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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 160
ANO DE 1964 4 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 160, EM 3 DEI DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos. Srs
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou alerta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 157.
Deu-se conta do expediente.
Foi lida na Mesa uma nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
A Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes falou sobre a viagem do Chefe do Estado a Moçambique.
Ordem do dia. -- Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei acerca do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados Ulisses Cortês, Costa Guimarães, Olívio de Carvalho, Nunes Mexia, Belchior da Costa e Martins da Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
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Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luis de Arriaga de Sá Linhares.
Luis Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, para aprovação, o Diário das Sessões n.º 157, correspondente à sessão de 26 de Novembro findo. Se algum Sr. Deputado tiver qualquer reclamação a fazer, é ocasião de a deduzir.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da mesa da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro a apoiar as considerações do Sr. Alves Moreira sobre a construção do novo hospital regional de Aveiro.
Da direcção clínica do Hospital de Santa Joana de Aveiro no mesmo sentido.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma nota de perguntas apresentada pelo Sr. Deputado Amaral Neto.
Foi lida. É a seguinte
Nota de perguntas
No uso das faculdades constitucionais c regimentais, pergunto ao Governo, pelo Ministério da Economia:
Quais as medidas já postas em prática na execução da política de reconversão agrária anunciada há mais de um ano, e quais as avaliações que se podem já fazer dos seus efeitos, previstos ou verificados?
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Novembro de 1964. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia a Sr.ª Deputada D. Custódia Lopes.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Num dos cinemas da cidade correu, de mistura com um dos muitos filmes que nos sue.» enviados da América, um bern elaborado documentário da Agência-Geral do Ultramar sobre a viagem de S. Ex.º o Sr. Presidente da República a Moçambique.
Pelo alto significado que esta viagem encerra, e ainda porque as imagens colhidas traduzem fielmente o entusiasmo e a alegria das populações do ultramar com essa ilustre visita, parece-me que se deveria dar a exibição desse documentário o relevo que bem merece, de modo que o maior número possível de público o pudesse apreciar, não esquecendo as crianças, que ficaram privadas dele, pelo facto de ter sido exibido num programa para maiores de 17 anos. Tratando-se de um filme que documenta de uma maneira iniludível o que se passou em toda a província de Moçambique durante os dias em que S. Ex.ª a percorreu, e ainda a passagem por Angola e pelo Príncipe, não se compreende que tenha passado quase despercebido, em escassos dias e apenas para um reduzido público da capital!
Seria de desejar que fosse exibido em sessões especiais, para que todos os portugueses da metrópole de lês a lês pudessem apreciar a lição de patriotismo e de unidade dada ao Mundo pelos portugueses do ultramar, nesta hora em que somos tão injustamente, acusados e incompreendidos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Teve já esta Câmara a oportunidade de ouvir brilhantes intervenções de ilustres Deputados sobre o êxito da viagem de S. Ex.ª o Presidente da Repú-blica a Moçambique.
Não desejaria repetir a VV. Ex.ªs o que já foi dito e muito bem sobre essa feliz viagem. Mas permita-me, Sr. Presidente, que mais uma vez ponha em relevo o pá-
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triotismo e a unidade das populações da minha província, as quais, apesar de vizinhanças incómodas que teimosamente procuram perturbar a .sua paz, continuam, hoje como ontem, serenas no seu trabalho e firmes nos seus ideais patrióticos, tão vibrantemente manifestados quando da visita do Chefe do Estado, desde o Sul ao Norte, das cidades do litoral às cidades, vilas ou povoações do interior.
Vozes: -Muito bem!
A Oradora: - Nessa viagem . apoteótica, mas exaustiva, teve S. Ex.ª. o Sr. Presidente da Republica a seu lado, S. Ex.ª Esposa, Sr.ª D. Alaria Gertrudes Tomás, a quem presto as minhas homenagens, que, não se poupando a canseiras, visitando escolas, infantários, instituições de caridade e todas as actividades relacionadas com a promoção social da mulher nativa, soube, com a sua presença, dar bem o testemunho de humanidade, abnegação e espírito., de sacrifício, tão característicos da mulher portuguesa e relevantemente demonstrados nas horas mais graves da vida da Nação.
Vozes: -Muito bem!
A Oradora: - Por toda a parte por onde quer que S. Ex.ª o Sr. Presidente da Republica passasse, crianças, velhos, homens e mulheres de variadas raças e credos, numa multidão policroma e incontida, manifestavam, cada qual à sua maneira, a confiança e a fé no futuro da Nação Portuguesa, prolongada por este vasto e prometedor território que é Moçambique, sujeito hoje, como os demais territórios portugueses da África, à cobiça e ao apetite de estranhos. Foi, na verdade, uma hora alta vivida em toda a província essa hora em que todos se sentiram mais unidos à volta do seu Chefe supremo, ligados pelos mesmos sentimentos de amor e de fidelidade a uma Pátria que se repartiu pêlo Aíundo, num esforço verdadeiramente gigantesco, só possível quando norteado e sustentado por um justo e nobre ideal.
Vozes: -Muito bem!
».
A Oradora: - Embora um ou outro periódico estrangeiro tenha procurado menosprezar o sucesso desta viagem, mentindo deliberada e propositadamente ao Mundo, os jornalistas estrangeiros, e foram muitos que a acompanharam de perto, puderam livremente observar e apreciar a espontaneidade das manifestações calorosas das populações de todas as etnias que formam a variada comunidade portuguesa de Moçambique.
Não creio, Sr. Presidente, que as demais nações, atentas como estão a todo e qualquer acontecimento no agitado e perturbado continente africano, tenham podido ficar indiferentes com a atitude das populações nativas de Moçambique, que acorreram a ovacionar o seu Chefe de Estado em demonstrações de carinho e respeito tais que desmentem cabalmente as injustas afirmações com que no estrangeiro e nas organizações internacionais se procura denegrir a acção civilizadora de Portugal em África. ,
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Não creio, tão-pouco. que esses inúmeros jornalistas estrangeiros que nos visitaram pela primeira vez se não tenham surpreendido e impressionado com o progresso e a modernidade das nossas cidades africanas, com o desenvolvimento das nossas instituições,
com a paz u a ordem que reina nas ruas e no trabalho e, sobretudo, com a nossa particular maneira de viver, em que todos tem o seu lugar e a sua oportunidade, independentemente- da sua raça. cor ou credo.
Vozes:-Muito bem!
A Oradora: - E, como já aqui o afirmei, Moçambique é, sem dúvida, de entre as demais províncias do ultramar português, aquela em que mais se evidencia a ,mul-tirracialidade que caracteriza a comunidade portuguesa, pois que aí vivem em conjunto variadíssimas populações de proveniências, raças e religiões diversas.
Enquanto noutras regiões do continente africano povos de origem e cultura- diferentes se digladiam ferozmente entre si, enquanto noutros países do Mundo há lutas e ódios que se baseiam na raça ou u a cor, em Moçambique tribos das mais diversas, populações de religiões e raças das mais variadas, continuam vivendo harmoniosamente em comum, procurando contribuir para o desenvolvimento de uma terra que todos consideram igualmente sua.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Dizer que tudo ali está perfeito nos diferentes sectores da vida económica e social seria uma veleidade que ninguém, de resto, ousará afirmar a respeito do seu país, qualquer que ele seja, por mais poderoso e rico. O que posso, porém, sem receio de desmentido, declarar é que se trabalha em paz. num esforço cada vez mais intenso para o bem-estar de todos e para uma maior aproximação das diferentes populações, através de um largo programa de promoção social e económica, para o qual se sente a premente necessidade de muitos mais recursos materiais e humanos.
Vozes: -Muito bem!
A Oradora: - O que importa acima de tudo, Sr. Presidente, é que o clima de paz e confiança em que a vida
em Moçambique se tem processado até agora seja preservado como um tesouro precioso, não só pela vigilância atenta daqueles que corajosamente defendem nas nossas fronteiras a integridade do território, mas também pela persistência e tenacidade dos que lá trabalham, dia a dia, iras oficinas, nas escolas, nos hospitais e em todos os postos da administração da província e ainda pela boa vontade e compreensão dos que, embora longe dela, podem cooperar com meios materiais e de acção no seu progresso. Embora nos orgulhemos da obra já realizada nesta província, ela está ainda longe de poder ser considerada completa e perfeita. Falta-nos ainda muito do que reputamos indispensável à vida das suas populações no caminho que há-de levar à prosperidade dos povos, ao .progresso de Moçambique e ao engrandecimento da própria Pátria Portuguesa.
Bem sei, Sr. Presidente, que, se não fora a guerra que nos é imposta do exterior e que nos obriga a desviar para a defesa dos espalhados e distantes territórios do ultramar o que em meios materiais e humanos poderia ser utilizado no desenvolvimento das terras e no bem estar geral dos povos, teríamos hoje decerto avançado muito mais no caminho, que há muito empreendemos, de fazer das províncias ultramarinas terras ;prósperas de comunidades de tipo universal, as únicas . capazes de coexistirem e progredirem pacificamente num mesmo território.
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Está Moçambique, nesta altura num estádio da sua vida cujo ritmo não pode por nenhuma razão ser afrouxado ou alterado, ainda que para isso hajam de fazer-se os maiores sacrifícios. Rasgaram-se, estradas, que precisam de ser concluídas, criaram-se, escolas, que tem de ser mantidas o aberta a uma população sempre crescente e desejosa de se instruir, fundaram-se hospitais, que necessitam de ser cuidadosamente apetrechados e providos, ampliaram-se os quadros nos diversos sectores da vida. administrativa da província, que urge serem preenchidos com pessoal devidamente habilitado e especializado, em suína, criaram-se novas estruturas, delinearam-se para o futuro novos planos de desenvolvimento económico e social, que tem de ser postos em execução em toda a sua plenitude e sem perda de tempo, para que não esmoreçam os ânimos, não enfraqueçam as vontades e se não retroceda numa obra que, embora incompleta, é hoje o orgulho de uma nação e o exemplo ao Mundo de quanto podem a vontade e decisão de um povo.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Nunca, como hoje, na vida já longa da Nação Portuguesa se tornou tão imperioso congregar os esforços de todos, do Governo. das instituições privadas, das empresas e das próprias populações da metrópole e do ultramar, e ainda também de quantos portugueses se encontram espalhados pelo Mundo, numa verdadeira campanha nacional com um único objectivo: o da salvação de uma pátria secular que se radicou em todos os continentes em espírito de fraternidade e de amor cristão, hoje bem patentes na força quase milagrosa com que vimos heroicamente resistindo a todos os ataques e ameaças que nos são dirigidos.
É essa força, que nos vem não apenas das armas com que nos defendemos dos inimigos, mas sobretudo, da alma do povo, da vontade das diferentes populações identificadas por uma mesma cultura, que é preciso manter e reforçar a todo o custo. É esse sentido universal, é esse sentimento de unidade da Pátria, realização permanente do espírito português, que importa cultivar e preservar dentro e fora dos nossos territórios, onde quer que se encontrem comunidades portuguesas.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - E nesse aspecto é de louvar a iniciativa da Sociedade de Geografia, já nesta Câmara posta em relevo pelo Sr. Deputado Francisco Roseira, ao reunir pela primeira vez, em Lisboa, os representantes de afastadas comunidades portuguesas, que acorreram prontamente à, chamada, porque sentiram viva a chama da origem lusíada, que não se apagará nunca através das gerações se soubermos mante-la acesa pela língua, pela religião, pela cultura e tradição, que são. sem dúvida, o forte esteio da unidade portuguesa no Mundo.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Em Moçambique, onde o povo é constituído por uma enorme diversidade de elementos étnicos, linguísticos e religiosos, torna-se premente que se dê todo o apoio material e técnico a quantas instituições governamentais e particulares visem a promoção social das populações pela educação e pelo ensino. Para que. aproximando-se estas cada vez mais umas das outras, pela cultura, por interesses comuns, por afinidades e convivência, se forme uma sociedade de populações étnica-
mente diversas. é certo, mas ligadas pelos mesmos ideais colectivos, intrinsecamente portuguesa, bem diferenciada das demais e mais resistente, por isso mesmo, a quantos procurem subvertê-la, desviando-a da tradicional permanência na unidade portuguesa multicontinental e multirracial.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Num momento em que se debate nesta Câmara o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 e em que nele se consideram os empreendimentos e obras prioritárias nas diversas parcelas do território português, parece-me ser de atentar seriamente no lugar que nesse Plano ocupa a educação e ensino das populações do ultramar.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - O programa do desenvolvimento comunitário, que no Plano simplesmente é referido, tem de ser encarado em toda a sua realidade e posto amplamente em execução, como necessidade primária de entre os demais programas do Plano em discussão.
Tenho por várias vezes nesta Câmara chamado a atenção do Governo para a necessidade de se acelerar a promoção social das populações através da educação e ensino, não apenas porque esse problema me seja mais grato pela profissão que na vida ocupo, mas porque sinceramente estou convencida, de que sem essa base tudo o mais se processará lentamente e até dificilmente, ainda que o desenvolvimento económico seja muito de considerar.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Se, na verdade, os investimentos no sector da educação não são de rentabilidade imediata como noutros sectores da vida administrativa da província., eles têm. porém, um alcance social e político tal que não podem de modo algum deixar de ser considerados a par dos que hão-de valorizar de uma maneira mais rápida a vida da província.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - No próprio Plano se fala de uma actualização de processos de acção contínua no campo da educação e de uma mobilização de esforços coordenados nesse sentido com a utilização de todos os sectores compatíveis da Administração.
Faço votos, Sr. Presidente, para que assim se proceda quanto antes, a bem do progresso de Moçambique e da unidade de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! .4 oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta, de lei acerca do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ulisses Cortês.
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O Sr. Ulisses Cortês: -Sr. Presidente: Se quisermos formular um juízo sobre a nossa experiência de programação económica, talvez possamos condensá-lo nesta síntese: realismo no planeamento, prudência nos métodos, amplitude na realização.
Assim sucedeu com a lei de reconstituição económica, que, embora perturbada na sua execução pela segunda guerra mundial, atingiu a plenitude dos seus objectivos e transcendeu, em larga medida, as previsões formuladas. Idêntico facto se verificou com o Plano de Fomento, cuja realização global superou, na alta percentagem de 36 por cento, os esquemas inicialmente definidos. A constância desta regra reafirmou-se no II Plano de Fomento.
Os elementos de que se dispõe - e infelizmente restritos ao período de 1959-1962- permitem, na verdade, afirmar que o valor dos investimentos, no seu conjunto, excedeu o quantitativo previsto nos programas anuais. Além disso, as finalidades do Plano, em termos de crescimento do produto e de taxa anual de expansão, foram amplamente ultrapassadas, devido essencialmente ao ritmo mais intenso da formação do capital e ao acréscimo do seu coeficiente de produtividade.
Previra-se, na verdade, que, em consequência da programação, se atingiria a cadência de desenvolvimento anual médio de 4,2 por cento, correspondendo a uma duplicação em dezassete anos do produto nacional. Todavia, os elementos estatísticos revelam que o ritmo de crescimento alcançado entre 1959-1962 se situou na média anual de 6,2 por cento - o que equivale à duplicação daquele produto em menos de doze anos. Por outro lado, a elevação total no referido período, que fora computada em 26,9 por cento, alcançou 27,2 por cento - circunstância esta demonstrativa de que a meta global do Plano foi atingida e ultrapassada logo no primeiro quadriénio da sua vigência.
Se Computarmos agora em 5 por cento a expansão do produto relativo a 1968 e 1964 - estimativa esta prudente e ajustada às realidades-, o crescimento alcançado no sexénio do Plano ascenderá a cerca de 40 por cento - taxa que excede em cerca de metade a que fora fixada como quantitativo a atingir.
Estes números não exprimem evidentemente a medida da execução física dos empreendimentos nem excluem atrasos nalguns sectores, os quais foram, todavia, compensados por acréscimos nas actividades mais reprodutivas e, por isso, de mais decisiva influência no movimento de progressão.
Traduzem estes resultados uma ética e revelam um processo.
De desejar é que a Administração continue fiel aos princípios até agora observados e que a mesma seriedade de concepção e de métodos continue a inspirar, como regra imperativa, a acção de planeamento económico.
Analisemos agora o projecto de Plano Intercalar para 3965-1967. que o Governo submeteu à apreciação da Assembleia Nacional nas suas grandes directivas e nas suas opções fundamentais.
Interrompe-se nele a tradição dos programas sexenais de fomento, iniciada em 1953 e cuja proficuidade foi salientada nas considerações antecedentes. O facto ocorre precisamente no momento em que a França elabora o seu V Plano de Desenvolvimento Económico e Social para 1966-1970. mantendo uma linha de continuidade sem interrupções.
A solução adoptada suscita reservas, que a Câmara Corporativa exprimiu e que não podem deixar de ma-
nifestar-se, ainda que sob outros ângulos de visão; mas, dentro da perspectiva escolhida, deve reconhecer-se que aquela solução assenta em razões válidas e é susceptível de explicação. Não foi sómente a dificuldade de previsões alongo termo que determinou as decisões do Governo, tanto mais que o Plano Intercalar se insere inuma larga perspectiva temporal, extensiva ao período que decorre até 1973. A razão determinante da posição tomada parece ter sido a necessidade de recuperar o ritmo de expansão verificado até 1961 e de preparar numa fase transitória um novo surto de crescimento para o hexénio de 1968-1973. Na verdade, as taxas de expansão do produto, em consequência da execução dos esquemas de fomento e da política económica e financeira, ascenderam aos altos níveis de 8,9 e 6,1 por cento, respectivamente, em 1960-e 1961. A partir deste ano. porém, estas percentagens revelam tendência de declínio, tendo baixado para 5,4 por cento em 1962.
A este facto adicionam-se as incertezas e interrogações que na actual emergência se acumulam no horizonte económico nacional.
A dificuldade de prever a evolução dos encargos de defesa - que pesam onerosamente sobre as potencialidades de expansão económica - é agravada por outras circunstâncias indetermináveis relativas ao processo de unificação do espaço nacional e ao êxito e amplitude do movimento de integração económica europeia. Compreende-se, por isso, que a ponderação destes factores tenha conduzido à elaboração de um plano de duração mais restrita e que permita maior exactidão nos cálculos e mais segurança na programação.
Esta atitude prudente não excluiu, porém, e já foi sublinhado, que se procurassem definir, através de técnicas solventes, as grandes linhas de força em que se orientará, a longo prazo, a evolução económica nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Propõe-se o Plano - e esse é o seu objectivo fundamental - acelerar o ritmo da expansão económica de forma que o País atinja o estádio de desenvolvimento e se aproxime rapidamente dos níveis de progresso dos países evoluídos da Europa ocidental.
Para esse fim, define-se como meta a alcançar o acréscimo do produto nacional à taxa acumulativa anual de 6,1 por cento no período de 1965-1967 e de 6,5 por cento no sexénio compreendido entre 1968-1973.
Para apreciarmos, no seu exacto significado, a dimensão desta taxa de crescimento, tornam-se necessárias algumas comparações. Um primeiro termo de referência é o do padrão internacional de um crescimento célere, que as organizações mundiais fixam na percentagem exponencial de 3 por cento, anualmente, equivalendo à duplicação do produto global em 25 anos. Outro elemento de confronto- e esse de palpitante actualidade- é o da cadência de crescimento fixada no V Plano francês, agora em elaboração. O ritmo programado é o da elevação média anual de 5 por cento, contra 5,5 por cento no plano anterior. Essa taxa é de 6 por cento no plano espanhol de desenvolvimento económico e social para 1964-1967 e nele considerada como ambiciosa. Se utilizarmos outros paralelos europeus, encontraremos as seguintes progressões anuais, no período de 1955-1960: Inglaterra, 2,4 por cento: França, 4,2 por cento; Suécia. 3,3 por cento; Suíça. 4,4 por cento; Bélgica. 2,4 por cento, e Dinamarca. 4,6 por cento. Na Alemanha e Itália as percentagens, foram mais elevadas, mas no conjunto dos países da Europa a média foi de 4,2 por cento.
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Colocando-nos agora numa óptica mais ajustada às características dos países em desenvolvimento, verificaremos que na aliança para o progresso, destinada a combater o subdesenvolvimento na América Latina, a taxa de expansão fixada é de 5 por cento anualmente, a qual, dada a demografia galopante verificada, nessa região do Mundo, equivale, ao acréscimo de 2 por cento no valor da respectiva capitarão.
Pode, assim, concluir-se que o crescimento económico programado no Plano e intensificado no hexénio ulterior é de amplitude satisfatória é dá satisfação aos anseios de progresso do País. Se a execução corresponder às previsões, o produto nacional elevar-se-á de 76,5 milhões de contos (em 1962 a 100 milhões em 1967 e a 146 milhões em 1978. Em consequência, e tendo em conta a expansão demográfica estimada em nível idêntico ao ultimamente verificado, a capitação, calculada à paridade cambial, ascenderá a 400 e 600 dólares, respectivamente, em 1967 e 1973. Corrigidos, porém, estes números de acordo com o poder de compra interno da moeda, a sua expressão é mais significativa e traduz-se em valores da ordem de 650 e 970 dólares.
Se pusermos mais longe os nossos olhos e os fixarmos no «horizonte 80», como faz o V Plano francês, verificaremos, que está ao nosso alcance atingir em 1985 a capitação, não corrigida, de 1200 dólares - número que se situa ao nível actual das mais altas capitações da Europa.
Vozes:-Muito bem!
O Orador: - A consecução desse, objectivo implica, porém, um postulado prévio, que corresponde a um princípio básico da estratégia do desenvolvimento. Esse postulado pode exprimir-se assim: só se progride na medida em que se investe e só se investe na medida em que se renuncia a consumir. Quer isto dizer que os recursos disponíveis se distribuem pelos canais do investimento e do consumo e que a dimensão do crescimento depende essencialmente do ritmo de acumulação do capital.
Esta ideia está presente nas concepções do Plano. Admite-se nele o aumento dos consumos privado e público » taxas que, para o próximo triénio, são anualmente de 5,2 e 6,4 por cento, respectivamente; mas, em relação ao nível do investimento, o a créscimo anual médio é computado em 8,1 por cento. Como consequência, a formação bruta do capital fixo ascende, em números absolutos e em posição relativa: situou-se em 1962 em 13 milhões de contos, correspondendo a 15,8 por cento do produto nacional; os números equivalentes serão de 19,2 milhões de contos e 17,8 por cento em 1967 e de 32,5 milhões e 20,7 por cento em 1973.
Em virtude desta evolução, a formação bruta do capital fixo para o triénio pode computar-se na totalidade de 53,3 milhões de contos, de que os investimentos programados, em relação à metrópole, no valor de 34,4 milhões de contos, representam a percentagem de 63 por cento.
A viabilidade de execução do Plano, traduzida nestes número, não significa, porém, que não ocorram delicados problemas de captação das poupanças e da sua canalização para o investimento. Nem exclui tão-pouco que a capacidade de financiamento do Estado - que assegura 30 por cento dos investimentos - não possa, vir a ser afectada por circunstâncias imprevisíveis, e não implique, por isso. além de possível reajustamento da carga tributário. mais amplo recurso ao crédito interno e externo.
Todavia, os estudos efectuados em relação ao conjunto das fontes de financiamento - sector público, instituições de crédito e particulares - revelam uma posição de amplo equilíbrio entre os investimentos planeados e os meios mobilizáveis. A capacidade de financiamento global, não incluindo as disponibilidades de origem externa, é, com efeito, estimada em 77,4 milhões de contos para 1965-1967,o que assegura aos investimentos previstos, compreendendo a participação nos programas do ultramar, a necessária cobertura financeira.
Mas, para além destes aspectos globais, não pode esquecer-se que outro imperativo do planeamento é o da selecção dos investimentos e da sua distribuição por forma a alcançar-se, no duplo aspecto sectorial e regional, um crescimento proporcionado e harmonioso.
Não excluem estes princípios - antes o impõem - que se dedique especial atenção às actividades mais dinâmicas e mais susceptíveis de desencadear um processo de rápida expansão. Qualquer distorção, porém, a que não presida um judicioso sentido da medida pode originar zonas de estrangulamento, gravemente perturbadoras da expansão e impeditivas de um progresso equilibrado.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ora, neste aspecto, e sem prejuízo de no Plano se ter equacionado criteriosamente o problema, cabem algumas observações que se aduzirão como contribuição, mais positiva do que crítica, para o esclarecimento da matéria.
No planeamento atribui-se e bem papel motor aos sectores secundário e terciário e, mais especificadamente, à electricidade, indústrias transformadoras e turismo.
O facto não suscita reparos, pois toda a marcha do progresso assenta essencialmente na industrialização, de que a produção de energia é condição fundamental. Além disso, o turismo assume função cada vez mais relevante no processo do desenvolvimento económico e tem incidências salutares no nível das actividades internas e no das finanças exteriores.
Por outro lado, a diminuição da posição relativa da agricultura, no conjunto das actividades produtivas, corresponde a uma lei do progresso e a uma evolução de carácter inelutável.
Não obstante estas circunstâncias, a taxa de expansão prevista para o produto originário da agricultura, e que é fixada, anualmente, em 1,5 por cento no Plano Intercalar e em 1,8 por cento na programação ulterior, é manifestamente insuficiente e não parece corresponder às potencialidades produtivas da lavoura.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A função de um plano que se inspire numa concepção global e dinâmica do desenvolvimento não é a de verificar as realidades calamitosas de um período de adversidade e de extrapolar os seus resultados, antes a de inflectir o destino de procurar corrigir os desfavores naturais. através do jogo dos investimentos e das medidas adequadas de política económica.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Há que ter em conta a missão decisiva da actividade agrícola na execução do Plano e o papel acres-
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cido que lhe cabe desempenhar na satisfação das exigências da procura interna e internacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Umas e outras encontram-se em vigorosa progressão, quer pelo desenvolvimento demográfico e pela melhor estruturação da dieta alimentar, quer pela liberalização do comércio mundial e consequente intensificação das trocas.
Há que manifestar, por isso, algumas objeções, tanto no respeitante ao nível dos investimentos - que correspondem sómente a 8 por cento do total programado, contra 17 por cento no Plano anterior - como no que toca ao ritmo de expansão do produto agrícola, que urge acelerar, para que se não agravem desníveis inconvenientes e se não criem perigosas tensões no domínio dos pagamentos exteriores.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - No aspecto do desenvolvimento regional e da sua planificação, insere-se o Plano na linha do pensamento moderno e define com acerto as soluções aconselháveis.
A assimetria do desenvolvimento espacial português, traduzida em desigualdades inadmissíveis entre as diversas regiões do País, exige, na verdade, que se procure atenuar o desfasamento existente entre as zonas evoluídas do litoral e as áreas deserdadas do interior.
Há, neste particular, que aplaudir a orientação traçada no Plano e os métodos preconizados para a atingir, nomeadamente no que diz respeito à concentração de meios para se obter uma expansão polarizada.
Um programa de desenvolvimento não pode, porém, limitar-se à enunciação de princípios; tem de incorporá-los nas realidades, através de esquemas de acção imediata.
Vozes: -Muito bem, muito Bem!
O Orador: -E, neste aspecto, talvez deva desejar-se, como início da programação a elaborar, a efectivação de uma experiência, de âmbito limitado, que constitua realização-piloto e base de partida para ulteriores iniciativas.
A bacia hidrográfica do Mondego e a região do Nordeste transmontano podem exercer, com utilidade, a função de zonas pioneiras.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Importa agora fazer um breve apontamento sobre os sectores secundário e terciário, iniciando a análise pela produção energética - nervo das economias modernas e factor básico do desenvolvimento industrial e agrícola.
Cumpre, neste aspecto, aplaudir a orientação seguida, tanto no que respeita e, expansão programada como no tocante ao esquema de empreendimentos definido.
A manutenção, ao ritmo dos últimos anos do aproveitamento das fontes hídricas de produção eléctrica, representa critério acertado, à luz da utilização prioritária dos recursos nacionais e da continuidade de uma política que se revelou útil ao interesse colectivo.
Mas sem prejuízo deste critério, há também que dotai1 o País do equipamento térmico indispensável, doseando convenientemente as duas formas de produção.
As soluções do Plano obedecem II estes imperativos e as fórmulas adoptadas desde que não haja desvirtuamento na sua aplicação - parecem ajustar-se às exigências de uma política energética conveniente e racional.
Importa, todavia, dentro dos programas formulados, resolver rapidamente os problemas em suspenso, designadamente os respeitantes à, outorga das concessões e ,à definição do início de execução das realizações previstas, em ordem a evitar soluções de continuidade e a cobrir oportunamente a curva dos consumos.
Considera, também o Plano o problema da energia nuclear e procura estabelecer os pressupostos necessários à sua utilização, no tríplice aspecto de investigação, ensino e formação profissional.
Nem poderia ser de outro modo. dado que começamos a aproximar-nos do esgotamento das potencialidades produtivas de origem hídrica e que a produção térmica, embora exija menores investimentos, envolverá, ao menos no futuro imediato, onerosas importações de combustíveis, com consequências inconvenientes no equilíbrio da balança comercial.
As fontes clássicas de produção importa, pois, adicionar com urgência o recurso a outras modalidades produtivas, na sequência da evolução registada em todo o Mundo e por forma a garantir-se, como objectivo irrenunciável, a autonomia dos empreendimentos nacionais.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A existência no País de minérios utilizáveis para a produção nuclear e a conveniência da sua valorização e aproveitamento justificam as opções formuladas. Na escala de urgências a estabelecer e na oportunidade a fixar para a primeira central nuclear cumpre, também, caminhar com celeridade, reforçando os meios indispensáveis, de modo a promover-se rapidamente, de acordo com o progresso científico, a necessária actualização do sistema eléctrico nacional.
A vizinha Espanha dá-nos, nesse aspecto, o exemplo, ao planear para 1968. com caracter privativo, a sua primeira central atómica e ao firmar nesse sentido com a França os necessários acordos técnicos e financeiros.
Não pode também omitir-se uma referência à política de combustíveis e às realizações previstas neste sector.
A intensificação da lavra mineira, com vista ao alargamento do mercado de combustíveis sólidos e ao equilíbrio das explorações, constitui um dos aspectos salientes dessa política.
A instalação de uma nova refinaria de petróleos no Norte representa também proveitosa iniciativa que a, industrialização do País justifica e que as crescentes necessidades do consumo tornam imperativa. Esse empreendimento constitui mesmo uma das maiores realizações do Plano e pode vir a representar, pelo complexo de actividades subsidiárias e afins, um pólo de desenvolvimento, com salutares, incidências à escala nacional e regional.
No que respeita às actividades; industriais, o Plano caracteriza-se pela fluidez da programação, aliás justificada pela preponderância que neste domínio se atribui ao sector privado.
O Plano não representa, pois, uma simples enumeração de investimentos: constitui antes um quadro orientador dos empreendimentos particulares, definido através de (projecções globais e de cálculos referentes aos grandes agrupamentos produtivo. Concretizam-se, deste medo os objectivos a alcançar e a orientação a imprimir a este sector de importância vital para o desenvolvimento do País. Cumpro- recmidar - e o facto representa
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circunstância fundamental - que é neste domínio da actividade económica que a relação capital-produto atinge os coeficientes mais favoráveis e a produtividade do trabalho se traduz em níveas médios dos mais elevadas.
Através da linha de acção enunciada e dentro dos princípios da nossa orgânica económica e social, reserva-se, assim, larga zona de actividade à iniciativa privada, sob a orientação e disciplina do Estado. Uma e outra traduzem-se num conjunto de medidas de política económica e de estimulantes fiscais, destinados a assegurar à estrutura industrial portuguesa a tecnologia, escala de fabricos e condições competitivas ajustadas à tendência de integração das economias e à crescente comunicabilidade dos mercados.
A indeterminação dos investimentos não exclui, todavia, a previsão concreta de grandes realizações em sectores-chave da produção fabril, nomeadamente na siderurgia e na indústria de celulose. A primeira carece de rápida ampliação para cobrir, em grau mais elevado, as necessidades internas e adquirir a dimensão económica indispensável à sua viabilidade. A última corresponde ao imperativo de valorização das matérias-primas nacionais e às favoráveis perspectivas que oferece o mercado internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A capacidade mundial de produção de celulose e papel situa-se actualmente em 88 milhões de toneladas, para um volume de consumo de 90 milhões. E este desequilíbrio, que urge corrigir pelo aumento da produção, tende a acentuar-se pela ascensão vertiginosa da procura, em consequência dos progressos culturais e da maior intensidade dos meios de comunicação.
O sector terciário, em que se incluem actividades fundamentais como os transportes, as comunicações e o turismo, tem igualmente papel determinante no processo de desenvolvimento. Nas economias avançadas cabe mesmo a este agrupamento a função de leader de progresso, de tal modo o volume das necessidades em evolução, e não satisfeitas, acentua o seu relevo no conjunto das actividades económicas.
O turismo situa-se neste sector.
Não se versará o problema nos seus aspectos culturais num se salientarão os seus efeitos como meio de intercomunicação dos povos e de mútua aproximação entre eles. Sublinhar-se-á sómente que a progressão turística actualmente registada corresponde a uma tendência universal e é especialmente consequência dos altos níveis da prosperidade das economias ocidentais.
O Plano dedica especial atenção a este domínio do planeamento e procura, na consideração global do problema, dotar o País das infra-estruturas e do equipamento necessário à expansão desta promissora actividade. Como acentua a Câmara Corporativa, a política formulada visa a contribuir para o acréscimo do emprego, incremento da exportações, desenvolvimento regional e melhoria do nível de vida, quer nos seus efeitos directos, quer nas suas consequências indirectas de demonstração e de imitação. O investimento total atinge apreciáveis proporções da sua execução podem esperar-se largos benefícios, quer na dinâmica do processo de expansão, quer no reforço das disponibilidades externas do País.
Procurei dar. tanto global como sectorialmente, uma visão sintética do Plano e acentuar os seus aspectos mais relevantes.
Omiti alguns sectores - em especial o da investigação científica, do ensino técnico e da qualificação profissional. Sem desconhecer a importância destes problemas - que alinham entre os mais prementes de uma programação eficaz -, não podia ocupar-me deles sem alongar desmesuradamente o âmbito da minha intervenção.
Através dela, animou-me sobretudo o propósito de pôr em relevo o esforço que o Plano representa e a contribuição que ele pode prestar à ascensão económica do País. Mas estes objectivos exigem, como condições fundamentais, a estabilidade económica e financeira, o equilíbrio das contas exteriores, a colaboração internacional, o esforço colectivo da Nação. Um plano é, com efeito, uma tarefa comum, uma unidade de aspirações, uma disciplina de acção. O seu êxito não depende, pois, exclusivamente da acção do Governo, por mais poderosos que sejam e são- os meios de que dipõe; exige a colaboração da comunidade inteira, a sua adesão activa, a sua participação militante.
Um ideal que se não vive intensamente e com devoção está condenado à inviabilidade prática e à triste inanidade das quimeras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desejaria tratar ainda outros problemas, de que destacarei os mais importantes: critérios selectivos dos investimentos, coeficientes de intensidade do capital, equilíbrio do mercado do trabalho, domínio dos fluxos migratórios e objectivos sociais do planeamento.
Esta simples enumeração mostra, porém, a amplitude dos temas a versar e a impossibilidade de os debater dentro dos limites traçados pelo regimento. Salientarei, por isso e apenas, que qualquer modelo de desenvolvimento que se inspire num sistema coerente e radique numa concepção total não pode tender exclusivamente à melhor utilização dos recursos disponíveis o à obtenção dos mais elevados ritmos de crescimento. Tem de inserir-se também num esquema de valores morais e de visar, para além dos seus objectivos estritamente económicos, finalidades mais nobres, de ordem espiritual e humana.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A difusão social dos frutos da expansão não é apenas factor de progresso e imposição da justiça -- constitui exigência da própria ética.
Não desejo concluir sem uma rápida anotação ao plano do ultramar.
A sua formulação não permite ainda a apreciação global que seria desejável, nem constitui fase satisfatória do plano unitário para que urge caminhar. O planeamento representa sobretudo um agregado de esquemas provinciais ajustados aos respectivos condicionalismos e coordenados de modo a promover o desenvolvimento comum no quadro do equilíbrio regional.
No entanto, uma primeira evidência ressalta do exame dos programas elaborados: o do reforço do movimento de expansão, através do montante acrescido dos investimentos. Com efeito, o valor total programado para o próximo triénio ascende a 14,4 milhões de contos, contra 6 e 9 milhões, respectivamente, nos dois sexénios anteriores.
A distribuição dos empreendimentos conduz também a algumas conclusões esclarecedoras. Por ordem decrescente e em posição destacada avultam os investimentos relativos aos transportes, indústria e agricultura. Mais, na repartição sectorial, têm igualmente lugar significativo,
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além dos equipamentos colectivos e da prospecção científica dos territórios, o ensino, a saúde e a promoção social e humana.
A análise dos financiamentos, segundo a origem dos recursos, mostra igualmente, com expressivo relevo, a considerável amplitude da ajuda económica metropolitana - que aliás assegurou 56 por cento dos investimentos realizados na vigência do II Plano de Fomento.
Portugal continua a ocupar lugar primacial no auxílio às regiões subevoluídas. como é do resto, reconhecido nos estudos e relatórios das organizações internacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A contribuição portuguesa para combate ao subdesenvolvimento, compreendendo as suas diversas modalidades, corresponde, efectivamente, a 2 por cento do produto nacional, em contraste com outros países, nomeadamente os Estados Unidos. Inglaterra, Bélgica, Holanda, Alemanha e Itália, em que aquela percentagem é inferior a 1 por cento. A própria Franca, que neste domínio ocupa posição eminente, não excedeu em 1962 a taxa de 3,96 por cento. Corroborando as afirmações precedentes, escreve-se num relatório da C. A. D., organismo especializado na matéria: «os países com maior participação na ajuda ao desenvolvimento são a Bélgica, a França e Portugal, enquanto o Canadá, a Dinamarca e a Noruega ocupam os últimos lugares». Noutro documento, igualmente autorizado, da O. E. D. E., acentua-se que o nosso país consagra à ajuda às áreas subdesenvolvidas uma percentagem do produto nacional «mais sensível do que a dos outros países membros».
Este facto constitui o melhor título de legitimidade da nossa presença no ultramar e explica, com a luz forte das evidências, a obra de valorização e de progresso que ali temos efectuado e cujas realizações contam entre as maiores de toda a África.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pena é que a não conclusão dos estudos estatísticos, em elaboração, não permita, por enquanto, dar expressão quantitativa ao esforço de desenvolvimento empreendido.
Alguns elementos de elucidação podem, no entanto ser aduzidos, como base dos juízos de valor a emitir.
Em relação a Cabo Verde, a expansão do produto prevista no Plano situa-se na média amuai de 6 por cento. Relativamente a Angola, tem-se procurado, em trabalhos da melhor idoneidade científica e técnica, determinar a medida do crescimento económico. E, assim, com base no índice 100 correspondente a 1950, é possível concluir que a expansão atingiu o índice 487 em 9962 - o que equivale a uma cadência de desenvolvimento anual média de 14 por cento e a um acréscimo de capitação superior a 12 por cento.
Estes números revestem iniludível expressão, mas adquirem a plenitude do seu sentido se os confrontarmos com os esquemas de desenvolvimento definidos para o continente africano pela Organização das Nações Unidas.
No relatório deste organismo - Les besoins des pays developpés en matière- fixa-se como meta desejável para a promoção económica africana, à escala continental, o aumento da capitação do produto global em 2 por cento, anualmente.
Esta percentagem, tendo em conta a expansão demográfica, equivale ao ritmo de crescimento económico de 3,25 por cento. E o relatório conclui pela impossibilidade de se atingir esta taxa de expansão, dada a carência das poupanças internas, a exiguidade do auxílio internacional e a insuficiência das estruturas de acolhimento.
O confronto entre estas perspectivas de estagnação africana e a obra de progresso dinâmico e de prosperidade crescente em curso no ultramar português constitui, para a opinião internacional e para os juizes da história, testemunho eloquente e mensagem capital do Plano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O facto suscita-me uma breve reflexão, com a qual finalizarei as minhas considerações.
Há quatro anos foi o Mundo sacudido por uma vaga de fundo que mergulhou o País na cerração de um denso nevoeiro.
A situação parecia desesperada e no horizonte perfilava-se, como sombra inquietante, a ameaça da catástrofe.
Alguém empunhou então o facho da resistência e encarnou a determinação nacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Esse facho, vivificado pela labor e pela firmeza, pela fé e pelo sacrifício, transformou-se em chama da esperança e começa a ser o luzeiro da vitória.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Plana Intercalar de Fomento para os anos de 3965-1967. de que esta .Assembleia discute a proposta de lei da exclusiva autorização a dar ao Governo, para a respectiva elaboração e execução, deixa-nos a única possibilidade, como já foi judiciosamente afirmado, de confiar que a ressonância dos debates construtivos aqui produzidos possa fazer sentir-se na citada elaboração e execução.
Sinceramente esperamos que do debate se colham todos os elementos úteis para a definição dos princípios gelais em que deve enquadrar-se o planeamento, de resto em concordância com a indispensabilidade política a que o brilhante pareces do illustre relator da Camara a Corporativa, no n.º 2 de sua apreciação na generalidade, dá judiciosa relevância.
A nossa intenção ao produzir esta breve intervenção foi fundamentalmente de terminada pela responsabilidade de, embora modestamente, podermos deixar as sugestões que se nos ofereceram na rápida apreciação de alguns dos objectivos que se visa atingir.
É natural pensar-se que só na estruturação definitiva do1 Plano em questão se possa encontrar a resposta, concreta, clara, para tantas interrogações que deixa em suspenso, interrogações; que em bem fundamentadas e esclarecidas intervenções, aqui foram deixadas.
A algumas, mais me referirei adiante, de forma sucinta e sem rendilhados, que não necessitam.
No aspecto de afirmações, muito me satisfez a estaca a do impressionante e avultada montante dos investimentos previstos- 48,8 milhões de contos, no conjunto
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do espaço económico nacional, o que ultrapassa, em extraordinária escala, as programados e realizados no I e II Planos de Fomento.
É nota de justo destaque a impressionante capacidade financeira que se demonstra, tendo em conta, sobretudo, a especiais circunstâncias em que se tem processado a economia nacional, dominada pelas preocupações fundamentais de defesa do ultramar.
O esforço que se evidencia nalguns dos programas sectoriais, seja da metrópole como do ultramar, é extraordinário, e parou vá a Deus e aos homens, e sobretudo ao senso, espírito de coordenação e cooperação, e à tenacidade destes, que os anseios que se revelam se transformem em palpáveis realidades. Palpáveis realidades cuja consubstanciação se pode bem resumir na aceleração de crescimento do produto nacional, aproximando-nos de números aceitáveis que nos levem ao nivelamento dos países desenvolvidos.
Este objectivo de aceleração, cremo-lo nós, não é contudo devidamente contemplado, para garantia de prossecução, em determinados pontos fundamentais.
Aqui a razão das interrogações a que aludimos atrás.
um deles, quanto a mim o fundamental, a autêntica base, já aqui foi vivamente estigmatizado por bem fundamentados e esclarecidos depoimentos, dos quais destaco o do nosso ilustre colega Prof. Nunes de Oliveira, que se referiu às necessidades de instrução e de investigação em termos que merecerão cuidada e criteriosa meditação de quem tora a responsabilidade de elaborar e executar o Plano em causa.
Já aqui referimos, aquando da discussão do aviso prévio sobre educação, que a acompanhar as necessidades incontestáveis, e primeiras da defesa de integridade nacional devem andar e bem perto, as da instrução e educação, pois que também estas são de uma defesa suprema, irrefutável - a defesa da segura garantia do progresso económico, político e social da própria Nação!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para não me alongar em redundantes considerações, limito-me à recomendação autorizada e respeitável que nos oferece a incisiva conclusão do parecer subsidiário da subsecção de Ensino da Câmara Corporativa, a merecer o mais caloroso apoio desta Assembleia, e onde se afirma:
Apesar dos condicionalismos de execução das obras e serviços propostos neste parecer, o total de investimentos em ensino e investigação, sugerido pela subsecção, excede em 891 600 contos a verba apresentada no projecto do Governo. Contudo, se atendermos a que o investimento total do Plano Intercala: de Fomento é da ordem dos 34,5 milhões de contos e se destinam ao sector do ensino e da investigação 874 000 contos - cerca de 2,5 por cento -, temos de lamentar que o importantíssimo capítulo da educação - sector basilar da economia nacional, metropolitana e ultramarina - não tenha sido tratado com muito mais largueza. O aumento proposto neste parecer -de mais 2,5 por cento daquele investimento total- nele se poderia procurar, sem prejuízo sensível para as outras rubricas do Plano, cuja execução o custeada pelo Estado, o com bom auxílio ao problema educacional português.
Marece aprovação o capítulo em análise com as ampliações indicadas e com a recomendação de que a concessão das verbas não se dê com o cancelamento
de verbas correspondentes nos respectivos capítulos do Orçamento Geral do Estado.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Outra interrogação que penosamente se nos deixa liga-se com a estreiteza dos investimentos previstos na agricultura, silvicultura e pecuária, em contraste com os problemas de primordial interesse nacional que se verificam nesses sectores.
Indica-se no Plano e para este capítulo um total de 2 829 000 contos. Note-se, e para o facto nos chama a atenção o parecer subsidiário da secção de Lavoura da Câmara Corporativa, que deste valor haverá que deduzir a verba de 940 000 contos que correspondem aos investimentos para a valorização rural - viação rural, abastecimento de água das populações rurais e electrificação rural -, que certamente não lhe cabem, como, por exemplo, não se incluem na indústria os gastos com redes de transportes, produção, distribuição de energia, etc. Em contrapartida, é mister acrescer ao valor previsto a parte do global sob a rubrica «Investigação e ensino», que concretamente se consigna à agricultura e que soma 40 000 contos. Assim, o valor real que a esta se destina é menos de 2 milhões de contos, seja menos de 5,5 por cento do total programado no Plano, com carácter prioritário.
São, evidentemente, pouco esses escassos 2 milhões de contos para uma lavoura com uma agricultura atrasado e urgentemente necessitada de rápida recuperação que a arranque do escasso ritmo de crescimento de 1,2 por cento por ano do seu respectivo produto, número extremamente modesto, como ainda, recentemente, o afirmou o Sr. Ministro da Economia, e meus flagrantemente se o compararmos com o de 8 por cento do crescimento da indústria. E se é de desejar um bom desenvolvimento desta para progresso económico do País, não se deverá obliterar o paralelo da lavoura para se ter a certeza de poupar o País a graves problemas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Como já pude registar algures, e em fórmula lapidar, verifica-se na nossa agricultura um círculo vicioso em que o Estado não investe porque aquele sector não produz, enquanto, por outro lado, a baixa produtividade da agricultura se apresenta como consequência imediata de falta de desenvolvimento do que aos responsáveis de condução económica cabe orientar e fazer.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Estamos certos de que &e impõe uma mais generosa contemplação de, investigação agronómica sólida e uma assistência técnica em grande. Mas uma assistência que, efectivamente, se dirija à preparação especializada dos empresários e lavradores e a que estes se dêem, na. medida de responsabilidade que lhes cabe, para se dar um passo decisivo de rompimento em tão pernicioso e pertinaz círculo vicioso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não me vou deter em mais alongadas considerações sobre a contemplação que ao Plano merece a triste e depauperada lavoura. Já aqui se diste o sufi-
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ciente para que a voz preocupada e amargurada da Assembleia possa ressoar nas instâncias responsáveis e competentes.
Há, porém, que atacar por um lado qualquer, e nesse ataque responsável parcela cabe aos proprietários, empresários e rendeiros.
Um passo imediato, a nosso ver, se impõe para estimular o trabalhador agrícola e manter os já bem ténues liames que o prendem ao campo. Refiro-me à necessidade de se dar execução imediata a um esquema de previdência social e assistência médica a contemplar os trabalhadores rurais. É matéria que está prevista, mas cuja execução não deve sofrer dilações!
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex. ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex. ª naturalmente não desconhece que o Sr. Ministro das Corporações, na última visita que fez ao meu e vosso distrito, anunciou que o problema estava para breve. De maneira nenhuma compreendo as longas demoras que se estão a dar em volta do caso. Quero aqui manifestar que aquele membro do Governo não deixará de olhar o problema, que é da maior acuidade e urgência.
O Orador: -Muito obrigado por ter vindo ao encontro da minha opinião.
Por outro lado, um mais decidido apoio ao cooperativismo, uma enérgica intervenção nos circuitos de comercialização dos produtos da lavoura ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e uma rigorosa legislação repressiva para as concorrências inqualificáveis que tanto a prejudicam ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- - ... - casos e casos deploráveis nas viticulturas químico-mirdeiras, e que vemos proliferar impunes -, ulgo que seriam um bem recebido preâmbulo do Plano Intercalar para a lavoura.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex. ª não deve também esquecer as considerações que a Assembleia acaba de escutar ao Sr. Deputado Ulisses Cortês.
O Orador: - Se V. Ex. ª me tivesse deixado continuar, verificaria que era minha intenção não deixar de fazer uma referência a essas considerações, como preito da minha homenagem e admiração ao mérito do grande economista que é o Sr. Deputado Ulisses Cortês.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito obrigado a V. Ex. ª
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Muito embora as preocupações do Plano Intercalar quanto ao sector energético aqui tivessem sido criteriosa e superiormente analisadas - louvores bem sinceros, pelo magnífico trabalho desenvolvido, ao nosso ilustre colega Eng. Virgílio Cruz -, não fugi à tentação, por vício profissional, de me deter sobre elas.
Serei breve, para não alongar esta intervenção, que prometi sintética, e não enfadar VV. Ex. ª com considerações repetidas.
Os critérios de escolha e planificação das nossas fontes produtoras de energia mostram uma acentuada viragem em futuro próximo, ou melhor talvez, em presente bem actual, com evidente projecção definitiva na economia energética do País. O ritmo de construção de aproveitamentos hidráulicos, embora as reservas inaproveitadas sejam muito apreciáveis, será alterado com a inovação de centrais termoeléctricas na base de combustíveis líquidos - a importar - e de alguns carvões nacionais.
As razões de viragem firmam-se, segundo opiniões que vemos generalizarem-se, no custo demasiado alto da instalação de explorações hidroeléctricas e nos pareceres de técnicos que se debruçaram sobre o estudo de condições de apoio do crédito internacional à nossa electrificação.
Sinceramente aguardaremos os resultados para estabelecer a comparação relativa de custos .... mas desde já entendemos de recomendar um estudo aprofundado da questão, antes de se optar por caminho de perspectivas que levem ao sacrifício do necessário equilíbrio da nossa balança, comercial e de pagamentos.
E evidente que há que assegurar uma perfeita solução para o problema fundamental de definir o chamado «equilíbrio hidráulico-térmico», que deverá visar-se. Este aspecto é cuidadosamente contemplado na justificação do Plano e no parecer da Câmara Corporativa.
A ela se referiu com clarividente pormenor o nosso colega Eng. O Virgílio Cruz, e naquilo em que as nossas reservas de combustíveis sólidos possam ser utilizadas, relevante serviço se prestará por razões de ordem económica nacional e também social. Acrescentar algo que fosse em apreciação de generalidade ao aqui referido é de evidente desnecessidade.
Abro apenas um parêntesis para, focando o problema das lignites de Rio Maior, devidamente analisado e estudado, aqui deixar um brado de alerta quanto à necessidade de o Governo, conhecendo-o, não dilatar a execução das medidas que entender adoptar e que estão definidas. Faço-o, porque, simultaneamente com a resolução dê um problema que afecta a nossa economia, se não podem desconhecer as implicações de ordem social que recaem sobre mais de duas centenas de operários e empregados.
Sr. Presidente: Quanto ao que se nos oferece em projecto de programa para a resolução das nossas necessidades energéticas, seja para o período do Plano, 1965-1967, seja para o futuro, com a cuidada e ponderosa previsão que estes problemas impõem, quero deixai1 expressa a minha viva surpresa por verificar que aproveitamentos hidroeléctricos como Vilarinho das Furnas, Fratel, Aguieira e Valeira, se apresentem, muito simplistamente, com escalonamento de entrada em serviço em data a determinar, o que significa, em certa maneira, que não há uma intenção decidida de arrancar com as respectivas obras em cada um dos anos do Plano.
Se assim não fora, dar-se-nos-ia a consolável satisfação de podermos verificar a concreta referência a possíveis datas de início de obras e entradas em serviço. A Câmara Corporativa considera indispensável, e muito bem, concretizar desde já as datas de arranque de novas obras em cada um dos imos do Plano e propõe um reforço de cerca de 950 000 contos ao montante do programa de investimentos já inscrito no projecto de Plano Intercalar para obras em execução ou decididas.
Par outro lado o nosso ilustre colega Eng. º Virgílio Cruz, na sua brilhante e bem fundamentada intervenção,
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apresenta um esquema de programa de investimentos prioritários, quanto a mim muito mais lógico e racional, se se considerarem, sobretudo, os interesses superiores do económico e social. Por este esquema, a que dou o meu inteiro aplauso, verificar-se-iam as seguintes alterações, intuitivamente viáveis:
[ver tabela na imagem]
Centro produtor
Com a sugestão do Deputado Virgílio Cruz verifica-se. pois, um programa de 2 980 000 contos, contra os 2 229 000 contos constantes do quadro da proposta do Plano.
Dando o meu apoio incondicional a esta sugestão do alteração, que oxalá possa ter o mérito de ser considerada, creio que haverá, além de tudo o mais, uma certa coerência por respeito a legislação que ainda não vimos revogada. É o caso da Lei n.º 2002, que, embora de 1944, se encontra regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 43 335, d f 1960, relativamente recente, pois, para que determinadas ideias possam ser classificadas de ultrapassadas. Supomos que no Plínio Intercalar que apreciamos se menosprezaram directrizes que até à, revogação dos diplomas respectivos, são a única matéria legal sobre o assunto.
Uma política justa como bem definiu a intervenção que comento e apoio, será a de manter, com equilíbrio, o actualritmo de construção hídrica, e suplementar então às necessidades de energia com energia térmica. Respeitar-se-iam prioridades que parecem bem definidas e contemplar-se-ia a eliminação de implicações de ordem económica e social que estão à vista.
E quanto a custos de instalação, lembramos os judiciosos comentários de recente autorizado parecer das contas públicas, onde se salientava que, na contabilização dos custos, não podem deixar de ser incorporados os benefícios de rendimento económico efectivo que podem resultar du aproveitamento coordenado dos empreendimentos hidráulicos na rega, na navegação, nos usos industriais, nos abastecimentos urbanos de água no turismo, etc. Ao fazer-se tal contabilização, o problema apresenta-se com outras perspectivas.
De resto, os exemplos que se verificam pelo Mundo inteiro justificam estes comentários que entendo reforçar com u que o citado parecer judiciosamente recomenda:
E do mais alto interesse nacional o princípio de integração de recursos e de boa aplicação de investimentos, abrangendo, na sua mais longa projecção, questões de natureza social e demográfica, pela valorização integral de regiões atrasadas ou até em vias de abandono.
Destaque-se que no Plano Intercalar em análise se verifica o previsível adiamento das realizações de valorização regional, destinadas a corrigir desequilíbrios flagrantes e cada vez mais sensíveis.
No que respeita ao programa de trabalhos para incentivar o aproveitamento de energia atómica para fins pacíficos, deixo o meu apoio, decidido e incondicional, ao que aqui se afirmou pela palavra autorizada do nosso colega Eng.º Virgílio Cruz. ou seja a recomendação de que se acelerem os estudos nacionais para o lançamento de centrais termonucleares. E impõe-se que no programa a definir se assegure uma posição de autonomia nacional, com exploração das nossas fontes de abastecimento e valorização dos nossos recursos em minério de urânio.
Em conclusão: o vulto excepcional dos interesses nacionais que estão em jogo na política electrificadora, agora com foros de intensificação, recomenda e aconselha profundas reflexões e criteriosos estudos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Uma breve análise sobre o problema de indústrias transformadoras, para me deter naquela que conheço melhor - a transformadora têxtil algodoeira -, sugere-me algumas considerações que procurarei sejam breves.
Primeiramente, um destaque para o papel da indústria no processo de crescimento do produto nacional. Assim, enquanto em 1958 as percentagens de produção se distribuíam por: 34 por cento no sector primário, 28 por cento no sector secundário e 38 por cento no sector terciário, em 1962 essas distribuições eram: 26 por cento no sector primário, 37 por cento no sector secundário e 38 por cento no sector terciário.
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Estes números mais significativos pela evolução crescente do produto interno, resultam da seguinte evolução do mesmo produto:
[ver tabela na imagem]
Índice (a) Crescimento
(a) índice: 1953 = 100.
É evidente, no crescimento do produto nacional, a preponderante intervenção da indústria, sobretudo a transformadora, e com expressão tanto mais influente na medida em que a intervenção no crescimento das indústrias extractivas no período de 1953-1962 se cifrou, em média, nuns escassos 0,6 por cento.
E claro que no sector das indústrias extractivas, como se destaca no relatório do Plano, a evolução do produto relativo a actividades mineiras vem sofrendo uma quebra constante, resultante de diversos factores, o mais importante dos quais reside na falta de persistência em se adaptar as realidades económicas à necessidade de, na nossa condição de país com paupérrimos recursos de subsolo, aproveitarmos tudo o que tivermos possibilidade de aproveitar.
Para a média de crescimento de cerca de 8 por cento referida, os ritmos mais lentos verificaram-se precisamente nas indústrias têxteis, vestuário e calçado (5,5 por cento), enquanto sectores de lançamento mais recente, substituindo na procura interna grandes volumes de importações até há poucos anos verificados, passaram a ocupar lugar mais destacado no conjunto da actividade transformadora.
Registe-se, porém, que, particularmente no sector da indústria têxtil algodoeira, a evolução da produção interna poderá aferir-se pela consideração simplista de que o consumo de matérias-primas, em tonelagem, passou de cerca de 38 0001 em 1953 para cerca de 70 0001 em 1962.
Naturalmente que a evolução do desenvolvimento do sector têxtil é muito influenciada pelo comportamento dos mercados, predominantemente do exterior, tão cheio de condicionalismos, uma vez que a evolução do consumo interno é acentuadamente lenta, (no ano de 1962 chegou mesmo a verificar-se regressão).
Esperamos, porém, como se acentua no relatório preambulai- do Plano, que as perspectivas futuras do sector têxtil se consubstanciem em considerável aumento de consumo dos respectivos produtos por três razões distintas, mas, na verdade, complementares: aumento da população, melhoria do respectivo nível de vida -com aumento de rendimento social em que o contributo de emigração é extraordinário- e criação de novos tipos de têxteis.
Perspectiva notável de expansão se nos oferece através de extraordinário desenvolvimento da indústria de confecção.
Significativa a particularidade de uma acentuada aplicação de capitais estrangeiros nesta actividade nacional.
Relativamente aos condicionalismos dos mercados externos, não deixaremos de em oportuna intervenção lhes dedicar alguns comentários necessários.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A análise que se profere no Plano Intercalar quanto ao sector ria indústria têxtil, seja em rui tição à sua evolução do passado, ao presente e programa de futuro, é bastante rápida, surpreendentemente concisa, em relação ao que se impunha pela notável influência que exerce na valorização da nossa economia, e o papel que desempenha no equilíbrio da nossa balança comercial, além do importante peso na ordem social.
Vai já longa esta minha intervenção; para que me detenha em pormenores do mais vivo interesse para o sector e simultaneamente para a economia do País.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Dado, porém, que vivemos em regime de corporativismo e o sector está devidamente organizado no seu grémio, por sua vez integrado em prestigiosa corporação, creio ser bem fácil o estabelecimento de um diálogo vivo pleno, de sentido cooperador e coordenador, com o Poder Executivo, em ordem a os mais legítimos interesses do mesmo sector virem a sei criteriosamente planificados e tratados, com inteira salvaguarda dos seus justos direitos e das mais instantes necessidades do País.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E posta esta máxima, deixarei, em generalidade, o que de fundamental importa considerar:
a) Reestruturação do sector e normas de condicionamento:
Se estão em vigor disposições de um regulamento de disciplina, de actividade que não é possível ignorar, já que criou um mecanismo capaz de interferir nas realizações dos objectivos que constituem preocupação dominante do sector, a verdade é que a mesma indústria não possui ainda normas obrigatoriamente previstas naquela lei.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Exª está a referir-se à indisciplina que reina nas exportações da indústria têxtil. Mas o problema é mais vasto: atinge também outras exportações, nomeadamente tis das madeiras, problema que já aqui foi tratado pelo nosso distinto colega Eng.º Reis Faria.
Estamos com isso a causar um prejuízo à Nação de dezenas e dezenas de milhares de contos. Lá fora riem-se até de nós, mas, no entanto, não apareceu ainda quem desse remédio a esse problema.
Isto é apenas para reforçar as considerações de V. Ex.ª
O Orador: - E vem apoiar aquilo que acabei de afirmar. Há, sobretudo, falta de coordenação.
Regista-se que a disciplina de actividade é fundamental para assegurar um nível alto de produtividade e que este é factor primordial para manter vigorosa qualquer indústria.
A situação criada por determinados processos pendentes, com perniciosas imobilizações em equipamento paralisado, e em contrapartida, uma orientação executiva de determinador casos sem a devida audiência, esclarecida e autorizada, do sector através do seu organismo representativo impõem providências de urgente execução.
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b) Problema do equipamento e posição em face da indústria metalomecanica nacional:
Pelo volume de mão-de-obra que emprega e a cada vez mais furte incidência de capital a que obriga, a indústria do sector necessita do um constante esforço de reestruturação.
Simultaneamente, as exigências de mercado, cada vez mais acentuadamente, dirigido para o exterior, e a incontestável necessidade de preparação para resista-se crescente contacto o concorrências internacionais por força do G. A. T. T. e da E. F. T. A., além das contínuas correcções de estrutura, determinam um atento acompanhamento do melindroso problema do reequipamento da indústria.
Este surge com particular acuidade, necessitando as soluções que lhe venham a sei- dadas de franco e aberto apoio por parte do Governo.
O problema paralelo que se, põe quanto à- utilização de equipamento do origem nacional tem sido devidamente contemplado pelos sectores- interessados e pelo Governo. Com certeza que no período do Plano se há-de procurar que as garantias e condições que a industria metalomecânica possa assegurar correspondam ao nível elevado das exigências técnicas do equipamento têxtil.
Por certo que se terão em conta, nas soluções de economia concertada a encarar, as repercussões que delas advenham para a indústria têxtil e economia do País, obviando aos desequilíbrios que a introdução de máquinas de várias origens (por força causaria.
c) Outros aspectos importantes a considerar ligam-se com a necessidade de se assegurar um abastecimento de matérias-primas sem restrições e a- preços de concorrência- internacional, com a possibilidade de se obter uma maior comparticipação, messe abastecimento, da produção ultramarina de algodão, que importa incrementar decididamente.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Uma rápida informação de previsões de colheitas de algodão ultramarino, o ajustamento das suas classificações, a melhoria de qualidades por cuidada selecção de sementes, etc., são pontos de vital interesse.
No campo da comercialização das produções, sobretudo quanto aos mercados externos, determinadas medidas que visem uma disciplina de prestígio internacional, seja no equilíbrio das cotações, nos respeito das qualidades ou no aprimoramento das mesmas, serão bem desejadas e recebidas. Neste caso, como em tudo, um diálogo aberto entre dirigentes e dirigidos será de largo alcance.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -A necessidade, de resto, ultimamente sempre considerada, de a indústria ser ouvida aquando de negociações bilaterais e multilaterais que mais directamente lhe interessam é igualmente uma máxima imprescindível de largo alcance.
No campo da assistência técnica, formação profissional, elementar, média e superior, está o problema devidamente contemplado por acção profícua das instâncias superiores competentes, do Instituto Nacional de Investigação Industrial e do Grémio Têxtil Algodoeiro, destacando-se p papel influente que a Faculdade de Engenharia do Porto desempenhou, por acção do seu muito ilustre director, para a criação de cadeiras da especialidade na mesma Faculdade.
Em remate das nossas considerações, apenas formulamos o desejo de que as linhas mestras da política industrial, mal definidas quanto ao sector têxtil, possam encaminhar a realização dos objectivos desejados, «por medidas de política económica tendentes a orientar r estimular a iniciativa privada, à qual continuará a caber papel fulcral na promoção do desenvolvimento industrial do País!»
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Chegados ao fim da nossa intervenção, em que procurámos servir, por modesta opinião, a apreciação de determinados aspectos do complexo o responsável programa que se nos dá a discutir, é me grato afirmar a realidade de facto de que nos próximos três anos se efectivará um ingente esforço nacional, consagrando,, através do planeamento em questão, o objectivo superior de criar mais riqueza e bem-estar para a Nação, seja para todos os portugueses de aquém e além-mar!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito- bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Olívio de Carvalho: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de proposta de lei do Plano Intercalar de Fomento para 196.5-1967 tem sido analisado e discutido nesta Assembleia nos seus variados e múltiplos aspectos, em brilhantes e oportunas intervenções, que tem despertado o mais vivo interesse e constituído contributo valioso para o esclarecimento dos problemas que dizem respeito a todos os sectores da economia nacional.
Vou, por isso, limitar as minhas palavras a breves considerações de pormenor sobre a parte respeitante ao «Fomento extraordinário dê actividades pedagógicas, culturais e científicas», do capítulo VII, rubrica «Ensino e investigação», com referência especial à «valorização de pessoal docente, técnico e administrativo», ao ensino e expansão da língua portuguesa e aos meios audiovisuais realizados através de emissões da rádio e da televisão.
Dada a amplitude dos aspectos que aquela rubrica comporta e num momento em que o Ministério da Educação Nacional se ocupa do planeamento da acção educativa, tão necessária e urgente para o desenvolvimento de novas estruturas económico-sociais que permitam a aceleração do acréscimo do produto nacional, não posso deixar de reconhecer a escassez do investimento proposto, em contraste com a multiplicidade de problemas inerentes à execução desse planeamento.
Para a valorização de pessoal docente técnico e administrativo prevê-se a adopção de providências extraordinárias, como, por exemplo, a realização de cursos de aperfeiçoamento e- actualização, uma vez que, como foi acentuado, «de pouco, valem as reformas se esse. pessoal não estiver à altura de bem as executar».
Ora, no que respeita ao ensino liceal e técnico, a valorização do pessoal docente, feita apenas por meio de cursos de aperfeiçoamento e actualização, não vem resolver a carência de professores qualificados e aptos a desempenhar cabalmente as tarefas que lhes são confiadas. Os três liceus normais e as escolas técnicas onde se realiza a prática pedagógica, embora deficientes em certos aspectos, poderão apetrechar-se convenientemente para melhorar a qualidade do seu ensino e contribuir para uma mais adequada e útil preparação pedagógica. O problema está em atrair aos respectivos estágios os candidatos que pretendem seguir a carreira do ensino. A sua valorização só poderá fazer-se com estágios remunerados, como já aqui sugeri em intervenções anteriores.
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Enquanto se não enfrentar esta situação, de pouco valerão cursos de aperfeiçoamento e actualização, os quais, embora necessários, não resolvem a crise de professorado.
O problema reside na falta de agentes de ensino, como, aliás, se reconhece na proposta de lei:
Ë preciso criar incentivos, já para combater a penúria que nalguns sectores se desenha, já para evitar um abaixamento de nível, sabido que a quantidade de que se necessita é inimiga da qualidade, que a todo o custo se deve defender.
Em boa verdade, limitar a valorização de pessoal docente a cursos de aperfeiçoamento e actualização é muito pouco para a gravidade da situação, que se apresenta com perspectivas verdadeiramente lastimáveis.
São por de mais conhecidas as verdadeiras causas que determinam a falta de concorrentes aos estágios em número bastante para as necessidades do ensino nos liceus e nas escolas técnicas. Na minha intervenção sobre o aviso prévio discutido nesta Assembleia tive ocasião de abordar os aspectos mais directamente ligados à penúria de professores dos liceus. Numa época em que a expansão escolar se tornou uma das condições do desenvolvimento económico, a carência de professores necessários ao ensino surge como um obstáculo a vencer. Na verdade, importa que o espírito dos modernos educadores esteja preparado para as inovações do ensino moderno. A sua formação pedagógica não só impõe qualidades especiais indispensáveis ao desempenho da função docente, mas exige também preparação cuidada, pois nenhuma outra actividade profissional poderá confundir-se com a missão de ensinar e de educar. Terá, pois, de revéstir-se da maior atenção o processo de aliciamento do professorado do ensino secundário, com base numa revisão de vencimentos actualizados, de acordo com a preparação universitária e formação pedagógica que lhe é exigida e a responsabilidade das funções que tem de desempenhar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Criadas as condições de melhoria económica, pela actualização de vencimentos, possibilidades de promoção ao ensino universitário e aumento de prestígio social, ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... não faltarão concorrentes a inscrever-se nas Faculdades de Letras e de Ciências, nem candidatos aos concursos para o professorado.
No bem elaborado parecer da Câmara Corporativa incluem-se elementos informativos baseados em números estatísticos e assinala-se a carência de professores em todos os graus de ensino. No que respeita ao pessoal docente para os liceus, diz-se que serão necessários 2500 professores, pelo menos, difíceis de obter com boa preparação científica e pedagógica num tempo limitado, e reconhece-se que «há necessidade de criar incentivos para combater a penúria de quadros e evitar o abaixamento do seu nível. Ora estes incentivos, acrescenta-se, deverão ser encontrados na melhoria de condições de vida do pessoal docente.
Eis os dados positivos em que se fundamenta o douto parecer da Câmara Corporativa, que propõe um substancial alargamento das verbas destinadas ao capítulo «Ensino e investigação».
O problema base do fomento da educação reside essencialmente na melhoria de condições económicas dos seus
agentes de ensino de todos os graus. Enquanto se não tiver a coragem de reconhecer esta verdade c de se encontrarem os meios para a sua efectivação, falharão os planos de acção educativa, ruirão projectos u reformas.
Assim o reconhece o parecer da Câmara Corporativa, ao assinalar que:
O projecto du Plano Intercalar não prevê o necessário aumento dos quadros do pessoal docente, técnico e administrativo, nem tão-pouco as melhorias de categoria, certamente por transcenderem o seu âmbito, mas trata-se, diz-se ainda, de verdadeiras necessidades que precisam de ser urgentemente resolvidas para ser possível um bom recrutamento de pessoal. Este, nas condições actuais - quadros restritos e vencimentos baixos -, prefere melhores situações conferidas por particulares e até por alguns serviços do Estado.
E conclui:
O investimento previsto no projecto de Plano Intercalar é, portanto, deficientíssimo.
Com objectividade e sentido exacto das realidades preconizam-se medidas que o Plano Intercalar não considerou e propõe-se um investimento do mais 179600 contos na rubrica «Ensino e investigação».
De entre as realizações indicadas na rubrica «Fomento extraordinário de actividades pedagógicas, culturais e científicas, quero distinguir a alínea c), referente aos «trabalhos extraordinários de investigação fundamental», por me parecer que nela poderá incluir-se o trabalho que urge iniciar para a elaboração do estudo que poderá vir a chamar-se «português de base ou português fundamental».
Embora desejasse há mais tempo levantar o problema da necessidade de se iniciarem os trabalhos para a elaboração do português de base ou português fundamental, à semelhança do que foi realizado em França para difusão e expansão da língua francesa pelo Mundo, só agora surgiu a oportunidade de o fazer com conhecimento de causa, resultante de estágios que realizei em Paris.
Por outro lado, começam a esboçar-se algumas iniciativas dispersas, sem plano nem objectivo definidos, o que poderá ser prejudicial para os trabalhos que, em plano nacional, deverão efectivar-se e poderão até comprometer a sua realização, que terá de processar-se numa base científica, apoiada nas experiências e técnicas usadas pela comissão que elaborou o francos fundamental. Sei que uma livraria de Paris se propõe editar um método audiovisual para o ensino da língua portuguesa a estrangeiros.
A ideia da elaboração do «francês fundamental», inicialmente designado «francês elementar», nasceu da recomendação formulada pela subcomissão de educação de base da comissão francesa para a U. N.º E. S. C.O., a fim de responder ao voto daquele organismo para a difusão das grandes línguas de civilização.
O assunto foi largamente agitado e debatido pela opinião pública em França e teve o aplauso da Assembleia Nacional daquele país, a qual deu ao Ministro da Educação Nacional todo o apoio para o lançamento da campanha.
Uma comissão composta por professores de vários ramos de ensino planificou e estruturou os necessários inquéritos, tendo, para o efeito, sido criado, em 1951, o Centro de Estudos do Francês Elementar (adstrito à Escola Normal Superior de Saint-Cloud), que se transformou, em Outubro de 1959, no Centre de Echerche et d´Etude pour la Diffusion du Français (C. R. E. D. I. F.).
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O francês fundamental, constituído por um vocabulário reduzido e uma gramática simplificada, foi concebido como um instrumento eficaz para a difusão larga e rápida da língua francesa, numa primeira fase de conhecimentos, ressalvando-se, desde logo, o princípio de que não deveria ser ensinada uma só palavra fora dó francês absolutamente correcto e actual, nem qualquer construção duvidosa. O francês fundamental não é, portanto, uma língua diferente; cio francês «normal».
Efectuou-se, para o efeito, unia escolha metódica no vocabulário e na gramática, com o auxílio de gravadores de som, de modo que o essencial pudesse ser ensinado em primeiro lugar. Devendo aproximar-se o mais possível das condições reais de utilização imediata, de molde a corresponder às necessidades da vida quotidiana, o francês fundamental, na sua primeira fase, assentou na língua falada, utilizando cerca de 1300 palavras, e foi designada em 1953, data em que se concluíram os trabalhos. 1.º grau do francês elementar; o 2.º grau data de 1959, e compõe-se de 1700 novas palavras, apresentando um carácter cultural mais acentuado, uma vez que é constituído por elementos da língua escrita, o que permite mais facilmente a leitura de livros e de jornais.
Nos primeiros cinco anos, o francês elementar espalhou-se pelo, Mundo inteiro, como um instrumento de trabalho essencial para os professores de francês e para os autores de métodos e de manuais escolares destinados a principiantes.
Dezenas de obras publicadas em França e noutros países, redigidas com base nos trabalhos da comissão encarregada de estudar o francês fundamental, permitiram a expansão da língua francesa em bodo o Mundo. Cursos pela rádio, emissões pela televisão, filmes de ensino, etc., provaram que o francês fundamental é um excelente instrumento, de iniciação para a prática da língua francesa. Assim, milhares de indivíduos foram eficazmente iniciados no estudo do francês como língua de promoção profissional e social. O êxito notável deste esforço resultou, em boa parte, da selecção de um francês vivo e falado, isto é, de uma «língua útil» posta ao serviço das relações internacionais.
A posição que o francês em poucos anos alcançou no Mundo prova a essência do método e a eficácia das técnicas postas em prática.
Em plano paralelo, e no sentido restrito dos nossos interesses comerciais, políticos, económicos e sociais, á língua nacional, como instrumento necessário e indispensável à transmissão da cultura portuguesa, embora de nível elementar, deverá, sem dúvida, ocupar um lugar da primazia no ensino de base para a alfabetização das populações ultramarinas. E a partir do conhecimento elementar da língua portuguesa que os povos mais atrasados hão-de receber toda a preparação necessária à sua integração completa no espaço português. A língua, como se sabe, é o elemento de unidade mais forte, mais constante, mais duradouro, dos povos que pertencem à mesma nação. Podem modificar-se as condições de vida, podem alterar-se as estruturas político-sociais, podem adulterar-se ou perderem-se até certos hábitos tradicionais, podem, enfim, adoptar-se costumes estranhos, mas a língua, essa, ficará sempre como o elo mais resistente à evolução a que estão sujeitas as nações. A unidade luso-brasileira aí está a testemunhar eloquentemente a força indestrutível dessa realidade, que é orgulho da raça lusitana.
Mas importa, também expandir a nossa língua para facultai- aos estrangeiros o conhecimento directo da nossa cultura e civilização.
Recordo, a propósito, um episódio significativo: quando, em 1959, me encontrava em Bruxelas, no pavilhão português da Exposição Internacional, ouvi este comentário a um grupo de estrangeiros:
O pavilhão português, pela sua concepção, é dos que melhor correspondem ao espírito que presidiu à organização da Exposição.. Cada país veio mostrar em que medida tinha contribuído e se tinha esforçado para a estabilização da paz no Mundo.
Na verdade, os nossos arquitectos souberam interpretar e realizar a ideia com excepcional fidelidade. Os motivos ë os aspectos da nossa acção civilizadora no Mundo não passaram despercebidos a todos quantos honestamente puderam reconhecer o que fomos e o que valemos.
Pois bem: esse conhecimento torna-se hoje, mais do que nunca, necessário.
Mas o estrangeiro que nos visita- não conhece a nossa língua e, embora possa desembaraçar-se de algumas dificuldades facilmente vencidas por gestos ou meias palavras, fica a desconhecer o país que visitou. Não contactou com o povo, não o ouviu, não o escutou, não viveu com ele, não o compreendeu, enfim. Quem se desloca a outros países fá-lo muitas vezes por curiosidade, mas também por desejo de conhecer, de comparar, de compreender.
E se, infelizmente, nalguns aspectos o confronto não nos seja favorável, o certo é que o nosso povo conserva virtudes, revela sentimentos e desperta interesse humano que em certa medida explicam to bom acolhimento que o emigrante português tem no estrangeiro.
Mas nem só por meio do contacto directo poderá avaliar-se a nossa maneira de ser e de sentir, o «osso apego às tradições e aos bons costumes, à defesa intransigente dos princípios morais de que não abdicamos.
Os nossos escritores não são conhecidos, os nossos poetas são ignorados, os nossos artistas raras vezes conseguem ultrapassar as fronteiras do mundo português ou brasileiro. E, no entanto, a maioria dos nossos escritores poderia perfeitamente ser acessível aos estrangeiros, desde que um vocabulário de base permitisse a edição de abras, como algumas peças de Gil Vicente, a História Tragífio-Marítima, a Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto, As Viagens na Minha Terra, de Garrett, A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, Os Pescadores, de Raul Brandão, Os Meus Amores, de Trindade Coelho, os livros de Júlio Dinis, de Afonso Lopes Vieira, poesia de Fernando Pessoa, etc.
A nossa história explicaria tantas vezes o que muitos não querem compreender!
Impõe-se, por isso, a necessidade de se estudar o português de base, com vista à divulgação e expansão da nossa língua por meio de métodos simples de aprendizagem. Nenhum propósito seria mais útil e necessário à nossa política de esclarecimento aos que teimam em não querer compreender-nos do que proporcionar-lhes através da própria língua o conhecimento directo e vivido da nossa vida social, económica, política, cultural e artística.
Os nossos leitores de português nas Universidades estrangeiras- não dispõem de elementos fundamentais para a iniciação do estudo da língua. Não têm livros próprios e adaptados em edições dos nossos autores expurgadas das dificuldades vocabulares e sintácticas acessíveis a principiantes. Não há métodos pana o ensino do português. Só recentemente foi elaborado para a América um método de aprendizagem, que deveria estender-se a outros países.
Além dos métodos de ensino, são necessárias edições que deverão conter os elementos básicos ou fundamen-
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tais da língua portuguesa para, a sua divulgação e expansão.
E os portugueses espalhados pelo Mundo? Não temos obrigação de lhes facultar meios de poderem ensinar aos seus filhos a língua que aprenderam e que falam, conservando o amor à Pátria pela lembrança do que nela lhes ficou ligado pela saudade?
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A elaboração do português fundamental, que deveria utilizar os processos e as técnicas usados pelos professores da Escola Normal Superior de Saint-Cloud. constituiria um utilíssimo meio de divulgação e de expansão da língua e da cultura portuguesas, com vista à alfabetização das populações ultramarinas, à publicação de métodos para o ensino do português aos estrangeiros e para a difusão da língua em escolas junto das comunidades de expressão portuguesa espalhadas pelo Mundo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Deste modo, dar-se-ia incremento apreciável à língua portuguesa, tornando-a veículo da transmissão da nossa cultura e civilização.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - É neste sentido que me parece oportuno assinalar a necessidade de se destinar uma verba na alínea c) «Trabalhos extraordinários de investigação fundamental» do capítulo VII «Ensino e investigação» do Plano Intercalar de Fomento para os trabalhos preliminares da elaboração do português de base ou português fundamental.
Na nova estrutura técnico-pedagógica que visa à divulgação do ensino peles meios audiovisuais, através de emissões de rádio e de televisão, terá de inserir-se necessariamente a elaboração do português fundamental, para que a partir dele se possam organizar métodos de ensino com vista aos objectivos que acima referi.
Criada há pouco mais de um ano, a televisão escolar apresenta-se já hoje com nível comparável ao das suas congéneres estrangeiras e dá-nos a certeza de que no capítulo da transmissão e expansão da cultura generalizada estamos em bom caminho e, naturalmente, aptos a lançar novos tipos de emissões, de forma sistematizada e programada, com vista a um alargamento do ensino ao maior número possível de portugueses.
As experiências realizadas com êxito e os resultados positivos que no decorrer de um ano puderam verificar-se com a televisão escolar prepararam naturalmente as condições para o lançamento da telescola. dentro do esquema definido recentemente pelo Sr. Ministro da Educação Nacional.
Ë através das emissões da telescola que o Ministério da Educação Nacional vai procurar difundir o ensino, não apenas aos indivíduos em idade escolar, mas a todos os que dele desejem aproveitar.
Não se imagine, porém, que, sob pena de se desvirtuar a função específica dos meios audiovisuais, a telescola poderá dispensar inteiramente a presença e a acção do professor.
Graças aos recursos da técnica é possível levar hoje a imagem e o som ao ambiente da própria escola. E como o mundo exterior da criança é, em grande parte, audiovisual seria negligência, desprezar um meio auxiliar de ensino da maior importância e a que se pode recorrer com toda a eficácia.
Os meios áudiovisuais que a telescola irá proporcionar deverão ser utilizados fundamentalmente na escola, durante o tempo em que decorrem os seus trabalhos, e apresentar-se devidamente planificados, como documentos auxiliares, que de modo algum poderão substituir o professor, exigindo, pelo contrário, a sua participação activa e a sua presença, sem o que não será possível o diálogo, e este é a forma mais directa e eficaz da transmissão de conhecimentos e de aquisição do saber na sua fase inicial.
A telescola não servirá como pretexto para espectáculos ou audições e muito menos para sessões recreativas, porque requer a participação activa dos alunos, excluindo atitudes meramente passivas. Cada lição terá a duração compatível com as capacidades de atenção dos alunos a quem se destina, para poder integrar-se na actividade da aula, por meio de uma preparação que antecederá a emissão e pela utilização e exploração aprofundada dos assuntos imediatamente após a sessão. Isto significa que o professor ou o monitor estudou o programa das emissões e preparou os questionários e trabalhos complementares que serão o prolongamento natural e lógico da emissão.
Contrariar estes princípios é ignorar os fundamentos dos meios audiovisuais dados pela televisão e privar-nos das vantagens de uma pedagogia rica, viva, actual e sugestiva capaz de despertar na alma da criança a revelação de capacidades novas para o alargamento da sua formação e cultura.
Assim considerada, interpretada e compreendida, a telescola irá desempenhar papel preponderante na divulgação e expansão da cultura portuguesa.
Sem prejuízo do incremento que deverá dar-se à preparação de professores, que hão-de constituir sempre a base de toda a estrutura educacional, não se perca de vista a utilidade dos meios audiovisuais realizados pela rádio e televisão.
Na convicção de que todos os investimentos aplicados no sector da educação serão os mais rendosos, esperançados em que novas dotações virão juntar-se às que agora foram distribuídas para o ensino e investigação, dou o meu voto de aprovação, na generalidade, ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, com as alterações sugeridas no parecer da Câmara Corporativa.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: -Sr. Presidente: Ao intervir na discussão da proposta de lei para- a elaboração e execução do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, vou unicamente referir-me a problemas que digam respeito ao sector agrícola.
Tratando-se de uma matéria que foi objecto de um aviso prévio efectivado na última sessão legislativa, não será para estranhar que deixe lacunas e seja breve nalgumas das considerações a fazer, pois certamente todos temos ainda presentes os trabalhos e argumentos apresentados, que nos conduziram à aprovação por unanimidade de uma moção. Para melhor delimitarmos os campos sobre os quais incidirão as minhas palavras, faço desde já um reparo:
No capítulo I «Agricultura, silvicultura e pecuária» aparecem incluídas verbas para valorização rural, o que não me parece certo, pois manifestamente, não se referem ao sector agrícola - uma coisa é agricultura e outra ruralidade. Isto conduz os menos desprevenidos a erros de apreciação, pois desde logo aparece em globo uma verba para o sector, que não é a real.
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Assim - e já o vimos escrito na imprensa diária - indica-se para o capítulo I - identificado como agricultura - a verba de 2 829 000 contos, o que daria para este sector uma percentagem de 8,3 por cento das verbas prioritárias inscritas no Plano, quando, na realidade, há a descontar os 940 000 contos destinados à valorização rural, o que, desde logo, reduz a uma percentagem de 5,5 por cento as verbas reais destinadas à agricultura.
Poderá parecer que se trata de um pormenor, mas julgo-o importante, pelas incidências que traz até na comparação de tratamento, nível de investimento e resultados nos diversos sectores.
Feita esta correcção, continuarei a tratar apenas a parte agrícola como indiquei.
Começando por uma apreciação às execuções previstas no II Plano de Fomento - que agora toca o seu termo - e que para a prossecução dos seus objectivos tinha sido gizado para a metrópole de maneira a aumentar e valorizar a produção agrícola, silvícola e pecuária, constata-se, à base dos elementos dos quatro primeiros anos e com as previsões feitas sobre os números já conhecidos dos últimos deis, que as taxas de execução foram afectadas pelos sectores da hidráulica e de armazenamento, uma vez que o da valorização rural não a considero incluída aqui, como atrás disse.
No próprio projecto de Plano &e dá a justificação do atraso nestes dois capítulos, que tem origem em causas estranhas ao próprio sector, e - diz-se ainda - que é longo o período de maturação das obras de hidráulica agrícola, pelo que devemos concluir não ser grande de momento a influência que este atraso motiva.
Tanto no projecto de Plano como nos pareceres da Câmara Corporativa se diz que o produto bruto agrícola tem aumentado no decénio de 1953 a 1962 a uma taxa média de 1,2 por cento, e que essa evolução é muito baixa «m comparação com a alcançada pelos outros sectores.
Deixando de momento a razão de ser que o motiva e pensando que já estamos depois da realização de dois planos de fomento, se tomarmos em consideração o que ficou dito quanto à execução programada, como compreender o que agora se afirma no parecer subsidiário da secção de Lavoura da Câmara Corporativa, donde transcrevo: «é sobejamente conhecida a inquietante fase de depressão em que se encontra a agricultura nacional», o que, no fundo, não é mais do que a afirmação do estado de coisas que motivou o aviso prévio já atrás referido.
Há aqui algo que não se ajusta, pois dificilmente se admite, que, depois de dois planos de fomento, que foram cumpridos na sua maior parte, se chegue, justamente, a este momento grave da agricultura nacional. O facto, contudo, é real e, por isso mesmo, merece alguma ponderação, pois, ou há factores determinantes do desenvolvimento agrícola que não têm sido considerados, ou os planos encerravam em si mesmo defeitos que contrariaram os objectivos finais a que se propunham, ou, ainda, não foram criadas c mantidas as condições necessárias extra plano para que estes pudessem resultar.
Tais são em esquema sumário, as principais questões que se nos apresentam ao espírito como possível explicação da situação actual.
Importa nesta altura, em que vamos iniciar um novo plano, sujeito ao condicionalismo do momento, em que é imperioso atender à mais acentuada, directa e imediata reprodutividade dos capitais, ver se o que se vai investir no sector pode ou não encontrar resposta adequada e compensadora.
A ideia que nos é transmitida pelas considerações que acompanham o Plano e pelos pareceres da Câmara Corporativa não é animadora. Prevê-se no projecto que, embora haja desenvolvimento, o triénio de 1965-1967 não deverá constituir mais do que um período de transição entre a fase de relativa estagnação do sector e um estado de desenvolvimento que lhe permita acompanhar mais de perto a evolução da economia nacional, e afirma-se que a concretização dos objectivos fixados do Plano pressupõe a adopção, pelo sector público, de diversas medidas de política económica tendentes a orientar e estimular a iniciativa privada da lavoura.
À Câmara Corporativa, depois de algumas considerações, escreve:
Tudo o que se relatou anteriormente contribui para concretizar a ideia de que são bem complexos, para além de pormenores da técnica, os problemas relacionados com a evolução da agricultura e seu desenvolvimento, e não será no quadro restrito dos investimentos de um plano intercalar que se encontrarão as soluções que requerem urgência, amplas colaborações e decisão pronta.
E continua:
Daí admitir-se que no período de 1965-1967 seja diminuto o acréscimo de rendimento do produto agrícola ...
Começamos já a adquirir uma verdadeira noção do que há a esperar do Plano, e fico admirado quando tal se aceita debaixo de um imperativo de rentabilidade. Mas se nos dermos ao trabalho de verificar as provisões quanto a capitação por pessoa activa dos diversos sectores e tivermos presente que o Piano pretende ser um coordenador dos vários planos de desenvolvimento por forma a evitar nós de estrangulamento, mais dúvidas teremos.
De facto, comparando capitações pôr pessoa activa e para os diferentes anos, leremos:
[...ver tabela na imagem ]
1962 1967
Verificando-se, pois, que as diferenças de rendimento aumentam, quando, deviam diminuir.
Assim, como resultado inevitável, teremos que o sector, que já hoje tanto sofre pelo êxodo dos mais aptos, verá ainda agravar-se esse facto, e não será certamente por este caminho que se conseguirá tornar possível um maior poder de arranque futuro.
Por si só, esta crescente disparidade de rendimento parece-me tão grave pelas suas implicações sociais, políticas e económicas que seria já razão suficiente para rever o problema.
Aliás, julgo ser uma parte do pensamento que nos é traduzido pelas duas primeiras conclusões do parecer subsidiário da Câmara Corporativa que passo a referir:
1) A secção entende que o Governo deve adoptar com urgência medidas excepcionais de carácter prioritário, principalmente no que respeita aos níveis de preços dos produtos agrícolas, em ordem a melhorar decisivamente a situação da agricultura. Com efeito,
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as condições de vida do sector agrícola não podem deixar de se considerar inquietantes, dada a falta de rentabilidade e baixa capitação da agricultura.
2) Se a conclusão anterior não vier a ser adoptada, a secção é de parecer que não será legítimo esperar que as realizações do Plano Intercalar de Fomento provoquem progressos substanciais no sector agrícola. O facto de o Plano prever para 1973 uma disparidade ainda maior de que a actual entre a capitação da agricultura, silvicultura e pecuária e as das outras actividades económicas nacionais é prova de que as dificuldades presentes tenderão a agravar-se, a não ser que combatidas eficazmente através de medidas excepcionais.
Dentro da mesma linha de pensamento se havia manifestado esta Assembleia em Fevereiro último, na moção já referida, de que recordo a parte final:
E, ponderando as graves dificuldades actuais, espera também que sejam prontamente resolvidos, como é indispensável, os problemas imediatos e devidamente considerados, dentro do equilíbrio económico geral, os justos interesses da lavoura, com vista à criação das condições exigidas pela sua rentabilidade e pelo seu equipamento.
De tudo quanto ficou dito há conclusões a tirar: a primeira será a de que -como aliás já havia referido há factores extraplano que ainda não foram criados e são indispensáveis para a rentabilidade destes.
A segunda é que de facto não se tem seguido uma política agrícola conveniente, pois de outra forma nem se compreenderia a circunstância anterior, nem a inquietante situação actual em que se caiu, assim como a necessidade de pedir medidas de toda a espécie ...
Custa-me repetir argumentos já aqui trazidos, mas não posso deixar de, mais uma vez, me deter um pouco neste assunto.
Desde há tempo que se mantém uma polémica sobre os males que afectam a agricultura nacional. Muitos e variados caminhos têm sido sucessivamente apontados para os debelar. Conforme o sector que se pronuncia, diferem as causas, variam os remédios. Como já aqui me referi em mais do que uma intervenção, muitas vezes os caminhos preconizados são até antagónicos e dificultam soluções futuras. As medidas tomadas desorientam e criam desconfiança. Como certeza só temos os resultados, que se traduzem numa crise que dia a dia mais se agrava.
Não vou justificar o que já foi demonstrado, nem repetir o que por mim e por outros bem mais competentes e categorizados tem sido dito, mas não posso deixar de recordar alguns factos que atentam uma autêntica falta de linha de rumo: a campanha do trigo seguida de uma política de redução de cultura; o ataque ao abandono das terras que se tinham de mato, que levou a uma arroteia exagerada, que determinou a campanha de combate à erosão, e agora mais um passo, pois no projecto de Plano prevê-se que terão de ser abandonadas as terras de menor aptidão agrícola; a definição da necessidade de incremento cultural, que levou às rotações então indicadas e já hoje condenadas; enfim, um sem-número de casos já debatidos a que aludo só como exemplo das afirmações atrás feitas e que são no fundo a prova cabal da falta de uma política agrícola na sua verdadeira acepção.
Continua a projectar-se para o futuro sem atender à situação de momento. Fazem-se planos, investe-se e leva-se a investimentos que têm comprometido em muito aqueles mesmos que seguiram as indicações sugeridas ou ainda os que pretenderam não dar origem a críticas de rotineiros ou retrógrados. E, embora até pelo responsável da pasta da Economia já tenha sido dito em conferência pública que os que mais investiram e se apetrecharam para uma agricultura evoluída são os que se encontram em piores circunstâncias - sabendo nós que até alguns já sucumbiram -, continua a afirmar-se como causas principais do actual estado de coisas os maus anos em virtude das condições climatéricas desfavoráveis e da insuficiência de investimentos.
Mas então como compreender à redução na percentagem dos investimentos agora atribuídos ao sector - 5,5 por cento -, se tomarmos em atenção o que se passou nos planos anteriores?
No I Plano 10,8 por cento dos investimentos foram destinados à agricultura, no II Plano 17,3 por cento e agora só 5,5 por cento.
Continua-se no mesmo caminho, alheios às recomendações pertinentes e às razões não desmentidas dos interessados; mais uma vez se propõe o seguimento de uma política de fomento para o futuro sabendo-se e reconhecendo-se embora os fracos resultados a esperar, que não vão além de uma fase de transição para uma promessa, e não se encara o problema de fundo, que uma vez resolvido tornaria possíveis bem maiores resultados, talvez com menores capitais.
Sr. Presidente: Creio que em boa lógica e à face dos ensinamentos, colhidos com as experiências anteriores não se deveria iniciar novo Plano sem que antes se tivessem criado as condições necessárias ao seu pleno rendimento, o que implicaria um certo número de medidas de carácter prioritário, principalmente no que respeita a melhorar a situação da lavoura e a organização estrutural por parte do Estado. Contudo, porque sei que grande parte das verbas se destinam ao pagamento de serviços que não se podem desmontar, por necessários no futuro, limito-me a sugerir que esta Câmara mais uma vez chame a atenção do executivo para a prioridade e urgência das medidas de carácter imediato que se impõem, até para que o Plano resulte.
Para que melhor se compreenda o meu pensamento, tenho de chamar novamente a atenção para a política agrícola existente. Movemo-nos dentro das grandes linhas ultimamente definidas de uma economia do mercado, agricultura competitiva e limitação de preços dos produtos, para evitar uma inflação. A orientação dada visa que se procure produzir o máximo, tendo em visita, principalmente a exportação e a diminuição das importações.
Analisemos, ainda que rapidamente, alguns destes pontos à luz do que se passa.
Agricultura competitiva. - É evidente que é preciso definir, em relação a quê, mas creio que não estará no pensamento de ninguém que se pretenda uma competição em relação ao mercado mundial, pois esse, à face da situação actual em que o& produtos à venda provêm de excedentes e sofrem fortes dumpings, não permite que nenhum país festeja fim condições de competir. A título de exemplo basta pensar no valor do vinho, que anda por l$20 o litro, sendo contudo evidente que ninguém o, produz a esse preço.
Somos levados a pensar que se pretende fazer referência aos valores pagos ao produtor ao mercado interno de cada país. E difícil a comparação, porque há múltiplos factores a tomar em conta se quisermos considerai-os valores relativos, mas, se nos reportarmos aos valores absolutos, aqueles que verdadeiramente contam num caso de livre circulação - o que aliás não julgamos pôs-
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sível e as últimas complicações, nos acordos internacionais parecem confirmar-, teríamos certamente saldo positivo a nosso favor.
Num trabalho feito pelo Eng.º Barbudo forques, tomando como baste os preços pagos, por cada país, segundo publicações da O. E. -C. D., e tomando em consideração a produção total portuguesa do ano de 1962 para os seguintes produtos: trigo, milho, aveia, cevada, batata, leite, carnes (bovinos suínos, ovinos, caprinos, aves), avos, madeiras, finitas e produtos hortícolas, e aplicando os valores pagos nos diferentes países europeus nesse ano, pana ver quanto receberiam as suas agriculturas para a mesma produção, mostra-se bem que Portugal ocupa o lugar mais baixo do quadro que se estabeleceu, mapa II.
De facto, tendo-se, atribuído a Portugal o índice 100, todos os outros países se situam entre a França, com o índice 124,2, e a Suíça, com o índice 189,2, sendo de crer que hoje maior será a diferença para o caso mais próximo, o da Franca, dada, a tendência que se verifica no citado quadro, que engloba cálculos idênticos para os anos de 1960-1961.
Se quando se fala em competição já deveria ser matéria para meditar, pensar-se que para a mesma produção um agricultor francês recebe mais 24,2 por cento e um suíço 89,2 por cento do que um português, mais completamos o quadro se, recorrendo novamente à O. E. C. D., constatarmos quais os países em que por lei são atribuídas subvenções à agricultura (mapa III) e qual o seu volume expresso em percentagem do produto bruto agrícola.
Para não maçar, refiro só a Alemanha, com a percentagem de 7,5 por cento, a Dinamarca, com, 4,6 por cento, a Grécia, com 2 por cento, a Inglaterra, com 85,8 por cento; igualmente figuram como dando subvenções por força de lei a França, a Bélgica, a Holanda, em que só para o caso dos cereais a subvenção atingiu em 1962 o valor de 175 florins/hectare, número redondo 1400$.
Mesmo que em Portugal se adoptasse o caso da Grécia - mais 29, 1 por cento pago à, lavoura pelo globo da sua produção e ainda se desse um subsídio no valor de 2 por Cento do produto bruto agrícola nacional -, como seria diferente a situação da nossa agricultura!
Não faço comentários quanto a afirmações feitas sobre competição, limito-me a chamar a atenção para o mapa III a que aludi - o que refere os subsídios - e tirar dele uma ideia - a de que quando se querem manter preços há outras soluções de compensação ...
Posto isto, não falaremos por agora no problema da inflação que a subida de preços agrícolas motivaria, limitamo-nos a estranhar que sejam esses os- únicos a considerar.
Entrando na questão da orientação de redução de importações, escolhemos, por ser caso frisante, o do trigo.
Tem-se estimulado uma política de contracção da cultura e feito mesmo afirmações que o mal é produzir-se em terras que não são, diz-se agora, próprias. Embora se saiba que se está a produzir abaixo do preço de custo, nega-se uma subida justa com o argumento que seria impossível pagar o necessário para assegurar a rentabilidade em algumas das terras que se cultivam. Mas ninguém falou em preços para essas terras, mas sim no custo de produção, excluídos justamente os casos marginais.
Verifica-se uma redução de cultura, que não julgo útil; dada a forma como se está-a processar, assunto a que já me referi em anterior ocasião,- e somos conduzidos num caminho que nos- trará vultosas importações.
Segundo os cálculos da produção dos anos de 1968-1Ü64, e tendo em atenção o consumo normal do País, será necessário, para compensar o deficit de trigo, recorrer a uma importação de cerca de 370 t, o que, mesmo aos preços que têm vigorado,- nos trará a maior importação do decénio, mais- de 750 000 contos.
Interessante referir aqui que essas terras consideradas impróprias por um departamento do Estado são taxadas por lucros certos por outro departamento do mesmo Estado, e isto com base na mesma rotação cultural. Incoerência de política que só desacredita. A título informativo, ainda sobre o trigo, o porque sempre tem sido considerado como país que se sabe governar, é interessante o caso da Suíça. Já dissemos noutra intervenção que o preço pago ao produtor por quilograma de trigo anda por 4$80, e não resisto à tentação de traduzir aqui, ainda que em resumo, o que dizia um folheto distribuído na última Exposição Nacional Suíça, com o título Servir c Satisfazer o Consumidor. Ao tratar o caso do trigo esclarece que a Constituição Federal impõe a obrigação de encorajar a cultura do trigo, pois considera indispensável mante-la para poder dispor, em tempo de crise, de uma produção própria suficiente. As medidas tomadas incluem a garantia de um preço que cobre as despesas de produção, além de um prémio de cultura e outras. Conseguiu-se, assim, aumentar a produção, que já hoje satisfaz 60 por cento das necessidades. A cultura de trigo diz-se- é necessária u segurança do abastecimento e significa, em tempo de paz, uma preparação para. um possível caso de crise, etc.
Como se vê, caminho liem diferente do que o referida para o nosso caso. Não tiro conclusões nem faço comentários, deixo unicamente o problema à consideração de VV. Ex.ª
Vejamos agora o caso das exportações: vou só referir um caso, o da cultura do tomate. Bastou um preço aliciante para que tudo se movimentasse e já hoje se espera alcançar um valor de exportação da ordem dos 200 mil contos.
Não houve demora na resposta da lavoura uma vez criadas boas condições de garantia para a cultura: apareceu em curtíssimo prazo uma técnica avançada de cultivo, houve reconversão sem obrigatoriedade, melhoraram-se os terrenos e fizeram-se terraplanagens, etc. Caso idêntico ao que se havia passado há anos com o arroz quando criados preços de fomento.
Como se demonstra por estes dois casos, sempre que há condições, logo desaparece a rotina, a falta de técnica, e aparece o espírito de iniciativa e até, em casos de necessidade para- se poder prosseguir, o espírito associativo.
Apreciemos agora o caso dos preços. O exemplo anterior põe bem em evidência a importância deste factor no desenvolvimento.
Um preço - aliciante põe em movimento todo o mecanismo da produção. Creio poder afirmar, sem necessidade de demonstração, que tem sido este o principal factor determinante do desenvolvimento que se tem esquecido nos planos de fomento anteriores. Igualmente tem sido causa de os planos conterem em si mesmos defeitos básicos que contrariam os objectivos a que se propõem, e em última análise foi a determinante principal da situação actual da nossa agricultura.
Não se pode produzir abaixo dos preços de custo- caso dos cereais - nem fomentar produções cujo preço do produto não compense-caso das carnes. Igualmente é difícil levar alguém a orientar a sua produção futura tendo em vista a obtenção de produtos que
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hoje não encontram assegurada a sua rentabilidade - o aso da floresta.
Não vou repetir o que já foi dito aquando do aviso prévio sobre a agricultura; unicamente e mais uma vez chamo a atenção para o problema.
Outro ponto a termos em consideração é o de que qualquer plano por melhor idealizado que esteja não poderá ser cumprido ou pelo menos não resultará se aqueles a quem se destina não estiverem em condições de o secundar.
O Sr. Amaral Neto: -Muito bem!
O Orador: -Conhecida a grave crise que a lavoura atravessa, o seu estado de descapitalização, como é possível prever ainda investimentos a fazer por ela? Como poderá responder a esforços para os quais não tem forças?
É preciso primeiro sanar a situação actual, e para isso só vejo um caminho: pagar-se o que de momento se produz, restabelecer-se a confiança, criar-se-lhe rentabilidade.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Traz implicações uma subida geral dos preços agrícolas para os valores necessários e justos, mas é impossível manter o sector agrícola na situação actual sem resultados graves e talvez irremediáveis se a actuação não for a curto prazo.
O argumento da inflação não parece válido em absoluto. Há sempre maneiras de actuar que permitem que a elevação de preços não se vá reflectir directamente e pelo total no consumidor.
Já vimos medidas tomadas por outros países e até indicámos o volume de subsídios dados por força de lei, e portanto conhecidos e assegurados, que são uma indicação do caminho que nos parece de momento possível. De facto, não se pode de um dia para o outro elevar o que se manteve fixo durante anos, e que seguramente em alguns casos está bastante distanciado da realidade presente, e transferi-lo de chofre para as economias particulares de cada um.
Há que haver uma adaptação gradual, para o que me parece ser necessário lançar mão dos subsídios. Não é sistema que seduza como solução, mas é um recurso para a permitir.
Dizia há pouco que a não serem tomadas medidas urgentes se cairia numa situação grave. De facto, a manter se a tendência da evolução da crise, então, sim, teremos uma inflação certa. Não haverá fiscalização que mantenha preços em face das faltas de produtos, que já se começa a adivinhar e que só pode ser combatida pelo recurso à importação, sistema que, em última análise, é um dos caminhos para a própria inflação.
Não esqueci nas afirmações anteriores o campo intermediário entre a produção e o consumo - a comercialização -, mas, se muito há a fazer nesse campo, nunca será uma acção a dar resultados tão rapidamente como o impõe a situação da hora que atravessamos. Será uma preocupação a ter em conta, a de melhorar os circuitos de comercialização, mas não se pode esperar ir aí encontrar a solução total para o problema.
Aliás, sem pretender embrenhar-me num assunto já aqui muito debatido e esclarecido, só recordo que, quanto II alguns dos principais produtos agrícolas, o campo de acção está praticamente regulado por forma a já não ser possível especulação mo circuito, ou pelo menos assim o julgamos. Refiro-me ao caso do trigo, azeite, arroz, o próprio vinho,
quanto ao leite em determinadas regiões e para o milho à face do último decreto sobre regime cerealífero. Contudo, nem por isso deixam de constituir estes mesmos produtos causa de justos protestos quanto a preço.
Dentro da linha de pensamento que tenho seguido e que só pretende mostrar a necessidade de medidas urgentes e prioritárias até sobre o próprio Plano e para que se torne possível a sua rentabilidade, pretendo ainda fazer uma referência ao que atrás disse quanto a organização da parte do Estado.
Vou limitar-me a transcrever uma parte do já aludido parecer da Câmara Corporativa:
Quem com alguma proximidade acompanhe a marcha dos problemas da nossa agricultura terá de reconhecer que a orgânica dos serviços do Estado não se coaduna com o ritmo e necessidade da hora presente. Dispersão, insuficiências, anomalias, por vezes mesmo duplicações, aliadas a comandos superiores de origens c critérios diferentes, levam a poder-se considerar inadequada a orgânica estadual em prol do fomento da agricultura e seus problemas ...
Há razão profunda no que se encerra nestas palavras; os resultados estão à vista.
Não será altura, em face da gravidade do problema, de confiança que é preciso estabelecer nos destinos do sector, e até como medida política, de centralizar num comando único e independente o que diz respeito à agricultura?
Também convirá não esquecer, dentro da orientação atinente a restabelecer a confiança e possibilitar o arranque, a necessidade de uma política fiscal coerente. Não se percebe que seja justamente quando é de todos reconhecida a inquietante situação do sector agrícola, motivada pela falta de rentabilidade, que se aumentam encargos e se criam novos impostos, pois, assim, mais parece querer asfixiar-se o doente do que contribuir para a sua salvação.
Ë uma pequena nota que aqui deixo, pois o assunto para ser tratado exige tempo, e não cabe na índole desta intervenção.
Creio, Sr. Presidente, que através das considerações que venho fazendo já se compreenderá facilmente qual o meu pensamento: necessidade urgente de medidas prioritárias de carácter imediato, em ordem a melhorar decisivamente a situação da agricultura. Sem estas, sem que antes se criem as condições necessárias, pouco há a esperar do próprio Plano, e não julgo que o condicionalismo que nos é imposto no momento presente se coadune com um investimento de 1 889 000 contos, sabendo-se já de antemão a fraca repercussão que virá a ter. Por isso fui longo nesta parte da minha intervenção, porque, no fundo, essas medidas prioritárias são de momento o primeiro passo necessário, as melhores medidas do fomento, para colocarem a agricultura na fase de transição que o projecto de Plano refere como possibilidades para os próximos três anos, e depois delas pode-se seguramente esperar que o sector acompanhe mais de perto o desenvolvimento que se processa na economia nacional.
Entrando agora na apreciação propriamente dita do projecto de Plano, vou unicamente tomar em consideração os investimentos prioritários programados, aqueles que estão assegurados, pois já marquei bem nas considerações anteriores o pouco que será de esperar quanto a investimento particular da lavoura, dada a crise a que tem sido conduzida.
Posto isto, começamos por anotar a dificuldade que há numa apreciação do que se pretende na realidade fazer, pois raras serão as alíneas em que há informações de como se vão despender as verbas. Definem-se em
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linhas muito gerais as intenções para cada caso e indica-se o total atribuído.
Numa primeira análise de conjunto podemos dizer que as verbas não correspondem às intenções, por diminutas. Há mesmo alíneas com dotações tão pequenas que mais parece ter-se-lhes atribuído verba só para as poder mencionar.
Não vou fazer o estudo de alínea por alínea, pois, pela falta de dados concretos, resta-nos indicar caminhos ou orientações que, aliás, já foram muito debatidos, pelo que só iria cair em repetição, e, assim, limitar-me-ei a fazer algumas observações num ou noutro caso.
No campo do fomento pecuário, assunto que tratei quando do aviso prévio, chamo a atenção para o facto de não ter sido aceite, ainda há pouco, o pedido feito pela lavoura para que o preço médio ponderado de garantia da carne de bovino em Lisboa passasse de 20$50 o quilo para 25$, por estar nitidamente abaixo do preço de custo. A manter-se este critério, pouco será de esperar no campo do fomento; será gaitar dinheiro, SP não em pura perda, pelo menos com fraco rendimento.
Quanto à assistência técnica e extensão agrícola, os ensinamentos do caso francês levam-me a considerar do maior interesse que, sempre que possível, a criação dos «centros de gestão» pertença à iniciativa particular ou aos organismos corporativos da lavoura, e por isso julgo necessário prever a possibilidade da concessão de subsídios do Estado para o seu funcionamento.
Neste campo será limitada toda a acção estadual, por melhor organização que tenha, se não tiver plena aceitação, apoio e confiança por parte da produção. Convirá pois começar pelo mais seguro, torná-los desejados.
Haverá dificuldade até pelo numero de técnicos necessários à- criação de muitos «centros de gestão», e, dadas as condições de diversidade de climas e culturas, cada centro nunca poderá englobar muitas explorações.
Falando um dia com o Prof. Chombert de Lawe- que comanda a gestão ao nível empresa em França -, ao perguntar quantas empresas do tipo das do Sul poderia um «centro de gestão» englobar, foi-me dito que, no princípio, quando muito, vinte.
Fica-se já com uma ideia do número que seria necessário para a cobertura do País. Mas o facto não impede que se comece quanto antes; só será de recomendar que não se pretenda dar a cada centro um âmbito de acção tão largo que acabe por invalidar a sua actuação e assim se desacredite um sistema em que tantas esperanças se depositam. Para além do número de técnicos disponíveis, também, a verba atribuída é uma limitação em si mesma.
Sanidade das plantas e animais. - Nesta alínea estranha-se não ver uma verba própria para o combate à peste suína africana. Podemos considerá-la incluída nas doenças rubras, dotadas com 5000 contos, ou já um pouco forçadamente no grupo da luta contra outras zoonoses, dotada com 7500 contos. Em qualquer dos casos, dada a importância do problema, julgamos que merecia ser considerada à parte e com uma dotação conveniente.
No Sul os efectivos suínos estão reduzidos a 30 por conto da existência anterior à eclosão da doença e, pensando só no que nos é traduzido pelas montanheiras, já temos ama noção da gravidade dos prejuízos que esta doença acarreta ao País. O valor médio de uma montanheira cifrava-se em cerca de 180 000 contos, hoje não creio que atinja os 20 000 e contudo a montanheira é uma pequena parte do total.
Atendendo aos anos já passados sobre o aparecimento da doença, encontramos aqui certamente uma das determinantes da má situação actual de muitas explorações do Sul.
Povoamento florestal. - No projecto de Plano começa-se por dizer:
No triénio de 1965-1967, procurar-se-á desenvolver a arborização e melhoramento silvo-pastoril nos terrenos particulares, especialmente dos abrangidos pela alínea c) do artigo 13.º da Lei n.º 2069.
A alínea c) do citado artigo diz:
Execução total dos trabalhos a cargo dos serviços florestais, com ocupação dos terrenos pelo tempo necessário para a sua conclusão.
Não posso dar o meu acordo ao critério indicado; parece-me que a alínea c) devia ser o último recurso. Atendendo a que o êxito da participação da propriedade privada no fomento florestal depende fundamentalmente da rentabilidade da exploração, e que hoje, dadas as condições actuais da valorização dos produtos, mão existe um clima aliciante, não me parece que haja muitos pedidos com base na alínea c).
Assim, a preferência indiciada parece referir-se ao que nitidamente podemos considerar um arrendamento forçado, que, embora possa conduzir a um fim que julgo útil, só devia considerar-se depois de esgotadas todas as outras possibilidades. Acresce que é o método que mais despesas e imobilização acarretará para o Estado, além de ser o que pode motivar mais complicações.
Não acredito no êxito, de uma arborização imposta; o exemplo do que se passou nalguns baldios deve certamente ser forte motivo de meditação, e ali não se tratava de terrenos próprios, mas sim comunitários.
Julgo também que é grave a preferência indicada não só no que ela traduz quanto à falta de incentivo à colaboração dos serviços com o particular, como também pelo que revela desde logo como aceitação de desinteresse pela arborização.
Embora o condicionalismo no campo da arborização não seja aliciante na hora actual, muito se tem feito em plantações particulares, servindo-se unicamente da possibilidade de fornecimento gratuito de plantas pelos serviços e de uma assistência técnica dificultada por carência de verbas. É pena que não se indiquem números que nos permitam avaliar, ainda que por estimativa, o que neste campo se tem feito, porque foi muito; e certamente nunca teria havido plantas em número suficiente se os preços dos produtos que começaram a ser postos à venda confirmassem o que havia sido dito sobre rendimentos.
Mais uma vez frisamos! que a grande alavanca do fomento é o preço, e, se estamos verdadeiramente interessados em lançar o País num caminho de arborização, devemos em primeiro lugar actuar por forma que os preços dos produtos se tornem aliciantes desde já. Criada esta determinante, e assegurado o escoamento para os produtos, o que hoje é difícil, quer para certas variedades que se aconselham, quer para determinadas regiões, podemos estar certos de que a arborização passará a ser desejada. Convirá então que os serviços estejam habilitados a prestar uma eficiente assistência técnica e a fornecer gratuitamente as plantas.
Julgamos indispensável o fornecimento de plantas porque se nos apresenta como o caminho mais fácil e seguro de encaminhar a produção para aquelas variedades mais aconselháveis, sem obrigatoriedades sempre nefastas, sobretudo no campo de fomento.
Estas as linhas principais do caminho que julgamos mais fácil, eficiente e barato para nos conduzir ao incremento que todos desejamos.
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Claro que igualmente está no nosso pensamento um determinado número de medidas auxiliares de apoio ao caminho indicado, mas não cabe na índole desta exposição, até pelo tempo que nos levaria, uma análise de pormenor.
Contudo, não posso deixar de mencionar a necessidade da regulamentação da Lei n.º 2069 e o apoio indispensável no campo fiscal.
O que se passa no âmbito do novo imposto da indústria agrícola, relativamente aos produtos florestais, e se torna claro quando se tomam em consideração todas as incidências já antes existentes, como contribuições e impostos complementares pagos em avanço, despesas acumuladas ao longo de anos, etc., lembra -passe a imagem- um problema de juros compostos.
Como, graças a Deus, já hoje quase todos sabem fazer contas, é seguramente uma medida antifomento ou pelo menos travão quanto ao sentido em que se pretenda actuar.
Para que o esforço de fomento resulte é preciso uma coerência total na acção que esperamos venha a ser tomada e seguida.
Sr. Presidente: Feitas estas considerações, termino, chamando mais uma vez a atenção para a urgência de medidas tendentes a melhorar decisivamente a situação da lavoura - para que o Plano resulte - e para a necessidade de revisão de uma política agrícola que, para além da situação inquietante e grave a que conduziu o sector, levou a um aumento crescente de importação de produtos agrícolas: trigo, arroz, milho, carne de bovinos e suínos, azeite, produtos lácteos ... provocou o êxodo, para o estrangeiro, de trabalhadores, proprietários e até de técnicos especializados de que tanto carecemos; e leva muitos dos que ainda por cá andam, embora lutando com as maiores dificuldades e incertezas, a formular as seguintes perguntas, que carecem de resposta:
Que se pretende?
Para onde vamos?
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belchior da Gosta: -Sr. Presidente: O tempo em que os governos esgotavam a maior parcela da sua actividade e das virtualidades dos seus componentes a tratar somente ou essencialmente da «coisa política» passou há muito. Foi esse o tempo em que acima de tudo se colocava o primado da política e tudo se subordinava ao imperativo desta hierarquia. Política acima de tudo; tudo o mais se lhe subordinava e submetia: o fomento, a economia, a cultura mesmo. Apenas, por vezes, governos fortes ousaram fazer frente aquela tendência e àquele estilo de administração, antepondo ao primado da política outras preocupações e a realização de outras tarefas anais directamente ligadas ao progresso e ao desenvolvimento da Nação, como «aconteceu entre nós, e por exemplo, nos consulados, de Pombal e de Fontes.
Isso, porém, foi excepção. A regra, a rotina, eram outras - o domínio das preocupações de ordem política acima de tudo, sem embargo de a excepção, nesse caso, ser mais válido do que a regra.
Nos tempos de hoje, Sr. Presidente, as coisas- passam-se de forma muito diversa e de modo muito diferente. «Mercê de circunstâncias de vária ordem, no cume de cujo conjunto penso poder colocar o desmesurado crescimento da população do Mundo, e nomeadamente da Europa, neste último século e meio, com a consequente corrida, por essas massas de população, por forma sempre ansiosa e por vezes angustiosa, aos meios de produção e sobretudo aos- medos de consumo, corrida já impossível de dominar ou de deter pelo jogo ou choque natural das» forças económicas, em presença ou pela fórmula dita clássica do laiser faire - laiser passer, viram-se os Governos, na imperiosa necessidade de alçapremar ao primeiro plano das suas preocupações e das suas tarefas e exigências de administração ,a contemplação e a possível resolução dos problemas de- ordem económico e social que importam si defesa, ao bem-estar possível e- à sobrevivência mesmo das populações dos respectivos países. E este é, sem dúvida, um dos sinais típicos e marcantes- da administração dos .povos no nosso Mundo de hoje.
Mas é isto desprezar a política? Penso bem que não; penso que é esta a melhor forma de fazer .política.
E compreende-se que sejam os problemas de ordem económica e social que suscitem as primeiras atenções dos governantes na administração da coisa pública.
Com efeito, tais problemas atingiram por toda a parte e, portanto, entre nós também, uma premência e uma acuidade tão vivas e tão imediatas que jamais podem os governos responsáveis menosprezá-los ou esquecê-los. Por outro lado, a resolução, em termos adequados, desses problemas reveste-se de tal importância e de tão imediata urgência que já não é possível nem admissível deixar que ela se opere por simples acção da iniciativa privada nem, muito menos, por acção do livre desencadear das forças económicas e sociais. Pelo contrário, urge e impõe-se que os governos se anteponham àquela iniciativa incerta ou insuficiente e se antecipem ao deflagrar dessas forças, não propriamente para travar ou mesmo reduzir o salutar impulso que delas flui, mas, sobretudo, para orientar e condicionar essa deflagração e para conduzir as consequências e os resultados desses movimentos por forma que de tudo advenha a sublimação de um esforço e de um impulso tendentes à realização do maior bem comum.
Esse, seguramente, o decisivo e preponderante papel da administração nos Estados modernos - sobretudo quando, como no nosso caso, a fortuna não é tão grande nem as dedicações são tão numerosas que se possam malbaratar, nem muito menos desbaratar; por isso se impõe que ao serviço da grei se ponham todos os nossos recursos naturais e humanos, nomeadamente nesta conjuntura dramática - como esta em que vivemos -, em que a defesa da integridade territorial da nossa pátria comporta exigências e impõe sacrifícios a que se não pode nem deve fugir.
Vêm estas despretensiosas considerações, Sr. Presidente, a propósito do projecto de Plano Intercalar de Fomento e da proposta de lei para a sua elaboração e execução que o Governo entendeu por bem formular para o triénio de 1965-1967 e fez subir a esta Câmara para que os aprecie e, se o merecerem, os aprove.
Chame-se-lhe Plano Intercalar de Fomento, como pró- põe o Governo, ou simplesmente Plano de Fomento, neste caso o terceiro, como sugere a Câmara Corporativa, não há dúvida de que tal empreendimento e programação vêm inserir-se naquela linha de orientação e de acção dê uma administração progressiva e largamente evoluída, a que há pouco fiz referência - o que muito nos prestigia e nos honra, por nos colocar no plano das nações que mais se preocupam com o seu progresso e desenvolvimento e com o bem-estar do seu povo.
De modo que o nosso primeiro gesto e o nosso primeiro impulso perante esta iniciativa do nosso Governo devem ser os de saudar e de louvar, com as mãos ambas e bem ao alto, num aceno de reconhecimento e de aplauso a to-
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dos os responsáveis pela elaboração do Plano, e muito especialmente ao insigne estadista que subscreve a proposta de lei para a sua elaboração e execução, o qual, ao cabo de perto de 40 anos de governo - caso talvez único na nossa história -, se apresenta à Nação com a mesma serenidade, com a mesma confiança e com o mesmo optimismo que o animavam no primeiro dia em que para lá entrou.
Congratulemo-nos todos com tão prodigiosa sobrevivência e com tal domínio de si próprio, só possível a quem, como o Sr. Presidente do Conselho, se sobreleva a todos os demais no comum desenrolar da vida política nacional e, nas horas decisivas, se agiganta de tal modo e a tal altura que ao exprimir o seu pensamento bem pode dizer-se que se ouviu a própria voz da Pátria.
Sr. Presidente: Serão muito breves as considerações que me proponho fazer a propósito e a pretexto da discussão suscitada pela apresentação a esta Câmara do Plano Intercalar de Fomento para o triénio de 1965-1967; e isto até porque me falha a preparação técnica e especializada para poder tecer à volta do Plano mais largos comentários e juízos de modo a fazer realçar o seu indiscutível valimento e utilidade.
Limitarei, por isso, esta minha intervenção a dois ou três pontos ou a dois ou três aspectos, aliás de pormenor, do Plano, mais do meu domínio ou do meu conhecimento; e sentir-me-ei feliz se as minhas desataviadas palavras puderem encontrar algum eco nesta Casa e tiverem o condão de suscitar o interesse dos mais esclarecidos c a atenção dos mais responsáveis para os pontos e para as matérias que me limitarei a pouco mais do que a apontar e a fazer aflorar, bem como para os poucos problemas que contêm ou que enquadram, sem que, da minha parte, haja ou possa haver preocupação de os equacionar devidamente nem muito menos de os resolver, mas sim dominado pela preocupação e pela esperança de os ver devidamente equacionados e judiciosamente resolvidos por quem tenha para tanto não só capacidade, mas também os meios necessários e convenientes..
Nesta ordem de ideias, Sr. Presidente, começarei - e em tudo serei muito rápido - pela hidráulica agrícola.
A tal respeito, verifico que no Plano se prevê a continuação da execução do Plano de rega do Alentejo pela conclusão das obras da sua L* fase, pelo total aproveitamento dos rios Mira, Roxo, Caia e Divor e pela iniciação das obras da sua 2.a fase, respeitantes ião aproveitamento de outros rios igualmente contemplados no Plano.
Não é meu propósito exprimir neste momento e deste lugar as sérias preocupações que me dominam quanto à sorte e ao futuro dos nossos regadios do Norte, em presença da transformação radical das largas áreas alentejanas de sequeiro para regadio. Por isso, ao citar o Plano de rega do Alentejo tive apenas o propósito de tirar daí um argumento para o que adiante vou dizer, derivado do facto de aquele plano de rega contemplar diversos rios mais ou menos de fisionomia idêntica e abraçar uma vasta área de características semelhantes.
Precisamente, desejaria que pana o Centro do País se procedesse e operasse da mesma forma com referência a áreas de características semelhantes banhadas ou atravessadas por rios de idêntica origem e comportamento. Assim, tenho o maior prazer em congratular-me por se ter incluído neste Plano de Fomento o aproveitamento da bacia do Mondego, embora tal empreendimento esteja ainda condicionado à aprovação definitiva do respectivo projecto e à obtenção dos meios financeiros adequados.
Congratulo-me com isso; e tenho como inteiramente procedentes e válidas as razões que justificam o ordenamento e o aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego; mas, como português e como homem do distrito de Aveiro, não deixo de lamentar que o plano do aproveitamento da bacia do Mondego se não alargue às bacias de outros rios e nomeadamente à do Vouga.
Como tive ensejo de aqui afirmar, desta tribuna, quando me foi consentida a honra de intervir no debate suscitado pelo aviso prévio do nosso ilustre colega Sr. Deputado Nunes Barata sobre a bacia hidrográfica do Mondego, o País não é tão rico que possa dispersar os seus recursos na execução de planos fraccionados quando as circunstâncias e as conveniências aconselhem a execução de planos de maior conjunto; e procurei então demonstrar que a bacia hidrográfica do Vouga, e até o comportamento e o desenvolvimento desse rio e seus afluentes, assim como as regiões que dominam, tinham e têm tão flagrantes pontos de contacto e de semelhança com a bacia do Mondego e respectivas regiões que bem se justificava, em meu pensar, que o aproveitamento das duas bacias hidrográficas fosse obra de um único plano, de um plano de conjunto, que contemplasse e considerasse do mesmo modo, mutatis mutandis, o ordenamento hidráulico e o aproveitamento conveniente de ambas as mencionadas bacias. Penso hoje ainda da mesma forma; e daqui faço o meu apelo ao Governo para que se alargue e faça estender, sem prejuízos para a região do Mondego, o plano de aproveitamento da bacia deste rio à bacia hidrográfica do Vouga, à semelhança do que se fez, como à pouco apontei, quanto ao Plano de rega do Alentejo.
Sr. Presidente: Ainda com os olhos postos no meu distrito, entendo oportuno lembrar aqui o seu alto interesse turístico, quer pelas suas riquezas monumentais, quer pelas suas riquezas naturais, e também as suas necessidades no plano sanitário.
Possui o distrito de Aveiro condições óptimas para o desenvolvimento do turismo, tanto nacional como internacional, e não só em determinadas épocas do ano, mas sim no decurso de todas as estações.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, situam-se no distrito alguns dos hotéis mais luxuosos do País, abertos todo o ano, e são formosíssimas algumas das suas estâncias.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, a ria de Aveiro é um motivo de atracção contínua e permanente - na Primavera, no Verão, no Outono e até mesmo no Inverno, porquanto é um elemento de múltiplas e variadas utilizações, desde a do simples banho à natação, desde o remo a todos os outros desportos náuticos, desde a caça à pesca, desde as viagens, desde os passeios, até ao prazer inefável da contemplação das suas tranquilas águas e formosas margens e dos seus poentes de maravilha.
Por isso, Sr. Presidente, nos investimentos a realizar neste domínio é justo que se atribua à região que tenho a honra de também representar nesta Câmara a quota-parte necessária e conveniente à sua justa e justificada valorização.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - E no plano da saúde tem que se ter em conta que o distrito de Aveiro é um dos de maior densi-
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dade de população no País e que alguns dos seus concelhos, e mesmo a própria sede, estão longe de dispor de instalações hospitalares à altura e à escala das necessidades das suas populações, como sucede, nomeadamente, com o concelho da Feira, ao norte do distrito, que com uma população que caminha para a cifra dos 90 000 habitantes, quase um quinto da população de todo o distrito, apenas dispõe de um pequeno hospital, com mais de 50 anos de vida, construído numa das suas freguesias, o qual. prestando, embora, relevantes serviços e mantendo-se em grande parte por favor da benemerência da família do seu fundador, está muito longe de poder satisfazer as necessidades, em tal matéria, daquela volumosa população.
Por isso mesmo. Sr. Presidente, permita-me V. Ex.ª que mais uma vez eu apele para o Governo quanto à execução do Plano em ordem a que no planeamento e na dotação dos novos hospitais a construir se venham «i preencher, sem mais delongas, as faltas e as insuficiências de unidades hospitalares que ainda se notam, e clamorosamente, no distrito de Aveiro.
Sr. Presidente: Embora de real interesse para o progresso e valorização das condições económicas, sociais e políticas do meu distrito, receio. 710 entretanto, que estes breves apontamentos que acabo de referir não sejam suficientes para justificar a minha ousadia de ter subido a esta tribuna para tomar parte na discussão do Plano Intercalar de Fomento. Por isso, para vencer e de alguma forma tentar dominar este receio, há-de V. Ex.ª permitir-me. Sr. Presidente, que, antes de descer dela. me detenha, ainda que apenas por breves minutos, sobre um tema amplamente contemplado no Plano, da minha constante predilecção, e esse do mais elevado e premente interesse nacional - o da agricultura.
Todos estamos de acordo em reconhecer que a indústria agrícola, e de uma maneira geral o que comummente st; chama a lavoura, atravessa um período de extrema dificuldade, é vítima de vicissitudes de toda a ordem, constitui motivo e razão das nossas mais justificadas apreensões e suscita, a todo o pano e a todo o momento, a adopção d c medidas drásticas em ordem a travar e a deter a sua fatal corrida para a ruína total.
São comummente conhecidas as causas deste alarmante estado de coisas: o aviltamento dos preços dos produtos da lavoura; a má estruturação do ordenamento agrário; a fraca rentabilidade da indústria agrícola; as deficientes condições naturais e climáticas; o êxodo rural, etc.
Há porém, um mal que talvez não tenha sido posto em evidência e em foco tanto quanto seria mister: é o do desinteresse e desapego da gente nova pelos campos e pelas coisas da lavoura e pelas actividades da agricultura.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador:- - Nota-se, com efeito, da parte da juventude rural, falta de gosto e de interesse pela arte e até pela ciência da agricultura; e disso é reflexo a pouca frequência de estudantes nos cursos do ensino agrícola e a diminuta- quantidade dos que chegam à conclusão desses cursos, conforme muito judiciosamente se aponta no douto parecer da secção dia Lavoura, inserido no da Câmara Corporativa, elaborado sobre o projecto de Plano de Fomento que estamos apreciando.
Ainda há dias Sr. Presidente, numa reunião, no Porto, do conselho geral da Federação dos Grémios da Lavoura, tive oportunidade de numa intervenção, ainda que episódica, apontar à consideração dos presentes -e eram os responsáveis e os dirigentes de mais de 40 grémios da lavoura do Entre Douro e Minho- aquilo que classifiquei como o pior mal, de todos o mais grave, para a
lavoura portuguesa, que é exactamente, em meu modesto parecer, o desta indiferença, o deste desinteresse, o deste desapego da nossa juventude rural pelas actividades agrícolas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Apontei então quão graves, eram os males, de todos conhecidos, que afectam a nossa agricultura: mas opinei que, a meu parecer, o pior de todos era ainda o da falta de vocações para as actividades ligadas ao cultivo da terra. E lembrei então que era mister desenvolver uma campanha intensa, pertinaz e fecunda, não apenas no sentido de recuperar para a lavoura aqueles que continuamente a abandonam e a desprezam, mas sim,- e também, e sobretudo, iniciar e projectar uma
campanha e um movimento destinados a fazer despertar vocações para as actividades agrícolas na gente moça dos nossos campos como a única forma válida e capaz de se assegurar para o futuro a manutenção deste sector da economia, absolutamente indispensável a nossa sobrevivência.
Parece-me que, na verdade, a crise da nossa agricultura não é apenas de ordem económica; é também de ordem social, de ordem política e até de ordem moral no ponto e na medida em que as condições e as facilidades do Mundo de hoje fazem correr à aventura- muitos daqueles que, noutras épocas, ficavam amarrados aos ditames das Leis morais, apanágio comum outrora das famílias que viviam na terra e para a terra.
Há por isso que empreender um trabalho gigantesco não só de recuperação de vocações, mas muito principalmente de criação de vocações novas para as artes e para as ciências práticas da agricultura, pois estou crente de que hoje já não bastarão para resolver a crise simples medidas económicas e técnicas -tal o mísero estado a que só deixou chegar a nossa infortunada lavoura - mas sim serão necessárias, além daquelas, outras medidas de verdadeira preparação psicossocial de persuasão, de convencimento, de forma, como digo, não só a recuperar vocações para a lavoura mas sim a despertá-las, a protegê-las e a encaminhá-las devidamente. Para tanto, daqui faço votos a que se mobilizem todos os meios e práticas de ensino, de cultura, de aprendizagem, de propaganda, de publicidade, de aliciamento e de sedução na escola, em todos os seus escalões, na fábrica, mesmo nas horas vagas das tarefas fabris, na igreja, sempre que possível, nos campos, a toda a hora de dia e mesmo lê noite, pela palavra, pelo exemplo, pelo ensaio, pela experiência, com o auxílio dos instrumentos e das conquistas das novas técnicas, em suma, lançando-se mão de todos os meios económicos, técnicos, científicos e de todos os ciados da prática e da experiência, numa verdadeira mobilização geral, conduzida toda no sentido de uma verdadeira revolução agrícola, até para que se evite a todo o pano e a todo o custo aquilo que, como já aqui disse uma vez. seria o pior de tudo - a revolução agrária.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Porém, não tenhamos ilusões, tudo será em pura perda se não se atribuir ao empresário e ao trabalhador da terra aquele mínimo de condições de conforto e de desafogo económico compatíveis, pelo menos, com a sua posição no meio social e com as exigências de um nível decente de vida semelhante e equiparado ao do seu confrade de outras artes ou de outras actividades, e já hoje impossível de se negar até por simples respeito e consideração da própria natureza da pessoa humana.
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Sr. Presidente: Vou terminar. Agora, sim, desço desta tribuna com a convicção de aqui ter trazido um testemunho vivo e um grito de alerta que, por provirem do fundo da província donde venho, me parecem dignos de ser escutados pelos homens que têm responsabilidades de governo; e fiel ao pensamento que orientou a parte final desta minha intervenção, faço daqui apelo ao Governo e a todos os departamentos do Estado, a todas as forças vivas da Nação, a todos os sectores da nossa economia, às nossas organizações agrícolas, ao concurso inestimável da Igreja e da escola, às autarquias, a todos os meios de publicidade, de informação e de propaganda, nomeadamente à imprensa, à rádio, à televisão, e bem ainda às corporações científicas, económicas, sociais, artísticas (i mesmo recreativas, & até ao indispensável concurso, pela obra de educação e de instrução nos quartéis, das forças armadas de terra, mar e ar - ainda e sempre depositárias das reais virtudes da grei - no sentido da mobilização geral de todos os nossos recursos naturais e humanos, na medida do disponível e do necessário, em prol da defesa da nossa enfraquecida lavoura e em favor da criação e do incentivo das antigas e de novas vocações que a sirvam no presente e assegurem a sua sobrevivência para o futuro.
E assim termino Sr. Presidente, com este grito de guerra, mas de guerra na paz e na ordem, em defesa da nossa agricultura depauperada e dos nossos agricultores ofendidos e humilhados: mobilização geral!
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: -- Sr. Presidente: Na embora recente mas expressiva história dos planos de fomento nacional cabe, sem dúvida, o lugar cimeiro ao III Plano, ora em apreciação.
Este meu juízo, lanço-o em dois fundamentos apenas, qual deles, porém, o mais convincente e seguro.
E é o primeiro, a grandiosidade do próprio Plano: se sector algum das actividades da Nação deixa de nele estar incluído, e isto tanto na metrópole como em cada uma das sete províncias que por esse Mundo além testemunham Portugal, ela vinca-se sobretudo na sua dimensão financeira, verdadeiramente excepcional, traduzida nesta verba que quase escandaliza os nossos hábitos - 48 874 455 contos!
Frente a somatório tão robusto, previsto para três anos apenas, os 16 milhões de contos do I Plano de Fomento para o período de seis anos de 1953 a 1958, bem realçam agora o surto de progresso e sobretudo a capacidade- de realização, no domínio económico e financeiro, alcançada neste exíguo espaço de uma década, só por isso assinalável, que o merece, na história contemporânea da economia portuguesa.
E o confronto daquele total de quase 50 milhões de contos para o triénio de 1965-1967 com os 30 milhões de contes do II Plano de Fomento, para os seis anos de 1959 a 1964 traz ao que venho de dizer, a confirmação não só cias potencialidades nacionais criadas e desenvolvidas pela Revolução Nacional como também o avanço sistemático, inelutável, dir-se-ia, por que vimos definindo e assegurando, à grei lusitana, em todas as latitudes, novos caminhos e novos rumos de riqueza, de bem-estar, de engrandecimento, o que também significa um mais largo acesso de todos a todos os benefícios da civilização do nosso tempo, a melhor conquista da humanidade em toda a sua longa história de inumeráveis milénios.
E o segundo dos fundamentos que anotei na atribuição de maior valor e significado ao III Plano de Fomento em relação aos que o precederam resulta de ter ele nascido em momento da história nacional de tão grave inquietação, como o que anda a perturbar a nossa vida desde 1961.
Acontecimentos que, a- par do sacrifício do sangue da nossa generosa juventude, nos vêm exigindo dispêndios de tal grandeza que a nós próprios espanta podermos acudir-lhes sem sobressaltos fatídicos, teriam desencorajado os mais animosos de prosseguirem em planeamentos que, para não serem um embuste, pedem uma certeza - a garantia dos recursos financeiros que hão-de levá-los à realidade.
Pois, certo é que este II Plano de Fomento, mesmo tendo em conta a problemática do sector privado, mantém radiosa como uma aurora a esperança da sua cobertura financeira.
Entrou porventura no cálculo das estimativas feitas e das previsões admitidas a confiança em instituições e elementos cuja adesão muitos seriam tentados a julgar aleatória?
Mas a confiança assim lançada é uma salutar audácia que só podem tentar com êxito os governantes que alicerçam a sua acção numa política de verdade.
E eu não sei de política de verdade mais fecunda e aliciante do que a política financeira instaurada por Salazar e continuada por quantos vieram depois, política de verdade e de sacrifício que muito nos custou, por vezes, por lhe ignorarmos então o sinal profético para estes tempos de provação maior, porque é à integridade da Pátria que ela acode.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Pois foi neste condicionalismo, que parece gerar incertezas, que o Governo não hesitou em prosseguir na planificação do fomento nacional, válido para todos sectores da vida portuguesa e com dimensões a que não falta uma vigorosa e a todos os títulos admirável ousadia.
Louvo por isso o III Plano de Fomento e também porque ele é a irrefutável demonstração, a todos os cépticos e a todos os tíbios, da nossa confiança no futuro, da firmeza da nossa fé nos destinos da Nação, da pujança do nosso querer, mesmo quando nos envolvem graves apreensões que a outros prostrariam.
O III Plano de Fomento anuncia-se com dois propósitos explícitos: a) aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e b) a sua melhor repartição.
Se ao primeiro - o acréscimo do produto nacional - convém a classificação de um como que género próximo na definição de todo e qualquer plano de fomento, pois afigura-se que de modo directo ou indirecto, imediato ou mediato, também esse seria sempre um dos objectivos dos planos anteriores, o mesmo não poderá asseverar-se quanto ao segundo propósito - a melhor repartição da riqueza nacional por todas as camadas do povo português, por todos os seus grupos sociais.
Um tal objectivo aparece pela primeira vez na planificação do fomento, e pelo menos de modo formal e expresso, neste III Plano, entendido como uma das suas duas específicas finalidades.
Julgo essa característica, que bem o individualiza e distingue, a concretização de um dos mais nobres ideais da Revolução Nacional, que por motivos de vária ordem e natureza, não terá sido possível até agora encarar como providência directa a prosseguir em soluções governamentais para decretar no curto lapso de um triénio.
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A melhor repartição do rendimento nacional, assim posta como meta de uma planificação, vai direita ao centro da questão social. Enunciá-la será ter a coragem de confessar que é mais acentuada do que a justiça manda, e nós queremos, a desigualdade entre ricos e pobres.
Sempre há-de haver uns e outros é certo. A distância que os separa é uma fatalidade da própria natureza humana. São desiguais os homens, hão-de, por isso, ser desiguais os seus rendimentos, e isto em todos os tempos, em todos os lugares, em todos os regimes. Não é, pois, aí, nessa condição natural, que o problema nasceu, ou melhor dito, não é a essa fatalidade social que o III Plano de Fomento pretende ocorrer quando se propõe repartir melhor o rendimento nacional.
A medida dessa desigualdade é que não está certa; contra ela é que importa reagir, pois é ela que vem privando muitos do suficiente à dignidade de homens do nosso tempo e vem consentindo a muito poucos que se afoguem numa ostentação e num poderio que são uma ofensa a todos e espezinham e contradizem toda a doutrina do Regime.
E contra essa medida sem controle, é contra as situações que ela cria e assegura, que tem de entender-se este revolucionário objectivo do III Plano de Fomento - a melhor repartição das riquezas da Nação.
E bem oportuna será e bem necessária se tornou essa meta.
Postas as condições da criação de maior riqueza nacional, assegurado já o seu crescimento a níveis de que podemos orgulhar-nos e que, apesar de tudo, desejamos dilatar, temos mesmo de ampliar, haveria que regredir ao propósito implícito desde o início em toda a tarefa de progresso e de desenvolvimento económico - a sua mais equitativa distribuição.
Como se divide entre nós o rendimento nacional?
Todo o mundo o sente e ninguém o conhece ...
«Não existem estatísticas portuguesas que mostrem a repartição do rendimento», declara o Prof. Pereira de Moura.
E confirma: «Além dos conhecimentos obtidos pela observação corrente das realidades sociais, quase nada se sabe acerca da repartição do rendimento em Portugal. E um campo em que escasseiam muito os elementos de estudo e, talvez por isso, os estudos sérios.»
Assim será no domínio científico. Na realidade social, contudo, todo o mundo sente como se distribui o rendimento nacional ...
E sente que ele se reparte com muitas e graves desigualdades, que está nas intenções do III Plano de Fomento corrigir. Estruturas de organização económica ou, talvez preferível, do funcionamento de uma política económico-industrial, oriunda e consentida por um obsoleto regime de condicionamento industrial que, muitas vezes, ao longo dos seus 30 e tantos anos de vigência, tem sido desviada e desvirtuado da sua benéfica e por isso aceitável missão, vêm desordenando ou, pelo menos, agravando o desordenamento da repartição da riqueza nacional, mais acentuado ainda a partir dos fins da segunda guerra mundial.
A maciça acumulação nas mãos de alguns da maior parte do produto nacional, dando em resultado a quase extinção de uma classe média de sadio e imprescindível desafogo económico, retira quase todo o significado útil, no ponto de vista humano e social, às médias de capitação que, nesse domínio, invocamos nas nossas estatísticas, frente às de outros países.
Infelizmente tais médias não resultam da aceitável curva que suavemente se desenhasse a partir do máximo para o mínimo, antes definem linhas quebradas, de saltos bruscos, que assinalam profundas e chocantes diferenças entre ambos os pólos considerados.
Publicação idónea, de invulgar categoria para o meio português e que. segundo é voz pública, conta com o patrocínio e a responsabilidade de prestigiada congregação religiosa, informava não há muito que em Portugal ascendiam a duas dezenas as fortunas superiores a 1 milhão de contos!
De mais algumas dezenas serão também as fortunas de largas centenas de milhares de contos, logo abaixo do milhão.
E não será difícil concluir que todas elas se processem fora da agricultura.
Nenhuma fonte oficial das que podiam e deviam fazê-lo, se fosse caso disso, corrigiu ou rectificou a informação.
Causa prémios tal saber, mas penso que o inconveniente maior e mais grave não está em declarar o facto, mas em que este exista.
A mim, proletário sem inveja, a quem Deus generosamente concedeu as qualidades de trabalho que garantem aos meus o pão de cada dia, a mim a quem falta até a imaginação para supor o que possa ser a vida com a fortuna de 1 milhão de contos a atrair por todos os meios e processos rendimentos e lucros fabulosos, duas observações magoaram nessa notícia..
A primeira, que ela tenha acontecido sob o signo da Revolução Nacional.
De algum, modo me senti defraudado na minha fé! Eu aprendi a ler com Salazar: entrei na escola quando a Nação a chamou ao Governo. Desde então ouvi e aprendi que o problema e questão essencial do Regime era o dei justiça social, da justa repartição da riqueza nacional.
Bendita questão, abençoado problema, monologuei sempre comigo.
E, no entanto, foi possível o facto que aí está, mas foi possível - e esta é a segunda observação que- me doeu -, não por invulgar capacidade de trabalho, por excepcional progresso de técnica por terrível risco de novos empreendimentos, não, enfim, por causas que de algum modo ajudam a compreender e a aceitar fortunas individuais daquele quilate, mas sobretudo par via de condicionalismos legais proteccionistas que eliminam o risco em o reduzem a teor sem significado, que dispensam o constante progresso e aperfeiçoamento técnico nas instalações, e a argúcia, o engenho e trabalho nos responsáveis. E essa condição é que politicamente me doeu em carne viva.
Eu podia aqui ilustrar estas afirmações enunciando e descrevendo o processo económico de produtos de que o povo português consome milhões e milhões de quilos por ano e paga pelo dobro do preço por que os adquiriria se não fora aquele condicionalismo, e isso sem prejuízo de excelente e legítimo lucro para quantos interferem com os seus capitais e o seu trabalho no mencionado processo.
Avalie-se por ao lucro nacionalmente ilícito assim recolhido.
Não o farei, por desnecessário, mas socorrendo-me do autorizado exempla de há dias do nosso distinto colega Santos da Cunha, também só me resta apelar daqui para o Sr. Presidente do Conselho. E nele que confio, é nele que confiamos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Encerrado este parêntesis de digressão por matéria tão desagradável, e que tem o condão de
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me perturbar sempre que por ela passo, volto ao segundo e explícito propósito do III Plano de Fomento: a melhor repartição da riqueza nacional.
Bem fez o Governo em o fazer explicitamente constar desse Plano.
Nasce aí uma grande esperança.
Certo é contudo, que este entusiasmo esmorece um tanto quando se repara na deficiência programática do Plano relativamente à efectivação do mencionado objectivo.
Estudos profundos e soluções adequadas enriquecem o projecto no que respeita ao modo de conseguir a aceleração do ritmo de acréscimo do rendimento nacional, a ele porém, omisso, ao menos numa formulação idêntica, pelo que toca a soluções concretas para lograr repartição daquele rendimento.
Ninguém duvida, é evidente, da possibilidade de funcionamento dos meios clássicos, permita-se a expressão, para tal obter ao longo e depois da sua execução.
Assim continuará a suceder e aí terá decisiva influência, a par da política fiscal ora persistentemente prosseguida, a política social, sobretudo, e para o caso concreto, com a melhoria das remunerações do trabalho em todos os sectores.
Tais factores, porém, nada tem de específico no III Plano de Fomento, e por isso não pode deixar de estranhar-se que apontando ele como uma das suas duas intencionais finalidades a dita melhor repartição do produto nacional, não lhe tenha feito corresponder, nas providências previstas para a sua consecução, as que visassem precisamente aquela melhor repartição.
E se pode aceitar-se que o Plano não inclua desde já a necessária revisão do actual e discricionário condicionamento industrial, substituindo-o por um condicionamento tecnológico - e essa seria uma providência de decisiva influência na melhor repartição do rendimento nacional, já outro tanto se não aceita, pelo que se refere à minimização com que aparece no Plano, a rubrica da instrução- mormente a do ensino profissional, que, de entre todas as do Plano, é a única que poderia vir a servir de modo eficaz e irresistível a melhor repartição do rendimento nacional,
É que a distribuição do rendimento é função do índice de produtividade dos factores que entram na produção.
Embora com as incidências correctivas e moduladoras que muitos factores de natureza social, económica e política aí provocam, pode, contudo, dizer-se que o rendimento se reparte pelos diversos elementos que entram nu sua criação, segundo o índice da produtividade desses elementos. Pelo que toca ao elemento trabalho -e é nele que. ao plano nacional, reside uma das causas da desigual e perturbadora distribuição do rendimento que o III Plano deseja rectificar-, pelo que toca ao trabalho, repito, o índice da sua produtividade é proporcional à sua qualificação.
É sabido que esta qualificação não é a que resulta de uma formação profissional acelerada, oficial, com simples conhecimento das fases de fabrico e sua mais ou menos hábil execução, mas sim a que provém «de uma formação de base que consciencializa a acção técnica e que só a escola pode dar», repetirei, acompanhando o Prof. Leite Pinto.
Um operário qualificado constitui, assim, uma unidade de eficiência produtiva - desculpe-se-me a expressão - de valer e índice nitidamente superior à que representa um operário sem a dita preparação de base e que não pode contar senão com o seu esforço físico.
Daqui ocorre que o trabalhador profissionalmente evoluído dá ao rendimento nacional uma contribuição mais
ampla e valiosa, dele recebendo, em contrapartida, uma parte mais
O nosso sector trabalho é, infelizmente, de reduzida qualificação: faltam-nos técnicos a todos os níveis - desde o primário ao médio, ao superior. Tal situação restringe poderosamente a criação da riqueza nacional e afecta não menos decisivamente a sua repartição.
O trabalho qualificado - o capital humano - é o principal elemento na criação de riqueza socialmente útil. Da Colômbia, que é uma das nações mais ricas de recursos naturais, à Dinamarca, da mais pobres nesse domínio, vai uma distância de séculos em nível de civilização, em valorização humana, em teor de vida, em bem-estar geral. A população da primeira é analfabeta em 93 por cento: na segunda, há mais de século e meio que o analfabetismo foi extinto e é obrigatório o ensino até aos 15 anos. Na primeira, pode asseverar-se não existir trabalho qualificado. Na segunda, não existe trabalho que o não seja. Pois, apenas por isto, na Dinamarca, país sem riquezas do solo e do subsolo, o rendimento nacional é dos mais elevados da Europa e a sua repartição é simplesmente invejável quando se olham as elevadas taxas da capitação média.
Pelo que referi, alinho, pois, ao lado de quantos entendem e defendem que um dos mais poderosos factores na criação da riqueza social e na sua equitativa repartição é o trabalho qualificado a todos os graus.
O parâmetro do trabalho qualificado de um povo tem a amplitude do seu desenvolvimento intelectual, da sua instrução, do seu ensino, em todos os graus e em todas as modalidades.
Volto a apoiar-me no Prof. Leite Pinto: o desenvolvimento económico começa por ser um problema político, mas sendo, no fundo, a busca do aumento da produtividade, torna-se, no fim de contas, um problema de instrução de todos os homens, a vários níveis.
Identificando-me inteiramente com tão lúcida como inteligente sentença, chego a esta conclusão: que ambos os objectivos do III Plano de Fomento - a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e a sua melhor repartição - teriam no incremento da instrução uma das suas mais importantes e eficientes providências.
Como se porta então o III Plano quanto à instrução do povo português?
Avanço já o meu parecer: lá mais para trás não lhe regateei o meu aplauso e o meu louvor; nesta rubrica, porém, não posso mante-los e adianto que votarei contra se o projecto não beneficio das alterações que nesse ponto julgo indispensáveis.
Não me demorarei a repisar o que já noutras intervenções tenho analisado - a panorâmica geral do nosso ensino, do infantil ao superior.
Para o exame do Plano neste sector e no ordenamento das considerações que vou fazer, apenas repararei no ensino técnico, e, deste, no médio e secundário, por serem não só os de mais cabal sentido e preparação profissional, como também os de mais imediata incidência na aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e da sua melhor repartição, isto é, os que mais adequadamente se entende deveriam ter merecido especial atenção neste Plano de Fomento e não mereceram.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - No ensino técnico médio a situação não é apenas de carência, é de angustiante penúria.
Temos hoje os mesmos dois institutos comerciais e industriais de há 100 anos, do tempo do Sr. D. Luís - um em Lisboa, outro no Porto, criados para uma época em que a população portuguesa era metade da actual e a
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frequência escolar nem sequer representava 10 por cento da dos nossos dias.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - O caminho percorrido na vida nacional desde então é imenso; pois, apesar disso, o instituto industrial de Braga, da Covilhã e de Faro, e o instituto comercial e industrial de Coimbra, da Madeira e dos Açores - passou por eles e sem reparar o I Plano de Fomento; o segundo fechou os olhos e o terceiro é capaz de não gostar que eu lhe recorde o seu lamentável esquecimento. Continuaremos, pois, como há 100 anos.
Às três escolas de regentes agrícolas, todas com mais de 50 anos, já antes de 1910 eram insuficientes para as necessidades do País, o que levara o malogrado rei D. Manuel II a manifestar o desejo de numa das propriedades da Casa de Bragança vir a ser criada e mantida uma quarta escola daquela natureza.
El-rei D. Manuel deixou o trono, e desde então parece que mais nenhum governante terá sentido a necessidade da criação de novas escolas de regentes agrícolas. E talvez haja quem pense que assim é que estará certo; D. Manuel é que era um sonhador ...
No entanto, tenho fé em que um dia as escolas de regentes agrícolas de Trás-os-Montes, de Castelo Branco, da Madeira e dos Açores hão-de ilustrar as singelas páginas do Diário cio Governo, mesmo apesar de não terem cabido no denso projecto do III Plano de Fomento. No Projecto Regional do Mediterrâneo, que representa apenas o primeiro impulso para apanharmos a Europa, vem lá dita e redita a necessidade de criarmos até 1975 - nos próximos dez anos, portanto 40 estabelecimentos de ensino técnico médio, institutos comerciais, institutos industriais e escolas de regentes agrícolas.
Eu peço ao divino Espírito Santo que um dia dê de repente a um dos Ministros responsáveis a coragem e a decisão precisas para tanto.
Que Ele me ouça!
É que se assim for, tais estabelecimentos, pior ou melhor instalados, melhor ou pior apetrechados, começam mesmo a funcionar e ao fim de alguns anos cumprirão bem a sua missão.
Mas se ficarmos à espera de haver a um canto dos cofres do Estado dinheiro que não seja preciso para mais nada, então, apesar de o Mediterrâneo ser um mar calmo, nele se afundará irremediavelmente o seu projecto regional ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Nós andamos, desde sempre, creio, agora, porém, mais do que nunca, a lamentar a crise da agricultura. E impetramos ao Governo providências e soluções. E lá vêm algumas no III Plano de Fomento, aliás aqui já mui doutamente apreciadas por distintos oradores que as terão julgado insuficientes.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E pediram mais. Em pedir não lhes ficarei atrás.
E que eu também entendo que a agricultura carece de providências que o Plano nem sequer aflora, e delas saliento o ensino elementar agrícola.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Escuso de referir, para não fatigar a Câmara, a relevância da preparação profissional idónea na
lavoura. É uma das suas essenciais infra-estruturas, tanto mais necessária e vital quanto as condições da nossa agricultura lhe põem em frente culturas pobres e inadequadas, técnicas ultrapassadas o primitivas, empirismos velhos e relhos, terras estéreis e safaras, solos gastos e empobrecidos, climas irregulares e adversos, enfim, todo um conjunto de elementos que só o seu estudo conveniente conseguirá dominar e corrigir.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Parece, assim, que o ensino agrícola ocorreria logo que se pensasse acudir à agricultura em termos de preparar-lhe uma solução mais que paliativa.
Contudo, a ajuizar pelo que nesse domínio temos feito, tal não parece.
Num país essencialmente agrícola - e parece que continuaremos a sê-lo -, num país em que 40 por cento da população activa trabalha na agricultura, as escolas de ensino agrícola elementar não vão além de quatro, se não erro, e creio que não. Pois talvez devêssemos ter pelo menos quatro em cada distrito.
No II Plano de Fomento criaram-se, a este respeito, esperanças fagueiras. Na verdade, aí se escreveu:
Afigura-se indispensável a criação de escolas práticas de agricultura nas regiões em que não exista um estabelecimento de ensino profissional agrícola nem está prevista a sua instalação imediata, tais como Trás-os-Montes, Alto Douro, Beira Alta, Vale do Vouga, Algarve, Madeira, Açores orientais e Açores ocidentais.
Infelizmente, as esperanças aí nascidas esvaíram-se como fumo em dia de vendaval. De todas as escolas mencionadas, não foi possível criar ao menos uma! E desta vez - para que aqui se não invocasse o exemplo da Fénix Renascida - as escolas práticas de agricultura anunciadas no II Plano de Fomento desapareceram totalmente no terceiro.
Acabaram-se assim as esperanças!
Não há dúvida - na economia portuguesa, a agricultura é a parente pobre e enjeitada. Triste fado o seu.
Não se cuide, porém, que só quanto ao ensino agrícola regredimos neste III Plano de Fomento. Desta vez também o próprio ensino técnico industrial e comercial vê refreado o ritmo de progresso e desenvolvimento que principiara no I Plano de Fomento e continuara no segundo.
Para melhor se avaliar essa regressão, terei de citar e comentar, ainda que mui rapidamente, a posição deste problema em cada um dos três Planos de Fomento.
E assim lembrarei que o I Plano de Fomento, cujos investimentos totais na metrópole foram de cerca de 11 milhões e meio de contos, votou para escolas técnicas 215 000 contos, isto é 1,8 por cento daquele total. O II Plano de Fomento subiu esta percentagem para 1,9 por cento, pois dos seus 21 milhões de contos, na metrópole, destinou a escolas técnicas 400 000 contos, verba que no respectivo sexénio veio a ser grandemente aumentada por força de outras dotações averbadas também a escolas técnicas.
Pois no III Plano de Fomento há retrocesso na percentagem e no valor absoluto dos respectivos números.
Dos 34 milhões e meio de contos destinados à metrópole, apenas 140 000 cabem a escolas técnicas, a menor verba de sempre, a mais reduzida percentagem de sempre 0,4 por cento!
Claro é que tais números não podem com rigor filológico caber a um plano de fomento se como é exacto, com eles
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nem ao menos será possível acudir às necessidades correntes do incremento natural do ensino técnico, quanto mais fomentar o seu desenvolvimento.
Já aqui o disse e agora o repito: o crescimento normal da frequência do ensino técnico, e limitando a nossa observação apenas aos 80 felizes concelhos contemplados com escolas técnicas oficiais, é de 12 000 alunos por ano.
À média de 2000 alunos por escola, será preciso construir 6 escolas por ano para ocorrer a tal aumento. Como cada escala custa entre 12 000 e 15 000 contos, anda à volta du 80 000 contos a verba anual necessária àquele fim.
Como o III Plano de Fomento destina a escolas técnicas menos de 50 000 contos por ano, não só não será possível com o que nele se estipula fomentar o ensino técnico, como nem sequer se conseguirá acompanhar o ritmo do seu crescimento natural, como, em consequência, terá este de ser travado, donde ser fatal aumentarmos aí o nosso atraso.
Muito apreciaria ter-me enganado nestas contas e ter errado os raciocínios que com elas construí. Muito gostaria eu !
Infelizmente, porém, creio que os acertei e que deduzi bem a conclusão.
Mas se num país em que cerca de 75 por cento da população escolar não recebe qualquer instrução de nível secundário e se a instrução, e nela mormente o ensino profissional, constitui um dos mais eficazes, se não mesmo o mais eficaz impulso de aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e o factor mais decisivo da sua melhor repartição, porquê o tratamento dado ao ensino em geral e ao ensino técnico em particular no III Plano de Fomento, se ele visa precisamente aqueles objectivos?
Responda quem souber. Eu não sei, porque se soubesse era capaz de dizer que tudo isso está ao contrário ...
Em quanto disse, pensei-o apenas em termos económicos, isto é, tive apenas em mente as incidências da instrução geral ou técnica no desenvolvimento económico.
Não encerro, porém, estas bem modestas considerações sem referir que esse aspecto, sendo fundamental, não é, contudo, o único nem o primeiro a ter aí em conta: é que nem só de pão vive o homem.
A valorização intrínseca deste, o desenvolvimento intelectual, a sua ascensão espiritual, a sua formação moral - tudo isso consequências e efeitos da instrução e do ensino- fazem destes duas das mais nobres e alevantadas actividades do Estado, a que este, só por isso, deve dispensar os cuidados maiores, logo a seguir aos que exija a conservação e defesa da integridade da Pátria.
Por isso é que aquele problema é o mais grave dos nossos problemas nacionais, depois, evidentemente, do da defesa da Pátria, ora em causa viva.
Mas acudir àquele problema, em termos que o resolvam, custa muito em dinheiro, em sacrifício de preferências, do posições sectoriais, em adiamento de soluções de imediata e aliciante rentabilidade e em muitos outros aspectos da vida social, económica e política da Nação?
Custa - é evidente. E fazê-lo não será um peso demasiado?
Esta pergunta é da Câmara Corporativa. E também dela é esta resposta:
«A Câmara não sabe dar outra resposta diferente desta: é indispensável».
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - «E quanto mais tarde se encetar a jornada - continua a Câmara Corporativa- não só se estará a re-
tardar também o seu termo, mas, o que é bem mais grave, vão-se acumulando os atrasos, tornando cada ano mais difícil a arrancada, e vão-se perdendo gerações de jovens portugueses para a instrução, a cultura e a vida do espírito, que é como se disséssemos, vão-se perdendo para sua condição de homens».
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Frente a essas gerações, ameaçadas de perderem a sua condição de homens, frente ao futuro de Portugal, que elas hão-de também definir e constituir, que tremenda é a nossa responsabilidade - a de todos nós, que de algum modo interferimos na coisa pública.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Para- evitar ter de obrigar VV. Ex.mo a sessões no sábado e na segunda-feira, marco para amanhã duas sessões: uma às 11 horas da manhã; outra à hora regimental.
A ordem do dia é a mesma da sessão de hoje.
Está encerrada, a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijero.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
João Rocha Cardoso.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
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Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
Mapas utilizados discurso:
pelo Sr. Deputado Nunes Mexia no seu MAPA I
[ver tabela na imagem]
MAPA II
Valor da colheita portuguesa de trigo, milho, aveia, cevada, batata, leite, carnes (bovinos, suínos, ovinos, caprinos, aves), ovos, madeira, frutas e produtos hortícolas, nos anos de 1960, 1961 e 1962, aos preços pagos à lavoura nos seguintes países:
[ver tabela na imagem]
MAPA III
Milhões de unidades monetárias
[ver tabela na imagem]
Países onde por lei se atribuem subvenções à agricultura(O. K. C. D.)
[ver tabela na imagem]
Países onde por lei se atribuem subvenções à agricultura (0. E. C. D.)
(a) Além destas, há o que o Governo gasta um sustentação de preços. Só no leite gasta mais do 45 milhões de dólares.
Nota. - Além destes países, que dão subvenção todos os anos de montante variável, mas geralmente crescente, e isto por força de lei, ainda dão subvenções, também por lei expressa, os seguintes: Bélgica, França, Irlanda, Noruega (sobre o leite, transportes, adubos, rações, prados, etc.) e Holanda (sobre o leite, cereais e carne de porco); sobre os cereais o montante dessa subvenção tem sido o seguinte: 1959 - 210 florins/ha; 1960 - 150 florins/ha; 1961-200 florins/ha; 1962-175 florins/ha.
Além das subvenções citadas, destinadas a aumentar o rendimento agrícola, todos os países da O. E. C. D., sem excepção, seguem uma política do garantias de preços sobre os principais produtos agrícolas
Requerimentos enviados para a Mesa durante a sessão:
Nos termos do artigo 19.º, § 3.º, do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, pela Imprensa Nacional, me seja fornecido. um exemplar do III volume do livro Dez Anos de politica Externa, visto tratar-se de uma publicação oficial.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Dezembro de 1964. - O Deputado, Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Nos termos do artigo 19.º, § 3.º, do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, pela Imprensa Nacional, me seja fornecido um exemplar do III volume do livro Dez Anos de Política Externa, visto tratar-se de uma publicação oficial.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 3 de Dezembro de 1964. - O Deputado, José Fernando Nunes Barata.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA