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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145

ANO DE 1964 14 DE MARÇO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 145 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 13 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO:- O Sr. Presidente declarou aberta, u sessão às 16 hora* e. 15 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs
45 599, 45 602, 45 603 e 45 604.

O Sr. Deputado António Santos da Cunha ocupou-se da situação dos regentes escolares do ensino primário.

Ordem do dia.- Prosseguiu o debate sobre o turismo nacional.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto de Mesquita, Pinto Bull, Gamboa de Vasconcelos, Lopes Roscira e Nunes Barata, que apresentou uma moção de ordem.
Posta à votação, essa noção foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente:- Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.

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Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Câmara Municipal de. Vila Nova de Gaia a apoiar a intervenção do Sr. Deputado José Alberto do Carvalho no debato do aviso prévio sobre turismo.
Vários a apoiar a intervenção do Sr: Deputado Gonçalves Rapazote no mesmo debate.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Júlio Evangelista sobre o ensino secundário no distrito de Viana do Castelo.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Sales Loureiro sobre o funcionalismo dos serviços de fiscalização da Intendência-Geral dos Abastecimentos.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 100.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 57 o 58, 1.ª sério, do Diário do Governo, respectivamente de 7 e 9 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: n.ºs 45 509, que abre um crédito no .Ministério das Finanças pura a respectiva importância ser adicionada a verba inscrita no artigo 308.º, capítulo 12.º, do orçamento dos Encargos Gerais da. Nação para o corrente ano económico o autoriza a 1.ª Repartição da Direccão-Geral da Contabilidade Pública a ordenar pagamentos até ao montante de 1 50 000 contos a fim de satisfazer encargos respeitantes ao ano económico de 1963; 45 602, que abre o crédito no Ministério das Finanças para a respectiva importância constituir o artigo 2.17.º, capítulo 22.º, do orçamento em vigor do mesmo Ministério; 45 603, que insere vários produtos na lista anexa ao Decreto-Lei n.º 43 769 dos produtos submetidos ao regime do artigo 3 da Convenção que institui a Associação Europeia de Comércio Livre; e 45 604, que dá nova redacção aos artigos 2.º e, 10.º do Decreto n.º 15 658 (desembaraço dos navios mercantes estrangeiros que toquem em qualquer porto do continente e ilhas adjacentes).
Está na Mesa o parecer da Comissão de Contas Públicas acerca das contas da Junta do Crédito Público relativas a 1962. Vai ser publicado em suplemento ao Diário das Sessões de hoje.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Santos da Cunha.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: vou limitar ao indispensável esta minha intervenção, não só para não abusar da complacência de V. Ex.ª e dos demais muito dignos Deputados, pois já foram muitas as intervenções a que fui obrigado nesta sessão legislativa, mas até porque me parece que o assunto de que vou tratar é de tal maneira justo que desnecessário se tornam longas palavras para demonstrar as verdades em que me firmo, ou para convencer dos reais fundamentos da razão que assiste aos peticionários que defendo e para os quais me permito pedir a benévola atenção do Governo.
Sr. Presidente: na sessão desta Assembleia de 1 de Marco do 1962, o meu colega de círculo e ilustre Deputado Sr. Prof. Doutor Nunes de Oliveira referiu-se ao facto de diversos jornais de grande circulação do nosso país terem agitado o problema da situação dos regentes escolares, pondo ainda em evidência a circunstância de já na anterior legislatura alguns Deputados se terem ocupado do assunto nesta Casa e1 chamado para ele a atenção de quem o poderia resolver.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- O problema que então a imprensa debateu largamente e aquele ilustre Deputado trouxe à consideração desta Assembleia foi o da anomalia criada aos regentes escolares pelo Decreto n.º 43 369, com o qual o Ministério da Educação Nacional pretendeu, e muito bem, proporcionar uma solução condigna à situação de incerteza e de sobressalto em que viviam muitas dezenas de regentes escolares quanto ao seu futuro.
De facto, nada se realizara até então para garantia do futuro de tantos dedicados servidores do Estado, que lhes aproveitava a comprovada dedicação ao ensino primário dentro das modalidades da esfera de acção que lhes era confiada, na qual agiam como funcionários públicos, mas sem quaisquer garantias, além de perceberem, pelo seu labor uma exígua recompensa.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Essa anomalia era impossibilitar aos regentes com mais de 35 anos de idade a matrícula nas escolas do magistério primário, mesmo quando satisfizessem a todas as outras condições legais, facto este que criava uma injusta linha de separação entre indivíduos que desde muitos anos vinham exercendo iguais funções, sendo certo que, quando o Estado, no intuito louvável de diminuir o analfabetismo e proporcionar aos povos os benefícios da instrução primária, houve de instituir a função de regentes escolares, não se havia previsto, nem isso era fácil, a extensão que ela iria atingir quantitativamente, nem o número de anos que duraria.

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Daqui resultou que, pelo império das circunstâncias inerentes ao problema, o pensamento inicial que levara II criar uma função que se teve por de simples emergência e de limitada duração se transformou durante um período de dezenas de anos, quer quanto à própria natureza do seu exercício, quer quanto a essa própria duração: e de tal modo, que ainda hoje, muito embora tenham variado de maneira apreciável os dados do problema aludido, continua a ser válida a necessidade de se manterem em exercício numerosos postos escolares.
Efectivamente, é incontestável essa transformação a que acabo de aludir, e não vale a pena obstinarmo-nos em a menosprezar, porque ela deu de si, pelo menos, dois factos irrecusáveis e significativos: um, é que existem actualmente regentes escolares com 20 a 30 anos de serviço; o outro, é que numerosos destes regentes foram chamados ao exercício de funções de magistério primário e durante muitos e sucessivos anos, em comissão, isto è, em igualdade funcional com os diplomados pelas escolas do magistério.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não é possível, parece-me, abstrair-se de que todas estas circunstâncias deram origem a um facto importante na ordem mora], do qual o próprio Estado, segundo creio, não pode alhear-se; e, dada a função protectora e de exemplo do respeito a situações de ordem moral, especialmente às que emanam de seus próprios procedimentos, função que deriva do consenso de justiça, segundo S. Tomás, deixar de o analisar e de achar-lhe a solução apropriada e condigna.
Assim, acha-se o Estado Português, relativamente ao conceito de justiça, dentro da doutrina tomista, que sai fora do conceito dos jurisperitos quando a definiram como «a vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe pertence», pois o santo teólogo proclama a justiça como um «hábito pelo qual praticamos actos justos e pelo qual fazemos e queremos coisas justas».
Já quando o assunto foi tratado nesta Assembleia, há cerca de dois anos, aqui se afirmou, com razão, que manter em sobressalto quanto ao seu futuro tais dedicados e sacrificados servidores do Estado era atentar contra os melhores princípios da razão e da justiça; e que era desumano que eles perdessem o seu abnegado e útil labor, após uma vida votada ao combate, ao analfabetismo e ao serviço da Nação.
Em 8 de Setembro de 1962, pela publicação do Decreto-Lei n.º 44 560, foi alterada a redacção do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 43 369, eliminando-se o limite de 35 anos para a matrícula dos regentes escolares nas escolas do magistério, mas mantendo-se todo o anterior condicionalismo.
A publicação deste decreto foi recebida com geral aplauso. Com ela o então muito digno Ministro da Educação Nacional e o Sr. Ministro das Finanças praticaram em acto perfeitamente incluso nos actos justos de que fala S. Tomás.
Com este mesmo decreto fez o Governo uma coisa susta, abrangida, naquele hábito que vem à cabeça do conceito de justiça, segundo a doutrina tomista: com ele se dignificou o Estado perante o País.
Mas representará a publicação do Decreto-Lei n.º 44 560 um acto de justiça completa, tal como deve ser timbre do Estado fazê-la?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: tenho conhecimento de que a SS. Ex.ªs os Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças foram recentemente enviadas representações por um grupo de regentes escolares beneficiados por aquele Decreto-Lei n.º 44 560, nas quais fundamentam o pedido de que sejam contados, para todos os efeitos, como de funcionários públicos, os anos de serviço que prestaram na categoria de regentes escolares, assim em funcionamento em postos de ensino como em escolas em comissão, devendo, evidentemente, prescrever-se-lhes as indemnizações, pela retroacção, à Caixa Geral de Aposentações, conforme os quantitativos que pelo efeito lhes correspondam.
Este aspecto da questão não foi ainda considerado e, por isso, creio, Sr. Presidente, poder afirmar que a publicação daquele Decreto-Lei n.º 44 560 não representa um acto de justiça perfeita, porquanto não foi ainda dada ao problema solução global c consequentemente tão completa quanto é de desejar e é reclamada nas representações a que aludi.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diversos factores indicam que nos regentes escolares ingressados na frequência das escolas do magistério concorrem condições pelas quais devam ser considerados funcionários públicos. Considero dois aspectos: o de facto e o de direito. Quanto ao primeiro, que só por espírito de exactidão não integro no segundo, consiste no número de anos de serviço prestado na categoria de regentes, serviço das funções docentes que lhes foram incumbidas, quer em postos de ensino, quer em escolas em comissão, em completa paridade de exercício com o dos professores diplomados pelas escolas do magistério.
Isto é uma verdade, e, como já atrás signifiquei, a ideia básica que levou à criação do cargo de regentes não será invocada com espírito de humanidade, para contestação do conceito que exprimo, pelas razões a que já aludi, segundo as quais se verifica a alteração essencial e de procedimento que a essa ideia, pelo império das circunstâncias, posteriormente se imprimiu. De tal sorte que o exercício docente dos regentes escolares se orientou para uma posição moral de actividades como de verdadeiros funcionários públicos, mormente quando chamados ao desempenho de funções docentes em comissão, em que o seu trabalho se equipara ao de professor diplomado. Como tal, estavam submetidos a qualificação do serviço prestado em qualquer das duas situações de regência, e os seus alunos eram sujeitos a provas, ou de passagem de classe ou de exame, conforme o exigiam as disposições legais. Em suma, o Estado criara-lhes uma função e preceituava-lhes actividades de funcionalismo civil, em graus de inteira paridade com as das funções de outros reais funcionários, os professores diplomados pelas escolas do magistério.
Formou-se um quadro de regentes efectivos em postos escolares, como se formara um quadro de professores efectivos em escolas.
Precisamente sob este quadro do assunto, é flagrante essa paridade. Aprovados os regentes no exame de aptidão que a lei preceituou, eram os seus nomes publicados no Diário do Governo. Formou-se um quadro de regentes agregados, como havia o de professores agregados. Concorriam os regentes à efectividade de postos escolares, como concorriam os professores à de escolas.
Acerca deste importante aspecto da questão, segundo os dados que possuo, há entre as signatárias das aludidas representações senhoras com 19, 22 e 23 anos de serviço na categoria de regentes, das quais algumas prestaram em comissão, isto é, repito, em igualdade funcional com

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os professoras diplomados, 7, 8, 15 e ato 16 imos, sendo o seu serviço sucessivamente bem qualificado.
Quer-me parecer, Sr. Presidente, que o facto de uma senhora em 17 anos de serviço contar 15 em comissão, ou de em 23 anos de serviço docente contar 16 em comissão, é de si suficientemente significativo e digno de ponderação sob muitos pontos de vista, dos quais me permito salientar uma comprovada aptidão pedagógica natural, ou adquirida por autodidacticismo, em todo o caso reveladora de um carinho, de um interesse e de um zelo pela profissão que merecem realce e prémio. É por circunstâncias assim que me permito afirmar que o Decreto
n.º 44560 constituiu um autêntico e inegável acto de justiça, com o qual, abrindo-se as portas das escolas do magistério primário à frequência dos regentes escolares, se realizou uma acção nobre, que muito dignificou o Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao segundo aspecto, o de direito, não há dúvida de que desde quando os regentes alunos-mestres terminam com felicidade o seu curso estão aptos II entrar no quadro do funcionalismo, mas não se poderá esquecer, sem ofensa do bom senso e do espírito de justiça que preside aos actos do Governo, que eles vão exercer desde então, já agora, como incluídos num quadro de funcionários, funções como as que já haviam exercido antes de se matricularem nas escolas do magistério.
A chamo-nos deste modo em face de um paradoxo que não será de boa lógica nem generoso deixar persistir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ainda de notar que o facto de ser dado complemento ao citado Decreto n.º 44 560, concedendo-se aos regentes diplomados com o curso das escolas do magistério primário a contagem, para todos os efeitos, como funcionários públicos, dos anos de serviço prestados na categoria de simples regentes escolares, quer nos postos de ensino quer em escola em comissão, não induz a próximo aumento de despesa. Para já, dará lugar a entrarem na Caixa Geral de Aposentações as indemnizações, por retroacção, correspondentes ao caso de cada um dos beneficiários, que só daqui por algumas dezenas de anos chegarão à idade de reforma.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o problema da instrução primária reveste-se de múltiplos e atraentes aspectos. Seria interessante começar-se a encarar, por exemplo, o das escolas no ultramar, no qual muito tenho pensado e que se me afigura de ingente consideração, relativamente a todos os portugueses das províncias ultramarinas, sem distinção de cor. a fim de que pela instrução todos possam ser imbuídos da honra e da glória de serem portugueses. Alas é esse um aspecto de tal vastidão, que se me afigura serem precisos muitos dias (para, o equacionar e conduzir a solução condigna da inspiração que esse inigualável estadista, asse grande português, mestre admirável de todos nós, que é Salazar, insufla à vida de toda a Nação.
E se agora o aflorei, foi ainda por me dominar a ideia das relações intrínsecas que possa ter o assunto que trouxe, à consideração da Assembleia e do Governo: o reconhecimento das necessidades numéricas e profissionais, num próximo porvir, de professores primários para todo o território nacional. Foi problema já aqui aflorado pela ilustre. Deputada. Sr.ª D. Custódia Lopes. Deixemo-lo, porém, por enquanto, aguardando que a evolução natural de factos que tanto interessam ao futuro de Portugal indique quando é chegado o seu momento próprio, para agora esperarmos dos, Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças a justa concessão que é objectivo da minha intervenção.
Voto uma grande admiração ao labor honrado do professor primário, na sua faina de encaminhar a juventude nos véus primeiros e balbuciantes passos, iluminando as inteligências em desabrochamento e ministrando-lhes os conhecimentos elementares, que são base de preparação para a vida. Tem ele, na realidade, sobre si uma nobilíssima missão, que o sobrecarrega de deveres morais, a que não pode fugir, sob pena de atraiçoar a Pátria. Mas mesmo porque assim é, também a Pátria, em retribuição, velará pelos interesses de tão abnegados servidores, facultando solução condigna aos problemas que contendem com as próprias condições da sua existência nas difíceis horas da velhice, criando-se em cada um o meio de elevação espiritual que o fortalece e o anima, para além de todas as dificuldades da vida, a ser um obreiro incansável da grandeza e da eternidade de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do turismo nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: servir-me-ão de guias monitores neste debate o ilustre Deputado Sr. Dr. Nunes Barata e o Sr. Dr. Paulo Rodrigues, não menos ilustre Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho e,, posto nosso colega também, agora na «ilimitada».
O primeiro legou-nos nesta tribuna um trabalho para fundamentação dos motivos e conclusões do seu aviso prévio, onde analisou quantos aspectos interessem ao turismo, elucidando-nos completamente dos seus problemas e perspectivas actuais e próximas. E o seu entrecho verifica-se, em matéria por vezes seca, tão aliciantemente articulado que a gente nem deu pela sua sempre proveitosa extensão.
O Dr. Paulo Rodrigues tratou do mesmo problema na sua também largamente esclarecedora comunicação de 7 de Janeiro último, feita no Conselho Geral de Turismo.
Quanto aos dados actuais do fenómeno turístico, a concordância de ambos garante-nos pelo respeitante aos pontos de partida para o desejado próximo surto. Quanto às soluções preconizadas para incrementá-lo, a sua concordância mostra-se também convincentemente expressiva.
A do Dr. Paulo Rodrigues, porque governativa, traz-nos, porém, mais substantiva matéria: a das linhas gerais de um programa de realizações legislativas, financeiras e administrativas, algumas já delineadas e em curso, que são deveras animadoras.
Destacaremos certos pontos essenciais deste documente definitório e sobre eles bordaremos ocorrentes reflexões.
A cabeça, é de aplaudir o propósito de imprimir um comando forte aos respectivos serviços, coordenando-os

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na medida possível com tudo quanto directa ou indirectamente os afecte. Sem essa coordenação -aqui, tal como no sector da lavoura, a nível do Conselho de Ministros -, todo o esforço se verificará tíbio e inoperante.
É que as implicações dos serviços públicos - do Estado e câmaras municipais - e das iniciativas particulares, uns com os outros, e até dentro das suas respectivas compartimentações, criam uma rede tal de complicações que bem preciso é mão forte e esclarecida para resolver e, se preciso, até para cortar as dificuldades.
Na vida real interferências dessas ultrapassam tudo quanto se possa prevenir. E, assim, carecem de se ver rapidamente resolvidos os problemas delas emergentes, quantas vezes aparentemente insignificantes, mas que muito podem contribuir para travar e até tolher um esperançoso fluxo turístico. É que o turista corrente, tal como o capitalista vulgar, por desconfiado, é de sua natureza normal deveras impressionava!
Não pode por isso deixar de ser acolhida com o devido aplauso a directriz anunciada de um mais efectivo comando central deste sector governativo. A efectividade da sua acção, imediatamente subordinada à Presidência do Conselho, através de um membro do Governo em condições de poder utilizar poderes delegados, representa, sob as fórmulas políticas vigentes, o mais garantido penhor do máximo de coordenação.
Melhor até do que um Ministro titular com assento em Conselho de Ministros, parece-nos, para o actual caso português, que talvez esta fórmula seja a mais consentânea para o reclamado efeito.
Definida esta potenciação orgânica, vejamos as directrizes imediatas que o Governo se propõe imprimir ao nosso turismo.
Tendem elas a favorecer de entrada a respectiva efectivação no Algarve e na Madeira. Para o efeito, já vão a caminho de conclusão os respectivos aeroportos, além da construção subsidiada pelo Estado de numerosos hotéis. O aeroporto algarvio, além de meio indispensável ao advento para ali de estrangeiros, desempenha uma função supletiva complementar dos outros dois grandes campos nacionais de aterragem - Lisboa e Porto -, tantas vezes impedidos, e algumas vezes simultaneamente.
Numa solução raciocinada quanto ao imediato do problema turístico, nada repugna, a nosso ver, que no continente - e à parte a Madeira, que é um caso específico - se comece a valer por estruturar no Algarve os condicionalismos-base do turismo em grande.
Trata-se de promover a consolidação de um turismo de permanência, bem mais substancioso e rentável do que o de simples passagem. Ora, basta verificar que aquele, relativo antes à costa com clima mediterrâneo, se pode processar praticamente por todo o ano, ao passo que o relativo a todo o resto do País terá de aproveitar escassos meses de Verão, para se alcançar a relevância da determinação governativa. Este objectivo conjuga-se com a apetência dos Nórdicos, sobretudo quando a idade avança, pelo calor solar e pelas praias por ele banhadas, pois que na orla marítima do Sul da Europa se vai precisamente encontrar a maior oferenda desse calor e luz. Ora o nosso Algarve é de todas as nossas regiões aquela que se pode ter por caracteristicamente mediterrânica - assim bem nos ensinou o Prof. Orlando Ribeiro. Dessa característica beneficiam ainda, até certo ponto, as costas reduzidas de Cascais à barra do Tejo, da Caparica, da Arrábida, de Tróia, ou sejam os segmentos da costa inflectindo a leste. Todo o seu resto é nitidamente atlântico, sem abrigo aos ventos predominantes do norte e com águas sensivelmente mais frias.
O facto de se começar pelo Algarve não julgo que traga de futuro prejuízo sensível ao turismo do Norte, embora de entrada possa acarretar-lhe apreciável desnível contra. Explico: sabido que o móbil actuante do turismo é o gosto fundamental do homem pela novidade, tanto bastará para excitar o turista de prolongada permanência a distrair esta com digressões pelo País. Sobretudo se o facto ocorre em períodos de excessivo calor na costa voltada ao Sul.
Dirigir-se-á então, naturalmente, aos centros urbanos e monumentais e, para além destes, aos pontos pitorescos que em país pequeno, como o nosso, mas, compartimentado a valer, são de maravilha ver-se. Tão variadas e sucessivas surpresas não deixarão de influir contagiosamente para que novos visitantes se proponham a percorrer o País.
O que se torna preciso é que progressiva, coordenada e criteriosamente por todo ele se vá levando a efeito u construção de novos hotéis, pousadas e estalagens, em termos a dar-se satisfação àquelas novas peregrinações turísticas. É como numa batalha em que o comando destina uma força de manobra e choque para actuar num ponto crucial e decidir do empenhamento. Mas para que tal resulte é necessário que o dispositivo, na sua generalidade, se mantenha suficientemente apoiado para não ceder localmente a ponto de comprometer o conjunto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Orientado que venha a ser desta forma temperada, não vejo motivo para dar lugar a receios graves, pelo contrário, a iniciativa governamental de dirigir inicialmente para o Algarve o principal peso da sua acção em prol do turismo, receios que, aliás, encontraram no decurso do debate frequentemente eco nesta tribuna.
Na linha deste raciocínio deixou o Dr. Nunes Barata aqui exarado que:

O Europeu, nomeadamente o homem do Norte, tem nostalgia do sol, do calor, do céu azul, das praias de areia cintilante e de águas límpidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A descoberta de que assim é fi-la eu de adolescente, quando, pelo 5.º ou 6.º ano tive de traduzir do alemão a balada de Goethe Mignon - creio musicada por Schumann -, onde essa tentação para o sol e para u luz se revela de forma terminantemente imperativa. Com essa descoberta, reflexo do espírito dos Nórdicos, me veio o choque do autêntico romantismo de lá soprado, aliás, no caso do citado poeta, através de uma mentalidade fundamentalmente clássica pelo seu equilíbrio. Será pois sob o signo deste poema que prosseguirei nas minhas reflexões turísticas. Começa ele: - lembram-se os do meu tempo?

Kennst du das Land wo die Citronen blühn, in dunkeln Laub die Gol-Orangen glühn...

seja

Conheces tu a terra onde os limoeiros florescem, Na folhagem escura destacam as laranjas de oiro,

Para aí, para aí, eu quero, meu Amor, ir contigo!

Nesta tentação pelos vergéis mediterrânicos cheios de sol se inclui nas duas subsequentes estâncias da poesia primeiro o gosto pelos correspondentes edifícios - as casas -, isto é, pelas cidades, os monumentos e a civiliza-

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cão urbana, segundo as montanhas e os seus encantamentos.
E, assim, ao repto dos Nórdicos -condensado no curto poema -, como poder corresponder-lhes?
Quero, particularmente, figurar a propósito o Norte do País, encabeçado sobremaneira pela cidade do Porto, como foz, ponto de partida do rio "Douro, e na costa, ponto de primazia das escaleiras do anfiteatro por que o Minho vem descendo das serras para o mar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os dois braços emanados da cidade, a comandar os grandes caminhos do Minho e do Douro, ainda com um aceno amigo para Aveiro e sua ria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vejamos, pelo que respeita no Minho.
A densidade e bom estado das suas vias permitem que o turista vertiginoso, num dia de Verão, possa realizar uma volta por Viana, vale do Minho, Monção, regressando por qualquer das Pontes (do Lima ou da Barca), por Braga ? Guimarães, ao Porto.
Nesta volta poderá ter- uma prova por pronta impregnação dos variados verdes que predominam na paisagem, aleira dos tons violáceos ou brônzeos das serras. Isto acrescentado das sabidas fartas refeições em qualquer das urbes ou vilas atravessadas no trajecto. Um peregrino mais degustativo das coisas a ver terá ensejo de se demorar uns dias, dormindo no Hotel de Santa Luzia, depois na Pousada de Valença.
Neste particular, cumpre que Braga e Guimarães, com os seus maravilhosos Montes do Bom Jesus e Penha, se vejam beneficiadas com hotéis a nível do turista europeu médio.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - A propósito da estância de Santa Luzia, em Viana, onde o Estado fez o sacrifício de promover a renovação de um hotel ao nível do local -um dos três ou quatro pontos com vista mais integralmente bela no Mundo, segundo o Geugrafical Magazine -, a propósito, dizíamos, de Santa Luzia, tem-se verificado desde há uns bons vinte anos um dos casos mais nítidos de impotência por descoordenação invencível. O caso é deste fenómeno um verdadeiro teste.
É óbvio que numa estância deitas, para a sua frequência prolongada ou repetida, são hoje indispensáveis atractivos de espécie vária, particularmente desportivos. Não se podo estar sempre a ver a vista. como em todo o fenómeno vital e psíquico, a alternância é de rigor. Um golf, além dos campos de ténis que suponho já tem, seria ouro sobre azul. As proximidades suavemente onduladas prestam-se admiravelmente a tal permitindo atraente variedade ao campo, sem que os jogadores houvessem de cansar-se demasiado, subindo ou descendo. Existe próximo água em abundância para os greens. Ao lado, os serviços florestais ordenam uma florescente mata em formação e pouco lhes custaria o arranjo e conservação do jogo. Não obstante todo este projecto, de há tanto futurado, tem sido sonho inane, dado que perto funciona dependência do Ministério do Exército- uma carreira de tiro!
E já que de Viana falo, só cumpre louvar o critério e bom gosto com que o seu Município tem contribuído para manter e valorizar o muito que na cidade há de edifícios religiosos e civis, além do pitoresco das estreitas ruas, conjunto herdado na sua idade de ouro dos séculos XVI e XVII.
Esta feliz reacção mantenedora ficou-se devendo em grande parte ao fino espírito do falecido Dr. Rocha Paris, membro que foi desta Câmara, aliás em concordância com a tradicional vocação e geral apoio da gente daquela cidade.
E já que estamos em Viana, não posso lembrar sem horror que muito a sério se pensou a nível de um sector ministerial em demolir o castelo da barra em sacrifício utilitário à doca e aos estaleiros.
A propósito de coisas destas, nunca esquecerei o que ouvi a certo categorizado historiador de arte francês, cujo nome me não ocorre, numa conferência na Universidade do Porto, versando sobre a cidade de Veneza. Espirituosamente, esse conferente louvava os Portugueses por terem contribuído com as suas descobertas para a estagnação económica daquele empório de arte, que assim pôde, dormente, conservar-se como congelado quase intacto até hoje.
Ainda quanto à Viana turística, é de lembrar ao seu Município a urgência de organizar para visita, como museu, o recheio, principalmente de cerâmica nacional, constituindo porventura a melhor colecção do País. que lhe foi deixado com esse destino pelo falecido Espregueira de Oliveira (sempre há-de haver Espregueiras em Viana!), colecção realizada por seu pai - Dr. Manuel de Oliveira -, que, com José de Queirós, muito contribuiu para o conhecimento e valorização desse capítulo aliciante de indústria e de arte nacional.
De Braga, com as perspectivas do seu museu, sobretudo sacro, e a restituição da sua sé e dos paços episcopais que vêm do primaz D. Gonçalo Pereira, avô do Condestável; de Guimarães, castelo, Paços do Duque, restaurados - até um novo palácio de justiça e, em frente, a estátua de Mumadona, que não destoam -, e os seus dois valiosos museus, que nos levam às raízes da nacionalidade - a medieval e, antes, a celtibero-romana; de Barcelos, de Monção, respeitadora meritória da cinta das suas muralhas - assim dizem os jornais que o Município acaba de decidir louvavelmente - e de tantas outras terras minhotas, nada se me oferece dizer nesta Assembleia, além do que os seus respectivos patronos trouxeram a esta tribuna.
E isto posto, passo a referir-me ao burgo natal pelo que respeita à sua fisionomia turística; sobretudo visto pelo ângulo dos seus monumentos e conjuntos urbanos típicos.
Horrível de pensar que tão longe tem levado a fatalidade do aperto do espaço em que só localiza a cidade e onde a sua vida económico-portuária intensa é força passar-se! Ao abrupto rio Douro junta-se o cavado dos vales afluentes, de onde o casario houve de estender-se para os cabeços da Sé e da Vitória.
Foram necessidades de menos íngremes e tortas ligações entre a Ribeira e a cidade alta que determinaram as novas ruas longitudinais de S. João e Mouzinho da Silveira para a Praça de D. Pedro, prolongadas depois, pelas de Sá da Bandeira e do Almada, fora do primitivo perímetro das muralhas fernandinas, para Santo Ovídio esta, para Aguardente, pela de Santa Catarina, aquela. Da origem medieval da cidade, restam-nos, com a Sé, os panos extremos ocidental e oriental das ditas muralhas, pano este último já devidamente reintegrado após o desmoronamento de há poucos anos. Por esta obra de custosa reintegração, podemos confessar-nos, os Portuenses, profundamente gratos aos serviços e monumentos nacionais e ao ilustre Ministro de que eles dependem.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Por outro lado, as supostas necessidades do progresso trouxeram-nos a terraplenagem e construção da Alfândega e respectivo acesso do caminho de ferro.
Com estas obras, por 1870^1880, se foi a parte ainda subsistente gótico-henriquina da cidade ribeirinha, precisamente nas vésperas de ter de se reconhecer que o porto de mar tinha de ser deslocado para Leixões, pois o Douro não estava em condições de satisfazer as novas necessidades da navegação. Depois foi a estação de S. Bento, demolindo um dos mais aliciantes conventos da cidade, e contemporaneamente a Ponte de D. Luís, que, pela sua directriz, logo potencialmente passou a ameaçar parte vetusta da cidade, logo que surgisse o ponto morto de se darem ouvidos aos fanáticos da linha recta. E, curioso, isso operou-se precisamente, não fosse perder-se a hora, quando já se anunciava a realização da, de há muito prevista, ponte da Arrábida, pela qual ;i cidade ainda uma vez, como é justíssimo, tem manifestado ao Governo, e particularmente ao Sr. Ministro das Obras Públicas, cuja é, a sua perene gratidão.
E, ante a dificuldade de solver a integrar o boqueirão que a avenida para a Ponte de D. Luís abriu no dispositivo da cidade, fica-se desconsoladamente a pensar no êxito que deveria ter representado a solução proposta, haverá vinte e poucos anos, pelo arquitecto italiano Muzanti à Câmara Municipal: a da construção de uma artéria sobre arcaria, vinda da Praça de D. Pedro, passando superior às Ruas das Flores e de Mouzinho e contornando a colina desenhada ao fundo pela depressão da velha Rua Escura. Do lado de Gaia, devia tornar-se essa obra uma beleza, se, já quando vistos do Porto, a ponte ferroviária em curva e seus arcos, junto às Devesas, se encaixa aliciante na paisagem! Mas não sonhemos sobre o que podia ter sido; e não se realizou porque na ocasião o projecto se entendeu excessivamente caro; e decerto não ia muito para além do que tem custado o que hoje se vê e sem o prejuízo do que se desfez.
E, com desrespeito da cronologia, saltei o terremoto artificial Elísio de Melo. Alguns marcantes edifícios de rico estilo barroco e neoclássico se destruíram, a começar pelo da própria Câmara Municipal, sem que tal fosse preciso para o respectivo plano. Mas, pior que a destruição, foi ainda a reedificação permitida, pelos sucessores, em reacção individualística de represália, sem respeito pelo projecto Parker!
Adiante.
Sr. Presidente: é evidente que este espírito de bota-abaixo cívico se torna altamente prejudicial para o incremento do turismo. A sua crítica já inspirou ao tripeiro Ramalho - autor do conceito definitivo do «aluvião municipal» - vingadoras palavras que entre muitas outras, ler se podem n'O Culto da Arte em Portugal (p. 69 da edição de 1943 da Clássica Editora).
Nesse passo, a propósito do muito arquitectonicamente válido que se havia destruído no seu burgo natal, assim conclui:

Dentro dessa categoria do delinquentes será difícil disputar o primeiro lugar da série patológica à cidade do Porto!

E mais adiante, a propósito de outras malfeitorias praticadas, ou previstas, na preciosa cidade de Évora, definiu pontos que nada perderam de actualidade e por isso não resisto a transcrever:

Pobre cidade de Évora, um dos nossos mais vastos e mais preciosos museus de arqueologia e de arte, preferindo com Santarém ser uma estúpida colecção
de praças largas e ruas novas! Por toda a Europa, os velhos bairros históricos são hoje o tesouro das cidades que os possuem. Em muitos lugares, onde esses bairros não existem, estão os inventando, estão os reconstituindo, em homenagem erudita e piedosa à tradição histórica, à poesia do passado.

E mais adiante:

Com as improvisações do seu modernismo, Évora é como Viana, do Castelo, Braga, Guimarães, Coimbra, Tomar, Santarém ou Beja, que sómente interessam os viajantes pela sua antiga arte, e não valem realmente a pena de que alguém as visite pelo que dão de novo.

Impossível prolongar a infindável série de malfeitorias que se tem vindo - no Porto e alhures - a acrescentar à ramalhal resenha.
No entanto, não posso deixar de recordar, já lá vão uns vinte anos, que. quando foi da demolição da Casa da Fábrica, isso se aceitou com a promessa da sua reconstrução em ambiente condigno dentro do perímetro da cidade velha. Casa da Fábrica!
Estou a ver perante ela o meu saudoso amigo e seguro professor de História de Arte que foi Hipólito Raposo - além de muitas u nobres coisas mais - proclamar embevecido: «Este barroco granítico do Porto!». E do belíssimo Palácio do Freixo, que fez delirar Haupt, que dizer? Ou demolir-se-á hedionda fábrica que lhe confina o espaço, ou removê-lo para mais porto da margem que o Douro banha e para a qual foi feito? Assim poderia, em terreno que o avultasse, regressar a motivo de deleite para os olhos do turista que venha a subir o rio, sobretudo quando este venha a tornar-se navegável, nos termos programáticos com que nos deliciou há dias a brigantina eloquência do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto só o trazemos aqui a esta tribuna para que um propósito de bom senso, recorrendo a meios eficientes, trave as tropelias que em grande parte resultam da incoordenação de serviços e sectores administrativos entre si e com as autarquias locais.
Por isso nos anima a promessa de melhor coordenação futura do Sr. Subsecretário de Estado da Presidência.
Apresentam-se as jeremiadas em que vimos insistindo, assim o creio, oportuníssimas, a propósito do turismo Confrontando o nosso com o espanhol, temos de confessar que para além do terramoto que subverteu com Lisboa muito do Sul do País, as malfeitorias aludidas vêm processando-se entre nós por forma muito mais alarmante do que no país vizinho, que ciosamente teima preservar os seus monumentos ou meros conjuntos pitorescamente típicos e com que proveitos, pelo visto, mesmo só turisticamente falando. Eis um exemplo a seguir e mãos à obra para guardar religiosamente o património histórico-artístico que nos resta, de irmãos segundos, mas que ainda assim, em si mesmo, está bem longe de ser insignificante.
Exemplo a seguir tem sido prestantemente oferecido ao País pela Câmara Municipal de Lisboa, já na preservação e limpeza da cidade antiga à volta do Castelo e de Alfama; já abrindo miradouros sobre o seu espelho incomparável do Tejo; já promovendo, através do seu Gabinete de Turismo, a publicação, a preço módico e plurilinguístico, da inventariação dos seus valores artísticos, arquitectónicos e outros, culminando na edição do luxuoso volume Lisboa Turística.

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Nesta ordem de ideias publicitárias, o S. N. I. algo tem feito de prestante. Mas para quando a republicação dos volumes desactualizados do Guia de Portugal, de Raul Proença, anticipada da do volume sobre o Além-Douro, que falta?
Nesta altura, não quero deixar de consignar a notícia, que através do jornal Lê Monde 5o dia 10 do corrente acabo de ler, de que em França foi, com data de 8, promulgado um decreto instituindo uma comissão central encarregada de preparar o inventário geral dos monumentos e riquezas artísticas de França.
Nele se prevê, a fim de se levar a efeito tal inventariação, a criação de comissões regionais.
Tendo-se em Portugal começado a levar a efeito por distritos inventário semelhante, publicaram-se já dele talvez seis ou sete volumes - Portalegre, Coimbra, Aveiro - ... Há bastante, tampo, contudo, que a publicação parece parada. Não seria da maior utilidade, cultural e turísticamente. que essa publicação prosseguisse;
Lembremo-nos agora dos edifícios de algum, relevo que põem na diversidade da paisagem notas de humaníssima vivência. E entre eles as igrejas rurais, traço perdurável de união e convívio místico dos vivos que hoje somos com os mortos, e esperança materializada na pedra de que os vindouros nos saibam corresponder na mesma moeda de saudade e preces.
Igrejas, lugar geométrico da sociabilidade cristã dos vivos com os mortos!
Para elas sobretudo as rurais, onde perduram mais directos tais sentimentos, só há que pedir como Barres, no seu livro famoso. La plus grande pitie pour les églises de France - da França no caso dele, de Portugal no nosso!
E, a tal propósito, não seria fácil calar algo que se vai passando em certas freguesias e, triste é verificá-lo, sobremaneira com templos não classificados como monumentos de interesse, de remotas aldeias.
Para os factos cumpre chamar conjuntamente a atenção da Igreja, através dos respectivos ordinários, e do Estado, como natural conservador sempre, e para o efeito supletivo, dos valores materiais e morais da Nação.
Basta olhar para a profusão de objectos de culto desafectados, imagens, talha de altares e até objectos de pedra, como cruzeiros, pias, etc., que hoje pejam, tiritantes de frio espiritual, os bricabraques - o próprio incremento turístico também ajuda a isso - , para se concluir que algo se passa de novo nesse campo eclesiástico, merecedor a discreta vigilância, daqueles a quem cumpre exercê-la.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ªdá-me, licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. António Santos da Cunha: - Dou plenamente o meu acordo a V. Ex.ª quanto à necessidade de defender o património artístico da Nação, que está sendo defraudado da maneira que V. Ex.ª acaba de referir. Quero, no entanto, dizer que, pelo menos quanto à Arquidiocese Primaz, o problema, no aspecto legal, chamemos-lhe assim, está devidamente regulamentado, porquanto há uma Comissão Arquidiocesana de Arte e Arqueologia presidida por um ilustre capitular, o Sr. Cónego Luciano dos Santos, homem que através da sua vida tem demonstrado a sensibilidade e cultura necessárias para o desempenho dessa função.
Não pode ser feita qualquer obra. seja em que igreja for, que não tenha, previamente, o acordo dessa Comissão. E quanto a objectos de culto é absolutamente proibida a venda de qualquer objecto sem autorização do ordinário da Arquidiocese.
De maneira que qualquer desacato que nesse sentido se verifique é absolutamente ilegal, pois vai fora daquilo que, eclesiasticamente, está legislado.
Referiu-se V. Ex.ª ao grande número de objectos de arte de carácter religioso que aparecem nos bricabraques de Lisboa e outras cidades. A maior ,parte deles, no entanto - diga-se em favor do nosso clero -, vem mais de velhas casas solarengas que tinham as suas capelas e que, desgraçadamente para nós. têm desaparecido, digo desgraçadamente porque é sempre com grande tristeza que vejo desaparecer essas casas, devido àquilo que representam como autoridades sociais. Ora, julgo que é mais dessas casas que vão desaparecendo que vêm esses objectos.
Em todo o caso, volto a afirmar que quer na Arquidiocese Primaz, quer na Diocese do Porto, o assunto está devidamente regulado e, portanto, se alguma coisa há é infracção, que deve ser fortemente reprimida.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o esclarecimento que acaba de dar à Assembleia e implícito comentário àquilo que eu ia dizendo.
Pelo que respeita aos móveis, aceito que na Arquidiocese Primaz de Braga e na Diocese do Porto isso se processe assim, e folgo com isso. Infelizmente, pelo que respeita aos imóveis, irei, no decurso das palavras que estou proferindo, ilustrar o que digo com factos ocorrentes na Arquidiocese de Braga.

O Sr. Folhadela de Oliveira: - Tem V. Ex.ª razão.

O Orador: - E deploro que precisamente na Arquidiocese que teve por cónego o ilustre arqueólogo Aguiar Barreiros isso se passe.

O Sr. António Santos da Cunha: - Foi presidente dessa comissão até à morte.

O Orador: - Pois sim, mas morreu.

O Sr. António Santos da Cunha: - Mas está hoje substituído por outro ilustre capitular, que teve já a benemerência de criar um magnífico museu, que existe na cidade de Braga.

O Orador: - Isto que vou dizer é um apelo para que, na medida do que for possível ainda, as coisas se remedeiem.

O Sr. António Santos da Cunha: - Quanto ao Estado, peço licença para lembrar que só tem o direito de intervir nas igrejas que são consideradas monumentos nacionais, e que o Estado pode considerar monumento nacional qualquer igreja.

O Orador: - Há duas figuras: monumento nacional e monumento de interesse público. Mas, seja como for, o que V. Ex.ª me diz ajuda à minha posição, porque as minhas considerações representam um apelo para casos que se passam. Se as autoridades já cristalizaram posições, esse apelo é mais difícil. Em todo o caso confio nele.
Porque sei que superiormente assim se pensa, e nem ele poderia pensar de outra forma, porque está dentro do direito canónico.

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De maneira que isto que eu digo, com as restrições por mim aceites quanto às Dioceses de Braga e Porto, poderá ter aplicação genericamente no País.
Mas, para além daquilo que segundo o direito civil ou canónico se possa classificar como de coisas móveis ou ... mobilizáveis, surgem ainda casos mais graves atinentes aos próprios imóveis, edifícios de templos paroquiais ou equivalentes.
Já se torna sobremaneira deplorável a sua construção quando, em desrespeito com a escala funcional e do ambiente, se sobrepõem à paisagem, aberrantes pelo seu traçado, estilo e dimensões, sobretudo em altura, e ainda quanto ao uso de materiais exóticos, sempre os mesmos a que é de uso hoje recorrer: ferro, cimento, tijolo. Onde tudo aconselha edifícios à escala da paisagem natural e anímica do local, que se casem tanto com ela como se dela tivessem espontaneamente brotado, é triste ver implantada uma enormidade estranha, como que aerólito ali caído de não se sabe de onde.
As regras aconselháveis a seguir-se na construção dos futuros templos católicos acham-se primorosamente sumariadas na Moderna Arte da Igreja, obra do Rev.º Dr. Manuel Atanásio, diplomado em História de Arte por universidades católicas, obra publicada sob o patrocínio conjunto de S. E. o Cardeal Patriarca de Lisboa, que a prefaciou, e da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização.
Bastaria que os construtores do templos se cingissem ao que dessa obra consta, para que tudo viesse a resultar aceitável e sem surpresas.
Mas, infelizmente, é o que tantas vezes está longe de suceder!
E deste acerto apresento dois casos como testes exemplificativos, ocorridos ambos na Diocese de Braga.
Dá-se um na freguesia de Joane, concelho de Famalicão, onde se procede à construção de um templo extremamente destoante da suavidade da paisagem, pela desmesura do tamanho, de cerca de 60 m por 14 m, sejam uns 800 m2. Ora, segundo o que se lê no capítulo VII da obra acabada de citar, tal área deveria corresponder a uma população paroquial de à volta de 7000 fregueses. A freguesia em causa ainda não irá alem de uns 2000, para a qual a igreja antiga, com 22 m pôr 10 m, seria ainda funcionalmente suficiente. Isto sem falar do material exótico da construção e de uma altura da ordem dos 20 m, superior à dos mais altos eucaliptos que nas redondezas se elevam.
Mas isto não é tudo, nem sequer o mais grave. Não faltando espaço no local afecto ao sagrado, ou para tal oferecido, que permitisse construir a nova igreja sem bulir na antiga, vai a traça do edifício daquela a implicar a destruição desta, pois que, crescendo adrede, vem a cair sobre ela um dos ângulos frontais edificandos.
Ora, não se suponha ser este templo antigo peça arquitectónica insignificante. Já a ela se referia Pinho Leal, como digna de interesse, pela sua antiguidade. De facto, há nela uma parte românica, condizente com o tempo dos Templários, que foram seus donos.
Por fins do século XVI, para aumentá-la, foi-lhe dada solução arquitectónica curiosa, substituindo-se-lhe a parede sul por três monolíticas colunas de granito, sobre as quais se apoiaram arcos longitudinais e laterais, formando duas naves. Nos topos destas vêem-se dois formosos altares e correspondentes imagens do século XVII; decoram-na ainda outros altares de talha, além do revestimento de azulejos da dita época. Isto é: um conjunto de que qualquer freguesia rural importante poderia fazer gosto. Na freguesia de Midões, próximo de Barcelos, está-se passando coisa análoga: a construção de um templo novo
com o propósito oblíquo da demolição do antigo, por sobreposição; embora este último não seja de valor tão apreciável como o de Joane, é regionalmente característico, agasalhando nele altares de talha valiosa.
Quanto à talha portuguesa, é de atender ao valor artístico de originalidade, sobretudo quanto aos séculos XVII e XVIII, que críticos de arte estrangeiros lhe estão dando, sendo aqui de citar a recente valiosa obra do Prof. Smith, da Universidade do estado da Pensilvânia, sobre a nossa talha. Ainda uma excepção mais, Sr. Deputado Abranches de Soveral, de outro americano para nós prestante!
Não nos compete averiguar qual o propósito de tão insólitos intuitos ao processar-se a edificação de templos novos com implícito propósito da destruição dos velhos, como facto consumado resultante de provocada, porque não necessária, intercessão de áreas de plantação.
Corresponderá apenas ao intento de que não subsista gritante testemunho do despautério?
Não nos consente o tempo margem para que nos alarguemos sobre esta matéria, mas sobre ela não podemos deixar de lembrar os preceitos do Codex Juris Canonici, cujo espírito é conservador ao máximo de tudo -móvel e imóvel - que haja sido aplicado ao culto divino, como se vê do cânone de 1187, que reza o seguinte, se a minha tradução, como creio, não foge ao texto:

Quando houver igreja que não possa por forma alguma aplicar-se ao culto divino e estiverem esgotados todos os meios para restaurá-la, pode o ordinário local relegá-la a uso profano não sórdido, e transferir para outra igreja os encargos, rendas e respectivo título, se se tratar de uma igreja paroquial.

A propósito da arte sacra, tão-pouco é de esquecer o lúcido texto da pastoral sobre tão delicada quão importante matéria de S. E. o Cardeal Patriarca de Lisboa, publicado nas Novidades, de 8 de Março de 1953.
Infelizmente, só pode ser eficiente para a Itália a acção da Comissão Central de Arte Sacra, instituída para funcionar junto do Vaticano, pela encíclica Mediatur Dei, de Pio XI.

Para melhor uniformização de critérios, no plano nacional ainda nova necessidade de coordenação, esta entro as autoridades eclesiásticas e estaduais.
E com isto regressemos, Sr. Presidente, para terminar, à 3.ª estrofe do citado poema de Goethe, o das montanhas.
Como interessando ao Porto, já que atrás excursionei pelo Minho, quero em particular referir-me ao vale do Douro sob o ângulo turístico. É que o cartaz do seu vinho está em correspondência com a beleza estranha dos locais em que se cria.
Quanto a estradas, finalmente a abertura da marginal até Entre-os-Rios veio permitir acompanhar-se o curso do rio pelo seu vale, de uma e outra banda, até à Régua. Para o turismo regional, foi este um decisivo passo.
Mas falemos do caminho de ferro do Douro. Este continua a ser importantíssimo meio de atravessar aquela região belíssima. Por ele deveria processar-se, em alternativa com Valença, o turismo que, transumante, haja de passar pelo Porto, de vinda ou de ida para Espanha.
A ligação de Barca de Alva à linha de Salamanca, que tanto dinheiro português custou com o oneroso troco da Fregeneda, não se fez com outro intuito. Houve já para a época, por essa linha, serviço internacional bastante rápido e convidativo, com vagão-restaurante, com frequência suficiente. Porque se não restaura? Estamos certos de que os propósitos de coordenação anunciados pelo Sr. Subsecretário de Estado não se esquecerão da C. P.,

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que para o efeito poderá mobilizar algumas das suas composições de automotora.», melhor hoje ajustadas a tal serviço.
As belezas do vale superior do Douro já desta tribuna as descreveu com impressionante brilho, o repetimos, o Sr. Deputado Rapazote..
Não voltemos a esse Alto Douro triangulado, literariamente fulo. por Junqueiro, Aquilino e Torga. Basta-nos o Douro da Régua; melhor, do Corgo para, baixo.
A propósito do panorama de entre Baião e Cinfães-Resende, nunca me esquecerei de um francês, meu companheiro de viagem, por 1914, que, de comboio, já se vê, depois de passar o túnel do Juncai, à vista do Douro, na Pala, com grossa- corrente ainda primaveril, exclamou incontinente: «Oh! Le beau fleuve!» E eu, que já tinha na altura- descido o Reno, compreendi-o bem! E com efeito entra-se dali naquela espécie de gargalo granítico, sulco aberto entre, as serras do Marão e Alontemuro, que com os mananciais da sua água promovem a vindência que Eça descreveu ab utroque ripa, na de Baião, com a subida para Tormes, na de Resende, com a paisagem envolvente do paço de Santa Ireneia dos Ramires. Beleza que o falecido cónego Correia Pinto proclamava, por patriotismo local, que era atributo exclusivo da sua margem observada do lado de Baião: mas beleza que eu penso - sem ofender os manes - daquele saudoso grande orador - com justiça merece ser tida por partilhada entre as duas margens equitativamente. Não é verdade, Sr. Deputado Pinto Carneiro, que e que se avista de Resende é também de uma beleza perene?
E assim bem o compreendeu o poeta Mário Beirão, por alentejano insuspeito, no seu belo poema Ancede.
Ao aproximar-se da Régua, o dito gargalo abre numa espécie de ânfora de xisto podre ... mas de rico - e muito mais o será com umas amostras de água que possam bombar-lhe do rio, Cambres a sul, Vale de Junqueiros a norte, panorama que não tem equivalência em parte alguma do Mundo! Isto pelo que se refere particularmente à integrarão do elemento humano na paisagem, com as pinceladas brancas de inúmeros casais, com as linhas niveladas dos socalcos, com o vidoame plantado a rigor no seu compasso.
Não constituirá isto um exemplo empolgante de geografia humana digno de ser mostrado aos estrangeiros em prestígio recíproco com a da prova do vinho aí criado?
E a tudo preside o promontório do monte de S. Mamede, que, como afloramento granítico, perdura mais alto, fechando a leste a panorâmica, lista do noroeste é dominada de longe pelo Marão das negras fragas da Ermida.
Indispensável esforço de coordenação turística ainda aqui com a criação de mais pousadas, parques de turismo, etc, e a que o próprio caminho de ferro tem de ser convocado. As condições orográficas impõem que este continue a ser, não obstante as estradas de ambos os lados, o meio mais adequado para o ingresso no vale do Alto Douro e dá correspondente saída para Espanha. É que aquelas estradas, cheias de curvas, determinadas pela orografia, têm de ter um desenvolvimento excessivamente incómodo. Ora, já vai sendo tempo, a bem do interesse público, de vencer a indolência que tal situação, a de um meio exclusivo de facto, tende a criar na C. P.
E aqui cortamos as nossas divagações.
Sr. Presidente: pedimos perdão da variedade, quase incongruente, do que fomos expondo. Tratando-se de turismo, tal não repugna à matéria que tem precisamente na busca da variedade o seu elemento dinâmico. E nessa busca, o acicate da curiosidade, a surpresa da descoberta, a candura, da fantasia, na zona mais ou menos indecisa de filtre o real e o sonho, constituem lição que, quanto a
turismo, nos foi legada pelo turista-mor do reino, o nosso Fernão Mendes Pinto.
E evocando patrono tal, termino.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Bull: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: tenho para mim que a matéria deste debate sobre o turismo nacional está praticamente esgotada, não só com o interessante trabalho apresentado pelo nosso ilustre colega Dr. Nunes Barata, mas também com as valiosas intervenções posteriormente feitas por outros Srs. Deputados.
Não devia por isso solicitar a palavra para nele tomar parte se não fosse o firme desejo que agora concretizo de felicitar aquele nosso ilustre colega pelo seu completo e exaustivo trabalho e ainda para manifestar a minha grande satisfação pela maneira objectiva como o aviso prévio foi apresentado e a forma entusiástica como vem decorrendo o debate tão bem conduzido por V. Ex.ª
Para mais há que assinalar a feliz coincidência de em parti se terem processado paralelamente os debates em curso nesta Assembleia com as reuniões de trabalho entre o Ministro de Informação e Turismo de Espanha e os representantes do Governo Português, chefiados pelo nosso colega e actual Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, Dr. Paulo Rodrigues, sobre problemas de turismo e informação, particularidade que realço com simpatia, por me parecer que é garantia segura de que, hoje mais do que nunca, se está dedicando grande atenção e interesse a este importante sector da nossa economia.
Por outro lado, o facto de o aviso prévio ter sido efectivado como sendo de âmbito nacional e dado o lugar que as províncias ultramarinas ocupam ou podem vir a ocupar na problemática turística do nosso país, entusiasmei-me a entrar neste oportuno debate, esperançado em que as minhas modestas achegas poderiam contribuir para o esclarecimento da posição a que o nosso ultramar tem jus
no complexo turístico nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, neste rápido apontamento com que me proponho apoiar o aviso prévio do nosso colega Dr. Nunes Barata, procurarei distinguir, para melhor arrumação dos meus pontos de vista, o turismo nacional em duas partes: o turismo metropolitano e o turismo ultramarino, abordando separadamente neste último grupo, em rápida análise, o turismo no ultramar português em geral e as perspectivas do turismo na província portuguesa da Guiné, em particular.
Para tanto, começarei por me referir à estruturação dos serviços que interferem neste importante e vasto sector da economia nacional e a coordenação que existe ou devia existir entre o turismo metropolitano e o ultramarino para uma acção de conjunto mais eficiente e para se evitarem dispersões de energias e de dinheiros em estudos e planeamentos semelhantes e que muitas vezes se sobrepõem, quando todos nós conhecemos a exiguidade quantitativa e qualitativa de elementos capazes e conhecedores da problemática turística.
Portanto, em relação à metrópole e às ilhas adjacentes constata-se que os importantes serviços de turismo estão integrados no Secretariado Nacional da Informação, onde constituem a Direcção dos Serviços de Turismo, dividida em duas repartições - a do Turismo Geral e a da Indústria Hoteleira.

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Uma rápida análise da estruturação geral dos serviços de turismo no referido Secretariado mostra que, por melhor boa vontade e competência profissional dos funcionários que ali prestam serviço, dificilmente poderá atingir-se o objectivo que o desenvolvimento turístico do País exige, com um quadro de pessoal tão reduzido, em comparação com o que se passa noutros países da Europa.
Esta circunstância impede que sejam alcançados os objectivos necessários para uma eficaz coordenação e uma pronta intervenção do S. N. I. nas actividades dos órgãos locais de turismo, bem como para uma fiscalização mais aturada e eficiente junto das agências de viagem, empresas transportadoras e organizadoras de excursões, na orientação da actividade dos vendedores de artigos regionais e ainda na preparação técnico-linguística dos guias-intérpretes.
Mas embora existam estas deficiências, que a incompleta estruturação dos serviços acarreta, agravadas com o reduzidíssimo quadro de pessoal em exercício, não quero deixar de fazer justiça realçando o bom trabalho que o S. N. I. vem efectuando em prol do turismo nacional, mercê de estudos sérios e metódicos e de uma publicidade bem orientada, merecendo destaque alguns valiosos trabalhos ultimamente publicados pelo seu Gabinete de Estudos e Planeamento.
No que toca à propaganda turística no estrangeiro é digno de louvor o esforço que se vem fazendo no sentido de se melhorar este sector da actividade do S. N. I. através das Casas de Portugal e dos centros de informação espalhados por várias capitais da Europa e da América.
Por conhecimento directo durante as minhas estadas em Nova Iorque, Paris e Genebra, apraz-me esclarecer que os responsáveis pela nossa propaganda turística naquelas cidades têm sabido cumprir com o importante papel que lhes cabe e não tenho dúvidas em afirmar que o aumento substancial ultimamente verificado no número do turistas americanos que visitaram o País se deve em parte à boa e meticulosa propaganda que o pessoal da Casa de Portugal em Nova Iorque e os agentes diplomáticos e consulares nos Estados Unidos vêm fazendo do nosso país.
Ainda dentro do turismo metropolitano procurarei distinguir, nos seus aspectos fundamentais, o turismo interno e o turismo externo ou internacional.
Quanto ao primeiro, não me foi possível obter elementos que me permitam tirar conclusões seguras acerca do seu desenvolvimento. Entretanto, tudo me leva a crer que não se verifica entre nós aquela corrente turística que normalmente constatamos nalguns países, nos quais certas cidades ou regiões, graças à sua riqueza histórica, artística ou arquitectónica, se transformam em verdadeiros pólos de desenvolvimento turístico, registando uma afluência- de nacionais em todas as quadras do ano, facto que concorro para nelas criar verdadeiros centros turísticos.
Merece contudo ser registado o fenómeno que anualmente se verifica com o movimento temporário de uma grande parte da população que deixa as suas terras a caminho do litoral durante o Verão para aproveitar alguns dias de merecidas férias no ambiente alegre e reconfortante das praias, constituindo aquilo que vulgarmente se chama o turismo de férias.
No que respeita ao turismo externo ou internacional, desde que passou a constituir uma verdadeira indústria o um meio eficaz para se obterem divisas de forma a se equilibrarem as balanças de pagamento de certos países, passou a- ser considerado como uma indústria de exportação de. grande relevância e com reflexos palpáveis na valorização social e económica das populações.
Na verdade, hoje em dia qualquer país que possua condições naturais ou artificiais que o tornem um pólo de desenvolvimento turístico transforma-se rapidamente num verdadeiro centro de desenvolvimento económico com todas as implicações atractivas do urbanismo, criando-se à sua volta um centro de fomento agrícola, comercial e de artesanato.
Esta condição tem levado os países europeus a intensificarem o desenvolvimento turístico nacional, o para se aquilatar o que foi esta arrancada nalguns países é interessante analisar o quadro seguinte e comparar esses dados com os números referentes ao nosso país em igual período:

[Ver Tabela na Imagem]

Compulsando outros elementos que a estatística nos fornece, verificamos que o aumento de turistas entrados nos anos de 1950 e 1961 foi de:

Percentagem

Espanha .............. 22
Grécia ............... 28
Jugoslávia ........... 23
Portugal ............. 6,5
Turquia .............. 37

Para se avaliar a importância do turismo no equilíbrio da balança de pagamentos hasta atentar no que se passa na vizinha Espanha., onde no ano de 1962 as exportações somaram perto de 750 milhões de dólares, tendo o turismo totalizado no mesmo período uma rentabilidade de cerca de 475 milhões de dólares. Estos números são bom elucidativos.
Entre nós não só pode dizer que o turismo não sofreu qualquer melhoria, porquanto nos últimos dez anos verificou-se um aumento sensível e gradual, conforme se constata no quadro demonstrativo seguinte e que mostra ter triplicado o movimento do turistas entrados no País de 1952 a 1961:

[Ver Tabela na Imagem]

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Em relação aos países de origem, verifica-se que o maior contingente turístico entrado no nosso país pertence à Espanha, seguindo-se-lhe a França, os Estados Unidos e o Reino Unido.
Ao contrário do que era de esperar, foi deveras modesto o aumento do turistas entrados de origem brasileira, o que é de lamentar, e interessante seria que se procurassem estabelecer novas directrizes ou melhorar a nossa propaganda naquele país irmão, para que a sua corrente turística estendesse as suas visitas ao nosso país.
No que se refere à demora dos turistas entre nós, os ingleses ocuparam lugar de destaque com uma média de 8,6 dias. seguidos dos alemães com 4,6 dias, os latinos americanos com 8,7, os franceses com 3,5 e os americanos com 3,4, colocando-se os espanhóis na cauda com 1,1 dia. Esta posição dos nossos vizinhos explica-se pela aproximação dos nossos países, o que facilita as deslocações, diminuindo as permanências, tanto mais que as suas maiores frequências devem ter-se processado nas regiões fronteiriças.
Quanto à procura de hotéis, verifica-se uma apreciável tendência dos americanos para os hotéis de luxo e de 1.ª classe, o que em parte deve ser devido ao grande nível de vida desses turistas, facilitado pelo valor do dólar; seguem-se os ingleses, brasileiros e franceses.
Ao contrário, verifica-se uma maior frequência de alemães e de espanhóis nos hotéis de 2.ª e 3.ª classes e nas pensões.
No que toca a dispersão dos turistas pelo País, continua sendo muito irregular, verificando-se uma predominância de cerca de 65 por cento em Lisboa e arredores, 7,8 por cento no Funchal, 1,7 por cento no Porto e 4,5 por cento em Coimbra.
Comparando a evolução numérica do turismo estrangeiro no nosso país com o que se passou entre os anos de 1952 e 1961 em Espanha- e Grécia, por exemplo, verifica-se que enquanto em Espanha esse aumento andou por 402 por cento e na Grécia 547 por cento, entre nós não passou de 247 por cento.
A que atribuir esta fraca frequência turística no nosso país, enquanto na vizinha Espanha essa evolução se vem processando em ritmo acelerado?
Segundo a opinião de dois peritos suíços que vieram estudar as condições turísticas do nosso país, a causa principal resido na escassez de equipamento hoteleiro fora das três principais cidades de Lisboa, Porto e Coimbra. Segundo os elementos estatísticos referentes a 1961, em todo o continente existiam no fim daquele ano 44 055 camas, número inferior à Irlanda e mesmo ao Luxemburgo.
Neste particular é interessante realçar a acção da política de fomento hoteleiro por parte do Estado e que, com a criação de pousadas em pontos de alto interesse turístico, veio amenizar em parte essa acentuada deficiência, embora a reduzida capacidade destes modelares estabelecimentos não pudesse contribuir de uma forma mais eficaz para a melhoria da situação.
Entretanto, o grande interesse que o Governo vem dedicando ao turismo nacional, mais uma vez evidenciado nas afirmações ultimamente feitas pelo ilustre Subsecretário de Estado da Presidência, Dr. Paulo Rodrigues, tem permitido que, por meio de financiamentos ao abrigo da Lei n.º 2073, se continue desenvolvendo, de uma maneira visível, um dos pontos mais frágeis da nossa estrutura turística: a construção, reconstrução e, melhoramentos de hotéis.
Tem sido com esta grande ajuda que a actividade particular tem conseguido sair do ponto morto em que se encontrava e, principalmente nos três principais centros do País, se esteja verificando um surto de progresso neste sector com a construção de uma série de novos hotéis, na sua maioria de alta categoria, e que não receiam confrontos com os seus congéneres do estrangeiro no que respeita a conforto e asseio.
Pena é que este progresso se limite principalmente a Lisboa, Coimbra e Porto, pois em quase todas as outras cidades da província, algumas com grande cartel e tradição turística, como, por exemplo, Évora, Braga, Faro, Aveiro e Viana do Castelo, persistem as habituais dificuldades para a acomodação de turistas por falta de hotéis capazes.
Esta deficiência continua prejudicando regiões, como o Minho e o Algarve, que poderiam ter um acentuado desenvolvimento turístico, mas que continuam num plano secundário devido à falta do indispensável equipamento hoteleiro, acompanhado dos indispensáveis restaurantes, bares, dancings, casinos, etc.. sem contar com a formação de grupos folclóricos, tudo para quebrar a monotonia que caracteriza certas regiões classificadas de turísticas.
É que o turista de hoje não sai de casa para apreciar apenas as belezas naturais, as obras de arte, e em seguida repousar, aproveitando a benignidade de clima de alguns países privilegiados.
Pelo contrário, o turista sai hoje de casa para gastar algum dinheiro, amealhado muitas vezes com sacrifício, mas com a condição de conhecer terras novas e sobretudo viver. Portanto, quer e exige conforto nos hotéis e pensões, regateia a falta de diversões e não volta mais ao local visitado se não for bem tratado.
No que se refere à parte insular do País, merece referência especial a ilha da Madeira, essa pérola situada no Atlântico e avidamente procurada pelos turistas ingleses que de há muito a descobriram.
A Madeira tem condições excepcionais para ser colocada entre os melhores centros turísticos, dado o seu clima benigno, a sua riqueza paisagística e o baixo custo de vida, principalmente para os turistas estrangeiros.
Se não fossem as dificuldades de transporto para a ilha, em especial a falta de um aeroporto capaz para garantir um tráfego aéreo seguro, poderia a Madeira ter a veleidade de ser considerada um dos melhores pólos de atracção turística do País.
Assim, enquanto não for sanada esta grande barreira e não se dotar a ilha com as indispensáveis atracções que os turistas de hoje exigem, a Madeira continuará a ser batida pelas Canárias, que têm hoje, mais do que ontem, melhoradas e ampliadas as suas condições turísticas.
E ainda quanto à Madeira, que já visitei de passagem perto de uma dezena de vezes, não resisto à tentação de aqui deixar registado um reparo que por mais de uma vez me foi dado constatar: quero referir-me à verdadeira mágoa dos motoristas de praça pelo facto de durante algum tempo, e não sei se ainda hoje, os barcos nacionais de passageiros e que escalam o porto do Funchal a caminho dos portos do nosso ultramar chegarem àquela ilha quase sempre noite cerrada, o que impossibilita a realização dos habituais circuitos turísticos, privando assim os passageiros, na sua maioria portugueses, de mesmo de relance conhecerem as belezas naturais da ilha e os motoristas de melhorarem as suas receitas.
Ignoro se este estado de coisas ainda hoje se mantém; porém, no caso afirmativo, estou certo de que não será de difícil solução para bem do turismo desde que haja um pouco de boa vontade das autoridades competentes e das companhias de navegação.
Quanto aos Açores, não me foi possível obter elementos seguros para uma análise em forma; porém, parece-me

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que o turismo naquele arquipélago só agora começa a dar mostras da sua graça, o mesmo assim acompanhada de todo o cortejo de deficiências.
Dizem-me que apenas em duas ilhas o turista encontrará hotéis o que as pensões são de fraca categoria. Diversões não existem e os meios de transporte interilhas são por ora deficientes.
Felizmente, no fim de tantas dificuldades, ainda restarão ao turista que ali conseguir chegar o colorido e a variedade da linda paisagem dos Açores e o trato cativante das suas gentes, o que me foi dado apreciar na única ilha que conheço.
Entretanto, para mim, o problema turístico dos Açores terá solução rápida e imediata no dia em que as entidades oficiais decidirem tomar simultaneamente, como já vi sugerido num órgão da imprensa diária, as três importantes resoluções: transformar em franco o aeroporto de Santa Maria e proceder aos indispensáveis melhoramentos de forma a facilitar o tráfego: construir para já o projectado aeroporto de Ponta Delgada o melhorar as condições dos aeroportos das Lajes e de S. Miguel e iniciar o estudo para a construção nas demais ilhas de pistas de aterragem que garantam ligações seguras interilhas: estudar e dar forma prática à estruturação de equipamento hoteleiro do arquipélago.
Resolvidos estes óbices e mediante uma propaganda bem orientada e dirigida- especialmente às colónias açorianas dos Estados Unidos e do Canadá, poderá o turismo açoriano contar com uma parto dos muitos milhares de ilhéus que compõem o grosso da população luso-americana radicada naqueles países e, em grande parte, com larga capacidade financeira, e a conhecida nostalgia portuguesa.
Contactei imensas vezes com a colónia portuguesa dos Estados Unidos o sei o que o turismo nacional poderia ganhar se se decidisse semear agora para oportunamente vir a colher os resultados.
Aqui deixo a sugestão e os melhores votos para que não caia em cesto roto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: se no que diz respeito ao turismo metropolitano, que acabei de analisar sumariamente, tive o ensejo de apontar certas deficiências e entraves que dificultam o seu desenvolvimento apesar do grande interesse e auxílio que o Governo, por intermédio do S. N. I., vem dispensando ao assunto, ao abordar agora o turismo ultramarino sinto-me penalizado por ter de afirmar que cheguei à conclusão de que só agora ele está dando os primeiros passos e, mesmo assim, muito titubeantes.
Foi criada em 1957, na Agência-Geral do Ultramar, uma repartição de turismo com um quadro de pessoal bastante limitado para estudar, orientar e planear o turismo, nos seus mais variados aspectos, num mundo vinte e uma vezes maior do que o Portugal continental, espalhado por três continentes, com um xadrez etnográfico dos mais completos da África negra e com uma riqueza paisagística e cinegética de alto interesse.
Embora todo esse pessoal da Agência-Geral ligado ao turismo do ultramar procure cumprir o melhor que pode e sabe as altas funções que lhe estão confiadas, dificilmente se conseguirá realizar algo de proveitoso devido à falta de coordenação deste departamento metropolitano com os centros do informação e turismo espalhados pelas províncias ultramarinas e ainda com os serviços congéneres do Secretariado Nacional da Informação para um plano de acção conjunta.
Por força do Decreto n.º 41 169, de 29 de Junho de 1957, cabe à Agência-Geral do Ultramar, por intermédio da sua repartição de Turismo, «orientar e desenvolver o turismo ultramarino», com as seguintes atribuições:

1) Inventariar os valores turísticos do ultramar, designadamente de natureza etnográfica, histórica, artística, musical, cinegética o piscatória;
2) Definir zonas de turismo e propor o regime especial a que devem ficar sujeitas;
3) Elaborar planos de fomento turístico;
4) Organizar cartas turísticas das províncias;
5) Elaborar ou colaborar na elaboração de publicações de propaganda, turística;
6) Organizar, por si ou em cooperação com organismos oficiais ou particulares, portugueses ou estrangeiros, excursões, cruzeiros de férias, digressões cinegéticas ou outras modalidades de viagens turísticas;
7) Estudar e propor a regulamentação da entrada de pessoas e da importação de materiais para fins turísticos;
8) Estudar e propor a regulamentação das actividades e profissões relacionadas com o turismo;
9) Estudar e propor a regulamentação da indústria hoteleira o do crédito destinado ao desenvolvimento desta.

Dispõe ainda o mesmo decreto que os serviços provinciais de turismo funcionarão como prolongamento da Agência-Geral, para efeito de coordenação de métodos c prestação de assistência técnica.
Em obediência a esta disposição legal, datada de 1957, devia estar já concluída há muito tempo a estruturação do turismo ultramarino; porém, só em Março de 1959, com a publicação do Decreto-Lei n.º 42 194, foram criados os centros de informação e turismo, departamentos que viriam corporizar a organização turística do ultramar com o fim de promover e favorecer a sua expansão pela coordenação dos esforços de todas as actividades directa ou indirectamente a eles ligadas.
Entre outros benefícios que em sequência destas disposições legais foram mandados aplicar ao ultramar português figura a criação em cada província de um fundo de turismo com o fim de abrir novas perspectivas à indústria hoteleira ultramarina, como bem preceitua o artigo 4.º da Portaria n.º 17 673, de 14 de Abril de 1960, que tornou extensivas ao ultramar as Leis n.º 2073, de 23 de Dezembro de 1954, e 2081, de 4 de Junho de 1956, com as modificações exigidas pelas circunstâncias locais.
Com toda esta série de medidas queria o legislador garantir uma perfeita infra-estrutura do turismo ultramarino, valorizado pela interferência directa dos respectivos centros mas sob a orientação e coordenação de um organismo central situado no Terreiro do Paço.
Se em teoria a estruturação parecia perfeita, na prática desmantelou-se por completo sem se tirar qualquer proveito no lapso de tempo decorrido até à. presente data, a não ser algumas iniciativas levadas a cabo pelos centros nas respectivas províncias.
Tenho para mim que pelo menos em relação aos centros de Angola e Moçambique, equiparados a direcções de serviço, os seus dirigentes não se conformaram certamente com a subordinação legal que as disposições atrás citadas impunham, e assim o corpo que tinha sido idealizado com tanto cuidado depressa se tornou acéfalo, passando cada órgão a fazer o que a sua imaginação ditava.
Parece-me, pois, que a Repartição de Turismo, nas condições em que funciona na Agência-Geral do Ultra

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mar, não tem possibilidade de orientar i; coordenar o turismo ultramarino e oportuno seria que desde já se começasse a pensar em modificar o statu que existente, substituindo-o talvez por um gabinete de estudos e planeamento turístico com pessoal técnico profissionalmente habilitado para fazer frente a complicada máquina que movimenta todo o complexo turístico das nossas províncias de além-mar.
E se porventura vier a. concretizar-se o ideal que já se murmura e que muita gente apoiaria, isto é, a criação do Ministério ou Secretaria de Estado da Informação e Turismo, no qual os serviços poderiam passar a funcionar no âmbito nacional, englobando os actuais serviços de turismo do S. N. I. e os da Agência-Geral do Ultramar, cada um como uma direcção-geral ou direcção de serviço, funcionando nas províncias ultramarinas os respectivos centros nos mesmos moldes em que hoje ali funcionam o Serviço Meteorológico, a Polícia de Defesa, a Aeronáutica Civil, etc.
Entretanto, como as vicissitudes actuais emergentes do nosso ultramar prejudicam efectivamente as grandes realizações no campo turístico, aproveite-se o tempo para dotar o quadro de pessoal com elementos habilitados ou a preparar em estabelecimentos apropriados ou ainda em estágios aconselháveis, de modo a estarem integrados na complexa engrenagem que regula o turismo nacional e internacional, para que de uma vez para, sempre se saia do marasmo em que sem querer continuamos vivendo.
Há que recuperar o tempo perdido e em passadas largas procurar-se atingir a. meta das nossas preocupações; há que estruturar em bases sólidas o nosso sistema turístico; lia que coordenar os esforços e as normas, visando a unidade de concepção e planificação e realização de todo o nosso esforço turístico: enfim, há que encontrar um cérebro pensante e orientador para este enorme corpo acéfalo, que se não for acudido acabará por perder todos os seus movimentos e tornar-se num montão de desenganos e realizações falidas.
Aproveitemos as condições naturais e excepcionais que possui o nosso ultramar e não nos deixemos desanimar. Uma rápida análise das nossas possibilidades servirá para nos encorajar. Senão vejamos:
Comecemos por Cabo Verde, essa reunião de ilhas crioulas que os nossos maiores acharam nas plagas do Atlântico sem quaisquer sinais de povoamento e onde mais tarde viriam a constituir uma das maiores realizações sócio-etnológicas com a criação do elemento cabo-verdiano, produto da mestiçagem entre o português continental ou ilhéu com os negros da Guiné. Encruzilhada das rotas marítimas e aéreas, constitui Cabo Verde um entroncamento importante para as carreiras intercontinentais e base aérea de grande categoria.
A docilidade da sua população, em permanente nostalgia, a sua riqueza folclórica, especialmente no campo da dança e da música, com as mornas dolentes e as coladeiras trepidantes, encantam o turista mais exigente que procure a. quietude daquelas ilhas para descansar e para gozar a pesca desportiva.
Os serviços de turismo ultimamente criados pouco ou quase nada puderam ainda fazer, mas é de esperar que, com o dinamismo o saber do seu dirigente e resolvido o magno problema das comunicações aéreas com a metrópole e com a província da Guiné, aquelas ilhas atlânticas possam vir a ter dias melhores com a canalização cuidadosa de uma grande corrente turística de alto valor, aproveitando a grande colónia cabo-verdiana residente nos Estados Unidos e cujos elementos tudo farão para ter oportunidade de visitar a terra natal, desde que tenham a certeza de serem bem recebidos e não serem tratados como «americanos».
O arquipélago dispõe de- um bom hotel na ilha do Sal, de boas pensões na Praia e em S. Vicente e de uma pousada na Praia, equipamento insuficiente, contudo, para se fazer turismo a sério, pelo que o seu reapetrechamento deve ser encarado com interesse pelos Poderes Públicos, na falta de iniciativa privada.
S. Tomé e Príncipe. - Estas duas ilhas tropicais, de grande beleza e cor, constituem um cenário maravilhoso para o turista mais exigente e que em rápida visita queira sentir-se abraçado pela luxuriante vegetação africana.
O seu cartaz turístico assenta na curiosidade que emprestam as conhecidas lavadeiras de S. Tomé e que, entoando cantares regionais, se reúnem as centenas em várias ribeiras que atravessam a ilha e ali se dedicam à lavagem da roupa.
As ricas e interessantes roças de cacau, coconote e copra, com os seus grupos folclóricos, são outras tantas atracções que encantam os turistas que visitam a província.
S. Tomé está bem servida por quase todos os barcos que demandam Angola e Moçambique e pela linha da T. A. P. que liga Lisboa - Guiné - S. Tomé - Angola e Moçambique.
O equipamento hoteleiro é fraco, mas, em contrapartida, S. Tomé possui uma boa piscina, um restaurante de boa categoria e uma pousada.
Angola constitui, hoje em dia, uma das maiores atracções turísticas do continente africano. Com um equipamento hoteleiro que se pode classificar de muito bom, a imensa província portuguesa de Angola não receia confrontos com qualquer outro território do continente negro. Bem servida por ligações aéreas e férreas, sem. contar com um razoável serviço de camionagem, o turista não encontra qualquer dificuldade para se deslocar de um ponto para outro neste vasto território.
A sua vegetação exuberante, a beleza dos cafezeiros e laranjeiras em plena floração; as maravilhosas quedas de água do duque de Bragança; as Pedras Negras e o Tunda Vale, o atraente deserto de Moçâmedes; a beleza urbanística de Luanda. Nova Lisboa, Sá da Bandeira, Lobito, Benguela e tantas outras cidades que honram a arquitectura e construção portuguesas; o contraste étnico da sua população e a riqueza cinegética do Sudeste de Angola, própria para os mais exigentes apaixonados pela caça, sem contar com a variedade da sua grande riqueza em todos os sectores da actividade económica, fazem com que Angola ocupe lugar importante entre os pólos de desenvolvimento turístico do mundo português. Está bem servida de carrearas aéreas e marítimas, garantidas pela T. A. P., Companhias Colonial e Nacional de Navegação e Sociedade Geral.
Moçambique. - Com as suas condições naturais, em que as praias ocupam lugar de destaque e chamariz irresistível para o turista da África do Sul e das Rodésias, esta província tem ainda a grande atracção do seu parque da Gorongasa e uma riqueza omogética capaz de satisfazer os mais exigentes organizadores dos xafarix, a par de um conjunto de bons e confortáveis hotéis, voos regulares em aviões da conceituada D. E. T. A. e um bom serviço dos caminhos de ferro que fazem de Moçambique uma companheira inseparável de Angola na valorização turística do País e servida pela T. A. P. e pelos barcos nacionais da Companhia Colonial de Navegação, Companhia Nacional de Navegação e Sociedade Geral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Macau. - Com a sua enorme população heterogénea característica da interpenetração de duas civilizações próximas, a cidade do Santo Nome de Macau

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constitui um centro urbano e industrial de grande categoria e onde o turismo está estruturalmente edificado em bases sólidas e registando um elevado movimento anual.
Possui magníficos hotéis e restaurantes; velhas e tradicionais igrejas católicas e templos budistas; fortes e fortalezas de construção portuguesa e vários outros motivos de atracção turística. Tem uma vida nocturna muito animada, incluindo o jogo, que ali é permitido.
É servido por inúmeras carreiras aéreas e marítimas que demandam Hong-Kong e com todos estes predicados bem merece o nome de «jóia do Oriente».
Timor. - Conhecida pelo seu maravilhoso café de fama mundial, esta nossa longínqua, província constitui um centro de atracção turística com as suas danças guerreiras e trajos característicos das suas gentes, sem falar nas suas belezas naturais, em que sobressaem as afamadas orquídeas, consideradas como das maus belas do Mundo.
E servida pelas linhas aéreas que escalam Darwim e Jacatra, cujos aeroportos têm ligação com o de Díli por meio de carreiras locais.
A Companhia Nacional de Navegação tem uma carreira directa para Díli e os barcos, da K. P. M. mantêm ligações com várias carreiras do Japão, China e África.
Guiné Portuguesa. - «The last but not least!».
A Guiné Portuguesa, encravada entre os territórios do Senegal e da República da Guiné, tem aproximadamente a superfície de 36 126 km2 e uma população de cerca de 560 000 habitantes e foi descoberta por Nuno Tristão no ano da graça de 1446, tendo sido incorporada na mesma data como território nacional.
As suas tradições históricas, os costumes das suas gentes, a variedade do folclore local e a beleza luxuriante da sua vegetação, tudo isso a juntar à sua. riqueza cinegética, fazem com que a Guiné Portuguesa seja considerada um centro de atracção turística que bem merece ser acarinhado para nele se estabelecerem as bases de uma infra-estrutura capaz de aguentar a corrente turística que para ali se conseguisse canalizar.
As ruínas do Forte de Cacheu, a velha e tradicional igreja e a Fortaleza de S. José de Bissau constituem prova real de uma ocupação vivida que os nossos navegadores ali deixaram quando dos primeiros contactos com as terras africanas.
Esta paradisíaca Guiné, com o seu xadrez etnográfico ricamente representado pela grande variedade de raças que a povoam, entre as quais se destacam os leais e sempre alegres Fulas e Mandingas, os lutadores Felupes, os dançarinos Bijagós, os laboriosos mas irrequietos Balantas e os tecelões e bons marinheiros Manjacos; esta Guiné, dizíamos, tem condições excepcionais para centro de turismo, favorecida pela curta distância que a separa da metrópole e portanto própria para proporcionar os primeiros contactos com a verdadeira. África aos portugueses que nunca saíram do continente.
Com todas estas características essenciais, parece-me que se podiam criar na Guiné três pólos de desenvolvimento turístico, a saber: Varela, Bubaque e Bolama, localidades que reúnem todas as condições para o desenvolvimento da indústria turística.
Procurarei concretizar as razões que me levaram a esta conclusão:
Varela foi fadada pela Natureza como sendo o local paradisíaco para umas reconfortantes férias e isso tornou-se tão patente à observação de todos que durante a vigência governativa do almirante Sarmento Rodrigues (governador que deixou o seu nome ligado à Guiné pelo muito que lá fez) foi considerada ponto nevrálgico do incipiente turismo guineense.
Em verdade, Varela rapidamente se transformou numa. verdadeira estância balnear com grande cartel turístico não só dentro da província, mas sobretudo entre os franceses residentes no vizinho território do Senegal e que para ali convergiam em massa, emprestando certo colorido a dando vida e movimento àquela nova estância balnear.
A enorme procura que começou a verificar-se das atraentes condições de Varela levou o então governador Sarmento Rodrigues a aproveitar uma compreensiva colaboração entre os funcionários administrativos e os técnicos agrícolas e de obras públicas, sob a sua directa orientação, de que resultou que num tempo record e a começar do nada se edificasse um verdadeiro centro turístico de fama internacional, rodeado de extensos parques de eucaliptos e de casuarinas e constituído por uma série de lindas e confortáveis vivendas mandadas construir pelo Governo da província e por algumas entidades particulares, entre as quais o Banco Nacional Ultramarino, que ali mandou edificar algumas moradias para colónia de férias do seu pessoal.
Instalou-se a luz eléctrica e abastecimento de água no novo centro, construiu-se um grande restaurante com esplanada para festas, construiu-se uma boa pista de aterragem susceptível de receber todos os aviões da província e que iniciaram imediatamente a fazer carreiras semanais certas e género táxi aéreo em qualquer altura.
Infelizmente, os últimos acontecimentos ocorridos na província motivaram o enceiramento temporário da estância, que, como é de prever, está sofrendo as inclemências do tempo e do abandono, e se este estado de coisas persistir por muito mais tempo, é de prever que os prejuízos sejam grandes, a não ser que as forcas armadas, que têm aproveitado a estância e as suas instalações para repouso dos seus efectivos, prestem a sua colaboração na conservação dos bens móveis e imóveis ali existentes, tanto mais que o conselho de administração do Banco Nacional Ultramarino, num gesto simpático, pôs à disposição do Governo da província a bonita soma de 100 contos para as reparações da Praia Varela, desde que fosse garantido o policiamento e defesa da mesma.
Bubaque tem uma magnífica praia em Bruce, de alguns quilómetros de- extensão e marginada por tufos de palmeiras e outras espécies florestais de luxuriante porte. Com a construção de uma pousada ou pensão e melhoradas as condições técnicas da pista de aterragem, Bubaque poderá entrar abertamente para o circuito turístico da Guiné, pois como atracção para os turistas tem, além da sua privilegiada situação, o folclore típico da sua população.
Bolama, antiga capital da província e que tem vindo a decair de uma maneira assustadora desde que a capitai foi transferida para Bissau, merece ser acudida e ajudada a suportar a pesada cruz que lhe foi imposta. Dotada de um clima excepcional, com um magnífico porto de águas límpidas, Bolama pode e deve tornar-se um dos pólos de desenvolvimento turístico da Guiné, e, dado que possui muitas habitações devolutas e em vias de completa ruína, por falta de inquilinos, poderia aquela cidade ser adaptada para o turismo de férias, desde que essas habitações fossem reparadas ou reconstruídas com o auxílio do Estado ou com adiantamentos por ele realizados através do município local, e estabelecidas carreiras marítimas e aéreas a preços módicos, os habitantes de Bissau, privados do conforto saudável de horas bem passadas nalguma praia, poderiam gozar as delícias da praia de Ofir, na ilha de Bolama, com a sua pousada, ou instalando-se no magnífico Hotel do Turismo, instalado no antigo e sumptuoso edifício da filial do Banco Nacional Ultramarino.
Com estes três pólos de desenvolvimento turístico beneficiar-se-ia a população de Bissau e de outros pontos da

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província sem praias e resolver-se-ia assim o turismo interno.

Quanto ao turismo externo, far-se-ia convergir para Varela e Bubaque, ciadas as suas reais condições de atracção para o turista mais exigente.
Mas terá a Guiné condições para receber turistas nacionais e estrangeiros, garantindo-lhes os meios necessários para uma agradável estada, sem descurar a questão dos transportes?
Creio que sim, desde que os homens de boa vontade decidam fazer alguma coisa pela portuguesíssima província da Guiné.
Reportar-me-ei apenas a dois pontos capitais para tornar possível a concretização do turismo na Guiné:
O equipamento hoteleiro da província não oferece garantias seguras para o alojamento de um número de turistas que exceda algumas dezenas.
Bissau tem quatro hotéis, sendo um deles de categoria média. Torna-se, contudo, necessário pensar desde já na construção de um bom hotel, com uns 40 a 50 quartos na sua maioria com casa de banho e com os demais requisitos que modernamente se exigem a esses estabelecimentos.
Não deve sor possível encontrar quem só abalance a tão grande quão dispendiosa obra. Afigura-se-me, pois, que haveria que lançar mão do uma sociedade hoteleira em que comparticipassem capitais metropolitanos e guineenses e que recebesse o auxílio do tal fundo do turismo, se é que existe para o ultramar, e um financiamento inicial do Banco de Fomento Nacional, sempre pronto a ajudar iniciativas que visem contribuir para o desenvolvimento das nossas províncias de além-mar.
Sei que o assunto merecerá igualmente todo o apoio do Sr. Ministro do Ultramar e do próprio governador da província, sempre interessados em apoiar projectos sérios e objectivos para o fomento do ultramar.
Não se pode fazer turismo sem haver a garantia dos transportes, e embora a Guiné esteja regularmente servida por carreiras marítimas regulares duas vezes por mês mantidas pela Sociedade Geral, além dos barcos de carga que ali vão carregar produtos e que sempre levam meia dúzia de passageiros, e por carreiras aéreas semanais mantidas pela T. A. P., aproveitando a linha Lisboa - Bissau - S. Tomé - Luanda - Lourenço Marques, no caso de se pensar em turismo a sério, ter-se-á de tentar novas facilidades de transporte.
Consta, pelo que dizem os jornais, que os Transportes Aéreos Portugueses
(T. A. P.) vão adquirir brevemente grandes aviões a jacto para aumentarem as actuais frequências para Angola e prolongá-las até Moçambique.
Felicito sinceramente os dirigentes de tão importante empresa nacional de transportes aéreos, que neste momento difícil em que vivemos tem sabido e podido garantir as ligações aéreas com todas as parcelas portuguesas do continente africano, e estou certo de que com a boa vontade e interesse dos seus dirigentes a Guiné verá brevemente melhoradas as carreiras aéreas que demandam o seu aeroporto.
Sabido que uma das bases estruturais do turismo é a garantia e regularidade dos transportes, aproveito a oportunidade para lançar um apelo muito sincero ao Sr. Presidente do conselho de administração da T. A. P. pedindo a contribuição daquela empresa para uma possível melhoria nas ligações com a Guiné e que simultaneamente poderia também beneficiar a vizinha província de Cabo Verde pelo estabelecimento de um novo circuito semanal ligando Lisboa - Sal - Bissau - Sal - Lisboa ou Lisboa - Las Palmas - Sal - Bissau e vice-versa.
Sei que o estabelecimento do um circuito ou linha do voo requer um estudo meticuloso em que não pode ser descurada a parte económica, mas espero que a boa vontade dos dirigentes da T. A. P. saberá limar todas as arestas que surjam e dentro do possível atenderão o apelo que desta tribuna lhes dirijo, tanto mais que, embora a T. A. P. seja uma sociedade anónima, não deixa de constituir um departamento de serviço público, por ser por seu intermédio que se traduz a política de transportes aéreos do Estado e na actual conjuntura há que atender o interesse público das populações da Guiné e Cabo Verde.
Tenho a certeza de que se algo de proveitoso sair deste interessante debate sobre o turismo nacional, como todos nós esperamos, a Guiné poderá começar a planificar uma nova infra-estrutura para pôr em prática logo que se veja livre do malfadado terrorismo que veio prejudicar, e está prejudicando, o intenso desenvolvimento que a província vinha sentindo.
Estou certo de que então não faltarão passageiros para garantir todas as frequências que a T. A. P. vier a estabelecer.
Antes de terminar quero referir-me ainda à necessidade e às vantagens político-sociais dos cruzeiros e das viagens de estudantes universitários às nossas províncias do ultra mar e, quanto aos últimos, às cidades estrangeiras onde existam fortes núcleos de portugueses.
Sou do opinião que se devia incrementar esta forma de contacto entre portugueses espalhados pelo Mundo.
Sem me querer tornar fastidioso, referir-me-ei rapidamente a três acontecimentos nos quais fui comparticipante e que me têm proporcionado gratas lembranças.
O primeiro data de 1935, mas nem por isso está menos vivo no meu espírito.
Passou-se, na velha e histórica cidade de Bolama, hoje meia abandonada e decadente, vai para 30 anos, mas ainda hoje, sempre que tenho o prazer de me encontrar com o Prof. Marcelo Caetano, grande figura do direito e da administração ultramarina, lembro-me com simpatia do primeiro cruzeiro às províncias ultramarinas, sob a orientação daquele ilustre mestre, e que encheu de entusiasmo a população da Guiné durante a curta, mas aprazível, passagem por aquela província.
O segundo episódio passou-se em 1959, na interessante cidade de Silva Porto, em Angola, junto à embala do grande sertanejo que deu o nome à cidade.
Num momento de entusiasmo, ou de fervor patriótico, um finalista de Medicina que fazia parte da caravana universitária que estava percorrendo Angola afirmava-me que estava maravilhado com a grande obra realizada naquela província e que se sentia na obrigação de contribuir para a consolidação de tão grande esforço, razão por que logo que terminasse o seu curso tencionava regressar à província para ali se fixar o colaborar na grande obra que se vinha realizando.
Oxalá que esse jovem médico tenha encontrado facilidades para pôr em prática o seu desejo.
O terceiro acontecimento teve lugar em Nova Iorque no ano de 1962, quando o Orfeão Académico de Coimbra, numa embaixada feliz, visitou algumas cidades da América do Norte, acontecimento que tive o grato prazer de reviver anteontem ao ,encontrar nos Passos Perdidos desta Assembleia o presidente daquele Orfeão.
Não calcula o jovem doutor, que em boa hora teve a feliz ideia de me falar, a satisfação que me deu ao fazer-me reviver o nosso primeiro encontro e possibilitar-me a comparação de dois momentos não muito distantes, mas tão diferentes. É que o primeiro encontro com esse grupo de académicos teve lugar em Nova Iorque, na confusa torre

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de Babel que é a O. N.º U., onde na altura se procurava destruir o mundo que portugueses criaram com amor e caridade, e o encontro de anteontem nesta magna Assembleia dava-se precisamente na altura em que debatíamos o problema do turismo nacional e em que procurávamos edificar mais uma obra gigante da vida nacional e que servirá para irmanar ainda mais as populações portuguesas de todo o Mundo.
E, por me parecer oportuno prestar desta tribuna as minhas homenagens aos embaixadores ilustres que foram os jovens académicos nas terras da grande América do Norte, repetirei as afirmações já feitas em Coimbra no ano findo numa palestra que ali proferi por amável convite do Exmo. Governador do distrito e com a assistência do Sr. Ministro do Interior:

Permita-me ainda. Sr. Ministro, que antes de entrar propriamente na matéria da palestra, e fugindo um pouco às rígidas fórmulas protocolares, apresente na pessoa, do magnífico reitor as minhas sinceras saudações à Universidade de Coimbra, nas quais desejo abranger tanto os ilustres mestres como a massa académica, que muito a prestigiam dentro e fora fronteiras.
Aproveito assim a oportunidade para publicamente felicitar a Academia de Coimbra pelo extraordinário e retumbante êxito obtido pelo seu orfeão na digressão feita pelas cidades da América do Norte e culminada com a sua magnífica apresentação no Philarmonic Lincoln Center, de Nova Iorque, perante um auditório de milhares de portugueses e americanos, espectáculo que mereceu os maiores encómios por parte da imprensa nova-iorquina.
Tive o privilégio de estar entre esses milhares de espectadores e vi muitas lágrimas deslizarem pelos rostos de vários portugueses do continente, das ilhas adjacentes e de Cabo Verde, os quais, irmanados no mesmo sentimento nacionalista, apoiaram e aplaudiram entusiasticamente os jovens estudantes que tão bem souberam representar e prestigiar Portugal nas terras americanas, evidenciando assim a vitalidade da raça e a certeza de que dispúnhamos de uma juventude capaz para, continuar o exemplo dos nossos maiores.
Apreciei o entusiasmo com que as moças luso-americanas, algumas pertencendo já à terceira geração, procuravam, após o magnífico espectáculo, contactar com essa mocidade vigorosa, sempre a transbordar de alegria e de boa disposição.
Assisti extasiado à consagração desse punhado de rapazes, não só quando terminou o espectáculo e a assistência de pé os aplaudiu intensamente, mas também quando dias depois se apresentaram na televisão para serem apreciados por milhões de telespectadores residentes nos diversos estados norte-americanos.
E para nós, membros da delegação portuguesa às Nações Unidas, a passagem dos alegres académicos portugueses por Nova Iorque constituiu um lenitivo dos dias amargos que ali vivíamos e serviu de incentivo para nos animar a aguentar com serenidade os rudes ataques que estávamos sofrendo.

Mas, Sr. Presidente, já me estou alongando de mais.
Portanto, aqui me detenho e concluo esta minha modesta intervenção com os seguintes votos bem sinceros:
Que se encare com realismo a problemática turística do ultramar;
Que lhe sejam fornecidos os necessários meios de nação, sob o ponto de vista material e de planificação, para o que se torna imperioso a coordenação de esforços entre os dois organismos que tratam do turismo nacional;
Que as nossas companhias de navegação aérea e marítima e a Junta da Marinha Mercante continuem acarinhando com o mesmo interesse e melhorem logo que possível as ligações com o nosso ultramar;
Que se consolidem as infra-estruturas turísticas nas nossas províncias de alem-mar e, no caso especial da Guiné, que se dê apoio material à iniciativa feliz e oportuna do actual governador da província, comandante Vasco António Martins Rodrigues, no sentido de serem ampliadas as pistas de aterragem do Aeroporto Craveiro Lopes, de Bissau, de forma a torná-las acessíveis aos aviões a jacto de longo curso;
Que se facilite a satisfação de duas grandes aspirações da população da capital da província pela concretização das duas grandes obras de que todos suspiram: a piscina municipal e um hotel confortável e de linhas airosas, para o que todos contam com o apoio do Governo e do Banco de Fomento Nacional, que certamente não deixará de estender o seu auxílio financeiro à Guiné, que muito dele necessita nestes conturbados tempos, mais que não seja para traduzir a nossa fé em melhores dias e encorajar todos os que continuem firmes no seu posto; e, finalmente,
Que pelas armas, pelo prosseguimento das conversações habilmente iniciadas pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros na O. N. U. ou por mais um milagre, como tantos outros que nos têm valido em momentos difíceis da nossa história, se consiga extinguir rapidamente a fogueira que os nossos inimigos tentam atear cada vez mais nas nossas províncias ultramarinas, especialmente de Angola e da Guiné, para que possamos continuar, irmanados dentro da grande comunidade lusa, a trabalhar com calma e a aproveitar melhor os nossos recursos financeiros para bem do turismo, das relações entre as populações, do progresso económico do ultramar e, consequentemente, deste Portugal unido, que todos queremos ver mais engrandecido.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Sr. Presidente e Sr s. Deputados: depois do brilhante e exaustivo trabalho que o ilustre Deputado Sr. Dr. Nunes Barata apresentou no passado dia 26 a esta Assembleia em efectivação do seu aviso prévio sobre turismo, parece que nada mais haveria a dizer sobre o assunto.
S. Exa. foi tão profundo no seu estudo, tão minucioso na análise dos factos, que nenhum aspecto da intrincada problemática daquele sector escapou à crítica serena e construtiva do seu privilegiado espírito.
Tão vasto, porém, é o panorama em que se desenvolve a aliciante magia do turismo que muitos têm sido aqueles que, apesar disso, não resistem à tentação de o observar e de o comentar do ângulo das suas predilecções mais queridas ou do fundo das suas lucubrações mais sinceras.
E eu sou um deles.
Como descendente directo dos homens que primeiro sentiram nos alvores da Renascença a ânsia de novos horizontes e como filho de uma ilha, plena de beleza e de encanto, mas que Deus colocou na imensa solidão do mar em perpétua saudade de mais largo convívio, frequentes são as vezes que me surpreendo a meditar sobre esse extraordinário fenómeno que tanto enleia os povos nos nossos dias.

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Vejo-o, desde os primórdios da humanidade, como inata aspirarão de melhor conhecimento da Terra e dos seus habitantes; vejo-o, no decorrer dos tempos, como meio eficaz de difusão de cultura e de maior entendimento entre os homens; vejo-o, na hora presente, como processo salutar de restauração de forças para- todos quantos se esgotam na luta pela vida; vejo-o, finalmente, a cada momento, como poderoso agente de correcção para o acentuado desequilíbrio económico e financeiro que se verifica, entre as nações.
Aos meus olhos o turismo afigura-se, assim, pleno de vantagens de ordem espiritual e material, a superar, de longe, os inconvenientes da descaracterização e da quebra do sossego que, evidentemente., determina em certos lugares, sobretudo quando irrompe em escala desmedida.
Ora são exactamente estes inconvenientes que, bulindo com os seus sentimentos e os hábitos mais arreigados da gente portuguesa, têm retardado, até certo ponto, a compreensão geral. ou. como agora se diz, a consciencialização da utilidade turística no nosso país.
Boa parte da população, embora ouça falar, com admiração e inveja, da chuva de dólares ou de benesses que o turismo faz cair em sítios não muito distantes nem muito diferentes do nosso, hesita, não sei se por exagerada sensibilidade, se por tradicional falta de bossa para o negócio,, em trocar a quietude do seu pobre viver por hábitos mais folgados, mas fora da ética do seu modo de ser.
E nessa atitude não está só o povo com a simplicidade dos seus raciocínios elementares.
Muito boa gente, mesmo com cursos superiores, assim pensa. E pensa porque vê essa indústria em expansão torrencial e teme que, dentro de poucos anos, todos os países de bom clima e de pacífica estrutura social sejam invadidos por um cosmopolitismo igualitário que torne impossível a sobrevivência, no tempo, da sua personalidade específica.
Um colega meu chegou mesmo a dizer-me um dia, muito a sério, que em sua opinião o turismo devia ser incluído na tabela a do Regulamento das Indústrias Insalubres, Incómodas, Perigosas ou Tóxicas, tais os prejuízos e inconvenientes que trazia à sociedade, com o jogo com a intranquilidade e com a subversão dos costumes peculiares a cada região...
E claro que semelhantes descendentes do velho do Restelo não raciocinam em termos de valia universal.
No grande amor que dedicam a Portugal e às suas particularidades mais cativantes eles esquecem-se de que o Mundo é ainda suficientemente grande para conter os homens com todas as suas ilimitadas ambições e que no próprio solo do seu país, habitualmente considerado e apelidado de pequeno, há ainda imensos recantos de grande formosura, totalmente ignorados ou abandonados pelos próprios naturais.
Os males do turismo não resultam, pois, do facto da sua existência, mas do desvirtuamento ou do desregramento com que se processa o seu desenvolvimento.
Evitando esses desacertos, ninguém, em boa consciência, pode deixar de reconhecer o seu incontestável interesse económico e o seu indiscutível benefício social.
Eis por que todos os Estados o incentivam e regulamentam; eis por que todas as terras o desejam e acarinham.
O turismo tem conhecido, através dos séculos, vários estádios e expressões:
Enquanto o homem não descobriu a roda e o barco e só dispôs dos seus próprios meios para qualquer deslocação, ele quedou-se incipiente e ignorado num nomadismo estreito de quase exclusiva subsistência individual.
Quando depois daquelas descobertas o mesmo homem associou os animais e o vento aos seus engenhos, podendo assim vencer maiores distâncias, ele deu, anonimamente. os primeiros passos em terras e mares desconhecidos.
Quando em pleno século XIX a máquina a vapor ultrapassou, de muito, a velocidade do cavalo, ele imediata mente se instalou em cómodos comboios ou em luxuosos paquetes e aí ganhou o nome e as formas sedutoras que o haviam de impor definitivamente à consideração do Mundo.
Quando, em nossos dias, o motor de explosão e de turbina permitiram a corrida vertiginosa do automóvel e do avião, ele galgou num ápice os maiores percursos e, sem distinguir fronteiras ou camadas sociais, a todos levou o grito alvoroçado do seu maior triunfo.
Mas não foi só o extraordinário desenvolvimento dos meios de locomoção que influenciou e caracterizou o destino do turismo.
A revolução industrial, a moda, a tendência essencialmente curativa da medicina e o próprio romantismo condicionaram o seu comportamento desde o 1.º quartel do século passado até ao rebentar da guerra de 1914.
Neste período o turismo quase foi regalo exclusivo de milionários.
Todos aqueles a quem o dinheiro sobrava escolhiam previamente o local ou o sector que mais lhes agradava: inteligência ou aos sentidos.
E enquanto uns se dirigiam para o Centro da Europa ou para as margens do Mediterrâneo em demanda dos tesouros artísticos ou históricos que testemunhavam o esplendor de antigas e modernas civilizações, outros se encerravam nos casinos e nas salas de jogo em busca de sensações mais instintivas; enquanto alguns se deleitavam em surpreender novas paisagens e novas gentes, em cruzeiros marítimos de longo curso, outros se imobilizavam rias estâncias termais ou climáticas de maior nomeada, na esperança, sempre renovada, de debelarem doenças reais ou imaginárias ou de encontrarem conviventes nas mesmas condições.
O sol nessa altura, não era elemento desejável.
Todos fugiam dele convencidos de que a sua acção directa era não só prejudicial à saúde, mas ainda à estética do corpo, cuja alvura da pele os poetas cantavam e todos celebravam como factor primordial de beleza e prova iniludível de boa estirpe ...
No período que decorre entre as guerras de 1918 e de 1939 o turismo sofre as contingências da boa e da má sorte resultantes da profunda alteração (eu ia dizer inversão) que se passou a dar nos usos e costumes dos povos.
O Mundo, fortemente abalado rias suas estruturas humanas pela primeira grande guerra e. sobretudo, pela tremenda revolução russa, entra em desequilíbrio e em desvairo. E tudo quanto parecia aquisição definitiva da civilização ocidental no âmbito do direito, da arte e da moral passa a ter valor precário.
No meio deste desabamento espiritual ergue-se, cada vez mais potente e promissora, a ciência e, cada vez mais exigente e ameaçadora, a massa popular. E a técnica e o social passam a ser os novos deuses da nova era a quem a cultura clássica e o indivíduo têm de sacrificar boa parte das suas regalias.
Quando em 1945 termina a segunda grande guerra, esses deuses estão no auge do seu prestígio e a vida passa a ser inspirada por eles em todos os sectores.
Na Europa e na América a maior parte das populações havia abandonado, desde há muito, o remanso dos cam-

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pos e da agricultura para se concentrar tias cidades e aí oferecer o cérebro e os braços à febril actividade da indústria e do comércio.
Com essa mudança os homens viram aumentados os proventos do seu trabalho, mas perdidos os ócios e o sossego que naturalmente usufruíam fora dos períodos das sementeiras e das colheitas e. sobretudo, os vastos horizontes onde a luz do dia chegava a toda a parte sem ter de pedir licença às confinadas paredes dos escritórios e das fábricas.
Já a breve trecho a melhoria de situação económica convertia-se em mal-estar físico, que exigia reparação urgente, reparação esta que só no turismo encontrou solução eficiente.
Na movimentação actual de dezenas de milhões de pessoas - que tantas são as que deixam anualmente os seus lares e os seus afazeres profissionais para se dirigirem a outras terras ou a outros ambientes um breves períodos de férias - já não é o excesso de pecúnia, nem a curiosidade insatisfeita, nem a ânsia de mais vastos conhecimentos, nem tão-pouco os caprichos da literatura ou da moda, que comandam a decisão de partir.
Sem dúvida que muitos milhares, ou até mesmo alguns milhões, de seres ainda viajam obedecendo àqueles imperativos da existência. Mas a maior parte da gente que se desloca e aquela que eleva as estatísticas a quantitativos astronómicos fá-lo. principalmente, por absoluta necessidade de evasão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a fuga às ansiosas e esgotantes preocupações da vida actual, e a fuga às complicadas e enervantes limitações das grandes urbes. Na escolha do ponto de destino esses indivíduos buscam quase sempre condições que contrastem com o meio donde saem.
Se são do interior, é no mar que encontram a sedução: se são das zonas frígidas, é nas médias ou altas temperaturas que reconhecem o conforto; se são de países sombrios, é na luz que se embebem de alegria.
É como o sol já não é o inimigo da saúde e até a estética humana já o tem por aliado, nenhuma região se presta mais à satisfação de todas aquelas exigências individuais do que as costas álacres do Mediterrâneo.
Eis por que no momento presente a Espanha, a França, a Itália, a Jugoslávia, a Grécia, a Turquia e até a África do Norte são invadidas por verdadeiras multidões do forasteiros que se aglomeram aos milhares nas orlas continentais e nas ilhas banhadas por aquele mar.
Mas as condições telúricas e atmosféricas que tanto atraem os turistas na hora actual não só fecham nem acabam no estreito de Gibraltar.
Para cá desse estreito elas continuam idênticas à daqueles países nos 170 km da costa sul de Portugal e dá ilha da Madeira e repetem-se, já então com características atlânticas, em mais de 670 km ao longo da sua faixa marítima ocidental e nas ilhas dos Açores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portugal possui assim todos os requisitos físicos essenciais para partilhar do boom turístico que ora dá preferência acentuada às zonas que têm sol, calor, céu azul e praias.
E como também não lho escasseiam no interior recantos edénicos e paisagens de sonho por entre a imensa diversidade, da sua topografia, nem cidades, nem vilas o aldeias com real interesse arquitectónico, nem património cultural com subido valor histórico ou artístico, nem usos e costumes com verdadeiro encanto etnográfico ou folclórico, nem iguarias e vinhos que formem as delícias de um bom repasto, nem tão-pouco discrição e afabilidade no trato dos seus habitantes. lógico é supor que Portugal, com o bem inestimável da paz interna que há longos anos desfruta, tem todas as condições naturais e sociais para ser um grande e inesquecível país de turismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, para se ser um grande e inesquecível país de turismo não basta possuir-se excepcionais dons da Natureza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O turismo é hoje uma enorme e complicada indústria que exige não só avultados capitais, mas profundo conhecimento da matéria, decidido espírito de iniciativa, aguçado sentido de previsão e forte poder de organização, cooperação e coordenação entre os particulares e o Estado. Ora todas estas qualidades nunca fizeram parte do quadro de honra das nossas maiores virtudes.
Quando no final do século XVIII e nos princípios do século XIX os Ingleses descobriram a Madeira como estância climática de primeira ordem e aí começaram a edificar, as suas casas comerciais, as suas quintas e sua igreja, quem supôs que ela viria a ser, no futuro, o lugar mais indicado para o estabelecimento de uma zona permanente de turismo?
Quando mate tardo Alberto Page construiu ali, à sua custa, caminhos, pontes abrigos e fontanários, quem compreendeu que de abria generosamente as portas de uma nova ora?
Quando no 1.º quartel do nosso século a família Reid Manuel Gonçalves, José Dias do Nascimento e Alfredo Rodrigues ali se lançaram na construção de belos hotéis o restaurantes, quem lhes deu facilidades ou auxílios?
Quando, pela mesma época, Fausto de Figueiredo sonhou e realizou o «milagre» do Estoril e outros pioneiros lhe seguiram as pisadas levantando em Lisboa, na Guria, no Luso e em cutias cidades ou locais aprazíveis um bom número de hotéis e de palaces, que cooperação lhes deram os Governos?
Ainda está na lembrança de todos o que era há pouco mais de 80 anos a estreita e tortuosa estrada Lisboa-Cascais, a que a larga visão do Duarte Pacheco pôs termo, como também não só deve ter varrido da memória dos homens a história daquele burro que em dia de chuva morreu afogado numa cova da estrada de
Sintra ...
Por estes simples exemplos dos arredores da capital fácil é depreender a aventura que representava a utilização rodoviária de mais longínquas andanças e o que seriam as restantes infra-estruturas turísticas dependentes dos Poderes Públicos.
E, todavia, a partir de 1911 não faltaram diplomas legais a regulamentarem não só a actuação destes pioneiros, mas ainda a secundarem (?) a acção benemérita do Automóvel Chibo de Portugal e, sobretudo, da Sociedade de Propaganda de Portugal, que muito se esforçou por colocar o nosso país no mapa do turismo mundial ...
Simplesmente, o nosso país andava nessa altura ausento de si próprio. Sem governo capaz, sem dinheiro, sem crédito e sem ordem na rua e nos espíritos, ele só era conhecido no estrangeiro pelas revoluções contínuas em que consumia a honra e a Fazenda.

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Portugalizar era então adjectivo pejorativo que corria na Europa para significar e definir o estado caótico a que podia chegar qualquer situação política.
Quando António Ferro surgiu no Secretariado da Propaganda, em 1989, com a noção entusiástica e perfeita do que ora o turismo como fonte de receita e de melhor fraternidade entre os homens, já os ânimos haviam serenado e já o brio nacional se havia restabelecido há alguns anos.
Lá fora continuava, porém, a dúvida sobre essa realidade e António Ferro teve de lutar -ede lutar brava e subtilmente- para que essa dolorosa impressão se dissipasse.
No entretanto, cá dentro, ele encetava a sua obra de valorização turística, construindo as primeiras pousadas, organizando congressos internacionais, melhorando as condições hoteleiras, intensificando a propaganda de Portugal no estrangeiro, etc.. enquanto o Estado, por seu turno, continuava pacífica e perseverantemente a enorme tarefa de recuperar e de estimular os outros sectores da vida nacional.
A guerra não permitiu, contudo, que o afluxo de estrangeiros ajudasse essa tarefa, nem a extensão do descalabro e da ruína a que tinha chegado o País consentiu que tudo pudesse ser feito em breve tempo.
Mas a guerra acabou um dia e os visitantes voltaram, e voltaram até em maior número.
Em 1952 esse número atingia mesmo a cifra de 110 000, isto é, mais do dobro do que em 1936.
O Governo apercebeu-se então de que os meios de que dispunha o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo (como então passou a chamar-se desde 1944 a antigo Secretariado de Propaganda), a despeito dos 242 decretos, portarias, etc., que haviam sido publicados desde 1911 até aquela data, não eram suficientes para vencer as deficiências verificadas no alojamento dos turistas. E no estudo aprofundado que ele, a Câmara Corporativa e a Assembleia Nacional fizeram do assunto, todas estas entidades chegaram à conclusão de que só um eficaz auxílio directo do Estado à indústria particular hoteleira e outros ramos afins poderia resolver o problema.
Surge assim a Lei n.º 2073. de Dezembro de 1954, que, pela amplitude das isenções fiscais e aduaneiras que prevê, pelo direito de expropriação para utilidade pública que outorga e pelos créditos sem juro, ou a longo prazo, que concede, é, sem dúvida, o mais importante e eficaz instrumento de que dispõe o turismo português na actualidade.
A partir desse momento, e depois da Lei n.º 2081, de Junho de 1956, e de outros decretos subsequentes que regulamentam e ampliam o funcionamento do Fundo de Turismo e os empréstimos da Caixa Nacional de Crédito, novos hotéis, novas pensões e novos restaurantes apareceram, como que por encanto, sobretudo na área de Lisboa e na zona do Estoril, a reforçarem o escasso apetrechamento anterior.
Tudo isto, acrescido de algumas novas pousadas e de alguns parques de campismo, permitiu que se pudesse receber mais 30 000 turistas, em média, anualmente, e que a cifra de 153 000 do ano de 1953 passasse para 520 000 em 1963.
Semelhantes resultados, satisfazendo, nalguma medida, a habitual mediocridade das nossas aspirações (até porque já excedem, em rendimento, o valor da cortiça, nosso principal produto de exportação, que rendeu em 1962 1 416 000 contos), estão, porém, bem longe dos resultados obtidos por outros países, como muito bem foi provado pelo Sr. Dr. Nunes Barata no seu bem documentado aviso prévio, e bem distante também dos nossos verdadeiros recursos potenciais.
Mais de 65 por cento destes turistas permaneceram na capital ou nos seus arredores, apenas se distribuindo por todos os restantes 21 distritos do continente c ilhas adjacentes cerca de 35 por cento.
A própria Madeira, com toda a sua fuma tradicional, e o próprio Algarve, com todas as suas possibilidades adormecidas, não conseguiram rever nas suas encostas majestosas ou nas suas praias maravilhosas mais do que 12 e 4 por cento, repectivamente, daqueles visitantes, o que é verdadeiramente insignificante.
Esta fixação predominante na área de Lisboa e do Estoril, aliada às preferências dadas por estes turistas aos hotéis e pensões de luxo e de 1.ª classe, mostra bem que, por enquanto, a maior parte dos estrangeiros que nos visitam pertence às classe sociais mais abastadas.
As outras, que formam presentemente a grande massa que abarrota as estâncias turísticas dos outros países, só em número relativamente reduzido aparece por cá, ocupando, por pouco tempo, os hotéis e as pensões de 2.ª e de 3.ª classes, bem como os poucos parques de campismo que possuímos.
E aqui chegamos a um ponto melindroso da questão, que julgo exigir muita meditação e que dá lugar às seguintes dúvidas:
Qual o género de turismo que mais nos convém praticar no futuro? O que temos no momento presente, com a sua maior capacidade argentaria, mas também com a sua maior exigência de instalação e de diversão e que só lentamente cresce, ou o outro, o médio e popular (incluindo o turismo de férias e o turismo social), com o seu menor poder de compra, mas que geralmente se contenta com alojamentos mais modestos e divertimentos mais elementares e se expande rapidamente?
No Plano de desenvolvimento turístico para o período de 1964-1968, elaborado pelo Secretariado Nacional da Informação, enquanto se prevê para o período de 1965 a 1970 (além das construções em curso nos anos de 1963 e 1964) mais 183 000 camas em hotéis e pensões de luxo e de 1.ª classe (incluindo pousadas), apenas se indicam 47 000 para os hotéis de 2.ª e de 3.ª classes, sem que se incluam quaisquer pensões destas últimas categorias.
Isto indica claramente que os autores do Plano não só preferem o turismo autuai, com a prevalência de 60 por cento dos estabelecimentos de luxo e de 1.ª classe, como desejam até que aquela prevalência aumente, em futuro próximo, para 74 por cento, ficando apenas uma margem residual de 26 por cento para todas as outras classes de alojamento.
Ora isto está, sem dúvida, certo em face dos dados estatísticos que informam o nosso turismo nos últimos dez anos (uma utilização de 60 por cento nos hotéis e pensões de luxo e de 1.ª classe, com uma taxa de ocupação anual de 33 dias para estes e apenas de 26,6 para os estabelecimentos de 2.ª e 3.ª classes).
Mas, à face das realidades do mundo actual e do que se passa noutras nações de mais larga experiência na matéria, terá também visos de certeza?
O Prof. Kraft e o Dr. Michel, no seu Rapport d'Expertise sobre o turismo português, estranhando o alto padrão de vida e o luxo que vieram encontrar nos hotéis do nosso país, perguntam, a certa altura, se os novos hotéis a construir não deverão ter um conforto menos acentuado, certo como é que cada vez é mais frequente a presença do camada de menores recursos no turismo internacional e cada vez mais necessário reduzir o custo de construção para obtenção de maior equilíbrio entre o investimento e

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o rendimento. Este ponto, que reputam essencial para a atracção rio capital, levou-os a recomendarem, sublinhadamente, uma análise das condições de exploração e de rendimento de todos os projectos apresentados.
Mas não suo só estes abalizados pareceres que podem pôr em dúvida o acerto do plano agora elaborado. Os mesmos peritos, ao preconizarem a construção imediata de novas unidades hoteleiras, não colocam estas na área de Lisboa ou do Estoril, que reputam já suficientemente dotadas.
Aconselham a que as mesmas sejam distribuídas por todo o País. e muito especialmente pelas zonas privilegiadas da Madeira e do Algarve, onde reconhecem condições excepcionais para um turismo de permanência em larga escala.
Ora a Madeira está a mais de 500 milhas dos portos do continente e o Algarve, embora se encontre na continuidade da Andaluzia e de toda a costa espanhola mediterrânica, nem por isso deixa de estar em situação extrema da Europa.
Se amanhã ao custo mais elevado da viagem se somar o preço mais subido do hotel, não hesitará o turista menos abonado em transpor a lonjura do Atlântico ou até mesmo as escassas centenas de metros do Guadiana?
Outro aspecto que é preciso ponderar é o da próxima abertura do aeroporto de Faro ao tráfego internacional.
Não sei o que pensa fazer o Governo acerca da sua exploração. Natural é, porém, que siga o exemplo da Espanha, isentando completamente de taxas e de outros embaraços todos os aviões que o demandem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se assim for, dentro de pouco tempo, são os voos fretados, quase sempre organizados por agências de viagens internacionais, a preços relativamente baixos e incluindo a cama e a comida durante a estada, aqueles que, com mais frequência, animarão as pistas daquele campo.
E neste caso ocorre perguntar: serão esses preços compatíveis com os hotéis de luxo e de 1.ª classe?
Sem duvida que o serão em certos casos, mas naqueles em que o não forem, e esses constituirão de certeza a maioria, que faremos nós?
Recusá-los-emos ?
Julgo, meus senhores, que nós não estamos em posição de desperdiçar seja o que for, mas, mesmo que assim fosse, nunca o deveríamos fazer, tal o efeito nefasto que isso traria à propaganda turística do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há ainda outra questão a considerar.
A estimativa prevista para a efectivação deste Plano é de 2 050 000 contos, não entrando nela o melhoramento de praias, dos vestiários, dos bares e das escadas de acesso; a beneficiação das vias de comunicação ou dos meios de transporte, especialmente estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos, e veículos para determinados percursos; a instalação de recintos de diversão ou de desporto, como casinos, piscinas, campos de golf ou de ténis; a compra de terrenos para evitar excessivos agravamentos no custo dos hotéis ou outras obras turísticas a realizar no futuro; os elementos complementares da hotelaria, como sejam os arruamentos, a água, a luz, a segurança e a limpeza; a melhoria das condições de certos atractivos históricos, artísticos ou naturais, tais como monumentos, museus, miradouros, etc.. e outros investimentos com utilidade turística, no número dos quais estão os restaurantes, os estabelecimentos de venda de produtos de artesanato, de lembranças, de artigos fotográficos e de praia, as estações para automóveis, etc.
Tudo quanto o capital particular e o Estado possam, pois, poupar na qualidade sumptuária dos hotéis não poderá reverter a favor desta multidão de infra-estruturas tão intimamente ligadas ao desenvolvimento turístico, ou em benefício de outras modalidades de alojamento que não foram previstas no Plano, tais como motéis, aldeias e campos de férias?
O assunto merece pois ser ponderado não só à luz das estatísticas que representam o passado ou quando muito o presente, mas ainda dos variados factores e das múltiplas exigências do futuro.
Muitas destas infra-estruturas - encontram-se, decerto, já resolvidas.
A luta sem tréguas dos últimos 30 anos por uma vida mais ampla e mais digna tem levado a todo o País melhoramentos sem conta e benefícios sem par.
Ela tem mesmo arrancado, aos domínios do sonho, grandiosas realizações que ontem ainda pareciam atreitas à utopia.
Mas, apesar desse grande esforço, quantas outras se encontram esquecidas ou postergadas?
Quantas, embora delineadas, aguardam a hora e os meios que ainda não chegaram?
Quantas se revelam ultrapassadas ou deturpadas?
Na visão ampliada da panorâmica geral do turismo português há grandes e pequenas coisas que afloram ao pensamento com o seu poder reconfortante ou desanimador provocando inúmeras interrogações.
Assim, quando se sabe já ter sido inaugurada aquela obra-prima da engenharia portuguesa que é a ponte da Arrábida e se conhece que já 14 km de boa auto-estrada a prolongam para o sul; quando se vê rapidamente surgir das profundidades do Tejo e da superfície das suas margens as alterosas torres e os imponentes pilares que hão-de sustentar uma das mais gigantescas passagens rodo e ferroviárias do Mundo e quando se lê que já se entabularam conversações e já se começaram os estudos preliminares de outra grande obra que será a ponte de Vila Real de Santo-António a Alamonte, não se fica logo tentado a traçar no mapa turístico de Portugal a grande rodovia que da fronteira do Minho descerá até Sagres, depois de atravessar as cidades do Porto e de Lisboa, e que de Sagres seguirá na direcção nascente até encontrar o Guadiana?
Quando se percorrem a mais de 100 km à hora e com plena segurança os 25 km da auto-estrada de Vila Franca, não nos ocorre logo a ideia do seu prolongamento até à fronteira do país vizinho, criando assim a grande perpendicular rodoviária que há-de ligar um dia Lisboa às outras capitais da Europa?
Abertas assim estas três largas portas nas fronteiras do Norte, do Centro e do Sul da Espanha, por elas não poderão passar, à vontade e sem perda de tempo, todos os muitos milhões de turistas que a visitam todos os anos?
Quando se tem a informação de que o aeroporto de Faro será, dentro em breve, uma grande e consoladra realidade, para bem não só dos habitantes do Algarve, mas também para todos os que viajam pelo ar e que tantas vezes, impossibilitados pelos nevoeiros do aeroporto de Lisboa, sua escala de destino, vão parar a Madrid ou a Barcelona, contra a sua vontade e contra os seus interesses; quando se experimenta a rapidez e a comodidade dos pequenos aviões ou dos modernos helicópteros e se sabe que são capazes de aterrar em pequenas pistas de terra batida, apenas com 800 m de comprido, ou em simples praças ou parques de estacionamento, que não custam

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fortunas, não se fica logo inquieto por colocar em todas as cidades capitais de distrito ou em todas as estâncias termais ou turísticas do Portugal estes importantes elementos de progresso?
E desde que se tenham essas pequenas pistas e esses pequenos aviões não se notará logo um substancial aumento de passageiros nacionais e estrangeiros nos aeroportos de Pedras Rubras e de Faro e na aerogare de Lisboa, que, reservada então só para o tráfego nacional, parecerá grande e perfeita no seu funcionamento?
Com eles não se deixará de assistir aos bocejos e ao spleen dos estrangeiros nas mesas dos cafés e nos balcões dos bares, por falta de distracção, dando-lhes assim oportunidade de visitarem, rapidamente e quase sem incómodo, os mais variados pontos do País?
Quando se percorre os 32 km da grande praia da Caparica e se experimenta as delícias da sua fina areia, do seu mar e do seu sol, e se fecha os olhos para melhor ver tudo quanto um bom plano de urbanização, que nunca passou dos jornais, poderia ter feito naquele mundo de luz e de cor, em lugar daqueles insípidos arruamentos e daquelas sórdidas barracas tresmalhadas; quando se conhece a península de Tróia e se recorda aquelas maravilhosas enseadas de água azul e aquelas tépidas e macias areias que se estendem por mais de 25 km de boas praias, quase completamente desertas, mas agora, felizmente, reservadas para melhor destino; quando se contempla a ilha de Tavira e se antevêem as suas possibilidades turísticas que emperramentos burocráticos teimam em demorar, não se sente, um misto de tristeza e de alegria - tristeza por tudo quanto até agora se desprezou e retardou e alegria por tudo quanto agora se deseja aproveitar e acelerar?
Quando se visitam as nossas estâncias termais, umas com instalações sumptuosas, outras com instalações mais modestas, mas todas com real valor medicinal, e se nota a falta de interesse e de carinho que lhes votam os próprios Poderes Públicos, quer excluindo-as de qualquer plano de valorização turística, quer negando-lhes benefícios elementares, como seja a estrada Curia-Praia de Mira, que nunca chegou a ser concluída, não se fica penalizado e confundido?
Não se fica com vontade de perguntar se esses estabelecimentos não serão, ainda agora, preciosos instrumentos de cura e de repouso? Se os seus valores urbanos e paisagísticos não constituirão ainda hoje poderosos centros de atracção turística?
Nós fomos sempre assim: embora muito ciosos da nossa terra e do nosso património material e espiritual, nunca soubemos dar o devido apreço àquilo que já temos ou que já se encontra feito.
O caso dos nossos castelos, das nossas igrejas e dos nossos palácios mais antigos, em boa hora salvos da ruína total pela Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, é bem elucidativo.
Não o é menos também o caso dos moinhos.
Portugal é, de longe, o país da Europa que mais moinhos possui.
Contam-se por milhares aqueles que outrora ofereceram à força das águas ou do vento as suas curtas pás ou alcatruzes, ou as suas longas velas ou penais. Pois, apesar de esses graciosos elementos da paisagem constituírem hoje. na Europa, engenhos de reconhecido valor estético e etnográfico e como tais defendidos e acarinhados por todo o mundo culto, Portugal, ao contrário da Holanda, que se ufana há muitos anos dos seus 300 moinhos, ao ponto de usar, por vezes, na sua propaganda turística a legenda «Holanda. País de Moinhos», só agora encontrou no grupo de homens que formam a Associação Portuguesa dos Amigos dos Moinhos quem lhe queira verdadeiramente bem.
E digo quem lhe queira verdadeiramente bem, porque há também quem goste deles para lhes dar os destinos mais caprichosos e diversos ...
E a falta de amor à autenticidade que, aliás, se verifica em muitos outros sectores da vida nacional, quer quando se transforma um castelo numa pousada, quer quando se mobila com estranhos móveis, ingleses, franceses e espanhóis do século XVI, como agora se fez, uma Torre de Belém que devia manter-se exclusiva e genuinamente portuguesa na plenitude da sua simbologia estética e
histórica ...
Sr. Presidente e Srs. Deputados: no rápido bosquejo histórico que atrás foi feito e nas sérias interrogações que se lhe seguiram julgo ter deixado transparecer algo do que são as actuais preferências das correntes turísticas mundiais e algo das condições excepcionais que o nosso país apresenta para as poder satisfazer em toda a sua amplitude. Da realidade dos factos pude assim tirar, ad usum proprium, algumas conclusões que me ajudam a sair da malha intrincada de problemas em que ele se enreda e assim poder resumir, em breves linhas, o que penso sobre o assunto:
Sendo o turismo, além de uma quase necessidade vital dos nossos dias, uma florescente indústria de alta rentabilidade e uma poderosa fonte de divisas, penso que Portugal cometeria um grave erro se, neste momento delicado da sua história em que tão empenhado se encontra na defesa militar e no desenvolvimento económico do seu território, não lhe desse o máximo da sua atenção e das suas possibilidades.
Existindo um turismo externo e um turismo interno e havendo ainda dentro destes sectores várias subdivisões consoante o grau de riqueza e o seu aspecto individual ou social, penso que tudo devemos fazer para captar a simpatia de todos, apetrechando o nosso país não só com hotéis destinados aos mais abastados, mas também aos de menores recursos, que, em compensação, são também os mais numerosos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Havendo uma província no Sul do continente português em natural continuidade geográfica e em idênticas condições climáticas com a região de Espanha que mais preferida é, durante todo o ano, pelos estrangeiros e existindo também, em pleno Atlântico, uma ilha de grande beleza cujo clima excepcional permite que a ponta de frequência turística seja em Fevereiro, e não no mês de Agosto, como em toda a parte, penso que é ao Algarve e à Madeira que se deve dar prioridade nos investimentos dos próximos anos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sabendo que a estimativa dos estabelecimentos de hotelaria previstos para todo o País no Plano de desenvolvimento turístico para 1964-1968 adicionados aos equipamentos complementares (casinos, restaurantes, piscinas, campos de golf, etc.) anda por 3 milhões de contos, quantia que não tem de sair do Orçamento Geral do Estado, mas quase exclusivamente do bolso dos particulares, que apenas receberão daquele facilidades, avales e subsídios recuperáveis pelo Fundo de Turismo, penso que o Plano é perfeitamente exequível, dentro do prazo estipulado, sem que o seu processamento determine qualquer perturbação financeira na banca interna ou na balança de pagamentos, já porque aquela dispõe de abun-

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dantes disponibilidades, já porque os materais e a mão-de-obra a empregar nessa grande empresa são todos, ou quase todos, de origem nacional. Pelo contrário, julgo até que da sua efectivação resultarão imediatamente grandes benefícios de ordem económica para as várias actividades internas que nela participem.
Pelo que respeita a outros investimentos, também essenciais ao turismo, mas que se integram no desenvolvimento económico geral do País (aeroportos, estradas, portos, melhoramentos urbanos, transportes, etc), penso que, a despeito das restrições obrigatórias da hora actual, eles virão a seu tempo, tais como os sonhamos, na sequência lógica das grandes e pequenas obras a que já estamos habituados.
Finalmente, não quero, nem posso, terminar este resumo sem dizer o que penso do turismo nas outras partes da metrópole onde o Sol não aquece a terra com a mesma intensidade com que o faz na Madeira ou no Algarve, mas que, nem por isso, deixam de vestir outras esplendentes galas da Natureza.
O turismo, seja qual for o sítio da metrópole onde se fixe temporária ou permanentemente, em larga escala, nunca poderá dispensar este cosmorama de surpresas que é Portugal.
Nós nunca conseguimos oferecer a qualquer estrangeiro, num só local, distracções bastantes que o prendam e entretenham durante todo o curto período das suas férias.
E na diversidade da nossa paisagem, na traça simples dos nossos povoados, na curiosidade dos nossos usos e costumes e a originalidade dos nossos monumentos que ele irá quebrar a monotonia, sempre igual, das atracções internacionais da dança, da pesca, dos jogos e das piscinas.
Penso, pois que nenhuma região deste país pode deixar de entrar, com as prendas valiosas que Deus lhe deu para o triunfo do turismo em Portugal

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E, para isso, é necessário que prioridade não signifique exclusividade.
Acho bem que o grosso da nossa equipagem turística se espalhe, em densidade, pelas zonas onde gosta de permanecer o visitante. Mas seria imperdoável que se deixasse um ponto culminante da paisagem ou o brio natural de uma cidade sem a pousada ou o abrigo que mais comodamente permitisse a sua contemplação ou sem o restaurante ou o hotel que melhor exemplificasse a sua categoria.
Há um mínimo de coisas que têm de surgir ao mesmo tempo em toda a parte, se queremos que as grandes coisas não morram de tédio em certas partes.
Ao alongar a vista por terras de Portugal, não posso deixar de falar agora sobre as ilhas maravilhosas onde nasci.
Faço-o, não para as exaltar, visto que essa exaltação foi já aqui feita pela vibrante eloquência dos meus ilustres conterrâneos Conselheiro Armando Cândido e Dr. Orneias do Rego, mas sim para revelar a VV. Ex.ªs alguns aspectos do seu turismo.
Os Açores, meus senhores, há muito que vivem envoltos em densa- neblina que não deixa ver nitidamente, ao longe, a beleza sem par que o mar guarda, cioso, no seu seio ...
Poucos são os continentais que os visitam.
Escassos os governantes que os conhecem.
Daí para pouco servirem os brados dos homens que através dos tempos têm gritado as excelsas virtudes da sua.
gente ou a sublime magia nas suas montanhas e das suas lagoas.
No âmago daquele solo instável há vulcões que não dormem, e perigos que não cessam. Mas a terra, à superfície, embora acuse aqui e além a presença constante daqueles monstros, veste-se permanentemente de tais encantos e de tais esperanças que ninguém, ao vê-los, os ,teme ou considera.
No meio daqueles pequenos mundos de exuberante verdura todos vivem fiéis a Deus e à Pátria, certos de que estas grandes forças jamais os abandonarão. E, todavia, quantas decepções e quanta.» amarguras não os vêm surpreender em cada dia ...
Há 31 anos os Açores sonharam também com o turismo.
Um grande entusiasta que a morte roubou há pouco mais de um mês - e que S. Miguel jamais deixará de recordar, com saudade e reconhecimento, como sendo o seu maior amigo -, depois de conhecer as mais belas paisagens do Mundo, abrasou-se por tal forma no amor à sua terra que nunca deixou de a ela se entregar, de corpo e alma, no decorrer de toda a sua tormentosa vida.
Esse homem, que se chamou Augusto Arruda, foi o fundador da Sociedade Terra Nostra, aquela benemérita sociedade que ele, juntamente com o prestigioso Dr. Agnelo Casimiro e o dinâmico Dr. Francisco Bicudo de Medeiros, idealizou em certo dia de 3933 e que a mecénica generosidade de Vasco Bensaúde corporizou com o alento financeiro que ainda hoje mantém.
Essa Sociedade, logo de começo acarinhada também pelos espíritos gentilíssimos do Dr. Silvestre de Almeida, do Dr. Luís Bernardo, do Dr. Francisco Machado dê Faria e Maia e de Albano Pereira da Ponte, iniciou logo a sua acção, edificando nas Furnas - esse mirífico recanto do Paraíso e fabuloso laboratório da mais rica e variada hidrópole minero medicinal do Mundo- um belo e confortável hotel, adquirindo e salvando da ruína total a que estava condenado um dos mais sumptuosos parques da Europa, erguendo um bom casino e construindo um dos mais encantadores campos de golf que se conhecem.
Em Ponta Delgada inaugurou também um bureau de turismo, adaptou uma casa a hotel e abriu uma loja com oficina de artefactos regionais. Mais tarde construiu também na ilha de Santa Maria outro hotel, com mais de 100 quartos, que passou a prestar grandes serviços ao seu aeroporto.
E depois de todos estes arrojados e valiosos empreendimentos quedou-se à espera dos turistas.
E os turistas nunca chegaram, e nunca chegam porque também nunca melhoraram as carreiras, com horários deficientes, dos paquetes das ilhas, nem nunca apareceu em S. Miguel aeroporto capaz de receber um simples e convencional avião médio de passageiros. O próprio acesso às Furnas só ao fim de 29 anos viu asfaltado ou empedrado o último troço da estrada que ligava a cidade àquele povoado.
Por outro lado, a extraordinária estância termal, que conhecera, um século antes, vida intensa e prestigiosa, fora quase abandonada, e assim todo esse dispendioso apetrechamento turístico só não ficou completamente inerte e inútil porque raros naturais o passaram a utilizar na roda do ano e em número mais expressivo durante o mês de Agosto.
Os resultados económicos da. exploração não puderam ser outros senão estes: 30 000 contos de prejuízos após 30 anos de vida estóica, só capazes de serem suportados por alguém que tivesse e tenha tão grande a alma como o cofre ...
Passado todo esto tempo, os Açores, com as suas nove ilhas, todas igualmente formosas, mas todas diferentes no

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seu tamanho e na sua topografia, chegaram aos nossos dias desencantados e quase totalmente desesperançados do turismo.
A última guerra, com todas as suas destruições e horrores, havia deixado, no arquipélago, dois grandes benefícios: o aeroporto das Lajes, na fidalga e central ilha Terceira, que continuou em aeródromo militar, afecto às forças americanas (e, portanto, encerrado à aviação comercial, com excepção dos aviões da S. A. T. A.), e o aeroporto de Santa Maria, na pequena e extrema ilha do mesmo nome, que passou a aeródromo civil. Porém, em S. Miguel - ilha maior, de mais vastos recursos económicos e populacionais e também de mais excepcionais e variadas belezas naturais - uma pequena pista relvada, aberta ao lado de próximos o perigosos montes, ficou a assinalar a presença militar dos Portugueses durante essa guerra.
Com tão precário aeroporto, nunca foram aconselháveis outros aviões que não fossem os pequenos Dover de oito lugares que fazem, parte da frota da S. A. T. A., e estes, em número sómente de dois (e quase sempre com um em reparação ou fora do serviço por falta de piloto), só com muita dificuldade e muito espírito de sacrifício das suas tripulações conseguem dar vazão ao tráfego intenso de passageiros e emigrantes que se verifica entre Santa Maria e S. Miguel e entre Santa Maria e Terceira.
Nestas condições, e sem mais nada haver, de aviação, nas restantes ilhas, nunca foi possível transportar turistas por via aérea, e portanto fazer turismo aéreo, nos Açores.
Ás comunicações marítimas, por sua vez, não só nunca facilitaram, como se disse atrás, a resolução dos problemas por outra via, como ainda agora, com a entrada ao serviço do magnífico paquete Funchal, em que todos os açorianos punham tão grandes quanto baldadas esperanças, se mostram pioradas.
Dantes os Açores tinham duas carreiras quinzenais, equitativamente espaçadas, cujos barcos percorriam quase todas as ilhas, demorando-se quase um dia inteiro em cada capital de distrito.
Agora o Funchal vai aos Açores uma só vez por mês, como o antigo Lima, mas à distância de uma semana apenas do Carvalho Araújo, e visitando sómente Ponta Delgada, Horta e Angra do Heroísmo, com demora de umas escassas horas nestes dois últimos portos.
Com estas deficientíssimas comunicações aéreas e marítimas não se apresenta brilhante o futuro turístico dos Açores.
E é pena. É pena porque muitas das infra-estruturas que lhe faltavam há ainda poucos anos estão concluídas ou em vias de solução.
Assim, o porto de Ponta Delgada, que já era bom em qualquer parte, está a ser ampliado e melhorado pela N. A. T. O., devendo dentro de um ano ficar apto à atracação dos maiores navios e entrar na categoria de terceiro porto da metrópole.
As estradas nacionais, que eram de terra poeirenta e cheias de covas, estão quase todas alcatroadas e perfeitamente aptas ao trânsito automóvel.
O aeroporto de S. Miguel conta já com os 10 000 contos necessários para a compra dos terrenos que o hão-de localizar em sítio mais desafogado e amplo, começando imediatamente a sua construção logo que se acabem as expropriações em curso.
O aeroporto do Faial tem já orçados 2000 contos para o estudo inicial do seu projecto, devendo ser uma realidade logo após a conclusão do de S. Miguel.
E a própria Graciosa e as Mores, segundo me disse há poucos dias o Sr. Ministro das Comunicações, vão ter as suas pistas nas mesmas condições das outras ilhas.
A estação termal das Furnas, que durante tantos anos esteve incapacitada de prestar os seus serviços em boas condições, encontra-se já amplamente remodelada e apta a desempenhar a sua função.
A Terceira, que nenhum alojamento possuía, tem já em construção um hotel de 40 quartos, em Angra do Heroísmo, e uma estalagem de 6 quatros na Serreta.
S. Miguel, que tinha apenas o Hotel das Furnas, com 37 quartos, e o pequeno Hotel Terra Nostra, de Ponta Delgada, com 17 quartos, além de um outro lindo hotel em Ponta Delgada, completamente equipado, mas que nunca abriu por motivos que todos desconhecem, tem actualmente o novo Hotel do Infante, com 39 quartos, impropriamente classificado de 1.ª classe-B (em lugar do Terra Nostra, que fechou), e já aprovada pelo S. N. L a sua primeira estalagem, que será em breve construída junto às encantadoras lagoas das Sete Cidades, na península que o Sr. António de Medeiros e Almeida ofereceu há alguns anos para esse fim.
E claro que o problema hoteleiro dos Açores, mesmo para esta fase de escasso turismo, está muito longe de ser satisfatório.
Em Santa Maria, onde chegam regularmente da América e do Canadá alguns aviões de longo curso (embora em muito menor número que antes da era do avião a jacto) e agora semanalmente o Caravelle da T. A. P., várias são as vezes que Hotel de Santa Maria, apesar dos seus 107 quartos, é insuficiente, sobretudo quando a chegada ou a partida dos luso-americanos saudosistas (turismo que aos Açores muito interessa conservar) se faz em grande número.
Um hotel de 2.ª ou de 3.ª classe, ou uma pensão de 1.ª ou de 2.ª classe, em moldes simples e económicos e com o maior número possível de quartos e perto do aeroporto, torna-se indispensável e urgente.
Além disso, uma pequena estalagem em S. Lourenço, semelhante à simples e atraente que o atilado director do aeroporto construiu, com comparticipação da Câmara, no sítio da Praia, e mais um pequeno abrigo no Miradouro dos Picos, são aspirações a deferir.
Em S. Miguel, onde a população flutuante já tem algum valor e onde as consultas para a visita de grupos de 100 e 200 turistas europeus, em aviões fretados, começa a ser frequente, torna-se imperiosa não só a remodelação e a ampliação para 100 quartos do Hotel do Infante, cujas deficiências são manifestas, mas ainda a construção de um novo hotel residencial de 100 a 200 quartos na cidade de Ponta Delgada.
Também já estão sendo muito solicitados alojamentos simples, do tipo pequeno hotel ou motel, junto às praias, a fim de os cultores da pesca submarina (tão celebrada já, internacionalmente, naquelas paragens, pela abundância e variedade das espécies ideológicas e pela cristalina transparência das águas do mar) aí se poderem acomodar.
Necessários são também amplos abrigos na vista do Bei das Sete Cidades, no alto da lagoa do Fogo e na serra da Tronqueira.
Na Terceira, onde já se fez referência ao hotel e à estalagem em construção, cujas lotações nos parecem todavia pequenas e antieconómicas, carece-se ainda de um pequeno hotel de 2.ª classe ou de uma nova estalagem com mais de 20 quartos na Vila da Praia da Vitória e de abrigos no monte Brasil, na serra de Santa Bárbara e no Paul da Praia.
Na cidade da Horta, onde não há nenhum hotel, é indispensável construir um, pelo menos com 40 quartos, para apoio do seu futuro aeroporto e do seu movimento de forasteiros.

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Nas outras ilhas, onde se pensa também estabelecer dentro em breve aeroportos, também se deve ir já pensando nas estalagens que as devem servir.
Cito, pormenorizadamente, algumas das necessidades mais instantes do sector hoteleiro dos Açores para se poder ver quão. modestas são as suas aspirações, no momento actual, e quanto nos doeria se, na altura própria em que surgisse qualquer particular disposto à resolução de algum destes problemas mais prementes ou urgentes, o valioso auxílio da Caixa Nacional de Crédito ou do Fundo de Turismo fosse negado.
No entretanto, bom é que- s(c) repita que é no grave problema dos transportes, tanto aéreos como marítimos, que se encontra o óbice principal do desenvolvimento turístico dos Açores.
Sem que o Funchal passe a ir, pelo menos, duas vezes por mês a estas ilhas durante o Verão, isto é, de Junho a Setembro, e sem que o Cedros seja devolvido do auxílio que foi prestar à Madeira, de forma a restabelecer a regularidade e a frequência das viagens de cabotagem dos Açores (fim para que foi construído), fraca será a ajuda que do mar pode vir ao turismo açoriano.
Sem que o novo aeroporto de S. Miguel se conclua e sem que aviões de maior capacidade possam fazer rapidamente o transbordo dos passageiros que a Santa Maria cheguem nos grandes jactos, reduzida ou nula será a contribuição do ar no turismo desta ilha.
Sem que outros aeródromos surjam nas outras ilhas, facilitando a visita das suas particularidades mais notáveis, sem as demoras e os perigos que o deficiente apetrechamento dos seus portos agora ocasiona, poucas serão sempre as probabilidades de tornar o turismo extensivo a todo o arquipélago.
No rol das dificuldades expostas e de muitas outras que a escassez do tempo não me permite enumerar, há ainda dois factores perniciosos ao turismo açoriano, que desejo destacar e que é indispensável eliminar imediatamente: as taxas de utilização do aeroporto de Santa Maria, que são dupas das de Lisboa, e os vistos nos passaportes que aqui se deixaram, há muito, de exigir, mas que lá ainda persistem, não sei se para evitar que os estrangeiros se percam ou diluam na «grandeza» das ilhas, se para obstar, propositadamente, a que lá cheguem ...
Sr. Presidente e Srs. Deputados: na brilhante exposição pública que S. Ex.ª o Sr. Subsecretário da Presidência do Conselho fez no dia 7 de Janeiro do ano corrente a definir a política de turismo há um período que todos os açorianos devem guardar na memória e reter no coração. É aquele em que S. Ex.ª diz:

A terminar este capítulo sobre o turismo de passagem direi que, para certa classe de turismo, os nossos itinerários turísticos não podem esquecer as maravilhosas ilhas dos Açores, onde a progressiva melhoria das comunicações completará um quadro de altos atractivos cuja exploração se tem de fomentar.

Assim se exprimiu a reflectida inteligência do Sr. Dr. Paulo Rodrigues quando abordou o vasto assunto que agora se discute.
Para tranquilidade completa do meu espírito eu sou, porém, mais ambicioso. Desejo que S. Ex.ª aceite o convite que daqui reverentemente lhe dirijo, em nome de todos os meus conterrâneos, para que visite, ainda este ano, os Açores.
«Para se amar é preciso conhecer».
E eu estou certo de que depois de S. Ex.ª conhecer, de facto, aquelas ilhas, todos os açorianos passarão a encontrar no Sr. Dr. Paulo Rodrigues não apenas o homem estudioso e justo, que ora dá o melhor da sua atenção aos problemas do turismo nacional, mas o amigo sincero e devotado que os ajudará a retirar do olvido um dos mais preciosos tesouros de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: para mim é sempre muito agradável poder intervir em debates que de algum modo possam fazer recordar a real presença de Angola no conjunto nacional. Acorri, por isso, ao aliciante debate suscitado pelo aviso prévio formulado pelo ilustre Deputado Dr. Nunes Barata. Antes, porém, que entre na matéria, seja-me consentido aproveitar a oportunidade para prestar ao ilustre Deputado avisante a modesta homenagem do meu respeito e da minha admiração pelo seu saber, pelo seu infatigável labor e pela sua real dedicação aos temas e problemas de âmbito nacional, como tão brilhantemente tem patenteado nesta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada venho trazer de novo ao assunto que tanto apaixona o ilustre Deputado avisante, apenas porque foi seu mérito tê-lo tratado exaustivamente. Apenas tentarei alargar os horizontes de certos panoramas já focados, não ultrapassando, contudo, o âmbito das generalidades, quanto às possibilidades por Angola oferecidas ao turismo.
Não sou propenso a viajar. Muito dado ao sedentarismo, sou amigo do meu cantinho, que me conserva inalterável a paz do espírito; não me perturba a consciência; não desperta ciúmes ou invejas, nem me dá ensanchas para cobiçar ou maldizer o que Deus abençoou na terra alheia. Contudo, não sou ostra, nem homem atrasado ou retrógado.
Compreendo e anseio pela intercomunicação dos povos de todas as raças e nações para um conhecimento mútuo mais perfeito, a fim de que desse conhecimento resulte mais fácil a aceitação da maneira de ser de cada um e mais facilmente nos possamos respeitar.
Em matéria de turismo, prefiro ser visitado do que visitar. Mas para receber visitas é preciso, no entanto, ter a casa preparada, em ordem a satisfazer os hábitos e exigências dos visitantes.
E a gente da casa deve saber comportar-se cortesmente, praticando com o mesmo à-vontade com que respira as boas maneiras, e preocupar-se com o bom arranjo e limpeza dos filhos para que não vão aparecer aos visitantes sujos, descalços, andrajosos e pedinchões.
Por isso o turismo atingiu foros de ciência e arte fundidas de tal modo que exige de todos quantos a ele se dedicam ou por ele são afectados uma gama de conhecimentos que, não sendo complexos, se tornam complexos por exigirem a atenção constante para um sem-número de minuciosidades de que só um profundo entendimento e longa prática podem dar uma boa percepção. E ciência, para criar as condições, organizar e orientar; e arte, para atrair e dispor bem.
Desta maneira, o turismo tem de obedecer a solicitações, imposições e provocações fie várias ordens e ori-

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gens. Até onde o meu entendimento alcança, posso discriminar, segundo as razões, algumas modalidades de turismo: emocional, espiritual, económico e oficial.
No turismo emocional, ou desportivo, considero a caça, a pesca, a caça submarina e o montanhismo. Excepção feita a este, são modalidades que têm irreprimíveis atractivos em Angola; mas não devemos fazer, por enquanto, muito alarde, para. que não deitemos tudo a perder por falta de conveniente organização.
No turbino espiritual agrupo o recreativo, propriamente dito ou divagante - o do homem que passeia por passear, sem outra finalidade que não seja a de ver e observar e divertir-se com o que lhe agrade e apareça no momento-, o sedativo ou repousante e o cívico, ou educativo. Este último, como adiante exporei, é o que, em meu modo de entender, mais deve preocupar as entidades oficiais, se bem que não seja de qualidade rentável.
O turismo económico, ou comercial, é o do homem que não pára, em busca de melhores meios de comprar, produzir e vender sempre mais e melhor. São os turistas deste tipo os observadores mais argutos e os críticos mais rigorosos e exigentes. Andando em viagem de negócios, como dizem, tudo vêem, nada lhes escapa, tudo anotam o tudo comentam. São os mais activos elementos de propaganda de um país e, também, aqueles que, para viajar, entendem que todas as oportunidades são boas, contanto que ... o negócio mande viajar.
Com esta gente todo o cuidado é pouco; por isso, não pode haver desleixos em nenhum aspecto do arranjo da nossa casa e da compostura das pessoas. E resta-nos o turismo oficial, que pode assumir aspectos políticos e culturais - muitas vezes a encobrir propósitos de espionagem ou para comerem a isca e ... largarem o anzol.
Evidentemente que esta classificação é puramente de ordem pessoal, feita a priori e portanto, sem pretensão nem jeito académico.
De todas as modalidades de turismo que enunciei, uma há, de sentido endógeno, que, a par das outras, deva ser praticada com especial interesse e carinho. Refiro-me ao turismo cívico ou educativo. Julgo ser este o melhor meio para dar a conhecer aos Portugueses o Portugal ultramarino.
E, para todos nós, uma vergonha que enormíssima legião de nacionais, residentes na metrópole e que se situam em todas as classes, desconheçam o nosso ultramar.
Até não se registaria o caso grotesco de não serem aqui conhecidos do grande público os frutos tropicais que não entram na categoria de silvestres: a papaia ou mamão, a manga, o abacate, as anonas (sape-sape, fruta-pinha, fruta-conde), a goiaiba, a pitanga, o abacate, etc. E se fosse- a referir-me aos frutos silvestres, a ignorância até abrangeria muitos dos que se dizem profundos conhecedores de coisas dó ultramar e dão cartas e sentenças em qualquer lado.
Ainda hoje há pessoas em terras desta metrópole que ao verem um português negro ficam espantadas e incapazes de dominar a sua surpresa.
A uma senhora das minhas relações, funcionária do Estado, que aqui veio gozar as suas férias, uma pobre mulher tocou-lhe com um dedo no braço e passou-o rapidamente pelo seu a ver se deixava algum ferrete. E, como não deixou, fez um gesto convicto com a cabeça em sinal de afirmação, dizendo à outra- gente que cercava a senhora - é, é!
A senhora, foi impotente, à vista de tão ingénua ignorância, para reprimir uma risada, franca. Mas foi isso motivo para nova admiração e de comentário, a meia voz, de umas para as outras: «Ah! Que dentes tão branquinhos ela tem!».
Outro caso, que até parece anedota: aquando da eclosão do terrorismo em Angola, a imprensa noticiava que as operações militares de repressão se tornavam morosas e difíceis devido à densidade do capim, onde se acoitavam os terroristas para fazerem emboscadas. Tanto bastou para que certo senhor, com grau universitário, ao encontrar, casualmente, um antigo condiscípulo que viera a Lisboa em serviço oficial, falando da guerra de Angola, perguntasse ao amigo recém-chegado: «Ora, tu, que vens de lá, é que vaia explicar-me: o que vem a ser essa coisa do capim que tanto favorece os terroristas?» Resposta pronta do amigo: «Isso não tem explicação, só visto. Olha! Vai para lá pastar e já ficarás a saber o que é o capim».
Ora, penso que, a primeira tarefa dos serviços nacionais de turismo é a organização sistemática de grandes excursões do proletariado rural e das cidades, das classes média e estudantil às terras do ultramar, mais para obterem um conhecimento prático da grandeza e riqueza de Portugal e contactarem com a população negra, confraternizando com ela, como filhos da mesma Pátria, que são, do que, propriamente, para verem e admirarem novas paisagens. E deveriam ser essas excursões organizadas de tal modo que os excursionistas, logo que postos os pés em terra africana, ficassem totalmente entregues apenas aos cuidados da gente de cor que em tudo os guiaria em cumprimento do programa previamente estabelecido.
O metropolitano não pode continuar a desembarcar em solo pátrio de além-mar e olhar para o seu compatriota negro como se este fossa um bicho, e não filho de Deus é seu irmão em Cristo, como ele é.
Da acção militar que vem sendo desenvolvida em Angola alguma coisa mais do que desgraçados mulatos há-de ficar, embora não seja de esperar muito, dadas as condições psicológicas em que, para lá vão, resultantes de velhas e erradas concepções, e o estado de espírito em que têm de actuar.
E deixemo-nos de «lugares ao sol», de férias na Caparica, colónias de férias de quejandas iniciativas, aliás de muito louváveis intuitos, mas sem grandeza de horizontes, acanhadas, muito «pires» e dissonantes de nossa posição no Mundo.
Estabeleça-se, com o objectivo que preconizo, um intercâmbio de trabalhadores, funcionários, estudantes e militares, com a colaboração do Estado e de todas as forças vivas da Nação, e asseguro que o êxito será absoluto e os resultados incalculáveis.
E o dinheiro será, assim, mais bem gasto do que aquele que vem sendo consumido numa propaganda e com uns cavalheiros que por mais que gritem nos seus países - se gritarem- não colherão vontades nem votos que possam influir em qualquer procedimento decisivo a nosso favor nos organismos internacionais em que se discute e joga a sorte e destino das nações. Pode servir, quando muito, para ganharmos, na ordem pessoal, alguns amigos; mas de nada servirá para nos assegurarmos do que é nosso.
Podem, por boa etiqueta, não desfeitear o anzol depois de comidas as custosíssimas iscas; mas também não serão capazes de desfeitear quem nos hostiliza. Tenho ilusões, porque sempre entendi os factos diferentemente do comum das pessoas que neles pensam. E pouco sei. Mas sei o suficiente para estar convencido de que o que é de Portugal só com portugueses se defende e garante.
Este desiderato, porém, só o conseguiremos com o supremo esforço de tornar permeáveis e interpenetráveis aos

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14 DE MARÇO DE 1964 3663

cérebros de negros e de brancos a realidade de uma igualdade de cidadania sem reticências e o necessário e conveniente entendimento do orgulho de ser português.
Sr. Presidente: o entusiasmo desviou-me um pouco da matéria. Creio, porém, que o desvio não foi despiciendo nem displicente. Mas volto ao ponto.
O nosso ultramar, mais concretamente Angola, tem atractivos de todos os matizes. Mas temos de reconhecer que não satisfaz a todas as modalidades de turismo. Angola está mais apta a corresponder às ambições dos emocionais, daqueles que lá chegam em busca de sensações e emoções fortes nas aventuras cinegéticas.
Além do gigantesco trabalho de urbanização que, incessantemente, vem sendo realizado através de todo o território com vista ao aumento, sempre crescente, dos índices de civilização e de progresso, pouco mais temos de oferecer, a não ser aquilo com que Deus bafejou aquelas terras: a natureza adusta e forte a clamar por homens inteligentes, activos e empreendedores que a afeiçoem e tornem acolhedora e atraente e, em cada dia, despertem nos que a ela se entregaram novas razões de apego e de orgulho.
Há ali muitas belezas naturais, como em todos os cantos da Terra. Mas, se não realizámos ainda o suficiente para comodidade dos que estão, não podemos alimentar a ilusão de que já podemos atrair turistas para puro turismo.
São enormes as distâncias a percorrer para, de Luanda, ir contemplar as quedas do Duque de Bragança, a 600 km, ou as da Onguéria, a 1076 km, ou as do Ruacaná, a 1400 km. Nos percursos, em pontos que ofereçam panoramas de deslumbramento, nada existe que proporcione e facilite uma curta demora. É tudo um desafio à resistência do viandante.
O turismo político e cultural, únicas modalidades para que o organismo oficial que lá existe está preparado, com a ajuda dos serviços de transportes aéreos da província, corresponde satisfatoriamente aos objectivos. Mas não são ainda as modalidades que mais interessa explorar. Para já, restam-nos os turistas que buscam as tais emoções fortes na caça ou na pesca. Aqui, sim. Aqui é que Angola lhes oferece aspectos e situações inolvidáveis.
A caça ao leão, ao rinoceronte, ao elefante, à palanca, etc., é maravilha que os protagonistas recordarão toda a vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ir às reservas de caça da Cameia, no Moxico, a 1200 km de Luanda, ou da Quissama, mais perto, mas ainda a 136 km, com passagem do rio Cuanza em jangada, e contemplar, embevecido, o mais surpreendente mostruário de espécies animais - a dar-nos uma visão do princípio do Mundo como em nenhuma outra região do globo, excepção feita a Moçambique e União Sul-Africana - que será possível a um mortal observar, é privilégio reservado apenas a turistas acompanhados de uma boa caderneta de cheques ou beneficiados pela protecção que lhes concede um convite oficial.
Sr. Presidente: vem todo este discretear para fazer crer que o turismo em Angola ainda não nasceu.
O turismo começa como um pequeno regato à saída da nascente: crescerá, aumentará de volume, se alcançar no seu percurso bons e abundantes tributários. Se os não tiver, atrofia-se, perde-se, e nada chega a fertilizar.
E não há dúvida de que Angola tem. boas nascentes, mas faltam-lhe, por enquanto, os tributários: e os mais decisivos tributários, mesmo para aqueles que se disponham a fazer turismo recreativo e sedativo, são os casinos, a música, o jogo e ... o resto.
Mas o resto surge como os cogumelos: com a chuva, que é o conjunto dos tributários que forem encaminhados para aguentar e desenvolver o turismo, que não é mais do que o coroamento de uma administração consciente de ter realizado as elementares condições de progresso das populações. Angola está, pois. tentando entrar na fase de balbuciar turismo.
Considerado o estado de perturbação que afecta os povos de todo b continente africano, Angola não poderá contar com turismo desta origem, apenas lhe restando o da Europa e das Américas. Este será ainda muito mais reduzido, por acessível apenas a escassas minorias, se não for estimulado e protegido, atendendo ao seu carácter transoceânico.
Pouco se conhece das organizações dadas à acção turística em Angola. Tem diante de si uma grande obra a realizar. Será pena que seja cometida a curiosos ignorantes e sem prática, porque será condenar ao descrédito e abandono uma das melhores zonas de turismo de Portugal.
Penso que o mais importante, para início de um trabalho sério, é que a Junta Autónoma de Estradas, único organismo que está- realizando trabalho digno de encómio, active o seu programa de construção da rede rodoviária da província; que, simultaneamente e com a cooperação da mesma Junta, uma comissão constituída por técnicos urbanistas, paisagistas, de belas-artes e de engenheiros estude, defina e guarneça alguns circuitos turísticos e localize as etapas dos itinerários; que em cada etapa se façam as construções que forem indicadas pelos técnicos, como sejam hotéis e pousadas destinados à satisfação do tríplice objectivo - repouso, caça e pesca; que nos principais centros do litoral sejam construídos hotéis e casinos com dancings e salas de jogo, pois o jogo é um dos vícios fatais da humanidade com que também se deve jogar para atrair os que com ele se alegram e sentem bem.
Assim, tenhamos a certeza de que b turismo em Angola não será privilégio dos bafejados pela fortuna, podendo vir a ser acessível aos menos ricos.
E então poderemos ver turistas nacionais e estrangeiros cruzando as estradas de Angola em busca de sensações que em nenhum outro ponto do globo experimentarão, quer para gozarem as delícias do lago Dilolo, em Vila Teixeira de Sousa, o maior de Angola, quer para admirarem os animais silvestres nas reservas naturais da Cameia ou da Quissama, quer para irem ao Alto Zambeze em busca do macaco-azul ou de peles de lontra, quer para se maravilharem ante as quedas do rio Luena, em Vila Luso, do Ruacaná, no rio Cunene, ou as do rio Lucala, em Duque de Bragança, quer ainda para admirarem no seu habitat a Welwitschia mirabilis, essa estranha espécie do reino vegetal que só existe no deserto de Moçâmedes. e aqui ver disparar em debandada zebras, avestruzes e cabras-de-leque.
Finalizando e resumindo: só com boas estradas, bons hotéis, boas pousadas, bons casinos, bons transportes terrestres, fluviais e marítimo-fosteiros, poderemos coutar com o advento da era do turismo em Angola.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para encerrar o debate, o Sr. Deputado Nunes Barata.

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3664 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 145

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: quando, em Janeiro de 1968, requeri ao Governo elementos relacionados com a política do turismo em Portugal e, em Abril do mesmo ano, mandei para a Mesa da Assembleia Nacional a nota de aviso prévio que originou o debate que agora se encerra, estava convencido da grande importância do turismo para o desenvolvimento do. País. Uma coisa, contudo, me escapara: a dimensão do interesse e da consciência do público relativamente à oportunidade de tamanho problema.
As mensagens, cartas, exposições ou telegramas que chegaram, às minhas mãos, as pessoas que me procuraram, a curiosidade que rodeou o debate, foram, na minha obscura experiência de Deputado, algo de surpreendente e de reconfortante.
É por isso que tendo começado a efectivação deste aviso prévio com uma palavra de homenagem a quantos - Deputados, jornalistas, homens de governo ou simples funcionários, homens de negócios ou modestos cidadãos amantes do progresso e da beleza das suas terras - se têm preocupado com os problemas do turismo em Portugal, eu desejaria igualmente encerrar o debate com uma palavra de gratidão.
Agradecimento antes de tudo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, cujo espírito delicado e humano mais uma vez me prodigalizou uma atenção e carinho de que não sou merecedor, mas de que benefício por mercê das virtudes de V. Ex.ª
Reconhecimento ainda ao ilustre Orador pela compreensão e ajuda que mais uma vez me dispensou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que dizer a todos os colegas que honraram esta tribuna com a sua palavra entusiástica e eloquente?
O meu sentimento perturba-se no recordar as expressões tão gentis com que bondosamente me distinguiram e a minha razão ilumina-se nos seus depoimentos esclarecidos.
E como todos cantaram esta amorável terra de Portugal, é com a voz deste povo, a que também pertenço, que lhes desejo retorquir:
Bem hajam! Bem hajam!
Seria ainda injusto esquecer u imprensa. A simpatia com que acolheu o debate e os largos espaços que lhe dedicou, tudo se integra, em meu modesto juízo, nos propósitos que. sempre tem evidenciado de defender o progresso de Portugal e a justiça e o bem-estar entre todos os portugueses.
Sr. Presidente: creio que poucas vezes um debate tão generalizado (quatro dezenas de oradores) terá tido tão grande unanimidade, de opiniões, relativamente ao esquema desenvolvido no aviso prévio e às conclusões então apresentadas. Se este facto me congratula, liberta-me, por outro lado, do penoso trabalho de refutar posições contraditórias.
Pois que dissemos nós?
Afirmámos, e creio termos provado, além do mais, o seguinte:

A importância cultural, social e económica do turismo no mundo moderno;
O extraordinário incremento nas correntes turísticas da Europa:
O sucesso especial dos países da Europa do Mediterrâneo, ou seja daqueles em que os condicionalismos geográficos, étnicos, sociais e económicos mais se aproximam dos de Portugal:
A necessidade do nosso país, perante a saturação de outros territórios e dadas as potencialidades que usufrui, de jogar a sua oportunidade, de se lançar com decisão na batalha do turismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E todas as terras de Portugal, do Alinho a Macau, trouxeram aqui o seu contributo particular, proclamando a excelência dos seus dotes, a aptidão de um destino que ainda em matéria turística pode realizar-se com o slogan de sempre: unidade na diversidade, complementaridade no aproveitamento conjunto.
As minhas últimas palavras vão para o Governo.
Apresentamos à consideração da Câmara uma moção. Se esta for aprovada, esperamos que o Governo a compreenda dentro de um espírito de colaboração que se revela nos propósitos de ganhar uma batalha cujas repercussões no próprio futuro do País poderão ser incalculáveis. Não se trata apenas de abrir Portugal ao conhecimento dos outros povos, e com tal gesto reafirmar o espírito que sempre nos animou de solidariedade e de paz, mas ainda de cimentar uma prosperidade económico-social indispensável ao sucesso das batalhas que nos forçarão a travar no futuro.
É, pois, animado por tal espírito que tenho a honra, em meu nome e dos outros colegas que a subscrevem, de enviar para a Mesa a seguinte

Moção

"A Assembleia Nacional, tendo em conta o debate suscitado pelo aviso prévio sobre turismo, verifica a larga projecção cultural, económica e social deste sector de actividade e reconhecendo o esforço desenvolvido pelo Governo e pela iniciativa privada nesta matéria, formula o desejo de que esse esforço prossiga, tendo em vista os seguintes propósitos:

a) A reorganização dos serviços centrais de turismo, proporcionando-lhes uma estrutura compatível com a sua importância e projecção;
b) A coordenação dos vários serviços públicos - directa ou indirectamente ligados ao turismo -, de forma a evitar conflitos de competência, duplicações de esforços ou desperdícios de actuação;
c) A revisão da competência, estrutura c âmbito territorial dos órgãos locais de turismo, cuidando ainda da sua mais perfeita coordenação no âmbito regional e da sua mais eficaz ligação aos serviços centrais;
d) A elaboração de um plano nacional de fomento turístico, integrado por planos regionais, onde se designem os seus objectivos e equacionem os meios indispensáveis à sua realização;
e) O apoio, estímulo e valorização das actividades privadas que se ocupam do turismo;
f) O recurso ao apoio externo e à colaboração internacional em matéria de assistência técnica e financeira e processos de publicidade e atracção de turistas;
g) O desenvolvimento das possibilidades turísticas das províncias ultramarinas, considerando ainda o intercâmbio das populações residentes nos vários territórios portugueses e o aproveitamento conjunto das potencialidades destes territórios para a atracção turística.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 13 de Março de 1964. - Os Deputados: José Fernando Nunes Barata -

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D. Custódia Lopes - António Manuel Gonçalves Rapazote - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - António Santos da Cunha - Manuel Nunes Fernandes - James Pinto Bull - Jerónimo Henriques Jorge - Carlos Coelho - Jorge Augusto Correia.»

Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a moção que acaba de ser apresentada e lida.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados pede a palavra sobre a moção, vou submetê-la à votação.
Submetida à votação foi aprovada.

O Sr. Sebastião Ramires: - Requeiro que fique exarado na acta que a moção foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª
Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na terça-feira, dia 17 do corrente, tendo por ordem do dia a discussão das Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Marques Fernandes.
Armando José Perdigão.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Coelho.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Rocha Cardoso.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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