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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETÁRIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 158
ANO DE 1964 28 DE NOVEMBRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 158 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 28 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários das Sessões n.ºs 155 e 156.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Calheiros Lopes foi autorizado a depor, como testemunha, na 3.ª vara cível de Lisboa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Meireles, que comentou certas declarações recentes do primeiro-ministro britânico, e Lopes Roseira, para se referir à próxima realização do Congresso das Comunidades Portuguesas, em Lisboa.
Ordem do dia. - Continuou o debate, na generalidade, da proposta dg lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes de Oliveira, Bento Levy e Agostinho Cardoso.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
João Mendes da Costa Amaral.
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João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente:- Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 155 e 156, para serem submetidos a aprovação. Se algum Sr. Deputado desejar fazer qualquer reclamação sobre os referidos Diários, é o momento de o fazer.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado fez qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício do Sindicato Nacional dos Telefonistas e Ofícios Correlativos do Distrito de Lisboa a apoiar uma exposição do Sindicato Nacional dos Profissionais de Telecomunicações e Radiodifusão acerca do problema dos trabalhadores de laboração contínua.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da 3.a vara cível da .comarca de Lisboa a pedir que o Sr. Deputado Calheiros Lopes seja autorizado a depor, no dia 4 de Dezembro próximo, naquele tribunal. Consultado ò Sr. Deputado Calheiros Lopes sobre se via qualquer inconveniente para o exercício do sen mandato em ser
autorizado a depor, informou que não via inconveniente. Nestas condições, submeto o pedido à consideração da Câmara.
Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sousa Meneses.
O Sr. Sonsa Meneses: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Ainda vi o grande Chaby Pinheiro representar uma comédia em 3 actos que se chamava O Amigo de Peniche. Era uma comédia muito engraçada, mas que tinha .no fundo uma faceta dramática: uma pessoa sob a capa da amizade não trazia senão dissabores às pessoas com quem convivia. Na gíria popular, o amigo de Peniche passou a ser sinónimo de falso amigo.
De qualquer maneira, há uns anos a esta parte estamos habituados a encontrar na vida internacional vários amigos de Peniche que, com razão ou sem ela, de uma forma ou de outra, tem dificultado a vida da Nação na prossecução dos objectivos que por imperativo histórico, humano, económico e de realidade política deseja e tem que atingir.
Mas porque tem sido assim, também a Nação se tem habituado a viver a sua vida contando essencialmente consigo, embora sempre desejosa e pronta a manter boas relações de convívio internacional com todos os povos que o desejam. E a nossa predisposição para esse convívio é tal que temos sido capazes de perdoar, mas talvez não esquecer, um ou outro agravo que nos tenha sido feito.
Vêm estas considerações a propósito das declarações parece que feitas pela Sr. Wilson, primeiro-ministro britânico, na Câmara dos Comuns, sobre o fornecimento de armas a Portugal para utilização nos territórios portugueses do ultramar. O primeiro-ministro cobre-se com a anterior decisão do Governo Conservador, tomada na O. N. U., em 1963, e parece que reafirma o propósito de manter a mesma política.
Os jornais de hoje transcrevem a opinião de um informador do nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre a matéria, e essa opinião parece suficientemente pertinente e clara.
Desejaria, no entanto, sob minha total responsabilidade, acrescentar dois ou três comentários.
Que me recorde, é a primeira vez que o Estado Português procura reequipar a sua marinha com navios de guerra encomendando-os a estaleiros não ingleses.
Os milhões de contos assim despendidos irão beneficiar outras indústrias estrangeiras, que não as inglesas. O Sr. Wilson poderá, melhor do que eu, justificar à opinião pública britânica as consequências económicas do facto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tanto quanto sei, não tem sido difícil ao Governo Português obter o equipamento de que necessita para equipar as suas forças armadas: se o Governo Inglês não o quiser ceder, e a tal não tem sido solicitado, duas consequências imediatas poderiam resultar: os industriais britânicos da especialidade teriam de pedir contas ao Governo Trabalhista pelos prejuízos que haviam de suportar; e o Governo Português poderia, para começar, cancelar algumas encomendas de outros equipamentos não militares feitos ou a fazer à indústria britânica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Ainda neste caso o Governo Trabalhista teria de responder às solicitações da sua opinião pública.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E ainda a propósito deste ponto gostaria de saber as verdadeiras razões que levaram, o Governo Trabalhista a acabar por ceder à República da África do Sul os aviões Bucancer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Finalmente, nós sabemos, o Mundo sabe, que nas grandes linhas do partidarismo britânico existe a ideia dominante de que a propaganda eleitoral, no que respeita à política externa, se faz de acordo com a política do partido, como é natural, mas uma vez que o partido passa a governo, as realidades da vida internacional o levam a ceder ou mesmo a abandonar alguns aspectos das directrizes políticas que a paixão eleitoral ou o desconhecimento de alguns dados importantes do problema obrigaram a traçar.
Por isso, tenho esperança de que o Governo Trabalhista, sobretudo depois de ouvir a opinião dos seus cinco partidários que recentemente visitaram as nossas províncias ultramarinas de Angola e Moçambique, possa melhor aperceber-se das razões que nos levam a considerar Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Guiné, Cabo Verde, Macau e Timor como províncias portuguesas e, consequentemente, com o direito de as defender, por serem nossas. E assim há-de ser até ao limite das nossas possibilidades, com ou sem autorização do Governo Trabalhista.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Quando cada um de nós pensa na situação do Mundo actual, ficamos desorientados ao procurar encontrar uma lógica de pensamento e de atitudes nos responsáveis pela condução do Mundo. Para lá da «cortina» tudo parece lógico, porque tudo parece obedecer a uma directriz comum; para cá dessa «cortina» os atropelos são constantes e a mudança de rumo nas políticas e nas atitudes são frequentes: a América ajuda o Japão e o Japão não gosta da América; a França, ajuda a Argélia e a Argélia está constantemente a trair a França: a Inglaterra deseja a independência progressiva, das suas antigas colónias, mas quando uma delas quer fazer a sua independência a Inglaterra não quer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No que a nós respeita, e só para falar em aspecto relacionado com a razão de ser desta intervenção, faz-me confusão, não entendo, que um país negue a outro país legitimamente constituído, organicamente estruturado, com uma missão que a história lhe entregou e as realidades dos nossos dias impõem, a possibilidade de se defender de ataques terroristas e que, em contrapartida, consinta que agenciários seus forneçam a- esses terroristas, que não são mais na estrutura das nações do que agentes do mal, da desgraça e da desordem, as armas que necessitam ... e que possam pagar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não entendo, Sr. Presidente.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está para breve um acontecimento do mais alto e brilhante significado na vida do agregado nacional: o congresso das comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo. E é à benemérita Sociedade de Geografia de Lisboa que ficará cabendo a honra de tão feliz inspiração.
Entendi, por isso, que uma tal afirmação, concreta e válida, da presença de Portugal no Mundo não devia ser silenciada nesta Assembleia. Menos qualificado do que qualquer dos ilustres colegas para dar a merecida relevância ao empreendimento a que patriòticamente se devotou a benemérita Sociedade de Geografia de Lisboa, seja-me permitido, no entanto, que aqui deixe exarada modesta nota de registo, a provar que a brilhante iniciativa não nos foi indiferente. E quem pode ser indiferente à delicada, à amorosa, tarefa de reunir nesta capital, em congresso, os portugueses que se apartaram do seu rincão natal e, correndo as sete partidas do Mundo, foram aplicar as suas actividades em terras de outras gentes?
Este pretexto de pura demonstração de fraternidade e de amor pátrio nunca enfraquecido penso que não será por ninguém incompreendido e desvirtuado. Não sei em que medida terá o Governo animado, acarinhado e auxiliado esta iniciativa magnífica, de que hão-de brotar frutos surpreendentes, por nunca sonhados. Também, a tal respeito muito pouco tem sido divulgado publicamente. Se bem que não me pareça isso a melhor maneira de se dar repercussão a um empreendimento de verdadeiro interesse nacional - que o é na sua exacta e real dimensão -, também penso que não é pelo silêncio que se diminui a relevância de uma iniciativa que, por sua natureza, já é relevante. Impõe-se de tal modo, pela sua dimensão e alcance, que excede o de qualquer dos congressos realizados em terra portuguesa e dispensa que para ele chamemos as atenções do Governo.
Nascido de uma instituição apolítica, o Congresso das Comunidades Portuguesas, não visando directamente objectivo político, há-de, fatalmente, ter repercussão política, que não deixará de ser benéfica a todos os títulos. E a razão é simples.; a maioria daqueles que, numa demonstração de boa vontade, visitam episodicamente a Mãe-Pátria, emigraram em idades pouco amadurecidas para terem Levado e Conservarem uma ideia clara e ajustada do valor global da vida do País. Chegados agora, volvidas algumas dezenas de anos, e depois de haverem alcançado e consolidado posições de considerar nos países que elegeram por segunda pátria, estão, à custa da experiência vivida e da isenção de espírito resultante de nova mentalidade criada, estão, como vinha dizendo, em condições de ver e avaliar desapaixonadamente os diversos aspectos da vida nacional, por comparação com o que deixaram no tempo de emigração. E sem querer insinuar, vão com certeza encontrar algumas realizações que constituem título bastante para acreditar um sistema de governo. Os seus juízos, portanto, porque não são de estrangeiros a quem o obséquio dos banquetes e passeatas força à lisonja, terão para nós, que vivemos sob a influência do próprio meio, o valor das confissões sinceras de membros de nossa família, podendo, por isso, ser de grande utilidade.
Sinto-me comprazido em fazer esta despretensiosa referência ao Congresso das Comunidades Portuguesas, por um lado, porque o alto significado nacional que encerra espicaçou o meu sentimento patriótico e, por outro lado, porque posso pôr à prova, mais uma vez, a minha capacidade de livre determinação e o meu poder de dissociar dos homens as ideias, para abraçar e repelir estas e continuar, na ordem social, a respeitar e a considerar
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aqueles. Fico convencido de que, por este modo, dou nota de isenção e de integridade, cuja falta, infelizmente, se vem notando com surpreendente prejuízo do progresso da nossa vida política e social.
Não vejamos neste empreendimento outra coisa que não seja uma parada das forças morais e espirituais da Nação dispersas e até há bem pouco tempo esquecidas e abandonadas. Ele traz-nos muito de afectivo e não deixará de ser altamente construtivo pelo que há-de resultar de aumento do poder de coesão deste património humano perdulàriamente disperso pelo Mundo. Adquirida a noção do seu real valor, para cima e para além da forte: corrente de valores materiais que sustentam a Mãe-Pátria, que tudo pede e tudo espera, e nenhum calor tem irradiado para manter fortes e vivos os vínculos do patriotismo, pressinto que está a ser dado um grande passo para o restabelecimento da integração nos efectives nacionais dos nossos irmãos separados pela necessidade e gosto de subsistirem em pátrias alheias. E não há dúvida de que o Congresso das Comunidades Portuguesas exprime um propósito de integração básica, promissora de frutuosas realizações. Impunha-se que essa integrarão fosse tentada para que adquira autêntica expressão o valor da Nação integral.
Estou certo de que, por estas e outras razões que à minha mente minguada não afloram, o Governo não ficou indiferente a tão grandiosa iniciativa, a tão magnífico movimento patriótico, que, desde o do Ultimato, não tem outro que se lhe compare ou iguale. E não faltará com as providências que valorizem e garantam futuras realizações conducentes a manter entre as centenas de milhares de compatriotas dispersos pelo Mundo o conhecimento e uso da nossa língua, da nossa cultura sempre actualizada, das nossas realizações materiais, das nossas tradições, e a prática da nossa religião em igrejas nossas, se possível. Não é só pedir. É imperioso que se dê alguma coisa do muito a que civicamente somos obrigados para que haja legitimidade na razão de pedir. Ninguém duvida que após o breve encontro com os nossos compatriotas e com os descendentes deles sairemos mais fortes e mais lúcidos da nossa presença no Mundo.
A fidelidade à Pátria está sujeita a diluição e natural desaparecimento entre multidões estranhas com a sucessão das gerações. As espécies vegetais, quando transplantadas para outros meios, também estiolam e morrem se não tiverem tratamento adequado. Assim com os homens. Não seja, pois, motivo de escândalo sabermos de portugueses ou de descendentes de portugueses que já não falam e até desconhecem a língua portuguesa.
Dêmo-nos por muito felizes por verificarmos, ainda, que acorrem espontaneamente ao chamamento, suportando de conta própria os gastos de tão dispendiosas deslocações, numa demonstração insofismável de que em seus corações ainda pulsa Portugal. E culpemo-nos, a nós próprios, de tão lamentáveis situações, reconhecendo o fracasso da nossa indiferença pelos que abandonam a Pátria, como se fossem valores perdidos com que já não pode-mos contar, e juremos fazer acto de contrição por meio de acções válidas que nos absolvam de tantos erros que temos vindo a cometer. E o primeiro acto será o de pedirmos, sincera e humildemente, desculpa aos nossos irmãos expatriados, com a promessa de uma reabilitação congraçante e integradora na corrente espiritual desta Pátria eterna.
Sr. Presidente: O próximo dia 8 de Dezembro, escolhido para a realização do I Congresso das Comunidades Portuguesas, é dia duplamente festivo, por consagrado à Padroeira da Nação e por marcar o primeiro encontro, na velha Casa Lusitana, dos portugueses de todas as origens, que acudiram pressurosos e alvoroçados às sonoras vibrações do solene toque de reunir que a benemérita Sociedade de Geografia de Lisboa fez soar e o vento levou às mais recônditas paragens do Mundo, onde o cérebro e os braços de portugueses colaboram pacificamente no bem-estar e progresso dos povos a que se acolheram. Seja esse dia verdadeiro dia de festa da família portuguesa; e fique como data imperecível, mais do que para recordar, para repetir anualmente, cada vez com maior interesse e entusiasmo, com a certeza de que avivamos mais a chama e logramos mais calor quando assopramos ao lume da nossa lareira.
Seria esplêndido, maravilhoso, meus senhores, que naquele dia repicassem à mesma hora os sinos de todas as igrejas de Lisboa, no tom das grandes solenidades festivas que nos enchem a alma, anunciando o acontecimento mais faustosos do nosso tempo: a presença em Portugal dos nossos irmãos separadas pela distância.
Quantos dos que virão rever-se no pátrio lar, ou ver o lar dos seus maiores, vão sentir-se rejuvenescer perante o reconhecimento de velhas testemunhas de suas vidas passadas ou de identificação das evocações familiares? E fossem quais fossem os motivos que os levaram ao expatriamento, por certo vão ter agora ensejo de voltar a ver sítios e coisas, edifícios e monumentos, pessoas e paisagens que noutras idades lhes foram familiares e de poderem dizer com voz tremente de profunda comoção:
Ai, há quantos anos eu parti chorando
Deste meu saudoso carinhoso Lar
Saudemo-los e acarinhemo-los com fraternal desvelo e sentir-nos-emos mais senhores de nós e mais certos ía grandeza desta pátria imortal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: Ao iniciarmos a nossa intervenção neste debate sobre o Plano Intercalar de Fomento, entendemos ser de inteira justiça uma palavra de louvor ao Governo pela magnitude do Plano, com um investimento total da ordem de 48,8 milhões de contos, dos quais, aproximadamente, 34,4 milhões destinados à metrópole. Os números citados traduzem-se, sem dúvida, numa impressionante perspectiva de esforço que para muitos seria considerado quase impossível na conjuntura presente, mas que uma prudente e bem conduzida administração durante muitos anos agora o permite.
No decorrer dos trabalhos da Comissão Eventual desta Assembleia, designada expressamente para o estudo do Plano Intercalar, coube-nos a honra de apreciar o capítulo sobre o «Ensino e a investigação», do qual passaremos a ocupar-nos neste momento, embora de forma
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um pouco mais sucinta, dado o condicionamento de tempo que nos é imposto.
Entretanto, ao debruçar-nos sobre a grandeza do Plano, não foi sem uma certa tristeza que deparámos apenas com a verba de 874 000 contos consignada à investigação e ao ensino, em que 585 000 contos se destinam exclusivamente a construções de edifícios. Ora, o desenvolvimento da cultura, no sentido de uma melhor preparação intelectual e profissional das populações, tem sido uma das grandes preocupações dos responsáveis pela condução dos destinos da maior parte das nações. Para o efeito são tomadas as medidas consideradas indispensáveis, não se menosprezando a atribuição de dotações suficientes para permitirem um aproveitamento eficiente. E assim é possível assinalar em relação a muitos países aquilo que há poucas semanas escrevia num jornal diário um distinto jornalista:
À medida que os países se desenvolvem e progridem - pode verificar-se o facto em todos os orçamentos -, consagram uma parte cada vez mais importante dos seus recursos globais ao ensino.
São realmente vários os casos, que poderíamos referir, em relação a muitos países, que atribuem regularmente 25 e até 30 por cento do seu orçamento nacional ao ensino. Em Portugal, se nos reportarmos à receita ordinária para 1964, verificamos que a verba despendida com o ensino se situa, aproximadamente, na ordem de 11,8 por cento, mas, se entrarmos também com a receita extraordinária, essa percentagem será da ordem dos 8,3 por cento. Convém, entretanto, e para impedir malévolas especulações, frisar um aspecto que, por vezes, anda um tanto esquecido e que é o de estes encargos não representarem todas as despesas do País em matéria de educação, pois que então seria necessário juntar ainda o que se relaciona com todos os serviços de educação dependentes de outros departamentos ministeriais.
As considerações que faremos apenas respeitam ao Ministério da Educação Nacional e aos objectivos do Plano Intercalar que se prendem com este sector.
Como prelúdio das apreciações que se seguem, não queremos deixar de acentuar que, comparativamente com o I e II Planos de Fomento, algum progresso se verificou, para não dizer que uma conquista se obteve, e que foi, como se diz na justificação do capítulo, a intenção de «integrar as matérias do ensino e investigação - em seu conjunto - neste e nos futuros planos de desenvolvimento nacionais», reconhecendo-se ainda que «devem mesmo alinhar entre as matérias merecedoras de tratamento prioritário». Neste sentido se pronuncia a Câmara Corporativa quando, no preâmbulo do seu douto parecer, diz: «Assim, na perspectiva de aceleração do progresso técnico e económico, passam a ser enormes as responsabilidades do sistema educativo, que não pode, pelo seu anacronismo, constituir travão ao processo em curso, nem abdicar da sua função básica de promoção e dignificação dos homens».
Vários princípios se definem, porém, no presente Plano Intercalar, que por todos os títulos estimamos que aí ficassem registados, e que bem desejaríamos servissem de meditação aos responsáveis pela estruturação dos futuros planos de fomento, na esperança de que seja um prenúncio de melhores dias. E, ao contemplarem-se sectores que pela primeira vez figuram num plano de fomento, aconteceu que também sobre eles caiu, como apropriadamente ouvimos a um ilustre colega da Assembleia, «uma chuva miudinha».
Ora, nesta emergência, julgo que nada mais poderemos fazer senão formular ardentes votos para que nos reforços em dotações que venham a verificar-se no decorrer da execução deste Plano Intercalar de Fomento e no que se lhe seguia essa «chuva miudinha» continue a cair incessantemente e com mais intensidade, de modo a transformar-se em corrente caudalosa que proporcione uma movimentação no sector da investigação e do ensino que permita um real e efectivo progresso do País.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Nunca o crescimento económico e industrial será capaz de corresponder às exigências da época e caminhar em bases sólidas se continuarmos a subestimar o sector da investigação e em parte o do ensino, como até aqui tem sido processado.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - Agora, como o fizemos no nosso discurso de apresentação do aviso prévio sobre educação nacional, continuaremos a dizer que se impõe elevar o nível de instrução e de cultura, para que à grande maioria da nossa juventude seja dada a foi mação que as necessidades do País requerem, a fim de que a sua participação na vida social e nacional se verifique real e activamente. Temos necessidade imperiosa de formar mão-de-obra especializada e de dispor de profissionais competentes para ocorrer às necessidades que uma economia nacional progressiva impõe. E não subsistem dúvidas sobre a carência, por exemplo, de técnicos de grau médio, indispensáveis para a boa marcha da indústria e da agricultura.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O mesmo se pode dizer em relação à escassez de técnicos de grau superior, sendo, na verdade, de particular interesse, como já acentuei desta tribuna, a reorganização do nosso ensino superior, em ordem a torná-lo apto às exigências que o progresso técnico, científico e> espiritual do País hoje lhe faz.
O Sr. André Navarro: - Muito bem!
O Orador: - Segundo estudos levados a efeito e fundamentados em vários aspectos e inquéritos aos sectores secundário e terciário metropolitanos para obtenção de informação completa sobre as profissões, idades, sexos e as habilitações escolares da população activa, que se encontram referidos no designado «Projecto Regional do Mediterrâneo - Evolução da Estrutura Escolar Portuguesa (Metrópole)», em ligação com a O. C. D. E. (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), nas previsões para 1975, estabelece-se qual a estrutura educacional da população activa de que o País deveria dispor nessa data, ao mesmo tempo que permitiu chegar às conclusões seguintes:
a) O número de analfabetos em relação aos adultos baixou consideràvelmente e a taxa de analfabetismo quanto às crianças em idade escolar é praticamente nula;
b) Mais de dois terços da população activa possuíam como habilitação apenas o ensino primário (em alguns casos até incompleto): 67.2 por cento, aproximadamente;
c) Manifesta insuficiência de diplomados do ensino anedio (institutos industriais e comerciais e escolas de regentes agrícolas): 0,4 por cento.
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É, por Conseguinte, indispensável facultar o ensino a todas as crianças, segundo a sua capacidade e as suas aptidões, multiplicando-se as medidas e as iniciativas que permitam ocorrer ao afluxo cada vez maior de jovens aos estabelecimentos de ensino, numa ânsia legítima e compreensível de se apetrecharem de modo a corresponder às exigências inerentes ao extraordinário desenvolvimento científico e técnico que &e tem vindo a verificar no País, em ritmo cada vez mais acentuado.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - E assim, nas estimativas apresentadas no «Projecto Regional do Mediterrâneo», enquanto nos quinze 8 nos que decorrem entre 1945-1946 e 1959-1960 concluíram os cursos, aproximadamente, 1 402 000 indivíduos, as previsões para 1960-1961 e 1974-1975 são da ordem de 4 302 000, isto é, quase 2,9 vezes mais:
[Ver Tabela na Imagem]
Nestes números se prevê, como se põe em evidência nos comentários que os acompanham, o aumento considerável do 1.º ciclo, a que não deve ser estranho o alargamento da escolaridade a partir de 1965; o aumento do ensino médio, «a reflectir a premente necessidade de procurar suprir a importante carência actual de diplomados desse nível»; o aumento «nos restantes ciclos do ensino secundário (2.º e 3.º), por forma que exista ampla base para ingresso nos cursos de nível mais elevado e melhore a qualificação da população activa».
Para que realmente tudo se processe segundo as previsões enunciadas, urge da parte do Estado uma acção enérgica quanto às medidas e iniciativas a tomar.
No que respeita ao desenvolvimento das construções escolares, pode afirmar-se que só no ensino primário o ritmo tem correspondido à evolução da frequência, com a instalação de 1000 salas por ano, o que satisfaz quase plenamante. O principal óbice a impedir esse ritmo de construções pensamos estar na circunstância de as câmaras municipais terem de oferecer os terrenos, não possuindo uma grande parte delas capacidade financeira para tal.
Quanto ao ensino técnico que compreende o elementar e profissional (comercial, industrial e agrícola) e o ensino médio (comercial, industrial e agrícola) -, o problema propriamente em discussão, isto é, o que nos é proposto neste Plano Intercalar, como já o havia sido no II Plano de Fomento, apenas se relaciona com a construção de edifícios das escolas. Quer dizer que agora, como então, «o número total de escolas a criar, a sua cadência, o seu tipo e a sua localização são tema aberto à discussão».
Deve afirmar-se, em abono da justiça, que nos últimos onze anos o número de construções, no ensino comercial e industrial, se processou em aumento sensível, mas de forma alguma acompanhou o crescimento dos efectivos escolares. Durante o período de desenvolvimento do I Plano de Fomento, isto é, de 1953-1958, entraram em funcionamento 31 novos edifícios, a que se juntaram mais 4 no início de 1959. Depois, com a entrada em execução do II Plano de Fomento, construíram-se, no período que medeia entre 1959 e 1964, 27 edifícios, com uma capacidade para 29 700 alunos.
Apesar disso, atingimos o presente momento com a capacidade dos estabelecimentos de ensino técnico largamente excedida, o que se deve ao aumento anual médio da frequência no último quinquénio - 1959-1960 a 1963-1964, da ordem dos 12 000 alunos.
Se o crescimento escolar se processar neste ritmo, o que está dentro das previsões, o aumento de frequência para o fim do triénio do Plano Intercalar comportar-se-ia em 36 000 alunos.
Para pôr um pouco mais em evidência o que tem sido este aumento da população escolar no ensino técnico bastará referir que, enquanto a frequência, incluindo o ciclo preparatório, o ensino comercial, o ensino industrial e de artes decorativas, o ensino agrícola e os institutos comerciais e industriais, era de 31 958 alunos em 1952-1953, passou a 120 884 no ano lectivo de 1962-1963, tendo-se registado os maiores aumentos, como acentuámos, no último quinquénio - 1959-1960 a 1963-1964.
Por curiosidade, deixaremos aqui o apontamento, que nos foi facultado, de que no mesmo período, isto é, de 1952-1953 a 1962-1963, os profissionais diplomados pelas escolas técnicas, incluindo da mesma forma os institutos comerciais e escolas comerciais, os institutos industriais e escolas industriais e ainda, várias profissões agrícolas, foi da ordem dos 26 177 alunos.
E, se nos detivermos na análise do número de diplomados por sectores, não lesta, dúvida de que o País está carecido de pessoal técnico especializado, sendo de destacar a insuficiência de agentes técnicos de engenharia, o que significa a necessidade de mais institutos industriais, hoje limitados apenas a dois - um em Lisboa e outro no Porto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - L'Observateur de l'O. C. D. E. preconiza uma extensão do sistema escolar português que permita acolher em 1975 três vezes mais alunos do que os que actualmente existem no ensino técnico profissional, isto é, 395 000 alunos, aproximadamente, em 1975.
Quanto a escolas de regentes agrícolas, também o seu número é insuficiente, e hoje apenas dispomos de três: Évora, Santarém e Coimbra.
Do que fica dito se deduz que o esforço de construções terá de ser superior ao do II Plano de Fomento, mas ... -. e este «mas ...» se aplicará a todo o capítulo, dado o «condicionalismo da conjuntura em que o Plano se insere» - a verba consignada neste Plano Intercalar é inferior, em relação ao triénio, em 60 000 contos de igual período do II Plano de Fomento, que era de 200 000 contos. Ora, convém ter presente que, se se pensa em edificar mais escolas técnicas e construir, como se impõe, os edifícios para os Institutos Industriais do Porto e Lisboa, que, com mais 42 escolas técnicas que se encontram em funcionamento, se mantêm em edifícios sem instalações próprias, insuficientes, e algumas até em condições que afectam o rendimento do ensino, não poderemos deixar de considerar a dotação agora inscrita muito deficiente.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça o obséquio.
O Sr. Martins da Cruz: - Desejo aproveitar o haver V. Ex.ª findado as suas referências ao ensino técnico
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para uma ligeira observação. Referiu-se V. Ex.ª ao programa das construções escolares, sobretudo as que respeitam ao ensino técnico profissional, no II Plano de Fomento, comparando-o com o previsto no III Plano de Fomento. E pareceu-me que V. Ex.ª acentuou, e bem, o ritmo das construções escolares nessa modalidade de ensino naquele Plano de Fomento. Apesar disso, como V. Ex.ª sabe, ao terminar agora o II Plano de Fomento o ensino técnico profissional carece de cerca de 40 escolas técnicas para poder ministrar em condições pedagógicas convenientes o respectivo ensino aos seus alunos. Contando apenas com os 80 concelhos do País em que há estabelecimentos oficiais de ensino técnico e lembrando que há, portanto, cerca de 225 concelhos sem tal ramo de ensino, naqueles concelhos o ritmo do crescimento da população escolar vem sendo de 12 000 alunos por ano, aproximadamente. Supondo que cada escola possa albergar 2000 alunos, e será já talvez uma escola pedagogicamente desaconselhável, para dar satisfação a um tal aumento normal da população escolar do mesmo ensino nesses 80 concelhos serão necessárias mais 6 escolas técnicas por ano. Como o Ministério das Obras Públicas está a construir escolas técnicas que custam cerca de 12 500 contos cada uma, os 140 000 contos votados para os três anos do Plano Intercalar darão para menos de 12 escolas. Ora, para fazer face àquele aumento de 12 000 alunos por ano seriam precisos 18 edifícios. A verba votada para os três anos do III Plano de Fomento não permite, assim, acudir às necessidades que implicam o simples crescimento verificado nos referidos 80 concelhos do País que dispõem de ensino técnico oficial, e muito menos consente recuperar o atraso dos 42 edifícios herdado do II Plano de Fomento.
Neste aspecto do ensino técnico profissional, que considero o ponto fulcral da nossa instrução secundária, o III Plano de Fomento, em vez de ajudar-nos a dar o salto para a frente e a apanharmos o comboio da Europa, vai retardar-nos a marcha ...
O Orador: - Agradeço a achega de V. Ex.ª Das minhas palavras depreende-se exactamente aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer.
Olhando ao que se passa com o ensino liceal, não nos parece que seja o melhor critério a limitação de instalações de liceus às sedes dos distritos, como se verifica na grande maioria dos casos. Tal orientação traz, por um lado, uma baixa de frequência dos efectivos, já que nem todos tem possibilidades materiais para essas deslocações, e, por outro lado, origina uma aglomeração de alunos que não pode deixar de afectar e influenciar desfavoravelmente o ensino, tornando-o deficiente e menos produtivo. E deste modo já vai sendo corrente liceus que foram construídos para uma capacidade de 900-1000 alunos albergarem cerca de 3000 alunos. Na nossa despretensiosa opinião, deveria seguir-se o sistema que se verifica noutros países, isto é, procurar alargar a rede dos liceus e escolas técnicas a todas as zonas de maior densidade populacional.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Martins da Cruz: - Não estou inteiramente de acordo com a observação que V. Ex.ª acaba de fazer quanto à imediata construção de liceus noutras zonas do País, porque tal solução iria retardar ainda mais a possibilidade de construção de escolas técnicas nessas mesmas regiões.
O ensino liceal conta ]á em muitas dessas zonas com os estabelecimentos do ensino particular que o ministram também e que têm frequência superior à dos liceus.
Onde se me afigura que haveria necessidade de alargar o âmbito das construções escolares oficiais, portanto, do ensino oficial secundário, era no ramo profissional, tanto industrial como comercial e agrícola.
O Orador: - Referia-me, sobretudo, à concentração que se verifica e que de certo modo se pode evitar.
O Sr. António Santos da Cunha: - E nesse ponto tem V. Ex.ª inteira razão.
O Sr. Martins da Cruz: - De alguma maneira, compensam a concentração dos liceus oficiais os estabelecimentos particulares que ministram ensino liceal, e que hoje se espalham por cerca de 180 concelhos do País, suprindo, de algum modo, a necessidade de liceus, mas no ensino técnico é que não temos tais estabelecimentos na grande maioria ou quase totalidade dos concelhos do País.
O Orador: - Desde que o ensino particular fosse devidamente subsidiado, para assim poder facultar o acesso aos que não dispõem de possibilidades materiais para a ele recorrerem.
O Sr. Martins da Cruz: - Como se impõe!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. António Santos da Cunha: - Aí tem inteira razão.
O Orador: - A partir de 1952 tem-se verificado um considerável aumento da população escolar, como se pode evidenciar pelos números correspondentes aos anos de 1952-1953 e de 1962-1963, cuja frequência foi respectivamente de 24 909 e 54 569 alunos.
As previsões de frequência até 1975 escalonam-se assim, segundo os cálculos efectuados: 1966-1967, 74 850 (fim do Plano Intercalar) e 1975-1976, 149 509 alunos.
Este aumento considerável de frequência, apesar do muito esforço que se tem desenvolvido, não foi acompanhado por um ritmo equivalente de construções de edifícios capazes de albergar o excedente da frequência incomportável para os 41 liceus existentes em 1961, o que tem criado um sem-número de problemas, mesmo em relação ao que foi necessário improvisar para instalações de turmas.
Como acentuámos quando da discussão do aviso prévio sobre educação nacional, nos liceus são raríssimas as turmas com menos de 40 alunos, o que torna o sistema de ensino deficiente e, por vezes, caprichosa a forma como o aluno é apreciado e classificado. Não querendo falar da quota-parte da responsabilidade de alguns professores, queremos, porém, evidenciar a natureza das possibilidades de que dispõem para ministrar um ensino mais eficaz e mais de acordo com renovados processos pedagógicos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse número, por turma, não deveria exceder 28, para que o ensino fosse eficiente.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Dada a situação existente em 1959-1960 neste capítulo de edifícios para liceus em relação com o crescimento escolar, seria necessário dispor de 20 novos liceus até 1964-1965, e apenas foi possível construir 6, por falta, evidentemente, de verba própria, com capacidade para 6 300 alunos.
Segundo as previsões, seria necessário para o próximo triénio -1965-1967- a construção de 26 liceus, com capacidade para 25 650 alunos.
Aqueles que se têm debruçado sobre o estudo da evolução que se operará até 1975 afirmam que «a curva de frequência do ensino liceal nos anos de 1964 a 1975 vai desenvolver-se no sentido em que se desenvolveu a curva da frequência do mesmo ensino nos anos de 1953 a 1963, e talvez com uma única diferença - a de uma subida mais acentuada».
Impõe-se uma distribuição dos liceus pelo País, bem como a do ensino técnico, de molde que todas as crianças, beneficiem das mesmas facilidades, dando a seus pais a possibilidade de lhes facultar uma preparação e uma formação mais de acordo, quantas vezes, com as suas aptidões e a forma de ensino que mais lhe convenha. Por outro lado, há valores que se desperdiçam, exactamente pela debilidade económica do agregado familiar, que, não podendo dispor de meios que permitam deslocar as crianças para os liceus, por distantes, e não podendo recorrer ao ensino particular, por bastante oneroso, as orientam num sentido que tantas vezes não está em correspondência com as suas aptidões e possibilidades intelectuais.
Em face dos números expostos, fácil é concluir da necessidade de aumentar o ritmo de construções, para o que a verba agora inscrita - 100 000 contos - é insuficiente.
Infelizmente, o ritmo de construções parece não poder atingir o nível que todos desejaríamos, a avaliar por estas palavras, supomos que emanadas da Junta de Construções, que tivemos oportunidade de ler num relatório: «Verifica-se que, atendendo a vários factores, inclusive o que se relaciona com o estabelecimento de planos de adjudicações compatíveis com as possibilidades de realização das obras no fim de 1967, apenas poderão entrar em serviço 22 liceus e 20 escolas técnicas, realizando-se despesas, respectivamente, de 327 000 e de 355 000 contos». Mas mesmo assim, com as dotações agora propostas, repetimos, de 100 000 e 140 000 contos para liceus e escolas técnicas, impossível será atingir o que parece ser possível pela citação que acabamos de referir, o que poderá concorrer para que ao findar o triénio o problema de instalações da população escolar, em escala sempre crescente, seja grave e muito pior que no momento presente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com fim ao ensino superior destina-se a verba de 90 000 contos para construções. A verdade é que algumas Faculdades se encontram deficientemente instaladas, em edifícios adaptados e que de forma alguma correspondem às suas prementes necessidades.
As Universidades, através das Faculdades que as constituem, terão de estar preparadas para o crescente número de alunos que as invadirão nos próximos anos.
O Sr Gonçalves Rodrigues: - Já estão invadidas.
O Orador: - Nos anos lectivos de 1961-1962 frequentaram as três Universidades Clássicas 17 124 alunos, sendo 3743 no Porto, 5744 em Coimbra e 7637 em Lisboa, e na Universidade Técnica o número de alunos era de 3715, o que perfaz um total de 20 839.
É necessário que lhes facultemos instalações apropriadas e devidamente apetrechadas, para que estejam à altura da grande e pesada missão que lhes incumbe e que é, entre outras, a da formação cultural daqueles que hão-de vir a ser os futuros dirigentes da Nação e ainda dos que hão-de vir a exercer acção preponderante noutros sectores do ensino. E logo, a partir daqui, pode estar afectada a possibilidade do estabelecimento de planos quanto a professores para outros sectores do ensino.
O Sr. Martins da Cruz:- V. Ex.ª permite-me uma observação?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª citou números da frequência das nossas três Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra e da Universidade Técnica. Esses números, na sua relatividade, parecem, na verdade, volumosos. Ora eu quero sublinhar que o número de alunos que frequentam as nossas três Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra e a Universidade Técnica, no seu total, é inferior ao número de alunos que frequentam a Universidade de Madrid.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
Ligado ao aspecto relacionado com construções está o do seu custo. Parece-nos que se deveria procurar reduzir o custo de todas estas instalações, pois não interessará a construção de edifícios sumptuosos, mas, sim, de linhas sóbrias e, sobretudo, funcionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao apetrechamento das instalações escolares, se levarmos em conta a necessidade de renovação de material de vários tipos e a aquisição de novas unidades, além do que respeita a laboratórios, bibliotecas, arquivos, museus, etc., aspectos que não podem ser descurados, parece-nos também insuficiente a verba ora inscrita - 70 000 contos. Por outro lado, há que considerar, e conviria rever, o que se relaciona com o fornecimento de material didáctico às escolas primárias pelas câmaras municipais. Se atendermos a que uma grande parte das câmaras, pela sua debilidade económica, não podem acorrer satisfatoriamente às necessidades desejáveis para o ensino, este tem de estar concomitantemente afectado. O princípio não nos parece conveniente e precisava de ser revisto.
Na sequência das considerações que resultaram da análise deste Plano Intercalar, e expressamente do capítulo sobre a investigação e o ensino, deparamos com uma rubrica para a qual se investem 100 000 contos, mas que, abrangendo múltiplos aspectos e da maior relevância, como trabalhos de planeamento da acção educativa, valorização de pessoal docente, técnico e administrativo, assistência a estudantes, experiências pedagógicas, trabalhos extraordinários de investigação fundamental e reformas no âmbito da educação nacional, nos coloca desde logo numa posição de cepticismo em relação aos objectivos a atingir. Apenas nos inspiraram uma relativa tranquilidade as palavras que aí podem ler-se, e que são do teor seguinte:
Dada a importância da matéria, espera-se que esse investimento possa ser ampliado nos programas anuais de financiamento do Plano, segundo as disponibilidades financeiras.
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Se nos detivermos na análise das realizações concernentes a esta rubrica, logo se deduz que só realmente com a ampliação desse investimento, nos programas anuais de financiamento do Plano, será possível desenvolver obra de utilidade.
Fala-se na valorização de pessoal docente, e sobre este desejaríamos dizer alguma coisa, sem que evitemos uma outra referência, por oportuna, ao que havíamos afirmado no discurso pronunciado aquando do aviso prévio sobre educação nacional.
Na expansão escolar que procuramos enfrentar, e que é, como tantas vezes tem sido acentuado, factor primordial de desenvolvimento económico, não basta apenas construir edifícios, porque surge desde logo, como dever primeiro, formar professores à altura das suas pesadas responsabilidades e promover o seu recrutamento, como é evidente, entre os melhores elementos de cada geração.
É uma verdade lamentável aquilo que tantas vezes ouvimos referir, de que se fala muito de recrutamento de professores, mas demasiado pouco da sua formação. Ora, esta tem de constituir, como já afirmámos, a preocupação dominante para aqueles que vêm a ter à sua guarda a juventude possuam as qualidades pedagógicas, científicas e morais que se impõem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A missão de transmitir o saber envolve aspectos da maior delicadeza e requer da parte de quem o transmite preparação à altura de o poder fazer com êxito e com interesse da parte a quem esses conhecimentos se dirigem. Mas, além desta, uma outra missão está reservada ao professor digno desse nome, e que é a de educar e formar homens para as duras batalhas da vida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A formação do professor não se improvisa, mas tem de obedecer a princípios e normas que urge não descurar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando no Plano Intercalar, no capítulo em referência, se aborda a valorização de pessoal docente, prevê-se «a adopção de providências extraordinárias dessa índole, como seja, por exemplo, a realização de cursos de aperfeiçoamento e actualização». Se medidas desta natureza nos merecem aplausos, é preciso, por outro lado, não esquecer que, antes de mais, importa cuidar do estágio pedagógico, tanto no ensino secundário, como no ensino primário, que tem de ser alicerçado em novas bases.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A este propósito penso terem sido pertinentes as considerações que fizemos aquando da apresentação do aviso prévio, na sessão legislativa passada.
O aspecto que se relaciona com o recrutamento e preparação de professores é, pode afirmar-se, o problema central do ensino. A função docente, nas circunstâncias presentes, não atrai ninguém, e muito menos os homens, que não encontram na carreira do professorado uma situação vantajosa. São vários os factores responsáveis pela carência de professores, e sobretudo de bons professores, situando-se entre os primeiros os de ordem material e social e que estão ligados a certos aspectos da orgânica de recrutamento e preparação.
Os quadros exíguos, de que enferma sobretudo o ensino superior, a posição que o professorado ocupa no escalão dos vencimentos, são problemas que se torna necessário encarar com a maior urgência.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - Não é possível um recrutamento de professores à altura das necessidades presentes em face do panorama que actualmente se nos depara.
Enquanto este problema não for solucionado, continuaremos a esgrimir contra moinhos de vento ... com os mais graves inconvenientes para o ensino e para a investigação, com as mais graves consequências para o futuro do País, dado que uma grande maioria se vê forçada a dedicar parte do tempo a actividades estranhas às escolas e às Universidades. Por outro lado, como já tivemos oportunidade de afirmar, o recrutamento do professorado torna-se difícil, dado que os melhores dão preferência a posições em que o seu esforço e o seu trabalho são mais justamente remunerados.
No sector universitário essa dificuldade atinge a mais alta expressão, pois que essa melhor remuneração lhes é propiciada, não apenas pelos organismos privados, mas pelo próprio Estado, que, numa absurda autoconcorrência, proporciona aos diplomados condições econòmicamente mais vantajosas. E o que acontece, por exemplo, em determinados centros oficiais de investigação.
De resto, a actualização dos quadros, especialmente no sector universitário, de forma alguma traz a curto prazo agravamento da despesa. Um professor não se prepara de um momento para o outro e, mesmo, como tem sido acentuado, «a criação de novos lugares não envolve o seu imediato preenchimento, o que, aliás, nem sequer seria possível, dada a inexistência de candidatos com a habilitação exigida».
Um apontamento queríamos aqui deixar relacionado com a formação de «mestres» para o ensino técnico. Alguma coisa se tem escrito sobre o problema, pois é de alto interesse perante os nossos propósitos de progressiva industrialização do País formar «mestres» à altura das exigências inerentes às diversas especializações. Ora, segundo informações colhidas, «os actuais processos de recrutamento e as condições profissionais - vencimentos e horários de trabalho - que se oferecem a esses agentes de ensino de todo impossibilitam a solução de tal problema».
Outro apontamento, da maior relevância, respeita às nossas responsabilidades perante o ultramar.
Não temos visto em qualquer estudo que nos foi dado compulsar uma palavra relativa a preocupações de recrutamento de professores para o ultramar. E todos sabemos que esse recrutamento em relação aos ensinos técnico, liceal e superior se terá de processar a partir da metrópole.
Portanto, ao encararmos o problema em relação à metrópole, temos de contar desde logo com as necessidades das províncias ultramarinas.
Na medida em que nos ensinos técnico, liceal e até superior, tanto na metrópole como no ultramar, não dispusermos de condições que permitam o recrutamento de elementos capazes, teremos de recorrer em certos sectores à utilização de indivíduos com grau de preparação inferior, quantas vezes com reduzidas habilitações, o que só concorre para o desprestígio do ensino.
O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
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O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª está a focar um aspecto importante do nosso ensino, mas creio que V. Ex.ª está a minimizar esse aspecto na medida era que me pareça que está a considerá-lo verificável apenas em relação ao ultramar, e é o aspecto da falta de professores devidamente preparados.
O Orador: - O que disse não é apenas em relação ao ultramar, mas também à metrópole.
O Sr. Martins da Cruz: - É que a solução que tem sido adoptada de pôr a ensinar indivíduos, já não digo sem a devida preparação pedagógica, mas até sem a necessária preparação universitária, não se verifica, infelizmente, apenas no ultramar. O nosso ensino liceal e técnico na metrópole ...
O Orador: - Estou a generalizar.
O Sr. Martins da Cruz: -No próprio ensino primário deixa-se de colocar professores com o curso do magistério primário, substituindo-os pelos regentes escolares, que não podem, de modo algum, ministrar um ensino idóneo. E os professores ficam desempregados ...
O Orador: - Estou a generalizar e a referir-me à metrópole também.
Outro aspecto da mais transcendente importância é a elevada percentagem da falta de aproveitamento dos «alunos. E se a sua pouca e por vezes nula aplicação, filiada fundamentalmente nas inúmeras solicitações e até inquietações do mundo moderno, é responsável pelo facto, a errada escolha do curso - por falta de serviços eficazes de orientação -, a carência de programas bem ordenados ou a falta de coordenação entre eles, além de factores correlacionados com os problemas atrás expostos, não o são menos. Não queremos, entretanto, deixar de focar, pela sua relevância, o que tem sido apontado como factor primordial dos insucessos verificados no ensino primário, e que é a presença nas classes normais de alunos que deveriam seguir as classes especiais.
Não se dispondo de elementos estatísticos suficientes que nos permitam avaliar da falta de aproveitamento escolar nos diferentes graus de ensino, podemos referenciá-lo em relação ao ensino liceal, onde o número de desistências antes de concluído o 7.º ano foi em ,195-1-1932 da ordem dos 60,8 por cento e em 1960-1961 de 42 por cento.
De entre as medidas e iniciativas que interessa difundir como meio de auxílio importante aos estudantes econòmicamente desfavorecidos, ocupa lugar primacial a atribuição das bolsas de estudo. É na realidade irmã forma de possibilitar maior amplitude de recrutamento, por melhor aproveitamento, dos alunos que revelem mais capacidade, e que tantas vezes se perdem por carência de meios que lhes permitam a continuação dos estudos.
Não interessa referir neste momento todas as entidades que neste sentido têm dado largo e notável contributo, entre as quais deveremos citar a Fundação Gulbenkian, mas por um acto de justiça é-nos sumamente grato evocar o sector das obras sociais, de que é ilustre presidente o nosso colega nesta Assembleia Dr. Veiga de Macedo, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... pela acção notável que vera desenvolvendo com a distribuição de bolsas de estudo, e que no ano lectivo de 1963-1964 foram em número de 2000,
atingindo o valor global de 7000 contos, estando prevista para o ano lectivo de 1964-1965 a atribuição de 2500, num valor aproximado de 1 000 contos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Apraz-me ainda registar ter sido o Dr. Veiga de Macedo quem, afinal, adentro do espírito do Plano de educação popular, de que foi autor e executor, criou, sendo Ministro das Corporações, a nova e importante modalidade das bolsas de estudo integrada nos esquemas da previdência social.
É, na verdade, do mais elevado alcance social fomentar o auxílio em bolsas de estudo, inclusive por parte de empresas particulares, algumas das quais, diga-se de passagem, têm correspondido de forma louvável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No que respeita propriamente ao Estado, a sua contribuição situa-se em plano modestíssimo, pois entre 1956 e 1960, por exemplo, os aumentos despendidos em bolsas de estudo Eram inferiores a 0,1 por cento das despesas totais com o ensino. E a situação parece manter-se.
Neste Plano Intercalar fala-se em assistência a estudantes, acentuando-se, designadamente, que se deseja contribuir, na medida do possível, «para que não deixem de prosseguir os seus estudos, depois de cumprida a obrigatoriedade escolar, os que possuam real mérito». Esta nota, que toca realmente a sensibilidade de todos nós, está integrada na rubrica «Fomento extraordinário de actividades pedagógicas, culturais e científicas», já referida, e onde encontramos problemas de tão grande importância que não sabemos o que virá a ser possível com a dotação global inscrita para tal fim.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Inscreve ainda o Plano Intercalar a verba de 15 000 contos para a construção de residências para estudantes. Se atendermos a que é a primeira vez que tal referência se faz num plano de fomento, só nos temos de regozijar com o facto e emitir votos para que essa verba possa ser ampliada. Trata-se, sem dúvida, de uma medida do maior alcance, e aí deviam ser acolhidos, de preferência, os de condição económica mais débil e que revelassem as melhores qualidades e aptidões. Um outro género de assistência ao estudante suscita também uma palavra. Trata-se das cantinas escolares, que, pelo seu largo alcance social e educativo, interessa dotar convenientemente e difundir tanto quanto possível.
O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça o obséquio.
U Sr. Gonçalves Rodrigues: - 15 000 contos para residências de estudantes numa população universitária de 28 000 estudantes parece-me realmente uma previsão extremamente mesquinha para a realização de um princípio essencial numa moderna Universidade.
O Orador: - Emiti o voto de que essa verba seja reforçada ...
Fala-se neste Plano Intercalar, ora em debate, de investigação fundamental e de investigação aplicada.
O II Plano de Fomento apenas dedicou um pouco de atenção à investigação aplicada, e já então foi acentuado
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que «muitos dos problemas tocantes ao fomento do País necessitam de ser esclarecidos pela pesquisa científica, mediante investigação e experimentação». E afirma-se ainda que «só assim se poderá caminhar com segurança nas realizações, evitando, quanto possível, insucessos, atrasos e desperdícios escusados e que, além de prejudiciais à economia nacional, produzem efeitos gravemente nocivos no espírito público, na medida em que atingem a confiança nos técnicos e nos dirigentes».
Por sua vez, no parecer da Câmara Corporativa relativo ao II Plano de Fomento, depois de várias considerações sobre a importância da investigação, lê-se a certa altura:
Pensar que a investigação é um luxo caro da inteligência é ter as ideias atrasadas um século.
Parece, e com satisfação o registamos, que neste Plano Intercalar se começou a dar importância à investigação fundamental, sem a qual a investigação aplicada não seria possível, mas traduzida numa escala um tanto ou quanto simbólica. Entretanto, tem este Plano Intercalar a virtude de a considerar e de tal facto acusar as preocupações do Governo nesse sentido.
Não querendo deixar de pôr em evidência este reconhecimento, também não podemos emitir as razões por que afirmamos ter sido simbólica a sua inscrição no capítulo em referência. É certo que se pode argumentar não estarmos preparados para gastos avultados numa investigação fundamental, de forma que os investimentos fossem plenamente justificados e compensados em trabalho útil. Não há dúvida de que as condições actuais em que se desenvolve no País a investigação científica não são de molde a inscrever-se neste Plano Intercalar uma verba avultada, mas essa circunstância apenas concorre para que ainda mais lamentemos o tempo perdido ... Apesar de tudo, não me parece que a insuficiência que se verifica deixe de merecer especial atenção, mas que realmente se fomente um dos sectores importantes ao progresso do País.
No bem elaborado parecer da Câmara Corporativa sobre o Plano Intercalar, de que foi relator o ilustre Prof. Doutor Andrade Gouveia, magnífico reitor da Universidade de Coimbra, ao pôr-se em evidência a importância do problema, podemos ler as seguintes palavras:
A investigação fundamental, função essencial das Universidades e institutos anexos, corresponde a um elemento basilar do ensino superior, ou seja daquela formação que cria iniciativa nos que a praticam em bom nível e com boa orientação.
Em Espanha, quando, em 1939, foi criado o Conselho Superior de Investigações Científicas, houve desde logo a preocupação de expressar na lei «o objectivo nacional de colocar a organização científico-técnica no primeiro plano dos problemas nacionais». E os frutos desse trabalho, a todos os títulos admirável, estão à vista de todos nós ...
De resto, somos um país com pesadas responsabilidades, que não pode nem deve esquecer, por se tratar de uma nação que desempenhou papel do maior relevo no desenvolvimento da ciência nos alvores do renascimento científico da Idade Moderna.
O desenvolvimento da investigação no País, como já dissemos no plenário da Assembleia Nacional, tem de obedecer a um trabalho perseverante e bem orientado, e para tal nada mais seria necessário do que reorganizar o Instituto de Alta Cultura, com vista a poder desempenhar essa elevada missão, pois que actualmente já não corresponde às exigências científicas e culturais do momento que atravessamos. É fundamental a existência deste organismo devidamente estruturado e dinamizado para uma investigação científica orientada e coordenada, que unifique os esforços nacionais e que estabeleça um mais íntimo contacto com organismos similares do estrangeiro, com o apoio e colaboração das Universidades, a quem cabe essencialmente a formação de futuros investigadores.
Foi publicado há poucos dias o Decreto-Lei n.º 46 038, que reforma, a orgânica do Instituto de Alta Cultura, embora se declare no preâmbulo que «não se reputa oportuno proceder desde já a essa reorganização particularmente extensa e profunda». Desconhecemos, evidentemente, os motivos desse impedimento, mas em. relação a esta reforma daqui endereçamos as nossas felicitações a S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, a cujo labor e indiscutível entusiasmo na resolução dos problemas mais prementes do seu Ministério prestamos a mais sincera homenagem, ao mesmo tempo que a tornamos extensiva ao Sr. Subsecretário de Estado da Administração Escolar.
Vários diplomas têm sido publicados e do mais largo alcance neste curto espaço de, aproximadamente, dois anos, sendo de salientar a reforma dos planos de estudo das Faculdades de Ciências, que datavam de há 53 anos.
Formulamos votos para que se concretize o pensamento expresso nesta reforma do Instituto de Alta Cultura, pois se diz ser «de desejar que o Instituto de Alta Cultura possa corresponder cada vez mais e cada vez melhor às importantíssimas funções a que é chamado e que o desenvolvimento da ciência e a maior complexidade da vida cultural tornam dia a dia mais pesados».
A Nação Portuguesa tem de reconquistar parte do terreno perdido, até para corresponder n, um passado de nobilíssimas tradições, mas para isso é preciso estimular aqueles que sentem uma especial vocação para a conquista do desconhecido, o que não se compadece com a falta de meios materiais, origem de preocupações para quem tem de viver e de angariar o indispensável para sustento da família e educação dos filhos. Por outro lado, é fundamental facultar aos que investigam o ambiente propício em apetrechamento, para o qual o auxílio financeiro é factor primordial.
No presente Plano Intercalar, na rubrica «Fomento extraordinário de actividades pedagógicas, culturais e científicas», prevê-se desde já um investimento global de 100 000 contos, desconhecendo-se, por consequência, o que poderá vir a ser dedicado à investigação fundamental. E no que respeita a esta, e porque se fala em trabalhos extraordinários, supomos que estará no espírito de quem oriente a distribuição desta verba subsidiar aquele ou aqueles centros de investigação cujas realizações e planos o justifiquem. De qualquer modo, trata-se sempre de uma participação insuficiente, se atendermos, repito, aos diferentes aspectos focados na rubrica em causa, alguns dos quais da maior relevância.
Seria, entretanto, um erro colocarmos este problema da investigação apenas no âmbito do Estado. É necessário, como também já afirmámos, que a indústria nacional, em fase evolutiva importante, compreenda que é de incomensurável proveito para o seu desenvolvimento uma investigação científica de elevado nível. Há países, por exemplo, onde o «montante de bolsas ou subsídios originários da indústria e destinados às Universidades chegam a atingir mais de 30 por cento da quantia que estas utilizam na investigação».
Em relação à investigação aplicada: inscreve o Plano Intercalar de Fomento a verba de 119 000 contos, des-
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tinada a construção civil, fomento industrial, fomento mineiro, fomento agrícola, publicação de cartas de ordenamento agrário, fomento florestal e piscícola e fomento pecuário.
Todas estas verbas correspondem às que já tinham sido atribuídas no II Plano de Fomento, excepção para o fomento pecuário, em que em relação ao triénio se inscrevem mais 4000 contos.
A propósito de investigação aplicada, também nos é grato transcrever o que se escreve no parecer da Câmara Corporativa, por corresponder ao pensamento de todos os que a estes problemas dedicam o melhor do seu esforço e da sua atenção. Diz-se então que «às Universidades deve caber também papel muito importante na investigação aplicada pois elas serão a fonte onde os laboratórios públicos e privados, com tarefas de investigação bem concretizadas, irão buscar os seus investigadores e cientistas, a sua actualização de processos e métodos, as suas aplicações da ciência fundamental e especializada».
Há ura aspecto que não tem sido considerado, e que se relaciona com a investigação farmacêutica. Pelo seu alto interesse para a economia do País e para a saúde pública e porque os conhecimentos inerentes à indústria farmacêutica não são demasiado divulgados, parece útil, até para esclarecimento de VV. Ex.ªs, que lhes dediquemos uma palavra.
Sabemos que se considera vantajosa a criação de um Instituto de Investigação Farmacêutica, o qual, pelas suas características especiais e porque não é fácil encontrar investigadores fora do ensino, teria de funcionar em muito íntima ligação com a Universidade. Segundo lemos num relatório que gentilmente nos foi facultado, «atendendo às actuais condições da indústria farmacêutica, seria aconselhável que a sua instalação e apetrechamento ficassem a cargo do Estado, quer através dos planos de fomento, quer da Comissão reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos, que, fomos informados, dispõe de verbas avultadas que poderia destinar a esse fim».
O Instituto de Investigação Farmacêutica daria motivo à resolução rápida e satisfatória de muitos problemas que dificultem o progresso da indústria farmacêutica no País, e de cuia necessidade e importância darão uma ideia clara os num aros que podemos apresentar a VV. Ex.ªs
No ano de 1963, por exemplo, importaram-se 324 000 contos de medicamentos estrangeiros (preços C. F. F.). que em mais de 90 por cento dos casos poderiam ser fabricados em Portugal, o que traria ao País uma economia de cerca de 100 000 contos. Por outro lado, enviámos no mesmo ano para as nossas províncias ultramarinas 65 000 contos de medicamentos nacionais e exportámos para o estrangeiro 54 000 contos, o que perfaz um total de 119 000 contos, não entrando em linha de conta com o gasto do País só em medicamentos nacionais, que oscilou, em 1963, pelos 600 000 contos.
Será curioso também referir a contribuição da indústria farmacêutica na valorização de certas indústrias nacionais subsidiárias, como a vidreira, artes gráficas e cartonagem, em que. o valor das aquisições feitas no ano de 1963 foi, respectivamente, de 49100 contos e 34600 contos, num total, portanto, de 83 700 contos.
Naturalmente que neste aspecto relacionado com a criação de um Instituto de Investigação Farmacêutica, como em tantos outros, impõe-se, antes de mais, resolver a carência de técnicos, e, para isso, é fundamental a reorganização do ensino universitário - particularmente do ensino de farmácia.
Vamos terminar, e, como não podia deixar de ser, exprimindo anseios, que são, afinal, comuns a todos nós. Entretanto, ao pensarmos na reforma das estruturas educacionais vigentes, confessamos ter encontrado, de certo modo, no § 2.º do presente capítulo, satisfação para essa ansiedade. Diz-se aí que estão em curso, no Ministério da Educação Nacional, trabalhos de planeamento da acção educativa que abrangem os aspectos qualitativos e quantitativos do ensino. E anuncia-se:
1.º Que se pretende remodelar a estrutura do sistema educacional, introduzindo-lhe as reformas básicas aconselhadas pela meditação e pela experiência;
2.º Que se «intenta definir os elementos numéricos que devem idealmente exprimir, em função das necessidades económico-sociais, a concretização material do sistema escolar no decurso de certo prazo - quantos alunos seria de desejar que frequentassem as escolas e terminassem os seus estudos nos vários graus; quantos mestres para os ensinar; quantas instalações para os acolher»;
3.º Que se «entendeu que haveria conveniência em ir promulgando as reformas parciais que as circunstâncias fossem preconizando e possibilitando - sempre com a preocupação do conjunto -, de modo que essas reformas sejam peças de um todo que através delas se vai construindo». Supomos que a este espírito presidiu a elaboração da reforma dos planos de estudo das Faculdades de Ciências, o decreto que alargou o quadro dos professores auxiliares dos liceus, o decreto que estabeleceu ou fixou o número limite de alunos por turma nos cursos superiores e o decreto que estabeleceu a extensão da escolaridade obrigatória;
4.º Que está em estudo a reforma das escolas do magistério primário, da maior importância para enfrentar eficientemente a extensão da escolaridade;
5.º Que há também unia palavra a denotar preocupação em relação à formação de professores;
6.º Que «estão a efectuar-se os respectivos trabalhos no que respeita ao aspecto quantitativo do ensino e, entre estes, figura já como elemento de estudo o relatório português correspondente à 1.ª fase do chamado «Projecto Regional do Mediterrâneo», elaborado pelo Centro de Estudos de Estatística Económica do I. A. C., em execução de acordo celebrado entre o Ministério da Educação Nacional e a O. C. D. E.;
7.º Que se pensa na «criação de um organismo de carácter permanente, integrado do Ministério da Educação Nacional, e que se ocupa de estudos à escala regional, consistindo a primeira tarefa desse organismo no levantamento da carta escolar, porque sem esta não é possível qualquer planificação regional, sabido que não se pode projectar o futuro sem conhecer bem o presente»;
8.º Que se pensa na reforma da estrutura do Ministério da Educação Nacional, que, como se diz no § 3.º, n.º 10, «só com grande sacrifício tem podido acompanhar o ritmo da evolução das necessidades: a população escolar aumenta vertiginosamente, cresce o número de professores, abrem-se noves estabelecimentos de ensino, surgem novas modalidades ou técnicas pedagógicas»;
9.º Que «a vida não pode parar, não devemos deixar atrasar-nos ou consentir que se acentue o atraso já existente em certos capítulos e, pelo contrário, temos de fazer um decidido esforço no sentido de ir ao encontro das sempre crescentes necessidades que se põem no domínio educacional».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em face disto não há, pois, dúvida de que se reconhece a situação presente e que se caminha na elaboração de estudos e na resolução de problemas.
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Mas as dotações é que se tornam insuficientes para o muito que é imprescindível e urgente realizar.
E é pena que na conjuntura em que vivemos não seja possível dotar o sector da educação nacional com as verbas indispensáveis a um autêntico fomento do ensino e da educação.
O País necessita para o seu desenvolvimento social de quantitativos elevados de pessoal qualificado em todos os escalões da população activa e de dispor de uma população com razoável nível de formação cultural.
Estamos em presença de problemas cuja dimensão, gravidade e repercussão condicionam o desenvolvimento do País.
O Sr. Martins da Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Damos a nossa aprovação, na generalidade, ao Plano em debate e ao capítulo em análise, manifestando, entretanto, a nossa plena concordância com as sugestões e conclusões apresentadas no parecer da Câmara Corporativa, por dessa forma já ser possível realmente desenvolver uma acção deveras eficiente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já o afirmámos no plenário da Assembleia e do mesmo modo daremos por findas as nossas considerações:
Estamos a suportar uma guerra, que nos foi imposta, em defesa do património sagrado de Portugal. Pois nesta emergência, e apenas nesta emergência, e logo a seguir à defesa nacional, temos de colocar em lugar cimeiro a educação nacional, dotando o respectivo Ministério de meios financeiros suficientes para que, dentro do planeamento a efectivar, seja possível ir dando gradual cumprimento às necessidades mais prementes, sacudindo este importantíssimo sector de uma letargia que pode ter as mais funestas consequências.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Bento Levy: -Sr. Presidente: Porque me parece que o projecto de Plano Intercalar de Fomento, precisamente porque se trata de um projecto, não obedecerá a uma rigidez que não consinta arranjos, antes oferecendo uma oportunidade de apresentar ao Governo «sugestões para uma maior eficiência na satisfação das necessidades nacionais, subo a esta tribuna para dar o meu contributo, baseado no conhecimento dos problemas das terras e das gentes que represento nesta Casa.
Cabo Verde foi contemplado no projecto em discussão com 500 000 contos, ai distribuir pelos três anos de execução.
Se considerarmos esta verba, em relação ao seu exíguo orçamento ordinário e às consignadas nos planos anteriores - 96 730 contos e 250 210 contos por cada hexénio, temos de concluir que a atenção do Governo foi vivamente despertada para as ilhas.
É certo que mais de metade da verba estipulada depende de financiamentos externos, em combinação com actividades privadas, mas só a perspectiva dessa possibilidade, que não poderia atingir-se sem a garantia do Governo, dá-nos a medida do interesse que a província de Cabo Verde mereceu à Administração do País, para a conduzir a um futuro melhor.
É certo também que nós somos tão pobres que até o somos no pedir, mas a verdade é que, em consciência, dadas as condições especiais em que nos envolveram, obrigando-nos - antes de tudo e acima de tudo - à defesa da integridade nacional, eu não poderia vir aqui pedir mais.
A verba será suficiente para que Cabo Verde inicie no plano sequente a 1967 um autêntico arranque próprio da sua economia, em bases mais sólidas - como com demasiado optimismo se prevê no relatório do Governo?
Acredito que não. Mas, seja como for, será um grande passo em frente, se soubermos e pudermos dispor das verbas previstas com utilidade e em devida oportunidade.
Em nome de Cabo Verde, presto as minhas homenagens ao Governo e registo com o maior apreço, para agradecer, a arrancada que nos proporciona para o progresso das ilhas, na certeza de que nem nos faltarão os meios, nem a vontade intensa dos homens para satisfazer a finalidade expressa no projecto.
Desejaria apresentar as minhas sugestões esquematizadas, articuladas em rubricas definidas, mas os problemas de Cabo Verde estão interligados uns com os outros por tal forma que um chama o outro.
No desenvolvimento desta exposição não pude evitar essa correlação, pelo que muitas vezes não poderei também evitar o entrelaçamento de assuntos. É possível que repise demasiado certos aspectos, mas isso é consequência da similitude dos problemas. Procurarei sintetizar, mas não prometo cumprir, e desde já as minhas desculpas à Câmara, pelo fastídio de me ouvir.
Sr. Presidente: Os avultados dispêndios que o País vai aplicar em Cabo Verde impõem o dever indeclinável e premente de que se gastem os dinheiros, mas que se gastem bem, sem soluções de continuidade, não confundindo obras ou realizações de emergência com obras de fomento.
Estas têm de ser começadas e completadas dentro dos prazos e planos estabelecidos. Aquelas, sem perder de vista o conjunto a realizar, não podem prejudicar, antes têm de complementar, dentro do possível, o que está projectado como definitivo.
Eu explico melhor: Cabo Verde está, como VV. Ex.ªs sabem, se não em crise permanente, sujeito a crises cíclicas por falta de chuvas. Nas fases agudas destas crises é preciso acudir às populações para as não deixar morrer de fome. E então gasta-se dinheiro para matar a fome em obras que não são propriamente de fomento.
Daí que os gastos não dão a rentabilidade que seria de esperar pelo seu volume, agravando-se o facto com a paralisação das obras, logo que a acuidade da situação deixe de exigir a sua continuação.
Disto resulta que temos, especialmente em estradas, obras começadas aqui e além, conforme a gravidade do momento e locais em que essa gravidade se acentua, mas que se não completam, redundando, muitas vezes, em pura perda - material, evidentemente, pois que se salvaram, vidas humanas.
Ora as crises de Cabo Verde têm de ser aceites como fenómeno inelutável, pelo menos por enquanto.
Claro que não vamos cruzar os braços e deixar correr ... Temos de enfrentar a dura realidade, para o que se torna indispensável que, a par das obras de fomento, estejamos aptos, sem prejuízo delas, a suportar os encargos que a Natureza nos impõe, embora lutando sistematicamente contra o infortúnio, que havemos de vencer.
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Não vejo no Plano a previsão destes efeitos e á sua coordenação, que já é tempo de encararmos. A não ser - a não ser - que tenha estado no pensamento do Governo a consignação da verba destinada a «Melhoramentos locais», no montante de 20 000 contos, para destrinçar obras de fomento da obras de fome.
Seja como for, parece-me que se poderia obviar aos inconvenientes apresentados, prevendo-se neste Plano e, enquanto necessário, nos subsequentes, encargos de assistência mais ou menos directa.
Por outro lado, seria conveniente dar ao Governo da província uma maior liberdade de movimentação de previsões, não o submetendo a rubricas rígidas, que lhe não permitem satisfazer encargos ocasionais, resultantes de situações cuja eclosão já se pode prever quando e onde se dará, o que implica uma responsabilidade em obras tão úteis quanto possível.
Seria reprovável que numa situação desta natureza se mandassem construir estradas numa ilha que mais necessita de abrir poços, só porque a verba disponível é para estradas, e não para poços.
Dir-me-ão: Mas há a transferência de verbas ...
Responderei: Sim, há ... Contudo, enquanto se transfere e não se transfere, enquanto a burocracia funciona e não funciona ..., há vidas que esperam uma solução e podem no chegar, sequer, a conseguir a salvação.
Insistindo: não sei se o pensamento do Governo foi ou não o de destinar a verba de 20 000 contos para acudir às populações em tempos de crise. O que sei é que a rubrica correspondente - «Melhoramentos locais» - leva-me à convicção de que isso poderá ter sucedido.
Todavia, desanima-me um tanto a circunstância de se discriminarem esses melhoramentos, o que envolverá vir a atribuir-se a cada um deles uma verba, espartilhando-se os quantitativos não só em sub-rubricas como também por ilhas.
Para a hipótese, não serve.
Nós somos nove ilhas habitadas. A necessidade de emprego de mão-de-obra pode ser mais aguda numas que em outras, porventura mais beneficiadas pelas chuvas. Se para algumas será preciso construir estradas, para outras será mais útil abrir poços ou aplicar a mão-de-obra disponível, por força das circunstâncias, na urbanização, na agricultura, quiçá em caminhos vicinais, etc.
Julgo, por isso, que a rubrica «Melhoramentos locais», sem especificação de quais sejam e a que ilhas se destinam DS melhoramentos, seria a designação apropriada para que o Governo da província possa enfrentar as eventualidades que decorram ou se prevejam.
Tenho a impressão, Sr. Presidente, de que se tem cuidado pouco deste aspecto de vida no arquipélago, fugindo-se ou camuflando-se uma realidade horrível, de que nós os homens não temos efectiva responsabilidade, mas que podemos remediar, se tivermos coragem suficiente e não estivermos com tibiezas que nada justificam.
Seguindo o adágio «Mais vale prevenir que remediar», convenço-me de que seria viável conseguirmos as finalidades que ficam delineadas.
Bastaria que criássemos um fundo permanente, ou fundo de reserva, para acudir às situações de emergência a que estamos sujeitos.
Para já, e como base desse fundo, destinar-se-iam os 20 000 contos a utilizar no triénio em melhoramentos locais.
Com ou sem crise, o Governo da província utilizaria a verba nos fins destinados, aplicando-a onde melhor conviesse.
Com ou sem crise, esse fundo seria recomposto, se não reforçado - quando não utilizado -, com 10 por cento, pelo menos, dos saldos de exercício do orçamento geral da província e de todos os corpos administrativos e instituições públicas.
O fundo denominar-se-ia «Fundo permanente ou de reserva para melhoramentos locais» e seria aplicado especialmente nas chamadas «obras de crise», evitando-se o desvio das verbas de «obras de fomento» para obras de fome; embora procurando integrar estas, sempre que possível, no conjunto daquelas.
O fundo assim constituído ficaria à ordem do Governo da província, que, em regra, não poderia dispor de mais de 5000 contos por ano, ouvido o órgão consultivo do Governo.
Esse fundo não é bastante para uma crise generalizada e de grandes proporções, mas com as obras de fomento as necessidades serão menores e o Governo da província ficará mais habilitado a acudir aos primeiros embates do que se não tiver coisa nenhuma de que lançar mão.
Esta ou outra solução melhor, mas que seja sempre a de aforrar para dias piores, libertaria o fomento de um encargo que se não coaduna com a sua finalidade e prejudica uma continuidade que se torna indispensável a tais obras.
E a propósito de continuidade, há que lembrar o imperativo de a acautelar, não só no que respeita aos investimentos, como também ao que concerne à execução de planos ou projectos previamente estabelecidos e organizados.
Muitos destes projectos, já iniciados, param por falta de verba, porque se não abriram os créditos necessários para poderem prosseguir ou se não providenciou em tempo pela indispensável provisão.
Outras ainda não prosseguem por divergências técnicas.
São males a que se tem de pôr cobro.
Ao primeiro não será difícil obviar, se a burocracia se resolver a não empatar.
Para o segundo, só há uma força capaz de lhe resistir: a autoridade do Governo, impondo a execução do que foi projectado, sem admitir replicas que não sejam de mera e evidente correcção.
Não deve haver, Sr. Presidente, terra onde mais se estudem e discutam planos e projectos.
Começa-se, em certos casos, com decisão numa obra sob determinada orientação, gizada para fins que se reputam necessários, por reprodutivos. Mal sai o técnico que a idealizou, não sem grande entusiasmo, ou mesmo com ele ainda lá, se vem outro, logo surgem a controvérsia e os mexericos.
Fulano, afinal, não percebe nada disto.
E passa-se um atestado público de incompetente a pessoas que, passado tempo, se lamenta que tenham deixado a província.
Mas o pior, Sr. Presidente, é que a divergência chega a ser de bota-abaixo, e deita-se mesmo abaixo o que está feito ou abandonam-se trabalhos executados em que já se despenderam centenas, se não milhares de contos, com uma confrangedora displicência, como se Cabo Verde fosse o território mais rico deste mundo e pudesse suportar todos os caprichos.
Este estado de coisas tom de acabar, se quisermos andar para a frente, evitando desperdícios, porque somos demasiadamente pobres para sustentar rivalidades que nada adiantam para o agregado.
Sr. Presidente: Dizem que eu não gosto dos técnicos.
Seria um insulto à minha própria inteligência se assim fosse.
Do que eu não gosto é da tecnocracia absorvente e dissolvente, da tecnomania - numa palavra: da falta de senso de alguns técnicos. Isso é coisa diferente de não gostar de técnicos.
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Podia citar factos concretos, a confirmar a crítica que julgo de meu pleno e justificado direito fazer, mas implicitamente atingiria pessoas, e não estou aqui como delator. Alguns ficarão amuados comigo - graças a Deus, nem todos! -, mas se a carapuça lhes servir, hão-de reconhecer que a culpa não é minha.
Feitas estas considerações, que poderemos admitir como gerais, passo a analisar alguns aspectos do Plano não só com o reforço do meu modesto apoio como também para sugerir alguns reajustamentos que me parecem necessários, como de início me propus.
Todas as rubricas do Plano - mas todas - se referem a realizações que reputo necessárias, mas parto do princípio de que não podemos dispor de mais de 250 000 contos - falo em números redondos -, dado que na outra metade, destinada à pesca, não poderemos mexer, visto a realização dos fundos depender do crédito externo e este dever resultar de acordos a estabelecer - esperemos que da melhor maneira e de modo a satisfazer as duas empresas que se propõem instalar na Praia e em S. Vicente, sem esquecer a situação das indústrias similares mais modestas já existentes, para que tudo se equilibre a bem de todos e da economia de Cabo Verde.
Não posso, contudo, deixar de manifestar o meu regozijo pelos planos estabelecidos.
Será efectivamente desta vez que se dará uma sacudidela valente na pesca do arquipélago?
Já o ano passado me referi a certos zunzuns que me chegavam e que dificultariam a instalação das empresas.
Não é justo o reparo que ressuma desses zunzuns. Não há que temer a concorrência às indústrias da metrópole, mas, admitindo-a, não será preferível suportar essa concorrência a abandonar uma das poucas riquezas conhecidas de Cabo Verde, onde tantas são as necessidades?
E repito uma pergunta que já formulei algures: Não será mais consentâneo com os interesses nacionais possibilitar a exploração da pesca em Cabo Verde, desenvolvendo a sua economia, do que sacrificar as populações é a própria metrópole, que terá de as socorrer em épocas da crise, acudindo a maior número de famintos para não morrerem eufemìsticamente ... por inanição?
Deixo a pergunta em suspenso. A resposta não pode ser mais do que uma única, sejam quais forem os interesses em jogo.
De resto, Sr. Presidente, há muita fome por esse mundo fora, e as indústrias que se instalem na província devem ter os seus mercados assegurados. Não há razões para temer a concorrência, mas, insisto, mesmo a admiti-la. Cabo Verde tem de sobreviver.
Ali também é Portugal.
Há décadas que se fala da pesca em Cabo Verde, sem que se passe da conversa fiada ou de meros paliativos.
Felicito vivamente o Governo pela decisão que vai tomar, e não hesito em especificar o ilustre Ministro do Ultramar, comandante Peixoto Correia, grande amigo das ilhas, cujas gentes tanto o admiram e estimam, e que bem conhece as suas desventuras e as suas possibilidades.
Em nome dessa gente tão portuguesa, como a de cá, e tão digna de melhor sorte, agradeço as medidas previstas, confiando em que nada as poderá emperrar.
No que respeita às restantes previsões, permito-me as observações seguintes:
O n.º I) dos investimentos prevê uma verba de 16 000 contos, de que se destinam à cartografia geral 10 000 contos, além do conhecimento científico do território e estudos de base, com, respectivamente, 4500 contos e 1500 contos.
A Câmara Corporativa, no seu douto parecer, é de opinião de que a actualização da cartografia não é assunto de urgência, embora lhe reconheça interesse.
Dou o meu inteiro apoio a este parecer e creio que poderemos ir mais longe na eliminação consequente.
Nós já temos estudos a mais sobre Cabo Verde. Dizem-me até que um antigo ministro, quando se lhe falava sobre estudos em Cabo Verde, se arrepelava todo, respondendo que a província o que precisava era que se executassem os planos já estudados ... E apontava para um armário cheio de relatórios e projectos ...
Efectivamente, Sr. Presidente, desde há muitos anos que vão missões de estudo a Cabo Verde e, quanto a resultados práticos, pouco se tem adiantado. A população recebe mal e com desconfiança essas missões. E a altura de fazer o tal «exame» a que se refere o «badio» e a que já aludi nesta Câmara.
Os estudos são necessários, sem dúvida, mas não sendo para execução imediata preferível será deixá-los para outra oportunidade.
Temos de andar para diante com o que podemos realizar e, como as disponibilidades não chegam para tudo, há que relegar porventura para o próximo plano a intensidade de estudos que as avultadas verbas previstas deixam antever.
Eu deixaria para estudos apenas - e já não é pouco - os 1500 contos para estudos de base e que seriam inseridos simplesmente sob a rubrica «Estudos».
Os 14 500 contos eliminados incluí-los-ia na verba da alínea 2), no n.º VI, destinada aos portos.
Repare-se, com efeito, que para portos apenas foi inscrita a diminuta verba de 14 000 contos, manifestamente insuficiente - como nota a Câmara Corporativa, emitindo a opinião de que, se não puder ser aumentada, se deve concentrar a atenção num só porto: Praia ou Vale dos Cavaleiros.
Ora, acontece que no Fogo - onde se projecta construir o cais do Vale dos Cavaleiros - o embarque e desembarque de pessoas e coisas se fazem nas condições já aqui descritas, o que é um autêntico desprestígio para o País, constituindo motivo para uma propaganda deletéria contra nós e razão para uma péssima impressão dos que chegam, provocando uma tal desilusão que ninguém os convence de que, apesar disso, muito se tem feito em benefício da ilha.
Para ilustrar: quando o Prof. Doutor Adriano Moreira chegou ao Fogo esperava-o na praia uma mole imensa de gente.
Atrás do Ministro seguia numa outra lancha um jornalista estrangeiro.
«Espantoso o patriotismo desta gente», dizia ele, ao ver enfiar pelo mar dentro da «companhia braçal» para carregar o barco do Ministro e transpô-lo para terra.
«Fantástico! Nunca vi uma semelhante manifestação!», acrescentava, convencido de que a população vitoriava o Ministro, levando-o ao colo, aliás, numa posição bastante incómoda e difícil, sem se aperceber - porque era inacreditável - que se tratava de uma operação quotidiana de desembarque de pessoas.
Eis senão quando, chega a vez do nosso homem. A companhia mete-se pelo mar e, perante a estupefacção do visitante, tenta agarrar o seu próprio bote. Mas, ou porque se antecipou à sétima onda, ou porque só se afoitou à oitava, o certo é que não se fez o «jazigo» e o pobre jornalista apanhou uma dessas molhas que não queiram saber.
E foi depois o cabo dos trabalhos. Já não viu mais nada. Nem cisternas, nem estradas, nem o vulcão sequer lhe interessou.
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Toda a ilha passou a ser para ele a coisa pior deste mundo e o patriotismo da gente do Fogo, tão ciosa do seu portuguesismo, perdeu todo o significado e calor ... para se transformar num autêntico balde de água fria ...
Pois bem: o que sucedeu ao jornalista tem sucedido milhentas vezes, e o pior é que se está repetindo na Praia, com a agravante de esta ser a capital da província, e ainda por cima não haver ali uma companhia braçal treinada para camuflar uma vergonha nacional.
Isto quer dizer que não podemos estar com panos quentes e que temos de resolver os dois problemas ao mesmo tempo, e que até será uma forma mais económica de proceder, pois as empreitadas, sendo simultâneas, serão menos dispendiosas certamente.
Lembremo-nos de que para se construir um cais são precisos maquinismos apropriados e pessoal adestrado e tudo isso não se consegue do pé para a mão.
... E não nos esqueçamos de que está uma empreiteira nas águas de Cabo Verde.
Lanço estes brados porque não convêm demoras e alerto as instâncias intervenientes porque uma «alma caridosa» se intrometeu no caso, lançando a suspeita de que o cais do Fogo ia ser feito em areias movediças. Apesar de esclarecido o caso, o projecto, já pronto há mais de seis meses, voltou a Cabo Verde para informar, e há-de ainda correr uma nova «via sacra» antes que os técnicos cheguem a uma conclusão, a que em 1922 já haviam chegado os seus velhos antecessores.
Ora, posto isto, segundo informações obtidas, o cais do Fogo está orçamentado em 16 000 contos - já o vi planeado e orçamentado em 14 000 e quanto mais tarde pior será - e o da Praia em cerca de 25 000, ou seja, um total de 41 000 contos.
Eliminadas as verbas previstas para estudos para as adicionar à consignada aos portos, ficamos ainda aquém do necessário, pois apenas conseguimos 28 500 contos. Para 41 000 faltam 12 500.
O caso parece bicudo, mas não é insolúvel. E não é porque no próprio projecto encontramos a contrapartida.
Na verdade, destinam-se nele 26 000 contos para transportes aéreos e aeroportos e incluem-se nestes as obras de ampliação e remodelação do aeroporto do Sal, o que se deve atribuir a mero lapso.
Com efeito, sem querer o benefício de umas ilhas em prejuízo de outras, a verdade é que o aeroporto do Sal nunca constituiu encargo paru a província. Trata-se de um aeroporto internacional, montado e fiscalizado desde sempre pela metrópole.
Porque este recuo, atribuindo a Cabo Verde essa manutenção e consequente desenvolvimento?
Precisamente quando se pretende dar um impulso sério à província, cerceiam-se-lhe os meios, com encargos novos?
A não se tratar de lapso, salvo o devido respeito, parece-me ilógico o absurdo, tanto mais que a exploração do aeroporto nem sequer pertence à província.
Esta, aliás, nunca compreendeu esse concentrar de esforços e de dispêndios no Sal. A ilha, sendo embora um magnífico porta-aviões natural, não é positivamente um cartaz para Cabo Verde. Santiago oferece idênticas condições para um aeroporto internacional, com a vantagem de possuir água, de poder fornecer frescos, carne, de possuir um comércio, ali a menos de dois quilómetros, numa cidade que precisa de se desenvolver, de ter uma pousada razoável, agora as moscas, enfim com um turismo em potencial, mas que se não pode desenvolver, dado o isolamento em que vive a ilha onde está a capital da província.
Sejam, porém, quais foram essas razões, o que temos é de ser coerentes.
E, como isso, os 11 500 contos que nos faltam para os portos da Praia e Vale dos Cavaleiros podem sair da verba dos aeroportos, da qual 18 000 contos se destinavam ao Sal, segundo pude saber.
Ficam os aeroportos com 14 500 contos, dos quais ainda poderá sair a contrapartida de 2000 calculados para as instalações terrestres para o porto Grande de S. Vicente, que são de urgência e de grande necessidade, se é que tais obras não estão já dotadas, como suponho que estarão.
12 500 contos para transportes aéreos e aeroportos não será suficiente, mas é alguma coisa mais do que os 8000 contos que ficariam só da verba de 26 000 retirássemos 18 000 para o Sal.
E não poderemos tocar já na verba indicada se quisermos dar alguma solução às comunicações entre as ilhas, tanto mais indispensáveis quanto é certo que recuámos, nesse aspecto, a uns poucos de anos atrás.
Essas ligações estão reduzidas a pouco mais que zero e este pouco mais deve-se ao Sr. Secretário de Estado da Aeronáutica - a quem sendo as minhas homenagens pela atenção que teve, debruçando-se sobre o problema, para nos garantir o transporte do correio e de pessoas em perigo iminente.
Quanto ao mais, temos dois aviões parados, desde Março, sendo uns de opinião de que são recuperáveis e outros que não.
Entretanto vão-se (calcinando ... e ...
Bem. Como se, encontra na província uma equipa de técnicos, para decidir o que há a fazer, abstenho-me de considerações e de contar a VV. Ex.ªs quanta dificuldade tive de vencer para chegar a Lisboa.
Apenas direi que me senti de tal for-ma manietado e amargurado que em telegrama oficial me considerei verdadeiramente em clausula.
Acrescentarei, para elucidação, que tive de ir a Bissau, perdendo 48 horas numa viagem inútil, fastidiosa e caríssima, para apanhar o avião que me trouxe a Lisboa.
Mas o que lá vai, lá vai, e deixemos isso, na esperança de que os técnicos que foram a Cabo Verde hão-de encontrar a solução - a solução rápida que uma situação que é aflitiva, sem exageros, impõe.
Essa solução só será definitiva em conjugação com a Guiné, o que o plano prevê quando discrimina os investimentos a aplicar naquela província irmã.
É de apoiar a sistema do plano, mas até lá - valha-nos Deus - temos que remediar a situação de qualquer maneira, embora sem excluir - evidentemente - a segurança, indispensável..
Se os aviões são de recuperar, recuperem-se; se são de abandonar, abandonem-se. Em qualquer hipótese, é preciso sair deste vaivém.
E se não há outra solução para já como se impõe - aluguem-se aviões.
Como estamos é que não podemos continuar.
Parar é morrer, Sr. Presidente, e nós não estamos parados - recuámos, o que é muito pior, no que respeita às ligações aéreas entre as ilhas.
O Sr. Vaz Nunes: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vaz Nunes: - Felicito V. Ex.ª pela oportunidade das suas palavras e pela justificadíssima insistência com que ainda mais uma vez põe nesta Assembleia o problema das ligações aéreas de Cabo Verde. Só lamento que as palavras de V. Ex.ª possam ser reflexo de
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providências inadequadas por parte de entidades responsáveis.
É iniludível a premência de uma solução para os transportes aéreos em Cabo Verde. Creio que o Governo devia desde já encarar o problema de frente e admitir, a hipótese de uma solução rápida, ainda que transitória, considerando as graves perturbações que o facto causa à Administração, aos administrados e até mesmo possíveis inconvenientes de natureza política. Não parece que haja soluções rápidas sem inconvenientes.
V. Ex.ª acaba de referir algumas e de fazer vários alvitres. Acrescentarei mais um.
Parto de duas afirmações de base. Uma é que o parque aeronáutico dos serviços de transportes aéreos da Guiné é relativamente valioso em meios aéreos, segundo creio. Outra é que o Governo antevê a criação de um serviço conjunto de aeronáutica civil para a Guiné e Cabo Verde. Foi o que li na proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento. Daí, permito-me sugerir que sejam transferidos periodicamente dos serviços de transportes aéreos da Guiné para Cabo Verde meios necessários para fazer as ligações entre ilhas em Cabo Verde. Essa rotação poderia ser ajustada de molde a obterem-se as ligações convenientes com a carreira que a T. A. P. estabelece de Luanda para a metrópole, via Bissau, com aviões convencionais.
O Orador: - Muito obrigado pela achega de V. Ex.ª, porque nós em Cabo Verde precisamos que se resolva desde já o assunto dos transportes aéreos.
«Os transportes aéreos dão facilidade, rapidez e unidade à Administração e diminuem os efeitos depressivos do isolamento» - como diz com muita propriedade a Câmara Corporativa.
Eu sei, Sr. Presidente - nós, os de Cabo Verde, sabemos! -, o que representa de desalento, de fracasso, esse isolamento!
Nas nove ilhas habitadas, Sr. Presidente, essa solidão, em que somos prisioneiros do mar, é a causa responsável de muitas das nossas frustrações.
Mas o mar - a grade da nossa prisão - pode ser, e sê-lo-á se quisermos, a solução para outro dos nossos males.
A água, Sr. Presidente, a falta de água.
É outro problema angustiante, que afecta principalmente a ilha de S. Vicente, com uma população de mais de 20 000 almas a aumentar em ritmo acelerado e que não tem de beber ... nem com que se lavar ...
Não vejo no Plano uma rubrica para o abastecimento de água de S. Vicente, quando é indispensável e seria inteiramente justificável que só para isso se destinasse um investimento específico.
Não seria realmente com 15 000 contos destinados a melhoramentos locais e atribuídos a vários fins que poderíamos lá chegar.
Mas o problema tem de ser resolvido.
Com um porto magnífico, precisamente na encruzilhada de uma das principais rotas atlânticas, despendemos já ali para cima de 100 000 contos.
Temos de tirar proveito de tão avultados dispêndios, e visto que a já célebre refinaria caiu num poço sem fundo, depois de tão entusiasticamente anunciada, para se transformar numa longínqua quimera, procuremos a mesma solução que ela nos traria, se bem que em bases idênticas, mas sem os resultados económicos que eram de esperar.
No mar, causa das nossas angústias e de tantas das nossas desilusões, está paradoxalmente a solução deste mal n.º 1 de S. Vicente.
E não estejamos com paliativos. Consta-me que se estuda novamente -já se tinham feito estudos idênticos - para trazer água de Santo Antão - para S. Vicente por meio de pipe-lines.
Não sei quais serão os resultados destes novos estudos em repetição de outros realizados há uns seis anos.
O que me parece é que o problema da água não é um problema actual - não é um problema que se resolva hoje e fique resolvido para sempre. Há que contar com os débitos das nascentes, sempre a decrescer em Cabo Verde, e com o aumento da população, sempre a crescer, além de que as necessidades de consumo de quem não tem água aumentam na medida em que passa a tê-la.
De tudo isto não resultará que nos arriscamos a secar Santo Antão, prejudicando seriamente a ilha, sem conseguirmos sequer abastecer em condições de eficiência a de S. Vicente?.
Porque não valorizar Santo Antão com o aproveitamento da sua própria água?
E a montagem do pipe-line? ... E a conservação do pipe-line? ...
Se temos à nossa mão e ali mesmo à nossa frente a solução do problema, porque não aproveitar as condições que se nos oferecem sem corrermos os riscos que são de prever e de prevenir?
Refiro-me à dessalinização da água do mar, Sr. Presidente.
É uma solução experimentada já nas Canárias, na ilha de Lanzarote, cuja situação era idêntica à de S. Vicente, pois mandava vir água de Lãs Palmas e da África por barcos, possuindo hoje uma dessalinizador, que dentro em breve satisfaz as necessidades da sua população sem as contingências de um transporte tão oneroso como deficiente.
500 l de água potável foram obtidas no espaço de poucas horas nas provas realizadas na fábrica industrial transformadora de água do mar que acaba de ser instalada nas Canárias, diz o Diário de Noticias de 23 deste mês. A 15 de Dezembro poderá cobrir totalmente o abastecimento de água potável à cidade de Arrecife de Lanzarote, visto a rede de distribuição alcançar os bairros mais afastados, acrescenta a notícia.
O problema já foi levantado pelo município local, mas a Câmara não tem capacidade financeira para suportar o encargo, que gira à volta de uns 25 000 contos.
Terá o Estado que ajudar e, dado que as várias empresas particulares instaladas na ilha poderão interessar-se pelo assunto, respondendo ao apelo da sua vereação, seria oportuno o impulso por parte do Estado, criando uma empresa mista para a instalação e a exploração do dessalinizador, realizados que sejam os estudos económicos que se impõem, sobretudo para não estarmos a resolver o problema e voltarmos amanhã à primitiva forma.
Vejo no projecto de Plano uma verba de 23 000 contos destinada à energia, esclarecendo-se no relatório que parte dessa verba será atribuída à instalação de redes de distribuição de média tensão nas cidades da Praia e Mindelo.
Não sei quanto se destinaria para este efeito, mas a verdade é que não pode deixar de ser uma verba substancial e que S. Vicente resolveu o seu problema da electricidade com um empréstimo que contraiu, devendo ser inauguradas dentro em breve as novas redes, e certo é também que a Praia procedeu à completa renovação das suas instalações há bem pouco tempo.
Portanto, as verbas que para estes fins foram, sem dúvida, previstas poderão ser aplicadas no tal impulso do Estado para a constituição da empresa mista para a exploração da água do mar dessalinizada.
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Sugiro esta solução com muito interesse porque a água para S. Vicente é vital para o desenvolvimento do seu porto e, além do bem-estar da sua população, virá contribuir em larga escala para o desenvolvimento industrial que se pretende levar a efeito em Cabo Verde.
«Faça-se tudo e não se faça água, que nem a cidade nem o porto poderão progredir. A água está na base do desenvolvimento urbano, industrial e comercial de S. Vicente. Esse líquido, que se costuma baptizar de precioso, é-o na realidade numa terra em que chega a vender-se a 25$ o metro cúbico, posto ao domicílio por camiões-tanques de particulares» - diz o presidente da Câmara de S. Vicente ao propor um apelo às empresas da ilha para a instalação de um dessalinizador.
E acrescenta: «Tão precioso que muitas casas não possuem instalações sanitárias por impossibilidade de as fazer funcionar com água tão cara. Tão precioso que só dele depende a- higiene da cidade do Mindelo, sem uma rede de esgotos perfeita & completa, sem retretes e urinóis públicos em quantidade suficiente, e daí a insensibilidade da grande massa à porcaria, ao habito de defecar e despejar imundícies nas traseiras das casas, à profusão das moscas, veículos de infecções gastrintestinais, sobretudo entre as crianças, que todos os anos pagam, inclusive com a própria vida, duro tributo a semelhante estado de coisas».
Como se vê, «Sr. Presidente, o apelo da Câmara de S. Vicente está baseado em factos pouco edificantes e que de modo nenhum ilustram a civilização ou contribuem para o progresso de Cabo Verde.
Ao apelo do ilustre presidente da Câmara de S. Vicente, dirigido às empresas da ilha, junto aqui o meu para o Governo, certo de que não deixaremos de ser ouvidos por aquelas e por este.
A solução sugerida está, de resto, no pensamento do Governo, que não exclui a hipótese do aproveitamento de água doce, a partir de água salgada, quando descreve o planeamento das indústrias extractivas.
Só que a situação de S. Vicente impõe estudos e realização urgentes.
Não fiquemos - como tantas vezes - só em estudo ...
Peço a atenção do Governo para a circunstância - que a Câmara de S. Vicente refere - de a empresa que fornece água à ilha ter os seus dias contados, pois que os dois barcos-cisternas que utiliza para o transporte de água de Santo Antão para S. Vicente estão velhos, e como não conseguirá os 20 000 contos para os substituir, dentro em pouco ficaremos com um porto sem água ...
Não sei bem o que se pretende com a rubricar «Indústrias extractivas».
Pergunta a minha ignorância: que será que se vai extrair daqueles montes vulcânicos de rocha dura desesperadamente a pedir a intervenção actuante e extenuante do homem, mas sem lhe dar esperança de arrancar do seu seio outro rendimento que não seja pedra e cascalho?
Para quê já cartas geológicas e fomento mineiro - 4000 contos ao todo -, sem explorarmos a superfície em termos de nos permitir depois ir ao fundo do saco - se porventura há lá dentro alguma coisa que justifique o esforço? Cales, pozolanas? Será preciso ainda tanto dinheiro para isso?
Como diria um velho experimentado das coisas de Cabo Verde: - Não sei porquê, mas não concordo. Prefiro o que está à vista ...
Aproveitemos esse dinheiro para fins de reprodução mais imediata.
Precisamos de aviões, de concluir os aeroportos, de portos de mar, de desenvolver a agricultura e a pecuária, de combater o analfabetismo, que aumentou, atingindo uma enorme percentagem que se vai diminuindo, mas sem que tenha regressado à redução desejada, etc., etc. Depois disso ... depois disso ... sim, tentemos outras riquezas.
No que se refere à indústria transformadora, apenas uma objecção e duas sugestões.
A Câmara Corporativa põe as suas dúvidas quanto ao descasque da castanha de caju, opinando que só depois de se conhecer que a exploração do cajueiro é econòmicamente viável deverá pensar-se na industrialização respectiva.
Há que esclarecer que a indústria se destinava ao emprego da mão-de-obra, cem importação da castanha em bruto, principalmente de Moçambique, que a mandava para a Índia para esse fim, e da Guiné.
Nós não temos cajueiros em quantidade que justifique uma industrialização.
Em todo o caso, não sou grande apologista do sistema. Não me parece que a coisa dê, e consta-me que no Brasil já se descobriu e se utiliza o processo de descasque por meio de máquinas - o que ainda torna mais inviável o fim a atingir.
Além disso, o capital fixo e circulante, calculado para o efeito em 5000 e 12 000 contos, respectivamente, não anima a tentativa.
Nós somos de um tal azar que não me assombraria que, montada a indústria do descasque à mão, viesse logo a seguir a máquina a resolver o caso, como já consta que resolve.
Apoio, sem hesitação, as dúvidas da Câmara Corporativa e vou mais longe: não vale a pena sequer estudar o assunto.
De contrário, lá vai mais uma missão de estudos a Cabo Verde e será mais dinheiro galdido ...
Passo às duas sugestões:
Além da indústria de curtumes e seus derivados, não seria também de pensar na dos enchidos, como na de banhas e conservas de carnes?
Eu explico: Com as crises, o gado sofre uma enorme devastação. Calcule-se, portanto, a vantagem de proceder a matanças oportunas e à sua conservação, de forma a aguardar calmamente venda lucrativa.
Como se diz em relatório elaborado por um dos mais competentes técnicos que têm passado por Cabo Verde, logo que surgissem os primeiros ameaços de comprometedora escassez de alimentos, dar-se-ia começo ao abate, em substituição do actual estado de coisas, o qual a breve trecho do início da seca se verifica, pela fraca capacidade de consumo e abandono do gado à sua sorte.
Em qualquer circunstância, criar-se-ia de forma permanente um factor de progresso e de redobrado interesse pela actividade pecuária, que é uma riqueza a aproveitar.
A segunda sugestão refere-se à aguardente.
Desde que me conheço - e já lá vão alguns anos - que se combate por todas as formas a cultura da cana em Cabo Verde, para evitar o fabrico da aguardente.
Tomam-se medidas drásticas, publicam-se portarias, lançam-se impostos, reforça-se a fiscalização, aplicam-se multas, mas a aguardente continua a fabricar-se, e clandestinamente, com prejuízo para o Estado, calculando-se que 70 a 80 por cento do total nada paga.
Pretendem os governos, com as medidas que vêm sendo adoptadas, combater o alcoolismo.
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For outro lado, o agricultor encontra na aguardente uma defesa para as épocas da crise.
Um deles justificou-se-me assim:
A aguardente é o meu ouro, Sr. Doutor. Ela não se estraga, e, quando vem a crise, é com a minha aguardente que me salvo, vendendo-a para comprar milho e feijão, que não posso guardar.
Seja como for, do que não há dúvida é de que não se pode acabar com a aguardente em Cabo Verde.
Entendo que se deve ir para a industrialização da cana, enfrentando o problema «de caras» - passe a expressão.
Foi constituída uma cooperativa em Santo Antão.
Calcula-se a área cultivada de cana em 500 ha, e só são conhecidos 200 ha.
Avalia-se em mais de 1000 cantos anuais o aumento das receitas, visto que presentemente se cobram apenas cerca de 500 a 600 contos, e passariam a cobrar-se 1600 se houvesse um só canal - a cooperativa - por onde correria a aguardente, e facilmente fiscalizável.
A cooperativa pretende um empréstimo de 8000 a 4000 contos, amortizável, a longo prazo, com os rendimentos da empresa.
É um caso a estudar para a valorização do produto e sua exportação, mas não para consumo interno, sobre o qual se deverá lançar um pesado imposto proibitivo.
Um apontamento sobre o ensino:
O projecto prevê programas de grande envergadura na matéria de educação de adultos.
Não estou muito de acordo com programas de «grande envergadura» nesse sector, se a expressão significa uma campanha indiscriminada de educação de adultos. Há que estabelecer limites de idade e de tempo. Um homem que aos 40 anos, por exemplo, não sabe ler, nem escrever, nem contar, pouco poderá interessar à comunidade se o vier a saber.
Por outro lado, o ensino de adultos não pode prolongar-se se o aluno não tem condições para aprender, reprovando mais do que uma vez.
Preferiria que a intensidade - que a envergadura - do programa recaísse mais na preparação de professores, de modo a satisfazer, em termos e com eficácia, o ensino escolar na idade própria.
Peço também a atenção do Governo da província para o afastamento em que se mantém o ensino primário relativamente aos temas agrários.
Temos a preocupação de preparar letrados, futuros doutores, e nem as mais elementares noções de conservação da natureza se ministram aos alunos.
Todavia, grande parte desses homens de amanhã não têm outra alternativa à vista senão viver da terra, como se conclui em judicioso relatório de que respigo algumas afirmações para perfilhar ... e que foi feito por um técnico ... registe-se.
Duas palavras sobre o turismo: não se consigna no projecto um ceitil para o turismo.
Sendo eu director do Centro de Informação e Turismo, parece que devia deixar aqui lavrado o meu protesto pela omissão.
Contudo, estou perante realidades, e não corro atrás de quimeras e utopias.
Como é que se há-de incrementar o turismo em Cabo Verde, perante as perspectivas que desbobinei, sem dramatizar, limitando-me a relatar factos?
Como levar gente ao Fogo para visitar um dos maiores vulcões do Mundo, se temos de obrigar o turista a desembarcar na ilha em terríveis condições de segurança e comodidade?
Como promover a ida de turistas a S. Vicente, sem comunicações certas, rápidas e pouco espaçadas no tempo, para no fim lhes mostrar uma cidade cheia de movimento e de vida, servida por um porto magnífico, mas sem hotéis, sem água, sem esgotos?
Como levar turistas a Santiago para lhes. mostrar a primeira cidade que os Portugueses fundaram no ultramar, os ricos contrastes paisagísticos, as extraordinárias condições da ilha para o alpinismo, para o campismo, para umas férias de calma, de descanso, se, ao fim e ao cabo, os teremos enclausurados, sem poderem sair, quer pelo ar, quer pelo mar?
Como aproveitar as estupendas condições de Santo Antão, de vales profundos e verdejantes, numa paisagem paradisíaca, sem estradas para percorrer a ilha e arriscando o turista, a clausura ou a ter de atravessar o canal encapelado que separa Santo Antão de S. Vicente em barcaças para transporte de água, sem o mínimo conforto?
Como, Sr. Presidente? Como?
Não, meus senhores!, não basta dizer que temos durante seis a oito meses do ano um clima óptimo, lindas praias, paisagens de sonho, ao lado de outras de estarrecer, um folclore cheio de colorido e de interesse, um convívio racial que é um exemplo para o Mundo.
É preciso criar condições próprias para explorar tudo isso.
Esta a razão por que me bato pelas infra-estruturas. Fazendo-o, preparo o futuro do turismo em Cabo Verde, que presentemente apenas pode dar os seus primeiros vagidos. Seria perigoso teimar agora, pela péssima propaganda que daí resultaria para esse futuro, que temos de construir com vagar e persistência, que esperemos não seja infinita.
Já o mesmo não acontece, porém, com a informação.
Porque esta se encontra sob minha- responsabilidade no que se refere à, letra de forma, passo em claro um processo de expansão e promoção social, índice de progresso de que os meus conterrâneos tanto se têm afastado que, praticamente, hoje em Cabo Verde apenas existem um jornal noticioso e uma revista cultural, mantidos - sabe Deus - à custa de quanta paciência e dedicação de alguns.
Contudo, mesmo que e sitos meios de comunicação fossem um sucesso, a radiodifusão teria de ser o seu complemento.
Mas tal como vivemos, a rádio tem de constituir o principal veículo de ligação entre aã populações das diversas ilhas, contribuindo para minorar a depressão causada pelo isolamento, a par de uma expansão cultural, a elevar o nível intelectual das populações.
Mais do que isso, ela gera o único meio de mantermos contactos com os portugueses de Cabo Verde ou de outras latitudes vivando no continente africano.
Temos três postos emissores, funcionando em condições deficientes, embora à custa da carolice e boa vontade de uma meia dúzia, de entusiastas.
Ou os ajudamos a viver e a cumprir o seu papel em termos, ou montamos uma emissora com a potência- necessária para fazer a cobertura de todas as ilhas e chegar à África continental.
O que está não basta.
O Governo Espanhol, com uma oportunidade e clarividência admiráveis, inaugurou nas Canárias, em Fevereiro último, um posto de Radiotelevisão atirado para a África. Nós continuamos à espera de melhores dias ...
Não será com 2000 contos que conseguiremos um posto emissor de rádio em condições eficientes.
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Convém não esquecer, porém, que as ataques que nos são desferidos da África poderão ser combatidos mais pela inteligência que pelas armas e que Cabo Verde está em óptimas condições, pela sua posição geográfica, para conseguirmos esse objectivo.
Dacar, Konakry e Brazzaville, além de outros, atacam-nos de forma escandalosa e, mentindo com descaramento inaudito, insultam-nos e convidam Cabo Verde à revolta, para uma libertação que não lhes encomendámos.
É mais uma frente de combate que nos abrem?
Temos que preparar a defesa, e esta não se consegue sem medos eficazes - pelo menos tão eficazes como os do inimigo.
Deixo a nota. As instâncias competentes que resolvam, na certeza de que a rádio não é a arma mais despicienda nesta luta em que nos empenharam e que Cabo Verde será o melhor posto avançado para conseguirmos a vitória apenas pela razão.
Sr. Presidente: estou prestes a terminar, mas não o farei sem pedir a atenção do Governo para a contradição do projecto de lei apresentado à Câmara e o que se está passando com Cabo Verde.
Diz o n.º 2 da base XI que a assistência financeira do tesouro à província de Cabo Verde não vencerá juro enquanto se mantiver a actual situação financeira dessa província.
Isto envolve necessariamente o reconhecimento oficial, público e legal de que Cabo Verde não pode suportar pelas suas finanças o encargo de juros enquanto a sua economia não se desenvolver em termos de se reflectir na vida financeira da província.
E não pode, Sr. Presidente. Não pode, mas no corrente ano tem de pagar, ou já pagou, 2850 contos de juros por investimentos anteriores, o que provocou um autêntico abortar de vaticínios do Governo da província e de esperanças do seu funcionalismo, o mais mal pago de todo o Portugal, como já demonstrei por mais de uma vez nesta Câmara.
O orçamento deste ano não deu sequer para pagar o abono de família estabelecido por lei, e que iria beneficiar precisamente a classe mais atingida dos funcionários de Cabo Verde - os das hierarquias mais baixas, muitos dos quais mal ganham para comer.
Não quero dramatizar, nem enfadar a Câmara com a descrição repetida de uma situação insustentável.
Apelo para o Sr. Ministro das Finanças para suspender a exigência da inscrição de juros a pagar à metrópole no próximo orçamento da província.
Só assim será possível tirar aquela gente da penúria em que vive, ainda que num esforço notável para dar às suas funções o que elas lhe exigem.
Só com bons servidores, sem demasiadas preocupações pelo dia de amanhã, Cabo Verde poderá marchar na senda do progresso que se pretende imprimir-lhe, e não é possível este desígnio com os actuais vencimentos.
O funcionário de Cabo Verde não pede, aliás, senão o que a lei lhe manda pagar e que já espera há uns poucos de anos.
Sr. Presidente: O mais difícil é resolver os «mas» e os «ses». De certeza que o Governo os teve para ponderar. Longe de mim a pretensão de lhes haver dado a melhor solução.
Sinto que teria trazido à colação outros «mas» e novos «sés». Todavia, não quis complicar, mas colaborar.
Fi-lo com imensas deficiências, e disso me penitencio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Estamos no começo da última sessão legislativa desta VIII Legislatura da Assembleia Nacional. Ao iniciar as minhas considerações acerca de um capítulo - o do turismo - do projecto do Plano Intercalar de Fomento em discussão, faço-o com a objectividade de quem não ignora que o Governo segue e acompanha o que se diz nesta tribuna. Na sua função de programar, coordenar e estudar as actividades produtivas do País no próximo triénio, em ordem a acelerar o ritmo de crescimento do produto nacional, o projecto do Plano Intercalar salienta a importância do turismo, pela primeira vez incluído num plano de fomento.
Justificam-se plenamente as mais altas prioridades que venham a conceder-se-lhe. Pela importância actual das suas receitas em relação ao total de vendas de bens ao estrangeiro, rápido crescimento delas nos últimos anos e legítima previsão de um acelerado ritmo do seu crescimento futuro, o turismo - exportação invisível acumuladora de divisas - interessa cada vez mais aos homens responsáveis do nosso país. Dando o meu apoio às razões justificativas que se explanam neste capítulo do projecto do Plano Intercalar, devo, todavia, acrescentar as minhas reservas à afirmação ali contida quanto «à relativa ausência de obstáculos e problemas graves que a expansão deste sector levanta em confronto com as dificuldades gerais de industrialização de um país como o nosso».
Em primeiro lugar, está longe de solucionada a complexa problemática que a montagem da indústria turística levanta no nosso país, e em especial nas regiões justamente indicadas - além da região de Lisboa - como as duas zonas de turismo de estada - Algarve e Madeira.
Problemas de estímulo e assistência às iniciativas locais, sobretudo às pequenas unidades hoteleiras em perspectiva, de simplificação de formalidades, de apoio às entidades estrangeiras que aqui pretendam estabelecer-se, de urbanização, de desenvolvimento das infra-estruturas turísticas, de equilíbrio da produção e consumo de produtos alimentícios, de variados problemas humanos, técnicos, materiais e morais, que preocupam o& que sobre eles se debrucem, em faca do atraso dos estudos, decisões e execução neste sector.
Diz-se no referido capítulo do projecto do Plano Intercalar que «o planeamento do desenvolvimento do turismo, quer na fase de preparação dos planos, quer na fase do acompanhamento e contrôle da respectiva execução, aconselha o reajustamento dos serviços nacionais responsáveis, os quais devem dispor de meios materiais e humanos» suficientes para o estudo dos problemas que a concepção e execução de uma política turística levantam. Acrescenta-se ser necessário assegurar uma organização que permita coordenar os serviços e departamentos que intervirão na execução dos empreendimentos do Plano, quer no sector público, quer no das iniciativas privadas. Todavia, previu-se e verificou-se há muito a saliente insuficiência do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo quanto à orgânica de serviços e volume e categoria de pessoal, sem que deixe de prestar-se homenagem ao nível e ao esforço dos que ali dedicadamente trabalham sob a asfixia e a pletora dos problemas e sem que a reestruturação, que há muito se impõe como o prólogo indispensável do nosso planeamento e desenvolvimento turístico, haja sido feita.
Faço votos para que ela se siga imediatamente à aprovação deste Plano Intercalar. Tal insuficiência de meios não impediu que os seus grupos realizassem importantes estudos, como os «.Subsídios para uma análise de oferta e da procura», em relação às unidades hoteleiras, «Os elementos preparatórios de um plano de desenvolvimento
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turístico para o período ide 1964-1965», «O plano de valorização turística" do Algarve», etc.
Há problemas de ordem moral que o turismo levanta, como foi referido no último aviso prévio, dada a diferença de hábitos e costumes do turista descontraído numa vida de repouso e divertimento e a sua influência sobre a população agrícola ou proletária vizinha das zonas turísticas.
O turismo, indústria relativamente recente, com suas características originais, não é facilmente dominável no seu ritmo de crescimento, e a procura não se compadece, sem perigos, com a exiguidade na oferta. Importa, assim, incrementar a nossa preparação turística, não só na estruturação dos seus serviços dirigentes, a que me referi, como na formação profissional do pessoal de hotelaria, nas infra-estruturas urbanísticas e de obras públicas, no aumento de verbas do crédito turístico (aliás previsto no articulado n.º 25), e na planificação regional das regiões turísticas, sobretudo a da Madeira. Nesta ilha o aspecto económico é excepcionalmente importante, e adentro dele o abastecimento de produtos alimentares, cujo consumo o turismo aumentará, obrigando a fomento agro-pecuário, que não pode ser protelado.
Para avaliarmos da importância deste último aspecto, basta citar as seguintes palavras que o ilustre titular da pasta da Economia, a propósito do Algarve, há meses pronunciou numa conferência de imprensa: «O problema do turismo no Algarve não pode ser equacionado sem ter em linha de conta os problemas da rentabilidade da região e mesmo do Alentejo».
Quando isto assim se processa em relação ao Algarve, o que não dizer dos aspectos agudos, imediatos e urgentes de que se reveste na Madeira, dadas as suas condições de insularização e condicionamento e limites da sua produção agrícola.
E que a Madeira não tem, como o Algarve, outras regiões ao lado que lhe sirvam de apoio. Aquilo que não produzir terá de vir de longe, pelo menos de Lisboa, a 540 milhas de distância. Os transportes marítimos, recentemente aumentados, são caros. Ora a Madeira não viu ainda concluído sequer o estudo preliminar de um plano turístico, e a sua produção agro-pecuária está longe de suficientemente orientada e planificada.
Movimento turístico elevado corresponderá ali a volumoso consumo de géneros alimentícios, sobretudo de primeira qualidade. Ou a própria região os fomenta, ou tem de importá-los. Importação maciça corresponde, em certos casos, a perda de divisas e, quase sempre, a um incomportável aumento do custo de vida, dada a rarefacção dos produtos agrícolas e a sua excessiva valorização. Como todos os bens, comporta o turismo factores negativos, que interessa conhecer, não para menosprezar o valor e perspectivas da nova indústria turística, mas colmatar ou evitar o efeito desses factores. Não é, assim, de afirmar-se, como se faz no projecto em discussão, que a expansão do sector turístico corresponda a uma relativa ausência de problemas graves, mesmo em confronto com as dificuldades gerais da industrialização do nosso país.
Concordo plenamente com as razões invocadas no projecto do Plano Intercalar quanto à previsão de um crescimento turístico importante nos próximos anos, se for seguida uma política turística adequada. Essa política deve ser informada pela preocupação de termos um turismo próprio, e não o sobejo de países vizinhos. Perante uma publicidade suficiente, contacto e trabalho eficaz junto das agências internacionais de viagens, política liberal de tráfego, hotelaria e acolhimento, pouco conta neste século da aviação que sejamos país longínquo, como pouco o contou para as Baleares, as Canárias ou as Bermudas. Pouco importa aos turistas da América do Sul que Paris seja uma cidade distante.
Mas se o avião neutraliza todas as distâncias, tem uma política turística conveniente que neutralizar, por sua vez, o preço das longas viagens para cá chegar-se, como acentuou o Dr. Krapf no seu relatório, várias vezes citado no último aviso prévio sobre turismo.
As medidas de reorganização dos instrumentos de crédito turístico mencionadas no Plano Intercalar merecem inteiro aplauso, na medida em que se caminhará para a sua uniformização, rendimento melhor, maior rotação dos fundos utilizados e extensão do auxílio a empreendimentos turísticos, para além do sector de hotelaria (piscinas, campos de golf, barcas de passeio de turistas, etc.). Destaque-se o propósito de revisão dos métodos de apreciação dos pedidos de empréstimos, por forma a tornar rápida a concessão do crédito.
Considero de particular interesse o facto de vir a caber aos sectores oficiais de turismo o estudo de projectos que acompanhem os pedidos de financiamento - o que tem importância, sobretudo, em relação às pequenas unidades. Faço votos para que se obtenha uma nítida efectivação desta medida, em moldes bem concretos e eficazes.
Tenho verificado que nos trabalhos dos serviços oficiais de turismo se reúnem e mencionam os elementos estatísticos de estudo referindo-se a dois sectores -continente e ilhas adjacentes - ou aos dois sectores em conjunto. Ora acontece que o continente, a Madeira ou os Açores, sob o ponto de vista turístico, constituem diferentes individualidades e tem, cada um, evolução própria, que interessa estudar separadamente para chegar-se a conclusões e resultados úteis.
Não interessa só saber-se, por exemplo, que o número de dormidas, em determinado período, evolucionou deste ou daquele modo, no conjunto do continente e ilhas adjacentes, ou que, no total das ilhas adjacentes, a taxa de ocupação hoteleira variou em certa percentagem. Permito-me pedir que, para utilidade prática de futuros estudos, se modifique esta orientação, ou pelo menos que se acrescente aos estudos estatísticos uma rubrica em que se individualize cada um dos três sectores: continente, Açores, Madeira.
Sr. Presidente: O articulado n.º 9, § 2.º, do capítulo sobre turismo do projecto do Plano Intercalar diz textualmente o seguinte:
As condições naturais do Algarve e da Madeira, particularmente as suas características climáticas e os atractivos das suas praias, bem como as preferências demonstradas pelas principais correntes turísticas estrangeiras que nos visitam, apontam a conveniência na promoção prioritária do desenvolvimento do turismo nestas duas zonas, cuja transformação em dois importantes centros turísticos contribuirá ainda valiosamente para a dinamização da vida económica destas regiões.
O Governo reconheceu assim, oficialmente, ao Algarve e à Madeira, pelas suas condições naturais, a missão de especializarem-se na indústria turística, de carácter permanente, como forma específica do seu desenvolvimento regional.
A dinamização da vida económica dessas regiões pressupõe, todavia, uma planificação à escala regional, em ordem a aumentar e disciplinar a sua capacidade produtiva.
Não esqueçamos também que a industrialização turística desses dois centros é posta ao serviço da Nação na medida em que irradiarem para o resto do País movimento turístico e acumularem divisas.
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É este o seu sentido mais alto.
Sr. Presidente: Por ocasião do aviso prévio sobre turismo procurei expor nesta tribuna «o caso turístico da Madeira» ma especificidade do seu condicionalismo e das suas coordenadas próprias.
Fi-lo o mais integralmente que pude, no desejo de contribuir e ara o estudo deste sector do turismo nacional.
Na sequência desse trabalho permito-me comentar certos aspectos do capítulo sobre turismo do Plano Intercalar de Fomento no que se refere à Madeira.
Em primeiro lugar, é impressionante e paradoxal, em face das afirmações oficiais quanto à promoção prioritária do desenvolvimento turístico da Madeira, o atraso do estudo, planeamento, estruturação e coordenação a nível regional dos problemas e empreendimentos do seu conjunto turístico e das infra-estruturas com ele relacionadas.
Há, pelo menos, um ano que se concluiu, e ainda bem, em estudo preliminar «o plano de valorização turística do Algarve». Que eu saiba não se publicou ainda idêntico estudo em relação à Madeira. Nem foi possível calcular-se ainda o volume de investimentos necessários para um suficiente ritmo de Crescimento do produto gerado pelas actividades hoteleiras a programar e estimular. Dada a hesitação que ainda se observa nos capitais madeirenses e a sua insuficiência global para o conjunto dos empreendimentos necessários, impõe-se nesta fase a canalização de investimentos vindos de fora. Uma política de tráfego aéreo conduzida com largueza poderá contribuir para o fomento hoteleiro.
Estou convencido, com efeito, de que perante a falta de investimentos que se verifica em relação à Madeira, ao contrário do que sucede para com o Algarve, uma das formas mais rápidas de construir hotéis, e lembro o caso posto pela U. U. A., seria de autorizar carreiras de voos fretados com curta frequência e permanência por companhias de aviação estrangeiras ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... com a obrigação de construírem hotéis na Madeira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Representaria isto a tendência do caminhar-se para uma espécie de aeroporto franco da Madeira - a contrapor ao porto franco das Canárias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A orientação da política de transportes aéreos quanto aos aeroportos do Funchal e Porto Santo no sentido de liberalização dos voos de fretamento preconizada no projecto de Plano Intercalar não pode deixar de encontrar caloroso apoio na Madeira.
O Sr. Vaz Nunes: - Muito bem!
O Orador: - E de esperar que, felizmente, a linha Funchal-Lisboa se transforme pouco a pouco numa das mais rentáveis para a T. A. P., até pelas óptimas condições que tem revelado a pista de Santa Catarina.
A Madeira, por ser arquipélago adjacente ao continente, constitui um caso à parte sob o ponto de vista turístico. Pelo seu renome internacional já secular, ela é um espontâneo cartaz de si própria e o afluxo turístico terá nos próximos anos apenas como limite a sua capacidade produtiva e o binómio transportes instalações hoteleiras. Mas também ali o turismo, como tantas vezes se há dito,
constitui a única indústria possível em grande escala, em face da sua insularização, pletora populacional e deficit da sua balança, deformadamente compensada pelo fenómeno emigratório, que vai despovoando de braços válidos certas regiões da ilha. Cite-se como índice a freguesia dos Prazeres, com 1000 almas, e que em 1963 só deu um mancebo para o Exército.
No articulado que se refere a «Formação profissional» denuncia-se a urgência e a criação de três escolas hoteleiras no País, uma das quais na Madeira. Há muito que isto se afirma sem ser possível concretizar - refiro-me à da Madeira - a sua, execução, já que parece ter de pôr-se de parte, a sua instalação na Escola de Artes e Ofícios do Funchal.
Os problemas de instalação, apetrechamento e funcionamento da referida Escola não podem sofrer mais delongas. Os profissionais madeirenses de indústria hoteleira que iam há bem pouco tempo a Inglaterra trabalhar-nos meses de Verão poderiam constituir para o turismo continental importante reserva na época do ano de menor movimento turístico na ilha.
É conhecida a categoria excepcional dos profissionais de hotelaria da Madeira e a sua facilidade em aprender línguas estrangeiras.
Neste sector de hotelaria continua a verificar-se notável esforço de iniciativa particular na instalação de pequenas unidades residenciais permitindo aumento importante de camas, mas não foi ainda iniciada a construção de qualquer novo hotel. Apenas o Savoy começou as suas obras de ampliação para cerca de 300 lugares e a Soturna, sociedade anónima de capitais madeirenses, rompeu corajosamente com o seu projecto hoteleiro, que já vai em adiantada fase preparatória. As hipóteses, iniciativas e notícias vindas a lume não se concretizaram até agora em qualquer novo edifício e, admitindo que venham a triunfar, situam-se, pelo menos neste momento, longe de efectivação.
O relatório preparatório do plano de investimentos para 1965-1967, referindo-se à escassez de projectos apresentados no domínio da capacidade hoteleira nas ilhas adjacentes e à necessidade de estimular o aparecimento de mais projectos do que os que existem, diz textualmente:
Vale a pena repetir que o caso da Madeira é a este respeito muito importante. Só se a iniciativa particular se mostrar mais activa do que parece ter estado é que se poderá dar ao desenvolvimento do turismo nessa ilha a intensidade que se deseja.
O rendimento da actual capacidade hoteleira, em ordem a elevar ao máximo a taxa anual de ocupação, precisava de ser servida por um bureau coordenador e centralizador de informações quanto a lugares vagos, útil, sobretudo, às pequenas unidades residenciais.
Se nesta indústria a utilização de quartos nos hotéis nunca pode atingir 100 por cento em todos os dias, dada a instabilidade e variação da ocupação em relação às marcações, é fora de dúvida que poderia melhorar.
Estima-se no Plano Intercalar em 18 por cento o ritmo anual médio a prever do crescimento do afluxo turístico, mas salientando-se que a capacidade hoteleira deve ser programada de modo a satisfazer a procura. Estando o turismo estrangeiro no nosso país ainda numa fase inicial, «não convém recusar clientes estrangeiros por falta de capacidade, mesmo no mês de ponta». Estas considerações insertas no projecto do Plano Intercalar mais razão vêm dar ao que acima afirmo quanto ao atraso nas novas construções hoteleiras na Madeira, tanto mais que os 18 por cento previstos para a totalidade do País poderão aqui ser largamente ultrapassados e estão na
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dependência apenas de obter-se alojamentos e de cuidar-se do abastecimento da ilha.
Neste sector da construção hoteleira importa considerar a dificuldade provocada pela valorização excessivamente rápida dos terrenos, que acabará por sugerir a aplicação com maleabilidade e com respeito pela propriedade privada da legislação prevista, na alínea d) do articulado n.º 23 regulamentação e incentivos no sector da hotelaria -, em ordem a pôr ao serviço da Madeira e do seu turismo uma exagerada mais-valia, que o surto turístico veio determinar.
Tem especial interesse a concessão para fins turísticos de terrenos de domínio público, sobretudo marítimos, e a aquisição pelo Estado de zonas pouco desenvolvidas de interesse turístico, com a sua cedência posterior a preços razoáveis, para empreendimentos que o justifiquem.
No articulado n.º 14, alínea c), em que se programam trabalhos de urbanização, menciona-se:
c) Obras de valorização turística de Câmara de Lobos, urbanização de certos locais no percurso entre o Funchal e Câmara de Lobos e urbanização de uma outra zona, ainda não perfeitamente definida, onde convenha instalar um núcleo turístico.
Não posso deixar de salientar que ao lado do inegável cachet turístico de Câmara de Lobos, que impressionou o Prof. Krapf e ao qual se referiu no seu relatório, a transformação em centro turístico dessa vila. piscatória esbarra com alguns problemas de natureza social difíceis de resolver.
Registo a pouca precisão desta alínea, traduzindo um atraso no estudo e definição do aspecto urbanístico do turismo madeirense. Não deve perder-se de vista a valorização do Bairro de Santa Maria, um dos mais antigos da cidade, e construir-se piscinas com restaurante e snack-bar nas reentrâncias da costa sul, já que na Madeira não há praias de areia fina, e o projectado edifício do Clube Naval. Também lamento que o Porto Santo não haja sido mencionado neste capítulo.
As possibilidades turísticas daquela ilha, com o seu novo hotel, a sua grande praia, a sua possibilidade de utilização como centro de pesca desportiva, o seu aeródromo, cujo movimento diminuiu com a entrada em funcionamento do aeroporto do Funchal, impõem que se considere como unidade importante no turismo do arquipélago, com suas águas termais a explorar, na sequência do surto de progresso que arrancou a ilha dourada de um secular abandono e miséria. Tem já o Porto Santo os seus admiradores estrangeiros entusiastas, que ali procuram o silêncio, a paz e a tranquilidade do seu ambiente e que, uma vez ali chegados, nem vão à Madeira. A sua valorização turística obrigava desde já a uma diminuição de taxas no tráfego aéreo entre as duas ilhas vizinhas, com tarifas especiais de viagens de ida e volta, sobretudo nos meses de menor afluxo turístico.
Sr. Presidente: No capítulo do Plano Intercalar «Transportes e comunicações» afirma-se que se justifica uma nova ampliação do porto do Funchal - considerada, aliás, indispensável pelos Madeirenses - em virtude do seu movimento turístico.
Também se fala na melhoria das instalações do porto de Porto Santo, referência certamente à necessidade de construir-se ali um pequeno porto de abrigo, já que a ilha, com o seu aeroporto, é por vezes inacessível por mar durante o Inverno:
O incremento registado no movimento de passageiros e mercadorias no porto do Funchal durante os últimos anos, bem como a importância cada vez maior que reveste para o fomento do turismo, justifica a ampliação das grandes obras já realizadas.
Também a valorização económica que a ilha de Porto Santo atravessa, resultante da recente construção do seu aeroporto, do desenvolvimento urbano que se está a processar e da exploração de pozolanas, e bem assim as necessidades de pescado para o abastecimento local, recomendam a melhoria das instalações do seu porto.
Assim, prevê-se que no triénio de 1965-1967 se invistam 13 000 contos, a assegurar por autofinanciamento da Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira, que, juntamente com a- Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, são as entidades responsáveis pela execução das obras.
A importância turística e o custo dos dois melhoramentos mencionados estão em manifesta desproporção com a verba prevista para o próximo triénio através das receitas da Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira.
Se nesta alínea são vagas as considerações que se referem à Madeira, no articulado - que trata - de monumentos nacionais, ao lado da minuciosa enumeração de obras de conservação, valorização e recuperação de edifícios e monumentos no território continental - nem uma palavra se consagra a esta ilha, apesar da prioridade atribuída ao seu turismo. E há, todavia, entre custos, o edifício da antiga Alfândega, as Fortalezas de Santiago, as do Castelo do Pico e do Ilhéu, o arranjo do Largo do Município, no seu lado, sul, a reconstrução da Casa do Colombo, o Museu de Arte Antiga e a Casa-Museu da Quinta das Cruzes, elementos a valorizar e a utilizar sob o ponto de vista turístico.
O articulado n.º 29 refere-se ao abastecimento de produtos alimentares, para turistas.
Em trabalhas anteriores e no começo deste, insisti na especificidade - económica da Madeira - e da reacção económica a prever-se em face do fenómeno turístico.
Permito-me acentuar que a ausência de uma planificação e coordenação agro-económica a nível distrital e a falta de orientação da produção, importação e -exportação locais podem representar um certo perigo para o futuro do turismo madeirense.
A projectada vinda do Sr. Ministro da Economia, que se acompanhará de dirigentes do seu Ministério relacionados com problemas a estudar, muito contribuirá certamente para orientar estes problemas, tanto mais que essa visita foi já precedida de um estudo prévio feito por um categorizado técnico. Sem pretender efeitos demagógicos, que não se coadunam com os meus processos de trabalho, um dever de consciência leva-me a alertar o Governo em face do rápido aumento do custo de vida que se esboça na Madeira e corre risco de agravar-se nos primeiros tempos do seu desenvolvimento turístico. Isto poderá vir a sugerir, como aconteceu noutras circunstâncias em relação à ilha de Santa Maria, nos Açores, um aumento no vencimento do funcionalismo público na zona turística da Madeira.
Não se encontra no capítulo do turismo - se exceptuarmos os monumentos nacionais - nenhum articulado que mencione iniciativas e investimentos para fins culturais e artísticos destinados a servir o turismo. Apenas no articulado n.º 26 se fala genericamente «na necessidade de conservar e desenvolver os atractivos naturais, paisagísticos, urbanísticos, artísticos, folclóricos, etc.»
Bem sei que o fomento no sector que refiro é função habitual dos serviços e departamentos afins.
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Em relação à Madeira, a luta contra a monotonia é de grande importância no quotidiano da vida do turista.
Nesse aspecto, além da paisagem, dos desportos turísticos e dos diversos atractivos, há que considerar a necessidade de construir-se um auditório, a previsão de verbas para a vinda periódica de orquestras sinfónicas, companhias de ópera e outras manifestações culturais, como se impõe a criação de um museu etnográfico, de um curso de língua portuguesa para estrangeiros e de um curso superior de Letras, no Funchal, assunto a que espero referir-me noutra oportunidade.
Foi com a preocupação de servir o turismo madeirense, através da arte e da cultura, que um grupo de madeirenses, apoiado pelas entidades oficiais, se lançou na promoção de um grande espectáculo de luz e som por ocasião das próximas festas do fim do ano, sob a direcção do cineasta francês Pierre Armand, e tendo por grandioso cenário um majestoso vale, junto ao mar, rodeado de altas montanhas. Tal espectáculo, a que assistirão representantes da imprensa e da radiotelevisão francesa, pretende constituir uma experiência a utilizar no futuro para fins turísticos: a valorização artística da paisagem madeirense.
Não desejo terminar este discurso sem uma referência breve, mas que envolve a maior admiração, ao que representou no País o último Congresso Nacional de Turismo - o nível intelectual e técnico dos seus trabalhos, o aspecto doutrinário e científico que alguns atingiram, a importância, objectividade e pertinência das suas conclusões finais, e, oportunidade da sua realização na actual conjuntura turística nacional.
Aguarda-se com interesse a publicação em volume dos seus trabalhos, indispensável consulta para quem se dedique aos assuntos turísticos.
Sr. Presidente: Está a Nação a aperceber-se de que o Plano Intercalar de Fomento corresponde a uma mobilização de energias colectivas por parte do Estado, das forças vivas e da iniciativa privada em direcção ao progresso e à subida de nível de vida das populações através da valorização do produto nacional.
Que esta compreensão colectiva se alargue cada vez mais em firme esperança são os meus votos, e que a paz, a ser obtida no ultramar pela firmeza das armas portuguesas e pela coragem e tenacidade dos nossos soldados seja servida por um esforço também persistente, tenaz e corajoso do País no sentido do progresso e da prosperidade nacionais.
Tento dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará na quarta-feira dia 2 de Dezembro, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputadas que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alexandre Marques Lobato.
António Calheiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da (Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Júlio Dias das Neves.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA