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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167
ANO DE 1964 14 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 167, EM 12 DE DEZEMBRO
Presidente: Ex.mo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mo Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente. O Sr. Deputado Délio Santarém referiu-se à crise da medicina em Portugal.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1965.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes Barata, Rocha Cardoso e Alexandre Lobato.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso. João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
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José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro ca Silva.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz do Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estrio presentes 65 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Diversos telegramas a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Noto sobre a indústria de malhas.
O Sr. Délio Santarém: - Sr. Presidente: Por enquanto só a bem poucos chama a devida atenção o declínio progressivo, não só em quantidade mas também em certo ponto básico da qualidade, de uma actividade profissional que por todos deve ser considerada imprescindível ao equilíbrio e bem-estar sociais.
E porque nos encontramos, simplesmente, na fase embrionária de uma autêntica crise é de recear que ao dela falar nesta Assembleia se sujeite a condenação, por deformação profissional, o médico que solte desde já o brado de alerta sobre; a crise da medicina em Portugal, tanto mais que um acentuado progresso técnico se apresenta, actualmente, de forma a encobrir tal crise.
Aplaudiu-se o tratar-se, aqui, das crises da lavoura, do ensino e da administração municipal, mas, apesar da maior relevância da questão presente - essencialmente humana -, não surpreende nada que muitos a julguem pouco pertinente.
Para este fenómeno talvez se considere razoável esta explicação: uma crise na economia, na política ou na administração do País sente-a ao mesmo tempo, directa, ou indirectamente, toda, a população, que, portanto, reage com o PÜSO e a força do todo, ou de uma grande parte: mas uma crise da função médica é sentida parcelarmente hoje só por uns e amanhã por outros, de forma que as reacções de cada caso pouco, muito pouco, ultrapassam
o ambiente familiar. Só excepcionalmente, em caso, por exemplo, de um surto epidémico grave, poderá ter um reflexo nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todavia, infeliz será o país cuja população não esteja bem protegida contra a doença. Acabará também, fatalmente, por adoecer política, económica e administrativamente.
Porque é verdade axiomática mais valer prevenir do que remediar, prosseguiremos no propósito, bem intencionado, de chamar a atenção para uma previsível crise de medicina, de cujas graves consequências sofreremos todos, absolutamente todos. Pois doentes somos todos nós hoje uns, amanhã outros, até os próprios médicos.
E àqueles que, a priori, nos possam condenar por deformação profissional recordamos; que os anos que nos branqueiam os cabelos e aprofundam as rugas nos forçam a falar muito mais como doente do que como médico.
De resto, embora sem rubrica tão específica e com um ângulo visual um pouco diferente; e, sobretudo, com um mérito que não conseguimos emprestar ao nosso trabalho, este mesmo problema aqui foi recentemente tratado, a propósito do Plano Intercalar, pelos nossos distintos colegas Jorge Correia e Santos Bessa.
E até já, neste mesmo sentido, ao grande público se dirigiu o diário A Voz em conceituosos artigos assinados pelo Eng.º Albano Sarmento e pelo médico Meireles de Souto.
Também nos recordamos do belo artigo «Médicos e remédios», publicado no jornal O Século de ontem e anteontem. Fomos agradavelmente surpreendidos com mais .dois magníficos artigos de fundo do mesmo jornal sobre a insuficiente cobertura médica do País.
E não nos vamos alongar, é claro, com referência às constantes preocupações patentes nas diversas revistas da especialidade.
Já declarámos, Sr. Presidente, que a previsível crise da medicina deve ser encarada da ordem quantitativa e também, em certos pormenores, na qualitativa.
Mas se é muito fácil, até por um simples golpe de vista sobre as estatísticas das inscrições de alunos nas três Faculdades de Medicina do País, provar a crise quantitativa, é, por outro lado, bastante difícil pesquisar e corrigir as suas causas e ainda mais delicado algo discernir sobre os diversos factores da crise qualitativa.
Em todo o caso convém ao todo referir sem, naturalmente, se ter a pretensão de sugerir mezinha milagreira, mas, simplesmente, com o leal desejo de sublinhar as causas que reputamos mais responsáveis na montagem do plano inclinado por onde já vai deslizando a medicina portuguesa e a que é preciso restituir, pelo menos, uma horizontalidade mais tranquilizadora.
E desolador verificar que à progressão geométrica do movimento demográfico e às exigências sociais - também evidentes no foro da saúde -- corresponde uma progressiva baixa no número de jovens que, em cada ano, se decidem pela profissão médica.
Caminhamos, nesta particularidade, não em linhas paralelas com problemas só no infinito, mas ou em linhas convergentes para um choque prematuro ou divergentes para nos perdermos, sem correspondência, no espaço vazio.
Neste aspecto quantitativo é de temer um prognóstico grave em face do estado actual, sobretudo se não procurarmos contrariar os motivos principais dessa baixa sucessiva de inscrições nas três Faculdades de Medicina do País.
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Convém salientar, Sr. Presidente, que a falta de médicos é maior problema para os doentes que para os próprios médicos e que, por enquanto, esta deficiência só se sente com certa agudeza nos meios rurais; nas sedes dos concelhos, quanto a especialistas; e, sobretudo, no ultramar.
Cremos que são duas as principais causas da baixa de inscrições nas Faculdades de Medicina: a primeira relaciona-se com os reduzidos atractivos que oferece, actualmente, a profissão em função de um curso longo, complexo e dispendioso; a segunda baseia-se na autêntica impossibilidade com que tantos possíveis candidatos a alunos das Faculdades de Medicina deparam no aproveitamento do ensino médio clássico que dá acesso a essas Faculdades, em virtude da notável falta de liceus em alguns aglomerados populacionais muito importantes.
E porque estão sempre no nosso pensamento os casos que mais directamente vivemos e melhor conhecemos não vamos deixar passar esta oportunidade sem, novamente, pedirmos a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Educação Nacional, a, quem respeitosamente - mais uma vez - prestamos justíssima homenagem, que se digne determinar a criação, tão necessária, dos Liceus de Santo Tirso e de Matosinhos.
O Sr. Alberto de Meireles: - Muito bem!
O Orador: - Desta maneira, dar-se-ia ]á a muitos milhares de portugueses o direito à cultura que a Constituição a todos concede e se contribuiria para a desejada melhoria das estatísticas relativas às inscrições nas Faculdades de Medicina.
Mas também é evidente que à profissão médica faltam, actualmente, os atractivos que vencem o temor que aos jovens, naturalmente, sempre desperta a perspectiva de uma caminhada necessariamente longa, áspera, ruinosa c sem destino compensador.
Assim, parece que além da necessidade de criação de mais liceus é fundamental cuidar-se da valorização, do prestígio, dos atractivos da nobilíssima profissão médica.
E é errado julgar-se que os grandes beneficiários desse prestígio são os médicos.
Mais do que eles vão, indiscutivelmente, usufruir todos os doentes.
Se o saber curar se baseia, essencialmente, no estudo, na investigação e na técnica, a arte de curar vai buscar a sua enorme força ao prestígio pessoal de cada médico.
E não se pense também que esta arte tem menor valor que aquele saber nas ansiedades e nas angústias dos doentes.
Recordo, Sr. Presidente, que uma célebre clínica dos Estados Unidos da América publicou uma estatística com 45 por cento de curas por meio de placebos e que foi reconhecido que os elementos verdadeiramente curativos dos placebos prescritos estavam unicamente no prestígio dos médicos e na abnegação sacerdotal de uma arte de curar em que nada havia da tendão exuberante de um Freud, nem da fantasia delirante de um Mesmer.
Se continuarmos a desprestigiar os médicos - ou se eles se desvalorizam pelas suas próprias mãos-, privam-se os beneficiários dos seus serviços de um meio curativo que, ainda actualmente, temos de considerar, no quadro geral da terapêutica e nos respectivos campos funcionais, de valor aproximado ao dos famosos e já tão populares antibióticos.
A medicina dignificada torna, naturalmente, a profissão mais sugestiva, e sem este atractivo nem a acção médica se desenvolve integralmente, nem se consegue impedir o agravamento do problema da falta de médicos, e implicitamente da falta de profissionais paramédicos; da falta de hospitais, da falta de variados serviços de saúde e de assistência; e, como é óbvio, do respectivo apetrechamento material. Pois, é claro, não havendo médicos, nem é preciso lançar mão cio velho argumento, usado e abusado, da falta de verba para justificar a debilidade do nosso sistema assistencial.
Parece podermos concluir que é fundamental prestigiar o profissional da medicina.
Note-se que neste aspecto básico conta mais a qualidade que a quantidade, e, assim, deste jeito, queremos frisar que daqui em diante se torna mais difícil o raciocínio e muito mais ingratas as respectivas conclusões.
Vamos, pois, usar agora da maior cautela, procurando descobrir as causas mais graves da falta de prestígio do médico, com o objectivo de aperfeiçoar a qualidade para despertar a quantidade e melhor se poder cuidar de quem carecer dos seus indispensáveis serviços.
Sr. Presidente: Salta aos nossos olhos, efectivamente, que a profissão médica está perdendo prestígio.
E sente-se o desprestígio nas Faculdades de Medicina, na Ordem dos Médicos, na administração pública, no seio da sociedade e no acto médico.
E muito delicado e até ingrato falar da necessidade de prestigiar as Faculdades de Medicina, pois pode entender-se, a priori, que se esquece o muito que a sociedade deve ao trabalho e ao saber dos mestres da medicina portuguesa.
Podemos, todavia, falar sem receio no desprestígio das Faculdades de Medicina, porquanto este diz mais respeito às condições de trabalho que ao próprio trabalho.
O professor de Medicina, para ser, como convém, essencialmente mestre e investigador, necessita de independência económica e de ter à sua disposição os melhores meios indispensáveis ao cabal desempenho dessas funções.
Sem isso terá de ser sempre muito mais clínico que professor e investigador e os seus discípulos terão de continuar a procurar, como até agora, nos livros estrangeiros mesmo o mais elementar à sua formação profissional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sem isso jamais surgirá aquele espírito criador que prestigia uma Faculdade; nem o Estado poderá ter a força moral precisa para exigir o máximo rendimento desses seus sábios servidores.
Uma Faculdade tem de ser também fonte-nascente, e não o simples conduto da criação alheia.
Mas honra aos nossos mestres, que, tantas vezes em condições bem precárias, nos revelam ainda, de longe em longe, do que seria capaz o espírito criador dos Portugueses.
Sr. Presidente: Sente-se também o desprestígio na Ordem dos Médicos, e este na medida em que à Ordem falta o poder necessário e indispensável para impor o seu direito ao diálogo em condições paralelas com outros órgãos corporativos, nos casos em que se jogam interesses das classes que representam; e ainda na incapacidade para obrigar os médicos inscritos a respeitarem as determinações da Ordem, particularmente aquelas que visam o interesse da colectividade e a dignidade profissional.
Não obstante a boa vontade, o esforço e a competência de todos quantos abnegadamente têm dirigido e dirigem a Ordem, a verdade é que cada filiado faz o que entende, aceitando, por exemplo, contratos vexatórios depois de
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uma luta de concorrência desprestigiante a que a Ordem, em última, análise, se vê compelida a assistir com mágoa e complacência
Consideramos esta particularidade uma importante causa do progressivo desprestígio da classe médica, a que é preciso pôr termo com a redacção de um novo estatuto.
E realmente, Sr. Presidente, na falta de poder por parte da Ordem para manter uma ordem que se vai encontrar, muitas vezes, a ponta de tantas discrepâncias e a razão do enorme desânimo que se esconde no seio dos profissionais da medicina e tanto se repercute na sociedade.
Por isto, e por mais, afirmamos sem hesitações, embora com imensa mágoa, que os médicos também se desprestigiam pelas suas próprias mãos.
E como é paradoxal e nos desorienta verificar-se que, em contraste com esse poder tão débil, a Ordem dos Médicos ultrapasse, as Faculdades na competência que lhes foi outorgada, por exemplo, quanto à distribuição de títulos de especialistas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Por compreensível escrúpulo não desejávamos abrir o capítulo do desprestígio do médico no âmbito da administração pública. Todavia, ao facto temos de nos referir, mas só na medida precisa para não ser apontada a falta e se impedir uma errada interpretação do título.
Terei de dizer que é visível a reduzida atenção que habitualmente, se dá ao licenciado em Medicina quando se procede ao recrutamento de valores para a administração da coisa pública, até mesmo para aqueles cargos em que a formação médica dá as melhores garantias.
Em todas as oportunidades disparasse logo, sistematicamente, o tiro da paixão ou deformação profissional.
Também, Sr. Presidente, não nos alargamos em considerações sobre o desprestígio do médico no ambiente social, porque neste particular pesa consideravelmente o seu problema económico, que não queremos aqui apreciar. Recordamos, unicamente, que ao lado de uma ou duas centenas de privilegiados se amontoam milhares em debilidade económica; e aproveitamos o ensejo para afirmar a nossa confiança na base XXX do Estatuto da Saúde e Assistência, que deu asilo ao notável relatório sobre as carreiras médicas.
Sr. Presidente: Cuidemos agora do último capítulo, que consideramos o mais relevante: o desprestígio do acto médico.
As guerras de 1914 e, mais ainda, de 1945 provocaram profunda alteração da face da Terra.
A técnica destronou o reinado do sentido humano, o colectivo arredou o individual e uma adaptação ainda hoje imperfeita ao novo mundo sente-se nitidamente na vivência e na convivência sociais.
Com o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das ciências e das técnicas surgiram e surgem em ritmo impressionante novo e eficientes meios de diagnóstico e de tratamento; e com a imposição do colectivo sobre o individual procurou-se dar plena satisfação a novas e justíssimas exigências sociais no âmbito da saúde.
Mas, em contrapartida, vem a sociedade perdendo, dia a dia, os benefícios de uma consagrada e insubstituível arte de curar essencialmente humana e individualista. Enfim, abriu-se uma lacuna que nem a ciência mais fecunda nem a técnica mais apurada jamais podem preencher.
O endeusamento da técnica e uma interpretação imperfeita do colectivo e do individual tendem a apagar a figura nobilíssima, humana, respeitada e - vá lá - até milagrosa do médico, no quadro social.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - O hospital, a casa de saúde, o posto médico, vêm já substituindo o velho, mas cada vez mais saudoso, prestígio do médico de família.
Por esta forma se vão estandardizando máquinas impressionantes, com funcionamento matematicamente exacto e de resultados, em muitos aspectos, eficientes, mas de rigidez inadaptável às mais delicadas solicitações dos doentes.
Assim caminhamos, fatal e infelizmente, para uma nova medicina, que fixa todos os sentidos nas. doenças e afasta todos os sentimentos dós doentes.
Esqueceu-se ou desprezou-se este indiscutível conceito de Mazel:
A intervenção médica, para se realizar plenamente, tem não só de curar, mas também de aliviar e de consolar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Julgamos ter dito o bastante para se poder compreender que é nossa obstinada preocupação conseguir um sistema em que o aproveitamento integral do surto de progresso - tão exuberante no terreno da técnica como no campo social -não queime, até às cinzas, outros meios válidos e - repetimos - já consagrados e insubstituíveis.
Aditem-se - é o nosso clamor - os relevantíssimos novos métodos e uma mais ampla cobertura assistencial à tradicional arte de curar, a que nunca foi estranha a abnegação sacerdotal «sempre gratuita, porque os sentimentos são bens que não têm preço». E Sr. Presidente, não havendo hipótese da adição, então preferimos ao sistema das permutações as vantagens, sempre possíveis, de um arranjo certo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A evolução social proporcionou também, e infelizmente, um maior apego ao temporal em prejuízo do espiritual, avivando os sentidos e adormecendo os sentimentos. E esta descida no quadro geral das virtudes morais e cívicas reflectiu-se no acto médico, que continuou depois a perder ainda mais prestígio com a inevitável socialização da medicina, imposta por esta realidade incontestável: todo o indivíduo tem direito aos serviços médicos de que necessite.
Por parte de muitos médicos atribui-se a grande culpa do desprestígio do acto médico aos Serviços Médico-Sociais. Sem deixar de considerar válidas muitas das suas razões, temos, honestamente, de não esquecer, ao julgar as causas do referido desprestígio dó acto médico, aquela influência da evolução social sobre a mentalidade de todos os homens e forçosamente também sobre a dos médicos e a dos doentes.
Por outro lado, é justo ponderar nos benefícios que a medicina organizada também levou a centenas de médicos e a milhares de doentes.
E não encontramos, com efeito, razões que justifiquem certas medidas extremistas preconizadas.
Tem ela - a medicina organizada -, efectivamente, defeitos que, certamente, os responsáveis são os primeiros a deplorar e têm empenho em corrigir. Correcção que veementemente desejamos seja de forma a glorificar ainda
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mais, e a, fazer repetir hoje, amanhã e sempre, o já célebre «colóquio singular» de que foram protagonistas um operado de Tufier e o seu médico de família, o mestre Dieulafoy.
Um novo regulamento, que mais respeite este diálogo e que unicamente afaste os termos do binómio médico-doente no processo de liquidação de honorários, pode dar-nos a esperança de em breve se sentir uma espécie de travão capaz de impedir o progressivo declínio do acto médico.
Tenho-me esforçado, Sr. Presidente, por fixar o meu raciocínio menos nos interesses dos médicos do que nos dos doentes, e particularmente daqueles que têm fracas possibilidades económicas.
Ora, precisamente porque estes representam a enormíssima maioria - cerca de 90 por cento - e porque os meios de diagnóstico e de tratamento são necessariamente caros - só estando ao alcance de poucos privilegiados pelos seus próprios recursos económicos -, não podemos deixar de declarar que desejamos uma mais ampla cobertura médico-social.
Mas, e em síntese, ansiosamente pedimos que na regulamentação dos serviços não sejam desrespeitados os sábios conceitos essenciais expostos pelos mestres do grupo lionês de estudos médicos, filosóficos e biológicos sobre medicina social e medicina individual.
E porque, por outro lado, bem avaliamos a capacidade de resistência dos médicos portugueses às solicitações malignas da evolução social, estamos firmemente convictos de que os ventos sociais vão passar sem deixar estragos nem vítimas.
E -como prova - com que santo e justo orgulho podemos recordar a glória que vêm conquistando no ultramar os sacrificados médicos portugueses!
Perdoem-nos, Sr. Presidente e Srs Deputados, termos ido tão longe, quando, na verdade, podíamos ter resumido tudo nos seguintes pedidos:
Mais liceus; melhores condições de trabalho para os professores de Medicina, com vista a torná-los cada vez mais mestres e investigadores do que clínicos; um novo estatuto para a Ordem dos Médicos; mais consideração para os licenciados em Medicina no recrutamento de valores para a administração da coisa pública, especialmente nos casos em que a formação médica dá melhores garantias; a melhor atenção para o relatório sobre carreiras médicas com o objectivo de resolver os mais delicados problemas económicos dos médicos; finalmente, que o novo regulamento para a medicina organizada seja elaborado, também, sob a preocupação de dignificar o acto médico.
E, Sr. Presidente, se não for possível imortalizar a figura do médico português à imagem e semelhança de um Pasteur, de um S. Vicente de Paulo, de um Alberto Schweitzer ou de tantas glórias ignoradas da nossa medicina rural, então preferimos, ao busto grosseiro de um robot com bata ou manga de alpaca, a caricatura genial que Fernando Namora concebeu nestes termos: «O médico é um sujeito milagroso e optimista que vive de honrarias, que não tem estômago nem família, aceitando ou implorando, de chapéu na mão, um canto qualquer onde trabalhe de graça. E o único profissional neste mundo que apenas exige que lhe dêem doentes, muitas horas de esforço, uma majestade aparente de fama e proveito».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1960.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo, ao discutir-se a proposta da Lei de Meios para 1965, advogar a realização em Portugal de uma ampla política de população.
Poderei justificar-me com considerações fundadas em razões financeiras, económicas, políticas ou, o que é mais importante, humanas.
Como acentuou Sauvy, é lamentável que os financeiros nem sempre examinem os problemas com uma óptica demográfica. Quando Baptista Say afirmava a conveniência em estimular os homens ao aforro em vez de facultar a procriação, defendia uma capitalização imediata, que a posteridade não conseguiria manter.
A demografia e o desenvolvimento económico encontram-se intimamente ligados. À escola clássica inglesa deu relevo à população como factor produtivo; os pós-keynesianos põem agora em destaque a importância de uma larga massa de consumidores.
É certo que a consideração do factor trabalho como fonte de produção pode ser acompanhada das dificuldades respeitantes às crises de desemprego e à criação de novas ocupações. É ainda verdade que atrás da procura vêm as pressões inflacionistas, o grave problema da fome. Mas todas estas dificuldades servem para ilustrar o dinamismo que deve presidir à acção governativa. Assim, quando, há séculos, o nosso Severino de Faria citava Salomão, para logo acentuar as vantagens que poderiam advir, para a agricultura, as artes, a mercancia e a defesa, da abundância de gente, estimava um valor que é a medida da força das nações e o melhor índice das suas possibilidades futuras.
A consciência dos povos tem progredido no apreço por tal valor. À quantidade adiciona-se a qualidade, ao número a aptidão, aspectos complementares de uma constante única: o homem criador do belo e do útil que cresce e se multiplica em obediência ao imperativo genesíaco.
A ordenação económico-social dos territórios metropolitanos e, principalmente, a ocupação das vastíssimas parcelas do ultramar português recomendam um crescimento demográfico acentuado, uma valorização dos 22 milhões de portugueses espalhados pelo Mundo.
Restringindo-se a proposta de lei de meios, em discussão, fundamentalmente aos territórios da metrópole, limitarei igualmente a minha análise às incidências sobre a estrutura populacional desta parcela da Nação.
Sr. Presidente: A localização geográfica- de Portugal na Península Ibérica explica, em boa medida, a individualidade nacional, ajudando, simultaneamente, a compreender a nossa evolução histórica e, sobretudo, a expansão.
Esta originalidade está intimamente conexionada com o mar. O oceano foi o veículo do nosso destino, o elemento que nos desligou do resto da Península.
A zona litoral constituiu a base geográfica, e posteriormente económica, de consolidação do nosso país, gravitando na sua órbita a região interior.
Como acentuou o saudoso Prof. Amorim Girão, aos que persistem em afirmar que Portugal é uma colecção de
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paisagens espanholas, poderíamos argumentar com a orla mesozóica e cenozóica e as bacias terciárias do Tejo e do Sado, onde o País encontrou o seu quadro geográfico de diferenciação e onde veio precisamente a localizar-se a cabeça ou centro político do território que se separou do corpo peninsular ibérico, estendendo-se a regiões bem diferenciadas, mas que podiam assegurar-lhe um complemento necessário na montanha e no planalto interior.
Com os seus 89 000 km2, desenhando no mapa um rectângulo, a terra portuguesa do continente aparece-nos variada e desigual.
A diferenciação física permite, a uma primeira análise, considerar duas zonas distintas - terras de planície e terras de montanha.
De um lado - como escreveu o Prof. Orlando Ribeiro -, terras abertas, caminhos fáceis, vastas áreas permeáveis a influências estranhas, por onde alastram os tons uniformes das mesmas civilizações; do outro, mil obstáculos, que impõem ou permitem o isolamento, fundos vales que separam, montes que limitam, planaltos defendidos por ladeiras ínvias, terras pobres, primitivas, arcaizantes.
Outro factor, estranho ainda à acção do homem, reforçou esta diversidade: o clima.
O Sul, com um Inverno benigno e sem neve, uma Primavera rápida, um Verão prolongado e quente, um Outono cheio de brandura. Eis-nos nos domínios do clima mediterrâneo, onde ias chuvas escasseiam.
O clima atlântico pressente-se à medida que se caminha para o norte. A humidade, a chuva, a própria neve nos cumes das montanhas, são constantes a considerar no ciclo meteorológico. A um Inverno prolongado sucede-se um Verão mais moderado e rápido.
Mas se da orla costeira subirmos aos planaltos de Trás-os-Montes, o ambiente seco substitui-se à humidade e os rigores de um Inverno frio ou de um Verão quente denunciam terras subtraídas à influência directa do mar.
Foi sobre este ambiente, variado em seus contrastes, que a acção do homem modelou, numa caminhada de séculos, uma unidade, a primeira no tempo e a mais estável na sua estrutura da velha Europa.
Sobre um fundo arcaico sedimentaram-se elementos humanos provenientes dos quatro cantos da terra conhecida. Amalgamado este conjunto, as aportações de cada um inseriram-se num património colectivo, exprimindo um feito assimilador que pelos séculos ainda se revelaria na (recriação de novos mundos noutros continentes.
Sr. Presidente: São escassos os elementos numéricos sobre a população portuguesa até ao século passado. Esta circunstância, aliada à variedade de juízos elaborados pelos que se têm preocupado com estes aspectos, dificulta conclusões seguras
Da análise desses documentos ser-nos-á, contudo, possível assegurar: que até ao século passado o crescimento da população foi relativamente lento: as guerras da reconquista, as pestes, a expansão, operaram como factores limitativos; embora possamos contar no activo das nossas glórias o primeiro recenseamento moderno de população ( Numeramento, mandado efectuar em 1527 por D. João III), só a partir de 1890, e em execução da Carta de Lei do 1887, se começaram a efectuar entre nós recenseamentos decenais.
Analisada a evolução dos últimos 100 anos (1864, com 4285995 habitantes; 1960, com 8889392 habitantes), pode dizer-se que a população mais do que duplicou ( + 107,4 por cento).
Esta variação não foi contudo uniforme: maior na segunda metade do período considerado e tendo oscilado, nos períodos intercensuários, entre um máximo de 14 por mil entre 1930 e 1940 e l,5 por mil entre 1911 e 1920.
Uma das particularidades dos tempos modernos também tem consistido na irregular distribuição espacial das gentes.
Nos finais do século passado, Oliveira Martins, no famoso Projecto do Lei do Fomento Rural, escrevia:
No litoral do Norte temos uma lavoura quase hortícola, uma população densíssima, uma emigração abundante e capitais móveis a preços relativamente ínfimos; no litoral sul, no centro meridional e ao longo de toda a fronteira de leste vêem-se estepes como as da Rússia, desertos como o Sara e uma penúria de capitais com juros que também já hoje apenas são correntes fora da Europa. O vale oblíquo do Tejo pode dizer-se que divide o Portugal povoado do deserto, o Portugal culto do inculto; e a primeira necessidade da nossa economia interna é compensar estas duas metadas, unificar estas duas partes, transladar para as regiões deficientes aquilo que há nas opíparas: o homem e os capitais. Ê realizar dentro das fronteiras no Reino o movimento de translação, que hoje se faz, sim mas para fora do País.
Pelo censo de 1890 nove distritos do continente possuíam uma densidade superior à média (53,3 habitantes por quilómetro quadrado): Porto (240,7); Lisboa (180,4); Braga (124,7); Aveiro (107,6); Viana do Castelo (101,3); Coimbra (83); Viseu (79,5); Leiria (64,1); Vila Real (56,3). No pólo oposto o distrito de Beja acusava uma densidade de 15,5 habitantes por quilómetro quadrado e o de Évora 16,5.
O desequilíbrio demográfico manteve-se posteriormente. O seguinte depoimento do Prof. Amorim Girão, relativamente às lições do recenseamento de 1950, é expressivo:
Pode verificar-se, antes de tudo, que há zonas privilegiadas para o homem, pois exercem sobre ele uma visível atracção; há outras, pelo contrário, que se lhe revelam muito menos propícias, se não mesmo hostis. Entre as primeiras sobressaem notavelmente as zonas litorais. Exceptuando as costas baixas, arenosas, geralmente rectilíneas, que se estendem desde Espinho até à Nazaré e desde o Sado até ao cabo de S. Vicente, e exceptuando ainda alguns segmentos da costa elevada em arribas, que manifestamente repelem o homem, toda a orla marítima portuguesa, tanto na fachada ocidental como na meridional, pode considerar-se costa de condensação.
Do litoral, as maiores densidades avançam para o interior, sobretudo ao longo dos vales fluviais; mas estes são às vezes estrangulados por linhas de relevo que estabelecem também uma visível solução de continuidade na distribuição da população. Ultrapassadas estas linhas, desenham-se ainda alguns núcleos isolados de densidade: a vê ga de Chaves, a região durionse à volta da Régua e de Lamego, o vale de Lafões, a região vinícola do Dão e pomícola de Besteiros, a celebrada cova da Beira.
Sente-se que a influência marítima é agora menos pronunciada, mas ainda suficiente para temperar e equilibrar os elementos adversos do clima, o que logo se traduz na capacidade de produção agrícola do solo e correlativo povoamento humano. Depois, para qualquer lado que se caminhe, quer subindo os planaltos transmontanos, quer descendo às planícies ribatejanas e alentejanas, a rarefacção dos homens
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vai-se acentuando cada vez mais: Trás-os-Montes e Beira Transmontana, a nordeste, a Beira Baixa e todo o Alentejo, ao sul, constituem uma vasta zona de depressão demográfica, donde emergem a custo, aqui e além, algumas raras freguesias de população mais densa. Por fim, na orla marítima meridional algarvia volta a fazer-se sentir a atracção do mar. Esta zona litoral de densidades maiores avulta ainda pelo seu isolamento do resto do País.
A individualidade geográfica e histórica do antigo «Reino do Algarve» fica assim bem expressa quando a consideramos também do ponto de vista demográfico.
Este desequilíbrio demográfico manteve-se ou acentuou-se no período entre o censo de 1950 e o de 1960.
Assim, segundo os resultados prováveis publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, efectuada a comparação entre os dados de 1960 e os de 1950, ressalta que em 169 concelhos, com uma população de 6 166 406, houve um aumento de 744 722 (12,1 por cento) e que em 130 concelhos, com uma população de 2 335 624, se deu uma diminuição de 116 342 habitantes. É de salientar que os concelhos que viram diminuída a sua população foram predominantemente os que constituem as regiões interiores do continente. De facto, na faixa litoral apenas 6 concelhos no distrito de Faro e 5 nos restantes distritos acusaram decréscimo.
Mas esta atracção do litoral continua a culminar com o afluxo a Lisboa e ao Porto.
Lisboa, que em 1864 contava 197 649 habitantes, viu esse número elevado em 1960 para 818 362. A cidade e os aglomerados suburbanos contavam, ainda em 1960, cerca de 1 300 000 almas.
Quanto ao Porto, que em 1890 contava 146 739 habitantes, viu essa população elevada em 1950 para 284 842. Em 1960 a capital do Norte e os aglomerados suburbanos albergavam mais de 750 000 habitantes.
Assim, a população das regiões de Lisboa e do Porto atingia, em 1960, cerca de 2 100 000 habitantes, ou seja mais de 25 por cento da população do continente. Em 1890 essa relação era apenas de 15 por cento.
São bem conhecidos os inconvenientes económicos (custos de congestionamentos), sociais (proletarização moral e material), demográficos (baixas taxas de natalidade e até saldos fisiológicos negativos) e políticos (cinturas vermelhas) do urbanismo, para que me alongue em considerações sobre á situação existente.
Antecipo-me, porém, Sr. Presidente, a qualquer outra conclusão, reafirmando a necessidade, tantas vezes advogada nesta Câmara, de o Governo definir e executar uma política de equilíbrio regional. Aos que se sentirem vinculados a fatalismos geográficos lembrarei que «se a paisagem é modeladora do homem, o homem é remodelador da paisagem».
Sr. Presidente: Esboçada assim a traços largos uma visão espacial da população do continente, seria agora oportuno atender aos seus movimentos naturais e artificiais.
Referirei nos movimentos naturais aspectos ligados à natalidade, mortalidade e nupcialidade. Salientarei nos movimentos artificiais as migrações internas e externas.
O fenómeno do decréscimo nas taxas da natalidade é uma realidade do nosso mundo. A taxa média nos países da Europa ocidental, por exemplo, baixou de 29 por mil em 1909 para 18 por mil em 1958.
De igual modo, a variação no Portugal metropolitano foi de 31 por mil no período de 1905-1909 para 23,05 por mil em 1954. Posteriormente, os valores têm-se mantido superiores, embora com oscilações. Assim, nos três últimos anos, as taxas de natalidade fixaram-se em 24,35 por mil (1961), 24.44 (1962) e 23,38 (1963).
Esta evolução relaciona-se com factores variados: a cidade e o campo geram comportamentos diversos perante a limitação da natalidade; a nupcialidade, com indiscutível projecção na natalidade, é por seu turno afectada por condicionalismos económico-sociais; o nível da moralidade, a estabilidade da família, o divórcio ou o simples egoísmo dos cônjuges são igualmente elementos de valor não despiciendo.
Uma análise por distritos revela ainda grandes oscilações. Assim, para o decénio de 1951-1960, a natalidade foi de 34,9 por mil no distrito de Braga, 31,4 no do Porto, 30,6 no de Vila Real, mas sómente de 17,2 em Faro, 17,6 em Portalegre e 18 em Lisboa.
O êxodo rural que se tem processado nos últimos anos repercutir-se-á na taxa de natalidade. De facto, as populações que se deslocam para o estrangeiro ou para os centros urbanos pertencem normalmente aos grupos etários viris.
Também a ilegitimidade merece uma palavra de atenção. As taxas de partos ilegítimos por 1000 mulheres casadas e de partos ilegítimos por 1000 mulheres não casadas foram, em 1963, respectivamente de 101,3 e 11,2.
A percentagem média de partos ilegítimos, que no período de 1953-1962 foi de 10,16 por cento, desceu em 1963 para 8,13 por cento (8,38 por cento em 1962; 8,67 por cento em 1961). Mantém-se contudo superior a proporção média dos países da Europa ocidental.
A comparação das nossas taxas de natalidade com as dos outros países da Europa permite-nos conclusões optimistas. Se, por um lado, o vírus esterilizante que se apoderou de muitas nações e até de homens altamente responsáveis ainda não contaminou em grande extensão o povo português, há, por outro, que prestar homenagem à política do Governo naquilo em que se tem traduzido de defesa económico-social da família.
Seria de desejar que os sucessos na luta contra a mortalidade, nomeadamente contra a mortalidade infantil, se acentuassem.
Podem distinguir-se três períodos na evolução da taxa da mortalidade global no nosso país: de 1886 a 1928, sempre com taxas superiores a 18 por mil; de 1929 a 1949, com taxas entre 13 e 17 por mil; posteriormente a 1950, com taxas sempre inferiores a 13 por mil; revelando-se as taxas dos três últimos anos em 11,15 (1961), 10,75 (1962) e 10,8 (1963). Em 1962, porém, o número de óbitos por 1000 habitantes era de 6 em Israel, 7,6 no Canadá, 7,9 na Holanda e 9,5 nos Estados Unidos.
A diminuição da taxa da natalidade deve ter ao menos uma compensação na baixa mortalidade infantil. Se aumenta o nível médio das vidas, diminuindo por outro lado a natalidade, acentua-se o fenómeno do envelhecimento da população, realidade que já hoje as pirâmides etárias de alguns países revelam.
Ora a taxa da mortalidade infantil é ainda excessivamente elevada em Portugal.
Ë certo que desceu de 151,4 mortos por 1000 nados-vivos em 1937 para 73,1 em 1963. Mas já em 1955 as taxas eram de 17,4 por mil para a Suécia, 20,1 para a Holanda, 25,2 para a Dinamarca e 25,7 para o Reino Unido.
Trata-se de um sector onde o caminho a percorrer pelo Governo é bastante longo. Para lá da melhoria geral da situação económico-social das populações, importa realizar uma conveniente cobertura sanitária e assistencial que beneficie a mãe e a criança.
Os distritos mais deprimidos são os que acusam taxas mais elevadas. Assim, em 1959, as taxas em Bragança
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e Vila Real foram, respectivamente, de 109,3 e 107,37, ao passo que um Lisboa e Leiria desciam para 62,6 e 53,6.
Que o dinheiro que se gasta na luta pela saúde não é em pura perda resulta dos sucessos já conhecidos na luta contra a tuberculose. Em 1944 morriam em Portugal 146,04 pessoas tuberculosas por 100000 habitantes; em 1963 a taxa baixava para 35,65.
Mas se a queda no grupo das doenças infecciosas e parasitárias é uma realidade, já, ao contrário, os tumores, as lesões vasculares e as doenças do coração tendem a aumentar. De 25 299 óbitos em 1944 passou-se para 38 009 em 1963.
São tradicionalmente baixas, em Portugal, as taxas de nupcialidade - 8,75 casamentos celebrados por 1000 habitantes em 1961, 7,86 em 1962 e 7,85 em 1963.
Ora um dos interesses que o casamento traz para a demografia revela-se na circunstância de o matrimónio ser a condição mais frequente dos nascimentos. E se a nupcialidade é comandada por razões de ordem económica, social, política e religiosa, variáveis com os países, as idades da população e o próprio curso do ano civil, ainda aqui há largo domínio para uma desejada actuação dos Poderes Públicos.
A percentagem de casamentos não católicos, que em 1960 atingira o índice de 9,25, tem aumentado nos últimos anos (10,45 em 1961, 10,81 em 1962 e 11,11 em 1963).
Quanto ao número de divórcios - situação condicionada a partir da publicação do Decreto-Lei n.º 30 615 -, a taxa foi de 1,05 por 100 casamentos em 1962 e 0,92 em 1963. Os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal contaram mais de 3/4 dos divórcios celebrados. Este facto é evidentemente de relacionar com a circunstância de cerca de 3/4 dos casamentos não canónicos terem igualmente lugar nos mesmos distritos.
A recuperação na luta contra o analfabetismo também se revela nos índices das habilitações dos cônjuges. Assim, a taxa de analfabetismo entre os cônjuges desceu de 31,3 em 1950 para 12 em 1963. Ainda aqui, porém, a situação da mulher é mais desfavorável: 14,3 por cento de mulheres ar alfabetas e 9,8 por cento dos homens.
A diferente estrutura das várias regiões do País, a que já fiz referência, impõe ou explica as deslocações da população.
A natureza não permanente dos trabalhos agrícolas tem obrigado as populações a procurar, em determinadas épocas do ano, trabalho noutras regiões. Os ratinhos, que ;á mereceram a curiosidade de Silva Picão, desciam da Beira para as tarefas alentejanas; os gaibéus, provenientes do Norte do Ribatejo e da Beira Baixa, faziam as mondas e as ceifas da Lezíria; os caramelos, provenientes da Beira Litoral, dirigiam-se para o sul do Tejo.
Estes movimentos, para lá das possíveis repercussões económicas, não podem ser esquecidos no plano social. Se por um lado o movimento de populações atrasadas e simples alarga os seus conhecimentos, por outro são notórios os malefícios morais e sanitários que certa vida em comum e desprendida das raízes pode originar.
Chamo assim as atenções do Governo para a delicadeza dos problemas dos ranchos migratórios.
Um dos elementos que pode servir o estudo das migrações internas de carácter permanente é o da percentagem de naturais e de estranhos aos vários concelhos revelada pela análise dos censos. Já o Prof. Amorim Girão salientara que, não falando na zona de atracção urbana do Douro Litoral, foram, as bacias inferiores do Tejo e do Sado e a região alente j anã vizinha que, de 1890 a 1940, tiveram
maiores percentagens de aumento de não naturais; e que toda a região montanhosa do Norte e sobretudo os seus planaltos interiores, onde é menor essa percentagem, poderão indicar-se como a sua principal proveniência.
O falecido Prof. Luís Schwalbach, reportando-se aos valores do recenseamento de 1950. elaborou a seguinte lista de concelhos dos distritos do Sul onde a percentagem de residentes naturais era inferior a 85 por cento:
a) No distrito de Santarém contavam-se os concelhos de Alpiarça, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Constância, Entroncamento (23,8 por cento), Golegã, Santarém, Tomar e Barquinha;
b) No distrito de Setúbal contavam-se os concelhos de Alcácer do Sal, Alcochete, Almada (42,7 por cento), Barreiro (46,1 por cento), Grândola, Moita (54,2 por cento), Montijo (61 por cento), Palmeia (51.4 por cento), Santiago do Cacem, Seixal (57,7 por cento) e Setúbal (51,4 por cento);
c) No distrito de Portalegre contavam-se os concelhos de Arronches, Avis, Campo Maior, Eivas, Fronteira, Monforte, Portalegre e Ponte de Sor;
d) No distrito de Évora contavam-se os concelhos de Estremoz, Évora (68,8 por cento), Montemor-o-Novo (48,8 por cento), Mourão, Viana do Alentejo e Vila Viçosa;
e) No distrito de Beja contavam-se os concelhos de Alportel, Alvito, Beja, Ferreira do Alentejo e Serpa.
Facilmente nos apercebemos de casos onde a industrialização (por exemplo: os concelhos da margem esquerda do Tejo), as comunicações (o Entroncamento), outros serviços (as capitais de distrito) ou, simplesmente, a agricultura explicam o fenómeno.
Têm-se defendido, para a solução dos desequilíbrios entre as densidades do Norte e do Sul, esquemas de planeamentos que não se compadecerão com simples improvisos de obra pública ou esforços isolados. É ainda verdade que ao espírito de iniciativa e à persistência de alguns devotados se devem êxitos no desenvolvimento do Sul.
O Governo deverá levar a bom termo todo um programa que atenda a aspectos como: a ampliação das áreas de regadio, trabalhos que naturalmente devem serprecedidos dos necessários estudos económicos; a reconversão das culturas e repovoamento florestal; a introdução de técnicas agrícolas adequadas, com a utilização de sementes, emprego de fertilizantes, generalização de assistência técnica, extensão da pecuária e possível mecanização; o estabelecimento de casais agrícolas; a adopção de medidas legislativas ajustadas, a existência de estruturas associativas e a concessão de assistência financeira; a comercialização, armazenamento e industrialização dos produtos agrícolas.
Mas onde a incidência dos movimentos internos permanentes de população mais se tem feito sentir, como já acentuei, é na afluência às regiões de Lisboa e do Porto.
O Recenseamento de 1960 revelou existirem em Portugal 16 centros urbanos com mais de 20 000 habitantes: Almada, Amadora, Barreiro. Braga, Coimbra, Covilhã, Évora, Funchal, Guimarães, Lisboa, Matosinhos, Moscavide, Ponta Delgada, Porto, Setúbal, Vila Nova de Gaia.
Destes, no continente, apenas Coimbra, Covilhã, Évora, Guimarães e Setúbal não gravitam na órbita de Lisboa ou do Porto, e de todos eles apenas Coimbra tinha mais de 50 000 habitantes em 1960.
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Isto é, não existem em Portugal capitais regionais convenientemente, dimensionadas. Na Holanda há 11 cidades com mais de 100000 habitantes; na Bélgica e na Suíça, 5; na Áustria, 3.
Sr. Presidente: Todos conhecemos, por um saber cujas fontes ultrapassam a mera ficção literária, os dramas de gentes incultas que, espicaçadas por um espírito de aventura ou impelidas pela hostilidade da terra que os viu nascer, se desfazem do seu património para em terras estranhas tentarem nova vida, avolumando, às vezes, a legião dos desenraizados que, falhados no seu sonho de triunfo, granjeiam um «salário de medo» ou enfileiram nos repatriados.
Portugal tem fomentado a exploração e povoamento de novas zonas do Mundo, mercê do sangue e do esforço generoso dos Portugueses. Esta vocação, que teve o seu prefácio na Reconquista, reafirmou-se com a expansão, para logo se consolidar na colonização das terras descobertas.
Nos últimos cem anos mais de 2 milhões de portugueses deixaram as terras de origem para se fixarem no estrangeiro. Atendendo à população do País, este esforço não pode ficar silencioso nos anais dos tempos modernos.
Uma análise aos números sobre a emigração portuguesa no século XX permite-nos concluir: a instauração do regime republicano em Portugal levou uma maior, percentagem da população a abandonar território nacional; logo a 1.º grande guerra fez diminuir a nossa emigração; findas as hostilidades, voltou a aumentar o contingente emigratória; a crise mundial de 1931, bem como a instauração do novo regime político saído da revolução de Maio, fizeram-se sentir no decréscimo da emigração; a 2.ª grande guerra, com todos os seus sucessos, de novo se reflecte nos índices de emigrantes; com a proibição da emigração em 1947 e sua regulamentação, os números acusaram tais medidas, para logo se revelarem em crescimento progressivo; tal crescimento assume hoje proporções de debandada, que se pode, em alguns sentidos, considerar alarmante.
Não restam contudo dúvidas de que a criação da Junta da Emigração e toda a sua intervenção merecem uma palavra de elogio.
Nos três últimos anos a emigração portuguesa foi de 33 526 emigrantes em 1961, 33 539 em 1962 e 39 519 em 1963.
A emigração para o Brasil, que em 1952 se situou em 41 518 emigrantes, reduziu-se em 1963 a 11 281.
Os outros países americanos procurados pelos Portugueses têm sido a Venezuela (3109 emigrantes em 1963), o Canadá (3424), os Estados Unidos (2922) e a Argentina (368).
As correntes emigratórias portuguesas deslocam-se hoje da América para a Europa, e, aqui, principalmente para a França - 5446 emigrantes em 1961; 8245 em 1962; 15 223 em 1963.
Esta debandada para a França constitui um fenómeno cujas repercussões demográficas, sociais, económicas e políticas não podem ser ignoradas do Governo.
Segundo as estatísticas do Ministério do Interior da França, já em Dezembro de 1962 havia em França mais de 70 000 portugueses. Hoje, com a emigração legalizada e clandestina, os números serão muito mais significativos.
Os efeitos da emigração portuguesa afiguram-se-me vários e complexos, tornando-se difícil erguer largas generalizações.
As consequências demográficas poder-se-ão revelar a alguns, e em algumas regiões, num melhor equilíbrio entre a população e as subsistências. Atente-se, contudo, em que
a emigração, roubando famílias ou arrebatando população em idade viril, agravará a diminuição da natalidade.
No plano económico, a emigração representa desde logo uma perda de capital humano. Na verdade, todo o homem tem um valor económico, o qual resulta não só da despesa que a sociedade faz com o indivíduo, desde o nascimento à plenitude, mas ainda da sua potência produtiva.
Mais: o capital homem, quando se desloca, faz-se acompanhar do capital monetário. Embora as disponibilidades dos nossos emigrantes, individualmente consideradas, sejam reduzidas, o grande número de deslocados repercute-se no montante global do dinheiro que sai para o exterior.
É certo que estas perdas de capital têm, pelo menos no caso da emigração para os países da Europa, uma grande compensação nas remessas dos emigrantes.
O problema comporta ainda análise de outros pontos de vista: a emigração leva as populações mais válidas; o incremento da emigração familiar faz cessar as remessas dos emigrantes; a debandada que se tem verificado afectou profundamente a situação já tão precária da nossa lavoura; o baixo número de pessoas que se deslocam para o ultramar, em comparação com os altos números de emigrantes, permite-nos lamentar que estas populações, a deslocarem-se, não pretendam antes aplicar o seu esforço nos territórios portugueses de África.
Detenho-me precisamente neste aspecto do povoamento do ultramar.
Em 1960, 1961 e 1962 entraram nas províncias ultramarinas respectivamente 32 028, 23 099 e 40 653 pessoas e saíram 21 613, 30 018 e 23 362, donde os seguintes saldos: +10 415, - 6919 e +17 291. Isto é: à saída causada pelos acontecimentos resultantes do terrorismo em Angola correspondeu logo em 1962 um aumento substancial de população.
Infelizmente, os números ainda relativos ao movimento de passageiros, por via marítima, em 1963, conheceram nova diminuição. De facto, se compararmos as entradas (34493) com as saídas (26088), o saldo é apenas de 8405. Tal decréscimo verificou-se por causa de Angola. Em 1962 Angola tivera um saldo positivo de 15 483 entradas, ao passo que em 1963 tal saldo não foi além de 4827.
Ora, é indiscutível que o povoamento dos territórios ultramarinos portugueses deve constituir uma das primeiras preocupações do Governo e da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daí os constantes apelos que tenho feito desta tribuna.
Um plano de desenvolvimento aplicável a estruturas como as de Angola e de Moçambique deverá ser ainda um plano de povoamento. Importa realizar tão alevantado desígnio, definindo princípios gerais de orientação, criando serviços adequados, mobilizando meios humanos e financeiros, orientando os investimentos de forma a obter nestas tarefas as melhores relações capital/produto.
O Sr. Alexandre Lobato: - Muito bem!
O Orador: - Às juntas provinciais de povoamento das províncias ultramarinas deveria corresponder na metrópole um organismo que se ocupasse dos problemas do povoamento do ultramar.
O Sr. Alexandre Lobato: - Muito bem!
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O Orador: - Teria em conta as actividades resultantes do recrutamento, selecção, preparação profissional e deslocação de colonos, além da colaboração a dar a outros organismos ou serviços da metrópole, nomeadamente à Junta da Emigração e à Junta de Colonização Interna, e a coordenação das actividades das referidas juntas provinciais de povoamento.
Os problemas humanos suscitados pela deslocação de populações revestem-se de uma importância, e por vezes de uma gravidade, que seria atentado à dignidade da pessoa e desprezo pela condição dos Portugueses não zelar, com todo o afinco, pela sua segurança e bem-estar.
Poderia ainda invocar estes princípios humanitários para advogar uma valorização qualitativa da população portuguesa.
Naturalmente que uma referência pormenorizada aos problemas qualitativos da população me levaria longe de mais. Restringir-me-ei a alguns aspectos.
Quando, em Outubro de 1958, se discutiu nesta Assembleia Nacional a proposta de lei do II Plano de Fomento fui dos que advogaram, para sucesso da nossa política de desenvolvimento, todo um conjunto de reformas estruturais: reorganização do crédito e da estrutura bancária, nomeadamente a criação de bancos de investimento; reforma fiscal; política de repartição de rendimentos (através de possíveis reajustamentos de salários directos; melhoria de esquemas de segurança social, tornando mais efectiva a repartição; acesso à habitação económica, nomeadamente entre as classes mais débeis; reforma na empresa, proporcionando aos operários uma participação na mesma); reestruturação agrária, desenvolvimento da investigação e democratização do ensino; política de melhoramentos locais e esquemas de desenvolvimento regional.
Neste entretempo o País assistiu à publicação de um conjunto de reformas legislativas sobre o crédito, os impostos, a previdência e valorização do mundo do trabalho, a habitação, as estruturas agrárias, etc. Algumas, porém, ainda não se completaram (como no caso da reforma do crédito e da estrutura bancária), outras aguardam execução (como no caso das estruturas agrárias).
É sempre mais fácil legislar do que executar. Mas o sucesso do nosso desenvolvimento depende da coragem com que enfrentarmos os problemas.
Já se calculou que o nível médio da vida andará em Portugal por um terço do dos países mais industrializados da Europa e um sexto do dos Estados Unidos.
A conjugação dos movimentos naturais da população atrás referidas revela a manutenção de um índice sensível, de crescimento demográfico. Daí ainda a necessidade de acelerar o crescimento económico, para não nos distanciarmos mais dos países evoluídos.
Façamos assim uma breve referência às perspectivas da agricultura e da indústria.
Na recente discussão da proposta de lei do Plano Intercalar de Fomento esta Câmara foi sensível à sorte da agricultura e à situação das populações rurais.
Concorrem na problemática da agricultura portuguesa um mundo de debilidades relacionadas com as estruturas agrárias, a rega, a defesa e conservação do solo, a grande e a pequena mecanização, os melhoramentos agrícolas, o crédito e os seguros agrícolas, a assistência técnica, a investigação aplicada, a formação profissional, a vulgarização agrária, os melhoramentos rurais, a armazenagem e transformação dos produtos agrícolas, a racionalização da produção e da comercialização, os esquemas associativos e o preço dos produtos agrícolas.
Também se me afigura que não temos encarado a sorte da agricultura com aquela persistência e generosidade que seria mister utilizar.
Muitas vezes com um mínimo de dispêndios pode operar-se uma autêntica revolução económica. Já lembrei nesta Assembleia que a Grécia, graças à utilização de sementes seleccionadas, ao emprego apropriado de adubos, à melhor mobilização do solo e à cultura intensiva praticada numa rotação adequada e com uma redução das áreas em pousio, conheceu sucessos que se revelaram numa relação capital/produto de 0,5 (1950-1957). Nesse entretempo a relação capital/produto da nossa agricultura calculava-se em 6,4 (1950-1958).
O panorama da população rural portuguesa pode ainda sintetizar-se nestes termos:
a) A alta percentagem de população activa no sector primário é acompanhada de uma notável presença de desemprego oculto e de uma baixa produtividade no trabalho;
b) As maiores deficiências nas estruturas demográficas naturais revelam-se nas altas taxas de mortalidade infantil;
c) O deficiente aproveitamento das potencialidades produtivas gera uma diminuta capitação no rendimento;
d) Nas regiões de latifúndio predomina ainda uma classe dominante pouco numerosa e uma proletarização de massas;
e) A carência na preparação escolar e técnica das populações projecta-se nas dificuldades de adopção de novos métodos de cultura ou possível reconversão de mão-de-obra;
f) A percentagem de analfabetos é elevada (57,9 por cento para Beja em 1930, 51,2 por cento para Portalegre, 48,3 por cento para Évora), com mais acentuados valores no sexo feminino;
g) A carência de população activa do sector terciário agrava o problema do acesso às utilidades prodigalizadas pelos respectivos serviços;
h) A falta de infra-estruturas essenciais à circulação e à valorização da riqueza acentua este quadro de pauperização, donde ainda o dramático êxodo a que estamos assistindo.
Calculou-se que entre 1933 e L960 o índice médio do crescimento industrial foi de +5 por cento; e que mesmo entre 1953 e 1960 tal índice se elevou a +8 por cento.
A consciência da necessidade de industrialização do País acentuou-se a partir da década de 30. Assim, nas grandes directrizes da época será já hoje possível distinguir, ao lado da restauração financeira, da campanha do trigo e dos planos parciais de obras públicas, a adopção de sistemas de protecção pautai e o condicionamento industrial.
A própria lei de reconstituição económica (1935), que viria a ser acompanhada do Decreto-Lei n.º 27 027 sobre a reorganização da agricultura, da Lei n.º 1949 sobre o fomento hidroagrícola e da Lei n.º 1971 sobre o fomento florestal, também conheceu, no período da sua execução, a publicação da Lei n.º 2002 sobre a electrificação nacional e da Lei n.º 2005 sobre o fomento e reorganização industrial.
E se a 2.ª grande guerra prejudicou o nosso esforço de fomento com a escassez de mão-de-obra (em parte mobilizada), as dificuldades na obtenção de matérias-primas, os deficits em energia, os impedimentos no acesso aos mercados e a carência de equipamentos, ela impulsionou a consciência da nossa industrialização através das pressões inflacionistas sentidas, da acumulação de capitais monetários para investimentos, da noção vivida de que o País não podia estar à mercê do estrangeiro.
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A execução da electrificação nacional conheceu entretanto sucesso; as indústrias-base registavam impulso em alguns sectores; mas já a reorganização das indústrias pulverizadas e velhas não passou de aspiração.
A recuperação europeia do pós-guerra, a que não foi estranha a ajuda Marshall, consagrou igualmente, no Ocidente, o recurso à programação económica.
Assim, nas vésperas do I Plano de Fomento, o País era alertado para as nossas baixas capitações de rendimento (- 200 dólares) e para a necessidade de se realizarem igualmente entre nós tarefas de planeamento.
Os sectores-base do I Plano de Fomento consumiram 38 por cento dos investimentos na electricidade e 30 por cento nos transportes e comunicações.
Quando, em 1957, se realizou o Congresso dos Economistas, as notas mais débeis da nossa indústria transformadora eram ainda a proliferação de unidades e a alta percentagem de maquinismos antiquados. Numa tese apresentada, acentuava-se que a localização, como a própria escolha das indústrias exercidas, não tinha no passado obedecido a qualquer plano preconcebido e estudado, tendo dependido um pouco dos caprichos humanos e algumas vezes de interesses ou razões de ordem económica, mas quase sempre restritas.
A experiência da execução do I Plano de Fomento e as lições do tempo repercutiram-se profundamente na sensibilidade dos Portugueses à problemática do desenvolvimento.
Já se sumariaram, a tal propósito, os seguintes testemunhos: as dificuldades e sucessos entretanto conhecidos na vida económica; a introdução do hábito dos estudos sérios e a consideração das projecções económicas; os debates públicos, nomeadamente os suscitados nas campanhas eleitorais; o aparecimento de uma nova classe social e mental, composta de indivíduos ligados a profissões liberais (engenheiros, economistas, agrónomos, etc.); o já citado Congresso dos Economistas e outras reuniões ou ciclos de estudos, onde os problemas económicos passaram a ser objecto de particulares atenções.
No II Plano de Fomento, a participação da indústria, excluída mesmo a reorganização industrial, foi já de 27,5 por cento.
Agora, no limiar do período de 1965-1967, a disposição de acelerar a industrialização será ainda mais firme.
Além de se desejar que a mesma não se faça à custa de um injustificado sacrifício da agricultura, sabe-se existirem factores de ordem externa ou interna que tal esforço não deve desconhecer.
A guerra no ultramar, a integração económica nacional, a participação na E. F. T. A., a adesão ao G. A. T. T. e a perspectiva perante o Mercado Comum são constantes a considerar.
Na simples ordem interna há factores negativos e positivos que convirá igualmente recordar.
Assim, na linha dos aspectos negativos, ganham relevo: as deficiências na formação profissional e nas habilitações mínimas; a ausência de um espírito empresarial; as desactualizações em matéria de condicionamento industrial, regime de exclusivos e protecção pautai; o peso do abuso do poder económico e os desvios na concorrência sã; a exiguidade dos mercados; a falta de articulação nas relações interindustriais; toda a fragilidade do nosso sistema de comércio externo (ausência de boas estruturas de exportação; peso dos produtos tradicionais; concentração dos países de destino; preferência pelas mercadorias estrangeiras; concorrência desleal do estrangeiro).
Dispomos, como factores positivos, de um Governo forte e sério, de uma relativa estabilidade monetária, de uma consciência, progressiva no desejo de expansão económica, de propósitos, patenteados na preparação do Plano de 1965-1967, de uma mais íntima colaboração entre o sector público e o sector privado.
De acordo com a evolução programada no Plano Intercalar, o produto interno bruto, que em 1962 foi de 76,5 milhões de contos ha metrópole, atingirá cerca de 100 milhões em 1967 e 146 milhões em 1973. Paralelamente, a capitação média do produto, que em 1962 se estimava, em 9,1 milhares de escudos, atingirá em 1967 cerca de 11,5 milhares e em 1973 será de 16 milhares de escudos.
Acontece que os capítulos do Plano Intercalar que mais directamente se ligam a valorização qualitativa da população (agricultura, ensino, habitação e saúde) foram os mais insuficientemente dotados.
Mas trará a proposta da Lei de Meios para 1965 algumas correcções a estas deficiências?
A reforma fiscal não foi indiferente ao interesse social da população. Com esse facto só temos que nos congratular.
Quanto ao capítulo das despesas, tais preocupações encontram-se ainda patenteadas na política de investimentos e nas providências sobre o funcionalismo.
Uma coisa, porém, são os princípios; outra o que efectivamente vem a realizar-se. As leis de meios têm preconizado sucessivamente melhorias para a situação dos servidores públicos que só tarde ou parcialmente se têm concretizado.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Muito bem!
O Orador: - Se, por outro lado, o mundo rural é a grande reserva da Nação, impõe-se particularmente a execução de um largo plano de valorização de tais populações.
Infelizmente, o projecto do Plano Intercalar não deu ao desenvolvimento regional aquele relevo que seria natural esperar. Por outro lado, a inovação consagrada no artigo 17.º da Lei de Meios para 1961, sobre os incentivos à descentralização e aos investimentos nas regiões mais desfavorecidas, não se renovou em novas soluções.
Volto assim ao que advoguei na discussão da Lei de Meios para 1964: o Governo deveria promover uma autêntica revolução nos nossos meios rurais, transformando a sorte mesquinha em que vegetam largas regiões do continente e das ilhas adjacentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Toda esta revolução não exige investimentos incomportáveis. Constituirá antes um apelo ao desinteresse, à cooperação entre os Poderes Públicos e as populações. Geram-se, em suma, grandes movimentos em prol da vida local, que se fundam na devoção e no espírito esclarecido dos que os promovem e na aceitação colaborante daqueles que dos mesmos beneficiam.
A criação de elites no mundo rural, a revitalização das estruturas institucionais (municípios, Misericórdias, Casas do Povo, grémios da lavoura, cooperativas, federações), os estudos demo-sociais realizados em base regional, as obras públicas (águas, esgotos, viação rural, electrificação, urbanização e instalação e apetrechamento dos serviços públicos), a valorização da habitação rural, o ensino nas populações rurais (cobertura escolar completa, extensão da escolaridade obrigatória, adequação dos programas, insta-
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lações escolares e habitação dos professores, cobertura completa com cantinas escolares e assistência médico-sanitária), a saúde, assistência e previdência. (assistência à maternidade e infância, eficiente e económica rede hospitalar, cobertura médica e medimentosa, alimentação e defesa contra & desnutrição, luta contra o alcoolismo e contra a prostituição, assistência à família, extensão da segurança social às populações rurais), a criação de serviços e fixação de técnicos especializados no rural, a valorização da agricultura (reestruturação agrária, construções rurais, reconversão de culturas, novas técnicas culturais, pequena mecanização, renovação de sementes e plantas, utilização de adubos e matéria orgânica, defesa fitossanitária e pequena rega), das florestas e das pescas interiores, o incremento na pecuária (com incidência nos efectivos, no apuramento das raças, na valorização das pastagens, no conveniente aproveitamento económico e necessária assistência veterinária), a industrialização dos produtos agrícolas, a reestruturação do comércio (abastecimento adequado de peixe e de carne, supressão dos intermediários especuladores e comercialização dos produtos agrícolas) - eis um mundo de pequenos grandes problemas que nos deviam ocupar.
Sr. Presidente: Ao advogar a realização de uma política da população tenho a consciência da multiplicidade de aspectos que a mesma comporta e de como a actuação dos vários Ministérios nela se pode reflectir.
Sem preocupações exaustivas poderia enumerar, por campos de actividade pública, os seguintes modos de intervenção:
Presidência: Coordenação geral, censos da população, estatística;
Defesa Nacional: Recrutamento e serviço militar;
Interior: Segurança pública, combate à prostituição, ao alcoolismo e formas de parasitismo social; emigração;
Justiça: Legislação sobre o matrimónio, o divórcio, combate ao aborto, delinquência geral (em especial a juvenil), inquilinato;
Finanças: Impostos directos e indirectos; deduções familiares; isenções ou deduções no alojamento;
Obras Públicas: Abastecimento de água, esgotos, viação, electrificação, construção de habitações, urbanismo, crises de trabalho;
Ultramar: Toda a política dos territórios ultramarinos interessa à Nação. O desenvolvimento económico do ultramar liga-se às subsistências e ao povoamento;
Educação: Idade escolar, estabelecimentos de ensino, ensino obrigatório, formação geral educativa, medicina escolar, colónias de férias;
Economia:
a) Agricultura: Regimes agrários, arrendamento, emparcelamento, colonização interna, dimensão das explorações, terras marginais, reflorestamento, cultura intensiva ou extensiva, regiões despovoadas, preocupação geral com o equilíbrio alimentar;
b) Indústria: Fomento e reorganização industrial, concentração de empresas, descentralização industrial, produções de utilidade social; .
c) Comércio: Abastecimento público, defesa do consumidor, comercialização dos produtos;
d) Problemas gerais: Pleno emprego, investimentos, política de planeamento, desenvolvimento regional, política, de preços, coordenação de actividades;
Comunicações: Tarifas dos transportes, tarifas nas comunicações.
Corporações e Previdência Social: Emprego, salários, subvenções familiares, segurança social, trabalho da mulher, habitação.
Saúde e Assistência: Toda a política de saúde e assistência se reconduz imediatamente à defesa e valorização da população.
Aias o que me interessa acentuar aqui é a necessidade de uma coordenação de esforços e uma prioridade da acção relativamente aos sectores estratégicos ou mais desfavorecidos.
A análise que fizemos dos nossos indicadores demográficos permite-nos concluir:
a) Pelo interesse num incremento na taxa da nupcialidade;
b) Pela vantagem em manter a tendência esboçada no acréscimo da natalidade ou, ao menos, a estabilização desta taxa;
c) Por uma diminuição na mortalidade, sobretudo na mortalidade infantil;
d) Por um progressivo desenvolvimento regional que obste a um êxodo descontrolado;
c) Por um incremento nas deslocações para as províncias ultramarinas.
Ora, vistas estas necessidades à luz das coordenadas que ditarão a actividade governativa, parece-me que se integram naquela luminosa orientação que o Sr. Presidente do Conselho definiu em 28 de Abril de 1934:
A Nação é para nós una e eterna; nela não existem classes privilegiadas, nem classes diminuídas. O povo somos nós todos, mas a igualdade não se opõe e a justiça exige que onde há maiores necessidades aí seja maior a solicitude; não se é justo quando se não é humano.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rocha Cardoso: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fixarmos a nossa atenção na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965, para a qual o Governo solicita a nossa aprovação, devemos, antes de mais, relembrar o momento político internacional e nacional em que vivemos.
Há muito que a Nação Portuguesa, pela voz autorizada do Sr. Presidente do Conselho, vem lembrando ao Mundo os maus caminhos por este trilhados a favor da humanidade. Os homens responsáveis pelos governos dos povos afirmam conduzir-se no sentido e no anseio de melhorar a vida do homem, de conseguir para este um bem-estar que lhe assegure não só, um mais fácil pão de cada dia, como uma melhor saúde e um melhor convívio social entre todos. Porém, os factos provam à evidência que, ao contrário do que parecem desejar, tudo vem acontecendo contra o bem-estar da humanidade. Os ódios não cessam e com eles as lutas, as divisões, as guerras entre todos. A paz pode dizer-se que há muito fugiu do Mundo. E, ao invés de que seria natural, próprio e moralmente aceitável, são mais odiados e perseguidos aqueles países cujos governos se conduzem nos caminhos da honra e da moral e tudo fazem para conseguir o seu bem-estar social, a harmonia nacional entre todos os homens do seu agregado populacional.
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E o ódio, já sem melhores elementos para provocar a desarmonia entre os povos, fez soprar ultimamente "os ventos da história", empurrados pelo quadrante de leste, que, dizendo-se detentor da igualdade entre todos os homens, ainda mais não fez que provocar a sua desigualdade, a sua destruição, o seu mal-estar.
E a Nação Portuguesa, conduzindo-se pelos seus próprios ventos, bem pode chamar àqueles "os ventos sem história alguma". Históricos, sim, os ventos portugueses, que encheram as velas das naus que a todos os povos levaram os princípios cristãos da igualdade, dos direitos humanos pregados por Cristo.
Ventos que são iguais para os homens de todas as cores. E apesar de incompreendidos por inimigos e até por amigos, a Nação Portuguesa continua firme na sua rota, certa de que, trilhando os seus velhos caminhos, alcançará a segura estrada do seu futuro. Para tanto, não lhe faltam os ventos bons do seu passado histórico nem o inigualável timoneiro ao leme do seu presente. É isso que nos diz e garante a presente proposta de lei. Por ela se afirma a continuação da política financeira de Salazar, se procura, como se diz no artigo 3.º da proposta, a adaptação dos recursos às necessidades, com vista a assegurar a integridade territorial do País e a intensificar o desenvolvimento económico das suas diferentes parcelas, tudo, enfim, para uma melhor vida social e económica das gentes portuguesas de todo o Mundo.
Para tanto, teremos todos de continuar firmemente unidos ao homem de governo que nos deu, em hora difícil da Pátria, os ensinamentos que nos conduziram ao ressurgimento da nossa dignidade no Mundo, e nos deu a paz portuguesa em que há mais de trinta amos vivemos e para a segurança da qual continuaremos fazendo todos os esforços, até os do próprio sangue.
A proposta de lei que se nos apresenta procura, além do mais, assegurar o início da boa execução do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, que há poucos dias acabámos de votar.
No Plano Intercalar de Fomento e na presente proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965 ponho as minhas melhores esperanças algarvias, certo de que a minha bela e bem portuguesa província alcançará um melhor bem-estar económico e irá traçar, com o seu valor turístico, uma forte segurança financeira ao tesouro nacional.
Para tanto, passarei em revista as várias actividades económicas algarvias e relembrarei as suas mais prementes necessidades para atingir aquele alto fim.
Ouvimos aqui falar nas pescas portuguesas o nosso ilustre colega Henrique Tenreiro. Sem favor algum e com a maior justiça, direi que ninguém o poderia fazer com mais autoridade e com maiores e melhores conhecimentos e até com maior carinho e devoção. Sem outro fim que não tenha sido o de considerar-me obrigado como algarvio a lhe prestar o meu pessoal apoio à sua vasta obra no sector económico das pescas portuguesas, tenho acompanhado desde sempre a evolução de melhoria que vêm atravessando as pescas algarvias, pela acção dinâmica e esclarecida daquele nosso colega. Se ainda não se atingiu o ponto alto que todos nós, Algarvios, desejamos, justo, entretanto, é dizê-lo, muito já se fez, muito se melhorou e em lapso não muito grande de tempo atingiu-se neste sector económico do Algarve um nível que muitos nunca pensaram ser possível conseguir.
Pêlos fundos das pescas foi melhorada grandemente a frota pesqueira do Algarve. As pequenas lanchas da pescada da Fuseta, os barquitos a remos do tresmalho de Armação de Pêra, as sacadas de Olhão, estão já apetrechadas com motores e redes capazes, que asseguram uma melhor luta com o mar e uma maior captação do pescado. Este aumentou por forma a conseguir uma maior fartura nas lotas e, consequentemente, um melhor e maior poder alimentar, dando aos pescadores algarvios e a suas famílias um bem-estar económico bem diferente do passado de miséria em que viveram.
A frota de pesca da sardinha está hoje apetrechada com boas traineiras, capazes de asseguíar à indústria de conservas do Algarve a maior e melhor matéria-prima. e com a graça de Deus, como dizem com a voz da boca e o sentir do coração os pescadores da nossa terra, o mar não tem sido avaro, e assim Portugal segura ainda o facho . de maior produtor europeu de sardinha, como aqui afirmou, em sua brilhante intervenção, o nosso colega Henrique Tenreiro. E não é de mais lembrar que em 1962 as fábricas de conservas do País compraram 317 000 contos de peixe, que na sua exportação resultaram 1 200 000 contos. E penso que, pela pesca do corrente ano, tanto um como outro valor devem ser muito superiores. E uma pesca houve, a do biqueirão, que só por si resultou num valor de mais de 60 000 contos.
Ora, se não fora os bons apetrechos de pesca, as fortes, seguras e velozes traineiras, não seria possível trazer de longínquos mares aquele rico produto piscatório, que se transformará em matéria firme de garantia no Inverno do trabalho nas fábricas. Os altos salários obtidos pelos pescadores algarvios das traineiras, na presente época devem servir para a sua melhoria de vida, mas obriga-os moralmente ao sentimento de respeito e gratidão para com cada um dos seus patrões e para com o homem - refiro-me ao nosso colega Tenreiro - que tanto tem contribuído para um tal bem-estar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -E, como algarvio, sentir-me-ia ferido nos meus sentimentos de respeito se visse perderem-se em manifestações de revolta os altos sentimentos de bondade e gratidão que sempre foram apanágios dos homens do mar do meu Algarve.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Porém, para que se mantenham os bons princípios, necessário é que à frente dos organismos da pesca algarvia estejam os homens ligados mais directamente aos seus interesses, que tantos há bons, inteligentes, empreendedores, exemplos vivos da boa administração das suas frotas de pesca e que assim asseguram melhor compreender e dirigir os interesses de todos. E uma vez que os melhores e mais competentes e capazes sejam superiormente ouvidos e compreendidos, tudo irá em mar calmo de trabalho, sem exigências descabidas e sem atitudes impróprias de desrespeito.
Muitas vezes, e quase sempre mesmo, os culpados são os que, sem valor e sem interesses ligados ao bom sentido económico das organizações e até afastados da sua actividade quotidiana, desorientam e descomandam os que trabalham. Que compreendam estes meus anseios, não só os simples homens de trabalho no mar, mas que façam. valer e orientar os bons princípios, os que superiormente orientam, para que no comando das organizações locais estejam os melhores, os mais conhecedores, numa palavra, aqueles que têm a perder e a ganhar com a boa ou má orientação das pescas. E peco ao homem, que tem sabido elevar os que trabalham no mar que chame à orientação da pesca os que na pesca têm sido desinteressadamente os melhores colaboradores da sua valiosa acção.
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Está prevista a construção, para não Longe data, de quatro barcos atuneiros. Que a estes se liguem nos seus interesses principais as velhas empresas das armações de atum no Algarve, vítimas de maus anos económicos, que já despedaçaram as suas economias e as suas esperanças, que não se entreguem valores a quem não tenha conhecimentos e a experiência de um longo trabalho, de um verdadeiro trabalho histórico, pois que já conta séculos. E que não seja nunca esquecida na pesca do atum a linda cidade de Tavira, pioneira das armações atuneiras presas às suas seguras costas, agora que modernas artes de pescar se desprendem delas para mares mais longínquos. Uma outra, actividade económica algarvia não esquecida, quer no Plano Intercalar de Fomento, quer na proposta de lei ora em discussão, é o turismo. Para ela se voltam não só as maiores esperanças do Algarve, como as da própria Nação.
Para esta neva actividade económica não nos faltam, dados por Deus, os melhores e mais valiosos elementos naturais; compreendê-los, valorizá-los, conduzi-los pelos melhores caminhos orientadores, é obrigação de todos e superiormente dos governantes. Assegurar o seu melhor e maior futuro, garantir a sua boa administração, criar os melhores planos urbanísticos, a sua melhor exploração, criar os meios indispensáveis à sua complexa actividade económica, são obrigações primárias deste alto problema nacional, que nos dará financeiramente a garantia para novos empreendimentos económicos de valorização, de bem-estar social. Atento como sempre a todos os problemas da Nação, sabe o Algarve que o Sr. Presidente do Conselho tem dado a sua superior orientação ao plano regional do turismo algarvio. Ansiosos estamos pela sua conclusão e pelo começo da sua execução.
Anunciou há pouco o Sr. Ministro das Comunicações estar prevista a inauguração para o próximo mês de Abril do aeroporto do Algarve. Por ele se espera a chegada do maior número de turistas. A série de problemas que o afluxo turístico irá criar ao Algarve, não é de mais salientar aos homens do Governo, pois dele pode resultar o êxito ou inêxito de todo o turismo algarvio, sem dúvida corremos o risco de prejudicar e até de perder o que se apresenta neste momento como o mais valioso elemento não só do Algarve como da Nação.
A dispersão do comando orientador do turismo nacional por tantos Ministérios, por tantas repartições, tudo desorganiza e nada constrói de estável para seguro e apropriado futuro. As câmaras municipais do Algarve, as juntas de turismo, o Governo Civil do distrito, vivem, nos seus bons anseios do progresso turístico do Algarve, em permanente desorientação, sem saberem a quem se dirigir para uma melhor e mais rápida acção construtiva.
Este perigo, esta desorientação, já muito tem prejudicado tudo e todos. Resolver quem deva mandar, coordenar e orientar é para mim, neste momento, o maior problema que está em causa, pela perigosa inacção em que vivemos. Corremos, sem dúvida, como já disse alguém, o risco da matar a nossa galinha dos ovos de ouro, por não a sabermos alimentar e tratar. Até aqui os interesses têm cegado os homens, todos lhe arrancam uma pena para a irem vender a quem lhes possa dar de lucro alguns milhares de contos. Os que a compram caro, mais caro a desejam vender, e assim se vai depenando a bela galinha do turismo algarvio sem que se veja, tão rapidamente como é necessário, criar-lhe novas e mais belas penas, aquelas que são necessariamente indispensáveis para garantir no futuro a sua beleza económica.
Todos vimos isto com amargurada tristeza, todos sentimos angustiosos o problema, todos falam nele e o discutem, na imprensa, nos congressos, em toda a parte, mas não enxergamos os elementos construtivos e já vivemos em perigoso receio do que poderá passar-se num futuro próximo. Compete, sem dúvida, ao Governo a solução rápida deste magno problema; confiamos na sua acção e esperamos que ela seja tão rápida como é preciso e grandemente necessário. Do seu valer diz já, gritantemente, o volume de mais de 2 milhões de contos que rende o turismo ao erário nacional. Nesta verba cabe parte, grande parte mesmo, ao turismo algarvio. Por isto, que teve, certamente, influência na sua prioridade turística por parte do Governo, o Algarve julga-se, se não com direito, ao menos com certa autoridade para chamar a sua superior atenção para o problema posto, mais nacional do que até algarvio. E porque este problema é superiormente grande, termino esta simples equação, deixando outros problemas algarvios para oportunidade menos trabalhosa da Assembleia, com a minha aprovação na generalidade à proposta em discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: A propósito da Lei de Meios, tenho um problema importante a pôr à alta e urgente consideração do Sr. Ministro das Finanças, mas, antes de o fazer, prevaleço-me da oportunidade para passar ligeiramente os olhos - como cumpre ao bacharel em Letras - pelas interessantes considerações que S. Ex.ª expendeu acerca de Moçambique no excelente relatório que precede a proposta.
O que me leva a este atrevimento, nestas herméticas matérias reputadas inacessíveis ao homem comum e bacharel, é que S. Ex.ª se limitou a um relance pela conjuntura de Moçambique, muito simples, o que me tornou a leitura agradável ao folhear é primoroso volume, topar com Moçambique e pensar um "vamos lá ver o que diz, o Ministro". Como tudo o que se lê é para se pensar e julgar, não me furtei ao meu comentário, para que S. Ex.ª do alto espaldar de uma das soberanas cadeiras do Poder, lavrado a cordovão brasonado de veto desde 1928, pudesse também dizer o seu "vamos lá ver o que diz esta gente do mato".
O Ministro começa por aludir à "nítida preponderância do sector primário" na nossa vida, porque é elevada a percentagem de população activa que se emprega na agricultura. Principio naturalmente por me encontrar eu próprio nestas afirmações, que corroboram o que eu aqui disse há dias, e isto redobra o meu interesse pelas seis páginas do relance ministerial.
Leio mais adiante que "a actividade agro-pecuária experimentou nos últimos anos evolução favorável", estimando-se que tenha aumentado de 6 por cento ao ano, de 1959 a 1962, a produção em valor e quantidade no sector agrícola. Não nos interessemos pelo acréscimo demográfico, que deve ter consumido boa parte do acréscimo agrícola, porque logo nos retém a atenção a notícia de que a pecuária deve ter crescido no mesmo período à taxa média anual de 5 por cento. Ocorre-me comentar que talvez o Ministro aluda no próximo ano à calamidade das secas prolongadíssimas, que afligem há anos a África do Sul, ameaçam muito seriamente o nosso Limpopo, que chegou a deixar de correr para o mar, e causaram no Sul do Save uma mortandade de 50 000 cabeças de gado, conforme ouvi dizer, sem que eu tenha elementos para controlar este número da voz pública.
Claro que me ocorre também a necessidade, que defendi, de se acudir urgentemente à província com uma importante rede de melhoramentos agrícolas de interesse colectivo, basicamente o represamento de águas para as pó-
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pulações, a rega e o gado, porque este problema é muito grande e muito grave em Moçambique. O problema da água é inquietante no Sul do Save e no distrito de Tete, este aliás com o Zambeze ao meio a correr preguiçosa e desperdiçadamente para o mar. A água no Sul do Save, lembro-me também, mereceu ao ilustre Eng.º Trigo de Morais considerações de excepcional interesse no parecer da Câmara Corporativa sobre o Plano Intercalar de Fomento.
Depois deste breve momento de pousio mental sobre a tragédia da água em Moçambique, à colação da pecuária a que se refere o Ministro, retomo o texto para ler:
Todavia, a produção agrícola tradicional, que se expandiu a ritmo elevado até 1959, evidenciou nos anos seguintes sensível abrandamento.
Creio que isto não é nada tranquilizador, porque a população tem aumentado, pelo que há-de haver um índice qualquer, expresso num palavrão económico-designativo, a andar para trás e a dizer que a capitação da produção diminui. Mas, confesso que tenho pena de verificar que me assistiam razões ao preconizar há dias esforços e incentivos para novas formas de expansão agrícola no Plano Intercalar de Fomento.
Linhas adiante li no relatório que se encontra em construção uma nova unidade agro-industrial no vale do Incomati para o açúcar, "prevendo-se para breve a construção de outras unidades". O meu regozijo inicial foi enorme, mas depois lembrei-me de que ainda em Setembro tinha passado pelo vale do Incomati, quando fui a Inhambane; tinha visto a magnífica rega de aspersão da açucareira do grupo Espírito Santo, fora a Magul explicar aos garotos como se dera o milagre de Magul naquela tarde infernal de 7 de Setembro de 1895, falara-lhes da marcha penosa dos soldados naquele mato por onde corre a estrada asfaltada e da esgotante travessia dos rios e dos charcos, que eles passaram a vau com a palamenta às costas e nós, indiferentes, galgámos de automóvel - e não dei conta de nada. Assaltou-me, por isso, uma dúvida e telefonei a um amigo: Olha lá, o Ministro diz isto - e li; do outro lado do fio respondeu-me que não era exacto, esclarecendo-me que se luta há três anos por esta fábrica, as papeladas parece que já enchem um armário, mas até à data está tudo encalhado em Lisboa. Ficou-me logo a certeza de que S. Ex.ª fora induzido em erro por alguém, naturalmente de boa fé.
Isto já é tão velho que até se julga que a fábrica já tem um ramo de louro no telhado e se prega a última chapa de zinco, mas a insofismável verdade é que a esta data ainda se não encontra em construção qualquer nova unidade fabril de açúcar no vale do Incomati.
Como todos em Moçambique fazemos votos ardentes por novas fábricas e plantações e ampliação de fábricas e plantações existentes, disse ao meu amigo para o outro lado do fio que havia que tomar as palavras de S. Ex.ª como uma garantia solene do Governo de que foram removidas faladas obstruções que a opinião pública apontara censuràvelmente e que atrás da fábrica da Manhiça hão-de surgir as outras que estão previstas para breve, como declara o Ministro. Porque gosto de ver o Regime prestigiado e honrado o Governo, sempre fui escorregando, por minha dama, que a província gostará de saber que o Governo cortou a direito segundo o interesse nacional, e devemos por esta certeza consignar uma palavra de regozijo. Mas esta bela tirada não impressionou nada o meu amigo, que, com aquela casmurrice peculiarmente moçambicana que o caracteriza, retorquiu que nos últimos dezoito meses a batalha da fábrica tem sido uma gesta heróica e inútil no campo da imaginação. É caso para dizer que há pessoas muito teimosas e muito persistentes.
Fechando o doce parêntesis, do açúcar, voltemos ao relatório para nos confortarmos com a afirmação de que "o sector industrial tem vindo a experimentar sensível expansão", tanto na produção de bens para o consumo local como no fabrico para a exportação. Um exame de mais pormenor, se bem que de muito interesse no global económico, é que já não é tão reconfortante.
Mas isso já não são culpas do relatório, e por isso lhe cito as palavras, que são estas:
No conjunto das indústrias transformadoras a evolução tem-se caracterizado fundamentalmente por tendência expansionista, embora de amplitude variável de sector para sector. Entre as indústrias que têm evidenciado mais elevado ritmo de crescimento destacam-se as dos cimentos, da refinação de petróleos e da transformação de metais, e, ainda, algumas indústrias englobadas no sector da "Alimentação e bebidas", nomeadamente as do chá, massas alimentícias e cerveja.
Ora, cimentos, petróleos, metais, massas e cervejas são em Moçambique importantes indústrias de grande empresa, com unidades fabris que se me afiguram de dimensão razoável no tamanho económico da província. Apenas o chá se insere na ordem dos interesses de povoamento, e é fundamentalmente dirigido à exportação.
As restantes indústrias, segundo o relatório, não têm tido crescimento digno de se apontar, e o acréscimo de 12 por cento na produção do 1.º semestre de 1964 em relação ao período homólogo de 1963, que o relatório considera indicativo de "sensível expansão em 1964" na produção industrial, vem logo II seguir esclarecido que "ficou a dever-se principalmente às indústrias da refinação de açúcar, da cerveja e da fiação de juta".
Se bem que os dados ministeriais sejam muito sumários, e eu não deseje utilizar quaisquer outros, a conclusão a tirar é que qualquer pequena coisa nova, ou II expansão de características industriais de grande empresa, como as citadas, dão logo lugar ao notável crescimento de 12 por cento.
Claro que os crescimentos desta ordem em sectores industriais deste tipo são importantes e necessários, e, ao que me parece, operam-se automaticamente, por crescimento natural das grandes empresas em crescimento contínuo.
No entanto, o relatório não cita qualquer crescimento significativo nas indústrias directamente dirigidas ao mercado social interno, por exemplo, vestuário e calçado, outros produtos alimentares industrializados e de consumo corrente e doméstico, o que me leva a crer que se não tem desenvolvido tão significativamente o poder de compra das grandes massas populacionais, de modo que isso seja encorajador para a expansão das indústrias confinadas existentes, ou a montagem de indústrias dirigidas ao grande consumo público. Por exemplo, parece haver muito gado. segundo tenho ouvido dizer, mas parece não haver uma indústria de lacticínios que possa abastecer a província para além do micromercado de Lourenço Marques. Claro que também tenho pena de que o relatório do Ministério das Finanças me dê razão considerável quanto à necessidade urgente de se criar na província um mercado capaz de revelar capacidade de consumo, e consequentemente apoiar as numerosas indústrias de tipo médio, que em larga medida são as que o abastecerão de utilidades de toda a ordem.
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O relatório também considera apreciável a expansão verificada nas indústrias extractivas, em que o aumento do valor da produção mineira foi de 15 por cento em média anual d 3 1959 a 1962, tendo sido de 5 por cento o do carvão. Mas não indica as tonelagens.
Ora em 1960 a produção de carvão foi de 270 000 t, como fui verificar, para ter uma referência de grandeza o concretizar as percentagens pelo que atingiu em 1962, as 300 000 t. Será aceitável o índice de crescimento em abstracto, mas o volume de produção em concreto não parece significativo, pelo que talvez não seja muito esclarecedor extrair índices de pequenos números.
A respeito de minas, vem agora a talho de foice, a província queixa-se da contradança das vedações e aberturas às pesquisas. A título meramente exemplificativo, porque não sei qual é compasso que regula hoje a dança, direi que em 1950 foi vedada a pesquisa do minérios radioactivos em toda a província, em 1952 foi vedado o distrito de Tete à pesquisa do qualquer minério, em 1959 foi vedada uma área de Manica e Sofala, em 1959 foram vedadas áreas do Gurué, Ile e Alto Molome, na Zambézia, e no mesmo ano ainda outra região da Zambézia, abrangendo áreas de Milange e Morrumbala, e outra zona de Manica e Sofala, compreendendo partes do Barué, Chemba e Gorongosa. Sempre que aparece um diplomazinho destes, invocando sobriamente as herméticas conveniências, que estou corto de terem amplíssima justificação, olha-se desconfiadamente para o Boletim Oficial e pensa-se que está mi forja ou uma sólida companhia em Lisboa...
Há depois no relatório palavras de merecido apreço ao sector terciário, e foca-se a balança comercial, com a nota de que é indispensável o fomento das exportações com vista às divisas para a aquisição de bens de, capital, "e [cito], para absorver parte considerável dos produtos laborados internamente, apresenta-se como uma condição essencial para o desenvolvimento de novas actividades produtivas".
Novamente, o Ministro das Finanças corrobora o que eu disse há dias, o que, por um lado. muito me honra e, por outro, muito me contraria, porque efectivamente defendi esforços incidentes na agricultura, com vista à exportação, como única forma de rapidamente se estimularem os consumos das grandes massas, visto só os grandes mercados serem capazes de promover unidades bem dimensionadas para produções a preços aceitáveis.
Também o ilustre Ministro informa que a balança comercial se tem saldado "por um déficit compensado em parte pelas receitas provenientes de invisíveis correntes", que não especifica. Se acaso não erro, estes invisíveis provêm, essencialmente, da emigração para o Transval, movimento que só iniciou há um século para as plantações de açúcar do Natal e se desviou depois para as minas do Rand. O Governo da província tem feito esforços dispersos sob pressão da opinião pública europeia local no sentido de estancar essa corrente, que é causadora de graves lesões sociais e económicas à província.
Os negros portugueses ganham no Rand três vezes menos do que ganhariam nas minas os negros sul-africanos, e vão para o Rand porque os sul-africanos se não sujeitam a baixos salários, nem ao regime de compound das minas. Porém, os nossos não têm alternativa total por falta de actividades conpensadoras na província. Mas nas zonas, ainda restritas, onde já foi possível criar actividades agrícolas compensadoras, apoiadas em cooperativas assistidas pelo Estado, o negro moçambicano deixou de emigrar, e não há recrutador que o leve.
Parece, pois, que há dias me assistiam também algumas razões quando falava nos problemas do arranque da agricultura de subsistência para a agricultura de mercado com organização cooperativa.
O Ministro aponta seguidamente o esforço do Estado, digno do maior louvor, na "criação de infra-estruturas. indispensáveis ao progresso da província, na orientação de experiências de povoamento e na criação de mecanismos de apoio à iniciativa privada".
Nas infra-estruturas há que salientar as estradas e as pontes, particularmente caras umas e outras em Moçambique, devido à vasta inundabilidade de extensas regiões da faixa litoral e aos rios, muito largos. Talvez se pudesse acelerar a construção da rede essencial de estradas e pontes criando-se um regime financeiro geral de portagens que servissem de garantia ao lançamento imediato de construções inadiáveis para se acabar com os antiquados batelões ou emboques nos rios que compartimentam a província.
Quanto à orientação de experiências de povoamento, julgo que a província está um tanto .saturada de experiências, que datam do século XVII, a primeira, que me lembre, com o patrocínio do Senado da Câmara de Lisboa. Em Moçambique a Junta de Povoamento tem estado praticamente inactiva, pelo menos em relação à sua congénere de Angola, e por absoluta carência de meios.
Também abordei há dias ligeiramente este problema, que me merece interesse apaixonante, porque é de incalculável benefício social e nacional. A Junta de Povoamento de Moçambique tem-se limitado a vegetar, e creio que financiar a Junta de Povoamento é investir na defesa nacional e no desenvolvimento económico e social. Estou convencido, aliás, de que o povoamento do ultramar precisa de ter o apoio de uma mecânica de realização noutra ordem de grandeza política, social e económica, com base em ideias definidas, que ainda não existem.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E um problema amplamente nacional a resolver à escala nacional com o máximo de apoio ao povoamento livre. Estão lançados esquemas que ainda não passaram do decreto institucional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Moçambique também deseja o povoamento militar, isto é, com militares de mobilizados. Tudo isto, que é, porém, muito complexo, mas por isso mesmo interessante, está ligado ao problema do crédito agrícola médio e do crédito industrial médio, que não existem em termos.
O crédito agrícola, instituído na província vagamente em 1915, há 50 anos, data pràticamente de 1928 e emprestou 51 000 contos até 1960, dos quais cerca de 36 000 contos no distrito de Lourenço Marques e cerca de 11 000 contos no de Quelimane. Nos distritos de Moçambique, Niassa e Cabo Delgado apenas haviam sido emprestados 1146 contos até àquela data.
Por quebra do poder de compra da moeda desde 1928, talvez possamos avaliar o montante dos empréstimos em 100 000 contos actuais. Mas parece-me que quando o relatório do Ministério das Finanças se refere à acção do Estado "na criação de mecanismos de apoio à iniciativa privada" exclui o crédito agrícola, por inexistente ou inexpressivo numa província em que 94 por cento da população vive da agricultura.
Como o Ministério do Ultramar, predominantemente administrativo, descurou lamentavelmente durante dezenas de anos o problema do crédito agrícola, não definindo uma política de população que não existe, não definindo uma política agrária que também não existe, não inven-
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tando um sistema nem produzindo para ele ideias - ou não as concretizando, se acaso jazem nos armários dos seus vastos arquivos e do Arquivo Histórico Ultramarino -, e, portanto, não obrigou o Governo de Moçambique a enfrentar a tempo o problema com a seriedade que estas coisas requerem, parece mais que oportuno retomar a questão em novos moldes e com novas ideias, por se tratar de um importante mecanismo de apoio à iniciativa privada, que afinal não funciona.
Talvez o caso comporte, como se me afigura, o problema das opções e decisões em política, económico-financeira, e como se sabe que para as necessidades internas os grandes portos e linhas férreas chegam e sobram (com excepção de Nacala, a apetrechar, e da linha de Moçambique, a concluir), parece conveniente que os interesses económicos estrangeiros dos territórios vizinhos e beneficiários financiem integralmente os programas previstos para os grandes empreendimentos portuários e ferroviários, que afinal a eles se destinam.
Nós temos toda uma gama complexa de problemas internos a resolver com urgência pelos nossos meios, que pela falta que nos fazem não podemos distrair em benefício imediato dos outros, mesmo que posteriormente nos dêem lucros. Afloro o problema porque o relatório de S. Ex.ª alude às necessidades de comunicações com o mar dos territórios vizinhos da África do Sul, da Zâmbia, da Malawi e da Rodésia do Sul, que são, de facto, como S. Ex.ª escreve, "fonte considerável de receitas em divisas", mas são também, como afirmo, fonte considerável de encargos que precisamos incidir noutros sectores, para acudirmos a problemas propriamente nossos, se queremos optar pelo interesse nacional.
E para acabar, volto ao problema do povoamento, para pedir, genericamente, uma política nova a este respeito e fazer o meu apelo aos Srs. Ministro das Finanças e Subsecretário de Estado do Orçamento no sentido de concederem os meios necessários para que termine o estrangulamento do embarque de colonos que neste momento se verifica de forma assustadora.
Um rapaz de 24 anos, artífice, casado e com um filho, entregou ontem os seus documentos na Repartição de Povoamento do Ministério do Ultramar para embarcar sozinho como colono para Moçambique, onde tem emprego assegurado por amigos, tencionando depois mandar seguir a mulher. Foi-lhe comunicado que não conte embarcar antes de seis meses. Um homem pobre, mas novo, que era aqui vendedor ambulante de doces que fabricava em casa, desfez-se de tudo, comprou a passagem, quer mandar ir a mulher e dois filhos, e também só daqui a seis meses os poderá ter em Moçambique. Poderia citar numerosos casos dolorosos que me têm passado pelas mãos, e me afligem, porque estes colonos humildes, sem eira nem beira, que formam a gente heróica de África, são pobres aqui e continuam pobres lá até que a vida lhes abra um novo horizonte mais prometedor, que só vem a aproveitar aos filhos. Vêem-se aflitos para dividir parcos rendimentos com os que cá deixam, e estas situações arrastam-se meses, que são longos meses de miséria para uma família inteira, pobre, dividida, as esperanças a perderem-se dia a dia.
Impressionou-me tanto o retardamento no reagrupamento das famílias dos colonos, com tão enorme cortejo de casos de dolorosa miséria, que cheguei a pedir ao Ministério do Ultramar a criação de um escalão prioritário, mas foi-me provado não valer a pena porque 80 a 90 por cento dos pedidos de embarque são para reagrupamento de famílias. O problema está no estrangulamento dos embarques por falta de verba. A dotação actual não chega e convinha, ser acrescida de 7000 contos anuais para normalizar desde já os embarques.
Numa altura em que se pede insistentemente o povoamento do ultramar há que remover drasticamente as dificuldades do momento. O colono é a ocupação pela presença, a defesa civil pela acção cívica, a riqueza pelo trabalho, a coesão nacional pelo convívio com o nativo. Bem basta que esteja a verificar-se uma sangria no povoamento de Moçambique a favor da África do Sul, que pratica uma .perseverante política de povoamento a tal ponto que recebe quantos de Moçambique a procuram, chamados pelos altos salários, e recruta povoadores aqui na nossa metrópole, aos quais paga as passagens.
Bem digo eu que não temos uma política de povoamento, tanto mais que nem sequer damos o mínimo à regularidade fio povoamento livre, que é o mais barato. O Governo tem de olhar a sério para o problema do povoamento, que na própria província implica o reordenamento do povoamento negro, também carecido de apoio. Mas para já peço encarecidamente aos Srs. Ministro das Finanças e Subsecretário de Estado do Orçamento que atendam o angustioso apelo que lhes faço em nome de tanto desgraçado que põe na África uma esperança e com ela nos traz uma consoladora certeza.
Não devo, porém, deixar de sugerir a SS. Ex.ªs que o conjunto das províncias seja obrigado a contribuir com uma dotação igual à da metrópole, porque contribuem para si próprias, e, em compensação, sejam desoneradas de encargos que lhes estão injusta ou exageradamente impostos (veja-se para isso o capítulo 10.º dos orçamentos ultramarinos, onde tanto cravanço abusivamente se pendura) e de que dou como escandaloso exemplo as contribuições para o Jardim Zoológico de Lisboa, que têm de ser abolidas, para se acabar com essa petulância, para se acabar com essa prepotência de velhos tempos em que um Ministro qualquer quis obviamente fazer um favor à custa do contribuinte ultramarino e não teve pejo de o pôr num decreto.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Haverá porventura alguém capaz de justificar tal medida legislativa a não ser como anedota que o Ministério do Ultramar não desiste de recontar todos os anos?
Por tudo quanto SS. Exas. possam imediatamente fazer pelo pedido exposto, no orçamento de 1965, pedido que formulo em nome de quantos desesperadamente esperam ou choram desiludidos, como as mulheres que me levam a casa a sua trágica miséria com a ninhada dos filhos agarrados às saias e a quem minto com a piedosa mentira de uma esperança que não tenho, a viva expressão de um agradecimento profundamente sentido, a que me permito juntar o meu próprio com o preito da minha homenagem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Dado o número de oradores inscritos para a generalidade, sou forçado a fazer na segunda-feira a duas sessões: uma de manhã, às 11 horas, e outra à tarde, à hora regimental.
A ordem do dia da sessão da manhã é a continuação do debate na generalidade da proposta em discussão; a ordem do dia da sessão da tarde será constituída por duas matérias: uma, reclamações sobre o texto aprovado pela Cernis-
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4148 DIARIO DAS SESSÕES
são de Legislação e Redacção da proposta relativa à execução do Plano Intercalar de Fomento; a outra, a continuação do debate na generalidade da proposta em discussão.
Está encerrada a sessão.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco Lopez Vasquez.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Mouta.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Lopes de Almeida.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abilio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinal Dempò.
O REDACTOR - Luis de Avilles.