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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETÁRIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 155
ANO DE 1964 25 DE NOVEMBRO
VIII LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.º 159 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 24 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRI0: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 153 e 154 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elemento» requeridos pelos Srs. Deputados Pinto Carneiro e Gonçalves Rodrigues na sessão de 10 de Março último.
Usou da palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Presidente felicitou o Sr. Deputado Soares da Fonseca pela sua eleição para 1.º vice-presidente da Conferência dos Parlamentares da N. A. T. O., no que foi secundado por todos os Srs. Deputados presentes.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei acerca do Plano Intercalar de Fomento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados António Santos da Cunha, Jacinto Medina e Nunes Fernandes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
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Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
José Alberto de Carvalho.
José- Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 153 e 154, para efeitos de aprovação. Se nenhum dos Srs. Deputados produzir qualquer reclamação, considero-os aprovados.
O Sr. Presidente: - Estão aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício da Corporação da Lavoura enviando cópia da resolução principal aprovada pela XVI Assembleia Geral da Confederação Europeia de Agricultura.
O S: - Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional a pedido do Sr. Deputado Pinto Carneiro em requerimento apresentado na sessão de 10 de Março último.
Estão ainda na Mesa, também enviados pela Presidência do Conselho, os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Gonçalves Rodrigues em requerimento representado na sessão de 10 do mesmo mês.
Estes elementos vão ser entregues aos Srs. Deputados referidos.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu:- Sr. Presidente: Envio para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Vigilância pelo cumprimento das leis e apreciação dos actos do Governo ou da Administração são duas das atribuições da Assembleia Nacional consignadas no n.º 2 do artigo 91.º da Constituição. Nestas circunstâncias e porque no âmbito deste preceito cabem inegàvelmente o exame e a crítica do acordo que, em 20 do mês corrente, foi celebrado entre o Estado e a Companhia dos Telefones (Anglo-Portuguese Talephone Company, Litd.), nos termos anunciados peio ilustre Ministro das Comunicações, em conferência de imprensa; prática esta que está acertadamente generalizada, especialmente quando diz respeito a factos de manifesto interesse nacional e é efectivada a tempo de, com audiência e diálogo públicos, poderem ser (apreciados antes da sua consumação, ou mesmo depois, nomeadamente quando a solução empregada não seja irreversível, como esta não o é, nem tão-pouco o foram, pelo que se vê, as que alteraram as termos do título primário de outorga da concessão e dos subsequentes.
Por estas razões, resolvi apresentar o presente requerimento, formulado ao abrigo do artigo 96.º da Constituição e da alínea d) do artigo 11.º do Regimento e com a amplitude tolerada no § 6.º do seu artigo 46.º
E faço-o tanto mais justificadamente quanto é certo tratar-se de assunto de que já me ocupei alguns «nos atrás, na parte que se refere a aumento das tarifas telefónicas.
Efectivamente, em Maio de 1959 a imprensa noticiou que a Companhia dos Telefones solicitara do Governo autorização para elevar as suas tarifas, baseando o pedido «no aumento dos salários estabelecido em decreto oficial», e, por isso, obtida confirmação deste facto, apresentei, em 29 de Junho seguinte, nesta Assembleia, novo requerimento onde solicitei determinados elementos destinados a habilitar-me sobre o seguimento e a resolução de tão momentoso e grave assunto, de manifesto interesse nacional.
Em Agosto imediato, foram-me enviados estes elementos; mas, como é óbvio, considerei o assunto arrumado, porquanto, no ofício que os acompanhou, foi-me atenciosamente dito que a Presidência do Conselho esclarecia que o Sr. Ministro das Comunicações informara a Companhia dos Telefones de que aquele seu pedido fora considerado «inoportuno».
Assim, à minha qualidade de representante da Nação acrescia a circunstância anterior para justificar esta minha nova intervenção. Seria mesmo estranhável o meu silêncio.
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Em conformidade com todo o exposto, requeiro que pelo Ministério das Comunicações, me sejam fornecidos, urgentemente, os documentos e prestadas as informações seguintes:
I
Cópia do título referido no n.º 1.º do relatório do Decreto-Lei n.º 46 033, de 14 de Novembro corrente, pelo qual, em 1882, se deu início, mediante concessão, a exploração da rede pública telefónica na cidade de Lisboa.
II
Cópia do título pelo qual, em 1887, aquela concessão foi outorgada definitivamente à The Anglo-Portuguese Telephone Company, Ltd. e do título que em 1901, ampliou essa concessão às redes telefónicas dos arredores de Lisboa e às redes do Porto e seus arredores, e ainda o título de 25 de Janeiro de 1928 e os das alterações feitas desde então até 19 de Novembro de 1964.
III
Cópia do título de 20 de Novembro corrente, onde ao abrigo dos Decretos-Leis n.ºs 46 033 a 46 035, do último dia 14, foi assinado, pelo Sr. Ministro das Comunicações e pela Companhia em referência, o «contrato adicional e final».
IV
Cópias de teor de actas e de outros documentos donde constem os fundamentos, os dados estatísticos, as previsões, as conclusões e quaisquer outros elementos em que a comissão mista dos C. T. T. e da Companhia dos Telefones baseou a sua preferência pela solução (aliás, em princípio, aconselhável) do termo da concessão em 1968, por preço ainda não previsível, em vez de optar pela solução contratualmente prevista da renovação por mais 25 anos, com reversão final para o Estado, gratuitamente.
Informação sobre se a aludida comissão ponderou e aceitou os argumentos pela Companhia porventura apresentados para justificar infracções do contrato e da lei que tenha cometido (como, por exemplo, a falta de montagem de milhares de telefones há largo tempo requisitados); infracções essas que justificariam as sanções contratuais ou legais, como a, desobrigação do Estado, multas ou perdas e danos.
VI
Indicação dos saldos positivos da Companhia nos anos de 1960 a 1963, dos dividendos pagos às acções e dos juros pagos às obrigações, nos referidos anos.
VII
Ultima cotação oficial das acções e obrigações na Bolsa de Londres antes do dia 18 do corrente mês - dia em que a imprensa anunciou uma subida das primeiras - e até agora.
O importantíssimo problema, que manifestamente tem projecção indirecta no custo da vida, não pode ser apreciado, nem a solução adoptada pode ser comentada com
verdade e com justiça, sem conhecimento completo de causa; e, por isso, julgo indispensável o estudo pormenorizado dos elementos que solicito, bem como dos demais que porventura as instâncias competentes julguem convenientes para exacta compreensão da Assembleia Nacional e, através dela, do País.
Só assim se pode ter completo conhecimento do transcendente problema e apreciá-lo devidamente sem todavia, e em qualquer caso, pôr em dúvida as intenções do Governo da Nação.»
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados: Foi eleito para 1.º vice-presidente da Conferência dos Parlamentares da N. A. T. O. o Sr. Deputado Soares da Fonseca. Entendo que devemos assinalar o facto pela distinção que representa, tanto para aquele Sr. Deputado como para o País.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Suponho, pois, interpretar o sentimento da Assembleia, cumprimentando efusivamente o Sr. Deputado Soares da Fonseca.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Soares da Fonseca foi muito cumprimentado pelos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei acerca do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Santos da Cunha.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Já depois de ter pedido a V. Ex.ª que me concedesse u palavra de modo a poder intervir no debate em curso, senti-me fortemente inclinado a não utilizar a permissão que me foi concedida, pois temi. como temo ainda, que mais uma vez eu tenha que ficar «de mal com os homens por amor de El-Eei e de mal com El-Rei por amor dos homens».
Mas, Sr. Presidente, tenho, por um lado a convicção de que a lavoura da minha província se sentiria lograda se me visse assim,, comodamente, proceder e, por outro, a minha consciência não me permite que eu traia a confiança que sei em mim depositada, como não me consente que eu deixe de aproveitar as oportunidades que me sejam oferecidas para curar devidamente dos interesses que me estão confiados. De resto, como bem afirmou o Sr. Ministro da Justiça no seu, a todos os títulos, memorável discurso pronunciado em Vila Franca de Xira, não são os que de turíbulo em punho constantemente incensam o Poder aqueles que melhor servem o regime que, graças a Deus, e com largo saldo positivo, há perto de quatro décadas vem realizando uma obra que está longe de envergonhar aqueles que, ao seu serviço, desinteressadamente, deixaram que a neve lhes poisasse na cabeça.
Aqui estou, pois, de novo nesta tribuna, para denunciar aos que governam o desalento de toda essa boa gente dos campos perante a forma como o sector agrário foi subestimado no Plano Intercalar de Fomento que estamos apreciando, com prejuízo não só para esse sector, mas
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para a economia em geral do País, que não poderá ascender ao nível em que todos estamos empenhados em fazê-la chegar, sem que, de uma maneira concreta, se atenda à situação de uma actividade da qual vive perto do 50 por cento da população portuguesa, que vê, cada vez mais. reduzido o seu poder de compra.
Sr. Presidente: Começarei por fazer ressaltar, com orgulho e louvor merecidos, o quanto a todos deve impressionar que este país, empenhado numa guerra que lhe impõe sacrifícios financeiros que muitos julgaram incompatíveis com a sua débil economia, possa, no meio do combate que sem quartel lhe continua a ser movido, dispor-se a, serenamente, iniciar nova tarefa de levantamento económico.
Portugal, afincadamente, e sem se deixar perturbar com essas arremetidas, debruça-se sobre o seu problema n.º 1: o de criar riqueza que lhe permita dar mais pão, melhor viver à sua gente, correspondendo, deste modo, os da retaguarda, ao esforço generoso daqueles que na frente, no nosso ultramar, alegremente se batem pela integridade da Pátria Portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Valerá a pena mais uma vez repetir que a situação da lavoura se torna, dia a dia, cada vez mais difícil? Será necessário afirmar de novo o quanto é urgente atalhar a um mal que a alguns se apresenta já como irremediável? O êxodo rural é cada vez maior e vai-se tornando catastrófico. Alguns teóricos regozijam-se com ele, dizendo que se torna necessário diminuir ainda muito mais a população que vive da terra, mas esquecem-se de que à terra estão a ficar agarrados apenas os velhos e incapazes; foge-lhe a sua elite, com o lógico resultado de uma cada vez mais reduzida produtividade, esquecendo-se ainda de oferecer à lavoura, como sucede com o Plano que estamos discutindo, os meios necessários para que ela faça face aos problemas que se lhe deparam, pois por si não tem meios de o fazer, dada a descapitalização a que vem sendo forçada, de há muito, e encontrar-se tecnicamente em estado insolvente.
O panorama é, na verdade, mais que assustador e não pode deixar de afligir aqueles que, no seu dia a dia, com ele contactam. As suas consequências de ordem económica, política e social são verdadeiramente alarmantes e pedem a urgente atenção dos responsáveis.
O Sr. Antunes de Lemos: - Muito bem!
O Orador: - Ainda há dias o ilustre presidente do Município da minha terra o referiu ao receber o Sr. Ministro das Corporações no início da frutuosa visita que aquele digno membro do Governo realizou ao distrito de Braga, dizendo a propósito da situação dos trabalhadores rurais:
Todos nós, Minhotos, naturais deste rincão florido, dávida de Deus aos olhos ávidos de formosura, confiamos que das mãos de V. Ex.ª saia, em breve, o diploma que regulará o trabalho rural e, sobretudo, a «providência» dos que do campo vivem e na terra sacrificam o seu destino. Pois, a nós, que quase todos os dias contactamos com os lavradores-caseiros e com os jornaleiros rurais, é doloroso sacrifício reconhecer quanto estão abandonados e desprotegidos, na satisfação das mais elementares necessidades humanas. Não ponho, perante V. Ex.ª, o problema das graves consequências a que o êxodo rural pode levar os proprietários agrícolas. Quero apenas apresentar o quadro dos trabalhadores do campo, na nudez forte da sua condição de homens, sem a mínima protecção das leis sociais e do trabalho.
Sem dúvida que é necessário, como afirmou o presidente da Câmara Municipal de Braga e o próprio Sr. Ministro largamente reconheceu, mostrando a sua preocupação quanto a um panorama que, confessou, o entristece, cuidar da situação do trabalhador rural. A Câmara Corporativa, no parecer subsidiário da secção da Lavoura, o reconhece por igual, como reconhece, como aliás toda a gente, o desnível que existe em regalias entre a mão-de-obra rural e a mão-de-obra empregada noutros sectores, mas não se vê que se possa, a sério, remediar o mal, sem que se assegure à propriedade agrícola um mínimo de rentabilidade, e esta, para já. só se divisa através da valorização dos preços daquilo que nela se produz.
Bem concluiu a secção da Lavoura da Câmara Corporativa, no bem elaborado parecer do seu relator, Sr. Eng. Luís Quartin Graça, parecer em que são focados exaustiva e. acertadamente os vários aspectos do problema agrícola nacional:
A secção entende que o Governo deve adoptar, com urgência, medidas excepcionais de carácter prioritário, principalmente no que respeita aos níveis de preços dos produtos agrícolas, em ordem a melhorar decisivamente a situação da agricultura. Com efeito, as condições de vida do sector agrícola não podem deixar de se considerar inquietantes, dada a falta de rentabilidade e baixa capitação da agricultura.
Se a conclusão anterior não vier a ser adoptada, a secção é de parecer que não será legítimo esperar que ias realizações do Plano Intercalar de Fomento provoquem progressos substanciais no sector agrícola. O facto de o Plano prever para 1973 uma disparidade ainda maior do que a actual entre a capitação da. agricultura, silvicultura e pecuária e a das outras actividades económicas nacionais é prova de que as dificuldades presentes tenderão a agravar-se, a não ser que combatidas eficazmente através de medidas excepcionais.
Por isso a lavoura estranhou e, mais do que estranhou, se sentiu magoada ao tomar conhecimento da declaração de voto do muito digno Procurador Sr. Eng.º Castro Caldas, ao confessar-se solitariamente vencido entre os seus ilustres pares.
Sabe-se o quanto é difícil e moroso «o aparecimento de explorações agrícolas convenientemente dimensionadas e equipadas, capazes de corresponder às exigências que se impõem à agricultura moderna». E porque se sabe é que a Câmara Corporativa, pela sua secção da Lavoura, pede as «medidas excepcionais de carácter prioritário, principalmente no que respeita aos níveis de preço dos
produtos agrícolas». Mas mesmo que fossem fáceis de atingir os fins a que o ilustre Procurador, a quem, aliás, tanto considero e respeito, se refere, está mais que demonstrado que mesmo assim, atingida a dimensão ideal para as explorações agrícolas e o seu conveniente aperfeiçoamento técnico, seria impossível produzir a batata, o cereal, o leite e a carne, etc., aos preços que a cidade teima em arrancar ao campo. A baixa de produção do leite e da carne, que o próprio relatório do Plano assinala, há-de cada vez mais acentuar-se, pois a lavoura está cansada, como é natural, de um esforço infrutífero. Pergunto eu agora: porque se permitem aumentos substanciais, por exemplo, no custo dos transportes ferroviários e serviço telefónico - estes na ordem dos 50 por cento -, transportes e serviços com directa e imediata influência no custo da vida. e se nega à lavoura o que lhe é devido, invocando argumentos e constantes que se esquecem, se é que se esqueceram, ao decretar o
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que foi decretado nesta matéria recentemente? Já uma vez referi o dito do velho sapateiro da minha Braga: ou haja moralidade ou senão comemos todos.
Sr. Presidente: As verbas consignadas no Plano Intercalar de Fomento para os objectivos que, quanto ao sector agrário, o mesmo se propõe, são mais do que insuficientes e parece-nos, que deviam ser reforçadas, mesmo com prejuízo de outras de indiscutível menor projecção na economia nacional.
O Sr. Costa Guimarães: - Muito bem!
O Orador: - Deve pois a Assembleia, quanto a mim e sei que como eu pensam outros Srs. Deputados, alterar nesse, sentido algumas das bases do projecto, o que eu mesmo oportunamente proporei, se outros, com mais autoridade, o não fizerem, o que aliás, espero, não sucederá.
Reconhece-se a necessidade de efectuar a chamada revolução mecânica, revolução a que a lavoura não tem sido refractária, pois que só o parque de tractores da mesma, de 1958 a 1962, duplicou. Posso afirmar que no Norte, de 1962 até esta data, o progresso neste campo é enorme. O que demonstra bem que o lavrador fez o que lhe foi possível fazer, nada no entanto do que seria preciso, pois não tem possibilidades, pelo que se esperava que neste Plano fosse estabelecida, para a motomecanização, verba que não fosse, como a que lhe foi atribuída, mais que insuficiente, para não dizer ridícula.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Não gosto de interromper os oradores, mas, se V. Ex.ª me permite, faço-o agora excepcionalmente, para dizer que lhe assiste toda a razão, como tem assistido a todos os que nesta Assembleia se tem ocupado da incontestável e gravíssima crise da lavoura. Não pode haver duas opiniões a este respeito, e todos entendemos que é mister resolver urgentemente o problema.
Porém,, não é possível, é mesmo contraproducente; vencer a crise ou sequer atenuá-la com o aumento do preço da venda dos produtos ao consumidor, como parece ser pretendido por V. Ex.ª e outras pessoas que se têm manifestado.
Ora, a mim, como a muitos, afigura-se que, excepto em casos muito excepcionais que se imponham, tal solução nada resolve, antes pode agravar o problema, pois que se restabelece o círculo vicioso. Sim, aumentam os preços, aumenta, como é óbvio, o custo da vida, com todas as trágicas consequências que é desnecessário enumerar. E daqui não sairíamos.
O que é indispensável é criar cooperativas- em grande número e lutar por todos os meios contra os intermediários, fazendo, sempre que possível, levar os produtos directamente à mão do consumidor ou, em último caso, à do retalhista. E é sobretudo indispensável diminuir o custo da produção, pela baixa dó preço dos adubos, das sementes e dos transportes, pelo barateamento da maquinaria agrícola, seja melhoria dos métodos da cultura, já que não é possível a baixa dos salários e é difícil a luta contra a emigração.
Por vezes, colhe-se do que se diz e escreve a impressão de que a gravidade desta crise e verifica só em Portugal, quando é certo que ela existe por toda a parte. Basta
Lembrar como exemplo o que se passa em França, país de solo rico, onde a lavoura faz greves e barricadas, e na Alemanha Federal, onde o Chanceler Erhard se referiu muito especialmente a ela, no notável discurso da sua posse.
O Sr. Sousa Birne: - Aí é que está a grande gravidade do problema.
O Orador: - Sinto-me profundamente honrado com a intervenção de V. Ex.ª, mas quero dizer-lhe o seguinte:
Como V. Ex.ª verá, não defendo que a resolução da crise agrícola esteja só na elevação de preços e entendo que os mesmos têm que ser controlados. E até aproveito a oportunidade para trazer aqui uma conversa que há dias tive com um destacado elemento da oposição, o qual me dizia: «Vocês podem ter o orgulho de manter a moeda no alto nível em que ela se encontra».
Sei muito bem que o valor da moeda tem de ser defendido. Mas não compreendo que esse critério de defesa da moeda só se estabeleça em relação à agricultura e não em relação a outros sectores.
V. Ex.ª vai ver que nas minhas considerações digo que, para já, não há outro meio senão elevar os preços.
Referiu-se V. Ex.ª à Alemanha e à Franca, mas a agricultura nesses países, principalmente na Alemanha, está a ser fortemente subsidiada pelo Estado: é o chamado «plano verde», através do qual são dados subsídios para a compra de máquinas, de sementes, etc.
Ora o que eu gostaria é que este nosso Plano de Fomento desviasse para a agricultura as verbas necessárias e não algumas que são perfeitamente ridículas, para que a lavoura pudesse defender-se desses tais parasitas a que V. Ex.ª se referiu e pudesse aperfeiçoar-se tecnicamente. Gostaria que se encarasse de frente, como está a acontecer na vizinha Espanha, a criação de técnicos, a educação dos lavradores. Há tempos em Orense vi o governador civil respectivo a presidir a uma reunião de lavradores em que se estabeleceram cursos nas freguesias.
Sobre cooperativismo, posso dizer a V. Ex.ª que sou presidente de uma cooperativa de leite. Pois, apesar de termos uma administração rigorosíssima - nenhum de nós é remunerado, todos exercemos voluntariamente e gostosamente a nossa função -, mesmo assim, não conseguimos pagar ao produtor o mínimo necessário para que ele possa continuar a produzir leite. Logicamente, de mês para mês baixa a produção de leite no meu concelho e na minha região.
Repito: não sou dos que consideram que só a elevação dos preços pode resolver o problema, mas entendo que é necessário por igual socorrer a lavoura com técnicos, com a educação dos lavradores, que não estão preparados para receber os ensinamentos dos técnicos, e - chamemos aos bois pelo seu nome - com dinheiro, sobretudo com dinheiro, porque a lavoura não o tem, para que os lavradores possam mecanizar a sua agricultura e comprar sementes.
Finalmente, quero dizer a V. Ex.ª, que é dos mais ilustres membros desta Câmara e que eu muito admiro, que na minha casa, quando eu era pequenino, aos serões, meu pai lia-nos os discursos que V. Ex.ª proferia naquela tempestade em que aqui se debatia.
Só mais esta nota: ainda há pouco tempo um vizinho meu, a quem eu aconselhava a fazer a cultura dos milhos híbridos, dizia: «Pois é, mas eu não tenho dinheiro para pagar as sementes!». E fui eu que lhe paguei as sementes - perdoe-se-me a referência.
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Fico, em todo o caso, muito obrigado a V. Ex.ª pela sua valiosa intervenção.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Eu é que agradeço as palavras de V. Ex.ª
O Orador: - Sabe-se que os circuitos comerciais são deficientes e, em grande parte, parasitários, mas não se atribuem à organização da lavoura os meios necessários para que esta possa, como deve comercializar os seus produtos, nem tão-pouco se define a política a seguir neste problema vital.
A organização corporativa competem ou não funções corporativas, como consta da sua lei fundamental?
Reconhece-se que só através de uma cada vez maior tecnicização da agricultura esta poderá ir por bom caminho, mas para a activar não se colocam à disposição dos poucos técnicos que possuímos os meios indispensáveis à acção que é necessário empreender.
Impõe-se a criação de novas escolas de ensino médio para formação de maior número de técnicos que possam servir o Estado e as organizações da lavoura.
Não me parece que o Plano em discussão encare, com a amplitude necessária, o magno problema da formação de técnicos e o da educação dos lavradores, sem o que a colaboração entre aqueles e estes se torna difícil e pouco eficaz.
O parecer da Câmara Corporativa refere-se, com oportunidade, ao grande esforço que a vizinha Espanha está fazendo neste sentido. Centros de adestragem e escolas de formação acelerada em grande número é o que se impõe.
Na minha região há problemas que merecem especial atenção e que passo a referir: A fruticultura, agora a ensaiar os seus primeiros passos, precisa de ser devidamente acarinhada e orientada. Há que definir claramente quais as espécies e variedades mais próprias para cada região e os viveiristas devem ser compelidos a reproduzir essas espécies e variedades por forma que a lavoura tenha facilidade em as adquirir.
Não podemos esperar mais tempo - sob risco de sérios e próximos inconvenientes - pela construção de armazéns polivalentes no Porto e Braga e um armazém de concentração em Viana do Castelo, e possivelmente novo armazém polivalente em Resende, como solicitou a Federação dos Grémios da Lavoura de Entre Douro e Minho.
Nada há também definido quanto a pecuária. Devemos enveredar pela introdução de novas raças bovinas, designadamente para a produção de carne, ou pela melhoria das existentes, tanto para carne como para o leite? Há que definir quais se moas a adoptar e que sejam económicamente viáveis.
A região dos vinhos verdes está completamente desprovida- de elementos de armazenagem, o que impede uma regular intervenção no mercado, como se impõe.
A região rios vinhos verde, com o seu peso na balança económica do País, nem sempre reconhecido, merece cuidados especiais, permitindo-me daqui dar o meu apoio a um esquema que há dias me foi consentido ler e se resumia nos seguintes pontos: cumprimento rigoroso do condicionamento do plantio da vinha ou sua revisão, no sentido de as produções normais não excederem as possibilidades do consumo interno e externo; resolução definitiva da questão dos produtores directos, ...
O Sr Alberto Meireles: - Muito bem!
O Orador: - ... problema que não se devia ter deixado tomar a amplitude que tomou; ...
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - ... repressão vigorosa das falsificações do vinho, que assumem proporções escandalosas; ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... disciplina económica da comercialização do álcool; política de qualidade, nomeadamente através do fomento das adegas; comercialização directa, por parte das adegas, dos vinhos da sua produção, que devem procurar levar aos grandes centros; disciplina geral do comércio de vinhos, dentro da orientação definida, quanto ao engarrafado, no Decreto-Lei n.º 45.966, de 14 de Outubro de 1964, a que urge dar rápida execução; propaganda intensa e permanente do consumo de vinho, tanto no mercado interno como externo, com auxílio governamental à exportação; criação rápida, na nossa «região, da estrutura destinada à intervenção no mercado, nomeadamente a armazenagem a que já me referi; esta intervenção deve ser permanente e de carácter supletivo, realizando-se em condições econòmicamente viáveis-preços de garantia mais ou menos elevados -, e deve contrariar a intervenção de que resulte a queima dos melhores vinhos, ficando no consumo os de mais baixa qualidade, como, por vezes, se tem verificado.
Torna-se, por igual, necessário não só a construção de novas adegas cooperativas como a ampliação das já construídas, que se encontram, em parte, saturadas.
A lavoura, como se vê pelos factos, não é tão rotineira nem individualista como alguns, para se desculparem, pretenderam e pretendem fazer acreditar.
Para tudo isto são necessárias verbas importantes, que não estão previstas suficientemente no Plano, como o são para o equipamento necessário à boa comercialização e industrialização do leite.
E urgente a construção de postos de concentração e refrigeração, até pára que se possa atingir a melhoria de qualidade do produto, como se impõe. É preciso que à organização da lavoura sejam prontamente dados os meios indispensáveis, de forma que esta possa assumir as responsabilidades que lhes cabem por força do Decreto-Lei n.º 39 168 e Portaria n.º 20 656.
Dos postos de concentração e refrigeração de leite, o de Braga é dos mais necessários, dado o consumo daquele centro urbano, consumo agora em crescimento, pois foi possível diminuir os efeitos da campanha malévola que contra o leite da cooperativa alguns interessados fomentaram.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Governo deve atender os clamores da lavoura e dar-lhe condições - quer através de preços justos, quer através de amparo financeiro - que lhe permitam superar as dificuldades que a afligem.
Há dias, em Ribeira de Pena, concelho exclusivamente agrícola da bela região transmontana, aonde fui a convite do presidente do Município, por entre os aplausos dos lavradores que em grande número ali se encontravam, repeti o que já uma vez aqui afirmei:
E na lavoura que o Governo encontra os seus mais dedicados e fiéis amigos. Essa fidelidade não cansou nem cansará porque a lavoura sabe o que o País deve ao seu eminente Chefe.
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A lavoura continua fiel a Salazar, é nele que confia, é para ele que apela. Não encontro outras palavras com que entenda dever encerrar as minhas considerações.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jacinto Medina: - Sr. Presidente: Ao usar pela primeira vez da palavra nesta sessão legislativa, é com muita honra e a maior satisfação que dirijo-a V. Ex.ª, que tão brilhantemente vem dirigindo os trabalhos deste alto órgão político, as minhas respeitosas saudações.
Já vai decorrida mais de uma década desde que foi publicada a Lei n.º 2058, de Dezembro de 1952, que aprovou o I Plano de Fomento, que vigorou de 1953 a 1958 e com o qual se deu início no ultramar a um esforço vigoroso não mais afrouxado, mas antes sempre intensificado e acelerado no sentido de melhor se conhecerem as riquezas do solo e subsolo e definirem e escolherem soluções, fases e processos de execução com vistas a dar forte impulso e arranque decisivo ao desenvolvimento económico e social das terras portuguesas situadas fora do continente europeu.
É notável e parece-me da maior importância e justiça aqui salientar-se que já então e muito antes de os problemas de desenvolvimento e «subdesenvolvimento» serem, como suo hoje, objecto de exploração demagógica no conflito mortal entre o mundo capitalista ou ocidental de raízes europeias e o mundo socialista comunista, muito antes da operação pan-americana, sugerida por Juscelino Kubitscheck, quando presidente do Brasil, e antes de o termo «subdesenvolvimento» ter as implicações que hoje tem com o anticolonialismo do terceiro mundo afro-asiático, de tanto valor na relação internacional contemporânea, já então o Governo estava atento e tinha a consciência das incidências das questões directamente relacionadas com o processo de crescimento económico-social e com a necessidade da sua aceleração.
Nesta linha de pensamento inserem-se o II Plano de Fomento (1959-1964) - mais orientado, no sentido de dotar as províncias ultramarinas com empreendimentos de infra-estruturas de maior valor para a ocupação económico-social e para a criação de riqueza e povoamento - e o presente Plano Intercalar, de maior amplitude e mais vastos objectivos, apesar de se tratar de um plano que, pelas suas características, impostas pela conjuntura e pela inexistência de determinados, estudos de base, se deve considerar de transição e se destina a evitar que se perca o benefício da continuidade, indispensável ao sucesso de qualquer esforço sério.
A conjuntura, em que o Plano Intercalar tem que se processar, é dominada essencialmente por dois dados: o esforço de defesa e a integração económica de todos os territórios portugueses.
Logicamente, e outra atitude não se poderia esperar da clarividência do Governo e da sua plena consciência dos imperativos da política nacional, bem nítidos no querer de todos os portugueses, os objectivos de desenvolvimento económico são subordinados às exigências de defesa, devendo a todo o momento assegurar-se a sua necessária coordenação.
Assim, há que ter sempre presente que na hierarquia das necessidades e dos encargos do ultramar a Nação conferiu preferência à defesa, depois da qual vêm os investimentos de natureza económico-social, como muito bem se frisou no douto parecer da Câmara Corporativa.
É um esforço enorme que se impõe ao País e, já salientado como caso ímpar, este de levar a efeito simultaneamente uma guerra, que lhe é imposta pela subversão internacional, e um esforço de desenvolvimento acelerado visando mais altos padrões de vida e maior bem-estar para todas as populações, som distinção. Mas é um esforço que vale a pena e que pelo entusiasmo e eficiência com que for conduzido e pelo sucesso que obtiver dará bem a medida da capacidade da Nação, da sua ânsia de progresso, da sua capacidade, técnica, do seu grau de civilização, e do seu querer, inabalável, e mostrará que estão ainda intactas aquelas qualidades básicas que definem e individualizam a raça.
De resto, há que considerar que grande parte do que se despende com as forças armadas, com os seus apetrechamentos e com as operações de segurança que levam a efeito se traduz em benefício da economia nacional, pelo aumento dos consumos, e tem repercussão, directa e sensível na criação de novas indústrias e no crescimento e desenvolvimento de muitas já existentes: armamentos, munições, vestuário, equipamentos diversos, indústrias alimentares, indústria electrónica, que sei eu, que podem imprimir, uma nova fácies às estruturas económicas e sociais do País.
Por outro lado, não é possível manter por largo tempo um esforço de guerra vigoroso, nem esperarem-se sucessos a longo prazo, sem uma economia forte, capaz de resistir ao desgaste do esforço militar. Ainda de considerar é que em guerras subversivas, em que os factores psicológicos são preponderantes, é da maior importância o nível económico e o esforço de desenvolvimento, porque o maior bem-estar, melhores salários, melhor habitação, melhor alimentação, maior segurança nos empregos, etc., tornam as populações menos permeáveis a doutrinas e propagandas subversivas, que têm sempre na base reivindicações de natureza social.
Assim se justifica que, sem que se deixe de dar prioridade ao esforço de defesa, não se pode descurar tudo o que leve à aceleração do acréscimo do produto nacional e a uma distribuição mais equilibrada dos rendimentos, o que exige uma perfeita coordenação e uma muito especial sensibilidade na designação dos objectivos e na condução dos programas.
A integração económica, para que atinja os elevados e transcendentes objectivos político-económicos que visa a livre circulação das mercadorias e bens em todo o espaço português, unificação, tão perfeita quanto possível, dos direitos aduaneiros nas relações comerciais entre, os territórios nacionais e o estrangeiro e a eliminação gradual dos direitos aduaneiros internos e unificação da moeda, requer também, para ser exequível e não acarretar funestas consequências, o rápido desenvolvimento das diversas parcelas territoriais, porque sem que sejam corrigidos os desequilíbrios regionais existentes entre as várias estruturas em causa, que se situam em diferentes estádios de desenvolvimento, o desarmamento aduaneiro e. a liberalização das trocas poderá comprometer irremediavelmente o crescimento industrial e o desenvolvimento económico das províncias ultramarinas.
Os processos de integração da economia dos vários territórios e das suas. populações e do crescimento económico têm necessariamente de ser intercorrentes e interdependentes, pois que um processo de integração não coordenado com um processo de crescimento equilibrado das diferentes estruturas integradas não terminará naturalmente numa unidade económica com condições intrínsecas de sobrevivência, mas num paradoxo, por colisão fundamental das premissas expostas, opinião que não é apenas minha, mas de técnicos da maior competência.
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Só por si, pois, a criação do espaço económico português justifica e requer que se imprima um rápido desenvolvimento às economias das províncias ultramarinas. Doutro modo a liberalização será mais um factor de opressão e domínio do que de liberdade e progresso.
É um perigo potencial que é preciso evitar e que está sempre presente nas relações entro economias desigualmente desenvolvidas.
Ainda neste particular, julgo dever chamar a atenção do Governo para o facto de não estarem ainda a ser aplicados os mecanismos destinados a fomentar o crescimento económico e social dos territórios menos evoluídos, como é o caso de Angola, e que foram estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962.
Assim, ainda não foi criado o Fundo de Fomento Económico, cujo regulamento, nos termos do artigo 9.º do Decreto n.º 44 052, deveria ter sido publicado até 31 de Dezembro de 1963. e não foi publicado o regulamento do Centro Nacional de Produtividade, anexo ao Instituto de Investigação Industrial e tendo por objectivo principal o fomento do emprego racional de capitais nos diversos sectores de actividade, o qual, de harmonia com o artigo 20.º do mesmo decreto, devia também ter sido criado até 31 de Dezembro do ano findo. Até à mesma data devia ter sido publicado o Estatuto de Função Pública, destinado a imprimir maior rapidez na acção da Administração, e até 30 de Junho de 1963 devia-se ter procedido à revisão das disposições que regulam a aplicação de capitais estrangeiros em todo o País. Também ainda não foi criada a comissão consultiva de política económica, destinada a assegurar audiência efectiva dos interesses dos sectores de actividades dos diferentes territórios para a definição das grandes linhas da política económica nacional.
Finalmente, e isso é muito grave, não foi ainda publicado o diploma contendo novas disposições legais reguladoras do condicionamento industrial, visando uma maior descentralização de competências, que permitirá acelerar daqui em diante - para não desencorajar iniciativas - o andamento dos processos que vêm a Lisboa, com a vantagem de poderem ser resolvidos pelos governadores das províncias assuntos de que os serviços provinciais têm conhecimento mais perfeito, donde só poderão resultar benefícios para a economia ultramarina.
Tal diploma deveria ter sido publicado até 31 de Dezembro de 1962, conforme determina o artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961, e a sua. transcendente importância ressalta, bem do despacho de S. Ex.ª o Ministro de Estado adjunto do Presidente do Conselho de 8 de Fevereiro de 1962, que diz:
Ninguém duvidará de que a coordenação, tanto quanto possível unificação dos regimes de condicionamento industrial aplicáveis nos diversos territórios, é de entre as tarefas que o Decreto-Lei n.º 44 016 impõe ao Governo uma das de mais vasto alcance e, por isso, também de maior delicadeza.
Nos termos do artigo 32.º do referido decreto-lei, a revisão e codificação dos condicionamentos industriais em vigor deverão ser feitas até 31 de Dezembro do corrente ano. A simples indicação dessa data e a importância do problema bastam para mostrar como é urgente constituir o grupo para os problemas de condicionamento industrial, que deverá ser constituído por representantes da Presidência do Conselho e dos Ministérios do Ultramar, da Economia e da Secretaria de Estado da Indústria.
Contudo e apesar de no aludido despacho ter S. Ex.ª o Ministro de Estado dito que razões imperiosas de ordem interna e externa impõem o cumprir pontual dos prazos previstos no Decreto-Lei n.º 44 016, o certo é que o diploma ainda não foi publicado até esta data, o que, além de produzir péssimo efeito político, prejudica consideràvelmente o desenvolvimento industrial e, portanto, o crescimento económico das províncias ultramarinas.
O Plano Intercalar agora em discussão, no que respeita ao ultramar, enquadra-se nas linhas gerais estabelecidas pela comissão restrita nomeada para o estudo do III Plano de Fomento, à saber:
a) Valorização do homem, educando-o, instruindo-o, cuidando da sua saúde, dando-lhe condições para viver uma vida cada vez mais elevada;
b) Preenchimento dos vazios que ainda se encontram nalgumas províncias de grande extensão territorial e de fraca densidade populacional, quer por deslocação de elementos metropolitanos ou de outras províncias ultramarinas, quer por uma mais ampla assistência às populações autóctones;
c) Promoção do desenvolvimento das economias de cada província, em harmonia com programas visando a integração económica das várias parcelas do agregado nacional, tendo em conta igualmente, as necessidades de cada uma e as obrigações de ordem internacional assumidas.
São altos objectivos aos quais damos a nossa inteira adesão e para a realização dos quais não serão as mais todos os esforços e sacrifícios que se venham a tornar necessários na execução dos programas de que o presente Plano é afinal a expressão, tanto quanto possível fiel.
Sem regatear os meus aplausos ao Governo e a todos aqueles, que dedicam a sua atenção, a sua competência e conhecimento à resolução dos muitos e delicados problemas e dificuldades que sem dúvida terão surgido em trabalho complexo desta envergadura, farei alguns reparos no que respeita a Angola, da qual sou um dos representantes nesta Assembleia política.
Ao definirem-se os objectivos do Plano, frisa-se claramente que a solução de problemas de «aceleração do ritmo de crescimento económico de Angola terá que ser procurada através da expansão das suas produções, da diversificação das suas exportações e da redução do grau de dependência, das suas importações pelo desenvolvimento da produção interna para consumo, e definem-se como factores estratégicos de efectivação:
a) O aumento de produtividade na agricultura;
b) A intensificação do processo de industrialização;
c) A elevação do nível de investimento das poupanças locais na própria economia;
d) A melhoria do nível cultural e técnico das populações.
Contudo, as considerações depois feitas em relação a estas variáveis não são convenientemente justificadas nem feitas previsões quanto à evolução do seu comportamento, o que reflecte certamente, por um lado, um deficiente conhecimento da realidade, económica angolana - muito superficialmente analisada no projecto - e, por outro, a falta de estudos sectoriais mais profundos que permitissem determinar as direcções preferenciais de esforço e a rentabilidade directa dos empreendimentos a programar, o que era indispensável que se tivesse feito.
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A industrialização é hoje quase sinónimo de desenvolvimento económico e é enorme a sua importância na economia dos países, mormente quando em vias de desenvolvimento, tanto pela sua produtividade directa como pelas suas repercussões no desenvolvimento das actividades primárias, valorizando as matérias-primas da agricultura, pesca, pecuária e indústria extractiva, como ainda pelos benefícios vários que induz em todas as actividades económicas. Reconhece-o o Governo no relatório, que antecede o Plano em discussão, quando considera a intensificação do processo de industrialização como factor estratégico no desenvolvimento económico, com vista à introdução de unidades de maior grau de produtividade do que é normalmente viável na agricultura e a obter um impacte psicológico particularmente favorável à criação de atmosfera de crescimento económico e ao aparecimento de unidades fabris, e ao anunciar como meios de atingir tal objectivo a instalação de:
a) Indústrias de base e extractivas predominantemente viradas à exportação:
b) Indústrias transformadoras na medida em que o consumo interno o justifique:
c) Indústrias complementares da actividade agrícola.
No entanto, ao examinar-se a descrição dos programas de investimento, não se pode deixar de ficar com a impressão de que apesar de toda a ênfase posta na necessidade de rápida expansão da economia angolana e de todas as considerações de ordem teórica estendidas, poucos são os empreendimentos previstos que garantam uma rentabilidade, se não imediata, pelo menos a curto prazo, e, portanto, uma rápida expansão da- economia de Angola. O Plano Intercalar apresenta-se, assim, vincadamente mais como uma lista de investimentos em infra-estruturas, isto é, em empreendimentos de fomento indirecto, quando se deveria esperar um esforço muito maior, mais directo e mais concreto no sentido da expansão da produção não só virada para a exportação como para o consumo interno, o que traria notáveis benefícios ao erário público e melhoraria as balanças comercial e de pagamentos.
É certo que para o sector se prevê o elevado montante de 2 058 000 contos, o que pode parecer bastante importante em relação ao total dos investimentos, que somam 7 210 000 contos. Mas, ao analisar-se o desenvolvimento por empreendimentos, a óptica já não é tão animadora: 500 000 contos destinam-se a participação no capital accionista de sociedades de financiamento e desenvolvimento, 1 418 000 contos destinam-se a ampliação, renovação e criação de novas indústrias e 150 000 contos destinam-se a- trabalhos que se devem considerar como de melhoramentos de infra-estruturas e, portanto, não rentáveis directamente.
As sociedades de financiamento e desenvolvimento não estão ainda criadas, .nem sabemos se há quaisquer estudos feitos ou quaisquer trabalhos em curso no sentido da sua rápida criação. No projecto não se diz. Vão ser elas instituições destinadas ao «preenchimento dos vazios» que subsistem na economia por actuação directa, ou, antes, prestando assistência financeira, administrativa e técnica a determinadas empresas privadas em função da contribuição que são susceptíveis de prestar à realização dos objectivos a que se propõem os planificadores?
Serão elas que vão realizar os estudos sectoriais concretos, de que o presente Plano é tão parco, com vista a determinar-se a prioridade dos empreendimentos e a sua rentabilidade? Como se precisa estruturar os quadros de tais sociedades e com que técnica se conta para a sua actuação eficiente?
O projecto de Plano Intercalar não esclarece estes pontos e é lícito pensar-se que, com as demoras da sua criação, com as delongas burocráticas normais no preenchimento dos quadros, com as dificuldades com que se vai deparar para o recrutamento de técnicos, por não abundarem no País e por serem normalmente exíguos os vencimentos oferecidos, as sociedades de fomento, a serem criadas, não devem vir já a ter grande reflexo no desenvolvimento industrial durante a vigência do Plano Intercalar; logicamente, os 500 000 contos previstos para fomento das indústrias transformadoras por seu intermédio podem considerar-se como inexistentes no Plano.
Ainda no aspecto das sociedades de fomento e da intervenção estatal nas actividades económicas, que pela sua complexidade técnica, fraca rentabilidade imediata ou volume de investimentos não atrai o empresário e o capital privado, prevê o projecto em discussão o recurso intensivo a empresas de economia mista com agentes impulsionadores e realizadores de novos projectos industriais.
Dou o meu inteiro aplauso a esta fórmula mais elástica e eficiente de intervenção do sector público nas economias em desenvolvimento e acrescentaria apenas que as empresas a constituir deveriam visar não só novos projectos industriais, mas também englobar algumas das actividades que actualmente estão a sei exploradas pelo Estado sob a forma de serviços autónomos, como é o caso dos transportes aéreos, com gravíssimos inconvenientes para a sua conveniente estruturação e eficiência da sua actuação.
Como bem faz notar Francesco Vito, «a experiência das administrações autónomas geridas directamente pela administração estatal mostrou os limites desta forma de gestão, quer para as actividades tornadas muito complexas devido aos progressos técnicos, quer, e especialmente, para as que até então tinham sido apanágio típico das empresas privadas.
A fórmula tradicional da gestão directa pela administração estatal, mesmo quando atenuada com diversas adaptações, tais como, por exemplo, a autorização para utilizar capitais de giro para romper o vínculo rígido com o orçamento estatal de duração anual, ou mesmo da chamada gestão fora do, orçamento, mostra-se inadequada para as actividades características da empresa privada. Oxalá a concretização das intenções expressas se verifique com a brevidade que não é, infelizmente, apanágio da nossa lenta máquina burocrática.
Quanto às indústrias que vão ser renovadas, ampliadas e criadas, nada se diz no Plano, e é pena, pois só assim seria possível ter-se uma ideia correcta e fazer-se um juízo quanto à rentabilidade e oportunidade dos empreendimentos que se pensa financiar com os 1 418 000 contos inscritos. Penso, por informações obtidas noutras fontes, que naquela verba estarão incluídos os 908 000 contos a investir com empréstimos a contrair pelas próprias empresas, e não por. Autofinanciamento, como incompreensivelmente se diz no esquema de financiamento pelas empresas seguintes:
Contos
Companhia de Celulose ......... 200 000
Ferro-Ligas (Benguela) .... ... 138 000
Fundição e Laminagem .......... 250 000
Alumínio Português ............. 400 000
Assim, o disponível para outros empreendimentos, que se desconhece em absoluto quais sejam, fica reduzido, afinal, a apenas cerca de 440 000 contos. Este panorama ainda se apresenta menos atraente se retirarmos ao total e despender pelas empresas que acabei de indicar o mon-
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tante correspondente ao Alumínio Português, a respeito de cuja instalação em Angola já ninguém tem ilusões.
O esquema, de financiamentos leva-nos a pensar que, no fundo, só se conta com a banca e com o listado para financiar os empreendimentos. Será assim? Será que nada se planeia fazer ou nenhum diploma está em estudo ou em vias de publicação no sentido de atrair o capital estrangeiro e privado?
Sem deixar de reconhecer os perigos do apelo aos capitais estrangeiros no plano político e no domínio dos pesados encargos ulteriores, sob a forma de juros e de pagamento dos próprios empréstimos, não há dúvida, contudo, que as conjunturas em que se impõe um rápido crescimento económico permitem aumentar o envestimento sem mais sacrifício imediato de consumo.
Seria interessante que o projecto se tivesse referido ao problema com mais pormenor.
Finalmente, não posso deixar de expressar a minha maior preocupação pela estrutura conferida pelo Decreto n.º 45 930 de 17 de Setembro último, aos serviços privativos da Comissão Técnica de Planeamento e Integração Económica de Angola, que de forma nenhuma corresponde à necessidade de existência de uma orgânica de acompanhamento do Plano que seja operante o tenha autoridade suficiente para impor uma disciplina eficaz e difere sensivelmente da orgânica proposta pela província, certamente elaborada com melhor conhecimento das necessidades locais.
Pela importância da matéria é porque a deficiente estruturação dos órgãos que devem manter uma fiscalização permanente e atenta sobre as actividades do sector público e uma observação eficaz quanto aos empreendimentos privados, considerados no âmbito do Plano, e possam desempenhar um papel activo de coordenadores e impulsionadores da acção de todos os nele intervenientes, como diz no próprio projecto, pode comprometer seriamente todos os resultados que se procuram atingir, julgo dever sobre o assunto fazer algumas considerações mais detalhadas e chamar a atenção do Governo para a necessidade de no mais curto prazo serem tomadas as medidas correctivas que se impõem.
As características que definem a estrutura e o nível técnico de uns serviços de planeamento, e portanto, a sua capacidade para orientar e executar o programa de estudos subjacente a uma tarefa de planeamento, resumem-se a duas:
Número de técnicos previstos no quadro;
Qualidade desses técnicos nível de formação, teórica ou experiência efectiva dos técnicos que ocupem lugares de direcção e chefia, bem como homogeneidade a um nível profissional elevado do pessoal técnico superior, supondo resolvidos os problemas de apoio em pessoal administrativo e auxiliar, bem como o da existência ele verbas para custear estudos de base.
Uma vez que se trata de organismo com funções simultâneas de investigação o contrôle, pela aplicação de técnicas de recente aperfeiçoamento - todo o domínio teórico e experimental do planeamento económico - a um território e a uma situação onde não existe qualquer experiência válida na matéria, parece efectivamente justo fazer depender o êxito ou fracasso da sua missão do seu apetrechamento em técnicos.
Em flagrante contraste com o projecto de Angola, o quadro definitivo reduz de nove para três os lugares de pessoal técnico superior, de três para dois os técnicos da letra F e cria muito convictamente, dois lugares de técnicos da letra H. Sabido que estes auferem o vencimento mensal de 6 850$, pasma-se como se pretende descobrir técnicos por tal preço.
Dado o baixo nível das enumerações no sector público em comparação com o sector privado e a consequente impossibilidade de preencher os quadros previstos com técnicos do nível profissional necessário (recordemos que o governador-geral de Moçambique contratou com uma sociedade francesa o envio de técnicos de planeamento económico a 90 000$ por mês cada um), previa-se no projecto de Angola a atribuição ao pessoal técnico e superior de um subsídio diário, única forma de aproximar a possível remuneração do indispensável nível profissional a exigir.
Consciente de que a eficácia de uma, tarefa de planeamento depende, nas nossas condições, em primeiro lugar, do nível técnico dos seus executores, procurava o projecto de Angola garantir o seu recrutamento na quantidade e qualidade necessárias.
Quanto a remunerações, o Decreto n.º 45 930 não prevê a atribuição de qualquer subsídio diário, pelo que ainda menos provável se afigura poder preencher o reduzido quadro com técnicos de nível satisfatório. E, ao invés do projecto de Angola, bem prevê a possibilidade de admissão de pessoal técnico a título eventual.
Resumindo: nas condições actuais é manifestamente impossível dotar os serviços privativos com o pessoal técnico necessário.
Quanto à, orgânica conferida aos serviços, ela é a seguinte:
Um director dos serviços.
Um departamento de planeamento e integração com três secções: estudo, planeamento e integração.
Um departamento de execução dos planos de fomento e serviços administrativos.
Não se percebe que se tenha mantido uma estrutura, que nem sequer pode ser preenchida pelo quadro atribuído aos serviços, a não ser que se pretenda acumular num técnico mais de um sector de departamento de planeamento e integração, entregando a um único elemento, auferindo 6 850$, a responsabilidade integral do sector de planeamento ou do sector da integração económica, à escala da província de Angola. A incompatibilidade entre o quadro e a estrutura é por de mais evidente.
Assinale-se que a orgânica dos serviços não nos parece perfeitamente explícita. Com efeito, não se percebe qual o domínio próprio dos três sectores: estudos, planeamento e integração, uma vez que a função dos dois últimos é exactamente a de proceder a estudos no seu domínio específico, sendo o sector de estudos redundante. Nem parece feliz a atribuição a um mesmo departamento dos sectores de planeamento e de integração, já que sob a óptica do planeamento concentramos a atenção no estudo das estruturas económicas e sociais da província. Sob a óptica da integração voltamo-nos para as relações e interdependências entre as várias parcelas do todo nacional.
Pode-se argumentar com o facto de que a fragilidade da estrutura dos serviços privativos é no entanto, reforçada pelo recurso a múltiplos grupos, de trabalho, expressamente previstos pelo Decreto n.º 45 930. No entanto, o que se torna necessário em Angola é proceder a estudos de base que exigem uma equipa permanente e especializada. A produtividade, dos grupos de trabalho é função da orientação firme que se lhes imprima, dos elementos que se lhes comuniquem e do nível dos membros que os constituam.
Sem uns serviços que enquadrem e apoiem eficientemente estes grupos, a sua produtividade será fatalmente
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reduzida e de inferior qualidade. Aceitamos o princípio do recurso a grupos de trabalho como complemento da tarefa específica dos serviços privativos, e não como um substituto a uns serviços bem dotados. Aliás, no próprio relatório que antecede o projecto se diz que convém limitar ao mínimo o recurso a organismos temporários e que, quando necessário, convém garantir o seu enquadramento nos departamentos permanentes adequados.
Analisados os quadros e a estrutura dos serviços privativos da C. T. P. I. E. de Angola, perguntamo-nos qual o critério que terá presidido à sua definição em moldes tão estreitos, em nítida contradição com o projecto e sucessivos pareceres da província.
Será que se pretende que o planeamento ao nível provincial deverá limitar-se a uma operação de recolha de elementos e projectos, a fornecer pelos diversos serviços ou grupos de trabalho, que os serviços privativos coligem e enviam a Lisboa onde a Comissão Coordenadora os processa?
Tal concepção, no entanto, representa uma machadada definitiva na tarefa de planeamento económico que urge realizar. Por definição, no estádio primitivo em que nos encontramos, de elaboração de estudos de base, o planeamento tem de ser uma tarefa local e especializada. Mesmo em Luanda, as dificuldades para coligir e criticar elementos são imensas. Em Lisboa, é tarefa impossível. A existência da C. C. S. P. P. I. E. só se justifica pela existência prévia de serviços provinciais bem estruturados que lhe transmitam estudos e projectos, globais e sectoriais, convenientemente alicerçados. De outra forma, a C. C. S. P. P. I. E. continuará a trabalhar em vazio, escrevendo, propondo e decidindo sobre uma base tão frágil que retira qualquer sentido ao seu labor.
Sem uma indispensável descentralização, continuará por realizar a tarefa de planeamento sólido e rigoroso de que Angola necessita.
Não quero terminar sem uma nota de optimismo e de esperança, porque é minha firme convicção que o Plano Intercalar, apesar de não corresponder ainda às necessidades de recuperação rápida dos atrasos das economias das províncias ultramarinas, é, contudo, mais um grande passo dado no caminho da sua valorização e do seu progresso. Reconhecimento científico dos territórios, desenvolvimento das actividades agrícolas, fomento de indústria e valorização das fontes de energia, melhoria das comunicações, povoar e preencher os espaços vazios e, sobretudo, valorizar o homem - o mais precioso capital -, educando-o, cuidando da sua saúde, são já de si realizações que abrem ao futuro do ultramar e da Nação as mais amplas perspectivas.
Para além do mais, e ultrapassando em muito o seu significado material, são essas realizações a clara expressão do firme querer da Nação de se opor por todos os meios a quaisquer formas de esbulho do seu património secular, erguido pedra a pedra pelo braço esforçado dos seus maiores. Estamos e ficamos no que nos pertence. Vigilantes mas confiantes, abertos ao futuro mas solidamente comandados pelo passado. Esta é e será a nossa resposta.
Recordando o luminoso pensamento de Salazar, brota em mim naturalmente o sentimento da maior confiança, porque se o Plano foi estudado na dúvida, será. por certo realizado com fé.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: Liminarmente, e sem levar desde já em consideração algumas observações que julgo de interesse para a discussão, tenho de deixar bem vincado o meu aplauso ao demonstrado esforço do Governo, que apesar de todas as vicissitudes, continua a trabalhar para o crescente progresso da Nação.
Num período de angustiante e descabido ataque à nossa integridade nacional, em que o nosso pé-de-meia tem de enfrentar as enormes despesas de uma guerra iníqua, é consolador verificar que, apesar disso, ainda se descortinam energias suficientes para evitar a quebra de ritmo do nosso crescimento económico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A isso visa o Plano Intercalar de Fomento, agora em apreciação nesta alta Assembleia.
Se podemos divergir de alguns princípios de orientação do mesmo Plano, se considerarmos principalmente menos equilibrada a repartição dos valores que devem impulsionar o progresso das diferentes actividades económicas, não podemos, contudo, deixar de louvar e enaltecer o notável documento que, fundamentalmente, visa a ser «um claro termo de referência para o sector privado, um eficiente instrumento de coordenação de várias, actividades económicas e um conjunto sistematizado de linhas de orientação para a política que conduzirá à formação de uma autêntica economia nacional no espaço português». Para isso pretende-se acelerar, através dela. o crescimento do produto nacional.
E nessa preocupação foi estabelecido um plano de investimentos nas diferentes actividades económicas nacionais.
Verifica-se então que se atribui à indústria a parte de leão desses investimentos, na persuasão de que ela é susceptível de provocar um aumento mais rápido do produto nacional.
É um princípio assente por muitos economistas, embora se não queira ver o reverso da medalha, em que a precipitação para a industrialização acarreta amargos dissabores àqueles que se propõem dedicar-se, em extremo, a este sector de actividade económica, não cuidando, concomitantemente, de dar aos demais sectores um impulso perfeitamente coordenado, de modo a evitar que a aceleração no ritmo venha a dar o golpe de misericórdia naquelas actividades que foram o substrato da própria Nação.
A propósito do imposto sobre a indústria agrícola, o nosso colega Sr. Eng.º Amaral Neto de colaboração com outros, num livrinho deveras interessante, escreveu a seguinte passagem:
Vivemos hoje. universalmente, uma megalomania fabril, à qual não basta a experiência de alguns malogros monstruosos para se abster de armar em mestra da lavoura, e que está constituindo um mundo à margem, se não ao contrário da biologia; mas já se erguem, nos países levados a correr para a industrialização muitas vezes a deitarem contas: ao custo do seu improviso, e lembrando ser da agricultura próspera que por evolução pode sair uma indústria sã.
E o reparo tem razão de ser quando nos lembramos de que 40 por cento da população portuguesa vive da agricultura e que só com o seu fortalecimento se poderá obter o poder de compra necessário para o consumo da maior parte dos produtos industriais.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador:- Postas estas considerações, tenho a lamentar que ao desenvolvimento do sector agrícola se tivesse atribuído uma verba que, em boa verdade, mal
atinge-se 2 milhões da contos.
Pouco, muito pouco, em foce da magnitude do Plano Intercalar a contrariar o aviso do nosso ilustre colega Sr. Eng.º Araújo Correia, que afirmou:
Ser necessário fazer um grande esforço no sentido de melhorar as condições da produção agrícola, pois que a agricultura atravessa uma crise, que se torna cada vez mais assustadora.
O aviso, que tinha algo de profético, pois, feito no relatório de contas de 1960, veio a ter, infelizmente, plena confirmação nos anos subsequentes, de modo a surgir uma crise que parece tomar proporções catastróficas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O nosso sector primário está na verdade, sujeito à estranha e iníqua pressão de ver agravados, extraordinariamente, os preços do custo da produção e mantidos ou até, diminuídos os preços de venda dos produtos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daí a angústia que perpassa pela lavoura, daí o abandono dos campos, o êxodo inevitável das populações e a senhora pobreza a fazer a sua aparição em lares que, não sendo tradicionalmente ricos, tinham o bastante para o equilíbrio das pequenas economias e sustento do agregado familiar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois essa estabilidade tradicional, e que era a melhor trave-mestra da vida económica, política e social da Nação, quebrou-se e os nefastos resultados já se encontram bem à, vista.
E esses malefícios mais se evidenciarão nos próximos anos, precisamente naqueles em que o Plano Intercalar vai actuar.
Mas não se atribua só ao nosso agricultor a culpa do que se passa no seu sector de actividade, pois a sua responsabilidade é extraordinariamente atenuada pelas medidas improvisadas com que se pretende resolver problemas graves e pela falta de uma orientação metódica, e eficaz o susceptível de se conseguirem melhores dias para essa sacrificada gente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A burocracia, tão justamente estigmatizada, pelo espírito agudo e justo do Sr. Ministro da Justiça, tomou à sua conta a pobre lavoura, o que foi um desastre.
Criaram-se inúmeras comissões para o estudo dos problemas agrários, fundaram-se inúmeras repartições para o mesmo efeito e conclui-se, ao fim e ao cabo, que tudo isto serve para tornar ainda mais difícil a vida do lavrador sem qualquer resultado benéfico.
As comissões reúnem e entram em divergências doutrinárias umas com as outras e em discussões de competência, com a elaboração de possíveis relatórios que vão enriquecer os arquivos dos Ministérios, mas sem que daí resulte um princípio orientador capaz de dar um pouco de bem-estar à nossa sacrificada lavoura.
Os organismos oficiais fervilham por todo o País, sem darem, na maior parte dos casos, qualquer auxílio ao lavrador, mas ao qual não se esquecem de cobrar a respectiva contribuição.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dois factos servem para ilustrar a presente exposição. O primeiro deles refere-se ao angustioso problema com que se debatem os produtores da batata. Segundo os elementos publicados, não parece que a produção fosse de tal forma excessiva a justificar os preços de miséria que se oferecem ao produtor.
Talvez por essa razão, logo a seguir à colheita, foi cotada a 1$ o quilograma, o que já daria uma pequena margem de lucro ao lavrador para acudir às suas necessidades prementes.
Pois quando a procura da batata a processava normalmente, sem excessos de oferta, veio a Junta Nacional das Frutas anunciar que recebia a batata, posta no Porto, à razão de $80 o quilograma.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tanto bastou para que a procura normal que estava a, fazer-se na minha região desaparecesse e os especuladores iniciassem a sua acção nefasta, oferecendo preços inferiores ao custo da produção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -- Já que nada poderia fazer sobre os pontos de vista que adoptou, seria uma benemerência a de a Junta manter-se calada e pensar, a sério, na instalação de armazéns apropriados para a recepção da batata em época de abundância e grande oferta, dando-se cumprimento ao desejo formulado no próprio Plano, no sentido de valorizar as regiões menos evoluídas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro facto, que traz alarmado um grande sector da actividade agrícola.
Mercê de uma lei infeliz, e possivelmente do pouco cuidado na tutela da sua acção, perdeu-se o contrôle no plantio da vinha, uma boa parte implantada em terrenos aptos para outras culturas.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Daí a aflitiva situação em que se encontra a vinicultura, a qual já nem sequer pode ser amparada pelas diferentes organizações ligadas à produção do vinho.
A região do Douro, depois; de 32 anos de relativa valorização do seu produto, encontra-se no limiar de uma crise gravíssima, estando a benemérita Casa do Douro sem capacidade financeira para suportar o grave problema, se os sectores governamentais responsáveis não lhe proporcionarem, nesta emergência, os meios necessários para debelar a crise.
E o Douro não pode sequer socorrer-se a outra fonte de receita para aguentar a vida dos pequenos lavradores, pois é no vinho que encontram o rendimento indispensável para isso.
Entre os 22 000 associados da Federação, mais de metade colhe menos de 10 pipas; de vinho.
Se lhe faltar, pois o apoio da Casa do Douro, na sua função legal de promover o escoamento dos vinhos da
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maior parte dos lavradores, é certo que tal facto provocará uma crise sem par, com as suas desagradáveis consequências económicas e até políticas.
Ora, o Plano Intercalar, pelo que toca à lavoura, parece estar muito distante das realidades. Não basta, na verdade, preconizar medidas de possível eficácia a longo prazo; há que atender também às necessidades do presente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O sector agrícola tem sido tratado com pouca atenção e não se lhe dá o relevo que ele merece, nem se atende convenientemente àqueles que nele trabalham e dele vivem.
Está a agricultura submetida a constantes estudos para o seu conveniente ordenamento, mas a verdade é que ainda não surgiu a almejada solução nem se vislumbra que tal venha a acontecer nos tempos mais próximos.
Entretanto, não se pode deixar entregue à sua sorte este importante sector da actividade económica nacional, pois disso resultará o inevitável empobrecimento de todos, quantos a ela se dedicam, com reflexos graves no próprio progresso da Nação.
Outros inconvenientes podem surgir no campo social e político.
Daí a necessidade de o Plano que se discute ser mais generoso para a classe mais sofredora do País e, até, a mais resignada.
O Sr. António Santos da Cunha:-~Muito bem!
O Orador: - Há que investir nela mais fundos e subsidiá-la na medida em que se possam evitar situações desesperadas e de difícil remédio futuro.
Termino, Sr. Presidente, dando o meu apoio ao Plano Intercalar que se discute, formulando, porém, a esperança de se reforçar substancialmente a verba atribuída à agricultura, por forma a esta manter o lugar que lhe compete no campo económico nacional e continuar a ser a trave-mestra da nossa organização político-social.
Fiel à tradição, tem a agricultura resistido a todos os ventos demolidores das nossas estruturas morais, políticas e sociais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria de lamentar que assim se não entendesse e se deixasse morrer de inanição uma actividade que ajudou o D. Portugal na gesta heróica de séculos.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Como VV. Ex.ªs sabem, amanhã é o primeiro dia de funcionamento da 4.ª sessão legislativa desta Legislatura. Não tenho de marcar ordem do dia, porque a ordem do dia está marcada pelo Regimento. De harmonia com o Regimento, a ordem do dia é a eleição dos membros da Mesa, cujo mandato agora termina.
Nestas condições, amanhã haverá sessão para o efeito que acabo de referir.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Marques Lobato.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Antão Santos da Cunha.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
James Pinto Bull.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
Manuel Amorim de Sousa .Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA