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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETÁRIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 149
ANO DE 1964 21 DE MARÇO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 149 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 2O DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi lida na Mesa uma nota do Sr. Secretário de Estado do Comércio esclarecendo palavras proferidas pelo Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos na sessão de 18 do corrente.
O Sr. Deputado Sales Loureiro falou sobre problemas da juventude.
O Sr. Deputado Martins da Crus referiu-se à agricultura da Beira Baixa.
O Sr. Deputado Cardoso de Matos aludiu à equiparação dos vencimentos do funcionalismo de Angola com os de Moçambique.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate das Contas Gentis do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público referentes a 1962.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alexandre Lobato, Gonçalves de Faria, Herculano de Carvalho, Serras Pereira e José Manuel Pires.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De Viana Queirós a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Nunes de Oliveira e Folhadela de Oliveira em defesa do turismo barcalense.
De um grupo de regentes escolares a agradecer a intervenção do Sr. Deputado António Santos da Cunha em defesa daquela classe.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma nota enviada por S. Ex.ª o Presidente do Conselho, a solicitação de S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio, que contém um esclarecimento a palavras proferidas pelo Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos na sessão de 18 de Fevereiro de 1064. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Esclarecimento sobre as palavras do Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos na sessão da Assembleia Nacional de 18 de Fevereiro de 1963.
Segundo o Diário das Sessões da VIII Legislatura n.º 130, de 19 Se Fevereiro de 1964, p. 3246, na discussão do aviso prévio sobre a crise agrícola, o Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos proferiu, no desenvolvimento do seu discurso, as seguintes palavras:
E quando todos esperavam (até porque nos havia sido directamente prometido) que o novo Secretário do Comércio deferiria, por justa, a proposta da Corporação da Lavoura, eis que esse pequeno subsídio é negado com o fundamento de que "faltava o requisito essencial para que ele fosse atribuído aos Açores, pois este fora destinado a compensar os maus resultados da colheita do trigo no ano de 1961, seu objectivo especial, e não a resolver o problema de os produtores de trigo auferirem ou não a justa remuneração da cultura" (sic).
Podendo deduzir-se dessas palavras que tenha sido o Secretário de Estado do Comércio quem "directamente" prometeu o deferimento da pretensão em causa, julgo dever esclarecer o seguinte:
Recebi efectivamente o Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos, em 26 de Abril de 1963, e a extensão aos Açores da subvenção concedida aos produtores de trigo foi um dos assuntos abordados durante essa audiência.
Certamente animado do compreensível desejo de ver adoptada a solução que pessoalmente se lhe afigurava mais equitativa, o Sr. Deputado foi levado a interpretar extensivamente as minhas palavras no sentido que na Assembleia Nacional lhes atribuiu. Porém, a promessa apenas comportava o propósito de encontrar rapidamente a solução adequada, com base em estudo que então se encontrava em via de realização pelos serviços desta Secretaria de Estado. A decisão não foi favorável à pretensão por ele defendida, pelos fundamentos transmitidos em 29 de Junho de 1963 ao Sr. Presidente do Conselho Geral do Grémio da Lavoura de Ponta Delgada e de que junto fotocópia.
Lisboa, 17 de Marco de 1964. - O Secretário de Estado do Comércio, Armando Ramos de Paula Coelho.
Exmo. Sr. Presidente do Conselho Geral do Grémio da Lavoura de Ponta Delgada:
Subvenção aos produtores de trigo
Em referência ao telegrama de V. Ex.ª acerca do assunto em epígrafe, encarrega-me S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio de. comunicar a V. Ex.ª o seguinte:
A concessão de uma subvenção no ano findo à lavoura, conforme, aliás, foi salientado no Decreto-Lei n.º 44 571, de 12 de Setembro de 1962, teve como justificação e
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objectivo especial compensar aquela dos prejuízos decorrentes dos maus resultados da colheita do trigo no ano de 1961.
Essa subvenção revestiu carácter excepcional e foi estabelecida por uma quantia global de 160 000 contos e a forma da sua distribuição seria proposta pela Corporação da Lavoura, não tendo sido os produtores açorianos então incluídos nessa proposta e não tendo, por conseguinte, beneficiado da subvenção na altura em que ela foi decidida, ou seja em Novembro de 1962, certamente por já então se ter entendido não haver em relação àqueles a justificação que existia para os produtores do continente. Ora o que mais tarde, isto é, em 23 de Abril de 1968, veio a ser solicitado pela Corporação da Lavoura foi o alargamento da dita subvenção, pedido que, além de carecer do fundamento indicado (prejuízos resultantes das más colheitas), não era já possível atender dentro do quantitativo global de 160 000 contos que, para o efeito, tinha sido possível atribuir e naquele momento obtido por empréstimo da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Não obstante isso, foi mandado estudar, pelos serviços competentes desta Secretaria de Estado, se haveria fundamento para a extensão do subsídio aos produtores açorianos, tendo-se concluído, no estudo efectuado, que no arquipélago não sofrera a produção de trigo no ano de 1961, nem mesmo no ano de 1960, as quebras que nesses anos se verificaram no continente e que, portanto, não se deram ali as circunstâncias que determinaram a concessão da subvenção e a forma como esta foi repartida.
É ainda de notar que, independentemente da situação em que se encontra a lavoura açoriana, e que se está na disposição de encarar com a atenção que o caso merece, a subvenção aludida, além de ter tido carácter excepcional, teve como única justificação, e de resto se acentuou, a necessidade de compensar prejuízos anormais que em determinada colheita se verificaram devido a condições climáticas especialmente adversas que se observaram, afectando então e apenas a cultura de trigo continental.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos:
A bem da Nação.
O Chefe do Gabinete, Alberto Pena Monteiro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sales Loureiro.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: tem Portugal ganho, em nossos tempos, numerosas batalhas, mas nenhuma teve um sentido mais amplo que aquela que, desde seu início, se apelidou por uma única palavra - Angola!
Esta uma legenda épica do nosso tempo, onde mora a verdade incontroversa de um povo; onde- cabe com plena exactidão tudo o que, por essência, for genuinamente português!
Se um termo apenas basta para definir as raras potencialidades de uma raça, a ímpar missão de um país, esse termo se encontrou quando, numa emergência que foi pesadelo, alguém proferiu: Angola!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta uma directriz que, nascida do espírito da história, nada demove; uma ordem que, provinda da inteligência dos séculos, não se discute!
Assim se explica o autêntico "milagre português" na África, que a Europa e a América traíram!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim se compreende toda a epopeia de uma nação que fez refluir para 2 por cento do território angolano um terrorismo macabro que no ódio vesgo internacional encontra o suporte da sua manutenção.
O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!
O Orador: - Ganhámos, a curto prazo, essa tremenda batalha da integração económica do espaço português, expressão do clamoroso engenho do espírito nacional, quando aguçado por crise grave.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E talvez que nem sempre se tenha concedido o verdadeiro relevo a essa integração, condição necessária de outras integrações, e na qual tão relevante papel coube à acção admirável do ilustre Ministro de Estado, Doutor Correia de Oliveira!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas outras acções da nossa gesta contemporânea avultaram, com particular realce da obra de integração político-social; com destacado grau da epopeia militar!
Epopeia escrita com E maiúsculo pela nossa gloriosa juventude, o melhor tesouro da nossa raça; a maior certeza da eternidade de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É desse valor supremo das pátrias que hoje nós vimos, aqui falar!
Estamos atravessando uma época em que tudo é dominado por um tecnicismo envolvente, que foi à ciência buscar o elixir da sua vitalidade, procurando por uma nova linguagem desmoronar os fundamentos sob que se molda a civilização.
O tecnicismo dos nossos dias veio transformar em fim aquilo que é apenas um meio, e a maior tragédia que ao homem se poderia apresentar seria a do triunfo da civilização técnica.
A personalidade humana e a axiologia tradicional perderiam por completo o seu verdadeiro sentido, restariam conceitos ocos, sombras de um museu de espectros!
Impõe-se, antes que seja tarde, colocar a técnica no lugar que lhe compete, restaurando os valores espirituais da humanidade, contrapondo à cultura técnica toda a valia da cultura humanística!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode a ciência substituir órgãos, alterar por meio de enxertos a fisionomia física, mas o que resta insubstituível é o ideal; o que permanece sempre idêntico é a fisionomia moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso a juventude não poderá deificar a ciência ou as várias técnicas, porque elas não lhe con-
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cedem normas gerais de vida, não lhe garantem uma solução para os problemas fundamentais da existência humana.
Tudo é precário e relativo na vida terrena. Preciso se torna ultrapassar essa precariedade e relatividade por uma preparação da vida interior de tal forma que leve o homem à capacitação de que é um ente que, por sua essência, transcende o mundo dos fenómenos, concluindo-se assim pela sua natureza ontológica e metafísica.
Essa preparação deve, sobre qualquer outra, sobrelevar nas preocupações primeiras do Estado quando este se debruçar sobre os problemas propriamente educacionais. Problemas que atingem maior acuidade quando abarcam o sentido formativo da juventude.
Juventude, pátria em flor, a promessa de hoje, toda a certeza de amanhã, ela é, na sua preparação, o melhor aval que garante o esforço das gerações quando as nações passam em revista as páginas a uri fui gentes do melhor labor humano!
Páginas que se correm leve e demoradamente; dedos transidos de respeito; lábios balbuciando preces; espírito recolhido em prolongada meditação!
Daí o relevo que deverá conceder-se aos objectivos primordiais de toda a obra pedagógica - a da formação da juventude!
Juventude que se deseja esclarecida pela inteligência, fortalecida pela vontade, dominada, pela certeza dos mais belos ideais.
Mocidade que se requer abnegada na entrega de si própria ao dever, entendido este no sentido profissional, comunitário, humano, pátrio ou religioso.
Era esta já, de certo modo, a missão da juventude na gloriosa Hélade, cujos moços após prévio juramento se tornavam cidadãos.
Cidadãos que renunciavam a si próprios em prol do que consideravam os mais altos valores sociais.
De então para cá nada de novo na linguagem dos povos, principalmente quando ela parte do que há de mais sagrado no homem, a alma, o coração, para atingir pelos caminhos sublimes da inteligência, da vontade e do amor o que há de absoluto na beleza e na verdade!
Sr. Presidente: recordar o passado é uma imposição de consciência, uma obrigação moral.
Sem passado, sem tradição, não poderia haver formação do homem.
É dever das gentes, seu imperativo moral, lei rígida interior cujo cumprimento é escola de virtude, a de obedecer ao mandado das gerações.
Há 30 anos tínhamos uma linguagem tipicamente nacional, e a que hoje nossos filhos falam, embora no mesmo idioma, exprime anseios e sentimentos que não são os nossos.
Assim, ou se faz por uma reforma sábia e esclarecida, uma reconversão "dos valores, mantendo-se com maior ou menor elasticidade a continuidade do nosso modo de vida, sem quebra dos laços que nos prendem à tradição, ou abastardamo-nos, perdendo connosco toda a individualidade pessoal e nacional, megulhando na torrente que passa, mas que pelo impulso que leva é mais obra de bárbaros que de uma sociedade civilizada!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Só uma barreira forte, com um sistema educativo em que a preocupação formativa participe na organização dos programas e dos textos e que ganhe, a adesão de todos os jovens, é que pode resultar!
O entendimento comum entre as nossas gerações e as futuras não pode, de qualquer modo, fazer-se utilizando o psitacismo e as falácias.
A chamada "crise da juventude" enxerta-se numa crise mais vasta que nos abarca, como à totalidade dos países.
Há, por toda a parte, uma indefinição de princípios, de doutrina e de acção.
E enquanto os espíritos se mantêm indecisos, a máquina vai processando a sua revolução, a que os mesmos espíritos se vão rendendo.
O homem vem sendo cada vez mais menos homem!
A crise do conceito de autoridade é a causa lógica do fracasso da maior parte das tentativas de reforma dos sistemas educacionais e a causa de outras crises, entre as quais a da juventude.
A sujeição de rapazes e raparigas ao mesmo padrão de ensino e de educação, sem ter em conta a sua natural diferenciação e a prevalência da docência feminina, cada vez mais ampla, são inconvenientes que urge evitar.
A estandardização do modo de vida, melhor diremos, de uma concepção da vida que, partindo da América do Norte, como da Rússia, põe os valores em termos de comodidade e bem-estar; a poluição das culturas nacionais europeias; a democratização na vida político-social, como nos costumes e na vida familiar - tudo isso pesa soberanamente nas dificuldades que se levantam ao erguermos em termos nacionais um sistema educativo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De tudo isso se ressentiu, como não poderia deixar de ser, a Organização Mocidade Portuguesa, com uma larga folha de serviços prestados no capítulo da formação dos nossos jovens, mormente na fase inicial.
Dessa fase, contudo, já hoje pouco resta.
Com a falha de quadros de dirigentes, incompreendida por alguns, apenas tolerada por muitos, perdeu o seu espírito dinâmico, empreendedor, transformada actualmente numa peça burocrática que opera através de circulares e instruções, que a divorciam cada vez mais dos seus reais propósitos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Justo é salientar, entretanto, as inúmeras dedicações que a exornam, aqueles elementos que, pela vida, já se deram à Pátria e essoutros que com muito maior zelo a tem servido e a continuam a servir - os actuais e antigos comissários nacionais!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o aspecto pré-militar, proveniente de uma concepção que inicialmente a dominou, se pelos objectivos foi excelente, não conquistou na prática os espíritos dos nossos rapazes.
Assim, imperioso se torna que a Organização ganhe não só o espírito, como o coração dos nossos jovens!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E nesse sentido é absolutamente indispensável a acção da Igreja e da Família, e em conjugação com o Estado, na tarefa educativa, no revigoramento intelectual e espiritual da nossa juventude!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Revigoramento que se fará pela formação de um escol de dirigentes e de uma doutrinação sistemática inclusa nos textos legislativos.
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Doutrinação que há-de realizar-se ria escola - razão da nossa mais acrisolada esperança - e fora dela.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para os jovens de todas as idades e para as massas populacionais adultas, utilizando com sagacidade e acerto os meios poderosos da informação, mediante uma forma de doutrinação que penetre em todos os sectores e abarque todas as actividades.
Mas para além das actividades e especificamento escolares, que o Estado haverá que rodear das condições indispensáveis ao seu bom êxito, temos de considerar as circum-escolares, objecto de diploma especial que as regulamentou.
Nelas têm relevante papel as actividades gimnodesportivas e recreativas.
Grande poderá ser o papel da Mocidade Portuguesa no conjunto de todas estas actividades!
Os estádios, as piscinas, os parques de campismo, os albergues da juventude, as pousadas!
Neste domínio, a Alemanha Ocidental vem realizando obra notável, com uma rede de pousadas para a sua juventude que no ano pretérito acolheram um número de jovens que orça pelos 8 milhões.
A mocidade universitária tem estado um tanto entregue a si própria, quer nas actividades escolares, quer nas circum-escolares, que recente diploma do ilustre Ministro Galvão Teles, numa atitude esclarecida, procura resolver no tocante ao alojamento.
Cercada a nossa mocidade de solicitações que a todas as horas lhe falam aos sentidos, sem aquela mínima preparação que lhe permita superar essas mesmas solicitações, quando não sujeita ao trabalho persistente e hábil de uma propaganda que se estabelece e nutre nos campos do desassossego social como no da inquietude espiritual da adolescência, preciso se torna olhar de frente este problema capital.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem aqui a mais flagrante actualidade a renovação da ideia da criação de um Secretariado ou Subsecretariado da Juventude e Desportos para dirigir com plena autoridade e profícuo labor este vasto mundo.
E nem sequer os homens hão-de faltar. Alguns dos que passaram pelo sector do Governo bem conhecem e sentem os graves problemas com que se debate a mocidade.
Por outro lado, teria a maior relevância a criação, junto das reitorias das nossas Universidades, de um certo número de assistentes sociais universitários de ambos os sexos, que seriam um ponto de apoio seguro para a resolução de muitos óbices que se apresentam aos estudantes dos cursos superiores. Como vantajoso se faz que estes mesmos estudantes conheçam mais de perto a realidade ultramarina portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pretendemos uma juventude bem armada para os inevitáveis choques da vida. Uma juventude com certezas fixas, para evitar aquela larga série de "desencantamentos" de que falou Loti.
Uma mocidade, como diria Rui Barbosa, que não só "madrugue" no ler, mas também no reflectir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Juventude que nós desejamos seja sempre "mocidade em flor", botões de rosa eternamente em abrolhos, braços largamente abei-tos para a vida. que estreite com fé no coração!
Fé em si própria, nós grandes ideais - quer sejam de ordem nacional ou universal -, e fé na hierarquia dos valores que compõem a estrutura em que se apoia o nosso mundo.
Mocidade fisicamente robustecida, intelectualmente fornecida, moralmente dotada - é o que nesta hora suprema o País requer.
Mas deveremos ter em couta que, como disse um antigo e distinto Subsecretário de Estado da Educação, "a obra educativa é da responsabilidade de todos" e que "o exemplo é a melhor arma na conquista da gente nova".
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Exemplo que abundantemente nos fornece o maior educador contemporâneo da vasta família portuguesa!
São ainda do Sr. Doutor Baltasar Rebelo de Sousa, que à causa da juventude ofereceu o melhor da sua inteligência e do seu coração, as seguintes palavras:
Se queremos guiar os passos da juventude, importa que, antes de mais, saibamos guiar os nossos, para que na austeridade e verdade da nossa vida ela encontre confiança, segurança, certeza. Logo Virá a compreensão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:
E que todos se sintam responsáveis perante a juventude: família, igreja, escola, organizações juvenis. Que todos coordenem a sua acção, sob pena de nada conseguirmos com actuações parcelares e desconexas.
Traçado está o rumo, necessário se torna dar-lhe execução!
Há horas em que é preciso erguer bem alto a voz para que, por cirna das discussões inúteis e das disputas estéreis, se erga a voz autorizada, solene, da Pátria.
E o murmúrio dos nossos mortos; a memória dos nossos heróis, as preces dos nossos santos, rompem num berro que traspassa as barreiras do tempo, um brado desesperado de alerta - a Pátria chama por nós!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: como acontece em relação à quase totalidade das províncias do interior, a Beira Baixa vive sobretudo da agricultura, à parte o núcleo industrializado da Covilhã. Daí resulta que da sua população activa cerca de 60 por cento se dedica às fainas agrícolas, percentagem que na zona ocidental do distrito vai mesmo a 75!
Sende, como é, a capitação do rendimento agrícola muito reduzida, já que em todo o País apenas 25 por cento do produto nacional bruto provém da agricultura, nada custa concluir quanto é modesto o nível de vida da grande maioria das gentes da Beira Baixa.
E a conclusão mais se reforçará considerando que, dentro da agricultura, nacional, o distrito de Castelo Branco datem uma das zonas de menor rentabilidade, com solos
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geralmente pobres, de débil camada arável, com culturas deficitárias a alimentarem uma economia agrária normalmente de ruína.
O remédio, ainda que a longo prazo, parece ser não só a reconversão daquela agricultura no sentido da florestação como também o aproveitamento das possibilidades actuais e futuras de industrialização, que, para certas zonas, se afiguram prometedoras, mormente quando consideradas na sua feição complementar da agricultura.
Como ponto de partida para o seu estudo adequado dentro do planeamento regional, o ilustre governador civil, Sr. Dr. Simplício Barreto Magro, que é um exemplo de dedicação impressionante à defesa dos interesses do distrito, promoveu recentemente a reunião dos possíveis interessados - entidades oficiais e particulares - naquele estudo e naquele planeamento.
Com o entusiasmo e o bairrismo que sempre anima os Beirões quando se trata de valorizar a sua terra, que amam apaixonadamente, vêm prosseguindo as sessões de trabalho, cujos resultados se espera sejam frutuosos.
E é já no prosseguimento desses estudos que me permito, Sr. Presidente, chamar a atenção do Governo, na pessoa do ilustre titular da pasta da Economia, o Sr. Prof. Doutor Teixeira Pinto, cuja inteligência, juventude e dinamismo são uma esperança segura para o sector que comanda, para situações da economia da Beira Baixa que podem e devem ser desde já encaradas em ordem às soluções que muito contribuirão, em breves anos, para o progresso social e económico do distrito de Castelo Branco.
Refiro-me ao imediato aproveitamento industrial da mancha mais densa e mais extensa de pinhal existente em todo o País, e que cobre a faixa ocidental do distrito, em ligação, aliás, com os concelhos limítrofes, de igual feição, dos distritos circunvizinhos.
Os concelhos da Sertã, Oleiros, Proença-a-Nova, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão, com os seus 100 000 ha de pinhal, somados às reservas adjacentes de outros concelhos, representam cerca de um terço de todo o povoamento florestal do continente, mormente pelo que respeita ao pinheiro.
Acresce ainda que esta considerável dimensão da floresta da Beira Baixa terá de ser ampliada nos próximos anos, já que a florestação parece ser a única solução para a reconversão da sua agricultura. Neste caso, há que encarar o povoamento florestal de mais 250 000 ha, tantas são as terras que vêm sendo aproveitadas em culturas cerealíferas e outras, apesar de manifestamente contra-indicadas para tal, donde provém um empobrecimento geral, de tão funestas consequências sociais.
Esta perspectiva, aliás prometedora, mais exige se não perca tempo, antes se ganhe, a adoptar as providências urgentes que ponham termo ao incalculável prejuízo e aos gravíssimos inconvenientes sociais que para a economia nacional e local e para as populações de toda a região vêm resultando do. desperdício da riqueza que constituiria a exploração daquele pinhal.
E não se tem feito e não se tem promovido - o que, além de merecer reparo pelo que de si próprio significa no desaproveitamento de uma fonte de riqueza de extraordinário alcance, tem ainda a agravante de criar um clima psicológico de receio e de dúvida sobre as vantagens da florestação no espírito daqueles a quem é proposta e aconselhada no resto do distrito como solução melhor.
A exploração dominante naquela extensa área de pinhal tem sido II da resina, e tem-se ela processado em termos dos mais elevados prejuízos para o proprietário, sobretudo para o mais modesto, de economia débil, sempre sujeito pela fatalidade, da sua condição a todas as autênticas artimanhas de que, no mundo da economia liberal e capitalista, como é ainda a dos resinosos, se socorrem os poderosos nas relações com os fracos.
O sector dos resinosos afigura-se-me, por parte de muitos dos seus principais e dominadores empresários, dos mais rebeldes a todo o espírito social e económico da Revolução Nacional, o mais fiel aos ditames da economia liberal, bipercapitalista, dominada exclusivamente pelos seus objectivos típicos, pelo que, com incrível facilidade, destroça o pequeno lavrador, dono do pinhal. Culpa daqueles grandes empresários?
Pois direi que não. É que até hoje ninguém tomou a defesa do pequeno proprietário, e até do grande, mas este tenta defender-se por si, em termos capazes. Os grémios da lavoura, aos quais essa tarefa competiria no primeiro escalão, deram, salvas as excepções que confirmam a regra, em lojas de comércio, de feição predominantemente burocrática e tributária, com o que todos nos vamos conformando...
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª tem razão, creio eu, quando refere a situação de dependência em que os proprietários de pinhais, sobretudo os pequenos proprietários, estão relativamente à indústria resineira. Gostaria que V. Ex.ª, se acaso ainda não pensou no assunto, ponderasse a circunstância de a indústria de destilação de gemas ser possivelmente das mais fáceis de instalar. Portanto, se realmente fosse possível criar entre os proprietários de pinhais, sobretudo entre os pequenos proprietários, um espírito de cooperação eficiente - creio que em Trás-os-Montes se está a trabalhar nesse sentido -, não seria impossível transferir para eles o domínio da indústria de resinas. Os actuais industriais têm receio dessa hipótese, creio.
Quanto à acção dos grémios da lavoura, o primeiro passo para a libertação dos pequenos proprietários de pinhais do domínio actual da indústria seria organizarem-se no sentido de negociarem colectivamente a sua venda de resinas.
Vários grémios da lavoura o têm tentado fazer e a própria Corporação da Lavoura tem feito diligências junto deles para que procurem estabelecer o sistema de contratos colectivos na negociação da resina. Mas a receptividade local tem sido até agora muito limitada.
Não sei se se pode atribuir a culpa aos grémios da lavoura como tais, .a não ser que os queiramos responsabilizar pela propaganda individual, para a qual muitos deles não estão preparados.
O Orador: - Muito obrigado pela sua intervenção, Sr. Eng.º Amaral Neto.
Quanto ao primeiro ponto, a possibilidade de a industrialização da gema, numa primeira fase, ser fàcilmente realizável pelos proprietários de pinhal, dada a simplicidade técnica que ela comporta, como V. Ex.ª referiu, vem agravar, a meu ver, o estado actual do problema, porque nem ao menos essas providências tecnicamente simples e econòmicamente possíveis ao nível dos pequenos proprietários até hoje se realizaram. E não há-de esperar-se que seja o pequeno proprietário, desamparado, de uma tão fraca economia que lhe não permite a mínima poupança para investimento, a tomar a iniciativa de conseguir essa bem modesta e bem pouco exigente instalação para a destilação das gemas.
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Eu, aliás, mais adiante nas minhas considerações foco esse aspecto; já ouvi advogar a solução cooperativa. Devo dizer a V. Ex.ª que encaro essa solução cooperativa como possível e, já agora, como desejável, embora se me afigure que será mais uma lacuna que princípios de ordem diferente têm de vir preencher numa doutrina corporativa como a nossa.
Quanto ao segundo aspecto que V. Ex.ª focou, quero apenas dizer que até hoje, por culpa dos grémios da lavoura ou de outros sectores, não foi possível também essa solução, que se afigura fácil, de ao menos obter uma solução colectiva que abrangesse os donos do pinhal nas suas relações com os industriais da resina. Não foi possível por culpa de quem? V. Ex.ª parece isentar dessa responsabilidade os grémios da lavoura. Eu não os quero julgar, porque não os absolveria completamente, mas também os não responsabilizo só a eles., como a outras instituições oficiais em cujo âmbito cabe essa tarefa e que não a têm realizado.
O Sr. Amaral Neto: - Se V. Ex.ª me dá ainda licença, queria fazer já agora mais um apontamento.
Antes de mais, desejaria concordar com a sua conclusão de que os grémios da lavoura não são de incriminar totalmente, mas talvez pudessem, nalguns casos, ter feito um pouco mais.
Falo agora da área de que V. Ex.ª é mandatário, onde se contém uma boa parte da nossa floresta de pinhal e onde são maiores as preocupações de a valorizar, quer através de um maior rendimento de resinagem, quer através da introdução de novas técnicas de desbasto e tratamento. Todavia, nessa área têm uma posição importantíssima, como V. Ex.ª bem sabe, os agentes de compra da resinagem, que são nas aldeias mais modestas os verdadeiros financiadores, os verdadeiros banqueiros, os fornecedores a crédito dos pequenos proprietários de pinhais, com quem liquidam contas na altura da resinagem. Será melhor não indagarmos como liquidam essas contas. Mas há toda uma teia de interesses e relações que, apesar da situação de subalternidade em que os pequenos proprietários se encontram, vai ser muito difícil quebrar.
O Orador: - A alusão que V. Ex.ª acaba de fazer aos intermediários permite-me dizer que me pareceu uma invenção diabólica, nas relações dos industriais de produtos resinosos com os proprietários de pinhais. Essas relações quando o preço é de nível conveniente em face das cotações internacionais correm bem; mas quando a cotação ou outras circunstâncias reduzem o preço da resina, o industrial tem entre si e o dono do pinhal uma série de intermediários a quem o dono do pinhal não consegue exigir o cumprimento de qualquer contrato...
O Sr. Amaral Neto: - Tenho informações de que é assim mesmo.
O Orador: - Os grémios da lavoura tornaram-se assim incapazes de entender e estudar os problemas da agricultura mesmo na elementar repercussão local;, a Junta Nacional dos Resinosos, que deveria debruçar-se atentamente sobre tão momentoso aspecto do sector que lhe cabe, vive na beatífica contemplação da sua inadaptação a semelhante tarefa.
Os industriais, que não são tolos nem têm obrigação de ser mais papistas do que o papa. sabem muito bem o que querem e aproveitam-se da situação, pelo que gizaram para a indústria dos resinosos um condicionalismo sui generis que, na fórmula corporativa, cultiva e desenvolve sem peias o espírito da economia capitalista, com todo o desequilíbrio social notoriamente conhecido no circuito proprietário-fabricante-exportador, sector que -contradição das contradições! - a própria organização corporativa liberta, das forças de contrôle características da própria economia capitalista!
Não é, porém, Sr. Presidente, sobre a urgente necessidade que o Sr. Ministro da Economia tem de acudir àquele sector dos resinosos para o reformar profundamente nas suas estruturas económico-sociais, primeiro, e nas industriais, depois, que eu solicitei hoje a palavra a V. Ex.ª
E mais modesto o meu intuito: desejo apenas clamar - ainda que também o faça no deserto!- contra o que nesse domínio se passa naquelas terras do meu distrito que, possuindo pinhal, que no entender dos técnicos é, mercê de factores favoráveis de clima e solo, de qualidade superior ao de outras regiões, o seu rendimento por hectare é ali de cerca de 10 por cento apenas do auferido nessas outras regiões!
E ainda com a agravante social de apenas cerca de 25 por cento da resina dele extraída sofrer na região a primeira e elementar transformação!
Os restantes 75 por cento saem dali tal qual as- árvores os forneceram para irem dar trabalho, que é como quem diz, rendimento, a gentes de outros lugares, talvez do estrangeiro!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pequenos proprietários, desamparados e desunidos, com as prementes necessidades da vida de todos os dias, sem poupanças de qualquer espécie a permitir-lhes uma ideia de segurança, são canas ao vento que qualquer intermediário dobra fàcilmente...
Esta situação de tão baixo rendimento é devida a uma estrutura social que também dele é efeito, é mantida num estado corporativo de objectivos essencialmente de justiça social, é aproveitada pelos que aí não encontram estorvo.
Mas urge pôr-lhe fim e sem demora, remodelando completamente o sistema em vigor da aquisição e comercialização da resina em termos de fazer cessar a exploração condenável de que vem sendo vítima indefesa o proprietário, sobretudo o de parcos recursos.
E também o regime da industrialização e da exploração. Estamos longe de ter esgotado as nossas possibilidades de industrialização da resma. Vendemos o pez e a aguarrás aos estranhos e corremos depois a comprar-lhes os produtos que eles daí extraem, mas esse é um aspecto que não entra nas minhas considerações de hoje quanto aos resinosos.
Mas, Sr. Presidente, aquela extraordinária riqueza florestal de cinco dos onze concelhos do meu distrito está também a ser desaproveitada quase totalmente nas suas possibilidades actuais de industrialização de transformação de madeiras e de fabrico de pasta.
Quanto à indústria transformadora de madeiras, em face da reconversão agrária no sentido da florestação que se prevê para a maior parte da nossa exploração agrícola, temos de encará-la- num programa sério e fecundo, já que por ela poderemos obter no seio da E. F. T. A., nesse aspecto, uma das poucas situações de predomínio para a nossa economia. E porque está criado, no âmbito daquele organismo internacional, um grupo de trabalho para estudar entre nós o problema, aguardemos os seus estudos, para então ser possível definir uma posição segura.
Mas pelo que toca ao fabrico de pasta celulósica a partir do pinho, direi que ascende a cerca de 1 350 000 ha
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o parque nacional de pinhal, com o acréscimo anual de 15 000 ha a 20 000 ha. E, pelo menos, esta a média dos últimos quinze anos. Daí nos vem um volume de material lenhoso da ordem dos 5 400 000 m3. Os consumos actuais - sobretudo fabrico de pasta celulósica e lenhas - são da ordem dos 3 800 000 m3.
O Sr. Reis Faria: - Eu não sei onde é que V. Ex.ª foi buscar esse número de 3 milhões e tal, mas no relatório do II Plano de Fomento já em 1958 se falava em 5 100 000 m3.
O Orador: - Estes números extraí-os de uma publiblicação da Secretaria de Estado da Agricultura, cujo nome não recordo, mas que com certeza V. Ex.ª conhece, pois eu recebi-a aqui.
O Sr. Reis Faria: - Estou convencido de que os números do relatório do II Plano de Fomento foram obtidos de uma base séria.
O Orador: - Não quero dizer que não. Mas os números que utilizo suo dados por uma entidade oficial, e nessa qualidade, como se diz nas leis, até prova em contrário demonstram o que se pretende.
O Sr. Reis Faria: - Em todo o caso, e como já aqui disse há dias, ao falar sobre o assunto, os 5 milhões de metros cúbicos serão consumidos.
O Orador: - Não creio. Para a indústria de pasta o consumo actual anda por 700 000 m3 e para lennha 1 milhão.
O Sr. Reis Faria: - Só para caixas vai 1 milhão de metros cúbicos.
O Orador: - Com certeza. Em esteios para minas, em caixas, em lenha e em. madeira aproveitada vão 3 800 000 m3...
Ficam assim desaproveitados 1 600 000 m3! Mas como a produção aumenta ano a ano, não só pela maior envergadura das árvores adultas, como pelo crescimento do novo pinhal, aquele desperdício continuará não só a verificar-se como também a aumentar cada vez mais. E isto sem prejuízo da reserva de segurança que se entenda deva constituir-se, pois jamais, para um consumo como o referido, se poderia consentir uma margem de segurança do volume semelhante a 1 600 000 m3. E esta inferência vem ainda a ser confirmada por esta verificação,: naquele consumo de 3 800 000 m3 cabem 1 600 000 rn3 a lenhas utilizadas como combustível, prática que está a ser abandonada com o recurso a combustíveis de maior poder calórico.
Conclusão de quanto venho expondo: desperdiçamos anualmente mais de 1 milhão de metros cúbicos de material lenhoso, de pinho que deveria sei1 adquirido aos proprietários de pinhal - e receberiam centenas de milhares de contos - que deveriam ser transformados em pasta celulósica e dariam trabalho a milhares de portugueses e dariam centenas de milhares de contos em divisas estrangeiras à Nação.
Pois este desperdício afecta, se não total e exclusivamente, pelo menos da maneira mais gravosa, a parte ocidental do meu distrito, onde uma tal riqueza se perde quase inteiramente!
Não é difícil calcular o extraordinário impulso que para a economia da região o para a melhoria do nível da vida da sua gente - tão sobrecarregada de sacrifícios e privações! - proviria do aproveitamento daquela abandonada fonte de riqueza, ao nível das centenas de milhares de contos por ano.
Pois é bem simples e bem fácil, Sr. Presidente: bastará apenas que sem demora seja instalada no vale do Tejo, na zona de Vila Velha de Ródão-Castelo Branco, uma fábrica de celulose a partir de pinho, nos precisos termos em que, aliás, foi já requerida ao Sr. Ministro da Economia.
Ao fazer esta solicitação sei bem que acarretarei sobre mim as iras e as especulações de poderosos interesses.
A vida económica portuguesa que vive enquadrada no condicionamento industrial, como esta do fabrico da celulose, tornou-se campo proibido à boa fé dos que não desistiram de lutar pela vitória dos princípios da justiça social, pelos princípios de uma sã, economia corporativa.
E já adivinho as iras e as especulações a que aludi.
Na minha curta vida de aprendiz de político - péssimo aprendiz - tenho sido vítima de umas e de outras, das mais torpes às mais idiotas. Agradeço a Deus o ter-me dado este feitio sem medo, que as olha com desprezo, para apenas manter-me fiel aos ditames da minha consciência.
Há-de o Sr. Presidente do Conselho desculpar-me a ousadia de invocar a sua lição, para mim das mais extraordinárias e impressionantes que até hoje pude escutar-lhe: eu também devo à Providência a graça de ser pobre. E para ganhar, na modéstia em que vivo com os meus, o pão de cada dia, não tenho de enredar-me na trama dos negócios que comprometem, nem preciso da solidariedade dos que julgam que tudo se vende porque tudo compram.
Sou um homem independente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é por isso que o receio das iras e das especulações não consegue calar-me: a economia da minha província - e por ela a da Nação - carece desse empreendimento que será uma fábrica de celulose no vale do Tejo a aproveitar a enorme riqueza florestal que ano a ano se perde para a Beira Baixa, para a Nação e para uma população tão carecida de tudo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E contra esta realidade, que toca na vida da Nação, nada podem, no meu espírito, razões de um direito positivo que se faz e desfaz precisamente nos termos que aquela vida exigir, nada podem invocações de um obsoleto condicionamento industrial...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ...que com mais de 30 anos de vigor, foi totalmente incapaz de preparar a indústria nacional para competir, em condições de igualdade aproximada que fosse, com a de outros países que, devorados pela guerra, talvez precisamente por não terem condicionamento industrial, aí estão já à nossa frente, e em relação a alguns deles nem sequer poderemos invocar, como atenuante, a nossa maior carência de recursos naturais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sei que há investimentos na indústria de celulose que a economia nacional pede se acautelem. Eu sei. Mus também sei que estão acautelados no condicionalismo em que funcionam o que só será legítimo pedir até aí.
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Aliás, o estudo sério e aprofundado do problema leva a esta conclusão:
Possuímos cerca de 1 milhão de metros cúbicos de matéria-prima para o fabrico de celulose a partir do pinho.
Temos assegurada a exportação de toda a pasta que dali nos seja possível extrair.
Fazendo este aproveitamento, enriqueceremos a economia nacional aos vários escalões de centenas de milhares de contos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Olhando o problema no seu enquadramento político - o que vai em linha recta ao interesse nacional, sem desvios nem transigências, olhando o problema na sua essência clara e simples sem as roupagens obscuras dos tecnocratas que de tudo fazem mitos inacessíveis -, a solução não pode ser outra senão esta: seria imperdoável continuarmos a desaproveitai1 aquela riqueza nacional e, em consequência, ou se exige que a aproveitem aqueles que o condicionamento industrial tornou senhores do sector ou se consente que aí cheguem aqueles que para fazê-lo nada pedem ao Estado senão licença, licença para, embora sem prejuízo do rendimento que também se propõem, poderem contribuir para o progresso da sua província e por ele para o progresso da sua pátria.
Confio em que o maior empreendimento industrial de toda a história económica da Beira Baixa, ele próprio com um investimento inicial de 270 000 contos, porque aí pomos as maiores esperanças de melhoria de vida para uma grande parte da sua tão necessitada população rural, há-de encontrar no Governo da Nação a compreensão que lhe permita nascer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: com compreensível insistência tem vindo o funcionalismo de Angola a reclamar pela equiparação dos seus vencimentos aos dos seus colegas da província irmã de Moçambique. A imprensa tem referido o caso com frequência, a todos os títulos louvável, e as entidades oficiais, justo é dizê-lo, também têm encarado o problema, certamente na intenção de o resolver.
É pois um assunto que não entrou no esquecimento e, não há muito até - em Novembro passado -, ao apreciar o orçamento da província no Conselho Legislativo o Sr. Governador-Geral referiu-se-lhe frisando que o funcionalismo de Angola beneficiava do subsídio de renda de casa, inexistente em Moçambique, e que a equiparação dos vencimentos ao nível dos "quadros orçamentados absorveria 105 000 contos, segundo os cálculos.
Infere-se portanto que o problema, como já dissemos, mereceu a atenção das entidades oficiais - tanto que se estudou e calculou uma solução com um dispêndio da ordem indicada, onde é natural pensar-se ter sido considerado parte integrante do vencimento o subsídio de renda de casa.
Não é nosso propósito, nem o tempo o permite, uma análise do problema em pormenor; todavia, a referência a este subsídio não pode deixar de nos sugerir a reflexão sobre o custo de vida numa e noutra província, sem dúvida mais agravado em Angola.
Voltando ao interesse do assunto c à. urgência da sua solução, não hesitamos em declarar a nossa inteira compreensão pela necessidade de fazer sacrifícios no momento que atravessamos; o que não obsta, porém, a que - ainda em nossa opinião - devamos considerar uma equitativa distribuição desses sacrifícios, atentando, muito especialmente, nos casos mais humanos dos funcionários cuja exiguidade de vencimentos lhes não permite a satisfação de necessidades primárias e onde, com verba mais modesta, se contribuiria para melhorar substancialmente as suas existências.
O funcionalismo, que certamente considera a boa vontade demonstrada e a atenção que tem merecido o seu problema, está suspenso da almejada solução definitiva, crente de que lhe não será negada, por justa.
Entrementes, espera ver concretizado o interesse das entidades a quem está cometido o assunto; espera e confia, afinal como todos nós, que não acreditamos se fique sòmente nesta expectativa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua a discussão na generalidade das Contas Gerais do Estado - metrópole e ultramar - e da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1962.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Lobato.
O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: estou certo de que a Câmara concordará comigo em que oferece dificuldades importantes, por vezes insuperáveis, o exame das contas públicas ultramarinas. É evidente que não está em causa o aspecto legal, que é permanentemente penteado a fino numa série numerosa e complexa de operações, desde o cabimento de verba à declaração final dos Contos. Só não sei se neste venerando Tribunal ainda os contadores assinalam e arquivam os documentos vistos e contados depois de os passarem à tesoura, como nos remotos tempos em que os feitores do real .serviço na minha terra lhes apresentavam para isso os mandados dos capitães com a linha de conta e os livros de registo, porque não havia orçamento nem Boletim Oficial.
Tempos heróicos em que o grande Afonso de Albuquerque dizia ao Senhor D. Manuel que Sua Alteza visse bem no reino essas contas de Sofala, que ele, o capitão-geral, não compreendia que todos os anos a receita crescesse e não desse para mais do que a despesa porque nunca ia um mitical à Índia para o cabedal de Sua Alteza. Já agora direi que desde 1518 as contas de Moçambique, primeiro examinadas em Lisboa aos triénios, passaram a ser julgadas em Goa pelo vedor da Fazenda, e depois pela Casa dos Contos.
Com a instituição da autonomia administrativa e financeira de Moçambique, em 1752, tornou a quitação das contas públicas à província, onde se criou a Junta da Fazenda para a gestão e a Contadoria-Geral para a fiscalização e julgamento das contas dos responsáveis. Do somatório das contas de feitores, almoxarifes e tesoureiros tirava o contador-geral do Estado a conta de gerência que a Junta da Fazenda, presidida pelo capitão-general, aprovava.
O capitão-general mandava-a ao ministro, com o seu relatório, para conhecimento da situação financeira da província.
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Paralelamente, o general remetia ao ministro o relatório da sua administração política, civil, militar e económica, com importantes elementos estatísticos referentes à importação e exportação, evolução das receitas e despesas, movimento da navegação e dos portos, estatística do estado social da população, tabelas especiais relativas às alfândegas, aos foros das terras, às forças armadas, à artilharia, às munições.
O liberalismo introduziu naturalmente alterações no sistema, e as mais importantes respeitaram à elaboração dos orçamentos provinciais, num orçamento conjunto do ultramar, pelo ministro, e à apresentação de um relatório anual às Cortes sobre o estado da administração geral das províncias, seus progressos e seus problemas.
A obrigação do relatório anual do Governo manteve-se durante toda a monarquia liberal e a república parlamentar, mas desapareceu com o actual regime. E aconteceu que de uma contradição se passou a outra, porque, se, anteriormente, as Cortes e o Congresso da República dispunham do relatório político do Governo, mas não examinavam a gestão financeira da execução local da política ultramarina, agora tomam-se as contas provinciais na Assembleia Nacional, que, todavia, não pode apreciá-las em função de uma declaração escrita do Governo acerca- da execução, dos projectos e das dificuldades da sua política ultramarina.
Pelo que acontece que se julgam factos e se não apreciam e debatem as ideias que os determinam, o que é fundamental, porque, fazer política, num complexo político, é realizar em factos, como em novas ideias e novos valores, os princípios de que se parte no condicionalismo de um dado momento. E eu tenho para mim que nem tudo isto se exprime em contas, a não ser que, contraditoriamente ao que apregoamos, nos interessem apenas os aspectos maberialísticos da Administração, da política e da vida, o que eu repudio, limiarmente.
O que é facto é que há longuíssimos anos que são desconexas as informações oficiais relativas à política ultramarina do Governo. Falta-lhes a concatenação lógica de um programa de ideias e de acções, sistematizado, regulado e medido. Tanto assim que depois de um breve período em que a Agência-Geral do Ultramar publicou uma valiosa colectânea de opúsculos que abrange o consulado do Ministro Armindo Monteiro, o mais que de importante se regista são o volume-documentário dos primeiros 25 anos da actividade ultramarina do Regime, o inestimável memorando do Prof. Marcelo Caetano sobre relações internacionais com os vizinhos de Angola e Moçambique e o volume que documenta os 5 anos da gestão do Ministro comandante Sarmento Rodrigues. Há, evidentemente, muita coisa impressa, e muita coisa dispersa, e fragmentada em folhetos, livros, revistas, boletins e jornais, mas o que nunca mais houve foi um relatório do Governo, subscrito pelo Ministro do Ultramar, relatório sóbrio e concreto, balanço anual de uma obra, anualmente apresentado ao juízo da Nação, como merece.
Pode atribuir-se isso à dimensão gigantesca que o Ministério do Ultramar tomou, ao trabalho verdadeiramente arrasante que recai sobre o Ministro e os Subsecretários;, mas isso é o reconhecimento implícito de que há uma máquina mal montada, hipertrófica, que esmaga os homens que a comandam, e precisa ser simplificada, reduzida a proporções adequadas e justas ao eficiente e ao suficiente.
O artigo 14.º da Carta Orgânica do Império Colonial Português, que em 1933 mandava o Ministro das Colónias publicar bienalmente, com base nos relatórios dos governadores, o relatório geral da administração colonial portuguesa, nunca se cumpriu, e o princípio acabou, infelizmente, mas naturalmente, por ser abolido.
Também é verdade que os governos ultramarinos não publicam os seus relatórios, mas a lei apenas os obriga a apresentá-los ao ministro, pelo que naturalmente se não sabe deles. Saudosos tempos em que, além dos relatórios provinciais, os ministros apresentavam às Cortes os relatórios distritais. Saudosos tempos em que as províncias imprimiam numerosos relatórios dos serviços públicos, o do secretário-geral, os dos governadores dos distritos e os das próprias circunscrições, o que naturalmente criava um largo e necessário interesse público pela Administração, o seu rumo, as suas ideias e os seus homens. Era possível dessa forma fomentar uma dialéctica, estabelecer um diálogo, dar à opinião pública ultramarina e nacional os elementos indispensáveis à sua viva formação, com a natural expressão e debate de correntes orientadoras. Há, pois, a meu ver, que fazer-se um exame de consciência a este respeito para se estabelecer uma forma de reestruturar os alicerces da consciência cívica, cujo estado foi posto em causa no debate do aviso prévio sobre educação.
Era em ordem a certas peculiares intenções da política ultramarina do Governo que eu desejaria pronunciar-me através da sua expressão nas contas públicas, dado que me compete apreciar os actos do Governo ou da Administração. Mas sou posto apenas em presença de factos, que se exprimem em contas, faltando-me em larga medida o seu fundamento idealístico, circunstancial ou político que me dê a exacta posição de atitude da Administração e do Governo perante os problemas e as intenções resolutoras.
Não será necessário dizer que não estou a pôr em causa, de um modo geral, a política ultramarina, nem, por vezes, os homens que a dirigiram. O que quero acentuar é quanto o próprio Governo perde em não ser mais dado ao diálogo público, até para que o seu esforço possa ser dignamente compreendido sob a, forma de uma consciência, e não de uma fé, e devidamente apoiado, encorajado, impulsionado, como é necessário, se as coisas estiverem a caminhar bem, o alertado, avisado, esclarecido e corrigido, como é necessário, se as coisas estiverem a caminhar mal.
Em todo o caso, e em resumo, tenho francamente pena de, por falta de elementos públicos indispensáveis, me não ser possível estabelecer um paralelo entre as intenções programadas e as realizadas no decurso do ano. A metrópole Vive geogràficameute longe do ultramar, é ela que indiscutivelmente tem nas mãos e na vontade o destino do ultramar, e por tudo, além dos sacrifícios que visivelmente faz, merecia ser melhor esclarecida. Por sua vez, o ultramar também precisa ser esclarecido e informado melhor dos programas sociais, culturais e económicos que estão em curso ou em projecto para além dos aspectos técnicos que são pouco acessíveis ao comum. Penso que interessa à Nação e convém ao Governo fazer anualmente o ponto de cada problema e dar logo o rumo corrigido para o ano seguinte. Porque, se efectivamente isto se faz nas repartições, não se vê razão de não ser tornado amplamente público.
Além disso, há a considerar que o progresso de uma terra subdesenvolvida, como Moçambique, por exemplo, não depende exclusivamente da acção do sector público, mas muito largamente também da orientação que o Estado determinar para o sector privado, por se tratar de uma zona de economia híbrida em que a actividade capitalista coexiste pacificamente com a actividade arcaica de mera subsistência, e só a acção moderadora, interventora ou correctora do Estado pode conseguir que a actividade ca-
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pitalista faça em ordem a um superior interesse nacional alguma coisa pela modificação das estruturas tradicionais da actividade arcaica.
Ao contrário do que muita gente julga, o subdesenvolvimento não é uma invenção ou uma resultante da relação económica ou política ou social de tipo colonial. O subdesenvolvimento é uma situação de facto, preexistente, que uma boa actuação capitalista ajuda a evoluir para o desenvolvimento, e a má actuação capitalista ajuda a conservar e a agravar, transformando em político-sociais problemas originariamente de pura raiz económica. Daí a transcendental importância que tem para o nosso ultramar a política ultramarina do nosso Governo, isto é, a política social da Nação, que tem de processar-se no Mundo actual em termos de economia capitalista, e em regime de concorrência capitalista no mercado internacional, sem perder de vista que a grandeza dos interesses morais, espirituais, políticos e sociais da Nação exige constantemente a correcção e o abrandamento dos exageros obviamente existentes no sistema capitalista quando desenvolvido em sequência lógica o jogo livre dos seus factores.
O subdesenvolvimento, caracterizado pela economia de subsistência, é um estado complexo, constituído por formas primitivas, atrasadas, de vida económica, organização político-administrativa, vida social e familiar, sistema educativo, teor de alimentação, habitação, saúde e conforto, e só pode evoluir para o desenvolvimento em totalidade complexa numa simultaneidade de resolução das pequenas coisas mais simples e mais baratas para as mais complicadas e custosas, segundo zonas de compartimentação em que se confinam grupos humanos subordinados a certas condições da natureza local da vida local e dos recursos locais.
Actuar dispersamente, por forma difusa e sem planos, é fazer um esforço inglório e tudo continuar na mesma, por falta de actuação dirigida e simultânea. Uma fábrica de economia capitalista isolada em qualquer parte no meio de uma estrutura de subsistência, mesmo que pague salários altos, acima da média local, e resolva momentaneamente o subdesenvolvimento circundante, absorvendo a mão-de-obra, acaba por repô-lo, porque melhorando inicialmente o incremento vegetativo da população, a fábrica deixa a certa altura de absorver mais trabalho e rompe-se o equilíbrio de factores, o que implica o regresso ao equilíbrio social anterior entre população e recursos.
Além deste exemplo de aparente progresso que a teoria concebe, há o caso de uma empresa poder estabelecer-se, por exemplo, com uma actividade extractiva de altas cotações no mercado internacional, pagando salários baixos ao nível sertanejo, o que assegura uma considerável massa de lucros. O seu efeito social será pràticamente nulo, e a empresa pode suspender a laboração na baixa das cotações para retomar na alta, ou absorver os prejuízos das oscilações do mercado internacional.
Há ainda o caso das empresas permanentes, aparentemente locais porque se não vinculam, e que, portanto, não integram na economia local a massa dos lucros, que pertence à economia detentora do capital, e é onde vai actuar por reincorporação, constituindo poupança que se investe como capital novo e pode tomar outro rumo.
Se a força dinâmica da economia capitalista reside na acção que desempenha a classe detentora das empresas, e esta não é local e não utiliza localmente e de forma reprodutiva a sua renda, não há enraizamento económico que actue como estabilizador, e origina-se a crise permanente que caracteriza todas as economias híbridas a que falta harmonia social, porque há nelas duas economias que se repelem.
Que estas economias se repelem, não tenho dúvidas, tanto assim que as oscilações dos preços internacionais, que, por vezes, provocam quedas elevadas, não afectam a actividade das empresas não vinculadas em Moçambique, mas que ali actuam, não afectam sensivelmente nem os salários nem o volume de mão-de-obra, mas causam pânico ao Governo pela incidência terrível na balança de pagamentos, e aos accionistas de Lisboa e das praças estrangeiras pela deterioração gravosa e antipática dos lucros, que é por onde se absorve o prejuízo.
Como diz um autor, "a recuperação dos preços e a etapa da bonança passam quase despercebidas no país onde se localiza a empresa, a menos que factores de outra ordem aconselhem a utilizar os maiores lucros para expandir o negócio na própria região onde são auferidos".
É por isso que o problema em regra toma feições diferentes no caso das empresas tipicamente locais que actuam no Guruè, ou na região tabaqueira de Malema, pelo considerável volume de mão-de-obra que estas empregam, a consequente importância social do salário que pagam, e o constante risco em que se encontram porque a flutuação das cotações internacionais pode não dar margem aos lucros, na baixa, para absorverem os prejuízos, podendo ainda acontecer que o grande interesse social regional destas empresas se malogre de um momento para o outro.
Não deixa de ser interessante apontar que as culturas moçambicanas ricas exercidas por empresas filiadas nas economias metropolitana ou estrangeira, algumas muito antigas, como as oleaginosas, as fibras e o açúcar, outras mais modernas, como o algodão, estão estagnadas. Só a cultura do chá, feita por empresas vinculadas à província, no geral, nasceu e progrediu em escala que pode considerar-se impressionante no meio do marasmo.
Dizem os técnicos do subdesenvolvimento que isto acontece porque, desde que as condições externas deixam de permitir que continue a expandir-se a produção, se cria uma situação de equilíbrio com nível permanente de subemprego de factores, o que é inconcebível numa economia global e tipicamente capitalista.
Eis uma mão-cheia de problemas, todos importantes, de que não há uma notícia, e são no fundo os problemas da vida e do progresso. Seria interessante saber-se a atitude e o comportamento do Governo perante eles, na doutrina e na prática.
Temos actualmente em Moçambique cinco zonas de prometedor desenvolvimento económico-social, sendo duas de pólos urbanos (Lourenço Marques e Beira) e três rurais (Limpopo, Chimoio e Guruè). A de Lourenço Marques alarga-se agora para o sul, para englobar o Maputo, e à sombra da cidade tende a formar-se um complexo, industrial, comercial, agrícola e de serviços, de nítida tendência expansionista para o interior, ao longo de vias de penetração e circulação que devem ser particularmente cuidadas e aperfeiçoadas. A meu ver, apenas nestas zonas se notam interessantes formas de desenvolvimento, porque é nelas que vai desaparecendo o chamado desequilíbrio ao nível dos factores, porque é nelas que tende a realizar-se a utilização plena e simultânea do capital e da mão-de-obra.
Considerando as economias subdesenvolvidas como sistemas híbridos de comportamentos específicos, em que há sectores sociais modernos e sectores sociais atrasados, como, aliás, acontece naquelas zonas, o grau de subdesenvolvimento, como dizem os especialistas, é dado pela importância relativa do sector atrasado e o crescimento resulta da importância relativa do sector moderno. Ora não há dúvida de que na zona polar de Lourenço Mar-
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ques, a mais desenvolvida de todas, o aumento de população, quer imigrada, quer nativa (europeia; mestiça ou negra), vai sendo absorvido pelo sector desenvolvido, o que significa que este tem aumentado o seu produto, formado capital e incorporado a técnica. Tem havido, portanto, modificações estruturais dentro do esquema do processo de desenvolvimento.
Com efeito, tem-se caminhado, desde a formação do excedente inicial de produção que ali era, exclusivamente, há 100 anos, o desaparecido marfim, em excedente que foi tomado pelo ínfimo grupo feitorial da época, de mais altos padrões de vida, que, por isso mesmo, criou a necessidade de trocas locais e distantes.
Deu-se, assim uma concentração comercial de riqueza, incorporável e incorporada no processo produtivo, naturalmente, modificado e melhorado no pólo de Lourenço Marques (e no da Beira também) pela indispensável criação de um sistema de transportes, fulcro gerador do mercado interno que vai nascendo naquelas zonas, e particularmente na de Lourenço Marques. Esta região está progressivamente u ligar-se às zonas agrícolas do médio o baixo Limpopo, e tende também a expandir-se para o sul do estuarão, o que acontecerá explosivamente se nesta área se resolver o problema das comunicações por meio de ferry-boats capazes, para os moradores de uma extensão operária da cidade, a implantar na Catembe, e de uma boa estrada marginal de cintura do estuário que vença o Tembe por uma ponte, logo a seguir ao Língamo.
Considero isto indispensável à transformação de estruturas no Sul de Lourenço Marques, onde estão a criar-se inteligentes perspectivas de povoamento agrário euro-africano de mercado à porta, e importantes fontes de rendimento turístico por meio de uma acessível reserva de caça e as primeiras instalações nas praias e dunas da Ponta do Ouro.
Todo o Sul do estuário é ainda, no que respeita à população negra, uma zona agrícola de actividades de subsistência. A introdução ali de uma nova agricultura de especialização com mercado à porta criará condições de concorrência no mercado interno e externo, os novos métodos de produção exigirão instrumentos e adubos, e portanto comércio, além de armazéns e transportes, apertando-se portanto os laços de relação e dependência entre o sector agrícola e as outras actividades. Não será de somenos a criação de um importante sector de serviços. De qualquer forma crescerá rapidamente a procura de bens de consumo, especialmente de origem industrial, o que será excelente- para os pólos industriais da província.
Que isto é assim prova-o, por exemplo, a notícia publicada há dias nos jornais do pedido de autorização a dar por Lisboa para instalação de 32 novas unidades industriais em Moçambique. Onze pedidos, a terça parte, são para o conjunto geográfico Lourenço Marques-Matola, sendo duas fábricas de explosivos e uma de descasque de caju na Matola, e unidades para detergentes líquidos, leite, manteiga e queijo, embalagens de madeira, velas para filtros, montagens e reparações electrónicas e descasque de caju em Lourenço Marques.
Para todo o resto da província pedem-se 21 unidades, das quais 1 para extracção de óleos em Cabo Delgado, 2 para descasque de caju em Inhambane e Chibuto (descasque naturalmente manual) e 18 moagens, sendo 13 de milho e 5 de cereais e mandioca, na Angónia, no Buzi, Chemba, Govuro, Macanga, Manica, Milange, Moatize, Mossurize, Muchopes, Mutarara e Vila Cabral. Estas unidades, eu conheço-as, constam de uma casota com um motorzinho a óleos accionando um pequeno moinho. Mas são um progresso. É assim que vai desaparecendo o pilão, progressivamente arrumado nas prateleiras do folclore.
A talho de foice direi que em Moçambique consideramos ridículo ser necessário pronunciar-se a Direcção-Geral de Economia do Ministério do Ultramar sobre todas estas coisas tão modestas que até seria vergonhoso publicá-las se não fossem o merecido pelourinho dos que inventaram tais leis. A província tem protestado vigorosamente contra este estrangulamento da sua liberdade económica legítima, aliás anacrónico no espírito da nova ordem económica do espaço nacional.
Continuamos à espera de um condicionamento industrial inteligente e actual, virado à construção do futuro, que nos dê uma justa liberalização no que for adequado às nossas necessidades e possibilidades, nos livre de demoras e maçadas, e da esperteza das dilações, e ao mesmo tempo nos não ponha à mercê, porque a industrialização de um certo naipe de bens de consumo, com possibilidade de larga absorção no nosso mercado interno, é condição necessária do nosso progresso.
Mas o que eu ia a dizer quando introduzi o meu parêntesis sobre o aleijado condicionamento industrial existente é que o desenvolvimento económico produz grandes acréscimos na procura de bens que a economia local não produz, alguns dos quais deve porém produzir. Daí o grande e indispensável recurso à importação, que só nos excessos sumptuários poderá ser contida, porque, no resto, é inelutável a sua tendência de aumento. A este respeito há que opor uma barreira férrea às tradicionais tendências sumptuárias da província, psicologicamente enraizadas há muitos séculos, porque são até anteriores à nossa chegada ali.
A inserção do feudalismo senhorial latifundiário português no feudalismo político indígena manteve a mesma relatividade na posição da classe dominante, tanto mais que por um lado se assenhorearam os Portugueses do monopólio da comercialização do ouro e marfim africanos e por outro lado do monopólio da comercialização das fazendas fabricadas pelo mercado fornecedor indiano.
Quando em Moçambique se extinguiu, nos meados do século passado, a fonte sumptuária antiga, que tanto aproveitou à nossa índia, e a província entrou verdadeiramente em crise, surgiram no horizonte as fontes da sumptuária actual, primeiro do lado da República da África Meridional, em 1875, e depois do lado da África Contrai Britânica e do Protectorado da Niassalândia, em 1890. O moderno porto de Lourenço Marques começou a ser apetrechado precisamente em 1875 por Augusto de Castilho, que também foi o grande impulsionador da estrada para o Transval. Pouco antes iniciara-se a emigração indígena clandestina e temporária para as plantações açucareiras do Natal, que precedeu de uns vinte anos a emigração idêntica para o Transval. Em 1890 fica Lourenço Marques ligada à zona mineira do Rand por caminho de ferro e nascem as condições modernas da região, que culminam na construção do porto em 1910. Consumara-se o esquema político-económico do previdente Andrade Corvo, que em 1887 mandara a Lourenço Marques a expedição de obras públicas que foi chefiada por essa nobre figura do general Joaquim Machado.
Já na zona central da província nos não correram as coisas tão bem. Aí foram os Ingleses que nos exigiram o porto do Punguè, hoje Beira, e o caminho de ferro de Manica, nas negociações derivadas do ultimato. A nossa tradicional linha de penetração fora por Quelimane, Sena e o Zambeze. Foi esta viragem na rede internacional de comunicações que deu a Moçambique, até agora, a feição definitiva de um país transitado, e amarrou a sua economia a esse tipo de vida, inelutàvel-
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mente, porque foi preciso construir e manter as linhas e os portos que custaram quantias fabulosas ao longo dos anos. Ao fim e ao cabo, o lucro dos serviços prestados à vizinhança é relativamente importante na vida financeira da província, mas nem sequer tem chegado para dotar o território com a sua rede de comunicações conjugadas. Não há uma rede ferroviária nem uma rede de estradas. Numas e noutras ainda se está nas vias isoladas de penetração, e as estradas são quase todas precárias.
No entanto, a província continuou a sua rica vida de sempre, de povoamento europeu pensadamente rarefeito para se não alterar o esquema económico do mato. Eu vi, e por isso ninguém me conteste, a província devolver à metrópole, durante anos, em cada barco, dez colonos desempregados, que na cidade de Lourenço Marques pediam esmola de porta em porta, numa época em que os cofres públicos estavam ali cheios de saldos. O mato continuou deserto de europeus, e isso foi um grande prejuízo para o Negro, que não tem por si só, na sua economia privativa, ou explorado por uma economia externa de tipo colonial americano ou inglês, e especialmente se esta se dedicar à actividade extractiva ou de plantação, a mais pequena possibilidade de sair do subdesenvolvimento.
A diferença de qualidade moral que deve distinguir a actuação económica portuguesa no ultramar da actuação económica estrangeira em África é a de que a nossa economia tem de subordinar-se aos interesses globais da Nação e não pode portanto alhear-se dos interesses dos povos portugueses. São por isso de grande complexidade as responsabilidades do Governo como orientador e co-realizador de uma obra de permanente e progressiva valorização dos povos e dos territórios do ultramar. Não podem estabelecer-se e actuar as empresas sem que delas resultem concretos benefícios sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É o chamado problema dos perus, pois nos não interessa que per capita abstracta se consuma a média de um peru por ano, se em virtude dos que se regalam todos os dias há milhões que nem sequer lhes vêem as penas, entram na média estatística e acabam por figurar com um peru vírgula cinco, devido a terem os primeiros aumentado o seu consumo.
Sei que estamos todos de acordo em que os perus devam ser para todos. A dificuldade reside apenas em pôr cada um em condições de comprar o seu, o que não é teoricamente difícil, mas chega a ser pràticamente invencível, porque está provado que os grandes trusts americanos que se enquistam no mato com máquinas poderosas a extrair toneladas aos milhões para os altos fornos nos seus países deixam o mato na mesma, porque absorvem pouca mão-de-obra com salários em regra ao nível da subsistência local, que assim é que lhes vale a pena. Não se integram no mercado, com o minério também exportam os lucros, são apenas cunhas capitalistas de exploração. E sempre grave não se vincularem as empresas, mas mais grave ainda é o não se integrarem em complexos de actividade diversificada a partir dos graus mais simples, das actividades mais elementares e mais variadas, que são precisamente as que estabelecem a indestrutível rede social de um mercado elástico.
O subdesenvolvimento não é uma etapa forçosa do progresso, tanto assim que anteriormente à revolução industrial a Europa não conheceu aquela fase. A sua estrutura económica assentava numa poeira de pequenas empresas, pequenas explorações agrícolas, pequenas indústrias artesanais, uma vasta formação profissional de artes e ofícios. Não havia a monoactividade agrícola de subsistência que caracteriza a África, cada família lançava excedentes no mercado, os artífices vendiam a sua arte ou o seu trabalho e compravam géneros no mercado, na vila e na cidade, que se abastecia no campo e abastecia o campo de serviços e bens manufacturados.
Assim se criou um pequeno comércio muito denso, e intenso, que formou capitais, foi aglutinando as pequenas empresas, investiu capital em técnicas e criou a grande empresa. Mas as formas anteriores subsistiram e são ainda hoje o veículo das médias empresas igualmente vitais para a prosperidade social. Não creio que possa haver um caminho diferente a seguir.
Está muito radicada na província, e até na metrópole, a ideia de um injusto atraso ultramarino no caminho do desenvolvimento. E perguntam pessoas que se dizem doutas o que fizemos em quatro séculos. Permito-me, desde já, sem necessitar de qualquer licença, reduzir quatro séculos a menos de um, porque não podem confundir-se as pequenas zonas costeiras ou as extensas linhas de comércio sertanejo doutrora com as extensas colónias que nos deixou a partilha de África. Depois há a considerar que a economia de pleno desenvolvimento em plano mundial se processou primeiramente apenas na Europa, onde ela nasceu, depois derivou para terras ocupadas ou desocupadas semelhantes à Europa, como a América do Norte, a Austrália, a África do Sul, e finalmente, para as regiões densamente ocupadas e de clima adverso, como a África Negra, a Índia e o Sueste asiático, já, praticamente, no nosso tempo. Metido no mundo das circunstâncias de todas as épocas, o nosso país teve em África as suas sucessivas fases das feitorias costeiras, das linhas de comércio, da partilha territorial (em que teve ganhos), do subdesenvolvimento e está agora empenhado em atingir o desenvolvimento da sua África.
Todas estas coisas, e com a ciência que eu não tenho, gostaria que o Governo as dissesse à Nação, em relatórios anuais que acompanhassem circunstanciadamente as contas públicas do seu esforço administrativo e económico, com uma nota da sua acção política no sentido de convencer por um lado as populações nacionais, por outro as empresas nacionais a colaborarem na construção da nação futura.
Infelizmente o País não sabe de muitas razões que estão na base das dificuldades que surgem no esforço persistente de modernização do ultramar, porque além dos erros próprios de actos humanos nem sempre virtuosos há o peso importante de condicionalismos que persistem no tempo e no espaço portugueses e se não modificam num repente. As raízes seculares de Moçambique, as formas defeituosas cia antiga e inevitável economia colonial do tempo do ouro, com o latifúndio senhorial do prazo, o mero povoamento comercial de tipo senhorial, a adjunção monopólica ao comércio da Índia por séculos, e mais modernamente as emigrações forçosas e a função transitaria imposta do exterior e que matou todas as tentativas de povoamento europeu numa fase em que para servir a economia dos vizinhos nos faltaram recursos para montar a nossa, tudo isto são engrenagens ferrugentas de uma velha máquina em substituição, o .que é claro sintoma de progresso, que sempre principia por uma necessidade de progresso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As contas públicas dão-nos suficiente ideia do colossal esforço do Estado, mas pressinto estar a fazer-se um esforço desconexo sem qualquer plano de conjunto para uma finalidade lógica com o necessário escalonamento
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de prioridades e rentabilidades. Parece que os planos do fomento tem mostrado os graves defeitos inerentes aos seus improvisos e u distribuição dispersa das suas realizações, e é evidente que eles não podem resultar, pelas razões já expostas, sem que se transite das economias nativas de subsistência. Ao fim e ao cabo não só aumentou a produção, que é para onde a província deve encaminhar os seus pensamentos se quiser criar os meios do seu desenvolvimento. Claro que os milhões que só enterraram não foram inúteis e estão lá, mas não se tiram resultados de uma disseminação profusa, e nós precisamos de resultados imediatos.
Por isso, inquieto com algumas servidões a que está sujeita a vida presente de Moçambique, a que está adstrito o bem-estar dos seus povos e a que vejo injustamente amarrada como escrava a responsabilidade moral da metrópole, inquieto com o esforço gigantesco que a economia metropolitana suporta e a incidência desgastante de tal esforço nas finanças públicas, é tocado de humildade pela grandeza de Portugal, que está sempre presente nos horizontes do meu espírito, que proclamo e defendo a urgente necessidade de uma mentalidade nova e uma nova mística nas formas e nos processos de o Governo orientar e conduzir a vida e o futuro em Moçambique.
Começarei por dizer que o dispositivo estratégico da Administração tem a maior importância na vida dos territórios e dos povos. Uma central administrativa mal localizada afecta as populações, sai-lhes cara e reduz a eficiência da própria administração que se encontre consideràvelmente distante e excêntrica, como é o caso de Lourenço Marques, como capital de Moçambique. Aliás, a actual capital moçambicana foi provisòriamente transferida para o extremo sul da província por previdente precaução, como forma de opor uma séria dificuldade política às evidentes manobras absorcionistas da Inglaterra, iniciadas pelas manhas habituais com os Tratados de 1815 e 1817. Pouco depois a Inglaterra ocupou a Catembe e nasceu a questão da baía de Lourenço Marques, que parcialmente vencemos em 1875.
Entretanto, também a República da África Meridional se interessara pelo porto de Lourenço Marques. Depois da vergonhosa destruição daquela República pela conquista inglesa, avolumaram-se perspectivas de perigo para nós, tanto mais que a Inglaterra se instalara na Suazilândia e se construíra o caminho de ferro para o Transval. A seguir foi um facto o apoio inglês ao terrorismo do Gungunhana, que anualmente raziava as pacíficas e reduzidas tribos suas vizinhas, e foi por isso justamente eliminado. Foi nesta conjuntura política que se instalou a capital em Lourenço Marques, onde, com o tempo e alguns esforços consideráveis, se criaram condições de polarização económica, que estão à vista.
Estar a capital no extremo sul tem sido a felicidade do distrito, já de si beneficiado com um porto magnífico e três linhas férreas para a vizinhança estrangeira. A ocupação progressiva dos vales do Limpopo e da Manhiça (agora o projecto do Maputo), o algum desenvolvimento do Chai-Chai, os benefícios monetários da emigração temporária para o Rand, o preço dos serviços que se prestam à África do Sul e à Rodésia do Sul (e prestarão à Suazilândia) garantiram já meios de vida à cidade e sua zona de influência. Criou-se um mercado interno regional, entrou-se na fase primária da industrialização com a produção de alguns bens de consumo e dos primeiros bens de capital; há uma evidente diversificação económica. Se através do uma acção psicológica técnica e creditícia se conseguir integrar nos circuitos capitalistas de produção e comércio as actividades agrícolas e pecuárias das populações rurais nativas, ou por meio de cooperativas ou doutras fornias que consigam vencer a economia de subsistência que para o interior está gradualmente mais vincada, c os povos se lancem na produção de excedentes para a indústria e a exportação, não tenhamos pena de Lourenço Marques.
De qualquer forma, é preciso tirar dali a capital de Moçambique. Claro que não houve problemas enquanto existiram os Prazos Autónomos de Quelimane e Tete até 1928, a Companhia do Niassa até 1929 e a de Moçambique até 1942. A administração do Estado era total apenas nos distritos de Lourenço Marques, Inhambane e Moçambique, e partilhada nos de Quelimane e Tete. Justificava-se a capital no Sul. Mas há 22 anos readquiriu a província, felizmente, a sua unidade administrativa, e a capital tornou-se excêntrica em tempo e dinheiro.
Se o Governo está disposto a lutar pela salvação de Moçambique, como nós queremos e a honra de Portugal exige, tem de considerar seriamente a mudança da capital para o Norte e o interior. E se estou bem informado, o próprio Governo-Geral, com a clarividência que os problemas indicam e as circunstâncias impõem, encara a possibilidade de localizar em Nampula a secretaria provincial que se ocupa do sector primário da vida económica, projecto que, a realizar-se, como espero, me parece, além de acertado, de grandes e fecundas repercussões futuras.
Com maior boa vontade do que ciência, tenho-me debruçado sobre o problema, e a minha conclusão ideal seria a de se construir uma cidade administrativa na zona montanhosa do Molocuè, cerca do Gilé. Mas temos de ser realistas e práticos, e não há dúvida de que Nampula, porque existe, bate toda a concorrência.
A cidade começou por ser um sítio de quatro casas palhaças, como diria qualquer cronista do século XVI, mas a infeliz Reforma Administrativa Ultramarina, ao criar a vastíssima província do Niassa, abrangendo toda a antiga companhia majestática e o distrito de Moçambique, aconselhou a escolha de uma nova capital, que foi localizada em Nampula, a 180 km da costa, à beira da linha férrea, que então partia do Lumbo, um embarcadouro fronteiro ao porto de Moçambique. Os caminhos de ferro e o Estado deram o arranque para a construção da cidade, que deve imenso ao Sr. Eng.º Pinto Teixeira.
É hoje capital do distrito de Moçambique e é uma pequena cidade, de funcionários públicos e pessoal numeroso dos caminhos de ferro, com pequeno comércio local e alguma venda para o mato. As suas possibilidades de crescimento parecem saturadas, porque não se lhe vêem horizontes industriais, e não pode concorrer comercialmente com a cidade de Moçambique ou com a futura Nacala.
Para capital da província a situação de Nampula é excelente, porque, no condicionamento das comunicações, é um lugar geométrico que domina fàcilmente toda a zona norte, desde o lago Niassa até ao mar, as zonas altas da Zambézia, que dão acesso a Quelimane, e o litoral correspondente. Instalada ali, fica a administração integrada na vida da terra e pode dar um impulso directo e decisivo ao desenvolvimento do Norte, que está deserto de gente e de actividades e onde, portanto, é mais premente a necessidade de um apoio dos serviços públicos sob a forma de maior densidade. O distrito de Moçambique é o mais povoado, o do Niassa é altamente prometedor, o da Zambézia (a que eu prefiro chamar tradicionalmente Quelimane, porque Zambézia, por tradição também, é todo o vale do grande rio) é o mais rico. Há centenas de quilómetros de linha férrea à espera de que lhe criem condições de aproveitamento, há um grande aeroporto e as ligações com o mar estão asseguradas por um grande porto, que é Nacala, a estrada
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e o caminho de ferro. Há tudo à roda, para dali se governar e fazer Moçambique, pelo que a província aguarda esta decisão corajosa, que é a única capaz de galvanizar as esperanças e realizar os sonhos daquela gente portentosa do Norte, tão carecida de amparo quanto farta de palavras.
Outro problema, com incidência gravosa nas contas, diz respeito à economia dos serviços públicos, isto é, à sua organização, funcionamento e aproveitamento. Não direi que para 7 milhões de habitantes haja na província funcionários a mais, mas para os milhões que utilizam marginalmente os serviços da Administração há decerto um excesso de burocracia. Em compensação, faltam quadros técnicos, na saúde, na instrução, na agricultura, na veterinária e na agrimensura para assistência directa, imediata e eficaz à população. Bem sei que o mal é mundial, mas com esse mal dos outros podemos nós. O nosso é que precisa remédio. Esperemos que o Governo saiba tirar o conveniente partido da restauração das secretarias provinciais, acabar com a pulverização de serviços e a multiplicação de dirigentes. Uma secretaria provincial é uma unidade funcional de serviços em que o secretário provincial estabelece a conexão entre os interesses políticos e as formas técnicas.
Uma das situações mais inquietantes respeita aos serviços de agricultura e veterinária, que estão num impasse comprometedor, tão comprometedor que o Sr. Eng.º Araújo Correia se limita a assinalar que os serviços de agricultura despenderam 25 676 contos, mais 30 do que em 1961. Mais adiante, aludindo ao papel preponderante da pecuária, agricultura e florestas, escreve, como toda a gente pensa, que "o problema que se pode dizer fundamental consiste em estabelecer métodos práticos de assistência técnica ao indígena, que ainda hoje pratica exploração rudimentar". De facto, é inadiável conduzir a agricultura indígena a fornecer rendosos excedentes ao mercado e integrá-la num vivo circuito capitalista.
Quanto à pecuária, o nosso ilustre Deputado Manuel João Correia, que tanto quer a Moçambique e à sua gente, não deixará por certo de actuar na Cooperativa dos Criadores de Gado, onde, pelos seus altos merecimentos, tem lugar de relevo, no sentido de nela se integrar o criador indígena, com todas as vantagens que daí advirão para a província, os criadores, a cooperativa com seu comércio e indústria e o convívio das pessoas e dos interesses, que é uma necessária força de estabilidade. Não há bem que se não consiga quando se quer, e a hora exige que as actividades privadas exerçam em África uma acção pública.
O Sr. Manuel João Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Manuel João Correia: - Não se pode integrar aquilo que não existe. Não há indígenas em Moçambique.
O Orador: - É um termo técnico.
O Sr. Manuel João Correia: - Mas, volto a dizer, não há indígenas em Moçambique e todos podem ser sócios da cooperativa.
O Orador: - Está certo, mas V. Ex.ª sabe que há que se fazer um esforço no sentido de os fazer integrar.
Uma das instantes necessidades de Moçambique é dar à província uma forma agrária que não tem. A primeira coisa a fazer para, isso, penso eu, é o povoamento rural com base na definição da propriedade privada. Como se sabe, no regime de indigenato, legalmente extinto em 1961, dispunham os indígenas de reservas agrárias que podiam cultivar livremente, e faziam-no muitas vezes em cultura itinerante. A itinerância agrícola não resulta apenas das técnicas rudimentares, porque é também fruto de factores psicológicos e religiosos. De qualquer forma, os direitos da cidadania impõem ao cidadão um comportamento e uma actividade disciplinados segundo regras, sob pena de se cair no choque desordenado dos interesses e das pessoas. No indigenato podia haver a propriedade pela ocupação momentânea; fora dele a propriedade tem de ser fixa e permanente, hereditária, e desempenhar a sua função social, económica e pública de valor.
Há, portanto, que repartir fixamente a terra em Moçambique, e aproveitar o ensejo para instituir o casal de família, a actividade comunitária, o crédito rural, os aglomerados urbanos e a economia de mercado. Pode partir-se de pequenos reajustamentos, em planeamentos regionais, com "pequenos esquemas de produção para o consumo interno nos moldes de alguns que parece terem produzido bons resultados", como recomenda o Sr. Eng.0 Araújo Correia.
Não fazer isto a tempo, e já, é deixar ao futuro um problema de terras, de consequências imprevisíveis. As dificuldades serão naturalmente maiores no litoral e em pequenas zonas valorizadas pelas culturas de exportação introduzidas pelos antigos colonos a partir do século XVII. Ligado a este problema está o do povoamento intercalar sistemático do território, a partir do litoral para o interior, segundo linhas de circulação e penetração económica. O caminho de ferro de Moçambique em direcção a Vila Cabral é desde já uma faixa à espera de gente e de actividades, que devem escalonar-se a partir da costa e infiltrar-se para ambos os lados. Há na província várias linhas de penetração a aproveitar que podem servir a diversos planeamentos regionais. O que não pode fazer-se é a execução de planeamentos interiores sem uma continuidade de apoio e de ligação a partir do litoral. A Angónia isolada é inviável, como Vila Cabral isolada também o é.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto pressupõe, claro, comunicações básicas e transportes económicos, e, portanto, apenas algumas estradas asfálticas de penetração que tornem baratos os transportes. Que eu me recorde, o Governo não nos tem dito nada mais sobre política de transportes, senão que quer fazer estradas e pontes. Notam-se nos números das contas públicas esforços louváveis nesse sentido, e diga-se que o problema é de tal monta que bastará a construção de1 algumas estradas capitais para poder baixar de uns 20 por cento, pelo menos, o preço da vida corrente no interior mais afastado do litoral. Insere-se aqui o delicado problema das tarifas do caminho de ferro de Moçambique, que, além de servir bastante mal, como eu próprio verifiquei, serve caro, isto é, serve a preços que os produtos não comportam para colocação em distantíssimos mercados. Mesmo assim o prejuízo da exploração é grande.
Quanto aos fretes marítimos, há também na província um clamor geral, e estou certo de que, para beneficiar a economia do Norte, ou o Estado terá de fazer baixar os fretes à custa dos impostos gerais, no caso de neles não haver contas de grande capitão, ou terá de centralizar a cabotagem em Nacala e na Beira, para não terem os pequenos navios, que demandam pequenos portos mal
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apetrechados e transportam pouca carga, de percorrer "i costa toda para despejarem quatro caixotes, passado um mês, em Mocímboa da Praia. É por isso também que Quelimane pede instantemente, com números e factos na mão, que seja considerado um porto de longo curso e lhe doem o pouco que lhe falta para isso.
E meios para tudo o que é preciso? Vê-se nas contas públicas que está o Estado carregado de despesas, e há. perspectivas de maiores encargos, em progressão explosiva. Há mesmo solicitações prementes. A administração da província tem conseguido até agora defender-se habilmente, retardando despesas, criando suplementos, eliminando encargos, mas o futuro não está desanuviado.
E diz-se por lá, porque tenho ouvido dizer, que a metrópole não tem cumprido em matéria de. suprimentos ao Tesouro da província para obras de fomento. Será? Parece que sim. Mas a estes irrequietos queixosos, que vivem especialmente da importação de máquinas e equipamentos, há que responder que a metrópole tem cumprido em coisas muito mais importantes e inadiáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os sensatos reconhecem isto e sabem que a província tem fundamentalmente de criar riqueza a partir dos meios de que dispõe. A este respeito é inquietante o espírito de socialismo de Estado que reina em certos sectores de Moçambique quando se trata de receber e o feroz individualismo que se nota quando se trata de pagar. E no meio disto tudo o Estado tem sido inábil, porque uma tentativa de reforma tributária dirigia-se às actividades económicas da economia de mercado, e de tipo capitalista, que estão sobrecarregadas, e malogrou-se, naturalmente.
Mas não há que fugir a este dilema: as despesas da província ou as paga a província ou as paga a metrópole; de graça é que elas se não fazem. Ora, dada a situação criaria à metrópole pelo supracapitalismo de exploração colonial estrangeira, de tipo obviamente americano, com as despesas de 1.º estabelecimento em soberania nacional, tem a província de pagar o resto, de contado ou a credito, a. menos que se entenda, o que eu não defendo, que se possa empenhar discricionàriamente o futuro, e sobretudo o bem-estar futuro das populações, com empréstimos, créditos, equipamentos socialmente não rentáveis e outras formas de domínio económico e apropriação de riqueza, de que estão sendo vítimas os novos países de África em geral, com sua próspera miséria à vista, porque é neles fantástico o desequilíbrio económico-social. Têm sido esses países regados a dinheiro, e continuam na mesma, o que é natural, porque essas gigantescas empresas estrangeiras que se instalam neles não enriquecem o povo, não descem aos problemas do povo. Só melhoram os índices estatísticos.
Sou portanto por uma salutar reforma tributária que se enquadre no esquema de desenvolvimento que tenho defendido. Não se compreende que não chege a 2000 contos a receita da contribuição predial rústica em toda a província.
Em matéria de impostos directos, e enquanto a massa geral da população não transitar francamente da economia de subsistência, permito-me humildemente sugerir que se institua um regime psicológico de impostos e o imposto domiciliário se divida em pequenos impostos que digam alguma coisa ao contribuinte. Uns 250 000 contos que possa render ao nível actual podem fragmentar-se em receitas consignadas à instrução, à saúde, aos melhoramentos rurais e urbanos, a outros interesses sociais satisfeitos directamente pelo sector público, o que permitirá fàcilmente ao Estado aumentar gradualmente as contribuições na medida das solicitações o atingir, consoante o progresso económico, receitas públicas razoáveis. De qualquer forma, há que integrar toda a população num regime geral de impostos, não esquecendo, evidentemente, que no estado social da província os impostos são devidos segundo os rendimentos.
O esquema que tenho exposto, e II ao foi. aliás, inventado por mim, mas resolvi trazer a esta tribuna porque faz parte da sabedoria comum, embora não tenhamos até agora mostrado capacidade coordenadora para o realizar a partir das pequenas dimensões, pressupõe uma fonte satisfatória de pequenos créditos agro-pecuários, comerciais e industriais que ajudem a criar as raízes de uma classe média rural, indispensável ao futuro. Sem isso, o reagrupamento rural da população nativa é um mito, o povoamento rural intercalar europeu é outro, a formação de pequenas aldeias de casas maticadas e de alvenaria com seu pequeno comércio e suas oficinas, dotadas de água e electricidade, sanidade e escolas, servidas por comissões de melhoramentos que se ocupem do desenvolvimento comunitário sol) a égide das juntas de freguesia, também não passará de um sonho, e tudo será vão. Em formas de planeamento regional programado por pequenas zonas não me parece, porém, impossível estabelecer regimes capazes de pequeno crédito servido por conveniente orientação técnica.
A ânsia de progresso é tão grande que expressivas; actividades económicas de tipo capitalista, constituindo uma força e um valor, se agitam já no sentido de se libertarem do quase monopólio de crédito que pertence ao banco emissor. Quase monopólio, porque os dois bancos estrangeiros que dão crédito comercial têm actividade reduzida.
O Banco Nacional Ultramarino está pràticamente senhor do campo desde 1877, ano em que substituiu por uma sucursal o agente que tinha na ilha de Moçambique desde 1868. O Ultramarino serviu sempre deficientemente a província, porque só em 1883 se estabeleceu em Lourenço Marques, em 1902 em Quelimane e Inhambane, em 1914 no Chinde, no ano seguinte em Tete, em 1916 na Beira, em 1919 no Ibo, e em Porto Amélia em 1929. É caixa do Estado em Lourenço Marques desde 1906. E hoje um estabelecimento felizmente próspero, a ultimar instalações sumptuosas na capital de Moçambique, e que se diz terem custado 200 000 contos.
A província deve ao Banco alguns serviços, e o Banco também os deve à província, fonte manente da sua prosperidade. Apesar de banco emissor, exerce todo o comércio bancário, naturalmente a seu arbítrio, porque não tem concorrentes. Regula sozinho o mercado financeiro, o que não parece conveniente na fase actual de crescimento da província, que está francamente disposta a levar por diante a ideia de criar, por subscrição local, outros bancos, que são necessários à existência de uma banca e ao robustecimento do mercado. As tentativas não têm logrado, mercê de dificuldades que se dizem esfíngicas e misteriosas. A este respeito a província não sabe o que se passa. Ficou, todavia, muito mal impressionada, como o traduz o que na opinião pública se disse em abono ou desabono de se fundar o Banco Comercial de Moçambique com dinheiro local.
Devo informar a Câmara, porque o assunto é de melindrosa importância, e o que pensa e diz uma opinião pública tem valor real em política, de que a província está inexoravelmente disposta a levar por diante a ideia de fundar um banco comercial, e outros mais, e vê com
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simpatia que nela se instalem outros bancos metropolitanos, não admitindo, porém, que lhe não consintam uma iniciativa sua. Tentou-se mesmo semear o pânico, trazendo a público o esquecido facto da falência do Banco Colonial em 1925. Seria condenar que se fizessem navios porque alguns se afundam. Não interessa, porém, saber donde vêm as forças ocultas e retrógradas, conservadoras de situações ultrapassadas e insustentáveis. A província tem justiça na causa e o Governo não tem outro caminho, tanto mais que tem ele agora a palavra, que lhe foi presente o pedido para autorizar.
Este caso do banco faz-se lembrar as forcas caudinas que tem passado uma companhia moçambicana de seguros para poder oferecer na metrópole todas as modalidades do seu negócio. Em contrapartida, as seguradoras metropolitanas actuam por lá livremente. Tenho pois de lembrar às forças económicas da metrópole, por via do Governo, que a metrópole é nossa, e nela estamos sempre em nossa casa, no que não haja dúvidas.
Estou a ser demasiado longo e quero acabar este sugestivo passeio pelas contas públicas. Procurarei ser breve no que me falta. Assim, e por isso, não repetirei considerações de há dias sobre a necessidade de um sistema educativo adequado às necessidades económico-sociais da província, no enquadramento em que neste esquema se processam. Ensino, sem exclusão do mais, que seja prático, predominantemente técnico, e funcional na vida, isto é, que habilite os escolares de hoje a ganharem bem e muito amanhã, para que possam estruturar solidamente a vida familiar, que em termos civilizados é dura e é cara.
Alude-se nas contas públicas aos municípios para apontar os 73 400 contos de subsídios que o Estado lhes deu e os 15 500 que deles recebeu. Eis um magno problema de cuja política do Governo não temos o mais pequeno esclarecimento. A Câmara não fica a saber pelas contas que é difícil a situação de todos os municípios, e é preciso que o saiba. Acrescentarei que vai grassando um progressivo desânimo sobre o que se pressente do que será o condicionamento que o Governo está a fabricar para o municipalismo no ultramar. Eu já não tinha ilusões, depois do regime instituído na Lei Orgânica, em que sob o manto diáfano de uma concordância de municipalismo autêntico e geral me encontrei com a nudez clara de um sistema híbrido que há-de permitir a perpetuação das circunscrições e dos postos.
Eu já não tinha ilusões, mas tinham-nas os outros, pelas promessas feitas. E agora surge a Câmara Municipal da Beira com seu protesto contra a restauração de um regime obsoleto da velha Reforma Administrativa Ultramarina, tão antimunicipalista por definição e conteúdo. Os municípios, que na Lei Orgânica de 1953 eram um logro, viviam mal e valiam pouco, valerão de futuro ainda menos, e o decreto que mereceu o protesto vigoroso e altivo da Câmara Municipal da Beira é mau prenúncio do que será o Código Administrativo para o ultramar, código que, aliás, não pedimos nem desejamos, porque apenas queremos instituir no ultramar o regime municipal da metrópole.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não sei acrescentar uma palavra ao louvor unânime de merecimento com que foi recebido por todos o lúcido parecer do Sr. Eng.º Araújo Correia. Li-o com uma atenção profunda, e peço licença para destacar algumas afirmações impressionantes relativas1 a Moçambique. A primeira, de que "o deficit comercial enorme que temos constitui a fraqueza da província", em "cifras que estão para além dos limites da segurança". A segunda, que "precisa ser corrigida com urgência a fraca produtividade dos seus recursos naturais". A terceira, que "a insistência na importação dos bens de consumo, e até de produtos do reino vegetal, não é um bem". A quarta, que "há lugar para grandes aperfeiçoamentos na produção, existe consumo interno, a sua satisfação com produtos locais aliviaria muito a balança comercial". A quinta, que "a evolução social exige contínuos aumentos de despesa e para os satisfazer são necessários meios financeiros". A sexta, que "é preciso estabelecer métodos práticos de assistência ao indígena, que ainda hoje pratica exploração rudimentar". A sétima, que "o ensino especializado pode ter repercussões altamente remuneradoras em várias zonas e produções". A oitava, que "são aconselháveis pequenos esquemas de produção para o consumo interno". A nona, que "Moçambique tinha e tem graves deficiências rodoviárias". A décima, que "nunca deve esquecer-se nas despesas de povoamento, que está a tomar grandes proporções, que a condição fundamental de vida na província é a produção para consumo interno e exportação, e o rendimento dos colonos tem por este facto grande importância". Inteiramente de acordo, julgo ter desenvolvido, à minha maneira, as teses que os postulados comportam.
Acabo, finalmente, com uma breve nota, pedindo, ao contrário do pensar de muita gente, ponderação nos investimentos públicos metropolitanos em Moçambique, e a sua aplicação essencial nas estradas, no povoamento geral de imediato rendimento, no crédito agro-pecuário, comercial e industrial de pequenos empreendimentos e no fomento da exportação, como parece ser mais conveniente pelas lições da experiência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gonçalves de Faria: - Sr. Presidente: a expansão da economia nacional observada nos últimos anos, sem dúvida notável, está longe, contudo, de proporcionar à generalidade dos Portugueses aquele nível de vida que é lícito desejar-se e que um bom e ordenado aproveitamento dos inúmeros recursos nacionais permite esperar.
Ainda há poucos dias se efectivaram nesta Câmara dois avisos prévios, largamente debatidos, em que ficaram bem evidenciadas as grandes possibilidades da agricultura e do turismo nacionais.
E já outro aviso prévio se anuncia sobre indústria extractiva e que não deixará, certamente, de demonstrar a importância económica do subsolo continental e das províncias de além-mar.
Tudo a negar, abertamente, que somos um país pobre, sem recursos; tudo a lembrar-nos a magnanimidade da Providência, que nos deu em extensos territórios inegáveis possibilidades e riquezas.
Oxalá que as saibamos aproveitar e possamos fazê-lo com a urgência requerida. O ritmo de crescimento da economia nacional tem de ser acelerado para que o País possa alinhar, no mais curto espaço de tempo, entre as nações mais progressivas.
A solução de fundo do problema económico nacional reside na necessidade de imprimir um maior desenvolvimento aos sectores industrial e agrícola, levando-os a produzir mais e a produzir melhor.
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Esta afirmação, que não carece de demonstração, por de mais evidente -é produzindo que se cria riqueza-, encerra em si mesma um vasto plano de realização em todos os sectores do Estado e privados, em que sobressai o fomento da produção nacional, ou seja: da indústria e da agricultura portuguesas e o melhor aproveitamento de todos os imensos recursos com que a Natureza dotou as terras metropolitanas e o nosso magnífico e grandioso conjunto ultramarino. Tudo quanto se fizer neste sentido não deixará de ser bem aceite e compreendido por todos os portugueses, como a única forma possível e equilibrada de enriquecer a Nação e com ela o próprio Estado.
Sr. Presidente: não é possível estabelecer um programa de desenvolvimento económico sem um planeamento prévio da produção de energia. A indústria, a agricultura e até os serviços exigem cada vez mais energia e ao menor custo possível. Esta exigência impõe a definição de uma política energética, em que há a considerar os mais diversos aspectos: económico, social, de segurança, de valorização regional, etc., que, no seu conjunto, lhe imprimem um carácter de interesse predominantemente nacional. Quer dizer: que toda á política de energia deverá ser encarada com vista ao aproveitamento dos recursos de que o País disponha e convenha utilizar. As possibilidades neste aspecto são inúmeras, tanto na metrópole como no ultramar. Referir-me-ei, num rápido apontamento, às mais salientes.
Recursos hidroeléctricos. - Os recursos hidroeléctricos na metrópole são relativamente importantes e apresentam condições de aproveitamento económico satisfatório. Estudos recentes confirmam um valor de produtividade de 14 000 milhões de quilowatts-hora em ano médio e de 10 500 milhões em ano seco. Destes recursos encontram-se aproveitados e em via de aproveitamento cerca de 30 por cento deste valor, o que, sendo já alguma coisa em relação a um passado ainda recente, é ainda manifestamente pouco, em face das exigências crescentes da indústria e outras actividades.
A produção de energia eléctrica foi em 1964 de 4067 milhões de quilowntts-hora, tendo os aproveitamentos já realizados concorrido com 2921 milhões.
Mas em relação ao ano de 1963 a taxa de expansão do consumo de energia eléctrica foi de 11,4 por cento, quê, a manter-se nos anos futuros, como é de esperar e desejável, levará ao esgotamento das possibilidades hidroeléctricas dentro de onze a doze anos.
E se atendermos ao tempo necessário para a construção de uma barragem, chega-se à conclusão de que se impõe andar depressa, embora sem precipitações que possam comprometer o exame de conjunto das possibilidades do aproveitamento integral das bacias hidrográficas e sem hesitações na prioridade de arranque da construção de novas barragens.
O interesse nacional exige que dentro do período de doze anos tenha lugar o aproveitamento total das bacias hidrográficas do Douro, Mondego, Tejo e Guadiana, o qual não deverá ser orientado no sentido exclusivo de produção de energia eléctrica, mas na exploração de todas as suas possibilidades. No conjunto económico de um rio encontra-se a possibilidade de navegação, de rega, de correcção de cheias e outras, tudo a definir-se por valores apreciáveis que não podem esquecer-se ou menosprezar-se.
Um aproveitamento hidráulico, sem outro fim que não seja o da produção de energia, só encontrará na venda do kilowatt-hora a sua compensação; mas se o aproveitamento de um rio se destina igualmente a outros fins, entre os quais sobressaem os que acabamos de indicar, o custo do kilowatt instalado poderá ser largamente influenciado pelas vantagens inegáveis das diversas aplicações que lhe foram dadas.
E se o problema número um de Portugal é organizar a sua produção, ou, por outras palavras, fomentar o crescimento económico e social, mediante o desenvolvimento da indústria e da agricultura, o preço da energia eléctrica não é problema que possa descurar-se. É que esse desenvolvimento só será possível se se puder dispor de um volante apreciável de energia a um preço compatível com a sua utilização. Logo, torna-se imperioso procurar, de qualquer modo, ter energia barata, porque só com preços baixos poderemos pensar seriamente na criação de novas indústrias, que estão na base do desenvolvimento económico da Nação, que tanto urge e se deseja.
Correm por aí rumores de que o País poderá vir a suportar dentro em breve, em certos casos, um agravamento de tarifas, em vez de as vir a ter, como era de admitir, em face dos vários aproveitamentos hidroeléctricos já realizados e em vias de realização, mais baixas do que as actuais. Não sei se têm fundamento tais rumores, mas sei que qualquer agravamento das actuais tarifas não deixará de ter sérias consequências políticas, económicas e sociais, que não podem deixar de ser devidamente ponderadas por quem tiver a responsabilidade de o determinar.
Espero voltar a referir-me a este assunto, porque ainda não estou convencido de que não seja possível obter custos de produção mais baixos do que os actuais e pôr à disposição do País toda a energia eléctrica de que necessita e a preços adequados ao fim a que se destina.
Mas voltemos à utilização das bacias hidráulicas para fins múltiplos e vejamos, rapidamente, como um exemplo, o caso da bacia do Douro. O seu aproveitamente integral, permitindo a produção de 7800 milhões de quilowatts-hora em ano seco, ou seja cerca de ss por cento da potencialidade energética dos rios portugueses, a rega de cerca de 11 000 ha de terras, entre as quais o ubérrimo vale da Vilar iça, a navegação do rio para embarcações de considerável tonelagem desde o Porto até ao Pocinho, na distância aproximada de cerca de 172 km, não só representa para o desenvolvimento económico do País um contributo apreciável no sector da produção de energia eléctrica, mas também, pela melhoria das actuais condições de navegabilidade do rio, a valorização de toda uma vasta região de inestimáveis recursos mineiros e agrícolas.
Tenhamos presentes os jazigos de Moncorvo, com os seus 500 milhões de toneladas de minério de ferro hematítico e as perspectivas da sua franca exploração, na ordem anual dos 2 milhões de toneladas de minério enriquecido, para a siderurgia nacional e para a exportação; os jazigos de Vila, Cova, com os seus 15 milhões de toneladas de magnetite, já em lavra activa, para a produção de gusa e também para a exportação; os jazigos de Guadramil, com 5 milhões de toneladas de limonite e siderite e a possibilidade de uma extracção da ordem das 300 000 t anuais; os jazigos do Pejão, com 30 milhões de toneladas de carvão antracite, presentemente com uma produção comercial anual de 300 000 t.
E não falamos no estanho, no volfrâmio, nas pirites arsenicais, nas formações lousíferas de Foz Côa e nos mármores e alabastros de Vimioso.
Riquezas imensas que ainda não soubemos ou não pudemos aproveitar inteiramente. Realidades económicas de relevante interesse para o crescimento económico e social de uma das menos evoluídas regiões do País. E tudo a aguardar a existência de meios de transporte económico, que só a via fluvial pode proporcionar.
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Toda a área de influência da via navegável do Douro é, no momento actual, uma zona essencialmente agrícola, onde apenas existe uma reduzidíssima actividade industrial. As condições de vida da população estão, assim, na dependência da cultura agrícola de um solo geralmente acidentado e submetido a regime climático pouco favorável, excepção feita para pequenas zonas privilegiadas e para regiões vizinhas das margens do Douro, onde é possível a cultura mais rica, como "i da vinha. Numa palavra: a actividade agrícola que presentemente se verifica na região não consente condições de vida desafogada à população ali existente, não obstante a reduzida densidade populacional que lhe corresponde. Mas a possibilidade de transportes seguros e de baixo preço, como são os transportes fluviais, não deixará de influir no desenvolvimento de algumas produções dessa região, entre as quais se destacam os produtos florestais e as frutas. A pomicultura tem nesta região condições excepcionais de assegurado êxito, segundo afirmam os técnicos. Por outro lado, é de esperar que a existência de elevados quantitativos de energia eléctrica - é nesta região que se encontra grande parte dos recursos hidroeléctricos nacionais, como já disse - leve à instalação de indústrias fortemente consumidoras, as quais apenas carecem de transportes económicos para a saída dos seus produtos.
Creio, Sr. Presidente, que a ninguém é lícito pôr em dúvida a importância que representa para o futuro da economia nacional o aproveitamento do rio Douro como via navegável para embarcações de 1000 t a 1200 t de carga.
Faço votos para que não demore esta solução de conjunto, que é a única forma de estimular o labor e a melhoria de vida de cerca de 1 milhão de bons portugueses que vivem na bacia do rio Douro, tão variada e tão rica de potencialidade. E semelhante ao Douro temos o Mondego, temos o Tejo, temos o Guadiana.
Sr. Presidente: só há poucos minutos tive conhecimento da brilhante intervenção do nosso ilustre colega Eng.º Virgílio Cruz verificada na passada terça-feira, dia em que, por motivos estranhos à minha vontade, fui abrigado a faltar à sessão desta Câmara.
Verifiquei ao lê-la um certo paralelismo com as considerações que acabo de fazer.
E não posso deixar de afirmai- que me impressionou o relativamente reduzido custo das obras para assegurar a navegação do rio Douro a barcos de elevada tonelagem, em face dos benefícios que não deixará de trazer à vasta região, que compreende cerca de 40 concelhos, repartidos por 6 distritos, servidos pelo rio Douro e pelos, seus afluentes nacionais.
Com efeito, 260 000 contos não se me afigura verba de que não se possa dispor ou que possa condenar a realização de tão grande alcance económico e social.
Recursos de combustíveis sólidos. - Portugal não é um país rico em carvões minerais, que se limitam aos jazigos de carvões jurássicos do cabo Mondego, de lignites de Rio Maior e de antracites da bacia carbonífera do Douro - S. Pedro da Cova e Pejão.
O reconhecimento destes jazigos, realizado através do Serviço de Fomento Mineiro, permitiu avaliar as reservas, expressas em carvão bruto desmontado, em 4 milhões de toneladas para cabo Mondego, 21 milhões para Rio Maior e 30 milhões para as antracites.
Infelizmente, os carvões destes jazigos são de fraca qualidade. Os carvões jurássicos e as lignites pela sua própria natureza e as antracites pela sua friabilidade e elevados teores em cinzas.
Não obstante características tecnológicas tão desfavoráveis, a importância destes carvões na economia nacional é relevante. A produção anual de carvão nacional é de cerca de 600 000 t comerciais, representando, aproximadamente, 60 por cento do consumo total do País em combustíveis sólidos.
Mas a indústria extractiva de carvões nacionais está a enfrentar uma grave crise económica, motivada, por um lado, pelas características tecnológicas dos carvões, que condicionam a sua utilização e lhe restrigem o seu valor comercial e, por outro, pela concorrência crescente dos carvões importados e dos combustíveis líquidos e gasosos. Esta crise,, que começou a desenhar-se no início de 1961, assume, no presente momento, uma posição quase angustiosa, que não deixará de conduzir, dentro de pouco tempo, à paralisação total dos trabalhos mineiros se não for prontamente debelada com medidas apropriadas de carácter governativo.
E parece-me desnecessário salientar os problemas económicos e sociais que a paralisação das minas não deixará de levantar. Direi mesmo graves problemas económicos e sociais.
A importação de maiores contingentes de carvões estrangeiros, obrigando à saída de divisas da ordem dos 400 000 contos por ano, e o desemprego de quase três milhares de trabalhadores, constituem, por si sós, razões suficientes para ocupar alguns momentos de reflexão às entidades oficiais que superintendem nestes problemas.
Permito-me chamar a atenção do Sr. Ministro da Economia para a urgente necessidade de se assegurar a continuidade da exploração das minas de carvões, nacionais "em bases sãs e com o devido enquadramento no panorama da economia nacional", como o reconheceu o Sr. Secretário de Estado da Indústria quando, em Junho de 1961, nomeou uma comissão restrita para estudar a situação da indústria extractiva de carvões nacionais e propor as medidas legislativas julgadas convenientes.
Até hoje, porém, nada se fez, incompreensivelmente.
E a importância económica que essa indústria representa para o País na formação do produto nacional e na balança de pagamentos, o seu interesse social, pelas numerosas famílias que dela vivem, a sua influência na valorização das regiões onde se situam as minas e até os aspectos de segurança e de defesa nacionais não podem deixar de constituir motivos ponderosos para que não se protelem por mais tempo as medidas que impeçam a paralisação das minas e com ela a perda certa e irreparável dos próprios jazigos.
Dadas as características dos carvões de rio Maior e de S. Pedro da Cova, não creio que eles possam ter outra utilização que não seja a sua queima em centrais termoeléctricas. Quanto aos carvões do Pejão, como parte da produção pode ser valorizada por tratamento mecânico, apenas se destinariam às centrais termoeléctricas os produtos mistos provenientes desse tratamento.
As minas de S. Pedro da Cova e do Pejão podem ter resolvidas as suas dificuldades se a central termoeléctrica da Tapada do Outeiro assegurar, como parece que o pode e deve fazer, o consumo anual de 200 000 t de carvão, ou seja 100 000 t para cada mina.
Para as lignites de Rio Maior seria precisa a construção de uma central térmica situada à boca da mina de potência não inferior a 50 MW. Esta central, consumindo cerca de 500 000 t de carvão tal e qual por ano, permitiria a exploração do jazigo por 30 a 35 anos, tempo mais que suficiente para a sua amortização e das instalações mineiras e fabris anexas.
O problema das minas de Rio Maior, que tão mal tratado tem sido e que tanta tinta já fez correr, teria, assim, uma solução definitiva e eficaz.
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Aliás, na base II da Lei n.º 2002 define-se claramente a posição da termoelectricidade no plano de electrificação nacional:
As centrais térmicas desempenharão as funções de reserva e apoio, consumindo os combustíveis nacionais pobres na proporção mais económica e conveniente.
E, em face das estimativas dos consumos de electricidade e do atraso verificado na construção de novas centrais hidráulicas, constitui quase uma certeza a necessidade de um apoio térmico importante a partir já do próximo ano.
No caso português da metrópole, a termoelectricidade tem justificação como desempenhando funções de apoio ou reserva e consumindo carvões inferiores que não são susceptíveis de outras aplicações económicas. Mas não creio que seja uma solução aceitável como fonte de energia permanente e à base de combustíveis líquidos.
Vieram-me à ideia estas reflexões ao ler esse magistral e exaustivo parecer sobre as contas públicas da metrópole de 1962, de que foi relator, mais uma vez, o nosso ilustre colega e consagrado economista Sr. Eng.º Araújo Correia. Nele se chama a atenção para a nova orientação imprimida recentemente à política de energia "no sentido de substituir as fontes de produção de energia eléctrica, que até agora eram essencialmente de origem hídrica, com apoio térmico, por energia termoeléctrica com uso de combustíveis líquidos, além de alguns carvões nacionais".
As considerações que a este respeito se fazem no parecer referido são perfeitamente pertinentes e a elas adiro inteira e convictamente, porque receio que esse virar de política tenha influência desfavorável na solução dos problemas sociais e económicos que tanto pesam no povo português.
Portugal metropolitano pouco mais possui de recursos energéticos que tenham interesse imediato no abastecimento do País em energia.
Possui lenhas, mas o seu baixo poder calorífico confere-lhes um valor diminuto como combustível.
Porque transformá-las, então, em calor e em energia, como se tem feito até agora, se, deixando-as crescer na floresta, podem ter um fim mais nobre, como matéria- prima na moderna indústria da celulose ou como madeira, resina e cortiça para a exportação?
Possui urânio em quantidade digna de interesse. Mas a possibilidade da sua utilização para a produção de energia termoeléctrica ainda vem longe, não antes de 1975, com toda a certeza.
E vejamos, agora, numa ligeira referência, os recursos energéticos das províncias ultramarinas de Angola e Moçambique, especialmente no aspecto da contribuição que essas províncias podem trazer à política de energia da metrópole.
A existência de petróleo em Angola é hoje uma feliz realidade e a necessidade de assegurar a colocação na metrópole de todos os excedentes de Angola levou o Governo a considerá-lo nas soluções de política energética a ela respeitante.
Creio ser esta a razão principal de alteração do plano de construção de novos aproveitamentos hidráulicos, a que já aludi, e da prioridade agora dada à construção da central térmica do Sul, que em pleno funcionamento deve consumir cerca de 700 000 t de fuel-oil por ano. Fuel-oil que a metrópole ainda não produz, nem deve produzir antes de decorridos três anos, pelo menos.
Mas, além dos reparos já feitos de se procurar abastecer o País com energia térmica, de custo de produção mais elevado que a energia hídrica, não pode deixar de constituir forte motivo de receio, por razões de segurança, designadamente quanto à vulnerabilidade de transportes, basear um programa de energia eléctrica em combustíveis importados, como é o petróleo de Angola.
Em Moçambique são conhecidas importantes existências de carvão no distrito de Tete, em Moatize e na margem norte do Zambeze.
As reservas existentes comportam-se, à luz de dados geológicos, em cerca de 250 milhões de toneladas e os carvões suo hulhas de 18 a 20 por cento de matérias voláteis e 16 a 22 por cento de cinzas.
São números impressionantes, que conferem a estes jazigos possibilidades futuras de uma exploração em franca escala, uma vez resolvido o problema do transporte até à costa.
Nas condições actuais, o transporte existente onera fortemente estes carvões e limita a possibilidade da sua utilização no mercado metropolitano.
Parece, pois, sem interesse, pelo menos de momento, o contributo das hulhas moçambicanas na solução do abastecimento da metrópole, embora esteja a importar do estrangeiro, em cada ano, cerca de 300 000 t deste combustível e cerca de 200 000 t de coque, produto derivado da hulha e destinado, na sua quase totalidade, à Siderurgia Nacional.
Sr. Presidente: cheguei ao fim, reconhecendo, contudo, que muito mais haveria a dizer, porque os problemas energéticos de um país encerram múltiplos aspectos - políticos, financeiros, económicos, sociais - que merecem ser devidamente apreciados na busca da solução mais consentânea com o verdadeiro interesse nacional.
Mas procurei ser breve e incisivo, no intuito de não ocupar demasiado tempo ao debate em causa nem maçar o ilustre e complacente auditório.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Herculano de Carvalho: - Sr. Presidente: pedi a palavra para expor algumas simples considerações sobre o presente e o futuro económico da província de Timor.
As Contas Gerais do Estado foram-nos expostas em toda a sua simplicidade aritmética. A estas não há que fazer comentários. São de aprovar.
As considerações que pretendo apresentar a esta Câmara referem-se exclusivamente a duas questões que entendo necessário aclarar, ou seja a distribuição aparentemente anómala dos mercados de Timor e a execução do plano de fomento.
Um dos aspectos mais salientes da distribuição dos mercados em relação a Timor é a posição modesta que a metrópole nela ocupa. Com efeito a metrópole vendeu à província 36 por cento do valor das mercadorias entradas e comprou 37 por cento do total das suas exportações.
O fenómeno poderá parecer anómalo, mas não é. Resulta muito simplesmente da posição da província em relação aos mercados da área, por um lado, por outro da radicação de laços com mercados tradicionais, embora distantes, e, finalmente, das escassas ligações marítimas com a Mãe-Pátria.
Timor situa-se numa área que, embora econòmicamente não seja das mais ricas, tem quatro centros comerciais extremamente poderosos: Singapura, Hong-Kong e Japão a norte e a Austrália a sul; e enquanto a metrópole está a mais de um mês de viagem, estes centros, principalmente Singapura e Hong-Kong, estão, por assim dizer, à mão de semear. Se a isto acrescentarmos que os trans-
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portes regulares entre Timor e o Sudeste asiático, pelo menos até 1962, se faziam mensalmente, enquanto as ligações com Lisboa eram semestrais, ou seja com fretes mais caros e menor rapidez de abastecimento, nada é para admirar que Timor fosse e continue a ir comprar a Singapura e Hong-Kong, em vez de se abastecer da metrópole, muito embora os regulamentos aduaneiros criem um regime de privilégio às importações do espaço português. Quanto às exportações, o fenómeno rege-se pela própria natureza dos produtos vendidos. O café, base da exportação, vem praticamente na sua totalidade para a metrópole, Dinamarca, Holanda e Alemanha. Os restantes - copra, borracha e outros de menor vulto - são colocados em Singapura, Hong-Kong e Japão. É curioso notar-se a distância a que se situam os nossos principais compradores de café, todos eles quase nos antípodas da província.
Isto faz-nos pensar no interesse que haveria em se colocar no mercado australiano o caie que actualmente continua a correr para a Dinamarca, Holanda e Alemanha. Uma vez que se garantisse o mesmo preço C. I. F., subiria o rendimento líquido do exportador da importância resultante da diferença dos fretes e correspondentes seguros.
É certo que actualmente na Austrália se bebe muito chá, quase nenhum café, mas creio que isso se deve mais à qualidade do café ali consumido que a uma questão de hábitos. Para quem já tenha provado a indiscutível beberagem que por lá s(c) serve com o nome de café o fenómeno não é difícil de compreender.
A meu ver, conviria deslocar as rotas comerciais de Timor para outros pólos, mas não em força para a metrópole; no tocante a exportações, Macau, a Austrália e, em especial, no que toca à copra & à borracha, Singapura; quanto à importação, Macau e Austrália parece-me constituírem os centros preferíveis do comércio timorense.
Quer pela sua proximidade, quer pela riqueza do seu mercado, Macau deveria ser o vendedor habitual d" produtos manufacturados de toda a ordem que Timor vem comprando a Singapura, Hong-Kong e centros europeus. E é, pelo menos potencialmente, um dos naturais compradores do que Timor tem e há-de vir a ter para exportar. O estabelecimento de laços comerciais estreitos entre as nossas duas províncias do Extremo Oriente só pode ser benéfico.
Parece-me que também não há que gastar palavras para pôr em relevo o interesse de toda a ordem que representa o estreitamento de relações comerciais com a Austrália, que, com Macau e Timor, constitui a última zona de influência ocidental em toda a área.
As províncias portuguesas da África e da Europa estão longe de mais de Timor para que se possa tornar econòmicamente rendosa a intensificação do comércio com centros tão distantes da área em que se situa. Isso só interessaria a Timor se se estabelecessem carreiras marítimas de cabotagem nacional frequentes e baratas. No actual regime de ligações semestrais e fretes caros, repito, e enquanto os mercados próximos continuarem a vender por preços mais convidativos de que os dos mercados do restante espaço português, não parece que esta solução interesse, quer ao importador, quer ao consumidor.
Passemos agora ao problema do fomento, que, por se reflectir em todos os outros aspectos da questão económica de Timor, dominando-os e condicionando-os, é o problema fundamental da província nesta nossa época.
Desejo começar por dizer que do saldo das dotações do plano de fomento não se pode, a priori, concluir que tenha havido planos ambiciosos irrealizáveis. O saldo era, em Dezembro de 1962, de 146 000 contos, ou seja 49 por cento das dotações concedidas. Simplesmente, incluem-se neste saldo 88 000 contos destinados ao pagamento das empreitadas da construção da ponte-cais de Díli e do aeroporto de Baucau. Uma vez liquidadas estas obras, o saldo reduzir-se-ia a 58 000 contos.
É certo que 58 000 contos ainda representam quase 20 por cento das dotações postas à disposição do Governo da província, mas eu direi que se não se gastaram não foi por o plano ser ambicioso, mas porque faltou poder de realização aos seus executores.
Arrumada esta questão, vejamos o que há a dizer sobre a articulação preferencial dos investimentos realizados e a realizar.
Se atentarmos na distribuição das dotações do plano de fomento, verificamos que o seu objectivo principal foi resolver a questão das comunicações e transportes, seguindo-se depois, por ordem decrescente de prioridade, os melhoramentos locais, o aproveitamento de recursos, o equipamento dos serviços públicos e, finalmente, a construção e apetrechamento de instalações escolares e hospitalares.
A solução do problema das comunicações e transportes é, com efeito, de importância vital. Das dotações atribuídas a esta rubrica, num total de uns 184 000 contos, foram indiscutivelmente muito bem utilizadas as que se destinaram à aquisição de um navio de cabotagem e à construção do aeroporto de Baucau, mas já a atribuição de 81 000 contos, quase 30 por cento do total do plano de fomento para um cais acostável em Díli, contra a de 16 000 contos para estradas, é muito discutível. Creio que só depois de termos uma rede rodoviária aceitável é que se deveria pensar no cais acostável. Assim, ficamos com o cais, é certo, mas o problema continua no mesmo pé, porque, à falta de estradas, não há facilidades de escoamento das mercadorias entre Díli e o interior. Começou-se pelo fim. Esperemos que no próximo plano de fomento se encare de forma decisiva a execução de um plano rodoviário capaz.
Mas não é só dentro da rubrica "Comunicações e transportes" que o escalonamento dos objectivos me parece discutível. Repare-se em que a rubrica "Instrução e saúde" nos aparece em último lugar, com uma dotação global de 25 000 contos destinados exclusivamente à construção e apetrechamento de instalações. Nada foi previsto no capítulo "Assistência sanitária".
Tenho para mim que devia ter sido este o primeiro objectivo do actual plano de fomento. Uma população geralmente debilitada pelo paludismo e outras endemias próprias da área não pode trabalhar. Quantas vezes, e com que indignação, tenho visto os Timorenses apodados de indolentes! Como pode trabalhar um homem minado pelo paludismo que contraiu na primeira infância? Ponhamos as coisas no seu devido lugar: os Timorenses não são indolentes, são doentes. Então comecemos por tratá-los. O primeiro passo para o fomento económico de Timor será fomento humano, e se o orçamento ordinário não permite a aquisição maciça de medicamentos, adquiram-se pelas dotações do plano de fomento. E capital bem investido. O ideal seria, evidentemente, a erradicação da malária na província, mas isto não creio que se possa realizar apenas por iniciativa nossa. Um plano dessa natureza, bem como a ulterior aplicação de medidas de contrôle, só resultará se o trabalho for executado simultaneamente no Timor Português e no Timor Indonésio. Aqui fica a sugestão do recurso à Organização Mundial de Saúde.
Em seguida poderia vir o investimento para comunicações e transportes e em terceiro lugar, portanto com prio-
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ridade sobre os melhoramentos locais, o aproveitamento de recursos. No que respeita a este último ponto - o aproveitamento de recursos -, parece-me que os investimentos feitos não obedeceram a qualquer plano de pormenor, mas sim a inspirações súbitas dos seus executores. Ora a verdade é que, pelo menos no que toca aos recursos agrícolas e silvícolas, já houve quem tivesse elaborado um sério trabalho de planeamento - o Eng.º Ruy Cinatti. O seu trabalho Objectivos c Linhas Gorais de Um Plano de Fomento Agrário para Timor reflecte o seu profundo conhecimento do meio, tem cabeça, tronco e membros, é realista, é exequível. Porque será que ninguém o aproveitou? Talvez pelas mesmas razões por que nunca aproveitaram as suas directivas para a cultura racional do sândalo, a espécie silvícola que deu fama ao Timor dos velhos tempos e que hoje está pràticamente extinta: neste caso, como em muitos outros, as improvisações dos que julgam saber tiveram preferência sobre as directrizes sensatas de quem sabe.
Finalmente, teríamos, por ordem de preferencia, os melhoramentos locais e o equipamento de serviços públicos.
Quer dizer: foram fixados os objectivos do plano de fomento, que, embora discutíveis no seu escalonamento, são aceitáveis em si mesmos, mas há que rever esse escalonamento na elaboração do próximo plano.
É com o maior interesse que Timor o espera e eu permito-me alimentar a esperança de que não ficará desiludido. A província tem agora um governador que sabe o que faz, que, para começar, se rodeou de um grupo de colaboradores à altura da sua missão e que, com a solução que deu para os trabalhos hidroagrícolas de Manatuto, dando aos povos da área a responsabilidade da sua execução, demonstrou já ter compreendido o poder de realização do povo timorense.
Por outro lado, o Gabinete de Coordenação do Planeamento Económico está a trabalhar, e pelo menos num dos sectores económicos mais importantes para Timor, mas até aqui lamentavelmente esquecido - a pesca -, já está a ser traçado um plano de notável interesse.
Parece, pois, que o panorama se começa a desanuviar e o futuro se mostra promissor. Há, porém, um problema que continuará a pesar dolorosamente nas esperanças de realização de governantes e governados: a falta de técnicos. A preparação de técnicos a partir da juventude timorense é uma solução, sem dúvida, e a mais certa das soluções, mas vai levando seu tempo, e o tempo está contra nós. Há que caminhar depressa. Unifiquem-se os quadros técnicos do espaço português e, se isso não chegar, que se levem para lá os técnicos como até aqui têm sido levados os médicos: por meio do Ministério do Exército. Esta solução resolveria o problema pelo tempo necessário à formação de técnicos naturais da terra, e esse tempo não será longo.
Quanto a colonos e "quadros", não fazem lá falta nenhuma. Temo-los lá e dos melhores. Dêem a Timor um bom plano de realizações sanitárias e educativas e dêem-lhe dinheiro, que a gente da terra saberá realizar o fomento económico da província, da mesma maneira que. praticamente sozinha, realizou o Timor Português.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Serras Pereira: - Sr. Presidente: Descartes, para construir o seu sistema filosófico, necessitou apenas de atingir uma verdade que por si mesma fosse indiscutível. A formulação do Cogito, esse "mínimo" filosófico, foi o alicerce firme da floração de todo o idealismo, na grandiosidade e profundidade dos grandes sistemas filosóficos que dominaram e ainda dominam a especulação metafísica.
Nas breves considerações que vou fazer também parto de um "mínimo", e, para o atingir, não me apoiei na dúvida como método nem necessitei de refutar o diabrete enganador.
Bem ao contrário, socorri-me de grande e indiscutível autoridade em matéria de contas gerais do Estado - o ilustre Deputado Araújo Correia, que, no seu tão bem elaborado parecer, concede certezas e fundamenta esperanças.
E assim, diz-se no exaustivo parecer relativo às contas de 1962, a p. 118, que "o problema das exportações está no fundo de todo o problema económico português". E bem verdade que os deficits da balança comercial são muito avultados e "não há razão para que se não produza um surto de produção de muitos géneros susceptíveis de serem exportados e, em especial, dos derivados da actividade agrícola", como salienta, judiciosamente o parecer.
Embora este problema - o das exportações - precise "de ser visto com energia e saber", não parece fácil, contudo, uma rápida solução, se se quiser mudar radicalmente a posição da balança comercial.
Com efeito, a alteração que se. preconiza requer uma cuidada selecção de prioridades, de disciplina e de orientação, quer na comercialização, quer na qualidade dos produtos a exportar.
Um dos meios de valorização das nossas produções reside nos planos de ordenamento regional, em vista ao desenvolvimento económico.
Estes planos regionais encerram diversos propósitos, como promover a saída de grande parte da população activa do sector primário, dar origem a pólos de desenvolvimento, que possuam não só as infra-estruturas indispensáveis, mas também uma indústria progressiva, ou que estejam aptas a um crescimento rápido e harmónico; romper, em suma, com a estagnação de certas zonas e impedir o elefantismo das comas de crescimento do País, em Lisboa e Parto.
Estas razões, que militam a favor do desenvolvimento regional, levam-me a alvitrar que o vale do Tejo, como eixo de desenvolvimento natural que é, seja encarado nos seus aspectos estruturais, se verifiquem os comportamentos dos sectores primário, secundário e terciário e se preveja o seu crescimento em termos globais.
Segundo o Dr. Santos Loureiro em As Assimetrias Espaciais de Crescimento no Continente Português, edição do Instituto Nacional de Investigação Industrial, a percentagem do distrito de Santarém, ano de 1958, na participação distrital na formação do produto interno bruto foi de 4,8 por cento e a dos distritos a considerar no eixo do desenvolvimento regional do rio Tejo - Castelo Branco e Portalegre - respectivamente de 3,2 por cento e de 2,3 por- cento, o que, tudo somado, dá a percentagem de 10,3 por cento. Percentagem esta de forte significado.
A este mesmo respeito, quando da comunicação a esta Assembleia, do ilustre Ministro da Economia, sobre a crise agrícola nacional, foi dito por S. Ex.ª que "mais se entende que todo o ordenamento agrário deve ser conduzido em ligação com o desenvolvimento regional nos termos já anunciados e que estão a informar o estabelecimento ou á criação de comissões de acção económica regional no Alentejo e Algarve, em Trás-os-Montes, na região do Mondego e em outros distritos do País".
"Foram assim apoiadas - prossegue o Prof. Doutor Teixeira Pinto - e impulsionadas pelo Ministério da Economia aquelas comissões que abranjam regiões onde se estejam ou venham a realizar grandes investimentos de
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infra-estruturas económicas, em especial no aproveitamento de bacias hidrográficas ou na realização de grandes obras de rega".
Verifica-se, pelo que ficou transcrito, que é, portanto, da maior relevância o planeamento do vale do Tejo, considerados os distritos citados. Nem nos falta tão-pouco a experiência alheia: em Espanha, plano de Badajoz; em França, plano de Bas-Rhône, no Languedoc; a experiência italiana no Sul e no vale do Pó e a do vale do Tenessee nos Estados Unidos.
Sr. Presidente: o vale do Tejo constitui indiscutivelmente, dentro da panorâmica da economia nacional, uma região dinâmica portentosa.
De montante a jusante podem-se distinguir três zonas, que, em continuidade, não formam profundos contrastes agro-florestais nem são desiguais quanto a potencialidades, embora diferentes.
Há a considerar a zona oriental, constituída por parte do distrito de Castelo Branco e por parte do distrito de Portalegre, com os seus recursos energéticos de grandeza indiscutível, quer os existentes, quer os projectados, o povoamento florestal das espécies mais vulgares (pinheiro, sobreiro, oliveira e eucalipto, este até no cume dos montes xistosos) e o repovoamento silvícola de grandes áreas por espécies apropriadas; a zona central, que tem por limites a barragem de Belver até à Golegã, abrangendo também os concelhos de Sardoal, Abrantes, Constância, Barquinha, Tomar, Torres Novas, Alcanena e Rio Maior, zona intermédia, quer quanto a culturas arbustivas e arbóreas, quer quanto a extensas manchas de pinhal, eucaliptal, sobreiral e, principalmente, olival, quer quanto a pomares de frutos variados e de excepcional qualidade, quer quanto ainda a lezírias consideráveis, com os seus campos de arroz, quer finalmente quanto a culturas de tomate, pimentão e produtos hortícolas; e a zona ocidental, com as suas magníficas e exuberantes campinas ribatejanas, que podem, como nenhumas outras, permitir culturas intensivas e enormes pomares.
Estas regiões, assim esquematizadas, teriam naturalmente o seu pólo de desenvolvimento em Abrantes. De facto, a situação geográfica de Abrantes, Alferrarede e Rossio constitui um nó de rara importância em vias de comunicação rodoviárias, ferroviárias e amanhã fluviais, que ligam o Centro do País com as Beiras, Alentejo, Ribatejo e o Norte.
Além disso, Abrantes é uma área económica sem grandes desequilíbrios sectoriais. Tenham-se em atenção as empresas metalomecânicas e de montagem de camiões - esta última inaugurada há pouco com a inestimável presença do venerando Chefe do Estado, que generosamente se deslocou ao Tramagal, consagrando publicamente a obra de um homem, Eduardo Duarte Ferreira, e a sua ilustre família -; as que transformam os produtos da terra - resinas, massas alimentícias, madeiras e mobiliário, refinação de azeite, adubos e cortiça. Zona propícia ainda ao crescimento de culturas de árvores frutíferas de alta qualidade e já com extensos pomares. Região com algumas possibilidades de turismo, equipada com bom hotel, cómodas vias de acesso e motivos de atracção, constituídos pelas barragens que a cercam e locais de interesse cultural e artístico.
Abrantes reúne, por todas estas razões, aptidões naturais para um rápido desenvolvimento. Por sua vez, está bastante próxima de outras zonas do maior interesse económico, como Torres Novas e Tomar, onde não faltam ramos de indústria tais como fiação, metalurgia, fábricas de papel e de aglomerados de madeira e outras e que são centros demográficos com relevância.
O ensino, tanto técnico como liceal, está em pleno florescimento.
Quase todas estas actividades poderão ser encaminhadas para a exportação. Se a actividade agrícola passar de economia de subsistência para a economia do mercado, como se impõe, quando parte da nossa actividade económica se dirigir à exportação, um dos imperativos de sobrevivência, encontrará no desenvolvimento regional do vale do Tejo condições magníficas a esta finalidade. Para além do condicionalismo já existente, outro se poderá criar com maior amplitude, ou partindo do que está feito ou fazendo de novo.
Neste sentido, é digna de nota a tentativa da constituição de uma cooperativa agrícola em Abrantes.
Têm sido os seus principais promotores os técnicos da brigada agrícola, que são dignos de louvor pela pertinácia da sua acção. Nos lavradores da região e no Grémio da Lavoura têm encontrado também compreensão e solidariedade. Conheço em algum pormenor os seus propósitos. Pretendem, com efeito, a conservação dos frutos em frio e a sua industrialização em sumos e compotas, a desidratação de produtos hortícolas, a calda de tomate, o aproveitamento do pimentão, lagares de azeite e de vinho, aumento do armentio e comercialização de todos os produtos abrangidos pela cooperativa, desde o leite e seus derivados até à cortiça. Iniciativa de largo alcance, pretende ainda garantir a assistência técnica à altura das suas responsabilidades e abranger totalmente a área reputada económica, para a sua dimensão.
Outro aspecto da maior importância para o desenvolvimento regional é a possibilidade de rega do Alto Alentejo por barragens que, simultaneamente, produzam energia e consintam a utilização da água sobrante em esquemas de irrigação.
O distinto relator das contas preconiza esta utilização simultânea das águas no seu proficiente parecer deste ano.
Não se esquece, por outro lado, e como via de futuro desenvolvimento, a abertura do percurso n.º 3 de Vilar Formoso, Penamacor, Abrantes, Lisboa, encurtando a distância que separa Vilar Formoso da capital em cerca de 100 km.
A abertura da importante via valoriza extraordinàriamente aqueles concelhos interiores e permite a exploração da floresta, nomeadamente nos concelhos de Sardoal. Abrantes, Mação, Vila de Rei. Pedrógão, Oleiros, Vila Velha de Ródão, etc., podendo dar origem a uma unidade fabril de pasta de papel.
A este propósito formula o Sr. Eng.0 Araújo Correia, no parecer de 1961, ponderosas considerações que a seguir transcrevo:
A aceleração da eficácia de actividades que conduzirão a crescimento harmónico e mais acelerado [...] recomenda a modernização da rede nacional de estradas já existente, o estudo urgente de um plano rodoviário que atenda os interesses regionais e nacionais nos seus diversos aspectos e a construção de malha fundamental [...] que obedeça às imposições da técnica moderna. Isto pelo que diz respeito aos novos esquemas de localização e modernização das indústrias e às exigências de uma agricultura e silvicultura que não podem subsistir na sua forma actual e requerem para sua melhor estrutura e rendimento o auxílio de um bom sistema de comunicações.
Seja-me permitido um pequeno parêntesis nesta matéria. Entre as freguesias de Mouriscas, concelho de Abrantes, e Cabeça das Mós, concelho de Sardoal, existe
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projectada uma ponte sobre a ribeira da Arcês, que espera há 30 anos pela sua construção. Simples, barata e do maior interesse regional. Daqui apelo para a alta compreensão do Sr. Ministro das Obras Públicas para que seja breve na resolução deste pequenino grande caso, a bem da generosa gente que sabe ser grata e bem cumprir quando é preciso.
Pelo Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, Dr. Paulo Rodrigues, foi apontado o ano de 1964 como aquele em que venceríamos a batalha do turismo. Quis S. Ex.ª significar, com estas palavras, que o ano de 1964 é aquele em que concretamente se anunciam medidas que permitirão tratar o problema do turismo como validade económica que não consente adiamentos nem atrasos injustificáveis. E porque entendo assim, e estou de acordo com as prioridades anunciadas, por realistas e ponderosas que são, não vou reclamar a abertura do percurso n.º 3 com o fundamento apenas de via essencial ao turismo.
Este percurso terá, é certo, de ser considerado principalmente como eixo de desenvolvimento regional e correlativamente como via de penetração turística.
O esquema do seu traçado é deveras belo, já que atravessa, a Cova da Beira e a serra da Guardunha e facilita extraordinariamente o acesso a Fátima, aos grandes monumentos nacionais da Batalha e Alcobaça, a Tomar e à nossa capital do gótico - Santarém.
Sr. Presidente: não obstante o valor real e potencial do vale do Tejo e sem embargo das prioridades que o Governo tem em mãos, conviria pensar neste eixo de desenvolvimento à escala nacional. Se nem tudo é possível fazer-se, há, contudo, problemas que são inadiáveis.
E entre eles impõe-se que se tomem as medidas que evitem as devastadoras cheias do Ribatejo. Não conheço tecnicamente as medidas a tomar. Sei apenas, e isso me basta, que as margens do Tejo se vão enchendo de areia, que as terras boas se vai perdendo, que se vai perdendo em parte o esforço do vale do Sorraia - obra ainda por concluir e onde a rega deu resultado.
São as terras ribatejanas daquelas que permitem uma cultura intensiva, quer pela natureza dos solos, quer pela sua configuração.
Perdê-las é perder o que de melhor temos, é prejudicar, talvez irremediavelmente, a zona mais apta, sob o ponto de vista agrícola, para a batalha do futuro. São terras feitas, e a regularização do leito do Tejo não requer presumivelmente investimentos incomportáveis.
Há que tomar, portanto, com urgência, as medidas válidas que resolvam o problema das cheias ou que pelo menos atenuem substancialmente os graves prejuízos que provocam.
Esta regularização, com oportunidade, será um dos grandes marcos do aproveitamento do vale do Tejo, com vista ao seu desenvolvimento regional.
Se o problema das exportações está no fundo de todo o problema económico português, há que aproveitar o vale do Tejo, porque a partir do índice dos seus rendimentos, tanto agrícolas como industriais, se verifica não se encontrarem outros, entre nós, de maior rentabilidade.
Sr. Presidente: um livro célebre que já me foi aconselhado como livro de cabeceira intitula-se A Grande Esperança do Século XX, Jean Fourastié salienta aí a força incentivei em que a humanidade vive para possuir um pouco mais de calor, um pouco mais de bem-estar, um pouco mais de felicidade.
O planeamento do vale do Tejo deverá ser encarado à luz desta hodierna verdade, como obra a realizar numa geração, mas na esperança fundamentada de que irá servir principalmente os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Manuel Pires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao findar a leitura do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1962, documento honroso para quem o redigiu e subscreveu, na parte referente à província de Moçambique fica-se com uma impressão simultaneamente de melancolia e confiança. Entre estes dois sentimentos também se debate o meu espírito ao subir a esta tribuna.
Em boa verdade, impressiona verificar que, após um ano de promissora redução no deficit da balança do comércio, como foi o de 1961, veio o de 1962 com o agravamento do saldo negativo, que se eleva para 1 292 293 contos.
Foi, assim, Moçambique a maior responsável pelo desnível considerável de 1290 900 contos acusado no nosso conjunto ultramarino.
A ilustre Comissão indica como causa do fenómeno o facto de o volume das exportações não acompanhar nem compensar o das importações, e, lògicamente, recomenda, nas conclusões do seu primoroso parecer, que se aplique o apoio financeiro do Estado sobretudo nas empresas reprodutivas e, em especial, naquelas que possam contribuir para a exportação ou produção de bens de consumo que substituam a importação.
Quer isto dizer, se bem entendo, que grande parte das esperanças da Comissão para o progresso económico da província se situa no aumento substancial da produção das espécies tradicionalmente cimeiras no comércio exportador, e, nomeadamente, o algodão e o açúcar.
Quanto ao algodão, não faz realmente sentido que o ultramar não possa abastecer inteiramente a metrópole...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ...sendo até lamentável que nos últimos três anos a tonelagem tenha vindo a diminuir, pois de 44 406 t em 1960 desceu para 42 631 t em 1961 e daqui para 36 671 t em 1962.
Mas faz ainda menos sentido registarmos situação idêntica com o açúcar, visto que, para se abastecer a metrópole com esta mercadoria, ainda se importam quantidades no valor de umas centenas de milhares de contos do estrangeiro. E, no entanto, as possibilidades de Angola è Moçambique neste capítulo, acentua a Comissão, são muito grandes e já devidamente comprovadas.
Efectivamente, a produção do açúcar, e hoje só a este me refiro, por ser o elemento típico do caso moçambicano, pode ser desenvolvida a limites até hoje insuspeitados, e contribuir de maneira decisiva, dentro de dois ou três anos, para o equilíbrio da balança comercial.
Feliz ou infelizmente, nem sei, nunca a conjuntura foi tão favorável, e a verdade é que ela está para durar largo tempo. A Rússia acaba de firmar contrato por dez anos para compra de açúcar a Cuba ao preço elevado que hoje vigora. Isto é assaz significativo, Srs. Deputados!
Em escassos meses os preços subiram de 20 para 107 libras a tonelada. O consumidor teme, e justificadamente, o aumento de preço e o produtor treme de despeito ante a oportunidade, que se lhe escapa, de vender a preços altos, e tudo isto porque a nossa produção não logra satisfazer o consumo interno.
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Países, não sei se com mais sorte, se com mais larga visão, atingem, agora em plena maré de altas cotações, o apogeu da sua produção. A África do Sul, no Natal açucareiro, atravessa a sua época de maior prosperidade, extravasando as suas ramas no ávido mercado japonês. A pequena Rodésia dá os primeiros passos na esfera internacional da especialidade, vendo os investimentos feitos nas suas moderníssimas fábricas amortizados nos dois primeiros anos.
Entretanto, que fazemos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados? Que fazemos nós?!! Continuamos a pensar que Portugal pode ser, se nós quisermos, uma grande e próspera nação. Continuamos a fazer estudos, a nomear comissões, a escrever relatórios. Daqui a melancolia de que falei no início desta intervenção e que avassala a minha alma de português que sente terríveis e não sei que misteriosos embargos à capacidade realizadora da Nação.
E, todavia, Moçambique sente e sabe que é, potencialmente, o mais fecundo canteiro da preciosa cana e que só por si pode sobrepujar as mais prósperas regiões açucareiras do Mundo. Para tanto não lhe faltam homens de iniciativa. Não lhe falta a emigração fácil da Europa. E até não lhe falta a demanda de capitais estrangeiros, se tanto for necessário.
Falta-lhe, isso sim, modernizar o sistema de exploração da cana sacarina e duplicar o seu parque agrícola e fabril, para o que se torna imprescindível apenas a compreensão do Estado.
Parece-me, Srs. Deputados, que valerá a pena determo-nos uns momentos na apreciação destes dois aspectos da questão.
O método até agora seguido de produzir cana por meio de plantações industriais não é, a nosso ver, o mais recomendável, nem económica nem socialmente. O custo de produção no sistema de plantação industrial anda à volta dos 170$ a tonelada, ao passo que no sistema de agricultores particulares não atinge os 100$.
A cultura de cana entregue a agricultores privados resulta, assim, muito mais económica, pela maior poupança de meios de trabalho, designadamente o pessoal, e pela maior produtividade das terras, devido ao cuidado que os empresários-proprietários prestam às suas fazendas. Além disso, a diferença entre os dois custos acima apontados é acentuada pelo facto de as explorações dos agricultores particulares serem inteiramente mecanizadas, enquanto as plantações industriais ainda, recorrem, em larga escala, à mão-de-obra não especializada, que em Moçambique é onerosíssima, devido à baixíssima produtividade do nativo não especializado, produtividade essa que em determinadas operações da cultura açucareira apenas atinge um décimo do seu congénere branco australiano.
E esta extraordinária diferença entre o custo de produção da cana dos agricultores particulares (100$) e o das plantações industriais (170$) que aconselha uma acelerada reconversão de processos.
De resto, a experiência está feita. Há uns dez anos uma das nossas companhias açucareiras aumentou a capacidade de produção da sua fabrica de 20 000 t para 35 000 t anuais; mas, não podendo aumentar, em proporção, a produção da cana, por falta de mão-de-obra e de mecanização, assinou contratos com agricultores particulares, pagando-lhes a cana à razão de 55 por cento do valor do açúcar nu produzido pela cana vendida. Pois, e apesar de aquela proporção de 55 por cento ser das mais baixas do Mundo (nas Maurícias, por exemplo, é de 75 por cento, na África do Sul de 58 por cento, e só no país das vacas sagradas é que não passa dos 51 por cento), esse valor permitiu, por um lado, assegurar à indústria matéria-prima a preço inferior ao da produção própria, e, por outro, remunerar o agricultor de modo tão satisfatório, que a sua situação de prosperidade decorre em moldes invejáveis.
Em três anos, dez agricultores foram capazes de começar a abastecer a fábrica respectiva, num terço da sua capacidade, com uma média anual de 100 000 t de cana.
Um breve esquema comparativo permitirá avaliar melhor a diferença de valor social e económico entre os dois processos que vimos analisando.
Tomemos por base uma unidade açucareira com a capacidade de produção anual de 60 000 t. Se se tratar de um estabelecimento de tipo de plantação, a sua agricultura ocupará 33 empre.ga.dos superiores, 300 autóctones semiespecializados e 10 000 trabalhadores de enxada; porém, se se tratar do sistema de agricultores privados, poderão instalar-se 170 fazendeiros, com o rendimento, bruto de 85 000 contos, empregando-se 500 semiespecializados e apenas 400 trabalhadores de enxada. Traduzindo isto em forma de conclusão, verifica-se que o sistema de agricultores privados permitirá a uma unidade açucareira daquela magnitude a fixação em Moçambique de 170 famílias metropolitanas numa base económica estável, a promoção social de uma centena de indígenas e a dispensa de largos milhares de trabalhadores de enxada, cuja escassez se acentua dia a dia.
Porém, além do aperfeiçoamento do sistema de exploração, importa, aumentar, e com urgência, o número de empresas açucareiras.
O consumo nacional excederá, em brevíssimo tempo, a nossa produção em 150 000 t, segundo os melhores cálculos. Já para este ano encara-se a necessidade de aquisição de umas 50 000 t de açúcar estrangeiro. Para isso, despender-se-á, em divisas, um valor que deve ultrapassar os 300 000 contos. Ora essa mesma quantidade, adquirida em Moçambique, ficar-nos-ia por 150 000 contos, ou seja, por metade! Consequentemente, para manter o preço actual de venda ao público, haverá que subsidiar a aquisição em 150 000 contos, e o Estado perderá em taxas alfandegárias, cobráveis no açúcar importado do ultramar, cerca de 80 000 contos. Estes números são de uma eloquência esmagadora, e. se impressionarem VV. Ex.ªs como me impressionaram a mim, haveremos de concluir que é urgente procurar uma solução para o problema.
Parece-me optimismo perigoso esperar que o actual parque industrial e agrícola português do açúcar possa resolver este estado de coisas. E, mesmo que pudesse, haveria que olhar para mais além, muito mais além, procurando transformar Portugal, neste sector, de país auto-abastecido, que será, em país exportador que deve ser. Para mais, há que considerar a nossa inelutável integração nos espaços económicos europeus, seja a E. F. T. A., seja o Mercado Comum, e será, em grande parte, aos produtos ultramarinos, e de modo especial ao açúcar, que caberá a função de nivelar o desequilíbrio do regime de trocas.
Afigura-se-me, pois, que não temos tempo a perder. Urge estimular e favorecer, por todas as formas, a criação e instalação de novas unidades açucareiras. O produto bruto de Moçambique será acrescentado, anualmente, de mais 250 000 contos com o funcionamento de uma açucareira de 60 000 t de produção, e em 500 000 contos se, em vez de uma, se criarem duas, como se impõe. Só dois desses empreendimentos bastarão para reduzir o actual deficit da província em 40 por cento, o que não é nada para desprezar.
Que se apressem, pois, os homens de boa vontade, que se apressem as nossas estacões oficiais em dotar Moçambique com estes meios de riqueza. Que se apressem, porque nesta corrida para a vitória total da Pátria, um mês que se perca é, para as nossas necessidades e aspirações,
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um motivo de desalento, e, para as nossas esperanças, mais um revés.
Saibamos estar à altura do repto que nos lançaram, e não desdenhemos dos favores da Natureza, que prodigalizou connnosco potencialidades inexauríveis. Efectivamente, estendem-se de norte a sul daquela província centenas de milhares de hectares de terras excepcionalmente aptas para a plantação da cana - como o demonstra a atrabiliária e rudimentar cultura nativa -, as quais se acham abandonadas, em estado de baldio.
Cometeremos um delito de omissão económica se continuarmos a deixá-las em sua selvática braveza, delito esse que é, na ordem temporal, tão grave como o daquele quê, na alegoria do Evangelho, esconde a lucerna debaixo do alqueire. Os tempos não admitem a nossa passividade perante a bandeja de certezas económicas que Moçambique nos oferece. Dilatar por mais tempo o aproveitamento de tão vastos recursos será uma indignidade e todos os que para ela contribuem réus de crime de lesa-Nação. A este respeito, Srs. Deputados, confesso: às vezes penso que somos um país pobre porque queremos. E que, como eu, o comum das gentes pergunta, atónito, como é possível a um senhor de tantos e tamanhos bens deixá-los inaproveitados. Seremos acaso a reencarnação dos fidalgos da Casa Mourisca, que trocaram por estéreis prejuízos de prosápia e larga rotina de hábitos a energia fecundante da vontade e a adaptação à dinâmica da vida que não pára?
Persiste em muito boa gente a convicção de que a arrancada económica do País não se compadece com extensos planeamentos, com exuberantes pareceres e com as solenidades de importantes colégios de estudiosos e muito menos com os escrúpulos doentios de uma burocracia que, para concluir, parece desejar o absurdo, isto é, ver primeiro germinadas as coisas que se projectam. Se assim tivessem sido os nossos maiores, não teríamos certamente passado do cabo Espichel, quanto mais do cabo das Tormentas! É necessário, sim, conceber, delinear, meditar e estudar com calma, mas, tanto como isso, é preciso realizar com fé e agir com rapidez. Não andemos nós, com mira na obtenção de um óptimo hipotético, a perder o bem que está ao nosso alcance.
Moçambique está atenta, Sr. Presidente, e confia. A firmeza de atitude do Sr. Presidente do Conselho, enfrentando os tais "ventos da história", e o não menos firme apoio do País à sua decisão, provocaram um ambiente internacional favorável aos investimentos produtores no nosso ultramar. A economia europeia, em plena expansão, vê mais segurança para os seus capitais nos territórios firmemente sob a paz portuguesa do que nos novos Estados negros de África, inseguros, instáveis, resvalando para o caos.
Aos homens e aos países que reagem com virilidade e rapidez, a fortuna oferece-lhes sempre uma saída para as suas dificuldades!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Belchior Cardoso da Costa.
D. Custódia Lopes.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Olívio da Costa Carvalho.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Tomás Prisónio Furtado.
Fernando António da Veiga Frade.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Colares Pereira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA