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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 165
ANO DE 1964 11 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 165, EM 1O DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aproando o Diário das Sessões n.º 161.
O Sr. Deputado Amaral Neto referiu-se a uma reorganização da indústria de lanifícios que anda anunciada.
O Sr. Deputado Alves Moreira solicitou do Governo providências urgentes para a construção de um matadouro em Aveiro.
Ordem do dia. - Começou a discussão na generalidade sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano económico de 1965 (Lei de Meios).
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Meireles, António Santos da Cunha, José Alberto de Carvalho e Moura Ramos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 16 horas,.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
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Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos B essa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 161, correspondente à sessão de 5 do corrente.
Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Corno nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado.
Quero, desde já, prevenir os Srs. Deputados de que, por virtude do prazo constitucional, a Lei de Meios terá de estar votada no dia 15, pelo que não posso deixar de dar sessão no sábado e segunda-feira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: anteontem, dia feriado, acabara eu de almoçar na minha casa da Chamusca - não e direi a V. Ex.ª o que foi nesse dia a minha dieta sem calorias, só para não fazer concorrência a radiotelevisão -, senti numerosa comitiva parar-me à porta, cujos componentes depressa se apresentaram e identificaram como sendo industriais de malhas (das ditas exteriores) da vila de Minde, populoso centro de antigas tradições em remo mais modesto, embora mais pitoresco, da indústria de lanifícios, nos últimos anos enormemente realentado pelo desenvolvimento daquela especialidade, que ali ocupa algumas dezenas de empresas e centenares de operários, e no demais do País tem vulto que se exprimiu no último «no por cerca de 400 000 contos de valor
de produção total e bastante perto de 10 000 pessoas empregadas.
De Minde, portanto meus eleitores, esses industriais vinham pedir a um seu Deputado que trouxesse ao seio da Representação Nacional o eco do seu alarme, das suas apreensões, do seu receio de imerecidos danos, perante os rumores insistentes de existência de certo projecto de reorganização da indústria de lanifícios, tido por prestes a sair sob a forma de decreto normativo, onde crêem não terem lugar, antes ameaças definidas de estorvos ao seu trabalho e cerceamentos de ganhos, em proveito de outros ramos de actividade que tal reorganização favoreceria até ao ponto de lhes fortalecer o domínio do mercado das matérias-primas.
E para fazer com que este eco chegue ao Governo, na esperança de fazer ainda considerar implicações porventura não inteiramente levadas ao seu conhecimento, quiçá ocultas sob as figuras de outras vantagens, e de o fazer assim eventualmente sobrestar na publicação - julgada iminente - do diploma que consignaria os preceitos regulamentares dos novos licenciamentos, de cujas consequências se arreceiam, avaliando-as em termos que efectivamente me determinaram a trazer aqui este sinal de aviso, este lembrar de maior cautela, que aqui estou deitando.
Lerei o essencial da exposição que me entregaram, assinada por 26 nomes, representativos, se bem os decifrei, de pelo menos 18 firmas distintas:
Sabemos que se encontra elaborado e prestes a ser publicado um novo diploma de condicionamento industrial da indústria de lanifícios, continuando-se, porém, e incompreensivelmente, a desprezar o valor da indústria de malhas exteriores, porquanto no referido projecto de condicionamento nenhuma alusão se faz a esta indústria, apesar de ser parte integrante do sector que se pretende remodelar.
Tratando-se de uma indústria de larga projecção em todo o território nacional [...], não se compreende como numa modificação que a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios pretende ver concretizada se vota ao abandono uma indústria que, pelo contrário, deveria merecer o seu amparo, o seu carinho e o seu apoio, pois é hoje uma actividade muito importante na vida económica do País.
No decorrer da conversa de esclarecimento que a seguir travei com esses meus visitantes vim a saber pormenores que também a mim me impressionaram, por outras consequências que deles deduzi e me fazem dizer que à queixa desses industriais se poderão juntar as de muitos outros e os protestos dos criadores de lã, que desde já antecipo e justificarei.
Parece que o contemplado decreto - afirmaram-me que estaria já articulado, revisto e pronto a imprimir no jornal oficial - foi estudado em relativo segredo, estranhável em caso de assaz vastas repercussões, a pontos de a sessão, ou sessões, em que o conselho geral da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios o apreciou terem sido convocadas a pretexto sómente de prestação de contas, e isto seria pois si só de fazer precatar os demais interessados não intervenientes na sua redacção e análise; no entanto, a notícia das suas principais disposições já transpirou bastante para despertar temores e discordâncias, conforme estou dando conta.
Diz-se já pois com afirmações de segurança que tal diploma contem, como se encontra feito, regras de licenciamento só favoráveis à concentração e engrandecimento da indústria já instalada, e mesmo alguma ou outra aparentemente sobrescritada a situações de facto.
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Até aqui nada pus de meu: limito-me a repetir os juízos de pessoas que tenho por sérias e ouvi seriamente indignadas.
Mas passei a incluir-me no seu conto de opositores ao projecto desde que soube constarem deste facilidades para a instalação de novas máquinas penteadeiras, indo ao encontro de pedidos pendentes que visam simplesmente a aumentar em quase 50 por cento, com o correlativo dispêndio de divisas, a capacidade fabril já instalada e verificadamente demais para as necessidades do País, anulando esta, na qual se inclui, como unidade quiçá mais perfeita e decerto tecnicamente mais qualificada, a empresa mista do Estado, de comerciantes e industriais, e de lavradores, montada ha anos em seguimento de decisões do Conselho Económico.
Decisões do Conselho Económico, insisto, elaboradas com prudência e ditadas com vista sómente ao maior interesse nacional, mas que as regras projectadas agora efectivamente torpedeariam e a breve prazo anulariam em sentido e objectivos, com perda de capitais investidos e inevitável gasto de dinheiros novos.
Porque, concedida a um pequeno grupo de grandes fiandeiros a capacidade de pentearem eles próprios toda a lã de seu consumo, presume-se, ipso facto, que estes virão a esmagar sob as suas leis de preços e condições não só a produção e comércio nacionais de lãs, como os demais fiandeiros, e tanto a tecelagem de panos como a de malhas, que aplicam em obra os seus fios.
O Sr. Ubach Chaves: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça o obséquio.
O Sr. Ubach Chaves: - A indústria de malhas não vê o seu condicionamento contemplado no projecto de condicionamento técnico da indústria de lanifícios por se tratar de um sector que vem desenvolvendo esforços no sentido de se organizar corporativamente, estando o seu pedido afecto às instâncias competentes. Acresce que a indústria de malhas não viu até hoje em qualquer regulamentação de condicionamento da indústria de lanifícios tratado o seu próprio condicionamento. E compreende-se, porque a indústria de malhas é uma actividade que consome, além de fios de lã, fios de algodão e de fibras artificiais e sintéticas. O seu abastecimento depende de outras actividades e por isso o que lhe interessa, fundamentalmente, é o seu abastecimento em fios que, em quantidade, qualidade e preço, correspondam às suas necessidades. Repito, por isso, que a indústria de malhas não tinha de ser incluída no projecto de condicionamento técnico da indústria de lanifícios. Ela o fará, porque o assunto lhe respeita, na devida oportunidade.
O outro problema focado por V. Ex.ª na sua intervenção é o da indústria de penteação. Cumpre-me esclarecer o seguinte:
O Governo, por motivos que não importa referir, abandonou um projecto devidamente estudado de reorganização da indústria de lanifícios. Em presença dessa decisão, foi estudado e apresentado ao Governo um projecto de condicionamento técnico de instalação dentro dos princípios por mim enunciados esta manhã. Estabeleceram-se normas pelas quais a todas as modalidades da indústria de lanifícios é dispensado o mesmo tratamento:
1.º Uma dimensão técnica mínima para as novas unidades. Na fiação de penteados, 10 000 fusos.
2.º Uma dimensão técnica mínima, mas de limite inferior (5000), para os industriais que dispõem de uma dimensão mínima dentro da modalidade que actualmente exercem.
3.º O livre direito de ampliação para as empresas existentes, desde que perfaçam a dimensão técnica mínima estabelecida para a respectiva modalidade.
Desta maneira, dentro de princípios de aplicação uniforme, todos os industriais podem exercer a sua iniciativa sem as limitações a que o actual regime dá origem. Esta regulamentação foi estudada por maneira a implicar um investimento que ao mesmo tempo que defensor das unidades existentes seja de montante igual em cada uma das modalidades. Quer dizer: um industrial de fiação que pretende instalar fiação terá de fazer um investimento da ordem de 30 000 contos. O industrial de penteação que se proponha instalar fiação de penteado terá de efectuar um investimento de igual montante. Estes os princípios, e eu só dentro deles me posso movimentar. Sucede, porém, que a indústria de penteação autónoma, constituída por três unidades, pretende que estes princípios não lhe sejam extensivos, e para tanto desenvolve um esforço tendente a libertar-se da possível concorrência de unidades com a dimensão prevista.
Constituída, em grupo de pressão, um daqueles que denunciei esta manhã, quer para si um regime diferente daquele que está assente para as demais sete modalidades da indústria com o assentimento geral. Ora, aqui, como VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, compreendem, não é possível qualquer transigência. Os princípios são só uns e não podem ser postergados quando está em jogo a indústria de penteação. E indispensável que todos os empresários se habituem a viver num regime de liberdade com responsabilidade. Querer uma modalidade da indústria eximir-se a uma regra imposta a todas não pode ser, nem em nome de uma quantidade superior às necessidades do consumo, facto menos verdadeiro na indústria de penteação. Nós não temos de entrar em jogo com essa ordem de valores, mais de ordem subjectiva que objectiva. O princípio de liberdade de instalação condicionada tem de ser de aplicação geral e não como se está defendendo admitir uma excepção a favor da indústria de penteação. Constituída por três empresas autónomas, ao todo, trata-se no fundo do monopólio ou quase monopólio de que já falei. O facto de uma delas ter sido feita com dinheiro de lavradores, de grémios e da Junta dos Produtos Pecuários não importa, pois o que não podem é admitir-se situações de privilégio. Julgar-se que uma nova empresa pode destruir o Consórcio Laneiro de Portugal não é um problema que deva ser considerado. O que está em causa é saber-se se deve haver ou não liberdade de instalação com mínimos técnicos defensivos das unidades existentes. Esses mínimos estão estabelecidos no projecto de condicionamento e implicam um investimento de cerca de 30 000 contos. Está, portanto, assegurada a protecção devida à indústria instalada. Fixados os princípios, não podemos afastar-nos deles. Daqui não é legítimo sair-se, ainda que isso represente pena para alguns. Notem VV. Ex.ªs que a empresa em causa quando se instalou disse que pretendia transformar lãs nacionais. A verdade, porém, é que já tem chegado a transformar cerca de 90 por cento de lãs estrangeiras em relação à sua produção total. Por aqui podem VV. Ex.ªs avaliar o que é um regime de condicionamento de produção especialmente quando efectuado por quem desconhece os problemas.
Com estas minhas considerações só quis informar a Câmara e mesmo V. Ex.ª, porque o tenho visto aqui tratar os problemas com a maior seriedade, mas importa não deixar perturbar os espíritos de quem não está dentro das questões. Este esclarecimento é de molde a afastar
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toda e qualquer suspeição sobre o projectado regulamento de condicionamento técnico da indústria de lanifícios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Jorge Correia: - Só lamento que algumas pessoas que nesta Câmara poderiam dar explicações sobre muitos problemas nos reduzam muitas vezes ao mutismo e nos deixem a impressão de que as verdades sobre esses assuntos não podem ser esclarecidas.
O Orador: - Tenho o maior prazer em responder a V. Ex.ª, Sr. Deputado Ubach Chaves, e V. Ex.ª poderá testemunhar aos nossos Colegas que eu tanto interesse tenho em que as minhas palavras possam ser contraditas que fiz a V. Ex.ª prévio aviso de que ia abordar este assunto.
Isto é para demonstrar que me sinto perfeitamente à vontade e para dizer que não há nada melhor do que as questões serem esclarecidas.
Mas há duas maneiras de tratar as questões: podem ser tratadas pelos mal informados ou pêlos demasiado bem informados. Sou, certamente, dos mal informados.
O Sr. Deputado Ubach Chaves levantou dois problemas, o primeiro dos quais a situação da indústria de malhas e as suas condições particulares, informando também que tal indústria a única coisa de que precisa é de fios.
O Sr. Ubach Chaves: - Em dois decretos que regulamentaram estes problemas nunca a indústria de malhas foi tratada.
O Orador: - Estou aqui como Deputado, fazendo-me porta-voz de um grupo de pessoas sérias cujos argumentos reputo dignos de serem tornados públicos.
Sobre o abastecimento de fios já vou dizer qualquer coisa, mas com brevidade, uma vez que o Sr. Presidente apenas me pôde conceder hoje a palavra na condição de ser breve.
Portanto, embora espere sê-lo, não sei se aí serei bastante claro sobre as condições em que se processa o fornecimento de fios. Quanto à situação das penteadeiras, eu não tenho nada, efectivamente, contra o organismo a que o Sr. Deputado Ubach Chaves fez alusão, porque é uma organização na qual o Estado está representado através da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e da qual participam industriais, comerciantes e lavradores, tendo eu a honra de ser presidente da sua assembleia geral como representante de um grémio de lavoura que também está associado nesse organismo; e digo-o desde já para que não haja más interpretações da minha posição. Este problema das lãs levanta um conflito já velho em Portugal: nós estamos a consumir cerca de dois terços de lãs nacionais e um terço de lãs importadas do estrangeiro, e o abastecimento com estas tem grande interesse para a indústria, pois, em muitos casos, têm melhor qualidade e são oferecidas também em melhores condições de pagamento. Mas o (processo como se trabalham as lãs e os preços a que os fabricados são vendidos pelos seus produtores não são os melhores para os clientes da fiação. As operações preliminares da fiação são, e peço desculpa se as não enunciar pela sua perfeita ordem, a lavagem, a escolha das lãs e, depois, a penteação; nestas intervêm os compradores na origem, e comerciantes, a quem entendo não se dever fechar a porta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As condições de produção lanar em relação ao poder de aquisição da indústria não lhe consentem defesa se não contar com a capacidade regularizadora dos comerciantes e preparadores de lãs para a fiação.
Vou passar a citar números, através dos quais VV. Ex.ªs podem verificar que se fazem lucros enormes. Eu, sendo industrial, poderia querer entrar no caminho de fechar a actividade em proveito dos instalados, mas acho que uns não se devem locupletar com o que deve pertencer a outros.
O Sr. Ubach Chaves: - Importa, mais uma vez esclarecer que, em obediência aos princípios, qualquer das empresas de penteação pode instalar unidades de fiação de 5 000 fusos, um mínimo inferior exigido àqueles que se proponham exercer de novo a actividade, o qual será de 10 000. Os mesmos princípios são consagrados para os industriais de fiação em relação à penteação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto custam?
O Sr. Ubach Chaves: - Custam o mesmo, quer dizer que representam o mesmo investimento na ordem do valor. V. Ex.ª falou há pouco em não fechar a porta. Admite, portanto, competição de iniciativa. E precisamente isso que se busca. Dentro do projecto de condicionamento todos os industriais inscritos têm a mesma possibilidade de iniciativa. As possibilidades em iniciativa e investimento estão igualadas. O que a Federação dos Industriais de Lanifícios, como representante de todos, não pode admitir são situações de favor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto à dotação, hoje em dia, das penteações autónomas, é, salvo erro, de 90 penteadeiras, no total de 189 em laboração no País. Ora, estas máquinas trabalham a baixo rendimento, não atingindo as dezasseis horas de laboração média diária considerada rendável. E quanto a trabalharem lã estrangeira, é natural que vá lá, pois muita se consome no País.
Querem os industriais que têm 30 000 contos para comprar fusos de fiação fechar a entrada a outros? Esta condição de gigantismo é que não posso aceitar. Não admito que quem já disponha do 30 000 contos possa impedir a entrada a outros mais pequenos. Portanto, a generosidade não é a mesma. Isto é como perguntar a um pedinte por que não anda de automóvel, sem cuidar de que não tenha dinheiro para comprar um carro.
Não sei se o Sr. Ubach Chaves tem mais alguma coisa para dizer.
O Sr. Ubach Chaves: - Quero dizer que não se trata de gigantismo. Empreendimentos industriais de 30 000 contos são correntes. Gigantismo na ordem do valor é, por exemplo, o que representa uma fábrica de cerveja cujo investimento não é inferior a 200 000 contos. A indústria de penteação tem possibilidades para investimentos dessa natureza. Uma delas, com mais de 65 penteadeiras, instalada desde 1936, tem-nas com certeza. O Consórcio Laneiro também deve tê-las -não tenho de pronunciar-me sobre o custo inicial do investimento -, se considerarmos que é uma instalação que data de 1954, portanto com equipamento moderno e que já beneficiou dos progressos tecnológicos verificados depois da guerra. Poder competitivo, e, portanto, possibi-
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lidades lucrativas, se alguma empresa as tem, é precisamente a empresa acabada de referir. À das 65 penteadeiras é que tem vindo a fazer um grande esforço de substituição e de ampliação, mas nem por isso deixará de instalar fiação se vier a verificar que nisso está o seu maior interesse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Se V. Ex.ª mo permite, fica cada um de nós com a sua noção de gigantismo.
Consta, por exemplo, que no projectado decreto se prevê a autorização de instalar 5000 fusos de fiação a quem já disponha de 100 teares. V. Ex.ª, Sr. Deputado, pode dizer-me se há muitas fábricas em condições de beneficiar
desta faculdade?
O Sr. Ubach Chaves: - Posso dizer a V. Ex.ª que existem pelo menos três em situação de usar desse direito de instalação. O problema que está posto não é esse, mas sim o de saber-se se os industriais de tecelagem, médios ou pequenos, podem instalar fábricas dê fiação com o mínimo de 5 000 fusos. Podem, sim, fazê-lo quando agrupados em unidades de produção e de venda que, no seu conjunto, disponham do mínimo de 100 teares. Nenhuma grande empresa de tecelagem está, ao presente, interessada nessas instalações. Os industriais de tecelagem, esses sim, tendem para organizações que lhes assegurem direito a instalar fiação de penteado dentro da dimensão prevista. Têm as suas razões e o projecto vai ao encontro delas. Devo, porém, dizer que as possibilidades de instalação ainda seriam facilitadas se o Governo tivesse aceite o projecto de reorganização da indústria de lanifícios em que se estabelecia o mínimo de 50 teares para o exercício da indústria de tecelagem.
Como VV. Ex.ªs vêem, é tudo muito diferente daquilo que se pretendia insinuar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando se estudou a instalação de uma penteadora autónoma, foi previamente aberta aos industriais de lanifícios a possibilidade de instalarem eles essa unidade, e não a quiseram aproveitar.
O Sr. Ubach Chaves: - Nem aos industriais de fiação nem a outros foi oferecida essa possibilidade. Aos industriais de fiação disse-se, antes, que só poderiam instalar uma penteação por concentração de todas ou parte daquelas de que dispunham. Ora como nenhum industrial se quis desapossar das suas penteadeiras, a situação manteve-se, até que, em nome da defesa da produção nacional de lãs, um governante, por sinal Subsecretário de Estado da Agricultura, sendo ao tempo Ministro da Economia o Dr. Castro Fernandes, veio, em condições mais que anómalas, do ponto de vista do condicionamento industrial, a autorizar a instalação do Consórcio Laneiro. Não foi, portanto, o Conselho Económico. Este foi obrigado a intervir, sim, por pressão do referido Consórcio, o qual pretendia impedir que os industriais de fiação instalassem penteadeiras. Mais uma vez estava em movimento o grupo de pressão, mas o Conselho Económico veio a reconhecer que não poderia ser negado aos industriais de fiação o direito de instalarem penteadeiras que satisfizessem às suas necessidades de consumo de lã penteada. Foi de acordo com essa decisão que o então Ministro da Economia e nosso ilustre colega nesta Assembleia, Dr. Ulisses Cortês, veio a deferir os pedidos pendentes, refazendo a verdade e assegurando a justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Ubach Chaves: - V. Ex.ª referiu-se ao facto de ter sido demitida, em tempos, uma direcção da Federação dos Industriais de Lanifícios. Devo informar VV. Ex.ªs de que eu era o presidente dessa direcção e de que a razão foi só uma - a de no nosso entender não ser devida colaboração especial a um Ministro que se colocava em posição que estava para além do interesse da indústria e do País. O nosso entendimento foi confirmado pelos factos, pois a economia nacional foi lançada num plano inclinado em que se ia afundando e para se ressarcir foi necessário promover a substituição do mesmo Ministro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A indústria de fiação de lãs e fibras mistas ou sintéticas tem vivido um período de enorme prosperidade, com lucros da ordem de 300 e mais por cento sobre os custos fabris completos, por exemplo, fiando a feitio por mais de 20$ cada quilograma, quando o custo averiguado oficialmente é da ordem de 5$, ou vendendo por 170$ a 220$ (falo sempre sobre informações de conhecedores) cada quilograma de fio sintético comprado em fibra por menos de metade, o que lhe confere potencial económico bastante para adquirir todos os equipamentos, por caros que sejam, capazes de a confirmarem nas suas felizes condições presentes.
E compreensível a pretensão destes industriais, mas de modo algum parece compatível com o melhor equilíbrio de todos os interesses em causa.
A existência de empresas autónomas preparadoras da lã para fiar tem razões de ser que todos os entendidos reconhecem, salvos os raros que as tapam com o véu do restrito interesse próprio, e, aliás, a decisão do alto órgão estadual a que aludi devidamente confirma; não é por outro motivo que aí por essa Europa, em ambientes de maior liberdade e real competição, subsistem e prosperam unidades unicamente penteadoras, portanto especializadas e autónomas, com 5, 10 e até 50 vezes o número de máquinas operatórias das maiores congéneres portuguesas.
E que só estas empresas especializadas, repito, trabalhando na fase do preparo, com grandes massas de matéria-prima, podem adequadamente organizar os lotes uniformes que a indústria requer; e, oferecendo lã pronta a fiar, permitem aos consumidores finais, os tecelões de panos e de malhas, a possibilidade de escolherem o artigo da sua maior conveniência, mais fácil de apreciar na mecha do que no fio, e de se defenderem das exigências dos fiandeiros mandando executar a feitio a matéria-prima dos seus fabricos.
Os homens das malhas afirmam que esta é mesmo condição essencial da sua sobrevivência económica e do fortalecimento das correntes de exportação que estão desenvolvendo!
Por todas estas razões, que expus propositadamente com grande concisão para não enfadar V. Ex.ª e demorar a Assembleia, hoje tão sobrecarregada de trabalho, parece-me impor-se a máxima cautela e espírito de equidade em qualquer novo condicionamento da indústria de lanifícios.
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e, certamente, a revisão profunda do projectado diploma, se é como o andam dizendo.
Certo de que o Governo saberá ouvir e agir com as necessárias contemplações, por hoje tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alves Moreira.
O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: É bem sabido ser preocupação do nosso Governo não descurar todas as realizações e problemas seus inerentes, de molde a proporcionar às populações das várias regiões do País meios que contribuam para o seu bem-estar e elevação do nível social.
Será, pois, partindo desta premissa que me atrevo a encarar um problema que, por se filiar precisamente nestes objectivos, tem merecido o justo reparo da população activa de Aveiro, que neste lugar represento como seu porta-voz.
Trata-se de pôr em evidência o- caso, pois assim se poderá chamar, do novo matadouro municipal ou regional de Aveiro, conforme o queiram designar, de acordo com a finalidade e atribuições a que se destina.
Há já precisamente vinte anos, pois é de facto desde 1944, que o Município aveirense se vem preocupando, sempre com desvelado interesse, com a construção de um novo matadouro e seu apetrechamento adequado, já que o existente não é mais do que um arremedo daquilo que deve ser a sua instalação, já que se apresenta com paupérrimos dispositivos em edifício. insalubre e sem as mínimas condições higiénicas compatíveis com o fim a que se destina. De facto é triste, mesmo muito triste, e deplorável, o espectáculo que se depara a quem tem a ideia de visitar o local, pois a impressão que ressalta à vista, sobretudo quando em laboração, é simplesmente fantasmagórica, pois o abate de gado destinado ao consumo público faz-se por métodos antigos, num ambiente sem as mínimas condições higieno-técnicas, pois as suas exíguas dimensões, o seu inexistente ou primitivo apetrechamento e a drenagem, das suas escórias para o canal central da ria dão-lhe um aspecto a todos os títulos reprovável, por repugnante.
Acresce ainda que na actual circunstância nem sequer basta às exigências de uma cidade que é capital de um distrito de forte densidade demográfica, p que determina que grande parte da matança seja efectuada em instalações pertencentes a particulares, dispersas pelo concelho e, naturalmente, sem os mínimos requisitos necessários para a prática de tal fim, pela improvisação a que obedecem.
A tal respeito poderei citar o expressivo relatório publicado no Diário do Governo n.º 127, 2.ª série, de 3 de Junho de 1985, e que é do teor seguinte:
Em boa verdade, Aveiro não tem matadouro, pois não merece tal nome o velho barracão em ruínas onde presentemente se faz a matança do gado grosso e das reses miúdas.
E o que se dizia em tal data tem ainda pleno cabimento na actualidade! ...
Tal estado de coisas deve-se essencialmente ao facto de a todo o momento se aguardar seja autorizada a construção do novo matadouro, o que, implicitamente, tem obstado a que se façam quaisquer obras de adaptação no velho edifício, já que qualquer investimento a fazer resultaria sem qualquer, utilidade futura, dada a impossibilidade de se continuar por mais tempo a laborar nas actuais instalações, sem as mínimas condições e sem quaisquer perspectivas para o local.
Como disse, as administrações municipais, que de há vinte anos vêm encarando frontalmente a solução de tão angustiante problema, têm, numa sucessão quase ininterrupta, procurado satisfazer os requisitos exigidos para a construção de um matadouro compatível com as exigências do concelho de Aveiro e, até, com fartas possibilidades de englobar os concelhos, limítrofes.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Assim, adquiriram já um terreno amplo, localizado à margem da estrada Aveiro-Ilhavo-Vagos, que foi aprovado superiormente, mandaram elaborar um projecto que mereceu igualmente aprovação com carácter definitivo em 29 de Novembro de 1960 pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e pela Comissão Revisora em 17 de Abril de 1961, e criaram condições de ordem financeira de molde a permiti? a efectivação plena do objectivo que se propuseram. Com tal fim foi contraído um empréstimo de 4000 contos à ordem na Caixa Geral de Depósitos, e assegurada uma comparticipação por intermédio do Ministério das Obras Públicas na ordem dos 1073 contos.
Mais ainda: foram dados pareceres que se manifestaram francamente favoráveis pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e, uma vez analisado pelo Conselho Superior de Obras Públicas também favoravelmente, mereceu de S. Ex.ª o titular desta pasta um despacho aconselhando a imediata construção, por ser reconhecido que as actuais instalações de maneira nenhuma poderiam continuar a ser utilizadas.
Elaborados tais pareceres, tudo parecia encaminhar-se no sentido de se ter encontrado a solução satisfatória para a realização do melhoramento visado, mas surge então, por orientação governamental, s. necessidade de se aguardarem os resultados a que dever! a chegar uma comissão de criação recente destinada a estudar a reorganização da indústria do abate no País; assim o entendeu S. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura, e assim se protelou mais uma vez uma obra considerada de necessidade inadiável.
Perante insistência da Câmara Municipal, conseguiu-se que em 1963 fosse informado pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização que tais estudos, levados a efeito pela comissão reorganizadora da indústria do abate, haviam chegado à conclusão de que, em princípio, deveria ser construído em Aveiro um matadouro correspondente à cidade e aos concelhos vizinhos de Ilhavo e Vagos.
Mais uma vez tudo parecia resolvido, pois das insta lações previstas no projecto, meticulosamente elaborado e da localização do terreno adquirido, se conclui facilmente bastarem para englobar as zonas pretendidas, pela sua capacidade de laboração, pois, prevendo-se para f área abrangida em tal parecer uma capacidade para 2900 t, ela seria ainda em larga margem satisfeita, por quanto o projecto da Câmara Municipal prevê 3300 t. Poderia ainda admitir-se a possibilidade, além da viabilidade franca do carácter interconcelho do novo matadouro, de construção de dispositivos adequados ao aproveitamento dos subprodutos do abate, funcionando também com características industriais, que poderiam até ser extensiva;: neste particular a vários concelhos do distrito, aliás, como
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foi aventado num parecer da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários emitido em 1959.
E, baseando as suas pretensões precisamente nestes dados e nos numerosos pareceres, todos favoráveis, mais uma vez a Câmara Municipal expôs o assunto a S. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura, pedindo fosse determinada a execução imediata do plano, pois tudo se conjugava para que a obra fosse levada a efeito; mas então outra dificuldade havia a defrontar, e que foi precisamente o facto de S. Ex.ª o Ministro da Economia entender por bem aguardar-se que se realize mais um estudo complementar, que decorre e que" não se sabe bem quando terminará.
E é precisamente neste ponto que se encontra a pretensão de dotar Aveiro com um matadouro que mereça esse nome, pois o que existe há tão longos anos é simplesmente vexatório para a cidade e, sobretudo, briga, além de tudo o mais, com o aspecto higiossanitário da sua população.
Feita esta breve resenha daquilo que vai sendo o caso matadouro de Aveiro, resta-me, deste lugar, apelar para SS. Ex.ªs o Ministro da Economia e Secretário de Estado da Agricultura, pois são ilustres membros do Governo, com suficientes provas já dadas para que sejam considerados, solicitando os seus bons ofícios na solução rápida, por inadiável por mais tempo, deste magno problema, já que nos habituámos a ser atendidos pelo Governo quanto a obras imperiosas, como se vem demonstrando com variadíssimos exemplos bem à vista por todo o País. Espero, pois, que Aveiro mereça igualmente ver satisfeito o seu desejo por ser justo, e mais, por ser absolutamente necessário e urgente, e não se assista ano após ano à transição de tal obra no plano provisório de melhoramentos urbanos, como vem sucedendo nos últimos tempos.
Ciente de que tal aspiração será devidamente atendida, por implicar importantes aspectos político-administrativos a não desmerecerem a atenção dos nossos governantes, termino estas breves considerações, pedindo desculpa à Câmara pelo tempo absorvido nesta modesta intervenção.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Meireles.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: A discussão da Lei de Meios para 3965, que agora se inicia no plenário da Assembleia, há-de necessariamente ser influenciada pela circunstância de se seguir imediatamente à. apreciação do Plano Intercalar de Fomento.
Da sobreposição das suas tarefas resultou, a par de exaustivo trabalho para alguns Srs. Deputados, a impossibilidade de a Comissão de Finanças realizar estudo mais aprofundado da proposta, de lei. Acresce que, lamentavelmente, o parecer da Câmara Corporativa não me chegou as mãos a tempo de servir utilmente.
E como a Câmara está compreensivelmente saturada de cifras, índices, percentagens, razoável será restringir, não o debate, que esse será certamente, como sempre, aberto e esclarecido, mas a enfadonha exegese dos números.
Para tranquilidade da Câmara, desde já afirmo fazer meu esse propósito.
Duas realidades comandam e dominam, inevitavelmente, na actual conjuntura, a actividade financeira do Governo, e a Assembleia Nacional haverá de reconhecê-las como linhas mestras de orientação: o esforço de defesa nacional e a intensificação do desenvolvimento económico e social de todo o espaço português.
Conciliar estes dois objectivos vitais, mantendo intangíveis a estabilidade financeira interna e a solvabilidade externa da moeda nacional, continua a ser esse «quase milagre» que o Sr. Presidente do Conselho autorizadamente apontou.
Curvo-me perante a esclarecida capacidade e inalterável firmeza de que vem dando sobejas provas a brilhante equipa que o Sr. Ministro das Finanças chefia com autoridade e mérito reconhecidos.
Não difere substancialmente da anterior a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965, não obstante conter algumas modificações de pormenor, indo de encontro a sugestões anteriores da Câmara Corporativa, para uma melhor arrumação formal.
E o substancial relatório em que, após um bosquejo das tendências da economia euro-americana, se expõe com pormenor a conjuntura económica e financeira nacional, continua também, no seguimento de uma já meritória tradição, a constituir valioso elemento de estudo e interpretação.
Detém-se em especial o Sr. Ministro das Finanças na análise das implicações das reformas fiscais, das quais estão concluídas as relativas aos impostos directos e se anunciam as dos impostos indirectos.
Pela sua importância sublinho a afirmação de que «na aplicação geral dos códigos que constituem a reforma fiscal - e embora não seja possível por enquanto indicar o volume global da receita tributária - espera-se que o Estado virá a arrecadar sensivelmente o volume anterior dos impostos directos».
Dei-me ao trabalho de aferir através da conta provisória dos meses de Janeiro a Setembro a realidade desta previsão. E apurei que, na verdade, foram liquidados de impostos directos gerais menos 95 015 contos do que em 1963. embora a cobrança efectiva tenha sido superior em 41 389 contos.
A «fria imparcialidade dos números» desmente assim, no que respeita aos impostos directos, e nomeadamente quanto à contribuição predial e imposto complementar, o rumor público generalizado quanto ao aumento da tributação directa e que só pode reflectir casos individualizados de acréscimo por reajustamento da matéria colectável. Como se explica em certo passo do relatório: «se alguns contribuintes viram aumentado o volume dos impostos que vinham pagando, grande é o número também daqueles que, por pagarem até agora mais do que deveriam em face dos critérios agoira estabelecidos, viram em muito diminuída a expressão numérica dos seus impostos».
Mas, como é próprio da humana condição, o clamor dos agravados ouve-se longe, enquanto ninguém se empenha em proclamar (talvez até por recear não ser acre- ditado) alívio que tivesse no jugo fiscal ... Pois se até de todos os que o Senhor limpou da lepra só um voltou gritar a sua cura!
Sr. Presidente: - Ocupa-se o capítulo V da proposta de lei da política de investimentos, prevendo-se nos artigos 20.º e 21.º a inscrição de verbas para os investimentos incluídos na parte prioritária, do Plano de Fomento.
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O artigo 22.º visa ao aproveitamento das disponibilidades do Tesouro para investimentos não previstos como prioritários no Plano.
E quanto a estes fixa uma ordem de preferência, assim estabelecida:
a) Agricultura (fomento do bem-estar rural);
b) Ensino e investigação;
c) Saúde e assistência.
Seguindo esta enumeração, proponho-me fazer breve comentário.
Melhoria de nível nos campos em aspectos essenciais de comodidade mínima dos seus habitantes; progresso das regiões mais em atraso, contrariando as disparidades regionais no progresso de desenvolvimento económico do País, procurando obter maior fixação de mão-de-obra nas zonas em que c êxodo rural está assumindo maiores proporções, tais são (textualmente) os objectivos referidos no relatório quanto à política de bem-estar rural, através de obras de abastecimento de água, de electrificação, de saneamento, de viação e de assistência.
Não pode a Câmara deixar de apoiar todas as medidas destinadas à valorização do meio rural, uma vez que reconhece existir uma situação gritantemente desvantajosa sob todos os aspectos, que o afecta. Desnecessário será repetir o que a tal respeito se disse ainda recentemente nesta tribuna acerca da problemática agrária. Mas lembrarei, em reforço, que a produção agro-pecuária acusa ainda evolução desfavorável no ano de 1964, em que a produção agrícola foi menor do que no ano anterior, e na maioria dos produtos também foi inferior, e muito, à média do ultimo decénio.
Ressalvam-se apenas o milho, o arroz, a batata de regadio e o vinho.
Tal decorre do mapa n.º 7 do anexo do relatório, sem que desta vez seja possível confrontar também os valores estimados do produto, por somente, e contra o habitual, se indicarem as estimativas de quantidades.
Quanto ao vinho, a sucessão de colheitas elevadas e dificuldades verificadas no sistema de intervenção conduziram a uma situação sobejamente conhecida, de desânimo e embaraços para a produção.
Quanto à produção de carne, teve também contracção considerável no 1.º semestre em relação ao ano anterior, e consta do relatório que dela se importaram quantitativos apreciáveis. O assunto foi há dias aqui tratado com autoridade e desassombro pelo nosso muito ilustre colega Eng.º Amaral Neto, e sobre ele apenas darei a informação de que à euforia relativa que dominava o pequeno criador de gado bovino do Entre Douro e Minho se vai sucedendo já algum desalento, perante certo retraimento na procura e menor preço nas feiras de Novembro.
O lavrador atribui com amargura esta contracção de preços, de que não beneficiará grandemente o consumidor, ao abastecimento por carnes importadas, com preços rebaixados através de apreciáveis diferenciais compensatórios.
E espíritos simples, nunca poderão compreender que se exauram neste artifício fundos que antes desejariam ver investidos em incentivar a produção doméstica em que se empenham.
Acrescentarei ainda, repetindo-me embora, que continuo convencido, na dupla qualidade de pequeno lavrador e de consumidor urbano, de que os produtos da terra se vendem, em regra, baratos na produção e se compram caros no termo de uma nutrida cadeia de intermediários, que se interpõe entre o produtor e o consumidor. (Isto afora alguns produtos em que os preços aparecem desde logo como insuficientes - tal é o caso da batata e do vinho).
Impõe-se assim uma contracção drástica neste domínio, pois, mais do que obter do consumidor preço mais elevado pelos produtos, o que interessa é que reverta para o produtor maior quinhão desse preço.
E mais uma vez me afoito a afirmar que considero a generalização e robustecimento da actividade cooperativa uma das soluções mais eficazes no sector agrário.
É demasiado escassa ainda a rede cooperativa agrícola em Portugal, apenas com 369 unidades no continente e ilhas adjacentes no fim de 1963, das quais 114 de viticultores, no de lacticínios e 59 é e olivicultores.
Urge fomentar a sua expansão u apoiá-la com largueza, quer no aspecto financeiro, quer II D da assistência técnica, tendo presente c que, quer para os mercados internos, quer para o comércio externo, estas organizações são, por acção directa ou em colaboração com o comércio especializado, indispensáveis». (Parecer sectorial da Câmara Corporativa sobre o Plano Intercalar de Fomento relatado pelo Eng.º Luís Quartin Graça).
E, como se reconhece nesse parecer, «no quadro da integração da agricultura no ciclo do comércio em constante progresso, quer quanto aos grandes grupos mundiais, já com ligações em Portugal, quer em cadeias mais modestas em face das modernas exigências do mercado retalhista, tão expressivamente postas no plano dos supermercados, a organização comercial da lavoura nos justos moldes é a maneira mais eficiente para, sob todos os aspectos, não só se defender de intervenções abusivas, mas também restabelecer o conveniente equilíbrio entre a produção e o consumo».
Sem menosprezo das demais, aponto o êxito do ainda jovem, mas já valioso, núcleo de adegas cooperativas da região dos vinhos verdes, com 13 unidades em funcionamento e 33 664 pipas de capacidade de laboração e 41 785 de capacidade total, com um investimento que ultrapassa os 45 000 contos. Além destas, mais 2 unidades estão em vias de realização e algumas das construídas carecem de efectivar a ampliação para a capacidade terminal prevista.
A União das Adegas Cooperativas da Região dos Vinhos Verdes, já instituída, virá coordenar e robustecer eficazmente a acção das unidades que integra, no reconhecimento de que só unidades fortes oferecem viabilidade no mundo económico actual.
Avisadamente se previu no Plano Intercalar de Fomento o investimento em cooperativas e outras associações agrícolas de 203 000 contos, dos quais 3000 para preparação de pessoal especializado, indispensável para assegurar- o seu funcionamento.
E é de salientar com desvanecimento a referência feita no parecer da Câmara Corporativa ao contributo que as adegas cooperativas da região dos vinhos verdes, com o apoio da Fundação Gulbenkian, deram, em fase inicial, a este problema da formação do dirigentes e técnicos, através do curso organizado e regido por especialistas franceses.
Seja-me lícito, no entanto, exprimir a minha convicção de não ser exequível no triénio próximo a construção de vinte novas unidades e a ampliação de dez já "existentes na região dos vinhos verdes, o que constituía objectivo tendencial para um plano sexenal de fomento.
Além de a experiência ter demonstrado não ser possível, dentro do condicionalismo existente, erguer mais de três unidades por ano, é para mim problemática a realização efectiva dos fundos necessários para tão grande empreendimento, mormente em face da cessação do financiamento não reembolsável de 1.5 por cento do investi-
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mento através do Fundo de Fomento de Exportação, que em boa hora e generosamente foi concedido para o I Plano Regional pelo então Ministro da Economia, o nosso ilustre colega Dr. Ulisses Cortês.
E por aqui me fico neste comentário sectorial (como é de boa regra dizer-se), passando à alínea seguinte: investimentos no ensino e investigação.
Enumeram-se detalhadamente no relatório as providências atinentes ao progresso do ensino, da cultura e da ciência.
A Assembleia teve oportunidade de tomar posição sobre esta vasta temática no debate realizado ainda este ano e que sem favor pode classificar-se de notável. Só tem por isso que se louvar em ver enunciados alguns dos objectivos desejados, exprimindo a convicção de que o Governo fará (e está a planear fazer) tudo o que seja possível para atender os anseios gerais que esta Assembleia tão elevadamente soube interpretar.
De resto, o que se disse no debate do Plano Intercalar de Fomento mais me convenceu de que só pela expansão do ensino particular, apto a mais fácil disseminação, será possível fazer frente a essa «explosão escolar» que é um fenómeno actual e universal, ultrapassando por toda a parte as mais largas previsões.
Sabido, e nesta tribuna já foi referido em detalhe, até que ponto é angustiosa a sobrelotação de liceus e escolas técnicas, como poderá o Estado triplicar em dez anos os liceus e duplicar as escolas técnicas?
E, se o puder fazer, como asseguraria o pessoal docente em nível aceitável?
Como tive ocasião de dizer já um dia, neste lugar, não só resultaria mais barato como atenderia melhor às necessidades e imperativos de fixação das populações e combate à concentração urbana assegurar aos estabelecimentos de ensino particular, com as indispensáveis garantias obviamente, subsídios e ajuda material que lhes permitissem expandir-se e atender a crescente procura dos seus serviços.
E, o mais importante, fazendo-o, o Estado ajustava a realidade aos princípios.
Queria ainda formular uma pretensão que, como Deputado pelo distrito do Porto, me sinto no dever de renovar ao Ministério da Educação Nacional no seguimento de diligências que desde há anos vêm sendo realizadas: a da criação de uma escola técnica no concelho de Felgueiras.
Com uma população superior a 40000 habitantes e valiosas actividades industriais nos sectores têxtil, metalomecânico, de calçado, de vestuário, etc., em firme expansão, com um volume de contribuição industrial que o situa em 4.º lugar entre os concelhos rurais do distrito, Felgueiras, através da sua edilidade e com o apoio decidido das forças vivas, de há muito insta por esse benefício.
E, como lhe assistem razões sérias, aqui fica o apelo na esperança de que possa ser atendido com a brevidade desejada.
Quanto aos investimentos no domínio da saúde e assistência, quatro objectivos prioritários se enunciam na proposta de lei: combate à tuberculose, promoção da saúde mental, protecção materno-infantil e reapetrechamento dos hospitais.
Há a notar a alteração introduzida na proposta de lei em relação ao ano anterior. Na realidade, suprimiu-se o capítulo «Saúde pública e assistência» para se inserir no capítulo «Política de investimentos» e a referência aos programas prioritários de combate à tuberculose e promoção de saúde mental, acrescentando-se ainda a protecção materno-infantil onde anteriormente só figurava a rubrica «Reapetrechamento dos hospitais».
Desejava neste particular fazer um reparo, ou, talvez mais exactamente, formular uma sugestão.
No panorama actual dos problemas da saúde, os relativos ao cancro merecem especial interesse e colocam-se na vanguarda entre os que preocupam as autoridades sanitárias em todos os países.
A luta contra aquilo que o eminente presidente da Fundação Gulbenkian apontou como «um grande incêndio que alastra constantemente e não se sabe quando poderá ser extinto» não está ainda suficientemente estruturada em Portugal.
Não obstante a meritória obra do Instituto Português de Oncologia e as esperançosas iniciativas para a criação de centros anticancerosos em Évora e no Porto, graças ao mecenato admirável dos condes de Vilalva e do Sr. João dos Santos Ferreira, é manifesto e reconhecido, além do mais, que não dispomos ainda de arsenal aceitável e suficiente para permitir generalizadamente o diagnóstico precoce da doença, que é o pressuposto de acção terapêutica eficaz.
Do que se lê sobre o assunto, e em especial dos insistentes apelos feitos no semanário O Médico pela pena do seu infatigável director, um dos paladinos da batalha nacional contra o cancro, pode concluir-se que é grande o nosso atraso e temos de empreender um esforço sério para o vencer.
Daí a sugestão para que o combate ao cancro venha a ser incluído entre os objectivos preferenciais no domínio da saúde, o que pressupõe obviamente a planificação prévia de uma política nesse domínio paralela à definida nos restantes sectores enumerados já na proposta da Lei de Meios.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
Em relação à criação, em Évora de um hospital de oncologia, quero informar V. Ex.ª de que o mesmo se encontra dependente de uma questão de verba. Programado para atingir determinados fins, esse hospital tem de ser reduzido, nos seus serviços, para verba compatível com as possibilidades do Tesouro, o que se está fazendo.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a informação que é prestada, mais à Câmara que a mim. Não sabia e fiquei a sabê-lo, o estado em que estava essa Iniciativa em Évora a que me referi. Havendo dinheiro, boas vontades e necessidade, pensei que o assunto se concretizasse imediatamente. V. Ex.ª informa-me que não, e lamento que seja assim.
O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. Jorge Correia: - É lamentável que não haja rubrica especial para a luta contra o cancro. Já tive ocasião de dizer, quando da discussão do Plano Intercalar de Fomento, que lamentava que num plano feito para três anos se pusesse de parte o cancro. Para a luta contra a tuberculose e no campo das doenças mentais já estávamos com arsenal terapêutico. Mas o problema do cancro é de diagnóstico precoce. É preciso fazer um despiste no sentido de surpreender a doença nos seus estádios primordiais, porque numa fase já avançada, por enquanto, não temos terapêutica. Devia, pois, haver uma rubrica especial para a luta contra uma doença para a qual temos pouca terapêutica. Parece que o Governo não terá encarado com a devida atenção este problema. Somos nós, médicos, que lutamos com grandes
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dificuldades para fazer ura diagnóstico precoce. Lamenta-se, pois, que não haja uma rubrica especial para a luta contra o cancro, tal como sucede para a tuberculose e as doenças mentais.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - E lamentável até porque o Governo entende, através dos seus órgãos responsáveis, que a luta contra o cancro pode ser feita através dos hospitais regionais.
O Orador: - A achega do Sr. Deputado Jorge Correia confirma que estava na razão, ao afirmar que não há ainda arsenal suficiente para um generalizado despiste precoce da doer ca, e que era esse o pressuposto de uma terapêutica eficaz.
Queria só lembrar que no parecer sectorial da Câmara Corporativa do Plano Intercalar de Fomento se faz esta observação. E ria Lei de Meios justifica-se a inserção de uma rubrica pêra a luta contra o cancro no sector da saúde.
Daí, a sugestão para que o combate venha a ser um dos objectivos essenciais da política de saúde em Portugal.
Vozes: -Muito bem!
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Quero apenas pedir licença a V. Ex.ª para informar o seguinte: noto a V. Ex.ª que falta uma programação no que respeita á saúde. E uma falta tão evidente que nenhum de nós pode ir contra ela. No entanto, há outras faltas mais graves que não vejo definidas na política de saúde e das quais aponto o caso dos médicos rurais. As zonas rurais começam a ficar desertas de quaisquer médicos. Isto acontece já na metrópole e nas ilhas adjacentes e não sei o que se passará nas províncias ultramarinas. É um problema de uma realidade brutal. Quero citar a V. Ex.ª que alguma coisa foi enunciada na saúde geral.
O Orador: - Sr. Deputado: é evidente que nem na Lei de Meios nem no relatório se poderá incluir uma definição programática nesse sentido. Aliás, o Sr. Deputado Jorge Correia já no início desta sessão legislativa pôs em termos muito vivos o problema da carência de médicos nas zonas rurais e a concentração de médicos nos meios urbanos.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: -: Mão é bem uma carência de médicos; é, sobretudo, uma má distribuição pelas condições especiais em que se deixaram os médicos rurais. Una médico minicipal, como V. Ex.ª sabe ganha 1500$ por mês, não tem casa, nem transportes e riem um enfermeiro para o ajudar nas tarefas mais difíceis. É nestas condições que se pretende ter médicos; e, portanto, assiste-se, como no caso das Casas do Povo, que na sua maior parte não funcionam em termos de se poder considerar uma assistência médica conveniente, limitando-se. a ter um dia ou dois por semana de consulta, deixando nos outros dias, e durante a noite, os doentes entregues à sua própria doença.
As remunerações das Casas do Povo são tão insignificantes como as dos médicos municipais.
O Estado continua a estar indiferente, apesar das reformas que aqui só fizeram nesse sentido.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a informação e quero afirmar que não constitui para mim novidade o facto de haver nos meios rurais esse drama da carência de médicos.
Posso contar a VV. Ex.ªs um caso concreto. Num concelho do Norte - concelho do interior, e não da faixa atlântica -, um médico admirável tem a seu cargo, exclusivamente, 30 000 pessoas, às quais assegura a clínica: no hospital sub-regional, na visita domiciliária, no consultório, nas operações, em tudo. E, além do mais, fá-lo por mero sacerdócio, não como um meio de ganhar a vida. Está de tal maneira preso à responsabilidade de ser o exclusivo médico de 30000 almas que dificilmente pode abandonar a terra.
O problema da assistência médica nas Casas do Povo vai-se modificando. O Sr. Deputado Jorge Correia há-de estranhar, mas eu sou presidente de uma Casa do Povo, eu, que do Algarve ao Minho tratei das Casas do Povo em geral durante quase vinte anos. E, coisa surpreendente, essa Casa do Povo, mercê dos acordos com a previdência e da circunstância de esse concelho ser um meio ao mesmo tempo rural e fortemente industrial, tem possibilidade de prestar uma assistência efectiva, e não aquela que V. Ex.ª apontou, que é uma caricatura de assistência. Nessa Casa do Povo é prestada uma assistência efectiva aos associados rurais, mas mercê de uma articulação excelente com a Federação de Caixas de Previdência.
O Sr. Jorge Correia: - Excelente e esporádica. Presto as minhas homenagens a V. Ex.ª, porque essa articulação é devida à sua acção com certeza.
O Orador: -De maneira alguma! É a possibilidade, que V. Ex.ª nas suas Casas do Povo Io Algarve infelizmente não terá, de utilizar para assegurar a assistência médica a cooperação financeira considerável da Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais.
O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª pode dizer-me quanto ganha um médico nessa Casa do Povo?
O Orador: - A Casa do Povo tem um único contrato com dois médicos, em que entra, evidentemente, o serviço prestado aos beneficiários da previdência. Receio não ter exactamente de cor a norma orçamentada, mas julgo que o ordenado deve andar por 5000$ ou 6000$ mensais.
O Sr. Jorge Correia: - 7000 indivíduos é quase a população de uma cidade. Mesmo divididos por dois médicos isso é absolutamente exagerado.
O Orador: - Os médicos dos partidos municipais ganham 1500$ para olharem por uma população maior e às vezes o subdelegado de saúde é o único médico de todo o concelho, recebendo praticamente isso.
O Sr. Jorge Correia: - Sinal de que estão ambos mal.
O Orador: - As Casas do Povo estão a prestar um serviço esplêndido mercê dessa articulação com a previdência, em boa hora instituída pelo então Ministro das Corporações, Dr. Veiga de Macedo.
Mas o problema posto por VV. Ex.ª é no fundo outro, e que já aqui foi posto: é o das carreiras médicas.
E para concluir este diálogo, aliás tão agradável, lembrarei que o problema foi posto no debate do aviso prévio de educação e ensino e em outras oportunidades mais.
É preciso pensar no pequeno número de médicos que se- formam; e, neste, como em Iodos os problemas que se prolongam à distância, é essencial agir depressa.
E ocorre-me uma boutade fulminante de Lyautey ...
O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que já passaram 35 minutos.
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O Orador: - Quando entre colaboradores seus se levantavam dúvidas sobre a plantação de abetos ou cedros e sobre a oportunidade dessa plantação, porque os abetos e cedros crescem lentamente, Lyautey disse: «Pois se é assim, mais uma razão para começar já com ela». Pois é isso mesmo: comece-se já a preparar mais médicos, uma vez que estes, como os abetos e os cedros, levam tempo a formar.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Gostaríamos de ver essa medida primeiramente aprovada.
O Orador: - E entro na derradeira anotação à proposta da Lei de Meios.
A formulação da disposição referente às «Providências sobre o funcionalismo» difere substancialmente da inserta na Lei de Meios precedente.
Enquanto nesta se visava apenas «a continuação da política de construção de habitações para funcionários públicos e administrativos», o artigo 28.º da proposta diz que «o Governo prosseguirá em 1965, de harmonia com as disponibilidades do Tesouro, na política de revisão das condições económico-sociais dos servidores do Estado».
Há que reconhecer sem esforço que a referência à «revisão das condições económico-sociais dos servidores do Estado» legitima esperanças sobre uma melhoria efectiva dessas condições, evidentemente dependente das disponibilidades do Tesouro.
E é facto, que se aponta sem rodeios, que existe uma generalizada expectativa quanto ao alinhamento das suas remunerações.
Tão sòmente no relatório do Sr. Ministro das Finanças são apontados apenas dois aspectos concretos dessas providências: construção de mais habitações para o funcionalismo e a assistência na doença aos servidores do Estado, mostrando ser considerável, e na realidade o é, o esforço feito pela Caixa Geral de Depósitos, investindo até ao final de 1963 78 000 contos e tendo em curso ou programadas construções no valor de 206 000 contos. (Isto afora outras realizações para os Serviços Sociais das Forças Armadas e as efectuadas pelo Cofre de Previdência do Ministério das Finanças e pela Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional).
Relativamente ao serviço de assistência na doença, decretado já em 1963, e regulamentado em Abril do corrente ano, reconheceu-se que dificuldades surgidas na montagem dos serviços obstaram a que ele se iniciasse em 1964, como fora previsto.
Manifesta-se no entanto a esperança de que já não tardará muito mais a entrada em execução dessa tão útil e necessária iniciativa.
Longe de mim menosprezar ou apoucar o valor e alcance destas regalias com que o Estado se propõe atender reais dificuldades dos seus servidores.
Tão sòmente a situação é de molde a reconhecer-se que boa parte (a maior parte) do funcionalismo não pode viver decentemente com o que ganha.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Digo-o em plena convicção, sem qualquer outro propósito que não seja o de ficar bem com a minha consciência, e cumprir o que reputo ser a minha obrigação de Deputado.
Melhorias de outra ordem (e a assistência na doença representará certamente um imenso alívio na precária vida de grande parte do funcionalismo) são sem dúvida desejáveis, mas não resolvem o problema.
Porque a realidade é esta: tudo ou quase tudo vem subindo de preço, desde os géneros aos serviços, e os funcionários públicos das categorias e remunerações mais modestas, que são a imensa maioria, não têm possibilidades de fazer frente às necessidades próprias e familiares, dentro de um padrão aceitável de vida.
Leio no relatório do Sr. Ministro das Finanças que, não obstante o nível de preços por grosso em Lisboa se ter mantido estabilizado no último quinquénio, houve um agravamento médio da ordem dos 2 por cento anual nos índices de preços no consumidor, à excepção do último ano, em que foi menor o ritmo de elevação.
Mas já no 2.º e 3.º trimestres de 1964 se notou um nítido agravamento (3,6 por cento e 5,6 por cento) segundo elementos publicados, atribuindo-se aos meses de Agosto e Setembro últimos o índice de «124» em Lisboa, que é o máximo até agora atingido.
E resta ainda saber até que ponto os índices estatísticos reagem de acordo com os reais agravamentos dos preços.
Sem dúvida este continuado ou intermitente agravamento do custo da vida é fenómeno universal; mas só de modesto lenitivo poderá ser para nós o reconhecimento de que lá por fora o empolamento se deu a ritmo dobrado ou ainda o excedeu, mesmo em países de ordenada administração.
Não pretendo embrenhar-me nos números e índices estatísticos, coisa, de resto, de pouca utilidade já agora, uma vez que em recentes declarações sobre a conjuntura o Sr. Ministro da Economia reconheceu claramente o fenómeno e a necessidade de medidas susceptíveis de frenar a tendência de subida verificada.
E por decreto-lei de fins de Julho foi na realidade atribuída competência ao Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos para definir os princípios a que devem obedecer a organização e funcionamento dos mercados e dos circuitos de distribuição, assim como a política de preços.
Por outro lado, o nível geral de salários tem tido apreciável subida, quer nos sectores da indústria e dos serviços, quer na actividade rural, e de prever é que suba ainda continuadamente em face do condicionalismo de todos conhecido, nomeadamente a rarefacção de gente válida para trabalhos rurais.
Em relação a 1958 os salários rurais subiram estatisticamente de 78.5 e 71 por cento, respectivamente, para os homens e para as mulheres.
E nas cidades do Porto e de Lisboa o acréscimo de salários processou-se à razão de 5 e 4,5 por cento ao ano.
Só as remunerações dos servidores do Estado e das autarquias se mantêm estabilizados desde 1958.
E ainda uma nota mais relacionada com o capitulo «Providências sobre o funcionalismo».
Como tem sido repetidamente lembrado nesta Assembleia, nomeadamente pelo nosso ilustre colega Dr. Santos Bessa, mantém-se ainda sem beneficiar de qualquer forma de previdência grande número de funcionários do sector da saúde e assistência.
Não se compreende a permanência deste estado de coisas, que contraria até a salutar orientação que o Estado impõe mesmo em relação às actividades privadas.
Com o decorrer do tempo vai-se agravando a situação e vão-se criando problemas angustiosos para aqueles que por idade ou invalidez têm de deixar o serviço, sem pensões de qualquer espécie. Junto a minha apagada voz àquelas que tão denodadamente têm pugnado para que se ponha termo a esta situação verdadeiramente discriminatória para uma numerosa e indispensável falange de servi-
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dores públicos, que ainda por ironia das coisas está muitas vezes sujeita a riscos pessoais para além do comum.
E sem buscar sequer o fecho mais cuidado que é de boa regra, termino, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha:-Sr. Presidente: Na memória de todos os que as escutaram ou leram -uns outros com o respeito devido à brilhante inteligência e ao muito saber de quem as pronunciou - estão bem vivas as palavras que aqui proferiu, no decorrer da discussão da proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento. o muito ilustre Deputado Sr. Ulisses Cortês.
Entre outras judiciosas afirmações disse o ilustre economista:
No planeamento atribui-se -e bem- papel motor aos sectores secundário e terciário e, mais especificamente à electricidade, indústrias transformadoras e turismo.
O facto- não suscita reparos, pois toda a marcha do progresso assenta essencialmente na industrialização, de que a produção de energia é condição fundamental.
Além disso, o turismo assume função cada vez mais relevante no processo do desenvolvimento económico tem incidências salutares no nível das actividades internas e no das finanças exteriores.
Por outro lado, a diminuição da posição relativa da agricultura no conjunto das actividades produtivas corresponde a uma lei do progresso e a uma evolução de carácter inelutável.
Verdades que ninguém pode esquecer, como verdade de igual valor foi, a contida nas palavras com que continuou o seu memorável discurso:
Não obstante estas circunstâncias, a taxa de expansão prevista para o produto originário da agricultura, e que é fixada, anualmente, em 1,5 por cento no Plano Intercalar e em 1,8 por cento na programação ulterior, é manifestamente insuficiente e não parece corresponder às potencialidades produtivas da lavoura.
A função de um plano que se inspire numa concepção global e dinâmica do desenvolvimento não é a de verificar as realidades calamitosas de um período de adversidade e de extrair os seus resultados. E antes a de inflectir o destino e de procurar corrigir os desfavores naturais, através do jogo dos investimentos e das medidas adequadas de política económica. Há que ter em conta a missão decisiva da actividade agrícola na execução do plano e o papel acrescido que lhe cabe desempenhar na satisfação das exigências da procura interna e internacional. Umas e outras encontram-se em vigorosa progressão, quer pelo desenvolvimento demográfico e pela melhor estruturação da dieta alimentar, quer pela liberalização do comércio mundial e consequente intensificação das trocas.
Há que manifestar, por isso. algumas objecções, tanto no respeitante ao nível dos investimentos - que corresponde somente- a 8 por cento do total programado, contra 17 por cento no Plano anterior-, como no que toca ao ritmo de expansão do produto agrícola, que urge acelerar, para que se não agravem desníveis inconvenientes e se não criem perigosas tensões no domínio dos pagamentos exteriores.
Com a mesma objectividade -objectividade que sempre o caracteriza-, o Sr. Dr. Ulisses Cortês, esta manhã conseguiu brilhantemente corporizar, em síntese admirável, na moção a que a Assembleia deu a sua unânime aprovação, não só as suas afirmações, como os anseios desta quanto a uma melhor efectivação dos objectivos que o Plano em referência se propõe, nomeadamente quanto ao sector primário.
É de esperar, pois, que o Governo corresponda aos» anseios desta Assembleia -até porque esta poderia, e, quanto a mim, deveria tê-lo feito, exprimi-los de maneira mais concreta, o que não deixa de representar uma manifestação de confiança a atender-, procurando remediar a grave lacuna que tão acentuadamente aqui e na Câmara Corporativa foi focada.
Permito-me, na mesma ordem de ideias, jubilosamente assinalar o facto de o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos ter expressamente reunido para apreciar as sugestões e dúvidas postas pela Câmara Corporativa, o que me dá a certeza de que não deixará por igual de o fazer quanto às conclusões expressas na moção que esta manhã aqui votámos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Não há dúvida de que o sector primário não foi tratado como devia no Plano Intercalar de Fomento, mas creio, na entanto, não estar tudo perdido, pois o Governo pode e deve e com certeza o vai fazer através das verbas do Orçamento Geral do Estado, acudir àquilo a que lhe for possível acudir.
É nessa esperança que passo a fazer algumas considerações, advogando uma maior atenção quanto ao que é preconizado pela Lei de Melhoramentos Agrícolas, de 28 de Novembro de 1946, lei devida á clarividência do então Ministro da Economia, Sr. Dr. Luís Supico Pinto, e Subsecretário de Estado da Agricultura, Sr. Eng.º Albano Homem de Melo. Tenho para mim que essa lei, só por si, marcaria a passagem pelo Terreiro do Paço daqueles dois antigos membros do Governo.
Na verdade, a presente conjuntura e a nossa inclusão em mercados mais vastos exigem, cada vez em maior escala, investimentos no- sector agrícola que facilitem a evolução estrutural das explorações autárcicas em explorações comerciais, perfeitamente integradas com os sectores da indústria e do comércio.
Para que os rendimentos originados por estes investimentos se possam traduzir em despesas do sector, isto é, se transformem em aumento de nível de vida da população agrícola e investimento, urge que a integração em causa seja comandada pelo sector agrícola.
Por outro lado a deficiente preparação técnica do elemento humano, onde praticamente não há os investimentos intelectuais específicos que seriam de desejar, exige uma assistência técnica especial para estes investimentos.
Finalmente, a fraca produtividade da agricultura tradicional, aliada ao constante depauperamento que, devido à política de preços, lhe tem sido imposta, nada lhe deixa para, por si, poder investir.
A Lei de Melhoramentos Agrícolas veio, já então, acudir a uma situação que, de então para cá cada vez mais, se foi agravando, pois visa facilitar aos agricultores, em condições acessíveis, o capital necessário à realização de obras de interesse privado de manifesta rentabilidade e, deste modo. atingirem-se maiores índices de produtividade.
Dentro dos recursos limitados de que se tem vindo a dispor, pode afirmar-se que à sombra desta lei se tem
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conseguido realizar vasta obra de valorização da terra e do trabalho. É de justiça que se destaque esta verdade, pelo que não podemos negar-nos a fazê-lo.
Assim, até Novembro de 1964 foram investidos cerca de 844 700 contos na realização de 42 230 obras diversas, onde avultam as dos grupos respeitantes às obras de rega, drenagem e defesa contra a erosão, com cerca de 26 000 beneficiados, e às- oficinas tecnológicas, entre as quais se destacam 248 empreendimentos cooperativos, que absorveram 60 por cento do capital acima referido.
Estes números, só por si, reflectem o são critério que tem presidido à aplicação da lei, isto é, em desenvolvida obediência ao critério de fomentar a realização de melhoramentos mais reprodutivos.
A verba investida em oficinas tecnológicas, que tem vindo a aumentar de ano para ano, marca nitidamente a orientação de se apoiar, tão depressa quanto possível, a industrialização e comercialização dos produtos agrícolas, principalmente através de cooperativas agrícolas, como se impõe.
Parece-me que neste campo, se muito mais temos que fazer, mesmo muitíssimo mais. não podemos deixar de ter em conta o que está feito e representa como que um ensaio, que deu já positivos resultados.
O restante capital foi investido, principalmente, em construções rurais (visando o fomento pecuário e o aspecto social da construção de habitações para empresários agrícolas e trabalhadores), surribas, arroteias, novas plantações, aquisição de. maquinaria agrícola para equipamento das explorações ou para a constituição de parques de material agrícola colectivos, construção de armazéns e outras instalações de grémios da lavoura, etc.
Obra útil, que queremos apontar à consideração do Governo.
Ë que estas obras de fomento têm sido fortemente limitadas pela exiguidade das verbas colocadas à disposição do organismo a que compete executar a lei. O Governo remediaria algumas das insuficiências apontadas no Plano de Fomento, quanto ao sector agrícola, atribuindo maiores verbas à execução dos fins que a Lei de Melhoramentos Agrícolas se propõe.
Com efeito, a verba que inicialmente veio a constituir o Fundo de Melhoramentos Agrícolas -200000 contos - logo se revelou insuficiente para o efeito.
Com a entrada em vigor do II Plano de Fomento foi o Fundo reforçado com 150 000 contos, à razão de 25 000 contos anuais, verba esta que, por exígua, não trouxe o desafogo necessário à acção de fomento que se pretendia realizar.
Para obviar a esta situação deficitária, do Fundo e satisfazer as solicitações formuladas pelos agricultores, crescentes de ano para ano, enveredaram os responsáveis pelo caminho de contrair empréstimos. Todavia, tal prática tem-se evidenciado não poder constituir solução para o problema, dadas as precárias condições de obtenção do respectivo capital.
Os empréstimos até agora contraídos pelo Fundo de Melhoramentos Agrícolas, com excepção dos concedidos pelo antigo Fundo de Fomento Nacional, efectuaram-se em condições de prazo e juro, isoladamente ou simultaneamente,- muito mais onerosas do que o preceituado na Lei de Melhoramentos Agrícolas, tornando-se, pois, absolutamente necessário que o Fundo seja reforçado de forma a permitir que os serviços encarregados da sua aplicação possam dar satisfação oportuna, e em mais larga escala, às pretensões apresentadas, evitando atrasos na concessão de empréstimos aos agricultores, prejudiciais ao progressivo incremento de uma moderna agricultura.
E preciso dinheiro para que a lavoura se possa actualizar, e ela não o tem, porque, pouco a pouco, lho foram sacando.
A Lei de Melhoramentos Agrícolas, servida com especial dedicação e entusiasmo pelos técnicos do organismo que a vem aplicando, nomeadamente por quem a ele preside esforçadamente -justiça a quem a merece-, constitui, sem dúvida, uma alavanca do progresso e uma auxiliar preciosa da política do desenvolvimento regional que leve à nossa depauperada agricultura um clima de confiança e de fé em melhores dias.
Para justificar o pedido que faço ao Governo, de reforçar convenientemente as verbas destinadas a efectivar os objectivos da Lei de Melhoramentos Agrícolas, permito-me dar alguns números que tenho presentes e se referem à nossa província do Minho - realidade que a lei dos homens não pode fazer apagar -, ou seja aos distritos de Braga e Viana do Castelo.
Em Braga, as obras de rega, drenagem e defesa contra a erosão totalizaram, desde Janeiro de 1947 até agora, 1684, beneficiando perto de 900 ha e custando cerca de 14 000 contos. As obras de arroteamento e novas plantações, em número de 340, atingiram mais de 9700 contos. Para oficinas tecnológicas, na sua quase totalidade destinadas a servir cooperativas, foram emprestados dez mil cento e tal contos. Enfim, e para não citar mais números, foram no total investidos 51 460 contos, investimento para que o Fundo contribuiu com 35 085 contos.
O Sr. Reis Faria: -V. Ex.ª falou em província do Minho como se fosse uma realidade administrativa, que sabemos não existir.
Podia V. Ex.ª fazer uma distinção em relação aos dois distritos?
O Orador: - Estou apenas a falar de Viana do Castelo, de forma que poderei desenvolver se V. Ex.ª assim o desejar.
Em Viana do Castelo o auxílio prestado foi mais modesto, mas, mesmo assim, verificou-se um investimento de 12-997 contos, com uma comparticipação do Fundo fie 8360 contos.
O que seria possível fazer-se se as verbas atribuídas e o pessoal técnico mobilizado para o efeito tivessem a extensão que se deseja e pede!
Estamos certos de que o Governo não deixará de continuar a ter em boa conta a actualidade cada vez maior desta magnífica lei, que, largamente aplicada, não resolveria, é certo, todos os problemas, mas, sem dúvida, viria atenuar «is condições dramáticas em que se encontra a lavoura, possibilitando-lhe acertar o passo, como ela tanto deseja, com as outras actividades económicas.
Esperemos que assim seja, e daqui, nesse sentido, apelamos para o Sr. Ministro das Finanças, sempre atento às realidades nacionais.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
Há catorze anos que não perco ocasião, quando se oferece a oportunidade, de elogiar essa lei.
É para lamentar, como V. Ex.ª disse, que o assunto ficasse tão pouco dotado no Orçamento.
O Orador: - Muito obrigado pelo depoimento de V. Ex.ª De resto, tenho verificado que V. Ex.ª, com tantos títulos de que dispõe, sempre tem defendido a Lei de Melhoramentos Agrícolas.
Sr. Presidente: No notável discurso do Deputado Sr. Dr. Ulisses Cortês, a que já me referi, é acentuada a relevância da indústria de celulose, indústria tão intima-
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mente ligada ao sector agrícola, dizendo-se que «a capacidade mundial de produção de celulose e papel situa-se actualmente em 88 milhões de toneladas, para um volume de consumo de 90 milhões. E este desequilíbrio, que urge corrigir pelo aumento da produção, tende a acentuar-se pela ascensão vertiginosa da procura, em consequência dos progressos culturais e da maior intensidade dos meios de comunicação».
Merece o problema, tão intimamente ligado à chamada «reconversão agrária», especial atenção e um estudo sério que nos permita avaliar do nosso potencial quanto à necessária matéria-prima, estudo que deve abranger todo o território metropolitano, pois só através dele se poderá bem avaliar do número das unidades a licenciar, bem como da sua conveniente localização.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Não servem ao fim em vista estudos parcelares, encomendados com puros fins mercantis e objectivos antecipados, pois trata-se de matéria grave de mais para que se possa transformar em palco de glutões interessados.
O Sr. Reis Faria: --V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. Reis Faria: - Eu só disse que não tem realidade administrativa, mas poderá ter realidade poética ou retórica.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Realidade, substantiva.
O Orador: - O Governo, e muito bem. por despacho do muito ilustre Secretário de Estado da Indústria, a cuja seriedade de processos presto a minha homenagem atribuiu já à região minhota uma unidade de celulose, que, estabeleceu, deveria situar-se no distrito de Braga, pois o contrário seria encostá-la ao mar e desviá-la, consequentemente dos centros abastecedores.
Impunha-se a concessão, dado o crescimento das matas com toda a província - o que está até a modificar a paisagem -e bem andou aquele membro do Governo, a quem também por isso são devidos louvores, estabelecendo que a empresa a constituir deve ser formada, a par, pelos industriais do serração agrupados na cooperativa que requereu a licença e pela lavoura cia região.
A par, «no capital e nas responsabilidade?», diz-se no referido despacho, que louvo novamente, por ter chamado, assim, a lavoura a comparticipar nos lucros da nova unidade fabril, estabelecendo doutrina que deve ser assente para análogas-iniciativas e se não pode deixar minimizar.
Entretanto, o jogo de interesses que em volta do caso se levantou não consentiu que até agora se constituísse a sociedade prevista, o já vamos a caminho do segundo ano. A lavoura, através dos seus organismos representativos, ainda não foi chamada a tomar parte nos trabalhos da constituição da mesma, como seria natural, e fala-se, à boca cheia, em manobras tendentes a sabotar a doutrina e os objectivos que o despacho estabelece.
Entendo, pois que o Governo, pela Secretaria do Estado da Indústria, deve ordenar se constitua uma comissão em que estejam representados os interesses em causa, formada por pessoas desinteressadas e que, assim, ofereçam, sob todos os aspectos, confiança à lavoura e à indústria, de modo a sair-se do ponto morto em que nos encontramos. Não pode - repito -, sob qualquer pretexto, ser iludida a boa fé de quem ditou o despacho e tem louvavelmente em mira beneficiar a lavoura regional, chamando-a a comparticipar de uma obra em que é a primeira interessada, e com ela os industriais de serração, que também têm de acautelar os seus interesses, quanto a mim seriamente postos em jogo pela inoperância até agora verificada.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente: Vou terminar já, pois que, se V. Ex.ª mo consentir, voltarei a esta tribuna ainda durante o debate em curso.
Quero, no entanto, apressar-me a exprimir o meu aplauso, na generalidade, à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965.
É que, na verdade, através dela, verificamos -e isso é o essencial- que se mantêm bem firmes os princípios de sempre: o equilíbrio financeiro, a defesa da nossa moeda e a ordem administrativa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem estes pontos fundamentais, sem a presença dessas linhas mestras da nossa administração, que o Sr. Presidente do Conselho estabeleceu há décadas, quando tomou sobre os seus ombros moços a responsabilidade de arrumar o que parecia não ter arrumo, nada seria possível.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Não seriam possíveis planos de fomento, mais ou menos acertados, nem A defesa da integridade do solo pátrio, que acima de tudo temos de manter, nem tão pouco as críticas de que eu e, como eu, outros Srs. Deputados temos sido portadores dentro desta Casa.
E que, Sr. Presidente, porque o essencial está feito, porque as grandes traves estão lançadas, é que nós nos sentimos autorizados a reclamar a chamada «exploração do sucesso», arrancando desta forma à obra que se realizou todas as possíveis, consequências em benefício da nossa gente. E essas consequências são largas e prometedoras, se todos nisso no» empenharmos com afinco. Bem o merece o bom povo desta nossa nação.
Sr. Presidente: Se V. Ex.ª me permite, termino por contar uma história, história simples mas cheia de conteúdo, como V. Ex.ª verá.
Sou na vida um homem feliz porque tenho podido dar satisfação plena a quase todas as minhas modestas aspirações, e, entre elas, a de ter uma pequena casinha debruçada sobre o mar, na bela orla marítima do meu distrito. Tenho lá, em Esposende, por vizinho, o Américo - o Américo da Sr.ª Olívia, como lhe chamam os banhistas-, homem rude que já correu o Mundo e hoje trabalha a terra que é sua, por suas próprias mãos.
Numa destas noites de Agosto em que o vento leste nos traz uma temperatura irrespirável que não nos deixa dormir, fui de madrugada para- os campos ver nascer o Sol espectáculo de maravilha que à gente da cidade pouco se oferece. O Américo já estava a pé, muito zangado com o vento, que lhe secava os milheirais Começámos a falar e falámos muito. Eu gosto de falar com a gente do povo, que por vezes nos ensina muitas coisas em que nós, sempre apressados, não reparamos. Falando do viver daquela gente boa de Esposende e das dificuldades que a afligem, o Américo disse-me, a certa altura
- depoimento que para mim vale mais do que um milhão de estatísticas pela realidade que lhe encontro -: «Agora, meu Senhor, tudo são riquezas comparadas com
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as misérias de outro tempo». Quem há por aí que possa, com verdade, desmentir o Américo, «o Américo da Sr.ª Olívia»?
O Sr. Pinto de Mesquita: - Ao lado do Américo, que realmente é um homem poeta, existe também nessa região o cego da Apúlia, que eu conheço. Como vê V. Ex.ª, há lá também as suas misérias.
O Orador: - Há-as em toda a parte. Mas não há dúvida nenhuma de que tudo são riquezas, comparando-as com as misérias de outros tempos.
O Sr. Jorge Correia: - O seria as misérias desses tempos?
O Orador: - Não podemos negar o quanto subiu o nível de vida neste país. Não fomos, é certo, até onde devíamos ir; mas fomos muito. A minha voz, que está sempre pronta a apontar os caminhos ao Governo, quando entende ser caso disso, não pode de maneira nenhuma consentir que se subestime a obra que o Regime tem realizado.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não há dúvida de que a caminhada que percorremos foi grande, foi larga, foi extensiva!
Sr. Presidente: É preciso que as riquezas a que o meu amigo e vizinho se referiu cresçam cada vez mais, porque as misérias, que ele também lembrou, já esqueceram.
Até a nós, Sr. Presidente! ... Até a mim, até a mim. Sr. Presidente!
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: Habituou-se esta Assembleia a ler com interesse e muito agrado a sempre bem elaborada e bem escrita proposta de lei de autorização das receitas e despesas, em estilo que o muito ilustre Ministro das Finanças tem para norma a fim de tornar elucidativo o seu estudo. No ano corrente segue-se a apreciação da Lei de Meios a um debate prolongado e profundo em que foram suficientemente estudados, sob todos os aspectos, os capítulos em que a proposta de lei forçosamente se desdobra. Dada a coincidência da apresentação da lei com o desenvolvimento dos debates sobre o Plano Intercalar, lógico é deduzir que ela virá enfermada das deficiências encontradas no estudo do Plano, e, assim, não se poderá evitar que neste debate entrem, como reflexas, as sugestões, análises ou recomendações que foram feitas. E certo que o Plano e a Lei de Meios são, no seu todo, uma firme e sólida afirmação da confiança que todos temos na vitória da nossa razão, na certeza em que o País se voltará, nas mais difíceis circunstâncias, para o desenvolvimento das suas actividades, numa intervenção activa e confiante do sector privado com vista à aceleração do desenvolvimento económico do espaço português.
Por isso mesmo é que se não negou a aprovação ao Plano na sua generalidade, pois que as linhas em que se baseou são a expressão clara do desejo do Governo de atingir um maior ritmo de produção que permitirá estabelecer uma verdadeira política de integração do espaço económico português. No entanto, fizeram-se votos, a Assembleia e a Câmara Corporativa, que de modo algum poderão ser esquecidos, ao organizarem-se as propostas da Lei de Meios, ou os Orçamentos Gerais do Estado, já que tais recomendações, por serem válidas, terão de ser ouvidas, até mesmo porque exprimem a opinião da Nação.
Surpreende, assim, que no critério selectivo para a distribuição dos investimentos se não tivesse considerado como razão de primeira preocupação a reprodutividade que, no verdadeiro sentido, tem a promoção do povo pelo ensino e educação e pela saúde. Parece ter-se esquecido o que tantas vezes tem sido afirmado nesta Câmara, e reconhecido por todas as nações nas conferências mundiais para o desenvolvimento económico, ou seja, que é na promoção intelectual e técnica das massas que assenta a capacidade de desenvolvimento de uma nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Saúde e ensino são as coordenadas de primeira grandeza que devem preocupar todos os esquemas de desenvolvimento, considerado que, em termos de política económica, a educação reflecte-se directamente sobre a melhoria do nível de vida, com interferências positivas sobre o aumento do consumo e a melhoria da produção.
Apresentava já o Plano Intercalar uma proposta de investimentos onde estas rubricas se inscreviam na base de 2,5 por cento para a educação e ensino e 1,2 por cento para a saúde, o que representa, em números, 870 000 contos e 356 000 contos. No entanto, no relatório que antecede o capítulo sobre ensino e investigação fazem-se afirmações pertinentes e estabelecem-se considerações que, se tivessem sido tomadas em linha de conta, não só justificavam a alteração da importância dos investimentos, como ainda dispensariam as judiciosas recomendações da Câmara Corporativa. Cito como exemplo as seguintes passagens:
Entende-se que o ensino e a investigação, no seu todo, não só devem figurar em planos de fomento, como devem mesmo alinhar entre as matérias merecedoras de tratamento prioritário.
E ainda:
Não se podem considerar perfeitos, no seu conjunto, os meios existentes de formação, recrutamento e aperfeiçoamento dos professores, nem tão-pouco os estímulos para atrair à carreira os melhores elementos. [...] Eis aqui uma deficiência que merece a melhor atenção.
Pois é pena que ainda não tenha sido possível tomar-se em atenção nesta proposta de lei o que se reconhece ser de necessidade absoluta.
Em boa verdade, vemos até que se reduz a importância deste capítulo, dispensando-se o Governo de inscrever quaisquer investimentos para «Instalações» e para «Investigação aplicada», tomando apenas em consideração os possíveis investimentos para o «Fomento extraordinário das actividades pedagógicas, culturais e científicas» e para «Apetrechamento extraordinário das Universidades e escolas».
No entanto, o Ministério da Educação Nacional, a que a inteligência e o dinamismo do Ministro Galvão Teles dão vida e actividade, procura encontrar as soluções que permitam reformar as nossas estruturas neste sector da vida nacional, mas ficará a certeza de que não será possível dar corpo a essas soluções se não for convenientemente compreendido pelos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas o sentido desse esforço e o valor prioritário que as coisas da educação da juventude têm para a estruturação da nossa vida política e económica. Para além das já
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anunciadas alterações no plano universitário e liceal, avulta como de maior reflexo a publicação do Decreto-Lei n.º 45 810, que alargou para seis classes o período de escolaridade obrigatória, e a comunicação feita ao País da criação para breve da telescola. Creio bem que, em qualquer país, iniciativas como estas representariam um arrojado passo em frente e seriam consideradas, nos nossos dias, como uma das mais válidas medidas para o desenvolvimento e progresso da Nação. Se algumas dúvidas podem surgir quanto à possibilidade de pôr em execução o Decreto n.º 45 810, pelas carências verificadas e, aliás, apontadas, parece-me que bem fez o Ministério ao anunciar a criação da telescola, pois ela será, estou certo, um valioso contributo para a concretização da medida legal.
E precisamente à luz do Decreto-Lei n.º 45 810 que mo proponho fazer algumas considerações sobre o que representa a exclusão da rubrica «Instalações».
O alargamento da escolaridade obrigatória trará, na sua execução, um aumento de lugares docentes da ordem dos 5000 por cada classe a mais de escolaridade, ou sejam mais 10 000 lugares de professor em 1968-1969, sem contar com as correcções, para mais, que se verificarão por força do aumento demográfico. Ora este facto implicará a necessidade de outras salas de aula, que, considerados os déficit actuais, elevará para 20 145 o número de salas a construir nos, próximos quatro anos. Se se mantiver o ritmo de construções do momento (1000 salas por ano), apenas em 1985 teremos possibilidade de pôr em condições normais de funcionamento a nossa escolaridade de seis classes.
Temos, no entanto, e no momento, como única possibilidade, que se manterá como solução em 1985, pois que então teremos de ter uma escolaridade de oito classes, o recurso aos cursos duplos, com a utilização da mesma sala em dois turnos de funcionamento, permitindo a utilização das 18 200 salas por 36 400 professores, o que parece dar solução de emergência ao problema do alargamento da escolaridade: o deficit de 2500 salas para as necessidades previstas para 1968-1969 poderá resolver-se com o alargamento do ritmo de construções nos últimos anos, nos benefícios que se venham a colher com a telescola ou com o aumento de estabelecimentos de ensino particular.
Desta forma, e porque não podemos desejar o bom, dadas as actuais circunstâncias da nossa economia, seriam necessários investimentos da ordem de 300 000 contos,
para construções de escolas primárias, para os três próximos anos, conforme recomendava a Câmara Corporativa no seu parecer. Há, porém, necessidade de rever a Lei n.º 2107, cujo articulado a torna quase inoperante para a maioria das câmaras municipais. Para .concretização desta minha afirmação bastará dizer que no distrito do Porto, passados vinte anos sobre a publicação do Plano dos Centenários, apenas as Câmaras do Porto, Maia, Matosinhos e Gondomar construíram o número de salas ali previsto, excedendo-o as três primeiras. As outras treze câmaras não só não deram execução ao Plano, como até ficaram aquém da sua realização, destacando-se sob este aspecto as Câmaras de Penafiel, Valongo e Baião, com um ritmo de construções de uma sala por ano; Amarante, Felgueiras, Lousada, Marco de Canaveses, Paços de Ferreira e Vila do Conde, com um ritmo de construções que não atingiu três salas por ano, não havendo nenhuma das restantes que tenha ido para além de quatro salas por ano.
O Sr. Délío Santarém: -V. Ex.ª sabe, e muito bem, que à câmara compete, a aquisição dos terrenos para a construção dos edifícios, compete-lhe, também, a amortização de 50 por cento do seu custo e compete-lhe, finalmente, olhar pela sua conservação e ainda o fornecimento de material didáctico.
Em contrapartida, pertencem ao Estado unicamente 50 por cento das construções. Observando a capacidade económica das câmaras e a do Estado, mesmo considerando as obrigações de cada um, entendo que as posições deviam ser inversas; isto é ao Estado, o que actualmente compete ás câmaras; e a estas, é que cabe ao Estado.
O Orador: - Agradeço ao Sr. Deputado a sua achega às minhas considerações. Parece me, no entanto, que as câmaras não devem desprender-se das construções do ensino. Às câmaras compete zelar o património que é delas.
O Sr. Délio Santarém: -V. Ex.ª dá-me licença? ... Se V. Ex.ª entende que a inversão das posições pode corresponder a desinteresse das câmaras, então, implicitamente, entende também que o Estado se desinteressa, no regime vigente, pela construção das escolas primárias.
O Orador: - Mais facilmente! será possível verificar-se este panorama pelo quadro que passo a referir:
Construções escolares - Escolas primárias
[... ver tabela na imagem]
Concelhos
Previstas pelo Plano
Construídas em 1964
Porcentagens do construções
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Conclui-se desta maneira, muito facilmente, que a Lei n.º 2107 não tem interesse para a maioria das câmaras, principalmente para as de mais reduzidos recursos, o que só por si justifica a sua revisão e modificação. Considero que a lei ao ser alterada deverá ter em conta não só a redução da percentagem de comparticipação das câmaras, sugerindo que esse valor se situe nos 40 por cento, como ainda que se inclua na comparticipação e na modalidade de amortização do empréstimo o valor dos terrenos a adquirir, anulando-se assim o reembolso imediato do valor do terreno, no caso de recurso à expropriação.
Se não for feita esta alteração, pode dizer-se que não só são suficientes quaisquer investimentos inscritos para este fim, por mais pequenos que sejam, como ainda são demasiados, por inutilizáveis.
Uma outra alínea que se julga deverá ser tomada em conta é a que diz respeito ao investimento para a construção de casas para professores. A citada Lei n.º 2107 prevê essas construções parece que num bom sentido de compreensão com um problema tão actual e de tão graves reflexos na boa organização dos serviços da educação. Aqui mesmo e desta tribuna já tive ocasião de chamar a atenção do Governo para a conveniência de considerar numa linha de realização urgente esta necessidade dos professores do ensino primário, na maioria constituídos por jovens professoras que são lançadas para as aldeias onde tudo falta, até mesmo uma cama decente. E ao deixar que se alojem em pensões, que mais são tabernas, ou em tugúrios que se pagam ao preço de boas pensões, essas jovens que vão ser as educadoras dos nossos filhos, as que formarão, na base, a juventude que terá de servir a Pátria com um sentido alto de justiça e ideal, eu pergunto se o Governo já se deu conta da situação que vem criando.
Mas não é com uma lei que atribui às câmaras a ridícula comparticipação de 18 contos por moradia que se poderá dar corpo à recomendação da Câmara Corporativa ou ao desejo do Governo de solucionar o problema, pois que em vinte anos a prova está tirada: no País, salvo erro, apenas uma casa foi construída, e no distrito do Porto nenhuma.
Se, na realidade, o Ministério das Obras Públicas tem interesse em dar execução aos seus planos de construções - salas de aula ou casas para professores -, terá não só de rever as bases em que assenta aquela lei, como de melhorar as bases do licitação, com vista às realidades actuais, de forma que deixem de continuar desertos os concursos de empreitadas e a elas possam concorrer empreiteiros idóneos.
S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas tem demonstrado, em toda a sua vida de governação, um tal sentido de oportunidade e um tão elevado espirito de realização que, estou certo, encontrará a melhor solução e que a Nação pode confiar. No entanto, e em política de construções de habitações para funcionários públicos, quero acrescentar alguns esclarecimentos ao relatório do Sr. Ministro das Finanças. Faz-se ali desenvolvida referência à actividade da Caixa Geral de Depósitos e àquela que o Cofre de Previdência do Ministério das Finanças vem desenvolvendo neste sector, fazendo-se leve referência à contribuição dada pela Caixa de Previdência do- Ministério da Educação Nacional no período em que já decorreu a política de construções adoptada pelo Governo. Pretendo, desta maneira, completar essa citação com alguns elementos esclarecedores e que constituem a demonstração clara da vitalidade daquele organismo e da sua valiosa contribuição para a consecução das finalidades que, sob este aspecto, o Governo se propôs. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 40 674, a Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional pôde começar a dar cumprimento ao disposto na alínea d) do artigo 22.º dos seus estatutos, ou seja, à aquisição de moradias destinadas aos sócios.
Foi assim que construiu, ao abrigo desse diploma, 257 habitações espalhadas por 68 concelhos do continente e ilhas adjacentes, isto é, alargando o seu benefício com mais equidade do que o fez a Caixa Geral de Depósitos, que limitou até hoje os seus benefícios aos concelhos de Lisboa, Porto, Castelo Branco, Beja, Coimbra, Ponta Delgada e Espinho.
Concelhos onde a Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional construiu cinco ou mais habitações:
Almada 9
Beja 5
Cascais 21
Castelo Branco 6
Évora 8
Lisboa 38
Mafra 5
Oeiras 20
Ponta Delgada 8
Porto 16
Setúbal 6
Sintra 23
Vila Nova de Gaia 5
Vila Real 10
Nos termos deste decreto-lei, a Caixa pode pagar a totalidade do custo das casas, que são entregues aos sócios em regime de propriedade resolúvel, e que estes amortizam no prazo máximo de 25 anos, em prestações mensais que incluem o jura de 5 por cento do capital investido. Com estas compras a Caixa investiu, até à data, 56658490$, tendo comprometidos mais 3000 contos com vários pedidos. Reconheceu o Governo a contribuição da Caixa, e por isso publicou o Decreto-Lei n.º 42454, que possibilitou a compra de terrenos na área de Lisboa, a preços acessíveis, destinados exclusivamente nos sócios funcionários públicos.
Em correspondência aberta, a Caixa fez investimentos da ordem dos 39 000 contos, tendo construídos já 278 fogos na zona dos Olivais. A publicação deste decreto melhorou muito para os sócios de Lisboa a grande dificuldade com que se debatem os sócios das outras partes do País - a compra do terreno.
Em alguns concelhos, as câmaras, dispondo de terrenos e animadas de bom espírito de cooperação, têm cedido à Caixa terrenos com dispensa de praça em boas condições de preço (Évora, Portimão e Estremoz)-, mas, na maioria dos casos, devido a essa dificuldade, os sócios da maior parte do País vêem-se impossibilitados de ter casa por intermédio da Caixa, o que não é justo.
Parece-me, pois, conveniente e justo que se alargue a política do Decreto-Lei n.º 42454 a todas as zonas do País, principalmente para as zonas do Porto. Coimbra e Braga, onde a Caixa possui grande número de sócios, que veriam assim satisfeita uma das maiores aspirações da sua vida.
Vê-se que II Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional, desde 1956 até ao fim do ano corrente, investiu ou tem comprometidas nas três modalidades de construção que explora (aquisição de moradias, construção de habitações e hipotecas) verbas no montante de 103 118 663$70, e que merece o interesse e apoio total dos
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Poderes Públicos Por isso mesmo, julgo útil e conveniente que se desonerem os sócios da Caixa do pagamento da contribuição predial, pelas casas que usufruem, até completa liquidação do seu débito, e que a Caixa fique isenta do pagamento das taxas de saneamento e imposto de incêndio em relação aos prédios que constrói.
Parece-me que neste caso, e em todos os que representem um benefício para o funcionalismo, que tão carecido está de benefícios, serão de encarar as medidas possíveis. Um outro aspecto para que a presente proposta de lei me chama a atenção é o que respeita aos investimentos que se propõe o Governo considerar para a realização da rubrica relativa ao "Fomento extraordinário das actividades pedagógicas, culturais e científicas". Propõe o Governo no Plano Intercalar investimentos de 100 000 contos, recomendando a Câmara Corporativa que tal investimento seja alterado para 270 600 contos.
Verifica-se que ao fazer tal proposta a Câmara se dá conta não só das deficientíssimas verbas propostas, como ainda recomenda que se considere, futuramente e em legislação própria, o alargamento dos quadros e as mudanças de categoria do pessoal docente. Ao intervir no debate sobre o aviso prévio da educação e ensino tive então ocasião de largamente me referir à necessidade de criar condições que tornem atractiva a função docente na convicção de que de outra maneira se verificará um mais vasto êxodo dos valores úteis.
Não vou agora demorar-me na apreciação deste assunto, anotando apenas que a manterem-se as actuais condições que permitem vencimentos de 3200$ para um professor de nível universitário e de 1600$ para um professor primário isso terá de influir desfavoravelmente no clima dos nossos estabelecimentos de ensino.
Se não tivéssemos de considerar os reflexos que todas as medidas trazem em ordem ao homem, o próprio sentido económico das medidas aconselharia a que urgentemente se entrasse em linha de conta com estes factos, isto se se deseja, como parece, fomentar as obras de valorização cultural e técnica da Nação. E não se diga que é uma boa medida económica aquela que, por falta de nível pedagógico dos professores de todos os graus, a sua baixa remuneração e uma deficiente administração e inspecção, é causa de elevado índice de repetência, que atinge no ensino primário 24 por cento, com uma representação no orçamento da ordem dos 100 000 contos. E má política a que permite tal dispêndio, sem que dele alguém aproveite, tanto mais que é possível, pela criação de condições conhecidas e bem estudadas, evitar tal situação. Recordo aqui as hipóteses de trabalho consideradas pelo. Centro de Estudos de Estatística Económica no Projecto Regional do Mediterrâneo: "políticas de vencimentos capazes de promover uma maior atracção dos jovens diplomados pelas funções docentes e, simultaneamente, a melhoria das condições em que o ensino é ministrado - do ponto de vista do número de alunos a cargo de um professor - justificam que as despesas com os vencimentos devem aumentar cerca de sete vezes durante os próximos quinze anos. Melhorias a introduzir no funcionamento do sistema de ensino e nas próprias condições em que ele é ministrado, e, sobretudo, a distribuição de subsídios a estabelecimentos privados que possam exercer acção complementar da dos oficiais, justificariam a previsão feita de que deveriam aumentar mais d s sete vezes as restantes despesas correntes entre 1960 e 1965".
Ao chegar ao dm desta minha intervenção, que intencionalmente desejei fosse curta, quero expressar a minha simpatia pelo facto de a Câmara Corporativa ter incluído, nas suas recomendações, uma chamada para a necessidade
de ser dotado o Instituto de Sidónio Pais com 7500 contos para ampliação e renovação das suas instalações. Este Instituto, o único estabelecimento onde os filhos dos professores primários podem, economicamente, seguir cursos secundários em Lisboa e Porto, não pode alargar a sua acção de forma a corresponder a todas as solicitações, por falta de lotação e condições de vida.
No entanto, S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, em sessão pública, cheia de significado e distinção, honrou a instituição com o seu alto patrocínio, reconhecendo, dessa maneira, não só o valor nacional da classe a que se destina, como ainda o direito de um carinho muito especial pelas suas prerrogativas.
Dando o meu voto na generalidade à presente proposta de lei, espero que no futuro a recomendação da Câmara possa vir a ser considerada.
Gostaria, e para terminar, de deixar bem vincada aqui a minha maneira de pensar a respeito das leis e das suas finalidades. Para mim tudo o que se esquematize, planeie ou legisle só tem valor s" for feito em felação ao homem. Os fins a atingir na ordem material, nas diferentes evoluções das conjecturas económicas, na indústria ou na finança, apenas valem se se considerou que tudo se canaliza para a satisfação dos anseios que a vida humana formula para poder vive- em plenitude a sua condição de seres eleitos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os caminhos, os palácios, as pontes, os monumentos, os transportes, as infra-estruturas das indústrias, as próprias indústrias, serão coisas sem valor se o homem não estiver em condições dê as gozar e fazer render. Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, sem saúde, sem educação e sem segurança o homem não pode gozar os bens da terra, e na dor, no sofrimento e na angústia o homem corre o risco, por falta de educação, de perder a própria alma.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso mesmo direi que os frutos de quaisquer medidas terão maior ou menor valor, segundo o que possam vir a contribuir para a criação de maior quota de bem-estar e dignificação do homem, esse dote tão precioso que até Deus estima para Si.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Presente a esta Assembleia mais uma proposta da Lei de Meios - a destinada a vigorar em 1965 -, temos o grato ensejo de participar na sua discussão trazendo um depoimento que, embora despido de conhecimentos técnicos, procura, no entanto, inserir-se na linha de rumo definida pelo chefe da Revolução Nacional.
A proposta em apreciação vem, uma vez mais, confirmar a obediência aos princípios e àquelas linhas mestras seguidas por Salazar para levar a bom termo a tarefa da recuperação financeira do País.
Só assim se compreende que o esforço de defesa a que a Nação foi chamada e a que se vem votando desde Março de 1961 se tenha realizado a par de um processo com vista a aceleração do ritmo de crescimento da actividade produtiva. Daí que a proposta de autorização de receitas e despesas para o ano de 1965 continue a denunciar o firme
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propósito de enfrentar com êxito o imperativo de assegurar os meios indispensáveis à manutenção do estado de guerra que nos foi imposto sem, no entanto, deixar que seja afectada no essencial a economia de paz.
A orientação do Sr. Ministro das Finanças é assim a definida já nos últimos anos, e que corresponde a dois fins principais: o de dar primazia aos encargos com a defesa nacional, que continuam a ser satisfeitos com os recursos internos; e o de prosseguir as obras de fomento e valorização do País, escalonando-se as necessidades com o objectivo de as satisfazer em ordem da sua natureza, volume e grau de urgência.
Tal orientação equivale, como já se disse, a combater em duas frentes de batalha: na frente imposta da guerra, com armas na mão, contra um inimigo do Ocidente que até agora tem desfrutado das boas graças das potências responsáveis pela defesa desse mesmo Ocidente; e na frente da competição dos grandes espaços económicos, na recuperação do atraso industrial que a esterilidade política de longos anos condicionou. E esse combate, que tem sido duro e continuará a sê-lo, exige e requer a adopção de providenciais para evitar os perigos que podem contrariar a finalidade que se deseja alcançar. Um desses perigos é o do aumento considerável das despesas correntes do Estado, que não sómente pode comprometer, a prazo mais ou menos curto, o esforço de defesa que a Nação está a fazer como também afectar o volume de investimentos para manter ou incrementar o ritmo do desenvolvimento económico.
Se efectivamente não podemos abrandar no esforço de defesa que à Nação foi pedido, por outro lado não podemos esquecer que a manutenção do ritmo de desenvolvimento, e até o seu incremento, é, sem dúvida, um imperativo que em circunstância alguma poderá ser menosprezado nem minimizado no seu alcance.
Para tanto importa não só canalizar todos os recursos disponíveis do País para um melhor aproveitamento possível, como também fazer que os dinheiros públicos sejam utilizados escrupulosamente, com a maior parcimónia e em obras directamente reprodutivas, deixando-nos de gastos exagerados com os quais muitas vezes a Nação pouco ou nada aproveita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Á opinião pública vem desde há muito clamando, e continuadamente, por um teor de vida austero na Administração. Pois apesar disso e da necessidade de o restabelecer, continuamos a viver numa época de euforia nos gastos, não obstante os ensinamentos em contrário e os conselhos dados pelo Sr. Ministro das Finanças e das advertências, plenas de sensatez e bom sentido, feitas- pelo ilustre relator das contas públicas Sr. Eng.º Araújo Correia. E que essa euforia de gastos não se compadece de forma alguma com a sangria que à Nação está a ser feita para defender a honra e a soberania nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O ressurgimento nacional que a Revolução de Maio quis alcançar sob a égide do Prof. Oliveira Salazar não pode continuar a ser emperrado por uns tantos.
A Revolução, que, no dizer do seu chefe, tem de continuar enquanto houver um português sem trabalho ou sem pão, fez-se contra um estado de descalabro público
a que nau desejamos regressar. Este foi o seu principal e verdadeiro fim.
Há quem não esteja disposto ou não queira pautar a sua actuação política pelo estilo simples e de poupança, de verdade e de autenticidade, de acção rápida e de isenção, em que se fundamenta a doutrina do Estado Novo Português implantada na Administração? Que tenha a coragem de o dizer. E que o Poder, conforme disse Salazar, "só tem compromissos de doutrina, não de pessoas, pelo que não ,pode ser invocada a sua autoridade ou acordo para cobrir desvios, abusos, injustiças, deficiências, que são o oposto do seu verdadeiro espírito".
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À semelhança do que fiz na passada sessão legislativa, não quero deixar passar esta oportunidade sem bordar ligeiras considerações sobre alguns dos aspectos desta proposta de lei que o Governo acaba de enviar à Assembleia Nacional.
Sem me perder em divagações teóricas, tratarei do funcionamento dos serviços e providências sobre o funcionalismo.
Nesta Lei de Meios para 1965, contrariamente ao que aconteceu com as anteriores, a norma que prescreve rigorosa economia a que os serviços públicos são obrigados na utilização das suas verbas não se encontra no capítulo relativo ao funcionamento dos serviços, mas, sim, no artigo 5.º do capítulo respeitante ao equilíbrio financeiro. Isto aconteceu assim para corresponder a uma sugestão do ilustre relator do parecer da Câmara Corporativa para que se agrupassem no mesmo capítulo "disposições que efectivamente prosseguem uma finalidade comum em condições de mais facilmente se apreenderem as linhas mestras de uma orientação de base", conforme se lê no douto e bem elaborado relatório do Sr. Ministro das Finanças.
De facto, sendo o equilíbrio financeiro a pedra angular da administração dos dinheiros públicos, bem se compreende que, para o manter, se continue a aconselhar, nesta hora difícil que o País atravessa, austeridade nos gastos, pois é por de mais sabido que onde há grandes sacrifícios tem de necessariamente haver austeridade nos gastos.
O Sr. Vaz Nunes: - Muito bem!
O Orador: - No parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1962, o seu muito ilustre relator, ao falar da necessidade de reduzir as despesas ao mínimo essencial, afirma:
Mas torna-se também necessário que todos os que orientam consumos públicos compreendam os sacrifícios e as dificuldades, de modo a reduzi-los ao estritamente indispensável. Este é o momento em que mais se deve vincular em todos o princípio de que o futuro está na energia e faculdades de trabalho da população nacional, até no combate para selecção de despesas e melhorias na produtividade dos serviços.
Efectivamente, só um apertado regime de poupanças dos dinheiros públicos em todos os serviços está de acordo, se casa bem, com esta hora em que muitos dolorosos sacrifícios materiais são pedidos aos Portugueses para manterem íntegros os territórios que os seus maiores legaram.
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Só esta atitude constitui afirmação de actuação equilibrada, de patriotismo, de coerência! ...
Em tese apresentada em 1923 ao Congresso das Associações Comerciais e Industriais Portuguesas, afirmou Salazar que "... é inútil dizer que o patriotismo aconselha economia". E desde 1928 para cá, com a sua chamada ao Governo, o estadista ilustre, que acreditou o interesse nacional onde eram patentes as servidões particulares, não se tem cansado de fazer tal recomendação, quer nas leis orçamentais, quer noutros documentos, defendendo sempre o princípio da estrita moralidade na Administração e o "princípio da moderação nos gastos, da preferência palas obras que interessam à saúde e higiene da população e pelas directamente reprodutivas, adiando os melhoramentos, os embelezamentos e as obras de puro luxo para momento em que os povos estejam em situações mais desafogadas".
Para corresponder à filosofia da proposta da Lei de Meios que decorre do seu artigo 3.º, o Sr. Ministro das Finanças, na continuidade da sã e patriótica orientação que vem seguindo, recomenda como necessário que a Administração evite gastos não justificados, gastos exagerados e supérfluos, feitos, o mais das vezes, por vaidade ou ostentação.
Sem que sofram com a manutenção do essencial, os serviços públicos deverão, pois, utilizar com parcimónia, bom senso e são critério os dinheiros públicos, acudindo àquilo que é indispensável e justo e refreando a tendência para os gastos indiscriminados, para os dispêndios sumptuários, sem reprodutividade possível, contra os abusos e extravagâncias, isto é, contra tudo que não concorra para satisfação directa e imediata do bem comum.
Há, porém, quem se aflija com a crítica que, por vezes, é aqui feita a certos sectores da Administração, em que se denunciam, em fidelidade aos princípios que enformam o Regime, erros e desvios ao prosseguimento daquele patriótico objectivo. Mas não será esta atitude a que decorre naturalmente do imperativo de um dever que se terá de cumprir, tal como é o de exaltar quem mereça sê-lo pela sua dedicação, interesse e zelo em prol do comum, e pela necessidade de purificar os princípios e de os dinamizar a bem da Nação?
Assim o cremos e, por isso mesmo, não hesitaremos em denunciar neste lugar os desvios da linha de rumo da Nação.
E que, se outras razões não houvesse - e elas existem -, bastava o facto de serem bem graves os tempos que vivemos, e, sem necessidade de dramatizar, poderem tornar-se decisivos por carência de equilíbrio, de senso, de austeridade da nossa vida pública, que num Estado pessoa de bem deverá até constituir norma para a dos particulares. E por de mais sabido que o interesse nacional não se compadece com turiferários de vaidades, antes necessita de colaboradores sinceros e desinteressados. E a que assistimos nós por vezes? Ao gasto de dinheiro mal gasto em festas, banquetes e recepções; à distribuição, às mãos cheias, de luxuosas publicações que a maior parte das vezes nem sequer são lidas; à realização de viagens ao estrangeiro com dispêndios elevados e sem uma necessidade imediata; a obras sumptuárias, instalando-se e mobilando-se luxuosamente serviços que, por vezes, ficam quase sem dinheiro para acudir às mais instantes necessidades e prosseguir os seus nobres objectivos, o que se traduz em despender com o supérfluo o que deveria ser afectado ao essencial; ao esbanjamento do dinheiro com utilização em proveito próprio, como se suas fossem, das viaturas automóveis do Estado, dos corpos administrativos e organismos corporativos.
Tudo isto se faz sem pudor, sem rebuço, com esquecimento da noção das conveniências por parte dos que, porque mandam, têm responsabilidades de educação e, o que é pior, sem a conveniente repressão neste transe difícil que o País atravessa e em que economias deviam ser realizadas.
Tudo isto se faz deixando perplexos e contristados muitos e muitos funcionários que, com a probidade, honestidade e escrúpulo com que exercem a sua função, vão nesta hora estòicamente sofrendo em vencimentos diminuídos e em carestia assustadora da vida.
Ao uso e abuso dos automóveis do Estado já por duas vezes nos referimos, condenando o escândalo que tal constitui, fazendo-nos eco dos reparos justíssimos e pertinentes que a falta de sensibilidade social e o impudor de alguns servidores fazem recair sobre a Administração, acarretando comentários em seu desprestígio.
Não consta, porém, que quaisquer medidas ou providências tivessem sido tomadas paru debelar ou, pelo menos, atenuar este abuso, parecendo que vai faltando força, coragem, recursos suficientes para conjurar o mal, que, por ter passado dos grandes centros urbanos à província, se vai tornando epidémico.
Este problema dos automóveis dos sei viços públicos faz até, como já foi dito, lembrar a história dos ralos: quantos mais se matam mais ralos ficam.
Pois apesar de ter sido objecto de disposições legais, de censuras e condenações na imprensa diária e regionalista e até nesta Assembleia, isto é, quanto mais se lhe bate mais vivo está, mais mexe, e quanto mais se procura restringi-lo mais se alarga e estende.
Ora, é por de mais sabido que a contemporização com este e outros abusos só faz fabricar descontentes e amolece os mais austeros, pois a experiência faz comprovar a verdade contida na doutrina pedagógica inaciana segundo a qual é a autoridade moral do poder dos que mandam que faz fortificar em nós a vontade de obedecer.
Por que se espera, pois para agir, reprimindo este e outros males, corrigindo e saneando onde for caso disso, desde que o supremo interesse nacional assim o imponha?
Por que se não luta mais aberta e duramente contra toda a viciação moral dos que de alguma maneira intervêm na administração pública, contra todos que baloiçam a consciência só ao sabor das duas conveniências pessoais, tornando-se os piores opositores a que o Estado proceda como pessoa de bem?
Será preciso sofrer desapontamentos, arriscar posições. Mesmo assim, não devemos hesitar em fazê-lo, pois a parte sã da Nação, que vê em Salazar uma vida exemplar de desinteresse e renúncia, não deixará de se insurgir contra tudo o que sinta contrário aos fundamentos da Revolução Nacional, apoiando todas as medidas tendentes a não a fazer desacreditar nem desprestigiar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Convirá, pois, agir quanto antes, amanhã poderá ser tarde. Assim o reclama o interesse nacional.
Quanto às providências sobre o funcionalismo, começaremos por lembrar que na sessão de 12 de Dezembro de 1963, ao intervir no debate sobre a Lei de Meios, nos congratulámos vivamente com o anúncio para breve da publicação do regulamento que possibilitaria a execução do Decreto-Lei n.º 45 002, diploma que concederia a assistência em todas as formas da doença aos servidores do Estado, incluindo os dotados com autonomia administrativa e financeira. Encarecemos então, nessa altura,
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a bondade do diploma pelo louvável e importantíssimo serviço que ia ser prestado pelo Governo ao funcionalismo público, mormente porque as despesas militares pesavam de modo substancial no orçamento do Estado.
Muito embora já em Dezembro de 1963 se encontrasse pronto para ser publicado, conforme foi então anunciado, tal regulamento tardou em aparecer, não obstante a ansiedade e alvoroço com que o funcionalismo o aguardava.
Esta tardança mereceu até muitos justos reparos nesta Assembleia por parte dos ilustres Deputados Pinto de Mesquita e Alberto Meireles, vindo a publicação do -desejado regulamento a fazer-se em 27 de Abril passado, com o Decreto n.º 45688. Nada menos do que quatro meses de demora, de pausa, o que hemos de convir não ser nada pouco para os tempos céleres que hoje vivemos.
Diz o nosso bom povo, na sua simplicidade e sabedoria, que "a pobre não prometas nem devas a rico". Ora, sendo a maioria, se não a totalidade, do nosso funcionalismo pobre em matéria de assistência na doença, uma medida se impunha: a de que, logo após a publicação do Decreto-Lei n.º 45 002, de 27 de Abril de 1963, que prometia a assistência na doença, imediatamente se publicasse o regulamento anunciado e que possibilitaria concretizar tal promessa.
Impunha-se pois, como necessário, passar rapidamente do papel à acção, não se deixando enredar no labirinto da burocracia e derrubar todos os obstáculos para evitar, como tantas vezes acontece, que as medidas ficassem apenas em letra de forma, sem ninguém a conhecer-lhes benefícios reais e efectivos.
E que sucedeu? Que nos veio trazer o regulamento aguardado durante um ano com tanto alvoroço e bem justificada expectativa? Ficou aquém, igualou ou excedeu aquilo que o funcionalismo esperava?
Em obediência à verdade temos de confessar que se esperava muito e muito mais, pelo que o regulamento constituiu como que um balde de água fria, tal a desilusão, o desapontamento que fez desabar sobre quantos, talvez com exagerado optimismo, viam no serviço de assistência prometido ao funcionalismo uma boa forma de aliviar a sua tão magra economia familiar.
Quer pelo tempo julgado necessário para a instalação do serviço, e que é computado em três anos, quer pelo âmbito e extensão desse serviço, pelo menos na sua fase inicial, o conteúdo do regulamento publicado deu um rude golpe na esperança de melhoria pronta e sensível exigida pela grave situação que vive o funcionalismo público, sobretudo o dos quadros mais modestos e que não tem outros proventos que não sejam os que lhe vêm das suas modestas remunerações.
Lê-se no relatório da proposta da Lei de Meios que "os trabalhos de organização da A. D. S. E. viram-se em dificuldades e tornou-se impossível iniciar-se no corrente ano, mesmo nos termos cautelosos que se adoptaram, o esquema assistencial traçado" e que, não obstante persistirem algumas das dificuldades, se dão esperanças de que não tardará muito mais a entrada em funcionamento da A. D. S. E.
Praza a Deus que tudo se faça para romper essas dificuldades e que essa assistência venha, em breve tempo e em moldes amplos, a ser um facto, para que o Diário do Governo seja, no expressivo dizer do ilustre Ministro Antunes Varela, "um viveiro fecundo de instituições, que a dedicação dós serviços ou a colaboração dos particulares ajudam a florescer em proveito da sociedade", e não "um crematório de muitas ilusões, sem excepção daquelas que o talento dos homens de leis procura assentar em mais sólidos vigamentos".
A propósito das providências sobre o funcionalismo, a proposta da Lei de Meios insere no seu artigo 28.º a afirmação de que, em 1965, "o Governo prosseguirá, de harmonia com as disponibilidades do Tesouro, na política de revisão das condições económico-sociais dos servidores do Estado".
Dentre outros, o problema da aflitiva precariedade económica a que o agravamento do custo de vida conduziu o funcionalismo é um dos mais graves que, neste momento, ao Governo se deparam e cujas consequências se vão já fazendo fortemente sentir no funcionamento eficiente e perfeito dos serviços públicos.
Efectivamente, os quadros do funcionalismo do Estado vão sendo cada vez mais desfalcados com a debandada para as empresas privadas dos seus melhores servidores e é também cada vez maior a dificuldade no seu recrutamento. Por outro lado, sucede que outros acumulam empregos para compensar a modéstia da remuneração-base, repartindo deste modo por vários as qualidades de competência, zelo e dedicação que deveriam concentrar num único serviço.
Algumas das medidas tomadas pelo Governo, como as respeitantes à construção de habitações para funcionários, não se podem, infelizmente,- processar num ritmo que em curto prazo satisfaça as inúmeras necessidades existentes.
Muito se tem feito, é certo, mas muito mais é preciso fazer.
O Governo, sempre atento aos problemas da Nação, não deixará certamente de atentar neste grave problema da situação do funcionalismo com o cuidado especial que, a par de outros, ele merece.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estas as considerações que a leitura da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para o ano de 1965 me sugeriu, considerações estas que procurei fazer com a sinceridade que costumo pôr nos depoimentos que trago a esta Câmara e no bom propósito que me anima de colaborar com o Governo mesmo quando pelas afirmações produzidas se queira tendenciosa ou malèvolamente concluir o contrário.
Como ainda não há muito tempo afirmou o estadista ilustre Prof. Antunes Varela, que ao Regime tem dado o melhor da sua brilhante inteligência e da sua excepcional capacidade de trabalho, "a melhor forma de honrar o impulso renovador dos criadores do actual regime não consiste em andar continuamente de turíbulo na mão a incensar a sua pessoa ou a obra que criaram ...".
Também assim o entendemos.
Que a Providência ilumine os nossos governantes e lhes dê a clarividência necessária para o estudo dos problemas e a coragem e a fé para prosseguirem nas soluções mais justas, oportunas e convenientes, de modo a vencerem as dificuldades que pesam sobre os seus ombros.
Com estes votos e a mais viva fé nos destinos da comunidade portuguesa, dou a minha aprovação na generalidade à presente proposta de lei, a cuja elaboração presidiu com alto critério o ilustre Ministro das Finanças, Prof. Pinto Barbosa, a quem rendo homenagem da maior admiração e respeito.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã, sobre a mesma ordem do dia, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
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Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
António Calheiros Lopes.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Proença Duarte.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes cia Costa Amaral.
Joaquim José Nunes de Oliveira
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
António Burity da Silva.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
James Pinto Buli.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai DempS.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA