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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 146
ANO DE 1964 18 DE MARÇO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 146 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 17 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid 0liveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 143, o qual insere o relatório da Junta do Credito Público referente ao ano de 1962.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 143, 144 e 145 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para os efeitos do disposto n.º § 3.º do artigo 100.º da Constituição, foi recebido na Mesa o Diário do Governo n.º 60, 1.ª série que insere o Decreto-Lei n.º 43 609.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Valente de Carvalho, para se referir ao 3.º aniversário da eclosão dos acontecimentos em Angola: Cardoso de Matos, sobra o mesmo assunto; Armando Cândido, acerca da recente inauguração numa cidade da Califórnia de um monumento que simboliza o emigrante português, a Pinto Carneiro, para um requerimento.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão das Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Credito Público referentes ao ano de 1962.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo, Virgílio Crus, Augusto Simões e Manuel João Correia.
O Sr. Presidente, encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa para efeitos de reclamação os Diários das Sessões n.ºs 140, 144 e 145, respeitantes às sessões de [...] do corrente.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deduz qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
A aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Sousa Rosal sobre política algarvia;
A apoiar as palavras do Sr. Deputado Júlio Evangelista acerca de problemas do ensino no distrito de Viana do Castelo:
De congratulação com as afirmações do Sr. Deputado Gonçalves Rapazote no decorrer do debate sobre turismo nacional;
A apoiar as afirmações do Sr. Deputado Sales Loureiro sobre a situação do pessoal da Intendência-Geral dos Abastecimentos;
A aplaudir as palavras do Sr. Deputado Baptista Felgueiras sobre o turismo nacional.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 60, 1.ª série, de 11 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 45 609, que suspende, até 31 de Dezembro de 1964, o pagamento do imposto de minas liquidado à Companhia Mineira do Norte de Portugal, S.A.B.L., pelas minas de que é concessionária no continente e que se encontra por pagar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Valente de Carvalho.
O Sr. Valente de Carvalho: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: passou no dia 15 do corrente mais um aniversário - o terceiro - em que hordas de assassinos, a maior parte vindos de fora, aterrorizaram algumas zonas do Norte de Angola, fazendo, com os mais baixos e odiosos processos, vítimas entre portugueses indefesos, e tudo, enfim, em nome de uma independência que o próprio nativo não sonha, nem quer ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... porque no íntimo sente bem que passaria a ser escravo de uns mandões que se arvoraram em libertadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foram dias de luto para a alma portuguesa e sobretudo de glória para aqueles, ao princípio bem poucos, que, com as poucas armas que possuíam, com a ajuda de Deus, salvaram a honra e a fazenda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Logo seus irmãos, por notável decisão do chefe, acorreram de pronto da metrópole e em Maio - Junho seguinte detiveram e aniquilaram essa horda de malfeitores.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Paz e orações pelos mortos; glória aos vivos.
Vozes:- Muito bem!
O Orador:- Para nós Portugueses, foi uma lição, pois verificámos quem são os amigos, os falsos amigos e os inimigos ...
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - ... apesar do inúmeros tratados e convenções.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Passaram-se três anos e durante este lapso de tempo continua-se - ó céus! -, apesar de tanta visita ao nosso ultramar de entidades estrangeiras oficiais e particulares, jornalistas, etc., a ler na grande imprensa estrangeira, grande na publicidade, como grande na falta de carácter e desvergonha ...
Vozes:- Muito bem!
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O Orador: - ... mentiras sobre mentiras, falsidades sobre falsidades, propositadas deturpações, procurando criar em volta deste bom povo um clima de déspotas e bárbaros, esquecendo o que nos seus países se faz em matéria de discriminação e barbarismo, em que se atropelam as leis que os regem, a bem do que esses senhores chamam - democracia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Meditemos sobre o que se passou e se está passando e confessemos o nosso erro e boa fé, erro, sim, em crermos de mais nos outros de fora e boa fé em sermos brandos de mais com alguns cá de dentro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Governantes e governados, todos no íntimo, sentimos que estamos em estado de guerra, pois não nos parece que as nossas tropas, espelho de uma nação gloriosa de séculos, andem a fazer turismo por terras do ultramar português, parecendo não termos a coragem de dizer alto e bom som que realmente o estamos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se pune devidamente quem publica livros derrotistas, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... não se modificam leis tornando-as repressoras a bem da salvação nacional, pois é desta que se trata neste momento tão grave, fazem-se manifestações públicas estudantis ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... precisamente nesta data, na presença de alguns milhares de estrangeiros que actualmente se encontram entre nós, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... manifestações a pretexto de se querer comemorar uma data de carácter muito duvidoso, e não se vê uma reacção violenta e salutar da grande maioria estudantil, que, graças a Deus, tão bem tem vinculado o amor pátrio, contra uma minoria organizada, todos nós sabemos por quem, e, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... nas quais manifestações nem ora preciso a intervenção da polícia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O seu sentimento pátrio não os faz corar do vergonha?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que dirão os nossos companheiros de armas, civis e militares, que se batem, se mantêm vigilantes nessas parcelas tão portuguesas como o é a metrópole? Que dirão, repito, destes actos tão nefandos praticados nesta Lisboa, cabeça e cérebro de uma retaguarda que nós queremos, e precisamos, seja muito unida?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que nos importa, meus senhores, que na ONU reparem, e mesmo, maldosamente, como sempre afinal, critiquem as justas medidas que nós somos obrigados a tomar se em face de todas as justificações e longos discursos tão esclarecedores, quer do nosso ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros, quer dos nossos delegados a essa malfadada Organização, as não convence, e de propósito, lhes não convém serem esclarecidos, permitindo-se, até, a receber e ouvir traidores e impedir que falem lídimos representantes de Goa?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vivemos horas duras, que só se conseguem viver com a nossa tenacidade e extremo sacrifício, quer em vidas que nos são preciosas, quer em erário nacional, tão necessário para criar riqueza e bem-estar, e é por isso meus senhores que, nós, Portugueses, temos de vive-las abstraindo de egoísmos, interesses individuais e comodidades, labutando e concorrendo para que a vida de todos se tome mais fácil dentro dos condicionamentos que nos são impostos, para que haja menos ricos e menos pobres, pois a deficiência de vida cria mal-estar e, consequentemente, desunião.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pensei intervir no aviso prévio sobro II crise da agricultura, da autoria do nosso ilustre colega engenheiro agrónomo Amaral Neto, permitindo-me falar em nome do consumidor, já que tinham falado o grande e o médio lavrador, suponho, o grande e médio industrial, e ainda, se não me engano, alguns ilustres colegas com profissões liberais.
Aproveito este momento para ligeiramente o fazer.
Assim, para que haja união, é necessário que haja entendimento, e, para que este se verifique, imperioso é que governantes actuem com oportunidade, para o que lhes não faltará veemente apoio, e governados se sacrifiquem um pouco em benefício dos que os servem, e, honradamente trabalhem, bem entendido, pois trabalho eficiente é fonte de riqueza que a todos beneficia, concorrendo assim para o bem-estar de todos.
Publiquem-se leis ou decretos, como queiram, que eliminem radicalmente essa horda de intermediários que na maior parte das vezes nem chegam sequer a ver a mercadoria com que transaccionam e que são verdadeiros criminosos de uma pátria que sangra no sangue de seus filhos que se batem em defesa da sua imortalidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Concluo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por dizer ser minha convicção, que só poderá haver forte união e perfeito entendimento entre todos os portugueses dignos deste nome, se nos dispusermos a repelir das nossas fileiros quem não merecer sequer pisar uma polegadade terreno que nós pisamos, quer por ideias contra a Pátria, quer, ainda, pela ganância desmedida e criminosa, como seja, por exemplo, que se está agora desvendando com a venda e consequente compra de carnes impróprias para consumo.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Procedendo assim, podemos garantir aos nossos irmãos de além-mar que vibramos com eles, e vivemos com eles, todos unidos em volta dos nossos lídimos chefes, as horas que eles estão vivendo.
Andemos depressa, pois branduras e fraquezas podem-nos ser fatais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: em tintas de indelével luto registam as nossas efemérides que - faz agora precisamente três anos - o dia 15 de Março de 1961 se ensombrou de infinita tristeza nas almas dos Portugueses, atónitos ante o sopro de insânia que assolou as terras do Norte de Angola, numa onda de terrificante barbárie, de louca e cega violência, de insuspeítado quão injustificado ódio, que imolou a um pérfido ídolo vidas de pacíficos obreiros de uma civilização de tolerância e de bondade.
Três anos se passaram sem que diminuísse de horror a apocalíptica visão de corpos humanos trucidados com selvático e atroz requinte, em meio a campos depredados, casas devastadas e caminhos desventrados - amostras de uma hediondez que desafiou a credulidade e assombrou o Mundo. Imagens de tanta desolação e dor para todo o sempre se fixam na retina de quem, desditosamente, lhes foi presente. Por muito balsâmico que o tempo seja, a vida de um homem não dura o suficiente para que ele se liberte de tão tristes e hórridas recordações.
No desenrolar retrospectivo dessa hecatombe, lembramos os seus primórdios, que poderiam ter servido de aviso a consciências menos tranquilas e confiantes: a insubordinação em Luanda, e as primeiras vítimas entre os mantenedores da ordem pública, traiçoeiramente atacados a coberto da escuridão, surpreendidos em merecido descanso depois do dever cumprido.
Sr. Presidente: que me seja perdoada a pungente recordação de tão dolorosos momentos e relevada a intenção da merecida homenagem que presto a todos os que, na defesa dos ideais que nos transcendem, brutalmente foram subtraídos à vida depois de martirizados - sem motivo e sem razão, mas gloriosamente.
Que o sacrifício não foi inútil, demonstra-o cabalmente o caminho percorrido desde então.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Passado o choque inicial, vencida a natural perturbação dos primeiros dias, logo veio o cerrar de fileiras, o irmanar de vontades, o conjunto de esforços para se superarem todas as dificuldades. Reagindo e improvisando onde tudo faltava, o homem simples, o homem pacífico, soube erguer-se à altura dos heróis e impor a razão do seu querer e da sua justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em admirável e abnegada epopeia o pequeno português permanece inflexível no seu destino; mantém-se fiel aos seus antepassados; não ouve os conselhos dos mais fortes e fica tenazmente onde outros fugiriam alarmados. Foi essa coragem, foi esse heroísmo, que tornaram mais rápida a recuperação que se seguiu e o progresso que se fez sentir no caminho da normalização, que todos almejamos e confiamos seja alcançada.
Relembrando esses dias maus, esses tempos mais negros da vida de Angola, presto homenagem aos que nela pereceram, aos que por ela lutaram e lutam, aos que por ela deram e dão o sangue e a vida, aos que por ela se sacrificaram e sacrificam, sem distinção de cores e credos:
A esses bravos civis, que pelas estradas e nas suas fazendas arriscam continuamente a vida;
A esse admirável corpo de voluntários, símbolo de um querer que não esmorece;
Aos nossos bravos soldados, que continuam a escrever páginas de uma história que é o nosso orgulho;
Enfim, a todos os que, servindo o mesmo ideal, unidos na mesma fé de uma Pátria imorredoura e una, se sacrificam, lutam e morrem para que essa Pátria continue.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: no dia 15, ou seja no domingo último, foi inaugurado na cidade de S. Leandro, no estado norte-americano da Califórnia, um monumento ao imigrante português. Trabalhado em pedra lioz, por Numidico Bessone, escultor micaelense, o padrão reafirma o talento do ,seu autor. A figura do imigrante é rija e dominadora e recorta-se numa proa altaneira, lembrando essas que desembaraçaram as distâncias de enigmas terríveis.
Notável simbolismo este, que exprime a tenaz generosidade do nosso povo.
Faltava a legenda. Uma nação que possui Os dispõe de um tesouro de legendas:
Eram de várias terras conduzidos,
Deixando a Pátria amada e próprios lares.
Na quarta parte nova os campos ara;
E, se mais mundo houvera, lá chegara.
Não poderiam ter escolhido melhor. A palavra de Camões é a voz de um crédito inesgotável. Tanto, que nada mais seria preciso acrescentar se a homenagem prestada ao imigrante português na América do Norte, além da sublimidade que a distingue, não tivesse, neste momento, um especial significado.
Afeito à sucessão de horizontes na caminhada para os horizontes que a sua ânsia busca, o Português, esteja onde estiver, exemplifica a virtude de conviver e trabalhar em paz. Mas existem ainda norte-americanos que teimam em não reconhecer essa virtude e a legitimidade dos direitos dela emergentes. Pior ainda se atentarmos na sua visão prejudicada por ideias utópicas acerca da liberdade e independência dos povos, que julgam poder ser objecto de artificialismos criadores, ou simplesmente pautados à régua e a cálculo por interesses antitéticos das realidades, e se repararmos em que os Estados Unidos da América, através da sua política externa, estão adensando à sua volta uma chusma de inimigos potenciais, que no instante decisivo lhes negarão o seu apoio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Valerá, pois, aproveitar todos os ensejos para mostrar a nossa verdade, acontecendo mesmo que nem sequer necessitamos agora de chamar a atenção para as características do nosso todo nacional.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Consultem os Norte-Americanos a sua história.
Quanto vale a dádiva dos nossos navegadores que velejaram até ao Novo Mundo? E os braços dos nossos emigrantes?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quantas terras por eles fecundadas? Criámos, porventura, algum problema de convivência? Não soubemos e não sabemos estimar todas as raças e com elas tratar como os bons irmãos entre si? Em que conceito são tidos esses portugueses, aos milhares, que deram a sua vida pela América do Norte, batendo-se a seu lado, para a ajudarem a crescer e sustentar o seu poderio? Quanto valem, essas provas de dedicação estreme? Quanto vale o labor português na construção do grande país detentor da maior força entre as forças do Ocidente?
Algumas autoridades norte-americanas assistiram à inauguração do monumento ao imigrante português, precisamente na Califórnia, onde os Portugueses tomaram parte muito activa no povoamento e enriquecimento do solo. Que essa hora tenha sido uma hora de convicção total, susceptível de influenciar a mentalidade daqueles que teimam em desconhecer as razões que nos levam a defender as nossas fronteiras de além-mar.
A própria data em que o monumento foi inaugurado - 15 de Março - recorda a sinistra agressão desencadeada há três anos no Norte de Angola contra gente pacífica e desprevenida, cujo martírio parece ter impressionado menos algumas consciências do que a bárbara conduta dos assassinos que o causaram.
A data dessa inauguração bem pode servir de réplica aos desmandos de uma opinião pública viciada por mentiras arvoradas em argumentos. O que o imigrante português demonstrou, e está demonstrado na América do Norte, como factor de paz, de trabalho e de progresso, é o mesmo que o Português tem demonstrado e continua a demonstrar em sua casa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por aí se deverá chegar à conclusão do que Portugal é uma realidade que se impõe tal como é, repartido e unido pela afirmação do mesmo génio e pela força do mesmo destino.
Por isso, e por tudo, se muitas vezes temos prestado as mais francas homenagens aos nossos emigrantes, agora, que na América do Norte foi erguido o monumento que os consagra, glorifiquemos aqui o seu espírito, galardoando-o com o nosso mais grato respeito e a nossa mais profunda admiração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eles também lutam pela nossa sobrevivência em trincheiras rasgadas em terra estranha, mas guarnecidas por corações que guardam e servem o nome de Portugal. E como, guardando e servindo Portugal, nunca deixaram de contribuir com largueza e leais propósitos para o engrandecimento do país em que vivem, justo é que este os recompense e louve, pondo-se ao lado da justiça que se lhes deve ao afirmarem, como afirmam, que a sua pátria não é para ser diminuída.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
"Ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, através do Ministério das Comunicações, me sejam fornecidas, com a possível brevidade, as seguintes informações:
1) Quantos veículos automóveis, com discriminação expressa- das três categorias de ligeiros, pesados e motociclos, se encontravam registados na respectiva Conservatória em 31 de Dezembro de 1963?
2) Quantas licenças, devidamente discriminadas, de automóveis de aluguer, de transporte particular e colectivo, estavam concedidas na mesma data?
3) Ainda com referência à mesma data, quantos requerimentos para concessão de novas licenças de automóveis de transporte das três categorias referidas na alínea anterior se encontravam pendentes no Ministério das Comunicações?
4) Qual a data de entrada dos dez requerimentos mais antigos que aguardam despacho?
5) Quantos autos de transgressão ao Código da Estrada foram levantados pela Polícia de Viação e Trânsito no ano de 1963 e nos dois primeiros meses de 1964?
6) Quantas reclamações desses autos deram entrada na Direcção-Geral de Transportes Terrestres e quantas foram atendidas?
7) Ainda com referência ao ano de 1963, quantos autos de transgressão ao Código da Estrada foram enviados a tribunal e quantos, em juízo, foram julgados improcedentes?".
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1962.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: se as ocupações e o trabalho fazem passar rapidamente o tempo na vida dos povos, certo é, igualmente, que o cumprimento dos mais árduos deveres colectivos e o sentido das responsabilidades que lhe é inerente contribuem para que, particularmente em épocas difíceis, o tempo também decorra vertiginosamente na vida dos povos.
Parece que foi ontem que na Assembleia Nacional se apreciaram as Contas Gerais do Estado e quase outro ano é decorrido mas em que nada se alterou: nem os princípios fundamentais que informam a acção do Estado, nem o firme propósito da Nação de resistir e de vencer todos os perigos que ameaçam não só os seus interesses mas também a sua unidade política e a sua própria sobrevivência histórica.
A publicação periódica das Contas Gerais do Estado e a sua apreciação regular por esta Câmara correspondem ao cumprimento de preceitos constitucionais e integram-se numa política financeira verdadeira e sã, que o País se habituou a considerar como a realização fundamental e basilar da administração pública da nossa época e mercê
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da qual foi possível reconstituir e reestruturar todos os sectores da vida portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi essa política de equilíbrio, de unidade e de universalidade orçamentais, de prontidão e regularidade das contas, de sanidade monetária, de afectação da dívida pública ao desempenho das suas funções normais, que permitiu reconquistar a confiança interna e o crédito externo, satisfazer necessidades inadiáveis doa povos, realizar um conjunto notável de obras e trabalhos no sector público, lançar, por fim, os planos de fomento.
Estávamos na execução plena de verdadeiros empreendimentos de carácter nacional, na metrópole e no ultramar, quando uma guerra traiçoeira procurou levantar contra Portugal povos e regiões que sempre viveram, confiada e pacificamente, à sombra tutelar e protectora da nossa bandeira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E mais uma vez foi a estrutura financeira e o sólido crédito interno e externo do País, o volume das reservas que garantem a estabilidade e o valor da moeda, a possibilidade de desviar avultadas somas provenientes da cobrança de receitas ordinárias para cobrir despesas militares e de recorrer ao crédito externo para empreendimentos de carácter reprodutivo, que permitiram a Nação fazer face às duras e pesadas contingências da hora presente.
Os que durante anos censuraram a rigidez da nossa administração financeira, o extremo apego aos princípios, o cuidado em preservar a moeda, o receio exagerado de recorrei à dívida flutuante e às emissões monetárias, devem agora reconhecer que a batalha das finanças, ganha internamente, foi a condição fundamental para se poder fazer face a todas as outras batalhas que nos impuseram no plano externo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sem a vitória da primeira teríamos ficado vencidos na primeira escaramuça.
Também se apontou o crédito externo como meio fácil da obtenção de fundos e recursos e a circunstância de, tantas vezes, ter sido concedido a prazos que não se orientavam pelas regras inflexíveis que dominavam a vida financeira portuguesa.
Pois ainda neste aspecto os factos vieram dar razão aos que teimosamente se mantinham fiéis à linha fundamental de uma política que estava na base e na origem de todo um processo de renovação nacional.
Em Novembro último foram assinados em Washington os dois primeiros contratos de empréstimos feitos pelo Banco Mundial destinados ao financiamento de empresas privadas portuguesas.
Pois o Banco Mundial, ao estabelecer as condições preferenciais na concessão dos empréstimos que lhe são solicitados, não atende apenas u existência no país que pretende beneficiar do crédito daquele organismo de programas coordenados de desenvolvimento. Exige também que se verifique uma situação de estabilidade financeira, assegurada mediante uma sã política monetária, creditícia e fiscal; que o serviço financeiro dos empréstimos não comprometa, no exterior, a capacidade de pagamentos do país beneficiário; que esteja- garantida a solvência real deste, e para a avaliação da qual o Banco Mundial toma em consideração, entre outros factores, os recursos disponíveis daquele e a sua conduta no cumprimento das obrigações decorrentes da sua dívida externa.
E foi por que o Banco Mundial entendeu que Portugal preenchia essas condições que lhe foram outorgados os créditos já referidos. Este facto confirma, por si, todo o alcance de uma política financeira, demonstra os seus benefícios internos e externos, projecta em toda a sua grandeza a personalidade do estadista que a. concebeu e executou e também os méritos dos que tiveram depois - e há nesta Casa quem pertence, a esse número - o honroso encargo de a manter e continuar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: todos os anos a comissão parlamentar de contas da Assembleia Nacional emite o seu parecer sobre as Contas Gerais do Estado, do qual é relator o Sr. Eng.º Araújo Correia, que, mais uma vez, apresentou um trabalho notável e em que são focados os aspectos dominantes da vida nacional através da evolução da economia e das finanças do País e da actividade de diversos sectores governativos.
O que o País compra lá fora e ò que vende, o montante e a composição dos impostos directos e indirectos, a enumeração das taxas e das diversas receitas públicas, a descrição das tarefas que respeitam a cada um dos Ministérios e a actividade dos seus principais serviços, os problemas da energia, do crédito, da coordenação das actividades, do desenvolvimento económico, para citar apenas alguns, encontram-se ali focados com uma erudição, uma objectividade e um espírito crítico de sentido profundamente construtivo que, dignificando altamente o seu autor, muito honram também esta Assembleia.
Mereceram especial interesse ao ilustre relator das Contas os assuntos respeitantes ao comércio externo, como factor importante da balança geral de pagamentos.
A balança comercial do País foi, em 1962, fortemente deficitária. A metrópole importou nesse ano 4 505 000 t de produtos, no valor de 16 863 000 contos. As exportações foram de 2 638 0001, no valor de 10 551 000 contos, o que equivale a um deficit na balança comercial de cerca de 6 300000 contos. Em 1963 as importações quase atingiram os 5 milhões de toneladas, no valor de 18 716 000 contos. As exportações totalizaram perto de 3 milhões de toneladas, no valor de 11 985 000 contos, o que equivale a um saldo negativo na balança comercial metropolitana de cerca de 6 700 000 contos, ou seja 400 000 contos superior ao de 1962.
Destes números se conclui que, apesar do progresso verificado no nosso comércio de exportação, que subiu 300 000 t em volume e perto de 1 milhão e meio de contos em valor relativamente ao ano de 1962, esse acréscimo não foi bastante para contrabalançar o ascendente movimento de importação que se vem registando nos últimos anos, em consequência da pressão de factores de diversa natureza.
Devo esclarecer que os números que citei incluem o comércio com o ultramar. Nas trocas com o estrangeiro, em 1963, as importações foram de 16 126 000 contos e as exportações de 9 124 000 contos, o que dá lugar a um desequilíbrio da ordem dos 7 milhões de contos, ou seja quase meio milhão de contos superior ao verificado em 1962.
Em 1963 os países estrangeiros figuram com 86,2 por cento do valor das mercadorias importadas na metrópole e as nossas províncias ultramarinas com 13,8 por cento.
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Na exportação, corresponde ao estrangeiro uma percentagem de 76 por cento e ao ultramar 24 por cento.
Foi fortemente deficitário na Europa em 1963 o nosso comércio com a Alemanha (cerca de 2 milhões de contos), com o Reino Unido (quase 1 milhão de contos), com a França (perto também de 1 milhão de contos), com a Suíça (mais de 400 000 contos), com a Holanda (também mais de 400 000 contos), com a Bélgica - Luxemburgo (cerca de 350 000 contos).
Poucos foram os países da Europa relativamente aos quais apresentámos uma balança comercial favorável. Podemos citar a Dinamarca, que nos vendeu 102 000 contos, e para a qual exportámos produtos no valor aproximado de 260 000 contos. Com a Espanha mantivemos um movimento de trocas equilibrado. Quanto ao ultramar português, as importações totalizaram 2 588 000 contos e as exportações 2 861 000 contos.
Fora da Europa, foi com os Estados Unidos que mantivemos maior movimento de trocas comerciais. Em números redondos comprámo-lhes em 1963 cerca de 1 700000 contos de produtos e vendemo-lhes 1 400 000 contos, ou seja, cerca de 12 por cento das nossas exportações totais. E, a seguir da Inglaterra, o primeiro mercado de produtos portugueses.
O Brasil, apesar das afinidades que o ligam a Portugal e em virtude, em parte, de terem os dois países, sob certos aspectos, economias paralelas, continuou, no último ano, infelizmente, a ter fraquíssima posição no nosso movimento geral de trocas. A sua percentagem, quer nas nossas importações, quer nas exportações, não foi além de 0,5 por cento. Para os países para além da cortina de ferro exportámos produtos no valor de 180 000 contos. As importações totalizaram 130 000 contos.
Os pareceres sobre as Contas Gerais do Estado há anos que vêm exprimindo as suas inquietações perante este desequilíbrio da nossa balança de comércio.
E toda uma gama de mercadorias que contribui para o volume das importações metropolitanas: matérias-primas, máquinas, equipamentos, géneros alimentares, combustíveis, artigos de luxo e artigos de primeira necessidade, da mais variada origem, figuram nas nossas estatísticas de importação, que nos dão a conhecer não só o que se compra lá fora, mas também verificar o que é essencial e o que é supérfluo, o que se destina directamente ao consumo e o que tem por fim alimentar e criar novas fontes de produção de riqueza.
As rubricas mais importantes da nossa estatística de importação, em 1963, são as relativas a máquinas e aparelhos industriais, eléctricos e não eléctricos, num total de 3330000 contos. Pesaram também fortemente no comércio metropolitano de importação as compras de algodão em rama (1328000 contos), de ferro em bruto e semi-trabalhado (quase 1 milhão de contos), automóveis (também cerca de 1 milhão de contos), oleaginosas (526000 contos), gasóleo, fuel-oil e lubrificantes (546000 contos), carvões minerais (328000 contos), fio de fibras têxteis sintéticas ou artificiais comuns (358 000 contos), embarcações de propulsão mecânica, incluindo a aquisição do petroleiro Inago e do navio misto Beira (277 000 contos).
A aquisição de produtos necessários à subsistência pública continuou a pesar também fortemente na balança comercial metropolitana do ano findo: 475 000 contos de açúcar, proveniente felizmente na sua quase totalidade de Moçambique e Angola; 377 000 contos de trigo, dos Estadas Unidos - e ainda da - França, Argentina, etc; 158 000 contos de milho, quase todo de Angola; 136 000 contos de batata, 100 000 contos de arroz, 205 000 contos de bacalhau. A importação de carne e miudezas de animais, importadas principalmente da Argentina, França e Angola, que atingiu os 150 000 contos.
A ascensão social, melhores condições de vida, a rádio e a televisão, a máquina, substituindo o braço e o cérebro humano, a própria transformação nos processos de vida doméstica pela introdução de produtos alimentares de fácil preparação, tudo isso contribui para o aumento vultoso das importações. Em 1963 a importação de aparelhos de televisão atingiu 104 000 contos, a de rádios 6000 contos, a de relógios de algibeira 33 000 contos, a de brinquedos o brinquedo de 20 000 contos, a de máquinas de calcular 25 000 contos, a de preparados para a obtenção de caldos e sopas quase 22 000 contos. A importação de peças separadas de automóveis, motocicletas, etc., ascendeu a 168 000 contos.
A defesa da saúde, a aplicação de novas terapêuticas, também se reflecte na balança comercial.
A importação de medicamentos e antibióticos em 1963 excedeu 300 000 contos e a de aparelhos e instrumentos para medicina e cirurgia e raios X 25 000 contos.
No nosso comércio de exportação de 1963, como no de 1962, destacam-se, pelo seu valor, a cortiça em bruto e em obra, com 1 670 000 contos, as conservas de peixe, com 1 105 000 contos, os tecidos de algodão, com cerca de 1 milhão de contos, os vinhos, com 876 000 contos, as madeiras, com 561 000 contos, os fios e cordas de sisal, com 410 000 contos, o pez, com 390 000 contos. Só estes sete produtos, alguns dos quais não são de grande essencialidade, como os vinhos e outros sujeitos à concorrência de produtos sintéticos, como as cortiças, correspondem a cerca de 50 por cento da exportação total metropolitana.
Os outros 50 por cento são constituídos por uma enorme gama de produtos, que vão desde as máquinas, superfosfatos, fios de algodão, cimentos, pasta química para fabrico de papel, às pirites, aos mármores, às frutas, às conservas, às perfumarias, aos bordados, às redes para pesca, às louças, a produtos de artesanato, que correspondem ao conjunto das grandes e pequenas actividades de uma nação que na capital e na província, nas cidades e nas aldeias, no campo e na oficina, continua a revelar qualidades extraordinárias de perseverança, de habilidade e de trabalho.
Anoto, com compreensível desvanecimento, que os bordados da Madeira continuam a figurar entre os produtos portugueses cuja exportação anual excede os 100 000 contos.
Ao referir a posição do nosso comércio externo a propósito das Contas Gerais do Estado quero chamar a atenção do Governo para dois pontos. O primeiro é que não se compreende que se continuem a cobrar ainda direitos de exportação, nomeadamente sobre os produtos que têm de vencer uma forte concorrência, em preço e. qualidade, de produtos congéneres. O segundo é que, tendo-se estabelecido novos critérios de tributação que abrangem todas as actividades produtivas do País e aquelas, portanto, que procuram valorizar o nosso comércio externo, desejo formular o voto de que a aplicação da nova reforma se faça com a equidade e com a compreensão que estão na sua base, de maneira a que o arbítrio e o propósito de arrecadar receita se não sobreponham à justiça e à realidade. Daqui apelo, neste sentido, para o alto espírito do Sr. Ministro das Finanças e para a competência e boa vontade sempre reveladas pelo director-geral das Contribuições e Impostos, no momento em que acabam de reunir em Lisboa os que têm a pesada responsabilidade, de executar a reforma fiscal e que espero tenham ficado devidamente esclarecidas não só acerca do seu sentido mas também do modo e dos processos através dos quais deve ser aplicada, nomeadamente nos primeiros tempos da sua execução.
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O valor dos produtos da terra e do mar no conjunto das exportações portuguesas denota por si a importância destes sectores no conjunto da economia nacional.
Várias vezes na Assembleia Nacional e ainda recentemente durante o debate suscitado pelo aviso prévio do Sr. Eng.º Amaral Neto, mais uma vez se insistiu na necessidade do planeamento agrícola e no aproveitamento dos recursos regionais do País, como condição indispensável à obtenção de mais altos níveis de crescimento e de exportação. E num dos dois notáveis artigos que recentemente publicou no Diário de Notícias, o Sr. Dr. Ulisses Cortês escreveu que "a situação mundial impõe, pois, novas formas- de relações entre os povos e uma revisão de valores, em óptica adequada à escala planetária dos problemas. Mas exige também o regresso a algumas noções fundamentais, a fim de que a bruma das ilusões não obscureça a evidência das realidades". E definia, assim, essas - noções "sem industrialização não há progresso, mas sem uma agricultura vigorosa e ao há também sociedades prósperas nem economias equilibradas".
O Sr. Eng.º Araújo Correia no seu parecer alude, como altamente, prejudicial ao desenvolvimento económico, à desmedida concentração geográfica das indústrias e comércios do nosso país.
E cita estes números elucidativos: em 1962, num total de 1 305 000 contos de cobrança de contribuição industrial, couberam a Lisboa 658 000 contos e ao Porto 246 000 contos. O resto, como diz, pouco conta. Há casos como Bragança, Portalegre e Vila Real em que a contribuição industrial não atinge 10 000 contos.
Há necessidade, portanto, de conciliar as teorias do crescimento com as teorias da localização económica. As políticas de expansão de natureza global agravaram, em certos casos, as disparidades regionais. Conforme se afirmou num relatório apresentado em Março do ano passado no congresso dos economistas de língua francesa, a experiência demonstrou terem carácter limitado e serem mesmo incompatíveis com as políticas de expansão as medidas tradicionais de natureza redistributivo tendentes a atenuar as disparidades regionais através de medidas de segurança, social operando num plano espacial em favor das regiões menos favorecidas. Rapidamente se deu conta que tais políticas só atenuavam o mal sem o suprimir. Os factos todos os dias comprovam que na medida em que os Poderes Públicos se orientam no sentido da planificação económica, não se podem desinteressar das diversidades regionais, pelo que devem ser integradas em soluções harmónicas e gerais.
Sr. Presidente, no conjunto da economia portuguesa há que considerar cada vez mais o valor do comércio das nossas províncias ultramarinas e a profunda interdependência do todas as parcelas do território nacional. Angola importou no período Janeiro - Setembro do ano passado perto de 3 milhões de mercadorias, tendo a sua exportação ultrapassado os 3 300 000 contos, dos quais cerca de 21 por cento para a metrópole, Moçambique, no mesmo período, importou cerca de 8 milhões de contos e exportou 2 milhões de contos de produtos, dos quais 32 por cento para o território metropolitano.
Para se fazer uma ideia da importância de alguns produtos no comércio daquelas províncias bastará referir, por exemplo, que Angola exportou nos três primeiros trimestres de 1963 perto de 1 300 000 contos de café em grão, quase 600 000 contos de diamantes, 400 000 contos de sisal. Em Moçambique, no mesmo período, as exportações de algodão em rama ultrapassaram 300 000 contos, as de castanha de caju 240 000 contos, as de açúcar de cana 200 000 contos.
São cifras que alinham pelas mais importantes exportações metropolitanas.
Tem sido sempre o comércio metropolitano e ultramarino factor de primordial importância no conjunto da balança de pagamentos do País. Em 1962, apesar do forte saldo negativo do comércio externo metropolitano, a balança de pagamentos do País apresentou um saldo positivo da ordem dos 3 200-000 contos e que excedeu os deficits verificados em 1960 e 1961.
Segundo o relatório do Banco de Portugal que acaba de ser publicado, em 1963 foi negativo no 1.º semestre o saldo da balança geral de pagamentos, mas, no 2.º semestre, ter-se-á operado uma recuperação considerável, a avaliar pelo comportamento da balança de operações cambiais daquele Banco, o qual conduziu a um saldo positivo final de 1 143 000 contos.
Aquele relatório, que constitui sempre um precioso elemento de estudo e informação sobre a conjuntura económica interna e externa, aponta como factores mais ponderosos da contracção do excedente global da balança geral de pagamentos da zona do escudo entre 1962 e 1963:
a) O agravamento sensível do deficit comercial da metrópole, conjugando-se com uma nova descida do excedente das províncias ultramarinas, ou uma recuperação inferior à que seria de esperar em face da procura internacional de certos produtos;
b) A contracção do saldo da balança de operações do capitais, devido principalmente não só a uma quebra no saldo das operações a longo prazo do sector público, mas também aos movimentos de créditos comerciais e outras operações a curto prazo do sector privado.
Haverá aumentado, muito provavelmente, o saldo positivo da balança de invisíveis correntes ria metrópole, na sequência da expansão das entradas de divisas por "Turismo" e "Transferências privadas", tal como terá subido ainda o excedente das operações de capitais privados a longo prazo. Mas a balança de invisíveis correntes das províncias ultramarinas não apresentou, certamente, de 1962 para 1963 melhoria tão nítida como um ano antes.
Sr. Presidente: Portugal neste momento coopera com outras nações no movimento gradual de integração económica que a Associação Europeia do Comércio Livre procura atingir, em ritmo até mais acelerado daquele que estava originariamente previsto. E, internamente, prossegue também fins de integração económica ao estabelecei-as condições, necessárias, através de numerosas providências e de uma legislação vasta e complexa, para que seja uma realidade o espaço económico português, abrangendo todas as parcelas do seu território na diversidade das suas populações, das suas economias e dos seus recursos.
No plano externo, em 1962, tanto a Associação do Comércio Livre como as nações do Mercado Comum continuaram a realizar os objectivos definidos, respectivamente, na Convenção de Estocolmo e no Tratado de Roma, embora prosseguissem negociações tendentes à associação ou fusão dos dois blocos de países em vista ao reforço da unidade, da economia e da solidariedade europeias.
As nações que vieram a subscrever a Convenção do Estocolmo eram bem diferentes na sua estrutura económica, nos seus níveis de desenvolvimento e até na sua. língua. Mas a sua aversão à existência de órgãos supranacionais, à obrigação de harmonização das suas políticas internas e ao estabelecimento de tarifas externas comuns fez com que não aderissem aos termos do tratado que es-
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tabeleceu II Comunidade Económica Europeia. Mas o que as separou do conjunto uniu-as numa outra associação, que, embora tendo também objectivos de expansão e desenvolvimento económico, procurava realizá-los através de processos mais simples e empíricos.
A criação de órgãos supranacionais afigurou-se então como contrária à noção de soberania. A harmonização de políticas interno-fiscais monetárias, sociais, etc. - imposta por razões de ordem exterior -, não pareceu também politicamente viável.
E criar uma tarifa externa comum seria correr o risco, em alguns países, não só de se modificar rotas tradicionais de comércio e de tráfego mas também de se alterarem certos níveis de preços com reflexo no consumo interno e na diminuição no poder de concorrência nos mercados exteriores.
O que caracteriza a Convenção de Estocolmo é precisamente o seu carácter pragmático, a ausência de detalhes em muitas matérias, o propósito de resolver os problemas à medida que vão surgindo mais pela cooperação do que por imperativo de forças institucionais.
Não impediu o carácter próprio da Associação Europeia de Comércio Livres que em 1962 se tivessem realizado negociações aturadas para a fusão ou associação dos dois blocos. Apesar das suas objecções à constituição de uma união aduaneira, os países signatários da Convenção de Estocolmo transigiram largamente nesta matéria, e, quando tudo parecia encaminhar-se para se dar um passo decisivo no caminho da completa integração económica europeia, eis que o veto francês, no princípio do ano último, fez ruir ano e meio de esperanças e perspectivas.
Mas, facto curioso, quando se julgava a Associação Europeia de Comércio Livre uma organização prestes a desaparecer, eis que a súbita interrupção das negociações de Bruxelas deu novo vigor aos seus objectivos, e logo na reunião de Maio de 1963, realizada em Lisboa, não só se resolveu adiantar de três anos o programa da desmobilização aduaneira mas também traçar uma política de mais acentuada cooperação, destinada principalmente a ajudar os países de economia agrária ou de menor desenvolvimento industrial, por forma a atingirem mais altos níveis de rendimento e de produtividade. Isto não só no interesse desses países mas também no interesse da própria Associação.
Estamos, assim, em face de dois fortes movimentos de integração económica europeia que, por caminhos diversos, procuram atingir objectivos comuns.
A Associação Europeia de Comércio Livre, de que Portugal faz parte, corresponde a um mercado de 95 milhões de consumidores.
Os países que a compõem têm um volume de exportações que em 1962 quase igualou a dos Estados Unidos, tendo as importações nesse ano ultrapassado consideravelmente as do colosso americano.
A Europa constitui, de longe, o principal mercado do conjunto de países que constituem a Associação. Metade das suas exportações totais destinam-se aos países do continente europeu e estes participam na mesma proporção nas importações da zona.
Segundo o relatório da E.F.T.A, no decurso dos últimos dez anos as exportações dos países da Associação correspondem a cerca de 4/3 das suas importações. Só Portugal e a Noruega tiveram cifras diferentes. O valor das exportações destes países corresponde a cerca de 00 por cento das suas importações.
No decurso dos últimos quatro anos a percentagem das exportações totais da Associação Europeia de Comércio Livre com destino aos seus associados na zona aumentou regularmente, passando de 17,9 por cento, em 1959,
para 20 por cento, em 1962. Podem distinguir-se, nitidamente, três grupos de estados membros: aqueles para as quais o comércio com a Associação constitui uma proporção importante no comércio total, e são os países escandinavos; aqueles que fazem uma parte, relativamente, modesta do seu comércio com os outros países seus associados, como a Áustria, a Suíça e o Reino Unido, e finalmente, Portugal, que ocupa uma posição intermédia.
Deve dizer-se que desde a criação dos dois blocos comerciais, as exportações da Associação Europeia de Comércio Livre para os países do Mercado Comum cresceram mais rapidamente que dentro da própria Associação. Este facto paradoxal é explicado, assim, num relatório recente: o tempo de existência das duas comunidades europeias e a redução de direitos aduaneiros a que deu lugar não foram ainda bastantes para alterar correntes de comércio que vêm de longa- data. Outros factores, como a publicidade, a tradição o a qualidade, podem influenciar mais fortemente as importações e os costumes do que uma baixa de preços resultantes de uma diminuição de tarifas aduaneiras.
A harmonização de direitos alfandegários cobrados relativamente a terceiros países e acordada pela França e pela Itália também influenciou beneficamente as exportações da Associação, e igual efeito teve o movimento geral de expansão económica verificado nos países do Mercado Comum e que aumentou a procura e o seu poder de consumo.
Num relatório do começo deste ano intitulado A Automação do Comercio Livre Hoje e Amanhã, do Business international e elaborado com a assistência da Associação, diz-se, relativamente a Portugal, que o nosso país apresenta condições favoráveis para determinados investimentos e exportações, mas que o seu desenvolvimento industrial exige importação substancial de bens de produção.
Para um aumento de 5 por cento por ano do produto nacional bruto e segundo aquele relatório, Portugal necessita importar bens de investimentos correspondentes de 10 a 12 por cento do rendimento nacional. Para as indústrias portuguesas, durante muito tempo isoladas atrás de altas tarifas protectoras, a Associação Europeia de Comércio Livre corresponde a um mercado potencial e a sujeição a uma concorrência que terá efeitos revolucionários na estrutura e no desenvolvimento industrial do País. Algumas indústrias sucumbirão certamente.
Mas outras, aproveitando as vantagens de uma mão-de-obra mais barata, menores encargos fiscais e sociais e a possibilidade de gozarem de uma protecção aduaneira inicial, encontrarão oportunidades de colocação dos seus produtos nos mercados da Associação.
Alias ainda nos actuais e potenciais sectores competitivos as vantagens pertencerão àquelas organizações que se mostrem aptas a elevar a sua produtividade através de uma grande especialização, de uma reorganização no sentido de maiores unidades produtivas, da modernização do equipamento e da melhor utilização da capacidade de instalação.
Ainda segundo o mesmo relatório, que é uma exposição lúcida e objectiva sobre a situação presente e futura da Associação Europeia de Comércio Livre, o capital estrangeiro tem um papel vital a desempenhar neste processo não só concedendo créditos mas também divulgando conhecimentos técnicos e facilitando o sistema geral de vendas e distribuição nos mercados externos, para que a indústria portuguesa possa aproveitar das novas oportunidades que se lhe oferecem.
Embora Portugal ainda compre mais dos países do Mercado Comum do que da E.F.T.A (35 por cento contra 22 por cento do total das importações em 1962), a Associação já teve um efeito sério no padrão, das suas importações. De 1954 até 1959, inclusive, as importações
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portuguesas do grupo dos Seis aumentaram 2,2 vezes mais do que as de países da E.F.T.A.; durante os três anos seguintes à formação da E.F.T.A. a, posição inverteu-se, aumentando a E.F.T.A. as suas vendas a Portugal 2,7 vezes mais do que o Mercado Comum. A rapidez desta inversão reflecte o facto de (Portugal ter os direitos de importação mais elevados do que qualquer outro membro da E.F.T.A; dá assim aos importadores portugueses uma vantagem imediata à mudança das suas encomendas para os fornecedores dos países cujas mercadorias beneficiem da redução de direitos. O efeito foi naturalmente maior (83 por cento de aumento de 1960 a 1962) em relação àqueles produtos sujeitos à tabela normal de redução de direitos. Estes, no entanto, representaram apenas 25 por cento das importações portuguesas da E.F.T.A, em 1962.
Para os produtos mencionados no anexo G (56 por cento do total das importações da E.F.T.A), sobre os quais estão sendo eliminados os direitos no decurso de vinte em vez de sete anos, e para as mercadorias sujeitas a direitos de alfândega, que serão reduzidos só em parte ou não sofrerão redução (16 por cento do total), o crescimento das importações de Portugal dos países seus associados foi um tanto mais lento (25 por cento de 1960 a 1962).
Para o comércio de exportação de Portugal, a E.F.T.A e o Mercado Comum são de importância aproximadamente igual, constituindo 27 e 30 por cento, respectivamente, das exportações de 1962. Também neste ponto, a tendência- inicial a favor do Mercado Comum sofreu uma inversão desde 1959; desde então as exportações para a E.F.T.A aumentaram 47 por cento, e de 30 por cento para o Mercado Comum. O padrão de aumento em relação a mercadorias diferentes é significativo. As exportações de matérias-primas portuguesas, mais sensíveis ao desenvolvimento económico geral nos mercados estrangeiros do que às reduções de direitos locais, tem prosperado mais nos países do Mercado Comum do que na E.F.T.A Por outro lado, para os produtos manufacturados, as vendas aos associados de Portugal na E.F.T.A aumentaram 2,5 vezes mais depressa do que as vendas ao grupo dos Seis. A exportação de fios têxteis e tecidos para a E.F.T.A, por exemplo, subiu espectacularmente 343 por cento de 1959 a 1962.
Em 1963 a exportação metropolitana foi sensivelmente igual para os dois blocos: 21.7 por cento da nossa exportação total foi para os países do Mercado Comum e 21,8 por cento para a E.F.T.A
O objectivo fundamental das nações signatárias da Convenção de Estocolmo era a criação de um mercado livre entre elas. A abolição das tarifas aduaneiras e dos contingentes de importação apareciam como meios indispensáveis da realização desse objectivo.
Já aqui aludi, em intervenções anteriores, à necessidade de distinguir nas tarifas aduaneiras o que constitui elemento protector da produção interna e aquilo que é, apenas, uma receita do Estado. Nem sempre, porém, é fácil fazer a distinção entre aquilo que é um direito protector e o que é um simples direito fiscal. Quando estamos em faço de mercadorias que um determinado país não produz, na tarifas que recaem sobre a sua importação não há dúvida que não têm carácter protector e apenas constituem um meio de o Estado" obter receita. Mas mesmo os direitos fiscais de natureza iniludível e incontroversa podem ser e têm sido elementos de discordância e descontentamento entre os parceiros da Associação Europeia de Comércio Livre.
É o caso, por exemplo, da Noruega, que cobra entre 20 e 30 por cento de direitos aduaneiros sobre os veículos motorizados que importa. Apesar de se tratar de um mero direito fiscal, os fabricantes de automóveis do Reino Unido e da Suécia desejariam que a Noruega, baixasse as tarifas alfandegárias sobre os carros importados dos países da Associação Europeia de Comércio Livre, por forma a obterem vantagem sobre os seus concorrentes. A diminuição de receita sofrida pela Noruega seria compensada com o lançamento de uma taxa lançada sobre todos os automóveis importados.
Pela Convenção de Estocolmo, está Portugal autorizado a observar um ritmo mais moroso de desmobilização aduaneira relativamente àquelas mercadorias que já se produzissem no País em Janeiro de 1960 e cujas exportações para mercados estrangeiros não ultrapassassem 15 por cento da respectiva produção total. E ficava também com a faculdade de até meados de 1972 introduzir direitos novos ou aumentar os existentes com o fim de proteger indústrias nascentes, sob a condição de os abolir completamente até o fim de 1980. Até agora Portugal só usou desta faculdade relativamente a uma série de produtos de ferro o de aço, com o objectivo de proteger a nova Siderurgia Nacional.
Tem-se caminhado também progressivamente no sentido da abolição dos contingentes, que constituíam um entrave sério à liberalização comercial intereuropeia. Todavia existem algumas excepções, como a que resulta da concessão feita à Finlândia para manter as suas quotas de importação relativas a fertilizantes e combustíveis fuels, sólidos e líquidos, a fim de poder manter os seus acordos bilaterais com a União Soviética. A Aústria tem um vasto sistema de quotas abrangendo uma numerosa gama de mercadorias, como produtos químicos, cosméticos, filmes, têxteis, equipamento de rádio, etc. A Dinamarca tem também um grande número de produtos sujeitos ao regime das quotas de importação, como sejam produtos de borracha, certos veículos motorizados, muitos tipos de motores, etc.
Uma outra excepção às regras gerais sobre contingentes de importação é a que resulta das recentes restrições à importação de automóveis no nosso país para favorecer as oficinas de montagem e a produção de peças separadas de automóveis. Efectivamente, a importação de automóveis pesados está proibida desde meados do ano último e a importação de carros ligeiros sujeita a um contingente até 75 carros por fabricante, por ano. a partir de 1 de Janeiro de 1964.
Portugal obteve a concordância, do princípio, para o estabelecimento destes contingentes quando foi negociada a Convenção de Estocolmo e, posteriormente, o Conselho aprovou os planos apresentados pelo nosso país nesta matéria.
Embora a Associação Europeia de Comércio Livre seja uma área de comércio livre só para os chamados produtos industriais (definidos como tudo o que não consta dos Anexos D e E, a Convenção estabelece um número de importantes provisões cujo objectivo é facultar a expansão dos produtos mencionados nesses anexos, em ordem a dar uma razoável reciprocidade aos países membros cujas economias dependam largamente de produtos da agricultura e da pesca.
Como se diz no relatório já citado, de onde extraio estes elementos, há dois métodos de desenvolver o comércio de produtos agrícolas.
O mais simples é suprimir do Anexo D esses produtos que são automaticamente classificados como industriais, gozando, portanto, dos benefícios tarifários da zona. Esta técnica foi usada em 3963 para um certo número de produtos, com o fim de favorecer especialmente Portugal.
O método mais usado, porém, é, através de acordos bilaterais, o de obter para os produtos agrícolas um trata-
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mento aduaneiro especial ou outras facilidades. Tanto a Dinamarca como Portugal têm acordos desta natureza com outros países da Associação Europeia de Comércio Livre. Uns são anteriores à Convenção de Estocolmo e outros de data mais recente.
O Conselho tem também reclassificado como industriais certos produtos da pesca.
O último relatório da Associação Europeia de Comércio Livre diz que se admite cada vez mais que os problemas que se suscitam neste sector não são ligados exclusivamente à aplicação de direitos aduaneiros e restrições quantitativas. Existem, por exemplo, no Atlântico Norte e no mar do Norte sérios problemas de exploração excessiva de certas espécies. São questões que preocupam igualmente um certo número de países não membros, cujas flotilhas pescam nessas mesmas águas. Põem-se, assim, problemas de acesso aos lugares da pesca e aos mercados e que se procuram resolver em quadros mais vastos de cooperação europeia. As conferências de pesca ultimamente realizadas em Londres integram-se nesse objectivo.
A realização da integração económica europeia, actualmente realizada através de dois agrupamentos de nações, não exige, apenas, a desmobilização da armadura aduaneira e a abolição dos contingentes de importação. Exige um conjunto vasto de regulamentações e providências abrangendo as regras de origem, o incitamento ao investimento de capitais externos, a solução de problemas complexos, como sejam as formas de concorrência desleal, o dumping, os prémios de exportação, o draubaque, o emprego de mão-de-obra estrangeira, a dupla tributação e tantos outros que a vida económica vai revelando na sua evolução quotidiana.
Por aqui se mede a grandeza e a delicadeza das tarefas a realizar. Sem regras de origem corre-se o risco de estender a terceiros países os benefícios que, em contrapartida das obrigações assumidas, devem ser reservados aos que fazem parte de uma zona de comércio livre ou de uma união aduaneira. Mas também o complexo de exigências, de declarações, de documentação, tendentes a provar que um produto é originário de determinado país corre o risco de prejudicar o desenvolvimento natural das correntes de comércio.
Um problema grave a enfrentar também é o do draubaque. Há quem entenda que esse benefício concedido a certos ramos da exportação não é incompatível com a estrutura de uma zona de comércio livre. Mas não parece ser esse o espírito da Convenção de Estocolmo. O assunto tem interesse para o nosso país, onde certos sectores industriais usufruem desse regime. Assim, os produtores de têxteis beneficiam do draubaque na lã, algodão e outras matérias-primas e os exportadores de conservas de peixe na folha-de-flandres que empregam nas latas em que se faz a exportação.
É possível que outras actividades venham solicitar a aplicação deste regime a produtos empregados como matéria-prima na sua indústria, pelo que tem a maior importância a função definitiva que a Associação Europeia de Comércio Livre venha a tomar definitivamente nesta matéria.
Os partidários convictos da fusão, integração ou simples associação dos dois grandes blocos europeus não desistem dos seus propósitos, considerando o período actual uma mera época de transição. Neste sentido, certos economistas e alguns meios responsáveis encaram a possibilidade de uma harmonização das políticas internas dos países que assinaram a Convenção de Estocolmo como meio de se atingir a integração desejada. E aponta-se também o aceleramento da tabela de desmobilização pautai como o processo de acertar o passo pelo Mercado Comum, renovando-se um obstáculo que poderá no futuro dificultar negociações que se têm como necessárias ao fortalecimento da unidade e da solidariedade europeias.
No quadro do G.A.T.T. vão realizar-se no ano corrente, e por proposta dos Estados Unidos, importantes negociações no sentido de uma redução geral de tarifas aduaneiras. E o que se chama o «round Kennedy», anunciado como um novo passo no sentido da liberalização do comércio internacional.
Sr. Presidente: paralelamente à nossa participação na realização dos objectivos da zona europeia de comércio livre, continuámos em 1962, e através de uma legislação vasta e minuciosa.; a completar o sistema e a rede de providências e serviços necessários à estruturação e regular funcionamento do espaço económico português, criado, no ano anterior, por esse diploma de transcendente importância na vida nacional que é o Decreto n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961.
Não fazia realmente sentido que, quando nos grandes organismos internacionais apresentávamos a Nação Portuguesa como uma unidade indiscutível, embora geogràficamente fragmentada, as diversas parcelas que a constituem formassem entre si territórios aduaneiros autónomos, parecendo desconhecer, no plano económico, o que politicamente as liga e une.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, seria injustiça grave e a negação dos sentimentos de solidariedade que vivemos dar, no campo das relações económicas, vantagens e isenções a outros países que não tomávamos extensivas regiões tão profundamente integradas na vida e na convivência da Nação.
A própria evolução das duas associações ou agrupamentos em que a Europa ocidental se encontra dividida pressupõe a extensão dos benefícios e vantagens resultantes da existência de grandes áreas de comércio livre a territórios de além-mar e veio fornecer uma razão mais para que se desse um passo definitivo no sentido da verdadeira integração económica nacional.
Para esse fim se elaborou, como já disse, um vasto sistema legislativo, grande parte do qual publicado em 1962, ano relativamente ao qual estamos apreciando as Contas Gerais do Estado. Quem o ler, na vastidão das suas matérias, na diversidade dos seus assuntos, nos pormenores da sua regulamentação, poderá verificar que se fez obra séria, fundamentada, em que o estudo, a competência, a boa vontade, se fundiram para dar forma a uma aspiração de tantos anos e que hoje, mais do que nunca, se torna necessário efectivar com ânimo e com firmeza.
A integração económica nacional tem um lado negativo e um aspecto positivo. O primeiro abrange a eliminação gradual e progressiva de todas as barreiras e discriminações que dificultam ou prejudicam a liberdade do comércio. Mas têm um aspecto positivo muito mais importante e que corresponde ao desenvolvimento coordenado e harmónico de todos os territórios que formam o espaço económico português. Não se tem como objectivo apenas uma simples integração de mercados, mas principalmente uma forma de integração de processos de desenvolvimento.
Ao tomar-se conhecimento das providências legais e regulamentares que traçam os esquemas gerais da integração económica nacional poderá verificar-se que teve, por vezes, de atrasar-se o ritmo da sua execução, prorro-
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garem-se prazos, fazerem-se excepções, tomarem-se em consideração situações e factos que não estavam originariamente previstos, atender-se a situações legítimas, dentro de um período inicial e transitório que havia, naturalmente, de ter as suas dificuldades. E poderá também constatar-se que ainda estão por publicar disposições legislativas do maior interesse e da mais alta importância para o processamento da integração económica nacional.
Quero especialmente referir-me às que têm por objecto a reconversão dos sistemas do condicionalismo industrial do ordenamento agrário em todo o espaço português. O condicionamento industrial, subordinado a centros de unidade e tendo em consideração a situação dos mercados consumidores e a localização das matérias-primas, deverá ter como objectivo primordial o crescimento económico de cada uma das parcelas da Nação e desta no conjunto das suas actividades produtivas. A revisão do ordenamento agrícola será feita, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 652, do 27 de Outubro de 1962, tendo em vista a distribuição racional das culturas, para melhor o maisequilibrado aproveitamento dos factores da produção, considerando, naturalmente, os factores agro-clirnatéricos e as condições económicas das regiões.
Embora reconhecendo a vastidão das matérias e a complexidade dos problemas não posso deixar de formular o voto, ao aprovar as Contas Gerais do Estado, da metrópole e do ultramar, relativas a 1962, que se acelerem os trabalhos relativos ao condicionamento industrial e ao ordenamento agrícola, como tarefas basilares e indispensáveis ao desenvolvimento económico das parcelas do território nacional menos evoluídas e à consequente integração dos mercados.
Trata-se de providências cujos resultados só poderão verificar-se II longo prazo. E quanto mais se demorar a sua adopção mais se retardarão os benefícios que os altos interesses políticos e económicos da Nação impõem que se verifiquem tão cedo quanto possível. Mas aqui há também que ter confiança nos que corajosamente lançaram as bases de um sistema que gradualmente se vai completando e desenvolvendo.
Dois ilustres Deputados pelo ultramar, o Sr. Eng.º Cardoso de Matos, de Angola, e o Sr. Dr. Pacheco Jorge, de Macau, fizeram-se recentemente intérpretes nesta Assembleia das apreensões existentes quanto às dificuldades que continuam a verificar-se nas transferências daquelas províncias pura a metrópole. Todos nós compartilhamos dos seus anseios. E, ainda, no ponto de vista nacional, deve dizer-se que não há possibilidade de um intercâmbio económico progressivo entre a metrópole e o ultramar enquanto não estiver assegurada a liquidação normal e regular das respectivas transacções comerciais.
Várias disposições legislativas se publicaram com este objectivo, mas a experiência tem demonstrado que as estruturas monetárias são profundamente dependentes das estruturas económicas, e o que se torna necessário é continuar executando os grandes planos de fomento, aumentar u matéria colectável, fomentar as exportações, por forma a dar às províncias ultramarinas mais amplos meios de pagamento. A recente fixação em Angola de numerosas pessoas, das famílias de militares prestando serviço na província que ali trabalham também, mas que ali se não radicaram, veio ainda agravar o problema.
Com efeito, não é de estranhar que em matéria tão vasta como esta factos imprevisíveis venham a provar que os condicionalismos previstos se revelem insuficientes ou desnecessários.
E por que se verificaram certas anomalias no funcionamento de alguns dispositivos, encontra-se presentemente em Angola uma missão técnica do Ministério do Ultramar com o objectivo de corrigir eventuais defeitos.
No entanto, para além dos ajustamentos de ordem técnica que a experiência venha a aconselhar, há que contar, sobretudo, com as boas perspectivas sobre o comportamento económico das duas grandes províncias de Angola e Moçambique.
Bastará dizer que Angola aumentou as suas exportações de 3 500 000 contos, em 1960, para 4 700 000 contos, em 1963.
Sr. Presidente: quando se encaram as grandes tarefas da nossa época, da valorização dos recursos e aptidões em todas as parcelas do território português; quando se escutam os clamores dos que cultivam e lavram a terra, os anseios de melhor justiça social dos que trabalham; quando se ouve o apelo dos que dirigem no sentido de uma produção racional, da adaptação gradual das técnicas e dos métodos de trabalho na agricultura, na indústria e no comércio aos padrões e aos níveis da concorrência dos países mais desenvolvidos e progressivos, como condições indispensáveis de sobrevivência, temos de reconhecer que o esforço exigido impõe uma grande disciplina e coordenação nos sectores da economia, uma colaboração estreita entre governantes e governados e, também, uma chama constante de perseverança, de entusiasmo e de fé a iluminar os caminhos e rumos do futuro.
Na nossa imaginação elevam-se as pontes monumentais, como esta que cresce em cada dia para abraçar, amanhã, as margens deste Tejo admirável e glorioso. E passa a visão das barragens, da electrificação, dos aeródromos, do colonato, dos grandes empreendimentos de valorização que na metrópole e no ultramar continuam no mesmo ritmo sereno e confiante.
Mas, para além e por cima deste perfil de realizações materiais, ergue-se perante os nossos olhos e perante a nossa alma a juventude1 corajosa que, vencendo as agruras do clima, o carácter inóspito das regiões, a traição do ataque, guarda as fronteiras longínquas da Pátria c expõe o seu peito para que, na retaguarda, o País possa viver e trabalhar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para ela vai, nesta hora, o nosso pensamento comovido e o voto de que a paz e o regresso integral da Nação ao cumprimento das suas tarefas humanas e construtivas de sempre possam ser o fruto e o melhor prémio do seu esforço e do seu sacrifício.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a Conta Geral do Estado de 1962 deu solução equilibrada e eficiente a três problemas fundamentais: cobriu os vultosos encargos com a defesa do solo pátrio, aumentou em relação ao ano anterior as dotações para a execução do II Plano de Fomento e satisfez as necessidades dos diferentes serviços.
Em 1962 o crescimento do produto nacional bruto foi de 6,1 por cento, taxa superior à da nossa progressão média no quinquénio 1958-1962 e sensivelmente superior ao ritmo de expansão do produto nacional bruto no conjunto dos países da Europa ocidental - da ordem dos 3,5 por cento -, o que nos coloca em lugar honroso entre os países europeus.
Esta expansão foi conseguida sem afectar a estabilidade financeira interna nem a solvabilidade externa do escudo e acompanhada por um aumento real do nível de vida da
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população activa. O escudo continuou a ser uma moeda merecedora de toda a confiança.
Pelo pleno êxito que estes resultados representam, não posso deixar, ao apreciar as contas públicas de 1962, de envolver num pensamento de viva admiração e apoio o Governo da Nação e, de modo especial, o Sr. Ministro das Finanças e o eminente Chefe do Governo, que tudo faz para defender eficazmente a segurança de todos os portugueses e para que a Pátria continue intacta no conjunto dos territórios e das variadas gentes que a constituem.
Somos alvo de muitos ataques, a todos temos resistido e feito frente com uma firmeza e dignidade que a nós nos honram e certamente encherão de orgulho as futuras gerações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O desenrolar dos acontecimentos africanos deve ter constituído uma lição para aqueles que ainda viviam de ilusões e está, em cada mês que passa, a dar mais peso e valor ao acerto da nossa forte razão. Por isso, há que continuar a ter fé e, principalmente, manter a retaguarda serena e firme, para que ela. se mostre sempre digna da frente que nas primeiras linhas, militar, diplomática, etc., tão brilhantemente se bate pela integridade da Nação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: como nos anos anteriores, a apreciação das contas públicas é muito facilitada pelo excelente parecer sobre as Contas Gerais do Estado, onde o ilustre relator, o nosso distinto colega Sr. Eng.º Araújo Correia, tudo aprecia com profundo conhecimento dos problemas nacionais e a sua alta devoção pela coisa pública. Com notável clareza e sentido das realidades, estes pareceres apontam sempre medidas e caminhos para que cada vez se faça mais e melhor; eles constituem documentos que honram o seu relator e prestigiam a Assembleia Nacional.
É hábito, ao discutir as contas públicas, apreciar vários problemas de interesse para a actualidade portuguesa, e isto porque este debate é, em certa medida, fiscalizador da actividade da Administração e um juízo sobre o que está certo e o que importaria corrigir.
Nessa linha de pensamento passo a tecer algumas considerações sobre a política eléctrica nacional e os reflexos que das várias orientações poderão resultar para o País, problema de alto interesse nacional tratado neste parecer, mas, antes de nos voltarmos para o futuro, vamos deter-nos por momentos sobre o que foi feito nos últimos anos e apreciar os seus resultados.
Reconhecendo o valor dos nossos recursos hidroeléctricos e a escassez de combustíveis fósseis na metrópole, a política eléctrica foi orientada, nas últimas duas décadas, para a produção hídrica, e com base na estrutura jurídica e económica da Lei n.º 2002, publicada em 1944, tem sido executada uma vasta obra de electrificação, recebida pela opinião pública com simpatia e até com entusiasmo, obra que, rapidamente, nos conduziu à consoladora realidade económica do abastecimento praticamente total do País com electricidade produzida pelo aproveitamento crescente dos nossos rios e a preços de produção inferiores aos que se estavam a obter em centrais térmicas com combustíveis importados. Tudo estava orientado para a utilização energética da água, a lei e os espíritos.
A electricidade tem sido o sector mais dinâmico da nossa economia, como é indispensável num país que se desenvolve e industrializa, tendo os consumos triplicado nos últimos onze anos (1953-1963).
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mesmo com a subida de custo dos equipamentos, dos materiais e dos salários, os preços médios de venda da electricidade na produção da rede primária mantiveram-se, no último quinquénio, entre os $182 e os $174 por kilowatt-hora e foi possível abastecer sem restrições todos os consumos permanentes e fornecer às grandes indústrias electroquímicas e electrometalúrgicas contingentes superiores a 600 milhões de kilowatts-hora em cada um dos últimos cinco anos à tarifa de produção média ligeiramente inferior a $08 o kilowatt-hora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No quadro I indicamos as tarifas médias de produção hidroeléctrica da rede primária.
QUADRO I
Tarifas de venda na produção
(Escudos por kilowatt-hora)
[Ver Tabela na Imagem]
Em anos médios as centrais térmicas antigas e a da Tapada do Outeiro têm desempenhado mais uma função de reserva do que de apoio, mas, dadas as nossas condições climáticas, esse apoio teria sido indispensável em anos secos.
O quadro II mostra os fornecimentos temporários no último quinquénio:
QUADRO II
Fornecimento de energia não permanente às indústrias electroquímica e electrometalúrgica
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Valores provisórios.
Quanto ao futuro, parece estar a esboçar-se uma orientação no sentido de dar maior relevo à produção térmica.
Esta mudança de orientação, se não for praticada com as devidas cautelas, pode provocar fortes reflexos em muitos sectores, os quais precisam de ser analisados e ponderados pelos responsáveis não só em termos económicos, mas também nos aspectos sociais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O esquema produtor definido anteriormente a 1958, quando era Ministro da Economia, o nosso distinto colega Sr. Dr. Ulisses Cortês, e que ficará, exe-
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catado até ao fim do ano corrente permitirá encarar com relativo sossego a situação energética do País até ao fim de 1966, mas, como o consumo está sempre a crescer, é necessário ampliar progressivamente o sistema produtor e no próximo período de 1969-1970 essa ampliação deverá cobrir os contingentes anuais que a nossa cadência acelerada de crescimento dos consumos aconselha prever.
QUADRO III
Evolução provável das necessidades de produção
(Gigawatts-hora)
[Ver Tabela na Imagem]
Os contingentes permanentes indicados resultam da extrapolação da tendência verificada nos últimos dez anos e os não permanentes admitem o abastecimento dos consumos máximos durante nove meses por ano.
Do ponto de vista energético, três alternativas poderiam ter sido encaradas para a próxima ampliação do sistema produtor: uma dominantemente hidráulica, outra dominantemente térmica e uma terceira nitidamente mista hidráulico-térmica, com componente térmica mais acentuada do que aquilo que se tem feito.
A primeira exigiria a construção de muitos aproveitamentos hidroeléctricos, cerca de uma dezena a entrar em serviço no período 3965-1970 e mais de uma vintena no período 1971-1976. Tal política, se ainda fosse possível, poderia manter no próximo sexénio o abastecimento em ano médio com produção quase só hídrica e possibilitar por mais alguns anos fornecimentos de elevada duração e a baixo preço às indústrias de adubos e outros consumidores não permanentes, mas no sexénio 1971-1976 já não poderia ser mantida, tanto por limitação dos estaleiros de construção como até, talvez, por falta de recursos hidráulicos economicamente aproveitáveis.
Como a realização das obras hidroeléctricas já incorpora cerca de 95 por cento de trabalho e produção da indústria nacional, enquanto nas térmicas essa percentagem é muito menor, a primeira solução, enquanto conduzir ao mínimo custo da electricidade, seria, tanto pela contribuição directa como através dos vários efeitos multiplicadores, a de mais benéficas incidências na aceleração do crescimento do produto nacional, na criação do novos empregos, na melhoria da balança de pagamentos e no desenvolvimento regional das zonas mais atrasadas.
Mas como não há formosa sem senão, esta alternativa seria de entre todas a que exigiria maiores investimentos iniciais e muito maior volume de obras.
A solução dominantemente térmica, embora fosse a de mais baratos custos de construção, provocaria o acelerado e sistemático aumento do consumo de combustíveis e (por falta de excedentes hídricos temporários) o rápido sacrifício dos fornecimentos desta energia de baixo preço aos consumidores não permanentes.
Em futuro não distante estaríamos a queimar por ano meio milhão de contos de combustível. Esta solução não parece ser a que melhor satisfaça o interesse nacional e por isso contra os seus inconvenientes levanta o autor do parecer a sua voz autorizada ao tratar de «A definição do uma política». Diz ele:
Recorde-se que já hoje a importação de combustíveis atinge uma soma muito alta. que a balança do comércio continua a apresentar deficits consideráveis, que a pressão dos consumos internos aumenta constantemente. É indispensável reduzir o deficit comercial ...
Além das incidências na balança comercial, os reflexos económicos e sociais resultantes de uma paragem das obras hidroeléctricas ou de um pronunciado afrouxamento do seu ritmo que uma solução dominantemente térmica acarretaria, podem conceber-se considerando que nos últimos anos as realizações hidroeléctricas têm dado ocupação permanente a cerca de 10000 pessoas, a quem distribuíram um valor anual médio de 200 000 contos em ordenados e salários. A indústria nacional, que tem estado em cada ano a fornecer para estas obras mais de 220 000 contos, em cimentos, ferro, madeiras, transportes, equipamentos, etc., também sofreria um grande embate, visto a solução térmica utilizar muito menos trabalho o produtos nacionais. Também ficariam imobilizados equipamentos de estaleiro e outros meios afectos à construção de barragens de valor superior a 400 000 contos. Todas estas perturbações criariam problemas dramáticos que é necessário evitar.
Deve procurar-se em termos globais o mais conveniente equilíbrio hidráulico-térmico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao mínimo custo do kilowatt-hora pode corresponder, em cada fase do desenvolvimento da rede nacional, uma certa componente térmica, mas, mesmo limitado ao aspecto económico, o equilíbrio hidráulico-térmico não é estável, dependerá em cada ocasião do sistema existente e das características por vezes muito diferentes de cada um dos novos meios produtores cuja realização se. considera possível.
Nas térmicas os encargos fixos são geralmente menores que nas hídricas, mas os encargos de exploração são muito maiores. Se na maior parte dos anos a potência térmica desempenhar uma função de reserva, reduz descarregamentos turbináveis e valoriza a produção hidráulica. Até certo grau pode, em anos hidrológicos médios e húmidos, melhorar é custo do kilowatt-hora, mas de certa medida em diante agravará o preço do kilowatt-hora.
Está a afrouxar o ritmo de realizações hidroeléctricas e a incrementar-se a instalação de grupos térmicos. Está previsto para o período de 1965-1968 a entrada em serviço do 3.º grupo de 50 000 kW da térmica da Tapada do Outeiro e o l.º grupo de 125 000 k W de uma grande central térmica a construir próximo de Lisboa ou Setúbal.
Esta solução, que pareço ter o atractivo de exigir menor investimento inicial e é de construção menos demorada, ocasionará um aumento progressivo da produção térmica de custo unitário mais alto que o de muitos dos recursos hidroeléctricos ainda por aproveitar e provocará várias incidências económicas e sociais desfavoráveis.
Considerado à escala nacional, este menor investimento é um pouco aparente, porque poderá investir-se menos nas centrais térmicas, mas elas vão criar a necessidade de fazer investimentos suplementares nas refinarias de petróleo.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - No quadro IV comparam-se os custos médios da produção hídrica de Carrapatelo com a de eventuais meios térmicos de substituição para a taxa de juro de 7 por cento.
QUADRO IV
[Ver Tabela na Imagem]
Em curto prazo o custo de energia de Carrapatelo estabilizará em valores iguais ou inferiores a $14 por killowatt-hora.
A produção térmicja de substituição indicada é inferior à hidráulica por se ter admitido que aquela só funcionaria para abastecer consumos permanentes. Para um custo da térmica de 4500$ por kilowatt útil, limite que nos primeiros grupos vai ser excedido, e para o fuel-oil ao preço actual de 900$ a tonelada, o valor médio da produção térmica no período considerado, 1969-1973, seria superior a $80 por kilowatt-hora, se o fuel-oil viesse a ser fornecido ao preço especial de 600$ a tonelada, essa média nunca seria inferior a $23 por kilowatt-hora.
O Sr. Sousa Meneses: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Sousa Meneses: - Poderá V. Ex.ª informar-me porque é que se está a seguir esse caminho?
O Orador: - O Sr. Ministro da Economia é capaz de responder melhor do que eu. Dificuldades actuais de investimento podem estar na base desta orientação.
O Sr. Sousa Meneses: - Não parece haver justificação económica ao seguir-se esse caminho.
O Orador: - Se V. Ex.ª continuar a ouvir-me verá que à frente digo o que pensam os Franceses sobro a matéria.
O Sr. Sousa Meneses: - Sou leigo na matéria. Penso, todavia que antes de se seguir por essa via se deviam, esgotar primeiro todas as possibilidades de aproveitamentos hídricos.
O Orador: - V. Ex.ª tem razão. A frente defendo a conjugação que V. Ex.ª preconiza.
Os combustíveis ultramarinos poderão ajudar o abastecimento da metrópole, mas. além da vulnerabilidade dos transportes em épocas anormais, haverá que medir o que poderá oferecer maiores vantagens, se queimá-los, em substituição de hidroelectricidade, se exportá-los, com real interesse para a balança comercial do País.
No período de 1965-1970 só está ainda prevista uma central hidroeléctrica, mas. como a junção desta à ampliação térmica, já referida é insuficiente, haverá que decidir a curto prazo sobre a escolha das novas fontes produtoras.
Em termos de economia, energética, um aproveitamento hidroeléctrico pode ser substituído por uma dada potência térmica a que pode corresponder um investimento menor, mas as economias de exploração, principalmente no que respeita a gastos de combustíveis proporcionados pelas centrais hídricas, justificam em muitos casos a realização de um sobreinvestimento inicial, que aliás, é feito em escudos, e para nós ainda há vários aproveitamentos hidroeléctricos que estão nessas condições.
Ao ampliar o sistema produtor interessa determinar quais as fontes que conduzirão ao mínimo custo de kilowatt-hora quando integradas no sistema já existente e de entre elas escolher as de mais benéficos reflexos na economia global da Nação.
A este respeito os especialistas franceses consideram que mesmo num país rico em combustíveis como a França todo o adiamento na realização de um aproveitamento hídrico considerado rentável e útil é de considerar como uma perda para a economia nacional.
E isto porque para além dos benefícios directos da produção de electricidade outros há também muito importantes e de progresso regional.
As centrais térmicas situam-se junto dos grandes centros populacionais, de que são elemento perturbador, ao passo que as hidráulicas se localizam em regiões subdesenvolvidas, que muito ganham com a sua realização. Estas obras são sempre acompanhadas de novas escolas, abastecimento de água às aldeias vizinhas, electrificações, melhoria das comunicações, assistência médica e hospitais, valorização dos produtos locais, criação de novas actividades, tais como oficinas, serrações, etc.
Dentro de um programa hidráulico térmico equilibrado estarão quase totalmente aproveitados dentro de vinte anos os nossos recursos hidráulicos de interesse económico e nessa altura apenas restará o recurso à ampliação da produção térmica, a clássica ou a nuclear. À medida que for aumentando a componente térmica do nosso sistema, e antes disso já se verificava a conveniência de ir instalando potência térmica, passaremos a dispor de menos excedentes (de baixo preço, de energia eléctrica) para alimentar os consumos temporários.
Dada a relevância económica desse sector dos consumos e a reduzida possibilidade de continuar a satisfazê-los sem grande artifício tarifário e com energia barata, torna-se necessário que seja definida com brevidade - para defesa dos industriais interessados e da economia nacional - até que ponto interessará desenvolver ou limitar os consumos temporários.
No quadro V indicam-se, em termos de esperança matemática, os níveis a que desceria em ano médio a utilização das fábricas electroquímicas e electrometalúrgicas, no caso de até 1970 entrarem apenas em serviço o 3.º grupo da Tapada do Outeiro, o l.º grupo da TS e Carrapatelo.
QUADRO V
[Ver Quadro na Imagem]
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Alimentá-los com energia térmica, mesmo pagando apenas o custo do combustível a preço especial, faria subir o valor médio da tarifa para mais do dobro do actual, o que poderia tornar incomportável o preço dos adubos e dos outros produtos. A hipótese de passar para o campo dos consumos permanentes uma parte dos temporários envolve, ou ajustamentos tarifários que transfiram para os clientes permanentes essa diferença de encargos e portanto maior preço de energia, ou uma reconversão das indústrias. e se os novos custos de fabrico forem excessivos, deverá medir-se se haverá outras razões que tornem do interesse nacional o seu fabrico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A previsão dos consumos permanentes até 1970 mostra que a ampliação do sistema de 1964 com as três fontes já referidas não é suficiente para os satisfazer; o esquema terá por isso de ser reforçado com uma capacidade do produção em ano seco da ordem dos 1000 GWh.
A construção dos centros produtores deverá iniciar-se durante os próximos dois anos, o que obriga a incluir o sou financiamento no plano de investimentos de 1965-1967.
Se não forem tomadas decisões ainda este ano essa ampliação com contrais hidráulicas será sacrificada por condicionamentos de prazos de construção e teremos de instalar ainda mais potência térmica a entrar em serviço antes de 1970.
No triénio 3971-1973 será necessário aumentar a capacidade produtora do sistema em mais 2500 GWh, e como o início da sua construção terá de situar-se dentro do período de 1965-1970, parte do seu financiamento terá de ser já englobado no plano de transição de 1965-1967.
Atrasos nas decisões podem lançar-nos em catadupa para a solução dominantemente térmica, como meio de evitar pesadas restrições com reflexos muito graves na vida da Nação. Em alguns sectores industriais a restrição de cada kilowatt-hora fornecido na produção a cerca de $20 arrastaria nos seus efeitos multiplicadores uma quebra do valor do produto interno bruto de várias dezenas de escudos, além dos efeitos sociais, dos efeitos retardadores do desenvolvimento, etc.
O esforço de equipamento a desenvolver é enorme e por isso merece a maior atenção às exigências imediatas e às do futuro, pura evitar tanto as pontas de trabalho intransponíveis por carência de capacidade de realização como os vazios de largos períodos de inactividade, de muito graves consequências económicas e sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A potência térmica terá de ir crescendo com os anos porque o consumo aumenta em progressão geométrica de elevada razão e as obras hidráulicas que irão ficando para aproveitar serão cada vez mais pequenas e as menos económicas. Por isso, interessará fornecer um ritmo de trabalho constante aos estaleiros hidroeléctricos e às várias indústrias e trabalhadores a eles ligados e encher os vazios do diagrama de consumo com fontes razões imperiosas do limitações de investimentos e de possibilidades de construção podem impedir em períodos difíceis a melhor solução do problema e impor realizações possíveis porque não se pode parar, mas logo que seja possível deve caminhar-se no sentido das melhores soluções.
Temos ainda muitas obras hidroeléctricas à nossa frente que apresentam condições favoráveis de execução, entro elas citaremos: no Sul do País o Fratel e o Tejo internacional, no Centro o sistema do Mondego e no Norte do País os aproveitamentos do sistema do Douro, do rio Homem, do Alto Lindoso e do Minho.
O critério da escolha das obras prioritárias não deve limitar-se apenas a considerações de economia energética: além de oferecerem garantias quanto a firmeza de orçamentos, prazos de execução e integração no sistema, devem de preferência poder servir de base a planos de desenvolvimento regional para valorização possível de regiões atrasadas e em vias de abandono.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na lógica das minhas considerações sintetizarei que a obra de electrificação deve prosseguir aproveitando os nossos recursos hidráulicos economicamente viáveis até à sua exaustão, mas que não pode ser excluída a sua conjugação com o equipamento térmico na medida conveniente e segundo os critérios de equilíbrio e bom senso que mais convenha aos superiores interesses do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o plano de rega do Alto Alentejo a que o ilustre relator das contas públicas se refere neste parecer beneficiaria dentro da concepção actual com a construção da barragem de Fratel e na nova alternativa do esquema sugerido pelo Sr. Eng. Araújo Correia talvez possa ser reduzido o seu custo se a execução for conjugada com a construção da barragem do Alvito.
A rega do Alto Alentejo a lançar em 1971 na 3.º fase do plano geral necessita no esquema actual de três estações de bombagem para elevar a água da cota 70 no Tejo até à cota 260, de uma rede de canais, de cerca de uma dúzia de albufeiras para armazenagem de água e algum ordenamento hidráulico, etc.
A albufeira do Alvito numa das variantes possíveis teria a capacidade útil superior a 1900 milhões de metros cúbicos de água que atingiria a cota máxima de armazenamento de 255, sendo grande parte dessa água elevada do Tejo para a albufeira por grupos reversíveis turbina-bomba do esquema da central eléctrica do Alvito.
Na conjugação sugerida o Alto Alentejo seria regado directamente do Alvito; isso substituiria as três estações de bombagem estimadas em 175 000 contos por uma só muito mais barata, que elevaria a água apenas a pequena altura não do Tejo mas já da albufeira do Alvito para a cota 260 e reduziria as albufeiras de armazenamento que inundam alguns terrenos valiosos. Estamos certos de que o Sr. Ministro das Obras Públicas e os qualificados técnicos dos serviços hidráulicos não deixarão de estudar os aspectos técnico-económicos da variante sugerida, para que se adopte a solução de maior interesse nacional.
No Centro do País há o aproveitamento de fins múltiplos do Mondego, com todas as potencialidades aqui apresentadas com grande brilho pelos ilustres Deputados pelo círculo de Coimbra; a sua realização é de grande, interesse económico e social.
Também o Vouga oferece boas condições para um aproveitamento conjugado das suas potencialidades energéticas e hidroagrícolas.
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No Norte temos os fios de água do Douro, que por beneficiarem de toda a regularização de montante são dos melhores do País; só a água armazenada em duas albufeiras espanholas, a de Ricobayo, com a capacidade útil de 1100 milhões de metros cúbicos e a de Vilarinha (em construção no Tormes), com a capacidade dê 2340 milhões de metros cúbicos, produzirá nas quedas portuguesas do Douro 1340 milhões de quilowatts-hora.
A realização de quatro aproveitamentos no troço nacional, Atães, Carrapatelo, Régua e Valeira, torna possível a navegação do rio Douro por embarcações de considerável tonelagem, na extensão de 172 km a jusante do Pocinho, desde que se construam as eclusas para a transposição das barragens e se aprofunde ligeiramente o leito do rio em pequenos troços imediatamente a jusante destas. E com o aproveitamento do Pocinho pode fazer-se do rio Douro um eixo fluvial internacional.
As vias navegáveis, por embaratecerem o custo dos transportes e permitirem a deslocação de grandes tonelagens, têm sido e continuarão a ser as espinhas dorsais da industrialização, por isso se estão a desenvolver em vários países grandes planos para as beneficiar.
A navegação fluvial alemã, tendo gasto nos últimos anos apenas 6 por cento dos investimentos totais feitos em estradas, caminhos de ferro e navegação interior, transportou no interior da Alemanha mais de 30 por cento das mercadorias.
A navegação organizada no rio Douro, a cujas incidências, desde as turísticas às de desenvolvimento regional, já se referiu nesta tribuna o nosso ilustre colega Dr. António Rapazote, com todo o brilho e elevação, por baratear o transporte criará viabilidade económica à intensa exploração dos minérios de ferro de Moncorvo, cujas reservas excedem os 500 milhões de toneladas, o que situa este jazigo em plano de importância à escala europeia o até à escala mundial.
O grande obstáculo ao desenvolvimento da exportação deste minério e de vários recursos da bacia hidrográfica do Douro tem sido o custo do transporte até ao mar, ri ias o aproveitamento, por vir embaratecer o transporte, será decisivo para dar aos minérios de Moncorvo poder de concorrência no mercado europeu, onde só nos cincos países - Alemanha Ocidental, Aústria, França, Inglaterra e Luxemburgo -, se estão a consumir- em cada ano mais de 100 milhões de toneladas de minérios mais pobres em ferro que os de Moncorvo.
Os investimentos necessários ao estabelecimento da navegação organizada são de duas naturezas: uns correspondem à infra-estrutura da via navegável, outros às embarcações.
De entre as várias soluções para as eclusas e embarcações apresentadas pela comissão nomeada para o estudo da navegação do Douro a mais adequada às potencialidades da região, sem gigantismo nem risco de rápida saturação da via fluvial, é a que corresponde a eclusas, de 85 III X12 III e a embarcações que permitam um tráfego descendente anual da ordem dos 2,5 milhões de toneladas de minério de Moncorvo, gusa e concentrado de minério de Vila Cova, finos de hulha, minério de Guadramil, pirites arsenicais de Jales e Ervedosa e carvão do Pejão; isto sem considerar muitas outras actividades que seriam beneficiadas, como, por exemplo, os mármores e alabastros de Vimioso, as pedreiras de lousa de Foz Côa, os produtos florestais da região, produtos hortícolas e frutícolas, etc.
O Sr. Augusto José Machado: - Mas, em virtude de estudos que alguns técnicos tem feito, a curto prazo seria excedido esse tráfego. Certamente V. Exa. tem conhecimento disso...
O Orador: - Exactamente. Foram feitos uns ensaios de concentração na Alemanha por dois métodos - grelhagem magnética e flutuação - que deram os melhores resultados. Dois grupos estrangeiros ligados aos jazigos de Moncorvo estão a proceder à instalação de uma fábrica piloto para experimentar in loco esses processos de concentração já ensaiados na Alemanha com os melhores resultados e esperam, logo que forem ultimados os ensaios na região, vir lançar-se na exploração intensiva dos minérios de Moncorvo, de modo a extrair, numa primeira fase e anualmente, 1 milhão de toneladas e futuramente 4 milhões.
O Sr. Sousa Birne: - Entre os dois métodos, o de flutuação e o de separação magnética, o que me parece que é bastante melhor é o da flutuação.
O Orador: - Tenho aqui os dados sobre os resultados a que chegaram na Alemanha os ensaios. E dizem eles: "Com a grelhagem magnética obteve-se um concentrado com um teor de ferro da ordem dos 65 a 67 por cento; pela flutuação, um concentrado com um teor de ferro de 62 a 64 por cento".
O Sr. Sousa Birne: - O método da flutuação é muito mais económico que o outro e permite maior rendimento. Daí a sua maior importância.
O Orador: - No estudo económico global desta variante a referida comissão de estudo considerou:
Investimentos na via navegável:
Contos
Eclusas: para vencer os desníveis de
11 m em Atães, 36 m em Carrapatelo,
27 m na Régua e 31 m na Valeira .................................. 355 000
Canais a jusante das barragens ................................... 7 200
Portos fluviais com garagens de abrigo contra cheias em Pocinho, Foz Tua, Pinhão, Régua, Porto Manso, Castelo de Paiva e Germunde ...................................................... 30 000
Parcela do custo do aproveitamento de Atães atribuível nesse estudo á navegação ........................ 70 000
Total ........................ 462 200
Outros investimentos:
Ligação Douro-Leixões ............................................ 70 000
Embarcações ...................................................... 105 000
Total ........................ 175 000
No quadro VI indicamos os custos prováveis para o transporte por via fluvial supondo a remuneração do capital acima indicado à taxa de 3 por cento para a infra-estrutura (visto tratar-se de uma obra de fomento), a amortização das embarcações em 20 anos e da infra-estrutura da via navegável em 40 anos, supondo ainda a capitalização das anuidades para reintegração do capital à taxa de 3 por cento e a remuneração do capital investido nas embarcações e meios de ligação Douro-Leixões à taxa de 6 por cento.
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QUADRO VI
Custo por tonelada do transporte de minérios
[Ver Tabela na Imagem]
A economia anual para o transporte dos 2,5 milhões de toneladas referidos seria da ordem dos 75 000 contos, e quando o tráfego descendente chegar a 5 milhões de toneladas, volume facilmente suportado pela infra-estrutura, a economia anual será muito maior.
No transporte directo para o Seixal do minério de Moncorvo em barcos do tipo sea-going poderia ser obtida na 2.ª fase de laboração da Siderurgia Nacional (transporte de 160 000 t) uma economia anual da ordem dos 11 500 contos.
Mas o investimento da infra-estrutura da via navegável pode ser suportado pelo erário público como tem acontecido com estradas, pontes, etc., mas se não for poderá vir a ser custeado pela electricidade, visto a energia do Douro, pelo seu baixo preço, ter estado a contribuir e continuar a contribuir para o embaratecimento da electricidade do País, sem benefício especial para a região onde se produz; por isso pagar a infra-estrutura da via navegável com a electricidade não será nenhum favor, mas um acto de justiça para com a região.
No último quinquénio foi possível obter um preço global médio na produção hídrica da rede primária de $178 por kilowatt-hora porque o rio Douro forneceu 40,2 por cento do total dessa energia e ao preço médio de $122 por kilowatt-hora. Embora o funcionamento em prol não considere preços isolados isto traduz uma realidade.
Para a dimensão da rede eléctrica, quando a infra-estrutura estiver feita, o agravamento do custo do kilowatt-hora seria apenas de umas milésimas de tostão, parcela ínfima que nem seria sentida pelo consumidor.
Em qualquer desta duas últimas hipóteses o barateamento do transporte, já expressivo nos balanços anteriormente apontados, seria ainda muito maior.
Para a hipótese de transporte dos 2,5 milhões de toneladas a economia em cada ano seria já da ordem dos 100 000 contos, o que capitalizado a 5 por cento corresponderia ao rendimento anual de um capital de 2 milhões de contos.
Estas obras é que aumentam o rendimento nacional, planos destes é que são eficazes para acelerar o desenvolvimento económico do País.
Se não forem feitas as obras indicadas para tornar o rio navegável por embarcações de grande tonelagem, terão, pelo menos, de ser mantidas as actuais condições de navegabilidade para os barcos rabelos e a parcela da barragem de Atães atribuível à navegação será paga pela energia.
Isso obrigaria a um investimento da ordem dos 202 000 contos.
Portanto, o Governo ao definir a orientação mais conveniente na fase próxima das realizações ou decide que se faça o investimento de mais de cerca de 260 000 contos para a navegação organizada do Douro e abre assim largas perspectivas à descentralização das indústrias e ao desenvolvimento acelerado de uma vasta área de influência de via navegável que abrange cerca de 40 concelhos repartidos pelos distritos de Bragança, Guarda, Vila Real, Viseu, Porto e Aveiro ou condena à estagnação toda essa vasta e rica área e à emigração os seus laboriosos filhos.
Só a navegação do Douro pode permitir a exploração intensiva dos vários recursos da bacia hidrográfica do Douro, que na parte portuguesa ocupa mais de um quarto da área total de Portugal metropolitano; só a navegação interior poderá atrair para sua área de influência e criar nela condições de vida às actividades industriais, para que Portugal seja progressivo em todo o território, e não apenas numa estreita faixa litoral.
Na rude batalha pelo aumento do rendimento nacional a obra de navegação do rio Douro é das mais importantes. Criará muita riqueza, que colocará ao serviço de todos.
Se quisermos caminhar no rumo dos verdadeiros interesses nacionais, essa obra tem de ser feita, ela será do maior alcance económico e social.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
0O Sr. Augusto Simões:- Sr. Presidente: não tive possibilidade de tomar parte nos debates dos dois importantes avisos prévios efectivados pelos Srs. Deputados Amaral Neto, sobre a crise da agricultura nacional, e Nunes Barata, sobre o nosso turismo, e por isso não pude exprimir a estes ilustres parlamentares toda a minha admiração pelos seus notáveis trabalhos, que tanto interesse despertaram nesta Câmara e tanto ecoaram em todas as latitudes do território nacional.
Temas da mais alta actualidade, não obstante haverem sido magistralmente tratados pelos ilustres Deputados avisantes, deram ainda azo a que sobre eles se produzissem depoimentos muito importantes, formando assim um valioso repositório de apreciações que representam o sentir da própria Nação.
Esta Câmara, com tais trabalhos, preenche amplamente uma das suas mais importantes e transcendentes missões, já que, não tendo sido reputado necessário ou conveniente submeter à sua apreciação o volumoso conjunto de providências legislativas com que no ano findo se objectivaram as importantes reformas sectoriais da vida nacional, ou quaisquer outras, muito se menosprezaram as suas outras funções.
Sem embargo de tal limitação de actividades, mesmo assim nos trabalhos desta sessão legislativa fica amplamente demonstrado o grande merecimento da colaboração prestada ao Governo, justamente apreciada pelo Sr. Ministro da Economia no seu convívio com esta Câmara, onde patenteou toda a sua inteligente e abnegada determinação de bem servir os grandes interesses nacionais.
Não posso deixar de me congratular com o facto, e estou certo de que todos os Srs. Deputados comungam na mesma satisfação.
Ao tratar hoje, Sr. Presidente, de certos aspectos das contas públicas cuja apreciação nos ocupa, pretendo versar alguns problemas do âmbito dos referidos avisos prévios perfeitamente integrados no sumário geral dessas contas e que pela sua transcendente importância merecem todas as atenções que se lhes possam dispensar.
Sem pretender trazer de novo a terreiro os grandes problemas do sector agrícola que ouvi equacionar com o mais destacado cabimento, começo no entanto por afirmar que no distrito de Coimbra todos eles são sentidos e existem com toda a premência e actualidade.
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Distrito predominantemente rural, de terra retalhada, tem ele duas partes absolutamente distintas, mas igualmente empobrecidas.
A parte litoral, onde a extensão cultivável poderia e deveria constituir uma mancha de grande valor económico, está cada vez mais flagelada pelo Mondego, que, no desordenamento das suas correntes, ou lhe empobrece os seus 15 000 ha com mantos de água que impedem os granjeios ou comprometem as colheitas, ou a esteriliza com as areias que carreia dos desnudos alcantis do interior.
Esta parte interior, essencialmente minimifundiária, não dispõe de muita terra arável, já que o maciço montanhoso predomina, deixando apenas ou quase só nas margens das linhas de água os pedaços de terra produtiva de maior valor, contrastando com os retalhos disseminados nas zonas restantes cuja precariedade é notória.
Muito menos do que medianamente industrializado, também neste aspecto o distrito de Coimbra é um distrito empobrecido.
Não deve causar admiração, portanto, que, procurando a sua valorização no melhor e único sentido da valorização nacional, tanto se venha lutando para que todas as suas potencialidades se aproveitem e estimulem adequadamente.
Essa valorização não tem, contudo, um cunho exclusivista.
Na verdade, sabendo e conhecendo quanto de utilidade, política, económica e social, se pode alcançar com o aproveitamento da grande bacia que o Mondego define e a que dá nome, deseja-se que se estudem todos os aproveitamentos desta grande bacia hidrográfica, que se estende por mais de 600 000 ha de terras dos distritos de Coimbra, de Viseu e da Guarda.
É uma ideia do mais alto sentido nacional, pois realizada ela, em obediência aos planeamentos que se tornam necessários, deverá alcançar-se uma valorização da parte central do- País de tal maneira importante que poderá ficar afastado para sempre o espectro da premente mediocridade que hoje tanto nos aflige.
Gratas estão, por isso, as forças vivas do distrito de Coimbra aos Srs. Ministros da Economia e das Obras Públicas e Secretário de Estado da Agricultura por saberem que finalmente no próximo plano de acção de 1965-1967, intercalar dos grandes planos de fomento, serão incluídas as verbas necessárias para um vigoroso arranque do integral aproveitamento da bacia do Mondego, dando prosperidade e engrandecimento a uma área vastíssima do território nacional que hoje vive os desfavores das muitas limitações do seu notório empobrecimento.
Eu sei que em todo o distrito de Coimbra há a exacta noção do saliente valor desta grande iniciativa de carácter eminentemente nacional.
Além das comissões e organismos oficiais, a quem imcumbe mais directamente o ordenamento e estudo dos grandes problemas que têm de ser equacionados, já se instituiu em Coimbra, sob a égide do respectivo governador civil, uma comissão denominada Comissão de Estudo do Desenvolvimento Económico e Social do Distrito de Coimbra, que, composta de representantes de todas as actividades distritais, já está em pleno funcionamento.
Desta Comissão muito se pode esperar, dado o muito devotamento dos seus componente, que se propõem trabalhar sem desfalecimento com os organismos estatais no sentido de se darem soluções condignas aos grandes problemas havidos como verdadeiras calamidades tradicionais.
Entre essas grandes calamidades avulta a da situação dos campos do Mondego, que todo o Portugal conhece.
E que não se trata, bem vistas as coisas, de um mero problema local.
São mais de 15 000 lia de boa terra arável que estão hoje praticamente improdutivos ou tão pouco aproveitados que o seu valor económico é efectivamente diminuto.
Na verdade, esses campos submetidos às incontroláveis cheias do rio, sem os necessários e convenientes enxugos, além de não permitirem culturas de ciclos vegetativos mais demorados e por isso mais rentáveis, pois nunca se sabe com segurança se as águas permitirão as sementeiras e granjeios e consentirão as colheitas, estão também em grande parte submetidos aos assoreamentos sucessivos que as águas vão fazendo quando desconjuntam as motas marginais, praticando quebradas por onde essas areias entram sem estorvo, já que os níveis do leito do rio lhes são muito superiores.
Para esta gravíssima e sempre progressivamente agravada situação concorre poderosamente o desordenamento da empobrecida agricultura das zonas do interior.
Ali a florestação, que seria a melhor fórmula de tornar rentável estas zonas, ou não se faz ou se pratica com inteiro empirismo, dando lugar aos maiores desencontros económicos, desde as plantações aos cortes do arvoredo, e desde a escolha das espécies ao seu tratamento e cultura.
Por outro lado, os esquemas culturais desta região de acentuado cunho minimifundiário também não garantem a rentabilidade que seria necessário receber da terra!
Desta sorte, está a verificar-se um gradativo empobrecimento no distrito de Coimbra, que começa a apresentar aspectos verdadeiramente alarmantes. Porque a agricultura não produz rendimentos que valham, não pode garantir salários achados compensadores.
A mão-de-obra rareia progressivamente!...
Uns partem em busca da cidade, onde a indústria os espera e lhes garante um somatório de apreciáveis vantagens, ostensiva e justamente defendidas através de contratos colectivos de trabalho cada vez mais melhorados e remuneradores; outros demandam os eldorados estrangeiros, onde se arrecadam ganhos substanciais.
As vilas e as aldeias vão ficando cada vez mais desertas, ainda porque os jovens, chamados à nobilíssima tarefa de servir a Pátria, raramente recobram o sentido da terra, desambientados como estão por longa permanência longe da faina agrícola!
Caminha-se, assim, para situações da mais alta inconveniência política, económica e social!
Aqui as denunciaram os ilustres oradores que subiram a esta tribuna e bem as conhecem os Srs. Ministro da Economia e Secretário de Estado da Agricultura, cujas inteligentes actuações demonstraram o grande devotamento com que procuram servir o melhor interesse da grei.
Contudo, não parece que possam caber apenas a estes importantes departamentos da alta administração do Estado as soluções a curto e a longo prazo dos grandes e tremendos problemas da nossa agricultura.
Tais soluções hão-de ser produto de uma coordenada actividade de vários Ministérios, que têm de trabalhar na mais perfeita harmonia.
É que à estrutura agrária tem de ser garantida plena e integral paridade com as outras estruturas da vida nacional.
Se ao empresário industrial e ao comercial se permitem e garantem lucros tendentes a estimular-lhes as actividades, lançando mão dos meios reputados necessários, não pode negar-se ao empresário agrícola a mesma gama de sobrevivências.
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O produto agrícola tem de ser tratado como o produto industrial, no sentido de que lhe tem de ser garantida rentabilidade fomentadora de tais sobrevivências.
As leis básicas da produção não podem ser havidas como válidas e respeitadas para o produto industrial e menosprezados quando se trata do produto agrícola.
Da mesma maneira, aos trabalhadores da terra tem de ser garantida completa equiparação com os trabalhadores da indústria.
Se o trabalho é uma obrigação a que todos estamos sujeitos, ela não é mais premente para o trabalhador agrícola do que para o da indústria.
Não se pode compreender, à luz dos grandes primados da justiça social que felizmente nos regem e dominam, que entre portugueses de uma mesma condição social haja tão profundas diferenças nas respectivas condições de vida!
Enquanto essas diferenças se mantiverem tão pronunciadas não poderá sustar-se o êxodo rural e fazer retornar à terra os braços que a afeiçoaram em busca do pão de cada dia, porque o apostolado da agricultura, cada vez mais enfraquecido, acabará por desaparecer, por força da desigualdade dos nossos níveis de vida!
O aproveitamento das integrais potencialidades da bacia hidrográfica do Mondego apresenta-se por isso da mais transcendente importância, dado que por via dele se procura obter na vasta região central do País um ajustado nivelamento da vida dos povos nele interessados, na escala dos grandes mandamentos da dignidade da pessoa humana.
O entendimento e a colaboração existentes entre o Ministério das Obras Públicas e o da Economia, cujos titulares com inteligência e esclarecida visão das grandes necessidades nacionais procuram definir e estudar todo o grande planeamento, assume, por isso, uma relevância de excepcional valia e é um exemplo que não poderá ser desconsiderado.
Mas um empreendimento de tamanha envergadura exige, além de estudos da mais variada índole, que se possa dispor dos elementos necessários à sua efectivação.
Tudo isso impõe esclarecida previsão.
Ora as actuais condições da vida agrícola na região central do País são demasiadamente precárias para permitirem que o státu quo se mantenha por mais tempo sem um conjunto de imediatas medidas de protecção à nossa lavoura.
Em todas elas avulta, desde já, a necessidade de se garantir a continuidade do cultivo da terra nas melhores condições.
Vão ser pedidos u nossa região, como certamente o serão a outras regiões, mais braços para trabalharem em países estrangeiros, nomeadamente em França e na Alemanha.
Este fluxo emigratório, que tem um grande número de vantagens, apresenta, em contrapartida, determinados inconvenientes.
Sem intenção de encarar agora uns e outros, entendo que o aumento da rarefacção da mão-de-obra se tem de compensar com ajudas substanciais, entre as quais me parece assumir especial relevo a de colocar à disposição da lavoura a maquinaria indispensável ao granjeio da terra em condições largamente favoráveis.
Isso se poderá fazer ou por intermédio dos grémios da lavoura, aos quais o Estado concederá as convenientes facilidades para adquirirem toda essa maquinaria, ou por intermédio de cooperativas, cuja criação se deve fomentar sem perda de tempo.
Do mesmo modo, haverá também que estimular o crédito agrícola, pondo à disposição dos proprietários rurais o dinheiro necessário ao fomento das culturas, compra de sementes, adubações racionais e defesa contra as pragas.
Concomitantemente, aos variadíssimos e múltiplos organismos criados pelo Estado para a assistência técnica à lavoura deverão sor dadas condições para uma actuação eficiente e contínua, de acção permanente e não esporádica, como agora sucede.
Poderiam assim elaborar-se os esquemas das culturas mais aconselháveis e incentivar estas por forma conveniente, bem como propiciar a conveniente colocação dos produtos, sem necessidade do recurso aos intermediários, cuja actuação é reconhecida como prejudicial aos direitos e interesses da lavoura.
Mas também se torna absolutamente necessário criar técnicos para orientarem a exploração da terra dentro dos melhores moldes da produtividade e velar pelo seu racional aproveitamento.
Na região central do País, como, certamente, em outras zonas rurais,, além da falta de braços, nota-se principalmente a falta de técnicos de todos os diversos graus de que a exploração agro-pecuária carece.
Não há engenheiros, médicos veterinários, regentes agrícolas ou mesmo capatazes ou feitores de que se possa facilmente lançar mão.
Desta sorte, continua generalizado um secular empirismo nas explorações agrícolas ainda em funcionamento, pesando sobre muitas outras o temível espectro da paralisação por falta de rentabilidade ou de direcção.
Este momentoso problema tem de ser encarado com todo o cuidado.
Pelo que concerne aos técnicos agrícolas, ressalta desde logo a necessidade de começar pelo princípio, isto é, de introduzir na escola primária o ensino dos conhecimentos rudimentares de uma agricultura nacional.
Terão, para tanto, os respectivos professores de receber a necessária preparação.
Mas onde o ensino agrícola deve ser intensificado e fomentado com maior latitude, nos seus escalões primário e médio, é nas respectivas escolas técnicas específicas.
Devem essas escolas ser dotadas dos meios indispensáveis a um funcionamento eficiente e a um ensino de assegurado rendimento.
A parte central do País conta apenas com a Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, cuja situação quase precária não pode deixar de ser aqui referida.
Efectivamente, as suas instalações são afrontosamente insuficientes, pois datam de 1888, ano em que paru elas esta escola foi transferida. Ora, não tinham elas sido construídas para um edifício escolar deste género, mas para a Coudelaria Nacional do Norte, que ali funcionava.
Desde então, só no outro século ali se construíram pelo Estado alguns poucos edifícios, pois no presente século apenas os alunos edificaram em 1904 uma dependência, que supunham poder destinar a instalação da sua associação, teatro e sala de convívio, mas que lhes foi esbulhada para servir de rouparia!
Todos os edifícios, à míngua de convenientes reparações e remodelações, se encontram em péssimo estado de conservação!
E, mesmo assim, tendo capacidade para não mais de 100 alunos, frequentam esta escola 250 ... o que causa toda a grande soma de contrariedades que se possa imaginar e compromete impiedosamente os resultados do ensino ministrado.
Ora, estão feitos estudos e elaborados projectos, já superiormente aprovados, para um importante conjunto de obras, com as quais se melhorarão as instalações actuais, cuja necessidade e premente urgência ficou absolutamente
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demonstrada na visita que os Srs. Ministros das Obras Públicas e da Educação Nacional ali fizeram em Julho de 1962 e que tive ensejo de acompanhar.
Parece que as obras só ainda não começaram por falta da respectiva dotação do Ministério das Finanças, que para a primeira fase importaria em dois milhares e meio de contos.
Atenta, porém, a urgência já denunciada, é de esperar que tal dotação seja imediatamente concedida.
É que se tem de colocar esta importante escola em condições de criar bons e numerosos técnicos agrícolas não só com as máximas habilitações que concede actualmente, mas ainda com a preparação de feitores e capatazes agrícolas, que ali podem e devem ser instruídos no futuro, até a expensas das explorações privadas da região, que eu sei estarem dispostas a fomentar tal ensino e preparação.
Não pode esquecer-se que o ensino agrícola é bastante mais dispendioso do que o dos outros graus de ensino; mas além de tão imprescindível como eles, pode tornar-se materialmente rentável se forem aproveitadas convenientemente as respectivas explorações agro-pecuárias em que ele tem de ser ministrado.
Ainda dentro de um critério de racional aproveitamento dos elementos que possuímos, deveria criar-se, junto desta escola, uma estação agrária, pois para tal se dispõe da área necessária dentro dos 140 ha de terreno de todas as espécies que a esta escola pertencem.
As vantagens desta estação agrária são por de mais evidentes, dada a sua localização próxima dos campos do Mondego, que se pretende aproveitar racionalmente, como cumpre!
Para fomentar e disciplinar as lavouras da parte interior do distrito, devia esta estação criar um posto agrário em qualquer dos concelhos serranos. São medidas do mais alto alcance, e tão necessárias e urgentes que não poderão deixar de ser consideradas nos planeamentos em estudo para o aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego, no qual perfeita e justamente se integram.
E para terminar as ligeiras considerações sobre a necessidade de técnicos agrícolas, resta ainda referir a conveniência de dotar a Universidade de Coimbra com uma Faculdade ou um instituto onde se pudessem adquirir os graus do ensino superior agrícola.
Caminhamos cada vez mais para a imprescindibilidade dos técnicos no processamento da dignificação da vida, de modo que não é arrojo, nem bairrismo doentio, a sugestão de que me faço eco.
Ligado à grande carência de técnicos agrícolas anda também o da falta de médicos veterinários.
Relembro quanto a este respeito foi dito já nesta Câmara pelo Sr. Deputado Urgel Horta, na outra sessão legislativa, e que tive o gosto de apoiar calorosamente.
Está a decrescer assustadoramente a formação destes técnicos, porque, não tendo uma situação suficientemente esclarecida, pelo menos os médicos veterinários municipais, a frequência da Escola Superior tem diminuído.
Chegou até a mim, como certamente chegou a muitos de VV. Ex.ªs, uma interessante publicação em que estes valorosos servidores apresentam os problemas que lhes são criados pela sua grave situação.
Magnificamente organizada, essa publicação, que chegou aos mais altos cumes da nossa hierarquia administrativa, não pode deixar, por certo, de obter a consideração que merece.
Nela se trata de um grave problema de interesse nacional e para se ver que assim é basta ter em mente que aos médicos veterinários municipais incumbem as mais valiosas tarefas, não só no fomento pecuário nacional, como ainda e principalmente na defesa do bem-estar e da saúde da grei, pela valorosa actuação que em tal sector eles têm de desenvolver.
Mais não é necessário para, de novo, eu apoiar, com o mesmo coloroso interesse com que já o fiz, as justíssimas reivindicações desta prestantíssima classe que vive as amarguras de um condicionalismo iníquo que urge banir, até por coerência com os primados de justiça do nosso regime político.
E passo, Sr. Presidente, a tratar de alguns problemas ligados com o turismo, que me parece ser ainda conveniente evidenciar.
É certo que todos ou quase todos foram magistralmente considerados pelo Sr. Deputado Nunes Barata no seu notável aviso prévio, mas, mesmo assim, ainda há mais alguma coisa a dizer sobre eles.
Notei com satisfação que se reconheceu que uma verdadeira política de turismo não pode deixar de considerar todo o território nacional, aproveitando quanto nele ofereça interesse de ser admirado.
Tal reconhecimento ficou expresso por forma muito elevada na alínea d) da moção que tivemos o gosto de aprovar no fim do respectivo debate e dá-me a grata esperança de que se entrará, finalmente e em breve, em política de ajustada dimensão neste opulento sector!
Tem-se trabalhado, por mercê do sistema que actualmente vigora, em compartimentos estanques, longe das realidades e com limitações de toda a ordem, que é necessário fazer terminar.
Devem estabelecer-se fórmulas de ampla colaboração entre todos os responsáveis pela administração geral ou local, por forma que os grandes interesses do turismo sejam sempre tidos na devida conta.
Será, por exemplo, o caso dos estudos da construção das estradas nacionais ou concelhias, que não devem obedecer apenas a critérios de estrita economia, mas respeitar também as necessidades de, com elas, se servirem os locais de assinalado valor turístico.
E será também o caso de se procurar defender esses locais da poluição da construção desordenada ou exótica, tanto do gosto de certas pessoas que não tem gosto nenhum!
E é ainda a necessidade de não deixar que nas nossas ridentes aldeias essas mesmas construções, sem nenhuma das características locais, as transformem em povoações pretensiosas, apenas notáveis pelas suas tonalidades berrantes e aberrantes!
Ora, para se alcançarem defesas de tão valioso conteúdo é mister que todos os serviços públicos colaborem sem sobreposições, sob a coordenação de um organismo superior!
Ouvi também, com muita satisfação, defender nesta tribuna o alto valor do nosso artesanato. Assunto que sempre me interessou, aqui o tratei com certa largueza na anterior sessão legislativa, mas sem quaisquer resultados conhecidos.
Continua o mesmo estado de coisas.
Ainda não são suficientemente conhecidos entre nós todos os nossos produtos artesanais nem estão definidos os seus tipos.
Nenhuma ou muito pequena é a protecção concedida a tão valioso labor, que sofre as grandes vicissitudes da vida difícil dos centros em que se situa.
Daqui, que cada vez seja mais de temer o perigo da extinção de alguns produtos artesanais, por não haver ,quem continue a fabricá-los.
É o que está a suceder, por exemplo, com os interessantes panos e bragais de linho, que são já difíceis de en-
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contrar, porque as tecedeiras de antanho já não trabalham e não encontraram substitutas nas gerações que se lhes seguiram.
Por outro lado, há também o perigo da adulteração dos tipos clássicos e das técnicas de fabrico, em face da tremenda facilidade de tudo imitar por meio de novas matérias-primas plásticas!
Foi a pensar na necessidade de dar remédio a tão grandes inconvenientes que nessa minha aludida intervenção nesta Câmara, e fazendo-me eco de afirmações contidas em valiosos artigos da imprensa publicados nos jornais O Século e Diário de Noticias e no Boletim do Fundo do Fomento da, Exportação, além de outros, advoguei a realização de um Congresso Nacional do Artesanato e de uma grande exposição dos produtos artesanais.
Tinham tais iniciativas ainda o fim de propiciar a organização de um completo inventário das actividades deste sector e ao mesmo tempo a recolha de elementos para a elaboração do Código do Trabalho Artesanal, que se me afigura ser imprescindível.
A despeito de ainda não terem podido encontrar realização, julgo que estas iniciativas merecem ser, ainda, devidamente consideradas.
Trata-se de encontrar protecção e ajuda para uma actividade importantíssima que, se muito já favorece a nossa balança económica, muito mais a pode vir a beneficiar quando os autênticos produtos do nosso artesanato sejam colocados no mercado interno e nos mercados internacionais nas devidas condições.
Sei que, quer pelo Secretariado Nacional da Informação, quer pelo Fundo de Fomento da Exportação, do Ministério da Economia, se tem procurado difundir e valorizar estes produtos, mas julgo que os esforços destes organismos não tem sido inteiramente coordenados.
Chegou ao meu conhecimento que este último organismo, depois de conscienciosos estudos, propôs a criação do Instituto Português do Artesanato, chegando até a elaborar o projecto do decreto instituidor.
Esta valiosa iniciativa não teve. porém, o merecido seguimento, pois data de 1962.
Importaria, contudo, não a pôr de parte, antes realizá-la com a maior brevidade, dadas as muitas vantagens que certamente resultariam de tal instituto. Permito-me, por isso, chamar a esclarecida atenção do Sr. Ministro da Economia para ela, com a consoladora esperança de que este assunto lhe mereça o mesmo abnegado interesse que vem dedicando aos grandes problemas do seu importante sector.
Quando se procura fomentar o melhoramento da vida rural, deprimida pelas fortes inibições que tanto a flagelam, a protecção do artesanato, que é uma das grandes manifestações da actividade rural, logo aparece como medida do mais alto alcance.
Por outro lado, essa actividade tem valiosas implicações na própria economia nacional, atento o indesmentível valor dos produtos dó nosso artesanato, que não temem o confronto com os mais valiosos de qualquer outra nação.
Sr. Presidente: tinha tenção de tratar de muitos outros problemas ligados ao nosso turismo, nomeadamente de alguns que interessam especialmente ao distrito de Coimbra, mas já me alonguei demasiadamente, e não me parece que tenha o direito de continuar.
Não deixarei, porém, de referir ainda que se torna imperiosamente necessário incentivar de maneira muito sensível o turismo nesta região privilegiada, que a Natureza dotou com motivos de verdadeiro encantamento e os homens engrandeceram com uma parte monumental de apreciável valor.
Mas há um longo, muito longo caminho a percorrer para que todo esse somatório de grandes valores encontre o seu merecido aproveitamento dentro de uma ajustada política de turismo.
Há estradas a construir para ligar regiões mal ou insuficientemente servidas por acessos directos e cómodos - caso da ligação da Cúria à praia de Mira, de que falta construir uns escassos quilómetros do troço entre os Covões e Mira para a completar; há instalações hoteleiras a estabelecer na região das Beiras, servida pela estrada nacional n.º 17 - a conhecida estrada da Beira -, que é a via do natural escoamento do trânsito turístico que demanda o nosso país pela fronteira de Vilar Formoso e Guarda; e anoto as grandes possibilidades do alto da serra de S. Pedro Dias, no concelho de Poiares, lugar de vistas surpreendentes sobre as. serras da Estrela e do Caramulo e onde o trânsito normalmente já se detém; há que ordenar os roteiros turísticos da região para indicar os muitos locais que merecem ser contemplados e o que de notável há para ver, e tanto é; há que desembaraçar o trânsito com uma boa rede de estradas e fazer terminar o perigoso flagelo das passagens de nível cruzando as rodovias principais, como continua a acontecer na cidade de Coimbra, onde o comboio passeia numa das suas principais avenidas e faz interromper o trânsito, já difícil, no Calhabé e na Portagem; há, enfim, que aproveitar o muito do que podemos dispor pela generosa dádiva da Natureza e pelo operoso impulso de tantos dos nossos maiores, tudo afeiçoando às exigências da indústria turística, havida em todo o Mundo como uma das mais rendosas e importantes fórmulas da valorização nacional.
Como nota final das minhas considerações, quero ainda afirmar, Sr. Presidente, que o estudo a que procedi das contas que nos são apresentadas me revelou o sadio equilíbrio que vem sendo apanágio da gestão nacional.
Obrigados a viver um clima difícil por via das concupiscências internacionais, em que dominam os mais baixos sentimentos de rapina, incompreendidos no nosso esforço civilizador de bons servidores da autêntica civilização cristã, mesmo assim, ainda podemos apresentar perante o Mundo revolto o nosso exemplo de honradez e de probidade que nenhuma dificuldade nos fez ou poderá fazer abandonar.
É essa honradez e probidade que as nossas contas públicas afirmam sem qualquer subterfúgio.
Assim o nota o doutíssimo parecer em que o Sr. Deputado Araújo Correia, com a alta competência que todos lhe reconhecemos, as analisa. Tanto basta para que dê orgulhosamente a essas contas a minha inteira aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: o antigo inspector bancário de Moçambique capitão António dos Santos Figueiredo, ao apreciar os saldos negativos da balança de pagamentos daquela província respeitantes aos anos de 1958, 1959 e 1960, que foram de 76 953, 251 728 e 274 411 contos, respectivamente (relatório do Conselho de Câmbios relativo a 1960), termina os seus comentários com as seguintes palavras:
À dureza destes números há uma palavra a acrescentar: é necessário interromper ou quebrar a continuidade desta série. Só uma quebra é susceptível de permitir a continuidade do desenvolvimento da economia e da inteligência activa e produtiva da província.
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Pois em 1961 e 1962 continuaram a registar-se saldos negativos da balança de pagamentos: 439 976 contos em 1961 e 83 407 contos em 1962.
Em Outubro de 1963, a posição daquela balança mostrava um saldo negativo de 320 670 contos. E em 31 de Dezembro do mesmo ano o saldo do Fundo Cambial, que em 1956 chegou a elevar-se a 1 920 000 contos, tinha baixado para 668 000 contos.
Nos últimos cinco anos, os saldos negativos da balança comercial oscilaram entre 1 547 884 contos em 1959 e 1 172 085 contos em 1961, isto é, sempre acima de 1 milhão de contos.
O deficit crónico da balança comercial é uma das principais causas do desequilíbrio da balança de pagamentos, cujos efeitos os invisíveis provenientes dos serviços portuários e ferroviários não têm conseguido atenuar.
O continuado agravamento da balança de pagamentos começa, pois, a assumir aspectos de certa gravidade, que mais se acentuarão certamente se a província não tomar a decisão enérgica de enveredar pelo aumento da sua produção.
Não vejo que a província possa diminuir o fluxo com certos dispêndios de divisas, como sejam, por exemplo, os rendimentos de capitais, que temos de respeitar para que se não perca a confiança no investimento, as transferências de mesadas, as despesas com o turismo e outras. Não vejo também, à excepção de um certo refreamento na importação de alguns artigos de carácter sumptuário, que a província possa impedir o ritmo crescente do seu comércio de importação, que é reflexo e sintoma do seu desenvolvimento económico e de cuja actividade vive uma grande parte da sua população. Tem sido no comércio que se têm formado os capitais que serviram de base à sua estrutura agrária e industrial. Os comerciantes de ontem são hoje os industriais, os agricultores e os criadores de gado.
Portanto, a alternativa que se apresenta, alternativa saudável e progressiva, é, sem dúvida, a do aumento da produção, de produtos que a província possa exportar, aumentando o seu comércio externo, tanto mais que a sua maior fonte de divisas procede justamente das suas exportações; e de bens de consumo interno, que irão substituindo, a pouco e pouco, e sem causar perturbações na vida comercial, alguns dos similares que são importados.
Durante muitos anos não se cuidou verdadeiramente dos problemas relacionados com a produção em Moçambique. Não causava preocupação o permanente desequilíbrio da sua balança de comércio, o qual se reconhecia, sem receio, ser tradicional, e porque outras fontes de divisas, além das provenientes da exportação, mantinham também tradicionalmente equilibrada a balança de pagamentos e um fundo cambial sólido em recursos.
Viveu-se neste sossego e nesta segurança, quando afinal, como se está vendo, não havia motivos para isso. É que a nossa prosperidade cambial nunca assentou em verdadeiros alicerces de desenvolvimento económico.
De vez em quando, nos seus esclarecidos pareceres, o douto relator das contas públicas mostrava preocupações, chamava a atenção para o assunto, dizia mesmo que Moçambique precisava de preocupar-se mais com o aumento da sua produção. Mas ninguém, é triste dizê-lo, fez caso dessas sensatas advertências.
É preciso que Moçambique aumente a sua produção. Mas sem tibiezas, sem hesitações, sem limitações, vencendo as dificuldades que porventura surjam. É preciso remover dificuldades existentes. E preciso que os serviços públicos sejam verdadeiros órgãos promotores do progresso da Nação, e não, como acontece por vezes, por defeito de orgânica ou incompreensão, desleixo ou maldade, travões desse progresso; que sejam os primeiros a contribuir com valiosa e construtiva colaboração para a solução dos problemas, não desgostando com peias e burocracias, antes auxiliando e estimulando os que queiram criar trabalho e riqueza.
É preciso também que haja recursos financeiros. Em Moçambique muitas iniciativas fracassaram ou não chegaram sequer a concretizar-se por falta de apoio financeiro, por falta de crédito, por falta de meios, enfim, para poderem vencer e triunfar.
É Kindleberger que diz a p. 90 da edição portuguesa do seu Desenvolvimento Económico: «O crescimento económico necessita e depende das entradas de capital.»
São estas entradas de capital que têm faltado a Moçambique.
Surpreende-me como foi possível, mesmo assim, sem técnica, sem crédito, até sem auxílio de qualquer espécie, fazer-se a obra de ocupação económica que Moçambique apresenta. Chega quase a parecer um milagre. Foi com canseiras enormes, lutando tantas vezes com o desinteresse e a incompreensão dos que tinham o dever de ser os primeiros a compreender e a amparar as suas iniciativas, que os cabouqueiros da causa do progresso de Moçambique fizeram triunfar alguns dos seus empreendimentos.
Moçambique apresentaria hoje um panorama económico muito diferente se tivesse sido mais intensa a exploração dos seus recursos agrícolas, pecuários, mineiros e industriais.
A importação de produtos alimentares, por exemplo, anda à roda de 450 000 contos anuais. Sei que nem todos esses produtos podem ser produzidos em Moçambique, mas não duvidemos de que uma grande parte, representando muitas dezenas de milhares de contos, poderia sair do seu solo ou ser colhida nas suas águas. Estão incluídos naquele número milhares de contos pagos por lacticínios, carnes preparadas, trigo, milho, etc. Tudo produtos que Moçambique poderia produzir.
Moçambique importou, em 1962, 10 003 t de madeira em bruto e para caixas, no valor de 27 534 contos. E mais continuará a importar, certamente, nos próximos anos, à medida que a sua indústria se for desenvolvendo. Mas se examinarmos o quadro da importação total de madeiras, quer em bruto, quer em obra, verificaremos que apenas em cinco anos, de 1956 a 1960 (excluo os anos mais recentes por impossibilidade de comparação, visto a estatística dos últimos anos ter sido elaborada segundo a Nomenclatura Aduaneira de Bruxelas), a província importou 59 311 t de madeiras em bruto e em obra, no valor de 205 769 contos.
No entanto, a nossa actividade florestal, quanto à constituição de matas artificiais de espécies exóticas, é praticamente nula, limitando-se apenas a algumas pequenas matas do Estado, sem expressão na vida florestal da província.
Este problema das florestas de Moçambique, já o disse nesta Câmara, é de uma grande importância e precisa que lhe seja dedicada atenção imediata, se não quisermos chegar ao dia em que não teremos madeira para exportar nem para as necessidades internas.
Explorando as florestas naturais, que estamos devastando porque não se faz o respectivo repovoamento, não obstante vigorarem leis que justamente prevêem esse repovoamento e taxas que são pagas para esse efeito, a província exportou, em 1962, 101 306 t de madeira em bruto, no valor de 127 655 contos. Mas já teve anos de exportar maior tonelagem, como foi o que se verificou, por exemplo, nos anos de 1957 e 1958, em que se exportaram 151 578 t e 136 860 t, respectivamente.
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É uma riqueza que estamos destruindo por censurável inconsciência e desleixo dos homens. Destruindo, não pela exportação que se faz, mas porque no lugar das árvores abatidas não são plantadas outras árvores; e também pela devastação que o nativo inconscientemente pratica na sua primitiva agricultura itinerante. Mas continuamos a persistir no erro. Não se repovoam as florestas e permite-se que o nativo, sem orientação técnica e no desconhecimento do mal que pratica, continue a insistir em processos agrícolas que apenas conduzirão à ruína da terra.
Por falar em agricultura do nativo, ocorre-me, a propósito de produção, que ele já foi, noutros tempos, um grande produtor de amendoim, oleaginosa de que a província ainda exportou, em 1936, 37 604 t. Pois em 1962 a exportação de amendoim foi apenas de 149 t!
Eu sei que entretanto a indústria de óleos da província, e talvez o próprio consumo interno, absorveram maiores quantidades desta oleaginosa. Mas não foi a indústria que influiu na insignificância das exportações; foi a produção que diminuiu. Em 1959, 1960 e 1961 a indústria apenas laborou 11 599 t, 5760 t e 4606 t, respectivamente. Também a indústria parece caminhar para a redução da sua actividade.
Diz-se que a produção de amendoim foi prejudicada em benefício da do algodão. Não compreendo que se prejudique uma cultura em benefício de outra. O acertado seria beneficiar ambas; beneficiar todas. E o único processo de aumentar a produção.
Examinando-se o quadro dos principais produtos de exportação da província, deparamos com o açúcar, o algodão em rama, os bagaços de oleaginosas, a castanha e a amêndoa de caju, o chá, a copra, a madeira em bruto, a que já me referi, os minérios metalúrgicos, os óleos vegetais, o sisal e agora também, a partir de 1961, o tabaco, este, porém, titubeando ainda na casa das 1000 t e dos 20000 contos.
É nesta coluna de uma dúzia de produtos que se apoia toda a economia da província. Sobretudo nos produtos de origem agrícola, que, de resto, são quase todos.
Vejamos agora, em rápida síntese, as possibilidades de aumento de produção de alguns daqueles produtos, pois a apreciação de todos não caberia dentro dos limites desta intervenção. Começarei pelo açúcar, do qual a província exportou, em 1962, 129 931 t, no valor de 345 117 contos. Esta cifra não representa, porém, o limite das possibilidades de produção e exportação deste produto. Além do consumo interno, que pode ser substancialmente aumentado, a província poderá ainda aumentar as suas exportações para a metrópole, que continua a importar do estrangeiro mais de 20 000 t de açúcar anuais. Em 1962 a importação foi de 21 382 t.
Por outro lado, o consumo interno, como disse há pouco, poderá ser também consideràvelmente aumentado. Com efeito, e segundo elementos extraídos de um trabalho da autoria do engenheiro agrónomo Ramalho Correia e do Dr. Américo Silva Jorge, verifica-se que o consumo de açúcar em Moçambique em 1960 foi apenas de 7,94 kg per capita, quando nos países mais adiantados esse consumo oscila entre os 50 kg e 60 kg. O mercado da própria metrópole oferece também largas perspectivas, pois a sua capitação em 1959 foi apenas de 16,7 kg. Isto sem contar com o enorme consumo que absorveria uma indústria de frutas em compota e enlatada que a metrópole poderia desenvolver com as suas preciosas frutas, utilizando açúcar ultramarino.
A exportação de castanha de caju em 1962 foi de 80 478 t, no valor de 230 940 contos. O ano de 1961, porém, tinha sido melhor, quer em quantidade quer em
valor, pois a exportação elevou-se a 84 583 t, no valor de 314 982 contos. Foi o ano em que a província recebeu maior valor pela exportação da sua castanha de caju.
Este é um produto para o qual existe um largo futuro, se sé tornar possível, como se espera, que se faça em Moçambique a sua industrialização mecânica. Neste caso, não será optimismo afirmar que o valor da amêndoa produzida poderá atingir mais de 500 000 contos. Há quem afirme mesmo que se poderá obter um valor muito maior, tanto mais que é possível aumentar consideràvelmente a produção de castanha, visto a província possuir ainda vastíssimas áreas inaproveitadas de terras próprias para a cultura do cajueiro e que não farão falta para outras culturas.
Vejamos o que a este respeito escreveu, evidenciando a esperança que pôs no futuro deste produto, o Sr. Deputado Nunes Barata, em Estudos sobre a Economia do Ultramar:
Ora, se Moçambique produzisse 120 000 t de caju (o que é fácil) e toda essa produção fosse industrializada na província (amêndoa, óleo e resíduos), esta poderia render anualmente cerca de 1 200 000 contos.
Como quase todos os cajueiros de Moçambique são de origem espontânea, seria aconselhável iniciar-se a sua plantação sistemática, em explorações organizadas. O agricultor africano poderia constituir pequenas plantações, orientadas pelos serviços oficiais, em terrenos prèviamente demarcados em seu nome, facilitando-se e estimulando-se assim a sua fixação à terra e permitindo-se-lhe o meio de, apoiado no rendimento certo do cajueiro, promover o desenvolvimento de outras actividades agrárias.
Embora o processo manual seja dispendioso e difícil, Moçambique iniciou já a industrialização da castanha de caju. E apesar de as quantidades industrializadas serem ainda modestas em comparação com os resultados que se poderão obter com a industrialização mecânica, a província exportou, em 1962, 1900 t de amêndoa, no valor de 43 394 contos, e 1410 t de óleo, no valor de 8 076 contos.
Não obstante estarem longe da meta que um dia alcançaremos, estes números são, em qualquer caso, dignos de registo e revelam o esforço neste campo da produção dos que, arrostando enormes dificuldades, meteram ombros à industrialização da castanha de caju, numa honrosa tentativa de enriquecimento da economia de Moçambique.
É pena que a província não aproveite ainda, industrialmente, o pedúnculo do caju; não prepare com o sumo desse pedúnculo uma saborosa bebida refrigerante, que teria certamente largo consumo.
A província exportou, em 1962, 6358 t de minérios metalúrgicos, no valor de 38 111 contos.
Recuando alguns anos no exame do quadro das exportações destes minérios, verificaremos que a posição se tem mantido pràticamente estacionária. O valor das exportações, nos últimos cinco anos, de 1958 a 1962, foi, respectivamente, o seguinte: 35 336, 28 346, 35 464, 49 025 e os acima referidos 38 111 contos.
Estes números mostram claramente o pouco interesse que têm merecido os problemas relativos à exploração dos recursos do subsolo, não obstante constar, segundo afirmações feitas por técnicos autorizados, que esses recursos parecem ser vastos.
Para se avaliar dó pouco interesse que se dispensa ao problema mineiro, basta examinar o que Moçambique gasta com os seus serviços de geologia e minas, quando
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é certo que destes serviços é que deveria justamente partir todo o impulso para a pesquisa, prospecção e reconhecimento das riquezas do subsolo da província. Mas primeiramente seria preciso transformar por completo esses serviços, dando-se-lhes os meios de trabalho que não possuem.
Em 1962 o montante das despesas efectuadas com os serviços de geologia e minas e com o fomento mineiro elevaram-se a 13 085 contos, sendo assim distribuídas: serviços de geologia e minas, 8259 contos; estudos geológicos e mineiros do Plano de Fomento, 4826 contos.
Não se pode realmente acreditar, em presença destes números, que se pensa sèriamente em extrair do subsolo de Moçambique minerais que teriam colocação assegurada e viriam contribuir poderosamente para o aumento da produção e para o equilíbrio da balança comercial. E tanto assim é que os 8259 contos despendidos não o foram sòmente em trabalhos de fomento mineiro, pois tiveram de atender também a despesas com a pesquisa de águas subterrâneas, estudos geológicos para fundações de obras de engenharia civil, carta geológica e operações de licenciamento.
Acrescentarei, a propósito, que muito pouco se caminhou ainda no campo do reconhecimento mineiro da província. Há quem acredite piamente que Moçambique é rica em recursos mineiros, mas há também quem ponha em dúvida a existência desses recursos em quantitativos que justifiquem a sua exploração económica, pois a mera existência de certas ocorrências minerais não autoriza, na verdade, que se chegue a conclusões optimistas. Torna-se, por isso, indispensável - e este indispensável não pode ser adiado indefinidamente, como tem acontecido até hoje - conhecer a verdade, saber ao certo com o que podemos contar, fazer-se imediatamente uma total cobertura geológica da província, como ponto de partida para um verdadeiro reconhecimento ou inventário dos seus recursos mineiros. Por enquanto, a província apenas dispõe de um esboço geológico na escala de 1:2 000 000 e de algumas cartas parciais mais detalhadas na escala de 1:250 000.
Ora a província não pode continuar a ignorar o que representam os recursos do seu subsolo, quando é certo que a exploração desses recursos, no caso de se confirmarem as esperanças postas ansiosamente neles, mudaria a face da sua vida económica. É o que se espera, por exemplo, dos poderosos recursos mineiros da bacia portuguesa do Zambeze.
Quase estonteia a imagem que nos apresenta um pequeno quadro do primeiro anteplano do aproveitamento dos enormes recursos dessa bacia no campo das actividades extractivas: 4 milhões de toneladas anuais de titano-magnetites; 2 milhões de toneladas de carvão; 1 milhão de toneladas de ferro. E ainda, com pontos de interrogação quanto às quantidades que se poderão obter, a fluorite, o cobre, a grafite, o níquel, o crómio e os asbestos.
Esta seria a grande arrancada da vida mineira da província. Mas quando?
Houve um tempo em que se falou com insistência no aproveitamento dos recursos da bacia do Zambeze, com números e com planos - planos e números que impressionavam pela sua grandiosidade e que inspiravam a convicção de que se trabalhava com afinco para a realização daquele importante objectivo. Depois caiu um certo silêncio à volta de tudo.
A exploração dos recursos económicos da bacia do Zambeze - dos recursos mineiros e dos recursos agrários - resolveria, só por si, neste momento, um dos mais importantes aspectos do povoamento e da ocupação económica de Moçambique, transformaria completamente o aspecto deficitário da sua balança de pagamentos.
Antes de abordar outros aspectos da produção, para terminar as considerações que venho fazendo, quero ainda deter-me, por momentos, num outro produto agrícola que pode vir a ocupar lugar de verdadeiro destaque no comércio de exportação de Moçambique, se lhe dedicarem a atenção que merece. Quero referir-me às citrinas, que a província pode produzir e exportar em larga escala.
Moçambique exporta cerca de 150 000 caixas anuais de citrinas, que lhe rendem 13 800 contos aproximadamente.
Estes números estão, porém, muito abaixo das possibilidades de produção e exportação que sé oferecem à província.
A exportação de citrinas da República da África do Sul em 1962 elevou-se a 9 150 568 caixas, no valor de mais de 10 milhões de libras, ou sejam 800 000 contos aproximadamente.
Ora a verdade é que Moçambique reúne condições tão boas ou melhores que as da própria República da África do Sul para a produção de citrinas.
A estimativa de mercados feita pela África do Sul para a colocação da sua produção de citrinas é de 14 milhões de caixas anuais, quantitativo, porém, que aquela República não tem conseguido nem conseguirá facilmente atingir.
As exportações da produção de citrinas do Sul da província são todas feitas através da South Africa Cooperative Citrus Exchange, Ltd., que garante a colocação no mercado externo de toda a produção dos seus associados e paga imediatamente, após o embarque da fruta, 10 xelins por caixa, por conta do preço que será posteriormente obtido pela venda.
Vê-se, assim, que existem para os que queiram dedicar-se em Moçambique à citricultura amplas possibilidades de mercado para toda a produção que consigam porventura obter.
Assegurou-me um técnico competente que não era optimismo admitir-se a hipótese de Moçambique poder exportar 3 milhões de caixas anuais de citrinas, que lhe renderiam cerca de 280 000 contos, pois não lhe faltam terras e clima próprios, mercados e até uma organização perfeita para desempenhar-se das operações de comercialização.
Sr. Presidente: há ainda outros aspectos da produção de Moçambique que se resolveriam pela industrialização de algumas das suas matérias-primas. Para não alongar esta intervenção, referir-me-ei apenas a duas dessas matérias-primas: o sisal e o algodão.
A província importou em 1962 385 t de cordéis, cordas e cabos, no valor de 8055 contos. Muitas destas cordas e cabos, queremos acreditar, foram fabricados com sisal que Moçambique produziu e exportou, para mais tarde o importar transformado num produto manufacturado.
Não são certamente os 8000 contos de cordéis, cordas e cabos que Moçambique importa que teriam grande influência na transformação da sua vida industrial e económica, se fossem nela fabricados. É o valor que Moçambique poderia obter com a exportação daqueles artigos se ela própria os fabricasse com a matéria-prima que produz, canalizando divisas para o revigoramento do seu fundo cambial.
Os plantadores de sisal de Moçambique já pensaram, uma vez, em instalar naquela província uma cordoaria mecânica, e para isso chegaram mesmo a apresentar o respectivo pedido de licença, como referi nesta Câmara numa intervenção que fiz na sessão de 10 de Dezembro de 1962. Mas as ameaças e protestos de alguns cordoeiros nacionais, que apenas vêem no ultramar uma fonte de
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matérias-primas para as suas indústrias, parece que originaram o desânimo e fizeram esmorecer a iniciativa.
Não insisto em que esta indústria - ou qualquer outra - seja instalada em Moçambique por pessoas saídas das fileiras da sua própria população, isto é, que seja instalada, como inicialmente foi requerido, pelos próprios plantadores de sisal. O que é preciso é que a indústria se estabeleça, pois nada mais recomendável do que Moçambique exportar, na medida do possível, o seu sisal devidamente industrializado. Que venham, pois, os cordoeiros da metrópole para Moçambique, com a sua técnica e com o seu capital, enriquecer a província e enriquecer-se também, porque ali poderão, junto da respectiva matéria-prima, desenvolver um grande mercado de exportação para os artigos que fabricarem.
Esta seria também uma maneira, entre muitas, de se valorizar a economia de Moçambique e aumentar a sua produção.
Deixo para o fim o problema da industrialização em Moçambique do seu algodão, do seu «ouro branco», que se cultiva de norte a sul, e de cuja cultura e economia vivem mais de 2 milhões de moçambicanos.
Numa intervenção que fiz nesta Câmara no dia 11 de Dezembro do 1962, defendi a instalação da indústria têxtil em Moçambique. Baseava-me então, como hoje me baseio, na circunstância de ser aquela província grande importadora de tecidos de algodão a par de grande produtora, da respectiva matéria-prima.
A legislação em vigor, porém, não permite que sejam concedidas licenças para a instalação no ultramar português da indústria de tecidos de algodão.
Pedi a revogação dessa legislação, chamei com insistência a atenção para a gravidade da injustiça, sugeri que fosse a própria indústria têxtil da metrópole a proceder à instalação em Moçambique das respectivas unidades fabris, pois que a ela justamente é que sobram conhecimentos técnicos e capitais para poder desempenhar-se com êxito da incumbência.
Chegaram então a comunicar-me - e daqui agradeço a gentileza dessa comunicação - que funcionavam na metrópole comissões com o fim de estudarem a montagem em Angola e Moçambique de unidades industriais, sendo uma dessas comissões destinada a estudar especificamente o fomento da indústria algodoeira naquelas nossas duas províncias.
Rejubilei com a informação e pensei que finalmente o assunto ia ser solucionado; que Moçambique teria, em breve, os benefícios do desenvolvimento no seu território da indústria de fiação e tecidos de algodão.
Mas os meses decorreram na tua lentidão enervante e um espesso manto de silêncio envolveu os projectos que então pareciam esboçar-se no sentido de industriais metropolitanos procederem u instalação no ultramar do progressivas unidades fabris não só da indústria têxtil como de outras indústrias.
Quero crer que apesar do silêncio que se fez entretanto à volta de tão promissora iniciativa, os trabalhos tenham continuado, e não tenha esmorecido o ânimo dos industriais metropolitanos que tinham volvido as atenções para o ultramar português.
Não acredito que possam restar dúvidas, a quem possua, sensatez, acerca da urgência da industrialização do ultramar, porque é justamente na sua valorização económica e consequente povoamento que está a melhor defesa dos vastos territórios que em África são o prolongamento da Nação.
Moçambique exportou em 1962 34 933 t de algodão em rama, no valor de 606 949 contos. Este não foi, porém, o seu melhor ano, pois precisamente no ano anterior o valor de exportação desta importante matéria-prima chegou a roçar a casa dos 700 000 contos.
Por outro lado, no mesmo ano de 1962 Moçambique importou 3845 t de tecidos de algodão em peça, no valor de 252 588 contos.
Continuam os números a justificar, portanto, a tese da instalação em Moçambique da indústria têxtil algodoeira.
E não esqueçamos que, além do consumo interno, representado pelos números que acima ficaram relativos à importação, Moçambique pode ainda contar com bons mercados de exportação.
Esta indústria seria para Moçambique mais uma incomparável e valiosa fonte de produção para o equilíbrio da sua balança comercial e para a defesa da sua balança de pagamentos.
É precisamente numa publicação oficial, editada por um departamento do Ministério do Ultramar (a Junta de Investigações do Ultramar), que se preconiza a defesa da balança de pagamentos de Moçambique pelo desenvolvimento naquela província da indústria de tecidos de algodão (Breve Estudo sobre a Balança de Pagamentos de Moçambique, de António dos Santos Baliza e Maria de Lurdes Barata).
Parece-me assim que estou bem acompanhado nos princípios que defendo.
Julgo não ser possível adiar por mais tempo a instalação em Moçambique da indústria têxtil algodoeira. Tenhamos a coragem de acabar com uma situação que não deve manter-se, quanto mais não seja e quando outros motivos não houvesse, para ao menos se evitar que se repitam afirmações como esta de homens da categoria intelectual de Roger Bastide, professor da Sorbonne e antigo professor da Universidade de São Paulo, que, a p. 140 da edição brasileira do seu Brasil, Terra de Contrastes, diz o seguinte:
A industrialização foi tardia no Brasil. Primeiramente, devido à causa política do pacto colonial. Até à chegada da corte ao Rio de Janeiro, Portugal proibia a abertura de fábricas na sua colónia, que devia obrigatoriamente comprar na metrópole todos os produtos industriais de que necessitava.
Os tempos hoje são diferentes. Já se não duvida de que a industrialização do ultramar é tarefa que não pode mais adiar-se. Tem-se mesmo a impressão de que certos sectores metropolitanos se inclinam para essa industrialização. Mas há, por vezes, forças estranhas que se movimentam subterraneamente, anulando essas tendências e comprometendo assim o futuro da Nação, porque, repito, é precisamente no povoamento do ultramar (mas para o povoarmos é preciso explorarmos os seus recursos económicos) que está a sua melhor defesa. Não é deixando que todos os anos 40 000 portugueses emigrem para o estrangeiro; é tornando possível a fixação desses portugueses no ultramar; mais ainda: é abrindo também as portas desse ultramar à fixação de emigrantes estrangeiros que queiram vir honestamente colaborar nos nossos empreendimentos; é promovendo o desenvolvimento geral, completo, verdadeiro, indiscutível, de imensos territórios ainda fracamente povoados.
Esta é a grande obra a realizar, para bem de todos, do brancos, pretos e mestiços, dentro do nosso sistema multirracial, de igualdade e de fraternidade, da maneira de trabalhar e viver da sociedade portuguesa.
Sr. Presidente: vou concluir as minhas considerações. Mas antes quero ainda repetir aqui, à guisa de esperança posta nos destinos de uma grande parcela da terra por-
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tuguesa, estas palavras proferidas pelo governador-geral de Moçambique, almirante Sarmento Rodrigues, durante a cerimónia da inauguração de uma grande unidade fabril no Norte da província:
É que se o potencial económico de Moçambique tem estado até hoje em grande parte circunscrito às possibilidades da agricultura, não é menos exacto que será através da indústria, pela transformação dessas matérias-primas e aproveitamento de outros elementos, que Moçambique melhor poderá progredir e fortalecer-se.
Para terminar, volto a insistir no que afirmei ao longo desta intervenção: Moçambique precisa de produzir mais. Sem desalentos, com convicção e com esperança no futuro, é preciso que todos, quer os particulares, quer as entidades oficiais - estas evitando entraves às iniciativas que surgirem, facilitando-lhes a missão, e aqueles lançando-se em novos empreendimentos -, procurem arrancar a Moçambique a riqueza dos seus recursos económicos; é preciso que todos se dediquem, com verdadeiro entusiasmo, a uma intensa campanha de aumento da produção. Mas é preciso também que não falte o auxílio da metrópole.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma, ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
Artur Alves Moreira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Olívio da Costa Carvalho.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Antão Santos da Cunha.
António Gonçalves de Faria.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Henrique Veiga de Macedo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA