugueses. Uma política orientada neste sentido ajudará a defender a integridade nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto:-Sr. Presidente: tive recentemente necessidade, e V. Ex.ª com algum esforço de memória poderá talvez figurar porquê, de indagar das representações numéricas, dos valores escalares capazes de dar alguma noção precisa, alguma noção aritméticamente certa das condições da nossa economia agrária.
Tive por isso de manusear e estudar as publicações do nosso Instituto Nacional de Estatística, que de ano para ano vem dando a lume um Armário cada vez mais volumoso dedicado aos factos da agricultura.
Parece-me que, à vista do desenvolvimento que essa publicação toma a cada novo número, podemos congratular-nos com o zelo e interesse dedicados ao assunto. Mas a verdade é que, se nos debruçarmos sobre o conteúdo, encontramos que faltam ali elementos da mais alta importância para a boa figuração da nossa vida económico-rural.
A estatística das explorações agrícolas foi feita apenas no período de 1952 a 1954. Nunca mais foi repetido o inquérito que permitisse actualizá-la e completá-la e tenho fortes dúvidas de que, tal como foi construída, ela não seja em certos pontos enganadora, porque recordo-me perfeitamente da minúcia, da insistência das perguntas em que se baseia essa estatística, dos questionários para o inquérito, e quero crer que em muitas circunstâncias o inquirido, perante tantas perguntas e tanta minúcia e a indagação de tanto pormenor, tenha falseado ou iludido as respostas, por enfado ou inércia.
Seja como for, perfeito ou imperfeito, exacto ou inexacto, o conhecimento estatístico de explorações agrícolas no nosso país foi tentado, como digo, uma vez apenas há doze anos e nunca mais voltou a repetir-se para lhe dar melhor forma, para estabelecer tendências, para apurar falhas ou erros.
Eu não tenho, mais que qualquer de VV. Ex.ªs, uma fé inabalável nas estatísticas e nas suas conclusões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já há anos tive ocasião de citar aqui um dito espirituoso de certo grande estadista a propósito de como se pode jogar com os números estatísticos. E como esse comentário irónico e provavelmente fundamentado, deve haver às centenas, se não aos milhares, na literatura política e económica do último século.
Acredito, porém, que, ainda que erradas e falseadas pelas declarações dos inquiridos, ainda que prejudicadas pelo receio de confessar a vida das actividades, ainda que diminuídas pela tendência a não responder às perguntas que, sem incomodarem em si mesmas, dariam pelo me: nos trabalho e esforço a ordenar nas respostas, assim mesmo as estatísticas, se se continuarem por períodos relativamente longos, podem ter o valor de revelação de tendências, de manifestação de ordens de grandeza, porque provavelmente os factores de erro e deturpação serão constantes e o que vier a lume poderá reflectir com verdade ao menos a evolução dos acontecimentos, as tendências dos fenómenos.
Lamento, por isto, que o inquérito às empresas agrícolas, feito uma vez, não tenha sido repetido mais vezes, para que pudessem aperfeiçoar-se as suas conclusões.
O que digo acerca da indagação estatística da vida das empresas poderia dizê-lo de apreciações de sector, como o arrolamento geral de gados, que se fez pela penúltima vez em 1940 e da mais recente em 1955; do recenseamento das árvores de fruto, cuja anterior execução data de 1982 e a mais moderna de 1954, e de outras.
São indagações de mérito e informações úteis, decerto, mas, a meu ver, prejudicadas pelos exageradíssimos intervalos que entre elas medeiam e que não permitem introduzir factores de correcção a torná-las de utilidade, pelo menos, como expoentes de tendências. Aliás, a mesma

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falta é uma falta à lei, porque o recenseamento dos animais de capoeira deveria ser feito anualmente e o recenseamento das árvores de fruto uma vez em cada quinquénio.
Além de elementos desta ordem, outros, do mais alto interesse, faltam também. São frequentes as informações sobre os salários pagos aos trabalhadores agrícolas, mas são completamente ausentes quaisquer dados ou notícias sobre os efectivos agrícolas em trabalho, quer na sua composição global, quer na sua distribuição sazonal.
Conhece-se com grande pormenor quanto é que o agricultor recebe pela venda dos seus produtos, mas não tem sido possível saber-se quanto gasta para os obter.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por certo, que hoje em dia estas informações têm grande importância como elemento interpretativo da evolução dos termos de troca, factor dos principais da crise que profundamente lavra no meio agrícola europeu; seria, pois, do mais alto interesse poder dispor de dados seguros que nos permitissem figurar a evolução dos custos, assim como se pode já figurar a evolução das receitas. Elementos são, portanto, estes cuja falta se deve lamentar, mas é devida, porém, a ressalva de que essa falta não é de atribuir à insuficiência de zelo dos serviços. Disso me inteirei eu e a convicção formada me traz aqui hoje a falar para pedir ao Governo que atente nas deficiências e providencie para que a repartição competente, que é a 3.a, salvo erro, do nosso Instituto Nacional, possa ser dotada com os meios que há muito anda a pedir, quer em pessoal, quer em verbas, para melhor desempenhar a sua missão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A estatística agrícola é provavelmente das mais difíceis e dispendiosas, mas alguma coisa de melhor poderia ser feita se os elementos não faltassem tanto. Basta referir que a repartição está sem chefe há oito anos, o que quer dizer que, antes de mais nada, falta, pelo menos, um dos três únicos elementos técnicos que a deveriam compor na sua organização actual. Quem exerce a chefia nem sequer tem a «remuneração correspondente, aqui se verificando mais uma vez a falha tão vulgar na nossa vida administrativa de se aproveitarem as qualidades para chefiar, mas não para as pagar como de chefe.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É muito cómoda, ou, pelo menos, económica, tal solução, de que aqui vemos mais um exemplo, mas não podemos decerto sancioná-la com o nosso aplauso.
Eis, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o único fim desta breve intervenção em assunto que tem pouco de entretenimento e de atraente, numa sala onde ainda estou a ouvir reboar palavras de alto mérito literário e do mais puro valor conceptual, eis o que me fez vir hoje trazer esta nota despreocupada, mas de honesto intuito. Entendi devida uma advertência ao Governo quanto a uma falha importante de um dos seus serviços, onde, todavia e apesar de tudo, se continua corajosa e zelosamente a fazer o melhor que se pode e o mais que se pode.
Para que o Governo alivie estes servidores do Estado e lhes dê os meios necessários para melhor trabalharem é que vim fazer esta breve intervenção.
E, depois disto, posso dizer que tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões:-Sr. Presidente: vai começando a mostrar a grande imponência da sua arquitectura a ponte sobre o Tejo, que afirmará aos vindouros a grande valia e o poder da nossa era! Lançada sobre as lonjuras do rio, essa ponte vencerá sem dificuldade o grande espaço entre as duas margens e fará terminar um mito, deixando-as na continuidade de um mesmo caminho.
Transformou-se em bela realidade a ponte da Arrábida, que tanto enobrece a cidade do Porto, onde constitui um poema de graciosidade pela traça elegante do seu arco arrojado, cuja construção também documenta os muitos recursos da nossa época.
Continua a prestar os mais assinalados serviços a Ponte do Marechal Carmona, de Vila Franca de Xira, que nos aparece como pioneira dos grandes empreendimentos deste género. Também essa ponte, pelo equilíbrio da sua concepção, muito valoriza os técnicos da especialidade.
Em Coimbra, a Ponte de Santa Clara, que espera uma imprescindível companheira, é igualmente uma, afirmação de poder. Na airosa, traça dos seus pilares recordam-se com apurado gosto os barcos tradicionais que sulcavam o Mondego antes da grave injúria que lhe fizerem as areias arrancadas pela erosão às suas margens desnudas de arvoredo.
Todas estas pontes, que são argumentos valiosos em favor do nosso poder realizador, mais fazem avultar a grande mágoa de não estar ainda construída uma modesta ponte sobre o Mondego, ligando as freguesias de Currelos, do concelho de Carregai do Sal, à da Póvoa de Midões, no concelho de Tábua, que é desejada e vem sendo pedida há muito mais de 60 anos, cuja necessidade já demonstrei nesta Câmara mais de uma vez!
Poderá parecer pretensiosa a comparação entre uma ponte humilde e a alta magnificência das que se acabam de referir; o paralelo tem, contudo, a mais completa justificação.
E que, tendo todas elas um mesmo destino e obedecendo a uma mesma finalidade, que é a de fomentarem o engrandecimento da terra portuguesa, são todas igualmente importantes, necessárias e desejáveis no território nacional.
Não se pode compreender, por isso, que, planeadas as grandes muito depois desta tão pequena, aquelas já sejam afortunadas realidades ou estejam prestes a sê-lo, enquanto esta continua, envolta no tumultuar das burocracias, a ser melhoramento distante e quimérico que se afigura impossível ...
Razão têm assim os povos da grande região dos distritos de Viseu e de Coimbra, a quem esta ponte tanto interessa, de a terem apelidado um dia de «ponte do enguiço», designação que vinca as suas desilusões e quase torna mais apropriada e condenatória à medida que o tempo vai passando sem que a sua construção comece ...
Essa ponte, que ligará dois troços de uma mesma estrada já há muito aberta pelos Municípios de Tábua e de Carregai do Sal nos respectivos concelhos, é, na verdade, da mais alta importância para o progresso de uma vasta região.
Destinada a servir a ligação interdistrital Viseu-Coimbra e o Centro com o Sul do País, ela favorecerá a economia local, fomentado as deslocações dos povos e o escoamento dos produtos florestais e agrícolas dessa extensa região.
Isso só se conseguirá, porém, quando essa estrada se não encontre seccionada pelo rio, agora intransponível ao trânsito.
Dada a necessidade de tal melhoramento e até a conveniência de quebrar o arreliador enguiço que tanto pesa, volto a lembrar ao Governo, e em especial ao Sr. Ministro das Obras Públicas, como sentinela vigilante do pró-

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gressivo engrandecimento de todo o território nacional, a urgência de tal ponte ser construída pelo Estado.
A esta forma de solução do problema não deve obstar o facto de serem municipais as estradas que esta ponte se destina a ligar. Cada uma tem, de facto, essa característica agora. Contudo, logo que sejam servidas pela ponte que tão desejada é, deverão ficar integradas na rede das estradas nacionais, formando uma única rodovia.
Estou certo de que este problema não deixará de merecer o interesse cio Sr. Ministro das Obras Públicas e que, por isso, se congregarão todos os esforços para que tal ponte seja em breve uma grande realidade a atestar naquele bonito rincão da Beira, que, finalmente, e por mercê do mesmo devotamento ao interesse nacional que fez erguer as grandes pontes, também esta se ergueu, quebrando para sempre o temível espectro de inércia a que os povos chamavam enguiço.
E porque estou a tratar de vias de comunicação do distrito de Coimbra, relembrando necessidades já por mais de uma vez por mim aqui apresentadas, não quero deixar sem referência algumas das mais .prementes dos concelhos de Pampilhosa da Serra, de Gois e de Arganil, que também já procurei evidenciar nesta Câmara.
O elevado teor de civilização dos nossos dias já não torna de nenhuma maneira aceitável que os povos tenham de viver à margem de recursos do progresso por falta dos acessos necessários aos centros onde tais recursos estão ao serviço da comunidade e donde têm de partir os elementos fomentadores da elevação dos seus níveis de vida.
Populações isoladas são hoje povoações inteiramente condenadas a um desterro que mais ou menos lentamente acabará por ditar a sua extinção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que, tendo-se modificado completamente as fórmulas restritas da vida local, que tanto perduraram infelizmente, já se abandonaram muitos dos antigos sistemas de viação, nomeadamente os da utilização das veredas serranas cavalgando pacientes alimárias.
Ao jornadear vagaroso que essas fórmulas permitiam substituiu-se a febricitante necessidade da viação acelerada, que se tornou exigência geral.
Daqui a necessidade de vias de acesso por onde possa circular sem detença toda a sorte de veículos que se tornaram os integrantes elementos da vida moderna.
A necessidade de acessos principais ou secundários aparece, portanto, em nossos dias como da mais transcendente importância, já que o isolamento desvitaliza e flagela como dolorosa gangrena os povos que a ele estão submetidos.
Ora, o concelho de Pampilhosa da Serra é, no distrito de Coimbra, uma das regiões ainda mais especialmente carecidas do estabelecimento de uma ampla rede de comunicações, necessidade sentida, de resto, em toda a área serrana.
Dotado de numerosos agregados populacionais que se incrustam nos alcantis ou nos vales, em obediência a determinismos que só o fascínio da terra pode explicar, este concelho e a sua sede viveram durante um longo período as agruras da inexistência de vias de comunicação com saída e seguimento.
Por outro lado, à falta de estradas principais, também acresce a da insuficiência da rede secundária, vivendo as populações quase isoladas ou com acessos difíceis e precaríssimos.

Vozes:- Muito bem !

O Orador: - Este estado de coisas está hoje bastante melhorado, principalmente no tocante à rede secundária, porque a grande maioria das povoações vai tendo acessos construídos ou pelos serviços florestais, cuja acção em tal capítulo é verdadeiramente notável, ou pelas agremiações regionalistas, ligas e comissões de melhoramentos, que são instituições prestantíssimas constituídas pelos naturais de cada povoação vivendo em Lisboa, já notabilizadas pelo seu acendrado bairrismo.
A estas se deve a realização de uma vasta e importantíssima série de melhoramentos de toda a ordem, implantados nesses pobres e ignorados rincões que viviam à margem do progresso.
É muito pela devoção integral dos naturais desses desprotegidos pedaços da terra portuguesa que a vida vai tomando neles expressão de dignidade, com os seus requisitos indispensáveis.
Mas, a despeito de lutarem bravamente pelo seu progressivo desenvolvimento, e nessa luta terem encontrado as preciosas ajudas do Estado nas comparticipações do Ministério das Obras Públicas e na actividade tão valiosa dos serviços florestais quando procuram criar acessos indispensáveis, essas agremiações regionalistas e a própria câmara municipal não podem resolver o importante problema do estabelecimento da indispensável rede de estradas principais ou nacionais onde os referidos acessos têm de ser ligados.
Desta sorte, é ainda muito grande o número de povoações isoladas ou tão insuficientemente servidas, que os seus naturais se sentem como que injustamente desterrados na própria Pátria!
É para a sorte de tais povos que venho chamar a atenção do Governo e nomeadamente do Sr. Ministro das Obras Públicas, que não desconhece, de resto, este estado de coisas.
Efectivamente, quando, em Junho de 1962, deu ao concelho de Pampilhosa da Serra e ao limítrofe de Gois a honra insigne da sua visita, pôde este ilustre governante certificar-se, por observação directa, da grande falta de comunicações principais e secundárias que tanto aflige estes concelhos e toda a região serrana.
Os povos que o receberam em apoteose, gratos pela sua presença que tanto os enobreceu, puderam expressar os seus anseios e ouviram palavras de reconfortante esperança. E pelo forte mandamento dessa esperança havida como certeza por aquela multidão de almas justamente sedentas do progresso, e que não devem ser iludidas, que venho lembrar a imperiosa necessidade de serem, construídas estradas nacionais indispensáveis ao desenvolvimento do concelho de Pampilhosa e de toda a vasta região que com ele confina.
Muitas delas já estão incluídas no plano de construções da Junta Autónoma de Estradas actualmente vigente, o que de certo simplificará a realização destes imprescindíveis melhoramentos.
Entre essas estradas contam-se as seguintes: a estrada nacional n.º 343, entre a Catraia do Rolão e o Paul, passando por Fajão, Covo e Cebola, que ficará a constituir uma rodovia de extraordinário valor.
A estrada nacional n.º 344, entre Coja e Alvares, destinada a estabelecer a ligação entre as estradas nacionais dos concelhos de Arganil e de Oliveira do Hospital com as do concelho de Pampilhosa da Serra.
Destinada a servir uma região afrontosamente isolada, mas formada por grande número de povoações, esta estrada tem sido repetidamente solicitada ao Governo pelas forças vivas dos concelhos do Fundão, Oleiros e Pampilhosa, que sentem a sua necessidade muito intensamente.

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E que muitas das povoações desta vasta zona vivem em permanente desterro, afastadas dos recursos do progresso, e por isso cada vez mais martirizadas.
Impõe-se ainda nesta estrada construir uma ponte sobre o rio Unhais - mais uma ... -, no sítio denominado Casal do Preles, pois actualmente a travessia deste rio é feita por um pontão arruinado e perigoso que não oferece a mínima segurança às muitas pessoas que são obrigadas a cruzá-lo.
A estrada n.º 844 e a n.º 343 formam, por isso, duas importantíssimas vias que se destinam a abrir novas perspectivas de crescimento a um grande número de povoações, dignificando a vida dos respectivos povos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Finalmente, é também uma gritante necessidade a conclusão da estrada nacional n.º 2, «o seu último lanço entre Alvares e Venda da Gaita, passando por Ribeira da Alega e o Alto da Louriceira. São uns escassos 9 km que faltam para que esta estrada possa prestar toda a sua utilidade de ligar com o Sul do País esta importante região.
Todas estas estradas que formam a rede principal de acessos são aspirações velhas de muitos anos que os povos repetidamente apresentam ao abrigo dos seus irrecusáveis direitos.
E que todos sentem e sabem que o progresso não é apanágio de alguns, mas integra um fundamental direito de todos.
E quando assim pensam, os povos dessa grande porção do território nacional fundam-se no muito valor da sua esforçada luta pelo engrandecimento destes rincões ignorados que, em boa verdade e a despeito do seu isolamento, sempre vão progredindo gradativamente pelo entranhado amor dos seus naturais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Flores silvestres vicejando na serrania adusta, a grande maioria destas povoações pode contar com a sua agremiação regionalista, que, lutando denodadamente, vai conseguindo os melhoramentos essenciais.
Desta sorte, a construção destas estradas principais que muito interessam à própria economia nacional, na medida em que elas representam grandes potencialidades de progresso, nunca será um favor, mas somente a satisfação do direito de sobrevivência.
Por isso tão empenhadamente as aponto ao Governo.
Mas nesta região há ainda outras importantes necessidades no capítulo da construção de estradas nacionais.
Para referir a mais importante, lembro apenas a grande conveniência de se concluírem os trabalhos da construção da conhecida estrada das Pedras Lavradas, que é uma importantíssima via de penetração da serra da Estrela através da Covilhã, onde terminará.

O Sr. Carlos Coelho: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Coelho: - Queria referir um pequeno pormenor, mas que é de muita importância: é que a construção dessa estrada vai permitir que a ligação do Centro do País ao importante núcleo citadino que é a Covilhã se reduza em aproximadamente 80 km.

O Orador: - Agradeço muito a preciosa achega do V. Ex.ª a que eu não me refiro concretamente, mas que se deduz de transcendente importância desta estrada.
Faltam apenas 16 km desde a Barreosa até à Portela das Pedras Lavradas, e já há projecto aprovado para a sua construção.
É um melhoramento que anda em execução há mais de um século, porque, sendo difícil, muitas têm sido as fortes vicissitudes a vencer. Mas agora já falta pouco e por isso urge que se terminem as suas obras para se oferecer à economia da região serrana esta estrada que é elemento decisivo da sua valorização. E não se me perdoaria que, ao tratar das vias de comunicação de que me tenho ocupado, eu não deixasse aqui uma referência a uma das maiores aspirações das Beiras, que é a da construção fio chamado caminho de ferro de Arganil. Tive oportunidade de cientificar esta Câmara das grandes vicissitudes deste empreendimento quando tomei parte no debate do aviso prévio sobre o aproveitamento do Mondego, magistralmente efectivado pelo Sr. Deputado Nunes Barata na última sessão legislativa.
Renovo agora tudo quanto, então aduzi em favor do prolongamento desta via ferroviária, inexplicavelmente terminada em Serpins quando já haviam sido efectuadas valiosas obras de arte e terraplenagens do seu traçado muito para além desta ridente povoação, em direcção a Arganil.
Agitam-se agora as forças vivas locais e regionais no afã de conseguirem este grande melhoramento, a que atribuem, com evidente justiça, um papel de alta preponderância no progresso da zona central do País.
Sei que às mais altas esferas da nossa administração têm chegado bem elaboradas petições, em que os dados deste grande problema se encontram devidamente estruturados e definidos.
Demonstrada assim a grande necessidade deste empreendimento, que a escala de realizações dos grandes problemas nacionais apresenta como inteiramente viável, tenho fundada esperança em que nos grandes planeamentos do aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego, já felizmente considerado e em estudo, esta velha aspiração possa ser considerada, para se ver continuar em breve a incompleta sinfonia ferroviária que esta linha tem representado.
Deixo assim evidenciadas. Sr. Presidente, e uma vez mais, algumas das instantes necessidades de vias de comunicação de uma zona do meu distrito de Coimbra em que medra o desânimo, mas florescem os mais nobres sentimentos do bairrismo e de esperança, mercê dos quais se continuará a lutar com denodo e sem desfalecimentos pelo seu progressivo desenvolvimento, na consoladora certeza de que se luta e labuta pela maior grandeza do bendito solo do Portugal.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

rdem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acercado turismo nacional.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: precisamente quando na metrópole está, por assim dizer, na ordem do dia o turismo e nesta Câmara o Deputado

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Nunes Barata apresenta muito oportunamente para debate um aviso prévio sobre b assunto, em Moçambique, por feliz coincidência, como que em prolongamento do estudo de um problema que não interessa apenas ao Portugal da Europa, mas a toda a Nação Portuguesa, realizou-se nos dias 19 a 21 de Fevereiro, na cidade da Beira, a primeira reunião provincial de turismo.
Escusado será salientar a importância e a necessidade de uma reunião deste -género para se traçarem as? linhas básicas em que há-de assentar a acção turística da província e para se estruturar e definir o plano em que há-de desenvolver-se o verdadeiro turismo moçambicano, que, até hoje, tem vivido descoordenado, um pouco ao acaso das improvisações e das boas vontades dos que a ele arriscam o dinheiro e o entusiasmo.
Se na verdade alguma coisa já se tem feito oficialmente pelo turismo em Moçambique, o que se fez está ainda muito longe de corresponder às inúmeras possibilidades daquela grande província do Indico, cujas belezas já foram efusivamente exaltadas nesta Câmara por alguns Srs. Deputados, sem que, contudo, tenham podido esgotar o abundante manancial de riquezas turísticas, muitas das quais ainda por explorar, com que a providência brindou aquela distante terra portuguesa.
Falar das belezas de Moçambique, desde a Ponta do Ouro, no Rui do Save, às regiões de Vila Cabral, junto cio lago Niassa, é percorrer toda uma extensa região de contrastes, em que ao mar se opõem as montanhas e os planaltos, em que as cidades do litoral, com as suas praias de areias douradas, contrastam com as planícies a perder de vista e as densas e inexploradas florestas percorridas ainda despreocupadamente por abundantes o variadas espécies de animais selvagens, em que enfim, aos requintes da civilização ocidental e europeia se contrapõe o exotismo dos hábitos, dos costumes e da cultura africana dos povos das regiões do interior, alguns dos quais tão expressivos e espontâneos nas suas manifestações artísticas que bem merecem que estas sejam olhadas com especial cuidado e mais carinho.
Mas não basta que a Providência tenha sido pródiga em conceder-nos tantos e tão variados motivos de atracção para que nos sintamos satisfeitos e orgulhosos com as potencialidades turísticas de Moçambique.
De que nos valerá tudo isso se não tivermos estradas em número suficiente e em condições de alcançarmos, com o mínimo de conforto, as enormes distâncias que medeiam entre os principais centros turísticos da província? Se o viajante, exausto da viagem, não encontrar, pelo caminho, acolhedoras pousadas onde .possa repousar, para depois prosseguir, reconfortado, o resto da longa jornada? Pousadas asseadas, simples e alegres, ao jeito bem português, que não toscamente copiadas dos moldes e figurinos estrangeiros. Pousadas que manifestem a quem nelas se acolhe um gosto delicado o um cuidadoso arranjo, que traduzam significativamente a cultura- europeia e africana, vivendo lado a lado, misturando-se até harmoniosamente sem que nenhuma delas perca o que tem de característico e genuíno.
Nas terras da metrópole, graças ao S. N. I. - é justo que recorde neste momento o nome do grande impulsionador que foi António Ferro - e a algumas iniciativas particulares, já se encontram espalhadas pelo País fora, a maior parte das vezes em lugares privilegiados, típicas pousadas, que sobrepõem ao luxo a simplicidade e graciosidade do gosto rústico das diferentes e variadas regiões do País. Km Moçambique, porém, elas são ainda escassas.
Se sairmos da capital ou das principais cidades onde se encontram os hotéis e pensões, dos mais luxuosos aos mais modestos, a caminho de outros lugares, dificilmente encontramos pequenas pousadas onde apeteça ficar. Julgo que seria conveniente que se olhasse seriamente para este aspecto do turismo de Moçambique ; construindo-se, à semelhança do que em boa hora se empreendeu na metrópole, algumas pousadas, através da província, escolhendo-se para isso os lugares de maior interesse turístico, quer sob o ponto de vista paisagístico e climático, quer sob o ponto de vista cinegético, piscatório ou outros. Poder-se-ia interessar nisso as empresas privadas ou os particulares concedendo-se-lhes facilidades, subsídios ou prémios na construção de tais pousadas que seriam, no entanto, orientadas pelo Centro de Turismo quanto à sua arquitectura e decoração, para que resultassem funcionais, convidativas e módicas, em vez de luxuosas mas de mau gosto e caras, corno, por vezes, sucede.
A poucos quilómetros de Lourenço Marques situa-se a Namaacha, região de uma altitude média, de cerca de 600 m, estância de repouso que nunca alcançou, porém, o lugar que verdadeiramente merece no turismo de Moçambique.
Apenas com um hotel a poucas pensões, construídas ao acaso por particulares que de mistura com o negócio mantêm, por vezes dificilmente e quantas vezes com negligência, o restaurante e os quartos de aluguer, a Namaacha não oferece ainda hoje outros atractivos que não sejam a sua privilegiada situação montanhosa, povoada de abundantes matas de pinheiros e eucaliptos, o seu clima fresco e agradável, mesmo nos dias em que na cidade o calor aperta, a sua água límpida e leve a brotar dedicada e teimosamente de uma apagada fonte ou a cair em cascata de um rochedo.
Porque não aproveitar esta região, tão perto da capital, onde o clima é saudável, a terra fértil para a cultura, vendo-se a cada passo as mais variadas flores e árvores carregadas de apetitosos frutos europeus e africanos, porque não aproveitar, digo, esta vila de abundantes recursos naturais e fazer dela uma verdadeira estância turística com as comodidades e atractivos necessários?
A Namaacha continua a ser um modesto cartaz turístico da província aonde o turista vai de Lourenço Marques, em pouco mais de uma hora, admirar a beleza da paisagem e pouco mais ... Porque não construir-se aí uma pousada acolhedora e convidativa que atraia mais forasteiros?
É já tempo de que a Namaacha, com os seus tão belos e bons recursos naturais, saia da modesta condição de estância monótona e mal servida de hotéis e de atractivos para se tornar num verdadeiro centro turístico.
Já não penso naquele tão famoso comboio a ligar a capital a esta próxima vila e que, segundo consta, foi uma ilusória ambição dos antigos moçambicanos e é ainda hoje um velho sonho de alguns ...
Ao falar dos turistas, não me refiro apenas aos estrangeiros, que esses, vindos da vizinha Suazilândia, da África do Sul ou das Rodésias, possuem nos seus territórios lugares semelhantes à Namaacha ou mesmo inferiores com beleza mas turisticamente bem aproveitados para- repouso e vilegiatura nas montanhas. Esses, geralmente, preferem o mar, com as suas amplas praias, o sol quente e os demais encantos que estas lhes oferecem.
Refiro-me, sim, aos nacionais que habitam as cidades ou as regiões do interior da província e que, no tempo mais quente, geralmente a coincidir com as férias escolares dos filhos, necessitam de uma região de altitude onde, fugindo ao calor, possam retemperar as forças ao mesmo tempo que distraem o espírito.
Para esses, para os nacionais, também é preciso desenvolver o turismo, lá como cá.

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Mas como fazer turismo interno através da extensa província sem as indispensáveis estradas e transportes acessíveis?
Quando pensamos naqueles que pelo interior mourejam no desenrolar dos dias sempre iguais e das noites que parecem infindáveis, em lugares aonde não chegam muitas vezes nem a luz nem o cinema, e a, telefonia se ouve com dificuldade (não falo da televisão porque infelizmente ela ainda não existe na província), compreendemos bem a ânsia de uma distracção que os ajude a suportar a vida monótona das terras do mato e que os leva, por vezes, a percorrer de automóvel, de jeep ou de camioneta, longos e tortuosos caminhos e más estradas só para assistir a um simples espectáculo.
É certo que ultimamente se tem procurado de algum modo alargar e melhorar a rede de estradas de Moçambique. Mas o ritmo desta imprescindível obra terá de ser acelerado se quisermos fazer um turismo oportuno e eficiente através da província. Por outro lado, as viagens por avião, que é hoje o meio mais rápido para se poder aproveitar umas curtas férias, são ainda excessivamente dispendiosas para que as famílias se abalancem a deslocar-se para longe das suas casas, para a cidade ou para o campo, mesmo na província, não falando, é claro, no elevado preço de uma viagem à metrópole distante. E, no entanto, torna-se cada vez mais imperioso que se promova o turismo nas províncias ultramarinas, quer dentro das próprias províncias, quer entre elas, quer ainda entre elas e a metrópole e vice-versa.
Ama-se mais e melhor o que se conhece e quantas vezes os Portugueses desconhecem a sua própria terra!
Neste momento da nossa história ultramarina, tão denegrida e falseada por certos estrangeiros, há sem dúvida a necessidade de os levar, por todos os meios, a conhecer as terras portuguesas do ultramar, não apenas para observarem a sua beleza e o seu progresso, mas para que possam esclarecer-se sobre a verdade da nossa política ultramarina.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: -Todavia, torna-se também necessário que os Portugueses tenham do ultramar uma noção cada vez mais exacta e perfeita para que melhor o sintam e amem.

Vozes: - Muito bem !

A Oradora: - O intercâmbio turístico entre a metrópole e o ultramar, facilitado por viagens aéreas e marítimas de preço acessível, por excursões e cruzeiros bem organizados, traria para a Nação benefícios incontáveis que vão muito para além do aspecto puramente material da rendosa indústria que é o turismo. Não basta que pensemos somente nos turistas estrangeiros, sem dúvida os que mais contribuem com as divisas para o equilíbrio económico das balanças deficitárias.
O turismo, porém, é muito mais do que uma simples indústria nos seus vários aspectos e interessa na verdade que ele seja fomentado, tendo em conta os múltiplos benefícios de ordem cultural e social que encerra.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Promover o turismo da metrópole para o ultramar e do ultramar para a metrópole não é apenas um processo de rendimento económico dentro do País nem tão-pouco mais uma viagem a acrescentar às muitas dos vistosos cartazes e das propagandas turísticas!
Fazer o intercâmbio turístico entre as várias e afastadas parcelas de Portugal é aproximá-las umas das outras, é irmaná-las num largo amplexo de amizade mais sincera, porque se conhecem melhor entre si. E levar os Portugueses a conhecer melhor a sua terra pelo contacto directo com os territórios e as suas gentes.
Por isso, Sr. Presidente, importa que no estudo do problema do turismo em Portugal, tão vivo e premente neste momento, não seja descurado este aspecto do turismo.
Não posso também deixar de me referir à necessidade de se intensificar o turismo juvenil no nosso país, levando os nossos jovens a conhecer a metrópole e o ultramar.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A promoção de excursões de estudantes convenientemente orientadas dentro da própria metrópole ou nas províncias ultramarinas, o intercâmbio juvenil entre estas e a metrópole, daria à juventude portuguesa uma noção mais real da grandeza e das possibilidades do território português, com a sua história secular e de epopeia, e ainda da força moral com que a custo e por todos os meios defendemos o nosso património.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Sei que à Mocidade Portuguesa está entregue o turismo juvenil, mas também sei que, apesar do esforço dos seus dirigentes, o que se tem feito neste sector está ainda longe de corresponder a um verdadeiro turismo da juventude portuguesa e ao largo alcance da sua promoção. As dificuldades que se põem à sua realização e que se baseiam, sobretudo, na falta de meios materiais, merecem que sejam analisadas e que se lhe dêem os remédios mais convenientes para que se promova quanto antes um turismo juvenil intenso e eficaz, como meio complementar da educação da nossa juventude.
Como já nesta Câmara afirmei, quando da minha intervenção sobre a educação, o conhecimento do ultramar através do ensino tem sido imperfeito e incompleto.
Que melhor lição para um estudante do que o contacto directo com a geografia dos territórios, com os povos e as suas tradições?
Que melhor complemento para os estudos de um finalista de qualquer dos cursos e, particularmente, dos que se relacionam com o ultramar, do que ir percorrer e observar as regiões a que possivelmente se dedicará?
Que se dê, pois, toda a atenção e apoio ao problema do turismo na educação da juventude para que esta, tendo da sua pátria uma noção mais exacta e real, se lhe dedique com maior entusiasmo e fé.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: -Também me merece algumas considerações o aspecto social e cultural do turismo quanto ao nosso folclore e artesanato.
Na metrópole tem-se procurado, de certo modo, divulgar as canções e danças regionais, dentro do País e no estrangeiro, por meio de ranchos organizados, concursos de cantares e danças e de trajos e ainda outras manifestações artísticas.
Há, na verdade, necessidade de se dar a conhecer o variado e rico folclore português, que assenta por profundas raízes na tradição popular pela qual, ainda hoje, Portugal é considerado no conceito turístico internacional como um dos países mais curiosos e típicos da Europa.

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Esta atitude, porém, não tem sido extensiva, ao ultramar, onde raramente se exibem as variadas e sempre apreciadas danças regionais do continente, a não ser aquelas que modernizadas ou estilizadas se integram nos programas das revistas de teatro que por vezes nos visitam ou as que, com certo esforço e persistência, algumas associações regionais, como a Casa do Minho em Lourenço Marques, procuram organizar entre os seus associados.
Seria interessante que os verdadeiros e típicos ranchos folclóricos das diferentes províncias do continente pudessem ir, de quando em quando, ao ultramar, levando até lá os seus puros cantares e danças, ao mesmo tempo que de lá trariam algum conhecimento.
Não só agradaria aos nacionais, como também seria um excelente motivo turístico para os estrangeiros.
Quanto ao artesanato, embora alguns Srs. Deputados, entre os quais mais largamente o Prof. Nunes de Oliveira, já se tenham dele ocupado neste aviso prévio, não deixarei de tecer também acerca dele algumas considerações.
É o artesanato um património cultural que se vai a pouco e pouco perdendo pelo desaparecimento das pessoas idosas que o transmitiam aos mais novos, que hoje, mercê das influências citadinas, do incremento da indústria e ainda da própria educação, o vão abandonando e menosprezando.
Há, portanto, que preservá-lo, quer pela educação, levando os jovens a praticá-lo, quer ainda estimulando o artesão adulto por meio de uma remuneração justa pelo seu trabalho.
Mas torna-se imprescindível, antes de mais, que se criem não só o gosto, mas uma séria e eficaz divulgação do artesanato, quer entre os nacionais, quer entre os estrangeiros. Ainda que no País alguma coisa se tenha feito nesse sentido, o artesanato em Portugal não atingiu ainda o lugar que de direito lhe compete no turismo português.
A arte popular portuguesa, tão variada e rica nas suas manifestações, não é ainda verdadeiramente conhecida e apreciada. Desde o Minho ao Algarve, da Madeira aos Açores e às províncias ultramarinas se pode observar quanto o País é rico em artesanato, indústria que noutros países tem merecido tal atenção que se criaram para ela verdadeiros institutos nacionais de artesanato e até mesmo Ministérios de Artesanato. Entre nós, ela encontra-se repartida por vários organismos que vão dando o seu esforço na divulgação das várias manifestações da arte popular, sem que contudo, esta tenha obtido ainda u expansão que merece à escala nacional.
Há que promover uma mais intensa e larga campanha de expansão do artesanato português, problema que está entregue principalmente ao Fundo de Fomento de Exportação e ao S. N. I. Esperemos que estes dois organismos, ao tentarem resolvê-lo, não deixem de ter em conta também o artesanato do ultramar, tão característico e belo nus suas diversas formas, mas que é ainda hoje quase desconhecido na metrópole por não ter sido devidamente aproveitado. No entanto, é avidamente procurado pelos estrangeiros que visitam o ultramar.
O importante e valioso papel da mulher no artesanato, constituindo o seu contributo a mais poderosa mão-de-obra, não pode deixar também de merecer a nossa atenção.
O artesanato feminino é, muitas vezes, constituído por trabalhos que, em algumas aldeias e vilas, as mulheres fazem em casa, em pequenos intervalos, enquanto a panela ferve ao lume e as demais lides domésticas o permitem. E um trabalho quase maquinal, feito com os mesmos gestos das gerações passadas e com o apego que toda a mulher rural põe nas ocupações caseiras.
É uma indústria simples, que vai desde a tecelagem manual, em rústicos teares, aos palitos trabalhados, às mantas de retalhos e outros, e que merece ser devidamente amparada, pois que, além de ser uma pequena fonte de receita na parca vida económica do lar rural, é também um motivo de atracção turística para o estrangeiro que, vindo de países altamente industrializados, encontra nestes artefactos regionais uma típica e curiosa lembrança do País, na pureza e simplicidade das suas tradições.
A Obra das Mães pela Educação Nacional mantém, pelo País, centros de educação familiar rural onde as raparigas rurais aprendem com as mestras os trabalhos característicos das suas regiões. E uma louvável iniciativa que merece ser apoiada na medida em que esse ensino contribui para preservar o cunho artístico acentuadamente regional e português desses trabalhos, pois que, no artesanato, há que defender a autenticidade no aspecto artístico, ainda que, em muitos artefactos, o aspecto tecnológico deva ser modificado ou melhorado.
Tanto os trabalhos caseiros como os que são feitos sob a orientação de mestras deveriam ser garantidos, de qualquer maneira, na sua qualidade e autenticidade para que ganhassem a confiança do turista. Também a essas mulheres e raparigas que se dedicam aos trabalhos de artesanato deveria ser-lhes facilitada a matéria-prima ou os produtos necessários k sua manufactura, como, por exemplo, as anuirias, assegurando-se-lhes também & colocação .dos seus produtos, o que seria um estímulo.
Para um maior desenvolvimento do artesanato rural seria de desejar a criação de pequenas exposições de carácter permanente nos principais centros turísticos das diferentes regiões onde os próprios artífices fizessem demonstrações do seu trabalho, o que, certamente, atrairia a curiosidade do turista e despertaria o interesse em adquiri-los.
Qualquer que seja o organismo que se venha u ocupar do artesanato u escala nacional, não poderá deixar de atender e receber a cooperação dos organismos locais e regionais.
Para essa cooperação e coordenação muito poderão contribuir as Casas do Povo.
No ultramar torna-se necessário criar escolas ou centros regionais de artesanato que encaminhem as raparigas e os rapazes para esse género de trabalhos e orientem os adultos na sua primitiva arte sem que, contudo, lhes tirem a sua característica feição africana. São obras de madeira, de pau-preto, de marfim, de missangas ou de palha, facilmente vendáveis e, como já disse, muito procuradas e apreciadas pelos estrangeiros.
Seria interessante e oportuno que se promovesse um intercâmbio folclórico e artesanal entre a metrópole e o ultramar, o que muito contribuiria paru um melhor conhecimento da arte popular portuguesa em toda a sua dimensão.
Para terminar, apraz-me registar perante a Câmara que há dias aportou a Lourenço Marques o grande transatlântico Brasil, levando em cruzeiro de férias por portos da América do Sul, África, Mediterrâneo e Europa muitos turistas norte-americanos (segundo os jornais, 406 milionários), que tiveram a oportunidade de visitar a capital de Moçambique e foram até ao Kruger Park, ria África do Sul. Haverá que preparar os motivos e recordações que os turistas possam desfrutar e guardar numa curta estada ou passagem pela província. Além da Namaacha. a que já me .referi, temos a pouca distância da cidade a Catembe e a ilha da Inhaca. Esta última, á entrada da baía de. Lourenço Marques, com uma área de 45 km2, oferece, pela localização, clima e recursos naturais, as melhores condições para o turismo. Bastaria que aí

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se construísse uma pousada ou um hotel e se criassem os motivos de atracção turística que se relacionam sobretudo com o mar, que, com a sua fauna marítima abundante, proporcionaria e permitiria o desporto da pesca. Também as suas belas praias deverão ser aproveitadas, para o que haverá necessidade de provê-las com redes de protecção contra os perigosos tubarões e ainda com a criação de outros divertimentos que agradam ao turista.
Mas para que o Centro de Informação e Turismo da província possa realizar eficientemente a obra para que foi criado e a sua acção se faças sentir viva e actual terá, certamente, de ser dotado com- mais amplos meios materiais, o que estará, decerto, nos propósitos do Governo quando através deste organismo pretende desenvolver um verdadeiro turismo em Moçambique.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: antes de me decidir a subir a esta tribuna para intervir no debate sobre o turismo nacional, meditei quanto ao que seria possível acrescentar-se à ampla e pormenorizada análise, esgotando conceitos, directrizes ou planos de realização, que constitui o magnífico, direi mesmo magistral, trabalho do ilustre avisante, o nosso mui digno colega Dr. José Nunes Barata, a quem tributo a minha homenagem de viva admiração.
Pensei até que a melhor achega a produzir seria a de me limitar a um expressivo e vibrante aplauso, sem me deter em comentários que pudessem macular, em impertinentes redundâncias, o nível de brilhantismo com que a questão estava posta e defendida.
A consciência, porém, de que o problema em discussão, pela importância de que se reveste, se pode compadecer com as mais variadas insistências, em apontamento de trunfos a utilizar e de recomendações a formular sobre deficiências que o afectem, incitou-me a utilizar as prerrogativas parlamentares, muito embora abusando da paciência de VV. Ex.ª, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Não apoiados.
Sendo o turismo instrumento magnífico de valorização nacional e seguro dinamizador da nossa economia, todo o contributo que prestemos à prossecução dos fins visados deverá ser bem recebido. Esta a minha esperançosa, se bem que modesta, intenção.
Procurando acompanhar os irreprimíveis e necessários movimentos de desenvolvimento económico das comunidades internacionais a que estamos ligados,, a nossa atenção é forçosa e intensamente chamada para um dos factores que hoje mais preponderam na evolução desses mesmos movimentos e que se exprime pela transferência de avultados valores das nações mais ricas para as menos favorecidas. E o veículo dessa transferência dá precisamente pelo nome que tem sido objecto de tanta e tão judiciosa apreciação e comentário neste debate - o turismo.
É de poderosa projecção a influência com que vem repercutindo na evolução económica de certos países, dos quais é de destacar a nossa vizinha Espanha. O seu caso flagrante, que já nesta Casa tive ocasião de referir, vão decorridos dois anos, expresso em 1961 por 8 000 000 de turistas, propiciando então uma receita de invisíveis do nível do volume global das suas exportações do ano de 1958 -cerca de 13,5 milhões de contos-, evoluiu em processo ascendente extraordinário, passando para os 15 milhões de contos em 1962 e atingindo cerca dos 19 milhões em 1963.
O que este caudal de receitas possibilita é exuberantemente demonstrado pelo seguro crescimento de recursos a permitir uma expansão de extraordinário desenvolvimento nos mais variados sectores da vida económica e social do país vizinho.
Podemos bem afirmar que a nova era de pujança económica ascensional que a Espanha vem exteriorizando encontra o seu mais poderoso sustentáculo e impulso na moderna indústria exploradora do turismo.
Ora expressivos exemplos como estes, sem referir outros significativos, como os da Suíça e Áustria, atento o condicionalismo de situações geográficas privilegiadas, terão de constituir fundamento de inabalável determinação para que esta moderna indústria possa constituir também entre nós e a curto prazo primordial factor de valorização das nossas estruturas económicas e financeiras.
Embora em progressão crescente, estamos muito longe de índices aceitáveis.
A Espanha, como é notoriamente conhecido, recebe cerca de 22 vezes mais turistas que Portugal, e, embora salvaguardadas as devidas proporções por motivos de situação e extensão geográfica, de possibilidades monumentais e climatéricas, o facto é que a nossa situação, mesmo assim, é de confrangedora pequenez. E tanto mais é penosa esta situação quanto índices aceitáveis se apresentam ao nosso perfeito alcance na medida em quê todos nós o quisermos. Quando refiro todos, desejo acentuar a quota-parte que a cada um de nós, portugueses, votados à responsabilidade de contribuirmos para o progresso nacional, compete cooperar em iniciativa de acção regional, em porfia de alcançarmos uma solução nacional tanto quanto possível próxima do ideal.
O objectivo aceitável de se atingir o milhão de turistas que, como já vi referido, poderá corporizar-se em 1965, está absolutamente ao alcance das nossas mãos. Bastará pensar-se que, muito embora o nosso país seja pequeno na sua extensão geográfica, é suficientemente grande em valores de toda a ordem que possam consubstanciar um bom turismo, para que cada estrangeiro que até nós venha, independentemente da multiplicação de novos visitantes que pode provocar, por propaganda fundada nas impressões colhidas, se sinta obrigado a repetir-se nas suas deslocações a este «Jardim à Beira-Mar Plantado», por não ter esgotado na primeira, segunda e até terceira visita a apreciação dos argumentos convincentes, perdõe-se-me a imagem, que lhes podemos oferecer.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: é o turismo nacional, no que respeita às tarefas da administração, fomento, propaganda e execução, orientado pelas disposições definidas no diploma fundamental que é a Lei n.º 2082, de 4 de Junho de 1956.
Pelo mesmo diploma compete ao seu órgão central, o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, um conjunto de atribuições definidas em doze pontos, tantos quantos se englobam na sua base III.
Se se proceder a uma generalizada análise do processo de execução dos mesmos, verdadeiras traves mestras da nossa actividade turística, não será intempestiva a escalpelização de determinadas particularidades que, muito embora possam ser consideradas de comezinha banalidade, não deixam, contudo, de ter influência fundamental na solidez da orgânica que estruturam.
Um primeiro aspecto a destacar, sem surpreender ninguém, liga-se ao facto de que se o conteúdo da base III define, legalmente, as competências do órgão central de turismo, cuja acção destacada e proficiente me cumpre enaltecer, se me afigura que as missões previstas não pertencem exclusivamente ao Secretariado Nacional.

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E não o pertencem em sentido de plena realização, na medida em que a execução das mesmas se não processar em íntima cooperação e colaboração de órgãos regionais competentes, e até com a própria iniciativa privada. E essa plena realização estará tanto mais longe de ser atingida se nessa cooperação os problemas não forem vividos com entusiástico apoio e persistente acompanhamento, e se, sobretudo, não forem estruturados, no objectivo da sua solução, planos regionais bem fundamentados e recheados de matéria exequível.
Resumindo, ressalta a extrema necessidade de efectivação dos princípios de orientação já definidos pelo diploma referido, para que, partindo-se do turismo regional e passando talvez pelo inter-regional, se atinja o objectivo de um programa em grande na ordem nacional, de um programa ou plano sem receios ou tibiezas, com espírito de desassombrado sentido empreendedor.
Através dele se atingirá um calendário turístico muito mais vasto, que. partindo do dia do turismo, na sua abertura, e passando por todo um conjunto de iniciativas a efectuar em Lisboa, na zona da Arrábida, em Sintra ou em Évora. cubra ainda todo o País. desde o cálido e acolhedor Algarve ao nosso atraente e não menos acolhedor Minho.
Assim, e insistindo, se justifica e impõe a aceleração do programa legal delineado de criação dos órgãos locais ou regionais de turismo indispensáveis, mas constituídos por comissões autênticas que se não limitem a receber e a aplicar, tantas das vezes mal, as pare-as receitas que lhe couberem, comissões activas, conscientes e estudiosas das possibilidades a oferecer e dos intentos a atingir. Tais organismos, legalmente obrigados a submeter à apreciação superior os seus planos de actividade, proporcionarão ao órgão central a elaboração de um mais amplo e seguro plano de nível nacional.
Por esta forma se poderá fundamentar um conjunto muito mais completo de realizações e manifestações a oferecer aos nossos visitantes, com consequências que traduzirão a obrigação de mais repetidas visitas por virtude do muito que ainda ficará para apreciar e visitar, e que uns escassos dias de permanência não permitirão objectivar. Atente-se que a actual média de permanência dê três a quatro dias é bem significativa da mesquinhez dê aproveitamento do tanto e tanto que temos para patentear, seja do nosso património monumental - tão valorizado pela notável obra de recuperação do Governo de Salazar, através da proficiente e dedicada acção de prestigiosos Gabinetes das Obras Públicas e Direcção dos Monumentos Nacionais -, seja nos valores artísticos ou arqueológicos, seja nas manifestações festivas ou culturais, folclóricas e etnográficas, seja ainda nas incomparáveis riquezas paisagísticas com que a natureza nos brindou.
De considerar, porém, que tudo o que referi não passará de quimérico sonho sem qualquer base se não se acompanhar uma orientação como definida pela criação imediata da chamada infra-estrutura do turismo, ou seja as instalações hoteleiras ou similares. Neste aspecto não preciso de me deter em largas considerações, tão bem debatida e analisada foi já a questão em brilhantes e judiciosas intervenções desta tribuna proferidas.
Apenas desejo insistir na evidente vantagem de nos encaminharmos para uma solução de alojamentos que vise os turistas da classe média, em simplicidade de características acentuadamente portuguesas, mas com o indispensável em comodidade, conforto e higiene.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Repetindo o que vi apontado em pertinentes considerações sobre este particular, anoto que o capital a investir para alojar um turista rico permitirá alojar mais de quatro turistas médios. E é fora de dúvida que quatro turistas desta classe deixarão mais divisas que um turista rico.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Em matéria de equipamento para albergai-os nossos visitantes importará acima de tudo preferir soluções que nos ponham a coberto da concorrência turística internacional, assegurando preços de instalação absolutamente competitivos, dado, como é, que estes constituem, sem dúvida, um dos factores primordiais da atracção turística. Será a implacável intervenção da lei da oferta e da procura a funcionar. E repare-se que no presente não é já apenas a alta burguesia que viaja, pois todas as classes sociais gastam as suas férias viajando também.
Ainda no aspecto de instalações, atrasados como estamos na realização de um mínimo indispensável, sobretudo em instalações hoteleiras fora das regiões do litoral, e que urge realizar, importa estimular, desde já, um apetrechamento aceitável, em pensões, residências e até casas particulares.
Um inventário das disponibilidades aproveitáveis, sobretudo no aspecto destas últimas, por parte dos órgãos de turismo locais, não seria, de desprezar e prestaria até óptimos serviços.

orroborando observações e apelos aqui formulados por ilustres colegas, entendo de instante necessidade a resolução de tantos problemas de instalações para albergar os nossos visitantes, sobretudo no campo hoteleiro. Pondere-se todavia que se às instâncias oficiais compete dar apoio e auxílio, importa também que a iniciativa local - neste ponto como em tantos outros os órgãos de turismo previstos pela Lei n.º 2082 poderão ter um papel decisivo - se esmere na demonstração do quanto a preocupa o problema do benéfico aproveitamento dos seus patrimónios, dos mais variados aspectos e alcances turísticos.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: -Guimarães, terra berço da nacionalidade, debate-se com as consequências perniciosas de uma tal situação, o que extremamente diminui a incomparável pujança dos seu notáveis valores de expansão turística. Esta cidade, de que me honro ser filho, vai beneficiar, dentro em pouco, de um primeiro passo, embora em limitada escala, para atacar o seu problema de precariedade de instalações. Será concluída em breve uma pequena residência de exclusiva iniciativa particular a que o S. N. I. não negou o seu indispensável e precioso apoio. É muito pouco, mas talvez que seja o fermento para outras soluções à escala dos valores turísticos da região.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Aqui deixo o meu louvor ao sentido empreendedor revelado por aqueles que a levaram a efeito, com o voto de que constitua significativo exemplo para uma continuidade de idênticas realizações em correspondência às exigências turísticas regionais.
Ao formular este bem sentido voto medito nas possibilidades da extraordinária expansão turística que à região de Guimarães se oferece se as pusermos ao nível dos seus patrimónios históricos, culturais, artísticos, monumentais e ainda dos da sua incomparável beleza paisagística.

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E se me é lícito uma mais pormenorizada divagação quanto u minha terra, que extraordinário alcance não terá o proficiente aproveitamento, como dizia o ilustre e saudoso conterrâneo Alfredo Guimarães, «do merecimento dos alegres costumes rurais, da majestade dos monumentos históricos, da riqueza dos seus edifícios religiosos e do grupo dos seus claustros - talvez o maior de terras de província-, da opulência dos seus museus e arquivos e ainda da graça regional das suas estâncias de repouso e cura?».
Guimarães, além do seu típico de cidade medieval, oferece ainda, em magnífico complemento de precioso valor turístico, as prendas naturais doadas ao seu concelho, e que são as belas estâncias das Taipas e de Vizela, e a incomparável montanha de Penha.
Ao que representam e podem possibilitar estes três belos recantos minhotos, melhor que nós próprios, com outra autoridade, independência e expressão elevada se referiu o nosso ilustre colega Prof. Nunes de Oliveira.
Foi com profunda emoção e sentido encantamento que vi render tão categorizada homenagem ao mérito turístico que na realidade encerram. Fez justiça o nosso ilustre colega e deixou em mim, como vimaranense, o sincero reconhecimento que me apraz aqui testemunhar-lhe, com o caloroso apoio ao voto da necessária valorização das estâncias termais referidas.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Nada tem V. Ex.ª que me agredecer, porque foram muito justas as palavras que proferi.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: além de tudo o que venho referindo, permita-se-me que relembre a inegável melhoria, em cobertura hoteleira, que através das obras das pousadas se poderá obter.
Executadas as previstas no Plano dos Centenários, num total de sete, a que se juntaram as resultantes de adaptações efectuadas no Castelo de Óbidos e na Berlenga (S. João Baptista), surgiu depois um despacho da Presidência do Conselho de real alcance dinamizador da obra da expansão turística, a programar a construção de mais doze pousadas. Neste grupo, ainda não totalmente realizado, o Minho apenas foi contemplado com a de Valência, a constituir, na realidade, um magnífico elemento de atracção e a prestar relevantes serviços em propaganda e em boas condições de alojamento.
Creio, porém, estou certo mesmo, que a nossa antiga província do Minho, sobretudo as suas zonas interiores, oferece argumentos de sobejo para que possa ser prevista a breve contemplação das regiões mais sugestivas, com pousadas que proficientemente sirvam o incremento do seu turismo.
A Penha, em Guimarães, a região de Basto, os perímetros das albufeiras do Cávado e florestal do Geres, etc., poderão proporcionar uma notável expansão, se forem dotadas com pousadas devidamente ajustadas e adaptadas às suas necessidades e possibilidades.
Referindo-me particularmente à zona das albufeiras do Cávado e afluentes, em que a obra do homem, na senda de melhoria de utilização dos nossos recursos económicos, altamente valorizou as belezas naturais existentes, conferindo-lhe possibilidades reprodutivas na ordem turística, ainda mais notáveis, quero deixar expressa a minha estranheza, corroborando a oportuna observação já aqui formulada pelo nosso ilustre colega Folhadela de Oliveira, por não ter sido ainda devidamente aproveitada uma residência, de magnífica situação, sobranceira ao lago da Caniçada, e que o S. N. I. adquiriu para adaptação e pousada.
Ainda sob o aspecto de aproveitamento das albufeiras apraz-me trazer a apreciação deste debute um pequeno mas autorizado e expressivo excerto que recolhi do magnífico trabalho que é o Relatório das Contas Públicas de 1968, da autoria do nosso muito ilustre colega o Sr. Eng.º Araújo Correia, quando, referindo-se às novas tendências na realização de fontes produtoras de energia, nos diz:

Condena, sabe Deus por quantos anos, o natural desenvolvimento económico das zonas onde não seria difícil com o tempo criar condições de produção industrial pelo aproveitamento de massas florestais e aproveitamento de produtos agrícolas, e exploração das possibilidades turísticas criadas pelas albufeiras.

Suficientemente expressivo para que qualquer comentário seja necessário.
Sr. Presidente: porque referi a região de Basto, esse magnífico celeiro minhoto, de belas frutas e também de incomparáveis vinhos, majestosas casas solarengas e, sobretudo, de gente boa e sã, autorize-se-me que aqui deixe expresso o reconhecimento público, crendo interpretar os sentimentos dessas mesmas boas gentes, pelo alto benefício que sob todos os aspectos, além do turístico em causa, virão a colher as terras que a compõem. Quero aludir à profunda beneficiação sofrida pela estrada nacional n.º 206, que, servindo toda aquela bela região e passando por Fafe, liga- a Trás-os-Montes pelo vale do Tâmega, até Vila Pouca de Aguiar, E uma obra de vulto, que, valorizando, turisticamente uma região de tantos encantos naturais, servirá também os valores económicos das gentes desse recôndito Portugal minhoto.
O reconhecimento que exprimo vai, com justo e devido destaque, para S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas, Eng." Eduardo de Arantes e Oliveira, que, com a Junta Autónoma de Estradas, tanto carinho dedicou a essa imprescindível e inadiável obra. O progresso da região que tão notável melhoramento promoverá será o melhor testemunho da justiça prestada aos anseios que a invocavam.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª referiu-se há pouco ao relatório apresentado pelo ilustre relator das contas públicas, Eng.º Araújo Correia, quanto às verbas do Fundo de Turismo. V. Ex.ª pode dar-me os números respeitantes à distribuição dessas verbas?

O Orador: - Se me permite, mais adiante esclarecerei V. Ex.ª
Oxalá que a realização em curso possa ter breve termo, e perdoe-se-me que exteriorize ainda a certeza de quanto a mesma se não valorizará se com ela se promover a realização da tão pretendida e necessária ligação de Cabeceiras de Basto a Moreira de Rei.
Sr. Presidente: em ligeiro apontamento entendo sugerir uma cuidada atenção para chocantes anacronismos que poderão acarretar consequências lesivas do prestígio e do nível a imprimir às nossas actividades turísticas.
Com efeito, empenhados no objectivo de um turismo em grande, não fará sentido que se descurem aparentes pequenos nadas que também em grande o prejudiquem.
Desejo referir-me, indiscriminadamente, a realidades como:
As impertinências de indigentes que encarniçadamente atormentam os nossos visitantes. A orla costeira do Norte é flagrante exemplo deste pequeno ou grande nada ... A resolução do problema será também a satisfação de um caso social.

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A indispensável garantia de civilidade, a delicadeza e a solicitude do mais modesto ao mais qualificado funcionário de guarda ou conservação do castelos, palácios, museus, etc.
A rigorosa fiscalização de limpeza e higiene de todos os recantos e pontos de atracção turística mais ou menos sugestivos.
A concessão de facilidade de horários de funcionamento para todos os estabelecimentos de artigos regionais, quando considerados de utilidade turística.
A eliminação de pequenas prepotências de serviços de controle ou fiscalização a estabelecimentos de utilidade turística, que nada faz deter, mesmo com incómodo manifesto do turista. Ilustro este pormenor com pitoresca e saborosa história que recentemente pude ver implacavelmente satirizada pela pena brilhante do distinto publicista Leitão de Barros, na expressiva página dominical de «Os Corvos» do prestigioso Diário de Noticias.
A necessidade instante de introdução nas nossas escolas técnicas, nos centros que o justificarem, de cursos elementares de preparação de profissionais de indústria hoteleira.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - A solicitude de um bom groom, a afabilidade de um bom porteiro, a delicadeza de um bom recepcionista, etc., não são de geração espontânea.
Importa dispor-se de pessoal adestrado, a saber o que faz e porque o faz.
Intensificação de cursos de guias e intérpretes, sob os quais, sendo, como sabemos, ministrada preparação indispensável para um proficiente desempenho da sua missão em todos os aspectos e pormenores, deverá ser depois exercido controlo periódico, quanto a comportamento satisfatório, cabal, no desempenho das respectivas missões.
A possível concessão de condições especiais para a gasolina utilizada por turistas.
Enfim, muitas outras questões, melhor do que por nós próprios, e no aspecto de pequenos nadas, poderão ser contempladas pelos especialistas da matéria.
Se por outro lado quisermos debruçar-nos sobre implicações de grande relevo para a eficiência dos bons intentos, então pediremos uma cada vez mais intensa coordenação de actividades ligadas à solução dos problemas, à, sincronização do período de tarifas de transporte estimuladoras, com o início da chamada «temporada turística nacional», à eliminação de discriminação turística de estação ou fora de estação, etc.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: VV. Ex.ª me relevarão as divagações, mas confio em que, encaradas as incidências regionais no incremento turístico nacional, as mesmas se nos impõem. Nestes termos, desejo muito respeitosamente solicitar a atenção de quem de direito para a vantagem de se promover a divulgação das nossas belas estradas dos perímetros florestais minhotos e transmontanos,...

O Sr. Virgílio Cruz: -Muito bem!

O Orador: - ... beneficiando-as e propagandeando-as para utilização dos tantos e tão belos itinerários turísticos que podem ser oferecidos aos nossos visitantes.
Na elaboração de um completo roteiro, por regiões, obra que se impõe e que ainda recentemente vi entusiástica e fundadamente defendida pelo órgão regional dos minhotos da capital, deverá dar-se o indispensável destaque à divulgação de. tais estradas. A imponência da panorâmica e a beleza luxuriante da vegetação não podem ser escondidas ou negadas àqueles a quem mais desejamos exibir os melhores argumentos de atracção turística.
Referindo o caso especial das estradas florestais, não esqueço o mais importante das vias de grande e pequena circulação a servir os pontos de mais significado turístico. Mas, a esse já se referiram, e de melhor e mais incisiva forma, a maioria dos ilustres intervenientes no debate.
Sr. Presidente: formulando uma apreciação sobre o processo financeiro de que o Governo se tem servido para procurar estimular a corrente turística nacional, quer interna, quer de estrangeiros, sendo-nos lícito e devido destacar a acção desenvolvida pelo Estado através do Fundo de Turismo, um comentário simples, de procedente observação e que ressalta dos números, se me impõe.
Como se sabe, é através do Fundo de Turismo, cuja actividade está regulamentada pelo Decreto n.º 40 913, de 20 de Dezembro de 1956, que têm sido concedidos prémios para recompensar realizações ou iniciativas de interesse turístico e ainda outros financiamentos a órgãos, entidades ou instalações de actividades que revistam idêntico interesse. Em paralelo com este procedimento, tem o Fundo prestado o seu aval a empréstimos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, com aplicação em instalações hoteleiras ou similares, empréstimos estes revestidos das mais vantajosas condições.
Os números globais dos subsídios ou empréstimos, e a vales prestados, totalizaram de 1957 até Setembro de 1963 (reportando-me ao relatório da Lei de Meios para 1964), 128 389 e 113 949 contos, respectivamente.
O comentário que desejo formular, para além da exiguidade dos números, visa sobretudo focar o manifesto desequilíbrio regional na aplicação ou distribuição destes preciosos auxílios, pois que aos distritos de Faro e Lisboa em conjunto, e sob as rubricas apontadas couberam cerca de 50 por cento em empréstimos e subsídios e aproximadamente 78 por cento em avales.
Mesmo atendendo a forçosa e necessária concentração de iniciativas e realizações na capital, ressalta uma desproporcionalidade que importa ser considerada. E este apontamento, se o ponho à consideração dos ilustres e zelosos condutores do turismo nacional, não importará menos aos organismos de actividade regional e até a toda a iniciativa particular nestas questões interessados. V. Ex.ª, .Sr. Deputado António Santos da Cunha, pretende saber os números relativos ao fundo de turismo e respeitantes a Braga e Viana do Castelo? Relativamente á Braga posso referir que no aspecto de empréstimos consta a verba zero, no de subsídios a verba de 2534 contos e na de avalesa de 2320 contos. Estes números são reveladores também e possivelmente de uma falta de espírito de iniciativa local. Em relação a Viana do Castelo a verba de empréstimos é zero, a de subsídios 1325 contos e a de avales nada.
Isto prova que não importa só às instâncias superiores, mas; também à iniciativa particular actuar.
Sr. Presidente: em conclusão deste meu desataviado depoimento desejo vincar, uma vez mais, que entendo um turismo profícuo e frutuoso através do seu desenvolvimento regional. E não importa sobremaneira que o seu incremento se verifique, em determinada ocasião, com mais intensidade nesta ou naquela região. O que importa, sim, é que numa tendência de época se não posterguem os reais e justificados valores e interesses das restantes regiões.
Se no momento for o Algarve a menina bonita da nossa expansão turística, só posso desejar que os seus inegáveis motivos de atracção e as suas belezas, cativando os olhos dos nossos visitantes, sirvam para melhor consolidar

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ou estruturar uma actividade que este debate pretende projectar para culminâncias de real grandeza.

O Sr. Sousa Rosal: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. Sousa Rosal:-Desejo felicitar V. Ex.ª pelo alto espírito de compreensão da realidade turística sem esquecer o que é mais grato ao seu espírito, mas revelando um alto espírito de objectividade. Devo dizer a V. Ex.ª que se verificarmos que o Algarve vai à frente de Braga no que diz respeito a subsídios para a movimentação turística, isso não é motivo de comentário, como também o não foram nunca os benefícios que Braga tem tido e que lhe vêm de uma glória que também é do Algarve.

O Orador: - Se V. Ex.ª me permite, corresponderei mais adiante ao seu pensamento, que julgo adivinhar.
E que tal realidade seja fogo irreprimível que alastre, em curiosidade justificada e merecida, por outras belezas e valores não menos significativos deste Portugal inteiro, que, a final, é um todo em surpreendentes dádivas da Natureza, e no ideal de valorização que a todos anima.
Se me permitirem uma figura, direi que na actividade objecto deste .proveitoso debate os extremos, seja o Minho e o Algarve, se devem tocar para um desenvolvimento em paralelo e em que todo «o resto do País deverá ser abrangido.

O Sr António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença? .

O Orador: - Faz favor.

O Sr. António Santos da Cunha: - Peço licença para dizer o seguinte: em primeiro lugar, ninguém, absolutamente ninguém, dentro desta Casa ou fora dela, pôs em dúvida a necessidade de incrementar o turismo na província do Algarve, nem tão-pouco as belezas que caracterizam aquela região do nosso país.

O Sr. Sonsa Rosal: - Agradeço a declaração que com tanta elegância desfez o nariz de cera.

O Sr. António Santos da Cunha: - Ao que se chamou nariz de cera foi ao facto de se esquecerem as outras regiões, para só se falar no Algarve, mas a culpa não é dos Algarvios, mas sim de quem esquece as possibilidades das outras regiões.
No Algarve existe já uma acção da iniciativa particular que tem tomado grande vulto, e isto quanto mais implica que o Estado vá de encontro às necessidades das outras.

O Sr. João Correia: - Não chega!

O Sr. Serras Pereira:-V. Ex.ª tem a certeza Sr. Deputado António Santos da Cunha, de que a iniciativa particular tem tomado de facto essa posição?

O Sr. António Santos da Cunha: - Peço desculpa para dizer que tenho elementos precisos para dizer que neste momento estão grandes empresas com capital de largos milhares de contos interessadas na actividade turística do Algarve.

O Sr. Sonsa Rosal: - Prova evidente do real valor turístico da região. Os capitalistas não correm a foguetes.

O Sr. António Santos da Cunha: - O que se pretende é que se faça um planeamento regional que abranja todo u País, para se não verificar, como tem verificado, que o turista, permita-se-me o termo, bate a asa para Espanha, onde tem outras possibilidades de movimento. Há que alargar o nosso espaço turístico, não esquecendo o Norte do País, de belezas inexcedíveis e costumes com um carácter especial e digno de apreço para o visitante. Quanto às vantagens que Braga recebeu por ser a terra do 28 de Maio, direi que quando ali eclodiu esse movimento nacional Braga tinha três regimentos e era sede de divisão militar, ou sejam as forcas militares necessárias para se impor ao País. Hoje tem apenas um regimento.

O Orador: - O que se impõe é aproveitar todos os meios e todas as oportunidades, e estas dependem de factores de actualidade que importa atentamente acompanhar.
Neste aspecto, entendo lembrar a necessidade instante, quanto ao Norte do País, de desde já se procurar tomar todas as medidas de planeamento e acção para podermos acompanhar o surto de expansão turística que vai verificar-se na vizinha região espanhola da Galiza, e para o qual serão investidas largas somas.
Pelo que sei e posso afirmar, os nossos vizinhos estão a preparar a valorização do seu equipamento turístico de toda a ordem para corresponder ao extraordinário afluxo de visitantes, turistas e peregrinos, que se espera para o Verão de 1965 e por ocasião das imponentes solenidades do Ano Santo Compostelano.
Muito seria de deplorar que do nosso lado, não se tomando as necessárias providências, nos víssemos inibidos de acompanhar o surto de desenvolvimento vizinho e não aproveitássemos da melhor forma a natural afluência de visitantes que, como é lógico, seguramente escolherão o Norte do País para itinerários da sua passagem.
Pelo alcance e resultados que adivinhamos, aqui deixamos um sincero apelo em prol de uma imediata actuação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: é tempo de terminar. Vou fazê-lo formulando um ardente voto: que o turismo nacional, «firmado no rumo de mentalidade nova que tem feito ressurgir Portugal», como muito bem disse S. Ex.ª o Sr. Subsecretário de Estado, da Presidência do Conselho, a quem tributo o meu reconhecimento e admiração pela proficiente e devotada obra que vem realizando, atinja os seus melhores objectivos, correspondendo em pleno aos nossos anseios de progresso da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: na presente sessão legislativa, a Assembleia Nacional, movimentando-se embora no Âmbito que lhe é imposto pelas normas constitucionais, tem-se debruçado, por iniciativa própria, sobre alguns aspectos fundamentais da vida nacional, dando, deste modo, a noção das suas responsabilidades e preocupações.
Ocupando quase todo o presente período legislativo com a discussão de avisos prévios, a Assembleia abordou problemas da mais alta transcendência para o futuro da Nação, como sejam os da política ultramarina, da revisão do Código Administrativo, da educação e da agricultura.
Durante os debates pudemos assistir a intervenções plenas de valor, até com carácter de trabalho de especialização, em que cada assunto foi trabalhado pelos que nele se encontravam mais esclarecidos e apetrechados.

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Não surpreende, pois, que no final destes longos debates se possa apurar um vasto saldo positivo de matéria e soluções construtivas, representando anseios generalizados da Nação, para satisfação de prementes necessidades e que, postas à consideração dos governantes através desta Câmara, só podem ser olhadas como sadio contributo para as pesadas tarefas que incumbem à Administração.
Pelo cunho peculiar em que têm decorrido os trabalhos da actual sessão, já aqui vi um nosso ilustre colega, em pitoresca expressão, manifestar o receio de que a Assembleia se esgote num processo de autofagia.
Claro que julgámos compreender o alcance da ironia, mas para evitar más interpretações talvez devesse antes falar-se de auto-suficiência onde se fala de consumpção. Que assim é demonstra-o o interesse e o fôlego com que, após as longas caminhadas anteriores, a Câmara tomou em suas mãos o aviso prévio sobre o turismo em Portugal, de que é muito ilustre Deputado avisante o Dr. José Fernando Nunes Barata.
Já na nota do aviso prévio enviada para a Mesa desta Assembleia em Abril do ano findo se denunciava a amplitude com que o tema iria ser tratado.
A forma brilhante e- exaustiva, a todos os títulos, com que o Dr. Nunes" Barata efectivou o seu aviso prévio, confirmou plenamente aquela expectativa.
A Assembleia ficou a conhecer, com superabundância, as razões que fundamentam a actualidade dos problemas de turismo, de forma a colocar este aspecto da vida portuguesa, na primeira linha das nossas grandes preocupações, no próprio dizer do Sr. Deputado avisante. Contrariamente aos seus receios, o desenvolvimento do seu aviso prévio - o que para nós não constituiu novidade - esteve plenamente à altura dos seus méritos e conhecimentos, o que o mesmo é dizer à altura da importância e oportunidade, do tema abordado.
O Dr. Nunes Barata enunciou todas as razões justificativas da transcendente importância do turismo. E simultaneamente encarou também todos os instrumentos com que o servir e impulsionar.
E a tal ponto foi considerada a totalidade dos seus aspectos, na relacionação das matérias-primas turísticas, estruturas de suporte à sua exploração, esquemas de realizações, processos de trabalho, meios de acção, etc., que, quanto a nós, se torna difícil, se não impossível, acrescentar-lhe qualquer elemento novo.
Salientar e reforçar um ou outro daqueles aspectos gerais e aprofundá-lo ou pormenorizá-lo, consoante o nosso pendor, conhecimentos, experiência, ou ângulo especial de observação, é quase tudo o que nos resta após a exaustação que o autor fez do tema do seu aviso prévio e a larga participação que os Srs. Deputados tomaram neste debate.
É o que tentarei fazer, objectiva e rapidamente, com incidência especial sobre um ou outro aspecto do turismo no centro do País.
O Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho fez, na reunião do Conselho Nacional de Turismo de 7 de Janeiro do corrente ano, uma importante comunicação, já muito divulgada e comentada, sobre as perspectivas da indústria turística em Portugal, que abria com estas palavras:

Nascido do natural anseio do homem de conhecer novas terras e gentes, de descobrir a face do Mundo, o fenómeno turístico, tal como hoje se processa, decorre do extraordinário incremento dos meios de comunicação verificado no nosso tempo.
Socorro-me da especial categoria e posição do governante que aceita u proclama esta verdade primária do fenómeno turístico do nosso tempo, para acrescentar desde já que o fenómeno dificilmente nos tocará com u intensidade e expressão já atingidas noutros países, se, para além do mais, não cuidarmos rápida e seriamente das necessidades mais prementes, no campo das comunicações.
Entre outros, os esforços que vierem a fazer-se, na criteriosa selecção e valorização dos motivos de atracção turística no equipamento hoteleiro, na propaganda externa, no desenvolvimento dos serviços de recepção, etc., ficarão de antemão seriamente prejudicados, se simultaneamente não proporcionarmos aos turistas meios económicos, fáceis e rápidos de deslocação e acesso aos pontos de permanência aonde desejamos atraí-los.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Das chamadas infra-estruturas materiais indispensáveis ao fomento turístico, é do conhecimento geral serem os transportes a base onde assentam todas as ulteriores realizações para o seu desenvolvimento.
Reportando-nos especialmente ao aspecto dos transportes rodoviários, quem percorrer agora as nossas estradas, na sua generalidade com traçados e perfis antiquados, pavimentos irregulares e ultra-reparados, a que, nesta altura, os desgastes próprios do Inverno ainda imprimem feição mais desoladora, facilmente verificará que a nossa rede rodoviária já não se adapta às necessidades, do tráfego interno, nem muito menos quando àquelas se juntam as solicitações de ponta de um tráfego turístico internacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Aliás, o problema não é só nosso, mas de todos os países.
A própria evolução das características dos veículos ligeiros e pesados e o vertiginoso crescimento do seu número criam problemas de trânsito que impõem aos governos o lançamento de amplos e renovados planos de modernização das velhas estradas e a construção de novos traçados.
Após o 28 de Maio, e então com o pensamento apenas na satisfação das necessidades internas, fez-se a brilhante arrancada, que no plano rodoviário nos trouxe quase do zero absoluto para um nível satisfatoriamente europeizado.
Após o seu período áureo, é fora de dúvida continuar a ser notável a acção da Junta Autónoma de Estradas. Simplesmente, os seus esforços e os seus intentos quedam-se em soluções minguadas e parcelares, já que os escassos recursos de que anualmente dispõe não lhe permitem ir mais além.
Mas urge facultar a este sector da Administração os meios pecuniários com que executar a possante tarefa que se lhe exige. Nem nos repugna, para tanto, se necessário, recorrer a uma fonte de crédito externo. E sabido que países de poderio económico superior ao nosso não hesitam em adoptar para aquele fim procedimento, semelhante. Como, aliás, já nós próprios fizemos para a construção de infra-estruturas dos transportes aéreos.
Portugal tem de fazer uma nova e gigantesca arrancada de estradas. E a totalidade dos interesses do País que o impõe; e arriscamo-nos a não ganhar a batalha do turismo, ou a eternizarmo-nos na sua luta, se primeiramente não ganharmos a batalha das comunicações.
É evidente que o plano de modernização da nossa rede rodoviária não poderá levar-se a cabo simultaneamente. Mas também se torna evidente que num ordenado escalonamento de realizações se deve dar prioridade aos tra-

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çados de penetração internacional. E dado que é pela fronteira de Vilar Formoso que nos procura a mais forte corrente do turismo que se desloca em automóvel, afigura-se-nos dever ainda ser dada prevalência à via rodoviária que atravessa o Centro do País, desde aquele posto fronteiriço até Coimbra. Primeiro pela estrada nacional n.º 16, desde a fronteira, passando pela Guarda até Celorico da Beira; e depois pela estrada nacional n.º 17 - a chamada estrada da Beira - até à Cidade Universitária. Sobretudo o traçado de 50 km que antecede a chegada a Coimbra encontra-se, num estado confrangedoramente desadaptado ao tráfego que tem de suportar.
É o momento de lembrar que em toda a extensão do percurso da Guarda a Coimbra não existe apoio hoteleiro digno desse nome. Ora, estando prevista desde há muito a edificação de uma pousada nacional junto àquela via, urge construí-la, corrigindo-se a sua errada localização inicial, para a erguer no ponto de encontro da estrada nacional n.º 231 com a estrada nacional n.º 17, em frente de Seia.
Paisagísticamente é a localização ideal, pois a pousada terá ,por fundo o cenário incomparável da cordilheira da Estrela.
Sob o ponto do vista funcional também a localização é a melhor, no cruzamento da estradas por onde fluem duas grandes correntes de trânsito: no sentido leste-oeste, a corrente de trânsito internacional; no sentido norte-sul, a corrente de tráfego de penetração da serra da Estrela, oriunda das regiões a norte do rio Mondego.
A pousada aproveitará assim da clientela de uma dupla corrente de tráfego e de equilibrada distribuição no ano, porquanto uma terá a sua maior incidência no Verão e outra no Inverno. E será ainda um apoio, não desprezível, no próprio turismo da Estrela.

O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faca obséquio.

O Sr. Martins da Cruz: -Nesse aspecto que V. Ex.ª acaba de focar, respeitante .às comunicações rodoviárias entre Vilar Formoso e Lisboa, por ser na verdade a fronteira por onde entra maior número de turistas, afigura-se-me, que haveria- vantagem em dar prossecução imediata à estrada já quase totalmente construída que se propõe ligar Vilar Formoso a Lisboa por Sabugal, Penamacor e Castelo Branco, com a vantagem de trazer uma economia de cerca de 90 km, o que se traduz, atento o combustível, o desgaste dos veículos e outras despesas, numa economia de dezenas de milhares de contos.
Parece-me, também que esse traçado carecerá de razoável apetrechamento hoteleiro, porque até Abrantes só se encontra o hotel de turismo de Castelo Branco, com condições que por ora não poderão classificar-se de satisfatórias.

O Orador: - listou de acordo com V. Ex.ª quanto a essa necessidade. Não abordei todos os problemas respeitantes ao Centro do País, para não me alongar demasiadamente.
No final das minhas considerações aludirei ao facto de repetidamente só ter procurado que o trânsito rodoviário por Vilar Formoso faça a sua entrada e saída através de estradas diferentes, descrevendo um circuito.
E isso será a alternativa de vir pela estrada de Braga. Ou ainda, como alternativa, vir pela estrada da Guarda à Covilhã, Castelo Branco e Santarém. É uma zona que hoje está em maior desenvolvimento, extensão que é necessária e que tem já um apoio hoteleiro muito interessante.
O problema resume-se em colocar lá uma placa e outra placa à saída de Lisboa - portanto à colocação de duas placas-, e ainda se não conseguiu esse objectivo.
É o aspecto de uma. mais equilibrada repartição pelo ano da nossa actividade turística, com os seus reflexos benefícios, que nos traz a um outro ponto da nossa intervenção.
Evidentemente, tudo importa fazer para que cresça o modesto meio milhão de turistas com que fechámos o ano de 1963.
Mas importa que esse, acréscimo não resulte apenas da intensificação da ponta estival, com que quase exclusivamente trabalhamos, mas sobretudo da extensão que possamos fazer da nossa actividade turística às restantes épocas do ano.
Existe um acentuado desfasamento entre o nosso turismo de Verão e o frágil ou quase inexistente turismo de Inverno.
Como já aqui tivemos ocasião de afirmar, este ocaso hibernal risca durante um longo período dos roteiros do turismo internacional o nome de Portugal. É a quebra no fluxo turístico externo. E a paragem de uma actividade que deveria ter um ritmo contínuo, embora sujeito, como é óbvio, a inevitáveis oscilações, obriga desde logo e cada ano a renovados esforços de propaganda e captação.
Por outro lado, esta solução de continuidade repercute-se desfavoravelmente na política de investimentos, pois, como é compreensível, a legítima rentabilidade dos capitais afectos à estruturação de equipamento turístico não se alcança no limitado período de exploração a que agora tem de confinar-se a grande maioria dos nossos empreendimentos.
Compreende-se, assim, que a palavra de ordem actual seja no sentido do preenchimento desta lacuna.
É certo que, no Portugal metropolitano e insular, o Algarve e a Madeira têm um legítimo e indiscutível papel a desempenhar na consecução daquele objectivo.
Efectivamente, tanto um como outra, pela amenidade do seu clima e suavidade das suas águas marítimas, podendo movimentar as suas praias durante uma grande parte do ano estão destinadas a receber - assim o esperamos e desejamos - expressivas correntes turísticas dos países mais expostos aos rigores do Inverno e que nessa época procuram o conforto e a doçura dos climas dos países meridionais.
Mas surpreende que nesta fase do nosso empenhamento turístico, deixássemos de ver associado àqueles dois valores turísticos o nome da serra da Estrela, por sor indiscutível que a serra da Estrela tem uma missão específica a desempenhar no turismo de Inverno, pela existência de reais possibilidades para a prática das actividades turístico-desportivas da montanha, por aí existir neve com características de queda e perdurabilidade que possibilitam o lançamento de uma estação de desportos de Inverno.
Julgo poder acrescentar que esta dissociação provém apenas de um lapso, pois o S. N. I. e o Conselho Nacional de Turismo deram a sua aprovação ao empreendimento já em curso, que, como é sabido, tem a apoiá-lo o auxílio financeiro do Fundo de Turismo.
Além disso, a serra da Estrela, tão rica de potencialidades turísticas, é compreensivelmente, passível também de um turismo de Verão e até de um turismo de estação de transição. Com efeito, é nas águas interiores ou nos cursos fluviais da Estrela que se encontra o habitat ideal da truta, espécie cuja captura proporciona ao pescador desportivo o maior interesse e emoção. E não es-

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peculo com possibilidades teóricas, pois a Lei da Pesca que esta Assembleia aprovou há anos consignou logo numa das bases as águas interiores da Estrela como zona de reserva da pesca desportiva.
E agora que aquela lei já foi regulamentadas definidas portanto as condições de fiscalização e combate à pesca criminosa, já pode promover-se um intenso repovoamento piscícola, como base para a criação na serra da Estrela de uma autêntica zona de pesca à truta, que é, como já dissemos, aquela em que mais se compraz o pescador desportivo e tem o seu melhor período de actividade na Primavera.
Demonstra-se assim que a rainha das nossas montanhas contém em si condições para um turismo que pode estender-se, sem abruptas descontinuidades, do Inverno ao. Verão.
Este facto é d» suma importância numa política de investimentos, nomeadamente no tocante ao equipamento hoteleiro e outras infra-estruturas, pois a possibilidade de exploração durante um longo período dá desde logo garantias de uma sadia rentabilidade.
Neste aspecto essencial, de um empenhamento turístico, a serra da Estrela está até em condições de superioridade sobre as praias do litoral atlântico ocidental e as termas, condenadas a um período de exploração de escassos dois meses.
Porque já por duas vezes tive ocasião de demonstrar nesta Assembleia que a serra da Estrela reúne todas as condições para aí se promover uma região turística do montanha nas suas múltiplas facetas, incluindo a instalação de uma estância de desportos de Inverno, dispenso-me agora de o fazer, para não me repetir, embora a natureza do debate o justificasse, e sobretudo porque já se entrou na fase prática de realizações.
E demonstrei também que as possibilidades turísticas da Estrela, se abrem tanto ao turismo interno como externo.
Mas é daquelas realizações que pretendo agora ocupar-me.
Há mais de 30 anos que se faz esqui na serra da Estrela, mas em nulas condições do instalação -à parte um antiquado telesqui na pista dos Piornos- e sobretudo em circunstâncias precaríssimas quanto à continuidade de utilização da neve. Com efeito, só havia, e maus, acessos praticáveis até aos 1500 m, e nesta altitude as condições de queda e permanência da neve no solo são demasiado irregulares para se poder pensar num negócio turístico em moldes sérios.
E, no entanto, quem ali chegasse podia contemplar, como eu próprio o fiz no passado domingo, em dia de sol luminoso, mas possuído do amargo desconsolo da inacessibilidade a alguns poucos quilómetros de distância e acima dos 1700 m, o planalto central dos Hermínios e todas as suas vertentes cobertos de abundantíssima neve.
E este espectáculo, que a Natureza generosamente nos proporcionou a partir do fim de Outubro do ano passado, vai prolongar-se até Maio ou Junho deste, ano. E repete-se todos os anos.
Quer dizer: dispõe-se no maciço central dá Estrela de uma matéria-prima de primeira grandeza - a neve, que hoje alimenta a mais poderosa de todas as indústrias turísticas.
Para a utilizar teria de começar-se, como é óbvio, por assegurar o acesso ao planalto por um meio de transporte utilizável em qualquer tempo.
É evidente que para a montanha, nas altitudes que vimos considerando, coberta de neve durante alguns meses, o meio a escolher só poderia ser o de um transportador aéreo. Haveria ainda que decidir do tipo do transportador e da localização dos seus pontos extremos.
Pelas razões que exporei a seguir, a escolha recaiu no transportador aéreo de cabinas suspensas -o teleférico-, com estações terminais de vale e de monte, localizadas, respectivamente, nos Piornos e na Torre.
Escolheram os Piornos para a estação inferior, pelo conhecimento que se tinha de que o ritmo dos trabalhos de construção da estrada de penetração do maciço hermínio, a estrada nacional n.º 339, que passa junto à estação, decorreria em simultaneidade, com a instalação do teleférico
As condições do traçado e pavimento desta estrada são de molde a possibilitar um serviço de remoção da neve, fácil e nada dispendioso, até aos 1550 m. altitude a que se situa a estação inferior do teleférico.
Este facto é de extrema importância para o funcionamento do teleférico. pois é condição obrigatória que o acesso à estação do valo por via rodoviária esteja sempre permeável, mesmo após as quedas de neve na região.
Portanto, para início do transportador aéreo parte-se do ponto onde é seguro poder chegar-se por transporte rodoviário durante todo o Inverno.
Concorreu também para a escolha as condições topográficas do local - um pequeno planalto quase horizontal a norte dos Piornos com superfície bastante para os edificações de apoio à estação e amplo parque de estacionamento de viaturas.
A localização da estação de monte, a 1980 m de altitude, foi determinada por razões de ordem técnica e topográfica o sujeição a uma área da Torro já afecta à jurisdição militar.
Temos visto críticas àquela localização por não atingir uma altitude um pouco superior, com o argumento válido de que o actual cliente da neve não gosta de subir pelos seus próprios meios.
Responder-se-á que a estação do monte está localizada de tal modo que o esquiador pode atingir em descida a estação inferior do telesqui do Covão da Torre.
Por sua vez, a estação superior daquele telesqui está estudada, de forma que o esquiador possa Alcançar em descida a estação superior do telesférico, bem como a estação inferior do telesqui dos Co voes de Loriga - um segundo telesqui, A instalar na zona desportiva do maciço central, a que se seguirá a instalação do télésiege do Covão do Boi.
Ficará assim assegurada, numa primeira fase escalonada, a instalação de uma rede de engenhos ligeiros de subida, que o teleférico vai alimentar, e de que reciprocamente são o complemento indispensável para uma exploração rentável, já que a sua existência forcará grandemente a utilização do teleférico.
Sublinha-se ainda que a disposição das estações terminais desta rede do transportadores aéreos ou de arrasto está estudada de maneira que o esquiador para subir terá sempre ao seu dispor um meio mecânico de transporte.
O percurso inclinado do telesférico, com 2969 m de extensão e um desnível de 378 m, desenvolve-se sobre uma região de alta montanha, de forma irregular, com fossos e depressões profundamente situados.
É por isso que desde o princípio se excluiu a instalação neste traçado de um transportador de uma ou duas cadeiras e, especialmente, pelas razões seguintes:

a) Os transportadores de cadeiras são limitados no seu comprimento de maneira que o percurso inclinado existente, de 2969 m, teria de ser dividido em duas secções, o que desde o início conduziria a inconvenientes e mais despesas;

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b) Em virtude da configuração da região, não se podem manter tecnicamente a distância de afastamento do cabo ao solo e a equidistância dos pilares sustentadores prescritas para os transportadores de cadeiras;
c) O salvamento dos passageiros no caso de acidente daria origem, em virtude da distribuição das cadeiras por todo o percurso e a diferente configuração do terreno, a enormes dificuldades e perigos para os passageiros e para o pessoal da serviço.

A escolha do transportador de cadeiras como sistema de transporte aéreo ficou, portanto, desde o princípio excluída.
Contra a montagem de um transportador aéreo de circulação, com barquinhas de quatro ou mais lugares -telecabina- opõe-se a circunstância do que um transportador aéreo com cabinas suspensas - teleférico - é mais robusto e mais simples no funcionamento. A montagem de um transportador de circulação custa, praticamente o mesmo que a montagem de um transportador aéreo de cabinas suspensas e teria a vantagem de que o rendimento também poderia ser mais tarde aumentado por aquisição de outras barquinhas com facilidade e economia. Os inconvenientes de um transportador aéreo de circulação residem, porém, no maior número necessário de pessoal especializado em relação a um transportador aéreo com cabinas suspensas e nas maiores despesas de exploração, especialmente pela necessária verificação contínua do trem de marcha e dos aparelhos de aperto.
Na existente configuração do terreno com grandes vãos e pela distribuição das barquinhas por toda a extensão do transportador aéreo apresentam-se também grandes dificuldades no caso de salvamento, em relação a um transportador aéreo de cabinas suspensas. Não corresponde, portanto, às condições expostas e especiais a montagem de um transportador aéreo de circulação com barquinhas de quatro a seis lugares.
Como única solução imaginável e económica restou, por isso, a escolha de um transportador aéreo com cabinas suspensas.
O estabelecimento do transportador e a disposição do espaço das cabinas foram escolhidos desde o princípio de maneira que o rendimento do transportador também satisfaça a futuras exigências, dado que a transformação é relativamente cara. Na montagem foi considerado que o excesso de despesas resultantes de uma instalação inicialmente maior é largamente compensado pelo aumento da receita, a esperar por esse facto nos dias de ponta, pela total utilização do transportador.
As cabinas, com uma lotação de 35 passageiros e um condutor e a velocidade de transporte de 7 m/s, permitem uma capacidade de transporte de 255 pessoas por hora.
A escolha da pista do Covão da Torre como a primeira a ser equipada com um telesqui justifica-se por ser uma excelente pista de escola, com um comprimento de aproximadamente 270 m e 60 m de desnível, suficientemente larga, e sem dúvida aquela onde a neve persiste mais tempo. E a escola tem de começar a funcionar ao mesmo tempo que o teleférico, pois é ela que formará a clientela que virá a alimentá-lo.
A segunda pista a equipar com um telesqui é a dos Covões de Loriga. Com os seus 840 m de extensão e no 110 m de desnível é uma pista adequada ao treino e a provas de competição para esquiadores de classe média. No traçado estudado colocou-se a estação superior de forma que os esquiadores a possam alcançar descendo a base do Govão da Torre e também descendo a estação superior do teleférico.
Por sua vez, a estacão inferior é acessível pela estrada nacional n.º 339, a alguns poucos quilómetros da Torre, o que tem grande importância para os desportistas que atingem o planalto, vindos do Norte, pelas estradas de penetração da serra que passam por Seia e Gouveia.
Posteriormente, virão a ser equipadas com engenhos de subida outras pistas, entre as quais se colocará à cabeça a do Covão do Boi, de harmonia com as futuras solicitações da frequência da estância.
Do exposto, decorre claramente a necessidade de melhorar e manter em bom estado as estradas de acesso e penetração a norte e sul do maciço central. Simultaneamente, deve ser encarada a montagem de um eficiente serviço de remoção de neve, com limpa-neves de vários tipos, consoante as altitudes a que tenham de trabalhar, e pessoal afecto exclusivamente a este serviço. Mas é evidente que o apetrechamento de uma estância de desportos de Inverno está longe de ser satisfeito com os meios já descritos.
Fugindo ao pormenor, para não me alongar, enunciarei resumidamente os restantes: o equipamento hoteleiro primário, com um hotel de média lotação, de apoio ao teleférico, um ou outro bar-restaurante e abrigos de montanha; o fornecimento do energia eléctrica e comunicações telefónicas entre as várias instalações e ligação à rede geral; a existência do serviços gerais,, com um director de estância, que tern a seu cargo o serviço de pistas, sua preparação e balizagem, o serviço de socorros e de recepção e informação e a escola de esqui.
E sobretudo o imediato estudo urbanístico da zona desportiva, a pautar o plano conjunto de realizações, a executar por fases e de acordo com as possibilidades financeiras. Só deste modo se evitarão erros e improvisações irreparáveis no futuro.
E como assegurar o financiamento de tão vasto empreendimento?
Há pouco tempo chegou-me às mãos um trabalho da Comissão Interministerial de Turismo, de Espanha, sobre a ordenação, promoção e desenvolvimento turístico da serra Nevada. O trabalho inicia-se, pode dizer-se, com a declaração de que, devendo contar-se na fase de arranque, com a ausência de capital privado, devem ser os organismos oficiais a preencher aquela lacuna.
O plano escalonado por quatro anos prevê um investimento de 397 milhões de pesetas!
Respeitadas as proporções, há grande analogia entre o que os espanhóis se dispõem a fazer na serra Nevada e o que nós nos propomos realizar na serra da Estrela. Por isso, aqui também o esforço inicial tem de ser suportado pelos vários departamentos da Administração, donde decorre que à entidade planeadora e propulsora da estância, que nela própria investe todas as suas receitas, tem de ser concedido novo e dilatado auxílio.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sem receio de afirmar que, vencida u fase de arranque, o capital particular acorrerá para prover às ulteriores necessidades da estância.
Um rápido e último ponto.
Ao falar dos nossos vizinhos espanhóis, ocorre-me que no decorrer deste debate foi defendida e fundamentada a conveniência de uma estreita colaboração, no plano turístico, com a Espanha.
Julgo que nesta interligação cabe o que pode chamar-se um turismo de captação de fronteira.

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Pois bem: existe no Centro do País uma estância termal, mesmo sobre o risco fronteiriço, com capacidade hoteleira de algumas centenas de camas, distribuídas por dois bons hotéis e outras razoáveis unidades secundárias, e ligada a Castelo Branco por uma boa estrada com traçado e pavimento há pouco refundidos.
Refiro-me a Monfortinho.
Se, num plano de entendimento com os espanhóis, só lançar uma pequena ponto sobre o rio Erges e se construir um reduzido troço de estrada para Cória, donde irradiam ligações rodoviárias com Plasencia, Cáceres e Madrid, bastaria então deslocar para Monfortinho o posto aduaneiro de Segura, pessimamente instalado e com péssima estrada a servi-lo, para desde logo se verificarem algumas consequências de inegável interesse.
A primeira seria a procura e utilização da estância termal e, portanto, permanência demorada pela população espanhola da área circunvizinha.
Depois fluirá pela fronteira de Monfortinho um turismo externo de passagem, com provável permanência do dormidas ou refeições, atraído pelas vantagens e recursos do equipamento hoteleiro de Monfortinho e encurtamento da distância, utilizando-se aquela fronteira, entre o Centro de Espanha, incluindo Madrid o Lisboa.
E deste facto resultará nova e benéfica consequência. É que desde Monfortinho até Lisboa, passando por Castelo Branco, Abrantes e Santarém, e a partir de certa altura, com a alternativa de um percurso por uma ou outra margem do Tejo, se proporcionará a uma vasta região a passagem, e porque não uma ou outra permanência, de um movimento turístico externo até aqui inexistente.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Esta eventualidade poderá ainda ser reforçada se na Guarda, com a simples colocação de adequadas placas de sinalização de estradas, se der a conhecer ao turismo entrado por Vilar Formoso a possibilidade da alternativa de atingir Lisboa por um outro traçado diferente do que agora é geralmente utilizado e inclua a passagem pela Covilhã e as já citadas cidades de Castelo Branco, Abrantes e Santarém.
Acrescente-se que ao longo de todo este percurso existe já hoje um razoável apoio hoteleiro.
Para terminar direi que perfilho as conclusões do aviso prévio da autoria do nosso colega Dr. Nunes Barata.
Há nelas muita matéria que, aproveitada, serve o é indispensável ao fomento do turismo português.
Por sua vez, este extenso debate que agora atinge o seu fim acrescentou-lhe novas e valiosas achegas.
Que esta profusa sementeira de ideias e alvitres se reproduza a curto prazo em fecundos resultados é o meu voto.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orados foi muito cumprimentado.

O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: não sou das pessoas que mais acreditam na eficácia destes debates - destes ou de outros-, mas, porque é do conhecimento geral que água mole em pedra dura produz efeitos no tempo, aqui estou também com a minha gota de água a ajudar a dissolver o empedernido com que tão teimosamente lutam os que se interessam pelos grandes problemas nacionais, certamente porque os não acham bem equacionados e os não vêem servidos por soluções capazes.
A Câmara aborda nesta- sessão, depois da educação u da agricultura, um terceiro grande problema, o do turismo, e mais uma vez virá cada um dizer do seu critério, não parecendo, porém, que se possa ir além de uma poeira de pequenos factos, aspectos e fragmentos do magno problema do comércio turístico. Metendo-me também nesta questão, deixarei aos literatos e artistas todo o doce impressionismo da paisagem com seu pictorial e aos amadores fotográficos o folclore inteiro, os povoados pitorescos e as praias garridas e quentes, que constituem, em termos comerciais, a nossa mercadoria turística. A questão é de negócio e o problema é de fazê-lo.
Tudo reside, portanto, em saber vender, para poder vender e conseguir vender. O que não difere essencialmente do problema que afecta uma boa loja de modas do Chiado, e, portanto, requer uma direcção comercial inteligente, activa, dotada de meios de trabalho, servida por bom pessoal a boas instalações. Assim, como sem isto nenhum estabelecimento de modas passa de ser uma modesta loja de panos, também sem qualidades correspondentes nenhum sistema turístico pode passar dos horizontes vegetativos e insípidos que não convidam a nada.
Considerando o turismo uma mercadoria, como deve considerar-se, é forçoso concluir-se que a produção turística está generalizada e há, portanto, uma oferta mundial do produto. Com efeito, vende-se turismo como quem vende pano a metro e compra-se turismo com a regularidade de quem se reabastece de uma coisa de uso corrente que é preciso renovar. As densidades da oferta e da procura fizeram do turismo uma das mais cotadas mercadorias do comércio mundial, com importantes mercados de compra e venda, que dão origem a diversas correntes que a geografia económica pode desenhar em mapas pelo processo comum para apontar as linhas de navegação e distinguir as mais concorridas. Ora, há 30 anos ainda o facto era inexpressivo e não tinha representatividado mundial.
É tão evidente ser o turismo uma mercadoria, que ninguém duvidará ter de fazer-se a sua comercialização segundo as regras e os princípios do grande comércio internacional. O que necessariamente significa ter de lançar-se o vendedor de mercadoria turística no mercado internacional, e, portanto, na concorrência internacional, com novas ideias e novas modalidades, outros padrões e outras modas, de que resultem novos atractivos para maior procura, ou, polo menos, e é o mínimo, não deixar-se ultrapassar pela concorrência, tanto mais que, se é sempre possível, em qualquer parte, obter-se a complacência de um governo benévolo, com tabelamentos a baixo preço para obstar à concorrência da produção externa ou possibilitar a concorrência nacional do mercado externo, não é possível, por iguais processos, decretar a vinda, do pessoas que comprem a mercadoria turística.
É que, como em todo o comércio, o turismo tem peculiares processos psicológicos que são essenciais ao êxito do negócio. Se percorrermos as requintadas lojas do Chiado, padrão heráldico desta famosa Lisboa tão fidalga de distinção e vaidade, em cada uma nos dizem que as coisas belas que nos mostram e nos tentam são do seu exclusivo e vieram, para ali somente, dos mais afamados nomes do mundo internacional da elegância, da arte o do gosto. Mesmo assim, nenhuma senhora, digna deste timbre medieval da distinção, se decide sem só mortificar primeiro na longa romagem das lojas todas, porque a conjuntura da moda é pior do que a da política e os imponderáveis são imensos e imprevistos.
Em negócio, quem quer vender tem de lutar para vencer, o que em técnica se chama fazer concorrência,

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e alcançá-la se não puder batê-la, o que pressupõe todo um sistema, montado, de factos, de processos e de argúcias, que vão desde o dinheiro à filosofia, duas coisas aparentemente antagónicas, que no comércio são convergentes e concordantes.
Em turismo, na indústria turística, e na comercialização do turismo, o encantamento da paisagem, o exotismo dos costumes alheios, a doçura do clima acariciador, o conforto espiritual da criação artística que se arquiva nos museus e patenteia nos casarios e monumentos das velhas e novas cidades e vilas, o repouso, o lazer, tudo isso é para os outros, os clientes, os que pagam porque compram.
Porque o industrial do turismo, o comerciante do turismo, o que tem um hotel onde os hóspedes se renovam dia a dia, ou uma agência numa loja de balcão, para vender passagens, garantir pousadas, fornecer itinerários, horários e preços, esses trabalham e têm de estar atentos a organizações tão complexas como, por exemplo, o são as das lojas de modas, que vivem igualmente do favor psicológico dos clientes atraídos pela modernidade e qualidade das fazendas e dos padrões que constantemente se renovam, sem o que ficam as lojas às moscas ou votadas ao chamariz dos saldos.
Relevada a essência do turismo como um comércio altamente sujeito a flutuações e pressões psicológicas, é óbvia a necessidade de assentar numa estrutura industrial que saiba servi-lo competentemente, porque se a estrutura for incapaz, como é a nossa, não passaremos deste turismo de saldo que temos actualmente.
Penso, portanto, que o turismo como grande valor económico só pode ser montado em regime de grande indústria, o que implica integrarmo-nos no mercado internacional do turismo, e isso consiste em interessar no nosso país os capitais internacionais que no Mundo se aplicam em instalações, material, pessoal e organização para o comércio turístico.
Sei, e todos sabemos, que temos o nosso parco Fundo de Turismo e temos também a nossa modesta propaganda turística, tão modesta que o Mundo quase não sabe da nossa existência, senão para nos chamar colonialistas e fascistas, nos termos de uma propaganda alheia que tem sido diabólicamente montada contra nós pelos interessados nos despojos do Regime e da Nação. Mas não tenhamos ilusões, porque não é com os patacos do nosso Fundo de Turismo que podemos fomentar essa indústria nem desenvolver o seu comércio em prazo razoável ou em escala aceitável, e muito menos ainda conseguir montar, em termos, os complexos que caracterizam as grandes zonas turísticas da actualidade.
O turismo é um produto do nosso tempo, do progresso e do barateamento das comunicações, factores que criaram as grandes correntes turísticas, que são autênticas invasões. Foi esta característica, entrada maciça de visitantes que originou a criação das zonas turísticas, de natureza idêntica às regiões militares, e em que, para as pacíficas e agradáveis operações turísticas, se inventariam ou constróem os itinerários, os panoramas, os aboletamentos, as diversões, os passeios, as localidades, os costumes e todos os recursos susceptíveis de interesse e utilidade.
Ora, assim como antigamente, nos tempos das batalhas em colunas cerradas, se melhoravam as condições naturais das regiões militares, abrindo estradas estratégicas, construindo fortificações à Vauban, organizando depósitos de víveres e munições, hoje valorizam-se as condições naturais das regiões turísticas com boas estradas asfálticas, magníficos hotéis, belas piscinas, diversões, casinos, museus, alindam-se as aldeias, tiram-se efeitos estéticos da antiguidade e da modernidade ou do pitoresco dos aspectos urbanísticos, pensa-se e realiza-se uma multiplicidade de coisas para que cada um encontre sempre o que queira ao sabor da sua índole e constrói-se, valoriza-se, turistifica-se. isto é, moneteriza-se, em tempo e em espaço, uma cadeia de factos turísticos que se oferece ao respectivo comércio.
Ora isto custa dinheiro, e custa milhões, envolve uma extensa convergência de pessoas e interesses, afecta a vida das terras e dos povos locais e não é compatível com a ausência de horizontes futuros nas nossas velhas ideias actuais.
Sempre que me lembro de que no século XVI nos lançámos no grande comércio internacional em grande parte com o dinheiro dos outros, dos banqueiros - mercadores italianos e alemães -, criámos o comércio ultramarino e arrastámos toda a Europa para a Idade Moderna e o comércio mundial, não compreendo que tenhamos perdido nos dias de hoje esse privilégio da nossa inteligência antiga que foi capaz de servir tão habilmente a nossa capacidade realizadora pelo evidente processo do ovo de Colombo. Não tínhamos dinheiro, e convidámos quem o tinha, para o que oferecemos privilégios, vantagens, participações, criando nos capitalistas da época um interesse alto que cobriu suficientemente o risco elevado. Quando um século depois o grande capital estrangeiro se retirou do nosso comércio internacional, o negócio estava montado, que ainda hoje dura.
Pode ser que eu me engane, tanto mais que sou leigo, mas estou convencido de que não podemos entrar no mercado mundial do turismo senão em comparticipação com as forças económicas internacionais que o regem. E evidente que podemos por nós construir mais uns hotéis, umas pousadas, várias barracas de praia, mas ao fim e ao cabo continuaremos todos a pedir ao Estado que faça o que ele não pode nem sabe, tanto mais que o turismo, como negócio, é incompatível com a silogística burocrática.
Há pelo menos uma coisa que nós não podemos fazer, que é o fazer convergir para as nossas fronteiras as grandes correntes turísticas que são todas comandadas pelo grande comércio mundial do turismo, todo ele ao serviço dos grupos capitalistas que fazem investimentos no sector de turismo, e os não fazem ao acaso, ou pelas lindas paisagens do país A ou do país B, mas em ordem à técnica financeira dos investimentos, que é dogmática - ou não fosse uma técnica especializada. Os grupos financeiros que investem em turismo são eles próprios que asseguram por meio da sua rede de interesses interligados a clientela que há-de pagar os juros ao capital. E é evidente que o capital português, restrito, disperso, fragmentado e sem experiência, não pode oferecer, nem em volume nem em qualidade; a uma rede estrangeira vendedora de turismo em Portugal a soma de interesses que lhe proporciona um bloco capitalista que oferece em massa, e por isso dá margem para a grande publicidade garantidora do tráfego. Não esqueçamos que um minuto de projecção na televisão inglesa custa £ 1000. que são 80 contos.
Não podemos esquecer também que o turismo tem duas faces e duas éticas. Como negócio, no aspecto venda, a sim ética consiste em convencer o turista- a gastar o mais possível. Como ludus, no aspecto compra, a sua ética consiste em oferecer ao turista interesses, preferentemente sob a forma de valores. E nesta equação de funções que intervém decisivamente a propaganda, aparentemente no interesse do comprador, más na realidade em defesa do produtor, que é o capitalista interessado no investimento feito, actuando por intermédio do vendedor.
Toda a gente sabe que sem propaganda eficaz não há turismo suficiente, e sem este não há instalações capazes em qualidade e número, e muito menos em sistema, for-

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mando complexos turísticos. O círculo é vicioso, porque cada começo depende do outro. De qualquer forma não vejo possibilidade de o nosso S. N. I. ir muito além do que tem feito em propaganda turística no estrangeiro, e considero impossível criar-se com a prata da casa, isto é, com os actuais ritmos de aumento das nossas instalações, dos nossos investimentos e da nossa propaganda, uma massa turística que se traduza em expressivo rendimento nacional, de conformidade com as nossas proporções equacionadas com as possibilidades que temos e os valores e interesses que oferecemos.
Estou convencido de que se facultarmos convenientemente a produção turística portuguesa ao investimento dos grupos financeiros estrangeiros que, por suas técnicas de comercialização, manobram e orientam as correntes turísticas por meio de vastas redes e possibilidades de propaganda com que não podemos competir, teremos a nossa quota-parte no turismo internacional moderno, que é o turismo em massa.
E não venham dizer-me que, afinal, apenas defendo a participação do capital estrangeiro no nosso turismo, porque o que me parece previsível, com a nossa integração no mercado internacional de produção, propaganda, venda e compra do produto, é uma expansão explosiva da produção e comércio com capitais nacionais, que só se criarão e afluirão logo que haja clientela que os pague e fomente. O nó do problema está na clientela, de que não podemos dispor, porque não temos meios para isso, e, portanto, o remédio é entrar em sociedade. Continuarmos sozinhos a lutar pelo nosso turismo é esgrimir com moinhos de vento e gastar numa luta inglória o que se ganha no pouco que recebemos.
Conseguir obter capitais que assegurem correntes turísticas externas e formem um pólo de arranque não parece extremamente difícil, se o problema for tratado em termos de negócio por meros processos comerciais, industriais e financeiros, sem grandes, escusadas e complicativas intervenções da pesada máquina estatal que, por sua natureza, não é capaz de construir uma mecânica adequada ao bom sistema. Fundamento-me no que se diz e no que eu próprio conheço. Com efeito, é facto que iniciativas turísticas do maior interesse se prendem e morrem nas malhas apertadas de uma burocracia estéril, complicativa, medonha, fabricadora de maçadas, que afasta os mais animosos e empreendedores.
No entanto, temos uma legislação fomentadora, proteccionista, que faculta auxílios, mas é como se não existisse, porque há a interpretação, a execução, o processo burocrático, a dependência em que se cai, por força de outras disposições ou de outras dúvidas, da vontade discricionária de outros serviços, isto é, de outras pessoas. Andam as coisas para trás e para diante, um sem número de vezes, passam-se anos, frustram-se todas as previsões, começam a vacilar as combinações financeiras que não suportam a inactividade dos capitais, e quando se acaba qualquer coisa (quando algumas vezes se chega a acabar), é sempre tarde, com prejuízos irrecuperáveis, com um esfalfamento enorme, em que se despenderam energias que também valem dinheiro e se não renovam.
Não quero adiantar mais nada sobre política de turismo, para dedicar algumas palavras ao turismo em Moçambique prevalecendo-me da oportunidade.
Começarei por dizer que a superintendência do turismo em Moçambique cabe à Agência-Geral do Ultramar, não sabemos porquê, mas certamente por motivos tão ponderosos como seriam se estivesse confiada ao imperador da China.
Nos termos da lei, cabe a Agência-Geral «orientar e desenvolver o turismo ultramarino», ou, como discrepantemente se diz noutro passo da mesma lei, «estimular, assistir, coordenar e suprir a actividade» dos respectivos órgãos provinciais, aos quais compete primacialmente a acção oficial destinada a fomentar o turismo.
Passando por cima desta primeira confusão de competências do velho modelo do gato escondido com o rabo de fora, em que afinal está centralizada na metrópole a competência relativa à gestão de uma actividade que existe toda no ultramar, o com a qual a metrópole nada tem que ver para além de uma superintendência orientadora do Governo Central ao nível de relações correntes entre o governador-geral e o Ministro, convém dizer que a Agência-Geral não possui capacidade nem tem a mais pequena possibilidade de cumprir a missão que tão desnecessariamente lhe está confiada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, cumpre-lhe inventariar os valores turísticos, designadamente de natureza etnográfica, histórica, artística, musical, cinegética e piscatória; definir zonas de turismo e propor o seu regime; elaborar planos de fomento turístico; organizar cartas turísticas das províncias; elaborar ou colaborar na elaboração de publicações de propaganda turística; organizar excursões, cruzeiros, digressões e viagens turísticas; estudar a propor a regulamentação da entrada de pessoas e de importação de materiais para fins turísticos; estudar e propor a regulamentação das actividades e profissões relacionadas com o turismo; estudar e propor a regulamentação da indústria hoteleira e do crédito destinado ao desenvolvimento desta. Mas aos serviços respectivos da província também compete naturalmente tudo isto, e então gasta-se dobrado, o que é típico esbanjamento dos dinheiros públicos das províncias, porque elas é que pagam os desnecessários serviços turísticos da Agência, ou esta não faz, que é o que efectivamente acontece, e limita-se a pedir às províncias, e por cópia a papel, químico, uns elementos de arquivo da sua vaga orientação turística abstracta.
Mas mete-se por ventura na cabeça de alguém que a administração do turismo em Moçambique, que vive de pura circunstancialidade local conjugada com os atributos psicológicos da clientela que o procure, possa ser orientado por uma repartição burocrática deliciosamente debruçada sobre o Tejo maravilhoso onde singram, como sereias de magia, as últimas faluas de Alcochete em espantosas tarde de sol?
Tudo o que a lei manda fazer, em matéria turística, à Agência-Geral, requer ser íntima, longa e localmente vivido por conhecedores directos, e nenhuma comissão eventual e digressiva dá a menor habilitação a quem quer que seja para inventariar recursos, definir zonas, propor regimes, regulamentar actividades e profissões relacionadas com o turismo ou estudar a regulamentação da indústria hoteleira e do crédito necessário ao seu desenvolvimento. A Agência pode apenas actuar como caixa de correio, o que é, neste sector, redundante e dispendioso. Além disso, porque, na minha tese, o turismo é um negócio de comércio e de indústria, a intervenção coordenadora, orientadora e fiscalizadora da metrópole só pode exercer-se em linhas gerais de planificação económica pelos serviços de economia do Ministério, ficando ao arbítrio das províncias toda a organização, regulamentação e acção, consoante os problemas e as condições que reciprocamente interessem à indústria, ao comércio e à clientela.
Portanto, na minha opinião, o esquema actual está largamente errado por se situar fora de toda a realidade, e o que é certo é que nunca ninguém viu sair da orien-

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tacão e fomento turísticos feitos pela Agência, um inventário de valores turísticos do ultramar, uma zona de turismo com seu regime, planos de fomento turístico, cartas turísticas das províncias, etc. Que eu saiba há apenas alguns folhetos, interessantes, artísticos, mas muito genéricos, um por província. Há mesmo coisas que se não compreende como possam estar no âmbito da competência da Agência, como sejam «a regulamentação da entrada de pessoas» e «a regulamentação das actividades e profissões relacionadas com o turismo, porque são matérias pertinentes à Administração Política e Civil das províncias, confiada ao governador-geral, que actua por intermédio do secretário-geral. Também se não compreende como pode a Agência tratar, a distância, da regulamentação da indústria hoteleira, e muito menos, dada a sua total falta de experiência e de técnica económico-financeira, «do crédito destinado ao desenvolvimento desta industria».
Desejo afirmar que consigno estas observações, que me parecem pertinentes, apenas com vista à reforma de serviços, que se anuncia, para o Ministério do Ultramar. Penso que o pior que se pode fazer a um serviço é conferir-lhe atribuições que não possa de modo algum desempenhar por si com inteira eficiência. A Agência-Geral do Ultramar é essencialmente uma procuradoria do ultramar na metrópole para prestar serviços às pessoas, instituições e governos ultramarinos, e como serviço dependente do Ministério não se compreende que invada atribuições próprias da administração pública, no seu mais puro sentido, e ainda por cima num âmbito que necessariamente não pode senão pertencer às administrações provinciais.
Também não quero dizer mais nada acerca desta introdução ao turismo em Moçambique. É suficientemente ineficaz (para além das ideias gerais de uma política que ao Governo nacional cumpre definir de acordo com o governo da província) a sua centralização gestora na metrópole; o que, todavia, perfeitamente se compreende num sistema em que abundam contradições.
Com efeito, não são publicamente conhecidos estudos e planificações de nada, oficialmente aprovados, para o fomento do turismo em Moçambique, mas também os serviços de turismo são recentíssimos na província, embora criados há quatro anos. As correlativas obrigações da Agência-Geral é que têm quase sete anos, que, ao que parece, foi tempo manifestamente insuficiente para transplantar para o ultramar toda a legislação do esquema metropolitano de fomento de turismo, tanto assim que nem ao menos o regime de incentivos financeiros que existe na metrópole lá temos ainda. Todavia, compete por lei à metrópole a organização do turismo no ultramar. Ora, o fundamento de toda a organização é uma orgânica, e em casos de negócio como este um sistema económico-financeiro ao serviço de uma planificação.
Tanto mais que em Moçambique o turismo é um grave problema, económico a resolver no plano económico. Nós somos ali um grande produtor potencial, mas não produzimos nem em qualidade nem em quantidade para uma clientela excelente que temos ao lado, e não aproveitamos, com o risco de ser ela solicitada por outros gostos, isto é, outros mercados, e debandar para outras paragens. E Moçambique precisa prementemente de vender turismo, visto ser a província grande compradora de turismo, tanto na África do Sul e Rodésia do Sul como na metrópole e na Europa.
Procure-se ao menos criar as possibilidades económicas de uma compensação económica elementar e possível. Crie-se o crédito, mas por caridade não se ande a estragar dinheiro com a contagiosa mania de transformar a província numa coutada de caça, porque o turismo vulgar pode levar vida nova e civilizada a regiões primitivas e populações atrasadas e carecidas, ao passo que a coutada é o mato, a selva, a África antiga, que nos não interessa, com graves incómodos e prejuízos aos povos para regalo exclusivo de meia dúzia de milionários amantes de prazeres exóticos, que já não são do nosso tempo numa terra que dia a dia se divorcia cada vez mais do passado. O turismo em Moçambique tem de ser veículo de civilização, de convívio, de comércio, de indústria, de progresso, e desempenhar a sua função social na vida económica e na vida dos povos.
Há na província a possibilidade de criar algumas importantes zonas de turismo, sobretudo no litoral que a clientela estrangeira tanto procura, litoral maravilhosamente dotado com o sortilégio do mar e das praias e pequenos trechos de surpreendente paisagem histórica, aqui e além, únicos c inconfundíveis, a que nem sequer faltam tradições, lendas e peculiares tipos humanos. Mas faltam comunicações, transportes, instalações e tudo o mais que enche o turismo, de modo que os turistas não vão, e como não vão não há o que falta. Pelo que é preciso rasgar a muralha das dificuldades com novos processos e novos ritmos. Alguém se lembrou já, por exemplo, de destacar para ali um navio que andasse continuamente em vagaroso cruzeiro entre as costas de Angola e Moçambique para servir a clientela sul-africana, que já hoje procura os nossos barcos que, para o efeito, servem mal o turismo?
Uma iniciativa moçambicana de interesse amplamente nacional, como o são sempre as grandes iniciativas moçambicanas, devido à dimensão diferente que têm da Pátria os que ali a testemunham, tem visado, num mar semeado de escolhos de toda a ordem, estabelecer correntes turísticas da África do Sul e da Rodésia do Sul para a Europa e da Europa para aquelas paragens, utilizando canais portugueses com recursos portugueses, em que se compreendem os transportes e as estadias em Moçambique, Angola, S. Tomé, Guiné, Cabo Verde, Madeira e metrópole num circuito de algumas semanas.
Todavia, esta iniciativa de férteis resultados previsíveis, com interesse directo e imediato para sete territórios nacionais e dois estrangeiros, esbarra com a barreira insuperável do sistema de transportes baratos, que. é preciso assegurar em regime de fretamento, ao qual se opõe o monopólio da T. A. P., que não faz fretamentos para este género de negócio nem deixa fazer.
Se em todo o Mundo se faz turismo com aviões fretados, o que é de grande interesse durante os largos meses em que as instalações turísticas estão vazias e têm de ser mantidas, e nós não podemos fazê-lo em África, onde a afluência normal é já de si pequena, por causa do exclusivo das carreiras aéreas, regularei, que aliás têm outra finalidade, é porque de facto não estamos actualizados com ideias do nosso tempo. Há um princípio fundamental da sabedoria financeira que ensina que quando se não pode ganhar dinheiro sozinho se deve ganhar em sociedade, e a forma mais eficaz de ganhar dinheiro é ganhá-lo numa rede de interesses ligados. O turismo é um negócio essencialmente assim.
Também, no caso exposto, as formalidades para a construção de instalações em Lisboa têm sido mais densas e emaranhadas do que uma vasta sebe de arame farpado, porque o turismo entre nós é uma burocracia em vez de ser um negócio. A mesma empresa de turismo obteve do Governo de Moçambique, com autorização do Governo Central, um importante aval para negociar um empréstimo num estabelecimento nacional de crédito, de

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pois de ter sido o seu caso devidamente esquadrinhado pela Fazenda da província. E a prova de que em Moçambique não há crédito turístico, nem legislação para ele.
No entanto, à falta de planos gerais, e de estudos, e de leis, o Governo da província não se furta a auxiliar quanto possa. Nem as câmaras municipais. A da ilha de Moçambique, por exemplo, criou uma situação financeira difícil para atender reclamações prementes, e sendo um município pobre meteu-se a construir uma pousada, que não tem dimensão nem turística nem económica. Aliás a câmara não planeou bem, e ofendeu expressamente a lei que preserva o conjunto histórico da ilha de Moçambique, porque implantou a pousada em pleno Campo de S. Gabriel, que aliás nunca lhe pertenceu, visto ter sido sempre logradouro privativo da fortaleza, como seu campo de tiro, e de exercícios da guarnição. Arbitrariedades que lá se cometem, a torto e a direito, em relação aos velhos monumentos, por pessoas tão revestidas de autoridade quanto carecidas de conhecimentos mínimos relativos aos problemas.
Mas eu ia a contar a história do- aval. A empresa, de posse de um exemplar do Diário do Governo com o decreto em que a província estava autorizada a tomar a responsabilidade do empréstimo, dirigiu-se naturalmente ao Banco Ultramarino, que, senhor absoluto, único, discricionário e incontestável da banca na província, alegou que o caso era uma questão de fomento e lhe não competia o negócio.
O interessado tomou um avião e veio a Lisboa, com o decreto, os projectos e as esperanças, e o Banco de Fomento iniciou demoradíssimos estudas, que culminaram no interesse do empreendimento, cujo processo ainda por lá dormir o sono dos justos, porque, afinal, ou o Banco de Fomento não tinha dinheiro para emprestar, ou a empresa não conseguiu arranjar, no clã de influências, persuasões suficientemente idóneas para o montante requerido. De qualquer forma, o aval da província é hoje um decreto inútil no Diário do Governo, porque caducou o prazo de um ano que foi dado à empresa para obter o empréstimo.
Outras instituições bancárias que foram solicitadas declararam que não conheciam o interessado, a empresa, o empreendimento, o mercado, não faziam operações no ultramar, nem podiam fazê-las facilmente no actual regime em vigor. O que é facto é que não teve a mais pequena importância para a banca da metrópole a fiança legalmente prestada pela província e garantida pelo Governo para uma realização turística que foi considerada de interesse económico e utilidade pública. Julgo que o facto dá uma suficiente ideia da desprotecção em que se encontram os empreendimentos moçambicanos privados que requeiram amparo financeiro da banca metropolitana.
As pessoas de lá, que não estão metidas na engrenagem de cá, sentem-se abandonadas e frustradas e são levadas a crer, pela eloquência dos factos, que não pode haver realidades nacionais para além da retórica nacional.
Mas, enfim, haja ao menos a sebastiânica esperança de que os adormecidos acordem e por exemplo, o turismo em Moçambique possa estar economicamente presente no espírito, na ciência e na vontade dos que hão-de definir o próximo Plano de Fomento e construir para a realidade turística uma estrutura adequada, que, portanto, se não fique nos rodriguinhos do xarope usual, com os expedientes do costume. Pelo que se pedem providências capazes e efectivas.
Tenho dito

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes de Lemos: - Sr. Presidente: na exposição, aliás brilhante, que o Sr. Deputado Nunes Barata apresentou nesta Assembleia, na sessão de 28 de Fevereiro passado, na conclusão VII referiu a necessidade de cuidar dos transportes como infra-estrutura essencial ao fomento turístico e na alínea f) da mesma conclusão propôs uma coordenação eficaz nos transportes que deverá assegurar uma utilização eficiente e económica dos diferentes sistemas.
Por outro lado, o Sr. Ministro das Comunicações anunciou ao País um plano de coordenação de transportes integrado nas tendências europeias, cujos primeiros diplomas foram recentemente promulgados.
Estes factos sugeriram-me a oportunidade de fazer neste debate algumas considerações sobre o licenciamento de autocarros das agências de viagens e turismo, autorizado pelo artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 41 248, de 31 de Agosto de 1957. Aproveitando os ensinamentos colhidos por seis anos passados, pretende-se esquematizar e equacionar as vantagens e desvantagens de tal autorização.
Neste trabalho, respeitando em primeiro lugar os interesses nacionais, analisa-se a situação anterior em paralelo com a actual e com a que seria desejável. Esboça-se uma distinção entre aluguer e excursão; apresenta-se um estudo teórico da vida de um autocarro como unidade do transporte, isto é, a determinação da utilização, a que corresponde um custo quilométrico mínimo, e termina-se pelo enunciado e proposta de algumas medidas atinentes a melhorar a situação.
Pretende-se obter o equilíbrio económico e financeiro da Nação, única base sólida para um aumento geral do nível de vida, incrementando a produtividade nacional, aumentando a entrada de divisas e diminuindo a sua saída.
A indústria transportadora, como rede circulatória do corpo económico, interessa ser coordenada e protegida.
O turismo, como fonte produtiva de invisíveis, deve, ser orientado e incrementado.
Os transportes na sua função primária e nas suas relações com o turismo devem ser orientados no sentido de que, cumpridas as suas funções, fiquem no entanto à colectividade pelo custo mínimo, para que num caso especial como o nosso, em que se importam unidades de transporte e combustíveis, o desperdício de divisas que um potencial transportador em excesso representa não vá limitar ou inverter as referidas intenções.
Não obstante o seu carácter distinto e o interesse da sua destrinça, existe certa confusão entre as diversas definições legalmente aceites para os dois serviços enunciados. Essa confusão tem impedido a acção fiscalizadora e tem sido a causa de uma sobreposição de actividades que interessa eliminar.
O Decreto-Lei n.º 37272 -Regulamento dos Transportes em Automóveis - não deixa- margem para dúvidas quanto à inclusão dos dois serviços na categoria de transportes públicos.
O Decreto-Lei n.º 41 248 e o seu regulamento e o Decreto-Lei n.º 41 307, embora não definindo claramente a distinção entre aluguer e excursão, deixaram no entanto que se reconheçam como implícita no conceito de excursão as seguintes determinantes:

A excursão não se devo reduzir à oferta de transporte (§ 2.º do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 41 307);
A excursão pressupõe na sua organização um intuito lucrativo e deverá considerar-se como um simples aluguer, um transporte do grupos de pessoas ligadas por laços familiares, escolares, associativos,

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residenciais, etc., e desde que esteja limitado o acesso a esse grupo (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 41 248);
A excursão pressupõe ainda um plano previamente estabelecido, a sua observação e a abertura de uma inscrição com venda imediata de bilhetes a quem se proponha adquiri-los.

Todavia, estas diferenças são difíceis de verificar em curso de realização de transportes e até porque as estradas são fiscalizadas mais activamente pela Polícia de Viação e Trânsito, da jurisdição do Ministério das Comunicações, e portanto mais familiarizada com os seus diplomas. Por isso convinha- definir no Regulamento de Transportes em Automóveis o que se poderá entender por um serviço de excursão e quais os casos em que poderá ser realizado.
O estado actual não pode manter-se. Ele é propiciatório do uma sobreposição de funções que se tem revelado causa principal do um estado de concorrência desregrado entre as agências de viagens e turismo com veículos licenciados e os industriais transportadores.
O serviço de aluguer de veículos posados de passageiros, representando geralmente para os utilizadores apenas a satisfação de uma necessidade marginal, muito menos importante do que o papel representado na vida económica nacional pelas carreiras de serviço público, deverá sempre no seu aspecto financeiro ser uma compensação para o risco, obrigação e rentabilidade mínima que derivam justamente da exploração de um serviço público.
Assim, os industriais transportadores viam no seu serviço de aluguer uma actividade complementar e que vinha muitas vezes cobrir os saldos deficitários de uma exploração que no entanto era socialmente necessária.
Autorizadas pelo decreto-lei referido a licenciarem autocarros para o serviço de excursões, assistiu-se nas agências de viagens e turismo a um fenómeno curioso e sintomático.
As agências de viagens, depois de 1957, aumentaram em cerca de 50 por cento.
Ora, se as actividades dessas agências são, com ligeiríssimas alterações formais, as mesmas que anteriormente (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 41 248), porquê tal surto de criação.
O incremento do turismo em Portugal foi um fenómeno mais gradual e, por isso, não está na base da sua justificação.
É que estando a indústria transportadora condicionada pelo Regulamento de Transportes em Automóveis, todos aqueles que ansiavam há longo tempo por ingressar nesse ramo e a tal se viam impedidos pelo condicionalismo vigente, viram nessa autorização de licenciamento uma porta aberta e por ela entraram confiantes e optimistas. Este optimismo, previsivelmente exagerado, pois de tal forma é evidente a deficitária rentabilidade económica de investimentos em autocarros de utilização reduzida, logo foi sentido pelas agências de viagens com tradições, estrutura administrativa e experiência do ramo, que se abstiveram na generalidade de usar do referido direito.
Assim sendo, as consequências foram rápidas e desastrosas.
O panorama hoje é o seguinte:
A maioria das agências de viagens constituídas depois de 1957 e que licenciaram autocarros concorrem ilegalmente com as empresas transportadoras no mercado do aluguer. Ilegalmente porque essa actividade é-lhes rigorosamente interdita pelo § único do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 41 248.
Para mais, uma grande parte dessas agências nunca chegou a exercer a sua actividade básica - viagens e turismo -, para unicamente se dedicar ao transporte.
As bases em que esta concorrência é feita são claramente ruinosas para os industriais de transportes, que, arcando com encargos de estrutura elevados e peados pela Portaria n.º 12 948, de 10 de Setembro de 1949, que lhes fixa uma tarifa mínima, se encontram impossibilitados de competir num mercado que legalmente lhes era reservado.
Acresce, ainda, que algumas dessas agências de viagens dedicam-se, para justificar a utilização dos seus veículos, à realização de transportes camuflados em pseudo-excursões, concorrendo ilegalmente com carreiras rodoviárias e ferroviárias.
Finalmente, a nova legislação do trabalho para os motoristas veio dificultar mais as possibilidades de competição. Enquanto as empresas do transportes são oneradas com encargos de mão-de-obra e de justas limitações para o trabalho de condução, a tal não se vêem obrigadas as agências de viagens, que possuem geralmente apenas um ou dois carros, normalmente conduzidos pelos sócios ou, então, por motoristas de chamada, não constando dos mapas de horário de trabalho.
Tudo isto concorreu ,para que os industriais de transportes de passageiros que exploram carreiras de serviço público, necessárias mas de lucros limitados e até negativos, e que tinham na exploração do mercado do aluguer uma actividade complementar e compensadora, se vejam justamente alarmados e ameaçados na sua sobrevivência.
É caso para perguntar como se poderá processar uma política de- coordenação se estes transportes de excursionistas por agências de viagens não dependem directamente do Ministério das Comunicações, que, por definição, deve superintender em todos os transportes.
Pondo em primeiro lugar os interesses nacionais básicos, interessará coordenar as actividades como transportadores dos concessionários de serviços públicos e das agências de viagens com autocarros licenciados.
Essa coordenação parece que poderá assentar nas seguintes bases:

1.a Deverão ser salvaguardados os interesses importantes e legítimos do turismo nacional;
2.a Deverá evitar-se uma sobreposição de funções e um excesso de material rolante.;
3.a Interessará canalizar através do mesmo Ministério todos os assuntos referentes a transportes;
4.a Convirá estabelecer futuramente- uma rigorosa disciplina no mercado de aluguer.

Os objectivos e determinantes atrás enunciados justificam o estudo da rentabilidade e aproveitamento máximo dá unidade de transportes.
Afirmam os técnicos que não é fácil, devido às variações dos custos gerais, com a estrutura e dimensão da empresa, estabelecer para os transportes rodoviários, em geral, um índice de custo real.
No entanto, considerações de rentabilidade máxima a factores gerais constantes poderão dar-nos uma ideia da utilização correspondente a um custo quilométrico mínimo.
Foi esse trabalho recentemente realizado, tendo-se chegado à seguinte conclusão:
O custo quilométrico mínimo corresponde a uma utilização tal que o somatório dos custos de reparação e conservação iguala o preço de custo do autocarro.

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Assim sendo, se para um autocarro utilizar simultaneamente em excursões e carreiras, poderemos desejar como óptimo para uma duração de doze anos, uma utilização média de 45 000 km/ano, ou seja já uma vida total de 540 000 km no caso de um autocarro exclusivamente destinado ao serviço de excursões, mercê da desactualização estética que se processa muito mais rapidamente, será necessário na vida do autocarro proporcionar-lhe pelo menos uma utilização de 800 000 km. Tal número parte da hipótese que a vida é limitada e que o autocarro terá um valor de revenda considerável, pois terá ainda excelentes possibilidades num serviço que não seja de excursões.
Se essa vida útil ao serviço de uma agência de viagens for limitada a cinco anos, o autocarro terá de percorrer anualmente 60 000 km para ter um aproveitamento eficaz.
Este aproveitamento só raramente é possível apenas no serviço de turismo.
Concretizaram-se as reticências postas pela Câmara Corporativa- no seu parecer n.º 54/55, Acta n.º 112, de 7 de Junho de 1957, quando dizia que se «temia que o exercício da actividade transportadora por parte das agências de viagens seria contrária à política de coordenação existente».
Ainda no mesmo parecer, embora aprovando o n.º 7 do artigo. 1.º do projecto de decreto-lei n.º 524, que deu origem ao Decreto-Lei n.º 41248, se exprime a convicção da digna Câmara de «que a regra futura seria de que vulgarmente as agências de viagens recorriam para os transportes aos autocarros dos transportadores».
Pensava-se que só um reduzido número de agências poderia abalançar-se às imobilizações e encargos que adviriam da função de transportador. A experiência veio confirmar aquele parecer. As agências com suporte administrativo e económico, na generalidade, abstiveram-se de licenciar autocarros. Mas outras houve, geralmente as recém-criadas, com um mínimo de capital social, que o fizeram. Instalaram-se como agências de viagens, pois só assim conseguiriam ter autocarros e transportar passageiros, que era o verdadeiro fim em vista.
Passou-se um período suficientemente longo de experiência e amadurecimento e interessa agora rever os diplomas em causa com vista à sua adaptação às realidades actuais e ao interesse nacional.
Em conclusão, proponho algumas medidas que passo a- enunciar, em alguns considerandos, levando à redacção de algumas propostas-base.
Considerando:
1.º - a) Que os superiores interesses do turismo podem exigir veículos especialmente equipados;
b) Que os circuitos turísticos não devem estar dependentes das disponibilidades de transporte das empresas transportadoras.
2.º - a) Que pelo artigo 207.º do Decreto-Lei n.º 37 272 estão sujeitos ao imposto de camionagem todos os automóveis destinados a transportes públicos, com excepção dos ligeiros de aluguer de passageiros;
b) Que as licenças de aluguer ou de excursão concedidas a autocarros pertencentes a concessionários de serviço público só o podem ser a veículos adstritos a carreiras. Portanto, estes veículos pagam cumulativamente imposto de camionagem, pela sua utilização nas carreiras e pelo facto de terem licença de aluguer;
c) Que a compra de um autocarro é um pesado investimento, acarretando saída de divisas. Como se diz no n.º 8 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 37272, interessa não importar mais do que o exigido por estritas necessidades.
d) Logo, qualquer agência de viagens, ao requerer o licenciamento de um veículo, deverá pressupor a sua utilização em quilometragem igual ou superior ao mínimo requerido para uma rentabilidade marginal positiva;
e) Essa, utilização deve ser real e, como tal, tomada como base de tributação para o imposto de camionagem;
f) Mas o que não há dúvida é que estão clara e explicitamente sujeitos a ele, como estipula o referido artigo 207.º do Decreto-Lei n.º 37 272;
g) Tal fórmula não deverá nunca ser equiparada à fixada no artigo 217.º do Decreto n.º 45 331 para os automóveis pesados utilizados em regime de aluguer, pois, como ficou esclarecido, nestes casos, o aluguer é uma actividade complementar e o mesmo veículo já foi tributado pela sua utilização nas carreiras.
3.º -a) Que a situação de concorrência e de sobreposição de funções tende a agravar-se;
b) Que há interesses adquiridos e que não podem ser ignorados;
c) Que, acima, de tudo, devem fixar-se os objectivos da política de coordenação de transportes.
4.º - a) Que interessa englobar na política geral de transportes o problema referido;
b) Que interessa promover uma eficiente fiscalização do que nesse sentido for legislado.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: tendo em conta as considerações aduzidas, sugiro as seguintes bases, destinadas a satisfazer cada um dos considerandos enunciados:
l.a Deveriam ser suspensos todos os licenciamentos de autocarros ao abrigo do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 41 248, excepto nos casos previstos na base 2.a

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença.

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. António Santos da Cunha: - Não posso dar o meu apoio a V. Ex.ª, porque isso seria atar as possibilidades turísticas, que é um dos fins primaciais do aviso prévio.

O Orador: - Lamento que V. Ex.ª não possa, dar o seu apoio a estas considerações, receio muito que o turismo não tenha o mesmo desenvolvimento com esta proposta que estou a fazer. Quero salientar que não acho admissível que os concessionários de transportes públicos paguem os seus impostos, que lhes acarretam um grande sacrifício, sem tarifas mínimas.

O Sr. António Santos da Cunha: - Devo dizer a V. Ex.ª que conheço o assunto.

O Sr. Costa Guimarães: - Na generalidade ou na especialidade?

O Sr. António Santos da Cunha: - Na generalidade, como sempre.

O Orador: - Se V. Ex.ª não concorda com as minhas considerações, lamento que assim seja. O que eu não concordo é que os autocarros do serviço de turismo possam confundir-se com os dos serviços públicos. O que é certo é que eles concorrem também para o serviço público fazendo serviço de aluguer.

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O Sr. António Santos da Cunha: -Legalmente não o podem fazer.

O Orador: - Se houver um autocarro que seja só para turismo, é fácil à Polícia de Viação e Trânsito identificar um Garro de turismo p um narro de serviço público.
2.a De futuro, só deveriam ser de autorizar licenciamentos de autocarros nos seguintes casos especiais:
a) Autocarros especialmente equipados para turismo, com fins específicos e pré-determinados, e cuja concepção impeça a sua utilização normal em carreiras de serviço público;
b) Os autocarros destinados a garantir no mínimo indispensável os circuitos turísticos já autorizados.
3.a Futuramente, os circuitos turísticos deveriam ser requeridos conjuntamente por uma agência de viagens e por uma empresa de transportes.

4.a- a) Deveria ser superiormente fixada uma tarifa mínima para o serviço de transportes um excursões;
b) Para cumprimento do determinado no artigo 207.º do Decreto-Lei n.º 37272, deveria ser fixada uma fórmula para o imposto de camionagem a «obrar pelos autocarros licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41 248;
c) Essa fórmula deveria basear-se numa utilização prevista dos veículos licenciados, fixada, de forma a revelar viabilidade económica.

O Sr. Amaral Neto: - Não julga V. Ex.ª que isso vai conduzir a uma inutilização temporária durante as horas mortas do turismo?

O Orador: - Mas a questão é o problema que está posto inicialmente. O ponto do vista que ou defendo é que os autocarros que servem as carreiras de serviço público só possam fazer serviço de aluguer. V. Ex.ª sabe que os autocarros podem ficar inutilizados.

O Sr. Amaral Neto: - Porque há períodos mortos no turismo em que as empresas poderiam dar utilização ao seu capital utilizando nas carreiras extraordinárias os seus autocarros.

O Orador: - Acontece que essa actividade, é absolutamente distinta da actividade das agências de viagens. A concessão dos serviços de transportes é limitada e é o Governo que a concede. Uma agência, de viagens não pode com os seus autocarros fazer carreiras de serviço público.

O Sr. Amaral Neto: -Mas não concebo V. Ex.ª que os concessionários de serviço público possam também fazer carreiras de turismo?

O Orador: - Os concessionários de serviço público devem tratar legalmente com as agências; de viagens para fazerem serviços de excursão. De outra maneira serão atacados, e com razão, pelas agências de viagens.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª sabe o que ou queria? Era que houvesse menos entraves o menos incómodos para o público.

O Orador: - Entraves haverá sempre. O que era preciso é que não fossem uns filhos e outros entoados.
5.a Os licenciamentos previstos na base 2.a deverão ser da competência do Ministério das Comunicações, através da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, que para tal fixaria os elementos necessários para o respectivo pedido.
6.a A esses veículos deverão ser de exigir especiais requisitos de comodidade e actualização estética, a definir pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres e a verificar nas inspecções periódicas.
7.a Não deverão ser permitidos licenciamentos por substituição, a não ser os previstos na base 2.a

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
António Carneiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Olívio da Costa Carvalho.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
Joaquim de Jesus Santos.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos B essa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 3636

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