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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147

ANO DE 1964 19 DE MARÇO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 147 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 18 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Gonçalves Rodrigues requereu vários elementos a fornecer por diversos Ministérios.
O Sr. Deputado Nunes Mexia também requereu alguns elementos a fornecer pela Secretaria de Estado da Agricultura.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta agradeceu o voto de pesar formulado pela Câmara a propósito do falecimento de seu pai.
O Sr. Deputado José Manuel Pires falou sobre a inauguração de uma estátua do Sr. Presidente do Conselho em Lourenço Marques.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha ocupou-se do centenário do Sameiro.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1962.
Usaram da palavra os Srs. Debutados Nunes Barata, Brilhante, de Paiva, Bento Levi e Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio às Carvalho Antunes de Lemos
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.

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Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 livras o 15 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Da Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Virgílio Cruz no debate sobre as Contas Gerais do Estado.
De um grupo de nacionalistas de Silves a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Sousa Rosal acerca da ordem político-administrativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Gonçalves Rodrigues.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«De acordo com as normas constitucionais, requeiro me sejam fornecidas, com urgência, as informações e documentação que a seguir se discriminam, pelos Ministérios do Interior, da Defesa Nacional, dos Negócios Estrangeiros e da Educação Nacional:

Ministério do Interior:

a) Número de passaportes emitidos no continente a estudantes em idade militar não isentos do serviço, ou a dois anos de distância da prestação deste, a partir do mês de Março de 1961;
b) Indicação nominal e filiação dos estudantes nas condições referidas e que não regressaram no País até à data.

Gabinete do Ministro da Defesa Nacional:

a) Quais as regras seguidas para a concessão de licenças de estudo a mancebos em idade militar com especial referência ao êxito escolar e ao comportamento cívico;
b) Nome e filiação de todos quantos se encontram presentemente ao abrigo de licença de estudos no estrangeiro, com discriminação das escolas em que se encontram matriculados e dos cursos que estão seguindo.

Ministério dos Negócios Estrangeiros:

a) Número de passaportes renovados nos últimos dois anos pelos consulados portugueses em países europeus a indivíduos em idade militar ou com licença de estudos, indicação nominal e filiação dos portadores;
b) Indicação nominal e filiação dos indivíduos residentes no estrangeiro em idade militar que durante o mesmo período renunciaram à nacional idade portuguesa.

Pelo Ministério da Educação Nacional:

a) Medidas tomadas ou que se projecta tomar para sanear o ambiente moral da Universidade, sobre o qual o número de Março do corrente ano do jornal Encontro, órgão dos universitários católicos, formula judiciosas, oportunas e inquietantes considerações;
b) Se se considera urgente a promulgação da legislação que impeça o acesso a cargos docentes de todos os graus de ensino de elementos moralmente indesejáveis, dado que a legislação existente parece ser tão vaga e deficiente como inoperante e a impossibilidade paru os júris de se documentarem devidamente quanto à idoneidade moral dos candidatos».

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O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Nos termos regimentais, requeiro que, pelo Ministério da Economia e Secretaria de Estado da Agricultura, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
1) Quais as propriedades que desde 1 de Janeiro de 1959 têm sido oferecidas à Junta de Colonização Interna para aquisição por esta, sua área, situação e valor aproximado;
2) Destas propriedades, quais as adquiridas e respectivo custo;
3) Qual a forma por que essas propriedades estão sendo exploradas e quais os estudos de utilização futuros;
4) Quais as razões por que propriedades mencionadas no n.º 1 não foram adquiridas:
5) Nota dos investimentos feitos nas propriedades adquiridas, com a sua especificação;
6) Resultados económicos obtidos, especificando o rendimento bruto, as despesas efectivas, quotas de amortização, juros de capitais circulantes, administração, etc.».

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para agradecer a V. Ex.ª e à Câmara o voto de pesar pelo falecimento de meu pai. Muito obrigado.

O Sr. José Manuel Pires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lourenço Marques, a cidade progressiva e leal que olha confiada o futuro sobre as águas límpidas da sua baía de maravilha, com as ondas do Indico a rolarem na areia fulva das suas praias, Lourenço Marques, capital portuguesíssima de Moçambique, verdadeiro coração dessa nossa província ultramarina, cuja população tão vivamente sabe pulsar com tudo quanto nos engrandece ou sobressalta, acaba de praticar, na terça-feira da semana passada, um acto da mais alta justiça, que é, simultâneamente, uma reparação tardia que há muito se impunha. Quero referir-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, à inauguração da estátua de Salazar no liceu que tem o nome do Sr. Presidente do Conselho, a substituir a que, numa triste madrugada sobre a qual a boa gente de lá acordou para uma onda universal de revolta, mãos criminosas (cuja identidade os responsáveis pela segurança da província não conseguiram apurar) criminosamente mutilaram.
A gente ordeira da capital, pode agora contemplar, diariamente, a caminho da sua vida pacífica, de trabalho e de estudo, a imagem serena do Homem a quem o ultramar português mais deve nos últimos 30 anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho perfeita consciência do peso desta afirmação. Srs. Deputados, e sei que no dia em que os historiadores, seguros e honestos, serenamente se voltarem para as três décadas ultramarinas já vividas pela situação política vigente, hão-de reconhecer que elas equivaleram a séculos de apagada e vil tristeza em que nos arrastámos, desde Pombal até às campanhas da ocupação.
E então se dirá que esse mundo grandioso que hoje espanta os estrangeiros sinceros que nos visitam, e nós, os que por lá mourejamos, vimos erguer do nada ou da modorra, através da selva, pelas rotas incertas do interior inóspito, se deveu, não apenas ao clima de confiança e paz que o Regime soube criar, mas sobretudo ao impulso activo e constante deste homem providencial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há um facto que, tanto no seu significado específico como no poder sintético de símbolo, traduz, admiravelmente, essa extraordinária acção ultramarina do Governo de Salazar. Os homens de lá, sobretudo os de Angola e da Guiné, sabem-no bem, sem precisarem de provas documentais. E vivemos as horas pavorosas de sobressalto em que, diante de um mundo virado todo contra nós, com os negros acidados por forças estrangeiras a abrir no Norte angolano uma regueira trágica de sangue e de violências inauditas, passamos muitas noites mal dormidas, com a arma aperrada à cabeceira, sempre na previsão do pior.
Só a decisão juvenil de Salazar, apelando para o brio pátrio dos nossos soldados, juventude heróica que temos o dever de não envergonhar nem trair, só essa audácia nos salvou a todos, ao salvar o ultramar e, com ele a Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta homenagem da sua estátua no Liceu de Salazar, da capital de Moçambique vem, pois, na hora própria e dentro da moldura histórica que mais lhe convinha. Pena foi que esta reparação tão gritante se fizesse quase só ao fim de dois anos. E quero que a minha voz, neste momento, seja o de homem anónimo, do português direito, onde quer que se encontre, a do lavrador e a do colono, a do povo desconhecido, que não ergue castelos efémeros de políticas falazes à mesa do café, que não tripudia na sombra traiçoeira contra quem serve o bem comum na dádiva total da sua vida, mas que no silêncio, na disciplina, no trabalho, no sacrifício, fiel a Deus e aos seus legítimos chefes, amplia e perpetua a grandeza viva da história que recebemos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se todos quantos servem a Pátria, sob a orientação firme de Salazar, lhe dessem, como ele, a mesma pureza de intenções, o mesmo extremo desinteresse pessoal, o mesmo sacrifício total de comodidades e de sinecuras rendosas, quantas amarguras evitaríamos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada mais eloquente para o demonstrar que a pavorosa crise dos meses trágicos de 1961. Velassem os responsáveis directos pela sua defesa com paixão igual à sua e nem uma vida teria sido ceifada, porque o perigo que de longe rondava estacava impotente diante da vigilância dos que adormeceram sabe-se lá com que secretos propósitos. Aí revelou Salazar, nessa arrancada heróica para a tragédia que ensanguentara o Norte da grande província ultramarina, uma rijeza de alma e uma juventude de espírito de que talvez nem os mais novos fossem capazes. E, desde então, contra um mundo enlouquecido, ele se tem mostrado sempre, sem um instante de desalento, o próprio símbolo de resistência. O corpo da Nação não se retalia nem se leiloa em conferências internacionais.
Temos de transmiti-lo íntegro aos vindouros, mesmo à custa do sacrifício das nossas vidas. Desiludamo-nos. Todo aquele que duvida da legitimidade da nossa permanência além-mar, quem pactua com os inimigos de fora e defende a independência do nosso ultramar, mesmo sob a forma atenuada de uma autonomia de opção eleitoral, para servir Moscovo e os seus títeres de cor, não mereço a nossa con-

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temporização, para que amanhã, quando a tragédia estalasse e um rio de sangue principiasse a correr, não tivessem de acordar tardiamente para remédios improvisados e, quem sabe, se inúteis. Precisamos de não repetir em Moçambique os erros que andamos a expiar na outra província irmã.
Acusem-me de violento, de intempestivo, se quiserem. Mas, quando todos sofremos na nossa carne, no nosso nome. no nosso espírito, quando a Pátria precisa, mais do que nunca, que todos vivamos unidos em torno de quem nos dirige, que esqueçamos agravos e discordâncias acidentais ante a indeclinável urgência de salvar a integridade do que é essencial, não compreendo a covardia do silêncio e das cómodas soluções de quem adormece ao borralho, para que os caluniadores e os traidores não venham incomodá-lo. Eis aí. Sr. Presidente, e Srs. Deputados, um punhado de verdades amargas que convém lembrar, de vez em quando, como melhor processo de alerta contra os inimigos da integridade da Pátria. Só assim podemos colaborar com Salazar, lealmente, na defesa do nosso vasto património ultramarino.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: permitam-me que estas palavras de sentida homenagem ao nosso eminente Chefe do Governo não fiquem por aqui. É que eu desejava falar ainda a VV. Ex.ªs de outra estátua e de outro homem, ao qual Moçambique muito ficou a dever da sua grandeza cristã.
O ilustre vereador da Câmara Municipal -de Lourenço Marques, Sr. Eng.º Ramalho Correia, teve a feliz inspiração de sugerir, em reunião da sua edilidade, que á capital da província erguesse um monumento condigno ao santo e saudoso cardeal Gouveia, que há dois anos tombou mártir do dever cumprido até ao fim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A ideia ganhou asas e não tardará em corporizar-se, numa praça ou jardim, que espero saiba escolher-se de acordo com a grandeza da gratidão que todos devemos ao homenageado. Se Mouzinho tem o seu monumento, ante a catedral que D. Teodósio de Gouveia ergueu, a dominar a majestade da Baixa, porque, é que este grande cardeal missionário não há-de ficar a abençoar a caminhada da cidade nova, ante a moderna catedral que fez erguer no bairro da Polana?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Jaime Cortesão, o eminente historiador dos nossos descobrimentos, escreveu um dia que tudo quanto fizemos de obra propriamente civilizadora. eficaz e duradoura, em terras do Oriente, se deveu, unicamente, à acção missionária. Algum exagero transparece destas altíssimas palavras. Mas não me parece que possa contestar-se como ela realizou a melhor e maior parte dessa empresa imortal, como eu próprio tantas vezes tenho podido verificar, principalmente no tempo em que trabalhei na nossa província martirizada de Goa.
Mas todo esse esforço de epopeia, que longamente esmoreceu, depois que Pombal baniu de todos os nossos domínios a Companhia de Jesus, num gesto suicida, vive hoje, renascido, horas de grandeza sem par. Mesmo que não fôssemos católicos, bastava um assomo de simples justiça para reconhecer que, não obstante as deficiências inelutáveis a toda a tarefa humana, o missionário continua a ser o maior de todos os nossos colonos, pela capacidade ilimitada, de sacrifícios, pelo total desinteresse material da sua missão divina, pela perfeita integração na maneira de ser c de viver das terras e das gentes que evangeliza, pelo alto padrão da sua cultura científica u técnica c até pelo seu indiscutível patriotismo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Muito se poderia dizer acerca dessa gesta grandiosa, que só por cometida no escondimento, e sem alardes de propaganda, nem todos vêem nela a maior, a primeira de quantas levamos a cabo, nessas terras portuguesas de além-mar. Sei bem que, depois de Goa, Angola apresenta, neste panorama, o saldo mais grandioso, com números que se aproximam já muito dos 2 milhões de católicos.
Mas também lá a evangelização começou mais cedo, e não sofreu os mesmos hiatos que em Moçambique, além de que o fruto nefasto das missões laicas da primeira república lançou raízes daninhas, algumas das quais ainda persistem, sob numerosas formas, em mentalidades dos mais variados matizes políticos, religiosos ou agnósticos.
Mas também creio que em nenhuma é tão visível o esforço ingente realizado em curto lapso de tempo, como em Moçambique. Basta lembrar que, em 1938, os católicos não iam além de 140 000.
Ora, em menos de 30 anos, estes números subiram, hoje. para cerca de 700 000. Raros eram os missionários, as religiosas, os irmãos auxiliares, as escolas, sobretudo secundárias, quase não havia hospitais nem órgãos de imprensa dignos de consideração. Ao cabo de duas a três décadas, a rede missionária de Moçambique é modelar, tanto na assistência religiosa dentro das cidades e principais centros urbanos, como na irradiação pelo interior do mato.
De uma única diocese (a prelazia de Moçambique), apareceu dividida em oito; os católicos africanos rondam já a casa dos 600 000, o pessoal missionário (incluindo os professores nativos), deve andar perto dos 5000, há mais de 11 seminários, 17 colégios-liceus, 58 escolas de ensino profissional, 104 de ensino complementar, 152 de ensino elementar, 3331 de ensino de adaptação, 155 internatos com 478 seminaristas, e cerca de 1 000 000 de alunos distribuídos pelos diversos graus de ensino.
Acrescentemos, ainda, 28 maternidades, 108 dispensários, 5 hospitais, com uma assistência dedicadíssima e eficiente em que os números, repartidos pelos diversos sectores de cura e alívio de males físicos, trepa a muitos milhões por ano; as capelas, as igrejas, as catedrais, os numerosos imóveis construídos, as tipografias, as livrarias, as instituições de cultura e de piedade, a imprensa, desde o pequeno ménsário ao grande diário (como o Diário de Lourenço Marques e o Diário de Moçambique, na Beira), e teremos uma fugida imagem de empresa estupenda, mesmo com números já ultrapassados, que pude colher no Atlas Missionário Português e no Anuário Católico de Moçambique, o primeiro de 1962, e o outro de 1961, portanto já com um atraso de pelo menos dois anos.
Precisamos de recuar até 1936, para compreendermos como foi possível cobrir tão longa caminhada em tão curto espaço de tempo. Desde 1612. Moçambique constituía uma única prelazia, que na maior parte do tempo esteve sem bispo residente.
Viveu, assim, aos vaivéns da sorte a sua vida religiosa, sujeita ao calor temporário que lhe dava o prelado que vinha ocupar a sua sede. Até que, em 18 de Maio de 1936, a Santa Sé nomeia bispo tutelar de Leuce e prelado de Moçambique o então reitor do Colégio Português em Roma, Mons. Teodósio Clemente de Gouveia, logo sagrado na Igreja de Santo António dos Portugueses, a 5 de Julho seguinte. Desde que, em 11 do Abril de 1937, entrou, solenemente, em Lourenço Marques, a sua vida

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consubstanciou-se com a evangelização da província, primeiro, e depois da sua vastíssima Arquidiocese.
Tanto que, volvidos apenas três anos, graças à sua acção denodada e inteligente, Moçambique era logo enriquecida com as Dioceses da Beira e de Nampula, sufragâneas da Arquidiocese de Lourenço Marques, a que sucessivamente vieram juntar-se as novas Dioceses de Quelimane, Porto Amélia, Inhambane, Tete e, ultimamente, a de Vila Cabral. Ergueu uma catedral maravilhosa, levantou seminários (maiores e menores), colégios, hospitais, e fundou esse belo órgão da imprensa portuguesa que se chama Diário, certamente a melhor afirmação de portuguesismo que lá possuímos.
Quando a Santa Sé o nomeou cardeal, pelo Consistório Secreto de 18 de Fevereiro de 1946, S. Ex.ª Revma. tornou-se, de facto, como escreveu Mons. A. da Silva Rego, «o cardeal africano, por excelência».
E de tal modo fez de Moçambique a sua terra, que, quando já condenado, os médicos lhe asseguravam que voltar lá era. morrer, ele quis fechar os olhos junto dos seus cristãos, à sombra, da sua querida catedral.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Bem merece, pois, Srs. Deputados, a homenagem que sentidamente se lhe vai prestar. Que ela seja grandiosa, digna do homem e do português que sempre foi.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, ao mesmo tempo, que esse monumento seja o preito de todos os portugueses ao esforço missionário em terras nossas do Indico; sobre a epopeia do missionário anónimo, a figura augusta do cardeal Gouveia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: vi-me forçado a de novo ter de pedir a palavra a V. Ex.ª Entendi ser meu dever sublinhar nesta alta Câmara uma data que se aproxima e merece na verdade ser enaltecida. Trata-se. Sr. Presidente e Srs. Deputados, do centenário do Sameiro, o grande santuário mariano do Norte, o grande santuário que tem sido teatro das maiores e mais brilhantes comemorações religiosas que se têm dado neste país. Estão já constituídas as comissões que vão promovei-as festas centenárias. A elas preside o venerando arcebispo primaz, que já tinha recebido esse encargo do seu saudoso e sempre lembrado antecessor.
Todos nós, os homens do Norte, estamos empenhados em que as comemorações atinjam aquele brilho que é próprio das manifestações religiosas que a Roma portuguesa costuma promover. Haja em vista o que se passou na posse de há dias do novo arcebispo primaz, que, pelo número e qualidade das pessoas que a ela assistiram, constituiu como que um referendo da Arquidiocese à graça da Santa Sé colocando na cátedra de S. Martinho, de João Peculiar, do Beato Lourenço, de D. Diogo de Sousa, de D. Manuel Vieira de Matos e do D. António Bento Martins Júnior quem, pela sua acção de bispo auxiliar, já há muito tinha conquistado direito a ocupá-la.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: tenho medo de cansar a atenção de VV. Ex.ªs (não apoiados), mas quero dizer alguma coisa sobre a história do Santuário do Sameiro e sobre o ambiente em que se situa a sua criação.
Todos nós sabemos que a monarquia liberal estava desenraizada dos sentimentos católicos deste país.
Recordo-me de uma carta que li há pouco, da Sr.ª D. Amélia de Bragança e dirigida a D. Manuel Baptista de Pina, em que a rainha dizia ao seu antigo confessor que não devia dirigir as suas cartas para o Paço, pois temia as reacções que isso poderia provocar.
Meus senhores: Portugal foi e será sempre um país católico.
Quero ainda dizer que, quando foi definido o dogma da Imaculada Conceição, em Portugal o Governo não permitiu que durante muito tempo fosse pelo bispo proclamado esse dogma. Era uma intromissão do Governo, um acto de injusto regalismo, que causou em Braga, como um todo o País, a maior revolta. E foi então que um virtuoso sacerdote da minha terra, o P.e Martinho, resolveu erguer no alto do Sameiro um monumento à Imaculada, iniciativa que em todo o País foi secundada.
Assim se tornou aquele local digno da peregrinação de todos os crentes e de todos aqueles que vêem em Maria a mãe do Redentor.
Sr. Presidente: recordarei que na minha infância, se falava com admiração e enternecimento da grande hora de 1904 em que a Senhora foi coroada pelo representante do Santo Padre e que nessa coroa, que Ela ainda hoje ostenta, feita com o ouro que lhe foi oferecido pelas mulheres de Portugual refulge uma
pedra preciosa que a rainha de Portugal, a Sr.ª D. Amélia de Bragança, que Salazar num acto de justiça trouxe para a terra portuguesa,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ...lhe ofereceu como preito de homenagem e lembrando-se por certo de que D. João IV tinha entregue já a realeza de Portugal à Imaculada Conceição.
Recordo que foi Braga, no sínodo que ali se realizou sob a chefia do arcebispo D. Sebastião, a primeira arquidiocese a reconhecer, mesmo antes de a Igreja o fazer oficialmente, a Imaculada Conceição de Maria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nos nossos tempos, quero referir a grande comemoração de 1954. Foi ali então, como legado de Sua Santidade o Papa, o Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa - e, a propósito, tenho a certeza de interpretar os sentimentos da Assembleia desejando que depressa retome a sua saúde, para bem da Igreja e da Pátria, quem tão nobremente a tem servido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esteve também representado o Governo, pelo então Ministro da Justiça, Prof. Doutor Cavaleiro de Ferreira. E esteve ali na montanha santa uma multidão calculada em mais de 600 000 pessoas, aclamando a Virgem como a «Alegria do Nosso Povo», a Mãe de Jesus, a Saúde dos Enfermos» e a «Sede da Sabedoria».
E, mais adiante, quero recordar ainda o Congresso do Sagrado Coração de Jesus, onde de novo esteve um legado do papa, do grande papa do nosso século, Pio XII, ...

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - ...que deu a Portugal nessa ocasião a honra de falar em português o, maior honra ainda, de chamar a Braga a Arquidiocese Primaz das Espanhas, pondo assim fim a um velho litígio que entre Braga e Toledo vinha de séculos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: todos nós esperamos que as comemorações que se vão realizar em Junho não vão desmerecer, de maneira nenhuma, daquelas de que o Sameiro tem sido teatro e esperamos que do novo o papa esteja presente na pessoa de um seu legado. E esperamos mais que a Nação Portuguesa, nesta hora em que, tanto como empunhar as armas, precisa de erguer as suas mãos ao céu, se faça ali representar de uma maneira viva e expressiva.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Meus senhores: ao falar no Sameiro, sem dúvida que ponho na minha fala todo o meu coração, o coração de um bracarense, de um homem do Norte, que formou o seu espírito à sombra daquele santuário e da Catedral de Santa Maria Maior, da Sé de Braga, a primeira catedral da Península consagrada à Mãe de Deus, no dizer dos historiadores.
Não posso de facto esquecer que foi à sombra do trono da Senhora, então mais humilde - pois grandes têm sido as obras que a Mesa da Confraria ali tem realizado, e hoje o santuário é de facto, no aspecto monumental, alguma coisa digna de se ver - que já então, no seu trono humilde, a Senhora era a Senhora dos meus encantos.
Não posso igualmente esquecer que perante Ela uni os meus destinos à companheira que Deus me deu e que perante Ela vi os meus, os da minha família, realizarem também os grandes actos religiosos da sua vida. E recordo com a maior saudade, aquela saudade que é amarga e doce ao mesmo tempo, os longínquos anos em que minha mãe me segurava as mãos perante a Senhora, ensinando-me a rezar. Esta saudade só a possui, só a sabe sentir, o coração de um órfão.
Meus senhores: a Nação Portuguesa está no momento que passa atravessando sem dúvida uma hora em que podemos dizer que todas as forças infernais se têm desencadeado contra ela. Sabemos que uma conspiração internacional pretende vergar o velho lusitano e sabemos também que o Governo, nesse ponto fiel intérprete dos sentimentos da Nação, não cede nenhum milímetro no caminho que está indicado e em que tem de continuar até ao fim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus senhores: quando os soldados lutam, quando os exércitos estão em guerra, é dever dos que estão na retaguarda, só na verdade têm crença, implorar para eles a protecção dos céus, o auxílio do deus dos exércitos. Nesta hora em que o próprio papa desce da sua cátedra para ficar mais perto daqueles que disputam a sua justa e incontestável primazia, nós, ao saudarmos a Senhora, temos de ter na mente que Ela saudou o Seu Filho, como o que tinha vindo à Terra para derrubar os poderosos e exaltar os humildes. Pois que os poderosos abandonem as suas torres de marfim, se derrubem a si próprios o exaltem os humildes, erguendo-os até si. Nesta hora em que tudo se faz para que a mensagem cristã vá a toda a parte, seja o nosso voto, o meu voto, um único: que a Nação inteira vá, como foi há 10, 50, 60 e 80 anos, ao monte do Sameiro e, com o legado do papa e o representante da Nação à frente, vá dizer à Senhora que nós queremos continuar a fazer cristandade, para que assim Ela não nos falte com a sua protecção.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua a discussão sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1962.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: desejaria que as minhas modestas palavras constituíssem um apelo a favor da industrialização de Angola.
A ideia não é nova. Tão-pouco tenho a pretensão de trazer a público um contributo pessoal, baseado em elementos inéditos.
Continuo, contudo, convencido de que esta tribuna é o local mais adequado para relembrar à consciência das forças vivas nacionais esta questão essencial: a batalha pelo progresso do maior e mais portentoso de entre os territórios que constituem a Pátria Portuguesa.
Já noutra oportunidade referi a natureza de territórios novos das províncias portuguesas de África, o que significa revelarem os mesmos, no plano económico, as seguintes fragilidades: predomínio geral da agricultura, uma ou outra vez acompanhada de algum relevo no sector terciário, mas quase sempre também de uma industrialização incipiente; baixo rendimento por habitante, em consequência destas características estruturais, agravadas, aliás, com uma fraca produtividade na agricultura, reduzida taxa de formação do capital, quando encarados os conjuntos territoriais e suas potencialidades, com ausência de um adequado sistema bancário que apoie a sua distribuição e, por vezes, com uma deficiente orientação nos investimentos; coexistência das economias de subsistência e de mercado, afectada esta última pelo reduzido povoamento; forte influência externa - mercadorias e serviços - na economia local, situação agravada pela preponderância de uma dúzia de produtos de exportação, produtos cuja sensibilidade é, de resto, tradicional nos mercados mundiais.
Fixemo-nos precisamente no comércio externo. Treze produtos de exportação representaram, em 1962, mais de 87 por cento do valor total das exportações de Angola. Desse conjunto, 59,2 por cento foram obtidos à custa de cinco produtos agrícolas (café, sisal, milho, crueira e algodão); 18,8 por cento provieram dos diamantes, minérios de ferro e petróleo (indústrias extractivas); 4,3 por cento das indústrias derivadas da pesca (farinha de peixe e peixe seco), e só 3,8 por cento das indústrias transformadoras de produtos agrícolas (açúcar e óleo de palma) Mais: nos produtos agrícolas a preponderância do café (41,8 por cento) dá a Angola uma posição entre as economias que assentam na monocultura.
Quanto às importações, embora a concentração não seja tão notável, os tecidos em peça e em obra (12,2 por cento do valor total das importações em 1962), as bebidas (8,3 por cento), os veículos automóveis (7 por cento) e o ferro em obra (4,3 por cento) têm ocupado

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os principais lugares. Por outro lado, a análise das rubricas relativas às mercadorias importadas permite concluir pela insuficiência das indústrias manufactureiras, especialmente têxteis, pela ausência de indústrias de produção de equipamentos, nomeadamente tractores, maquinaria e automóveis, e pela oportunidade das indústrias químicas, incluindo os medicamentos.
Estas debilidades no sector do comércio externo projectam-se nas razões de troca e na capacidade média de importar.
O seguinte, quadro é ilustrativo, para o período de 1957-J961 (cf. Walter Marques, Problemas do Desenvolvimento Económico de Angola):

[ver quadro na imagem]

Poderemos, em suma, concluir pela vantagem de diversificar, incrementar e valorizar as exportações e de procurar, através do desenvolvimento das forças produtivas internas, uma auto-suficiência que permita eliminar, ou diminuir consideràvelmente, algumas importações.
No decorrer desta intervenção começarei por abordar algumas infra-estruturas da industrialização (o homem, a localização das actividades, as linhas gerais da circulação, os apoios agrícola, florestal, pecuário, as pescas e a energia). Analisarei seguidamente aspectos da indústria extractiva e da indústria transformadora. E depois de discutir pontos conexionados com a problemática do desenvolvimento industrial e com o crescimento polarizado, oferecerei à consideração desta Câmara algumas conclusões.
Angola, cerca de 14 vezes maior do que a metrópole, dispõe de metade da sua população, o que se traduz numa densidade média quase 28 vezes inferior.
É certo que o crescimento da população, entre 1950 e 1960, foi de mais de 16,5 por cento, o que representa um sucesso, comparado com os índices de crescimento anteriores a 1930 (cerca de 7 por cento).
Mas a própria distribuição espacial revela notáveis desequilíbrios. Os distritos de Huambo, Luanda e Benguela, com, respectivamente, 19,5, 12,7 e 12,5 habitantes por quilómetro quadrado, estão muito distantes da Lunda (1,4), do Moxico (1,3) e de Mocâmedes (1,2). Mas dentro dos próprios distritos as médias mais elevadas são obtidas à custa de um ou outro centro. É, por exemplo, o caso do concelho de Luanda, com 106 habitantes por quilómetro quadrado, em oposição ao concelho de Quissama, com 0,75.
Os largos espaços deixados à ocupação humana são, além do mais, um apelo às populações da metrópole. E se é certo que o aumento da população branca se tem intensificado (de 47 por cento de acréscimo entre 1930-1940 para 79 por cento entre 1940-1950 e para 103 por cento entre 1950-1960) estamos muito longe daquele ritmo indispensável ao desenvolvimento das forças produtivas da província e à consolidação de uma sociedade multirracial que, nos tempos futuros, há-de ser exemplo para o Mundo e título de justificado orgulho para as nossas gerações.
Mas, ao lado desta estrutura quantitativa da populações, há que cuidar da sua qualidade. Ainda aqui se pode dizer que o homem é a principal infra-estrutura do desenvolvimento económico.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Muito bem!

O Orador: - Detenhamo-nos na instrução.
A um índice 100 de alunos matriculados em 1955-1956 correspondeu um índice 156 em 1959-1960. Terão sido os primórdios de uma revolução no sector do ensino que posteriormente se terá intensificado, mas que importa multiplicar em termos de autêntica cruzada nacional.
Esta explosão projecta-se, de resto, num aspecto inúmeras vezes destacado nesta Assembleia, mesmo a propósito da metrópole: o da exigência de élites que enquadrem a promoção cultural e estimulem as actividades produtivas da população.
Estou convencido de que o plano de desenvolvimento de Angola deverá ter um marcado cunho social, programando-se unia intensiva formação de técnicos e uma extensa instrução das populações.
O cunho social revelar-se-á ainda na saúde e assistência.
Na sua comparação com outros territórios de África, a situação de Angola, ainda aqui, é bastante lisonjeira. Mas isto não significa que nos dêmos por satisfeitos. Importa antes redobrar os esforços, persistindo no combate às endemias a adicionais, na valorização da nutrição das populações, na generalização das regras mais elementares de higiene e educação sanitária.
Ora este tríplice objectivo de promoção cultural, defesa sanitária e produtividade realiza-se ainda através de soluções de desenvolvimento comunitário.
Dada a impossibilidade de estender a todo o território de Angola esquemas desta natureza, deverão eleger-se umas tantas regiões onde se inicie tal esforço. O efeito de demonstração obtido virá a ser, de resto, a melhor credencial para a expansão do movimento.
A penetração da África não islamizada nos sistemas de economia de mercado deve-se ao homem branco. Ele levou consigo a organização urbana, que, na costa ocidental, era desconhecida para o sul do golfo da Guiné. Daí que o estudo dos centros polarizadores de Angola se ligue à sua rede urbana.
Na verdade, os fastos da valorização económica d« Angola constituem já hoje um processo histórico que abona o sacrifício- heróico dos que fizeram a unidade de territórios tão vastos, salvando-os para o convívio multirracial.
Por volta de 1846, nos reinos de Angola e de Benguela haveria 1380 brancos; em 1897, a população branca de Angola não excederia 9000 indivíduos. Mas já antes fora a experiência do Congo, as epopeias de Massagano (fundada em 1580) e de Cambambe (1609).
Mocâmedes (1840) e Huíla (1845), a mais de um século de distância, são padrões bem eloquentes da nossa persistência em permanecer. Não foi sem emoção que há meses, ao percorrer o Sul de Angola, evoquei as considerações de Bernardino Freire de Figueiredo e Abreu e senti o esforço dos que trocaram a ilha da Madeira pelas regiões para lá da serra da Cheia.
Pode dizer-se que quatro cidades do litoral (Luanda, Lobito, Benguela e Mocâmedes) e quatro cidades no planalto (Malanje, Nova Lisboa, Silva Porto e Sá da Bandeira) constituem os grandes centros de ocupação demográfica e de actividade económica de Angola (cf. por exemplo, F. Pacheco de Amorim, A Concentração Urbana em Angola).

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Luanda (fundada em 1576), Benguela (1617), Moçâmedes (1840), Lobito (1842), Malanje (1852), Sá da Bandeira (1885), Nova Lisboa (1912) o Silva Porto, que em 1930, deveriam ter, no seu conjunto, cerca de 110000 habitantes, albergavam já, em 1955, 320 000 habitantes. Este conjunto de cidades detinha, ainda em 1955, cerca de, 62 por cento da população branca de Angola (cf. os trabalhos de Ilídio do Amaral Aspectos do Povoamento Branco de Angola e Ensaio de Um Estudo Geográfico da Rede Urbana de Angola).
Verifica-se, de resto, que tais centros se localizam nas três linhas de penetração que, partindo do litoral, se apoiam em infra-estruturas ferroviárias:

Luanda, Dondo, Salazar, Malanje;
Lobito, Benguela, Mariano Machado, Nova Lisboa, Silva Porto, Luso;
Moçâmedes, Sá da Bandeira, Chibia, Serpa Pinto.

É claro que a realidade será incompleta se esquecermos outros pólos auxiliares ou secundários existentes em Angola.
As madeiras recordam Cabinda; os diamantes, a Lunda; a pesca, outros centros do litoral - além dos portos referidos -, nomeadamente Porto Alexandre e Baía dos Tigres; o café, as regiões do Congo e do Amboim.
Anote-se que a construção do caminho de ferro do Congo mais concentrará o movimento no porto de Luanda e quanto ao caminho de ferro do Amboim, a melhoria nos acessos rodoviários do Cuanza Sul à capital da província contrariará quaisquer possibilidades no incremento do seu tráfego.
A penetração longitudinal das vias férreas (que de resto algumas estradas acentuam) exige hoje uma complementar rede vertical. Ora, para lá de outra saída do caminho de ferro de Moçâmedes por Porto Alexandre, da construção do ramal de Cassinga ou da interligação dos caminhos de ferro de Benguela e de Moçâmedes, serão as estradas que têm a sua palavra a dizer. Poderia concretizar-se com alguns exemplos: o percurso que partindo de Santo António do Zaire em direcção a Luanda prossegue depois para Novo Redondo, Lobito e Benguela, flectindo aí para Sá da Bandeira, Humbe, Roçadas e Pereira de Eça; outro que vai do Zombo a Malanje e daí, seguindo pelo Bailundo, alcança Nova Lisboa, Vila Artur Paiva, Cassinga e, de novo, Pereira de Eça; um terceiro que une o Dundo a Luso e Mavinga.
Quanto a este último, acrescente-se que a região de Henrique de Carvalho tem acesso, embora mau, pelo Cuango e Baixa de Cassange, a Malanje e daí a Luanda.
Ora, se este condicionalismo dos transportes (ainda apoiado por outra vertical que é a navegação de cabotagem) ajuda a encarar a localização de novas indústrias, convirá igualmente ter presentes as disponibilidades em matérias-primas e em energia.
O inventário dos recursos agrícolas de Angola é muito vasto, oferecendo largas perspectivas à industrialização.
Refiram-se o café, o sisal, o milho, a cana sacarina, a mandioca e crueira, o óleo de palma e coconote, o algodão, o feijão, o tabaco, o amendoim, o arroz, o rícino, o gergelim, o cacau, o trigo, as frutas e outras produções menores (azeite, batata, baunilha, cânhamo, cebola, centeio, ervilha, fava, gengibu, grão-de-bico, hortaliças e legumes, linho, pimenta, ráfia, sumaúma e urzela).
O caminho a percorrer deverá traduzir-se num incremento da produção agrícola e no seu maior aproveitamento industrial na província.
Poupo a Câmara a uma análise detalhada das possibilidades industriais de todos estes produtos. Referirei, porém, um ou outro aspecto que se me afigura do maior interesse, relativamente aos produtos principais.
Começo pelo café, cujas exportações renderam, em 1962, 1 800 000 contos. É, na verdade, indiscutível esta presença no processo do desenvolvimento de Angola. Os estudiosos não terão dificuldade, por exemplo, em estabelecer um paralelo entre o ritmo das construções urbanas em núcleos como Luanda, Carmona ou Gabela e as cotações do café.
O café provém de grandes fazendas ou de lavras de africanos e de europeus. Em 1961 a produção das lavras dos africanos correspondeu a 26 por cento da produção total.
Uma tarefa a prosseguir consistirá na valorização dos processos de cultura dos africanos. De facto, anotam-se deficiências, como viveiros mal tratados, com eliminação, às vezes total, da sombra; utilização de solos esgotados; secagem defeituosa e descasque manual por meio de pilões de madeira, donde resulta uma qualidade duvidosa, cheia das «pechas» mais desagradáveis no café (bago verde, fermentado, furado ou achatado). A secagem em chão de ladrilho de tijolo tem permitido também eliminar um certo gosto a terra.
A rede industrial no cate liga-se, às instalações de benefício (localizadas no interior) e de rebenefício (nos portos do litoral). Ainda recentemente se noticiava a instalação em Luanda de uma unidade fabril para selecção de cafés, por meio de um sistema baseado em processos electrónicos, que trabalha ao ritmo de 7000 bagos por segundo.
A indústria do café solúvel tem sido um dos problemas mais ventilados. O interesse de tal indústria tem-se afigurado residir nas possibilidades de exportação, constituindo meio para aproveitamento dos cafés de baixa qualidade (cf., por exemplo, o bem elaborado estudo do Eng.º Alberto Diogo, Rumo à Industrialização de Angola). A própria localização de uma fábrica na Gabela foi preconizada num trabalho do Prof. Teixeira Pinto (Angola: Pólos e Perspectivas de Desenvolvimento), «cumulativa ou alternativamente com a que se sugeriu para Luanda, de modo a atenuar possíveis reflexos da crise do café no papel polarizador da C. A. D. A.».
O sisal, cujas exportações renderam, em 1962, 410 000 contos (ou seja, mais 30 por cento do que no ano anterior), constitui um forte apoio das actividades no planalto de Benguela (Cubal, Ganda e junto ao caminho de ferro na zona de Nova Lisboa), na região do Lobito (terminal do rio Catumbela e Bocoio) e na Gabela e Quibala. O surto das cotações nos últimos tempos deverá ser aproveitado para uma valorização das plantações e reequipamento das indústrias primárias de transformação (110 fábricas na província). Só na área de Benguela existem cerca de 5000 ha de terras em produção, estimando-se em 50 000 contos o capital investido na indústria da desfibra (74 unidades). O emprego do sisal na indústria de sacos (destinados a produtos de certa granulometria) permitiria a sua maior utilização interna e faria diminuir ;i importação da juta (27 000 contos em 1961).
Três motivos fundamentam a importância do milho em Angola: o facto de ser um grande apoio das culturas nativas (cerca de 400 000 t de produção em 1953), a circunstância de constituir a base da alimentação de grande percentagem de populações e o rendimento da sua exportação (364 000 contos em 1960; 224 000 contos em 1961; 151 000 contos em 1962).
Importa continuar a dar as melhores atenções â produção e ao aproveitamento industrial do milho. Conformo depoimento do Instituto de Investigação Agronómica, «a produção unitária média não se afastará muito dos 400-600 kg/ha, que se pode considerar, sem dúvida, um nível marginal [...]. Os poucos agricultores evoluídos

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conseguem produções unitárias um tanto superiores, mus em raros casos atingem níveis comparáveis às médias obtidas na Rodésia do Sul (cerca de 2800 kg/ha) [...]. Há um longo caminho a percorrer no melhoramento da cultura do milho, baseado no enquadramento num sistema equilibrado de exploração da terra, em que se possa tirar partido da rotação de culturas, boa preparação dos campos a semear, adubação racional, combate às infestantes (sachas e monda química), amontoa, tratamento preventivo das sementes com misturas insecticidas-fungicidas, etc. [...]. Uma zonagem mais criteriosa da cultura do milho poderá modificar substancialmente o panorama da produção, fomentando-a numas zonas e desencorajando-a noutras, onde são grandes as possibilidades de aproveitamento agro-pecuário».
Mas as aplicações industriais do milho multiplicam-se. Ao fabrico da farinha e do amido (maizena) sucede-se a utilização no fabrico de plásticos rígidos ou de fibras sintéticas para tecidos finos. Além dos amidos, xaropes, açúcar, rações para animais, extrai-se ainda do gérmen do milho um óleo para fins alimentares, sendo mesmo os resíduos desta extracção utilizados na preparação de rações alimentares (cf. o citado trabalho do Eng.º Alberto Diogo). Angola poderá assim ser local adequado para a instalação de importantes complexos industriais fundados no milho.
Tal como o milho, também a mandioca desempenha importantíssimo papel na alimentação das populações nativas. A crueira, produto obtido da secagem da mandioca, figurou nas exportações de 1962 com o valor de 110 000 contos, ou seja mais 20 por cento do que no ano anterior, o que se deveu a uma alta nas cotações.
Ora a mandioca é ainda susceptível de largo aproveitamento industrial. Os técnicos afirmam que o amido da mandioca verde, é superior ao da mandioca seca. Aqui estaria uma indústria a instalar no Luso. De facto, os distritos da Lunda e do Moxico reúnem excelentes condições para a cultura da mandioca.
Só no distrito do Moxico, a estimativa da produção comercializável na última campanha foi de 82 100 t, distribuídas pelo concelho do Moxico (30 000 t), do Dibolo (25 000 t), de Luchazer (18 000 t), de Bundas (9000 t) e do Alto Zambeze (100 t).
O actual governador do Moxico, numa actividade incansável, tem apoiado uma interessante experiência de colonatos (Caminina, Sacassange e Luxia, além dos núcleos de Cangunda, Lussangage e Luangrico). Pois, quando há meses os visitei, fiquei compenetrado da importância da mandioca nas respectivas economias (além do gado, milho, arroz, feijão, amendoim, batata e produtos hortícolas). Eis um caso em que a industrialização se poderia conjugar com a instalação de colonos, assegurando estes à unidade industrial a matéria-prima indispensável a uma laboração normal e, reciprocamente, assegurando a fábrica àqueles o escoamento da sua produção agrícola.
No período de 1956-1958, o consumo médio por cabeça de açúcar nos países da Europa ocidental foi de 30,4 kg. Tal valor era obtido à custa de consumos elevados, como o da Inglaterra (50,8 kg por habitante), ou médios, como o da Áustria (34,3 kg por habitante), ou insuficientes, como Portugal (16,2 kg por habitante) (cf. O. E. C. E. Agricultural and Food Statistics, 1959).
O incremento nos consumos tem-se, de resto, acentuado nos últimos anos, inclusive em Portugal. As boas perspectivas no mercado mundial conduziram muitos países, como os Estados Unidos, o México, a Austrália e as Filipinas, a investir importantes capitais nesta indústria, à sombra de sólidos planos de expansão.
Ora a capitação do consumo do açúcar deve ter sido, em 1962, de 6,7 kg por habitante em Angola.
Assim, os futuros incrementos de consumo no espaço português, e sobretudo a circunstância de já hoje o ultramar não assegurar o abastecimento da metrópole, recomendam uma revisão substancial neste sector da produção e industrialização da cana sacarina.
Os elementos relativos a Angola no ano cultural de 1960-1961 constam do seguinte quadro (cf. Eng.º Alberto Diogo, Rumo à Industrialização de Angola, citado):

[ver quadro na imagem]

Quanto ao rendimento em açúcar, os valores obtidos em Angola (9 a 11 por cento) são igualmente baixos.
Mas estão provadas as aptidões de algumas zonas de Angola para a produção da cana sacarina. Mais: para lá do sistema tradicional das grandes plantações recomenda-se a utilização da cultura da cana como apoio no estabelecimento de colonatos.
Tive ocasião, em Moçambique, de visitar as plantações junto do Buzi, onde os agricultores vendem a sua produção à respectiva fábrica.
Soluções desta natureza recomendam-se até no plano social.
As exportações de óleo de palma e de coconote proporcionaram à balança comercial de Angola, em 1962, respectivamente 71 700 e 35 600 contos.
Pode dizer-se que a zona apta à «elaeicultura» na província se situa entre os 12º de latitude sul e os 15º de longitude oeste, em altitudes inferiores a 900 m.
Simplesmente, ainda aqui não se encontram esgotadas as possibilidades de plantação, valorização dos palmares espontâneos e aproveitamento industrial do coconote e do óleo de palma.
O primarismo revelado na preparação realizada pelos nativos, para autoconsumo. proporciona-lhes uma péssima qualidade. O próprio aproveitamento industrial revela deficiências que se traduzem em óleos rijos e muito acidulados (cf., contudo, a comunicação apresentada às IV Jornadas Silvo-Agronómicas sobre Características dos Óleos de Palma Exportados por Angola).
E chego a uma das produções mais discutidas: o algodão.
As grandes zonas tradicionais de cultura localizam-se nos distritos de Malanje (nomeadamente a Líaixa de Cassange) e Luanda e na zona de Seles.
Os seguintes números (cf. Relatório ao Danço de Angola, de 1960) dão uma ideia mais concreta dessa localização indicando a produção nativa de algodão caroço (em toneladas).

Distritos:
Ano de 1959-1960
Congo (Ambrizete) ........................................ 413
Luanda ................................................... 5 579

Ambriz ................................................... 374
Dande .................................................... 361

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Icolo e Bengo ................................ 4 250
Quissama ..................................... 456
Viana ........................................ 138

Cuanza Norte (Cambambe) ...................... 641
Malanje ...................................... 9 503

Bondo e Bangala .............................. 2 492
Cambo ........................................ 3 221
Duque de Bragança ............................ 1 498
Songo ........................................ 2 292

Lunda (Camaxilo) ............................. 109
Cuarza Sul ................................... 2 894

Ainda segundo o Relatório do Banco de Angola de 1962, a produção neste ano estimulou-se em 22 500 t, das quais 15 200 t em Malanje e Lunda, 30001 no Cuanza Sul 3650 t em Luanda e 650 t no Zaire.
Em 1962 foram constituídas as primeiras cooperativas previstas no Decreto-Lei n.º 40405, de 24 de Novembro de 1955.
Tive ocasião de visitar a região de Catete, onde as cooperativas agrupavam 300 agricultores, numa área de 300 ha. e a Jimba (no Cuanza Sul), onde, além dos 300 associados, havia mais 700 pedidos de inscrição de produtores, o que demonstra o interesse despertado pela nova solução.

Integrando-se no mesmo propósito, a principal concessionária do algodão resolveu iniciar a agricultura directa e mecanizada desta cultura, para o que requereu uma área de 3000 ha, com possibilidade de ser aumentada para 10 000 ha, implicando um investimento de cerca de 50 000 contos.

(Cf. Relatório do Banco de Angola de 1962, já citado).
Já em 1963 o Decreto-Lei n.º 45 179, de 5 de Agosto de 1963, estabeleceu as bases do novo regime do fomento, cultura, comercialização e industrialização do algodão, a vigorar nas províncias ultramarinas. O novo sistema assenta no princípio da livre expansão da iniciativa privada e põe termo ao regime das concessões algodoeiras.
Em 1962 apenas duas fábricas estavam autorizadas a laborar em Angola: uma com a capacidade de 1200 t de tecidos por ano (ainda, não atingida), outra com a capacidade de 1250 m de lonas e tussores por dia, indústrias manifestamente insuficientes para satisfazerem o consumo interno. De facto, nesse mesmo ano, Angola importou 5529 t de fios e tecidos de algodão no valor de 343 000 contos.
No quinquénio de 1958-1962, Angola exportou 2897 t de tabaco manipulado, no valor de 30 900 contos, e importou 1107 t que lhe custaram 33 000 contos. Daqui resulta que o preço unitário das qualidades importadas é mais do dobro do das exportadas, ou, por outras palavras, é inferior a qualidade produzida no território, tendo as três fábricas existentes em Luanda, com a capacidade total de cerca de 3000 t de manipulados por ano, de recorrer à importação de ramas finas.
Creio constituir a cultura do tabaco um sector digno de persistente actuação. Além da região de Malanje (onde existe um grémio que realiza a comercialização) e do Benguela (que dispõe da Cooperativa dos Agricultores de Tabaco de Quilengues e Lola), o tabaco parece animar as atenções nos novos colonatos. Tive ocasião de me aperceber deste facto no colonato do Cunene, onde o interesse dos agricultores por esta cultura se tem acentuado.
Angola importou, em 1962, 19 000 contos de frutas, ou seja mais 36,5 por cento do que em 1961. Trata-se, contudo, de um sector em que as possibilidades do território são vastas, mas onde o caminho a percorrer para. o seu aproveitamento é igualmente largo. Não estão em causa apenas as clássicas produções tropicais. As regiões planálticas de Angola são ambiento adequado para o desenvolvimento das espécies dos climas temperados. Mais: surpresas desta variedade de aptidões produtivas de Angola residem nas uvas e nas azeitonas. É com certa emoção que na região de Moçâmedes, nos vales do Bero e Giraul, admiramos formosos olivais (cerca de 480 t de produção de azeitonas). A marginação conveniente destes rios seria um apoio ao desenvolvimento da olivicultura.
Tem-se acentuado que a industrialização e exportação de frutas poderia desde já fazer-se, relativamente às bananas, às mangas, às goiabas, às laranjas, ao ananás e ao abacaxi, aos marmelos e às papaias.
Algumas produções podem constituir forte apoio ao desenvolvimento regional.
Assim, os terrenos do troço inferior do vale do Cavaco (Benguela) poderão transformar-se num grande centro produtor de bananas. Os rendimentos unitários da cultura - 47,5 t de banana fresca por hectare durante os oito anos de vida económica do bananal - e a qualidade dos frutos proporcionam resultados altamente compensadores [cf. as comunicações apresentadas às IV Jornadas Silvo-
Agronómicas de Nova Lisboa (Outubro de 1963) intituladas Estudos sobre Alguns Problemas Agrícolas da Zona Litoral de Benguela, Da Cultura da Batata no Vale do Cavaco, O Vale do Cavaco como Produtor de Banana].
Já se calculou que o aproveitamento pela bananicultura de 3000 ha do vale do Cavaco poderia proporcionar 142 500 t de banana fresca. Se deste total Angola exportasse 120 000 t, poderia receber de cambiais 132 000 contos, verificada uma cotação de 1$10 o quilograma. Se esta produção fosse convertida em passa de banana, as correspondentes 36 000 t (cerca de 30 por cento), a 8$ o quilograma, renderiam 288 000 contos. Mas se a matéria-prima fosse transformada em farinha de banana, as correspondentes 16 800 t (cerca de 14 por cento), a um dólar e um quarto o quilograma, valeriam 588 000 contos (cf. a comunicação às IV Jornadas Silvo-Agronómicas Da Exportação e Industrialização da Banana do Cavaco).
Também o Luso poderia ser um centro de grande produção e aproveitamento industrial do abacaxi. Não raro se ouve nas zonas planálticas de Angola fazer a defesa da produção de vinhos de frutas, nomeadamente o vinho de laranja e de ananás e abacaxi.
Mas onde o esforço para a produção e industrialização de frutas das zonas temperadas nos parece Mais tentador é na região de Sá da Bandeira. É pena que a experiência de muitas décadas na introdução das variedades não tenha sido cientificamente acompanhada, de forma a poder-se programar e executar um conveniente fomento frutícola.
E passo à silvicultura.
A exportação de madeiras atingiu em 1962 mais de 51 000 t, no valor de 55 000 contos. A quebra relativamente ao ano anterior foi bastante sensível: menos 23 000 t no peso e 18 500 contos no valor.
A gama de madeiras existentes no território de Angola é variada. Mognos para alta marcenaria e contraplacados, madeiras rijas para marcenaria ou madeiras muito rijas para fins diversos; eis um mundo de possibilidades e de riqueza. Mas a isto avoluma-se hoje um aproveitamento industrial que permitirá obter, a partir da árvore, grande número de produtos químicos.

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O enclave de Cabinda, principalmente na região de Maiombe, é a reserva mais expressiva nos recursos florestais. Calcula-se que possa assegurar uma exploração de 150 000 m3 a 200 000 m3 de madeira por ano. Simplesmente, haverá que vencer, além de outras dificuldades de circunstância, as deficiências técnicas e a carência de infra-estruturas.
Em 1960, por exemplo, Cabinda exportou 120 000 m3, dos quais 110 000 m3 em toros e apenas cerca, de 10 000 m3 de madeira serrada.
Menos expressiva, embora de bastante interesse, se tivermos em conta as actuais possibilidades económicas da região, é a exploração florestal no distrito do Moxico. Os volumes de corte autorizado em 1962 foram de 51 000 t, das quais 21 000 t se destinaram a travessas para o caminho de ferro de Moçâmedes. A madeira exportada atingiu no Moxico cerca de 10 000 m3, no valor de 8500 contos, tendo laborado 25 serrações.
A utilização no planalto e no Sul de Angola da madeira para os caminhos de ferro e como combustível põe dois problemas: o do repovoamento florestal e o da substituição do próprio combustível.
Comecemos por este último. Quem visita Porto Alexandre ou a Baía dos Tigres verifica com surpresa que as indústrias de peixe utilizam a madeira como fonte de energia. Terras do deserto irão buscar longe tal combustível, ajudando talvez a expandir a própria erosão. A pergunta é se não será mais lógico e mais económico o recurso a outras fontes, numa hora em que o petróleo, por exemplo, é já uma bela realidade na província.
Ao longo do caminho de ferro de Benguela colhe-se a agradável impressão de um esforço de reflorestamento que seria igualmente de desejar para as regiões do caminho de ferro de Moçâmedes. O eucalipto é aí uma larga presença na paisagem, a evocar um esforço que permitiu mesmo a localização no Alto Catumbela de uma grande unidade para o fabrico da celulose e do papel. A 1300 m de altitude, distando 270 km do Lobito e 130 km de Nova Lisboa, surgiu um indiscutível pólo de desenvolvimento, em que se investiram 400 000 contos, onde se instalaram 1500 pessoas e que estimulou mesmo o aproveitamento hidroeléctrico de Lomaum (a 50 km da fábrica, de celulose); passo decisivo no aproveitamento das grandes possibilidades energéticas do rio Catumbela.
Ligada às florestas está, em dada medida, a produção de cera. Ora, Angola, que em 1953 exportou 1361 t de cera, tem visto essa exportação reduzida a metade (730 t, no valor de 21 500 contos, em 1962) nos últimos anos. Penso que este sector deveria merecer as melhores atenções dos serviços públicos, interessando os nativos e sobretudo, iniciando-os em técnicas de aproveitamento cujo desconhecimento prejudica um bom rendimento nas colheitas. Acresce que são algumas das regiões mais atrasadas de Angola (Moxico, Alto Zambeze, Guando Cubango) as que oferecem melhores possibilidades. Tratar-se-ia, portanto, de um útil apoio na economia dos naturais.
A pecuária é sem dúvida, um dos sectores mais apaixonantes da economia de Angola. Apercebe-se de tal facto quem se debruce sobre os relatórios e estudos dos que nas últimos dezenas de anos tem servido Angola, quem evoque os Cuanhamas ou quem percorra as extensas regiões do planalto e do Sul da província.
O arrolamento de gado de 1958, talvez pecando por deficiência, revelou a existência na província de mais de 2 milhões de cabeças, com grande preponderância para os bovinos.
Não deixará de ter interesse transcrever aqui os números relativos ao total apurado, às principais espécies e sua distribuição regional:

[ver tabela na imagem]

Há um largo caminho a percorrer na valorização da pecuária de Angola. A política de fomento deve ser intensificada, tendo em conta a educação dos criadores, a multiplicação nos cruzamentos das espécies, a criação de sistemas de irrigação, ou outros processos mais económicos de aprovisionamento e fornecimento de água, o estudo e generalização de forragens adequadas, a intensificação da acção profiláctica, a criação de fazendas ou outros tipos de exploração racional, o crédito agro-pecuário, a coordenação entre a produção e a comercialização, transporte e industrialização do gado.
Em 1950 uma missão da E. C. A. estudou a viabilidade de um projecto de exploração pecuária e industrialização de carnes em Angola. Tal missão concluiu serem boas as possibilidades da província relativamente à congelação de carnes de vaca e de porco, reconhecendo a qualidade do gado e do capim. Previa-se um matadouro frigorífico apetrechado para produzir 6000 t de carne congelada e 2080 t de subprodutos em 300 dias de trabalho útil. O projecto considerava a produção de carnes congeladas, a produção de salsicharias, a preparação de gorduras industriais e comestíveis, o fabrico de farinhas de sangue e ossos, o fabrico de gelatina e a preparação de couros. Constituir-se-ia um entreporto frigorífico em Moçâmedes e utilizar-se-iam vagões frigoríficos entre Moçâmedes e Sá da Bandeira.
Presentemente duas organizações procuram realizar os seus esquemas. Uma dispõe já de um matadouro em Moçâmedes e constrói outro em Sá da Bandeira. A outra tem em construção um matadouro em Nova Lisboa « está autorizada a instalar outro em Sá da Bandeira.
A indústria de salsicharia conta alguns sucessos na província. A produção subiu de 1209 t em 1950 para 3252 t em 1962. A Huíla (com 1602 t em 1962) e o Huambo (1052 t) são os dois grandes centros produtores.
Quanto aos lacticínios, Angola importou, ainda em 1962, quantidades no valor de 64 000 contos (9900 da manteiga; 13 200 de queijo; 40 200 de leite em pó ou condensado). Visitei há meses a fábrica da Cela, em funcionamento, e a de Nova Lisboa, em finais de instalação. É natural que. removidas algumas dificuldades, dêem um contributo ao abastecimento dos grandes centros que procuram servir.
Também se avoluma o abate do gado para consumo na província. O número de reses abatidas passou de 115 000 em 1961 para 132 000 em 1962. Este facto não poderá ser minimizado ao estruturar-se a produção, comercialização e aproveitamento dos efectivos disponíveis.
O sector das pescas é dos que contam maiores tradições em Angola e tem desempenhado papel de relevo na vida económica dos principais núcleos do litoral.

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Assim, talvez não seja despropositado trazer à consideração números que revelem a sua evolução (cf. o Boletim Trimestral n.º 23 do Banco de Angola).
Eis os elementos sobre os pescadores existentes, as embarcações utilizadas e o peixe desembarcado nos últimos anos:

[ver tabela na imagem]

Em 1962 o peixe desembarcado atingiu 279 226 t, no valor de 191 784 contos.
Os principais centros de actividades piscatórias são Moçâmedes (Mocâmedes, Porto Alexandre e Baía dos Tigres), Benguela (Benguela e Baía Farta), Cuanza Sul (Novo Redondo, Quicombo e Porto Amboim) e Luanda (Cacuaco e ilha do Mossulo).
O distrito de Moçâmedes dispõe de 73 estabelecimentos industriais, o de Benguela 77, o de Cuanza Sul 45, o de Luanda 65 e o do Zaire 1. Ao todo existem assim em Angola 261 unidades! Destas, 6 são estabelecimentos de salga e seca, farinhas e óleos e conservas de peixe: 54 estabelecimentos de salga e seca e farinhas e óleos de peixe; 4 estabelecimentos de farinhas e óleos e conservas de peixe; 56 estabelecimentos só de farinhas e óleos de peixe; 2 estabelecimntos de salga e seca e conservas de peixe (apenas pelo frio); 128 salgas e secas de peixe, e 11 de conservas de peixe (cf. Alberto Diogo, Ritmo a Industrialização de Angola, já citado).
A produção das indústrias de pesca em Angola nos últimos anos foi a seguinte (em toneladas):

[ver tabela na imagem]

O confronto dos números, na multiplicidade dos estabelecimentos e sua actividade e na evolução das quantidades produzidas, é um índice da debilidade estrutural deste sector das pescas.
Uma apreciação mais completa resultará da análise dos valores de exportação nos últimos anos:

[ver tabela na imagem]

A série de medidas tomadas e que se ligaram ao Fundo de apoio à pesca, à Comissão Nacional de Coordenação o Apoio das Pescas, ao Instituto das Indústrias de Pescas de Angola, à criação dos grémios dos industriais de pesca, etc., revelam ainda como a chamada «crise das pescas» tem mobilizado as atenções.
Quem ouve, no litoral do Sul de Angola, as pessoas ligadas a este sector de actividades, fica convencido de que entre as suas reivindicações se encontra o desejo de assistência técnica, a modernização dos métodos de captura, as facilidades na aquisição de combustíveis líquidos e de redes, a existência de centros de preparação de pessoal, o agrupamento das pequenas actividades em cooperativas, a concentração regional das indústrias, um apoio financeiro, a redução de taxas e sobretaxas que oneram o pescado e a anulação de impostos em dívida e seu abaixamento.
Confia-se, de resto, em que o Instituto das Pescas disponha de possibilidades que lhe permitam levar a bom termo os seus propósitos (cf., por exemplo, o relatório n.º 1 de 1963, Situação o Tendências da Indústria de Pesca).

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É norma comum que o sucesso da industrialização se liga. à existência de energia abundante e barata. Daí o interesse da seguinte questão: quais as possibilidades energéticas de Angola?
A técnica, renova-se em combinações ou aproveitamentos. Por outro lado, a projecção de recursos oferece, muitas vezes, novas e agradáveis certezas.
Quero apenas significar que me limito aos recursos conhecidos de Angola.
Por exemplo: no que respeita a carvões, a pouca prospecção realizada não nos permite ideias seguras sobre as disponibilidades do subsolo. Fala-se vagamente dos carvões do Moxico, ao que parece lignites de boa qualidade, mas sem aproveitamento efectivo. Também a energia solar (em que Angola poderá ser fértil) ou a energia eólica, (que mereceu um estudo considerando o Saco-Baía dos Tigres) não estão em causa. Já os carvões betuminosos poderiam ter sido dignos de maiores atenções. A sua abundância em Angola e a larga gama do possibilidades que oferecem (as "libolites" revelam-se superiores aos carvões betuminosos austríacos e alemães) poderiam ter interessado os grupos financeiros.
Limito-me, portanto, ao petróleo e à hidroeleotrioidade.
Quando, em 20 de Julho do 1061, na Quissama, o campo Tobias, trouxe novas perspectivas ao petróleo em Angola, pode dizer-se que se virou uma página na história económica da província.
O Tobias 4, debitando cerca do 2000 t por dia ou oferecendo a possibilidade de 3800 t foi a primeira grande certeza de uma realidade de que a população de Angola está certa e de cuja repercussão no futuro económico do território talvez estejamos longe de nos aperceber.
Não se trata já de uma fonte de energia para a suficiência interna, mas de uma fonte do divisas que ajudará, de forma bem decisiva, a dar novo sentido à balança de pagamentos da província.
A refinaria de Luanda, com uma capacidade de 550 0001 em 1962 laborou nesse ano 347 000 t das 471 000 t extraídas.
E que dizer das possibilidades hidroeléctricas?
Os números das estimativas atingem tamanha expressão que se corre o risco de perder o sentido das suas dimensões.
Já há anos, num cálculo relativo a aproveitamentos a fio de água, se consideravam 32 000 milhões de kilowatts, dos quais 6000 milhões para a zona hidrológica do Norte e Nordeste (bacia do Zaire), 4000 milhões para o Sueste (Zambeze, Guando e Gubango). 10000 milhões para o Sudoeste (Cunene, Longa, Cuevo e Gatumbela), 2000 milhões para o Noroeste (M Bridge, Loge, Dande e Bengo) e 10 000 milhões para a bacia do Cuanza.
Os números ganhariam outra- expressão ainda mais grandiosa só considerássemos a regularização dos rios através do albufeiras. Só a bacia hidrográfica do Cuanza poderia produzir 50 000 milhões de kilowatts-hora!
Os aproveitamentos realizados ou em curso são, portanto, uma parte ínfima das potencialidades dos rios de Angola.
Mabubas (31,6 milhões de kilowatts-hora), Biópio (37,6 milhões de kilowatts-hora), Matala (92 milhões) encontram-se igualmente a grande distância do primeiro grande aproveitamento efectuado na província, ou seja Cambambe (700 milhões de kilowatts-hora, na fase actual).
A elevação da barragem de Cambambe para a cota 132 m e da potência disponível para o 4 X 65 000 kW asseguraria uma produção anual de 1250 milhões de kilowatts. Mais: a construção de uma grande albufeira de regularização a montante (com capacidade útil de 2200 milhões de metros cúbicos, para regularizar um caudal da ordem dos 300 m 3/8.) a 400 m 3/8.) permitiria a Cambambe produzir cerca de 3000 milhões de kikwatts-hora por ano.
Cambambe foi, de resto, concebida como apoio de um grande pólo de desenvolvimento. A indústria de ferro-ligas, gusa e carbonatodo cálcio consumiria 200 milhões do kilowatts-hora; a rega e drenagem do vale do Bengo 180 milhões. Mas seria o alumínio o grande consumidor; a produção inicial de 20 000 t exigiria 400 milhões de kilowatts-hora, e na segunda fase atingir-se-ia mesmo o milhão. A estes complexos juntar-se-iam ainda os adubos azotados e a produção de açúcar.
Razões variadas tem obstado à concretização dos desígnios anunciados. Os meus votos são para que se removam dificuldades e se crie interesse, de forma a tirarmos dos investimentos de Cambambe (980 000 contos nesta primeira fase) o melhor aproveitamento.
Os aproveitamentos hidroeléctricos em Angola recomendarão de futuro uma melhor atenção para vários aspectos: a sua viabilidade para fins múltiplos; os estudos seguros que obstem a surpresas que encareçam as realizações; a segurança nos consumos de energia; a economia nas obras e o baixo custo no kilowatt-hora produzido. Poderá ser mais viável, em determinado estádio de desenvolvimento, uma política de pequenos aproveitamentos. Por outro lado, o transporte a grande distância, embora tecnicamente- possível, poderá ser menos defensável que a realização de aproveitamentos menores, não só por razões de economia, mas pelo interesse em multiplicar os pólos de desenvolvimento.
Não será despropositado salientar ainda o Catumbela, o Cunene e o Cuvo.
A barragem de Lomaum, a que já me referi, terá na fase final uma potencía de 50 000 kW, o que permitirá um fornecimento de 300 milhões do kilowatts-hora por ano. A economia, e as possibilidades energéticas da bacia do Catumbela parece constituírem uma nota bastante reconfortante para o futuro de uma zona que já hoje é das mais desenvolvidas de Angola.
Quanto ao Cunene, a possibilidade de venda de energia ao Sudoeste Africano trouxe para a imprensa diária a evidência do sou maior interesse.
Desejaria prestar aqui homenagem a um grande obreiro do ultramar português: o Eng.º António Trigo de Morais.
Quando um dia se escrever a história da nossa presença em Angola e Moçambique, o nome do Eng.º Trigo de Morais avultará como um dos mais eloquentes testemunhos da nossa vontade de permanecer em África.
O colonato do Cunene teve desde sempre esta orientação:

A obra do povoamento que só pretende realizar, enraizada no regadio, é para brancos o pretos e situa-se no caminho seguido por Portugal desde sempre na sua acção civilizadora. Nela há lugar para todos. É uma obra em que a vida em conjunto de brancos e pretos será fraternalmente ligada pelo anseio do engrandecimento espiritual e material da Nação.

Quem de avião, proveniente de Sá da Bandeira, demande o colonato do Cunene sentir-se-á, a dada altura, transportado para outro mundo, em flagrante contraste com a monotonia da savana. Uma vila e quatro aldeias, num total de 324 famílias, uma área irrigada de 2756 ha uma cooperativa agrícola com cinco fábricas (preparação de tabaco, moagem, desidratação e farinação de luzerna, concentrados de tomate o embalagens), eis a obra em que se investiram 222 000 contos.
A barragem da Matala serve, não só este povoamento agro-pecuário, como ainda de ponte rodoviária e ferroviária

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e a produção de energia para o colonato. Sá da Bandeira, Moçâmedes e, brevemente Porto Alexandre.
A central, localizada a seguir à barragem, com tomada de água nesta, destina-se a três grupos turbo-alternadores de 17 M. V. A., dos quais dois já se encontram instalados.
Já no parecer da Câmara Corporativa sobre o II Plano de Fomento se acentuava a oportunidade em proceder ao estudo das cabeceiras do Cunene até à Matala. Ainda aí se recordava que o Ministério do Ultramar atribuíra especial interesse às águas do Cunene, na importantíssima zona económica e política do Sul de Angola.
É para o relevo deste aspecto, e consequente necessidade de prosseguir nas realizações de ocupação e desenvolvimento desta zona, que desejo chamar as atenções da Assembleia Nacional.
O plano geral de aproveitamento hidroeléctrico da bacia do Cunene a montante da Matala encontra-se elaborado. Dos dez aproveitamentos estudados, oito são considerados viáveis, proporcionando uma energia produtível de 290 GWh.
A realização de tal esquema permitirá responder ao incremento nos consumos de electricidade (considerando mesmo o desenvolvimento das minas de Cassinga), tirar melhor partido do aproveitamento já efectuado da Matala, assegurar a venda de energia e do água ao Sudoeste Africano e realizar a rega do futuro colonato do Mulondo-Quiteve-Humbo (80 000 ha), já previsto no I Plano de Fomento e indispensável como presença política na proximidade de fronteiras.
Tive ocasião, na companhia do inteligente e dinâmico governador do distrito de Cuanza Sul, de percorrer uma pequena parte da região do rio Cuvo. Este rio será um dos testemunhos mais eloquentes das potencialidades energéticas de Angola. Numa extensão de 80 km entre os rápidos de Lombe-Lombe e a« cachoeiras da Binga, há um desnível de cerca de 1000 m. O caudal de estiagem é de cerca de 30 m 3/8.
O aproveitamento, a fio de água nesta zona permitirá uma potência mínima de 90 000 kW, ou seja uma produção anual de cerca de 750 milhões de kilowatts-hora. Se considerássemos a regularização dos caudais com albufeiras, tal produção poderia triplicar.
Já se estimou que o aproveitamento dos rápidos de Lombe-Lombe custaria apenas 66 000 contos e o das cachoeiras da Binga cerca de 35 000 contos. Se estes números se confirmassem, poderíamos referir este caso como um exemplo daqueles em que valeria mais efectivar os aproveitamentos locais do que efectuar os transportes a grande distância.
Mesmo que se procedesse à derivação de águas do Cuvo para a rega da Cela, a importância hidroeléctrica do rio subsistia. Por outro lado, o distrito de Cuanza Sul é uma importante zona de actividades de Angola, com alguns núcleos urbanos de relevo e aceitável rede de comunicações. Tudo parece concorrer para que se acolham com o melhor interesse os propósitos esboçados de aproveitamento desta importante fonte de recursos energéticos.
Já noutra oportunidade, ao defender nesta Assembleia a intensificação do povoamento dos territórios portugueses de África, chamei as atenções para a importância das indústrias extractivas no ultramar. Preconizei então a necessidade de só rever o regime de minas e certas situações de monopólio que podem contrariar um incremento na exploração dos recursos do subsolo.
As grandes possibilidades do subsolo de Angola são uma indiscutível realidade, que aliás, todos os dias se confirma em novas e bem consoladoras certezas.
Ora eu creio que deveríamos intensificar o nosso esforço na exploração destes recursos. Angola precisa de mobilizar fundos para a aceleração do seu desenvolvimento; a Nação necessita de meios financeiros para persistir na defesa dos seus direitos contra os ataques do novo racismo, da plutocracia e do comunismo internacionais. Por que não aproveitar as enormes disponibilidades do subsolo? Não raro a imprensa dá conta do interesse de grupos estrangeiros, relativamente aos minérios do ultramar. Penso que o Governo deveria dispor de um serviço especial encarregado da propaganda, da informação e dos contactos internacionais, relativamente à aplicação de capitais estrangeiros e utilização de correspondente apoio técnico. Isto mesmo contrariaria a actividade imoral de um pretenso tráfego de influências a que se dedicam entre nós alguns indivíduos, que trocam com facilidade o patriotismo pelo parasitismo social.
Os valores da exportação da indústria extractiva são ainda diminutos para as grandes possibilidades de Angola: diamantes, 662 000 contos em 1961 e 555 000 contos em 1962; ferro, 143 000 contos em 1961 e 131 000 em 1962; manganés, 13 000 contos em 1961 e 5000 em 1962. Quanto ao petróleo e derivados, exportaram-se em 1962 56 000 contos de petróleo em bruto, 47 000 contos de fuel-oil e 19 000 contos de gasolina.
Pode, contudo, afirmar-se quanto aos carvões (nomeadamente os carvões betuminosos), ao cobre (considere-se até o interesse político das explorações no Alto Zambeze), aos diamantes (onde, além da intensificação da exploração na área concessionada, há a considerar a área não concessionada e a prospecção na orla marítima), ao ferro (onde o montante das reservas é substancial e o teor do minério rico - cf., por exemplo, os livros de João António Martins Minérios de Ferro fim Angola e Achegas para o Estudo da Indústria de Fabricação e Tratamento de Ferro em Angola), aos fosfatos (dádiva que inexplicàvelmente não tem sido aproveitada quando a própria metrópole os importa do Norte de África - cf., do autor citado, Rochas Fosfatadas de Angola), ao manganés (de grande interesse para a metalurgia e de cuja produção mundial a Rússia controla cerca de metade) e ao petróleo (a grande realidade de Angola que convirá libertar das lutas dos grupos de influências), que as possibilidades imediatas da província permitem uma exploração que transformará profundamente o seu panorama económico-social. Isto sem referir outras disponibilidades mais modestas, mas igualmente de interesse, como o ouro (até agora reduzido a explorações de aluvião), a mica (cujo valor apenas se acentua em períodos bélicos), os mármores (já hoje a animarem actividades regionais como em Moçâmedes), o sal-gema (de pouco interesse, dadas as possibilidades de sal marinho) e as águas mineromedicinais (que já deram lugar a algumas iniciativas).
Parece-me oportuna uma política de liberalização que fomente o interesse dos particulares em matéria de pesquisas mineiras. Por outro lado, os serviços de geologia e minas da província necessitam de uma estruturação que lhes prodigalize técnicos e meios indispensáveis à sua importantíssima missão.
Ao advogar a industrialização de Angola não quero significar que pouco ou nada se tenha feito neste sector da actividade económica, mas apenas exprimir, perante as possibilidades do território, o desejo de uma aceleração no esforço em curso.
É indiscutível, de resto, que este esforço de industrialização se tem acentuado nos últimos anos.
Até 1955, por exemplo, eram 1810 as unidades industriais instaladas em Angola, ocupando 39 259 operários e a

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que corresponderam investimentos no valor de 1 592 342 contos. Pois já em 1962 as unidades industriais atingiam o número de 3050, com 58 753 operários e um investimento de 2 793 558 contos.
Se nos reportarmos apenas aos sectores das indústrias transformadoras onde os investimentos até 1962 ultrapassaram os 20 000 contos, poderemos elaborar o seguinte quadro (cf. Rumo à Industrialização de Angola, cit.):

[ver quadro na imagem]

Deve acentuar-se que 1962 foi precisamente um ano em que da parte do sector público foram tomadas algumas medidas que terão profunda repercussão no desenvolvimento da província. Exemplifique-se com: o Diploma Legislativo n.º 3231, que regula as actividades industriais com base no trabalho caseiro e familiar autónomo, bem como as que podem haver-se como complementares da agricultura; a criação da Junta de Desenvolvimento Industrial, «com o objectivo de permitir uma mais directa actuação do Estado, sob o aspecto de iniciativa, na instalação de novas indústrias e na reorganização das já existentes, concorrendo decisivamente para o aceleramento do processo industrial, dentro de uma política de fomento julgada consentânea com os recursos, necessidades e possibilidades da província»; a criação da Junta Provincial de Electrificação, a que ficou competindo «a planificação dos recursos energéticos, o estudo e investigação de novas fontes de energia, sua coordenação e fiscalização, bem como a construção e exploração de contrais e linhas de transporte e de distribuição do energia dentro da província».
Toda a paronâmica das realidades e potencialidades económicas de Angola, que acabo de esboçar, deverá ser objecto de uma sistematização mais adequada e de uma análise mais aprofundada. Para o fim em vista - a industrialização da província - tratar-se-á de um estudo detalhado sobre as «oportunidades» que oferece. Já na discussão das contas públicas de 3961 repeti uns tantos princípios que poderiam enquadrar esta sistematização: conhecimento das disponibilidades qualitativas, quantitativas e em preço das matérias-primas; avaliação da energia, mão-de-obra ou outros factores de produção: estudo das importações em ordem a determinar as necessidades do mercado interno; análise das indústrias existentes como elemento de apoio à sua expansão ou diversificação; elaboração de esquemas das relações interindustriais, tendo em mente que o crescimento de uma indústria cria sempre possibilidades a outras; emprego dos conhecimentos tecnológicos que permitam melhor utilização das disponibilidades; análise da experiência de países estrangeiros, nomeadamente de territórios com idêntico condicionalismo geográfico e social; revisão de antigos projectos ou catalogação de velhas ideias não concretizadas, que muitas vezes encontraram a oposição de dificuldades temporárias, mas que um dia se poderão converter em realidade, dada a melhoria de certas condições.
No estudo Rumo à Industrialização de Angola faz-se a seguinte ordenação: indústrias existentes para as quais não se justifica o aumento do número das instalações: indústrias novas ou já existentes para as quais é imediato o interesse de novas instalações; indústrias de interesse condicionado.
Entre as indústrias existentes em Angola cuja capacidade não é utilizada contam-se as do álcool, cerveja, cimento, fibrocimento, condutores eléctricos, tabacos manipulados, pregaria, sacaria e redes de pesca.
Entre as indústrias em número suficiente mas necessitadas de remodelação com vista à concentração referem-se as derivadas da pesca, curtumes, descasque de arroz, massas alimentícias, panificação (em Luanda), bolachas e cordoaria.
Quanto às indústrias cujo interesse de instalação é imediato, dadas as possibilidades do mercado interno ou as perspectivas de exportação, poderiamos referir: agro-indústria do açúcar; aproveitamento completo do milho; preparação da cevada germinada e seca (maltagem):

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café solúvel; manteiga, queijo e leite em pó c condensado, aproveitamento e preparação de carnes: óleos vegetais o seus derivados; óleos essenciais; soda cáustica para utilização nas indústrias da celulose e sabões; tintas e vernizes; fósforos; aproveitamento da madeira; calçado de couro: pneus e câmaras-de-ar; fiação e tecidos de algodão: vestuário; bebidas; adubos azotados; alumínio; ferro-ligas e carboneto de cálcio; cápsulas metálicas; baterias e pilhas secas; laminagem; fundição de ferro e aço: arame farpado; recipientes metálicos; montagem de máquina;, do costura e de bicicletas: medicamentos: vidraria: conservas; sumos; pasta e farinha de frutas; máquinas e alfaias agrícolas: montagem de veículos motorizados.
O sucesso da industrialização de Angola liga-se ainda a um conjunto de factores em que sobressaem o condicionamento industrial, a estrutura tributária, os sistemas de crédito e bancário, a possibilidade de atracção de capitais estrangeiros, as disponibilidades de técnicos e mão-de-obra, a organização dos serviços públicos e a própria densidade da população em sistema de economia de mercado.
Excederia os limites desta intervenção uma análise, detalhada de tão importantes aspectos. Não deixarei contudo, de assinalar um ou outro ponto do maior relevo. O desenvolvimento das indústrias e o condicionamento dos investimentos industriais são, nos termos da lei orgânica, promovidos, na metrópole e no ultramar, em harmonia com os princípios básicos da unidade, e da coordenação.
Depois da publicação do Decreto-Lei n.º 44 016, destinado a realizar a integração económica nacional, assistiu-se a um intenso labor legislativo, de interesse fundamental para os problemas em causa. Refira-se particularmente o Decreto-Lei- n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962, que promulgou disposições destinadas a fomentar o crescimento económico e social dos territórios o regiões menos desenvolvidas do espaço português.
Mas já antes os diplomas relativos à intervenção do Conselho Económico, ao fomento e reorganização industrial, ao condicionamento industrial, ao regime fiscal, as isenções aduaneiras e aos sistemas de crédito, só revestiam do particular importância.
Terá sido, contudo, a pior adequação de algumas destas normas ao fomento da economia do espaço português que levou o Governo a preconizar, no citado Decreto-Lei n.º 44 652, todo um programa de reformas onde considerou, além do mais, o fomento e o condicionamento industrial da metrópole e do ultramar e a reorganização do sistema do crédito e da estrutura bancária das províncias ultramarinas (cf. Decreto-Lei n.º 45 296).
O novo regime do condicionamento industrial, apesar de anunciado (artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 44 016 o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 44 652) ainda não foi publicado. Tal facto repercute-se prejudicialmente no fomento da industrialização.
A diversidade nos sistemas tributários das várias parcelas do espaço português é hoje uma nota flagrante. Os propósitos de integração levaram a consignar disposições especiais no Decreto-Lei n.º 44 016 (cf. artigos 24.º, 27.º. 28.º e 29.º). A Lei de Meios para 1964, por seu turno., autorizou o Governo a tomar as providências adequadas à eliminação das causas da dupla tributação e de evasão fiscal entre, as várias províncias do território nacional, estabelecendo um regime legal para a resolução dos conflitos e promovendo a harmonização progressiva dos sistemas fiscais em vigor.
O Decreto n.º 42 688, de 27 de Novembro de 1959, testemunha uma protecção fiscal ao esforço de industrialização.
Afigura-se-me, contudo, de oportunidade estudar nova estrutura fiscal para Angola ou Moçambique, tendo, além do mais. em conta a natureza de territórios subdesenvolvidos e a necessidade de acelerar o fomento.
Num estudo das realidades actuais conviria esclarecer em que medida os sistemas em vigor favorecem ou contrariam uma política fiscal que sirva o melhor aproveitamento dos recursos económicos, a redistribuição dos rendimentos, a acumulação do capital, o equilíbrio nos fluxos monetários e acção anticíclica. No campo mais concreto da industrialização importaria dar conta das realidades tributárias e dificuldades suscitadas nas relações entre a política fiscal e a prioridade a dar às indústrias mais propícias ao desenvolvimento, o estímulo a dar às indústrias do exportação, as facilidades a conceder às indústrias substitutivas da importação, as isenções a conceder às indústrias que exigem avultados investimentos de capitais e a colaboração numa política de desenvolvimento regional ou de ocupação do zonas críticas, com a criação de actividades que estimulem pólos de desenvolvimento.
Creio, finalmente, na vantagem política e económica em ouvir os próprios interessados sobre as dificuldades conhecidas e que Se possam traduzir em pluralidade de impostos que incidem sobre o rendimento; indiferenciação de tributação de pessoas e empresas; definição imprecisa de incidências ou rigidez de certas regras como as deduções para depreciação, a não dedutibilidade de certos encargos e amortizações e a impossibilidade de transferência de prejuízos com reflexos na estabilidade das empresas.
O crédito e a banca constituem outro elemento essencial à industrialização. Pode dizer-se que a história de Angola neste sector é o melhor depoimento a favor das necessidades da província. Os pedidos de autorização para instalação de novos bancos testemunham o interesse e a oportunidade da multiplicação destas instituições. De resto, quem em Angola contacte com os particulares ouvirá quase sempre queixumes sobre a insuficiência do crédito para fomento ou sobre a morosidade na sua obtenção.
Os territórios novos buscam hoje com ansiedade financiamentos externos para acelerarem os seus programas de desenvolvimento [cf., por exemplo, em Le Tiers Monde (edição Puf, 1961), os artigos de Jacques Parizean «Le Problème du Financement Intérieur» e «Les Problèmes de l'Aide Extérieure»].
É uma necessidade a que Angola também não se pode furtar. De resto, as declarações dos responsáveis pelo Governo evidenciam tais propósitos até nas medidas legislativas preconizadas (cf. também a publicação, da Junta do Desenvolvimento Industrial, How to invest in Angola).
Mais do que isso impõe-se evitar por todos os meios a fuga de capitais da província. «De facto - escreve Walter Marques nos Problemas do Desenvolvimento Económico de Angola - hão se vê, por muito que se procuro e pense, porquê tantos rendimentos decorrentes de actividades económicas há muito instaladas vão ser reinvestidos em territórios estranhos, escapados às malhas do contrôle cambial sobre as formas mais extravagantes e impensáveis. São fontes consideráveis, não diremos imensas, de capitais que muito poderiam beneficiar a província se fossem reinvestidos na mesma. A causa é patente. De novo um círculo vicioso: os capitais fogem para subsistirem noutros sítios porque a taxa de rendimento, embora não seja inferior, não consegue convencer os detentores da segurança dos investimentos que cá fizerem: e esta

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segurança e a atracção de novos investimentos não evoluem precisamente porque os capitais fogem cada vez mais. Quebrar este círculo será canalizar as correntes migratórias de capital para o interior da província».
Mas o esforço de industrialização de Angola, como atrás salientei, faz igualmente apelo a existência de homens.
Necessitamos de técnicos de formação universitária [agrónomos, silvicultores, médicos veterinários, geólogos, engenheiros (geógrafos, de minas, químico-industriais, de máquinas, electrotécnicos, civis, mecânicos, etc.), de médicos, de economistas, de juristas, etc.], de técnicos de nível médio (agentes técnicos de engenharia, regentes agrícolas, contabilistas, etc.) e de operários especializados. Impõe-se, igualmente, a existência de mão-de-obra capaz de trabalhar e disposta a isso.
A generalização do ensino em Angola e a instauração dos estudos superiores ajudarão tais desígnios. Mas convém, sobretudo, tanto na metrópole como no ultramar, elaborar programas de formação de pessoal aos mais variados níveis. Se não planearmos este sector, se não investirmos milhões de contos para o sucesso de tais propósitos, o nosso esforço de desenvolvimento sairá minimizado.
Daqui resultará ainda uma conveniente estruturação dos serviços públicos ligados às actividades económicas. Exemplifique-se com a estatística e os serviços industriais. A estatística é hoje condição essencial para qualquer estudo seguro, para qualquer planeamento bem fundado. Quanto à indústria, a actual repartição será um organismo modesto para as tarefas do futuro. O fomento industrial, o licenciamento industrial, a higiene e segurança industrial, a fiscalização e o contencioso, a política de desconcentração, justificarão igualmente um alargamento nos quadros do pessoal técnico e administrativo.
Sr. Presidente: não será difícil apontar nesta intervenção o relevo dado a dois aspectos: a natureza social de alguns investimentos, de forma a realizar uma promoção básica de toda a população de Angola, e o interesse da localização das actividades mais produtivas.
Creio, na verdade, que o progresso de Angola se deve realizar à sombra de um desenvolvimento comunitário e de um crescimento polarizado.
Vai para três anos que o Prof. Teixeira Pinto (de colaboração com o Dr. Rui Martins dos Santos) ofereceu à consideração pública um trabalho que mantém o mesmo interesse e oportunidade: Angola: Pólos e Perspectivas de Desenvolvimento.
As linhas gerais de actuação harmonizar-se-iam aqui com as seguintes directrizes:

a) Concentração preferencial dos elementos de dinamização - capitais e técnica - nas zonas privilegiadas existentes ou a criar, de modo a tirar-se o máximo partido da sua complementaridade;
b) Criação ou manutenção de alguns pólos secundários, de modo a evitar a proletarização e o urbanismo;
c) Criação ou desenvolvimento das vias e meios de transporte capazes de assegurar as ligações entre as zonas de desenvolvimento.

Em trabalho mais recente, Walter Marques (Problemas do Desenvolvimento Económico de Angola) oferece um esquema de treze regiões a considerar: Cabinda; Zaire-S. Salvador; Uíge-Zombo; Luanda-Dondo; Malanje-Salazar-Dondo; Sanza Pombo-Nova Gaia; Henrique de Carvalho; Lobito-Benguela; Nova Lisboa; Silva Porto; Luso; Moçâmedes-Sá da Bandeira-Tigres; Roçadas; Serpa Pinto.
Sr. Presidente: creio ter chegado a ocasião de pôr remate a esta já extensa intervenção.
Do que afirmei poderá concluir-se o seguinte:

1) O desenvolvimento de Angola é uma obrigação que se impõe a todos os portugueses, convindo que cada um, dentro dos seus méritos ou possibilidades, lhe dê o maior contributo;
2) As potencialidades do território são vastíssimas. Embora só conhecidas em parte, elas oferecem já um conjunto de recursos cujo melhor e mais intensivo aproveitamento constitui base segura para destruir o círculo vicioso de subdesenvolvimento económico;
3) Ora a industrialização desempenhará aqui um papel decisivo. Fomentará o indispensável povoamento e assegurará maior diversificação e valor nas exportações e auto-suficiência interna;
4) Para isso importa ainda estar atento ao conhecimento científico do território, ao incremento da população produtiva e em economia de mercado (imigração e valorização local), à reorganização dos outros sectores produtivos que apoiam a indústria, à definição das grandes infra-estruturas dentro de um modelo de crescimento polarizado à atenção às exigências postas mais directamente por uma política de industrialização, tais como os convenientes ordenamentos legislativos (fomento, reorganização, condicionamento e higiene e segurança), à atracção de capitais e crédito, às disponibilidades em técnicos e mão-de-obra è ao apoio dos serviços públicos.

O sucesso do esforço realizado nos últimos anos no ultramar português é o testemunho mais evidente da nossa vontade de vencer. O Mundo começa a convencer-
se da nossa razão e esta afirmar-se-á cada vez mais sob o signo da unidade, do trabalho, da justiça e da verdade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Brilhante de Paiva: - Sr. Presidente: a V. Ex.ª, Sr. Presidente, com os cumprimentos muito respeitosos, de franca admiração e de sincera simpatia, peço licença para apresentar os meus agradecimentos por mais esta oportunidade de focar uma fase da vida nacional, que é a acção do Governo e das colectividades, vista através das contas públicas relativas ao ano económico de 1962.
Srs. Deputados: antes de prosseguir, desejo fazer expressão de homenagem ao nosso colega Eng.º Araújo Correia, a quem, mais uma vez, o País fica a dever um relatório suficientemente pormenorizado para permitir a visão dos aspectos particulares dignos de apreço e, ao mesmo tempo, capaz de proporcionar uma dissertação desapaixonada; impressiona pela equanimidade que o caracteriza e leva à formulação de um julgamento que nem por ser estruturado em termos de minúcia deixa de conservar todos os atributos de uma operação prática generalizante. Estou certo de que VV. Ex.ªs comungam comigo nesta homenagem.
Na verdade, a apreciação das contas só pode conduzir-nos a uma convicção: elas são o retrato fiel da actividade nacional do ano a que se reportam. Mostram-nos um Governo e um País empenhados em vencerem obstáculos de

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toda a sorte, que ou lhes levantou ou os não ajudou a arredar do caminho todo um mundo de míticos amigos ou indiferentes, à sua volta, vociferando preconceitos e escondendo, atrás dos gritos de cartaz ou de conselhos sussurrados em tom de cativante paternalidade, um egoísmo de tão feroz cegueira que o não deixa ver sequer o perigo de soçobrar, ele próprio, ao choque inexorável das forças totalitárias do Leste, cândidamente declara poder negociar com elas como do igual para igual e finge não saber que até na solicitude trazem oculta a arma ensanguentada, enfim, um mundo que inocentemente sacrifica até os próprios irmãos.
No infatigável colóquio internacional tem sido vária, e até imprevisível, a justificação moral das atitudes, sem que destas se ausente o habitual propósito: "Do quinhão do nosso compadre, grossa fatia ao nosso afilhado". Os Portugueses foram compadres nos tempos em que se enquadra a viagem de Stanley através do Congo; tem-se pretendido que repitamos o compadrio agora, depois da Holanda, da França, da Bélgica, da própria Inglaterra e até da Espanha, ao compasso melodioso dos sopros eólicos da história; tem-se pretendido que também nós ignoremos que esta nem sempre foi tempestuosa. Ou esconderíamos sob a capa da generosidade complacente fraquezas inconfessadas, ou iríamos ao cepo como réprobos e possessos, sem vislumbre de perdão nem na terra nem nos céus, se nos decidíssemos a cerrar fileiras e a praticar entre nós mesmos o sagrado mandamento de amor do próximo: o papel do cardo na conhecida pérola literária do poeta de Freixo de Espada à Cinta. Teríamos, forçosamente, de sair de toda a parte e deixar os filhos para pasto aos lobos na Ásia, na África e quem sabe até se na Europa. O Mundo não se satisfaria com menos.
Entretanto - e agora já não é a poesia agreste e cristalina do transmontano, mas talvez algum maître chanteur que o sussurra -, uma potência vende quantidades cósmicas de trigo ao inimigo irredutível da sua civilização e ralha com outras potências que ao mesmo inimigo ou a outro igualmente irredutível dessa mesma civilização vendem veículos ou fábricas novas ou concedem créditos. Entretanto, reclama-se para o conciliábulo das nações um respeito total, mas nega-se a este toda a confirmação, quer nas decisões, quer na prática corrente das relações. Tal é a vida que o cardo vê passar ao longe. E outra, a que, embora mais prosaicamente, o relatório assinala, ao observar as actividades do ultramar no ano de 1962, em que se articulam muitas das lutas e muitos dos sofrimentos dos produtores ultramarinos.
Em relação a estas actividades é que já me cabe exemplificar; mas sem queixas nem acusações, porque, se as primeiras são, como são, um direito imprescritível dos homens, que as colectividades aceitam e as administrações devem ouvir, já as segundas podem trazer o fermento do dissídio, podem vir a negar precisamente aquilo por que todos anseiam desde sempre: uma comunhão mais íntima, uma união mais estável, uma solidariedade que ninguém, lá fora ou cá dentro, possa explorar como fictícia; o que se deseja por terras do ultramar é ser-se português, e seria com uma dor agravada pelo receio de irremediáveis negrumes que o povo todo por lá veria qualquer passo menos prudente e que contivesse o perigo de um alheamento; todos sabemos auscultar os anseios do homem do povo; todos sabemos das suas ambições de abastança. Uma das premissas do conforto moral em que todos vivem por lá é a prova reiterada, a que o Governo se não tem furtado, de que a comunidade portuguesa passará muito ao largo do exemplo de quem abandona as Rodésias, ou abandonou Ghana, ou o Congo, ou Zanzibar, a forças em que não é possível vislumbrar uma linha séria de vontade nacional e popular, mas apenas a de um comando estranho e de estranho poder destrutivo.
Também por lá se sente, e, mais do que sentir, também por lá se sabe que será erro de caras consequências o deixar sem apoio moral ou material os que se esforçam por manter Portugal uno, a contemporização com atitudes que não tragam seladas as garantias de adesão activa à causa nacional, ou o estender a mão compreensiva, se não adjuvante, aos dissolventes; e devo à gente humilde, àquela que se esforça por ganhar o pão, a justiça de afirmar "aqui que só na política do nosso Governo, nas linhas gerais da sua administração, na sua decisão de defesa inflexível do património, das almas e das gentes, no delineado anseio de completar concretamente uma unificação que de antemão e de há muito está feita nas vontades, ela encontra a verdadeira esperança de poder sobreviver. E sabe que só dele podem emanar as medidas conducentes a uma mais equitativa distribuição da riqueza, a uma justiça social que seja a materialização do espírito cristão e anti-revolucionário.
Nestes anseios por uma unidade e irmandade portuguesa, mostram as contas de 1962 um facto necessitado de remédio, e devo também manifestar a minha convicção de que se lhe estará buscando esse remédio por todas as formas.
O facto é este: não é o ultramar que fornece à metrópole todo o algodão e todo o tabaco que aqui se transforma ou manipula, e lamenta-se até que não seja a própria metrópole a produzir toda a fibra sintética que introduz nos seus tecidos, e que ascende ao tentador volume de 255 000 contos. Mas vamos por partes: em 1961 as indústrias metropolitanas compraram 1 253 000 contos de algodão, do qual só do estrangeiro vieram 487 956 contos, e em 1962 compraram 1 227 000 contos, dos quais o estrangeiro toma à sua conta uma percentagem ainda maior: 515 121 contos. Excluindo mesmo as fibras sintéticas, porque a nossa industria ainda se não tenha preparado para a sua produção, que tudo recomenda que se faça cá dentro, não pode arredar-se o nosso pensamento dos benefícios que o País havia de colher na movimentação interna dos capitais que entrega ao estrangeiro em troca do algodão que o ultramar lhe não fornece; só em dois anos foi-se 1 milhão de contos.
Em escala mais reduzida, quanto ao peso que exerce na balança da nossa economia, tenho de apontar outro facto cujo significado não deixa de ser igualmente clamoroso e que envolve o tabaco, esse veneno tão condenado pelas colectividades doutas e tão apreciado pelos homens, e cuja propagação, propiciada nos cinemas e cafés ou até nas próprias casas de família, sempre se mostrou irreprimível. O tabaco é um veneno, mas um veneno de peso: a metrópole compra lá fora, só nos Estados Unidos, quase quatro vezes mais do que compra no ultramar.
Estes dois exemplos de falhas na conexão do sistema económico nacional não pode a Nação consentir que se agravem, tem até que curar de lhes obter correcção rápida, porque ameaçam transformar-se em outras tantas negativas fragorosas da política da unidade do espaço português, a que se lançou o Governo da Nação com o aplauso entusiástico e unânime dos governados. Ao mencioná-los, penso nos agricultores de Moçambique, naqueles, que aqui têm sido objecto da atenção e do carinho do nosso colega Manuel João Correia, e ainda em alguns a quem estou ligado pela proximidade da residência ou pelo convívio e que são os de Manica e Sofala, e que tanto desejariam ter o seu quinhão nesses cento e tal mil contos que a metrópole entrega aos Estados Unidos.

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Mas houve e há mais fornecedores; as indústrias metropolitanas têm comprado cada vez mais u Rodésia; de cerca de 1800 contos em 1954, passou a ser de quase 10 000 contos a posição desta no mercado metropolitano em 1962, e só no último ano abrangido no estudo a transacção duplicou de volume, atingindo quase metade do total comprado a Moçambique.
Numa breve digressão que fiz em 1962 pela zona do Chimoio e de Manica, fui informado de que era de uso entre os produtores o concorrerem aos locais de concentração da Rodésia com os seus tabacos do tipo "Virgínia"; davam-lhe ali boa aceitação agentes americanos de firmas ou entidades que comandariam grande parte do comércio internacional do tabaco; dessas firmas, a planta passaria, já americanizada, aos contingentes requisitados pela indústria de diversos países, incluindo a nossa; a ser assim, teríamos de admitir que algum do tabaco que se fuma por esse País fora já terá viajado mais do que os seus primitivos donos ou os últimos fumantes - até pela terra dos arranha-céus.
Por força de vicissitudes da vida colectiva da lavoura da região, andaria então quase perdido, se não de todo, o rumo da Rodésia. E todos se queixavam - como certamente ainda hoje - da calamitosa preferência dada pelas indústrias da metrópole ao mercado americano.
Na produção de Manica e Sofala vai tendo já também seu peso a cultura dos colonos de Sussundenga, sob a orientação da brigada técnica do aproveitamento e povoamento do Revuè, cujas instalações modestas abrigam um grupo de homens dedicados e competentes. A brigada proporciona assistência aos colonos enquadrados na área do aproveitamento (europeus e africanos) e, de uma forma geral, à região do Chimoio e de Manica e já ali se obtêm produtos perfeitos e capazes de ajudarem a satisfazer o considerável volume das exigências europeias, se não de um momento para o outro, ao menos a passo rápido, se se não mantiver aqui na Europa o velho hábito de não dar um passo em frente para responder aos apelos da população e dos governantes, pressurosos, aqui como na província, de impulsionarem a libertação da economia nacional do pesado jugo que sobre ela ainda exercem as economias estrangeiras e sempre prontos a acudirem aqui, além, onde quer que vejam aflição.
A lavoura do distrito em que resido tem todas as razões para estar grata ao Sr. Governador-Geral, e até ao Banco Nacional Ultramarino, que a reergueram do desmaio. Considero obra de alcance nacional tudo quanto se faça para a transformar numa colaboradora eficaz no próprio fortalecimento da economia do conjunto; ela quer ter o seu papel na grande empresa; restará talvez que o queiramos todos, numa digna e corajosa compreensão do movimento de recuperação e reagrupamento a que lançou mãos o Governo pela pessoa do Sr. Ministro de Estado.
Um jornalista brasileiro, creio que Caio Júlio César Vieira, que visitava Moçambique depois de ter visitado Angola, o ano passado, a convite do nosso Governo, ao comentar a forma de dar realidade à tão desejada reaproximação luso-brasileira recordava que as comunidades não poderiam subsistir se fossem obrigadas a viver apenas agarradas a uma recordação; forçoso era dar-lhes realidade no vaivém da vida material.
No caso luso-brasileiro convinha desde já estudar um plano de intensificação do intercâmbio, que ele iria para a sua terra advogar nos seus jornais. A este intercâmbio dava ele o nome pitoresco de "política de secos e molhados"; desde que nada de essencial estava perdido na comunidade das duas pátrias irmãs, restaria concretizar mais o apego, que até no campo internacional havia de fazer sentir o seu peso.
Aprovei cordialmente a sugestão; também os governos a aprovam; também os povos. Mas recordo a semelhança das situações: estamos nós, cá dentro do País, Governo e cidadãos, empenhados na mesma "política de secos e molhados" entre as várias parcelas do território nacional. Pois saibamos intensificá-la, fazê-la uma realidade activa e temerosa, diante da qual se detenham os intrusos e os intriguistas da dissolução ou do amuo. Bem haja o Governo, as instituições, as entidades, por todos os passos dados no caminho da total integração portuguesa.
E, para começar, aí temos esses dois campos: o algodão e o tabaco.
Entendo dever deixar à observação dos Exmos. Colegas de melhor domínio dos problemas económicos do que o meu um quadro que me alarmou e de que o relatório apresentado à Assembleia contém um comentário elucidativo no § 9.º da parte introdutória. Esse quadro comporta precisamente a comparação dos valores totais da importação e exportação metropolitanas ao longo de 34 anos de actividade nas relações internacionais.
Em tão longo período apenas três anos a fio, 1941, 1942 e 1943, e graças a circunstâncias especiais da vida internacional, apresentam saldo a favor de Portugal; os restantes 31 anos são de perda, por vezes considerável, e um dos últimos, 1961, mostra-nos do lado da importação o dobro do que se vê do oposto (18 863 000 contra 9 373 000 contos); ainda em 1962, o excesso das importações sobre as exportações é superior a 6 milhões de contos e, se nestas últimas se atingiu uma posição levemente melhor do que a do ano anterior, a verdade é que trabalhámos mais caro, ou antes vendemos mais caro.
Há dias, no número de 6 de Março corrente da edição atlântica da revista Time, a minha atenção foi atraída para uma caricatura: a figura do Primeiro-Ministro de S. M. Britânica agitava na mão um rolo em que se via o título "Economia" e alargava as pernas esgalgadas, de modo a ter um pé sobre cada um dos bordos de um abismo. Este intitulava-se "Beneficência de 9 600 000 contos no comércio"; tratava-se do comércio externo de 1963, e a falha tinha aproximadamente o vulto da que apresentam as nossas contas em 1961. Ao lado da figura havia um texto. VV. Ex.ªs provàvelmente já o conhecem. Citavam-se nele as medidas que o Governo Britânico tinha em vista para debelar o mal: primeiro, dissuadir os comerciantes de uma expansão demasiado rápida e principalmente de uma importação excessiva; depois, forçá-los a resistir aos aumentos de salários exigidos pelas uniões.
Aventava-se a hipótese de o Reino Unido aumentar a taxa de juro, mas acentuàva-se que esta decisão podia ser de consequências desagradáveis para os Estados Unidos, cujo Secretário do Tesouro pedira recentemente aos países europeus que não aplicassem este ano quaisquer medidas do género, para evitar que o gigantesco país recaísse numa sangria de divisas que se vinha como que tornando habitual e tanto custara a dominar. Acentuava-se que já actualmente, com uma taxa de juros mais elevada em 1.5 por cento do que a americana, os capitalistas americanos estavam a ser tentados a investirem no Reino Unido.
Se não entendi mal os números e as palavras da local, o Reino Unido tivera um deficit comercial de 9 600 000 contos no mesmo ano de 1963, com uma exportação de 326 milhões de contos, e andava por lá alarmada toda a população do Olimpo. Reduzi mentalmente as coisas à modéstia da nossa casa e vi que não podia deixar de reconhecer quanta razão se contém no relatório das contas que agora estamos a apreciar: ou a população diminuirá, acentuando-se a exportação de excedentes demográficos, com a família atrás de cada homem válido, ou baixa o nível do consumo e se reduz ainda a dieta magra de couves e bata-

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tas de cada camponês das Beiras, ou aumenta a produção interna até atingir o indispensável equilíbrio, ou, finalmente, se fecha a porta a tudo quanto de supérfluo ou mesmo dispensável nos têm metido por ela adentro.
Terá melhorado consideràvelmente a situação nos anos subsequentes às contas aqui presentes. Tem-se notícia de medidas disciplinador as ou correctivas, pelas quais é o Governo credor de todo o aplauso e incitamento; e nunca será excessivo o acto individual de contenção que concretize uma cívica compreensão das suas intenções e das suas decisões; a economia nacional não pode estar à mercê de egoísmos nem de complacências.
Quanto a Moçambique, com que elementos se conta no indispensável equilíbrio?
As mesmas contas o dizem, segundo o relatório que me não canso de admirar:
Instituiu-se uma outra pequena linha de montagem de veículos automóveis, desenvolveu-se a indústria dos petróleos e derivados, acrescentou-se com uma unidade fabril a indústria cimenteira, desenvolveu-se a produção de sacaria de quenafe e das embalagens metálicas, refina-se mais açúcar, descasca-se a castanha de caju, vendem-se mais cervejas e refrigerantes, há acréscimos ligeiros na produção dos tecidos, do mobiliário metálico, da vidraria e dos condutores eléctricos.
Mas lá continuam inexoravelmente os 600 000 contos de matérias têxteis e respectivas obras e os 340 000 contos de produtos alimentares, segundo as alíneas IV) e XI) da pauta aduaneira, em que pese à esperança da instalação de uma unidade fabril da indústria têxtil (talvez a esta hora já concretizada) e às inegáveis possibilidades do solo moçambicano na produção de alimentos frescos e até de conserva. Só em milho importaram-se quase 58 000 contos, em trigo perto de 40 000 contos e em leite condensado mais de 35 000 contos; isto para não falar no vinho, em que se gastaram 200 000 contos. Não se mencionam no relatório as compotas, as frutas frescas, certos produtos hortícolas e até muito peixe fresco, certamente por não assumirem vulto de primeira grandeza na importação. De resto, já hoje a capital da província vai beneficiando do afluxo dos produtos da colonização mista do distrito de Gaza. Mas se estivesse em pleno rendimento toda a capacidade do de Manica e Sofala, cujos centros de produção ficam a dois passos do mar, se a esta hora as próprias frutas locais estivessem comercializadas, é inegável que a província pouparia divisas, que actualmente se dão aos Sul-Africanos ou Rodesianos.
A economia da província de Moçambique rodou sempre em volta dos portos e caminhos de ferro e indústrias afins; a bem dizer, tudo se fez à custa deles. Pelas serras acima, nos comboios, iam os colonos estrangeiros, a mão-de-obra para as minas estrangeiras - mão-de-obra que era nossa -, a maquinaria, os veículos, as ferramentas, até os capitais; para baixo vinham os minérios, as frutas e outros produtos preciosos da terra.
A um ritmo impressionante, surgiu nos planaltos o complexo de Joanesburgo, núcleo de uma poderosa nação, que tem no seu comércio, na sua indústria, na sua agricultura, nos seus recursos mineiros, as sólidas bases de uma autonomia que lhe permite bater o pé aos insolentes e aos abelhudos, desde a Comunidade à Organização Internacional do Trabalho. E mais ao Norte, através do caminho de ferro da Beira, foram do mesmo modo chegando ao planalto os homens e os meios materiais que iriam permitir à nossa fidelíssima aliada explorar os bens a que pusera o nome de Rodésia e que viria a transformar numa poderosa fonte de riqueza.
O domínio português beneficiava, pois, através dos serviços que prestava aos planaltos. Quanto à Beira, o progresso começou a acentuar-se com a extinção do mandato majestático e com a nacionalização do caminho de ferro. Agora, os rendimentos dos serviços autónomos da província são já superados pelos das restantes actividades, mas continuam a ser um poderoso factor de equilíbrio, como muito justamente acentua o relatório da Comissão de Contas.
Hoje, que o Reino Unido se deixou eivar da perniciosa moléstia da ideologia, subiu de intensidade o coro dos clamores da Rodésia do Sul contra a laceração da unidade política em que estava integrada, e o receio dos novos racismos já vai fazendo refluir uma tal ou qual porção da sua gente branca em direcção à República da África do Sul, que a recebe de braços abertos. Reduzem-se investimentos, baixa o ritmo da construção, as lojas e oficinas põem nas montras cartazes bilingues a anunciarem a possíveis impetrantes que não há trabalho a dar-lhes. Consequências da inevitável retracção, que nasceu no Congo. Consequências do alastramento da pressão comunista a toda a África, a coberto de um pseudo-idealismo de outra natureza.
É certo que a actividade mineira continua lá em cima, para as terras de Manica que couberam à posse de Sua Majestade Britânica, como na cintura do cobre, quando não é interrompida de greves. Provável é também que o desenrolar da tragédia africana tenha colocado o Governo Britânico em séria expectativa, quase indecisão, entre os vingativos orgulhos rácicos que se exemplificaram na guerra dos Mau-Mau, e a que porventura ou a sobranceria ou a desmedida rapina de um ou de outro europeu teria dado pasto gordo, e o perigo de abandonar a uma sorte desastrosa ou o escrúpulo de entregar à protecção sul-africana, inevitável, uns centos de milhares de almas cuja fixação em África incentivara por todas as formas. Mas a vida continua em suspensão e, ainda que se dissipem todos os pesadelos, será moroso o ressarcimento.
Acabo de focar o que me pareceu serem alguns dados dignos de consideração no exame da nossa própria situação em Moçambique, e que, muito provavelmente, se terão feito sentir com acuidade mais acentuada na região da Beira. Esta situação pode estar agora ou detida no seu desenvolvimento - que, aliás, se terá prolongado para aquém do período a que se referem as contas - ou mesmo a iniciar a fase descendente. Deus o permita.
As contas relativas a 1962 apontam-nos as consequências mais salientes: quebra sensível no rendimento do caminho de ferro da Beira (8500 contos), como em todos, à excepção do de Lourenço Marques (distrito), que foi o gigante dos caminhos de ferro da província com os seus 310 000 contos de saldo positivo e um movimento que lhe permitiu atingir nas receitas um número record de quase 532 000 contos, a quebra nas receitas do imposto profissional e do transmissório, na qual pode ter sido factor primacial o amortecimento económico fora de Lourenço Marques e provavelmente longe das vistas e do interesse da respectiva população, salvas as óbvias excepções.
Tudo parece conjugar-se a confirmar a minha suspeita de que na economia da província de Moçambique se retratou o movimento para o Sul a que aludi ao focar os planaltos estrangeiros. As entidades a cargo de quem estejam elementos estatísticos, senão a sequência dos acontecimentos, se encarregarão de confirmar ou negar ou substituir a causa, aliás de interesse relativo, da depressão económica que fui encontrar acentuada na Beira, em 1963, após o encerramento dos trabalhos da Assembleia Nacional. Esta é que era real, tristemente real: uma cidade doente, numa região doente, em que avultavam, como sinais de vida, as iniciativas de interesse público, umas a cargo do Estado e outras das autar-

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quias, como as obras do porto e a estação dos caminhos de ferro ou o saneamento da cidade, mas com o geral do comércio; as transacções de propriedade, a construção particular, em perfeita estagnação. Firmas conceituadas, e cuja usual actividade na indústria transformadora ou de serviços fora premissa do progresso anterior, despediam avultados sectores de pessoal e a procura de empregos era intensa. Numa região em surto febril de crescimento caíra a machada da crise e já ia faltando a seiva às folhas.
Bendita a ajuda que lhe davam o Governo Central, o Governo-Geral e as instituições do crédito. Benditas todas as ajudas.
A região tem sido visitada, quer por S. Ex.ª o Governador-Geral, quer por alguns dos Exmos. Srs. Secretários Provinciais; tem-se inquirido e acompanhado o problema do desenvolvimento da região central moçambicana, estão estudadas, ou propostas, ou em vias de execução, soluções tendentes a enquadrá-la no movimento de autonomização económica em relação aos planaltos de ocupação anglo-saxónica e de enquadramento no conjunto português como elemento de razoável eficácia.
Não nos faltam a nós, nem à configuração política que escolhemos livremente, atente-se bem que foi em plena liberdade e em plena convicção, os elementos do sucesso. Há na Administração e nas forças militares homens capazes e desejosos de lançarem mãos à obra de impulsionamento, cuja necessidade vem claramente expressa no relatório das contas. Desses homens, uns estão em plena acção; aos outros permite a lei, e tudo aconselha, que se chame à colaboração activa; e há da parte das gentes da terra a perseverante paciência de quem passa uma vida a fazer um pomar, ou a juntar uma manada, ou mesmo a aproveitar meia dúzia de regos de charrua; há a decisão, há a inteligência e os meios de enfrentar as tramas cavilosas que nos fazem lá fora.
E há sobretudo, muito que fazer:
Há que acomodar a balança económica metropolitana a uma total colaboração com os centros de consumo, as fontes de produção de matérias-primas e artefactos, e sobretudo com os aglomerados de mão-de-obra do ultramar, todos ansiosos por terem o seu lugar à sombra da bandeira comum.
Há os planos de aproveitamento e povoamento, a encadearem-se na irrigação, no repovoamento florestal, no combate à erosão. Entre eles, o que é ainda a incógnita gigantesca, mas prenhe de ansiedades, que é o Zambeze.
Há o sector do ensino, em breve incapaz de conter a onda de estudantes que o procuram, se se lhe não acudir com vigorosas medidas de fomento que o mantenham na sua posição de primeiro nacionalizado!1 do Portugal de além-mar.
Há o sector das comunicações, indispensável alavanca no adensamento da exploração económica e no acréscimo das populações e da riqueza comum.
Há as actividades marítimas e pesqueiras, em que é do maior interesse envolver a indústria nacional, pois vão arregalando já os olhos para ela alguns ambiciosos lá de fora.
Há que fomentar a construção da habitação familiar, reduzindo ao mínimo as peias e alcavalas e proporcionando mesmo aos candidatos à construção das casas uma série de projectos-tipos, conforme a prática que VI seguida em Angola (Nova Lisboa), e que fiquem ao alcance das bolsas pequenas, sem prejuízo de proporcionarem no interior as indispensáveis condições de equilíbrio térmico, de salubridade geral e de recato.
Há que manter sempre bem vivas as tradições portuguesas e o amor a Portugal, amparando decididamente todos os que se têm dedicado à obra perpetuante, quer operem atrás da cruz da fidelidade, quer professem de uma cátedra ou desenhem num estirador, ou escrevam, ou conversem, ao balcão como a uma mesa improvisada, debaixo de alguma árvore, pelo mato fora.
Há que reforçar decididamente a protecção a todos os portugueses naturais da Índia ou que nela viveram e tiveram de se acolher longe da sua terra, sob a ameaça da guerra, da opressão ou da perfídia tirânica dos agentes da União Indiana, e há que facilitar o ingresso em território nacional aos que vivem no estrangeiro sujeitos a opressões semelhantes, mas a todos proporcionando colocação adequada ao preparo, à prática ou às habilitações que possuam e de forma a garantir a subsistência ao agregado familiar que os acompanhe.
Há que amparar e desenvolver a acção, a todos os títulos meritória, do Hospital do Ultramar, da qual beneficiam colonos ou funcionários e até famílias naturais das províncias ultramarinas, sempre ali acolhidos com inexcedível carinho e prontidão.
Há que evitar a desnacionalização dos portugueses do ultramar, que organizações estrangeiras por vezes têm aliciado para a frequência de estudos, e há, pelo contrário, que concretizar mais intensamente o estímulo para que venham à metrópole beber aqui, com o complemento do saber, o sentimento da solidariedade portuguesa, livres dos racismos ou das humilhações por que lá fora os fazem passar às vezes.
Há que declarar guerra de extermínio aos papéis, aos certificados, aos atestados, a todos os instrumentos que emperram na via burocrática as decisões superiores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há que acentuar a liberdade de acção e a autoridade dos governos distritais e dos organismos administrativos locais.
Sr. Presidente: vou terminar esta já fastidiosa enumeração de determinantes do meu voto relativo às Contas Gerais do Estado de 1962.
Algo do que expressei poderá ser simples conjectura ou preocupação que a realidade ainda fora do meu alcance já tenha dissipado a esta hora.
Aprovo as Contas Gerais do Estado, ao mesmo tempo que apresento firme manifestação de fé, de um lado, na lisura, dedicação e clarividência dos nossos governantes, do outro, na compreensão dos portugueses de todos os continentes e na sua firme e perene decisão de cerrarem fileiras atrás do Governo.
O ultramar deseja ver continuado o plano de integração nacional em que ele se empenhou e através do qual espera que a comunidade portuguesa veja, feita carne, a unidade sempre manifesta nas almas em uníssono.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente: afinal Cabo Verde está no mapa!
É verdade, Sr. Presidente. Ainda que fora da ordem do dia, antes de nela entrar, não resisto em trazer ao conhecimento desta Câmara um episódio pitoresco que a ninguém ofende e que foi provocado pela minha última intervenção. Afirmei, então, que Cabo Verde desaparecera do mapa. Pois, meus senhores, no dia seguinte, ou dois dias depois, encontrei sobre a minha carteira de Deputado, nada mais, nada menos, que um magnífico mapa do nosso arquipélago, com todas as ilhas estampadas, incluindo

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Santa Luzia e os ilhéus, que também são património nacional!
Não sei se foi acaso, se propósito. Sei que fiquei possuindo um esplêndido mapa de Cabo Verde, e é com muito agrado que felicito a Junta de Investigações do Ultramar pela primorosa edição de que uma alma bem humorada quis ter a gentileza de me oferecer um exemplar, e cuja falta há tanto tempo se fazia sentir.
A T. A. P. continua convencida de que Cabo Verde desapareceu, efectivamente, do mapa. Estamos a mais de um mês depois do meu apelo, há pouco secundado pelo meu ilustre colega Francisco Martins, e nada foi ainda resolvido acerca da premente necessidade então exposta, que considero de interesse nacional e cuja satisfação prática não oferece dificuldades de ordem técnica, na palavra autorizada do Sr. Tenente-Coronel Vaz Nunes.
Segundo informações, vai-se restabelecer o Voo da Amizade: como nunca perco a fé, esperemos que, sem prejuízo da solução nacional que se impõe, o facto se concretize o mais breve possível, mas em condições de poder servir Cabo Verde, sem amesquinhar a sua gente, incluindo-a numa permanente lista de espera, cujos inconvenientes são de uma tal evidência que não vale a pena insistir na sua demonstração. Para evitar este estado de coisas, bastaria reservar quatro ou cinco lugares para a escala do Sal, quer na ida, quer no regresso, garantindo-se a sua utilização pelo telégrafo e em tempo oportuno, de forma a evitar que tais reservas fiquem por ocupar. Suponho que assim ficarão assegurados os interesses comerciais da empresa exploradora e os dos passageiros de Cabo Verde. Há passageiros do Sal para Lisboa ou de Lisboa para o Sal? Esses ocuparão os lugares reservados. Não há? A empresa disporá dos lugares como lhe aprouver.
Obrigar a gente das ilhas a uma permanência inglória no Sal ou a ir ao aeroporto de Lisboa às 4 horas da manhã, depois de largar o hotel, para não conseguir o almejado lugar, é que não está certo.
Não obstante este e tantos outros factores que parecem apostados no emperramento da vida em Cabo Verde, as ilhas vivem em plena esperança - em fundadas esperanças na consolidação do seu progresso e do bem-estar das suas populações.
Propositadamente me referi e vinquei fundadas esperanças na consolidação do progresso do arquipélago. É que na verdade - e já tive oportunidade de o salientar nesta Casa -, muito se tem realizado nos três últimos quinquénios naquelas ilhas. Há um esforço sério que é preciso reconhecer. Obras de vulto, satisfazendo anseios de há dezenas de anos tem sido preocupação do Governo, transformando em realidade o que parecia uma quimera.
O cais acostável de S. Vicente e o Porto Novo, em Santo Antão, a execução do plano rodoviário, a construção de aeroportos e pistas de aterragem, as obras de hidráulica agrícola, etc., são realizações que representam, sem dúvida nenhuma, um passo em frente - direi mesmo, um grande passo em frente.
Não basta, porém, materializar obras. É preciso tirar delas resultados. De contrário, tudo redundará em pura perda e continuaremos a ler nos doutos pareceres das Contas Gerais do Estado que já é tempo de uma viragem nas condições económicas e financeiras de Cabo Verde, porque se têm investido na província quantias muito elevadas, na relatividade do meio.
Tem razão o ilustre relator, mas razão apenas na medida em que argumenta com números absolutos. Aliás, ele próprio, insistindo na necessidade de se fazer um estudo cuidadoso da orientação dada aos investimentos e dos seus resultados económicos, de modo a encontrar soluções adequadas à economia provincial (p. 46), parece sentir que a "frieza" dos números, só por si, não consente conclusões definitivas.
Ora, não há dúvida de que se empregou muito dinheiro em Cabo Verde. Todavia, o que acontece é que, realizadas as obras, ou não se promove a sua reprodução, ou ficam aguardando o necessário complemento para a sua rentabilidade, sendo certo que alguns empreendimentos, lançados com todo o entusiasmo, ou não têm continuidade em ritmo apropriado, ou são abandonados, depois de grandes despesas, tornando-se inúteis.
Há como que paragens, além da falta de persistência, a tomar fôlego para novas arrancadas!
Construímos o cais acostável de S. Vicente, mas não o apetrechamos convenientemente. Vamos fazendo isso aos poucos, com uma demora que só serve para criar o descrédito, afastando a navegação, que não se afoita nem a demandar nem a acostar num dos melhores portos do Atlântico.
Por outro lado, anunciou-se pública e oficialmente a instalação de uma refinaria na ilha, mas a promessa continua no rol dos projectos esquecidos, já lá vão mais de três anos, quando é certo que seria uma indústria rentável, capaz não só de produzir resultados compensadores, como de resolver o problema importantíssimo do fornecimento de água à navegação e às populações, por meio . da dessalinização da do mar, evitando-se assim o seu transporte em navios de Santo Antão para S. Vicente, nas contingências e com os inconvenientes que todos calcularão.
Fizemos aeroportos e pistas para aviões, mas não temos aviões capazes. Possuímos, com efeito, uma pequena frota aérea, cujo rendimento nunca pode ser apreciável porque passamos a vida em reparações, que naturalmente obrigam à suspensão das carreiras, com prejuízo desses rendimentos. Basta dizer que nunca tivemos em Cabo Verde um avião em primeira mão! Só o que já não serve aos outros é que vai para nós ... e lá temos que nos haver com eles, adquirindo peças novas - quando as há - e reparando-os como pudermos.
Construímos estradas em Santiago e no Fogo, mas deixamos continuar o assoreamento do porto da Praia, que serve aquela primeira ilha, e mantemos o Fogo, no que concerne ao embarque e desembarque de pessoas e de mercadorias, no estado em que achámos a ilha - como já tive ocasião de frisar aqui. Quer dizer: ainda que lentamente, vamos dando possibilidade ao carreamento da produção do interior das ilhas pelas estradas, mas deixamo-la esbarrar, para o seu escoamento para fora da província, com portos impraticáveis. Na Praia, o embarque de mercadorias faz-se em condições tão precárias que, não raras vezes, vai a carga ao mar, com prejuízos que não são pequenos e que as companhias de seguros começam a não cobrir.
No que se refere ao Fogo, creio que seria impertinência referir o que já aqui disse acerca da forma como aportamos à ilha, tanto mais que o próprio Sr. Marechal Craveiro Lopes, ex-Presidente da República, e o antigo Ministro Sr. Prof. Doutor Adriano Moreira, podem confirmar os alegados perigos e incómodos, que, de resto, o ilustre actual titular da pasta do Ultramar, Sr. Comandante Peixoto Correia, bem conhece e experimentou quando governador daquelas nossas ilhas.
Sob este aspecto da complementaridade das obras, poderia citar outros factores, que impedem o seu rendimento, mas há que focar ainda a forma de aplicação dos investimentos.
Não creio que o mecanismo ou a estruturação burocrática dos dispêndios corra da melhor maneira. Com efeito,

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algumas obras começadas têm de ser suspensas por falta de verba até que se consiga o reforço necessário. Entretanto, os técnicos, que não são poucos e que não são dos mais mal pagos, continuam a vencer, absorvendo as dotações que lhes são destinadas e que saem desses investimentos, sem produzirem o que podem e devem produzir - estou certo mesmo: o que queriam produzir, por brio e dignidade profissional.
Evidentemente - diga-se, em parêntese - que esses técnicos contratados não podem deixar de perceber o que pelos contratos lhes é devido. Não têm culpa de que falte o dinheiro para a mão-de-obra ou para o material, e certo é que têm de manter a sua vida normal.
Do que não há dúvida é de que destes atrasos resulta, por vezes, a perda de trabalhos já executados, mas que não se completaram e que a acção do tempo se encarrega de destruir. Daí a necessidade de se repetir ou, pelo menos, de recompor trabalhos já feitos, o que, se não representa uma duplicação de dispêndios, constitui um acréscimo escusado a reflectir-se nas contas públicas, em aumento de despesas de que não podem tirar-se resultados correspondentes.
E quanto a técnicos, há uma pergunta que ocorre e que todos formulam: não haverá técnicos a mais em Cabo Verde, em prejuízo dos investimentos ou em prejuízo da materialização das obras?
É de notar que uma grande parte desses investimentos destina-se aos técnicos. Que fica para a mão-de-obra e para os materiais?
Eis um factor a ponderar.
Claro que não pretendo a realização de obras sem planos técnicos e sem a orientação e fiscalização especializadas.
Contudo - est modus in rebus - , parece que as coisas transcendem os limites desejáveis, e o povo, na sua velha sabedoria, já trata todo o funcionário que desembarca por "Sr. Engenheiro ...".
Em Coimbra, Sr. Presidente, todos somos "Sr. Doutor"; em Cabo Verde, cada um de nós é para o caixeiro, para o engraxador, ou para o catraeiro, o "Sr. Engenheiro". Isto define um estado de alma, se não uma ironia a dar significado ao desusado número de técnicos que nos últimos anos têm entrado na província.
Ora, admito e aceito que seja de certo modo justificável essa avalancha de técnicos que nos transformou a todos em confundidos engenheiros. Mas admito-a para o início dos empreendimentos, para lhes dar o impulso necessário. Uma vez, porém, montada a máquina técnica, uma vez em funcionamento o sistema técnico, há que reduzir o número de especializados, de forma a estabelecer o justo equilíbrio em face das realidades e possibilidades que se oferecem, para não estarmos a esbanjar dinheiros numa ostentação técnica que não compensa.
Técnicos? Sem dúvida que sim! Mas em número e qualidade impostos pelas realizações em curso e sempre - mas sempre - tendo em vista que os investimentos não podem ser absorvidos pelos técnicos e que a acção destes é necessàriamente limitada pelas disponibilidades existentes.
De outra forma continuaremos com obras por completar e, portanto, sem os resultados desejáveis.
De resto, enquanto técnicos de todas as categorias e especialidades ocupavam as várias brigadas que se deslocaram à província, os serviços normais de obras públicas, por exemplo, quase sempre com um único engenheiro e um reduzidíssimo quadro de auxiliares, produziram no arquipélago obras que ficam a atestar uma actividade notável e que bem merece da gente de Cabo Verde. Com esses elementos tão reduzidos, construíram-se edifícios públicos, como o Palácio da Justiça e o edifício para o Liceu da Praia, casas para funcionários, edifícios escolares e muitas outras obras de vulto, sem necessidade de espaventosos quadros técnicos, supridos pelo chefe dos serviços, Eng.º Tito Esteves, e seus colaboradores do quadro próprio, nem sempre totalmente preenchido, como disse, e, pior do que isso, a ganharem menos que os funcionários das brigadas.
Aliás, as obras públicas de Cabo Verde, sob a chefia do Eng.º Tito Esteves - digam o que disserem - , produziram de forma a merecer encómios e reconhecimento. Obras caras? Mas estão lá. Com defeitos? Sem dúvida ...
A perfeição não é apanágio dos homens, mas houve um saldo positivo palpável e, em Cabo Verde, quando isso acontece, é de se agradecer e aproveitar a lição.
Esta realidade convence-me da necessidade de rever o assunto do número de técnicos indispensáveis, e nesse sentido se está actuando em Cabo Verde.
Esperemos que em consequência, o material e a mão-de-obra tenham maior primazia na aplicação dos dinheiros investidos, para que se avance mais depressa e mais cedo se colham resultados.
No que respeita ao desenvolvimento económico de Cabo Verde, está assente que a agricultura não pode satisfazer só por si as necessidades do arquipélago. A agricultura é em Cabo Verde não a arte de empobrecer alegremente, como vulgarmente se diz, mas a de empobrecer ainda mais e bem tristemente. As condições do clima, por de mais conhecidas, não favorecem, e as estiagens são um flagelo que não vale a pena desenvolver como tema, tão dolorosos e repetidos têm sido os seus efeitos nas ilhas que se tornaram lugar-comum a estigmatizá-las como arquipélago da fome.
Há, portanto, que industrializar as ilhas, aproveitando no máximo tudo o que a Natureza, tão pouco pródiga para elas, se não lembrou de lhes tirar e até a sua situação geográfica, para a industrialização de outros produtos, que, não sendo próprios, podem ser ali explorados em condições de rentabilidade, como seja o descasque da castanha de caju. além da tão desejada refinaria e outros.
O Sr. Eng.º Araújo Correia preconiza como um dos caminhos para essa industrialização a pesca e seus derivados.
Eis, Sr. Presidente, uma riqueza que inexplicavelmente temos descurado e de que até os Japoneses, vindos lá do longínquo Japão, se têm aproveitado.
Parece que vamos despertar desta letargia.
Duas grandes empresas - grandes em qualquer parte e mormente na relatividade do meio - pretendem instalar-se em Cabo Verde, dando um impulso sério e decisivo à respectiva indústria.
Estou certo de que serão facilitados todos os meios necessários para que estas iniciativas se concretizem, convencido como estou, por informações fidedignas, de que qualquer delas está suficientemente apetrechada em pessoal e material para evitar um malogro que os capitais a investir - 250 000 contos cada uma - não podem admitir que se presuma possível. Ninguém vai para Cabo Verde com tanto capital e com o entusiasmo, com o interesse, com a esperança que toda esta gente - Portugueses e Alemães - manifesta pelas nossas ilhas.
Só visto e ouvido, Sr. Presidente. Tenho estado em contacto com eles e sei que o seu entusiasmo se baseia em estudos sérios que abrangem todos os aspectos concernentes, incluindo prospecções decisivas em moldes científicos que não podem deixar dúvidas acerca das finalidades a atingir.
"Aquilo chega para todos - dizia-me há dias um técnico alemão - , chega para as duas empresas e até chega para terceiro concorrente que queira e se disponha a colher a

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riqueza que os mares de Cabo Verde e a magnífica posição geográfica das ilhas lhes proporcionam para uma exploração eficiente".
"Há muita fome no Mundo - acrescentou - e nem sequer pode haver a preocupação de mercados. Tudo se colocará, e não haja receio de concorrências prejudiciais de qualquer espécie que, além do mais, seriam inteiramente desnecessárias".
O alemão, na sua algaraviada em português, parecia responder a certos zunzuns que já andam pelos ares.
Será desta vez que o arquipélago sentirá um influxo decisivo na sua economia?
Já não sei, Sr. Presidente. Temos tido tantas esperanças que se desfazem ...
Mas porque havemos de as perder perante tão promissora perspectiva?
Confiemos. E esperemos que Deus nos ajude em face da boa vontade e do entusiasmo dos homens. Confiemos em que não nos surgirá nenhuma "empatocracia" no meio de tudo isto e sobretudo, que os entraves anunciados pelos zunzuns não encontrem eco nem o apoio de quem tem de decidir, e que tudo se conjugue de modo a não destruir iniciativas que só merecem protecção e incentivo.
Estes os votos que formulo também ao agradecer ao Sr. Dr. Pinto Bull o entusiasmo com que trouxe ao conhecimento desta Câmara os estudos que se estão realizando nas águas de Cabo Verde para a concretização dos projectos em vista.
Bem haja o ilustre Deputado pela Guiné.
No capítulo respeitante às despesas ordinárias, refere o ilustre relator das contas a necessidade de um esforço no sentido da melhoria dos rendimentos para evitar atrasos na vida administrativa e a não realização de certas condições indispensáveis, como o complemento de vencimentos, o abono de família, certas dotações relacionadas com a instrução pública e mais.
Informo a Câmara de que esse esforço está sendo tentado.
Foi estudada e encontra-se em execução uma reforma tributária, cujos resultados não se podem prever com segurança, mas que- trará por certo um aumento de receitas ordinárias para satisfazer despesas correspondentes - esperemos que por ordem de prioridade, começando por aquelas que há muito esperam solução, como o vencimento do funcionalismo, a que adiante me referirei.
E digo "por ordem de prioridade" porque dessa reforma não se pode esperar nem pretender-se uma satisfação imediata e instantânea de todas as necessidades.
Assente numa economia débil e instável, ela terá de ser o reflexo dessa economia, sob pena de inexequibilidade por falta de- suporte. Não pode ir além do razoável e justo. Clamores vários me têm chegado contra a execução da nova lei. Não sei até que ponto terão razão os interessados nem posso aquilatar das razões do Governo. Faltam-me elementos de apreciação.
Sei que se procura uma melhor distribuição da carga fiscal. Sei também que a intenção do Governo não é, nem podia ser, sustentar as finanças públicas sacrificando a economia das ilhas, a ponto de se perder pela absorção a própria matéria tributável. Julgo que só pagarão mais os que o puderem fazer, aliviando-se aqueles - e tantos são infelizmente - que, ou não podem pagar, ou pagam mais do que é razoável.
As coisas têm de ser ponderadas para que se não saia de uma injustiça caindo-se noutra. Se o contribuinte reclama e tem razão, há que lha dar, nem que seja preciso modificar a lei. Se o Estado deve receber, há que cobrar o que- for devido.
O indispensável é equilibrar os interesses, em jogo, de modo que o Estado não leve tudo o que o contribuinte amealhou - antes deixando-lhe margem compensadora do capital e trabalho empregados, embora sem excessos que uma equitativa arrecadação de ^riqueza pública não consente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou convencido de que posso garantir à gente de Gabo Verde que não é outro o pensamento do Governo da província e fica-me a certeza de que todas as reclamações postas serão resolvidas, de modo a evitar o descalabro que alguns prevêem, com a cessação de actividades de há muito enraizadas na província e que são o seu sustentáculo, além do afastamento de novos empreendimentos bem necessários à sua economia.
O contribuinte de Cabo Verde está verdadeiramente alarmado com as perspectivas que se apresentam e há quem suponha haver tributações que, a serem efectivadas nas bases previstas, excederão os próprios lucros sobre que devem recair em percentagem, ou os atingem de tal forma que não darão para a subsistência.
Será assim?
Há que ter calma e não precipitar juízos, por deficiência de elementos. Faço uma "chamada de consciência".
Esperemos que tudo se conserte, a bem de Cabo Verde.
Desta reforma espera-se, como disse, um aumento de receitas e, portanto, oferece-se a oportunidade de satisfazer uma das condições indispensáveis a que faz alusão o Exmo. Relator: o pagamento do vencimento complementar e do abono de família aos funcionários da província.
Já o ano passado tratei deste assunto na Assembleia e sinto-me honradíssimo com o apoio que vim encontrar no relatório do Sr. Eng.0 Araújo Correia, um dos homens mais respeitáveis e respeitados desta Câmara.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Afirmei então que o funcionalismo dos quadros permanentes de Cabo Verde era o mais mal pago de todo o ultramar português - o que, infelizmente, continua a ser uma triste realidade.
Há que fazer justiça ao esforço e boa vontade do governador no que respeita à satisfação desta justíssima aspiração dos servidores públicos de Cabo Verde, pois, graças às suas diligências, houve um pequeno aumento no abono de família, que beneficiou -e bem- os mais modestos, embora não inteiramente. Limitada no Ministério do Ultramar a verba proposta pela província, não era possível ir mais além.
A verdade, contudo, é que este estado de coisas não se pode manter. A lei fixa o abono de família em 100$, 95$ e 85$ para os vários grupos que indica. Pois em Cabo Verde, onde já se vinha pagando mal, esses abonos foram fixados este ano ainda, respectivamente, em 62$, 61$ e 60$!
Não pode ser! E a situação é tanto mais injusta quanto é certo que aos mesmos grupos da Guiné e S. Tomé correspondem os abonos de 250$, 200$ e 100$, isto para não comparar com as províncias de governo-geral, em que para grupos idênticos se estabelecem abonos de 400$, 350$ e 300$.
Devo dizer que sou funcionário, mas que não tenho direito ao abono de família...
Todavia, a circunstância apontada não justificaria o meu silêncio, que, em qualquer caso, eu consideraria, em consciência, pura desonestidade, além de incumprimento

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do mandato, por se tratar de interesses que respeitam a uma classe que também confiou em mim.
Aliás não é só de abono de família que se trata. Há também que providenciar pelo pagamento do vencimento complementar. A desigualdade é da mesma forma flagrantíssima. Para não entrar em pormenores, apenas direi que, além de muito inferior ao das outras províncias, em Cabo Verde não se paga o vencimento complementar por falta de disponibilidades. Não se paga pura e simplesmente, e é tudo!
Ora, o funcionário de Cabo Verde não é inferior ao das outras províncias, onde, de resto, muitos cabo-verdianos de mérito indiscutível servem a Nação, fugindo das condições difíceis em que teriam de servi-la na sua própria terra.
O servir bem é motivo de orgulho, mas as causas do êxodo são deprimentes, gerando confusões que podem levar à convicção de que só ficam no arquipélago os incapazes, o que é absolutamente errado. Seria de bradar aos céus uma tal conclusão, a que espero ninguém tenha a coragem de chegar.
O que há é uma manifesta desigualdade de situações entre uns e outros a que urge pôr cobro, se não quisermos dentro em pouco ter de verificar que o escol cabo-verdiano continua a servir bem nos outros territórios nacionais, mas não preenche as necessidades da sua própria terra natal.
Com efeito, mesmo os naturais de Cabo Verde já não querem ir para lá e os que se encontram na província não saem ..., porque há uma lei travão que os impede...
É tal o pavor de servir em Cabo Verde que funcionários nomeados preferem não tomar posse, ou arriscar-se a uma demissão, com todas as consequências que daí advêm, a irem para a província. Os concursos ficam desertos e os quadros necessários por preencher.
Vejo, por exemplo, no último Boletim Oficial recebido que um médico estomatologista de Cabo Verde, sendo bolseiro de estomatologia em estágio no Hospital do Ultramar, acaba de ser demitido por abandono do lugar, sendo condenado a reembolsar a província pelas despesas ocasionadas.
Nem aqueles que a província prepara sacrificadamente para a servir querem ir para lá, ao menos por gratidão e decência - vamos...
Evidentemente que as razões apresentadas pelo arguido não são essas, e seria o cúmulo da pouca vergonha que o fossem, mas elas estão no fundo de toda uma defesa desconexa e inconsistente.
Valerá a pena acrescentar mais alguma coisa para descrever tão desoladora situação?
Suponho bem que não.
Sr. Presidente: desde 1959 - e já antes - que o funcionalismo de Cabo Verde aguarda que se resolva essa situação que se tornou insustentável e, de futuro, ainda piorará, porque o custo das subsistências vai, com certeza, aumentar com o agravamento dos impostos.
O ano passado apelei para o Governo de Cabo Verde para que tal situação fosse resolvida. Verificada a boa vontade do actual governador, que não encontrou apoio nos respectivos serviços do Ministério do Ultramar, resta-me apelar para o Sr. Ministro e pedir a sua esclarecida atenção para este problema que não é dos mais despiciendos da província.
Se os resultados da reforma tributária, a aplicar dentro dos limites das possibilidades do contribuinte, não puderem satisfazer este anseio - que é direito - do funcionalismo de Cabo Verde, há que procurar soluções adequadas, evitando-se aumentos de despesas, sejam de que natureza forem, sem que se possa pagar aos servidores públicos do arquipélago o que a lei estipula que se lhes pague.
Pelo menos o que a lei estipula agora que se lhes pague, visto que se mostra necessária uma revisão desses vencimentos com base na realidade, e não em utopias de vida barata na província, o que é uma falácia que já não engana ninguém.
Há até quem avente um subsídio das outras províncias mais prósperas, tal o estado de desespero a que chegámos!
Aponto a hipótese como sintoma desse desespero.
Sr. Presidente: revendo esta despretensiosa intervenção, verifiquei que repeti por várias vezes as palavras "esperança", "confiar" e "esperar". Como não tive preocupações de estilo, elas aí ficam como testemunho do meu estado de espírito.
Vou terminar, por isso, como comecei: cheio de fé e de esperanças no futuro de Cabo Verde.
Estivemos pràticamente parados - durante mais de 50 anos, para dar a arrancada que teve início há uns 15. Não podemos colher tão rapidamente como desejamos, sobretudo pelo atraso em que nos deixámos quedar e pelas hesitações que ainda se verificam.
Além disso, há que reconhecê-lo, o problema do arquipélago é um caso complexo e difícil, ainda que não insolúvel. As Canárias não possuem condições melhores que as de Cabo Verde e, no entanto, essas ilhas constituem hoje um território florescente, em plena pujança de todas as suas virtualidades, mercê do esforço ali despendido em anos e anos de persistente luta contra a Natureza.
Façamos de Cabo Verde o que a Espanha fez das Canárias.
Vamos teimar! Vamos persistir, sem soluções de continuidade, sem desalentos que nada adiantam!
Havemos de vencer, para transmitirmos às gerações que nos sucederem um património em condições que lhes não consintam as mesmas razões de queixa que a inércia das que nos precederam nos permite sustentar.
Sr. Presidente: Esto brevis et placebis. Não fui breve, com a agravante de me faltarem méritos para agradar.
As minhas desculpas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: breves estas palavras em precedência ao meu voto de aprovação das contas públicas relativas ao ano de 1962, que se acham sobre a Mesa.
Verifica-se séria e discriminadamente esclarecida a matéria nos relatórios do Tribunal de Contas com as correspondentes declarações de conformidade, respectivamente de 31 de Janeiro e 12 de Fevereiro passados.
Para mais perfeita e completa elucidação desta Assembleia se vêem publicados os sábios pareceres da sua Comissão de Contas Públicas.
Para a compreensão da vida financeira do Estado na sua correlação com a vida económica do País, juntamente com os relatórios preambulares das leis de meios, além de outros documentos atinentes à matéria, há sempre que reconhecer e agradecer o valor excepcional dos pareceres citados.
Ao Sr. Deputado Araújo Correia, seu operoso, lúcido e clarividente relator, esta homenagem que anual e unanimemente repetida é a .de toda a Assembleia, que se

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habituou confiadamente, neste decisivo capítulo, a ser guiada por sua mão.
Ao Governo se deve em tão dificultoso clima, como este que de fora nos criaram, a merecida gratidão por ter conseguido que se resistisse à veia aberta de tão onerosas despesas extraordinárias sem se comprometerem os sãos princípios de equilíbrio financeiro e estabilidade monetária. Princípios que foram definidos, em feliz hora, e efectivados por não menos feliz continuidade de poder por S. Ex.ª o Dr. Oliveira Salazar desde que, em 1928, foi chamado à gerência das nossas finanças públicas, então naquele estado ruinoso que é "bem conhecido. Para o Sr. Ministro das Finanças e ainda para o Sr. Ministro do Ultramar vai o nosso reconhecimento, pelo prenúncio, nestas prolongadas circunstâncias difíceis, do começo da nossa vitória financeira - parcela indispensável da vitória total -, já à vista neste fecho das contas de 1962.
Isto posto, Sr. Presidente, algumas reflexões!
Da introdução do parecer apresentado pela sua Comissão de Contas a esta Assembleia entendo francamente de aplaudir o apelo que, ali se lê para que:

Os que orientam os consumos públicos compreendam os sacrifícios e as dificuldades, de modo a reduzi-los ao estritamente indispensável.

Isto torna-se não só necessário para que o peso da máquina do Estado colabore na produtividade crescente que é preciso imprimir à economia nacional como para dar do alto exemplo no sentido de uma maior austeridade conveniente à actividade da economia privada.
E conhecida de longe a natural tendência de grande número de portugueses, quando acontece gozarem de disponibilidades largas, ou pior, quando ganharam os hábitos, de quando as possuíram, para a magnificência, a ostentação e imprevidente desperdício. E o reverso, porventura, de outras qualidades prestantes, que não é esta ocasião de apreciar.
Estamos, não em academia dialogante sobre temas de psicologia dos povos, mas, sim, em tempo de guerra autêntica, embora surda e mascarada por ablativos de paz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aquelas tendências à ostentação perdulária - "os fumos da índia" - deram lugar, como é sabido, no decurso da nossa história, a respectivas leis chamadas por antífrase "sumptuárias". Recordamos as do tempo de D. Sebastião, e mais tarde as determinadas pela guerra da Restauração.
É preciso que a Nação hoje tome plena consciência da presente conjuntura para a aceitação reflectidamente confirmada dos correspondentes sacrifícios.
De resto, quando pesa sobre a maior parte da nossa juventude o tributo do sangue e o do retardamento da sua promoção na vida civil, seria deveras chocante que no campo do quotidiano as coisas se passassem fora do clima da correspondente compostura.
E os próprios ciclos novos de vida económica que se processam em consequência das despesas de guerra com os lucros pelos fornecimento, imprevistos e fáceis para tantos, não serão até ocasião de tentações para dispêndios pouco recomendáveis ou fúteis, que é conveniente prever e corrigir?
Outra faceta focada na introdução sobre que nos vamos debruçando, é digna de todo o aplauso. E aquela onde se chama a atenção para a falta de coordenação nos serviços do Estado e até em certos aspectos da actividade privada.
Esta terrível pecha da nossa vida nacional foi bem posta em evidência aquando da discussão dos avisos prévios que preencheram esta sessão legislativa, particularmente dos atinentes à agricultura e ao turismo.
É ela no texto do parecer atribuída, em parte, ao nosso inveterado individualismo.
Mas também creio que para tal contribui o nosso espírito de "clã" desintegrado que nos conduz a uma mal reprimida tendência "mandona"; pois que individualistas são marcadamente os Ingleses e os Escandinavos, onde tal tendência se não verifica grave como entre nós outros.
É por isso indispensável irem-se tomando progressivas medidas, sobretudo educacionais, no sentido de atenuar-se tão perniciosa tendência.
Isto posto, seja-nos lícito, a propósito de diversas matérias versadas nas contas de 1962, bordar algumas considerações geralmente relacionadas com assuntos por nós trazidos a este tablado em anteriores legislaturas.
E isto, já que esta - a da aprovação das contas - nos parece melhor altura de prestar a nossa possível colaboração de sugestões criadoras ao Governo, do que a propósito da discussão das leis de meios, limitados que nos vemos pela impossibilidade de agravar despesas públicas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Comecemos pela Faculdade de Letras do Porto, que precisamente entrou de funcionar no ano de 1962, em correlação com as correspondentes contas.
Quando a promessa dessa Faculdade se concretizou, através de palavras de SS. Exas. o Chefe de Estado e o Ministro da Educação Nacional, nesta Assembleia, em 15 de Dezembro de 1960, tive ocasião de aludir a essa promessa. Segundo o que já constava, e que veio a verificar-se, nessa incipiente Faculdade apenas se instituíram as secções de Históricas e Filosóficas.
Fazendo as minhas reservas sobre tal perspectiva, então disse que:

Decerto entre os estudos humanísticos estas são as ciências que menos especificamente o são...

E lògicamente concluía que. só para isso não valeria a pena criar uma Faculdade, pois essas secções sem grande entorse se inseririam numa Faculdade de Ciências.
O que pensava então continuo a pensá-lo.
Estimo, por isso, que seria da maior utilidade o Governo rever o problema no sentido de completar aquela Faculdade progressivamente com outras secções; desde já uma ou de Clássicas ou de Filologia Românica. E, mais tarde, a outra de Filologia Germânica.
Duas razões sérias militam para que tal se faça. A primeira de ardem teorética, a de se instituir alguma coisa de mais especificamente, humanístico, numa Faculdade de Letras que se preze. A segunda, de dar acesso possível aos candidatos ao professorado liceal, nas secções de Letras, que em tanta abundância se proporiam para tal no Norte do País, e para os quais o acesso a Coimbra ou Lisboa se torna proibitivo.
Ora, como vimos aquando do aviso prévio sobre educação, o incremento do ensino liceal postula a necessidade imperiosa de progressivo ajustamento dos quadros do respectivo professorado.
Esta a razão do nosso reparo em se não lhes corresponder ainda particularmente, no que se refere à Univer-

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sidade do Porto, e quem diz do Porto diz do Norte, além do Vouga; certo de que as Faculdades de Letras como as de Ciências constituem o principal alfobre preparatório dos professores liceais.
Outro ponto, o da assistência na doença aos funcionários públicos.
Nos fins da sessão legislativa do ano passado parece que fomos mal avisados em levantar aqui esse problema na sessão de 24 de Abril, salvo erro, pois que a promessa constante para breve de diploma legal das contas públicas para 1963 - como já constara das contas para anos anteriores, inclusive as relativas ao de 1962 -, se concretizou, efectivamente, logo dias passados, no Decreto n.º 45 002, de 27 do dito mês.
Promete o Sr. Ministro das Finanças para breve a publicação do regulamento indispensável à execução daquele diploma no n.º 144 do relatório que precedeu a proposta da vigente Lei de Meios.
Consigna-se aqui essa perspectiva para breve de um benefício que altamente vem proteger os servidores do Estado.
Sr. Presidente: outro ponto nos ocorre versar a propósito das contas de 1962 e que também respeita à minha cidade do Porto.
O da ópera lírica em S. Carlos, a que o citado parecer sobre as contas se refere a p. 159 e que com o auxílio do Estado vem de há tantos anos beneficiando exclusivamente Lisboa.
Na sequência de outros Deputados, levantámos já nesta Assembleia o problema na sessão de 28 de Março de 1962.
Então referimos quanto tinha de propósito educativo, que inteiramente a justificava, essa benesse do Estado.
Mas salientamos que ela, como era justo, gozasse de maior propriedade distributiva do que a que representava o, aliás, bem plausível alargamento aos espectáculos populares no Coliseu.
Nesse desejável alargamento a outras cidades conta-se em primeiro lugar o Porto, quer pela importância da população, quer pela tradição musical, quer pela sua posição de lugar geométrico do Norte do País, quer pela existência ali de duas casas de espectáculo onde a ópera, em limite confinado, é viável, quer de outra em equivalência com o Coliseu dos Recreios. E já não falamos do novo edifício do Pavilhão dos Desportos.
Nessa nossa intervenção de há anos o Sr. Deputado Elísio Pimenta esclareceu-nos das diligências em que interveio quando governador civil daquela cidade do Porto e que estiveram à beira de resultar.
Infelizmente a questão continua há anos em ponto morto.
Bom é que, através dos Srs. Ministros da Educação e das Finanças, em correlação com eventuais entidades interessadas, esse ponto morto se vença.
Não se vá concluir que afinal o Estado subsidie um género de espectáculos com propósitos educativos, e este se destine, sobretudo, aos gulosos lisboetas de música, que já se presumem musicalmente educados. Enfim, que tais espectáculos se não limitem, ao sabor de nefelibatismos fora do nosso tempo, a uma ópera "exotérica para raros apenas".
E, Sr. Presidente, desta feita, por aqui me fico, dando a minha aprovação às Contas Gerais do Estado relativas a 1962.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
Júlio Alberto da Gosta Evangelista.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Gonçalves de Faria.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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