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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETÁRIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 162
ANO DE 1964 5 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 162, EM 4 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 151, que insere os pareceres da Câmara Corporativa n.º 17/VIII (projecto de proposta de lei n.º 504/VII acerca do projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967), 16 (projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 - Continente e ilhas) e 19/VIII (projecto de Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967 - Províncias ultramarinas).
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas á
Antes da ordem do dia. - Por proposta do Sr. Presidente foi aprovado um voto de pesar pelo falecimento do antigo Deputado Sr. Monterroso Carneiro.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira congratulou-se com o funcionamento dos Estudos Superiores de Évora.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta do Governo referente ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, Amaral .Veio, Agostinho Gomes, Agnelo do Rego e Alexandre Lobato.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Henrique Veiga de Macedo.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
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Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel dê Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Faleceu em 1 de Dezembro o antigo Deputado a esta Assembleia Nacional Sr. Monterroso Carneiro. A Assembleia desejará que na acta fique lançado um voto de sentimento por motivo deste falecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Morreu também a mãe do Sr. Deputado Rocha Cardoso. A Assembleia desejará manifestar àquele Sr. Deputado as suas condolências por virtude de tão infausto acontecimento.
Vozes: - Muito bem!
O Si. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cutileiro Ferreira.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive a honra de, na sessão de 21 de Março do corrente ano, trazer ao conhecimento desta Câmara a autorização dada, por despacho de S. Exª. o Ministro da Educação Nacional, para a criação, na minha cidade de Évora, de um Instituto de Estudos Superiores, sob a orientação e direcção da Província Portuguesa da Companhia de Jesus.
Alicerçado, economicamente, este valioso empreendimento na Fundação Eugénio de Almeida, Évora voltava à sua antiga posição de cidade universitária. Bem o merecia. Nenhum requisito lhe faltava para usufruir esse direito: o número e o valor da sua população, a tradição histórica, o ambiente propício ao estudo e, sobretudo, o anseio de todos a uma maior valorização intelectual. Proporcionar essa valorização, através dos Estudos Superiores, é obra de tal grandeza que nem é fácil de equacionar nas escassas palavras que irei proferir. Deixo ao futuro o julgamento do facto, porque só no futuro se poderá apreciar, na medida justa, tudo o que de útil, para a minha terra, e até para a Nação, resultará do estabelecimento dos Estudos Superiores de Évora.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, eu não vim para dissertar, vaga e imprecisamente, sobre este momentoso assunto. Eu pedi a palavra para dizer a todos, com grande satisfação: os Estudos Superiores de Évora são um facto! Com 49 alunos inscritos nos cursos de Economia e Sociologia, com um quadro completo e idóneo de professores, religiosos e leigos, um edifício já em parte reconstruído para o efeito, começaram, em 26 de Outubro passado, as aulas dos Estudos Superiores de Évora.
Na brilhante manhã desse histórico dia, precisamente às 9 horas, o generoso instituidor da Fundação Eugénio de Almeida tangeu a. sineta que, durante dois séculos, a cidade de Évora ... o Alentejo, esperavam ouvir.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - E foi um homem simples e bom, um desses lavradores alentejanos que muitos .ignoram e alguns procuram minimizar, quem tudo fez para possibilitar essa desejada e justa ambição da minha terra. Só faço esta referência, Sr. Presidente e Srs.. Deputados, porque a justiça impõe-me o dever de tornar público um facto que, nobilitando um indivíduo, nobilita uma classe que bem o merece.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como todas as coisas grandiosas, o acto inaugural foi enternecedoramente simples. Espontaneamente ... sem qualquer convite ... as autoridades locais estavam presentes.
Perante a .totalidade dos alunos inscritos, todo o corpo docente fez a sua apresentação.
Não houve cerimónias, que, com certeza, teriam cabimento. Não houve reflexos externos de propaganda. Tudo foi simples, mas brilhante, como o nascer de um novo dia.
Creio, muitos crêem comigo, que nesse dia se lançou à terra uma semente valiosa, que desejamos fecunda, para elevação do potencial intelectual das gentes da minha região.
A abertura de Estudos Superiores em Évora, agora com duas Faculdades e amanhã com mais, é um passo decisivo para o alargamento, que se impõe, dos benefícios da industrialização ao agro alentejano.
Só com técnicos das mais diversas especialidades, e técnicos de formação universitária, se poderá conseguir se modifique o desequilíbrio existente, e altamente prejudicial, entre as zonas da orla marítima e as zonas do interior. O Alentejo tem de modificar-se no melhor sentido. As legiões de rurais que vivem (se isso é viver) uma vida atribulada, amarrados às permanentes e graves crises dos empresários agrícolas (seus companheiros de desventura), têm de ser escoadas para sectores diversos, mas na nossa terra. Será a técnica, alicerçada na prática, que indicará os caminhos a seguir. A prática já a temos; a técnica, a Universidade a criará.
Quero ainda referir, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o curto intervalo de tempo que mediou entre o despacho que autorizou os Estudos - 19 de Março de 1964 - e a data da sua inauguração - 26 de Outubro de 1964 -, apenas sete meses e meio (221 dias)!
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O Sr. António Santos da Ganha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - Desejava associar-me às palavras de V. Ex.ª, de regozijo pela fundação dos Estudos Gerais em Évora, que são, na verdade, uma semente magnífica lançada no chão alentejano e vão possibilitar com certeza, dentro de pouco tempo, o restauro da velha Faculdade da sua cidade, que é mais uma obra magnífica da Companhia de Jesus, a qual, como V. Ex.ª sabe, há décadas mantém também Estudos Gerais em Braga.
A Companhia de Jesus, benemérita, por mais do que um título, da cultura portuguesa ...
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Sr. António Santos da Cunha: - ... os meus desejos são que ela continue e possa dentro de pouco tempo ver o grande sol que VV. Ex.ªs, os do Alentejo, sonharam, despontar em toda a sua largueza e plenitude.
O Orador: - Muito obrigado pelas elogiosas palavras de V. Ex.ª à minha terra e apenas desejo que Braga tenha no mais breve espaço de tempo o mesmo regozijo.
Não é usual esta celeridade em problemas de tal envergadura e, por isso, muito nos congratulamos, fazendo votos para que todos os problemas dia minha terra, e muitos são, sejam resolvidos com ritmo semelhante.
Vou terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, repetindo um voto que, deste mesmo lugar, já fiz: que o Governo da Nação, perante o restauro dos Estudos Superiores de Évora, não se mantenha na posição de simples espectador.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei acerca do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Tem a palavra o. Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Ao iniciar as minhas considerações sobre o debate em curso, entendo de meu dever afirmar a minha satisfação por o Governo ter enviado à Assembleia este diploma, respeitante ao Plano Intercalar de Fomento, que é como que uma ligação do II Plano, que está no seu termo, com o terceiro, que se lhe há-de seguir. E certo que o meu contentamento resulta anais da continuidade que o Plano garante do que do volume que atingem alguns dos sectores da nossa economia que nele são encarados; mas nem por isso deixaremos de o fazer: Somos daqueles que consideram devidamente as dificuldades financeiras resultantes das despesas extraordinárias que temos sido obrigados a suportar por força da execução de uma política de intransigente defesa do nosso património histórico, da preservação da integridade do nosso território nacional, ao serviço dos altos interesses da Pátria e da civilização ocidental, política que bem merece o nosso mais vivo aplauso.
No prosseguimento de uma orientação superiormente conduzida, vem agora o Governo, numa louvável afirmação de continuidade do esforço de desenvolvimento e de valorização económica e social da Nação, lançar ias bases deste Plano Intercalar de Fomento. Por isso mesmo, aqui afirmamos o nosso apoio ao Governo na prossecução da sua política de defesa nacional e de valorização progressiva das gentes e do espaço económico português.
 análise que se faz, com toda a objectividade, no preâmbulo deste Plano Intercalar acerca do que se havia previsto e dos resultados que se alcançaram no II Plano de Fomento é, apesar dos atrasos confessados, bastante reconfortante. A aceleração do ritmo do incremento do produto nacional, a melhoria do nível de vida, a ajuda à resolução dos problemas do emprego e a melhoria da balança de pagamentos - os seus quatro objectivos principais - foram amplamente atingidos, e isso demonstra exuberantemente a capacidade realizadora da Nação, como ressalta das explicações que acompanham cada um desses capítulos.
Mas foi pena que, em certos sectores tão importantes como a agricultura, tivesse havido atrasos por motivos legais e técnicos que expliquem, em parte, os baixos acréscimos anuais de 1960 e 1961 e os decréscimos de 1959 e 1962 de tal modo que o volume da formação bruta do capital fixo em 1962 era ainda inferior ao atingido em 1959.
Ao mesmo tempo que se lamenta que se tenham verificado estes atrasos desfavoráveis, emite-se o voto de que tal se não repita com os objectivos deste Plano Intercalar.
As considerações que vou fazer não visam senão dois ou três sectores deste Plano Intercalar. Elas serão dominadas pela preocupação, que sempre me tem animado, de franca e leal cooperação, de crítica sinceramente construtiva.
Ocupar-me-ei particularmente de alguns problemas da agricultura, da produção de energia eléctrica e da saúde pública considerados na proposta governamental.
O que me cabe aqui dizer reporta-se não só à execução do que aqui se encara, mas também ao que julgamos necessário fazer a seguir em futuro plano.
Como é natural, inicio as minhas considerações sobre o Mondego, problema fundamental para a minha região e elemento do maior relevo na economia do País, do qual já várias vezes me ocupei e que foi objecto de uma exaustiva apreciação por parte dos outros Srs. Deputados que intervieram no aviso prévio que, com o seu habitual brilho e profundo conhecimento dos problemas o Sr. Dr. Nunes Barata apresentou. A Câmara conhece perfeitamente este importante assunto, e por isso me dispenso de considerações justificativas.
Entendeu o Governo incluir neste Plano Intercalar o início da solução dos variados aspectos que ele envolve. Em nome dos povos que aqui represento e que serão directa ou indirectamente beneficiados pelas obras a realizar, aqui deixo o testemunho do nosso reconhecimento.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - Ali se afirma que se admite que o início de tais obras possa ainda verificar-se na vigência do Plano Intercalar, ficando, aliás, condicionado à aprovação definitiva do respectivo projecto e à obtenção dos meios financeiros adequados, nomeadamente através do crédito externo.
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Diz o projecto da proposta de lei que o aproveitamento hidroagrícola visa essencialmente à obtenção de uma agricultura técnica e económicamente eficiente, ao ordenamento hidráulico, ao combate à erosão, à arborização da respectiva bacia, à defesa contra as cheias, à rega, ao enxugo e à formação de duas albufeiras, às quais competirá não só o amortecimento das cheias, mas também o fornecimento de água para rega de 44 100 ha e a produção de energia.
No parecer subsidiário da secção de Lavoura da Câmara Corporativa, segundo as previsões da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, os vários índices económicos beneficiarão de maneira notável com a realização dessas obras e o valor da propriedade sofrerá forte elevação, quer pelo que respeita aos campos do Mondego, quer pelo que teca aos de Cantanhede e Vouga.
Afirma-se ali que a secção emite o voto de que
[...] o plano da bacia do Mondego possa vir a ser estruturado e financiado devidamente de forma a iniciar-se a sua execução o mais breve possível para uma maior valorização de tão importante zona, não só nos aspectos agrícolas como nos demográficos, e que tem estado sujeita às contingências mais diversas e a elevados prejuízos que urge quanto antes eliminar.
Nas conclusões emite-se também
[...] o voto de que sejam tomadas em consideração as sugestões e recomendações feitas no texto deste parecer subsidiário.
No parecer subsidiário da secção da indústria afirma-se a necessidade da entrada em serviço em 1969 de novos centros produtores além dos considerados nos estudos de planeamento tanto pela subcomissão de produção que funciona no Grémio das Indústrias de Electricidade como pelo subgrupo de electricidade, centros esses cuja construção seria necessário iniciar em 1965 e cujos prazos não deveriam exceder em muito os três anos. Pelo que respeita ao Mondego, estariam incluídos no primeiro grupo Asse-Dasse (três variantes), Girabolhos e Aguieira ou Caneiro-Dão. Entre aquelas que neste parecer se considera necessário começar a construir já em 1965 está Girabolhos, à qual será atribuído, para conclusão, um prazo de 42+3 meses.
E diz-se claramente que, se o Baixo Mondego não puder, por qualquer razão, ser incluído nas obras a realizar entre 1965 a 1967, "deverá considerar-se a hipótese de Girabolhos, que oferece inegável interesse". Devo, no entanto, acrescentar que o interesse de Girabolhos não se circunscreve à produção de energia, pois com ele se resolvia o problema do abastecimento de água de Mangual de, Viseu, Carregal do Sal, Nelas e outras povoações. E com Girabolhos poderia ser, simultaneamente, realizado o de Vila Soeiro, de tanta importância para a cidade da Guarda, quer pelo que respeita ao turismo, quer, principalmente, pelo que I oca ao abastecimento de água da cidade.
"O Baixo Mondego [...] poderá começar a construir-se em 1965 ou 1966, desde que a parcela do custo das obras a imputar à produção de energia eléctrica não exceda 300 000 contos, sendo o restante lançado às outras finalidades. Fixaremos o início das obras em 1966; o prazo de construção será de 48+3 meses (Aguieira) ou 54+3 meses (Caneiro-Dão)", diz ainda esse parecer.
Em face da insuficiência do programa previsto no Plano Intercalar para 1965-1967 para a satisfação do consumo de energia eléctrica no período subsequente a 1969, o parecer inclui no programa de investimentos com carácter prioritário o Baixo Mondego, à execução do qual atribui, para esse período, 130 000 contos dos 300 000 que custará o total da obra.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz, no excelente trabalho com que abriu os debates acerca deste Plano Intercalar, afirmou que
Quanto ao abastecimento de energia, somos deficitários e bastante vulneráveis; em 1963, a importação de produtos energéticos atingiu 1,6 milhões de contos e a tendência actual é a de acelerado e forte agravamento do peso das importações.
Em dez anos triplicou entre nós o consumo da electricidade, mas nem por isso a nossa capitação de consumo deixou de ser das mais baixas da Europa. Embora a electricidade tenha sido "o factor mais dinâmico da nossa economia", carecemos de "continuar a fazer um grande esforço de electrificação".
O consumo não está uniformemente distribuído pelo País, registando-se o consumo de cerca de 55 por cento de toda a electricidade do País nos distritos de Lisboa e Porto e só 10 por cento nos dez distritos da faixa interior e do extremo litoral norte e sul, que cobrem 66 por cento do território e alojam 35 por cento da população.
Estamos, portanto, pelo que respeita ao Mondego e sua bacia, ocupando uma zona incluída na de menor consumo do País. Pelo que nos diz respeito, o desequilíbrio atenuar-se-á aproveitando todo o potencial energético do Mondego. t
Corroborando o parecer subsidiário a que me referi, disse o ilustre Deputado, com toda a sua reconhecida autoridade nesta matéria, que
Se não arrancarem as obras de novas fontes produtoras, além das indicadas como prioritárias no projecto de Plano, poderemos ter restrições de electricidade já em 1969.
E disse também que "o Baixo Mondego" poderia arrancar em fins de 1965 ou, o mais tardar, em princípios de 1966, a fim de satisfazer "já no ano de 1970 os fins múltiplos regionais a que se destina".
Na sessão de ontem o ilustre Deputado Ulisses Cortês, com a particular autoridade que todos lhereconhecemos, apontou também a solução do Mondego como uma das nossas mais urgentes necessidades económicas. São, portanto, várias e igualmente respeitáveis as opiniões expendidas no sentido de se conceder prioridade às obras do Mondego.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Corroboro inteiramente este ponto de vista, na defesa de uma política de valorização de uma importantíssima região, que abrange não só o distrito de Coimbra, mas também os da Guarda, de Viseu e de Aveiro.
O Sr. André Navarro: - V. Ex.ª está a apontar a necessidade de se dar prioridade às obras de valorização económica da bacia hidrográfica do Mondego.
Julgo que essa afirmação tem excepcional interesse, sobretudo nesta Câmara política, e digo porquê: se há, de facto, cursos de água que possam representar base para se fazer um estudo completo de valorização económica, caminhando do litoral para o interior, abrangendo uma zona bem demarcada, o Mondego é, realmente, um dos rios que se encontram em particular posição.
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Podemos citar, além do Mondego, talvez o Vouga, mas poucos são os rios portugueses que podem ser trabalhados no seu conjunto económico, quer na produção de energia, quer na luta contra a erosão, na valorização industrial e turística. Podia fazer-se um plano de conjunto. De maneira que seria de real interesse, para vencer as assimetrias espaciais, que se tomasse o Mondego como ponto de partida para fazer um plano fundamental, a valorização total de uma bacia hidrográfica. Acontece por vezes que se fazem as albufeiras, mas não se trata de fazer a conservação do solo e a luta contra a erosão. Estamos assim na iminência de essas albufeiras serem anuladas, como tem acontecido em várias regiões de outros países. Digo, portanto, que, tomando como ponto de partida o Mondego, que tem no Centro do País uma situação económica dominante, seria reduzida à verdadeira grandeza a obra equivalente, por exemplo, ao que fizeram os Americanos no vale do Tenessi.
O Orador: - Agradeço as declarações que V. Ex.ª acaba de prestar e que são de excepcional valor.
Suponho que a Câmara reforçará, com a aprovação desta orientação, a posição já assumida aquando da discussão do aviso prévio sobre o Mondego.
A Câmara sabe que sempre defendemos o aproveitamento de todas as potencialidades económicas do Mondego. Para além do ponto de vista hidroagrícola, do da produção de energia, do do abastecimento de água das populações, há ainda outros aspectos a considerar. Na mesma orientação nos conservamos hoje ao apreciar a proposta governamental.
A moção que, com outros Srs. Deputados, tive a honra de subscrever e que foi apresentada à Assembleia Nacional pelo Sr. Deputado Nunes Barata na sessão de 11 de Janeiro de 1963 e que a Câmara aprovou por unanimidade afirma que o aproveitamento integral do Mondego se mostra um elemento de alto valor nas tarefas de planeamento e "exprime o desejo de que o Governo providencie de modo que este aproveitamento, incluindo a maior valorização do porto da Figueira da Foz, se inicie desde já e seja amplamente considerado no III Plano de Fomento".
Como, em vez desse III Plano, tivemos este Plano Intercalar, compreende-se que aquele voto lhe corresponda inteiramente, porque o que significa é o desejo do imediato início das respectivas obras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dentro de uma atitude lógica, não tenho mais que recordar o que já aqui foi votado e pedir ao Governo que atenda esta vontade expressa da Assembleia Nacional, promovendo que as obras respeitantes ao aproveitamento integral, isto é, de todas as "potencialidades económicas" do Mondego, se iniciem na vigência do Plano Intercalar de Fomento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sei se devem começar pelo Baixo Mondego, se pela parte alta da região - isso dependerá do avanço que tiverem os estudos dos projectos, da sua mais fácil execução e de razões de ordem económica ou financeira. O Governo resolverá como mais convier à Nação. O que interessa é que as obras comecem, para que o Mondego possa ser, quanto antes, uma fonte de energia barata que venha opor-se à nossa situação deficitária; que a regularização do regime das cheias, a detenção dos caudais sólidos, o combate à erosão, etc., tragam modificação substancial à agricultura da região; que ele seja instrumento valioso de desenvolvimento industrial de toda a sua bacia; seja instrumento de correcção demográfica e motor de uma nova economia da zona central do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O nosso conceito do aproveitamento do Mondego não se ajusta, ao que parece, ao da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, nem ao da dos Serviços Agrícolas. Aqui afirmamos o nosso maior respeito pelos ilustres directores-gerais e por muitos dos seus técnicos. Mas o problema é, em primeiro lugar, um problema político e só subsidiariamente é um problema técnico. A Câmara usa de um direito e cumpre um dever analisando todos os seus aspectos, e para isso não tem de pedir licença a ninguém. Embora isso possa custar a certos técnicos, que, infelizmente, não podem compreender o alcance de certos problemas nem conter-se nos limites da sua função, eu entendo que a discussão que aqui se estabeleceu aquando do aviso prévio contribuiu valiosamente para o esclarecimento deste importantíssimo assunto e até talvez tenha originado estudos complementares, mesmo no aspecto técnico, que até aí não tinham sido considerados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A propósito das várias barragens previstas no Mondego, permiti-me referir aqui, aquando do aviso prévio, algumas apreensões de ordem política e económica sobre a barragem prevista para a Aguieira. Sei que, depois disso, o local foi visitado por engenheiros do Laboratório Nacional de Engenharia Civil e por geólogos; mas não sei a que resultado chegaram nem posso afirmar que o Laboratório tenha concluído já os seus estudos. Nestas condições, mantenho a mesma atitude de então e atrevo-me a chamar a atenção do Governo para o que nesta Assembleia foi afirmado nessa ocasião.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Queremos que as barragens a fazer o sejam com a maior segurança, mas com a maior economia possível; que não criem problemas políticos facilmente evitáveis e que atendam os fins múltiplos do aproveitamento do rio. Nas resoluções definitivas não pode haver precipitações; não podem deixar de ter-se em consideração as opiniões dos especialistas respectivos e nem podem deixar de considerar-se, acima de tudo, os verdadeiros interesses da Nação.
Prestamos, mais uma vez, a nossa homenagem às altas qualidades de inteligência, de aprumo moral e de grande sensibilidade política do ilustre Ministro Arantes e Oliveira e estamos seguros de que, quando decidir a tal respeito, o há-de fazer julgando todos os elementos em causa, quaisquer que tenham sido as opiniões técnicas oficiais já emitidas ou votações realizadas e o ambiente em que foram produzidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que respeita à saúde pública, declaro que estou inteiramente de acordo com a inclusão deste sector num plano de desenvolvimento económico. A política de desenvolvimento económico há-de ter o homem como elemento fundamental, já que é para satisfação das necessidades humanas que ela se oriente.
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O homem é o mais valioso elemento e o mais seguro esteio da defesa da Pátria. O progresso desta há-de ser condicionado à saúde dia .gorei, à conquista das melhores condições para. o triunfo sobre a doença, a fome, a miséria e as várias conduções de degradação humana. Quanto mais ricas- forem essas conquistas menor será "a perda de vidas e maior o rendimento do trabalho humano. O dinheiro investido para tal fiou é capital que tem (assegurado tanto ou maior rendimento do que aquele que é ia placado na exploração e desenvolvimento dos nossos recursos naturais - nas (barragens, na regularização dos rios, na produção de energia, na indústria, etc. Ò nosso primeiro problema é o humano - o d"a promoção da saúde, o da protecção da vida, o da educação ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... isto é, o de dotar o homem das melhores condições biológicas, espirituais e éticas, que lhe permitam concorrer, da maneira miais eficaz, para o aumento da riqueza nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como muito bem se diz na proposta, não nos queremos confinar ao estímulo do crescimento do produto nacional; há que criar novos elementos, medidas específicas respeitantes à repartição dos resultados desse desenvolvimento. Daí a inclusão da "Habitação" e dia "Saúde" neste Plano Intercalar.
Merece ser destacada a concepção humana do desenvolvimento, afirmada no texto do Plano, "segundo a qual a expansão do produto nacional deve procurar traduzir-se em níveis de satisfação, colectiva cada vez mais altos e difundir-se por camadas sucessivamente mais amplas da população". E também esta afirmação: "No termo de dois planos de fomento, de índole vincadamente económica e estratégia acentuadamente sectorial, considerou-se conveniente que os planos seguintes encarem a promoção global e coerente da comunidade nacional no seu todo". Desta preocupação de conseguir com este Plano uma certa correcção de certos desajustamentos existentes e até agravados pelos anteriores ressalta uma tentativa de obtenção de uma evolução harmónica da comunidade nacional, com a aplicação de medidas específicas de política social em que são englobadas, entre outras, a instrução, a habitação, os melhoramentos rurais, o desenvolvimento comunitário o a saúde pública.
E uma política merecedora de aplauso esta da valorização do homem no ponto de vista cultural, social e a psicológico. Como muito bem se diz no parecer da Câmara Corporativa, uma política de desenvolvimento económico e social há-de prover a que todos os homens possam encontrar na organização social a entre ajuda indispensável que lhes permita dar aos frutos da criação o uso a que Deus os destinou.
Com toda a autoridade afirmou Alexis Carrel que a grandeza de um país se não deve aferir pelo número e volume das suas fábricas e oficinas, nem mesmo pelas suas escolas, mas pelo valor fisiológico e espiritual dos seus habitantes.
As medidas de política social anunciadas e integradas no progresso económico envolvem um programa de governo que merece os mais rasgados aplausos. Elas visam, quer directa, quer indirectamente, os problemas da saúde da população.
A saúde não é só o principal capital humano, fonte de todas as riquezas, mas a própria base do poder das nações (Trigo de Negreiros).
Esta razão me leva a felicitar o actual Ministro da Saúde e Assistência por ter feito incluir este sector da saúde nacional neste Plano Intercalar. Isto marca um rumo; e mais por isso do que pelo volume das verbas investidas e do alcance das medidas encaradas, lhe dirijo as minhas felicitações. Essa atitude faz-me nascer a esperança de ver, dentro em breve, no nosso país, as bases de um amplo e verdadeiro plano de política de saúde, abrangendo todos os nossos sectores deficitários do Ministério da Saúde, orientado pelas luzes da ciência e d>a técnica modernas, incluindo profunda reforma na sua estrutura e substancial modificação nos métodos de trabalho. Esse Plano não há-de limitar-se a este Ministério, mas há-de abranger também sectores de outros Ministérios que dispõem de serviços de saúde mais ou menos estanques, na metrópole e no ultramar.
Ele não há-de deixar de considerar a reforma do ensino médico, que tão carecido está de uma orientação moderna, onde a medicina preventiva, a medicina social, a medicina do trabalho e os verdadeiros problemas médico-sanitários do País sejam devidamente considerados. Em coordenação com tudo isto, hão-de acelerar-se os trabalhos do Ministério das Obras Públicas respeitantes ao fornecimento de água potável, ao saneamento, à habitação, à luz, à estrada, de tantos aglomerados populacionais rurais, que o mesmo é dizer criar neles o indispensável ambiente de salubridade e abrir-lhes as vias de fácil acesso dos socorros médicos.
O que se tem escrito e dito acerca do nosso estado sanitário permite-nos concluir que de toda a parte se reclama um amplo e bem estruturado plano de saúde pública.
Há-de haver coragem para empreender esse trabalho, verdadeiramente revolucionário, mas indispensável, para mudar afeição de muitos dos nossos males que pertinazmente vão corroendo a sanidade nacional. Esse plano há-de ser vazado em moldes modernos, mas há-de ser equilibrado; há-de ter em consideração a nossa real e desoladora conjuntura económico-sanitária, mas sem esquecer a nossa capacidade económica e técnica; há-de marcar com largueza os objectivos a atingir com a indispensável celeridade, mas há-de escolher e definir os meios práticos de os alcançar.
Os resultados do sistema que temos seguido estão bem patentes aos olhos de todos. O atraso em que estamos em matéria de saúde pública em relação aos outros países da Europa, a morosidade confrangedora com que vamos melhorando as nossas estatísticas, os problemas cruciantes da nossa organização hospitalar e outros que não deixaram de ser honestamente examinados, quer na proposta do Governo, quer no parecer subsidiário da saúde, quer no parecer da Câmara Corporativa, são consequência da nossa orgânica e dos nossos métodos de trabalho. Suponho, por isso, que ninguém nesta Câmara política deixará de aceitar e até de aprovar que essa profunda transformação se opere quanto antes numa e noutros.
Os progressos já realizados, no País no sector da instrução, da segurança social, do desafogo económico da maioria da população e da melhoria do seu nível de vida são conquistas que nos dão a garantia do êxito de um vasto e bem estruturado plano nacional de saúde. É uma verdade incontestada aquela que, ainda há bem pouco, proclamava um experimentado e eminente técnico da saúde pública - "a eficiência dos planos de saúde pública exige, como ambiência obrigatória, um mínimo de desafogo económico e de nível de vida das populações".
Conquistados eles, como de facto estão, há que lançar os fundamentos da transformação radical do actual estado de coisas, pondo ao serviço de toda a população os meios indispensáveis não só para prevenir e curar a doença,
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mas também para promover a aquisição de um estado de completa saúde, física e mental, que dê a cada um a posse plena das suas capacidades realizadoras.
Ninguém, honestamente, pode hoje negar a igualdade de direitos de todos os humanos à prevenção da doença, à promoção e defesa da sua saúde. É, desde há muitos anos, universalmente considerado um dever do Estado o assegurar os serviços que permitam a fruição daquele direito. Sabemos que essa igualdade, amplamente proclamada, nem sempre, porém, tem podido ser desfrutada com a necessária e indispensável extensão.
Pelo que respeita à medicina curativa e recuperadora, de responsabilidade privada, também o Estado deve criar as condições necessárias para que os indivíduos possam reconquistar a saúde perdida, curar as suas enfermidades ou conseguir o máximo de recuperação ou reabilitação.
Com extraordinária objectividade se apontou no projecto do Governo e no parecer da Câmara Corporativa a dispersão dos serviços de saúde por nada menos que seis Ministérios, sem falar nos do Exército e Marinha e na Secretaria de Estado da Aeronáutica.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Proença Duarte: - Também no próprio Ministério da Saúde e Assistência o problema da vida hospitalar está disperso por várias direcções-gerais, que dificilmente se acordam para resolver os problemas fundamentais da vida hospitalar, designadamente os problemas dos hospitais regionais.
O Orador: - Concordo inteiramente com V. Ex.ª
Do parecer da Câmara, saliento que, ao apresentar este Plano, "perdeu-se a oportunidade de ensaiar uma visão crítica sobre o conjunto dos departamentos, pessoal e meios materiais disponíveis para a política da saúde, ao menos no que respeita ao sector público. Mas acredita-se que o prazo entretanto decorrido habilite o Governo a considerar já essa visão panorâmica geral no texto definitivo do Plano".
Reclama o parecer "um inventário do armamento sanitário disponível, a medida (mesmo grosseira) do seu grau de eficiência e o delineamento de uma política verdadeiramente geral, em que decerto caberá ao Ministério da Saúde apenas uma posição orientadora cimeira no que respeita aos serviços de execução pertencentes a outros Ministérios - tudo isto é o que se está a requerer com premência e que o Plano poderá fazer".
Aplaudo esta maneira de ver, mas penso que, dentro deste período, o Ministério pouco mais poderá fazer, além do que se propõe no projecto, do que fazer o inventário médico-sanitário disponível e elaborar o tal plano a que me referi.
A Nação tem consciência da necessidade de uma reforma que marque novos rumos à sanidade nacional - e, como se diz no parecer, está-se a requerê-la com premência. Ela sabe que dispomos da ciência e da técnica para a realizar e deseja ardentemente que sejam mobilizados os meios para a executar com a necessária amplitude. Desde há muitos anos que no nosso país sempre que se estruturaram planos de vultosas realizações se encontraram os meios para os executar. E este problema da saúde pública nem pela sua delicadeza nem pelo volume dos meios financeiros de que carece se antolha impraticável.
É uma grande verdade a de que está a requerer-se com premência, como diz a Câmara Corporativa. Esta é, de facto, uma grande verdade, particularmente pelo que toca ao pessoal. Neste aspecto, o problema agrava-se dia a dia, pelo que respeita a médicos e a enfermeiras. À medida que aumenta a nossa população e que as províncias ultramarinas reclamam cada vez mais pessoal sanitário, baixa a frequência das nossas Faculdades de Medicina. Os concursos abertos na província ficam desertos e não só na província, mas mesmo nas cidades. E até nos hospitais centrais de Lisboa, Porto e Coimbra já não há médicos para preencher vagas existentes. Gente responsável, de entre a qual professores e médicos ilustres, proclamava, com uma errada visão das nossas realidades e necessidades, os perigos de uma pletora médica! Foram precisos muito poucos anos para demonstrar as calamitosas consequências dessa errada visão. Há já vários anos que, por varias formas, a Ordem dos Médicos tomou posição contra esta errada visão e chamou a atenção dos Poderes Públicos para as graves consequências que daí resultam.
A falta de garantias profissionais, a carência de carreiras médicas, em que se ascenda por mérito próprio, por provas prestadas, e não por antiguidade ou escolha, a escassa, para não dizer nula, atracção para a especialização, a deficiente remuneração do trabalho médico, a existência de outros cursos mais aliciantes, tudo isso tem concorrido para a falta de médicos que cada vez mais se acentua.
E o mesmo direi a respeito das enfermeiras.
E de facto premente este problema, e é preciso contar que, mesmo que desde já se tomem as necessárias medidas, é necessário contar com um período de oito a dez anos para que possamos começar a ver os seus resultados.
O Governo conhece, aliás, o problema, já que o Sr. Ministro da Saúde, em discurso recente, afirmou, não se referindo embora senão à falta de médicos para os hospitais, que "não nos seria possível, mesmo que o desejássemos, dispor a prazo razoável dos médicos e do pessoal paramédico indispensável para pôr a funcionar convenientemente as centenas de hospitais do País".
Aquando da reforma da previdência, do Estatuto da Saúde e da Lei da Saúde Mental, esta Câmara definiu a posição em alguns aspectos da saúde pública, aprovando bases tendentes a garantir a melhoria do nosso actual estado de coisas.
A estrutura do jovem Ministério, que está a ponto de se ultimar, pode ser decisiva para nós. Tanto nos pode trazer aberturas e facilidades que nos proporcionem a possibilidade de uma moderna equação de muitos aspectos do nosso problema sanitário, como nos pode criar dificuldades e embaraços burocráticos que comprometam ainda mais o precário estado da sanidade nacional.
Não oculta a Câmara o receio que tenho de que as actividades preventivas da medicina não tenham na nova orgânica, a representação que devem ter e que os órgãos a quem venha a caber executá-la não disponham da necessária iniciativa c da indispensável liberdade de acção.
Em todos os países a maneira como são planeadas as medidas de medicina preventiva e as de medicina curativa - as duas modalidades de uma mesma medicina - e como umas e outras se tornam acessíveis à população constitui hoje característica fundamental dos serviços de saúde pública. A medicina preventiva, tendo por objectivo imediato a prevenção activa da doença e das incapacidades e a preservação da saúde normal dos indivíduos, deve
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figurar na nova orgânica, por força das mossas necessidades e também das nossas limitadas possibilidades e por imperativo das modernas características dos -serviços de saúde, como elemento preponderante do sistema. Os meios financeiros de que carece são menos vultosos que os da medicina curativa e, além disso, quanto mais investirmos na primeira menos teremos de gastar em hospitais e centros de reabilitação.
A extensão e o aperfeiçoamento funcional dessa medicina preventiva tem "como objectivo final, embora longínquo, a redução substancial dos meios terapêuticos e reeducativos, forçosamente caros. Os hospitais são serviços complementares que só se compreendem para suprir as deficiências da medicina preventiva.
No projecto de lei de estatuto da saúde foi dada preferência às actividades preventivas e às recuperadoras sobre as meramente curativas e, na base II da lei respectiva, a Assembleia Nacional votou expressamente que "na organização e prestação dos serviços de saúde e assistência conceder-se-á preferência à acção preventiva".
A medicina preventiva visa particularmente a saúde e tem por medida de aplicação o grupo (família), enquanto a curativa visa a pessoa e tem por medida de aplicação o homem.
A medicina preventiva é uma técnica da maior actualidade, permitindo-nos que vivamos não só a possibilidade de evitar a difusão das doenças, mas até a de fazer a sua erradicação.
Seria grave erro orientar as coisas de tal modo que & medicina preventiva e as instituições que a hão-de promover ficassem tolhidas pela orgânica e pelas prementes preocupações de qualquer direcção-geral que tivesse de haver-se com os delicados problemas da medicina curativa.
Todos sabemos como estes são, actualmente, delicados e graves e como, durante muitos anos, se hão-de manter essas características, já que o nosso plano de construções hospitalares parece ter andado completamente divorciado do fundamental na vida de um hospital, do mais importante, do que, em tais instituições, respeita à recuperação da saúde dos assistidos, da organização dos quadros do seu pessoal, daquele que havia de assegurar o funcionamento ao mesmo, de montar a sua vida, e de cujo divórcio resultou, em grande parte, o precário rendimento de tantos deles; já porque a solução do problema do seu funcionamento se não antolha fácil nem rápido; já porque ao Estado não pertence senão uma escassíssima parte dos hospitais onde a Direcção-Geral pode ter livre ingerência, e porque o grosso dessas instituições está afecto às Misericórdias, onde os Srs. Provedores e os (Srs. Mesários, infelizmente, nem sempre são facilmente permeáveis à acção efectiva que a Direcção-Geral poderia procurar ter na orientação, coordenação e fiscalização das suas actividades.
O actual Ministro, em discurso recente, analisou, com louvável coragem e admirável clareza, a situação delicadíssima dos nossos hospitais.
Ficou ali lapidarmente sintetizado o que muitos sabem e que consta de relatórios, de inquéritos e de artigos e queixas dos jornais - o sudário da nossa situação hospitalar.
Essas tristes realidades hão-de ser por "largos e dilatados anos" o quebra-cabeças da respectiva Direcção-Geral.
Elas hão-de dominar constantemente os seus responsáveis, por maior que seja a categoria do seu chefe, por mais numerosos que sejam os "técnicos" que ali trabalhem e por mais variados que sejam os gabinetes de estudo de que ela disponha. Por tudo o que se disse e por muito do que se não disse e, sobretudo, pela própria orgânica de uma direcção-geral e pela maneira como tem de conduzir os seus actos administrativos, é fácil ver que se os actuais institutos, em boa hora criados e a cargo de quem estão sectores definidos da medicina preventiva, fossem incluídos ou ficassem incrustados numa direcção-geral que tivesse a seu cargo os vastíssimos e delicadíssimos problemas da assistência hospitalar, agravariam substancialmente o labor desta e, a breve trecho, e naturalmente, os problemas de medicina preventiva seriam retardados na sua realização e minimizados no seu valor, com real prejuízo da Nação.
Se assim acontecesse, veríamos dentro em pouco anulado um notável trabalho já realizado e manietados, ancilosados, reduzidos na sua capacidade, na sua mobilidade e na rapidez da sua acção aqueles institutos, já que a direcção-geral terá a natural tendência para atribuir o primado das suas preocupações à medicina curativa, considerando os hospitais essenciais e básicos, quando são complementares do sistema.
Gomo ainda há dias disse um técnico responsável, figura marcante do quadro dos funcionários de saúde pública, "nas condições em que funcionam, os hospitais absorverão tudo o que lhes derem sem satisfazerem de forma normal as necessidades de conjunto".
E o relatório do ilustre provedor da Santa Casa da Misericórdia de Évora, recentemente publicado, examinando com notável clareza as reais dificuldades presentes, o agravamento progressivo das suas dívidas, a insuficiência técnica "para recolha de elementos de diagnóstico e tratamento" dos doentes que lhe são enviados dos hospitais sub-regionais e que é obrigado a enviar para os Hospitais Civis de Lisboa, é o espelho do quadro que domina muitos outros. Entre todos os factos ali registados, um me preocupa seriamente: o preço da consulta externa ultrapassa em muito o custo da diária de internamento! Ou a consulta externa é de uma grande liberalidade nos meios de diagnóstico e de terapêutica ou, então, são excessivamente restringidos nos internados esses elementos e a respectiva subsistência.
Com hospitais com tais dificuldades de meios e de condições técnicas e com as restrições normais do seu funcionamento, o que há-de fazer a respectiva Direcção-Geral, durante muitos anos, senão viver intensa, constante e exclusivamente estes problemas?
O sistema hospitalar não funciona bem e para que ele possa vir a funcionar bem, isto é, em que "tudo se deverá passar como se todos eles (os hospitais) constituíssem um único hospital, cujos elementos integrantes se encontrassem colocados em pontos determinados do território" - para me servir dos termos da própria proposta governamental -, há que esperar muitos anos, reformar muitas coisas e não distrair a Direcção-Geral respectiva destes importantíssimos problemas.
Foi exactamente para libertar a medicina preventiva de certas peias burocráticas, para lhe dar possibilidades de rapidez de execução, para permitir que ela fosse rapidamente até à periferia, que foram criados os institutos. Toda a orgânica que viesse a comprometer-lhes estas características havia de redundar em sério e grave prejuízo para a medicina preventiva. Como disse o Ministro Martins de Carvalho, no relatório do projecto de estatuto da saúde e assistência, eles "correspondem a grandes problemas sanitários, com autonomia suficiente e exigindo técnica própria e cuidada de direcção - é o caso da mortalidade infantil, da luta contra a tuberculose e da saúde mental".
Na luta antituberculosa, o rastreio tuberculínico e radio-fotográfico, as brigadas de vacinação, os dispensários e os tuberculostáticos valem muito mais do que os sanatórios, que só existirão enquanto houver insuficiência dos outros elementos.
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Já aqui defendi a ideia de uma política de erradicação da tuberculose e fundamentei as razões que nos assistiam à luz das ideias expostas e das decisões tomadas na Conferência de Toronto. Hoje mais do que então, tenho razões para sustentar essa proposta. Ponto é que o instituto possa continuar a dispor dos mesmos meios e da mesma liberdade de acção.
A erradicação da malária - de que justamente nos orgulhamos - foi possível porque os respectivos serviços funcionaram quase como serviços autónomos, à semelhança dos institutos.
O Instituto Maternal tem dado as provas da sua capacidade, além do mais, na excelente campanha de assistência materno-infantil que tem executado na Madeira e nos Açores, que recolheu, além de outras, a aprovação do Dr. Mettrop, técnico da O. M. S. para os assuntos materno-infantis. A campanha de vacinação profiláctica anti-poliomielítica ali em curso é outra demonstração da sua capacidade.
As provas já dadas pelo actual Ministro da Saúde e Assistência dão-me ânimo para pensar que a estrutura que, ao fim e ao cabo, depois de tantos relatórios e anteprojectos e de tantas reuniões, vai ser dada ao seu Ministério, há-de ser marca de uma nova era na história da nossa sanidade nacional.
O corpo médico nacional, através da sua organização corporativa, com perfeita consciência de que a medicina portuguesa está desfasada em relação à da Europa e da América, não se poupou a esforços para realizar uma análise serena da nossa situação e para apresentar um corpo de doutrina e um conjunto de medidas que poderiam trazer a solução de muitos aspectos deste nosso delicado problema. O conselho geral da Ordem teve a honra de ser recebido pelo Sr. Presidente do Conselho, a quem entregou um pormenorizado relatório sobre o trabalho médico e com quem, mercê da generosa aquiescência de S. Ex.ª, durante longo período de tempo trocou impressões sobre vários aspectos da vida médica nacional e sobre alguns problemas sanitários nacionais.
Como é já tradicional, o assunto que ali nos levara teve despacho imediato, que permitiu o começo de trabalho de uma comissão em que a Ordem teve audiência.
Por outro lado, comissões das três secções regionais da Ordem elaboraram relatórios parcelares, que, depois de discutidos e aprovados em assembleia geral, constituíram o relatório das carreiras médicas. Esse relatório já foi considerado por um ilustre Ministro da Saúde elemento do maior interesse para a resolução dos problemas sanitários nacionais e, pelo que se lhe seguiu, como "trabalho nota-bilíssimo". No parecer que estamos analisando a Câmara Corporativa várias vezes se refere a esse relatório, considerando-o como "um documento extremamente autorizado" e "ao qual, como é óbvio, a Câmara Corporativa não pode ficar alheia", e eu direi que nem a Câmara Corporativa, nem a Assembleia Nacional, nem o Ministério da Saúde, o podem fazer quando se trate de planificar o problema sanitário português para o conduzir por novos e frutuosos rumos.
Com notável isenção e preocupação construtiva se escreveu nesse relatório:
Tivemos sempre esta ideia em vista: aproveitar o que existe, onde há muito de bom e de útil, mas mal aproveitado; introduzir as alterações que o bom senso e a experiência preceituam; orientar a acção para pontos concretos; definir um programa ordenado que seja exequível com os recursos nacionais. Não destruir nada antes de ter a certeza de que pode substituir-se com vantagem.
O Ministro Martins de Carvalho incluiu no seu projecto do Estatuto da Saúde e Assistência uma parte do que ali se contém: a criação das carreiras médicas que a Ordem defende e que o IV Congresso das Misericórdias já havia aprovado. Por sua vez, a Assembleia Nacional criou, na base XXV do estatuto, o estabelecimento das carreiras de saúde pública e hospitalar para os médicos e outras para o pessoal farmacêutico, auxiliar de medicina, de serviço social, de enfermagem "e administrativo de hospitais e outros estabelecimentos de saúde e assistência.
Com a estruturação dessas carreiras poderá resolver-se ou atenuar-se a maior parte das dificuldades que tem havido para garantir bom rendimento e eficiência dos serviços hospitalares, a assistência às populações rurais e muitos outros que derivam do baixo nível dos nossos serviços sanitários.
A Ordem dos Médicos entende - e muito bem - que a aplicação do plano que propôs obedece a uma condição - a de se respeitar a medida de concepção, de direcção e de execução da política sanitária nacional.
Com a preocupação de garantir a maior unidade possível ao comando dos assuntos da saúde, criou esta Câmara, aquando da reforma da previdência, o Conselho Social, presidido pelo Presidente do Conselho, a fim de coordenar os objectivos e realizações da previdência com os restantes sectores da política social, designadamente os da saúde e assistência.
Pelo que respeita às carreiras, diz-se no preâmbulo do projecto do Estatuto da Saúde e Assistência: "trata-se de um problema de inegável actualidade [...] Vai ser difícil estruturá-las e nem é de admitir que o possam ser de um momento para o outro. Mas grandes serão as vantagens decorrentes do seu estabelecimento e espera-se que bastantes dos obstáculos que suscitam possam ser (resolvidos graças à colaboração dos interessados, através da Ordem respectiva."
Nós estamos convencidos de que quanto mais tarde se puserem a funcionar as "carreiras" mais se agrava a nossa situação médico-sanitária, particularmente a hospitalar.
O objectivo fundamental dos hospitais é assistir convenientemente aos doentes. Para isso, mais do que a casa, o edifício, a construção, conta o pessoal. Ora, não constitui a mais ligeira dúvida para ninguém que sem médicos e sem pessoal auxiliar não podem funcionar os hospitais.
E também não é novidade para ninguém que há edifícios construídos para hospitais que ainda não foram abertos por falta de médicos, e há-os mesmo, bonitos e grandiosos, que não se atina com a forma de os pôr a funcionar como tais - já se pensa em lhes dar outro destino.
E quantos são os que, mesmo entre os regionais, não podem funcionar como devem? Quantos não podem aproveitar o material que lhes foi fornecido?
Porque não há-de o Governo rever conveniente e urgentemente todos esses "problemas, evitar que se continue na orientação inicial, promover as indispensáveis medidas para sustar o agravamento progressivo da nossa situação?
A Ordem está de tal modo interessada em prestar essa colaboração a que se -referiu o Ministro Martins de Carvalho que aprovou, em assembleia geral, a constituição de uma comissão de carácter permanente encarregada de colaborar com os elementos oficiais que receberam o encargo de fazer o regulamento cias carreiras e de o pôr em execução.
Há três anos que esta comissão aguarda a sua convocação por parte do Ministério da Saúde e Assistência. Esperamos que, logo após a aprovação do regulamento da lei que criou o Estatuto da Saúde e Assistência, se dê início
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a esse indispensável trabalho de conjunto, já que o actual Ministro ainda recentemente afirmou que o problema das carreiras médicas é "daqueles que se situam tia primeira linha das preocupações do Ministério".
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-mo licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Proença Duarte: - Talvez as observações que V. Ex.ª faz de que os provedores nem sempre são permeáveis à orientação da Direcção-Geral também possam ser vistas ao invés. Quer dizer: a Direcção-Geral por vezes não se apercebe com o cuidado devido das aspirações e necessidades dos hospitais de província - regionais e sub-regionais - que os provedores das Misericórdia? vivem intensamente para lhes dar solução, e que absorvem o total da sua actividade e esforço, que nem sempre é compreendido pelas instâncias superiores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu disse alguns, portanto não são todos.
Concretamente, pelo que respeita aos objectivos o aos investimentos das rubricas encaradas neste Plano, devo declarar:
a) Saúde pública:
Aprovo inteiramente os objectivos consignados nos três números que dela constam, salientando particularmente a necessidade de fazer uma concentração do nosso esforço no sentido de conseguirmos e erradicação de urnas tantas doenças que podem e devem deixar de existir entre nós.
Não devemos sobrevalorizar conquistas realizadas nem rios devemos deixar adormecer sobre elas.
A varíola, por exemplo, cuja erradicação é nosso justo título de orgulho, pode voltar se descurarmos a imunização específica. O seu vírus pode ser transportado de grandes distâncias, graças ao tipo de viagens hoje existentes. A última grave epidemiada França, ainda há poucos anos, veio de Saigão, nas crostas que infectavam uns pijamas de seda que eram presente de Natal para os filhos de um grumete da armada que ele vinha visitar.
O paludismo pode de novo assentar arraiais entre nós. importado, de outros continentes. A nossa tropa de África, a despeito dos cuidados da nossa medicina castrense, pode constituir no continente novo reservatório de plasmódios que o Ano foles dissemina.
Campanhas de vacinação bem conduzidas podem fazer eliminar a difteria, a tosse convulsa e a paralisia infantil. O tétano pode passar a constituir um raríssimo acidente, em vez de pesar, como realmente posa, na nossa estatística sanitária.
b) Protecção materno-infantil:
Já por mais de uma vez me tenho referido nesta Câmara o noutros locais à grave situação sanitária, demográfica e política que é expressa ou que nos é criada pelas altas taxas de mortalidade infantil. Aproveito o ensejo para agradecer ao ilustre relator do parecer não só a sua notável contribuição para a definição da orientação a seguir, mas também a generosa citação referindo a doutrina que -tenho expendido com o mesmo objectivo.
A nossa posição em face dos números absolutos c das taxas c um relação aos demais países justificava amplamente que neste, capítulo se adoptassem medidas mais vultosas para se conseguir uma profunda modificação no nosso estado do coisas.
E não são só os que morrem, são também aqueles que a doença ou as condições de Tida marcam de forma indelével. Razão tem o actual Ministro da Saúde quando diz que ainda há crianças que crescem e vivem em condições de meio que as inutilizam quase à nascença, mas que podem ser elementos úteis quando devidamente amparadas. A representação desta rubrica neste Plano contrasta flagrantemente com as demais, como se este problema médico-social não fosse hoje a mais importante chaga médico-sanitária nacional. O que já se conseguiu, o facto de se ter partido de muito longe, a ainda elevada taxa de natalidade, a maneira como elaboramos a estatística, etc., não podem atenuar as negras cores do quadro. Estamos ainda muito longe dos 30 por mil do chamado "nível de civilização".
Tal como se afirma no parecer, a proposta não é suficientemente clara sobre a maneira como se vai pretender atingir os objectivos do Plano, quantos os dispensários a instalar, locais, etc.
O Instituto Maternal dispõe de técnicos com consciência bastante e entusiasmo suficiente para levar a bom termo uma campanha de assistência materno-infantil, envolvendo o combate à mortalidade infantil, a defesa da saúde das crianças e a promoção da sua saúde. Ponto é que disponha das indispensáveis verbas. O que tem feito em muitas regiões e o que está fazendo nos Açores e Madeira constituem ciumentos bastantes para lhes garantir o indispensável crédito da Nação.
Temos fundadas esperanças de que o ilustre Ministro da Saúde, em matéria de financiamento, possa celebrar acordo com a previdência social ou conseguir outros meios que permitam abrir novas perspectivas à protecção materno-infantil. O financiamento da obra a realizar, confiado sómente ao Fundo de Socorro Social e às exíguas dotações do Orçamento Geral do Estado, não nos permitirá avançar substancialmente neste campo.
Porque as necessidades deste sector são de grande vulto, não compreendo que se fale de "contrapartida em redução de dotações" que já se encara para a hipótese do acordo com a previdência.
c) Tuberculose:
Aprovo os objectivos consignados nos quatro números que a rubrica contém.
Em matéria de investimentos, permito-me chamar a atenção para um sector que reclama clamorosamente II prioridade - é o da substituição de material da radiofoto, o de transporte das. unidades móveis e o de transporte das brigadas. O que existe está velho, estafado, ultrapassou de há muito o limite de duração e, assim, reclama constantes reparações, torna muito cara a assistência, perturba o bom andamento dos serviços e compromete seriamente as campanhas de medicina preventiva na luta contra a tuberculose.
Já por mais de uma vez na apreciação das leis de meios e das contas públicas, me referi a este problema, que se agrava de ano para ano. Por isso mesmo não compreendo porque é que nos investimentos previstos se não consideraram as verbas indispensáveis à resolução desta delicada situação, justificadamente prioritária e que ameaça a suspensão, quase total, a breve trecho, da actividade do sector.
A realização da campanha-piloto intensiva da luta antituberculosa do distrito de Leiria, com a colaboração d1" Fundação Gulbenkian, que é referida no relatório, já está em plena execução.
Consideramos o ensaio em curso do maior interesse para o apuramento das técnicas menos dispendiosas e mais rendosas para promover a erradicação da tuberculose.
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Ele é como que uma nova fase de uma experiência realizada na Guiné Portuguesa por técnicos portugueses, com o substancial auxílio da Fundação Calouste Gulbenkian e sob o patrocínio do comandante Peixoto Correia, então governador-geral e hoje ilustre Ministro do Ultramar. Os métodos aplicados na Guiné foram expostos na 17.ª Conferência Internacional de Roma e o interesse foi tal que o seu autor teve de deslocar-se ao Brasil como convidado especial do respectivo Ministério da Saúde para, no 12.º Congresso Nacional Brasileiro da Tuberculose, há um ano, expor os resultados colhidos.
O trabalho foi distinguido com a sua publicação no Boletim da Organização Mundial de Saúde.
A experiência do distrito de Leiria é um trabalho do mesmo género, de cujos resultados muito há a esperar.
Não é de estranhar que venha a tentar-se diminuir-lhe o alcance e o interesse, já que se trata de uma tentativa exclusivamente devida a portugueses e executada pelo respectivo Instituto coordenador.
O que devo dizer é que considero o ensaio uma das nossas mais importantes realizações no campo sanitário. Para o realizar há que contar com pessoal especialmente treinado, extremamente dedicado, liberto de peias e vícios burocráticos, capaz de aguentar muitas horas de trabalho em certos dias e capaz também de lhe consagrar com entusiasmo os domingos e os feriados.
E é preciso também que o corpo médico do distrito lhe preste a mais devotada colaboração. Uma e outra coisa estão presentes no distrito de Leiria.
Mas, mais do que isso, é preciso que os serviços tenham conquistado a confiança do público e que este acorra solícito à sua chamada. Isto só se consegue com longa preparação e com actuação demorada. Para tanto é preciso que os técnicos estejam à altura da sua alta missão. Isto foi o que conseguiu o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos no distrito de Leiria, onde a população acorre em percentagens de 70 e 80 por cento, e isto não é possível com a burocracia que domina alguns dos sectores da nossa administração sanitária.
d) Saúde mental:
Também aqui nada tenho a dizer dos objectivos previstos, mas tenho a lamentar que sejam tão exíguos os investimentos num sector onde as necessidades são cada vez maiores e onde há que dar execução a uma lei cujas bases foram recentemente votadas pela Assembleia Nacional.
c) Assistência, hospitalar:
Nada tenho a opor àquilo que vem referido como directrizes gerais; mas outro tanto não direi daquilo que se designa como objectivos concretos. Gostaria de ver entre os objectivos concretos, sem qualquer dúvida, a entrada em funcionamento, após conveniente estruturação, das carreiras médicas e de técnicos auxiliares, já que, como disse o actual Ministro da Saúde, "o problema das carreiras não pode deixar de ser daqueles que se situam na primeira linha das preocupações do Ministério", como há pouco já referi.
A não ser que essas mesmas carreiras estejam naquilo que, nos objectivos concretos, se designa por "preparação do pessoal em geral".
Desejaríamos ver sobretudo concretizada a promessa da construção do hospital central que falta em Coimbra e, além disso, o aperfeiçoamento funcional indispensável dos hospitais regionais.
A fixação de médicos fora das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, dentro dos objectivos concretos desta rubrica,
merece o meu aplauso, embora sem conhecer o método que no Ministério está estudado para tal fim.
f) Assistência social:
As crianças diminuídas psíquicas e sensoriais e a educação dos menores anormais entram na primeira linha das preocupações do actual Ministro da Saúde. Neste sector são grandes as nossas necessidades e escassíssimas as nossas disponibilidades em instituições e em pessoal.
Sr. Presidente: Não quero terminar sem dirigir as mais sinceras felicitações ao Governo por ter tido a coragem de marcar a linha de rumo que transparece deste projecto e para lhe assegurar a esperança que tenho de que todas as previsões sejam alcançadas e que a este outro Plano se siga, mais vasto e grandioso.
Espero, sobretudo, que a previdência social e a saúde pública, que neste país parece terem sempre andado de costas voltadas, dêem as mãos e se harmonizem, porque daí resultará um extraordinário impulso para a nossa medicina social.
O Sr. Proença Duarte: - Mas não parece que as suas esperanças venham a ter resultado!
O Orador: - Aguardo que essa harmonia, bem como a coordenação das actividades de outros sectores com interferência na sanidade nacional, possa vir a resultar da actividade do Conselho Social criado na base II da Reforma da Previdência.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Ao debruçar-me sobre a proposta de lei que nos fez este ano congregar mais cedo, torna-me primeiramente o melancólico sentimento de um deteriorar progressivo da margem de decisão oferecida à Assembleia Nacional a cada novo Plano de Fomento.
Há dez anos, com efeito, votámos o I Plano sob a forma de mapas, discriminativos das diversas verbas parcelares em natureza e quantia, anexos à própria lei, justificados mesmo no relatório dela e reajustados no decorrer da discussão por propostas adicionais do Governo; já seis anos mais tarde o nosso decreto foi atenuado, limitando-se à enunciação de rubricas distribuídas por várias classes ou capítulos; "agora temos oferecido à deliberação sómente o rol dos meros capítulos de entre o que é verdadeiramente matéria de fomento.
Porventura este minguar de intervenção será ditado por conveniências de flexibilidade, no ajustamento dos créditos às circunstâncias e das verbas às contingências: em verdade, logo quando do I Plano foi mister legislarmos no seu decurso para lhe alargar os limites financeiros, provendo II insuficiências de dotação, à conveniência de ampliações e à necessidade de empreendimentos complementares; mais tarde, o Governo e o Conselho Económico, a seu turno, resolveram-se por novos aumentos sem se embaraçarem já com a intervenção parlamentar. Aqui se terão encontrado as razões de tornar mais fluidas as leis dos planos seguintes, mas na fluidez há infinitos graus de substância, e terá sido, quiçá, ir um tanto longe na imaterialidade reduzir a tópicos tão sumários como agora o objecto do nosso voto quanto aos empreendimentos que efectivamente encarnam o novo Plano.
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Parece-me vir assim a propósito um reparo da ordem daquele dirigido pela Câmara Corporativa, e bem, quase no início do seu parecer, à falta de publicidade dos textos preparatórios do projecto sobre que, a ela, lhe foi pedido se pronunciasse; e pelas mesmas razões. Realmente, se um plano de fomento é tarefa colectiva, eminentemente nacional, requerendo a participação das populações nos trabalhos da sua decisão, para melhor lhe aderirem depois, mal se compreende que ao porta-voz legal destas populações - e somos nós outros, será necessário lembrá-lo? -, ao segundo órgão da soberania da Nação, fique vedado dizer, eficientemente, mais sobre o plano de fomento do que o enunciado muito lato dos campos de acção, porque no restante a lei proposta é a lei do processo do Plano, não a pauta verdadeira da sua economia!
Entre a especificação minuciosa, e" acaso a algum momento inacomodável ao correr das circunstâncias, e a autorização legislativa tão ampla que perde todo o sentido concreto, haveria lugar para a nossa Assembleia intervir em maior escolha e particularização dos objectivos, mesmo em certo aquinhoamento deles, dando ao Plano de Fomento ora apresentado o contraste politicamente conveniente a Câmara Corporativa o frisou - da discussão aberta com poderes decisivos,, e não um simples acto de registo, ou efeito de ressonância.
Assim, a aprovação na generalidade de uma autorização legislativa, nem sequer indispensável, que é devolução para outrem da força resolutória, perde muito do seu sentido, esfumando-se na imprecisão de um voto de confiança o juízo operante que o País esperaria de nós. E eu, por minha parte, ao dar à proposta de lei o meu voto na generalidade - porque recusar-lho seria desejar que a acção de fomento passasse a decorrer desencadeada e sem regra - sinto que verdadeiramente não dou grande coisa ...
É certo vir a proposta acompanhada de um projecto do Plano a informar-nos, com minudência aliás variada, de como se prevê utilizar a nossa autorização; e já correu bastante que este projecto é o distilado de longos estudos de especialistas em cuja informação cumpre confiar. Isto, todavia, não nos retira o direito de examinarmos a combinação das essências, e a tanto me dedicarei, como os ilustres colegas que me têm precedido nesta tribuna, no âmbito da minha melhor observação, e apenas com a desanimadora dúvida de valer a pena e o desconforto de estar importunando VV. Ex.ªs sem fito certo.
Ë desigual em valor informativo, há que reconhecê-lo, o projecto apresentado às Câmaras, não obstante muitas e valiosas novidades de organização, já devidamente apreciadas. Ao exaustivo estudo dos meios de financiamento, bem revelador de cuidados e preocupações justificados pela conjuntura, às projecções do desenvolvimento, à enunciação de medidas de política económica e social postas em relevo que a Câmara Corporativa entendeu de louvar, junta-se a exposição sectorial dos investimentos, que oscila entre o pormenor de consignar 800 contos para parques de ostras e a discrição de não explicar donde se pensa poderem vir todos os 3 435 000 a investir pelos industriais de metalurgia, depois de sugerir que parte substancial destes será destinada a uma indústria que não parece demonstrar possibilidades de encontrar em si própria forças tamanhas.
Donde resulta a necessidade de ir por favor colher aos estudos preparatórios elementos de apreciação que tendem a tornar a discussão do projecto em depoimentos de iniciados que o público interessado não pode seguir conscienciosamente, e neste público assim diminuído entra cada um de nós quanto aos sectores de que não pôde destarte inteirar-se bem, por demora de acesso ou falta de ensejo. E cabe por isto retomar a estranheza da Câmara Corporativa para exprimir o voto de que venham ainda a público e sem demasiada demora os textos dos relatórios preliminares do projecto, os quais, avaliando pelos de meu mais directo conhecimento, bem o merecem, não só em homenagem ao esforço que lhes foi dedicado, como pelo seu cabedal de informação acerca do passado, do presente e do futuro das questões versadas. Do cotejo entre o que tantos competentes, cada qual no seu ramo, julgaram necessário fazer e investir nos sectores de que entendem e o que o Governo, no seu conspecto global, finalmente reteve e adoptou resultaria ainda por cima bem melhor noção dás operações de escolha e rateio que finalmente moldaram o Plano e exprimem, pois; a sua concepção política.
Porque cada verba suprimida ou cerceada - ainda quando fosse de ter em conta que originalmente houvesse acaso sido proposta com a margem de segurança frequente em projectos de dotações sujeitas a revisão - traduz a recusa ou a redução de uma linha de empreendimentos e contém, pois, no seu próprio facto um juízo de cabimento, mérito ou oportunidade.
Aceitando que em regra a selecção e ajuste hajam obedecido predominantemente a critérios da primeira daquelas ordens, não destoará das sumaríssimas observações que me propus dedicar à generalidade deste Plano, já tão discutido, uma palavra, que ainda não ouvi, de recomendação de sobriedade nos gastos, para que mais amplo possa ser o emprego reprodutivo das disponibilidades, financeiras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando há dinheiro, já o notou certo observador arguto, e que não falava de Portugal, a maior economia que se faz é a de ideias. E entre nós criou-se, nos últimos dez ou vinte anos, a noção de haver dinheiro, ou pelo menos facilidade de o arranjar, de modo que se passou a pensar menos em o poupar, cedendo com facilidade ao gosto tão humano do aparato, da decoração e da largueza. O espírito noutros tempos demonstrado por algumas comunidades monásticas de aplicar os rendimentos mais ao engrandecimento próprio do que ao bem dos fiéis parece ter renascido, o que só prova ser uma constante da nossa natureza; e caímos todos, o Estado como os particulares, no hábito de dedicar a aspectos puramente sumptuários, a requintes de delineamento, à comodidade dos servidores tanto ou mais do que à do público servido, atenções e fundos frequentemente excessivos para os fins essenciais, que ficam a onerar os empreendimentos ou absorvem o que poderia sor aplicado com proveito maior noutras partes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim chegamos às vastas e luxuosas reitorias de Universidades, pobres de aulas e de laboratórios; às caixas de previdência despendendo em mármores e climatizações, com pública gala e desvanecimento, milhões daqueles escudos que os assistidos dizem só lhes chegarem, a eles, em medida que têm por demasiado curta; aos automóveis de grande marca e correlativo preço em que as altas personalidades públicas se .mostram, a um povo pobre, como se carecessem para lustre das suas funções do
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prestígio das invejáveis carruagens; e A tantas mais demonstrações de fartura, nem sempre rigorosamente aplicada, demonstrativas da penetração geral de certo espírito de facilidade nos gastos a que é sumamente tempo de pôr algum cobro, e sobremodo importará não deixar invadir a administração das rateadas dotações do novo Plano de Fomento.
São tamanhas ainda, por esse Portugal além, as disparidades de condição das gentes e das instalações publicas que as servem que não será ocioso pedir e insistir no mais apurado desvelo, na constante atenção à economia das obras e dos apetrechamentos, para que possam chegar o mais longe possível, graças à poupança e à utilização posterior até das pequenas sobras: - tantas vezes propositadamente esgotadas até ao último centavo em gastos mais de apetite do que de urgência, mas de qualquer modo não devidamente aprovados.
Longe de mim a ideia de reduzir tudo à crua e desumana secura do estritamente funcional; longe de mim o esquecer que dos luxos do passado estão muitos povos de hoje, o nosso como outros, a tirar fartíssimos juros em motivos de atracção turística e fontes de educação e gozo estético, que, todavia, a arquitectura actual não promete reavivar; longe, ainda, o recusar às obras públicas as funções de deleite e glorificação, ou de embelezamento de sítios e actividades, que lhes podem ser fins próprios ou associações adequadas; tão-pouco ignoro o conceito, e tenho-o, aliás, por exacto, de que um país pobre deve construir para longo futuro, nem esqueço que o material ou trabalho caro resulta frequentemente o mais económico; não, o que simplesmente digo e lembro é a possibilidade; a necessidade, a indispensabilidade, de não transcender a singeleza decente e a proporção moderada em obras cujos fins, principalmente utilitários, mais não exijam.
Há, por exemplo, que não recear construir em série, segundo projectos-tipo uniformes, cuidadosamente estudados para o uso comum e apenas afeiçoados nos pormenores às diferentes particularidades de caso, aqueles edifícios e instalações que o Plano contempla em quantidade, como serão os edifícios escolares do ensino médio e as adegas Cooperativas, para citar à sorte.
O Ministério das Obras Públicas deu-nos a prova, com as airosas escolas primárias do Plano dos Centenários, de que é possível repetir projectos-tipo sem cair em uniformidade fatigante, e servindo a economia, pelo simples jogo dcs coloridos, dos retoques ornamentais, das disposições relativas dos elementos básicos. E "o longo da estrada de Lisboa ao Porto ainda se encontram dois ou tires exemplos de edifícios padronizados de outra era, que não chocam na repetição do seu elegante risco, quais são os das velhas estações da mala-posta.
Ao contrário, temos estado a ver em certos domínios "laborar para cada nova obra congénere de outra acabada seu projecto completamente novo - sem faltarem honorários também completos para o autor -, parecendo até já ter sucedido que com inovações contraproducentes no (abandono das traças experimentadas.: estas são um tipo das tendências que convirá contrariar.
Vejamos, também, o que sucede com os colégios particulares do ensino secundário, o recurso que valo à província para suprir a escassez dos estabelecimentos do Estado e satisfazer à ânsia universal de valorização educativa. Os requisitos postos pelo (Ministério da Educação Nacional são de tal ordem - não os julgo, anoto apenas os efeitos que muitas iniciativas têm sido contrariadas pelo custo a que esses requisitos levariam as instalações, tratando-se de as fazer novas, ou pela invalidação de (aproveitamentos possíveis. É sempre o óptimo a opor-se ao bom, ou apenas suficiente, se não sofrível; mas nas nossas circunstâncias não convirá desprezarmos o bom, nem o apenas suficiente, ou somente sofrível, se não quisermos restringir os benefícios à minoria que poderá só ela alcançar o óptimo.
E quando vemos por todas as bandas tanta necessidade ainda a atender não poderemos calar-nos no proclamar da conveniência, mais, da obrigação estrita de utilizar os créditos, todos os créditos, com espírito de poupança, e deixar para melhores tempos as delícias do supérfluo, que só nos foros do privado é, segundo pretendem certos humoristas, verdadeiramente indispensável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Se, por um lado, é de denunciar e acautelar o risco de esquecer nos gastos a parcimónia aconselhada pelas condições ainda prevalecentes no País, e mais acentuadamente na actual conjuntura, não convém tão-pouco deixar de ter presente outro mal, e deste podemos dizer-nos já seguros: é o de a aspiração de recursos para os fins do Plano comprometer a dotação de aplicações normais e mantença corrente de serviços, como se vem verificando, aliás, desde o I Plano. As verbas de despesas ordinárias têm vindo a ser estabelecidas sem bastante ajustamento ao desenvolver das exigências, todo o esforço financeiro se aplicando ao provimento das despesas extraordinárias, a ponto de estarem a ser nitidamente prejudicados, ao menos em alguns departamentos, até a conservação e inteiro aproveitamento de certas obras novas, que, uma vez prontas, entram no âmbito da administração habitual, tendo-se já chegado ao extremo de as perder por impossibilidade material de lhes prestar todos os cuidados devidos.
E assim se tem desenvolvido forçosamente o expediente inverso de incluir nos planos de fomento verbas de facto destinadas a reforçar, de modo mais ou menos artificioso, as dotações ordinárias insuficientemente providas ou verbas que acabam por reduzir-se a este efeito. E a situação que pitorescamente exprimiam os íntimos de certa Direcção-Geral, chamando sua "Caritas" a determinada rubrica do II Plano ...
Ora este terceiro novo Plano parece não escapar à pecha, pois ao correr dele se encontram diversas quantias cuja aplicação, declarada ou presumível, será decerto precisamente a de sustentar ou reanimar serviços, e sobretudo pessoal, insuficientemente alimentados nos orçamentos ordinários, no fim de contas o Plano servindo aqui para assegurar o que se deveria fazer em administração corrente. Poderá argumentar-se não passar isto de jogo escriturai, em si mesmo de fraca relevância; mas talvez fosse preferível alimentar mais satisfatoriamente os fins normais - embora com a prudente lembrança da segunda lei de Parkinson, tão famosa entre os Anglo-Saxónicos (que só eles aceitariam a combinação da sabedoria do conceito e de graça com que foi sustentada): a lei de que os serviços se arranjam sempre para levantarem as despesas até ao pleno nível dos créditos. A soma financeira do Plano não avultaria tanto com essa homenagem às realidades, mas a verdade das suas aplicações ganharia qualquer coisa!
Sr. Presidente: Voltando mais de cerca à matéria do Plano, do projecto de Plano, que tem de proporcionar a verdadeira substância dos nossos temas, pese embora nada adiantar o que deles digamos, como nada lhe adiantará a lei que dele votarmos - salva a rejeição, por hi-
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pótese. excluída -, preferirei contribuir para a sua apreciação, demorando-me sobre aspectos sectoriais, aliás ao jeito do meu gosto dos pormenores, mais do que estudando-o na generalidade, salvo quanto a certas observações que, não sendo as primeiras, ganharão porventura em ser repetidas para calarem mais fundo. De qualquer modo ater-me-ei ao que toca à metrópole, dado me faltarem dos problemas ultramarinos - confesso-o como falta grave u penosa! - conhecimentos bastantes para apreciação útil.
Não fossem tão pesadas as incertezas que pendem sobre a marcha próxima da nossa vida política e económica por força dos condicionalismos externos e este III Plano mereceria porventura a crítica de ser demasiado expediente e estreito de vistas, demasiado amarrado às ideias feitas e às soluções fáceis - digo fáceis sem a certeza de poder dizer eficientes -, enquanto ilude problemas espinhosos pelo método cómodo e tão português de os relegar para o futuro, que Providência poderá compor melhor. Confia no turismo e nas indústrias novas exportadoras, ou seja em circunstâncias talvez passageiras, exorna-se de adiantado, recheando-se com verbas para ensino e investigação, alojamentos e saúde, pelo processo relativamente pouco significativo de as ir buscar em boa parte a outras epígrafes ou esferas do orçamento (as expressões "moldes correntes dentro dos regimes legais existentes" e "realizações já projectadas ou em curso" encabeçam justamente quadros de empreendimentos que reúnem cerca de dois terços dos investimentos prioritários destes três capítulos), embora seja. de estimar a adstrição de recursos a estes fins, mas não ataca, com força significativa e decisão de resolver, os problemas delicados, graves e candentes do atraso das províncias interiores e da miséria agrícola! Falta, parece-me, muito séria, desde que o Plano visa à orientação da máxima parte dos investimentos, e em primeiro lugar porque é a da esperança que importaria incutir nas vastas camadas interessadas!
Não são, de modo nenhum, de aplaudir, pelo espírito de adiamento - o mesmo sendo dizer que de insensibilidade às angústias presentes - neles reflectido, passos como estes da introdução ao programa sectorial da agricultura:
O triénio de 1965-1967 deverá, pois, constituir um período de transição entre a fase de relativa estagnação que o sector agrícola presentemente atravessa u um estado de desenvolvimento que lhe permita acompanhar, mais de perto, a evolução em crise na economia nacional.
Com efeito, reconhecida a impossibilidade de atender de forma imediata e satisfatória a todas as condições de base do processo de desenvolvimento da agricultura, pretende-se que o triénio de 1965-1967 constitua uma fase preparatória ...;
e não o são, sobretudo, porque o desenvolvimento subsequente do projecto de investimentos nada oferece capaz de galvanizar os desânimos, ou concitar a adesão das inteligências, com um esquema de recuperação rápida apto a diminuir os desníveis de vida já tão fortes e que as projecções de desenvolvimento incluídas no próprio Plano prometera maiores para muito breve.
E, assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, me encontro caído no domínio das questões agrícolas, de que fiz o meu forte justamente porque a agricultura é o forte da minha própria vida, e no trato da vida rural, ainda que não só a agrícola, ganhei aquele mínimo de estatura política que me permitiu, embora imerecidamente, tomar assento com VV. Exªs
Adivinho que estarão desde o primeiro momento a ver-me atalhar para este campo, por já me conhecerem o vezo, mas, tendo ainda há pouco importunado tão longamente com a demonstração de um estado de crise, prometo esforçar-me por, dando-o como provado, procurar só algum modo de fazer fomento que lhe dê remédio.
As projecções do desenvolvimento económico para os próximos nove anos. estabelecidas no projecto de Plano com larga cópia de argumentos justificativos e substancial ocupação do texto, conduziram a resultados que visivelmente não perturbaram tanto os autores dos trabalhos como têm preocupado muitos dos leitores, entre os quais me conto, confessando-me fortemente impressionado, não pela lógica das conclusões, mas pela disparidade das perspectivas e frieza com que a aceitam.
Tomei a liberdade de reordenar os principais números, e alguns índices que deles decorrem, num quadro que peço figure inserto com este discurso e do qual ressaltam as seguintes ilações:
1.ª As capitações, ou quocientes do valor da produção interna pelo número de trabalhadores activos, que em 1962 eram de 14,8 coutos para o sector primário (agricultura, pesca e indústrias extractivas), 31,5 contos para o secundário (indústrias transformadoras e de construção e electricidade) e 31,5 contos para o terciário (transportes, comunicações, comércio, casas de habitação e serviços), prevêem tranquilos os planeadores que passem a ser, respectivamente, para cada um destes sectores consagrados de classificação da produção, da ordem dos 15,9, 44,9 e 35,7 contos em 1967; e 23,5, 63,4 e 41 contos em 1973;
2.ª Assim, as melhorias dos níveis médios de vida, expressas em função dos valores produzidos, como é usual, serão ao cabo deste III Plano e depois ao cabo do sexénio que se lhe seguirá, por hipótese domínio do IV Plano, relativamente aos valores de 1962, de 7 e 59 por cento para os produtores do sector primário, 43 e 102 por cento para os do secundário e 14 e 31 por cento para os do terciário;
3.ª Em suma, o planeamento está ordenado na ideia de que a vantagem média do produtor industrial sobre o das minas, da pesca ou da agricultura, que era já de 2 para 1 em 1962. passe a ser de quase 3 para l, enquanto o produtor de serviços, manterá mais ou menos uniforme, ao longo dos dois períodos, a vantagem de que já goza, da ordem simplesmente do dobro;
4.ª Isto tudo resulta de se preverem aumentos muito fortes na produção bruta dos sectores secundário - quase triplicando nos nove anos - e terciário - quase duplicando em igual prazo -, enquanto se considera que a produdução bruta do sector primário não crescerá mais do que 11 por cento até ao fim de 1973 relativamente à base tomada no ano de 1962;
5.ª De modo que a melhoria de capitação no sector primário quase só é creditada à forte diminuição da população activa, estimada na ordem de 400 000 pessoas entre 1962 e 1973, admitindo-se que paralelamente os outros dois sec-
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tores vejam a sua população activa acrescida de quase 600 000 unidades: será o famoso êxodo rural, em acção acelerada, o principal pintor deste quadro.
Abrirei aqui, e já, um parêntesis para afirmar que este êxodo rural, ou, melhor pensado e dito, êxodo agrícola, o tenho por inevitável, sem embargo de medir quantos problemas levanta e continuará levantando. A agricultura está entrada numa profunda e verdadeira revolução - cujo fim, todavia, poderá não ser o que tantos supõem; mas isto será para depois - e como todas as demais actividades não satisfará as aspirações legítimas dos agentes produtores senão aproveitando muito melhor cada qual e dispensando-se em consequência dos sobrantes. Agora, que as gentes deixem de roldão vilas e aldeias pelas cidades, por lá não encontrarem que fazer fora da agricultura, nem condições de vida agradável, isso é outra e bem mais grave coisa, cujo julgamento motiva opções muito acima da mera economia, pois tocam à evolução biológica e moral e por ela ao cerne de questões filosóficas e políticas.
Mias, voltando ao meu assunto, e enquanto estamos pensando em termos de produtos globais, lembrando que a agricultura (genericamente compreendendo a pecuária e a exploração silvícola) origina mais de 90 por cento do produto primário, quero sublinhar a injustiça que os econometristas lhe fazem, não à vista dos números mas quanto ao seu sentido real, apreciando-a perante os demais sectores por medidas efectivamente deformadas, pois a produção agrícola portuguesa está subvalorizada, enquanto alguma
da demais anda excessivamente cara conclusão fácil de atingir tomando como escalões os valores europeus, os valores praticados no interior dos países, e não os preços de desbarato em uso na liquidação de sobras que é o chamado mercado internacional.
Seja-me permitido demorar um instante neste ponto, em vista de ele contar para juízos de valor económico e de evolução do sector, e portanto para a estima tributada a agricultura pelos economistas, que há-de influir na sua vontade de lhe dedicarem abençoes lê esforços, e portanto na consideração final em medidas de fomento, necessariamente diversa consoante se olhe para a actividade como estagnada, segundo sói agora dizer-se, ou como portadora de reais potencialidades.
Salientar neste ensejo que a figuração do valor do produto agrícola está prejudicada por constrangimento exterior dos preços não é levantar a eterna questão deles, e afirmar a verdade e reivindicar a justiça devida a um sector sacrificado, oprimido nas aparências mas efectivamente portador de mais virtualidades do que lhe são correntemente atribuídas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se os preços nacionais correspondessem aos níveis dos da restante Europa, o valor do produto agrícola subiria logo, consoante a área de comparação, de mais de 20 até quase 90 por cento, de 3 a 12 milhões de contos, sómente quanto aos géneros que em comum com essa restante Europa produzimos, portanto abstraindo dos para nós importantíssimos valores do azeite, da cortiça, dos. resinosos e do vinho, como resulta do seguinte quadro:
Valor da colheita portuguesa de trigo, milho, aveia, cevada, batata, leite, carnes (bovinos, suínos, ovinos, caprinos, aves), ovos, madeiras, frutas e produtos hortícolas nos anos de 1960, 1961 e 1962, aos preços pagos à lavoura nos seguintes países, em milhões de contos e percentagens relativas
[... ver tabela na imagem]
Estou já a ouvir a clássica objecção de o nosso nível de ganhos ser muito inferior aos dos países citados e não permitir, portanto, às populações suportarem os encarecimentos resultantes mesmo dos menores nivelamentos contemplados.
Objecção com muitíssimo de gratuito, dada a verdadeira incidência destes factores, ela não impedirá, pelo menos, o reconhecimento de que se os preços agrícolas são baixos, comparativamente aos estranhos, muitos dos industriais e dos serviços são, pelo mesmo critério, altos ou altíssimos, sem determinarem u- ninguém análoga oposição.
E obviamente quase impossível, dada a variedade dos artigos e a incerteza dos preços, organizar para a nossa produção industrial e dos serviços cálculo paralelo ao que acabo de apresentar. No entanto, apenas como exemplo, qualquer poderá verificar, quanto a dois grupos de mercadorias simples, produzidas em fábricas modernas e de dimensões já estimáveis - os adubos químicos e o cimento -, que os seus valores estatísticos internos são em cerca de 50 por cento superiores aos de exportação; contudo, a natureza de nenhum deles sugere transportes ou circuitos de distribuição onerosos a imporem sacrifícios de venda para exportar.
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[ver tabela na imagem]
Fontes : Anuário Estatístico, 1962, e Estatística Industrial, 1962.
Os constrangimentos que tolhem a valorização absoluta do produto agrícola tolhem-na igualmente na relatividade das flutuações, nestes tempos sempre ascensionais. Os índices demonstrativos são demasiado conhecidos - recordarei só este, por o ter já referido noutra ocasião: de 1948 a 1968 os preços por grosso da produção metropolitano subiram em conjunto 18 por cento, mas os dos cereais só 13 por cento e o do leite 5 por cento - e provam à saciedade não ter havido ultimamente medida comum entre o crescimento dos preços no sector primário e nos demais!
À luz destas realidades, que suponho incontrovertíveis. concluo haver necessidade de corrigir a óptica aplicada ao juízo comparativo dos produtos sectoriais. Bem gostaria eu de ver (sem mal lhes desejar) os econometristas lançados à água com pedras ao pescoço, para lhes fazer então surriada por não se porem a nadar! (risos)
Fica porém, de pé o facto de os preços serem o que são, não o que deveriam ser, e se as conclusões de ordem subjectiva são de rever, as projecções objectivas do desenvolvimento são de tomar como há pouco as apresentei.
E isto nos leva à tríplice verificação de que o Plano postula desenvolvimentos de rendimento médio desiguais entre os grandes sectores de produção, desiguais em aceleração dentro de cada sector, e ainda por cima agravantes das desigualdades já existentes.
Se o desenvolvimento harmonioso da economia é de contar, como geralmente se crê, entre os primeiros requisitos de um plano de fomento plausível, então este nosso III Plano falta gravemente a um fim essencial; e o mais sério é que falta conscientemente, de peito feito, deixando para mais tarde (enquanto se acentuará a deterioração) a programação eficientemente reparadora.
Convém ainda atentar noutros aspectos da questão.
O primeiro é o de que enquanto os campos fornecerem uma corrente de mão-de-obra barata, por desgostada - as jornas agrícolas têm subido muito mais do que as industriais ou dos serviços o são efectivamente já superiores, em absoluto e em algumas regiões, às dos trabalhadores industriais menos especializados, de modo que dentro em breve II motor para a fuga do campo será apenas o desgosto da vida mais árdua ou do ganho irregular-, o crescimento dos salários industriais acompanhará mais de perto a evolução das capitações médias do sector primário do que a das dos sectores secundário ou terciário: por outras palavras, o crescimento das capitações na indústria, tão agradável no Plano, far-se-á muito possivelmente durante bastante tempo acentuando as diferenciações, a amplitude do leque dos rendimentos, e o desenvolvimento projectado tenderá a ser mais o dos lucros das empresas do que o das retribuições dos trabalhadores. Isto parece-me de clara probabilidade enquanto a agricultura funcionar como sector deprimido e manancial de mão-de-obra impelida, para a, evasão; e terá deploráveis consequências políticas e sociais, pois o espírito da nossa época já não aceitará este que foi o modo das grandes capitalizações no início da era industrial.
Em segundo lugar, será delicioso termos sempre muitos turistas a trazerem-nos divisas, e muitas fábricas a ganharem outras, à sombra das vantagens de salários e de gastos gerais. Mas num & noutro domínio devemos contar com forte e crescente concorrência das demais nações servidas por trunfos parelhos, se não pelo menos com o estreitamento da margem dos nossos para os salários dos países que as fabricações portuguesas têm estado a invadir. Donde infiro o que acaso será um turismo, mas as euforias da conjuntura ocultarão aos optimistas: deixando vir todo o jogo para a mão, e convidando-o quanto possível, deveremos, todavia, fortalece ao máximo a economia interna e firmarmo-nos bem nela. E estando já conhecido que o atraso agrícola é um travão do desenvolvimento, quanto mais demorarmos em soltar este travão mais comprometeremos a aceleração do próprio desenvolvimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por último, as mesmas projecções do Plano requerem aumento da produção alimentar em qualidade e quantidade, para saciar a população mais desafogada e servir os aludes de turistas, a quem não haveremos de só ter para oferecer laranjas da África do Sul ou bifes uruguaios.
Todas estas razões e outras com que não quero hoje enfadar são tão claras, tão evidentes e tão abundantemente reconhecidas, que eu e quantos as temos de tanto modo repisado dentro e fora desta sala deveríamos pontenciar-nos de banalidade e redundância se não houvéssemos de verificar que infelizmente continuam a passar muito pouco da flor das inteligências para o comando dos actos.
Ei-la que persiste no Plano a contradição costumada entre as afirmações de propósito e o alcance das decisões, entre a audiência condescendente e o despacho acanhado, entre a declaração aquietadora e a providência tarda: em
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suma, a meia-medida e o meio-desprezo concedidos às questões agrícolas, que a incompreensão torna aborrecidas e uma política económica aos solavancos das circunstâncias (como alguém escreveu há dias) complicou grandemente.
Torna-se difícil entender de outro modo - e já melhores vozes aqui o significaram - o gradual declínio dos investimentos destinados à agricultura de plano para plano de fomento, que somaram 17,8 por cento do total destinado à metrópole no primeiro, 13,3 por cento no segundo e não excedem 9,6 por cento no presente projecto, em completa desproporção com a importância relativa do sector, seja em termos de população interessada seja-o nas de produto, e marcada indiferença à conclamada necessidade de o reanimar. Devo esclarecer que no cálculo destas proporções não considerei as verbas atribuídas à indústria no novo Plano, pois que serão investimentos dos industriais, diz-se, nem as da chamada valorização rural, que entendo, em excelente companhia, não poder razoavelmente encabeçar-se sómente à agricultura.
Não se compreende, efectivamente, tal classificação, nem pelo facto de já vir de trás de quando, todavia, marcava, menos de qualquer lado que se olhasse. Considerar como política de energia a distribuição eléctrica urbana e de transportes a construção de estradas nacionais, sem as debitar especialmente a qualquer ramo de actividade, e dá-las como serviço só à agricultura quando feitas nos pequenos meios ou em vias municipais, não é só avolumar sob figura inexacta um sector desfavorecido (consentindo a impressão de que se pensou atenuar o efeito do seu mau provimento), mas é pior, porque mostra ignorância da realidade importante que é a de a ruralidade não ser só agrícola, e tender a sê-lo cada vez menos. Ignorar-se-á acaso que nos Estados Unidos da América, para dar exemplo flagrante, vivem em áreas rurais quase 60 milhões de pessoas, de que talvez nem metade sejam lavradores? E que o campo, se declina como zona de produção específica, é cada vez mais olhado como lugar de descanso e retempero dos citadinos fartos de barulho e de cimento armado, pelo que será também cada vez mais em proveito geral quanto se faça para o valorizar? ...
A mim ocorre-me que esta progressiva perda de participação da agricultura nos planos de fomento será consequência da lenta reprodutividade da maioria dos investimentos que lhe têm sido dedicados: não oferecendo resultados nem espectaculares nem prontos, os planeadores terão sido levados a julgá-los menos atraentes na presente conjuntura. Se considerarmos, com efeito, que tem sido sempre dada a preponderância a empreendimentos de frutificação demorada, como a hidráulica agrícola, a colonização interna e a reorganização agrária, e mais ainda o povoamento florestal, que preencheram todo o T Plano, mais de dois terços do segundo, e ainda entram por metade no projecto que aqui temos, num sentido de correcção estrutural ou de valorização de património cujo merecimento, por maior que seja, só se manifesta a prazo de alguns a mesmo muitos anos, teremos de reconhecer, perante o precipitar dos acontecimentos, que a selecção poderia ter sido melhor, mas não cabe atribuir à actividade, entretanto caída em verdadeira revolução, todo o prejuízo de uma directriz demasiado clássica.
Nem se tornava inevitável continuar por ela, pois o grupo de trabalho preparatório do projecto ofereceu pelo menos 2 700 000 contos de projectos de reprodutividade rápida, dos quais só foi retida pouco mais de uma quarta parte. O costume pode tanto ...
Fosse pelo que fosse, resta-nos que o projecto diante de nós não é de dizer, quanto à agricultura, congruente com as circunstâncias nem consigo mesmo.
Dirigindo-se às estruturas, ou seja aos elementos mais estáveis, quando a época é de rápida evolução, não oferece o programa inovador, ousado, vigoroso, de efeito pronto, que as angústias dos tempos reclamam e só as capacidades de investimento dominadas poderiam proporcionar: se um plano é um estado de espírito, como algures li, o do nosso, a este respeito, é de desalento, de indiferença ou de exagerada cautela.
Atribui ao sector privado da lavoura o principal papel no processo do desenvolvimento da agricultura, sem poder ignorar quanto a mesma lavoura está debilitada pelo longo constrangimento à política dos preços baratos, e portanto na premissa compromete logo tal desenvolvimento. E deixa às medidas de política agrícola - e não ao investimento, que é o seu próprio foro - a impulsão do ritmo de crescimento, que é claro não poder fazer-se sem capital, o capital em muito perdido sob aguda constrição à estabilidade dos preços ... na origem.
Quanto à coerência interna, lá está a Câmara Corporativa a notar:
A aceleração do ritmo de acresci-mo do produto, objectivo geral de expansão da economia, é precisamente o que se não diz, nem se projecta, para o produto agrícola.
O objectivo declarado no programa sectorial da agricultura é tão-sòmente o aumento do produto bruto, mas, por isso mesmo que não é projectada a aceleração do ritmo do seu crescimento, o valor final esperado é aquele que já mostrei, conduzirá a população agrícola a empobrecer ainda em mais de 50 por cento relativamente à industrial, tomada em globo.
Ora, este desfasamento é que é de contrariar a todo o custo, para que não fique a pesar sobre a indústria e a transtornar a política.
Como fazer?
O Plano prevê 1 889 000 contos de investimentos, onde o grupo de trabalho preparatório apresentara projectos no total de 6 689 653 contos, óbvio se torna que de um rateio desta ordem só ficaram empreendimentos de alto valor intrínseco (se é que dos eliminados algum se escapava a esta qualificação, o que não me parece), mas os julgados de maior e mais rápida reprodutividade somam apenas 751 000 contos. Neste total não está incluída, todavia, a motomecanização da agricultura, relegada para a categoria dos investimentos destinados à mera intensificação racional das explorações; decerto só a modéstia da verba, que em verdade quase nada promete, determinou esta classificação, pois em si mesma a motomecanização pode ser de alta e muito rápida reprodutividade, pelo menos aparente.
De qualquer maneira, aí temos já um critério de revisão do Plano com visita à aceleração do ritmo de desenvolvimento: se este fim é o que falta servir, como observa a Câmara nossa vizinha, e o que sobremodo importe" "atender, penso "u, para tornar menos harmonioso o resultado final, lá está marcado o domínio de possível sacrifício de algum empreendimento menos mal dotado, e de mais demonada reprodutividade, se tanto for necessário para reforçar ou introduzir qualquer linha de acção que possa de facto oferecer o caminho para apressar o crescimento do produto agrícola.
Ao fazer esta sugestão, domina-me sobretudo o propósito de fugir ião expediente simples de pedir mais dinheiro para esse aumento de acção; embora para outros sectores isso haja sido feito, e pelos sacrifícios sofridas antes e, fins agora em vista este o merecesse tanto, como
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qualquer, entendo dever respeitar as preocupações tão transparentes no preparo do projecto, de que aliás muitos de nós partilhamos mais ou menos, e manter-me no comedimento, que ainda será a melhor homenagem a prestar ao Governo, do qual poderei diferir nalgumas conclusões, mas não duvido tenha exposto francamente ao País a estimativa séria de todas as disponibilidades utilizáveis. Convicto de não dever, pois, pedir a ampliação global das dotações, automaticamente se me impõe a alternativa única de indagar da sua aplicação óptima, sempre pelo critério do mais pronto e rendoso efeito, que no momento tem de ser o escopo essencial. Mas, naturalmente, nada me será mais grato do que poder vir a souber que, «em o menor sacrifício do já assente, se torno possível reforçar adequadamente - mas terá de ser muito, tão fraca ela está para o que pode pender se aplicada com amplitude e vontade - a verba que me parece dever dominar o fomento da, agricultura nos tempos próximos, por oferecer o melhor caminho possível, o caminho verdadeiro, do mais rápido incremento da produtividade agrícola.
Esta verba, Sr. Presidente, é a da «assistência técnica e extensão, dobada no projecto sómente com 10 000 contos, que não duvido de proclamar soma insuficientíssima para a soma para a tarefa urgentemente necessária de transforma! pó.:- esse País além «si culturas e mais ainda os processos, bem como as mentalidades, abrindo-lhes com novos conceitos de acção todos os horizontes dos tempos novos.
Sem embargo de o enquadramento político-económico, ë designadamente os condicionalisimos de preço, na origem como no- resultado final os verdadeiros determinantes do produto, poderem sempre compromete irremediavelmente todo e qualquer fomento, tenho a convicção profunda, fruto da meditação pessoal, das escassas experiências vividas e sobretudo do conhecimento dos resultados desta acção em todos os demais países onde tem sido empreendida -resultados que tocam as raias do prodígio, como em Israel, redobram potencialidades aparentemente já chegadas aos últimos extremos, como rua Holanda, ou despeitam em pouco tempo energias adormecidas, como na Grécia-, tenho o firme convencimento, ia dizendo, de que, sejam quais forem os demais maios empregados e a largueza com que os dotem, será difícil, será improvável, será quase certamente impossível elevar substancialmente e depressa o rendimento «3.ª agricultura sem. forte intensificação da assistência técnica. Nisto não há a mínima originalidade, convenho, mas há o proveito de uma lição, a lição universal do mundo agrário moderno!
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Nem é hoje a primeira ou sequer a segunda vez que proclamo a minha convicção a estas paredes que nos cercam: e digo às paredes, porque audiência mais eficiente ainda não tive, nem eu nem a verdadeira legião dos que há dezenas de anos andamos, por aqui e muito mais lá por fora, pela boca e pela pena, pedindo e justificando a necessidade e os benefícios de uma assistência técnica à lavoura, vasta, eficaz, diligente e assídua. Foi em 28 de Fevereiro de 1951, no debate de apreciação do relatório da Lei n.º 1914, da Reconstituição Económica, que foi prólogo do I Plano de Fomento, a primeira vez que tive a honra de me dirigir à Assembleia Nacional sobre este assunto; e volvidos quase catorze anos, verifico nada ter que alterar ao essencial da exposição, ou à instância dos pedidos. E, meses volvidos, vindo a discussão esse Plano, dos 29 Srs. Deputados que se ocuparam especialmente das questões metropolitanas, nada menos de dois terços deles preconizaram a intensificação da assistência agrária ou destacaram a primordialidade da importância do fomento agrícola, que sem tal assistência - os factos o provam- nunca produziu todos os seus frutos. A ideia é velha, a ânsia é permanente, as tentativas têm sido diversas, os prelos da Imprensa Nacional já gemeram sobre ela para o Diário do Governo, mas ainda não se saiu da rotina da organização frouxa e dos quadros mal dotados, cujo trabalho útil merece por isto mesmo mais encómios, mas não deixa de ser fraco, pois nunca chegou aos contactos directos, íntimos e frequentes, indispensáveis à plenitude dos resultados.
Em Portugal não se faz verdadeiramente ideia do que pode e deve ser a assistência técnica à agricultura. Na esfera oficial mesmo, que deveria andar melhor esclarecida, parece que uma das raras ideias constantes da política agrária é a de não acreditar nela, e só Deus saberá quanto isto já terá custado ao País em valores perdidos e aos lavradores em rendimentos não obtidos. Também aqui se poderá medir em sacrifícios e misérias o que não fizeram ainda os governantes ...
Virão por isto bem a talho de foice umas breves notas sobre o que outros fazem: de montões de exemplos, escolho, por serem dos mais modernos, alguns oferecidos pelo grupo de trabalho no seu relatório.
Na Holanda é bem sabido que os progressos da agricultura são verdadeiramente de nos espantar. Aquela nação pequenina, como que ferida de morte pela guerra e suas consequências, recuperou em esforços gigantescos, mas não deixou a sua agricultura para traz da indústria. Ali há cerca de 250 000 agricultores e floricultores, mais do que 50 por cento dos quais possuem diplomas de cursos agrícolas, prevendo-se que no futuro a percentagem se eleve até 90.
Pois bem, apesar, se não por causa, desta evolução, o serviço de extensão agrícola conta 1500 técnicos de vários graus exclusivamente dedicados a esta extensão, além de mais 250, parte deles especialistas de economia doméstica, a trabalhar como reforço nas regiões-piloto, de maior atraso. Só em extensão, o Estado Holandês despende anualmente 70$ por hectare de terra cultivada, além de 210$ com o ensino e a investigação, também apenas agrícolas. E, não obstante, ainda se preconizam maiores desenvolvimentos dos serviços, pois se verifica que pagam generosíssimamente em economias conseguidas pela racionalização de operações e acréscimos de produtividade.
Nos Estados Unidos afirma-se que por cada dólar investido na extensão o Estado cobra dez.
Mesmo em Portugal já temos exemplos bem elucidativos. Os brilhantes progressos feitos nas culturas do arroz e dos tomates, se bem que em parte devidos aos esforços próprios de escóis de agricultores; a disseminação rápida de certas espécies forrageiras e melhoradoras; o eficiente combate a algumas e gravosas epifitias e zoonoses; a melhoria da produção leiteira; o entusiasmo na plantação de pomares, desde que e onde finalmente lhes começou a chegar uma verdadeira assistência técnica, em contraste com a falência nítida, se não vexatória, dos chamados «pomares industriais»; os resultados interessantíssimos da experiência de Sever do Vouga, já aqui descritos e louvados por várias vezes; tudo atesta a poderosa reprodutividade da assistência técnica eficaz à agricultura.
O critério normativo dela encontra-se vivo e flagrante naquela frase do primeiro director-geral da F. A. O., na volta de cinco meses de viagem por muito mundo, que já
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aqui citei em 1951, outros têm referido também, mas contém sempre actual a sua lição:
Não encontrei em parte nenhuma um cultivador, fosse ele muçulmano, budista, cristão ou hindu, que se tivesse recusado a empregar métodos que verificasse pelos seus próprios olhos poderem acrescentar um só alqueire à sua tulha do grão.
Como sempre, a lição do exemplo e o atractivo do proveito verificado são os mais poderosos aliciantes e estimulantes.
Nenhuma nação levou a níveis mais perfeitos a assistência técnica e a extensão dos conhecimentos à massa dos lavradores do que os Estados Unidos da América, como ainda há pouco nos disse o nosso ilustre e autorizado colega Sr. Prof. Vitória Pires, e lá tem ido beber ensinamentos e colher orientação muitos países, como nós também fizemos, embora para deixar em letra morta até agora o diploma legal concebido e apetrechado sobre esses ensinamentos.
Lá se criou o sistema dos agentes locais, amigos, guias, conselheiros assíduos dos lavradores, levando a estes as conclusões da experimentação bem contrastada pelo resultado económico, e retornando às estações de investigação com os problemas novos ou as questões espinhosas que a sua documentação e experiência própria não permitam resolver.
Mas isto requer, além da rede dos técnicos de campo, essencialmente elementos de ligação entre o estudo e a prática, outra rede, a dos estabelecimentos investigadores e de documentação sobre as soluções dos problemas. Não é armadura- que se monte depressa, nem com pouco dinheiro; entre nós temo-la estruturada, e bastante bem, sempre naquele cemitério de boas intenções que é o Diário ao Governo, há quase 30 anos, mas mal realizada até hoje, em particular ao nível da extensão.
Os nossos técnicos agrícolas estão muito burocratizados e urbanizados; os serviços criaram numerosas repartições e dependências, onde vão vivendo em auto-abastecimento de ocupações, digerindo papelada em circuito fechado, cuidadosamente se preservando assim de trabalhos menos agradáveis, como por exemplo o de ir até ao campo ver o que se passe por lá, quando é tão mais fácil avaliá-lo (ainda que com riscos de erro) através das notações estatísticas e das respostas a questionários. Não faço mera retórica e procuro não ser injusto: mas qualquer pode certificar-se das desproporções entre técnicos de campo e técnicos de repartição, e, cá por mim, desconfio muitíssimo de que foi pelo processo de dotar de pessoal mais algumas estações citadinas que se torpedeou eficientemente a execução do Decreto-Lei n.º 41 473, de 23 de Dezembro de 1957, que previa a instalação imediata de 101 delegações dos organismos regionais da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, e a seguir de mais 68 - em pouco tempo, mal mudou de titular a Secretaria da Agricultura, os técnicos das regiões agrícolas, em vez de espalhados por aquelas delegações,- eram mandados concentrar ... mais ao pé de casa e dos gabinetes.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Com isto não censuro: anoto factos, para os tomar em conta. Muitas das pessoas que se diplomaram em Agronomia, Silvicultura ou Veterinária provieram de meios urbanos e, quando não todos, procuraram nesses cursos, como poderiam tê-lo feito em outros quaisquer - seja em que ramo for do trabalho humano, as vocações fortes são sempre a minoria -, antes modos de vida
do que modos de viver. Acaso os pais que vêem seus filhos sair garbosos das escolas de guerra ambicionam para eles sómente a glória de uma vida de batalhas?...
O brio e gosto profissional criam-se depressa, porém, em indivíduos normais e rectos de intenção, e são inúmeras, nos departamentos oficiais da agricultura como nos outros, as demonstrações de vivo sentido dos deveres funcionais, de desejo de realizar e de servir bem, de dedicação sincera e intensa. Ponto estará na consciência da utilidade do esforço e no enquadramento de um mínimo de compensações materiais, cuja falta não desanime nem vexe, permitindo a liberdade de espírito e o sentimento de participação essenciais à franca devoção ao trabalho.
Isto é para afirmar a crença na possibilidade, relativa facilidade mesmo, de trazer para a acção in situ muitos técnicos agrícolas que se sentem aborrecidos e diminuídos nas cadeiras das secretárias, desde que se lhes proponha ao entusiasmo obra útil, o prémio de lhe verem os resultados, o incitamento de um comando estimulante. E desde também que se lhes compense o acréscimo de desconfortes. O técnico de nível médio ou superior destacado para longe do ambiente onde organizou a sua vida, onde criou contactos e porventura suplementos materiais, onde - ponto importantíssimo! - pode desempenhar-se do dever e conceder-se a satisfação de educar os seus filhos, não irá desembaraçado de relutâncias se lhe disserem que lá há-de ganhar como nas condições materialmente mais favoráveis de antes. O pagamento de subsídios de campo, capazes de cobrirem ao menos o acréscimo de despesas da família deslocada e da educação dos filhos a distância, parece-me condição indispensável da organização humana da extensão agrícola a incluir nos encargos desta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já lá vai muito ano, mas a Campanha do Trigo demonstrou que, dados um bom tema e um bom chefe, nos serviços agrícolas oficiais nunca faltarão homens para a acção no campo.
Só não sei se para já em todo o número necessário à montagem de rede suficientemente densa de agentes locais de extensão.
Por isto me não desagrada, como processo, digamos também «intercalar», o caminho marcado no Plano, dos centros de gestão e das explorações de demonstração, desde que dotados de modo a não se ficarem em simples amostras.
Os centros de gestão serão o correctivo necessário a uma deficiência formativa que ainda pesa sobre os técnicos agrícolas: a falta de real sentido económico. Este ponto foi, aliás, debatido publicamente, há tempos, entre um ilustre professor da nossa escola superior de Agronomia e um lavrador também esclarecido, e não formei o juízo de que os argumentos do primeiro prevalecessem; contudo, não duvido de que será criticada a minha retomada da questão. Presumo que essa falta se deverá atribuir ao modo de desenvolvimento das ciências do campo, longamente acantonadas em serviços estaduais ou quintas ricas e aí afeitas a ocuparem-se mais da perfeição dos métodos ou brilho dos resultados do que do seu custo, menos relevante quando reportado apenas a produções limitadas. E daqui resulta que honestos conselhos de técnicos reputados têm nos nossos dias provado ser económicamente contraproducentes e acarretado grandes prejuízos aos lavradores que os seguiram. É pois muito de aplaudir o desenvolvimento de estabelecimentos onde, com método e rigor, possam ser analisados os factores da produção agrícola no sentido de procurar as combi-
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nações mais rendosas- ou menos exigentes do trabalho humano, crescentemente arredio da agricultura.
Quanto às explorações agrícolas de demonstração, considero poderem ser instrumento preciosíssimo do progresso agrícola, desde que se alivie o sector técnico dos encargos administrativos e de feitoria, e haja o cuidado de não fazer propagandas exigentes de maiores recursos do que possam ser postos em jogo pelos agricultores a quem se destinem, pois introduzir nelas métodos ou alfaias exigentes de investimentos ora da capacidade dos visitantes a quem cumpra atrair para as práticas demonstradas será, certamente, buscar o insucesso.
Concebo a exploração agrícola de demonstrarão como uma exploração privada, com todos os cuidados e responsabilidades da administração restantes nas mãos do proprietário, onde o Estado entre pela via dos seus técnicos apenas a ensinar e expor as novidades a divulgar - e, por isto, recessuriamente de rendimento já antes experimentado, para evitar descréditos comprometedores -, assumindo o encargo dos aumentos de custo de materiais e de lavra, e assegurando ao proprietário a integral e pronta reparação de todos e quaisquer prejuízos emergentes de iniciativa. Será também de razão que das mais valias conseguidas o Estado seja reembolsado das despesas que haja suportado com imputação directa à experiência efectuada.
Nestes termos será relativamente fácil a qualquer técnico tomar a orientação de várias explorações de demonstração, e, por consequência, multiplicar o número delas, adensando a sua rede para que resulte intenso o efeito produzido.
Como regra, para os técnicos oficiais, permito-me recomendar em primeiro lugar a deferência para com o lavrador, que das particularidades da sua terra e do clima local saberá sempre, por observação aturada, mais do que o agrónomo poderá aprender por análises o boletins meteorológicos; e em segundo lugar a assiduidade, para estar atento e presto aos saltos do tempo e à variação dos ensejes, e dar mesmo no momento mais próprio os seus conselhos.
E calar-me-ei sobre este assunto reproduzindo palavras ditas em Itália, há semanas apenas, numa conferência de imprensa, convocada para se inteirar dos resultados de dez anos da famosa experiência de Borgo a Morzano antecessora e paralela da nossa de Sever do Vouga:
Será em vão pedir e alcançar novas leis, novos subsídios novas providências ... se antes não se fizerem esforços para agir sobre os homens, para lhes sugerir - com grande humildade e probidade intelectual o moral- os sistemas o modos de renovação das suas práticas de trabalho ...
Demorei-me sobre o que considero deficiência fundamental do Plano - o insuficiente acréscimo programado para o sector primário -, e sobre o que tenho por instrumento mais poderoso para o fomento deste sector - o aperfeiçoamento das técnicas e actualização das mentalidades. Atenazado pela consciência de estar a tomar tempo de mais e apertado pelo Regimento, que, acicata esta consciência, não posso, no entanto, furtar-me a considerações brevíssimas sobre outros pontos muito importantes para o próximo fomento da produção agro-pecuária e florestal!
Recomeçarei, assim, por me congratular pela boa dotação concedida à fruticultura, horticultura e floricultura. Com 150000 contos, contra 183248 preconizados pelo grupo de trabalho, podemos esperar que os projectos contemplados sejam realizados na sua quase totalidade, abrindo caminhos certos ao desenvolvimento de uma produção para a qual a Providência nos fadou especialmente mas temos deixado decair, na tristeza de um círculo, vicioso de falta de mercados e falta de mercadoria, que é sobretudo a tristeza das mentalidades que o Plano poderá revolucionar. Não será panaceia universal - não visa a ocupar nem 1 por cento do solo agrícola -, mas proporcionará à lavoura a valiosíssima adjuvante de culturas que poderão manter-se relativamente ricas.
Tive já ocasião de apreciar os trabalhos em curso na estação de Alcobaça, sob o mando daquela figura superior de sábio, de investigador probo e sensato, que é o Prof. Vieira Natividade, espírito tão repleto de informação como de requintes de inteligência e de sensibilidade, e tudo votado à investigação agrícola, que tem servido preciosamente de vários modos; é me grato prestar-lhe homenagem em todas as oportunidades, e sirva esta para afirmar que o que VI em Alcobaça me encheu de animadoras esperanças.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - No campo do empreendimento puramente privado, outras iniciativas se têm também desenvolvido ultimamente e, apoiadas no sentido prático e na experimentação vivida, se não tanto na pura ciência, prometem também contribuir com eficácia para o desenvolvimento geral do produto frutícola e seus afins. Façamos votos por que estes esforços concorrentes encontrem no escopo comum potenciações de capacidade, que assim avultará o resultado final.
O fomento pecuário é outra pedra de toque do Plano e outra inovação relativamente aos anteriores. Vem dotado com 290 000 contos; os projectos do grupo de trabalhos pediam nada menos do que 1 226 800 contos, dos quais 778 500 contos a aplicar em créditos à lavoura para compra e exploração de animais ou instalação de prados (e dê isto a medida de quanto os informados consideram profunda a sua incapacidade de investimento novo); somos apenas esclarecidos de que a acção a desenvolver consistirá, em primeiro lugar, na melhoria da produção forrageira.
A pecuária tem sido verdadeiro esteio das agriculturas rendosas, e prova-o irrefutavelmente a comparação dos rendimentos agrícolas relativos dos diferentes países europeus com a participação neles do produto animal. A ordem decrescente estabelece-se em perfeita correlação, desde a Holanda, a Bélgica ou a Dinamarca, com mais de 70 por cento do produto agrícola originado na pecuária, até à Grécia e Portugal, com menos de 30 por cento, isto no período de 1950 a 1959.
A animalicultura dá ao mesmo tempo produtos valiosos em si mesmos, equilíbrio às rotações culturais, consumo a géneros de tantas, potencialidades como os milhos híbridos, pouco do nosso gasto para alimentação humana, e finalmente adubos para revivificarem as terras; certamente um dos factores retardantes da agricultura portuguesa tem sido a insistência na cerealicultura e a desfavor da pecuária, que nem a natureza nem a política têm deixado de contrariar.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se queremos ter pecuária, e doutro modo cada vez teremos menos agricultura, importa lembrarmo-nos, porém, de alguns factos que não são agradáveis. O primeiro é o de que as nossas condições não são naturalmente as melhores, salvo em áreas limitadas; com péssima distribuição das chuvas, as ervagens dão-se mal e elas são e serão sempre a base da pecuária económica.
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E o outro é o de que a carne em Portugal vai deixando de ser o que longamente foi, e se a tornava mais barata também a tornava pior: um subproduto da lavoura, pois o abastecimento dos talhos baseava-se nos bois abatidos aos efectivos de trabalho, bois velhos e cansados, de carne magra e dura, mas de preço acessível.
Se a lavoura europeia moderna tende a ser, ao contrário, um subproduto da pecuária, novos riscos ameaçam esta, todavia. Praticada em grande parte em explorações familiares, o trabalho fatigante, monótomo e inevitável do trato do gado encontra cada vez maiores repugnâncias, pois não concede feriados nem consente descansos; e assim, gradualmente, os efectivos vão diminuindo, sem compensação bastante nas estabulações cada vez mais automatizadas das explorações maiores.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Era só para dizer que as carnes nessas condições terão de ser mais caras naturalmente.
O Orador: - Digo que elas são mais baratas artificialmente.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Diz indirectamente a mesma coisa.
O Orador: - Destarte, a carne tende a escassear no Mundo e a encarecer; e são os próprios progressos da vida moderna, tão frequentemente vencida nos combates com a biologia, que reforçam a tendência.
Bom será assim que façamos fomento pecuário; mas, atenção! Se não fizermos a política desse fomento, tanto valerá inscrever nos programas 290 000 tontos como 290 réis.
Ninguém criará gado para perder dinheiro, e os preços vigentes internamente não oferecem outra promessa. Olhai, olhai só a crise do leite; quem me dera poder não ter acertado no anúncio que desta fiz a VV. Ex.ª ainda há dois anos!
Que se fez nos últimos tempos, quando as condições psicológicas e a própria elevação do nível de vida tinham tornado a conjuntura adequada à actualização dos preços nacionais? Pois continuou a mandar-se vir carne do estrangeiro como sempre, mas, novidade, pegou-se nela também como arma para, em apoio da Intendência-Geral dos Abastecimentos, por esse País além atacar a hidra da valorização da carne onde quer que levantava cabeça.
De há um ano a esta parte importaram-se d« América do Sul, da Inglaterra e da França quase 9000 t de carne. Salvos uns carregamentos, mais baratos, ao que se diz, por haverem sido rejeitados pela França (este país exporta e importa ao sabor das possibilidades e das conveniências, mas cada vez o saldo é menor, se não se tornou já negativo), que suspeitou de febre aftosa nos animais, esta carne chega-nos cá a preços tais que, para a venda em Lisboa, o Fundo de Abastecimento teve de pôr de seu 7$37 por quilo, aproximadamente, até Maio último, e depois, em vista da elevação dos preços para o público, cerca de 5$ Tudo a carne para fora acrescem as despesas de transporte e outras. Pois, daquelas 90001, ficaram cerca de 8COO t em Lisboa, Porto, Cascais e Oeiras; o resto foi distribuído por 34 localidades, em partidas que chegaram a ser tão mínimas, como 54 kg para Gondomar ou 51 kg para Aguiar da Beira - quanto terão sido encarecidas pelas despesas sobre remessas tão pequenas! - decerto para figurarem simulacros de abastecimento em apoio à acção das fiscalizações de preços.
Assim se desmoralizou a produção nacional, e continua duvidoso o .abastecimento com produto externo.
Ë uma política, não estou hoje aqui para a discutir em si; mas o Governo e o País têm de decidir se é esta que preferem, para então mandarem riscar dos programas de fomento os 290 000 contos que lá se tornarão inúteis.
Fico-me, Sr. Presidente, por esta nota, que, parecendo .porventura incidental, ilustra um bom tema de conclusão.
Esforcei-me, ao longo de todas estas considerações, por encarar os problemas agrícolas somente em termos de fomento; procurei não me repetir, aludindo a dificuldades que tenho por de mais sabidas, senão no mínimo indispensável para no ressalto tirar alguma conclusão pertinente ao Plano e aos seus caminhos e processos; procurei mais ainda: não me servir da oportunidade para retomar teses já afirmadas sabre a política das preços, de que me é sempre doloroso falar, para perturbar os governantes que a sustentam e os consumidores que a aproveitam.
Mas é de primeira evidência- que todo o fomento económico, para teu- sentido e dar resultado, pressupõe a produção de bens ou serviços em condições remuneradoras, isto é tais que o valor do produto exceda o do trabalho e matérias-primas aplicados. De outro modo alguém ou alguma coisa há-de ficar diminuído para cobrir a diferença, e o fomento perder-se-á em efeito negativo.
Se a produção agrícola não puder processar-se nessas condições remuneradoras, faltará o estímulo para a continuar e dissipar-se-ão o capital dos empresários ou os dinheiros, da comunidade em suporte dos prejuízos.
Não consta do projecto de- Plano o exame do equilíbrio mais desejável entre as duas alternativas, nem das declarações governamentais outra coisa do que a admissão de providências de circunstância para as equilibrar ao sabor dos acontecimentos.
Mas é claro que mas condições de quase serviço público, ou de actividade dominada, em que vive a agricultura, não importará menos ao seu fomento a política dos preços do que a dos investimentos, e que aquela pode anular os frutos desta.
Que isto nunca esqueça é o meu voto final.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Gomes: - Sr. Presidente: Os malditos «ventos da história» têm varrido, nestes últimos dias, os vastos territórios do Congo ex-belga em rajadas de furacão, ceifando vidas, mutilando corpos, aviltando almas.
Os relatos que nos chegam, através das agências noticiosas, dessa tragédia imensa, são dolorosamente suficientes para mais uma vez reconhecermos, ou antes, reconhecerem os povos ainda não desprovidos, por completo, da consciência dos valores espirituais da civilização em que vivemos, que Portugal tem soberana razão na sua firmeza tenaz de impedir que tais ventos rasguem caminho por territórios da Pátria.
Estamos em África a defender dos assaltos, que de fora nos vêm, o que nosso é, mas igualmente defendemos os próprios interesses das populações africanas. Somos realistas para nós, sem deixarmos de o ser também para os outros. Aqueles que agarrados a ideais de utopia, incons-
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Clientes das realidades e, mais que tudo, das responsabilidades da sua missão, remota ou proximamente permitem a chacina de pretos e brancos em terras de África, ficarão para sempre amarrados ao pelourinho da história, onde as gerações vindouras, acalmadas as ondas de insânia, os hão-de verberar pelo crime de traição aos princípios básicos do direito das gentes.
Ainda hoje se procuram os criminosos da última grande guerra para lhes ser infligido o castigo que merecem pelos seus actos. Onde estarão os grandes criminosos do Gongo e das outras neonações africanas que pagam uma irreflectida e prematura independência com o sangue dos seus próprios filhos e dos que pretendem a seu lado ajudá-los no desenvolvimento da sua vida social e económica?
Onde esses criminosos? Quem os persegue?
Não, não falo dos Gbenyes, dos Olengas e Muleles com os seus canibais «simbas», mas dos outros, de quem estes são inconscientes mandatários, que, rotulando-se defensores da liberdade dos povos, vão impondo dentro das zonas de sua influência a maior e mais cruel escravatura.
Quem os acusa, a estes peseudolibertadores, únicos responsáveis de tão horrível hecatombe?
No entanto, sendo eles os maiores criminosos, continuam a ter audiência nas organizações e conferências internacionais, dominando-as com a coorte panurgiana que os acompanha.
E o mar de sangue que alastra, e os gritos de dor que pungentemente ressoam, e as sevícias e violações de santuários vivos, não são capazes de abalar as consciências dos homens do governo de Estados que dizem defendei-os valores da civilização ocidental, tão fortemente ameaçada.
Para onde caminha o Ocidente, com todos os louros das suas conquistas alcançadas através de longos e trabalhosos séculos ?!
Também lá, no Gongo, que arde em ódio fratricida, encontraram a dor, o martírio, a morte, alguns dos nossos irmãos portugueses, todos eles dando prova da coragem e heroicidade que é orgulho da nossa raça. Mostraram ao mundo egoísta de hoje que para além do que possa exigir a vida no tempo há atitudes a tomar e acções a praticar, embora arrostando os maiores perigos.
Que significa a morte desse português que por dar sepultura a um missionário, cujo corpo os selvagens queriam ficasse sacrilegamente exposto, cai varado por uma bala sobre a cova que abrira? Para muitos teria sido um acto da insensatez incompreensível; mas para nós, para quem o cristianismo é doutrina e acção, foi a glória do martírio na prática de uma obra de misericórdia. Não importa a vida quando o espírito vence a própria morte.
Neste momento levanto o meu pensamento ao Céu e peço a Deus para os portugueses mortos em Stanleyville a sua misericordiosa benevolência e para os vivos a sua generosa protecção.
As armas e os métodos utilizados na revolta congolesa trazem consigo o ferrete do satanismo da sua origem. A matança sistemática do homem negro mais evoluído e mais culto, das élites, que os próprios assassinos confessam procurar, não deixa dúvidas de que se está em presença de tenebroso funcionamento de uma máquina que visa implantar em África a bandeira vermelha da opressão, afastando do caminho os que maiores obstáculos poderiam opor.
Quer dizer: o pequeno e limitado escol existente será imolado implacavelmente em favor do comunismo, que, russo ou chinês, visa sempre os mesmos meios de acção para alcançar o seu fim.
E os de lá da «cortina de ferro» continuam e tripudiam, enquanto os de cá recuam e transigem, atraiçoam amigos e dão as mãos aos próprios inimigos.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Estou certo, Sr. Presidente, de que não há nenhum português, digno da sua origem, que tenha opinião diferente daquela que em relação à defesa das nossas províncias ultramarinas tomou o Governo e a Nação; tudo sacrificaremos para defender os nossos legítimos e sagrados direitos, direitos de uma pátria à integridade dos seus territórios. Não consentiremos que na Guiné, em Angola, em Moçambique, se venha a desencadear a fúria selvagem que hoje perpassa no Congo; queremos proteger as vidas e fazenda das suas populações, branca ou de cor, para que todos, em paz activa, naquela unidade de raças, por tantos invejada, que só .nós soubemos criar e manter, caminhemos juntos no progresso e desenvolvimento deste nosso querido Portugal de aquém e de além-mar.
Este esforço de defesa é de toda a Nação, porque toda ela sente o dever que neste momento lhe incumbe no cumprimento integral du missão que a história confiou aos portugueses de ontem, de hoje e de sempre.
E sobre este imperativo que toda a vida nacional se processa.
Sr. Presidente: o projecto de Plano Intercalar de Fomento para o triénio de 1965-1967, agora em apreciação nesta Câmara, teve necessariamente de sofrer as limitações que decorrem daquele mesmo imperativo e até «os empreendimentos previstos no Plano a custear por dotações do Orçamento Geral do Estado ficam condicionados pela prioridade atribuída à defesa da integridade territorial da Nação», como acautela a base I da proposta de lei que se lhe refere. E que acima de tudo está a defesa da Pátria.
Podemos achar, e de facto achamos, modestas as verbas destinadas a execução do Plano Intercalar, quer em seu valor absoluto, quer relativo ao programa estabelecido. Na verdade, 34 447 455 contos para investimentos na metrópole e 14 400 000 contos no ultramar é bem pouco para o muito que há a fazer, e com urgência, dentro do esquema traçado pelo mesmo Plano, que tem por objectivo fundamental a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e sua melhor repartição. Mas devemos compreender que a difícil conjuntura da vida nacional impediu certamente o Governo de ir para uma dotação mais ampla, como seria de desejar. No entanto, é de relevar que os investimentos previstos para os três anos da vigência do Plano Intercalar excedem em muito as verbas destinadas ao Plano de Fomento que agora termina, e este foi para cinco anos.
O que há a fazer, e coma maior vigilância, é que aqueles a quem competir qualquer interferência em ordem à execução do Plano Intercalar de Fomento cuidem escrupulosamente por que os investimentos se processem de tal modo que se não perca a mínima parcela das verbas que lhes são destinadas nem haja desvios para finalidades diferentes das previstas.
Impõe-se também que se evitem gastos em sumptuosidades e luxo, salvo quando a natureza da obra em absoluto o exigir. Não estamos em época de estadearmos riqueza que não possuímos. Temos de poupar e saber bem administrar o pouco de que dispomos para conseguirmos o muito que nos propomos alcançar.
O Plano, que representa um enorme esforço financeiro do Estado, só possível pela continuidade de uma política autenticamente nacional, que perdura há quase quatro décadas, e por uma gestão dos dinheiros públicos superior-
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mente inteligente, não alcançará os objectivos previstos se com ele não colaborarem os particulares.
Sendo imperativo para o sector público, pretende dar também uma orientação ao sector privado em ordem à «formação de uma autêntica economia nacional no espaço português». «Se este objectivo se conseguir, diz o projecto do Governo, ele o Plano não só significará a multiplicação dos investimentos agora expressamente inscritos no programa de acção para os próximos três anos, como constituirá também o mais firme fundamento para as bases em que vai assentar o III Plano de Fomento».
Não deixarão, certamente, as entidades privadas de se integrar nas perspectivas que o Plano Intercalar lhes abre para investirem com maior segurança os seus capitais e contribuírem assim para o desenvolvimento económico e social da Nação.
Há, diz-se, muito dinheiro paralisado, morto, dinheiro que poderia entrar no ciclo económico nacional, produzindo bens e serviços tão necessários a toda a comunidade.
A riqueza, dom de Deus, não foi dada aos homens para ficar escondida; basta recordar a parábola dos talentos, na qual se condena o servo porque, enterrando o dinheiro dado pelo seu senhor, não negociara como o fizeram os outros dois companheiros.
As riquezas, qualquer que seja a sua natureza, até as espirituais, têm uma função social a desempanhar, sendo um verdadeiro crime contra a sociedade deixá las improdutivas.
Oxalá todos os homens ricos de Portugal soubessem cumprir a sua obrigação para com a sociedade em que vivem, fazendo circular os seus dinheiros em ordem ao progresso económico da Nação.
Sr. Presidente: após as considerações de carácter geral que o Plano Intercalar me suscitou, passo a fazer uns ligeiros apontamentos sabre os capítulos da agricultura o turismo, em especial nas suas incidências nos problemas da Madeira.
A lavoura portuguesa tem sido objecto, por parte da Assembleia Nacional, de muitas, variadíssimas, ponderosas, notáveis intervenções, que no seu conjunto constituem um válido elemento de base para resolver as enormes dificuldades em que a mesma se encontra. Se a estas intervenções juntarmos os doutos pareceres da Câmara Corporativa, a literatura, quer de livros, quer de revistas e jornais, sobre o assunto, parece que há muito devíamos ter equacionado e resolvido o mais grave e agudo problema da economia nacional.
No entanto podemos afirmar que, de um modo geral, continuamos na mesma, o que significa maior agravamento da situação de um sector que emprega quase metade da nossa população activa e sustenta 5 milhões de toda a população.
O relatório do Plano reconhece que se não forem tomadas «medidas capazes de provocar uma profunda alteração nas condições da população agrícola e, por conseguinte, da vida das populações rurais» a agricultura poderá vir a «constituir um estrangulamento ao processo de desenvolvimento económico em curso».
Servirá de lenitivo, só para os que estamos do lado de fora, o facto de o problema não ser exclusivamente nosso, mas mundial; os agricultores portugueses, porém, que vivem dia após dia na esperança de conseguirem uma melhoria de vida, compensação justa do seu longo sacrifício e que se vêem sempre em situação miserável, vão desanimando e fogem das terras; procuram longe o que perto não encontram.
Dizem as estatísticas que se registou um decréscimo da população activa do sector primário de 7 por cento em doze anos. Não impressiona nada este decréscimo se atendermos ao volume relativamente grande da emigração para o estrangeiro.
Na Madeira, por exemplo, há freguesias onde quase se não encontra um homem dos 18 aos 50 anos que trabalhe a terra; esta ou está abandonada ou é cuidada por mulheres e crianças.
Urge criar condições na vida económica da Nação para que se obtenha uma redução da mão-de-obra empregada na agricultura, sem diminuição, porém, da produtividade agrícola, antes aumentando-a, e, ao mesmo tempo, se fixem em outras actividades dentro do território nacional, os braços disponíveis.
Impõe-se, por isso, uma definição dos princípios que devem informar uma política agrária tão necessária e urgente para salvar da morte lenta, mas certa, para que está a caminhar a nossa lavoura.
Os lavradores dizem, e com alguma razão, que o Estado a uns trata como filhos, e é a indústria, e a outros como enteados, e é a lavoura.
Todos sabemos que o problema agrícola, no seu conjunto, pela sua complexidade, não é de fácil solução, mas o que nos custa é ver que certas medidas de ordem prática que se consideram eficientes para melhorar a vida dos nossos campos nunca são tomadas.
De há muito que se proclama pela extensão dos benefícios da previdência social à classe dos trabalhadores rurais e no próprio Plano se reconhece a necessidade de «proceder à gradual revisão das condições de trabalho e de previdência social no campo de forma que o trabalho agrícola deixe de ser encarado como uma actividade em situação de inferioridade em relação às outras, contrariando-se assim, em larga medida, o fenómeno do êxodo rural excessivo».
Que se espera ainda para adoptar tal medida?
Tem-se dito e redito que para elevar o nível da vida dos agricultores era de suma importância a instalação de indústrias nos meios rurais; contudo, continua a insistir-se em fixá-las nos centros urbanos mais populosos.
Para além de um reajustamento de preços dos produtos da lavoura, sempre perigoso pelo imprevisível da compressão económica que possa daí advir, porque se não tem aproximado a produção do consumo, acabando a rede extensa dos parasitas intermediários e obtendo assim melhor preço para o lavrador?
E de esperar que as medidas de política agrária que o Plano estabelece venham a ser postas em execução o mais rapidamente possível pelo Governo, para que a lavoura não fique eternamente presa ao calvário da sua existência sem nunca vislumbrar a redenção.
Reconhece-se no projecto de Plano que a «construção de cooperativas ou de outras formas de associações da agricultura» é de incentivar como um dos meios para se obter uma agricultura fortemente empresarial; essas Associações terão em vista, além do mais, a comercialização e transformação de produtos agrícolas.
Crêem todos os economistas que nas associações dos lavradores se poderá encontrar a melhor forma de valorização do meio rural desde que tenham a orientá-las técnicos competentes.
No douto parecer subsidiário da Câmara Corporativa sobre o capítulo em causa escreve-se o seguinte:
Em nosso entender no quadro evolutivo do Mundo a agricultura de hoje requer associação de produtos e ampla cooperação com os técnicos.
E mais adiante, ao referir-se às cooperativas agrícolas, anota que se dispensam quaisquer comentários sobre os
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benefícios que advirão para os seus participantes quanto à qualidade do produtos, facilidades de comercialização, economia e comodidade, mas que se exige para elas uma «necessária assistência efectiva e competente, pelo que, dada a impossibilidade de em tantos casos serem os próprios lavradores os gerentes e técnicos destes empreendimentos, deve dispor-se de elementos com uma formação especializada, o que pressupõe a existência de órgãos de preparação».
Para esta preparação de pessoal técnico o Plano prevê uma verba- de 3000 contos, que não é grande para o muito que há a fazer, mas, com a colaboração dos particulares e das próprias Cooperativas, poderá conseguir-se uma eficiência mais ampla e melhor na vida associativa dos agricultores.
Convém, no entanto, que o Estado acarinhe e defenda essas associações de pressões de interesses marginais à própria lavoura e não lhes crie situações de desvantagem e até de injustiça.
Disse há poucos dias nesta tribuna o nosso ilustre colega Sr. Alfredo de Brito que a única reorganização industrial saída do Decreto n.º 2005 foi a da indústria de lacticínios da Madeira.
Pobre decreto, que rico de virtualidades com grande projecção económica para a Nação, teve um tão desajeitado e infeliz primogénito!
Não vou insistir no assunto que já por duas vezes tratei nesta Assembleia o mais objectivamente possível. E se não tenho razão digam-mo com argumentos sem sofismas, porque então calo-me; mas se a tenho, porque não emendar o erro cometido, fazendo a justiça que se impõe?
Permita-me, porém, Sr. Presidente, que «agora reconde somente a disposição do Decreto n.º 43 418 pela qual o abastecimento de leite em natureza à cidade do Funchal ficará a pertencer à empresa única constituída por cooperativas e indústria privada, o não exclusivamente à lavoura organizada..
Note-se que nunca a indústria privada teve a seu cargo o abastecimento de leite à população.
Aquele lucro, que não será pequeno, obtido de uma exploração de mera comercialização de um produto da Lavoura, «m vez de beneficiar somente os produtores, como seria justo, passará a ser distribuído em partes iguais .por estes e pelos industriais.
Podemos nós acreditar que deste modo se protege a lavoura?
A floricultura da Madeira merece uma referência especial no Plano:
Na floricultura procurar-se-á aproveitar se á excedentes condições de produção e de exportação da ilha da Madeira, agora com novas possibilidades, proporcionadas pelo aeroporto do Funchal, recentemente inaugurado.
A Madeira tem de facto condições extraordinárias para uma produção de flores em quantidade e qualidade de que poderá tirar grandes beneficias para a sua economia. Há contudo, necessidade de seleccionar as espécies, facilitar a aquisição de sementes e bolbos e dar instruções sabre o modo de cultivo para que se obtenha um maior rendimento da exploração, por enquanto quase exclusivamente caseira, mas podendo vir a ter em breve proporções mais vastas.
Julgo que seria conveniente pensar desde já numa associação -género cooperativa dos floricultores madeirenses, tendo em vista, além de uma entre ajuda benéfica, a comercialização e a exportação em larga escala das flores; caso contrário, não tardaremos a encontrar, com o cortejo de todos os inconvenientes, aquela figura quase sempre sinistra; que condenamos no campo dos produtos agrícolas: o intermediário.
Os Madeirenses também aguardam que a sua agricultura, de características muito especiais, quer pelo clima, quer pelas condições da sua exploração, seja convenientemente estruturada.
Salvo duas ou três culturas, a lavoura da minha terra é profundamente deficitária; contudo, tem possibilidades de ver melhorada a sua situação.
Lembremos que muitas das terras hoje destinadas a culturas pouco ou nada compensadoras poderiam produzir primores hortícolas e frutícolas em épocas em que seria fácil a sua colocação no estrangeiro, em razão de não existirem mercados próximos concorrentes.
A Junta Geral do Distrito, que tem realizado uma acção notável de desenvolvimento pecuário e agrícola, possui em várias zonas da Madeira e Porto Santo campos experimentais, que, além de outras finalidades, servem para o estudo da adaptação das culturas às regiões onde tais experiências se fazem.
E de incentivar tais estudos, melhorá-los e ampliá-los, fazendo todos os esforços para que as populações, apoiadas pelos técnicos, adoptem as conclusões práticas obtidas e suficientemente comprovarias.
Sr. Presidente: Provado como está que o turismo é a indústria de maior importância para o desenvolvimento económico nacional, pois, embora incipiente, as suas receitas já ultrapassam as de qualquer mercadoria exportada, o Plano Intercalar de Fomento não podia deixar de consagrar-lhe um capítulo, no qual se estabelecessem as linhas gerais de orientação da política imediata a seguir neste sector.
Partindo do princípio incontroverso de que o Plano assenta em bases realistas, não é de estranhar, pois, que o Governo considere o Algarve e a Madeira como as zonas, de momento, com prioridade de valorização turística, chegando mesmo a indicar pontos dessas zonas que requerem trabalhos de infra-estruturas urbanísticas.
Ao ilustre relator do parecer subsidiário da Câmara Corporativa sobre o turismo é que não agradou a preferência dada, pois escreve:
Toma-se como assente a prioridade estabelecida em favor do» Algarve e da Madeira. Note-se que poderiam ter sido mais convincentes as razões apresentadas para tal prioridade. Parece-nos perfeitamente aceitável e essencial que se trate do fornecimento de água e da construção de esgotos em Meia Praia, Alvor, Tavira, Quarteira, Faro e Portimão e da valorização turística da Câmara de Lobos. Parecia-nos, no entanto, mais vantajoso não se mencionai1 qualquer destes pontos para não dar ideia de que se trata de uma enumeração limitativa que tornaria, com certeza, o Plano mal recebido pelo País.
Primeiro, não creio que a nossa gente seja tão falha de senso que não reconheça imediatamente a prevalência dessas zonas sobre as restantes zonas do País, e por isso, saberá receber bem o Plano.
E, em segundo lugar, se as razões apresentadas - as características climáticas, os atractivos das praias e, sobretudo, as preferências demonstradas pelas principais correntes turísticas estrangeiras - não são convincentes, então já não sabemos qual o critério de classificação de uma zona turística prevalente.
O facto que ainda o ilustre relator apresenta da «preferência nítida dos turistas pela região de Lisboa e arre-
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dores» em nada invalida as razões de preferência de determinadas zonas turísticas. Todos sabemos que as capitais exercem especial atracção para os estrangeiros, em si mesmas são cartaz turístico pela variedade de vida que dentro dos seus muros se encontra, pelas suas riquezas e belezas, por aquilo que são e não são. O turista das capitais é um turista ambulante, geralmente de curta permanência.
Na zona turística o pólo de atracção é totalmente diverso; está nas condições naturais favoráveis, de uma ou mais- estações do ano, permitindo ao estrangeiro uma estada tranquila e repousante que na sua terra não encontra.
Ao lado do atractivo natural tem de existir aquele conjunto de obras necessárias que proporcionem ao turista as condições por ele próprio exigidas paira- ficar comodamente instalado. E é isto que prevê o Plano Intercalar para o Algarve e a Madeira e ninguém pode afirmar que o- Governo deixou de ser objectivo como convinha, ma sua programação limitadíssima, porque limitados os recursos financeiros,
O projecto em causa reputa «necessária a realização de obras nas redes de abastecimento de água e de drenagem de esgotos, cujos projectos se encontram concluídos no aglomerado da Cova da Iria, Fátima, dada a grande projecção internacional do local».
Não me repugna nada, como parece haver repugnado ao Digno Procurador Doutor Correia de Barros, relator do douto parecer subsidiário, a inclusão deste parágrafo no capítulo do turismo.
Tão-somente desejaria que à projecção internacional, a que se faz referência, se incluísse a projecção nacional desse lugar bendito, para que se não julgue que tais obras são realizadas só por um«a exigência do afluxo de estrangeiros e não também para benefício dos milhares de portugueses que aí acorrem, levados pela sua fé e devoção à Santíssima Virgem.
Abastecimento de água- e drenagem de esgotos não são realizações que visem «facilidades e amenidades turísticas», mas tão-somente condição primária para uma higiene na vida quotidiana, por modesta que seja.
Aceito e perfilho a afirmação de. que «para manter um ambiente propício às grandes manifestações de fé, convém afastar os vendilhões do templo»; não compreendo, porém, a razão da frase no enquadramento das considerações apresentadas.
Sendo a nossa capacidade hoteleira insuficiente para satisfazer o crescimento turístico, o Plano considera, e muito bem de ordem prioritária absoluta a construção de mais unidades hoteleiras, prevendo para tal um investimento, durante o triénio, de 1 504 000- contos destinados a novos hotéis, pensões e pousadas.
O pior que pode acontecer a uma região em fase inicial de desenvolvimento turístico é recusar visitantes por não haver alojamento. O turista de hoje é caprichoso; vai para onde quer. mas quando quer. Se o não satisfazem num lugar, dificilmente lá volta e procura imediatament3 outras paragens.
E, por isso, medida de boa política dotar o País de uma rede de hotéis suficiente para receber a corrente turística que nos visita, tomando como elemento de referência a procura nos chamados «meses de ponta».
Um problema, porém, surge: quais as categorias dos hotéis que convém tenham prioridade de construção? Será indiferente uma ou outra?
Se o País tivesse vastos recursos financeiros, não interessaria, em princípio, definir uma orientação; mas, como estamos sujeitos a fortes limitações, importa sobremaneira indicar o caminho pelo qual possa vir maior rendimento para os capitais investidos. É uma questão que se deve pôr um bom administrador da coisa pública, de outro modo comprometeria gravemente o objectivo do Plano.
Ora, dizem-nos as estatísticas que houve maior procura dos estabelecimentos hoteleiros de elevada categoria. No último decénio os turistas estrangeiros revelaram as suas preferências do modo seguinte:
Hotéis e pensões de luxo e 1.ª classe, pousadas e estalagens, 70 por cento; Hotéis e pensões de 2.a classe, 25 por cento; Hotéis de 3.ª classe, 5 por cento.
E posso confirmar os dados gerais estatísticos com aquilo que se passou na Madeira. Em 1963 os hotéis de luxo e 1.º classe A ocupavam, na indústria, uma posição de capacidade hoteleira de 73,3 por cento; no entanto, a sua utilização foi de 79,15 por cento em relação às outras categorias, que viram, deste modo, baixar a sua capacidade industrial de 26,7 para 20,85 por cento de utilização.
Da evidência do facto se deduz a prioridade a conceder a construção de hotéis e pensões de 1.ª categoria. E é de aproveitar este fenómeno por motivos estritamente económicos. Na verdade, sabendo-se que os turistas que procuram alojamento em hotéis de categoria superior são os de maiores recursos, há toda a conveniência em recebê-los em número mais elevado, porque farão maior despesa per capita, o que representa a entrada de mais divisas para a Nação.
Como me disse há pouco muito prosaicamente um bom amigo de grande iniciativa no sector turístico da Madeira, um estrangeiro menos endinheirado consome numa refeição a mesma qualidade de alimentos que o turista mais abastado; a diferença está em que este vai pagar talvez o dobro daquele.
Mas ainda há a considerar que esta classe de turistas que tem um poder de compra mais forte adquire produtos em sectores correspondentes a necessidades secundárias, contribuindo em muito para o desenvolvimento do comércio e indústria, sobretudo artesanal, locais, o que é de grande interesse económico para a região.
O Sr. Sousa Rosal: - V. Ex.ª dá-me licença!
O Orador: -Com todo o gosto.
O Sr. Sousa Rosal: - E só para fazer uma objecção.
Tenho as minhas dúvidas sobre se as considerações que V. Ex.ª está a fazer para a Madeira são aplicáveis a outras regiões: os números que apresentou são indiscutíveis; mas não é possível dominar a onda turística no seu natural desenvolvimento. A situação geográfica da Madeira permite atrair, de preferência, o turista de qualidade.
O Orador: - V. Ex.ª poderá ter razão; mas talvez na continuação das minhas considerações tenha algum esclarecimento. Trata-se de uma prioridade para o momento em que estamos a dar os primeiros passos na indústria turística; não quer dizer que num futuro se não siga uma orientação mais ampla.
O Sr. Sousa Rosal: - Pretendo, na verdade, que se estabeleça a ideia de que a orientação seja a melhor possível.
O Orador: -Também eu.
Muito obrigado.
Houve, portanto, da parte do Governo a preocupação justa de, neste arranque dê uma indústria que quase inicia os primeiros passos, programar os investimentos
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para o aumento da capacidade hoteleira de acordo com as exigências e preferências reais da nossa corrente turística, na certeza de obter um mais rápido e maior rendimento.
O digno relator do parecer subsidiário já referido quis atribuir a preferência dada aos hotéis de categoria ao facto de os alojamentos em 3.ª classe raras vezes atingirem «aquele mínimo de higiene e conforto a que o turista menos abastado aspira».
Mas, de duas uma: ou esses turistas não vieram até nós, e então nada podemos concluir, ou procuraram alojamento em hotéis de classe superior, e estamos caídos na posição do Plano.
Escreve-se no parecer que se vê claramente que o objectivo do Plano Intercalar é o de sacrificar o chamado «turismo das massas» ao turismo de luxo.
Importa- definir, em primeiro lugar, o que se entende por «turismo das massas».
Se esta classificação se refere àquela corrente turística que pode chegar até nós, e tem chegado realmente, vinda de países altamente industrializados e formada pela sua classe média de nível de vida elevado, creio que o Plano a inclui nos seus investimentos prioritários.
De nenhum modo pode supor-se que a planificação do Governo vise só o turismo de luxo, isto é, dos magnates, das grandes fortunas, que hoje em dia é cada vez mais reduzido.
Se por «turismo das massas» se entende aquele turismo barato, de que fala o parecer em causa, «o dos parques de campismo e das roulottes, albergues da juventude, aldeia de férias, etc.», concordamos que esse turismo está fora das prioridades de investimentos indicadas no Plano. E convinha que assim fosse.
Esta classe de turistas com débil poder de compra quase só adquire alimentos e outros artigos de primeira necessidade, podendo, assim, influir perigosamente na tendência para a subida de preços em sectores particularmente susceptíveis.
O Sr. Armando Cândido: -Muito bem!
O Orador: -Ao País interessa, como já se tem dito, muito mais meio milhão de turistas a gastar 100 dólares por cabeça do que 1 milhão a gastar 50.
Se atontarmos nas influências maléficas que o turismo dito barato pode exercer na vida moral, social e política da Nação, teremos razões de sobra para, ao menos neste momento de crise de toda a espécie do mundo actual, não lhe concedermos facilidades. O Estado deverá exercer sobre tais turistas uma acção prudente, mas atenta, de fiscalização, para defesa dos valores espirituais em que assenta a vida da Nação.
E conhecida a influência que sobre a saúde moral das populações podem exercer os hábitos, o exemplo e a acção de pessoas cuja vida se não molda pelos princípios cristãos, que são timbre da família portuguesa. E se seria inviável fechar as fronteiras aos turistas que critérios de ordem moral tornem menos desejáveis, parece, contudo, que se deverá tentar se não alargue demasiadamente a sua esfera de influência nos costumes das populações.
E, neste sentido, o grau de influência dos turistas que se instalam nos hotéis, e neles e nos lugares de diversão fazem a sua vida, é bem diferente da nocividade dos que, espalhados em parques de campismo e caravanas, se misturam com as populações locais e Levam ao próprio seio das famílias a desordem moral.
Procurando evitar e circunscrevendo sempre aos seus limites humanamente inevitáveis os efeitos morais indesejáveis do afluxo turístico, parece prudente, e justa a orientação do Plano .Intercalar, segundo a qual se preconiza para a fase próxima do nosso fomento turístico uma política de qualidade.
Sr. Presidente: Se, por um lado, a concessão de qualidade de utilidade turística traz vantagens para incentivar realizações, é fora de dúvida que por vezes é causa indirecta de profundas injustiças, e enormes clamores.
É certo que os proprietários de terrenos, situados em zonas de interesse turístico especulam com os seus preços, mas não é menos certo que esses terrenos, pela localização privilegiada que têm, sofreram uma maior valia. Considero-os, de alguma maneira, equiparados aos terrenos onde se descobriu um tesouro.
Há que combater a especulação, mas também que proteger das injustiças.
Regulamentação adequada impõe-se em ordem às expropriações que se processem por utilidade turística.
Julgo seria de toda a vantagem e até justo que fosse dada ao proprietário a opção de entrar com o valor do terreno em quota de sociedade na exploração turística em vista; talvez se evitassem assim situações desagradáveis.
Refere-se o Plano ao abastecimento de produtos alimentares para turistas, considerando «indispensável proceder a estudos cuidadosos sobre o problema do abastecimento de produtos alimentares frescos ... às regiões de mais intenso movimento turístico».
Esses estudos, para serem válidos e eficientes, supõem a existência de um planeamento económico ao nível regional e nacional, tantas vezes falado, pedido e prometido e ainda não elaborado.
A Madeira espera também o seu planeamento económico, e é de toda a urgência que se faça.
Não creio que a produção madeirense, só por si, possa dar o apoio requerido ao afluxo turístico crescente.
E já considerável, quase assustador, o aumento de preços, o que vai tornando difícil a vida da população.
E os preços continuarão a aumentar na razão directa do maior número de turistas. Como para estes nada deve faltar, os produtos hortícolas, as frutas, o pescado, etc., que são procurados pelos hoteleiros, escasseiam, sobem de preço e o consumidor local fica impossibilitado, por debilidade económica, de os adquirir. Urge que este grave problema seja equacionado e resolvido.
Talvez se deva pensar na construção de um armazém frigorífico não entro em pormenores de características destinado exclusivamente à hotelaria. Seriam importados e nele armazenados todos os géneros considerados necessários que o mercado produtor local não pudesse fornecer ou quando não os pudesse fornecer. Deste modo se evitaria a compressão nos preços dos produtos de primeira necessidade.
Até se podia encarar a hipótese de tal armazém ser considerado uma zona franca para fins turísticos.
Dir-me-ão que esta solução prejudicaria lavradores, pescadores e outros produtores que necessitam de melhor compensação para o seu trabalho.
Uma boa e sã política económica não aconselha nem consente, senão em certos limites, o aumento de preços dos produtos desta natureza como melhoria de vida dos produtores.
Não vou mais além porque só pretendi deixar uma ideia, embora vaga, mas viável, para a solução de um problema agudo e até perigoso pelou reflexos que pode ter na economia local e até nacional.
Sr. Presidente: Esteve o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência, Dr. Paulo Rodrigues, nosso muito ilustre colega nesta Assembleia, em visita de estudo na Madeira, que coincidiu com a solene inauguração pelo Chefe
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do Estado do aeródromo de Santa Catarina, empreendimento da maior projecção para o turismo.
Dessa visita, de três dias, de intenso e extenuante trabalho, advieram vastos e importantes benefícios para o arquipélago.
Viu, ouviu, apreciou.
Seguiu-se, depois, a acção; em breve a Madeira colherá sazonados frutos.
Bem haja o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência por todo o bem que nos fez e continuará a fazer.
A Madeira fica-lhe agradecida.
Passando hoje o segundo aniversário da entrada para o Governo do Sr. Dr. Paulo Rodrigues, a quem o turismo nacional já tanto deve, julgo interpretar o pensamento da Assembleia daqui lhe enviando uma saudação muito sincera, com os votos das maiores felicidades para o desempenho do alto e importante cargo em que está investido.
Que Deus o ajude.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ..E me sumamente grato poder dizer nesta tribuna que o plano de desenvolvimento turístico da Madeira está concluído, dependendo apenas a sua aprovação de consultas aos serviços técnicos competentes.
Este estudo, que é a exigência base para o processamento racional de uma indústria turística em grande escala, abrirá novos e largos horizontes à economia madeirense.
Está definitivamente assente que a Madeira terá uma escola autónoma para formação de pessoal dos serviços de hotelaria, realização de grande alcance, não só para o turismo local como ainda para o turismo nacional: pois que o Madeirense, com uma intuição especial para esses serviços, poderá exercer a sua actividade profissional com proficiência em hotéis espalhados pelo País.
Encontram-se em estudo financiamentos pelo Fundo de Turismo da ordem dos 40 000 contos para novos hotéis.
E o Plano Intercalar de Fomento, além do mais, contribuirá para um grande incremento de investimentos de capitais particulares na Madeira, pelo apoio que lhe concede.
Sem dúvida nenhuma, requer-se muito mais. mas o Madeirense, reconhecendo a conjuntura da vida nacional, tem a certeza de que o Governo, fiel ao plano que elaborou, continuará a dar à Madeira todo o apoio e ajuda que ela merece.
Já uma vez nesta Assembleia pedi ao S. N. I. que levasse a efeito na Madeira a construção de algumas pousadas, à imitação do que tem realizado no continente. Fora do Funchal pouco ou nada há de apoio a um passeio em volta ou pelo interior da ilha tão cheia de forte e variada beleza. Parece-me que seria uma manifestação de real simpatia para com o Plano Intercalar, que dá prevalência turística à Madeira, se o ilustre secretário nacional da Informação. Sr. Dr. Moreira Baptista, satisfizesse agora esse pedido, que é o pedido de todos os madeirenses. Espero sejamos atendidos.
Sr. Presidente: As considerações que acabo de fazer falta-me a afirmação final: o Plano Intercalar, traçando as linhas mestras em que assentará, no triénio próximo, a nossa política de desenvolvimento económico, é da maior relevância para o progresso futuro de Portugal continental, insular e ultramarino.
Se posso discordar num ou noutro pormenor, no seu conjunto merece todo o aplauso.
Dando-lhe a minha aprovação, tributo ao Governo a minha homenagem pelo transcendente significado do Plano, para além do seu conteúdo e objectivo: a perene vitalidade da Nação. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: Usando da palavra, pela vez primeira pouco depois do início da presente sessão 1-egislativa, é com muita honra e elevada consideração que respeitosamente cumprimento V. Ex.ª, desejando-lhe todas as felicidades, tanto no desempenho da alta missão de V. Ex.ª como pessoalmente.
Passando a ocupar-me do objecto da ordem do dia, venho manifestar a minha concordância, na generalidade, com a proposta de lei em discussão, o que faço sincera e gostosamente: na verdade, o intento essencial do Plano Intercalar de Fomento, a cuja execução essa proposta visa ou seja «a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional, acompanhada de uma repartição mais equilibrada dos rendimentos formados» e condicionada pela «coordenação com o esforço de defesa», pela «manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior cia moeda nacional» e ainda pelo «equilíbrio do mercado de trabalho» põe em relevo, sejam quais forem as discordâncias de pormenor, não só a constatação (que nesse Plano transparece) da iniludível vitalidade e capacidade económica da Nação, mas também a existência de uma firme vontade de progredir, levando-nos, por conseguinte, a encarar o futuro com sólida confiança.
Mas não foi somente para dizer isto que pedi a permissão de subir à tribuna.
Foi também para observar e salientar - prestando embora a devida justiça a todas as preocupações do Plano em apreciação relativamente aos diversos sectores económicos - que uma considerável percentagem da nossa população vive da agricultura, e, sem embargo de através do desenvolvimento industrial se dever esperar um decréscimo, dela continuará ainda, em grande parte e por muito tempo, a viver. Daí a imperiosa necessidade de um grande impulso no revigoramento do sector agrícola, a realizar em perfeito equilíbrio com os demais sectores e não esquecendo que o melhoramento das condições da lavoura é, por sua vez, também condição do próprio e, aliás tão justamente, desejado progresso da indústria.
De harmonia com o que sumariamente deixo apontado, e em face do que leio no Plano Intercalar de Fomento, enfileire, pois, ao lado de quantos já aqui manifestaram, eloquentemente, o seu pesar pela exiguidade das verbas relativas aos investimentos prioritários programados no aludido Plano para a agricultura, a silvicultura e a pecuária, e, simultaneamente, exprimo o desejo, e a esperança, da revisão do financiamento respeitante a tais investimentos.
A fundamentar aquele lamento e a justificar este anseio, posso afirmar, referindo-me em especial às terras do círculo por onde fui eleito - Angra do Heroísmo , que muito é o que legitimamente esperam do Plano Intercalar as aspirações e necessidades do respectivo distrito em matéria de fomento agrário e pecuário, de que também posso focar alguns aspectos.
Assim: a devida utilização dos terrenos depende, como é óbvio, do seu conhecimento perfeito, com o fim de determinar as respectivas unidades pedológicas e o apuramento da capacidade de utilização, para a definição das condições económicas da produção local, sendo, por isso, de grande interesse para uma racional agricultura do dis-
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trito (que tão boas aptidões naturais apresenta) a elaboração de cartas de capacidade de uso dos solos.
Além da Estação Agrária na ilha Terceira, existem no distrito três postos agro-pecuários, sendo um na ilha Graciosa e dois na ilha de S.Jorge, recentemente construídos, em como existe, já em funcionamento, um posto de sanidade vegetal; indispensável é, porém, apetrechar eficazmente todos esses pontos de apoio da lavoura, a fim de assegurar a sua capacidade assistência, cada vez mais necessária.
De grande importância é também o auxílio e incentivo de que muito carece a mecanização da agricultura do distrito, para o que é precisa a correspondente maquinaria.
Foi recentemente criado na Intendência de Pecuária d(c) Angra, e está funcionando, um Centro de Inseminação Artificial de Gado Bovino, sendo, porém, imperioso completar o respectivo apetrechamento com diverso material de custo elevado, mas imprescindível para assegurar os bons resultados que justificadamente se esperam da campanha de inseminação artificial, que se pretende continuar e desenvolver em todo o distrito.
Além disto, incumbindo à Intendência de Pecuária referida uma importante missão, quer de natureza sanitária, quer de fiscalização de géneros alimentícios de origem animal, não pode também deixar de se considerar de necessidade assegurar o êxito daquela missão, dotando o mencionado departamento com todo o material conveniente, sendo de salientar, relativamente à fiscalização dos aludidos géneros, que no ano de 1963 foram industrializados no distrito 23 733 885 1 de leite, dos quais na ilha Terceira 15 344 340 l, na ilha de S. Jorge 8 149 333 1 e na ilha Graciosa 240 212 1.
Ainda que a realização destes e outros objectivos concernentes ao sector agrícola do distrito se encontre, segundo o vigente regime administrativo, a cargo da respectiva Junta Geral, certo é, contudo, que o relativamente pequeno volume das receitas desta não lhe permite atingi-los plenamente sem os auxílios que do Plano Intercalar de Fomente se esperam. Aliás, foi, decerto, por assim o entender, que S. Ex.ª o Ministro de Estado, ao manifestar o desejo de que as juntas gerais das ilhas adjacentes, com vista àquele Plano, seriassem «com coerência e realismo as suas aspirações em matéria de fomento económico», afirmou, expressamente, afigurar-se-lhe que «seria a todos os títulos inconveniente que as ilhas adjacentes não viessem a ser incluídas no Plano».
Mas as aspirações e as necessidades de fomento do distrito de Angra do Heroísmo não se circunscrevem unicamente aos objectivos agro-pecuários: têm também em vista outros interesses económicos.
De entre estes, referirei em especial apenas para não me alongar- os que respeitam à pesca, aos transportes, às comunicações marítimas e aéreas e ao turismo.
Quanto à pesca, existem nas águas costeiras das três ilhas do distrito valiosas espécies, cuja exploração representa importante actividade, embora de carácter artesanal, quer relativamente aos que a ela se dedicam, quer com relação ao abastecimento da população; além disso, constituem aquelas ilhas excelentes pontos de apoio da pesca oceânica de tunídeos, em cuja actividade, intermitente e sem ainda dispor de todos os meios que seriam necessários, se acham já investidos alguns milhares de contos das respectivas empresas. Tanto uma como outra das actividades referidas bem merecem, como parte integrante da economia do distrito e da Nação, ser contempladas pelo programa de fomento da pesca constante do Plano Intercalar, sobretudo através do melhoramento das condições de segurança no mar e do desenvolvimento da preparação profissional (sendo, a este respeito, digna da maior protecção a escola de pesca em incipiente mas prometedor funcionamento na freguesia de S. Mateus, da ilha Terceira) e ainda através da indispensável assistência científica e tecnológica.
Quanto aos transportes rodoviários, faz o Plano Intercalar de Fomento referência ao prosseguimento dos programas nacionais de construção, reparação e beneficiação de estradas e afirma que na parte relativa aos Açores o respectivo financiamento é assegurado nas condições já estabelecidas no Decreto-Lei n.º 44899, de 22 de Fevereiro de 1963 (que determina a repartição desse financiamento entre o Estado e as juntas gerais). Sendo, como é óbvio, inteiramente verdadeira a afirmação, deve, contudo, ter-se presente que o mapa anexo ao citado decreto-lei não poderá deixar de ser revisto oportunamente, dado que se encontram ausentes dele algumas obras que são essenciais ao fomento rodoviário do distrito.
Finalmente, quanto aos problemas das comunicações marítimas e aéreas e do turismo, considerarei apenas alguns dos seus aspectos, e em conjunto, atenta a respectiva interdependência.
Assim: consta do Plano Intercalar de Fomento que, estando em conclusão as obras de construção de um cais acostável no porto de Angra do Heroísmo, se projecta efectuar no próximo triénio o competente equipamento terrestre e flutuante, cujo investimento será suportado pela Junta Autónoma dos Portos do distrito. Acho muito bem o projecto; mas que ninguém se iluda com o alcance da palavra «acostável», pensando que tudo ficou resolvido com a construção do mencionado, e na verdade, grande cais, pois, cabendo-lhe realmente o referido qualificativo, de facto só se mostra «praticável» para os pequenos navios, como o Cedros, o Ponta Delgada e o Girão, e nunca para os de longo curso. É que, não obstante a excelente execução da obra do aludido cais que, pelas suas mesmas proporções e orientação, veio tornar mais apertado o porto de Angra do Heroísmo-, o problema do porto da ilha Terceira continua ainda por resolver, afigurando-se-me que só resta para o solucionar o aproveitamento da ampla baía da Vila da Praia da Vitória, onde, aliás, embora apenas para fins militares, já existe em funcionamento aquilo que é necessário e está sendo utilizado para a frequente acostagem de navios de grande tonelagem.
A par do que deixo dito, há que salientar as circunstâncias agravantes, que decorrem do facto de o navio Funchal, na viagem que em todos os meses efectua aos Açores, só nos do último Verão ter permanecido na ilha Terceira um dia, escalando esta ilha nos restantes meses (que são os mais sujeitos ao mau tempo) apenas em parte da tarde (já depois das 4 horas) e da noite, e ainda do facto de o navio Carvalho Araújo - o qual, com aquele outro, constitui a única equipa de unidades de transporte marítimo, normal, de passageiros de Angra do Heroísmo para Lisboa - passar por Angra do Heroísmo a caminho da capital somente, na melhor das hipóteses, sete dias antes do Funchal, o que faz com que se esteja depois três semanas consecutivas sem transporte marítimo de passageiros para Lisboa, ou seja, pior, sob este aspecto, do que no tempo em que isso se verificava apenas de quinze em quinze dias.
Pode, assim, formular-se a pergunta, agora sob o ponto de vista turístico, de: como se há-de, em face do que fica descrito, assegurar a existência de um mínimo de condições indispensáveis ao turismo, no que diz respeito a comunicações marítimas?...
No tocante às comunicações aéreas, prevê-se, com razão, no Plano Intercalar de Fomento, que a projectada construção de um novo aeroporto na ilha de S. Miguel e a do
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aeroporto da Horta virão melhorar consideràvelmente as ligações entre as ilhas dos Açores pelos meios de que já dispõe a Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, cujo desenvolvimento também ali se prevê. Falando-se., porém, das ligações aéreas «entre» as ilhas, parte-se, evidentemente, do princípio de que estão asseguradas as comunicações aéreas «com» os Açores; e, de facto, estão, através do aeroporto da ilha de Santa Maria, considerado, por assim dizer, a porta de entrada, por via aérea, para as ilhas açóricas.
Afigura-se-me, todavia, que a experiência das condições meteorológicas tem revelado (e nem tudo poderão contra estas os benefícios que hão-de advir da construção dos aeroportos atrás referidos) tratar-se de uma entrada que depois de transposta nem sempre franqueia a imediata penetração no interior da casa. quero dizer do arquipélago. Por isso me parece vir a propósito perguntar: porque não se cria o condicionalismo permissivo da normal utilização, limitada embora, da outra porta, por sinal bem larga e centralizada, que existe na ilha Terceira: o aeroporto das Lajes? Só haveria nisso grande bem para gente de outras ilhas, para quem de fora demanda diversas terras açorianas e também, consequentemente, para o fomento do turismo, aproveitando-se, assim e em justo equilíbrio, todos os meios de comunicação por via aérea de que os Açores já dispõem e sem que isso acarretasse (antes pelo contrário, sobretudo depois de construídos o novo aeroporto da ilha de S. Miguel e o da Horta) nenhum prejuízo à empresa encarregada de assegurar as ligações aéreas entre as ilhas.
Tal é, Sr. Presidente, a minha mal alinhavada expressão de aspectos de algumas necessidades de fomento respeitantes ao distrito de Angra do Heroísmo, as quais aí ficam em expectativa diante do Plano que se está apreciando nesta Assembleia.
Bem sei que esse Plano será. sob vários pontos de vista, uma preparação para o futuro III Plano de Fomento, em que se hão-de incluir e projectar realizações de maior vulto e alcance. Nalguma coisa, entretanto, quero crer, e esperar, que as aspirações a que me referi virão a ser atendidas através da execução do Plano Intercalar de Fomento, constante da proposta de lei em discussão e à qual dou, por isso, confiadamente, a minha aprovação na generalidade.
Para concluir, cônscio de que a economia é para serviço do homem e este para servir a Deus, eu voto, sentidamente, por que a Providência se digne tornar fecundo o esforço do Governo e da Nação na enorme tarefa de dispor e fazer reverter todos os valores económicos do País a favor da harmonia, da paz e da prosperidade e elevação da sociedade portuguesa, para honra do Altíssimo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: O problema que é posto à Câmara com o Plano Intercalar de Fomento constitui tão praticamente um facto consumado por parte do Governo, isto é, um acto definitivo do seu poder administrativo, na medida em que política e administração se confundem e não é possível distingui-las no nosso esquema constitucional, que me parecem as análises descabidas e, sobretudo, muito fora de tempo.
Com efeito, a Câmara é chamada a pronunciar-se sobre a legalidade dos meios de que o Governo precisa munir-se para poder executar um plano de fomento que concebeu e apresentou à Câmara a título esclarecedor do seu pedido de meios de acção.
Não está em discussão o Plano, mas as teses que o Plano comporta, isto é, as estruturas político-económico-sociais que o informam, em ordem às quais o Governo propõe certos: princípios que hão-de orientar a sua acção, acção essa que constitui a planificação proposta.
Não irei, pois, ser demasiado longo, nem afastar-me de mais de linhas muito genéricas, que me são as únicas possíveis. Aliás, o Plano está feito, e assenta, quanto ao pormenor, num largo alicerce de estudos que não é possível examinar e nascem de uma ordem de factos, de situações e de circunstâncias que em si mesmos carecem de próprio valor, e só valem e significam consoante a óptica e a ética que exprimem, ou por que são vistos, considerados, equacionados e, finalmente, resolvidos.
E isto, aliás, que dá sentido à política e fundamenta as chamadas opções políticas, e é para criar-se um enquadramento de ideias aos factos que existem governos, a Administração, a opinião pública e órgãos políticos.
Há, por assim dizer, uma balança de forças com um prato nas ideias e outro nos factos, que tanto faz pesar de um lado como do outro, porque de qualquer modo é possível equilibrar a balança. E como a vida das pessoas, dos povos e das nações é um constante pesar na balança, uma permanente realização de equilíbrio e de harmonia, não carece ser demonstrado, em teorias, que uma pressão política se compensa com factos inerentes a essa política e uma pressão de factos se compensa com a política inerente a esses factos. Das descompensações nascem os desequilíbrios, que têm, naturalmente, reflexos psicológicos, que originam, por sua vez, as chamadas pressões emocionais.
Estabelecido assim o esquema de uma doutrina política que me parece ser a modalidade doutrinária que efectivamente pode interessar a uma Assembleia como esta, naturalmente alheia ao problemas técnicos, porque a sua função é essencial e globalmente política, vejamos, por sumário, a política que o Governo se propõe realizar numa ordem de factos, que é o Plano.
«Entende o Governo ser necessário prosseguir - como ele escreve - o planeamento do desenvolvimento económico nacional e, na medida do possível, alargar o âmbito desse planeamento» com vista a continuar-se a «valorização económica e social da Nação».
Embora já se vislumbre nestas palavras a incidência da preocupação governativa, a concretização vem a seguir, quando se lê que o Plano «tem como objectivo principal a aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional, acompanhado de uma (repartição miais equilibrada do rendimento».
Não pode contestar-se a validade desta síntese conclusiva, porque a «repartição mais equilibrada do rendimento» é uma imperativa pressão psicológica dos nossos dias, com vista a conseguir a maior justiça social por meio de uma melhor participação individual na riqueza geral. Mas por isso mesmo eu teria preferido que na intencionalidade do Plano tivesse o Governo partido do individual e do social para chegar ao económico, porque, sendo os resultados finais os mesmos nas somas, são òpticamente diferentes as formas e os processos, o que não quer dizer que a intenção do Governo, na redacção que lhe dá, exclua por completo a possibilidade de outra via de realização e, portanto, na execução não possa predominar o social sobre o económico, para que este se contenha naquele sem o dominar.
Deste modo teria também preferido que o Governo optasse por uma aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional conjugada com uma aceleração da reparti-
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cão mais equilibrada do rendimento, dado que acelerar e acompanhar não são bem a mesma coisa.
Talvez; se afigure puramente escolástica a distinção, mas o que é certo é que faz actualmente carreira a ideia de que o económico está ao serviço do social, e o social ao serviço do indivíduo. Será pais de desejar que o nosso Plano Intercalar de Fomento se execute como plano de desenvolvimento social.
Também não é escolástica a distinção (escolástica no sentido do meramente especulativo que caracteriza o decadentismo da escolástica, que teve aliás a sua fase criadora), e dizer que tem interesse a distinção, quando se considera que o Plano engloba o ultramar.
E aqui chegamos à encruzilhada dos caminhos.
A este respeito começa o Governo por dizer que o Plano «procura ser um plano coordenador dos vários programas de desenvolvimento elaborados para cada uma das parcelas da Nação». Já se vê que se não conhecem tais programas, e é pena que o Governo os não divulgue, para sobre eles se debruçar a opinião pública, e assim poderem ser corrigidos, aperfeiçoados, melhorados, consoante o debate das ideias e a evolução dos factos.
Mas acerca disto tenhamos esperanças, porque há nas bases V e VI algumas disposições de grande alcance no futuro, com particular interesse para o estabelecimento de uma concordância de plenitude entre a integração económica e regionalização do desenvolvimento económico nacional.
A proposta não diz mais nada, mas no n.º 3 da introdução ao Plano pode ler-se que «no ultramar o Plano continua a ser, fundamentalmente, um agregado de projectos de investimentos prioritários com forte predomínio do sector público na hierarquia das necessidades a satisfazer», o que o Governo justifica com o «estádio de desenvolvimento em que se encontram os territórios ultramarinos, nos quais o aperfeiçoamento do sistema de infra-estruturas económicas e sociais se apresenta ainda como necessidade mais instante».
Embora já não alcance - ou seja eu que não alcance - a distinção que se faz entre programas e planos, porque se fala de uns o de outros, se referem na proposta «programas de desenvolvimento elaborados para cada uma das parcelas» e st referem na introdução «planos de desenvolvimento elaborados para cada uma das parcelas» e ainda «planos provinciais», o que parece facto é haver já planos próprios para cada província :que o Governo se propõe articular uns com os outros e com o da metrópole, em ordem a um espaço económico nacional onde os grandes objectivos são idênticos, como diz e estamos de acordo.
Mas, se há planos ou programas, não entendo como pode o Plano Intercalar ser, para o ultramar, um mero «agregado de projectos de investimentos prioritários», porque me parece que se destrui a noção do programa ou do plano, implicativa de uma lógica. Donde eu deduzo que o Plano Intercalar ao procurar ser um plano coordenador, destruiu a unidade e a essência de cada plano coordenado e coordenável. Daí o ter ficado um agregado, e implicitamente o Governo afirmar que o que se propõe no ultramar é fazer umas coisas dispersas, tanto mais que agregado, nesta matéria, significa lançar mão. como recurso, do que foi dispersamente estudado ou pensado, ou procurar juntar coisas que forçosamente ficaram dispersas depois de uma operação preliminar que as desconjuntou.
A lisura a que me obrigo sempre nos meus raciocínios impõe-me concordar em que há de facto, e ainda, grandes obstáculos à planificação coordenadora ao nível do espaço nacional, que prefiro interpretar como espaço social nacional, a meu ver mais expressivo, e politicamente mais significativo do que espaço económico nacional.
Mas, para além dos atrasos científicos, estatísticos e econométricos, que implicam acção, há dificuldades de processo e de forma no binómio integração regionalização, de forma que as forças se não excluam, mas se complementem, o que é ainda uma dificuldade de elaboração da ideia, e há sobretudo os consideráveis desníveis sociais no aspecto em que são económicos, o que por definição exclui os morais, os jurídicos e os políticos, em que não vejo nem sinto que andemos no ultramar atrasados em quer que seja em relação ao nosso tempo no que respeita à pessoa humana.
Caímos desta forma no problema axial do Plano Intercalar de Fomento, que é o da integração económica, que ele se propõe auxiliar.
Acontece que o problema da integração económica é fundamentalmente um problema de consolidação nacional, problema essencialmente político portanto, problema essencialmente social por consequência, ou, em horizontes mais amplos, é na essência o problema da unidade nacional de um complexo disperso a que é preciso assegurar coesão, equilíbrio e harmonia.
Ora, não há complexo, e em si própria a palavra tem significado expressivo, que possa ser compreendido por um só dos seus aspectos. E forçoso considerar simultaneamente todos. A integração económica é, assim, uma das várias ópticas por que deve ser realizada a integração nacional, e a integração, já o disse aqui, é uma força coesiva, uma forma de viver, um modo de ser, que tem de contínua e progressivamente realizar-se e actuar, sem que nunca esteja terminada, porque irão nascendo sempre, em espaço e tempo, novos problemas a considerar.
Na vida portuguesa a integração é um problema tão velho como a expansão ultramarina, e nasceu com ela como inerência portanto. O regime de facto colonial que desde sempre a tem orientado ainda não perdeu a este respeito todas as virtudes, embora estejam definitivamente condenadas as suas práticas abusivas.
Com efeito, o princípio em que assenta a vida comum e universitária de povos e territórios contínuos ou descontínuos é o mesmo, e é um pacto, expresso ou tácito, mas de qualquer forma um pressuposto, e assim como se não discute a ideia de pai, ou de filho, na essência, também se não discute a de nação, de raça, ou de pátria. São continuidades e permanências que transcendem as pessoas. Pagam-se, todavia, tributos a estes valores da vida moral, e o pacto colonial não foi longo tempo senão uma forma de realizar a unidade nacional e de pagar os seus pesados encargos.
Com oscilações inerentes ao tempo e às circunstâncias e excluídos os abusos, o pacto colonial serviu o seu fim e assegurou a unidade nacional, fechando o ultramar a invasão económica estrangeira. Seguidamente fizeram-se no tempo de Pombal as primeiras tentativas de planificação económica à escala nacional com especialização da produção por territórios, procurando-se reservar a Macau o monopólio do comércio com a China, à Índia a construção naval e a tecelagem de algodão, a Moçambique a extracção do ouro e de mão-de-obra, à costa ocidental de África também a extracção de mão-de-obra e no Brasil a produção de ouro, pedras preciosas, tabaco, açúcar, peles e aguardentes. As ordens do Marquês foram taxativas: desenvolver o comércio, o que originou a montagem ou reorganização de uma série de indústrias na metrópole, obra que se continuou pelo reinado de D. Maria I, sob a égide dos economistas da Academia das Ciências, e há que
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não esquecer a aplicação do benefício do pacto colonial ao Brasil em relação à costa ocidental de África, e à Índia em relação a Moçambique, porque o sistema de colónias de colónias foi particularmente, português.
Não me oferece dúvidas que os progressos do ultramar, neste período que dura até à transferência da Corte para o Brasil, foram importantes e evidentes, e funcionava um espaço económico português. O que se evidenciou também imediatamente foi que as forcas internamente criadoras geradas dentro deste espaço económico não podiam ser contidas no seu pleno desenvolvimento. Considero o impulso pombalino o criador de uma época dourada do comércio ultramarino, que durou até os Ingleses nos porem a navalha na garganta com os tratados do Rio de Janeiro e de 1815, iniciadores de uma alienação que Sá da Bandeira começou lentamente a resgatar 25 anos depois.
E tinha tal coesão o espaço económico português que sobreviveu intacto no ultramar ao colapso da metrópole com as invasões francesas e a ocupação inglesa. Passou então o Brasil a desempenhar, política e economicamente, as funções de metrópole, comprovando-se pouco depois que tais actos são irreversíveis e decisivos factores de aceleração.
Quer isto dizer que a integração económica unilateral é por si só uma forma perigosa de integração, e não resulta quando os interesses nacionais são abandonados à pressão e à volubilidade dos interesses económicos, sujeitos a leis mecânicas. Ora no Brasil aconteceu que o poder económico se apoderou do poder político e o manobrou sob a égide dos Ingleses, que eram naquele tempo, na colónia, o que os mesmos Ingleses e os Norte-Americanos são hoje em relação à nossa África.
Com efeito, a integração por inserção social não estava sequer iniciada quando o Brasil nos abandonou por obra de uma minoria que possuía todas as forças de integração económica nacional, concentradas então na própria colónia, e que não hesitou separar-se da metrópole quando esta regressou à Europa e surgiu uma divergência de constitucionalidade nacional, que tinha por fim subtrair as regiões brasileiras mais atrasadas às arbitrariedades possíveis.
Temos obrigação de conhecer a nossa história e tirar dela alguns ensinamentos. A lição que se colhe é que. num território com desníveis sociais desarmónicos, du grupos compartimentados, sempre que a minoritária força económica local toma conta do poder político local há uma força nova e cristalizante que é indomável. Possui lugares e formas de actuação e de pressão, cresce normalmente como agente da congénere da metrópole, que dela se serve para tomar posições de produção ou de mercado, e lhe cede interesses que a certa altura, robustecidos, se autonomizam. A partir desse momento intervém o aliciamento estrangeiro, que oferece maiores vantagens.
Se por um lado não é possível conter em limites e. formas calculadas o livre desenvolvimento económico por condicionamentos de qualquer natureza, mas por outro lado não convém deixá-lo crescer tão desmedidamente só que se torne monopolizador das situações sociais existentes, que as estabilize, é porque a integração nacional é um fenómeno complexo que, como se viu. evolui na permanência do fenómeno, e só pode ser tratada, isto é, realizada, na sua total complexidade. Deste modo, a predominância económica da solução contínua nada resolve, porque integra numa modalidade e num sentido em que por desequilíbrio desintegra por rotura.
Há, pois que procurar a integração plural harmónica, favorecida mas espontânea, baseada no sentimento português, que é o mais nobre e puro dos valores nacionais criado e enriquecido pelo tempo na vida da Nação por todo o Mundo, um permanente luta contra os apetites de todos.
Há ainda uma outra grande ordem de problemas de que darei apenas um apontamento. E que, assim como é impossível, na realidade concreta, o convívio, a convergência psicológica, a comunhão, de pessoas civilizacional, cultural ou socialmente muito distanciadas, confinadas, portanto, em meios próprios, com vidas peculiares, também se não vê maneira de integrar economicamente territórios e populações em situações e formas económicas e sociais tão diferentes e tão distanciadas.
Parece, pois, que, numa ordem de valores e prioridades, o desenvolvimento social, com a inerente inserção social que se contém na sentimentalidade social e política, portuguesa, deve preceder o desenvolvimento económico, e como o social implica o económico, há que promover naquele um arranque económico de base. Passadas as fases iniciais, os desenvolvimentos sociais e económicos serão espontâneos e paralelos.
A este respeito a metrópole está, e esteve sempre, muito mais avançada do que o ultramar. Aliás, é nisso que assenta, a sua valência de metrópole.
Afigura-se-me, portanto, que para a Nação se realizar plenamente no futuro tem de ser livre o desenvolvimento da metrópole, e essa é uma "garantia básica que a- Nação dá ao ultramar, como tem de ser obviamente livre o desenvolvimento do ultramar, onde há que favorecer as iniciativas e criar as oportunidades. Confesso que me causa apreensões verificar em opiniões responsáveis um tal alarme que ao antigo pacto colonial se procure substituir um novo pacto metropolitano, que consistiria em a metrópole pagar a preços de favor, que seriam preços políticos, a produção ultramarina. É económicamente insustentável. A metrópole não merece isso, e seria criar artifícios de vida ao ultramar. Ao que parece, a integração económica deve resultar de um tratamento diferencial em todos os territórios ultramarinos em relação ao estrangeiro, sem prejuízo das necessárias e prudentes protecções em cada um deles contra os demais territórios nacionais, para em cada um deles se tornar viável o seu próprio desenvolvimento. Os territórios que sucessivamente adquiram, nos vários sectores, a respectiva possança económica, de competição livre com a metrópole, ou os demais, entrarão no regime de livre circulação nacional, protegida em relação ao estrangeiro.
São estes, a meu ver, os tributos que a economia nacional terá de pagar à unidade nacional. Por isso eu disse que, do ponto de vista da unidade nacional, o regime do pacto colonial que a criou e manteve não perdeu ainda as virtudes de sistema. O que tem é de ser aplicado segundo uma óptica amplamente nacional, e é ainda dentro das suas fórmulas, vistas à escala nacional, que está o futuro próximo. Não deve continuar colonial, não deve tornar-se metropolitano, sendo apenas necessário que o princípio se aplique a cada território na medida e pelo tempo que for conveniente.
Estará já a ver-se que na minha tese a metrópole e o ultramar não podem ser considerados e tratados de igual modo. A metrópole, não obstante muita pobreza e grandes atrasos sociais na metade interior, possui globalmente condições gerais de desenvolvimento social rápido, notam-se tanto os esforços como as intenções nesse sentido, e o crescimento económico tem-se verificado.
No ultramar as situações são Obviamente diferentes e divergem de uma para outra província. No entanto, ao estabelecerem-se os «princípios orientadores da elaboração dos programas para o Plano de Investimentos para
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1965-1067» o Governo resolveu considerar esse Plano de Investimento» como uma fase preparatória do lançamento do plano de desenvolvimento económico e social que será o III Plano de Fomento, o que daria a este Plano Intercalar ou de Investimentos características muito especiais: resolveu considerar um «espaço nacional unificado» a partir do III Plano de Fomento, como resulta da conjugação dos n.ºs 3 e 4 dos princípios orientadores; e resolveu que os planos de desenvolvimento, a partir do III Plano de Fomento, assegurassem:
a) Preferência pelos investimentos em empreendimentos de maior e mais rápida reprodutividade;
b) Preferência pelas actividades de produção de bens de equipamento destinados à exportação ou substitutivos de bens importados;
c) Escolha das infra-estruturas que mais directamente contribuam para aperfeiçoamento do potencial produtivo da população.
Não estava o esquema nada mal pensado, ao que me parece, mas em 27 de Julho de 1963 resolveu o Governo que o esquema de preferências previsto para o III Plano de Fomento passasse a constituir a escala de prioridades para o Plano de Investimentos de 1965-1967.
Como esta decisão foi automaticamente aplicada ao ultramar por antecipação, ficaram prejudicadas na ordem de prioridades as necessidades ultramarinas, seguindo o meu prisma, como veremos.
Definiram-se depois para os programas das províncias os seguintes princípios:
1.º Esquema de desenvolvimento polarizado com crescimentos concentrados nos pólos de desenvolvimento já existentes.
2.º Papel primacial das juntas provinciais de povoamento.
3.º Criação de infra-estruturas sociais e culturais destinadas a facilitar o enquadramento dos nativos no novo âmbito social e económico.
Em virtude disto mandaram-se esquematizar os planos provinciais nas seguintes fases:
1.º Determinar pólos e linhas de programação do desenvolvimento, fixar objectivos próprios e definir a escolha dos meios adequados para os atingir.,
2.º Determinar a compatibilidade dos objectivos e a coerência dos meios escolhidos.
3.º Estudar as implicações [...] do esquema de desenvolvimento a adoptar.
4.º Avaliar da progressiva integração das economias indígenas no circuita da economia monetária.
A escala de prioridades estabelecida foi:
1.º Conhecimento científico da território.
2.º Estabelecimento de empresas agrícolas e industriais transformadoras de matérias-primas locais, utilizando de preferência os pólos existentes e atendendo à existência de energia, explorações mineiras e comunicações.
3.º Alargamento da rede de infra-estruturas de transportes e comunicações.
4.º Criação de orgânica administrativa para os planos e para a Coordenação de uma economia nacional no espaço português.
5.º Apoio da agricultura de subsistência, promovendo a sua estabilização e o estímulo do espírito cooperativo, mediante o recurso intensivo à técnica do desenvolvimento comunitário.
6.º Intensificação dos equipamentos de carácter social na saúde e na instrução.
7.º Esforço pana diversificar as exportações (quanto a produtos e destinos) e orientar as importações conforme as exigências do desenvolvimento.
Não sei o que fizeram as várias províncias a este respeito, mas sei que Moçambique definiu nove pólos de desenvolvimento, existentes, a desenvolver ou a criar, e fez de cada um seu estudo. Pelo que vi, esses estudos parecem-me, em certos aspectos, frágeis, por carência de dados de base e até por uma certa falta de colaboração por parte de alguns serviços. A talho de foice direi que o sistema de grupos; de trabalho, fora da orgânica de serviços que existem especializados para o efeito, parece não dar resultado. É natural que os serviços tenham dos seus próprios problemas de acção uma ideia e deles queiram dizer uma palavra sua. Seria preferível apetrechar serviços em vez de criar grupos, de trabalho fora deles. Não posso, todavia, deixar de consignar uma palavra de excepção ao grupo que se ocupou da análise social, porque a meu ver produziu trabalho de alto merecimento (apenas com o senão de algumas páginas finais hoje desactualizadas). O trabalho foi editado em Outubro deste ano pela Junta de Investigações do Ultramar, com o titulo de Promoção Social em Moçambique, mas data de 1962. É um livro que vale a pena ler.
Para adiantar direi que Moçambique programou um utópico plano de 12,5 milhões de contos, que foi logo desbastado a esmo, como quem corta mato, para ficar
em 4 676 000 contos. O Governo acabou por ceder 5 400 000 contos, mas acabou por se fixar num agregado da sua própria invenção. Quem lê os dois planos não sente que tenha havido coordenação. A proposta inicial de Moçambique obedecia a um rumo definido - bem ou mal é outro problema- - e tinha de facto uma grandeza utópica, mas os limites financeiros não haviam sido dados. A segunda proposta de Moçambique, coitada, já saiu algo careca, mas a que consta do projecto enviado à Câmara é que se não parece nada com o quer que seja de um plano global para Moçambique.
Os pólos de desenvolvimento diluíram-se, e como que se preparam condições nas zonas de influência de Lourenço Marques e da Beira em especial para grandes concentrações demográficas tentaculares na relatividade das coisas da província, originando desenvolvimentos desequilibrados, o que é conferia o 4.º princípio orientador inicial, que entre outras estabelece como condições de realização o «equilíbrio regional do desenvolvimento» e o «equilíbrio do mercado de trabalho». Afluirão as populações a certas zonas do litoral, com graves inconvenientes de toda a ordem.
Era ideia do Governo que o Plano Intercalar fosse um plano de transição preparatório do III Plano de Fomento, que seria plenamente um plano de desenvolvimento económico e social.
As coisas não saíram assim porque se antecipou a aplicação do esquema dos planos futuros ao Plano Intercalar, que por força da sua natureza e função deveria ter uma textura própria, especial, transitiva para o III Plano de Fomento.
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Terá tido o Governo razões para mudar de orientação, mas julgo que também as tenho para permanecer nela.
Ora, qual é o nosso problema em África? É um problema de progresso, extensivo aliás a quase todo o Mundo. Não. é, portanto, um problema peculiarmente nosso. Estamos apenas enquadrados num problema geral, com a nossa quota-parte. Mais atrasos neste sector, menos atrasos naquele, o nosso ultramar marcha nitidamente em paralelo com a restante África negra, tirando o caso especial da África do Sul.
O nosso problema de progresso em África está, porém, envolvido emocionalmente num problema que é exclusivamente português e é um problema político, aliás atirado para dentro das nossas fronteiras, à força, por uma conspiração internacional, que, com o máximo escândalo do nosso conceito de carácter, de honra e de dignidade, tem à frente, além dos países comunistas, que não perdem ensejo de fomentar a perturbação para ideologicamente se expandirem, os Estados Unidos, a Inglaterra, a Suécia e a Noruega como principais.
Perante isto, a forma de actuar para a defesa da Nação terá de ser diferente na metrópole e no ultramar, embora os objectivos finais sejam os mesmos e comuns. E como quem está perante uma situação estratégica e tem de manobrar diferentemente as várias forças que possa lançar na luta. Ora, neste momento, contidos nas fronteiras ou aniquilados interiormente, os inimigos ri e Portugal procuram a frente interna, que é sempre uma zona difusa, sujeita a pressões psicológicas.
O que basicamente nos interessa, portanto, é fazer do Plano Intercalar na metrópole um plano de suporte para desenvolvimento da produção a consumir na luta e fazer do Plano Intercalar no ultramar uma força de coesão nacional em torno da metrópole.
Conheço um texto oficial em que se diz, com razões que se alegam, que os programas provinciais terão (cito) «de ser estruturados em moldes similares ao programa metropolitano», o que peço licença para considerar um erro de base porque não podem comparar-se situações diferentes, que geram outros problemas e, portanto, carecem de outras soluções.
No caso específico de Moçambique a situação é esta: há uma minoria de 2,5 por cento da população, europeus, asiáticos, mestiços e africanos, em cidades, vilas e povoações e explorações mineiras e agro-pecuárias do interior que detém o grosso do capital, emprega-se em actividades modernas e na economia do mercado (serviços, comércio, indústria, transportes, agricultura de rendimento) e fornece ao Estado a quase totalidade das receitas públicas. Ascendem livremente na escala social e económica por seus próprios meios.
Há uma minoria de 3,5 por cento da população, de diversas raças, mas africanas em especial, que tende a aglomerar-se nas periferias urbanas em condições deficientes, se destribaliza e vive do trabalho assalariado. Há finalmente, uma grande maioria de 94 por cento da população, totalmente negra, que vive em economia de subsistência, com complementos de assalariamento, emigração temporária e alguma agricultura de rendimento. São dados de 1962.
Parece-me que os três anos do Plano Intercalar seriam muito bem aproveitados se se fizesse um esforço essencialmente concentrado no sentido de trazer rapidamente a economia de mercado a esmagadora maioria da população que vive em regime de subsistência, por meio de uma aplicação ampla, interna e externa, do desenvolvimento comunitário, do reordenamento agrário, da solução de fundamentais problemas como viação rural, abastecimento rural de águas, comercialização nos meios rurais por meio de cooperativas, povoamento racional das populações negras e povoamento intercalar europeu, que é fundamental prosseguir e ampliar no interesse da ascensão económica e social das populações nativas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - O que é urgente para Moçambique é criar às populações rurais condições de melhor vida nos meios rurais por meio de contactos e convívios com o Europeu, com vista à inserção social no âmbito nacional, e criar-lhes altos rendimentos, para que haja melhor nivelamento e melhor repartição da carga fiscal, que actualmente aflige uma minoria que a suporta e recorre a todos os expedientes para se defender.
Na minha tese, isto é, no prisma do interesse nacional imediato por onde filtro o Plano Intercalar, as próprias populações pagarão a despesa do seu arranque, numa larga medida, pelo sistema do desenvolvimento comunitário, « arrancarão durante três anos, no âmbito das infra-estruturas inerentes ao sistema, de modo a prepararem-se rapidamente para a planificação global prevista à escala nacional para o III Plano de Fomento. Por sua vez, o Estado preparará a criação do desafogo financeiro que actualmente lhe falta em Moçambique, e penso terá levado o Governo a optar pela criação imediata de fontes tributáveis. Todavia, por este sistema a tributação continuará a incidir de modo especial nas minorias económica e socialmente desenvolvidas e as maiorias arrancarão mais devagar.
Na minha tese, o Plano Intercalar não deve para o ultramar ser exclusivamente nem predominantemente um plano de fomento. Há a considerar que o ultramar sai de uma conjuntura típica para novos modos de vida. Àquela conjuntura correspondeu uma determinada orgânica administrativa geral ou local caracterizada pela circunscrição e o posto, com o administrador e o chefe e um sistema tributário de base pessoal, o imposto. A fase anterior fora a dos comandos militares, caracterizada pelo imposto colectivo, ou melhor, por uma responsabilidade colectiva e tribal pelo imposto individual.
Ora o progresso acentuado nas formas de vida exige uma reforma geral da administração pública, que não pode desprender-se da intencionalidade do Plano Intercalar, e nisto reside uma das diferenças essenciais de modo entre o ultramar e a metrópole. É que nesta a administração pública já não evolui de modo espectacular e está estabilizada desde o liberalismo. No ultramar está ainda a expandir-se, carece de reajustamentos constantes, reformas e adaptações permanentes ao circunstancial. Portanto, um plano que não considere a reforma administrativa como meio de realizar-se a inserção social e não apoie a inserção na economia de mercado há-de necessariamente falhar em grande parte. Foi por isso que Moçambique dedicou lugar de relevo à análise social e faz depender a promoção social de uma reorganização das estruturas administrativas de base, a partir das freguesias, e da reorganização das estruturas económicas dos sectores sociais atrasados por um apoio à cooperação comunitária.
Sem se resolver este conjunto de problemas não parece possível encarar de modo satisfatório a urgentíssima ré-
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forma tributária de que Moçambique carece. O Código Administrativo será, pois, um pilar do sistema. Besta ver se ele atende- às soluções preconizadas pela Comissão Técnica de- Planeamento e Integração de Moçambique, o que é do duvidar, porque, pelo hábito que nacionalmente, temos de trabalhar desfasados, pertencendo a doutrina do código ao conselho do Conselho Ultramarino e o Plano ao planeamento por outro órgão, é muito provável que as coisas se não conjuguem.
Por sua vez, a reforma tributária não resultará se largas camadas da população sujeitas ainda ao mero imposto pessoal não puderem oferecer à tributação novas actividades de mercado, nem resultará se se não proceder na província, a- um reordenamento dos seus serviços centrais, que, foi força de circunstâncias de cada momento, se tornaram com o tempo múltiplos concorrentes dispersos 12 preciso organizar sólida e economicamente as secretarias provinciais, o sintetizar e apetrechar convenientemente serviços que por falta de meios em pessoal e material estão a tornar-se meramente burocráticos, inoperantes estranguladores.
Na minha óptica, dando-se às actividades privadas plena liberdade de acção à sua responsabilidade, tem o Estado um campo delimitado, que é dedicar-se essencialmente ao arranque económico das populações atrasadas, incidindo esforços na agro-pecuária e nas comunicações, na educação de base, na- saúde o no bem-estar rural. O resto virá- no conjunto e por acréscimo natural. Montam-se por agora menos indústrias «m Moçambique, e os actuais pólos em crescimento desenvolvem-se menos? Não faz mal: porque o mato beneficia, melhora, progride, e ascendem as populações rurais.
O Governo, preocupado com a rentabilidade imediata dos investimentos, e sob pressão de uma corrente provincial muito em voga e muito antiga, parece estar na disposição de fazer mão larga no ultramar ao capital estrangeiro. A este respeito sou de opinião que o capital estrangeiro só é nacionalmente útil na medida em que o desequilíbrio de forças que gera é compensado com capitai nacionais. Afigura-se-me até que Moçambique está a ser objecto de uma- tomada de posições estrangeiras idêntica à que se verificou durante o ciclo do Ultimato, em que, como se sabe, fomos forçados a alienar concessões portuárias em Lourenço Marques, o caminho de ferro de- Lourenço Marques, importantíssimos terrenos em Lourenço Marques, o porto da Beira, a Companhia de Moçambique, o caminho de ferro da Beira, a Companhia do Niassa, companhias de- prazos na Zambézia e o caminho de ferro para o Chire.
Como se sabe, alguns resgates, foram litigiosos, outros custaram-nos os olhos da cara, alguns constituem ainda carrapatas a resolver. Foi por meio do capital estrangeiro que a vida de Moçambique foi inevitavelmente posta ao serviço de interesses estrangeiros nos territórios vizinhos. Sei o suficiente- de quanto tem custado a Portugal resgatar Moçambique para que não receie este interesse anglo-americano pela minha província, e para que não receie sobretudo que os capitais estrangeiros se disponham actuar sob a- forma de empresas portuguesas, aparentemente dirigidas por portugueses.
Hão-de perguntar-me se afinal as necessidades do ultramar previstas no Plano não são necessidades efectivas, e não concordo com elas. Responderei que. não obstante haver ainda muitas mais necessidades que lá se não encontram, e seria fácil achar, porque não tem fundo o saco
das necessidades em qualquer país do Mundo, mesmo os mais adiantados, com o que eu não concordo é com a filosofia do Plano para o ultramar, com o eclectismo da sua doutrina, com a falta de frontalidade objectiva no seu ideário, visto parecer-me em bombeiro voluntário a querer acudir simultaneamente a tudo sem poder acudir eficazmente a cada uma das coisas, e não se decidir, portanto, por uma opção.
E claro que há coisas de que discordo redondamente, de que dou como exemplo o estabelecimento de uma estação experimental das culturas da cana sacarina e da banana, na Manhiça. Porque ela seja desnecessária? Não digo. Mas sabe-se que a Manhiça, e por aí fora, não é nem está destinada a ser a principal região açucareira de Moçambique, já localizada na Zambézia. A conhecença das realidades leva os meus olhos leigos a ver no caso um mero favor adjuvante à Sociedade Agrícola do Incomati, já ali estabelecida, e que me parece ser actualmente uma força de considerável importância do trust açucareiro português. Ora, existe um regime açucareiro que garante à produção ressarcir-se nos preços de todos os agravos que recaiam na indústria. Perante a carência dos meios existentes para tanta coisa simultânea, podem as empresas montar a sua estação experimental, em que estão directamente interessadas. O mesmo poderia dizer-se da estação experimental do coqueiro, a instalar em Quelimane, numa zona de grandes companhias que na emergência podem suportá-la, libertando o Estado de mais esse serviço público. Seria até uma forma de nos darem um ar da sua graça colaboradora importantes companhias estrangeiras ali dominantes, como a Mudai, que tem 1 256 000 coqueiros e 11 750 cabeças bovinas, em 28 estações agrícolas, ou a Boror, com 2 100 000 coqueiros em 27 000 ha, mais 20 000 lia de sisal e 22 000 cabeças bovinas. Não parece acertado criar estações experimentais para reduzido número de grandes empresas que podem bastar-se a si próprias.
E tempo de concluir e justificar portanto uma atitude. Começarei por dizer que tudo quanto preconizo se encontra subjacente aio Plano, e essa é a minha esperança. Uma filosofia política mais realista, mais humana, uma moralidade mais sentimental, a óptica será outra e a realização terá outros caminhos que chegarão na mesma aos fins comuns. Aplicado diferentemente à metrópole, dado o diferente condicionamento, ao mesmo tempo que se prepara socialmente o ultramar para mercado, pode a metrópole ocorrer com vantagem nacional ao acréscimo de procura no ultramar. O desenvolvimento da metrópole terá nisso um esteio indispensável ao suporte económico das suas pesadas responsabilidades na ordem política.
Quanto ao ultramar, tomarei por genérico o caso de Moçambique, para extrair da análise social que lhe foi feita as seguintes teses:
1.º O progresso harmónico de qualquer país subdesenvolvido em que a esmagadora maioria da população vive total ou parcialmente da agricultura não poderá alcançar-se se forem relegados para segundo plano os investimentos na economia agrária, investimentos que visem um rápido aumento da produtividade e dos rendimentos monetários reais [...] que «fornecerão simultaneamente o capital necessário ao sector industrial moderno e o poder de compra para os respectivos produtos». Por isso «se deve considerar a assistência às populações rurais tradicionais como uma condição primordial para
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se conseguir tirar Moçambique do estado de subdesenvolvimento»;
2.º A elevação dos rendimentos da população nativa rural contribuirá para a manutenção da estabilidade social. Entre a minoria evoluída e o nativo rural há um desnível dificílimo de eliminar. Todas as medidas que em tal sentido se tomarem serão política, social e economicamente valiosas. É incoerente que empresas agrícolas, comerciais e industriais de tipo evoluído e com elevada produtividade e eficiência subsistam como ilhas num oceano de pobreza e de padrões inferiores. Um dos problemas mais graves de Moçambique está nesta disparidade de rendimentos, de capital, de produtividade, de instrução, de estado sanitário, entre a maioria subevoluída e a minoria evoluída da população.
3.º «O desenvolvimento da vida e da produção rural é o que se harmoniza melhor com o contexto emocional e cultural da população nativa» e para além do sentimento «dificilmente se obterá a activa colaboração das populações locais se lhes não forem [...] oferecidos tangíveis benefícios de carácter social. Embora a instrução, a assistência sanitária e o abastecimento de água potável e outros benefícios não pertençam propriamente à esfera do desenvolvimento económico, um melhoramento equilibrado e simultâneo dessa esfera em conjunto com a social afigura-se [...] ser de toda a conveniência, até mesmo sob o ponto de vista político. Qualquer fracasso em se conseguir esse equilíbrio pode ser prejudicial ao sucesso final dos planos de fomento, rural».
4.º «A planificação económica baseada em estradas, caminhos de ferro, portos, aeródromos, barragens, grandes indústrias, aproveitamentos hidroagrícolas e outras formas de desenvolvimento em grande escala [que, evidentemente, se não excluem consoante a premência], uma vez resolvidos os problemas técnicos e financeiros, é relativamente fácil de levar a efeito e não exige a activa participação da população nativa. Mas, para se conseguir arrancar as comunidades rurais nativas do nível atrasado em que por milénios têm vegetado, reconhece-se ser indispensável conquistar previamente a sua boa vontade e activa colaboração».
5.º «Afigura-se haver a maior conveniência em aplicar a Moçambique as técnicas modernamente conhecidas por desenvolvimento comunitário [que no Plano são apenas referidas por apontamento, pelo que não têm lugar destacado, ficando meras adjuvantes], fomentando-se nas comunidades rurais tradicionais uma promoção de carácter global, conseguida pela adesão espontânea dós habitantes, pela introdução de técnicas modernas e pelo aperfeiçoamento de práticas tradicionais de trabalho cooperativo ou de interesse comum».
6.º Para «uma nova estrutura administrativa, económica e social para substituir a estrutura tribal [...] fadada à desintegração [...] as actuais regedorias constituem as únicas comunidades orgânicas que podem servir de base à criação de autarquias locais (freguesias rurais), a integrar na estrutura política e administrativa da Nação e que serviriam de base ao desenvolvimento integrado das populações rurais. Essas comunidades tem revelado considerável estabilidade no tempo e no espaço, são amplamente reconhecidas pela Administração, gozam de uma longa tradição de vida social organizada, com direitos e deveres recíprocos, capazes de realizarem e de defenderem o indivíduo, e, enfim, dispõem de uma organização funcional adaptada ao direito privado por que; se regem os respectivos membros».
7.º Assegurada «a subsistência da população rural com considerável excesso comercializável», desviada a poupança das formas ancestrais de capitalização por meio de compra de mais mulheres e mais gado as populações «poderão então devotar maior proporção dos rendimentos monetários à poupança a aquisição de artigos de consumo, o que trará estímulos ao comércio e à indústria. O caminho mais seguro para promover a industrialização está justamente em lançar previamente as fundações que toda a industrialização requer por meio de medidas que conduzam ao aumento da produção desses 90 por cento que vivem total ou parcialmente da agricultura. Só assim poderá verificar-se uma procura larga e sempre crescente de produtos manufacturados».
8.º Não se esquece, portanto, «o importantíssimo sector da economia possuído ou dirigido pela minoria evoluída», sector que compreende as actividades urbanas, comerciais, industriais e agro-pecuárias dedicadas ao consumo interno, ao comércio externo, aos transportes, à economia de mercado, enfim. Além de ser a este sector que o Estado vai buscar os recursos financeiros de que necessita para arrancar a maioria subevoluída às deficientes condições em que vive, há também que ter em mente que é o seu desenvolvimento que permitirá aumentai- as possibilidades de emprego em benefício do proletariado de origem rural que se deva- encorajar a abandonar a agricultura de subsistência.
9.º Parece que são estes os princípios que se impõem a uma política de desenvolvimento no ultramar em geral, e designadamente em Moçambique, «tanto mais quanto é certo que o Governo é forçado a aplicar a maioria dos seus créditos em actividades como a administração geral, a defesa e o policiamento, construção de edifícios e infra-estruturas, a instrução e a saúde, etc., que embora indispensáveis, ou são totalmente improdutivas, ou não conduzem de modo imediato ao aumento indispensável dos rendimentos públicos».
Folgo que estas regras não tenham sido escritas por mim, porque concordo inteiramente com elas. Desejaria que o Governo as ponderasse. Estou, aliás, certo de que mais cedo ou mais tarde lhes dará também a sua inteira adesão, aliás implícita na diluência destes princípios aqui e acolá aflorados no Plano, o que é um salutar sintoma. Não faltarei, pois, com o meu apoio ao pedido de obtenção de meios de actuar, embora o Plano não revista as formas que preconiza. Nestas coisas tem cada cabeça a sua sentença e, embora eu esteja senhor da minha verdade, admito sempre, em princípio, razões ponderosas na opinião contrária.
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Aliás, neste caso concreto, já com provadas realizações em marcha na orientação defendida, não descreio de reajustamentos és realidades, nem de que o Plano perca ainda a forma de agregado que tem, e à dispersão fragmentada se substitua uma lógica de princípios e realizações na ordem das razões optativas que foram apontadas.
O Plano a meu ver parece um improviso no que respeita ao ultramar, por falta de ética e carência de filosofia política, pois não constitui uma opção, nem é, como podia e devia ser, uma reserva de manobra lançada na batalha para colmatar uma brecha, contra-atacar numa frente e aniquilar um perigo. E isto é possível, para o que basta dar outro dispositivo às forças contidas no Plano.
No pensamento de muita gente, obtido no essencial o bem-estar rural pelo desenvolvimento comunitário, obtido no essencial o bem-estar social geral pela educação, saúde e assistência, obtido no essencial o bem-estar social económico pela valorização das pequenas actividades familiares, na agricultura, pôr meio da instituição do casal agrícola, no pequeno comércio, no artesanato, tanto para brancos como negros ou mestiços, resolvido o problema dos pequenos créditos por instituição de cooperativas de comercialização, mútuas de auxílio agrícola, apoiado o povoamento livre por brancos e negros com base em melhoramentos rurais e melhoramentos agrícolas, fazendo em resumo incidir esforços no auxílio ao homem de qualquer cor que vinculado à terra lhe arranca riqueza, criando primeiro que tudo um vasto mercado interno com amplo potencial de consumo por meio de prévia capacidade de produção, o III Plano de Fomento a estudar para daqui a três anos podia efectivamente considerar noutra ordem de grandeza as grandes realizações económicas, por poder dispor de capitais criados por vastas populações trazidas entretanto, aos circuitos da economia monetária.
Seria interessante, e por isso não desespero.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão será na quarta-feira dia 9, à hora regimental, com a mesma ordem do dia. Previno desde já VV. Ex.ªs de que na quinta-feira haverá duas sessões uma de manhã e outra à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas c 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Marques Fernandes.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Coelho.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Paulo Cancella de Abreu.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Jacinto da Silva Medina.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Nos termos do artigo 19.º, § 3.º, do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, pela Imprensa Nacional, me sejam fornecidos os três volumes do livro Dez Anos de Política, Externa, visto tratar-se de uma publicação oficial.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 4 de Dezembro de 1964. - O Deputado, Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
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Quadro utilizado pelo Sr. Deputada Amaral Neto no seu discurso:
Projecto do Plano de Fomento para 1965-1967 Projecção do desenvolvimento económico
[ver tabela na imagem]
(a) Cf. quadros IV e v, e valor estimado de 146 milhões para o produto interno bruto em 1973 (p. 56 do volume I).
(b) Cf. quadro IV.
(c} Cf. quadros viu e x.
(d) Cf. quadro X.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA