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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168
ANO DE 1964 15 DE DEZEMBRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 169 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmo. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 26 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta ao expediente.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade sobre a Lei de Meios para 1960.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto de Araújo, Serras Pereira, Armando Cândido e Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 11 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
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José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes os Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se a conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do presidente da Câmara Municipal de Coimbra a apoiar as palavras do Sr. Deputado Santos Bessa sobre o aproveitamento do Mondego.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a indústria de malhas.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965 é precedida, como nos anos anteriores, de um elucidativo relatório, que, depois de dar uma impressão geral da conjuntura económica interna e externa, traça as linhas mestras da política fiscal do Governo no ano próximo.
Mas foi mais além este ano o Sr. Ministro das Finanças no seu propósito de esclarecimento, fornecendo à Câmara interessantes e utilíssimos elementos de informação, nomeadamente no que se refere à execução das leis tributárias. O País pode verificar o sentido de justiça e de melhor distribuição dos encargos fiscais da reforma agora posta em vigor. E pode constatar, igualmente, o desejo do Governo de estabelecer contacte
directo e permanente, através dos serviços de finanças, com a massa dos contribuintes para resolver dúvidas e dificuldades, esclarecer e ser esclarecido, num diálogo que tem sido tão útil e tão vantajoso.
E deve dizer-se que os contribuintes, de uma maneira geral, se têm comportado com a maior dignidade perante os objectivos da reforma, procurando ser exactos nas suas declarações, correspondendo à compreensão do fisco com uma perfeita noção das suas responsabilidades. Estamos perante uma evolução progressiva na orientação dos serviços e na mentalidade geral do contribuinte, que só pode traduzir-se em vantagens e benefícios e que, afinal, são aspectos da política de justiça e de verdade que há muitos anos domina as finanças públicas portuguesas.
Sr. Presidente: Lendo o notável relatório que precede a lei de autorização de receitas e despesas para 1965, conclui-se que o grande objectivo do Governo, no plano económico, é a aceleração do ritmo de crescimento do produto nacional, acompanhado de uma repartição mais equitativa dos rendimentos formados. A realização deste objectivo está, porém, condicionada:
À coordenação do esforço do desenvolvimento com o
esforço da defesa; À manutenção da estabilidade financeira interna e
da solvabilidade exterior da moeda nacional; Ao equilíbrio do mercado de trabalho.
Procura-se, através deste condicionalismo, manter a integridade do território nacional, contrariar tendências inflacionistas, assegurar o equilíbrio da balança de pagamentos, acelerar a formação profissional e a readaptação da mão-de-obra às ocupações criadas pelo progresso económico-social da Nação, para nos servirmos das próprias palavras da proposta.
Sr. Presidente: Se há problemas neste país que mereçam ser considerados em toda a sua extensão e profundidade, o da situação do funcionalismo público e administrativo está, certamente, em primeiro lugar.
São cada vez maiores as tarefas do Estado e as obrigações dos serviços públicos e, por isso, cada vez mais premente também a necessidade de quadros funcionais, devida e regularmente providos. Todo o esforço do Governo e todas as reformas de Administração correm o risco de ficar parcialmente perdidos se o Estado não estiver provido daquela armadura funcional necessária para lhes dar execução. Nas nações mais evoluídas e progressivas as estruturas administrativas são a. base de toda a vida do Estado, elemento precioso no equacionamento e estudo dos problemas é, quando os governos se sucedem ou se abrem longas crises políticas, penhor e garantia da continuidade ,dos serviços.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos no País verdadeiros corpos de elite no funcionalismo. Que palavras de elogio ou de louvor se podem formular nesta Câmara, por exemplo, relativamente à nossa magistratura, símbolo perfeito do cumprimento do dever, verdadeira elite do espírito da legalidade que não obedece a outro imperativo que não seja a voz da consciência? E que direi do professorado das Universidades, das escolas, técnicas e secundárias, do ensino primário, que molda a sua mentalidade e a sua própria vida pela nobreza e pelo espírito de sacrifício da sua missão, que é formar o carácter e desenvolver em cada dia o pensamento e a cultura da nossa gente nova?
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Nos Ministérios, nas direcções-gerais, nas finanças, nas alfândegas, nas comunicações, nas obras públicas, nas repartições mais diversas, nos corpos administrativos, mesmo nas mais modestas autarquias locais, um funcionalismo dedicado procura assegurar, por vezes com dificuldade, a regularidade dos serviços, num esforço frequentemente anónimo e ignorado, que bem merece nesta tribuna uma palavra de louvor.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Infelizmente estão vagos muitos lugares do funcionalismo público e os serviços, por isso, lutam com a falta do pessoal necessário, precisamente em virtude de as remunerações atribuídas não serem consideradas suficientes para assegurar um nível de vida compatível com o exercício e a responsabilidade da própria função.
Efectivamente, em muitos quadros da Administração há falta de funcionários, vagas por preencher, e a gravidade do problema é dada por dois sintomas igualmente expressivos: muitos dos mais competentes deixam os serviços do Estado para se dedicarem a actividades privadas e, por outro lado, acentua-se na gente nova, nomeadamente entre a mais qualificada, o desinteresse pela função pública.
O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Acaba esta Assembleia de votar o Plano Intercalar de Fomento. Aqui se produziram brilhantes orações no sentido de se intensificar o ritmo do crescimento económico nacional, assegurando a execução de obras públicas, fomentando o desenvolvimento de novas unidades industriais, alargando a assistência à produção, aumentando os quadros do ensino técnico e profissional.
A verdade, porém, é que todo este conjunto de empreendimentos pressupõe serviços públicos, devidamente dotados e providos, que assegurem os objectivos, a rapidez e a continuidade do planeamento. E a própria reforma tributária corre sério risco de ficar gravemente prejudicada se o Ministério das Finanças não estiver dotado de um corpo de funcionários, incluindo técnicos e peritos, contabilistas e magistrados, que vele pela sua execução, esclareça o contribuinte e resolva, oportunamente e com brevidade, os seus clamores de justiça.
O País tem aceitado, como um imperativo indiscutível, a prioridade dos fins militares na ordem de aplicação das receitas públicas. E tem-se dito, com absoluta verdade, que a vitória final - que já nitidamente se adivinha e vislumbra - da grande batalha que Portugal sustenta nas fronteiras ultramarinas da Nação depende da manutenção de uma frente interna unida e coesa. Afigura-se-nos que a solidez e a continuidade dessa frente interna, que temos sabido manter com alto espírito de solidariedade e de patriotismo, depende em grande parte da existência de serviços públicos capazes, devidamente providos e remunerados os seus quadros funcionais.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Tem de reconhecer-se que, em matéria de benefícios sociais, os servidores das empresas e das actividades privadas têm auferido uma situação de nítido avanço relativamente ao funcionalismo público.
Há muito tempo que os que empregam a sua actividade no sector privado beneficiam - e muito bem - de - horários de trabalho (que mesmo agora não se observam em determinados serviços públicos), de pensões nos casos de acidentes no trabalho ou de doença profissional, de assistência na doença e na invalidez.
E, se temos de louvar este conjunto de benefícios, que todos desejamos se acentuem como expressão de uma melhor justiça social, só temos de lamentar que esses mesmos benefícios se venham processando retardados e lentos relativamente ao funcionalismo.
Por isso e com razão no relatório que precede o Decreto-Lei n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, se escreveu:
O Estado moderno, tão paternal em múltiplos casos, dir-se-á impassível ou alheado das vicissitudes dos que mais declaradamente o servem e das famílias que destes dependem.
E no preâmbulo do Decreto n.º 45 002, de 27 de Abril de 1963, o próprio Governo reconhece que a previdência social e, com ela, o seguro na doença, introduzidos pelo Estatuto do Trabalho Nacional e cujos princípios tiveram a sua primeira estruturação na Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935, deixaram em atraso o próprio Estado pelo que respeita à situação dos seus servidores na eventualidade de doença.
Sr. Presidente: Embora em atraso reconhecido quanto ao sector privado, diversos diplomas legais têm sido publicados com o fim de melhorar a situação económico-social dos servidores do Estado, na consideração e no reconhecimento dá importância do factor humano no conjunto e na eficiência da Administração.
Merecem referência especial o já citado Decreto-Lei n.º 38 523, relativo à assistência a prestar aos servidores do Estado que forem vítimas de acidentes de trabalho e - posteriormente - de doenças profissionais; o Decreto-Lei n.º 42 951, que regula as condições em que a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (Caixa Nacional de Previdência) poderá aplicar os seus capitais afectos ao fundo permanente na aquisição e construção de imóveis destinados aos funcionários do Estado e dos corpos administrativos, quer no regime de arrendamento, quer no de propriedade resolúvel; o Decreto-Lei n.º 45 002, de 27 de Abril de 1963, regulado pelo Decreto n.º 45 688, de 27 de Abril de 1964, que faz participar os funcionários públicos num esquema de assistência em todas as suas formas; o Decreto-Lei n.º 45 362, de 21 de Novembro de 1963, que autoriza os corpos administrativos a instituir obras de carácter social e cultural em benefício dos seus servidores e as câmaras municipais a construir casas de habitação dos seus funcionários ou assalariados, bem como das juntas distritais, segundo o regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 42 951, de 27 de Abril de 1960.
Ao referir algumas das medidas mais importantes tomadas pelo Governo em benefício do funcionalismo, desejo formular dois reparos e um voto.
O primeiro reparo é que o esquema de assistência na doença não se tenha ainda tornado extensivo aos funcionários administrativos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O segundo reparo é que as juntas gerais dos distritos autónomos deviam ser autorizadas a construir e a contribuir para a construção de casas destinadas aos seus funcionários.
O voto é de que não se esmoreça e antes se acelere a execução das providências adoptadas com o fim de melhorar a situação económico-social do funcionalismo.
Tenho uma grande consideração pessoal pelo Sr. Ministro das Finanças. Tem sido, como o foram os seus ante-
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cessores, um depositário fidelíssimo da herança deixada por Salazar naquele departamento do Estado. Soube manter o equilíbrio e a dignidade do Tesouro, o valor e a estabilidade da moeda em período excepcionalmente difícil da vida nacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Aqui desejo reiterar as minhas homenagens a S. Ex.ª e pedir-lhe que ponha todo o seu valimento pessoal, toda a energia da sua vontade e toda a influência da sua alta função ao serviço das justíssimas aspirações do funcionalismo público e administrativo e para que se tornem realidades muitas das providências que estão na lei, mas que ainda não estão em execução.
Os decretos que concedem assistência ao funcionalismo na doença foram publicados no aniversário da entrada de Salazar para o Governo. A homenagem só será completa e verdadeiramente digna do homenageado quando as providências adoptadas forem realmente cumpridas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E vou mais além, Sr. Presidente. Independentemente das medidas que nos últimos anos têm sido adoptadas em benefício dos servidores do Estado, torna-se necessário rever e melhorar as remunerações do funcionalismo público.
Essa a providência fundamental e da qual as outras devem constituir um complemento, a exemplo do que acontece na actividade privada.
Tem-se observado que o que se deve, de preferência a uma melhoria de vencimentos e ordenados, é procurar diminuir o custo de vida, pois que sem isso aquela melhoria é inútil e até contraproducente, pela influência que exerce nos níveis gerais de preço.
A verdade, porém, é que o Estado não tem obedecido a esta orientação no domínio privado e, antes e com toda a razão, tem procurado actualizar as remunerações dos que exercem a sua actividade nesse sector. Por outro lado, apesar de todos os esforços feitos e de o valor da moeda continuar a ser garantido por importantes reservas em ouro ou divisas-ouro, tem-se verificado a diminuição do seu poder de compra interno.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dos elementos estatísticos reproduzidos no último relatório do Banco de Portugal conclui-se que, tomando como base 1955, ano em que se fez a última revisão dos vencimentos do funcionalismo, o índice de preços de consumo a retalho subiu, por exemplo, em Lisboa, de 107,5 para 116,7 em 1962 e 118,7 em 1963.
Deve dizer-se que este índice é baseado em amostras de consumos efectuados pelas classes mais modestas, abrangendo, por isso, artigos tabelados e outros, como vestuário, de qualidade interior.
Se esse indica fosse baseado em amostras de consumos realizados pelas classe" médias ou de rendimentos mais elevados, seria muito mais nítido o aumento geral do custo da vida nos últimos anos.
Interrogamo-nos, muitas vezes, sobre se há possibilidades reais da diminuição do custo da vida. Por um lado, sobem os preços internacionais de equipamentos, matérias-primas, etc. Esse facto influencia, evidentemente, os preços internos. 15 talvez, como alguém já lhe chamou, uma inflação importada, mas em todo o caso uma forma de inflação. Por outro lado, a lavoura continua a clamar que
não pode vender a preços inferiores ao custo de produção. E o próprio Estado contribui, por vezes, para a alta de preços quando os desníveis entre os custos de produção e os de venda lhe tocam à porta, esquecendo que os seus serviços são públicos e se exercem em condições de exploração diferentes da actividade privada: é o caso, por exemplo, do anunciado aumento das taxas telefónicas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se prevendo, pois, uma baixa no custo da vida, sendo natural esperar una aumento lento e gradual de preços, não se vê forma de resolver o problema do funcionalismo que não seja através de uma revisão das suas remunerações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Está em plena execução uma reforma tributária cujos efeitos no montante da cobrança das receitas públicas não se pode prever com exactidão. Só neste fim de ano se fez a liquidação complementar da contribuição predial, da contribuição industrial e a própria liquidação do imposto complementar. Está ainda por fazer um grande número de liquidações. Anuncia também o Governo a criação do imposto das mais-valias e a próxima entrada em vigor do Código das Transacções.
É de supor que da execução de uma tão ampla reforma tributária resultem aumentos substanciais dos réditos públicos. Não ignoramos as pesadas tarefas que incumbem ao Estado na hora presente, mas estamos certos de que o Governo, ao anunciar no artigo 28.º da lei de autorização das receitas e despesas para 1965 .o prosseguimento, do harmonia com as disponibilidades do Tesouro, da política de revisão das condições económico-sociais dos servidores do Estado, não deixará de prever a possível revisão e melhoria das suas remunerações. E uma medida que se impõe, por razões de justiça e do mais alto interesse nacional.
E desejo, finalmente, formular o voto de que se abreviem os trabalhos preparatórios da publicação do estatuto do funcionário, não só como meio de se uniformizarem deveres e regalias, mas também do se tornar mais atraente e aliciante o acesso à função pública.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Serras Pereira: - Sr. Presidente: No discurso "Conceitos Económicos da Nova Constituição", do Sr. Presidente do Conselho, estão definidos os princípios de economia política da Nação Portuguesa.
Trago aqui alguns excertos desse discurso que me parecem oportunos de repetir e que são perfeitamente actuais.
A vida humana tem exigências múltiplas e é de desejar que cada vez tenha mais ... À colectividade interessa, para a defesa da civilização, a produção de coisas verdadeiramente úteis e belas e a generalização do seu gozo a todos os homens, devendo ser igualmente repudiados o desinteresse pela conservação e beleza da vida e o exclusivo das materialidades humanas. O critério puramente utilitário amesquinharia a vida social e não seria digno do homem.
Nesta passagem, o sentido superior da dignificação do homem e da sua exaltação, na mesma linha de pensamento desse espírito tão discutido e redentoramente reno-
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vador que é Teilhard de Chardin. Depois, distinguindo dois campos de actividade humana, afirma:
A vida política não se confunde com a vida económica, é distinta da organização política, mesmo no campo económico, mas nada disto quer dizer que o Estado não deva ter um pensamento económico, não dirija superiormente a economia do País, não procure no aumento da riqueza a sua força e prosperidade e na justiça a base da ordem e da paz entre cidadãos.
Alerta a seguir dos perigos da macrocefalia do Estado, motor de toda a vida económica:
Não há nesta socialização crescente nem interesse económico - maior produção de riqueza e melhores condições de custo; nem interesse social - mais justa distribuição de rendimentos, melhor atmosfera para a valorização dos indivíduos: nem interesse político - maior independência do Estado, mais asseguradas liberdades públicas, mais eficaz defesa dos interesses colectivos.
E por isso:
O Estado deve manter-se superior ao mundo da produção, igualmente longe da absorção monopolista e da intervenção pela concorrência. Quando pelos seus órgãos a sua acção tem decisiva influência económica, o Estado ameaça corromper-se. O Estado não deve ser o senhor da riqueza nacional nem colocar-se em condições de ser corrompido por ela. Para ser árbitro superior entre todos os interesses é preciso não estar manietado por alguns.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - É à luz destes princípios que vou tentar colocar a minha intervenção, tratando de um assunto que me é caro, não por ser especialista na matéria, mas por saber que é no Ministério das Finanças que se encontram os meios que são, em si, "o nervo da guerra" e o suplemento financeiro para o desenvolvimento económico nacional.
Desta tribuna saúdo o ilustre titular da pasta das Finanças, como homem forte e vigilante, que tem sabido salvaguardar um património e enriquecê-lo.
Diz o Prof. André Marchal que o famoso tratado de Metween de 1703 é responsável pelo desenvolvimento industrial português e que o País não acabou ainda de pagar o custo dessa política. Na verdade, quem conheça a história económica de Portugal não negará por certo a afirmação do ilustre mestre francês, como sabe ainda que o princípio de autonomia económica e financeira nacional nos últimos dois séculos só começou a processar-se a partir de 1928. A política de sentido autónomo não pode esmorecer, soprem os ventos que soprarem ou se acredite ou não na unificação dos grandes esforços.
A autonomia é a única via da continuidade histórica, que é imperativo transmitir e é mesmo a única forma de sobreviver competitivamente na política económica que se desenha, não só europeia, mas também mundial.
Independentemente dos objectivos propostos pela política económica com os planos de fomento - melhoria de nível de vida acréscimo de produto nacional, unificação económica do espaço português -, que em si mesmos têm força justificativa suficiente, "resta saber se o que há - de transcendente e de eternamente verdadeiro e belo no nosso património lusitano, latino e cristão, nós o deixaremos perder, sem consciência da sua superioridade, perante a ameaça da nova época bárbara", como tão brilhantemente acentua o Sr. Presidente do Conselho, no aludido discurso.
Caracterizam a proposta da Lei de Meios para 1965 ;is medidas que se preconizam no sentido de garantir o esforço da defesa nacional e o acréscimo do produto nacional. Q equilíbrio orçamental, a política de crédito u dos investimentos, a estabilidade financeira interna e a solvabilidade externa da moeda são os alicerces financeiros, por assim dizer, da nossa política económica.
A proposta está elaborada sob a influência do Plano Intercalar de Fomento, que tem como objectivo fundamental a aceleração do ritmo do acréscimo do produto nacional e a sua melhor repartição, subordinada às seguintes condições: coordenação com o esforço de defesa, manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade externa do escudo, equilíbrio do mercado do trabalho.
Pretende-se assim, como é óbvio, atingir taxas de crescimento com as quais se recupere o atraso verificado nos dois últimos anos e prosseguir com o III Plano de Fomento a ritmo ainda mais acelerado. De facto, convirá expandir e consolidar o produto nacional, o que requer um período de esforço, corrigindo algumas perturbações, principalmente através de actividades motoras; depois, em segunda fase, no III Plano, adoptar políticas de fomento a médio e longo prazo, destinadas a "conduzir o País a nível económico das nações industrializadas da Europa", conforme diz o projecto de Plano Intercalar de Fomento.
Vejamos agora, sumariamente, as projecções do Plano tanto global como sectorialmente.
E de 6,1 por cento a taxa média de crescimento do produto interno bruto que se prevê venha a alcançar-se no triénio do Plano, ou seja, passar-se de 76,5 milhões de contos, em 1962, para 100 milhões de contos em 1967. Partindo-se do princípio de que se mantém a taxa de 0,7 por cento de aumento da população, a capitação será a seguinte: de 11,5 milhares de escudos em 1967, de 16 milhares de escudos em 1973. Este aumento do produto equivale a elevação da capitação do produto à razão de 5,4 por cento no triénio do Plano e de 5,8 por cento no plano seguinte.
Espera-se, por outro lado, no que se refere a consumo privado, um acréscimo, que se situa em 73 por cento da despesa nacional no fim do Plano, e, por outro, que a formação bruta do capital fixo atinja 29,2 por cento no triénio. Sectorialmente: 9,5 por cento nas indústrias transformadoras; 1.5 por cento na agricultura, silvicultura e pecuária; 12 por cento no turismo: 11,5 por cento em energia, etc.
Dado que se verificou, no ano passado, um decréscimo sensível na taxa do produto nacional bruto a preços de mercado, que não deve ter excedido 3,7 por cento, "a evolução recente da economia portuguesa exige, na elaboração dos programas anuais de desenvolvimento, se adoptem as medidas convenientes, por forma a evitar, na medida do possível, os desequilíbrios que aquela evolução permite prever", como tão judiciosamente se lê na proposta.
Entre as condições em que se irá processar o acréscimo do produto nacional, merece ser destacada a que impõe manter-se a estabilidade financeira interna e a solvabilidade externa do escudo, isto é: a compatibilidade global entre o que se produz e se consome, a harmonia entre a oferta e a procura de bens e serviços, as medidas atinentes a impedir ou deter o aparecimento ou progressão de pressões inflacionistas, a disciplina nas importações e ainda o equilíbrio a manter entre as receitas vindas do exterior e o seu pagamento. Convirá, portanto.
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assegurar o equilíbrio da balança de pagamentos, garantindo sempre as disponibilidades cambiais de modo a cumprir com as amortizações de capitais mutuados, aplicados em investimentos, o seu repatriamento e o pagamento dos respectivos encargos. Uma orientação nos investimentos parece ser de aceitar no sentido de que deverão ser dirigidos para empreendimentos de imediata rentabilidade, em vista quer à exportação, quer à substituição de bens e serviços importados do estrangeiro.
A estabilidade financeira suscita, porém, um grande número de problemas, exige o funcionamento de inúmeros mecanismos, uma atenta vigilância às pressões inflacionistas, a regulamentação do sistema bancário e do mercado de capitais que favoreçam a expansão.
Se em qualquer política económica a estabilidade merece os mais atentos cuidados, num país como o nosso, em vias de desenvolvimento, e em que se impõe o problema de consciência nacional de defesa da integridade de todo o território, assume lugar de altíssima relevância.
E certo que ela tem sido mantida por forte e hábil pulso e é de esperar que a mesma política seja confirmada. Na verdade, as fundões assumidas pelo Ministério das Finanças, nomeadamente quando do início do terrorismo, revelaram a dimensão real do que valeu a prossecução de uma política e demonstraram eficientemente a solidez do Estado.
E de flagrante oportunidade e tem entre nós perfeito cabimento a posição do actual ministro das Finanças e dos Negócios Estrangeiros do Governo Francês, Valery d'Estaing, ao defender a estabilidade, e em termos tais que não resisto a sintetizar as grandes linhas do seu pensamento. A estabilidade é a garantia da expansão, é a condição do movimento. Paradoxalmente, estabilidade é progresso e é o fundamento da elevação do nível de vida, da possibilidade de dar mais trabalho e mais bem remunerado, da justiça na repartição dos encargos fiscais. Nela encontra a França o caminho para a abertura das suas fronteiras, pela disciplina dos mercados monetário e financeiro, pelo equilíbrio das finanças públicas e pela actuação do sector público no investimento e no crescimento económico. A estabilidade é, em última análise, a chance da França.
Todavia, poderemos acrescentar que o Governo prevê acompanhar cuidadosamente a execução do Plano Intercalar, atendendo ao "elevado nível de formação bruta do capital fixo exigido pela aceleração do crescimento económico nacional, atentos os problemas inerentes ao funcionamento do sistema bancário e do mercado financeiro e à necessidade imperiosa da manutenção da integridade territorial da Nação", acentuando "a necessidade de incentivar a propensão ao investimento e, ainda, adopta: mecanismos de mobilização da poupança e da sua canalização para os investimentos previstos no Plano", como reza o elucidativo relatório da proposta da Lei de Meios.
Interessa agora pôr em relevo o comportamento do sistema de crédito, a balança de pagamentos e as medidas de política financeira anunciadas .em vista ao fomento e à orientação da poupança para empreendimentos já concretizados e para a totalidade dos investimentos programados.
Como é do conhecimento geral, os acontecimentos em Angola, em 1961, vieram alterar profundamente à expansão dos meios imediatos ou quase imediatos de pagamento, que até aí se vinham processando com regularidade.
A alteração sofrida nos dois últimos anos 1962-1963, com o aumento dos meios de pagamento, deve imputar-se fundamentalmente ao aumento do crédito bancário e às reservas de ouro e divisas. A actuação tanto do banco emissor como da Caixa Geral de Depósitos pôde. neutralizar a pressão que se exerceu no último triénio, sobre a banca comercial, satisfazendo, assim, a elevada procura de crédito. Devido a esta circunstância anómala, de que resultaram os levantamentos dos depósitos a prazo, começou a verificar-se uma subida de taxa de juros daqueles depósitos. Este condicionalismo originou a expansão avultada do crédito por transferência de operações específicas do mercado financeiro para o mercado monetário.
Além disso, a poupança passou a dirigir-se mais para aquelas modalidades de aplicação em que esteja salvaguardada a liquidez ou quase-liquidez e a desvalorização, em que a remuneração dos fundos atingia taxas superiores à dos mercados de capitais, fugindo de empresas agrícolas e industriais e investindo de preferência em bens imobiliários, prédios e terrenos a urbanizar, em empréstimos hipotecários e em certo tipo de depósitos bancários a curto prazo, com altas taxas de remuneração.
Por sua vez, o mercado financeiro, já pelas funções hoje atribuídas ao mercado monetário, já pela fraca expansão de emissão de títulos, tem tido comportamento de fraca expansão. De facto, a emissão de títulos de dívida interna foi praticamente tomada pelas instituições de previdência, companhias de seguros e institutos de crédito; o movimento da Bolsa revela disparidade pelo aumento das acções metropolitanas e quebra das ultramarinas; o acréscimo verificado na emissão de títulos de dívida privada das sociedades metropolitanas resulta de empréstimos externos, com sensível diferença de taxas entre os empréstimos internos e externos, que para mais são expressos em unidade de conta.
No relatório do Banco de Portugal relativo à gestão do ano económico findo diz-se:
O mercado financeiro não mostrou indícios de recuperação da quebra sofrida nos anos 1961-1962 continuando a fazer-se sentir os efeitos de certas insuficiências orgânicas e funcionais desse mercado, designadamente sob a forma de pressões adicionais no mercado monetário.
E conclui-se:
... a não alteração da situação económica, no sentido de criar condições favoráveis à melhoria dos processos de formação e mobilização da poupança, as apontadas insuficiências tenderão a radicar-se mais ainda, com reflexos na formação do capital fixo e, paralelamente, no mercado monetário.
Em todo o caso, o relatório da proposta revela que no 1.º semestre deste ano se verificou um ritmo mais moderado na expansão dos meios imediatos ou quase imediatos de pagamento, em virtude principalmente da variação das reservas de ouro e divisas, que exerceram acentuado efeito expansionista.
Por outro lado, o montante global de crédito nos primeiros seis meses do ano em curso comportou-se a ritmo mais moderado que em igual período do ano transacto. Parece verificar-se, contudo, uma evolução mais acentuada dos depósitos a prazo.
As disponibilidades líquidas em ouro e divisas do Banco de Portugal experimentaram sensível acréscimo, atingindo no 1.º semestre deste ano o montante de 24 milhões de contos.
Tanto a Caixa Geral de Depósitos como o Banco de Fomento Nacional desempenharam acção de relevo. A Caixa, no acréscimo do montante dos depósitos, na expansão do crédito, no comportamento dos mercados monetário e financeiro, no financiamento do desenvolvimento económico, na tomada de títulos e em empréstimos, com me-
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lhoria de liquidez; o Banco de Fomento Nacional, principalmente, na tomada de títulos (acções e obrigações) e na concesão de empréstimos directos.
Quanto a liquidez e solvabilidade da banca comercial, o coeficiente de liquidez excedia o mínimo legal e o grau de solvabilidade manteve no 1.º semestre deste ano nível idêntico a igual período do ano passado. Em todo o caso, como refere o relatório da proposta, "considerando ainda o prazo relativamente curto a que são constituídos actualmente os depósitos a prazo não incluídos nas responsabilidades à vista, o excesso do valor líquido das coberturas não deve deixar de ser interpretado sem alguma reserva".
Parece, assim, ir-se lentamente recuperando a situação do normalidade da actividade do crédito anterior aos acontecimentos de 1961, com a existência de um mercado de capitais, sem o qual não é possível, em economia de mercado, haver investimento.
A actividade financeira do Estado caracterizou-se pelo recurso a medidas extraordinárias de interesse fiscal e utilização mais ampla do crédito interno e externo. O Sr. Ministro das Finanças, na notabilíssima conferência proferida em Madrid, em Maio último, além de definir a política financeira do Estado, explica as medidas que foram adoptadas para fazer face à dupla circunstância de acudir à defesa e de manter o ritmo do desenvolvimento económico.
E assim, a política financeira foi considerada para a realização dos seguintes objectivos:
1.º Financiamento inadiável das avultadas despesas do sector público, designadamente com a defesa e segurança dos territórios ultramarinos;
2.º Inversão da tendência ou, pelo menos, não agravamento da posição da balança de pagamentos;
3.º Regresso á maior liquidez do sistema bancário;
4.º Normalização do mercado financeiro.
Com efeito, a realização daqueles objectivos foi possível mediante:
a) Revisão do plano orçamental;
b) Política de crédito.
E, assim, as despesas da defesa têm sido cobertas até agora com o excesso das receitas ordinárias q o mercado de capitais actuou devido à acção supletiva do Banco de Portugal Caixa Geral de Depósitos e Banco de Fomento Nacional.
Mas na mesma notável conferência se ensina que para garantir sólido apoio ao "nervo da guerra" convirá acelerar o desenvolvimento económico, sempre dentro dos princípios que nos regem, pelo recurso ao crédito externo em aplicações directas de fomento e pela aplicação de novas medidas fiscais.
Acresce, ainda, que o próprio aumento de procura interna - sublinha o eminente homem público - para fins de defesa, com importante reflexo nas actividades que directa ou indirectamente trabalham para a guerra, constitui apreciável impulso ao desenvolvimento, incentivando de modo particular as indústrias que através das suas interdependências originam a criação de novos tipos de produção fabril e a expansão de muitos já existentes. Como se torna claro, o esforço da defesa também é reprodutivo, mas o condicionalismo psicológico que &e criou o a soma total despendida com a guerra não são só por si elementos favoráveis a um crescimento económico normal e equilibrado. O reconhecimento internacional, porém, da nossa verdade, num espaço de tempo relativamente curto, corrigiria as perturbações existentes no mercado de capitais, favoreceria a dinâmica de. crescimento mais acelerado,
o clima psicológico em que se vive seria naturalmente substituído por um clima Ac paz e confiança, estabilizar-se-iam as instituicões e seria o grande fundamento de esperança.
Embora a situação da balança de pagamentos seja tão forte, conforme se vê no relatório da O. C. D. E. relativo a l968 não só pelo substancial aumento das exportações, mas também pelas receitas, turísticas e pela remessa do fundo dos emigrantes. "Portugal tem largamente II possibilidade de seguir uma política dirigida a intensificar a produção industrial e os investimentos".
A agricultura, porém, terá de sair da difícil situação em que se encontra. Na realidade, a taxa de expansão do sector primário prevista nas projecções do Plano Intercalar parece ser insuficiente, levando naturalmente à importação de bens de consumo, com reflexo imediato no comportamento da balança de pagamentos. O delicado problema da revalorização dos preços agrícolas poderá provocar pressões inflacionistas, mas a sua manutenção deteriorará fatalmente o sector primário. Sabendo-se, aliás, que a poupança não se dirige hoje para empresas agrícolas e que o sector necessita de avultados investimentos, resultantes não s>ó de certo atraso, mas também de outros factores, como a subida de salário, a escassez de mão-de-obra e a modernizacão em métodos e equipamentos, mais delicado se torna ainda o problema.
Respeitando, todavia, o relatório da proposta, pode dizer-se que a balança de pagamentos regista flutuações, tendo sofrido deficit acentuado em 1961. mas recuperado elevados valores positivos em 3962 e 1963, em que desempenhou papel preponderante o comportamento da balança das operações de capital.
Neste sector, há a salientar, por um lado a melhoria das operações correntes da metrópole com o estrangeiro, a contracção do déficit da balança de mercadorias e o superavit na balança de invisíveis correntes da metrópole pelos efeitos favoráveis do turismo e das transferências privadas. Por outro lado. importa referir a melhoria da balança de mercadorias da metrópole com o estrangeiro, quer quanto ao aumento verificado no preço da tonelada, quer quanto à diversificação das exportações, com sensível diminuição das exportações- tradicionais. Em relação ao ultramar, tem significado a contracção sofrida na balança comercial em virtude das avultadas importações relativas ao desenvolvimento económico.
É evidente que o comportamento da balança geral de pagamentos da. zona do escudo, relativo aos dois últimos anos contribuiu decisivamente para o comportamento das operações de capital.
Esta evolução permite antever, portanto - como acentua o relatório da proposta -,que continuará a elevar-se nos próximos anos com os débitos das rubricas "Rendimento de capitais" e "Operações de capital a longo prazo - Sector privado".
Convirá, por conseguinte, que as importações sob a forma de empréstimos continuem a ser orientadas para os sectores mais adequados com vista li defesa da balança de pagamentos, de modo a obterem-se as receitas em divisas que compensem os encargos respeitantes a juros e amortizações.
O comportamento favorável da balança de pagamentos, durante o ano em curso, pelos elementos de informação já conhecidos, não devo sofrer alteração em relação ao uno anterior.
A favorável situação da "lívida externa permite ainda u recurso a empréstimos externos, como coadjuvantes do incremento do ritmo do crescimento económico. Realmente, a importação de capitais consente não só efeitos
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benéficos a custo prazo sobre a balança comercial e a longo prazo sobre a balança de pagamentos, mas também no acelerar do desenvolvimento económico, encaminhando-se, é certo, esses capitais para empreendimentos de imediata rentabilidade, rentabilidade essa que deverá ser superior à taxa do juro dos empréstimos. Também a actividade turística desempenha, desde já, no processo de equilíbrio da balança comercial, um papel considerável, e À maneira de outros países, altamente beneficiários daquela actividade, poderá o País, a longo prazo, encontrar situação semelhante.
O douto parecer da Câmara Corporativa, depois da análise considerada aos efeitos da rubrica "Turismo" na balança geral de pagamentos internacionais da metrópole, e na balança, de invisíveis correntes da zona do esoudo Concluir com toda a oportunidade, escrevendo:
Na actual conjuntura económico-financeira do País e perante a evolução apontada, julga a Câmara que as. actividades turísticas merecem particular e urgente atenção, justificando-se que só adopte a curto prazo um complexo de providências coadunadas com a natureza e necessidades efectivas de desenvolvimento do sector...
Prevê a Lei de Meios que uma das suas bases contenha a faculdade que o Governo terá de promover as medidas julgadas necessárias ao eficaz funcionamento do sistema bancário e do mercado de capitais. E assim, no relatório da proposta, se dá com algum desenvolvimento a justificação dessas medidas. No entanto, no relatório das contas públicas de 1963 lê-se que se "prevê para breve a execução de um programa de acção monetária e financeira que abranja, nomeadamente, as condições de concessão de crédito a curto, a médio e a longo prazo, a revisão e regulamentação dos serviços e operações das bolsas dos valores, a revisão das disposições que regulam a aplicação de capitais estrangeiros, a definição do regime das operações de crédito à exportação, a regulamentação do exercício das funções de crédito por parte das instituições parabancárias e ainda, no domínio da política conjuntural, a centralização dos riscos bancários e a promoção do uma política de concessão de créditos bancários mais adequados às necessidades do desenvolvimento". Estas medidas não estão, é evidente, em oposição ao espírito do Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957, expresso inicialmente no relatório do projecto da proposta de lei, quando diz: "Tornando mais flexível o sistema sem prejuízo da estabilidade, permitindo regular o funcionamento do aparelho de crédito, sem afectar a liberdade da iniciativa, e aumentando o grau de transparência do mercado, sem sacrificar a autonomia de gestão"; antes pelo contrário, elas parecem ser dirigidas "no sentido de estruturar o sector financeiro de acordo com os superiores interesses da economia nacional".
Mas não é tudo. Com efeito, escreve-se no relatório da proposta que "este assunto vem sendo estudado com todo o interesse desde há muito tempo, aliás com a compreensão e activa colaboração das actividades interessadas, tendo-se já pronunciado o Conselho Nacional de Crédito". Salienta-se ainda que na concepção de desenvolvimento económico de que. se partiu para a execução do Plano Intercalar de Fomento se reconheceu caber à iniciativa privada "o papel fulcral da promoção do desenvolvimento económico nacional".
Em todo o caso, dado o condicionalismo que o País atravessa, ponderadas as conjunturas de defesa e das actuais condições do desenvolvimento económico, "hão-de tornar-se necessárias providências relacionadas com circunstâncias de carácter marcadamente transitório".
O distinto relator da Câmara Corporativa, depois de considerar os princípios basilares do novo Plano de Fomento e o elevado nível de formação do capital fixo e os imperativos com a defesa o integridade nacionais, preconiza:
Se a evolução recente dos mercados monetário o financeiro já aconselharia artivisão de certos aspectos da sua actividade, as perspectivas abertas pelo processo de desenvolvimento que se deseja acelerar e os requisitos próprios deste objectivo conferem maior importância à necessidade de definição de uma política !que não só possa ir ajustando-se às circunstâncias variáveis da conjuntura, mas também promova a melhoria progressiva das estruturas e dos seus modos operacionais, tudo com vista a que os mercados do dinheiro possam dar ainda maior contribuição ao crescimento económico-social dos diversos territórios integrantes do espaço português.
As medidas atinentes aos objectivos preconizados, previstos na proposta e no projecto de Plano, quanto a mercado financeiro, são as seguinte: limitação da taxa de juro nos depósitos a prazo; atenuação do recurso do Estado ao mercado monetário; fixação de um limite de algumas taxas de juro relativas ao mercado de capitais, distinguindo as operações de médio prazo das de longo prazo e procedendo à regulamentação destas operações.
Quanto a incentivos fiscais na contribuição industrial e imposto complementar que incida sobre rendimentos sujeitos a contribuição industrial; no imposto de capitais; na sisa e no imposto do selo. além de outros, relativos à indústria hoteleira e a ramos da actividade agrícola e pecuária.
E, dentro deste ângulo de visão e do realismo que pretendi emprestar a esta intervenção tão modesta, perante a grandeza e complexidade deste problema, pergunto se não terão ainda lugar as palavras que foram proferidas, há 30 anos, sobre os conceitos económicos da nova Constituição: "agora, como em todos os momentos críticos, é preciso escolher, saber escolher, e saber sacrificar - o acidental ao essencial, a matéria ao espírito, a grandeza do equilíbrio, a riqueza à equidade, o desperdício à economia, a luta à cooperação", e, respondendo afirmativamente, dou a minha aprovação na generalidade à proposta da Lei de Meios para 1965.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Começo por perguntar a mim mesmo se depois de ter usado da palavra sobre a proposta de lei relativa ao Plano intercalar de Fomento para o triénio de 1965-1967 deveria voltar a esta tribuna com o fim, de me ocupar da Lei de Meios agora em discussão. Mas este documento prende-se tanto com o primeiro que bastaria essa circunstância para me trazer de novo aqui.
Nunca foi tarefa fácil para um governo estudar de forma a prever com o necessário rigor, prever de modo a dar satisfação ao interesse nacional e satisfazer o interesse nacional sem prejuízo da estabilidade financeira. Mas estudar, prever, distribuir os recursos disponíveis, com vista a um justo equilíbrio entre as despesas repartidas pelos diferentes sectores em que a Nação trabalha e vive quando esse equilíbrio está à mercê do forças estranhas às nossas
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próprias forças, já não é tarefa unicamente difícil - é trabalho para homens de muita ciência, de muita honestidade e de muito animo.
Poderemos então interrogar confiadamente o passado sobre as provas dadas por este Governo que nos pede autorização para tomar medidas financeiras excepcionais no caso de surgirem perigos, de momento imprevisíveis, para a integridade da Nação. Se tal viesse a acontecer, teríamos de reagir de pronto e com o indispensável êxito. Aliás, estamos a demonstrar que somos capazes de contra-atacar assim.
Porque nenhumas dúvidas existem sobre a idoneidade do Governo para receber os amplos poderes que solicita. Nem sequer é a primeira vez que os pede nem a primeira vez que os recebe. Também, de todas as vezes que esses poderes lhe foram concedidos, sempre os entendeu e reservou com perfeita fidelidade e inalterável exemplo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, esta Assembleia só poderá encher-se de legítimo orgulho e de fundado regozijo por lhe ser dado tratar em pé de absoluta confiança com um Governo que soube ter e sabe manter a mais acertada visão dos acontecimentos que nos ferem e ferem o Mundo.
Quando deveriam conservar-se nas posições que interessam, pelo menos, à sua própria sobrevivência, outros, por sinal mais fortes do que nós, desertaram, julgando que poderiam ficar presentes. E depois de verem que assim é, não param de trocar certezas por ilusões. Custa-lhes isso um ror de perdas no trajecto para a perda final.
O desespero e a morte de inocentes sobe já a tal ponto que é caso para se perguntar à humanidade se a humanidade quer ainda existir.
A degradação constante e progressiva das normas de convivência entre as nações, consagradas ao longo dos anos, atinge todo o direito internacional.
Não há razão nem lei contra a brutalidade de uma maioria baseada em ficções.
Entretanto, os responsáveis pela continuidade histórica dos grandes países ocidentais preferem conduzir os seus povos por caminhos de diminuição irremediável, a coberto do que já se chamou "o equilíbrio do terror" entre as forças que se medem e disputam incessantemente a primazia no limiar da destruição recíproca.
Aquilo que os povos apelidavam de prudência aconselhável tem agora de ser tomado à conta de medo invencível.
E tudo o que dantes poderia significar puro alheamento está a traduzir-se em grave cumplicidade.
Mais difícil é assim a nossa posição.
Mas nunca ouvi dizer que se tivesse ganho por baixo preço a vitória de caminhar certo quando os outros caminham terrivelmente errados.
Todavia, como é sublime este esforço, tão sublime que por mais dispostos a perdoar rumores de censuras erguidos a nossa passagem, logo os tomamos como incitamentos à nossa vontade, em vez de peias à nossa marcha. E quando acontece, por negregada excepção, levantar-se do pó que deixamos na estrada alguma sombra nascida do despeito e nutrida de azedumes, quando não interessada na difusão de profecias inclinadas a desencorajar a raça e a toldar o seu destino, no pó a deixamos para que nele a consuma o tempo e a vergonha.
Tendo de enfrentar tudo isto, empenhados como estamos e teremos de estar em obter receitas que cubram as despesas com a defesa, parece que deveríamos adoptar uma política de invariável agravamento da carga fiscal.
Mas não. Também, e com vista ao desenvolvimento económico, se estruturam e adoptam medidas de alívio da tributação, designadamente quanto aos incentivos destinados a estimular os investimentos na indústria e na agro-pecuária, quando esses incentivos se consubstanciem, por exemplo, como poderão consubstanciar-se, na isenção de contribuições e impostos ou na redução das respectivas taxas ou em deduções na matéria colectável.
Atente-se no propósito de apoiar o Plano Intercalar de Fomento através da ligação entre o esforço financeiro e o esforço económico.
Para além dos encargos com a defesa nacional e com os investimentos públicos na parte prioritária do Plano, o Governo terá a faculdade de inserir no orçamento, dentro das disponibilidades do Tesouro, despesas com os investimentos previstos na parte não prioritária, com uma referência especificada ao "fomento do bem-estar rural".
E na verdade, digna de louvar a preocupação do Governo de aproveitar as disponibilidade? do Tesouro para acudir às mais instantes necessidades entre todas aquelas que não puderam ser consideradas como prioritárias no Plano Intercalar, e muito nos apraz ver que essa mesma preocupação não se limita à agricultura, mas envolve ainda, nos seus aspectos mais relevantes, o ensino o investigação e a saúde e assistência.
Reparemos agora noutras medidas propostas para que não seja frustrada a política de investimentos apontada no Plano Intercalar.
O Governo ficará habilitado a seguir a execução do Plano, designadamente para salvaguarda das condições fundamentais a que o mesmo obedece, adoptando para tanto, e no que se refere à estabilidade financeira - norma irre-movível da administração das finanças do País - e à solvabilidade exterior da moeda nacional, "as medidas indispensáveis nos domínios orçamentais e de crédito".
E que, independentemente do zelo e da constância dos responsáveis, o Plano pode, na sua execução, sofrer desvios que terão de ser, tanto quanto possível, evitados. Haverá que fiscalizar a tempo, principalmente haverá que fiscalizar com rapidez e eficácia.
Um plano de tal natureza e de tal envergadura carece de uma força que lhe vigie a execução, até mesmo porque no evoluir dos acontecimentos podem surgir contrariedades susceptíveis de serem dominadas. São os afastamentos bruscos da linha de evolução desejada, os meios inerentes, as cautelas aconselháveis e o reforço técnico de determinados processos , de verificação e correcção salientes no relatório que nos foi enviado com a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965.
Nem este reforço da capacidade de previsão e fiscalização poderia deixar de constituir uma das maiores entre as grandes preocupações que rodeiam a execução do Plano, uma vez que essa mesma execução tem de ser coordenada com o esforço da defesa, estabilidade da moeda e equilíbrio do mercado do trabalho.
Uma outra grande e forte linha de propósito expressa na Lei de Meios para 1965 é a que respeita à política de crédito.
Ainda bem que o Governo sujeitou à apreciação da Assembleia Nacional este problema de capital projecção para o desenvolvimento económico.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - E ainda bem que as actividades interessadas - como se lê no relatório - já afirmaram a sua compreensão e activa colaboração.
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Afirma-se que a matéria vem sentiu estudada há muito, mas a verdade é que chegou o momento de prosseguir na acção.
Limitar e ajustar determinadas taxas de juro, implicando a distinção entre operações de médio e longo prazo e a regulamentação destas operações, e fixar um limita às disponibilidades dos bancos em moedas estrangeiras, constituirão as primeiras medidas. Mas isto deverá ser o recomeço da inadispensável reforma a levar a cabo em tão importante sector da vida nacional.
O Sr. Serras Pereira: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Sempre procurei exercer o direito de crítica com seriedade e utilidade e tenho, por vezes, formulado os meus reparos com acentuado vigor. No entanto, nunca deixei de considerar a repercussão que poderiam ter fora desta Assembleia e fora do próprio Governo as minhas atitudes nos desempenho de um mandato que tem os seis naturais imperativos e as suas especiais contingências.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito menos deixei alguma vez de tomar na devida conta o reflexo dessas mesmas atitudes, na sua possível relação com o interesse nacional, que não muda no fundo e na essência, mas a cada momento é ou pode ser influenciado neste ou naquele pormenor pelos condicionalismos da vida interna e externa.
Isto é: se o interesse regional carecer, em dada altura, de ser defendido neste lugar, as razões convenientes não deixarão de ser alegadas, mas sem desviar a ideia do que mais importa à Nação.
Outro problema é o dos supostos interesses locais ou o de haver, porventura, quem se arrogue o direito de imaginar ou avolumar motivos de reclamação, ou ainda de preferir não acreditar no peso dos argumentos oferecidos com avisada serenidade para só atribuir valor aos requerimentos apresentados com vivo. arreganho.
Em tudo isto parece existir ainda, e quanto a alguns, uma certa confusão gerada pela ânsia de provar independência perante a opinião pública ou pelo gosto de a alimentar para a cativar, quando a verdadeira independência em face do público está na renúncia ao triunfo pessoal e na ambição do êxito justo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Reflecti muito, Sr. Presidente, sobre as disposições constantes da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965 e sobre os fundamentos expostos no relatório que a precede. Apreciei os exemplos de bom senso, as provas de sacrifício, a devoção e a autoridade de quem se dedicou a tão isento e árduo trabalho. E cheguei à conclusão de que o melhor seria terminar como terminei, com algumas considerações tendentes a exprimir uma firme solidariedade que entende e abraça o presente, mas se propõe alcançar e compreender o futuro, na certeza de que o nosso esforço o que mais requer são os aplausos de amanhã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Ao subir pela primeira vez a esta tribuna, depois da reabertura outonal da Assembleia, é me grato associar-me às saudações jubilosas daqui dirigidas a V. Ex.ª por vários oradores a propósito do seu restabelecimento feliz e que, aliás, correspondem aos sentimentos de todos nós, os componentes desta Câmara.
Sr. Presidente: Curtas palavras serão as do meu arrazoado, subordinando-o a artigos, como convém à matéria e à estreiteza do tempo que nos vemos concedido para apreciação da proposta da Lei de Meios.
Primeiro: generalidades atinentes em conjunto a esta lei e ao votado Plano Intercalar, que passa a ser complemento dela e das futuras duas leis suas subsequentes.
Começo por lembrar o que disso desta tribuna na sessão d u 3 de Novembro de 1958, exprimindo o meu assombro de quase inocente ante as possibilidades delineadas na proposta do II Plano de Fomento, vincando quanto, por certo, para a sua viabilidade havia contribuído o benefício da continuidade política, que ao tempo andava pela ordem de três décadas. Já se vê, a simples continuidade só por si oferece-se como mera condição passiva, aparentemente; mas que, mesmo se não institucionalizada, quando, de facto, empolgada pela clarividente e dinâmica vontade de um verdadeiro homem de Estudo, pode ser aproveitada para realizações beneméritas, que antes só poderiam olhar-se como quimeras. E estas realizações, por seu turno, passam a servir ainda para consolidar essa continuidade, indispensável fulcro do seu processamento. Nessa ocasião não me atriguei - e hoje de igual me não retraio em considerar, não obstante o alto nível do que se tinha alcançado, quão contingentes essas programações se poderiam vir a tornar sempre, quando fulcradas apenas em prestígio pessoal, embora egrégio. Aludi então, ainda, aos riscos de contingências objectivas que no agitado mundo a que assistimos podiam vir a afectar gravemente aquele planeamento.
Quis a Providência no decurso destes seis anos mostrar-se-nos benigna: verificaram-se neste período da execução do II Plano a invasão de Goa e o ataque dos terroristas a Angola: precisamente graves ocorrências do estilo das por nós previstas. Foi-nos concedida em boa maré a felicidade de não ter sido alterada a mesma continuidade governativa e de ver ainda no comando da governação do Estado o Doutor Oliveira Salazar!
Ora, o II Plano de Fomento, não obstante tais contrariedades, pode-se ter por tempestivamente realizado no essencial dos seus investimentos. Disto assaz nos esclareceram as exposições ministerial 2 corporativa quanto ao Plano Intercalar e a discussão do mesmo na Assembleia, através de numerosas intervenções, de que, para o efeito, destaco a do Sr. Deputado Ulisses Cortês.
O mesmo nos confirma com dados reconfortantes o relatório do Sr. Ministro das Finanças que precede a proposta de lei sobre a Mesa.
E, não obstante ainda não estarem à vista perspectivas de se atenuarem os dispêndios militares exigidos pela defesa do nosso ultramar, vê-se estruturado para entrar em execução novo plano, para o qual se prevêem investimentos só para três anos de volume financeiro da mesma ordem que no anterior se tinha programado para seis. Sr. Presidente: Ao formular estas considerações, não me afasto da ordem do dia, embora formalmente possa parecê-lo. É que elas são retrospectivamente pertinentes para toda a política económico-financeira do Estado, a contar das reformas iniciais promovidas pelo Sr. Presidente do Conselho, desde que o movimento militar do 28 de Maio tornou possível o seu ingresso na governamentação pública. Boa política que frutifica em boas finanças e ambas em boa economia. Vem, por isso, muito a propósito formulá-las também a respeito da Lei de Meios. Assim, ressalta a benemerência da continuidade de uma
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obra política personificada em um estadista com ampla liberdade de acção e que sabe dela tomar a correspondente responsabilidade. Já se vê que a experiência de tão flagrante realidade se converte, ipso facto, em desmentido de tantos mitos que o nosso tempo pretende, inclusive à força, impor como dogmas.
Daí, sobretudo, o escândalo do caso português! Mas que lhe havemos nós de fazer?
Segundo: concordo inteiramente com os oradores que me precederam quanto às suas considerações apologéticas da política de austeridade burocrática, este ano a legislar através do artigo 5.º da proposta. Já por vezes tenho tido ocasião nesta Casa de referir-me - lembro a discussão do projecto de lei do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça sobre remunerações excessivas - à contravirtude da prodigalidade sumptuária, tão do pendor da gente portuguesa. E escalracho renascente que na medida do possível convém ver anualmente ir sachando na seara fiscal. Ao Sr. Deputado Moura Ramos, que foi um dos oradores que versaram este assunto, aproveito também o ensejo para dar o meu apoio à forma por que voltou a pôr em foco o problema da prometida assistência médica ao funcionalismo público. Já este assunto foi objecto de uma intervenção minha nesta Casa, em sessão de 25 de Abril de 1963. Logo a seguir foi publicado o Decreto n.º 45 002, de 27 de Abril de 1963; ainda não entrou em execução, por morosas dilações regulamentares. É preciso vencê-las, para que a promessa tão auspiciosa se converta em almejada realidade.
Terceiro: pelo que respeita a despesas, temos de encarar à cabeça as militares e o imperativo da sua prioridade.
Esta matéria é de premência tal que não pode encontrar contraditores sérios entre portugueses que se prezem de o ser. Embora se trate de uma forma de guerra em surdina, a verdade é que não deixamos de nos encontrar a braços com uma autêntica guerra. A agressão a Goa e o terrorismo angolano, orquestrados na O. N. U., e, subsequente, a mobilização de socorro ao ultramar, revelaram flagrante o flagelo aos Portugueses, mesmo aos mais cépticos. Não nos bastavam os encargos militares europeus da N. A. T. O. para termos de multiplicá-los pelos da defesa do ultramar, onde continuamos a defender posições e interesses que são solidários com os dos nossos aliados. Mal agradecidos, estes, ou os não entendem, ou pretendem não entendê-los.
Hoje, ninguém, Sr. Presidente, pode contestar, portuguêsmente, a necessidade do recurso a tais meios e da sua prioridade. Os factos falam por si.
Mas um aspecto há de futura repercussão política para que penso convém chamar a consciência desta Assembleia. Nem tudo se deve inscrever como encargos e números negativos na contabilidade do alerta militar a que a Nação se vê obrigada a acudir; à parte, já se vê, o valor inauferível para nós da integridade a manter no nosso além-mar. E nem me quero particularmente referir à importantíssima recuperação adentro da economia nacional dos respectivos dispêndios, como informam o. relatório ministerial e o parecer corporativo.
Pretendo focar, sobretudo, o valor espiritual da lição de nacionalismo que o tirocínio vivido na realidade disciplinada da milícia em campanha exalta naqueles que se vêem submetidos ao dever da sua prática. E de mais o seu exercício verifica-se na sedução directa de um meio exótico, mas tão nosso, de que se parte com vontade de voltar. É esse como que invisível capital - invisível mas poderoso que me cumpre, destacar como valor positivo que, sem que se provocasse, a guerra nos trará. Sem a milícia que se nos forjou no fogo da nossa intervenção na primeira guerra mundial, dificilmente se teria caldeado a geração que, arrancando no 28 de Maio, libertou o Poder da balbúrdia em que o País viveu. Ainda a lição das convulsões espanholas teve, paredes meias, para nós a vantagem de manter abertos os olhos da geração seguinte - a chamada a ocupar hoje as posições do poder - sobre os perigos ideológicos que hoje subvertem planetàriamente os povos.
Vítima de propaganda omnímoda e convergente, escassa de pontos de referência por elas vividos e experimentados, circunstâncias favorecidas ainda pelo natural gosto contrastante dos jovens pelo. que se lhes antolha novo, parti; da geração que chegou vem-se manifestando em termos de tergiversação quanto ao nacional, a causar inquietação e dúvida.
Com a vacina das apontadas virtudes que a milícia tem o condão de tender a incutir nos que a praticam, estamos certos de que tais motivos de alarme se verão diluídos.
Este o anímico, imponderável mas autêntico, valor que na futura, política nacional se virá. por acréscimo, a tirar dos sacrifícios de sangue e de ouro que hoje a Pátria suporta.
Esta a grande aurora de esperança de um Portugal perpetuado, esperança que retorna aos que, como eu, pela idade, já não podem esperar dilação longa de vida.
Quarto: ainda quanto a despesas, Sr. Presidente, no parágrafo n.º 142 do magistral relatório do Sr. Ministro das Finanças que precede a presente proposta, sumariando o supletivo Plano de Fomento, através das perspectivas deste, se prevêem os incentivos a dar a vários factores da economia nacional. Entre os previstos para a lavoura, só designa ali expressamente o de "Empréstimos e fornecimentos aos viticultores", seja filiados através da Junta Nacional do Vinho, seja na Casa do Douro.
Dos últimos particularmente, Sr. Presidente, quero passar a ocupar-me.
A designada menção assim expressa deve sossegá-los quanto ao auxílio que assim continuará a ser dispensado pelo Governo através da acção conjugada dos Ministros da Economia e das Finanças. Circunstâncias gravosas notórias, consequentes a um aumento de produção nacional processado por três anos consecutivos, têm contribuído para pôr em dúvida continuar a manter-se o referido financiamento como até agora.
O vinho do Porto considera-se, porém, fora e acima de qualquer risco provocado pelas ditas circunstâncias, como alto valor nacional de exportação consagrado de há séculos.
E, em correspondência, como produto de excepcional, inconfundível e inimitável qualidade que é. merece sempre ser ajudado, a bem da Nação - e sem que tal se possa considerar como um admissível privilégio , a resistir aos flutuantes azares que ocasionais circunstâncias possam acarretar genericamente à economia vinícola.
O vinho do Porto, como o vinho da Madeira, têm de continuar a ser os pilares de prestígio, as pontas de diamante de penetração, dos vinhos nacionais fora das nossas fronteiras, tanto como o são alhures os da região de Borgonha e Champanhe, para a França, e o xerez, para a Espanha.
Não é hoje a altura de discutir aqui o problema das consequências da inflação vitícola estimulada sob o pretexto de contrariar o fenómeno da erosão, que, como é notório, constitui fenómeno predominantemente determinado por influxo hidráulico.
O Douro, porém, é que nunca deve ser afectado pelas consequências desse estado e antes delas se deve procurar aliviar.
A sua posição sobrestante, como região demarcada e protegida, tem de manter-se como uma realidade e in-
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centivar-se progressivamente no sentido do seu aperfeiçoamento qualitativo dentro da gama da respectiva hierarquia e diversidade dos seus valores, de tipo e custo maior ou menor. Corresponde a sua produção a uma região de monocultura que - não pode aspirar a tornar-se outra, a não ser, porventura, quando a eventual elevação de água com tarifas eléctricas acessíveis permita ao seu solo úbere diversificar-se em frutas, hortas, plantas industriais, para as quais aquele elemento é indispensável.
Na verdade, do que acaba de dizer-se se fundou a legislação protectora de Pombal, renovada segundo a curva do tempo por João Franco, e cuja orientação a actual situação, política culminou com a sabida organização de disciplina corporativa tríplice - Casa do Douro Grémio dos Exportadores, Instituto do Vinho do Porto -, legislação a que se acham ligados os nomes do nosso colega Sr. Deputado Sebastião Ramires e do Dr. Teotónio Pereira, aos quais presto as minhas homenagens.
O regime económico da produção desse vinho enfeixado na Casa do Douro processa-se em termos da tendência ao melhor aproveitamento da qualidade, pelo funcionamento, do vinho reservado para benefício, do vinho posto para consumo & do destinado à queima, cujo álcool reverte em grande parte à beneficiação do tratado.
Sucede que a exportação do vinho do Porto, tão afectada com a 1.ª guerra mundial, começava a subir progressivamente durante o intervalo de paz subsequente. A guerra de 1939 veio. porém, afectá-lo ainda mais profundamente. Mas sempre renascente. graças sobretudo ao prestígio da sua qualidade, essa exportação começa mareadamente, desde há cinco, anos, a subir de novo. lenta mas com constância animadora.
Pela nota que me foi fornecida de origem segura, comparando os últimos dados dessa exportação nos onze meses fechados deste ano com os correspondentes do ano passado, verifica-se o aumento de cerca de 2000 pipas: respectivamente, os números de 25 000 e 300 milhões de litros, contra 24 000 e 100 milhões. Isto implica uma exportação anual em vias de ultrapassar as 50 000 pipas.
E, facto curioso, o converter-se no nosso consumidor mais volumoso, para além da Inglaterra, a França, madre prestigiosa dos vinhos de qualidade! Este simples facto é bem eloquente da bondade daquele nosso vinho e da sua originalidade difícil de contrafazer.
Certo é que para esta melhoria algo tem contribuído indispensável propaganda, processada sobremaneira pelo Estado, através do Fundo de Fomento de Exportação, em colaboração com as actividades dos respectivos organismos da produção e comércio, coordenados pelo instituto respectivo.
A alusão expressa no relatório ministerial atrás referida só pode sossegai-nos a nós cidadãos do Porto, a quem a economia daquele vinho toca tanto que dele recebeu o nome - tal que Portugal -, mas directamente aos produtores do Douro, nos quais me incluo. Assim, creio ser-nos lícito confiar em que- a protecção governativa por empréstimos aos lavradores, através da Casa do Douro, se continuará a processar nos satisfatórios termos que vêm de trás.
E nem faria sentido dentro do Plano de Fomento já aprovado se fossem fomentar novos investimentos com prejuízo de investimentos cujos frutos estão consagrados por uma exportação tradicional em vias de se recuperar Imita mas seguidamente.
Até sob o ponto de vista político essa orientação deve manter-se em relação a uma região onde aos seus íncolas, sem a colocação dos seus vinhos, só lhes resta a alternativa, de morrer de fome ou de emigrar.
Sr. Presidente: Vou terminar, mas não quero fazê-lo sem dirigir as minhas agradecidas felicitações ao Sr. Ministro das Finanças: genericamente pela forma por que em tempos tão difíceis e correspondentes surtos de encargos tem sabido manter o leme do equilíbrio financeiro, sem prejuízo dos investimentos previstos para o Intercalar. Em especial, também, os meus cumprimentos se lhe dirigem pelo primoroso e esclarecedor relatório de que fez preceder a proposta da Lei de Meios. Peça magistral, mesmo quando de algum dos seus pontos se haja de discrepar, o que, pelo que me toca, se dá quanto à oportunidade da entrada em vigência do imposto industrial agrícola.
Modos de ver, que nada importam para que eu aprove sem reserva na generalidade a proposta da Lei de Meios.
Disse.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vou encerar a sessão. A da tarde começará à hora regimental, com a ordem do dia já anunciada.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Menezes Soares.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Carlos Coelho.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Burity da Silva.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
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15 DE DEZEMBRO DE 1964 4161
António Marques Fernandes.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Fernando António da Veiga Frade.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA