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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 152

ANO DE 1964 19 DE NOVEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 152, EM 18 DEI NOVEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou que, enviados pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, haviam sido recebidos na Mesa os textos das convenções e recomendações da O. I. T. desde os n.ºs 112 a, 118, inclusivo.
O Sr. Presidente deu conhecimento à Câmara de durante o interregno parlamentar, haverem sido recebidos diversos elementos oportunamente requeridos por vários Srs. Deputados, a quem foram entregues.
O Sr. Presidente comunicou estarem na Mesa as contas das províncias ultramarinas relativas ao exercício de 1963, bem como o relatório da Direcção-Geral da Fazenda, do Ministério do Ultramar, que serão publicados no Diário das Sessões.
Foi concedida autorização para o Sr. Deputado Serras Pereira depor como testemunha na 2.ª vara cível de Lisboa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cid Proença, para se referir ao recente falecimento do bispo de Viseu; Moura Ramos, acerca da visita do Chefe do Estado ao distrito de Leiria; e Alves Moreira, que se congratulou com a inauguração da ponte da Varela, na ria de Aveiro.

Ordem do dia. - Continuo a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinto Carneiro, José Manuel Pires, Carlos Alves e Jorge Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram l5 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.

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Elísio do Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Crosta.
Fernando Cid Oliveira Proença
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente do Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
Júlio Dias das Neves.
Luís do Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Enviados em 19 de Junho pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, estão na Mesa. para conhecimento da Assembleia Nacional, os textos das convenções e recomendações da O. T. T. desde os n.ºs 112 a 118, inclusive.
Durante o interregno parlamentar foram recebidos, em satisfação de requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados, os seguintes elementos, já entregues:

Do Ministério das Finanças, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro na sessão de 27 de Fevereiro de 1964.
Do Ministério da Educação Nacional, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Joaquim José Nunes de Oliveira na sessão de 8 de Fevereiro de 1964.
Do Ministério da Saúde e Assistência, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Artur Alves Moreira na sessão de 6 de Fevereiro de 1964.
O Anuário Estatístico referente ao ano de 1962, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Maria Ribeiro do Meireles na sessão do 6 de Marco de 1964.
Do Ministério das Corporações e. Previdência Social, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Artur Alves Moreira na sessão de 6 de Fevereiro de 1964.
O volume da Estatística das Instalações Eléctricas em Portugal referente a 1962. em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Maria Ribeiro de Meireles na sessão de 6 de Março de 1964.
Do Ministério das Obras Públicas, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira na sessão de 6 de Março de 1964.
Do Ministério das Obras Públicas, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Virgílio David Pereira e Cruz na sessão de 19 de Marco de 1964.
Do Ministério do Interior, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António Augusto Gonçalves Rodrigues na sessão de 18 de Março de 1964.
Do Ministério das Comunicações, ciando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Artur Águedo de Oliveira na- sessão de 6 de Março de 1964.
Do Secretariado Nacional da Informação, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Pinto Carneiro na sessão de 11 de Marco de 1964.
Do Ministério das Comunicações, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Pinto Carneiro na sessão de 17 de Marco de 1964.
Da Presidência, do Conselho (Secretaria-Geral. Assembleia Nacional, Secretariado Nacional da Informação, Emissora Nacional, Supremo Tribunal Administrativo, Junta de Energia Nuclear, Instituto Nacional de Estatística e Comissão Técnica de Cooperação Económica Externa); dos Ministérios do Interior, da Justiça, das Finanças, do Exército, da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, das Obras Públicas, do Ultramar e da Educação Nacional, e da Secretaria de Estado da Aeronáutica, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Quirino dos Santos Mealha na sessão de 15 de Janeiro de 1964.
Do Ministério das Corporações e Previdência Social, dando satisfação a parte do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Quirino dos Santos Mealha na sessão de 15 de Janeiro de 1964.
Do Ministério do Interior (Direcção-Geral de Administração Política e Civil), em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Sales de Mascarenhas Loureiro na sessão de 27 de Fevereiro de 1964.
Do Ministério das Comunicações (Direcção-Geral de Transportes Terrestres), em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Pinto Carneiro na sessão de 13 de Março de 1964.
Do Ministério das Corporações e Previdência Social, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Quirino dos Santos Mealha na sessão de l5 de Janeiro de 1964.

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Dos Ministérios do Interior, Justiça Marinha, Obras Públicas, Ultramar o Comunicações, dando satisfação a parte do requerimento solicitado pelo Sr. Deputado Rui de Moura Ramos na sessão do 19 de Maio de 1064.
Da Junta Autónoma de. Estradas, acerca da intervenção do Sr. Deputado Alberto Ribeiro da Costa Guimarães na sessão de 21 de Fevereiro de 1964.
Do Ministério das Obras Públicas (Junta Autónoma de Estradas), acerca da intervenção do Sr. Deputado Manuel João Cutileiro Ferreira na sessão de 3 de Março de 1964.
Do Ministério das Obras Públicas (Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais), acerca da intervenção do Sr. Deputado Manuel João Cutileiro Ferreira na sessão de 3 de Março de 1964.
Da Junta Autónoma de Estradas, acerca da intervenção do Sr. Deputado José dos Santos Dessa na sessão de 4 de Fevereiro de 1964.
Estão na Mesa as contas das províncias ultramarinas relativas ao exercício de 1963 e o relatório da Direcção-Geral de Fazenda, do Ministério do Ultramar. Vão ser publicados no Diário das Sessões.
Está na Mesa um ofício da 2.º vara cível de Lisboa pedindo autorização para que o Sr. Deputado Serras Pereira possa depor como testemunha no julgamento da acção ordinária que António dos Anjos Marinho move contra Angelo Galamba de Oliveira e mulher. Consultado o Sr. Deputado sobre se via algum inconveniente para a sua actuação parlamentar em depor no referido julgamento, respondeu que não via inconveniente, pelo que submeto à Câmara a autorização pedida.

Consultada, a Assembleia, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cid Proença.

O Sr. Cid Proença: -Sr. Presidente: Se bem traduzo o pensamento e o sentir da gente da minha terra, Viseu avalia por exacta medida quanto lhe toca e a empobrece a morte do seu grande bispo.
Foi-o durante 36 anos, difíceis e vividos. E ao longo desses 36 anos a imposição e o fascínio de uma personalidade tão forte e assim inconfundível tiveram arte de não deixar ninguém mediocremente indiferente.
Do orador ficou memória e diz-se; com a afiançada confirmação de Plínio Salgado, que dos de língua portuguesa foi um dos maiores do nosso tempo.
Os talentos naturais, a formação filosófica, a cultura, a raiz firmíssima das próprias convicções talharam, decerto, um orador excepcional, diferente sob muitos aspectos de todos os mais que ouvimos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E da estirpe rara de oradores que, pensando demorada e exaustivamente as ideias e improvisando depois em face do auditório as palavras em que as transmitem, conseguem do mesmo jeito ser profundos e impressivos, obrigam a seguir a linha do raciocínio e a penetrar a essência das questões sem prender mais do que baste à influência da expressão e à simples beleza formal.
Eloquente? Pois sem dúvida alguma.
Só importa acrescentar: eloquente, enquanto ensinava e atraía o seu discurso, mas também na medida em que a presença do Sr. D. José da Cruz Moreira Pinto, inabalável e significativa, falou sempre e sem margem para equívoco do que ele era e da missão que o determinava.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Para além das arestas do temperamento, aquela sua solidez na defesa das conclusões intelectuais a que ia chegando e das posições pastorais conscientemente assumidas soa-nos como poema de fidelidade intransigente à Verdade havida como tal. Quando era caso de afirmar ou de negar, o «sim» e o «não», como vinha das lições do Mestre, não consentiam adversativas nem rodeios: entre um o outro dos termos faltava espaço ao compromisso.
Vão mudados os tempos e às vezes parece requinte de sabedoria compor uma face das coisas que não desengane frontalmente do erro e a ninguém de todo. o contrarie. Não há que discutir o método, sabemos, isso sim, que é mais fácil. E sabemos também, até pela experiência dos séculos, que a conformação com o espírito do Mundo não contém o segredo infalível de profundamente e duradoiramente influenciar o Mundo.
Este grande bispo, de lúcida inteligência e clara vontade, era um português de indefectível portuguesismo. Se bem justificou a saudade e a dor unânime dos seus diocesanos, merece bem a voz da nossa admiração e a homenagem do nosso respeito.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O sinal mais certo de que a memória do seu nome vai persistir, além da morte, está em podermos já hoje honrar-lha, quase não cedendo à emoção do momento, apenas com o discorrer de serenas reflexões.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em esplendorosos dias outonais - a 24, 25 e 26 de Outubro - o distrito de Leiria teve a honra de ser visitado oficialmente pelo supremo magistrado da Nação, que passou, com maior ou menor demora, por onze dos dezasseis concelhos que o compõem, tendo iniciado a visita pelo concelho de Figueiró dos Vinhos, ao norte, e acabado com a passagem na sede do concelho mais ao sul colocado - o do Bombarral.
As populações dos concelhos que tiveram o grato privilégio de ver adentro das suas fronteiras S. Ex.ª o Sr. Almirante Américo Tomás, venerando Chefe da Nação Portuguesa, não esquecerão tão cedo os momentos» de eufórico entusiasmo, de alegria sã e sincera, por sentida, de patriotismo, tal como, estamos em crer, S. Ex.ª também não olvidará por certo o acolhimento carinhoso e vibrante dispensado pelas boas gentes das terras por onde passou.
E pena foi que aos habitantes dos concelhos da Batalha, Castanheira de Pêra. Pedrógão Grande, Peniche e Porto de Mós não lhes fosse dada igualmente a oportunidade, que só de longe em longe surge, de aplaudirem e de tributarem também ao Chefe da Nação toda a simpatia, consideração, carinho e respeito que lhe votam. Dos cinco concelhos exceptuados, é certo que o de Porto de Mós ainda não há muito o recebera galharda e festivamente, mas os restantes quatro não tiveram ainda a feliz dita.

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E sem que o facto envolva desdouro. menosprezo ou desconsideração para os outros, tivemos particularmente para de que a vila heróica da Batalha não houvesse, sido incluída na visita presidencial. É que a Batalha, graças ao monumento que encerra, constitui, indubitavelmente, um centro de piedade e de devoção lusíadas, ou, como disse um dia o Sr. Presidente do Conselho: é «... o lugar de entre todas eleito para as grandes peregrinações patrióticas», pelo que bem se justificava a sua inclusão no programa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acresce ainda a circunstância de a pequena vila heróica estar, presentemente, a sofrer grandes obras de urbanização, que a transformarão completamente. E sabendo nós da cuidada atenção e do fundo carinho o interesse que ao venerando Chefe do Estado merecem todas as obras, especialmente as de grande torno, realizadas ou em curso no País, estamos certos de que bastante grato e agradável seria- para S. Ex.ª ouvir da boca do ilustre Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, grande impulsionador e dinamizador do planeamento urbanístico da vila da Batalha, as necessárias explicações do que está projectado ali fazer-se com vista a emoldurar condignamente o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, padrão ímpar da nossa independência.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Por outro lado são tão raras as ocasiões que os povos têm de contactar, de ver junto de si o chefe supremo da Nação, para o homenagearem e vitoriarem, que lastimam sinceramente quando se lhes deixa escapar, fugir, tal oportunidade, mormente quando esse chefe supremo é o cidadão impoluto, de carácter íntegro, do melhor quilate moral, como é o Sr. Almirante Américo Tomás.

Vozes: -Muito bem. muito bem!

O Orador: - Feito este parêntesis em tom de desabafo e intérprete do sentir dos habitantes da Batalha, vamos continuar.
De entre as várias cerimónias realizadas no decurso da triunfal viagem do venerando Chefe do Estado ao distrito de Leiria, três houve que tiveram um significado especial, por enriquecerem o património da Nação. Foram elas a inauguração de dois belos edifícios de estabelecimentos de ensino - um em Leiria, destinado ao novo liceu e que importou em 13 200 contos e outro nas Caldas da Bainha, onde funcionará a nova escola técnica e que custou 14000 contos-, melhoramentos que representam para as duas cidades do distrito a satisfação de antigos e prementes anseios; e a reconstrução da aldeia de Vale do Rio no lindo concelho de Figueiró dos Vinhos, aldeia que, em 28 de Agosto de 1961 havia sido destruída por um violento incêndio.
Volvidos três anos, a aldeia mártir de Vale do Rio surge aos olhos de quantos a visitam com uma fisionomia inteiramente diferente, mais linda, arejada u alinhada no seu casario branco e com aquele mínimo de condições de higiene e de conforto e com as facilidades de vida social e económica a que têm direito as nossas populações rurais.
Foi certamente, ao movimento de solidariedade humana que a desgraça provocou, ao empenho posto pelo Governo da Nação em fazer progredir os aglomerados rurais através da acção pronta e decidida, inteligente e criteriosa do muito ilustre Ministro das Obras Públicas e à relevante e prestimosa colaboração dada pela Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, impulsionada devotadamente pela juventude esclarecida e dinâmica do seu presidente, que o venerando Chefe do Estado quis prestar homenagem e justiça quando visitou Vale do Rio. Mais ainda: quis certamente também aprovar o que ali se fez para que sirva de modelo à valorização que urge realizar em larga escala e por todo o País nos nossos meios rurais.
As terras por onde passou a figura veneranda do Chefe da Nação, Sr. Almirante Américo Tomás, viveram momentos altos de fé nos destinos da Pátria, e daí o entusiasmo e a alegria com que as suas populações compareceram em massa para o saudar calorosa e veementemente, como não estávamos habituados a ver em pasmadas visitas presidenciais.
É que, ao acorrer em massa a Iodos os locais onde S. Ex.ª se encontrava, o bom povo destas terras não quis sómente com a sua presença solenizar o acto festivo da visita. Tal presença deve: também ser interpretada como sinal de aprovação maneira, a todos os títulos digna e nobre, como há sido exercida a suprema magistratura da Nação, sentindo-se as populações sumamente honradas e satisfeitas por ter S. Ex.ª o Sr. Almirante Américo Tornas como chefe que compreende bem, o sentido e a grandeza desta função, pois sabe, ao mesmo tempo, fazer-se obedecei e fazer-se amar. E, ao cercá-lo de um coro de amigas e vibrantes saudações, o povo via em S. Ex.ª o homem inteligente e bom naturalmente simples e afável para com todos, de uma enternecedora afectividade para as crianças, enfim, o homem integral, perfeito, que bem pode e deve ser apontado como exemplo.
Nas palavras simples e despretensiosas que pronunciou ao longo da sua triunfal jornada através das terras do distrito de Leiria, o Sr. Almirante Américo Tomás mostrou-se sempre igual a si mesmo - o peregrino da unidade nacional, da união de todos os portugueses dignos deste nome nesta hora grave que vivemos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Abnegadamente incansável em unir todos os portugueses em torno da bandeira nacional, como o têm comprovado as suas gloriosas visitas a Angola e Moçambique e a outras parcelam da Nação espalhadas pelo Mundo, só uma pequena maioria tem escapado a este sentimento de coesão. E essa minoria é, conforme S. Ex.ª afirmou num dos seus discurso, «uma minoria bem pouco portuguesa, porque os verdadeiros portugueses sentem Portugal como eu o sinto e são capazes, certamente, de fazer os mesmos esforços por ele que eu tenho feito».
E acrescentou ainda: ...

Vozes: -Muito bera!

O Orador: - ... «De resto, e tenho-o dito imensas vezes, não tenho feito qualquer espécie de sacrifício, porque servir a Pátria, servir Portugal, é um dever de todo o português, e para o Chefe do Estado esse dever é maior ainda».
Servir com devoção e humildade o País tem sido, efectivamente, o lema de toda a vida do Sr. Almirante Américo Tomás. Mas tem sido no posto mais cimeiro da governação que S.Ex.ª mais tem redobrado de esforços nesse serviço, no qual se tem revelado fiel intérprete e extremoso defensor dos altos valores morais e espirituais que constituem património da Nação Portuguesa.
Bem merece, pois S.Ex.ª de todos os portugueses as provas de carinho e conforto moral como aquelas que as

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gentes do distrito de Leiria lhe tributaram de maneira tão entusiástica e apoteótica, nos memoráveis dias 24, 25 e 26 de Outubro passado, o que certamente esta Assembleia não deixará de registar com o maior agrado.

O Sr. Brilhante de Paiva: -Muito bem!

O Orador: - Se, como já se escreveu, «a grandeza de uma função está talvez, antes de tudo, em unir os homens», bem poderá dizer, com toda a propriedade, o Sr. Almirante Américo Tomás, a propósito desta magnífica jornada por terras do distrito de Leiria, que bem cumpriu a sua missão.
Que os povos visitados saibam agora fazer perdurar a gratidão e o carinho tão plena e exuberantemente manifestados e que Deus guarde S. Ex.ª o Sr. Almirante Américo Tomás por muitos e dilatados anos à frente dos destinos da Pátria Portuguesa.
São estes os votos que sinceramente formulamos como português agradecido.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: Ao iniciar as minhas intervenções nesta sessão legislativa faço-o movido pelo sentimento de gratidão, que sabe sempre bem manifestar, para com o Governo, pois um acontecimento houve neste interregno parlamentar, tendo como palco essa privilegiada região da ria de Aveiro, que merece o devido realce neste lugar.
Foi o facto da inauguração, a 22 de Junho do corrente ano, da ponte da Varela, elo de ligação entre a Murtosa e a lingueta de terra que constitui a margem norte da ria na Torreira, melhoramento de incalculável valor, há muito aspiração legítima da boa e laboriosa gente de tais paragens, não só pelo que representava para a sua economia, mas também pelas perspectivas que se abririam à utilização de uma ligação rápida e eficiente entre as margens citadas, qual abraço sobre as águas, como alguém lhe chamou, para todos aqueles que demandam tais paragens, atraídos sobretudo pela beleza natural da região, que convida a quem quer que seja não só pela sua panorâmica, mas também pelos recursos de vária ordem que a Natureza, ali tão pródiga, lhes oferece.
Mas o acontecimento, além do seu incomensurável valor local, teve outra nota de realce que quero expressar especialmente e que foi a presença, a presidir tal acto, da excelsa, e veneranda personalidade que é S. Ex.ª o Chefe do Estado, que mais uma vez aliás como o vem fazendo tão frequentemente, quis estar presente numa afirmação real de que tudo aquilo que poderá contribuir para o bem-estar e melhoria do nível de vida da grande família portuguesa lhe não passa despercebido, antes, pelo contrário, o interessa vivamente.
E já S. Ex.ª nesse mesmo dia havia igualmente abrilhantado com a sua presença a inauguração das novas instalações da Escola Industrial e Comercial de Águeda. outro melhoramento de âmbito distrital de enaltecer e agradecer.
Engalanou-se toda aquela região para receber tão ilustre visitante e os seus filhos capricharam em receber com as mais sinceras e espontâneas manifestações de simpatia a figura prestigiosa do seu Chefe do Estado e dos membros do Governo que igualmente estiveram presentes, fazendo parte da mesma comitiva, entre os quais os que mais directamente estavam ligados à consecução de tão ambicionado como útil melhoramento.
E o povo soube igualmente manifestar a esses governantes o seu agradecimento, pois SS. Ex.ªs os insignes e dinâmicos Ministros das Obras Públicas e das Finanças, numa colaboração indispensável, e que se impunha, tinham encontrado a solução prática para a concretização de tão ansiada aspiração.
E essa obra de lindo traçado arquitectónico, enquadrando-se perfeitamente na paisagem local, lá ficou a afirmar bem que as realizações são factos que caracterizam a política do Estado Novo num desejo crescente de melhorar as condições das suas gentes e consequentemente de toda a Nação.
Efectivamente, se à primeira vista essa obra parece de pouco vulto, apesar do seu comprimento de 308 m, equivalentes 10 tramas de 3080 m cada uma e de uma cota de 14 m acima do nível da água, além do seu elevado custo, na ordem dos 7580 contos, ela tem um significado para a região igual, ou maior até, àquele que representa para o Porto a ponte da Arrábida e para Lisboa o que virá a representar a ponte sobre o Tejo. Aliás, esta afirmação foi feita nesse dia inesquecível de confraternização entre governantes e governados, que, comungando no mesmo sentimento de mútuo agradecimento, quiserem pôr em evidência o valor intrínseco da obra em si.
As obras, como os homens, não se medem aos palmos, disse-o então em palavras de improviso S. Ex.ª o Chefe do Estado, e, como sempre, disse-o muitíssimo bem, pois aquela ponte significa realmente muito para a região, e era velho anseio e sonho do seu virtuoso povo.
Sr. Presidente: E já que me é dado congratular com o Governo a propósito do citado empreendimento, quero aproveitar a oportunidade para, mais uma vez. chamar a atenção para a necessidade igualmente imperiosa da construção da estrada Aveiro - Murtosa, importante via de comunicação que virá a ligar rapidamente a capital do distrito àquela vila. conforme em tempo tive ocasião de o fazer aquando da discussão nesta Câmara do aviso prévio sobre o turismo: já então tive oportunidade de enaltecer o quanto de proveitoso para o desenvolvimento turístico da região representava tal estrada, como complemento indispensável da ponte da Varela.
E agora quero acrescentar que se torna uma necessidade extrema sob o ponto de vista económico, pois não só encurta extraordinariamente a ligação entre dois pólos importantes do distrito, aproximando os povos, de modo a permitir melhores e mais fáceis inter-relações comerciais, sociais e até culturais, mas também contribui largamente para a protecção das margens do Vouga invadidas pelas águas salgadas da ria com o consequente desgaste e inaproveitamente das mesmas; conjugar-se-iam assim interesses de ordem hidráulica e rodoviária, tornando tal obra duplamente útil e consequentemente relativamente menos onerosa.
Várias démarches têm sido movidas desde há alguns anos no sentido da realização de tão justa aspiração pelas entidades e demais personalidades de relevo no distrito nela interessadas, e mais recentemente pelas Câmaras Municipais de Aveiro e da Murtosa com o patrocínio sempre atento do Ex.mo Governador Civil junto de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, e eu quero formular neste lugar os meus melhores votos para que a breve trecho sejam coroadas de pleno êxito.
A par desta pretensão surge naturalmente outra, e que, sendo a última, fecharia aquilo que poderá chamar-se o circuito da ria, conforme também já citei em tempo. E o estabelecimento rápido e fácil de uma ligação do Forte

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da Barra a S. Jacinto a ser feita por um ferry-boat (já que uma ponte, por agora, seria mero sonho), em cuja realização igualmente têm sido despendidas várias diligências ultimadas peio projecto, especificando pormenorizadamente as obras a realizar e a estimativa do seu custo há dias apresentado pelo presidente da Câmara Municipal de Aveiro a S. Ex.ª o Ministro Arantes e Oliveira, que prometeu submeter a um cuidadoso estudo e apreciação.
A realizar-se tal desejo, muito havia a lucrar em desenvolvimento económico-social e turístico aquela península, que, estando nos confins da laguna e marginada por mar e ria, tem estado há longos anos como que votada ao mais nefasto ostracismo, quando tanto e tanto oferece a uma exploração cuidada e atenta, desde que lhe sejam criadas condições mínimas de acessos indispensáveis.
E, como confio nos nossos governantes e SS. Ex.ªs os Ministros das Obras Públicas e Finanças já por várias vezes tiveram oportunidade de verificar por si próprios tais necessidades, espero que não sejam criados embaraços à sua concretização, mas antes se tornem numa consoladora realidade no mais curto espaço de tempo.
E restará assim a esperança de que mais vezes S. Ex.ª o Presidente da República, possa vir a ser ovacionado com aquele entusiasmo não fingido, mas bem espontâneo, que caracteriza a população das margens da ria, tão expressivamente testemunhado nas recentes visitas que ali fez oficialmente e que não só bem demonstra o respeito que é devido ao supremo magistrado da Nação, mas ainda denota bem a confiança que têm nos seus governantes.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Carneiro.

O Sr. Pinto Carneiro: -Sr. Presidente: Não obstante as contrariedades que os destinos maus têm desencadeado contra nós; não obstante a insídia internacional que tão desesperadamente ruge à nossa volta que só uma paciência sobre-humana e um devotado amor da Pátria têm podido suportar; não obstante as duras e execráveis provações que nos vão custando sangue, vidas e fazenda, o Governo, atento ao fluir dos acontecimentos e à sua projecção nas perspectivas do futuro, não afrouxa a sua marcha no rumo do engrandecimento nacional.
Confiante nu sua rota, nem as sombras do presente o entibiam nem os presságios do futuro o amedrontam.
Aos clamores da aleivosia responde com as razões imanentes do direito; às arremetidas da subversão opõe a resistência dos nossos bravos; às necessidades político-económicas que, dia a dia se tornam mais prementes tenta oferecer uma administração segura, equilibrada e eficiente.
Só assim se explica que, apesar do tudo e não obstante, o conflito de tantos interesses privados em jogo, uns habilmente defendidos e outros caladamente patrocinados, o fomento nacional conheça florações de prosperidade que, em datas anteriores, jamais foram alcançadas.
Sr. Presidente: O Plano Intercalar submetido à apreciação desta Câmara, mantendo a continuidade entre o Plano de Fomento que agora acaba e aquele que o ano de 1968 há-de inaugurar, constitui a prova inequívoca de que o Governo, superando dificuldades de toda ordem, não se poupa a esforços na defesa dos interesses colectivos.
Todavia, sem apoucar as dimensões da tarefa planeada, sem desdouro para a visão de conjunto que a caracteriza e rememorando as circunstâncias que condicionam a evolução dos empreendimentos, dois aspectos do Plano Intercalar suscitam o meu reparo: as verbas que, embora vultosas em números absolutos, se me afiguram relativamente insuficientes destinadas à agricultura e aos problemas do ensino, dois sectores primordiais que na conjuntura actual, têm de preocupar grandemente a administração portuguesa.
Seria grave injustiça, que não cometo, não reconhecer o que o Governo tem feito em prol da nossa, agricultura.
Sob este aspecto, os Planos anteriores preveniram e dotaram relevantes empreendimentos, designadamente os que concernem à reestruturação agrária, povoamento florestal, hidráulica agrícola, viação e electrificação rurais.
Para que a sua acção pudesse ser eficiente não se furtou o Governo a preparar, também, os regimes jurídicos que fossem instrumentos executivos daqueles empreendimentos, entre os quais assumem especial relevo os diplomas legislativos sobre a concessão do crédito agrícola, arrendamento rural, emparcelamento e colonização interna.
É incontestável que muito se tem feito, mas também é incontroverso que o que falta fazer constitui tarefa tão ingente e impreterível que protelar a sua solução pode corresponder a perdê-la irremediavelmente.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

Orador: - Acresce que o Plano Intercalar couta para a realização dos seus objectivos com investimentos da iniciativa da lavoura, que, a meu ver, não poderão passar de letra morta, dadas as precárias condições em que se encontra este sector de produção.
A agricultura atingiu um estado de desorientação, de depauperamento e de decadência que está à beira de irreparável ruína.
Quem toma contacto com a gente dos nossos campos ouve o lamento que constantemente cai dos seus lábios desesperançados: a lavoura está perdida!
As queixas são constantes, os apelos emergem de toda a parte, a crise torna-se dia a dia mais desoladora, mas as soluções práticas não despertam da letargia em que parecem mergulhadas.
Os caseiros e rendeiros entregam as terras; os proprietários, por carência de braços, ficam impossibilitados de as amanharem.
O êxodo rural e a emigração legal ou clandestina avolumam-se de forma impressionante.
Pelas precárias condições de que se revestem, nos misteres do campo já se não reconhece dignidade nem grandeza. Por isso se, relegam para o plano das tarefas servis, impróprias dos nossos jovens trabalhadores.
A imprensa relata- conferências e reuniões dos responsáveis, articulam-se comunicados, fazendo-se, promessas portadoras de um raio de esperança: mas os dias volvem e tudo continua, praticamente, numa paralisia confrangedora.
A lavoura caminha em ritmo vertiginoso para a derrocada e já começa a olhar com certo cepticismo as

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medidas profilácticas de uma tecnocracia que parece inoperante.
A doença está diagnosticada, a doença alastra, a doença corrompe o sangue da Nação. Não precisamos de especialistas subtis que a classifiquem, mas de médicos práticos que a tratem com a terapêutica adequada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os produtos agrícolas, que representam dinheiro, suor e canseiras, são vendidos na origem por um preço que não está de harmonia com o seu custo nem com os preços por que o consumidor os paga no mercado.
A batata, que, plantada na terra, custa ao agricultor 4$ por quilograma, é vendida na origem por $70 e $80 mas é adquirida no mercado pelo consumidor a l$40 e a 1 $50.
Quer dizer: entre o produtor e o consumidor surge a figura do intermediário, particular ou oficial, que absorvo 100 por cento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O vinho de pasto: não engarrafado, que na origem custa entre l$50 e 2$ o litro, chega a ser pago, nos restaurantes, pelo consumidor a 7$ e 8$.
Também aqui, entre o produtor e consumidor, há quem arrecade cerca de 300 por cento.
E isto é praticado, e isto é conhecido, e isto é consentido. E não tem havido a coragem moral para imobilizar os parasitas no quietismo donde nunca deviam ter saído.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O milho, além de não ter um preço compensador, ainda se deteriora nos pequenos celeiros por falta de procura.
Os adubos que a indústria fornece, à agricultura têm preço elevado, mas a indústria é protegida e prospera: o agricultor vende muitos dos seus produtos a preço de miséria e submisso, espera a hora de morrer à míngua.
Falta ainda a linha mestra do ordenamento agrário que dirija a produção e condicione, em moldes racionais, os mercados agrícolas.
A agricultura debate-se com enorme crise e para que esta se torne mais dramática sobem as contribuições e novos impostos são criados.
Sr. Presidente: Nestas circunstâncias, para se viver nos campos e dos campos, é preciso estar couraçado com vocação de herói; mas o heroísmo, que já é apanágio de poucos, é efémero por natureza, mormente quando não é correspondido.
Os campos ainda podem ser fonte de alegria, de beleza e de engrandecimento nacional.
Não esqueçamos que a Pátria é também o campo e a leira, a horta e o pomar, a lezíria e a charneca, a planície pingue e perfumada e a montanha onde o Sol faísca chapadas de luz fecundante.
E a gente portuguesa não é apenas o advogado, o médico, o engenheiro, o funcionário público e o industrial, mas também aquele milhão de mãos calejadas, emagrecidas e nervosas que fazem florir a terra em surtos de pão do beleza e de amor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Plano Intercalar não obstante os seus altos méritos, que reconheço o sinceramente aplaudo, parece, neste aspecto, ficar um pouco aquém do que seria legítimo esperar-se.
Daqui endereço o meu apelo ao Governo para que sem delongas e com o sentido de objectividade que é timbre de sua administração, avance afoitamente no domínio das realizações práticas, restituindo ao agricultor a dignidade e o lugar a que tem incontestável direito nos sectores da produção nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Outro aspecto em que o Plano parece não considerar a plenitude das realidades portuguesas é o que respeita ao ensino.
As dotações consignadas não correspondem, segundo se afigura, à magnitude da obra que urge realizar.
O ensino particular, que tão relevantes serviços presta Nação, ...

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: - ... continua sem um razoável subsídio estadual e, pelo contrário, onerado com impostos como qualquer empresa industrial de carácter meramente lucrativo.
O ensino secundário oficial, onde existem 60 por cento de inscrições que já ultrapassam a capacidade funcional dos estabelecimentos escolares, continua com um reduzido quadro de professores efectivos, em contraste flagrante com um acentuado contingente de agregados e auxiliares, que, sem férias pagas e sem perduráveis garantias, reputam periclitante e instável a sua vida profissional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que o corpo docente é precedido de um estágio moroso, gratuito e estruturado em moldes obsoletos, que dificulta ou afasta o acesso dos candidatos.
No próximo decénio, segundo o Projecto Regional do Mediterrâneo, será necessário construir algumas dezenas de liceus e uma centena de escolas técnicas com capacidade para comportar os excedentes da actual população escolar e mais o advento de 20 000 novos alunos.
Segundo esse mesmo plano, no referido decénio será necessário recrutar mais 4300 novos professores para o ensino liceal e 9500 agentes para o ensino técnico.
Embora estes números possam considerar-se algo exagerados, a realidade, no entanto, constitui enorme tarefa que só parcelar e sucessivamente poderá ser efectuada.
O quadro docente do magistério superior também já não é consentâneo, nem com a população escolar, nem com as exigências do ensino, avultando nele um anacrónico corpo de assistentes contratados fora do quadro, que, sem garantia de estabilidade, ainda vencem um ordenado incompatível com a sua categoria, natureza de trabalho e prestígio da função.
Repare-se que 40 por cento do corpo docente universitário é constituído por segundos assistentes e falta preencher 61 por cento dos lugares de professor extraordinário.
Segundo as previsões do Projecto Regional do Mediterrâneo, no próximo decénio será necessário recrutar para o magistério superior mais 2400 agentes.
Mas isto só será possível se, abertamente, lançarmos desde já mãos a obra melhorando as condições do trabalho docente e renovando os seus métodos de recrutamento. Há obras que não podem esperar, som grave detrimento para o interesse nacional.

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Pelo que respeita a Coimbra, círculo que tenho a honra de representar nesta Câmara, impõe-se criar, quanto antes, o Instituto Industrial de Coimbra, ...

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!

O Orador: - ... proporcionar, subsidiando-as, instalações condignas para a biblioteca municipal, cujo recheio se torna, dia a dia mais avultado e valioso.
Renovadas as instalações da Escola de Regentes Agrícolas, é preciso lançar as bases de uma futura Faculdade de Agronomia, de larguíssimo alcance no Centro do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Urge acelerar as obras da Cidade Universitária, que nos últimos tempos têm emperrado, e erigir os edifícios da Faculdade de Ciências e dos laboratórios de física e de química.

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!

O Orador: - A Faculdade de Ciências, com cerca de 1600 alunos, dispersa as suas salas de aula pelos edifícios das outras Faculdades e chega a causar espanto que o laboratório de química disponha apenas de 60 acanhados lugares para 1300 alunos.
É imperioso também criar institutos de investigação anexos à Universidade e com quadro de pessoal privativo.
É sobejamente conhecido o importante papel que, em todos os ramos da actividade humana, está reservado às ciências psicopedagógicas. Por isso, mercê das exigências do mundo contemporâneo, é imprescindível criar na Faculdade de Letras uma nova secção que atribua o grau de licenciatura em psicopedagogica.
E mais uma vez se lembra a necessidade de satisfazer, o mais breve possível, duas aspirações da Universidade de Coimbra: elevar a Faculdade a sua Escola de Farmácia, cujo ensino tem ali nobres tradições, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e restaurar a Faculdade de Teologia, cuja inexistência começa a constituir motivo de vergonha nacional e que pela difusão de novas claridades, seria a cúpula da cultura portuguesa, contribuindo ainda para varrer tantos preconceitos penetrados de bafio estagnante acabando com certas tecnologias que por aí andam, expendidas, possivelmente, por quem ignora o catecismo (risos).
Sr. Presidente: Com as restrições que acabo de expor modestamente e sem brilho (não - apoiados), dou o meu acordo ao Plano Intercalar de Fomento e reconheço o esforço árduo e os altos objectivos que nele estão condensados, penhor incontroverso de que a Pátria trilha o bom caminho e trava uma batalha cuja vitória merecidamente não há-de tardar.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Manuel Pires: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta vez hesitei bastante em subir II esta tribuna para dar o meu modesto contributo ao debate sobre este Plano Intercalar de Fomento, especialmente na parte concernente à vasta província de Moçambique, que tenho a honra de representar nesta Câmara. Habituado a emitir parecer sómente sobre temas que me são familiares, e não sendo eu economista de profissão, nem tão-pouco amador, simples homem de letras, temia que as minhas palavras não correspondessem, ao menos com um mínimo de verdade, às rectas intenções dos seus autores.
Mas esta natural e lógica hesitação foi facilmente vencida no meu espírito pelo muito que aprendi nas frutuosas reuniões da comissão parlamentar eventual, em que tive o sumo prazer de ouvir substanciosas exposições sobre o panorama económico actual do espaço português, proferidas por alguns dos mais ilustres parlamentares desta Casa. Ali se debateram, na verdade, em diálogo aberto, por vezes em ambiente quente de entusiasmo, emocional até, mas sempre correcto e altamente construtivo, os problemas mais candentes e de acuidade mais premente da vida económica portuguesa. Mas também as necessidades de maior agudeza do fomento ultramarino foram «amplamente lembradas e entusiasticamente debatidas, sempre num perfeito ambiente da maior unidade nacional, certos de que Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné, Macau ou Timor têm os mesmos direitos a serem contemplados pelo Plano em discussão como qualquer das províncias metropolitanas.
Na elaboração deste Plano intercalar para o triénio de 1965 a 1967 está bem patente a preocupação dominante do Governo da Nação de não descurar o desenvolvimento económico do espaço português, a despeito de uma guerra cruenta que o estrangeiro cobiçoso do que é bem nosso nos moveu em África.
E não obstante o alto critério de sobrevivência nacional, o Governo tem sabido atender, simultaneamente, às tarefas da guerra e às tarefas da paz, ao fomento económico e à defesa intemerata da nossa sobrevivência ultramarina. Batem-se com a valentia de sempre, no campo de batalha, os nossos briosos soldados para que a terra africana continue pelos séculos fora sob a protecção da bandeira das quinas; e valorizam-se ao mesmo tempo as vastas riquezas potenciais dos territórios batidos pela guerra, porque um Governo de seriedade, e fiel à estrutura histórica da Nação, tem sabido criar as condições financeiras pára que estas duas tarefas, tão divergentes - a da guerra e a da paz - possam caminhar, paralelamente, sem tibiezas nem desfalecimentos. Mais uma vez, no decurso da nossa história, seguem lado a lado, como nos bons tempos da reconquista cristã, a espada e a charrua.
Apresenta-se este Plano Intercalar, como afirmou o ilustre presidente da comissão parlamentar eventual, Dr. Ulisses Cortês, com a sua rara autoridade de economista de largos recursos, sobremaneira ambicioso nas suas intenções.
Na verdade, assim é, pois o montante de investimentos previstos paru este triénio atinge a cifra bem expressiva de cerca de 50 milhões de contos, cabendo às províncias ultramarinas 14 milhões, dos quais 5 400 000 contos à de Moçambique. E para este expressivo investimento ultramarino contribuiu a metrópole com 3 milhões de contos, pois os recursos locais satisfazem apenas 23 por cento do montante dos investimentos planificados. As despesas com a soberania ultramarina, que tanta impressão fazem aos mais encarniçados detractores do Regime, têm sido sempre colmatadas à custa dos excessos das receitas do Estado.
Ora em países em formação, com o rótulo hoje tanto em voga de subdesenvolvidos, como são todos os territórios africanos, hão-de ser sempre escassas as verbas investidas em empreendimentos de fomento. Esventrar os vastos recursos potenciais do seu solo e subsolo, concretizar as suas gigantescas potencialidades energéticas, rasgar a vastidão do seu território com amplas vias de comunicação, dotá-lo com portos e aeroportos capazes

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de servirem todo o tráfego nacional e internacional, exigiria somas astronómicas que nenhuma nação europeia estará, creio eu, em condições de atender.
Por isso se estruturou este Plano Intercalar de Fomento em sectores prioritários, que permitam atender, primeiramente, aos pontos mais necessitados e de reprodutividade imediata mais assegurada. E das nove rubricas em que se desdobra este Plano cabe a verba de maior vulto, como não podia deixar de ser, ao sector «Comunicações e transportes».
O Plano prevê, por isso, amplos projectos da rede de transportes e comunicações da província, fazendo votos, até, para que, num futuro mais ou menos breve, se transforme em risonha realidade a ligação do fértil vale de Maputo a Quionga e a Vila Gamito. Mas nunca se deve esquecer que estes empreendimentos ferroviários ou rodoviários deverão dar sempre a prioridade às regiões de maior rendimento económico da província.
A sua vasta riqueza potencial exige, na verdade, um bem mais amplo desenvolvimento destas duas redes. E o seu relativo atraso, em relação à vastidão do território, pode bem considerar-se uma das causas da fraca rentabilidade de certas regiões da província, que, melhor servidas, poderiam ser altamente produtivas. É uma verdade elementar a de que não há colonização sem vias de comunicação. Além de que a estrutura económica e social da província manifesta ainda nítido predomínio do sector primário. E o seu grau de industrialização é ainda relativamente fraco para o que já deveria ser.
As unidades industriais de maior incidência no panorama económico da província são a refinação de açúcar e de petróleos, os cimentos, o chá, os tabacos, as cervejas, a moagem, o descaroçamento do algodão e os óleos vegetais.
E o maior centro industrial da província é hoje a progressiva vila da Matola-Rio, a escassos quilómetros da capital da província. Ali se encontra a importante refinaria de petróleos, uma fábrica de cimentos e outra de moagens, as três unidades industriais de maior vulto de toda a província e que pesam já. de forma bem sensível, na sua economia.
A Beira e Nacala são já também dois apreciáveis centros industriais. Contudo, são ainda as actividades do sector primário as que pesam, de forma mais sensível, no panorama económico da província. Lê-se neste projecto de Plano Intercalar que 9 a 90 por cento da sua população activa vive ainda, total ou parcialmente, da agricultura, e que no montante das exportações figuram sete produtos do sector primário, perfazendo a expressiva cifra de 80 por cento do total das exportações.
Ouvi já nesta Casa, por várias vezes, os queixumes da agricultura metropolitana pela voz autorizada do grande lavrador ribatejano Eng.º Amaral Neto, que, sendo engenheiro de pontes e calçadas, bem podemos chamar-lhe também engenheiro agrónomo honoris causa. E o Sr. Ministro da Presidência, no seu notável discurso de apresentação deste Plano ao País, reconheceu, igualmente, esta situação pouco fagueira das actividades do sector primário, fazendo votos ardentes para que elas se possam em breve aproximar das do sector secundário.
Creio que o panorama agrícola de Moçambique, não sendo de franca prosperidade, não reveste, contudo, este carácter alarmante do metropolitano, apesar de não desconhecer a posição desanimadora dos agricultores do tabaco, sem colocação rentável para o produto do seu labor aturado e dispendioso, e a dos plantadores de chá daquela região paradisíaca, única no panorama turístico de Moçambique, que é o Guruè prestes a serem devorados, pelo menos alguns, por ventre insaciável do primeiro agiota que lhes surja pela frente. E, a agravar todos estes empreendimentos de tantos heróis anónimos, surge, ainda, o peso desolador de morosidades e entraves burocráticos incompreensíveis, que esmorecem iniciativas de real utilidade para a economia da província. Que precisam, pois, tantos destes fomentadores anónimos da riqueza potencial da província? Precisam de maior compreensão dos Poderes Públicos, de crédito acessível para os seus empreendimentos de rentabilidade certa e de exportação assegurada.
Lê-se, igualmente, neste projecto de Plano Intercalar, que o sistema de crédito não está adequado às reais necessidades de desenvolvimento económico da província. E é esta uma pura verdade.
O espírito empresarial é ainda sobremaneira incipiente, vivendo quase só de migalhas das pequenas economias, insuficientes para empreendimentos de grande vulto industrial ou agro-pecuário. E os investimentos do sector privado têm sido quase todos canalizados para a criação de riqueza imobiliária.
Já tive ocasião de afirmar, em intervenção da segunda sessão legislativa desta VIII Legislatura, que é urgente reforçar as fontes de crédito em Moçambique. A província de Moçambique, com o surto económico que está em perspectiva, precisa, na verdade, de certo afluxo de capitais acessíveis que lhe permitam valorizai-as suas vastas riquezas potenciais.
Ora, de entre os sete produtos do sector primário que mais pesam na balança económica de Moçambique, ocupa lugar cimeiro, logo a seguir ao algodão, o açúcar. Também já tive oportunidade de demonstrar à Câmara, na sessão legislativa anterior, o alto grau de rentabilidade deste produto, hoje tão procurado, para a economia da Nação. Por isso, pretendo hoje sugerir apenas uma ligeira rectificação ao Plano em discussão, na parte em que prevê a criação de uma série de estações experimentais (as tais estações-piloto tão judiciosamente defendidas para a agricultura metropolitana pelo Sr. Deputado Amaral Neto), destinadas a servirem de apoio a esquemas de desenvolvimento agrícola considerados no Plano, justificando as razões ponderosas da minha sugestão.
É inegável que o povoamento da província tem de assentar, como numa base de indiscutível solidez, na ocupação agrícola da terra, com a fixação em actividade de rentabilidade proporcionada quer dos autóctones, a elevar do seu nomadismo e da economia de subsistência, quer dos portugueses de origem europeia, que é urgente radicar no vasto território moçambicano.
Já por duas vezes referi também nesta Câmara a urgência de drenar os excessos demográficos metropolitanos para preencher estes imensos espaços vazios, em vez de permitirmos que emigrem para as repúblicas sul-americanas ou para alguns países da Europa central. Mas este inadiável surto agrícola da província não poderá processar-se, em base de relativa segurança, sem o recurso à técnica, poderosa alavanca do progresso que, num mundo de economia caracteristicamente competitiva, é o único factor que pode assegurar e elevar a rentabilidade das culturas e, consequentemente, do seu valor económico.
E, neste caso vertente da produção açucareira, poderei apoiar estas despretensiosas considerações no exemplo bem elucidativo do muito que, com pleno resultado, se tem conseguido desta cultura industrial na vizinha África do Sul.
No Natal, a sua província açucareira, com produção superior a 1 milhão de toneladas - cinco vezes mais a produção de Moçambique -, existem três estações experimentais: uma para a cultura da cana sacarina, outra para a

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sua industrialização e ainda uma terceira para estudos de mecanização agrícola - esta de flagrante oportunidade. E os seus resultados técnicos podem considerar-se sensacionais, se encarados através dos índices que os traduzem.
Na verdade, a produção de cana por hectare mais do que duplicou no meio século de existência destas estações experimentais, e o seu rendimento fabril, expresso pela relação entre a sacarose entrada na fábrica e o açúcar saído da fábrica, anda à volta de 84 por cento, umas quatro unidades acima da nossa província. Não é, pois, de surpreender que a indústria açucareira sul-africana - como, aliás, a agricultura que lhe fornece a matéria-prima - viva próspera, vendendo o açúcar refinado ao público por metade do valor que nós, na metrópole, pagamos a uma indústria sempre em apuros financeiros, que têm provocado constantes e repetidos aumentos do preço de venda.
Parece-me assim justificada a minha inteira adesão às teses do projecto de Plano Intercalar e não regateio o meu entusiástico aplauso aos seus autores.
Contudo, se nada se me oferece apontar contra outras localizações propostas, ficaria de mal com & minha consciência se não manifestasse aqui a minha inteira discordância com a indicada para a estação experimental da cultura da cana sacarina na Manhiça, em pleno vale do Incomati.
A cultura açucareira em Moçambique, em perfeita coerência, com as condições climáticas, concentra-se entre os rios Buzi e Zambeze, numa área caracterizadamente tropical, situada entre os paralelos 18º e 20º.
Aí, num raio de 100 km, encontram-se, presentemente, três fábricas em plena laboração: Buzi, Marromeu e Luabo, com uma produção autorizada de 215 0001 anuais, (3 que produziram, em 1962, 156 000 t. Servem-nas mais de 25 000 ha de terreno em cultura sacarina. Além de que se projecta, ainda, nesta área, mais uma unidade fabril para 60 000 t anuais de açúcar. E são incalculáveis as áreas de expansão nesta zona de rara fertilidade açu: careira. Até interesses estrangeiros, ambicionando carrear capitais para Moçambique, planeiam estabelecer, entre a actual fábrica de Luabo e Quelimane, mais uma importante unidade açucareira, com a capacidade de 500 000 t anuais - mais do dobro da autuai produção de Moçambique.
E a 1000 km, para sul desta grande zona açucareira da província, situa-se a Manhiça, no vale do Incomati, onde se projecta estabelecer uma nova unidade açucareira de dimensões pouco ambiciosas - 26 000 t -. pois as terras aproveitáveis são já poucas. E a uns 40 km está em plena laboração a fábrica da S. A. Incomati, que em 1962 produziu 30 000 t.
O que equivale a dizer que a área do Incomati constitui uma zona excêntrica, afastada do seu núcleo principal,, u produzindo apenas um sexto do açúcar de Moçambique. Sendo assim, é nesta zona tão excêntrica que se propõe a localização da estação experimental da cultura da cana sacarina? Parece-me, pois, em face desta argumentação insofismável, que esta estação experimental se deve fixar, de preferência, no local mais conveniente, a escolher dentro da grande zona açucareira da província, entre o Buzi e o Zambeze. Assim é que a escolha se me afigura inteiramente acertada.
Sr. Presidente: Besta-me, ainda, para terminar este modesto e despretensioso apontamento ao projecto de Plano Intercalar em debate, acrescentar umas breves considerações sobre a parte concernente ao ensino. E começarei por anotar que é bastante escassa a verba de 220 000 contos que lhe foi atribuída. Não basta, para valorizar um país, concretizar as suas riquezas potenciais de solo e subsolo.
De nada valerá todo esse esforço ingente, se não for acompanhado da indispensável valorização espiritual, moral e mental do Homem. Ele é, na verdade, em parte, uma criatura económica, animal; mas é também, e sobretudo, «uma criatura espiritual, com necessidades e desejos espirituais». Mais: «essas necessidades e desejos reflectem a faceta superior da natureza humana, tomando, por isso, precedência sobre as necessidades económicas». E a primeira obrigação de um pensador político é compreender o Homem.
Por isso eu direi que precisamos, com a maior urgências de criar ao ensino, em Moçambique, condições materiais que lhe permitam cumprir, com relativo desafogo e um mínimo de comodidades, a sua nobre missão de lusitanidade naqueles territórios portugueses das margens do Índico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O professor e o missionário deverão ser, na grave conjuntura ultramarina da hora presente, as duas mais poderosas alavancas de difusão de portuguesismo em África. Na verdade, o missionário continua a ser o maior de todos os colonos, pelo total desinteresse material da sua missão divina, pela perfeita integração na maneira de ser e de viver das terras e das gentes que evangeliza, pelo alto padrão da sua cultura científica e técnica e, até, pelo seu indiscutível patriotismo.
Por isso, o professor e o missionário poderão ser os grandes agentes da tão decantada acção psicossocial, se lhes derem condições materiais de trabalho eficaz e proveitoso. Há lá nada que valha a «promoção social» - como agora se diz tão pomposamente - feita no silêncio e na modéstia dos nossos estabelecimentos de ensino, primários e secundários, por professores de rara abnegação docente, que, apesar de muito mal pagos, fizeram da sua nobre profissão um verdadeiro sacerdócio?
Pois não é verdade que são os nossos estabelecimentos de ensino, de norte a sul da província, verdadeiros laboratórios pedagógicos, onde se deparam tipos humanos dos mais variados cambiantes psicológicos e morais e das mais desencontradas tonalidades afectivas, étnicas e sociais? Já alguma vez os censores empertigados do trabalho escolar em terras de África teriam pensado, escassos minutos embora, no que representa de argúcia psicológica, de flexibilidade espiritual e de abnegação profissional, a tarefa ímpar de um professor em terras de África, com turmas por vezes de 50 alunos, das mais variadas etnias, a maior parte dos quais são falam a língua pátria no ambiente escolar?
Por isso lhes poderemos chamar, com inteira propriedade, os verdadeiros obreiros da portugalidade em terras do ultramar, pois são eles quem primeiro modela a plasticidade espiritual, moral e mental daquela mocidade enflorada de anseios e aspirações indefinidas, transformando-a, no silêncio da sua escola, em portugueses de alma e coração.
Precisamos, pois, com a maior urgência, de olhar a sério para a situação angustiosa em que se trabalha em certos estabelecimentos de ensino da província, à cabeça dos quais é de inteira justiça colocar a Escola Comercial dê Lourenço Marques, cuja frequência, no ano lectivo em curso, é três vezes superior à capacidade das suas instalações. Aqui, sim, pode bem dizer-se que o apostolado do seu corpo docente tem conseguido realizar um perfeito «milagre pedagógico».

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Sr. Presidente: Quando trato, neste lugar, de problemas de Moçambique, faço-o sempre com o espírito aberto, despido de preconceitos que perturbem a minha serenidade judicativa perante os homens e as coisas, atendendo sempre apenas ao real progresso e bem-estar das suas populações laboriosas, que, ao longo dos anos, foram erguendo, do Rovuma à Ponta do Ouro, um padrão imorredouro de portuguesismo são, que há-de resistir, incólume, a todos os furiosos vendavais desencadeados contra a nossa permanência em África, pelos tais «ventos da história».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Alves: - Sr. Presidente: O Plano Intercalar de Fomento para o triénio de 1965-1967, no total das suas previsões, representa um esforço considerável, com especial relevo para as províncias ultramarinas, onde o investir, nos esquemas de povoamento, toma o carácter de persistir. Junto pois o meu aplauso à aprovação geral do instrumento que vai servir de elo de ligação entre o II Plano, prestes a terminar, e o terceiro que há-de projectar-se no futuro.
A minha intervenção no debate, como Deputado por Angola e habitante da sua parte norte, não visa outro fim senão o de pôr em foco a situação de penúria em que se encontra o Congo Português e chamar para ela a atenção do Governo.
Por motivos de origem, remota e agravamento das condições de vida, proveniente dos acontecimentos de 1961 a esta parte, aquela parcela norte de Angola emerge das vicissitudes, vazia de gente e de actividades, a clamar por um povoamento que realize a ocupação da terra e garanta, com a sua presença, a segurança efectiva contra as investidas do exterior.
Ora o projecto de Plano Intercalar de Fomento em apreço, no que respeita à província de Angola, adopta três grandes zonas de influência como pólos de desenvolvimento, tendo por fulcro os portos-testas dos caminhos de ferro de penetração: o porto de Luanda, na zona norte, o de Lobito, na zona centro, e o de Moçâmedes, na zona sul.
Com efeito, nestas linhas de penetração observa-se um desenvolvimento económico progressivo, com base no transporte periódico certo, regular e seguro, de tarifas realmente económicas. Ao longo delas criam-se e firmam-se actividades produtivas, com possibilidades asseguradas de alargamento, o que confirma a tese da excelência do caminho de ferro, como meio ideal de fixar vida em terras de pouca densidade populacional, como são em geral as terras de Angola.
A zona norte, segundo a letra do Plano Intercalar de Fomento, é constituída pelos distritos de Zaire, Uíge. Luanda, Cuanza Norte, Malanje e Cuanza Sul. Destes distritos, os mais atrasados, sem dúvida, sob o ponto de vista de ocupação da terra, são os de Zaire e Uíge, ou seja o território inteiro do antigo distrito do Congo.
Trata-se de um território rico de florestas e de potencialidades imensas, nos domínios de minérios e caudais de energia, mas que. por motivos diversos, entre os quais o clima, durante muito tempo considerado mau, se enquistou no estado de atraso em que se encontra.
Outra causa, e esta artificial, que originou sorte vária aos elementos primários de povoamento e por fim a fuga das actividades representativas dos núcleos de interesse para a ocupação da terra, é a existência da bacia convencional do Zaire, de que já me ocupei nesta Assembleia e julgo não ser oportuno repetir aqui.
Direi apenas que, na base do atraso económico do Congo Português estão as dificuldades surgidas com a aplicação da letra da convenção que instituiu a bacia do Zaire. Tão perniciosa tem ela sido, e continua a ser, que as leis de integração do espaço económico português encontram um obstáculo intransponível: não se aplicam lá. E temos assim um pedaço de terra portuguesa excluído do plano dos altos interesses nacionais, por força de discutíveis interesses internacionais.
Por isso o Congo Português, com os seus 103 000 km2, maior em superfície que Portugal continental, chegou aos dias de hoje pobre e desabitado, quase sem gente, apesar das suas riquezas naturais. O perigo que isto representa é fácil de apreender quando se avaliam os números da sua população actual: 850 000 aborígenes e 15000 não aborígenes.
Em comparação com os 9 milhões, número redondo, da metrópole, pode dizer-se que nos encontramos diante de uma terra deserta. A necessidade de povoar ressalta, evidente, do fundo destas considerações.
Como promover, porém, um povoamento, na medida precisa, onde ao par dos males apontados se junta a inexistência das necessárias infra-estruturas?
Vencido o óbice da bacia convencional do Zaire, impõe-se, contudo, povoar, repito, para persistir.
O projecto de Plano Intercalar de Fomento não consigna uma verba específica, suficientemente grande para o efeito, o que cria a dúvida quanto à solução deste problema, verdadeiramente nacional.
Das verbas descritas no quadro VII só se poderá esperar um subsídio muito modesto, se tivermos em conta o estado de atraso da agricultura e fraca densidade populacional. As dotações previstas são:

Contos
Agricultura, silvicultura e pecuária 630 000
Indústria ............... 2 068 000
Transportes e comunicações ....... 1 930 000

A dotação para agricultura, silvicultura e pecuária, como se vê no enunciado, destina-se a esquemas de regadio e povoamento, e especialmente para a extensão da assistência técnica ao agricultor, distribuição de sementes seleccionadas, aplicação de adubos, etc., tendo em vista o aumento de níveis de produção.
No que respeita à indústria o projecto de Plano prevê:

Contos
Para indústrias extractivas ....... 150 000
Para ampliação, renovação e criação de novas indústrias ........... 1 418 000
Para participação no capital accionista de sociedades de
financiamento e desenvolvimento ............... 500 000

Devo dizer aqui que o povoamento em curso na província de Angola, pelos meios orçamentais da Junta do Povoamento, é naturalmente de fraca expressão, moroso e caro.
No Congo Português, onde se põe o problema de segurança, o exemplo da agricultura do café, a única que se mantém em escala apreciável, mostra bem como só a média e grande empresa têm capacidade de auto-suficiência, no que respeita aos meios de defesa. A pequena agricultura, ou é defendida pelo corpo de voluntários ou é abandonada, nas áreas consideradas perigosas.
Isto leva a concluir que, se é assim para o café, o mesmo terá de ser para outras explorações agrícolas

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ligadas à indústria transformadora. E só então poderemos vencer o ponto morto da situação actual e garantir a fixação dos preciosos elementos que hão-de constituir a base do povoamento desejado. Como informação de pormenor, devo dizer que há no território regiões privilegiadas para a produção de determinados géneros, que garantem por certo o êxito de tais empresas.
A mandioca do Puri, de fácil cultura e abundante produção, justifica a indústria de fubá e farinha para o consumo interno e crueira e amido para exportação.
A jinguba de S. Salvador, Maquela do Zombo, Pombo e Sosso, cuja cultura pode ser mecanizada e elevada a um grau de produção incalculável, garante matéria-prima farta para a indústria de óleos comestíveis, margarinas, etc... e pastas ricas para- alimentação de gado.
A castanha de caju, da região compreendida entre o Zaire e Ambrizete, onde existem imensas matas inexploradas de cajueiros, poderia dar vida à indústria de produto acabado para o consumo interno e exportação ligada à fixação do pó voadores à terra.
O algodão do Ambrizete. cuja cultura em grande escala aguarda a conclusão de uma vala de irrigação, é um investimento a considerar, com vista ao povoamento das margens do rio Embrige.
As possibilidades para a indústria de conserva, desidratação e anlatamento de frutas são inestimáveis na região compreendida entre o Engage. Uíge, e Songo, onde os ananases, as bananas e os abacaxis se deterioram, inaproveitados, por falta de um mercado próximo de consumo.
No Quindege, a rocha granítica, em possança incomensurável, de cores e tonalidades lindíssimas, oferece matéria-prima. por assim dizer inesgotável, para a indústria de serração e polimento de placas, em qualquer escala.
O estado de perigo em que se encontra este território, tão rico de possibilidades, creio que justifica um esforço decidido, encaminhado para a ocupação efectiva da terra, meio natural e simples de o salvar da desgraça que sobre ele pesa.
Quanto às infra-estruturas. no capítulo «Transportes e comunicações», com a verba total de 1 930 000 contos, o caminho de ferro do Congo figura com a parcela de 1500 contos, destinada à revisão de plataformas, de Luanda a Liune, e ao prosseguimento dos estudos em curso.
Inicialmente este caminho de ferro, com o porto-testa em Luanda, tinha sido projectado para ligar com o Congo ex-belga. Pelo motivo da independência daquela colónia e acontecimentos ulteriores, o projecto foi posto de parte, mas não se definiu ainda qual o seu novo destino.
Em 1960 foram suspensos os trabalhos de terraplenagens. já bastante adiantados, com a extensão de 60 km. O termo da 1.ª fase. Nova Caipemba, segundo o projecto inicial, foi cancelado e passou a considerar-se a cidade de Carmona como o fim a atingir da nova 1.ª fase.
Gastaram-se já neste caminho de ferro muitos milhares de. contos, cujo montante não deverá andar longe dos 400 000, com as terraplenagens executadas e material circulante adquirido, ora aplicado na linha Luanda-Malanje.
Devo frisar que em todo o território do Gongo Português há só uma estrada asfaltada, a do Engage-Carmona-Luanda, e esta mesma vedada ao trânsito, por motivo de segurança. Para- se. fazer uma ideia do que isto significa, imagine-se u superfície de Portugal continental com uma única estrada viável a ligar Lisboa ao Porto, e calcule-se a espécie, de vida que daí resulta.
Contudo, o projecto de Plano Intercalar de Fomento consigna a verba simbólica de 1500 contos para o prosseguimento dos estudos em curso.
Sabe-se que há no Congo Português terras ricas de florestas e solos aptos para variadas culturas, entre elas o arroz de sequeiro de Sanza Pombo, cuja exportação chegou a atingir 6000 t, salvo erro.
As minas de cobre do Mavoio. uma amostra porventura pequeníssima do muito que há a prospectar, concluídos os estudos geológicos iniciados pela empresa concessionária, para o conhecimento da possança e consequente exploração em grande escala, garantiria por certo a carga remuneradora do referido caminho de ferro.
Não me alongarei mais nesta exposição de queixumes, espécie de edição actualizada do muro das lamentações. Com as considerações acabadas de fazer, pretendo afirmar:

Que a bacia convencional do Zaire, nas consequências que dela derivam, entrava a vida comercial do Congo Português e está funcionando como um óbice à sua integração no espaço económico português:
Que a grandeza do território, rarefacção de habitantes e ausência de actividades produtivas constituem um perigo que precisa de ser debelado; Que o caminho de ferro do Congo é um factor ideal de povoamento e de garantia à exploração mineira, pelo que se impõe a continuação das obras da sua construção;

e concluir que na definição dos pólos de desenvolvimento de Angola, o Congo Português não deverá continuar a ser considerado como uma simples região agregada à zona norte, mas sim como um território fadado para acontecimentos de valor histórico, com características próprias, bem acentuadas, que fazem dele uma zona natural, de grande importância política, cuja instituição importa promulgar, a bem dos sagrados interesses nacionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Plano Intercalar para o triénio de 1965-1967. que hoje discutimos, revela na generalidade, a par do conhecimento das nassas mais instantes necessidades, uma tal consciência do seu valor como elo que há-de ligar e ajustar os precedentes ao que vai seguir-se- que seria injusta falta de colaboração não lhe dar modesta achega, tecendo algumas considerações que a sua leitura me sugeriu.
De realçar é também e esforço a que «e abalança sem quebra da posição de alerta e mesmo defesa a que nos forçaram os inimigos da paz no Mundo.
Por isso, como português, ao mesmo tempo que dou inteira adesão ao princípio que é fim também da indivisibilidade da Pátria, formulo os melhores votos de êxito e cumprimento todos aqueles que de alguma maneira nele intervieram.
Como algarvio, tenho a consciência de que muito beneficiaremos no tocante propriamente ao turismo, mercê do qual. em boa verdade, aproveitará fundamentalmente a Nação, e não apenas o Algarve, como de ânimo levo se poderá supor.
Ficaram-me, porém, muitas dúvidas quanto a uma sensível arborização da nossa serra, ou seja cerca de 850 000 à para os quais até agora se não descortinou melhor capa-

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cidade e que vão continuar sujeitos à erosão. A este respeito me referi largamente na intervenção do ano passado sobre agricultura e não valerá a pena repetir o que é de todos, dirigentes e dirigidos, sobremaneira conhecido. Valerá, porém, sempre a pena reafirmar, para não esquecer e porque a causa não é pequena, que no plano provincial a arborização é o nosso segundo grande problema!

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Não fiquei melhor impressionado pelo que entendi sobre projectos de tratamento dos nossos portos, que bem mereciam, a todos os títulos, atenções e cuidados mais rápidos e eficientes, como, por exemplo, a dragagem urgente da barra do Guadiana, da qual se ouve falar há tanto tempo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também não encontrei qualquer indicação que me levasse a admitir que nestes próximos três anos venhamos a beneficiar de um abaixamento geral de tarifas na energia eléctrica, condição sine qua non para o nosso franco progresso e aumento de bem-estar. A este propósito me referi detalhadamente quando, em Fevereiro de 1962, intervim sobre o assunto; porém, não é de mais recordar que o preço da energia eléctrica constitui o nosso terceiro grande problema.
Peço licença para me deter um pouco mais numa matéria com particular incidência em todas as províncias, onde há muita incompreensão e injustiça, razão bastante para solicitar com todo o respeito um olhar atento do Governo, tanto mais que estou convencido de que a orientação até aqui seguida não é aquela que .nos conduzirá aos melhores sucessos!
Ao insistir na problemática da saúde e assistência faço-o devidamente esclarecido quanto ao terreno que trilho, mal alqueivado ainda e cheio de ervas daninhas, cuja monda tem sido e há-de ser eriçada de dificuldades e malquerenças, merecendo por isso mesmo as nossas renovadas preocupações.
Faço-o ainda por imperativo de uma obrigação moral, pois, alguma coisa conhecedor do que se passa neste conturbado sector da vida nacional, não me perdoariam nem a função que nesta Casa exerço com verdade e amor ao meu país, nem a condição de médico que constitui o escopo da minha mantença e dos meus se a ela me não referisse com o propósito de ajudar a esclarecer situações anacrónicas e injustiças que não devem manter-se se realmente houver sentido de servir os superiores interesses da Nação e a boa vontade tantas vezes proclamada não é apenas figura de retórica para entreter ou adiar soluções que no fundo se não pretendem.
Se no domínio da política pura se pode admitir a orientação de qualquer estudioso qualificado, desde que tenha inteligência, bom senso e cultura, não há dúvida de que quando entramos no domínio específico da técnica ou nas suas próximas implicações é aos técnicos fundamentalmente, como é lógico, que teremos de exigir responsabilidades, devendo dar-se-lhes, consequentemente, as posições indispensáveis para satisfação dessas exigências.
Pois nós, os médicos, somos frequentemente arredados daquelas posições que no pendor deste raciocínio e. até no consenso geral seriam de esperar ou melhor, de estimar. E assim, mesmo no âmbito dos assuntos para os quais seria justo esperar ocupação para médicos, somos preteridos por outros- sem a mais leve recomendação para tal que não seja não ser médico!
Só lamento que não queiram também fazer receitas e ver doentes de madrugada, à hora das refeições ou ainda quando se encontram em convívio ameno com os amigos. Neste capítulo, porém, não há que recear, estamos livres de concorrência!
A volta da medicina, digamos, gravita um mundo de indivíduos não médicos das mais diferentes formações, dirigindo, sobrepondo-se ou mal compreendendo aqueles que logicamente deveriam ter não só larga audiência, mas até primazia na orientação dos assuntos inerentes à saúde e à própria medicina.
Esta quase se não vê no seio de uma grande nebulosa que a todos convirá menos à Nação e à medicina, quer como ciência, quer como profissão, mas que, por razões pouco esclarecidas, se vai mantendo assim apesar de todos os lados surgirem apelos e críticas demonstrando que a coisa está mal.
Sem o amor dos próprios profissionais, sem a noção pormenorizada do encadeamento médico-doente e dos seus múltiplos aspectos, sem conhecimento exacto das canseiras exigidas a médicos e enfermeiros e sem convivência diária com doentes, não admira que muita gente tenha noções insuficientes e erradas nesta matéria. DP admirar é que não se queira esclarecer devidamente sobre, as nossas razões, que são em tudo coincidentes com o interesse geral, e não ganância VII por nós próprios verberada!
São estes, de entre outros, alguns dos motivos por que se não esboçou já uniformidade de acção, posto que a não pode haver em indivíduos das mais díspares formações, embora inteligentes e superiormente dotados.
Mas, pior do que isso, assiste-se com frequência a uma superiorização relativamente aos médicos de pessoas de poucas letras e às vezes de não maiores vistas em organismos nos quais o pobre médico se encontra inteiramente à mercê dos seus critérios e com os quais, por motivos óbvios, não valerá a pena estabelecer diálogo. Refiro-me de uma maneira particular às Casas do Povo, associações de socorros, etc., que por motivos de todos conhecidos e salvo honrosíssimas excepções, acabam por cair nas mãos dos escriturários, que só raramente terão nível aceitável.
Se é necessário ou forçoso manter um sistema com os inconvenientes apontados por razões que não queremos discutir neste momento, já deveriam ter sido dispensados de poder fazer exigências e impor condições aos médicos, por decoro e princípio de hierarquia intelectual admitida e desejada eticamente nas sociedades bem constituídas. Não lembrará certamente a ninguém colocar um sargento na posição de poder impor-se a um major!
Consequentemente, os médicos deveriam depender directamente de superiores médicos também.
Acontece isto aos médicos que através de todas as manifestações de cultura, dentro e fora da especialidade, têm atingido os mais altos valores e trazido para- a Nação as mais altas distinções, a nós que admitimos e desejamos uma hierarquização dentro da própria classe e que, reconhecendo um fenómeno universal o domínio do social sobre o individual, entregamos ao Governo uma tese que. no dizer de um ex-Ministro, não conhecia colaboração de outra qualquer profissão àquele nível. Como se tudo isto não bastasse, ouvem-se por vezes (já os tenho ouvido) comentários deste jaez: «Então se acham que não estão bem porque aceitam essas situações! Se não quiserem aceitá-las, há sempre outros que queiram!»
A estas afirmações ou semelhantes de evidente timbre esclavagístico em regra não respondo, reservando-lhes na altura oportuna, um «Perdoai-lhes. Senhor!» para atenuar a blasfémia, mas fico-me a pensar se já terão alguma

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vez, a um rebate de consciência, posto o problema da mesma forma em relação a si próprios e às suas próprias ocupações!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nesta Casa, porém, onde se doutrina política e moralmente o País, faço gosto em afirmar que tal raciocínio constitui um insulto à luz dos mais elementares princípios da moral cristã que tanto se apregoa e dos quais se faz frequente alarde nos discursos, que está mal porque, constituindo exploração do trabalho intelectual, é sem dúvida razão de insegurança e motivo pouco aliciante para futuros aspirantes à medicina, dos quais, é já evidente, tanto precisamos. Basta dizer para provar a minha asserção que no ano lectivo de 1952-1953 estavam inscritos nas Faculdades de Medicina 1250 alunos e em 1962-1963, dez anos depois, apenas 1100! Se, compararmos esta baixa apreciável com o aumento verificado em todas as outras Faculdades, excluindo a de Farmácia, o fenómeno ainda se torna mais impressionante.
Se tivermos presente que, na Europa, Portugal é o país de menor percentagem de médicos, que a população aumenta à volta de 800 000 pessoas de dez em dez anos, que a procura do produto médico é cada vez maior e que não podemos esquecer-nos de que temos províncias ultramarinas que também precisam de médicos, teremos dado uma ideia da gravidade do problema. Tudo isto, não tenhamos dúvida, por falta de estímulo!
A acumulação de erros, a imposição de critérios demasiadamente pessoais onde deveria apenas presidir o interesse geral, a falta de um programa de conjunto e as más condições técnicas de alguns hospitais, postos e postozinhos, serviços e serviçozinhos, o aviltamento material e que somos votados, a falta de estímulo profissional e a inacreditável possibilidade oferecida a qualquer de mandar em médicos conduziram ao afastamento dos jovens pela profissão médica!
Esta não tem hoje, salvo raras excepções, qualquer atractivo além de um consolo meramente espiritual!
E, na verdade, quem desejará ser médico, sabendo que nos hospitais se não paga condignamente e até na maioria das vezes se não paga mesmo nada aos médicos pelo seu exaustivo trabalho e que na medicina conduzida, chamemos-lhe assim, se desce a pagar menos de $20 per capita (!) e que por este preço ternos de ser médicos e criados atentos, veneradores e obrigados?!
Em presença de perspectivas tão aliciantes, quem realmente, sem ser rico, poderá aventurar-se a esta vida?
Em 1962 o relatório do Conselho Regional do Porto afirmava que em 19 concelhos havia menos de 5 médicos, em 6 Concelhos, 3. em 5,2, e em 3. apenas 1. No mesmo relatório afirma-se que em 1957 havia no distrito do Porto 3912 médicos e que em 1962 o número era de 1516, isto é, menos 396! Em 3954 na metrópole e ilhas havia um médico para. 1400 habitantes, o que nos colocava na cauda das nações europeias. O mais grave, porém, é a sua distribuição, descendo a relação em muitos distritos a 1 para 3000. A situação de então para cá tem-se agravado e se entrarmos em linha de conta com o ultramar a penúria é ainda mais acentuada! Num relatório do Conselho Regional do Lisboa afirma-se que um pouco mais de 50 por cento dos médicos inscritos na Secção Regional de Lisboa reside na capital!
No campo das especialidades então aí II coisa é alarmante. Em 1960 diz o relatório sobre as carreiras médicas. quase todas as cidades sem cardiologista, neurologista, psiquiatra, muitas sem analista, cirurgia geral, obstetra, oftalmologista, radiologista, etc. Ainda há dias um catedrático da Faculdade de Medicina do Porto dizia da falta de técnicos radiologistas do novo hospital escolar do Porto. A situação, presentemente, é a mesma ou pior, pois em 1963 não houve requerentes à especialidade de psiquiatria e apenas houve um exame de neurologia, quatro de cardiologia, dois de cirurgia geral e dois de ortopedia. Apenas três novos analistas, quatro urologistas e cinco radiologistas.
Em presença do fenómeno que venho relatando, o que vier a acontecer não é culpa, certamente, dos médicos que há anos vimos chamando a atenção para o nosso anabático problema, mas ao qual se não dá ouvidos!
Mas o problema é ou não nacional? Deve ou não ser encarado superiormente sem quaisquer partidarismos? Deve ou não subordinar-se ao interesse geral, que é, afinal, um dos nossos lemas, ou situar-se como até aqui sem articulação sensível puxando cada um a brasa à sua sardinha, como se a brasa não fosse a saúde e o bem-estar de cada um de nós e a sardinha não fosse também uma só - a Nação?
Persistir-se-á em exigir aos médicos os maiores esforços e os maiores sacrifícios em nome da caridade? Uma virtude que se nega a si própria não tendo em consideração o trabalho e o pão desses obreiros intelectuais, virtude que só vejo desejada, e apenas se teima em manter a propósito dos médicos e da saúde e assistência?
Mas qual caridade, aquela que apenas se exige a uma classe? E de que maneira colaboram as outras?
Servindo-se dela. criticando ou dirigindo!
A caridade é fundamentalmente uma excelência do espírito e só neste domínio deverá ser-nos exigida. Consequentemente, a caridade para médicos e enfermeiros residira nas relações com os outros homens, na maneira carinhosa de observar e tratar os doentes, no sacrifício que fizermos em prol dos outros sem olharmos a quem. Não se confunda, porém, caridade com escravização do homem médico pelos outros homens em nome de uma virtude que se contradiz no momento em que, falseando o próprio conceito de Caridade, explore indignamente o seu trabalho e a sua inteligência! Não podemos esquecer que o exercício da Medicina é uma enxada como tantas outras.
Que fique bem esclarecido que ao médico não será lícito exigir outra caridade que não seja a resultante das suas relações afectivas com os outros homens: o sacrifício das noites de vigília, o carinho e a dedicação permanente ao doente e ao estudo e fé na sua própria profissão. Termina aqui esse primor do espírito, que é sentimento, e não o pão dos próprios médicos!
Sempre que se afloram problemas ligados e, saúde e assistência é certo e sabido lá vem a caridade! A caridade é nosso desejo que frutifique não só para consolação espiritual e índice de humanização dos povos, mas ainda pela utilidade em que pode materializar-se; contudo, há-de ser tida como achega e não base de qualquer sistema de assistência. Desejamos a caridade, mas em meu entender não devemos contar necessariamente com ela!
A saúde e assistência, como qualquer grande problema nacional, só com planos de fomento se resolverá, e não com caridade, certamente, pois ainda não a invocada em qualquer dos outros sectores da administração. Por que então esperar nesta matéria tanto da caridade?
E o País, julgo, não essa assim tão cheio de milionários que possam fazer caridade que se veja, ou está?
Mas vamos lá admitir, como num bonito sonho, que alguns davam a ajuda suficiente para cobrirmos o País de magníficos edifícios eficientemente apetrechados. E o

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resto também se espera por caridade? O trabalho dos médiuns, enfermeiros e outros auxiliaras técnicos tem de ser por caridade? E a educação dos nossos filhos, a alimentação, o vestuário, numa. palavra, tudo a que a vida nos obriga ser-nos-á dado por caridade também? E alguém administra empresas por caridade? Que mentalidade é esta que teima em não se consciencializar de um problema vivo, real, cuja solução tem de ser rápida e digna, a não ser que, seguindo critério semelhante, sejam reduzidos todos os vencimentos, por caridade, ao nível dos percebidos pelos médicos nos serviços oficiais ou oficializados? Muito menos ainda pensar-se já em novos aumentos de vencimentos (quanto a mim muito justos e necessários) quando há quem trabalhe sem sequer se lhe pagar. Mas se houver quem queira justificar esta situação pelo pulso livre que só raros têm, diremos: e os engenheiros, arquitectos, advogados, etc., não têm também pulso livre?
E mesmo para alguns funcionários em regime total de ocupação também não há uma coisa a que se chama «senhas de presença» para ganharem mais uns patacos, mesmo faltando aos seus próprios serviços?!
O ano passado, ao abordar nesta Câmara o problema dos hospitais regionais, disse e provei que estavam muito aquém da sua função, não só por falta de meios materiais, mas: também por ausência de vínculos, além da proverbial benemerência dos médicos, àquilo que todos esperamos do sen próprio exercício. E o resultado era a afluência exagerada de doentes aos hospitais centrais. Não se trata de uma afirmação gratuita, ela pode ser infelizmente largamente comprovada e os próprios dirigentes não escondem, antes o têm afirmado publicamente. "Foquei então bastantes exemplos que demonstraram a falta de coordenação neste sector da vida nacional, hoje, porém, os exemplos são ainda mais concludentes, porque, provindos da periferia, dão ideia exacta das deficientes circunstâncias materiais e profissionais a que nesta matéria estão sujeitas as populações!
Quantos hospitais quase sem médicos ou sem os necessários? Quantos sem aparelhos de raios X? Quantos sem serviços de análises? Quantos sem serviços de sangue? Quantos sem maternidade?
Do inquérito a que procedi, e ao qual me responderam 161 Misericórdias (hospitais sub-regionais) e sempre com base neste número, cheguei às seguintes conclusões: com serviços de raios X, embora por vezes insuficientes, 88 (52 por cento): com radioscopia, 29 (17 por cento); com serviço de análises clínicas. 24 (14 por cento), e com serviço permanente de urgência, apenas 7 (4 por cento); não obstante servirem nalguns casos algumas dezenas de milhares de habitantes.
Quanto a serviços de sangue a coisa ainda é pior.
Referi o ano passado o que acontece às urgências cirúrgicas que, podendo ser resolvidas nos hospitais regionais, vão parar aos hospitais centrais. Hoje, para exemplificar o que se passa com o sangue, direi que num caso concreto uma doente, mulher de um indivíduo que ganha à volta de 800$, mensalmente, pagou por meio litro de sangue, cerca de 800$, além de ter levado três pessoas a quem foram extraídos 750 cm3 a título de compensação e ainda por cima pagou mais 100$ pela ocupação da cama durante a transfusão. Não faço o mais leve comentário!
E quantas Misericórdias verão reduzidos os seus já exíguos quadros clínicos no futuro se não vierem a ser pagos condignamente os seus serviços?!
Mas será uma exigência gananciosa o que os médicos pedem? Vejamos: baseado no mesmo número de Misericórdias apurei os seguintes honorários: em 73 os médicos internistas trabalham gratuitamente (42 por cento): em 6 os vencimentos variam de 16$ a 90$ por mês! Uma destas até refere que paga ao seu director clínico 44$, mensalmente; em 21 os ordenados mensais percebidos vão de 100$ a 300$, com predomínio dos de 100$; em 18 os vencimentos oscilam entre os 300$ e os 500$ mensais; em 19 entre 500$ e 800$; em 13 entre 800$ e 1000$; em 16 entre 1000$ e 1500$. Em 3 percebiam 2000$ e numa 3000$.
Outra ideia que anda por aí é a de que as Casas do Povo poderiam fazer de alguma maneira a cobertura periférica do País nesta matéria. Ideia totalmente errada, em primeiro lugar porque das não existem nem para amostra em cerca de 73 concelhos (31 por cento), ou seja num terço do País. e uma apenas por concelho em 59, e em segundo lugar porque, coitadas, apenas dispõem em regra de médico, e este é insuficiente por mais inteligente e sabedor que seja sem análises, radiografias, sem esterilizações, oxigénio, sem enfermeiros, etc.
Desta forma, e apesar de tudo, é às Misericórdias que estes beneficiários e os das caixas se acolhem tantas e tantas vezes desde que a doença requeira maiores cuidados e tratamentos, uma vez que a previdência os abandona precisamente nessa altura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Do inquérito a que directamente procedi, e ao qual me responderam 249 Casas do Povo, cheguei às seguintes conclusões: só 43 utilizam serviços de enfermeiro ou auxiliares diplomados (17 por cento); só uma respondeu afirmativamente quanto a serviço de raios X, mas não especificou o nível, deixando-me dúvidas se não seria apenas uma radioscopia, e outra concretizou declarando possuir um aparelho de radioscopia. Mas considerando as duas com serviços de raios X. a média é de 0,8 por cento; só duas afirmaram ter serviço materno-infantil (0,8 por cento): nenhuma tem serviço privativo de análises clínicas e, todavia, algumas servem vários milhares de pessoas.
Quanto a honorários médicos chega a ser achincalhante e só por si explicaria a ausência total de aspirantes à profissão médica se os estudantes soubessem o que os espera um dia na vida real.
Numa Casa do Povo paga-se menos de $20 per capita; em 5 cerca de $20; em 19 entre $30 e $40: em 41 entre $50 e $60; em 25 entre $70 e 80, e à volta de 1$ em 87. Mas a coisa toma proporções de pasmar quando se verifica que um desgraçado médico tem de atender populações que orçam pelas muitas centenas de indivíduos, mesmo milhares, por quantias irrisórias no tempo presente. Por exemplo: 500$ mensais para atender 2423 pessoas (a população de uma vila); 3500$ distribuídos por dois médicos para atenderem 6512 pessoas (uma cidade!); 600$ para 1750 pessoas; 650$ para 3276 pessoas; 3000$ para 8085 pessoas (outra cidade)!
Enfim outra contradança que lembra a das tarifas eléctricas!
E não se venha, com o subterfúgio de um sistema de pontuação, dizer que a remuneração melhoraria, posto que se não fosse aumentado substancialmente o contingente a distribuir, isto é a importância destinada aos médicos em função do número de pessoas a assistir, poderia realmente escolher-se o médico, mas a exploração continuaria da mesmo forma. Exemplificando: se uma Casa do Povo tiver dois médicos remunerados a 600$ cada um, com o tal sistema de pontuação poderia acontecer vir um a receber 800$ e o outro apenas 400$, porém, a exploração continuaria se o valor per capita não fosse realmente aumentado e, consequentemente, a verba global atribuída à assistência clínica.

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Depois disto temos o direito de admirar-nos que cada vez se matriculem menos alunos em Medicina?
É evidente que é injusto pagar-se por exemplo $60 per capita, mas chega a ser ridículo se ponderarmos, que para uma população de 3022 pessoas o médico perceba apenas 1700$. Ora como teoricamente o médico não deveria ocupar-se de mais de 4000 pessoas, pressupõe-se que desse trabalho teria de bastar-se a si e aos seus condignamente e, portanto, teria de viver com 2400$! E que dizem a isto aqueles que gastam ou ganham por dia à volta dessa importância ou um pouco menos?!
Mas mesmo 1$ per capita, que é, segundo creio, o que está preconizado, não é de modo algum um valor aceitável quanto mais a justa recompensa dos cuidados e canseiras e sobretudo a prisão inerentes à função de médico de uma Casa do Povo. havemos de convir!
Façamos as contas, atentemos na dignidade que se exige ao médico, ao custo de vida, e se alguém chegar a conclusão diferente que mo demonstre.
E as férias dos médicos das Casas do Povo e das delegações das caixas de previdência, que são pagas pelos próprios médicos, pois tem de deixar um substituto quando se ausentam sem direito a qualquer indemnização por isso? No entanto, no restante mundo do trabalho, todos os dias assistimos a contratos de trabalho aos quais não faltam e muito bem o requisito de férias pagas!
Enfim, como consolação, tenho ouvido alguns dirigentes, não sei se por gentileza, dizerem que nós médicos temos carradas de razão. Pois bem, apesar de termos razão, de sabermos onde está o mal, de já o termos proclamado numa atitude que ninguém com isenção poderá julgar de irreverente, de termos as tais carradas de razão, a verdade é que continuamos na mesma.
Mas como é que os médicos poderão abdicar da remuneração dos seus serviços nos hospitais e nos restantes organismos que prestam assistência se a vida está cada vez mais cara, se as contribuições aumentaram substancialmente, e se a clínica livre, salvo raríssimas excepções, pelo menos nas terras pequenas, quase desapareceu?
No meio de tudo isto não vejo que a solução se não possa encontrar desde que haja franca colaboração dos homens e organismos que interferem neste magno problema. A este respeito contava-nos, numa reunião de médicos, certo dirigente que uma entidade estrangeira, em presença da nossa dispersão e variedade de serviços de assistência, comentou que nós deveríamos ser muito ricos para nos darmos a este luxo.
Mas se assim não fosse lá iria perder-se o prazer e a figura que se bota quando a certa altura da visita ao organismo se diz assim: «e agora vamos ver os nossos serviços de assistência!»
De tudo o que deixamos atrás assinalado podemos tirar logicamente pelo menos seis conclusões:

1.ª Neste momento não chegariam os médicos existentes para uma eficiente cobertura do País europeu, quanto mais ultramarino;
2.ª Que têm diminuído os candidatos ao curso de Medicina enquanto a população aumenta e são mais requeridos os «eus serviços;
3.ª Que tudo isto resulta da falta de coordenação e estímulo profissional:
4.ª Que os serviços, de uma maneira geral, não são eficientes por falta de meios materiais e técnicos;
5.º Que, apesar de tudo, os médicos são tratados como se fossem elementos secundários e até dispensáveis, a quem se paga uma, gratificação, quando a verdade é que sem eles o sistema actual ou outro qualquer não poderá funcionar; 6.ª Que desta forma, e desde que haja disto conhecimento, os candidatos não aumentarão certamente.

Mas se depois destas e de tantas outras considerações se continuar a persistir neste sistema, se depois destas realidades deixarmos correr as coisas como estão, não ficará em perigo apenas uma profissão pela qual deveria haver mais consideração e maior respeito, o que não deixaria só por si de ser legítimo da mesma forma que é para outras, mas o próprio interesse gemi, que é, afinal, o da Nação! Como está, está mal, e não agrada a ninguém!
Faço daqui o mais respeitoso apelo aos altos dirigentes da Nação que de alguma maneira interferem nestes problemas de assistência para que eles se reorganizem de maneira a atingirem um elevado grau de eficiência para os que dela necessitem e dignidade para aqueles que nela exercem o seu labor.
Porque costumo assentar toda a minha crítica no firme desejo de prestar serviço útil ao meu país, vou enunciar uma solução que, quanto a mim, agradaria a médicos e doentes.
Os milhentos organismos existentes deixariam de ter médicos privativos e limitar-se-iam a pagar por consulta, tratamento ou outra qualquer intervenção aos médicos que as executassem de acordo com uma tabela previamente acordada com a Ordem dos Médicos. Para evitar abusos, uma parte, variável com o escalão do indivíduo, seria paga pelos próprios doentes e o restante ser-nos-ia entregue pelo organismo responsável a que o doente pertencesse. Haveria um escalão que teria direito a tudo gratuitamente, responsabilizando-se pelas despesas o respectivo organismo. Acima de determinado escalão tudo seria suportado pelo doente.
Entre estes dois extremo uma gama de contribuições, quer dos organismos, quer dos indivíduos, mas sempre proporcionais ao rendimento de cada um, asseguraria equilibradamente aos utentes os benefícios da previdência. Este sistema evitaria, além do mais, casos paradoxais como aqueles que passamos a descrever. Indivíduos há que por serem considerados pessoas abastadas não têm direito a assistência, por exemplo, nas Casas do Povo, mas que em virtude de serem empregados de escritório ou de organismos corporativos têm assistência pelas caixas respectivas, etc.
Todos os médicos poderia trabalhar nos hospitais percebendo por esses serviços um ordenado em função do maior ou menor tempo ali despendido e compatível com a dignidade do seu curso. Nos lugares da periferia onde se reconhecesse que deveria existir médico permanente, além do que percebesse pela clínica que fizesse, e que então seria livre realmente, teria direito a habitação e a um subsídio de residência, a estabelecer de acordo com a Ordem dos Médicos, que seria tanto maior quanto mais pobre fosse a região. Com este sistema ou análogo deixariam os médicos de andar a saltar de um emprego para outro miseravelmente pagos, manter-se-ia o pulso livre, e então, sim, haveria na realidade pulso livre, manter-se-ia a livre escolha do médico e o estímulo tão necessário a tudo na vida. Sem ele tudo se estiola e falece, digam o que disserem os filósofos e doutrinadores.
Em presença do desconchavo a que me referi quando o ano passado aqui tratei do problema da saúde e assistência e das considerações e exemplos que acabo de expor, senti natural regozijo ao ler no programa sectorial da saúde do Plano Intercalar, designadamente no que res-

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19 DE NOVEMBRO DE 1964 3837

peita à assistência hospitalar, a rubrica: «Promoção do estabelecimento de carreiras para médicos e técnicos auxiliares e de condições para a sua fixação nos centros regionais».
Tenho fortes dúvidas quanto ao significado que se queira dar a esta expressão, uma vez que para efeitos de organização hospitalar o País se encontra divido em três zonas, que se subdividem em regiões, e estas em sub-regiões coincidentes normalmente com os concelhos. Ora se a coisa não vai bem nas regiões pior vai ainda nas sub-regiões como demonstrei, por isso que se não deverá retardar a extensão de medidas igualmente válidas para todo o País. e não só e por exemplo para Évora, Castelo Branco ou Faro, se bem que muito necessitadas.
Proponho, portanto, que a redacção daquela rubrica passe a ser a seguinte: «Promoção do estabelecimento de carreiras para médicos e técnicos auxiliares e de condições para a sua fixação nas regiões e sub-regiões, tendo em vista a melhor extensão dos cuidados assistenciais na periferia».
Não quero deixar de referir-me com certa mágoa ao facto de não ver inscrita no Plano, como por exemplo se faz para a tuberculose ou para as doenças mentais, uma rubrica particular para a luta contra o cancro, sabido como é que dependerá do seu diagnóstico precoce a maior ou menor possibilidade de êxito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao terminar as minhas, considerações feitas, ai de mim, sem a mais leve intenção reservada quanto aos homens, baseadas em inquéritos que estão às ordens de quem os desejar consultar, no mais alevantado espírito de crítica construtiva, na procura do melhor acerto, por isso que houve necessidade de escalpelizar e mostrar defeitos e insuficiências, outra coisa não pretendo senão dignificar uma profissão vítima de atropelos e incompreensões e do mesmo passo servir o País naquilo que será sempre o maior esteio da sua força - a saúde da sua gente!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante, a sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Manuel Gonçalves Rapazote
António Maria Santos da Cunha.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Proença Duarte.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Fernando António da Veiga Frade.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Paulo Cancella de Abreu.
Virgílio David Pereira c Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Moreira Longo.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Francisco Lopes Vasques.
James Pinto Bull.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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