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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
ANO DE 1964 15 DE DEZEMBRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 169 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 163 e 164 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Colares Pereira evocou a figura de Sidónio Pais, a propósito do mais um aniversário da sua morte.
O Sr. Deputado Elisio Pimenta enviou para a Mesa um requerimento solicitando diversos elementos, a fornecer pelo Ministério do Interior.
O Sr. Deputado Moreira Longo falou sobre diversos aspectos da sua recente visita à Alemanha.
O Sr. Deputado Augusto Simões referiu-se a uma reunião efectuada na Figueira da Foz, presidida pelo Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, na qual foram tratados problemas de turismo do distrito de Coimbra.
Ordem do dia. - Em primeira parte da ordem do dia foi aprovado o texto da Comissão de Legislação e Redacção sobre a proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Em segunda parte da ordem do dia prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei sobre autorização das receitas e despesas para 1965.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Costa Guimarães, Alfredo Brito, António Santos da Cunha e Veiga de Macedo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada! Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Aguedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Carlos Alves.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elisio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
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João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge dê Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os Diários das Sessões n.08 163 e 164. Estão em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não são apresentadas reclamações, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a manifestar discordância com as afirmações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a indústria de lanifícios e a apoiar as considerações do Sr. Deputado Ubach Chaves sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Colares Pereira.
O Sr. Colares Pereira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mentiria - e não quero mentir- se vos dissesse, e sobretudo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que a emoção que sinto agora ao encontrar-me nesta tribuna, a que tive a honra de pela primeira vez subir já vão passados vinte anos, era igual à que então sofri.
Mentiria - pois a minha emoção de hoje é maior ainda!
E porquê?
Foi no decurso desses vinte anos - há já alguns - que passou por mim a grave doença que, se milagrosamente me deixou a vida, em recordação me levou a voz.
Hoje, é com esse resto de voz que volto a dirigir-me a VV. Ex.ªs, depois de ter vencido, "e muito vence quem se vence", o grave complexo de não poder falar-lhes daqui, como o fazia antigamente.
Mas vim, aqui estou, para cumprir dois imperativos de consciência, que me levaram à luta comigo travada e que ganhei, pois subi de novo os degraus que conduzem a esta tribuna.
O meu primeiro dever vai ficar cumprido, Sr. Presidente, agora mesmo, e gostosamente, ao saudá-lo daqui, não no começo da Legislatura, já no fim, mas a tempo ainda de cumprir a velha praxe que deverá sempre ser mantida, pelo que tem de civilidade e tradição.
Para mim, dada a altura em que o cumprimento, é ingrata a tarefa, visto que todos, ou quase todos, já o fizeram, e assim, foram tantos os elogios, e sempre tão justos, que eu só poderia, afinal, fazer uma repetição.
Prefiro afirmar apenas, e é tudo, pois deixo falar o coração e obedeço ao espírito, ao dizer-lhe, Sr. Presidente, que é muito grande a minha admiração pela inteligência de V. Ex.ª, sempre manifestada, e agora mais ainda, na tarefa dificílima de nos dirigir na Presidência que honrosamente ocupa e que tanta vez nos recorda o grande mestre de Direito. Tenho sobretudo o grande prazer de afirmar a V. Ex.ª que possuo algo que nem todos podem ter, visto ser dádiva sua, a de ter a honra de uma amizade que há tantos anos nasceu, e se vai sempre tornando maior.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O segundo dever que me impus vai também ser cumprido agora: relembrar daqui que, neste preciso dia, faz já 46 anos que morreu o Presidente Sidónio Pais.
Perdão, eu não quero dizer morreu, pois não diria bem. Só diria bem se a vida lhe houvesse fugido, tal como ela foge na definição magnífica do grande Vieira:
A vida é lâmpada acesa. Vidro e chama. Vidro que um sopro faz, e chama que outro sopro apaga.
Não, e não!
A vida de Sidónio Pais não se apagou nem lhe fugiu e Roubaram-lha, criminosamente! Ele foi assassinado nessa noite trágica de há 46 anos l
Tombou porque, em reuniões tenebrosas, nas piores alfurjas da Lisboa desses tempos, os conjurados, espumando ódios, haviam decidido escolheram caminho: meter na mão de um homem uma pistola, ensinar-lhe o manejo, e quando já soubesse pôr ò dedo no gatilho, ordenar-lhe que matasse!
A ordem foi dada! O tiro partiu:
Morreu o grande português, e ficou ferida uma Pátria!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não era, na minha geração, o primeiro tiro que se ouvia. Nós vimos duas vezes baquear e cair, com a pequena chama de um tiro, os dois homens que queriam fazer da Pátria o que nós tanto queríamos que ela fosse: el-rei D. Carlos e Sidónio Pais.
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E se na vida da Nação esses dois tiros puseram mancha de vergonha, à geração que os ouviu tinha de trazer cruciante desespero.
Era preciso que houvesse sangue para que pudessem alcançar seus fins os que sempre trabalharam no escuro das alfurjas. sempre os mesmos, com gente diferente, mas causa igual.
Era assim, e Sidónio Pais assim teve de morrer, entregando tão cedo a vida que oferecera conscientemente à Pátria, na esperança de a salvar.
A bala que o feriu a ele também nos atingiu, pois, nesse mesmo instante, nós, os novos desse tempo, e que o seguíamos, todos sentimos que em poucas horas envelhecêramos anos.
Eu falo por mina, que era um rapazinho, cadete da Escola de Guerra, onde seguia o meu curso, e, por definição, era um cadete de Sidónio. Nós, os que o vimos morrer, os novos desse tempo, sentimos imediatamente que era preciso reagir, lutar, fazer qualquer coisa, e, sobretudo, tomar consciência do desastre e das suas consequências, vistas à luz de já nos sentirmos mais velhos. Nada há mais aliciante para a mocidade, que é boa a generosa, do que a ânsia de conduzir, com fé e com risco, um facho, se estiver convencida da razão por que o não deve deixar apagar.
E, por isso, fomos nós talvez, os mais novos desse tempo, os melhores colaboradores que Sidónio teve, para que se não apagasse a chama que já iluminava si estrada por ele tomada, com o aplauso e o entusiasmo gritante de quase toda a Nação, que galvanizada resolvera segui-lo.
Nós sabíamos que ainda não chegara a nossa hora, mas não ignorávamos, apesar da nossa exuberância de juventude, que era certamente necessário, e desde logo, manter o nosso concurso, viver a nossa fé e dar o nosso entusiasmo para que o esforço já feito por Sidónio se não perdesse nos dias que iriam seguir-se à sua morte.
Os seus colaboradores, os mais velhos, e que foram homens do Governo, por ele chamados ou que patriòticamente se lhe ofereceram, pondo a Pátria acima de partidos, não puderam dar tudo o que valiam no curto espaço do seu governo. Os novos desse tempo têm a consciência de ter dado calor, entusiasmo e dedicação às intenções do Presidente Sidónio Pais, e de lhe ter feito justiça, apesar de serem tão novos e lhes faltar em experiência o que sobrava em dedicação.
Uma vez, não sei se a esta mesma hora, mas deste mesmo lugar, há doze anos atrás, e também neste dia, eu disse, se a memória me não falha, que no primeiro desfile da Legião, o seu grande desfile, o primeiro que se fez em Lisboa, a velha cidade reconheceu quase todos entre os mais velhos que desfilavam. Reconheceu-os porque eram exactamente os mesmos, agora mais velhos, que sempre haviam combatido pela causa sagrada da Pátria! Os mesmos que já vinham da primeira hora salutar de revolta contra tudo quanto era causa de perdição e desgraça de um povo que agonizava e nunca tinha querido morrer!
Eram afinal os mesmos de sempre, com a idade cada vez mais avançada, mas que, tendo sido da primeira hora, queriam ser também dos que lhes estavam sucedendo.
E neste momento recordo, com infinita tristeza, tantos que já faltam ... e até alguns nesta própria sala.
De entre todos destaco um, e se a todos os outros me não refiro é porque eles ficam todos bem acompanhados nesta minha evocação, que os engloba: o nosso colega de tanto tempo aqui na Assembleia e sempre o mais indómito dos rapazes novos, pois assim o foi até ao fim da sua vida - o Jorge Botelho Moniz.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sei que faltam muitos já e dos melhores. Mas, mesmo assim, devemos estar todos prontos ainda para o que nos for possível realizar, continuando a servir.
Foi assim que se fez quando Sidónio já era morto ... Nessa época de revoluções e de atentados, em que tudo se resolvia no tiro ao alvo, verdadeiro jogo de feira, em que o dia de sorteio grande foi o 19 de Outubro, os que estavam ainda vivos resolveram continuar a lutar para conseguir o que Sidónio. cedo de mais. tinha também tentado ...
E a fé patriótica era de tal ordem e a vontade tão segura e firme que foi possível ver nascer, finalmente, um grande dia, o 28 de Maio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Também agora ninguém deve adormecer e esquecer que é imperativo de consciência cumprir o dever patriótico, religioso e humano de não querer que voltem a Portugal os dias tristes que nele já se viveram.
Ë preciso pôr em relevo, como eu tento fazer, que o Presidente Sidónio Pais ajudou, mais do que ninguém, com a sua tentativa de regeneração - que foi a primeira, e muito cedo! - a que terminasse o marasmo aviltante em que a Pátria aos poucos se afundava.
Foi por isso que me atrevi, e com tão pouca voz, a tomar-lhe este tempo.
Não apoiados.
Passaram já 46 anos sobre a morte do Presidente, e 46 anos é tanto tempo que a vida de hoje é diferente da de então em tudo ou quase tudo o que era a antiga vida, desde o clima social ao respeito humano, à prática religiosa e aos valores económicos, tanto na nossa terra como em todas as outras por este mundo fora.
Só a mocidade de hoje, que também é diferente, mercê dessa vida nova e também dos nossos olhos, porque somos mais velhos, constitui esperança bem fundada de mais cedo, se ela quiser - e eu julgo que o deseja -, se tornar depressa mais velha para dar à Pátria mais cedo o concurso da sua intervenção, fornecendo os homens de amanhã.
Devem lembrar-se de que se deve deixar tão depressa o que é despreocupação feliz de juventude, quanto mais cedo, como agora, a Pátria espere e deseje o vosso esforço, ao saber-vos preparados para as responsabilidades a assumir.
A mocidade de hoje, enlevada nas facilidades que a vida actual lhe proporciona, precisa lembrar-se de que bem cedo terá de fornecer os homens de governo de amanhã.
Foram os que envelheceram depressa, na vida agitada que em novos viveram, os que trouxeram agora a Portugal, nesta hora de ódios, combates e perfídias que o atingiram, o orgulho de estar em condições de permanecer forte e capaz de responder e reagir aos insultos e agressões de que é vítima.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não é de censurar que os mais velhos o recordem e entendam que é útil para os mais novos dizer-lhes, tantos anos decorridos, o que foi a vida e morte do Presidente Sidónio Pais. Há momentos em que, ao recordar Sidónio Pais, como agora, me lembro de que S. João Baptista perdeu a vida a tentar endireitar caminhos.
Também Sidónio alguns caminhos endireitou ... e na luta entregou a vida.
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Mas nada foi em vão ...
Muito se lhes deve. a Sidónio Pais foram dele os primeiros passos para esta possibilidade de termos hoje tão grande orgulho em ser portugueses e tal confiança no futuro de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Elisio Pimenta: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
"Desejando tratar oportunamente dos reflexos sobre as construções urbanas para habitação de famílias económicamente menos favorecidas do disposto no artigo 17.º do Código da Contribuição Predial, que estabeleceu o princípio da variabilidade das isenções da mesma contribuição, cujas tabelas e condicionalismo da respectiva graduação foram recentemente fixados por portaria, requeiro que, pelo Ministério do Interior, me sejam fornecidos, com a urgência possível, os seguintes elementos:
a) Número de habitações existentes nas chamadas "ilhas" da cidade do Porto consideradas indesejáveis ou insalubres pelos serviços de inquérito da Câmara Municipal no início da execução do plano de melhoramentos (Decreto-Lei n.º 40 616, de 28 de Maio de 1956);
b) Número de habitações demolidas por virtude do mesmo plano até à data da elaboração da presente informação ;
c) Número de habitações do mesmo tipo de "ilhas" consideradas em condições de continuarem a ser ocupadas, com ou sem beneficiações.
II
Número de licenças concedidas pelo Governo Civil do Porto em 1960, 1961, 1962, 1963 e 1964 para
a) Casas onde se aluguem até três quartos;
b) Albergues e albergarias; e
c) Casas de pernoitar, de dormida ou de malta.
O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: Chegado há poucos dias da Alemanha, onde fui a convite oficial, sinto que devo deixar aqui uma palavra de desvanecido agradecimento ao Governo Federal da Alemanha pela honra que me foi dispensada e que tacitamente julgo extensiva à própria província de Moçambique, que tenho a honra de representar nesta Assembleia.
As gentilesas e honrarias com que me cumularam durante os quinze dias que durou a minha visita e tudo quanto me foi dado conhecer naquele tão grande país constitui motivo do meu maior reconhecimento e a razão destas simples palavras, que outro objectivo não têm que não seja o de manifestar a minha gratidão pela oportunidade que me foi dada para conhecer um país que foi sempre grande em toda a sua história e que, pelo valor em que se situa no campo científico, ocupa um lugar especial no Mundo em favor do progresso da humanidade.
Tanto os programas elaborados pela inter-Nationes organização modelar de visitas oficiais, que merece os maiores elogios pela sua excelente orgânica, como alguns números sugeridos por mim a convite oficial, foram do maior interesse e até de certa utilidade no campo político, para onde quase sempre convergiam as nossas conversas.
Dizer nesta Assembleia que a República Federal da Alemanha é um povo grande, na verdadeira acepção da palavra, não passaria de um lugar comum simples na opinião geral e já bastante conhecido pela constante repetição. . ,
Muito para além do que se tem dito e do que se sabe através daquilo que a imprensa nos fornece, esconde-se uma realidade que só os próprios olhos podem constatar: uma realidade de enormes proporções no campo social e histórico necessária para melhor se avaliar e compreender a vivência alemã dos tempos que correm.
Como Estado social baseado no direito, respeita e protege a dignidade humana.
Constitucionalmente caracteriza-se pela garantia dos direitos basilares do homem.
O ensino e a educação escolar têm, naquele país, como é conhecido, uma tradição que vem de longos séculos.
O ensino religioso é matéria obrigatória nas escolas públicas, com excepção das que, por princípios, estejam desligadas de qualquer credo religioso.
Um dos principais objectivos nas escolas de especialização é preparar os alunos para cargos de responsabilidade na vida económica e social.
No âmbito industrial, a Alemanha assume porporções colossais que são peculiares ao Mundo inteiro.
O problema máximo e fundamental da Alemanha actual, podemos afirmá-lo, pelo que vimos e ouvimos, resume-se na sua total unificação, ideia fixa e sempre presente na consciência deste povo excepcional.
A Alemanha é "um todo único" e a sua divisão tem de passar à história como situação anómala e transitória, até por uma necessidade imperiosa na defesa do Ocidente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua unificação é uma exigência que está ligada ao povo alemão, jovem ou velho, rico ou pobre, que merece o apoio do mundo livre, para que livre seja um povo que se orgulha de ter levantado a nação ao mais alto pedestal, do caos em que a guerra a lançou.
Cabe às Nações Unidas, como tribunal superior à escala mundial, com mais propriedade do que alguns dos assuntos de lana-caprina que ali têm sido tratados com fins confessos, julgar este caso, que considero uma verdadeira afronta à humanidade e em autêntico desprestígio para o Ocidente.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Visitei, além das principais cidades de norte a sul e no centro da Alemanha, Berlim oriental, zona ocupada pelos Sovietes. Mas para ali poder entrar, tive de ir acompanhado de um intérprete estrangeiro casualmente um estudante boliviano, pois ao meu intérprete oficial era vedada a entrada, como, aliás, o é a todos os berlinenses.
O que VI na zona russa foi tristeza e miséria, uma cidade sem vida, porque não é possível viver com alegrir num regime onde impera a violência e a desumanidade
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - A violência e a desumanidade que se praticam quando qualquer residente ali tenta fugir para o seio da família e para uma vida melhor na zona ocidental.
Visitei também a linha divisória entre a zona da Alemanha Ocidental e a parte ocupada pelos Russos no extremo norte da Alemanha, na cidade de Lubeque, mas, para que esta visita não tivesse surpresas desagradáveis, a policia militar da Alemanha Federal protegeu-me com dois carros militares armados, pois não é o primeiro caso em que os guardas russos atiram sobre os visitantes, naquela área, a que se chama zona de morte, por vários casos que ali se têm dado.
Para além dessa linha, onde tudo quanto é possível imaginar compõe a defesa contra quem pretenda entrar ou sair, desde os arames farpados simples e electrizados aos obstáculos antitanques, minas, cães-polícias e vigias especiais armados, VI um espectáculo deveras esclarecedor do sistema político de um país que apregoa uma política de liberdade, espectáculo que eu ofereço à consciência de quem defende o paraíso russo: nem mais nem menos do que um simples operário a trabalhar na zona russa guardado por um polícia militar armado de espingarda-metralhadora, para que não se tentasse em abandonar tão maravilhoso paraíso.
Sr. Presidente: Por convite do Governo, que muito me desvaneceu, visitei também alguns parlamentos, sendo de salientar o de Munique pela sua antiguidade e o de Bona, sede do Governo Federal, pela sua grandeza e estilo moderno, cujas salas se apresentam com grande dignidade.
Em Bona, foi o centro onde o programa se revestiu, como é natural, de maior aspecto oficial, pois tive a honra, aliás gratíssima, de ser recebido por altos e dignos funcionários, com quem tive vários colóquios, quase todos, como era de esperar, versando sobre política ultramarina portuguesa.
Creio que esta troca de impressões, que atingiu por vezes assuntos de certa dimensão .e profundidade, teve a sua utilidade para ambas as partes.
Para mim porque se me deparou uma excelente oportunidade de esclarecer, em vivo diálogo, alguns pontos que na mente dos meus interlocutores se apresentavam pouco claros e até bastante confusos, por virtude de uma imprensa mal informada, cuja responsabilidade nos cabe de certo modo por não termos ainda conseguido estabelecer um sistema de informação à imprensa alemã, para que ela possa, metodicamente, com verdade e com justiça, esclarecer o povo. de um país com quem mantemos as mais cordiais relações; para os dignos funcionários que me honraram com as suas perguntas creio ter sido também de certo modo útil, na medida em que os meus esclarecimentos obtiveram a receptividade e valor elucidativo que lhes atribuo, o que creio ter observado através da sinceridade com que os assuntos me eram postos e pela grande atenção com que sempre era escutado.
E me grato poder afirmar que em .todas as trocas de impressões sobre problemas do nosso ultramar notei sempre o maior interesse pelos nossos progressos em política ultramarina e os desejos de uma maior compreensão por parte das grandes nações responsáveis pela conduta do Mundo relativamente ao nosso firme propósito de protegermos cada vez mais as nossas populações em África...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... ao mesmo tempo que estamos elevando, gradualmente mas com perseverança, o seu nível social e económico, que lhes permite uma vida mais feliz em paz e sossego, que procuramos preservar em seu próprio benefício.
Vozes; - Muito bem!
O Orador: - E interessante notar que um dos pontos que mais chamaram a atenção dos altos funcionários e parlamentares com quem contactei foi o do grande esforço que estamos fazendo na campanha de ensino para a elevação social e cultural das populações e consequente aproveitamento dos valores humanos para ocuparem posições de relevo na vida pública portuguesa e responsabilizá-los pela administração local, dando-lhes lugares de destaque, como nas juntas locais e câmaras municipais, conselhos legislativos e até na própria Assembleia Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta afirmação causou certa admiração, pois alguns dignos funcionários de destaque confessaram, e com certa sinceridade, que desconheciam este ângulo da nossa política ultramarina, pelo que tive o ensejo de lhes afirmar que na África portuguesa a medida do homem se tira pelo seu valor, e não pela sua cor.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -;Sr. Presidente: De tudo quanto me foi dado observar creio que posso concluir, e isso é imensamente confortante, que as cordiais relações que, mantemos com aquele notável país assentam em bases sólidas de uma sã e perfeita justiça.
Sr. Presidente: Não desejaria terminar estas palavras sem reiterar os meus agradecimentos ao Governo Federal da Alemanha, em meu nome pessoal e no da província de Moçambique, ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... ao mesmo tempo que desejo dirigir também uma palavra de agradecimento ao cônsul alemão em Lourenço Marques, Sr. Heibach, pelo interesse que sempre tem manifestado pelos problemas daquela província e pela sua prosperidade. E justo dirigir também, deste lugar, à colónia alemã que está radicada em Moçambique, uma palavra de homenagem pelo muito que tem feito em favor da economia daquela província.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao finalizar, quero formular um voto da maior prosperidade ao grande povo alemão, para que grande seja, cada vez mais, a Alemanha de hoje, que merece a nossa maior consideração.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não quero deixar de significar todo o meu muito reconhecimento pelo generoso interesse que por VV. Ex.ª me foi dispensado aquando do acidente de estrada que há pouco sofri.
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Quiseram VV. Ex.º demonstrar, nessa emergência, uma magnanimidade! e uma fidalguia que de todo o coração agradeço, pedindo licença para estender o meu agradecimento a todos quantos, nesta Casa, igualmente se interessaram por mim. Bem hajam VV. Ex. mos.
Sr. Presidente: Quis o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho honrar, no último sábado, o distrito de Coimbra, presidindo, na Figueira da Foz, a uma reunião normal de trabalhos da comunidade distrital, integrada pelos Srs. Presidentes e Vice-Presidentes dos dezassete municípios, representantes da União Nacional, funcionários superiores dos serviços do Estado e outros elementos de relevo dá vida local.
Versaram-se nessa reunião, que, como as restantes 38 que a antecederam, foi superiormente orientada pelo Sr. Governador Civil e assistida pelos Deputados do círculo, os mais importantes problemas do distrito e d II região.
Nesta, convocada com o fim especial de se encarar r desenvolvimento do turismo na privilegiada zona do Centro do País e nomeadamente no distrito de Coimbra, em que às prodigalidades da Natureza não tem correspondido a integral compreensão dos responsáveis, foram referidas ao ilustre governante, em extenso sumário, as nossas grandes necessidades, sumário adrede preparado por comissão formada pelos representantes dos municípios, secretariado pelos serviços de turismo da Câmara Municipal de Coimbra.
Nesse relatório, cada município deixou bem assinalada a sua posição, ficando, por isso, claramente demonstrada a verdade irresusável que tantas vezes se tem procurado trazer aqui ao plano que lhe pertence, qual seja a de que, nas grandes tarefas do nosso engrandecimento, é absolutamente imprescindível e preciosa a colaboração dos municípios.
Na verdade o Sr. Dr. Paulo Rodrigues, tendo ouvido referir detalhadamente as necessidades de cada um dos dezassete conselhos do distrito de Coimbra, apontadas com impressionante objectividade e com os olhos postos nos grandes primados da política nacional, não escondeu a sua ambição de poder contar, para melhor estudo dos muitos problemas do seu importante sector de governo, com relatórios semelhantes dos restantes municípios do País, igualmente ordenados.
Pôde ainda S. Ex.ª tomar efectivo conhecimento de quanto são justas e cabidas as petições repetidamente feitas ao Governo, não só pelas forças vivas locais como ainda pelo seu representante nesta Câmara, sobre os grandes problemas de cuja solução depende todo o desenvolvimento económico, social e político no distrito de Coimbra.
E pôde ainda o mesmo ilustre governante nesta sua memorável visita de trabalho aperceber-se das ansiedades dos abnegados presidentes das dezassete câmaras municipais do distrito, reflectindo as próprias ansiedades dos seus povos perante 0:3 comandos do Plano Intercalar de Fomento e da Lei de Meios agora em discussão.
Ë que, ao saber-se ser intenção do Governo encarar e resolver na vigência daquele Plano e desta lei muitos dos problemas que nos torturam, o maior dos quais reside no actual desaproveitamento da bacia do Mondego, causador de tremendas implicações nos já famosos campos a jusante de Coimbra, cada vez mais empobrecidos e assoreados, logo se afirmou uma atitude de verdadeiro agradecimento, aliás já muito bem traduzida nesta Câmara pelo Sr. Deputado Santos Bessa no seu magnífico discurso há dias proferido.
E como se tratasse de problemas de turismo regional, foi amplamente reconhecida a necessidade de valorizar cada vez mais e com a maior urgência toda a empobrecida
região central, criando aos seus povos o desejo de permanecerem nos seus rincões, para se sustar a corrente emigratória que a degrada completamente, numa depredação de valores que está a tomar aspectos de verdadeira calamidade.
Significou-se, por isso, ao Governo, na pessoa do nosso ilustre hóspede, a par do muito que tem de fazer-se com urgência, a nossa esperança e o nosso agradecimento pelos propósitos já manifestados, a despeito de serem ainda e apenas linhas de possível rumo, mas não já rumos devidamente traçados!
Não se pode falar em turismo construtivo quando se sabe que escasseiam as vias de comunicação, quando não há água abundante, quando a electricidade é apenas uma ambição, quando tem de viver-se em pleno obscurantismo ou quando, finalmente, se não encontram nas povoações os meios indispensáveis ao teor de vida civilizada dos nossos dias.
Por isso se reconheceu que o distrito de Coimbra, na plenitude do seu território, tem de ser dotado de todos esses meios para que os seus povos deixem de emigrar e se fixem nas suas origens, enriquecendo-as com o seu trabalho e com as suas iniciativas, como tanto interessa ao engrandecimento e prosperidade nacionais.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Se não pode interessar ao turismo, como efectivamente não interessa, todo um amontoado de desolações resultante das carências da vida local, com terras incultas e povoações em declínio, tal não pode interessar também ao equilíbrio político e económico da vida nacional.
Bazões há, portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nas reivindicações que vimos fazendo nesta Câmara em nome do distrito de Coimbra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A valorização e a salvação dos 15 000 ha dos campos do Baixo Mondego, a continuação do caminho de ferro de Arganil, ingloriamente morto em Serpins, donde devia demandar as terras da Beira Alta, a rápida conclusão das obras do grande porto da Figueira da Foz e rede de barragens que o curso do rio Mondego torna possíveis, a construção da rede de estradas interconcelhias e inter-regionais cuja falta tanto se faz sentir, nomeadamente no concelho de Pampilhosa da Serra, e todo um vasto conjunto d"e imprescindíveis melhoramentos, já suficientemente conhecidos do Governo, são, na verdade, obras de grande alcance, marcadamente necessárias para o desenvolvimento do distrito de Coimbra e até dos distritos que o marginam.
Ouvimos, por isso, com grande satisfarão o Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho afirmar que as referências prioritárias do Plano Intercalar ao turismo do Algarve e da Madeira não significam qualquer desinteresse pelos problemas do turismo das outras regiões do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isso nos deu II certeza de que se não esquecerão as exigências dos nossos centros turísticos de primeiro plano, como são as cidades de Coimbra e da Figueira da Foz...
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - ... hoje sob a influência de grandes necessidades, bem como o valor da praia de Mira, privilegiada zona onde o mar e o campo se casam, produzindo beleza sem fim e oferecendo perspectivas que cumpre saber aproveitar a bem do turismo nacional.
E claro que não poderá esquecer-se também todo o muito valor turístico dos concelhos do interior do distrito, onde não minguam as razões de uma visita ou de uma passagem.
Vozes: Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Graças a compreensão manifestada pelo Sr. Ministro da Economia, a cujo devotamento, a que. presto a mais calorosa homenagem, Coimbra e o seu distrito já devem o processamento de uma industrialização que deverá atingir em breve o investimento de mais de 2 milhões de contos, poderemos vencer um temível escolho e dar um decidido passo em frente.
Mas isso não basta!.
O Sr. Nunes Barata: - V. Ex.ª dá-me licença.?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Nunes Barata: - Era para apoiar as palavras de V. Ex.ª se para trazer ao conhecimento da Câmara que, no espaço de um ano, no distrito de Coimbra se considerou a instalação da indústria, cujo montante de investimento deve orçar por 2.300 000 contos. À dedicação do Sr. Ministro da Economia, Prof. Teixeira Pinto, deve o distrito de Coimbra grande parte do surto de industrialização que está a conhecer.
E, pois, justíssima uma palavra de homenagem e gratidão ao Prof. Teixeira Pinto.
O Orador: - Agradeço muito a V. Ex.ª o valioso apoio que acaba de me dar, e tenho muito gosto em aqui deixar essa palavra de agradecimento.
Torna-se necessário que os outros departamentos do Estado não neguem a sua alta compreensão ao estudo e solução dos nossos complexos problemas.
Mas também se torna indispensável que aos municípios - a todos os municípios deste país - seja dada a estrutura financeira de que carecem já que lhes pertence, e sempre pertencerá, um importante papel no desenvolvimento da vida local ao. serviço do engrandecimento nacional.
Pelo que concerne ao turismo, ouvimos ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho a promessa solene do seu valioso interesse pelos muitos problemas que ouviu referir.
Aprazou-se uma nova reunião já com soluções esboçadas para os problemas equacionados. Atendendo à posição deste ilustre governante, que nos habituámos a admirar e a considerar por suas virtudes na sua permanência nesta Câmara, esperamos confiadamente que a jornada do último sábado marcará um definitivo arranque na valorização do distrito de Coimbra.
E nesta serena confiança que eu, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazendo-me eco dos anseios e das legítimas esperanças das gentes do meu distrito, ao agradecer ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho a honra da sua visita para presidir a uma sessão de trabalhos da nossa comunidade distrital, agradeço a Salazar e ao Governo da Nação o interesse que nos foi manifestado e asseguro que há uma sincera vontade e a mais leal e efectiva determinação de trabalharmos cada vez com mais afinco pelo progresso e engrandecimento do distrito de Coimbra, com os olhos fitos no próprio engrandecimento de Portugal. Disse.
Vozes: -Muito bem. muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:. - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Como anunciei na sessão anterior, a ordem do dia de hoje é constituída por duas matérias: apreciação da última redacção da proposta de lei relativa ao Plano Intercalar de Fomento e discussão na generalidade da proposta de lei sobre autorização das receitas e despesas para 1965.
Vou pôr primeiramente em reclamação o texto da Comissão de Legislação e Redacção sobre o Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não se produziu qualquer reclamação, considero aprovado o referido texto.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia. Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Guimarães.
O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: As considerações que decidi formular em apreciação à proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1965 poderiam ser substituídas pela declaração singela de que dou o meu voto confiante a essa proposta de lei.
Missão profundamente grata, na abertura das minhas considerações, é a de aqui deixar viva expressão do quanto nos impressiona a forma notável como são alinhados os elementos fundamentais sobre a evolução da produção e da procura, nos últimos anos e na primeira metade de 1964. reconhecendo-se como dessa evolução se parte para a segurança da estabilidade financeira interna, aspecto destacado de tão alto prestígio internacional, com benéfico resultado no mercado monetário, na actividade financeira do Estado e no comportamento das relações económicas externas.
O momento grave que o País atravessa, mas que o pulso firme, de portuguesismo indefectível e inabalável, do chefe prestigioso e respeitado que superiormente conduz a vida da Nação soube dominar de forma decidida e incomparável, levou o Governo, na proposta de lei em apreciação, a dar prioridade aos encargos com a defesa nacional, nomeadamente aos que se consagram à preservação da integridade do nosso património.
Não se sacrificam, porém, com essa máxima, as exigências vitais para o normal prosseguimento do surto de desenvolvimento em que não podemos deixar de nos empenhar.
E porque a proposta de lei cuja apreciação nos ocupa se encastra nas virtualidades de expansão que se anunciam com a execução do Plano Intercalar para o triénio de 1965-1967, logicamente se nos sugere um conjunto de considerações que, contemplando uma análise de problemática económica retrospectiva, nos levam a alguns comentários quanto à incidência do futuro.
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A matéria é porém tão vasta que entendemos deter-nos numa apreciação genérica de questões que, apresentando-se simples, não deixam de ser fundamentais em determinados sectores, nem poderão ser consideradas deslocadas do fundo deste debate. Creio que algumas sugestões pondera vê; s propiciarão a garantia de melhores meios para o alcance dos que visam o equilíbrio das receitas e despesas, isto é, a estabilidade da nossa vida económica e financeira.
Sr. Presidente: A proposta de lei em causa, respeitando o primeiro ano de vigência do Plano Intercalar, reveste implicações que não deixarão de impor aos nossos responsáveis a mais criteriosa ponderação em tarefa que envolverá a indispensável atracção da mais responsável iniciativa privada, que, como vimos, através da planificação esquematizada no Plano Intercalar, será chamada a influente intervenção cooperadora.
E porque assim é, entendo de recomendar à atenção de quem de direito a necessidade de nos pormos a coberto de qualquer surpresa em naturais desajustamentos que possam vir a verificar-se .na obtenção de segura reprodutividade dos meios de produção que hão-de assegurar o desenvolvimento que se intenta. E o caso da indispensável segura coordenação de possibilidades e exigências e o da compatibilidade da oferta e procura programadas com os elementos mais recentes sobre a evolução da. nossa economia.
Se analisarmos os números que se nos oferecem no notável relatório que precede a proposta de lei em questão, verificamos que se espera uma taxa média de acréscimo do produto interno bruto de 6,1 por cento durante o período de vigência do próximo Plano. Deste modo, o produto interne, que foi de 81 milhões de contos em 1963, deverá atingir, em 1967, cerca de 100 milhões de contos. Sc; nos reportarmos a preços do mercado na base de 1958, e servindo-nos ainda de elementos do citado relatório, o aumento no período em questão, de 1963 a 1967, será de 87,7 para 108,1 milhões de contos. Acrescentando a estes montantes os valores estimados das importações de bens e serviços (com exclusão dos rendimentos pagos e provenientes do exterior), e que se espera venham a atingir, respectivamente, 20,7 e 29,1 milhões de contos, obtêm-se os valores da oferta global, respectivos, de 108,4 e 132,2 milhões de contos.
Simultaneamente se verifica, em previsão de procura global (consumos privados e públicos, formação bruta de capital fixo com variação de existências e exportações de bens e serviços), uma variação de valores de 108,4 para 135,õ milhões de contos, para os mesmos anos de 1963 e 1967.
Postas estas observações, uma dúvida se nos apresenta:
Poderá a procura global ser satisfeita com os meios de oferta apresentados? É lógico que os acréscimos necessários terão de corresponder aos previstos, e as previsões do Plano de Fomento Trienal que discutimos assim o asseguravam.
Contudo, recordamos que, no processo de evolução dentro dos valores previstos, está considerado, como tivemos ocasião de apreender do projecto de Plano, que os valores de importação t! exportação relativos aos dois anos apontados, de 1963 e 1967. e no período entre os mesmos, aumentarão, respectiva e aproximadamente, 8,4 e 5,8 milhões de contos.
O saldo negativo da balança do comércio externo, que se cifrava em 5,1 milhões de contos em 1963, evoluirá para 7,7 milhões de contos em 1967.
Em resumo: para que o crescimento da procura se processe em compatibilidade com a segurança de execução do Plano, pré vê-se, como se acentua no judicioso e esclarecido relatório:
Acréscimo de 18,9 por cento no consumo, dentro de tendência evidenciada no consumo privado no último quinquénio e com descimento do consumo público a ritmo superior ao inicialmente programado.
Crescimento da formação bruta de capital fixo em nível de 29,2 por cento no triénio de 1964-1967.
Aumento das exportações e importações em níveis de 37,6 e 34,5 por cento, respectivamente, entre 1964 e 1967.
Todo este comportamento, como se destaca no mesmo relatório que antecede a proposta, parece aceitável se se atender, quanto às exportações, à sua evolução recente e à "importância que se prevê venham a assumir no processo de desenvolvimento económico nacional as indústrias que produzem principalmente para o mercado externo - nomeadamente dos produtos derivados da silvicultura e das indústrias extractivas, químicas, metalúrgicas, metalomecânicas e de material eléctrico - e a do turismo".
A todos estes factores desejo acrescentar uma fonte marginal importante de receita, que é a da emigração, quanto a mim um mal necessário na medida em que, para obviar às suas consequências, se impõe uma aceleração do ritmo de industrialização e de revisão urgente dos nossos processos de exploração agrícola, sem falar de cada vez mais necessária utilização racional do trabalho e de elevação do nível de vida do nosso trabalhador, .
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo. o que venho referindo serve para destacar o largo alcance que em todo o processo de crescimento delineado, e para a viabilidade do programa trienal que a proposta de lei já contempla, terá uma constante -e dinâmica atenção sobre todos os parâmetros intervenientes.
Assim se impõe, pelo que mais se nos facilita em curto alcance, que todas as medidas de incitamento à expansão da exportação dos nossos produtos serão bem recebidas e terão enquadramento perfeito nos objectivos visados.
Destaque-se, por outro lado, que nos círculos políticos ocidentais está exuberantemente considerado que a expansão dos mercados dos países em desenvolvimento é um meio seguro de se lhes oferecer uma base económica firme, permitindo, simultaneamente, a estabilidade mundial política e social.
Ë que, encontrado um mercado suficientemente vasto para a exportação dos seus produtos, o seu comércio será mais eficiente para eles do que qualquer auxílio.
Assim sendo, justifica-se que seja de cada vez mais acentuado interesse uma política de administração que prodigalize todas as atenções e apoios, seja em que sector tal se justifique, em ordem a contemplar a expansão do seu comércio externo.
E quando os resultados desta expansão excedem, por realidades palpáveis, todas as expectativas programadas, a atenção e o apoio a que aludo deverão processar-se com cada vez maior zelo, para lhe não chamar desvelo, pois que assim o exigem as responsabilidades de toda a ordem criadas, com particular reflexo na produtividade das explorações industriais.
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Destaque-se que o ritmo de expansão económica que se objectiva se deverá apoiar, como se acentua no relatório da proposta, no elemento motor principal, que é o sector das indústrias transformadoras. E acrescenta-se, logo a seguir, que tal ritmo se encontra, no entanto, condicionado pela possibilidade de promover o acréscimo das exportações e substituição das importações, além do indispensável aumento do volume da formação de capital fixo.
Sr. Presidente: Na linha de considerações em que incidiu esta minha intervenção, é lógico, pelo melhor conhecimento dos problemas, que a ligue ao sector dos têxteis de algodão.
De resto, o preâmbulo esclarecedor e justificativo que venho apreciando deixa-me sobejas razões para o fazer, quando nos afirma que para o acréscimo de 24 por cento que se registou no nosso comércio com o estrangeiro (comparação nos l.os semestres de 1963 e 1964) concorrem, de modo decisivo,, o valor exportado de produtos têxteis
- mais 344 000 contos -, cuja participação no total exportado para mercados externos continuou a aumentar, atingindo 26,5 por cento. E acrescenta-se, em contrapartida, que a expansão das importações metropolitanas do estrangeiro foi, em boa parte, determinada pela necessidade de importar matérias-primas para a indústria têxtil, pois o valor dos produtos têxteis importados (na maior parte matérias-primas) elevou-se de 231 000 contos no 1.º semestre do ano em curso.
Embora o saldo seja substancialmente positivo, o facto é que só por razões que nesta intervenção não deixaremos de focar, apontando números, se não conseguiram obviar motivos que prejudicam uma mais significativa incidência favorável do comércio dos têxteis na nossa balança comercial.
Na evolução da incidência referida dos têxteis de algodão, podemos referir que, após uma ligeira retracção ocorrida de 1960 para 1.961, sempre se tem verificado uma expansão em ritmo de acentuado crescimento, de resto paralela à da própria produção do sector. E as perspectivas que o futuro oferece afiguram-se-nos bastante favoráveis, uma vez que se tem demonstrado capacidade competitiva nos mercados externos e que, por outro lado, a gradual remoção de direitos aduaneiros no âmbito da E. F. T. A. nos franqueará, por certo, um amplo mercado, não só para fios e tecidos, mas, sobretudo, para as confecções que se exploram em ritmo vigoroso.. Assim determinados imprevistos, fora de toda a lógica de seguras e respeitáveis normas contratuais, se não venham a continuar a verificar ...
Ainda no campo de penetração dos mercados externos das quais, como destacamos, dependem fundamentalmente as possibilidades de expansão desta indústria apresentam-se da maior importância as negociações que se processem no G. A. T. T.
O sector em causa, como a generalidade dos de manufactura simples, deverá constituir um daqueles em que a pressão dos países em vias de desenvolvimento, sobre os países industrializados e no sentido de obter a abertura de mercados destes últimos, mais se fará sentir.
As estatísticas assim o demonstram.
Salvaguardem-se, porém, como já referimos, imprevistas limitações, como foi o caso, para grande parte do ano em curso, das que surgiram com o acordo comercial para os têxteis estabelecido há cerca de um ano entre os Governos Britânico e Português, limitando o volume de transacções, para um período de doze meses, até valores da ordem das 5000 t, e, mais recentemente, as derivadas de prepotente taxa de 15 por cento decretada pelo- Governo Inglês para incidência sobre um grande número de produtos da sua importação.
Esta inesperada medida,- cuja justificação não convenceu nenhum dos países atingidos, na medida em que ninguém pode aceitar, sem reacção, o imprevisto desrespeito ao previamente convencionado, por se tratar de negação pura e simples aos princípios da boa ética contratual, virá afectar, de forma profunda, o surto favorável do nosso comércio com o "tradicional" aliado.
Note-se que a medida no que respeita ao nosso país não pode entender-se, mesmo com muito boa vontade que ponhamos na sua apreciação, e se deseje compreender a intenção de evitar uma perniciosa inflação que, indirectamente, nos atingiria. Os números do" comércio externo com o Reino Unido são suficientemente expressivos para nos apoiar e incitar em viva reacção ao ocorrido. Aqui os deixamos, na sua linguagem significativa, em comparação do que se passou nos l.01 semestres de 1963 e 1964 e referindo-os ao comércio da metrópole:
[...ver tabela na imagem]
1963 1964
Todos conhecemos a enérgica atitude tomada pelo Governo Português, sendo-nos grato exprimir o- mais vivo louvor à acção desenvolvida pelo ilustre condutor das nossas relações no comércio externo, o prestigioso Ministro de Estado Dr. Correia de Oliveira, e ainda pela forma decidida e brilhante como defendeu os nossos interesses e direitos neste melindroso caso. Cremos, porém, que a situação se encontra em ponto de dilatória passividade, da qual importa sair.
Confiemos nas promessas de que a medida é de carácter transitório e por curto prazo.
Lembramos, por outro lado, que o G. A. T. T. interdita modificações arbitrárias dos direitos alfandegários (salvo em caso de imperiosa necessidade - o "busílis" dos acordos internacionais), e por isso terá em conta, indubitavelmente, a perturbação que as medidas em questão vêm causar à expansão do- comércio mundial e ao processo de desenvolvimento de certos países, como o nosso, duramente prejudicado no caso vertente. Na verdade, estima-se que será de 65 a 66 por cento o volume de exportações portuguesas para a Grã-Bretanha atingidas pela decisão do Governo deste país. E dentro das categorias abrangidas situam-se precisamente, em plano destacado, os têxteis de algodão (404 000 contos exportados em 1963), seguidos das obras de cortiça (123 000 contos) e das bebidas (120000 contos).
Sem longos comentários, apenas referiremos as perturbações directas e indirectas que, quanto ao sector dos têxteis, ocorreram e ocorrerão, a saber:
Imposição da taxa sem aviso prévio, atingindo, consequentemente, mercadorias nas alfândegas, em trânsito, ou em execução de encomendas nas fábricas.
Sem se fixar o período de duração da taxa -mesmo considerando de menor agravo, para o decréscimo das compras, a concorrência interna por falta de capacidade desta para o abastecimento do mercado -, ocorrerá neste séria perturbação, por se recear a afectação de stocks criados, por eliminação súbita da mesma taxa.
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Retracção mediata de compras, com redução na cadência normal de registo- de encomendas no nível dos 60 a 90 por cento.
Suspensão de ordens de expedição com consequentes imobilizações em existências nas fábricas e exportadores e os correspondentes encargos e desequilíbrios financeiros.
Sobreposição de um agravamento dos preços, pela taxa lançada, a um já existente acordo de limitação.
Ora, como se insinuou a promessa de possíveis reduções na taxa em causa, a ser impossível a sua eliminação, que se procura ao menos obter a fixação urgente das mesmas reduções é, sobretudo, a antecipação da data de duração da referida taxa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tendo referido a significativa influência dos têxteis de algodão na valorização do nosso comércio externo, permita-se-me que aqui traga a expressão evolutiva e estatística quanto aos anos de 1961, 1962 e 1963, indicando os valores e tonelagens exportadas pelo sactor:
[...ver tabela na imagem]
Anos Toneladas Valor-Contos
Quanto aos ires primeiros trimestres do ano corrente, os valores respectivos são de 19 846 t e 953 356 contos, e como normalmente o último trimestre de cada ano é o mais significativo, por tudo, .e até por ajustamentos estatísticos, é de esperar que os números do ano de 1963 sejam expressivamente excedidos.
Porque se apresenta com o maior interesse, indico ainda o valor do produto da mesma indústria quanto aos anos de 1962 e 1963:
[...ver tabela na imagem]
1963 1964
Toneladas Valores-Contos Toneladas Volores-Contos
Em produto final aproximado, poderemos indicar os números de 2 900 000 e 3 060 000 contos para os anos do 1962 e 1963, respectivamente, com .um crescimento de 5,5 por cento aproximadamente.
De deplorar que para a constituição deste produto a intervenção de matéria-prima nacional se venha processando em números decrescentes, confirmando o que tive ocasião de referir atrás. Com efeito, num volume total de algodão em rama de 66 0001 consumido em 1962 N apenas 35 800 i. provieram do ultramar. Quanto & 1963, tais valores foram de, respectivamente, 71 600 t na totalidade e 42 600 t do ultramar, e pelo que respeita ao ano em curso e para os três primeiros trimestres, a situação apresenta-se com um total de consumo de 57 0001 e uma intervenção de apenas 22 400 t de rama ultramarina, ou seja numa percentagem de 39.3 por cento contra 59,5 por cento de 1963.
Assim se compreende o quanto não importa, no âmbito do espaço económico nacional, estimular a nossa produção de algodão em rama, aproveitando todas as extraordinárias possibilidades que o ultramar nos oferece.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:- Porque no âmbito da discussão de uma lei de meios se enquadram perfeitamente todas as observações que visem a obtenção dos meios de valorização económica e também aquelas que possam contribuir para eliminar inconvenientes que perturbem a sua normal promoção, vou permitir-me proferir sucintos comentários a alguns aspectos que, ligando-se com o sector industrial em questão, se enquadram no âmbito das segundas daquelas observações.
Aludo primeiramente ao facto surpreendente de, quanto ao abastecimento de algodão em rama ultramarina, a indústria respectiva se obrigar a um regime em que esta matéria-prima vem sendo fornecida desde Outubro ultime a preços provisórios, o que quer dizer que estes, mesmo depois da sua transformação e de o produto respectivo ter atingido o termo do seu circuito comercial, poderão vir a ser rectificados.
Normalmente, e em conformidade com o que está legislado, é muito antes do início da distribuição de algodão de nova campanha - entre 15 de Setembro e 1 de Outubro de cada ano - que os preços são fixados por portaria conjunta dos Ministérios da Economia e do Ultramar. Ora, embora estejamos certos de que os ajustamentos a ocorrer serão mínimos ou talvez nulos, é mister que a anómala situação seja resolvida.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Um outro aspecto que entendo referir, porque além de tudo julgo exprimir os anseios e até a angústia dos interessados, liga-se com a situação de regularização de reembolsos previstos nas disposições legais inerentes à criação do fundo de estabilização do algodão. Verifica-se na verdade, e no momento presente, um atraso em tal regularização que atinge onze meses e com valores que creio cifrarem-se em largas dezenas de milhares de contos.
Os encargos e as perturbações que tal situação acarreta causam largos prejuízos aos interessados e prejudicam, consequentemente, a exportação.
A quem de direito, portanto, deixo o meu vivo apelo para que a normalidade seja um facto de breve realização.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Porque se enquadra também no espírito do debate, quero levantar uma vez mais nesta tribuna, o agora com a insistência e a acuidade que a situação determina, um problema que em minhas anteriores intervenções sobre a discussão da Lei de Meios nunca deixei de focar. Refiro-me às isenções de direitos alfandegários concretamente definidas pela Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945, e no que respeita à interpretação rigorosa da expressão "indústrias de reconhecida importância para a economia nacional" da alínea e.) da sua base IV, que lhe foi dada por decisão do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos de 14 de Maio de 1961, que igualmente! aprovou o critério para a concessão das facilidades previstas naquela referida base iv.
Será ocioso repetir ainda o esclarecimento dimanado do Ministério das Finanças e que era 27 de Janeiro de 1960
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foi enviado a esta Assembleia Nacional pela Presidência do Conselho. Satisfazia este esclarecimento judiciosa e pertinente reclamação na ocasião formulada pelo então ilustre Deputado Ex.mo. Sr. Eng.º José Rodrigo de Carvalho, na qual se apelava para a remoção de dificuldades de toda a ordem que obstavam, ao necessário e constante aperfeiçoamento técnico do equipamento da indústria têxtil.
Isto posto, é-nos lícito afirmar que não sabemos por que critério ou por que razões se vêm acumulando, sem despacho, processos de isenção, devidamente fundamentados e plenamente enquadrados nas normas orientadoras que referi, pois, que me conste, a matéria legal em vigor que os contempla não é ainda outra senão a que citei.
E não creio, por outro lado, que outras razões mais válidas se lhe tenham vindo sobrepor.
Se o problema do impasse que se verifica, e que tantas perturbações e prejuízos acarreta, deriva de implicações com a produção da indústria metalomecânica nacional, apenas me limito a referir que/importa considerar que a uma indústria como a do sector têxtil se exige um equipamento com" máquinas capazes de produzir em condições de qualidade e produtividade semelhantes às que equipam a indústria similar dos países nossos concorrentes.
Existem leis económicas que terão de ser respeitadas, se quisermos assegurar a ordem moral que as impõe e defender os benefícios que ao País advêm dos valores provenientes da exportação.
Quaisquer restrições impostas ao equipamento na presente conjuntura, e dentro do apertado condicionamento que a técnica actual determina, significariam condenar o País a um agravamento de preços dos seus custos de produção, bem como uma inevitável quebra de produtividade, por insuficiência dos processos modernos que lhe são impostos pela concorrência nos mercados.
Qualquer objecção a este facto, mesmo quando justificada por uma produção do sector metalomecânico têxtil, não fará senão impor uma inversão injusta à prioridade dos problemas, substituindo o desequilíbrio de um sector por o de um outro com demonstrados relevantes serviços prestados à economia do País.
Será caso para perguntar qual o melhor caminho a seguir: se apetrechar a indústria com o mecanismo que houver de mais moderno e eficiente para produção de artigos exportáveis em grande volume, para os quais a mão-de-obra está habilitada e é cada vez menor por esse nível de perfeição técnica, e de dispormos de condições favoráveis e experiência bem sucedida, ou se lançarmo-nos na montagem de indústrias para as quais, além de não dispormos de pessoal tão habilitado, não temos experiência, nem técnica, nem mercado, que as justifiquem, pelo nível que essa mesma perfeição exige, e temos, pelo contrário, manifestas dificuldades em as podermos manter, quer devido à dimensão do mesmo mercado, quer à concorrência internacional a que, por força da política económica respectiva viremos a ficar sujeitos nesse mesmo campo. Em parêntesis estabelecemos um paralelismo com o caso da indústria de construção de automóveis.
Certos de que o equipamento têxtil com máquinas da mais alta produtividade é um problema que interessa directa ou indirectamente toda a Nação, aqui se recomenda a atenção do Governo, particularmente do Ministério da Economia, no sentido de que os problemas pendentes sejam prontamente solucionados, com respeito aos princípios orientadores definidos e que serviram da base fundamental aos planos de reequipamento delineados.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Já vai longa- esta intervenção para me deter, como desejaria, sobre aspectos de reflexos práticos na execução de toda a nova legislação fiscal, particularmente quanto ao Código da Contribuição Industrial.
O sentido de justiça que o impregna e que ressalta na execução é um aspecto de elogiosa referência que não queria deixar de aqui realçar.
E facto que neste primeiro período da sua vigência, como se refere no preâmbulo da proposta, a aplicação do código na nova legislação obrigou, por um lado, a um importante trabalho de interpretação, necessário aliás à boa execução de todo e qualquer novo diploma legal, e, por outro lado, a um trabalho de carácter normativo de regulamento de certas matérias, ainda não inteiramente levado a cabo em alguns sectores e relativamente às quais a mesma só será possível depois de adquirida a imprescindível experiência.
E como o estudo de execução do código merece permanente atenção por parte da administração fiscal, daqui lanço a recomendação de uma necessária fixação de um sistema de normalização contabilística, contemplando, particularmente, os sectores mais expressivos de actividades tributáveis, assegurando-se assim uma base de justiça fiscal na apreciação de documentação contabilística que prepondere sobre critérios pessoais de quem tenha de controlar, mesmo seguros como estamos da sua justiça e isenção. Será assegurada assim, sem dúvida, uma uniforme e equitativa actuação de controle contabilístico.
Com a nova codificação foi criado, junto da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, o Serviço de Prevenção e Fiscalização Tributária, com um quadro de técnicos escolhidos, altamente especializados, que especificamente se consagram à apreciação dos elementos que servem para a análise de balanços dos contribuintes do grupo A. Porque nos é grato fazer justiça a quem a merece, aqui deixamos o destacado louvor ao sentido de elevada compreensão, esclarecimento e orientação de que se vem revestindo o referido serviço.
A norma adoptada de tanto quanto possível respeitar tradições contabilísticas seguidas pelos contribuintes é reveladora dos princípios que foram afirmados aquando da promulgação de toda a nova codificação. De desejar que idêntico critério seja respeitado quanto a contribuintes do grupo B, onde, em alguns casos, e pelo que sabemos, ocorreram, por parte dos verificadores, inúmeras correcções nos balanços de contabilidades regularmente organizadas, e sem que aos mesmos fosse concedido o direito que quanto aos contribuintes do grupo A está previsto por legislação especial constante do Decreto-Lei n.º 45 977, de 19 de Outubro, no seu artigo 1.º
Louvável ainda a preocupação de garantir a maior justiça na tributação pela promulgação, no período de vigência do novo código, de alguns diplomas ajustadores, de resto em cumprimento com o preceituado no próprio código.
Reportando-nos ao Código do Imposto Complementar, não podemos deixar de insistir sobre a necessidade de revisão de algum dos seus pontos, sobretudo daqueles que. visem uma melhor contemplação de defesa das famílias, e de uma mais profunda distinção entoe rendi-
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mento de trabalho e os restantes abrangidos pelo citado imposto. Esperamos que uma- lógica justiça social possa imperar no mesmo imposto.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - É apenas para aplaudir a intervenção de V. Ex.ª nesta matéria, porquanto me parece que as leis fiscais, afirmando um princípio inteiramente válido como seja o da protecção da família, se quedam em limites absolutamente inaceitáveis.
Por exemplo: no que diz respeito ao imposto complementar, só funcionam como elemento de correcção os filhos até aos 21 anos, quer dizer, numa altura em que precisamente um filho é um encargo muito maior para o pai, pois não me consta que haja cursos que permitam que um filho se forme aos 21 anos.
Outro aspecto é a pequena valorização que é dada à posição do cônjuge no agregado familiar.
E, pois, um conjunto de disposições que, correspondendo a um princípio certo, estão sendo executadas de forma deficientíssima.
O mesmo acontece, aliás, no abono de família.
O Orador: - É de facto lamentável este anacronismo num país onde a família é considerada um dos seus sustentáculos.
Sem grandes particularidades, apenas deixamos esta interrogação: Estará o legislador convencido de que um filho estudante, só porque tem já mais de 21 anos, deixou o seu pai ou tutor livre de todo ou qualquer encargo? Ou não será precisamente a partir dessa idade, enquanto não começa a trabalhar e adquire independência financeira, que mais sobrecarrega os réditos familiares? Julgo bem que não será difícil formular a resposta.
Sr. Presidente: Vou terminar. Antes, porém, e apoiando judiciosas asserções que ao facto já aqui foram produzidas, quero congratular-me com a acalentadora promessa que a proposta de lei nos deixa quanto às- providências que se anunciam para contemplar o funcionalismo público. Refere-se expressamente que será retomada a política iniciada em 1958, de harmonia com as possibilidades do Tesouro. O nosso ilustre colega Doutor Moura Ramos já apreciou devidamente o problema. Acrescento apenas que a disparidade flagrante existente entre os benefícios que a trabalhadores ou profissionais são dispensados pelo Estado ou entidades privadas não se compatibiliza com a necessidade crescente de uma cada vez mais profícua e capaz administração pública, seja do sector que for.
Compreendendo as implicações da conjuntura da defesa, aqui deixamos o nosso ardente voto para que a base XXVIII da proposta possa ter real contemplação.
Terminamos como começámos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, deixando o nosso confiante voto na generalidade à aprovação da Lei de Meios para 1965, com a fundada e segura esperança de que o programa visado se traduza em consolidação do presente e na construção do desejado futuro para a Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965 traduz, uma vez mais, o alto critério com que há anos a pasta das Finanças vem sendo gerida. Porém, ao deixar aqui expressa a minha concordância com as directrizes que presidiram à elaboração daquele diploma, não posso deixar de solicitar a atenção de V. Ex.ª para algumas observações que me cumpre fazer acerca da nossa política fiscal. Gostaria de não ser tão breve, mas, dada a escassez de tempo que a Assembleia tem para discutir e aprovar a Lei de Meios, julguei conveniente limitar esta minha intervenção a uns rápidos apontamentos.
E indubitável que o espírito que presidiu à reforma fiscal em cursa de execução - completada já no domínio dos impostos directos - se adequa ao estádio actual do nosso desenvolvimento económico, e tamanho é o brilho com que foi projectada que, não obstante o esforço extraordinário de defesa do ultramar português, não foi necessário recorrer a um agravamento de taxas, a fim de ser mantido o equilíbrio orçamental.
No entanto, afigura-se-me que o período de transição entre o anterior e o novo sistema tributário foi sobremaneira curto, por não ter sido acompanhado não só de um esforço de mentalização e de preparação do contribuinte, como também de esquemas apropriados para a fase de transição, facto que se repercutiu nos próprios serviços, que se viram a braços com tarefa excessiva relativamente à capacidade física dos respectivos funcionários. Estes foram uns obreiros, uns heróis da reforma tributária, muitas vezes esquecidos.
Na verdade, no próprio relatório que antecede a proposta de lei em análise se diz que:
Conquanto a administração fiscal houvesse dilatado enquanto lhe foi possível os prazos para as reclamações dos contribuintes, alguns houve que não se aperceberam da benévola atenção com todos havida e deixaram correr até ao fim os seus próprios direitos e obrigações, a uma revelia cujas consequências nem sempre lhes poderiam ser naturalmente favoráveis. Em tudo se procurou, porém, e sempre que possível, suprir a própria inércia ou a desatenção dos contribuintes.
Ora a verdade é que essa inércia e essa desatenção dos contribuintes deveriam ter sido tomadas como «dados» na elaboração de um plano ou esquema para um período de transição suficientemente longo. Atente-se, por exemplo, no que se passou com a contribuição industrial: muitos contribuintes foram notificados, em Dezembro de 1963, de que a partir do dia 1 de Janeiro de 1964 passariam a ser tributados pelo novo grupo A e que, portanto, deveriam organizar a sua contabilidade por forma a revelarem o lucro real do ano de 1963, para, por ele, serem colectados em 1964. Teria sido preferível, realmente, estabelecer um prazo de transição maior - por exemplo, de dois anos - a fim de evitar toda a série de complicações que sobrecarregaram a administração desta cédula fiscal.
Noutro aspecto se afigurou imperfeita a estruturação do período de transição. Refiro-me ainda, no domínio da contribuição industrial (mas com implicações noutros impostos), ao facto de a Administração ter aceite as contabilidades e os planos de contas das empresas, sem curar de elaborar previamente uma normalização contabilística sectorial que não só guiasse o contribuinte na determinação da matéria colectável, como também lhe fizesse vencer a referida inércia, quando ela tivesse existido.
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Por outro lado, são objecto de apreciação, caso por caso, importantes elementos, como sejam as taxas de amortização ou reintegração e as taxas das provisões, quando é certo que essas taxas já deveriam estar há muito sectorialmente fixadas.
Ora, parecendo que esta situação pode ser resolvida por meio de uma «benévola atenção» por parte dos serviços de administração fiscal, a verdade é que origina inevitavelmente injustiças fiscais. Assim, uma empresa que tenha utilizado taxas de amortização muito elevadas pode ver o seu lucro tributável reduzido relativamente a outra firma, do mesmo ramo de actividade, que tenha utilizado outras taxas mais baixas do que aquelas; ora, a lei fiscal deve ser fundamentalmente objectiva e dar o mesmo tratamento a casos iguais. Um exemplo nesta matéria permitirá pôr a claro casos de injustiça fiscal originados pela inexistência de um regime de transição convenientemente estruturado. Suponhamos duas empresas, com elevados capitais fixos, que efectuam amortizações ou reintegrações pelo método de quotas constantes, A taxa anual de 10 por cento, taxa esta, por hipótese, aceite pelo fisco.
Logo, em dez anos efectuam a reintegração total dessas imobilizações técnicas. Mas admitamos que uma adquiriu as instalações no ano transacto, enquanto a outra as constituiu há mais de dez anos. Ora, o critério seguido actualmente pela administração fiscal considera que a primeira tem direito a amortizar os equipamentos, enquanto a segunda não pode reintegrá-los, pelo que terá um rendimento colectável muito superior, supondo todos os restantes elementos iguais.
Na verdade, o facto de uma empresa empregar maquinismos adquiridos há vários anos não deve constituir razão para impedir que ela efectue deduções ao rendimento colectável através de quotas e de prazos de amortizações normais, visto que todas as empresas se devem encontrar perante a mesma situação fiscal: têm determinados proveitos e certos custos, e estes não devem ser calculados mais ou menos favoravelmente para esta ou para aquela empresa em razão da situação contabilística em que se encontravam no momento em que começou a ser aplicado o novo sistema tributário. Aliás, esta ideia encontra paralelo na Portaria n.º 20 258, de 28 de Dezembro de 1963, que permitiu a reavaliação do activo imobilizado das empresas. O espírito desta disposição legal consistia, como é óbvio, em colocar todas as empresas em igualdade de situações de custos, para efeitos do cômputo da matéria colectável.
Por outro lado, se estes desequilíbrios e injustiças tenderão a desaparecer, outros há que, nos termos do actual Código da Contribuição Industrial, continuarão a ser mantidos. Refiro-me ao caso das firmas importadoras e exportadoras que são efectivamente delegações de empresas estrangeiras, que efectuam, respectivamente, a importação e a exportação das mercadorias por aquelas transaccionadas e que manipulam os preços de venda ou de compra por forma a transferirem para fora do País os lucros que aqui deveriam ser tributados. Isto é, observa-se uma exportação de capitais que é incentivada pela possibilidade de evasão fiscal. Parece-me que este problema deveria ser objecto de um estudo aprofundado, visto que pode dar-se o caso de o actual sistema introduzir distorções importantes nas condições concorrenciais contra as empresas portuguesas que não tenham iguais possibilidades de evasão.
Quero terminar estas breves considerações acerca da nossa reforma tributária perguntando se não seria possível, ao menos para as sociedades, que as diversas cédulas fiscais dessem lugar a uma concentração quanto à determinação da matéria colectável e da respectiva liquidação. Na verdade, o sistema actual parece ser sobremaneira complexo, tendo as empresas de suportar o pesado encargo - tanto maior quanto menor for a sua dimensão - da manutenção de uns tantos empregados para resolverem os problemas riscais que surgem no decurso de um exercício. Ora, trata-se de uma actividade do sector terciário, no qual a concentração excessiva da nossa população activa não revela um interesse primordial, do ponto de vista do nosso desenvolvimento económico, pelo que toda a simplificação que originasse um aumento de produtividade burocrática seria inegavelmente valiosa. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: De acordo com o que havia anunciado, de novo volto a usar da palavra durante o debate em curso, desta vez para chamar a atenção do Governo para a situação a que o mesmo conduziu as Santas Casas da Misericórdia que têm hospitais a desempenhar as funções de hospitais regionais.
Por hoje falarei apenas destas, sem, contudo, esquecer a meritória e insubstituível acção que, por igual, as outras Misericórdias vêm desempenhando por esse País fora, acção que nem sempre é devidamente apreciada, como mais adiante teremos, tristemente, ocasião de verificar.
Sr. Presidente: Às Misericórdias que foram chamadas ao desempenho dessa tarefa - a tarefa de servirem de cabeça às regiões hospitalares - não foram, até agora, dados meios que lhes permitam financeiramente fazer face à situação que lhes criaram.
Chama-se a isto, em linguagem plebeia, desapertar para a esquerda. As Misericórdias vinham, serenamente, desempenhando a sua função, função benéfica e primacial, no campo hospitalar, que nada, absolutamente nada, nem muito menos doutrinas de sabor mais ou menos marxista que por aí, timidamente umas vezes, atrevidamente outras, se mostram, consegue fazer diminuir. A eloquência dos números é sobejante para quebrar os dentes aos detractores, partidários de mais uma máquina estatal, com a consequente legião de funcionários e despesas incalculáveis, que bem se podem aferir pelo que ao Estado custam os Hospitais Civis de Lisboa, de Santa Maria e de S. João.
Impostas novas condições de trabalho e alargada a sua esfera de acção, que em muito aumentou os encargos das beneméritas instituições que o espírito cristão de uma rainha de Portugal criou, o Estado contentou-se em as ornamentar com o pomposo título de hospitais regionais e em lhes despachar, através das aliás úteis e necessárias centrais de orientação de doentes, uma avalancha de enfermos, e esqueceu-se de lhes fornecer os meios necessários para que elas possam dar conta do serviço de que as encarregou.
No Norte, Sr.. Presidente, e começando por falar daquela que dirijo, os débitos vão-se amontoando, correndo assim ao mesmo passo dos chamados hospitais centrais, uns e outros - regionais e centrais - com uma vida financeira em frisante contraste com a disciplina que, neste capítulo, tem sido característica do regime de Salazar.
Dizem-me que só os hospitais centrais deviam, em fins de 1963, perto de 80 000 contos.
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O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Elísio Pimenta: - Gostava que V. Ex.ª, podendo, me respondesse à seguinte pergunta: essas dívidas já foram pagas ou não?
O Orador: - Tanto quanto eu sei, podem ter sido atenuadas, mas não com certeza totalmente pagas.
O Sr. Elísio Pimenta: - O Hospital de Santo António é padrão dos hospitais.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Mas continuam a prestar assistência!
O Orador: - Quem está à frente de um hospital tem muito interesse em manter as contas do hospital em dia, mas não pode fechar a porta aos doentes.
O Sr. Rocha Cardoso: - Grande resposta!
O Orador: - E não só no Norte, como em todo o Pais. Há tempos, em sessão pública, o ilustre provedor da Misericórdia de Évora denunciava a aflitiva situação financeira da instituição que dirige, calculando os seus débitos em mais de 4000 contos.
E, no entanto, bem merecem as Misericórdias melhor auxílio e compreensão, pois sem elas a assistência hospitalar neste país seria verdadeiramente incomportável para o Orçamento Geral do Estado.
Vejamos alguns números: a Misericórdia dê Braga internou, no ano de 1963, 5928 doentes, com uma permanência de 113 876 dias. Fizeram-se 1901 operações de grande cirurgia e 536 de pequena cirurgia. As consultas externas, não tendo em conta o seu serviço de assistência domiciliária aos doentes, foram de 6325 em medicina geral, 2861 em cirurgia geral e 17 494 em especialidades.
Para toda esta acção desenvolvida, não contando os honorários médicos, gastaram-se 4 240 057$50 e o Estado contribuiu apenas com 1600 contos, quantia que achou excessiva, porque este ano, apesar do aumento de doentes e consequente aumento de despesa, entendeu dever reduzir para 1550 contos a sua contribuição.
Foi, pois, da ordem de 38 por cento a contribuição do Estado para o desenvolvimento de tão larga acção. E a média diária de internamento de doentes foi de 42$05, que podemos comparar à dos hospitais de Coimbra, que foi de 82$. Comparamos ao Hospital Central de Coimbra - que julgamos ao nível do de Braga - para, sem desdouro para a sua administração, que sabemos ser eficiente, pois conhecemos e apreciamos bem quem a chefia, poder afirmar que os administradores das «horas vagas», como são classificados no último número da Revista dos Hospitais os beneméritos mesários das Misericórdias, sabem administrar, e bem, pelo que se verifica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Misericórdia de Viana do .Castelo teve 2146 doentes hospitalizados e realizou 495 operações de grande cirurgia e 263 de pequena cirurgia e o movimento das suas consultas externas andou por perto de 8000. São deficientes as condições em que a Misericórdia exerce a sua acção, nomeadamente quanto a instalação e apetrechamento, e o Estado não contribuiu para o cômputo geral da despesa (l 389 864$30) cem mais de 220 contos, ou seja com uma percentagem de 16 por cento.
Vila Real teve um movimento de 2367 doentes, com 43 125 dias de permanência e um custo médio de diária de 36$03. As despesas dos serviços hospitalares somaram 2 216 508$90, com um subsídio do Estado de 375 contos, ou seja uma percentagem de 17 por cento.
Bragança, agora a caminho de ver resolvido o problema das suas instalações, hospitalizou 1639 doentes, com 31 103 dias de permanência, e a percentagem do subsídio do Estado andou pelos 49 por cento.
Quanto a Guimarães, a situação é verdadeiramente assustadora. Criou-se a região hospitalar e entregou-se assim à Misericórdia o encargo de assistir a uma zona de população densíssima. Até agora nem se lhe deu o prometido edifício, como se impõe, nem o subsídio do Estado acompanhou as necessidades que foram criadas. 2 746 681$ foi a despesa hospitalar e o Estado contribuiu apenas com 450 contos, ou seja 16,5 por cento. Quanto a instalações, podemos dizer que, por vezes, como vem sendo praticado em Bragança, há que recorrer ao expediente de deitar dois doentes numa cama.
Para Guimarães, se tivéssemos em conta o custo das diárias verificado no Hospital de Santa Maria no ano de 1962 (138$80), seria preciso um subsídio de 10 000 contos e para Braga da ordem dos 15 000 contos.
Não me venham dizer que os hospitais centrais têm de ter outras técnicas, etc. Os doentes são todos iguais e reclamam por igual os mesmos cuidados e necessitam dos mesmos meios de diagnóstico e tratamento.
Não se julgue que só os médicos das grandes capitais têm o direito de ter à sua disposição os meios necessários ao bom desempenho da sua tarefa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As Misericórdias não pedem tanto, pedem apenas que lhes sejam substancialmente aumentados os seus subsídios - que não são mais do que a leve paga do serviço que prestam ao Estado, a que não pertencem, é bom frisar - de modo a poderem pagar melhor ao seu pessoal e aperfeiçoar as suas técnicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: As Misericórdias pedem ainda - pedem não, exigem, porque o uso do que é de direito não se pede - que seja respeitada a sua autonomia e que se não dêem largas a doutrinas que reclamam uma maior intromissão do Estado nas instituições que, de modo algum, em paga dos serviços extraordinários que têm prestado, podem ser ameaçadas nos seus direitos e nas suas liberdades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fala-se num regulamento para os hospitais regionais. Não se me afigura incompatível a elaboração desses regulamentos-tipos com a autonomia das Misericórdias, mas devem estas ser previamente ouvidas, pois seria abusivo e insólito que assim não fosse. Não pode o regulamento que o Sr. Ministro da Saúde e Assistência anunciou deixar de atender à específica maneira que caracteriza cada instituição, terra e até usos e costumes. Não podemos destruir o espírito tradicional das Misericórdias, que têm por base a caridade cristã.
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O Sr. Gonçalves Rapazote: - Uma coisa é regulamentar os serviços e outra é as obras de misericórdia. Estas não têm regulamentação.
O Orador: - Quererei eu, ao reclamar que seja mantida a autonomia das Santas Casas dentro do espírito corporativo que deve presidir a todos os actos de um regime que o diz ser, negar ao Estado o seu direito de coordenação, orientação e fiscalização? Longe disso. Reconheço que os serviços de saúde têm tão grande importância, que não é possível ao Estado divorciar-se deles. Mais, defendo, e até agora nada se fez de sério nesse sentido, que deve ser estabelecida uma inspecção permanente que oriente e fiscalize as Santas Casas da Misericórdia, quer quanto aos serviços técnicos, quer mesmo quanto aos serviços administrativos.
E menos verdadeiro - refiro-me à generalidade - que os Srs. Provedores e Mesários, como aqui informou o ilustre Deputado e querido amigo Dr. Santos Bessa, se mostrem pouco permeáveis à acção da Direcção-Geral dos Hospitais. Tanto quanto sei, e seio por experiência directa, pois faço parte da Comissão Inter-Hospitalar do Porto, essa acção tem sido bem compreendida e até desejada.
O que se torna necessário é que o bom ambiente existente não seja perturbado por medidas intempestivas ou por escritos mal pensados, como aquele que surgiu aos meus olhos na revista Hospitais Portugueses n.ºs 146 e 147, em que, a par de muita coisa certa, se escreveram verdadeiras enormidades..
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Governo, pelos números que tem ao seu alcance, julgará da cuidadosa administração dos «administradores improvisados», que assim vêem premiado o horrível crime de ocuparem as «horas vagas» em obras de caridade, levando aos hospitais o carinho do seu espírito cristão que perturba os administradores estatais que anseiam pela hora de lançar mão aos réditos que a caridade cristã amontoou através de gerações.
Ainda hoje muitas casas de assistência estão pagando caro - nomeadamente as Misericórdias - a intromissão estatal de 1910. Ao apelar para o Governo, confio no bom senso do Sr. Ministro da Saúde e Assistência e não quero também deixar de ter uma palavra de apreço para com o ilustre director-geral dos Hospitais, credor do meu maior respeito e admiração, aquela admiração e respeito que são devidos a todos aqueles que se empenham com inteligência e afinco nas funções em que são investidos.
Sr. Presidente: Só mais uma palavra. Fala a Lei de Meios nas providências a tomar quanto ao funcionalismo público. O Governo é senhor da situação e sabe bem as dificuldades que rodeiam os servidores do Estado, como conhece as implicações que o caso apresenta.
Quanto ao problema da habitação, e nomeadamente quanto à província, manda a verdade que eu diga que não vejo que estejam previstas medidas que venham a pesar na balança, como se costuma dizer.
Quanto à execução do Decreto-Lei n.º 45 002, que criou a assistência aos doentes servidores do Estado, nada se vê que possa justificar a demora na execução dos objectivos do referido decreto, que, sem resolver a situação, seria, no entanto, contributo apreciável a ter em conta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não há que criar novos serviços ou novos estabelecimentos, como muito bem se diz na proposta de lei. O estabelecimento de contratos de prestação de serviços com os organismos hospitalares resolverá o problema e até poderá contribuir para que estes vejam melhorada a sua situação financeira.
Em Braga, consegui, em quinze dias, estabelecer um modus vivendi com a Caixa Regional de Previdência, que frutuosamente resolveu muitos problemas. É um caso que, com agrado geral, repito, não se compadece com demoras, quanto a mim, injustificadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria um bom presente de Natal a solução do problema, já que outra maneira de resolver a angustiosa situação dos servidores do Estado não se adivinha através da proposta de lei que estamos discutindo, como seria para desejar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Termino, Sr. Presidente, dando mais uma vez o meu apoio, à proposta em discussão, mas pedindo ao Governo que considere a situação aflitiva em que se encontram os hospitais, nomeadamente os hospitais regionais, e ainda que este tenha em conta que as Misericórdias são pertença do povo cristão que através de gerações se foram enriquecendo e que a sua autonomia tem de ser respeitada sem prejuízo dos poderes de coordenação e inspecção que, em matéria de tanta magnitude, sem dúvida, cabem ao Estado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -- Que tudo se faça sem atitudes que possam prejudicar o bom espírito de entendimento que até aqui tem reinado.
Quanto à resolução do problema da assistência aos doentes servidores do Estado, peço ao Governo que, sem demora, resolva o que nada justifica tenha sido anunciado há tanto tempo e até agora não passou do Diário do Governo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: Não tencionava intervir na apreciação da proposta de lei de meios. Circunstâncias diversas acabaram, todavia, por me decidir a abordar um problema de grande interesse: o problema habitacional. E certo que o assunto poderia ter sido tratado durante a discussão do Plano Intercalar de Fomento para 1965-1967, tanto mais que as considerações que produzirei acompanham de perto os temas, e a sua sistematização, do capítulo que naquele documento se ocupa da habitação. Mas a matéria não ficará deslocada no presente debate, aliás tradicionalmente voltado à análise das questões fundamentais da política geral, em virtude de a proposta de lei em discussão se referir a um aspecto importante da crise de alojamento e visar o estabelecimento das condições financeiras indispensáveis ao começo de execução do Plano de Fomento para o próximo triénio. Verificar-se-á que as minhas considerações se afastam, frequentes vezes, dos moldes que normalmente condicionam e caracterizam as intervenções parlamentares. Simplesmente, a natureza do assunto e a vantagem de tornar conhecidos da Assembleia elementos que, há dias, apresentei à Comissão Eventual para o Estudo Prévio do Plano
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Intercalar impediram-me de imprimir ao meu trabalho feição e estrutura mais adequadas.
A esta explicação aditarei ainda duas palavras.
À primeira a pedir a benevolência de todos para as insuficiências e lacunas da minha intervenção. Preparada em escassos dias, no meio de uma vida saturada de preocupações e trabalhes, não poderia, mesmo dispondo de mais tempo, afastá-las, por decorrerem das minhas próprias limitações.
A segunda palavra é para render homenagem do mais vivo apreço ao Ministro Pinto Barbosa, que, ao elaborar, com alto critério e o melhor sentido dos interesses da comunidade, a proposta de lei de meios para 1965, prestou ao Pais novo e extraordinário serviço, a juntar a tantos que enchem e enobrecem a sua admirável carreira de estadista e atestam a sua rara envergadura intelectual e moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ÂMBITO DOS PLANOS DE FOMENTO ECONÓMICO - Limites do planeamento económico. - A definição do âmbito e das finalidades dos programas de fomento económico exige naturalmente a análise dos diversos problemas ligados à acção governativa. Um planeamento daquela índole tem, pois, de tomar em conta tudo o que, directa ou indirectamente, pode ter repercussão no crescimento económico.
Mas o reconhecimento desta verdade não pode levar, por si, à conclusão de que um plano de fomento económico deva inserir, no acervo das suas rubricas ou objectivos, as diferentes matarias da política de desenvolvimento e progresso do País, pois muitas delas não se ajustariam à natureza de tal programação. Entendimento diverso conduziria logicamente a transformar um plano de fomento económico em plano geral de política económica, social e cultural do Estado. Cair-se-ia num empolamento programático unitário, que, podendo oferecer certas vantagens, traria também inconvenientes de vária ordem e redundaria, afinal, na substituição de um plano específico de carácter económico por outro mais amplo e mais ambicioso, abrangendo globalmente os diversos aspectos da actividade nacional.
O ensino e a saúde nos programas de crescimento económico. - Nota-se, porém, uma tendência para inserir nos esquemas do planeamento económico assuntos de feição educativa e social. Essa tendência denuncia-a já o Plano ainda em curso, que inclui matérias referentes a investigação e ensino técnico, embora apenas as relativas às construções destinadas a este ensino e à investigação aplicada nalguns ramos mais directamente ligados às actividades produtivas de que o Plano se ocupa. E acentua-se no Plano Intercalar para 1965-1967, logo em matéria de educação, pois agora, sob a rubrica «Ensino e investigação», pretende-se ir, e realmente vai-se, mais longe. Com efeito, entendeu-se que o Plano deveria compreender não apenas os aspectos do ensino e da investigação mais relacionados com a vida económica, como são o ensino técnico e a investigação aplicada, «mas todos os que concorrem para valorizar intrinsecamente o homem e para aumentar os meios de acção ao seu dispor, na medida em que, assim, todos contribuem para a intensificação e aperfeiçoamento do potencial produtivo da população».
Abstraindo do sabor pouco humanista da fórmula que o Governo escolheu para apresentar a justificação, direi apenas que, irais cedo ou mais tarde, terão de ser integrados forçosamente no Plano todos os assuntos relacionados com a instrução e a educação. Deixaremos, assim, de ter una programa de crescimento económico, para termos um plano de amplitude e configuração muito mais vastas. E acabar-se-á mesmo por incluir no Plano muitas outras matérias, já que, em relação a elas, razões idênticas se podem produzir.
No que toca ao domínio da educação, este rumo constitui ou poderá constituir método de realização, em conjunção íntima com os aspectos económicos do, por muitos almejado, plano de fomento cultural? Confesso que não vejo como esta ideia possa materializar-se através de um plano de fomento que, não obstante a maior ou menor largueza do seu campo de acção, dificilmente deixará de ter o acento tónico nos aspectos económicos.
Quem pretender, pois, enveredar por este caminho talvez vá com maior segurança se partir da elaboração de um plano independente de sentido educacional, aliás como através da legislação de 27 de Outubro de 1952 se fez no sector do ensino primário e da educação de base. De facto, o Decreto-Lei n.º 38 968 e o Decreto n.º 38 969, dessa data, constituem o I Plano da Educação que entre nós se delineou. Foi então anunciado como Plano de Educação Popular e nele se integrou a Campanha Nacional de Educação de Adultos, que muitos ainda hoje identificam com o Plano e que não é senão uma das múltiplas iniciativas que dele constam. Este programa de acção atingiu plenamente os seus objectivos. Três anos depois, em 1955, pôde proclamar-se que todos os menores sujeitos à obrigatoriedade do ensino se encontravam a receber instrução, sendo certo que poucos anos antes aproximadamente 200 000 crianças não frequentavam a escola. Por isso, já o volume da estatística da educação de 1954-1955, do Instituto Nacional de Estatística, registava que «os resultados extraordinários obtidos possibilitarão a resolução do problema do analfabetismo posto há 120 anos entre nós com o estabelecimento da obrigatoriedade da instrução primária».
Alude-se a isto porque a conveniência de autonomizar o planeamento para o sector educativo ganha, desta forma, maior força. É neste espírito, com certeza, que o Ministério competente se vota agora à elaboração do chamado planeamento da acção educativa, elaboração para a qual - seja-me lícito dizê-lo - tive a honra de ser chamado a contribuir na parte relacionada com a instrução primária.
Por outro lado, o Plano Intercalar, ao contrário do que sucedia com os planos anteriores, abrange também a habitação e a saúde.
Quanto à saúde, o parecer subsidiário da Câmara Corporativa formula dúvidas sobre a bondade da inclusão, frisando que os planos de fomento devem ser precisos e restritos e dar prioridade a alguns grandes empreendimentos de carácter acentuadamente reprodutivo. São desse douto parecer estas palavras: «Se se distinguisse no projecto do Plano a produção de bens e de serviços, talvez se pudesse entender a inclusão da saúde, aliás em posição destacada, entre outras matérias, dentro do sector dos serviços», como se fez no 1.º plano quinquenal turco (1963-1967) e nos planos franceses, sobretudo no IV (1961-1965), onde os «investimentos sociais», entre os quais se contam os da saúde, precedem os investimentos económicos propriamente ditos.
A Câmara Corporativa, no seu notável parecer geral, não adere, porém, a tal pensamento. Partindo de que uma política de desenvolvimento só pode aceitar-se e promover-se para o serviço do homem como processo é uma transformação da estrutura económica e social capaz de corrigir situações inferiores, e como política, e, portanto, como plano, é uma mobilização racional e deliberada dos recursos da comunidade para o triunfo
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sobre os males sociais"), a Câmara, através de uma fundamentação nem sempre clara, conclui pela afirmação de que representa um progresso a inserção do tema "saúde" nas preocupações objectivadas através do Plano. E, por fim, considera suficientes para a justificação do novo capítulo estas razões:
A essencialidade, a par de outros, do consumo-saúde.; a organização do sistema e das condições de trabalho dos seus servidores; a exigência de aumento das produções de serviços e de produtos destinados à saúde; a orientação a que obriga sobre parte importante da população activa; e a coordenação entre tantos agentes, como entre o sector privado e o sector público.
Não discuto a procedência destas razões se com elas se pretende justificar a necessidade de planear, racional, e eficazmente, as bases e os objectivos da política da saúde, mas não me inclino a considerá-las decisivas para legitimar a integração do. tema num planeamento económico. Posso reconhecer que, de momento, há vantagens sociais e políticas nesse enquadramento, mas daí a aceitar, como razões permanentes e de fundo, as invocadas no parecer geral da Câmara, em discordância do parecer da secção de Interesses de ordem espiritual e
cultural, vai certa distância, que não vejo possa vencer-se à custa da argumentação aduzida. De qualquer modo, a reputar-se esta válida, parece que deve implicar, então, a necessidade de, nos planos de desenvolvimento, se inserirem todas as actividades sociais e culturais, encaradas no seu mais lato significado.
A construção de habitações - elemento propulsor da actividade económica. - E no que toca à habitação? Entre nós tem vigorado por de mais a ideia de que, no respeitante à apeleração do incremento económico, os investimentos em habitação se situam entre os de fraca produtividade. Estou mesmo convencido de que esta ideia tem sido a principal responsável por não se haver avançado mais no combate à crise de alojamentos.
Ora, a verdade é que os investimentos na construção de casas interessam necessariamente aos planeamentos de desenvolvimento económico, se estes se apresentarem harmonizados. Tais investimentos podem e devem mesmo considerar-se directa e acentuadamente reprodutivos. Já no célebre Plano Vanoni, para a Itália, a construção de habitações foi colocada entre os empreendimentos propulsores da economia, e não entre aqueles a que se fazem concessões por motivos de ordem social. Com efeito, entendeu-se, e bem, 1 que a construção de habitações está relacionada com uma mais perfeita absorção e uma melhor distribuição de mão-de-obra e provoca a activação de numerosos sectores produtivos, como os das indústrias de cerâmica, vidro, cimento, madeiras, metalurgia e outras, as quais, em regra, não exigem forte densidade de capital.
Pode acrescentar-se que, em vários países, alguns programas de industrialização foram retardados por não haverem sido satisfeitas a tempo as necessidades habitacionais. Por outro lado, ainda em recente publicação de uma organização internacional se salientava que a habitação ocupa lugar especial no desenvolvimento económico. Chega mesmo a reconhecer-se que os planos de habitação são da categoria dos chamados "programas de serviços públicos", podendo ainda, na medida em que concorrem para o crescimento económico, equiparar-se aos "programas de serviços públicos económicos", como os relativos, por exemplo, às comunicações e à energia.
Note-se que uma das razões que levaram alguns países a estimular a política da habitação foi a de melhorar a
produtividade, além do mais, por se saber que os operários mal alojados ou vivendo a grande distância dos locais de trabalho não poderão dar o melhor rendimento.
Também isto reforça a ideia da interdependência estreita que existe ou deve existir entre o fomento económico e o progresso social. É difícil distinguir um do outro, em especial quando se pretenda, simultaneamente, criar fontes de trabalho e coordenar a política da habitação com um desenvolvimento regional equilibrado.
Foram estas, em resumo, as considerações que me determinaram a preconizar a inclusão do fomento habitacional nos esquemas do II Plano de Fomento. Tal orientação não pôde vingar, então, por motivos ponderosos, embora a previdência social, não obstante a afectação de parte dos seus recursos a fins diversos, tivesse prosseguido o seu grande esforço no combate à crise de alojamentos.
Recordo este facto para frisar quanto me apraz ver no Plano Intercalar um capítulo sobre habitação. De resto, tudo o que disse relativamente às matérias da saúde e do ensino e investigação não me conduz a qualquer esboço de censura: desejei apenas exprimir dúvidas quanto à medida em que podem, em rigor, amoldar-se à índole e à estrutura de um planeamento económico.
A importância da indústria de construção no desenvolvimento económico e social. - No domínio das indústrias ligadas à habitação, se muito interessa fomentá-las e patrociná-las, importa também submetê-las a uma disciplina capaz de afastar a desorganização que as vai prejudicando - sem com isso, naturalmente, se afectarem a livre iniciativa e o acesso normal à actividade, sujeita esta. embora, a condições gerais mínimas de carácter técnico e financeiro. Só realizando investigação, só aumentando a produtividade, só racionalizando e melhorando os métodos do trabalho e normalizando os materiais e os outros elementos a utilizar se poderá obter a redução dos custos e assegurar a qualidade da construção.
E bom não perder de vista que o número de alojamentos construídos na metrópole anda ultimamente por 41 000 em cada ano, e, como o seu custo unitário médio não é inferior a 80 contos, verifica-se .que o valor investido na construção de novas habitações atinge, anualmente, cerca de 3 300 000 contos.
Um publicação do Instituto Nacional de Estatística refere que, através das suas múltiplas formas de actividade, a indústria de construção e obras públicas contribui com cerca de 50 por cento para a formação do capital bruto fixo global. Por outro lado, à habitação corresponde, quase por toda a parte, aproximadamente, metade do efectivo total, directo e indirecto, do sector da construção. Acentue-se que, em 1960, a construção e obras públicas empregavam 227 200 trabalhadores, o que representa um terço da mão-de-obra utilizada nas diversas indústrias transformadoras. Sendo assim, urge tirar do investimento em habitação todo o possível rendimento - não apenas o rendimento social mas também o económico - e das que ele deva enquadrar-se ou ser tomado em conta nos planeamentos da natureza do que acaba de prender a atenção da Assembleia. De outra maneira, não se harmonizam e coordenam o esforço e a evolução das indústrias da construção com o desenvolvimento das outras actividades, nem será possível colocar à disposição das famílias alojamentos em condições aceitáveis do ponto de vista qualitativo e quantitativo, nem tão vultosa participação dos capitais investidos na habitação contribuirá, em correspondência com o seu apreciável valor, para a formação efectiva do rendimento nacional.
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E posso concluir como fiz já, algures, em Março de 1961, na inauguração de novos agrupamentos de casas de renda económica:
A não consideração das vantagens de uma rasgada política de construção de casas de rendas modestas nem sequer poderá dar satisfação aos que julgam * inconciliável o fomento habitacional com os planos de desenvolvimento económico. De qualquer maneira, seria condenável que, para se obter uma aceleração no incremento económico, se esquecessem as mais instantes necessidades de ordem social, mormente se elas se confundem com as exigências fundamentais da vida. De resto, se há poupanças a fazer e a orientar no sentido do progresso económico imediato, a verdade é que nunca deverão conseguir-se com o prejuízo dos programas de habitações para as classes de mais fracos recursos, mas antes reduzindo ou eliminando, onde; os houver, gastos sumptuários ou consumos supérfluos, através de medidas que actuem eficazmente na origem do fenómeno mais do que nas suas consequências.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS DAS PROVIDÊNCIAS TOMADAS NO COMBATE À CRISE DE ALOJAMENTOS - Os primeiros regimes legais da habitação social. - Na apreciação, que terá de ser. sucinta, do problema habitacional, convirá começar por aludir à obra até agora realizada, especialmente quanto à formulação jurídica das diferentes modalidades de moradias de feição social.
Sabe-se que a primeira tentativa para enfrentar a questão se materializou em 1918 e 1919, através dos Decretos n.ºs 4137, 5397 e 5443, nos quais se programava a construção de bairros sociais e se estabelecia que as primeiras mil casas deveriam estar concluídas em 1920. Foi iniciada a construção dos primeiros bairros previstos: Ajuda e Arco do Cego, em Lisboa, e Arrábida, no Porto. Mas nenhum veio a ser acabado até 1926, não obstante o expressivo dispêndio neles feito.
Malograda esta experiência, só em 1933 com a promulgação do Decreto-Lei n.º 23 052, de 23 de Setembro, se dão, com segurança, os primeiros passos da nossa política habitacional. E então definida a modalidade de "casas económicas" destinada a conferir aos trabalhadores a propriedade de habitação, através de um sistema de amortização e seguros fixado de modo a deixar a família do morador-adquirente acautelada contra os riscos principais. Constitui-se então o Fundo das Casas Económicas, que veio permitir a conclusão dos bairros começados dezasseis anos antes e a execução do novo e mais vasto programa habitacional, em cooperação com as câmaras municipais.
Sem modificar os princípios informadores daquele diploma, outros se lhe seguiram a facultar os meios financeiros indispensáveis à construção de novos agrupamentos e a actualizar e aperfeiçoar as condições de atribuição das moradias.
Consolidação e ampliação doa regimes legais da habitação económica. - Entre outros diplomas, merecem especial menção o Decreto-Lei n.º 28 912. de 12 de Agosto do 1938, que aprovou um programa de "casas económicas" para- Lisboa e de "casas desmontáveis" para substituir alguns dos chamados "bairros da lata"; o Decreto-Lei n.º 33 278, de. 24 de Novembro de 1943, substituído pelo Decreto-Lei n.º 35 602, de 17 de Abril de 1946, que estabeleceu mais vasto plano de construção de "casas económicas", plano para o qual se proporcionaram os necessários recursos; o Decreto-Lei n.º 39288, de 21 de Junho
de 1953, que, além de actualizar os limites de rendimento para a habilitação às "casas económicas", modificou algumas normas relativas à classificação dos candidatos, autorizou os empréstimos aos moradores e instituiu o serviço social nos bairros; o Decreto-Lei n.º 39 978, de 20 de Dezembro de 1954, que criou um novo tipo de casas económicas (o n.º 4), especialmente destinado a famílias numerosas, e os Decretos-Leis n.ºs 40246 e 40552, respectivamente de 6 de Julho de 1955 e 12 de Março de 1956, aos quais se fará adiante mais desenvolvida referência.
Em paralelo com a política de casas de propriedade resolúvel, foi tomada, através da Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1947, a iniciativa da construção de "casas de renda económica" nos centros urbanos e industriais, por sociedades cooperativas ou anónimas, organismos corporativos ou de coordenação económica, instituições de previdência social, empresas concessionárias de serviços públicos ou outras entidades idóneas de direito privado.
As casas de renda económica t a, previdência social. - Foi, porém, a previdência social que contribuiu de modo decisivo para a concretização do generoso pensamento da Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1947, relativa às casas de renda económica. Este êxito filia-se no Decreto-Lei n.º 35 611, de 25 de Abril de 1946, da iniciativa do Dr. Castro Fernandes, então .Subsecretário de Estado das Corporações e a cuja lúcida visão e firme determinação a Previdência e a política habitacional ficaram a dever estímulos tão poderosos que ainda hoje se fazem sentir benèficamente.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - Na verdade, este diploma conferiu à Previdência papel de relevo no combate à crise de alojamentos, através da construção de "essas de renda económica". Mas no que respeita a casas em regime de propriedade resolúvel, as caixas nada fizeram até 1955, apesar de esse diploma ter mantido o princípio de que poderiam investir os seus valores na construção de habitações daquela modalidade, em comparticipação com o Estado, através do Fundo do Desemprego. Com efeito, como não foi concedida qualquer comparticipação, não se tornou possível à Previdência construir casas de propriedade resolúvel, tanto mais. que o nível das prestações fixadas por lei tornava inviável a obtenção da rentabilidade exigida na aplicação dos capitais das instituições do seguro obrigatório.
A previdência social no fomento da habitação de propriedade resolúvel. - Neste aspecto, é decisivo o Decreto-Lei n.º 40246, de 6 de Julho de 1955, que se me afigura das mais notáveis medidas do. Ministro Soares da Fonseca. Esse diploma veio abrir amplas perspectivas ao emprego das disponibilidades da Previdência na luta contra a crise habitacional. Para esse fim, celebrou-se um acordo com o Ministério das Obras Públicas, acordo que. todavia, não teria integral execução se, entretanto, o Decreto-Lei n.º 40 552, de 12 de Março de 1956, que me foi dado subscrever, não viesse criar condições mais viáveis à construção de casas económicas. Constituía, na realidade, sério obstáculo o facto de as prestações mensais a pagar pelos adquirentes variarem conforme a fonte de financiamento (Estado ou Previdência) e não assumirem, por outro lado, maleabilidade suficiente para SE amoldarem à situação económica dos pretendentes da? diversas regiões do País.
Consagrou-se, por isso, o princípio da compensação do encargos entre as .diferentes localidades e entre as vária, classes de moradias, o que redundou em eficaz protecção aos agregados familiares de mais modestos recursos e
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em especial, aos da província, abandonando-se, por inadequado e injusto, o critério da uniformidade das prestações mensais. O mesmo diploma criou ainda a classe a para trabalhadores com rendimentos mensais até 1400$, que até aí não podiam, por impedimento legal, concorrer às casas económicas.
Nova fase na política habitacional. Características e alcance da Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958. - Todo este esforço iria culminar na Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958, cuja proposta tive a honra de elaborar e subscrever e através da qual, além de se instituir o regime de empréstimos para a construção de habitações, se aperfeiçoa o regime das «casas de renda económica» edificadas com financiamentos da Previdência. São de salientar as seguintes inovações dessa lei:
Tornou extensivo às casas de renda económica o princípio da compensação de encargos, fixado anteriormente por lei apenas para as casas de propriedade resolúvel.
Criou garantias a favor da inversão das reservas da Previdência em imóveis de rendas baratas, através da possibilidade de, em determinadas, circunstâncias, se proceder à actualização das mesmas rendas.
Previu a concessão de empréstimos para a construção de casas próprias, e para benfeitorias e obras de conservação das suas habitações, aos beneficiários das instituições da Previdência, bem como às entidades patronais para construção de alojamentos destinados ao seu pessoal.
Admitiu a cooperação das instituições da Previdência na construção de casas para trabalhadores rurais, através de empréstimos a conceder por intermédio das Casas do Povo ou suas federações.
Facultou, para o mesmo efeito, eventuais auxílios financeiros do Fundo Nacional do Abono de Família, sob a forma de subsídios não reembolsáveis ou de empréstimos sem juros.
Como se vê, através da lei promoveu-se mais amplo e fácil acesso à propriedade do lar e concitaram-se os trabalhadores a construírem, eles próprios, a sua casa. Foi, na verdade, objectivo central da lei instituir um regime eficiente de empréstimos, susceptível de progressiva aplicação. Ao propor-se a medida, não se duvidou do sistema nem do seu enorme alcance social.
De resto, tivera eu ensejo de o ver aplicado por meu pai, através da concessão de empréstimos em condições vantajosas e outros auxílios aos trabalhadores que, na sua modesta unidade fabril, prestavam serviço. Seja-me lícito fazer aqui esta alusão, pois não resisto ao impulso de justiça e de coração que me leva a prestar a mais respeitosa, profunda e enternecida homenagem a quem, verdadeiramente, com o seu espírito social e a sua experiência, foi o inspirador da iniciativa...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... a qual, dois anos e meio volvidos, pôde ser ampliada e aperfeiçoada pelo Decreto-Lei n.º 43 186, de 23 de Setembro de 1960. Este diploma consagrou as seguintes providências:
Permitiu que as caixas sindicais de previdência e as caixas de reforma ou de previdência concedam empréstimos para a aquisição de habitações, até ao limite de 80 por cento do valor destas.
Os empréstimos para construção, que não podiam exceder 70 por cento do custo provável da construção, foram alargados até 100 por cento.
O limite máximo do valor das construções, que não podia ir além do custo das casas económicas, foi ampliado, passando o escalão mínimo de 40 para 60 contos e o máximo de 250 para 375 contos.
O limite da idade foi alargado para os 45 anos, podendo ainda ir até aos 50 ou 55 anos, conforme se trate de construção ou aquisição, ou de benfeitorias, desde que o prazo da amortização não ultrapasse os 65 anos ou a idade de reforma por velhice.
Às associações de socorros mútuos, cujos fundos de reserva excedam 25 por cento do fundo permanente, foi permitido conceder empréstimos aos seus sócios destinados à aquisição, construção, benfeitorias e obras de conservação das suas próprias habitações.
Estas modificações tornaram necessária nova regulamentação. Daí a publicação, em 3 de Maio de 1961 - fiz questão de que a minha última assinatura de Ministro fosse aposta em tal documento -, do regulamento dos empréstimos a conceder ao abrigo da Lei n.º 2092.
Através desse regulamento, as prestações, por cada 1000$ mutuados, ficaram entre 4$08 e 6$16, o que é altamente vantajoso. O princípio da capitação que então se estabeleceu veio criar, na verdade, melhores condições financeiras para os agregados familiares constituídos por mais elevado número de pessoas. Por outro lado, dispôs-se que as prestações mensais, não excedam, em regra, um quinto dos rendimentos. Isto só é possível, nos casos de mais baixos rendimentos, mediante- o recurso à comparticipação do Fundo Nacional do Abono de Família, para cobertura do encargo relativo aos juros dos capitais investidos pelas caixas, já que estas não podem deixar de os receber à taxa técnica utilizada nas previsões actuariais.
Aliás, já no relatório da proposta que veio a converter-se na Lei n.º 2092 se acentuava a necessidade de um sistema que estimulasse os trabalhadores a construir a sua casa em local e em condições de seu agrado. E acrescentava-se:
Se se reconhecem os inconvenientes da concentração urbana e se deseja contribuir para fixar os trabalhadores da província à terra; se se pretende rasgar mais amplos caminhos de acesso à propriedade e defender a autonomia, a inviolabilidade e a segurança da vida familiar; se se procura despertar a livre iniciativa e a noção da responsabilidade pessoal, auxiliando os homens a desbravarem eles próprios o seu futuro, então deve oferecer-se a cada um a possibilidade de construir a sua casa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Diário das Sessões testemunha o interesse que a proposta despertou e a medida em que a Assembleia a valorizou e aperfeiçoou.
Remodelação do órgão consultivo da previdência e habitação. Imposição de obrigações para as empresas autorizadas a instalar unidades fabris. - Foi, aliás, na sessão n.º 27, de 12 de Fevereiro de 1958, durante a apreciação daquela proposta, que se chamou a atenção para a conveniência de remodelar o Conselho Superior da Previdência, de modo a adaptá-lo às exigências das novas medidas tomadas no domínio da habitação.
O Governo deu oportuna satisfação a este voto, pois. através do Decreto-Lei n.º 43 183, de 23 de Setembro de 1960, procedeu à remodelação daquele Conselho, trans-
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formando-o era Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica. Note-se que este diploma transformou, para certos casos, em obrigação a faculdade, conferida ao Governo pela base xxxi da Lei n.º 2007, de consignar, nos alvarás da concessãode novas indústrias, a obrigação de o concessionário construir casas de renda económica para os seus trabalhadores.
Esta medida, a ser fielmente executada, há-de concorrer para atenuar em- muito, nas zonas industriais, a crise da habitação, pois actua no preciso momento em que, naturalmente, poderiam surgir as condições do seu agravamento.
Criação do Serviço de Inquéritos Habitacionais e obra por ele realizada. - É de aludir ainda à criação, em 1956, por despacho que subscrevi, do Serviço de Inquó-, ritos Habitacionais, o qual veio a ter consagração legal através do Decreto-Lei n.º 44 020, de 9 de Novembro de 1962.
São já numerosos os inquéritos realizados por este serviço em centros iirbanos e meios rurais e piscatórios. O interesse pi ático despertado por tais trabalhos transcende o próprio Ministério das Corporações, em cuja Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas se integra, porquanto vários municípios têm procurado utilizar-se deles para fins de urbanização. O próprio Gabinete do Plano Director da Eegião de Lisboa solicitou a sua consulta para o delineamento do plano regional.
Entre as principais funções do Serviço, conta-se ainda a realização de inquéritos habitacionais ao pessoal das empresas. Por outro lado, os estudos que efectuou nos domínios da investigação científica vieram introduzir inovações, cujo mérito tem sido reconhecido pelo Centro de Estudos de Estatística Económica e pelo Centre Scien-tifique et Technique du Bâtimemt, de Paris, e outros. Alguns métodos de inquérito prosseguido e certas unidades utilizadas, nomeadamente os conceitos de "unidade de ocupação" e de "coeficiente do nível de vida", foram adoptados por organismos internacionais, tais como o Comité de Habitação, Construção e Planeamento da Comissão Económica para a Europa e a Conferência Internacional io Trabalho, que não hesitaram em preconizá-los como modelo a seguir por outros países. Assim, no anexo técnico da recomendação sobre alojamentos de trabalhadores elaborado pela Conferência Internacional do Trabalho e nas estatísticas da habitação preparadas pela Comissão Económica para a Europa, referem-se métodos de investigação e unidades, cuja criação e divulgação se devem ao Serviço de Inquéritos Habitacionais.
Daqui se infere que também neste campo especializado da habitação se tenta trabalhar em obediência a critérios científicos e com a preocupação de corresponder às múltiplas exigências técnicas e sociais que o lançamento dos planos de construção necessariamente pressupõe.
O regime de "c.a"o" para pescadores. - No conjunto de modalidades de habitações económicas, devem referir-se ainda as "casas para pescadores", previstas nos Decretos-Leis n.ºs 35 732 e 35 106, de 4 de Julho de 1964 e 4- de Fevereiro de 1950.
A Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962 - Reforma da Previdência -, prevê que os valores das caixas possam ser aplicados em empréstimos às Casas dos Pescadores para se atender às necessidades de habitação dos sócios efectivos destes organismos. Estenderam-se, assim, às Casas dos Pescadores os benefícios que a Lei n.º 2092 atribui às Casas do Povo. Ao propor, então, em nome da nossa Comissão do Trabalho, Previdência e Assistência, a inovação, declarei aqui que ela se justificava, "pois o regime legal especial que permite à Caixa Geral de Depósitos, Crédito da Previdência conceder empréstimos, para aquele efeito, às Casas dos Pescadores, ou à sua Junta Central, tem-se mostrado ultimamente de mais difícil execução". De resto, dizia-se ainda: "é de inteira justiça, perante tal condicionalismo, que não existia à data da apresentação da proposta de lei relativa à Reforma da Previdência, favorecer a vasta obra das Casas dos Pescadores no sentido da realização dos seus fins sociais, mormente daqueles que assumam a natureza própria dos seguros obrigatórios".
Outras modalidades legais integradas na política habitacional. - Outras medidas, porém, foram tomadas pelo Governo no sentido de atenuar a crise do alojamento, merecendo referência especial os seguintes diplomas: Decretos-Leis n.ºs 34 486 e 35 106, de 6 de Abril e 6 de Novembro de 1945 (casas para famílias pobres); Decreto-Lei .n.º 40616, de 28 de Maio de 1956 (casas para famílias desalojadas na cidade do Porto); Decreto-Lei n.º 41 532, de 18 de Fevereiro de 1954, que veio remodelar ou completar o regime das casas de renda limitada instituído pelo Decreto-Lei n.º 36212, de 5 de Abril de 1947; Decreto-Lei n.º 42 454, de 18 de Agosto de 1954, que organizou o plano para a construção, na cidade de Lisboa, de novas habitações com rendas acessíveis aos agregados familiares de mais modestos recursos; Decreto-Lei n.º 42951, de 27 de Abril de 1960, que fixou as condições em que a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência (Caixa Nacional de Previdência) pode aplicar os seus capitais afectos ao fundo permanente na aquisição e construção de imóveis destinados aos funcionários do Estado e dos corpos administrativos. Recentemente ainda o Decreto-Lei n.º 44 645, de 25 de Outubro de 1962, estabeleceu o regime para a construção da "sua própria habitação pelos chefes de família que se encontrem em qualquer das situações previstas no artigo 256.º do Código Administrativo.
(Seria menos justo não salientar a importância de que se revestem estes diplomas na luta contra a carência habitacional, mas deve reconhecer-se que alguns deles não se integraram na linha de rumo mais conveniente, sobretudo no que concerne às modalidades de habitação que consagraram e à necessidade da coordenação, tão complexa e delicada nos aspectos técnicos e sociais.
As casas para famílias pobres. O plano para a extinção das cilhas" no Porto. - Numerosas casas para famílias pobres têm sido construídas em diversas zonas do País. Simplesmente, muitas delas não são arrendadas a pobres ou às famílias mais necessitadas. Vários bairros de casas desse tipo mostram-se indevidamente situadas e não raras vezes se apresentam com características próprias de aglomerados humanos em segregação social.
Como as casas são arrendadas a título precário, sai comprometida a segurança da vida familiar e afectada a ideia tão salutar da ascensão social. Depois, como a administração das casas fica a cargo dos municípios, estes vêem agravar-se, cada vez mais, os seus encargos. Casas há cujas rendas, na sua totalidade, não cobrem as despesas de administração e conservação. Além disso, as câmaras não estão preparadas, nem têm que estar, para a acção social que importa realizar de modo especial nos bairros dessa natureza.
O sistema adoptado para eliminar as "ilhas" do Porto marca, sem dúvida, um louvável esforço no sentido de resolução de tão angustioso problema. Por isso todas as homenagens são devidas ao Governo e ao Município portuense, pelo alcance da iniciativa.
Era de prever, contudo, que o sistema enfermasse de alguns males das "casas para famílias pobres". E assim aconteceu.
Teria sido preferível, com efeito, não desligar do estudo do problema o sector responsável pelos aspectos sociais
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da habitação e estabelecer com ele um programa geral de construção de casas de diversas modalidades, em que a Previdência poderia ter acção útil, dados os seus recursos financeiros e a circunstância de, com a sua intervenção, se tornar possível uma planificação mais generalizada, com todas as vantagens que daí derivariam: ajustamento equilibrado das rendas e prestações mensais das casas dos vários regimes; conciliação dos critérios da atribuição das moradias; compensação de encargos entre todos os agrupamentos de fogos das diversas modalidades; distribuição das famílias de modo mais natural e conveniente; redução dos dispêndios e responsabilidades para o Estado e para o Município ...
O esforço, repito, é, apesar disto, notabilíssimo. Bem merecem, pois, do Porto e do País os homens que a tornaram realidade, entre os quais é de justiça salientar os nomes do Ministro Arantes e Oliveira e do Eng.º José Machado Vaz.
O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - De resto, as lições dela decorrentes foram preciosas, em especial no que respeita a Lisboa. Defendi, em tempos, que à Previdência fosse consentido cooperar na solução do problema da habitação da capital, finalidade a que ela se dispunha afectar mais de 1 milhão de contos. Para tanto seria indispensável conceder às caixas interessadas na construção de milhares de moradias, sobretudo no Restelo e nos Olivais, grandes facilidades para aquisição de terrenos. Isto permitiria, na verdade, larga aplicação, também em Lisboa e seus subúrbios, do princípio da compensação de rendas entre as diferentes classes e tipos de casas, embora para o efeito tivesse de partir-se de uma programação muito vasta a executar em curto, espaço de tempo. Ó mérito desta solução estaria não apenas no contributo para o desaparecimento das "barracas", mas, sobretudo, na possibilidade de destruição daquilo a que já se chamou "espírito de barraca" ou de "ilha" - que é o próprio espírito de segregação social.
Vozes: -Muito bem !
O Orador: - Bem eloquente e desoladora é a lição dos factos! Alguns bairros destinados às classes pobres, apesar de erguidos há poucos anos, constituem já clara demonstração de que não basta construir casas para que as questões sociais e morais da habitação se resolvam. Transferir as famílias que vivem em precárias condições de alojamento para casas higiénicas e arejadas é, sem dúvida, obra meritória. Se, todavia, com essa mudança se transplanta uma mentalidade gerada em anos de segregação, então teremos casas mais decentes e apresentáveis, mas, na essência das coisas e no fundo das almas, elas continuarão a ser, em extensão ou em altura, abrigo de vidas em penumbra, quê nem talvez uma intensa acção educativa seja capaz de melhorar.
Em vez de famílias, estratificadas por grupos sociais, há que propiciar a instalação de famílias em ambientes caracterizados por um nível razoável de educação e por uma estrutura favorável à convivência na diversidade das classes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Alcance social do plano habitacional para Lisboa estabelecido em 18 de Agosto de 1954 e das providencias legislativas, de 27 de Abril de 1960, sobre a construção de casas para os servidores do Estado.-Esta ideia haveria de coincidir, em grande parte, com o espírito do Decreto-Lei n.º 42 454, de 18 de Agosto de 1959, cuja elaboração interessou vivamente o Sr. Presidente do Conselho e também o Sr. Ministro da Presidência de então, Dr. Teotónio Pereira.
Conjugando todos os recursos disponíveis para o investimento em habitações, este decreto-lei visou a criação de novas unidades urbanas integradas no planeamento geral da cidade, através das quais se executaria vasto plano de acção social, se estabeleceriam condições mais apropriadas para orientar a fixação das famílias vindas da província e se minorariam os males do urbanismo.
Importa agora referir a publicação do importante Decreto-Lei n.º 42951, de 27 de Abril de 1960, relativo à aplicação das reservas da Caixa Nacional de Previdência na resolução do problema do alojamento dos funcionários do Estado e dos corpos administrativos. Através deste diploma, criou-se o condicionalismo indispensável à concretização das realizações enunciadas na Lei n.º 2090, de 21 de Dezembro de 1957, possibilitando-se tanto a compra como a edificação de casas para funcionários, na dupla modalidade de arrendamento e de propriedade resolúvel.
Este decreto-lei, que se deve à nobre clarividência do Ministro Pinto Barbosa, tem de ser saudado, pelas suas altas finalidades sociais e pelas perspectivas que veio rasgar, como marco notável no domínio da protecção aos servidores públicos, sem prejuízo de se discordar de alguns métodos que perfilhou.
Penso que se vai aproximando a altura de proceder ao exame dos efeitos dos dois diplomas (Decretos-Leis n.º 42 544 e 42 951) e de aproveitar, com vista a uma revisão legislativa, os ensinamentos recolhidos. Da minha parte, atrevo-me a exprimir algumas dúvidas, as quais, por certo, não serão mal interpretadas, visto partirem de quem se honra de ter oferecido devotado, se bem que modesto, contributo para a sua preparação, especialmente do primeiro daqueles diplomas.
Seria, por exemplo, conveniente se preenchesse a lacuna resultante de não se ter previsto, no Decreto-Lei n.º 42 544, a possibilidade de os terrenos das novas áreas urbanizadas serem reservados para a edificação de moradias no regime de empréstimos da Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958.
A atribuição de tais terrenos poderia ser feita pelo competente Ministério, de harmonia com os critérios em vigor para a atribuição de casas económicas. Completar-se-ia, assim, o preceituado no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 44 645, de 25 de Outubro de 1962, segundo o qual os beneficiários que pretendam construir casas ao abrigo daquela lei poderão adquirir terrenos directamente às câmaras ou às juntas de freguesia, sem dependência de hasta pública.
Note-se que entre as modalidades adoptadas para a zona dos Olivais figuram, predominante ou exclusivamente, aquelas em que a intervenção dos moradores se verifica apenas no momento de se proceder à atribuição das casas. Ora os empréstimos para a auto-construção asseguram uma mais larga independência e colocam mais directamente os interessados em contacto com a resolução do seu próprio problema. Este sistema de crédito imobiliário supera, em todos os seus aspectos, o dos bairros, agrupamentos ou blocos residenciais do Estado, ou de quaisquer outros organismos ou instituições, precisamente porque afasta as complicações administrativas, poupa esforços e dispêndios às entidades oficiais e propicia maior interesse e amor da família pela sua casa - sua verdadeiramente, porque erguida, desde os alicerces, com a sua intervenção.
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Por isso se me augura aconselhável atender, de futuro, a este aspecto na atribuição de terrenos para a construção de casas de índole social.
Seria, por outro lado, louvável um esforço no sentido de evitar que, em igualdade de circunstâncias, quanto à classe das casas, ao nível de rendimentos dos moradores e à sua categoria profissional, se fixem critérios díspares na determinação das rendas ou prestações mensais, na atribuição dos fogos e na acção social a exercer. Este ponto adquire maior interesse no caso dos funcionários públicos, e, por isso, farei sobre ele um ligeiro apontamento.
E sabido que a crise de alojamentos tem afectado, de modo particular, os servidores do Estado. Para isso não terá deixado de contribuir o facto de, a partir de certa altura, não se ter mantido perfeita fidelidade ao espírito da legislação de 1933 e até de não se haver dado execução a programas de construção de casas económicas estabelecidos por via legislativa. Felizmente, está a recuperar-se o atraso, mas creio que o esforço poderia ajustar-se melhor à I soluções já consagradas pela lei e pela experiência. As casas de propriedade resolúvel que estão a erguer-se para os funcionários públicos deveriam, em meu parecer, integrar-se, sob todos os aspectos, no regime da "casa económica".
Nem, foi outro o sistema que o Governo perfilhou, no respeitante à construção de casas de propriedade resolúvel com capitais das caixas de previdência, através do Decreto-Lei n.º 40 246, de 6 de Julho de 1955, completado pelo Decreto-Lei n.1 42 263, de 14 de Maio 1959. Consiste o sistema no seguinte: as importâncias a aplicar pelas caixas du previdência são depositadas à ordem do Fundo de Casas Económicas, ema cujo orçamento se inscreverá a verba correspondente, inscrevendo-se verba idêntica no orçamento do Ministério das Obras Públicas. Essas importâncias são postas à disposição do Serviço de Construção de Casas Económias deste Ministério à medida da execução dos programas.
O processo, além de impedir duplicações de serviços e de gastos e de obstar a que só funcionários públicos se instalem em determinado bloco ou em determinado bairro, revestir-se-á de maior interesse para os próprios servidores do Estado se vier a ser aproveitado pela Caixa Geral de Depósitos (Caixa Nacional da Previdência). Na verdade, uma maior ou menor comparticipação do Fundo permanente desta Caixa na construção de agrupamentos de casas económicas permitiria, além do mais, que, independentemente do montante da participação, todos os funcionários públicos nas condições legais pudessem concorrer à atribuição das habitacões em pé de igualdade com os beneficiários das outras caixas de previdência, mesmo que estas houvessem contribuído em mais larga medida para o financiamento.
Também assim, com a maior facilidade e mediante participação comportável para a Caixa Nacional de Previdência, se estenderiam a funcionários de todo o País os benefícios da política de habitação económica em regime de propriedade resolúvel. Observe-se, a propósito, que os funcionários abrangidos pela Caixa de Previdência da Câmara Municipal de Lisboa - caixa autónoma de 2.a categoria-, que comparticipou modestamente na construção dos bairros de Santa Cruz, em Benfica, e de Queluz, ficaram em condições idênticas às dos beneficiários, por exemplo, da Caixa de Previdência dos Profissionais do Comércio, que interveio no empreendimento com alguns milhares de contos.
Salientem-se ainda os inconvenientes que advêm de a atribuição de casas de propriedade resolúvel se fazer por intermédio de entidades diversas do serviço do Estado que sempre teve a seu cargo essa tarefa - a Repartição das Casas Económicas, do Ministério das Corporações -, ao qual cabe a atribuição de todas as moradias daquela modalidade destinadas a trabalhadores, incluindo as construídas com financiamento das caixas de previdência, mas não é chamado a intervir na distribuição das habitações de tipo idêntico aos funcionários do mesmo Estado.
E nem se vê justificação para que em relação a casas de regime idêntico a atribuição possa ser feita em obediência a parâmetros diferentes e os moradores adquirentes possam ficar sujeitos a prestações mensais diversas.
Também me impressiona que os departamentos (Ministério das Obras Públicas e Ministério das Corporações e Previdência Social) que, desde início, superintendem, técnica ou socialmente, na construção de casas económicas para funcionários e trabalhadores não mantenham as mesmas atribuições em tudo o que respeita às novas modalidades de habitações de propriedade resolúvel destinadas a servidores do Estado.
Esta dispersão de competências, a exercer-se num âmbito de acção da mesma natureza, numa altura em que a coordenação parecia impor-se imperativamente, agravou-se ainda com a atribuição, a outros departamentos do Estado, de competência para construção de casas de feição social.
Se o exemplo prolifera, aonde iremos parar? Como obstar depois à distribuição de famílias pelas casas ou blocos segundo estratos sociais, categorias, classes ou profissões, o que é, a todos os títulos, indesejável?
Choca-me - seja-me relevada a franqueza - que num plano de construções elaborado e executado na máxima parte pelo Estado, e todo ele debaixo da sua superintendência, sejam atribuídas casas de harmonia com critérios em que se nota, ainda que já bastante mais atenuado, certo espírito de segregação ou de separação. Acaso se compreende que os polícias sejam alojados em blocos a eles exclusivamente destinados, quando bem poderiam ir habitar fogos dispersos por outros agrupamentos residenciais? O mesmo se diga dos servidores da Guarda Nacional Republicana, dos sargentos, dos oficiais das forças armadas ... Claro é que estas observações, que não invalidam o alto significado social dos diplomas a que me reporto, não envolvem também desapreço pela obra que ,estão a erguer a Caixa Nacional de Previdência, a que preside o espírito esclarecido do nosso ilustre colega Dr. Ulisses Cortês, e os Serviços Sociais das Forças Armadas, bem como os da Polícia de Segurança Pública. Escusado será dizer que não pretendo pôr em dúvida a necessidade premente de se assegurar convenientemente a protecção social dos servidores do Estado e, assim, habitação condigna e acessível. Pelo contrário, bem gostaria de ver essa protecção intensificada e ampliada, de forma a elevar-se o padrão de vida dos funcionários de mais débeis recursos, como são exactamente esses abnegados mantenedores da ordem pertencentes aos quadros da Polícia de Segurança Pública e da Guarda. Nacional Republicana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Cosias de renda limitada. - No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 36 212, de 5 de Abril de 1947, afirmava-se:
... a prosperidade financeira de certos sectores conduz a grandes especulações na transacção de prédios, que têm larga procura para investimento dos capitais, dada a segurança que o negócio envolve, principalmente nos grandes centros, onde se verifica constante afluxo populacional, o que "conduz ao
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agravamento progressivo do custo dos materiais e da mão-de-obra" e, assim, "ao aumento constante das rendas".
Daí que o Governo fosse, então, para a criação de nova modalidade de construção de prédios de rendimento, baseada na prévia fixação da renda total máxima a cobrar pelos andares destinados a habitação, mediante excepcionais facilidades, tanto na cedência de terrenos municipais a preços acessíveis e não sujeitos a concorrência, como na isenção de sisa na compra desses terrenos e na primeira transmissão dos próprios prédios e de contribuição predial pelo período de dez anos. Simultaneamente, pelos Decretos-Leis n.ºs 36 214 e 36 213, "pôs-se termo à livre flutuação dos preços dos materiais de construção destinados à edificação de casas de rendas preestabelecidas e limitou-se a concessão de isenções tributárias em vigor para os prédios de renda livre aos susceptíveis de efectivamente contribuírem para atenuar a crise habitacional". O Governo admitia, no entanto, que ficassem de reserva soluções radicais se a nova modalidade de casas não obtivesse o êxito reclamado pela gravidade do problema.
Pelo Decreto-Lei n.º 41 532, de 18 de Fevereiro de 1958, prorrogou-se, por mais dez anos, o sistema que se procurou aperfeiçoar nos aspectos das licitações e da repressão às fraudes inerentes, por de mais, a esta modalidade de construção nos termos em que se mostra concebida.
O regime destas casas, até agora circunscrito praticamente a Lisboa, pode e deve ter mais vasta aplicação, mas, para tanto, importa dar cumprimento aos preceitos relativos à atribuição das habitações e à fixação dos valores máximos de venda em regime de propriedade horizontal e revê-lo de modo a eliminar os males que o afectam.
Antes de mais, urge que os programas de construção destas casas fiquem dependentes da aprovação do Ministério com mais directas responsabilidades sociais na matéria, a fim de se poder estabelecer, em cada caso, um número de divisões por fogo correspondentes à provável composição dos agregados familiares.
Além disto, as casas de renda limitada devem ser atribuídas de harmonia com critérios que conduzam a entregadas apenas aos agregados com o nível de rendimentos previstos implicitamente na lei. De contrário, sairão frustrados,_ e estão a sê-lo em larga medida, os generosos objectivos do legislador. Depois, é sabido que, em muitos casos, se têm verificado expedientes e fraudes de diversa ordem lesivos dos interesses dos arrendatários, sem que o mecanismo legal de repressão tenha funcionado. E no futuro também não funcionará certamente, dada a sua inoperância.
Intervenção da Junta de Colonização Interna no problema habitacional. - Nos termos da Lei n.º 2014, de 27 de Maio de 1946, da Lei n.º 2017, de 17 de Junho de 1946, e do Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960, a Junta de Colonização Interna pode conceder empréstimos, ao juro de 2 por cento, amortizáveis a longo prazo, destinados à construção de habitações e ainda atribuir subsídios não reembolsáveis, no valor de 50 por cento das obras efectuadas, para as habitações integradas em aglomerados rurais.
Admiro a notável obra da Junta, mas creio que esta não deverá substituir-se aos departamentos do Estado com responsabilidades específicas no domínio do trabalho, da previdência e da acção social, nem muito menos aos organismos corporativos de feição rural. Não me parece conveniente que a Junta se converta numa espécie de instituto da habitação para as regiões rurais, até porque o problema não pode desligar-se da política geral do alojamento.
Por outro lado, toda a acção social há-de orientar-se, da parte do Estado, não no sentido de tornar dispensável a existência e o funcionamento das Casas do Povo, mas de valorizar estas instituições. Mesmo nas zonas onde não existam Casas do Povo, a acção que a estas normalmente incumbe pode ser exercida pelas suas federações, desde que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 41 286, de 23 de Setembro de 1957, tal seja determinado por despacho ministerial. Alude-se a esta faculdade legal pelas grandes possibilidades que oferece a uma eficiente cooperação da Junta de Colonização Interna nas obras do bem-estar rural, as quais devem desenvolver-se através das instituições corporativas e do método do seguro social, que não através de serviços públicos e da aplicação de critérios meramente assistências.
Alguns elementos demonstrativos da obra realizada. - O apanhado que fiz, de modo sucinto, das diversas fórmulas jurídicas propostas para a resolução da crise habitacional terá permitido, segundo creio, fazer uma ideia dos estudos realizados e dos esforços despendidos.
Nem sempre eles terão sido devidamente coordenados, mas não deixam, por isso, de aparecer como notáveis quando se atende às circunstâncias desfavoráveis que, tantas vezes, afectaram os programas delineados e as intenções que os animaram.
Nem tudo correu bem? Pois não. Mas quando se definem planos não é lícito minimizar ou esquecer a obra realizada e a lição e o impulso dela resultantes. É assim quando se trata de novas programações: mais fortemente o é quando, como sucede com o Plano Intercalar, se trata em larga medida de preconizar aquilo que, mesmo sem o Plano, se faria por força das estruturas jurídicas e institucionais já existentes, dos capitais já assegurados, dos projectos já elaborados e até dos compromissos já assumidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O relatório do Plano poderá levar a crer que só agora se desperta para a realidade do problema habitacional. E isto, com ser menos justo, se mostra de todo inconveniente.
A despeito da multiplicidade dos regimes legais, o pensamento superior da política prosseguida quanto à habitação tem sido, na sua essência, sempre o mesmo.
A coordenação e a planificação, que neste domínio são indispensáveis, não impõem soluções rigidamente geométricas e não excluem a adopção de métodos e esquemas multiformes, como multiformes são, afinal, as realidades sociais.
Houve e há certos exageros na variedade das soluções ensaiadas? Sem dúvida. De qualquer maneira, em maior ou menor grau, todas elas contribuíram para a formação de uma experiência válida.
Assim, a partir da instituição do regime de casas económicas, construíram-se, até 1954, inclusive, 12 300 fogos, em que se despenderam cerca de 660 000 contos, dos quais 244 000 correspondem ao financiamento da Previdência a partir de 1958. Nos últimos seis anos o número de fogos construídos foi de 3573.- Neste número estão os 1010 fogos há meses inaugurados pelo Chefe do Estado em Olivais Sul, em consequência do acordo firmado, em 1959, entre o Ministério das Corporações e o das Obras Públicas.
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Os 123 fogos, no montante de 11 850 contos, previstos na alínea o) do n.º 12 do capítulo viu do relatório do Plano Intercalar, são resultado de uma mesma política, como o são também os 2177 fogos de propriedade resolúvel já integrados no Plano e que a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais vai construir com o financiamento da Previdência, através do Fundo das Casas Económicas, no montante de 207 100 contos.
Quanto a casas de renda económica, foram construídas pela Previdência, até 1963, inclusive, através da Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas, 5572 fogos, no montante de 530 000 contos, a que há a acrescer 274 fogos construídos directamente pelas caixas. Total: 5846 fogos, no valor de 544 000 contos. Durante o corrente ano serão ultimados mais 1949 fogos, na importância de 210 000 contos. No Plano prevê-se a construção de mais 8350 fogos, os quais, ao custo médio de no contos por fogo, perfazem 918 500 contos.
Embora na Lei n.º 2092 ficassem definidos os diversos regimes facultados à Previdência (casas de renda livre, casas económicas e casas de renda económica), apresentam-se, a seguir, apenas os elementos relativos à mais importante inovação do diploma: construção de casas através da concessão de empréstimos.
(Assim, até K) do mês de Novembro último, o total dos fogos construídos, beneficiados ou adquiridos, por via de empréstimo, foi de 3202, no montante de 295 119 contos. A beneficiários das caixas (2683 beneficiários) foram emprestados 263583 contos. A entidades patronais, para a construção de 465 casas destinadas ao seu pessoal, emprestaram-se 26 323 contos e a 53 Casas do Povo 5413 contos, distribuídos por 114 empréstimos. Tenho aqui os quadros com elementos que permitem avaliar do movimento dos empréstimos nus suas diversas modalidades, escalões e montantes, por distritos e por caixas.
Para divulgação das vantagens da Lei n.º 2092 muito têm concorrido as missões de acção social, em boa hora instituídas ao abrigo da Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1956 - Plano de Formação Social e Corporativa , que nos centros fabris mais importantes e em meios rurais, estão a desenvolver meritório labor.
Refira-se ainda que a Junta Central das Casas dos Pescadores construiu para os seus sócios efectivos 2270 fogos, o que, considerado o âmbito limitado do seu campo de acção, constituiu obra apreciável.
Por seu turno, a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, a partir de 1960, promoveu, em execução do Decreto-Lei n.º 42 951, de 27 de Abril de 1960, a construção de 885 habitações, no montante de 316 000 contos, destinadas a funcionários públicos.
Os Serviços Sociais das Forças Armadas construíram, mediante empréstimo da Caixa Geral de Depósitos, 512 fogos, dos quais 318 em Lisboa, despendendo 70 000 contos. Está projectada a construção de cerca de 200 fogos mais.
A Câmara Municipal do Porto, prosseguindo numa tarefa que vem de há muito, construiu 4329 fogos, com o investimento total de 243 000 contos, na execução do plano das 6000 casas previstas no Decreto-Lei n.º 40 616.
A Câmara Municipal de Lisboa realizou também obra de projecção com a edificação de casas de renda económica e de casas para famílias pobres.
De 1953 a 1962 despendeu este Município 122 000 contos na construção de 1525 habitações. São de salientar, entre outras realizações, a urbanização de Alvalade e a dos Olivais, onde se ergueram e estão a erguer-se novos e importantes agrupamentos residenciais.
Quanto à actividade da Junta de Colonização Interna, está a alargar-se progressivamente, e julgo que em íntima e louvável cooperação com outros departamentos do Estado, embora se compreenda que tenha de conferir prioridade aos aspectos mais ligados à sua função específica principal. Em empréstimos a empresários agrícolas e trabalhadores rurais a Junta, ao abrigo da Lei de Melhoramentos Agrícolas, investiu cerca de 32 000 contos.
Além disso, a Junta aplicou mais de 22 000 contos na construção de casas agrícolas (5.13 fogos).
E, para não alongar mais as citações, referirei apenas que de 1953 a 1962 se construíram 5749 casas de renda limitada, das quais 5404 em Lisboa.
Protecção fiscal para o fomento da habitação. -Teria algum interesse aludir à evolução da legislação fiscal destinada a fomentar a construção de habitações. Ver-se-ia que, neste terreno, se tem feito muito mais do que geralmente se pensa. Não querendo, porém, alongar a presente exposição, indicarei apenas os preceitos vigentes de maior importância.
Assim, o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 104, de 1 de Julho de 1963, isenta, no seu artigo 7.º, n.º 7.º, "de contribuição predial as instituições de previdência social da l.ª, 2.º e 3.a categorias, bem como as suas federações e ò Instituto de Obras Sociais, bem como as caixas de abono de família quanto aos rendimentos das casas de renda económica e das casas para pescadores. Por outro lado, o mesmo código isenta temporariamente de contribuição predial os rendimentos dos prédios urbanos construídos de novo, na parte destinada a habitação, desde que a respectiva renda ou valor de locação sejam compatíveis com as possibilidades económicas das famílias pobres ou de modestos recursos, e, nos mesmos termos, os rendimentos de prédios urbanos ampliados ou melhorados, na parte correspondente ao acréscimo da renda ou do valor de locação, por efeito de ampliação ou melhoramentos.
Por seu turno, o Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 103, de 1 de Julho de 1963, isenta desta contribuição (artigo 14.º, n.ºs 9.º e 12.º), relativamente a metade dos seus rendimentos, as cooperativas e, do total da mesma contribuição, as cooperativas e as sociedades anónimas constituídas para a edificação dá casas de renda económica, nos termos e para os fins da Lei n.º 2007, de 7 de Maio de 1945.
Estão isentas do imposto complementar e do imposto de capitais os dividendos e juros das acções e obrigações emitidas pelas sociedades anónimas ou cooperativas constituídas para os fins da Lei n.º 2007 [artigo 8.º, n.º 1.º, alínea r), do Código do Imposto Complementar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45 399, de 30 de Novembro de 1963, e artigo 9.º, n.º 2.º, do Código do Imposto de Capitais, aprovado .pelo Decreto-Lei n.º 44 561, de 10 de Setembro de 1962].
O Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 969, de 24 de Novembro de 1958, isenta de sisa: a aquisição de terrenos para construção de prédios destinados a habitação, a constituição do direito de superfície quando o prédio seja destinado a habitação, a aquisição de casas económicas e as transmissões operadas em virtude da constituição das sociedades anónimas ou cooperativas que se formem para fins da citada Lei n.º 2007. O mesmo código (artigo 11.º) reduz a 1 por cento a taxa da sisa pela primeira transmissão de prédios destinados à habitação e a primeira transmissão dos prédios dos tipos n.08 2 e 3 criados pela Câmara Municipal do Funchal, nos termos do Decreto-Lei n.º 30605, de 22 de Junho de 1940, das casas de renda económica construídas nos termos da Lei n.º 2007, das casas edificadas para residência dos sócios e por coope
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rativas de construção e das habitações referidas na base viu da Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958.
Refira-se que o mesmo Código da Sisa isenta do imposto sobre as sucessões e doações a transmissão, por morte, das casas económicas distribuídas com intervenção do Ministério das Corporações, desde que na herança não haja outros bens, além da casa e seu mobiliário, com valor superior ao imposto que seria devido.
O alcance destes benefícios avalia-se bem se se disser que as reduções fiscais em que se materializam foram, em 1963, de 90 000 contos no que se refere à contribuição predial e da ordem dos 185 000 contos quanto à sisa, o que perfaz um total anual de 275 000 contos.
Mas reconhecia-se que o sistema de isenções carecia de remodelação, e daí que uma portaria, assinada em 10 do corrente mês pelo Ministro das Finanças, viesse, com largueza de vistas e o melhor espírito social, ao encontro lie necessidades fundamentais de fomento e de disciplina no campo habitacional.
De futuro, as isenções fiscais, que irão atingir cerca de 500 000 contos anuais, passam a variar em relação às características dos prédios, ao número e extensão das suas divisões, e adaptar-se-ão melhor às exigências dos planos urbanísticos ou de desenvolvimento industrial, além de devidamente actualizadas. Atende-se, sobretudo, à necessidade premente de orientar as poupanças individuais e as actividades construtoras, por de mais voltadas para a edificação de prédios de rendas altas, no sentido da construção de alojamentos adequados à composição dos agregados familiares e com rendas acessíveis, quer aos rendimentos médios, quer aos rendimentos mais modestos.
Não pude estudar convenientemente esta portaria, porque só hoje foi distribuído o Diário do Governo que a insere. Consagrando uma experiência nova neste campo da protecção fiscal, é de admitir que seja revista oportunamente, tanto mais que deve carecer de aperfeiçoamento o critério que presidiu à formação dos grupos das localidades para efeitos do escalonamento das isenções. Seria, na verdade, pouco agradável que a portaria acabasse por não encorajar, na medida desejada, a construção de casas nos concelhos vizinhos de Lisboa.
Por outro lado, creio que as lições decorrentes da aplicação do diploma aconselharão a atenuar sensivelmente as diferenciações das rendas entre os diversos grupos e classes, diferenciações essas que, à primeira vista, se me afiguram excessivas. Acresce que a simples leitura da tabela da duração fias isenções, e, portanto, dos valores das rendas por habitação e por grupos de localidades, conduz a admitir a previsão de que, se não se proceder à alteração do mecanismo por de mais matemático da mesma tabela, pode correr-se o risco de não vir, afinal, a ser incentivada, como se pretende, a construção de casas de rendas mais modestas, ao contrário do que deve suceder relativamente às que se destinam a famílias de recursos médios.
Creio ainda que o novo regime fiscal deverá ser estudado de modo a poder ajustar-se à modalidade de aquisição de casas em regime de empréstimos previstas na Lei n.º 2092, pois, dessa forma, poderá estimular-se em muito a construção de habitações destinadas a serem vendidas, aos beneficiários da Previdência, por entidades construtoras, uma vez que estas se integrem numa disciplina adequada através de normas próprias e* de criteriosa fiscalização.
De qualquer modo, o que interessa por ora é salientar que a portaria representa um grande passo em frente, pelos novos e salutares princípios que a enformam.
E, já que estou a falar em isenções, permito-me manifestar estranheza pelo tratamento há muito dispensado às caixas de previdência, cujo contributo para a resolução do problema habitacional tem sido dos mais importantes, a ponto de, no relatório da portaria em análise, se dizer que "só quase elas têm vindo ultimamente a sustentar o encargo da manutenção do ritmo das construções julgadas desejáveis e adequadas às exigências do alojamento do tipo familiar". Parece, com efeito, que deveriam ser também isentas de imposto complementar, o qual, a partir de agora, deve representar um encargo anual superior a 20 000 contos para a Previdência. Isto para não falar já no desconto de 0.5 por cento que as caixas de previdência sofrem, em benefício da Caixa Geral de Depósitos, sobre o montante dos depósitos que, em nome delas, são obrigatoriamente feitos neste estabelecimento de crédito. O montante de tal desconto atingiu, nos últimos doze anos, mais de 70000 contos.
SITUAÇÃO ACTUAL DAS NECESSIDADES QUANTO A HABITAÇÃO - Fogos superlotados. - Nos pareceres da Câmara Corporativa (geral e subsidiário) tenta-se inventariar as necessidades actuais de alojamento, através de critérios e cálculos coincidentes com os seguidos no relatório do grupo de trabalho n.º 7, no qual o Governo também se apoiou para elaborar e apresentar o seu programa habitacional.
Constitui, portanto, tarefa inicial verificar em que medida tal inventariação traduz as reais necessidades do alojamento.
A Câmara Corporativa avalia estas necessidades, começando pela determinação do chamado déficit carencial, isto é, pela determinação não apenas dos fogos precisos para abrigar as famílias sem alojamento ou com alojamento sem ser em prédio, mas ainda dos indispensáveis para acolher os agregados que ocupam parte do fogo, vivem em superlotação crítica ou residem em casas sem o mínimo exigível de condições de higiene, salubridade e segurança.
No quadro apresentado pela Câmara e obtido a partir do relatório do grupo de trabalho n.º 7 pretende dar-se uma ideia da situação e de como ela evoluiu entre 1950 e 1960.
Assim, os elementos utilizados pela Câmara Corporativa mostram que, em 1950, as famílias sem alojamento, vivendo som ser em prédio, ocupando parte de um fogo e ocupando fogos em superlotação critica (3 ou mais pessoas dispondo de 1 divisão e 4 ou mais pessoas dispondo de 2 divisões, além da cozinha e das instalações sanitárias) eram, respectivamente, da ordem dos 2600, 10600, 193 200 e 333 700, totalizando 540 100 famílias. Em fogos estavam alojadas, nesse ano, 1 507 300.
Em 1960, também segundo os dados da Câmara, obtidos na mesma fonte, haveria sem alojamento 600 famílias, alojadas sem ser em prédio 31 100 e ocupando parte deum fogo ou com superlotação crítica, respectivamente, 214 700 e 340 900. Nesse ano, o número de famílias ocupando um jogo seria de 1 769 700.
Com base nestes elementos, chegou a Câmara Corporativa à conclusão de que, em 1960, as necessidades de habitação seriam de 496700 (em arredondamento, 500 000 fogos), após a rectificação feita no número de 214 700 para 124 100 famílias ocupando parte de um fogo, por 2,5 famílias que, em média, se admitiu vivessem nesses fogos, só 1,5 famílias, como é natural, carecerem de alojamento.
Embora pudesse discutir-se o conceito de superlotação perfilhado pela Câmara, aceita-se, para a mostração que se segue, a sua validade.
A Câmara afirma que o rigor impunha se reduzisse, em função do aproveitamento possível, o número representativo das carências resultantes da superlotação. Não o fez, contudo, por não dispor de elementos que permitam
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o estudo e a planificação, em termos aceitáveis e partindo de hipóteses válidas, desse aproveitamento. Daí que conclua pelo número de 500 000 fogos como sendo o da carência em habitações, reputando que o eventual exagero da estimativa compensaria os casos de fogos de maior dimensão superlotados por famílias mais numerosas, as necessidades suplementares decorrentes de um critério mais rigoroso de superlotação e as carências, não consideradas, resultantes da necessidade de substituir ou reparar grande numero de habitações vetustas sem requisitos de higiene, e segurança.
Importa, contudo, ter presente que cerca de 80 por cento (81,2) das famílias ocupando fogos em superlotação crítica residiam fora das regiões de Lisboa e Porto (fora destas cidades e dos concelhos de Oleiras, Cascais, Sintra, Vila Franca de Xira, Almada, Seixal, Barreiro e Montijo e Gondomar, Maia, Matosinhos, Valongo, Vila Nova de Gaia e Espinho).
Ora, sabe-se que, de momento, o problema nas zonas rurais não é propriamente o de falta de habitações, mas sim, de precariedade de condições de alojamento. No relatório do grupo de trabalho n.º 7 insere-se um estudo da Junta de Colonização Interna no qual se esclarece que e o fenómeno importante que está a verificar-se na vida rural, concretizado numa fuga das actividades agrícolas, permite levar à conclusão de que aí, no momento presente, o problema do alojamento não se expressa em carência de habitação. O que se verifica é uma inferior qualidade no que se refere ao estado da construção e insuficiência de espaço ...". Nesse mesmo trabalho defende-se que uma "boa política a adoptar seria tentar proceder à benfeitoria dos actuais alojamentos", o que traria, entre outras, a vantagem de reduzir expressivamente os investimentos.
Sendo assim, não há fundamento para atribuir às zonas rurais, a que pertencem 80 por cento de fogos em superlotação crítica, :ao total de 276 900, carências em montante idêntico a este. Se o fizermos, cair-se-á, logo de início, em erro que afectará em muito os resultados gerais. Julga-se, na verdade, inaceitável que se averbem ao déficit carencial geral os 276 90Q fogos das regiões rurais considerados em 1960 em superlotação crítica, tanto mais que esta superlotação foi apenas determinada em função do número de divisões, e não das áreas destas, o que, a fazer-se, poderia ter relevância quanto a muitos fogos dos meios agrícolas, cuja amplitude das divisões não é, para o efeito, factor a desprezar, atendendo aos hábitos de vida das populações do campo.
Pensa-se que, pelo menos, cerca de 85 por cento desses fogos podem, com dispêndios relativamente modestos, ser adaptados ou ampliados.
Como, porém, não se deseja, de modo algum, pecar por omissão ou defeito, admite-se, dentro de um cálculo da maior segurança, que 75 por cento desses fogos podem ser beneficiados, para não falar em que muitos dos alojamentos vagos (e cada vez o índice de desocupação será maior nesses meios) tendem a ser ocupados por famílias que vivem em superlotação. Atente-se em que o número de fogos desocupados nas zonas rurais era, em 1960, de 117 400. o que se deve, em grande parte, às migrações internas ou para o estrangeiro.
Há, pois. que abater três quartas partes aos 276 900 fogos tidos como superlotados naquelas zonas. Assim, este número passará para 69 200 e para 133 200 o número de 340 900 fogos superlotados na metrópole.
Nem parece que "o eventual exagero" da estimativa de 500 000 fogos, como déficit carência!, em 1960, possa constituir compensação para os casos de superlotação em fogos de maior dimensão, que, pelo seu número e pelas melhores possibilidades residenciais que oferecem, não têm saliente expressividade. Nem se esqueça, e isto tem implicações que transcendem a hipótese em apreço, que a evolução da dimensão das famílias está a decrescer. Em 1950, as famílias constituídas por uma só pessoa representavam 7,6 por cento do total, para passarem, em 1960, a representar já 10,9 por cento. No que concerne a famílias com duas e três pessoas, a representatividade, em relação ao total geral das famílias, subiu, respectivamente, de 17,1 para 19,6 por cento e de 21 para 22,3 por cento. Mas baixaram todas as percentagens relativamente às famílias com quatro e mais pessoas. Frise-se que foi o ano de 1960 o primeiro que registou a existência de famílias com menos de quatro pessoas em percentagem superior a 50 por cento (52,8 por cento).
Por outro lado, e ainda no sentido de evidenciar que "o rigor impunha", de facto, se entrasse em linha de conta com um reaproveitamento possível dos fogos superlotados, devo sublinhar que o critério perfilhado pela Câmara Corporativa não pode considerar-se apertado em demasia. Quanto às carências provenientes das necessidades de substituir ou reparar grande número de habitações vetustas ou sem os requisitos mínimos de higiene e segurança, são elas consideradas, afinal, na fixação do déficit de reposição.
Fogos ocupados por mais de uma família. - O parecer da Câmara indica que 124 100 fogos estão ocupados por mais de uma família.
Antes de mais, necessário teria sido tomar em conta os vários tipos de família, cujas diferenças hão-de condicionar as soluções para a construção do alojamento e as próprias bases para a notação estatística. Pense-se nas diferenciações que, para estes efeitos, resultam de se estar perante famílias formadas com base no casal e no parentesco, legítimo ou ilegítimo, ou perante famílias constituídas por grupos de pessoas não parentes, entre si ou ainda por pessoas isoladas. Só as famílias destes dois últimos grupos, excluídas, portanto, as fundadas no casal ou no parentesco, eram, respectivamente, e segundo censo de 1960, 114 308 e 270 918. Note-se que nestes números incluem-se tanto as famílias com uma só pessoa (253800) como as 17 118 com empregados ao seu serviço doméstico.
Elucide-se que, no total de famílias ocupando parte do fogo, se incluem também as famílias com uma só pessoa, ou com mais não parentes entre si. Assim, para efeitos estatísticos, consideram-se famílias as pessoas que. isoladamente ou agrupadas, são arrendatárias de quartos ou apartamentos, desde que não tomem as; refeições principais com o agregado familiar que lhes arrenda as divisões por elas ocupadas.
Eis porque não parece legítimo que na fixação do número de famílias ocupando parte de um fogo se tratem estatisticamente do mesmo modo as famílias pertencentes a tipos diversos. Veja-se que o censo de 1960 apurou 74 200 famílias de uma só pessoa vivendo em parte de fogo.
Não está, pois, certo que no quadro utilizado pela Câmara Corporativa se considerem estas 74 200 famílias de uma só pessoa como carecendo de fogo próprio para viverem, tanto mais que a quase totalidade nem o deseja nem dele precisa. (Este é o caso, entre outros, dos estudantes ausentes de suas famílias que, durante o período de aulas, vivem em quartos arrendados). Registe-se que o número de famílias de uma só pessoa ocupando parte de fogo passa de 20 500, em 1950, para 74 200, em 1960. Anote-se, ainda, que as famílias com uma só pessoa, vivendo em prédio em 1950 e 1960, eram, respectiva-
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mente, 154 800 e 253 800, o que representa um aumento de 99 000.
Terá interesse referir que de 1950 para 1960 as famílias com uma só pessoa ocupando um fogo aumentaram em 45 300 (de 134 300 para 179 600), enquanto o acréscimo nesse mesmo tipo de família vivendo em parte de fogo foi de 53 700, entre esses anos.
Nestes termos, e atendendo ainda a que muitas das 114 308 famílias constituídas por duas ou mais pessoas sem ligação de parentesco vivem em condições satisfatórias em parte de fogo, justifica-se a não inclusão no déficit carencial de habitação, pelo menos, das 74 200 famílias de uma só pessoa ocupando parte de um fogo.
Neste campo tão melindroso da notação e da exegese estatísticas toda a prudência é pouca. Bem avisada é, pois, esta passagem, que pode ler-se a p. 15 dos Etudes Statistiques, série n.º 37 "Indicateurs statistiques dês conditions de 1habitation". editados pelo Bureau de Estatística das Nações Unidas em 1963:
O número de agregados domésticos depende não só da estrutura demográfica e dos hábitos de vida das populações, mas também das variações do número de fogos, dos rendimentos e do custo da habitação. Por isso mesmo, é difícil determinar o número de agregados domésticos, ou de famílias que coabitam contra sua vontade em dado momento ... Porque é difícil dar uma medida estatística dos agregados domésticos, não se quis adoptar o número de fogos ocupados por agregados domésticos multifamiliares como indicador de superlotação.
Do exposto, conclui-se que às 214 700 famílias ocupando parte de um fogo importa abater as 74200 famílias com uma só pessoa vivendo em parte de fogo, o que dá 140 500. Destas só não precisará, porém, de alojamento em cada grupo de famílias vivendo em parte de fogo uma destas famílias. Aceite, como a Câmara Corporativa o faz, que tais grupos de famílias são formadas, em média, por 2,5 famílias por fogo, teríamos que do número de 140 500 famílias vivendo em parte de um fogo só 84 300 carecem de nova habitação.
Daqui se infere não poder merecer plena concordância o que no parecer subsidiário .da Câmara Corporativa, depois de se aludir à diminuição, de modo geral em toda a província e mesmo no Porto, da massa de agregados plurifamiliares (famílias ocupando parte de um fogo), se diz quanto à significação do acréscimo verificado em Lisboa, onde, de facto, o número de famílias a viver nas mesmas condições (parte de um fogo) subiu de 53 000 para 94 300 e, nos subúrbios, de 15 600 pana 19 400. Com efeito, o fenómeno não é apenas "consequência do despovoamento dos campos e do afluxo das populações rurais às cidades, Onde o nível de rendas ultrapassa a modéstia dos seus recursos, forçando-as à acumulação e à promiscuidade".
Pensa-se que a visão atrás apresentada permitirá uma interpretação diferente, se bem que não se ignore nem pretenda minimizar o grave problema do afluxo populacional à região de Lisboa. Necessário é, contudo, não o empolar, imputando-lhe situações, algumas delas perfeitamente naturais, com origem em outras causas.
Expressão do "déficit" carencial. - Concluindo: a situação no tocante às necessidades, em 1960,. deve exprimir-se em 249 200 fogos, e não em 490 700 fogos.
Na verdade:
As famílias sem alojamento (600) e com alojamemto sem ser em prédio (31 100) eram 31 700.
As famílias vivendo em parte de um fogo que interessam para a definição das carências habitacionais devem ser 84 300, e não 124 100, como se indica no parecer da Câmara Corporativa.
As famílias ocupando fogos que importa considerar para o efeito de superlotação crítica devem .atingir o número de 133 200, e não o de 340 900, como se refere no parecer da mesma Câmara.
Acrescente-se que nó número relativo a famílias vivendo sem ser em prédio haveria rigorosamente que abater, entre outras, as famílias com vida itinerante (ciganos, feirantes, ...) e os trabalhadores que, em virtude de obras públicas ou particulares, se alojam, a título provisório, em instalações naturalmente não permanentes.
Estes números representativos das carências habitacionais devem ser apreciados sem esquecer os relacionados com os das casas que, embora em condições não totalmente satisfatórias, podem ser reaproveitadas através de obras de beneficiação, adaptação ou ampliação. O que, porém, não se afigura aceitável é incluir estes fogos reaproveitáveis nas expressões numéricas do déficit carencial propriamente dito.
Deve chamar-se ainda a atenção para o facto de, segundo o censo de 1960, existirem na metrópole 2560600 fogos para 2 357 000 famílias. Nas zonas urbanas essa relação é de 554 500 para 565 200 famílias e nos meios rurais de 2 006 100 para 1 791 800 famílias. No conjunto de todo o património habitacional há, pois, um saldo de 203 600 fogos (sem considerar as 253 848 famílias com uma só pessoa), o que, claro é, não implica que não haja uma grave crise habitacional.
Isto revelará que não deve estar subestimado o déficit carencial de 249 200 e acentuará a sobrevalorização do cálculo de 500 000 alojamentos que serviu de base aos programas de previsões habitacionais do Plano Intercalar. Certo é que muitos fogos se encontram devolutos, nomeadamente porque, pela sua localização, inadaptação à composição dos agregados domésticos, condições e nível de rendas, não satisfazem às necessidades familiares, ou porque estão afectos a residência de férias ou de campo dos proprietários. Apesar disto, e contando ainda com outras circunstâncias, o montante do saldo de fogos sobre o número de famílias mostra que se torna imprescindível proceder a estudos profundos em matéria carecida de rigorosos elementos estatísticos e outros exigíveis para conclusões seguras.
O "déficit" de reposição na avaliação do Governo c da Câmara Corporativa. -O déficit de reposição corresponde, no conceito da Câmara, a um número de alojamentos indispensável, em cada ano, para acompanhar o crescimento demográfico, dar resposta aos movimentos da população nas suas migrações internas de carácter permanente e substituir os fogos inutilizados por envelhecimento, e ainda os demolidos, ou destruídos por sinistros ou em consequência de outras ocorrências.
A Câmara, apoiada mais uma vez, como refere, no relatório do Grupo de Trabalho n.º 7, apresenta os seguintes elementos sobre o problema, "embora com as reservas que naturalmente resultam da imprevisibilidade do comportamento dos factores determinantes da evolução das necessidades em causa":
a) No decénio de 1961 a 1970, será. no mínimo, de 133 000 o acréscimo anual de famílias na metrópole, reclamando a construção de 133 000 novos fogos;
b) O movimento migratório interno provocará um aumento anual efectivo das necessidades de alojamento da ordem de 2800 fogos;
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c) A depreciação por envelhecimento do património habitacional exige a construção de 17 900 fogos por ano, admitindo, para um volume de 2 201000 habitações, em 1960, uma vida média de 128 anos por fogo.
Assim, o déficit anual de reposição seria, no total, de 34 000 fogos.
A Câmara conclui que "este volume de reposição permitirá satisfazer já em parte o déficit carência!, na medida em que, por um lado, incida sobre alojamentos superlotados que incluiu como parcela daquele déficit, e na medida em que, por outro lado, a cifra de amortizações das casas envelhecidas se reduz em virtude da desnecessidade de substituir estas casas nas zonas despovoadas".
Isto leva a Câmara a entender que, para o triénio do Plano, se devem construir 34 000 fogos em cada ano. Não admira que seja esta a conclusão da Câmara Corporativa, dado que não é outra a do relatório do Grupo de Trabalho n.º 7, como outra não é a ideia do Governo. Este, apoiado nos elementos apresentados por aquele Grupo de Trabalho, também adopta aquele número, que considera "precisamente a@ necessidades actuais de reposição" (n.º 10 do capítulo VHI do projecto do Plano).
Crescimento demográfico e migrações.-Não parece aceitável o número de 13 300 apresentado para exprimir o aumento anua] médio das famílias na metrópole. Este número foi determinado da seguinte maneira: Partiu-se de que o crescimento fisiológico, no decénio de 1961-1970, era de 10,6 por cento no mínimo, e de 13,7 por cento no máximo, o que significaria, atentos os dados do último censo, respectivamente 879000 e 1136000 pessoas. Adoptada, como foi, e. média destas estimativas (l 007 000) e calculada a emigração para fora da metrópole em 500 000 pessoas, chegar-se-ia a um acréscimo de 500 000 habitantes de 1960 a 1970. Ã média de 3,8 pessoas por família, verificada no último censo, o número de novas famílias seria, em 1970, de 133 000, ou seja, 13 300 por ano.
No relatório do Grupo de Trabalho n.º 7, donde se extraiu este cálculo, adverte-se que o número de 13 300 famílias a mais por ano se afigura aquém da realidade. As razões apresentadas para esta advertência são criteriosas, mas julgo que mais uma vez se esqueceu, na fixação daquele número, a necessidade de não incluir as famílias constituídas por uma só pessoa, que, entre 1950 e 1960, aumentaram de 99 000.
Admitindo que este aumento de 99 000 famílias de uma só pessoa se manterá no decénio de 1960-1970, teremos reduzida a estimativa de 133 000 novas famílias (13 300 em cada ano) para 34000 (3400 por ano). Ora este aumento, no decénio em curso, de 34 000 famílias não pode exprimir a realidade, mas tem a vantagem de evidenciar a existência de alguma deficiência no cálculo que conduziu o Grupo de Trabalho n.º 7 à fixação do número de 133 000 para o aumento de famílias entre 1960 e 1970.
Com efeito, deve ter havido erro de método. O cálculo que levou à fixação do número de 133 000 famílias como representando o aumento destas, entre 1960 e 1970, assentou no aumento da população estimada para este decénio (500 000), dividido pelo número médio de pessoas por família (3,8) em 1960. Ora este indicador (3,8)só é relacionável com a população total num dado ano. e não com a calculada diferença desta entre, o princípio e o fim do decénio.
Parece que o me bodo a seguir deveria levar a dividir essa diferença, de 500 000 pessoas, por 1,5. Este indicador de 1,5 provém da divisão do aumento da população entre 1950 e 1960 (410 000) pelo aumento de famílias neste.
mesmo decénio. Isto se admitir que o aumento de famílias, em correlação com o aumento populacional, se manterá para o decénio de 1960-1970 na proporção verificada no decénio anterior.
Desta forma obter-se-á, para o período de 1960-1970, um aumento de 333 000 famílias (33 300 por ano).
Se deste acréscimo se deduzir, como se afigura necessário, dada a finalidade do cálculo, o número de famílias com uma só pessoa (99 000), surgirá um total de aumento de 234000 famílias no decénio em curso, ou a média anual de 23400 famílias, com duas ou mais pessoas (casais ou grupos de pessoas com ou sem parentesco).
Terá, pois, que rectificar-se o número de fogos, para fazer face ao crescimento demográfico, de 13 300 para 23 400 em cada ano, ou seja, 70 200 no triénio de 1965-1967 e 234 000 no decénio em curso.
Quanto às necessidades de alojamento originadas pelo fenómeno migratório, são expressas pela Câmara Corporativa, de acordo com os resultados obtidos pelo Grupo de Trabalho n.º 7, em 2800 fogos em cada ano.
Parece de aceitar este número, mas por motivos diversos daqueles que serviram de base à sua determinação e aos quais se não alude dada a coincidência aproximada dos resultados e a preocupação, de não alongar ainda mais esta intervenção.
Envelhecimento do património habitacional. - Já o mesmo não pode dizer-se relativamente ao número de 17 900 fogos referido pela Câmara Corporativa para a reposição anual por envelhecimento do património habitacional. Não creio que seja admissível fixar a reposição, a título de envelhecimento, partindo do total dos fogos existentes em 1960, pois muito mais de metade deles focam construídos há menos "de 123 anos (período de duração média por fogo em que se baseou a determinação dos 17 900 fogos indicados no parecer da Câmara).
Em 1864 o numero de famílias era da ordem de 1 milhão. Admitindo, por prudência, que a cada família correspondia então um fogo, e considerando que presentemente há 2 204 000 fogos, parece não se justificar o método utilizado para o apuramento de fogos a repor em cada ano.
O método ideal consistiria em recensear todos os fogos a ser imediatamente demolidos e todos os que deveriam sê-lo, em função da sua vetustez, nos próximos anos (dez ou vinte anos, por exemplo). Ter-se-ia, assim, uma imagem exacta da situação, mas seria, além disso, necessário promover uma avaliação do número de fogos que, por outras razões, deveriam ser demolidos ou deixar de ser utilizados. Para aplicar tal método seria preciso proceder ao estudo profundo da qualidade e idade dos fogos existentes. Mas, mesmo que fosse viável reunir esses elementos, a avaliação não deixaria de suscitar um problema extremamente difícil de resolver, sobretudo na determinação das casas a demolir nos próximos dez, quinze ou vinte anos, por exemplo.
Isto se diz em publicação especializada de um organismo internacional, onde se acrescenta:
Poder-se-á calcular uma taxa aproximada de reposição a partir das estatísticas da repartição por idades do património actual de fogos. Em geral, pode considerar-se que a duração normal de uma casa é de 100 anos, mas acontece, por vezes, que é preciso demoli-las antes. Se é de aceitar, como regra, uma duração de 100 anos, poder-se-á calcular a taxa de reposição anual tomando o décimo dos fogos que têm, no momento presente, 90 a 100 anos de existência.
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Repare-se que nessa publicação, do Conselho Económico e Social das Nações Unidas, intitulada Métodos Propostos para a Estimativa das Necessidades da Habitação, se indicam, para alguns países, as percentagens do património imobiliário a repor anualmente e um número de anos ao fim dos quais esse património ficaria renovado por completo. Aí aparece Portugal como podendo substituir integralmente, no período de 222 anos, o seu património imobiliário.
Essa reposição seria feita à razão de 1 por cento do número de alojamentos que o País possuía há 100 anos, ou seja, 0,45 do património actual (2 201 000 fogos). Este critério afigura-se mais amoldado à nossa- realidade e evidenciaria, como resultado, uma necessidade de reposição da ordem dos 10000 fogos anuais, ou da ordem dos 8000, se se partir dos 123 anos de envelhecimento indicados no parecer da Câmara e já considerados, para fins idênticos, na vizinha Espanha, como se refere no relatório do Grupo n.º 7.
Parecendo muito dilatado o período de 123 anos e mais de acordo com o real envelhecimento das casas o de 100, é este que parece dever adoptar-se, até por prudência, se bem que em 1864 não houvesse certamente 1 milhão de fogos, e dado que desse ano para 1878 o aumento médio anual de famílias foi de 6545.
De resto, o número de 10 000 fogos a repor anualmente, por ser suficientemente amplo, pode cobrir a reposição de fogos demolidos ou destruídos por sinistro ou outras ocorrências.
Assim, o déficit anual de reposição seria de 36 200 fogos, correspondendo 23 400 a acrescimento demográfico, 2800 a migração interna e 10 000 à substituição das habitações vetustas.
O resultado é sensivelmente idêntico, no total, ao referido pela Câmara Corporativa e pelo Governo, mas a sua determinação obedeceu a critérios divergentes e a sua composição é manifestamente diversa, o que tem interesse do ponto de vista da técnica estatística e da programação das construções. Salienta-se, por exemplo, que a divergência encontrada na fixação do crescimento demográfico é expressiva a ponto de os cálculos aproveitados pelo Governo e pela Câmara levarem, no decénio, a uma diferença, para menos, de 101 000 famílias.
Esta diferença acentuar-se-ia, alcançando o número de 200 000, se não se excluíssem as famílias com uma só pessoa, como é mister se faça.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. António Santos da Cunha: - Tenho estado a seguir o discurso de V. Ex.ª com a maior atenção, a atenção merecida ao Deputado e a atenção merecida ao homem que, sem dúvida, deu um alto contributo à solução do problema de habitação neste país. Quereria, acima de tudo, destacar a lei que permitiu os empréstimos aos trabalhadores e, como V. Ex.ª muito bem anotou, veio criar um sistema mais de acordo com a nossa maneira de ser. No entanto, e com aquela independência que me caracteriza e que julgo estar nos hábitos dos membros desta Casa, creio que V. Ex.ª, pelo menos até agora, não focou um problema que considero da maior importância e que, a ser resolvido, como já deveria ter sido, daria ao problema da habitação um impulso muito maior. Refiro-me à necessidade de um organismo de coordenação e direcção do problema habitacional a nível ministerial. Julgo que é uma necessidade absoluta, para que se não caia na pulverização da responsabilidade que se verifica e a que V. Ex.ª aludiu.
O Orador: - Quero agradecer, antes de mais, as referências generosas com que V. Ex.ª quis honrar-me e que muito me sensibilizaram. Quanto ao problema da coordenação no plano da política habitacional, espero, precisamente, dedicar-lhe um capítulo no estudo que estou agora a apresentar à Câmara. E, assim, se V. Ex.ª concorda, não responderei desde já à pertinente observação que me dirigiu. Fá-lo-ei daqui a pouco tempo, quando chegar a altura de me pronunciar sobre o problema, que é, na verdade, muito importante, mas também muito delicado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Peço perdão de ter feito a injustiça de supor que V. Ex.ª traria aqui um trabalho que eu não consideraria completo sem tratar do referido problema.
O Orador: - Volume e ritmo de construções. -Conviria começar por determinar o volume de construções registado entre nós, visto que também nesta matéria há aspectos a reconsiderar nos elementos apresentados pela Câmara Corporativa, que se aproveitou do relatório do Grupo de Trabalho n.º 7, incumbido o Governo de preparar as bases do planeamento habitacional.
No quadro III do parecer subsidiário, quadro cuja fonte são os volumes da Estatística Industrial de 1953-1962 (Instituto Nacional de Estatística),. indicam-se os fogos construídos na metrópole naquele período. Do quadro constam os seguintes elementos, no que toca a fogos construídos:
1953 16517
1954 16622
1955 18 429
1956 20561
1957 22 993
1958 26405
1959 26003
1960 26660
1961 29 803
1962 29666
Total 233659
No entanto, estes elementos não exprimem todo o movimento da construção de fogos entre nós. É de estranhar que não se tenha atentado em que tais números representam apenas uma parcela, se bem que a mais importante, do total dos fogos construídos.
Na verdade, seria de reparar que esses números e os apurados nos censos de 1950 e 1960 divergem sensivelmente. Segundo estes censos, o aumento de fogos entre 1950 e 1960 foi de 278 600. Como em 1951 e 1952 se construíram muito menos fogos do que em 1961 e 1962, conclui-se que a diferença é bem mais expressiva.
Sabe-se que o número de fogos que consta das estatísticas não inclui, até 1956, aqueles que foram construídos fora das sedes dos concelhos e zonas do turismo e, a partir desse ano, só excepcionalmente inclui os fogos construídos em povoações com menos de 2000 habitantes, isto é, em localidades onde, em 1950 e 1960, a percentagem de habitantes em relação ao total do País era, respectivamente, de 69 e 65,7.
Convém precisar melhor: os números publicados nas estatísticas correntes dizem respeito a licenças de utilização de fogos, e não a fogos construídos. Embora se saiba que estes são em maior número, não farei qualquer adita-
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mento de correcção, visto não existirem elementos devidamente apurados que o permitam. Mesmo assim, entre 1953 e 1962 construíram-se na metrópole 822 499 fogos, mais 88 800 do que os indicados pelo Grupo de Trabalho n.º 7 e pela Gamara Corporativa. È este o número que, baseado em cálculos de extrema prudência, o próprio Instituto Nacional de Estatística utiliza para efeito das contas nacionais.
O Sr. António Santos da Cunha: - Ê muito, mas pouco para a grande necessidade.
O Orador: - Estou, por agora, a apresentar apenas alguns dados estatísticos e tinha de o fazer com toda a objectividade, üsto não quer dizer que não avalie da gravidade do problema habitacional. Terei ainda ensejo de me referir a a^5pectlOs muito sérios de carência de alojamentos e, então, V. Ex.ª verificará que também concorda em que é ainda muito longo e árduo o caminho a percorrer para debelar a crise.
Estes cálculos implicam uma correcção de 38 por cento relativamente às estatísticas correntes sobre a construção que, como se disse, só em casos excepcionais abrangem as povoações com menos de 2000 habitantes. Essa correcção foi estabelecida com base no confronto entre tais estatísticas e os recenseamentos da população.
Só de 1960 a 1962 foram construídos 118858 fogos. Em 1963, a construção ultrapassou a média dos três anos anteriores, que foi de 39 619 fogos.
O quadro seguinte é bem elucidativo:
Fogos, construídos, na metrópole, entre 1953 e 1962, segundo o cálculo do Instituto Nacional de Estatística:
1953 22 794
3954 22938
1955 25432
1956 28374
1957 31 730
1958 36439
1959 35884
1960 36 791
1961 41 128
1962 40939
Total 322449
Tem interesse ver que o número total de habitações, um 1960, aumentou de cerca de 36,48 por cento em relação a 1940. O índice médio de construção em 1940 era de .2,l por 1000 habitantes e é, presentemente, de 4.3.
Eis porque importa rectificar algumas conclusões a que se chegou nos estudos a que nos vimos reportando.
Antes de mais, entre 1950 .e 1960 .não se registou o agravamento carência! de 40 000 fogos referido pela Câmara Corporativa. Este agravamento foi, estatisticamente, no decénio, de 35 400 fogos.
Por outro lado, de 1960 a 1964 a situação melhora ainda mais sensivelmente. Basta considerar as necessidades da reposição, da ordem dos 36 200 fogos anuais, e os seguintes dados:
Média anual de novos fogos:
De 1950 a 1960 28 000
De 1955 a 1960 32440
De 1961 a 1963 41 022
Nestes últimos três anos (1961-1963) têm-se construído a mais 14 400 fogos que as necessidades de reposição (36200), ou seja, em cada ano, 4800. A manter-se o actual ritmo de construção, no decénio de 1960 a 1970, construir-se-ão a mais 48 000 fogos do que as decorrentes daquelas necessidades de reposição.
Mas se estas necessidades fossem de 34 000, como as avaliam a Câmara e o Governo, aqueles saldos para o triénio considerado (14 400), para cada ano (4800) e para o decénio em curso (48000), seriam, respectivamente, de 21 000, 7000 e 70 000.
Alguns aspectos das actuais condições do habitação apurados no censo do 1960. - O tomo VI "Condições de habitação dos agregados domésticos" (X Recenseamento Geral da População), recentemente publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, contém elementos que não podem ser ignorados dos estudiosos de assuntos pertinentes ao problema do alojamento. Por isso, referir-me-ei agora a alguns dos que constam de tal publicação, tanto mais que, dessa forma, melhor se poderá avaliar da amplitude e natureza dos problemas e completar o que atrás ficou dito sobre eles. (
Em 2 20J. 041 agregados domésticos alojados em prédios, 978 507 agregados têm casa própria e, destes, 15 015 possuem habitação em regime de propriedade resolúvel. Os restantes agregados - 1 054 440 - viviam em fogos arrendados e em prédios cedidos; - 150 580. A percentagem dos agregados com casa própria, se bem que aceitável, quando encarada no conjunto de todo o País, indica que o esforço a realizar deve incidir, de modo especial, numa política de acesso à propriedade da habitação. Daí que as fórmulas da Lei n.º 209:í careçam de ser estimuladas cada vez mais. Até nos países de governos socialistas se está a enveredar por este caminho. Já um eminente especialista canadiano pôde afirmar:
Todo o locatário que durante vinte anos pague a renda a um proprietário paga, de facto, a casa que habita e faz dom dela a esse proprietário e recomeça a pagar os encargos de uma construção nova, o que equivale a dizer que cada geração paga três vezes o seu alojamento e que as soluções locativas são mais onerosas para o arrendatário.
Uma das conclusões do IV Plano francês foi no sentido de que o arrendamento é mesmo mais oneroso, e de modo muito sensível, para os poderes públicos de que o acesso à propriedade.
No que se refere à distribuição dos fogos segundo a sua grandeza, medida pelo número de divisões (excluídas do número destas as cozinhas e as instalações sanitárias), e pelos agregados domésticos em função das suas composições, era a seguinte, em 1960:
Em fogos de 1 divisão viviam 222 685 agregados (dos quais 3391 multifamiliares), com 750568 pessoas.
Em fogos de 2 divisões viviam 444 719 agregados (dos quais 9838 multifamiliares), com 1 641 899 pessoas.
Em fogos de 3 divisões viviam 612 7921 agregados (dos quais 19 611 multifamiliares), com 2 367 423 pessoas.
Em fogos de 4 divisões viviam 436 060 agregados (20773 multifamiliares), com 1767711 pessoas.
Em fogos de 5 divisões viviam 214 024 agregados (13 146 multifamiliares), com 894089 pessoas, e em prédios de 6 divisões, 117 039 agregados (8912 multifamiliares), com 506 197 pessoas.
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15 DE DEZEMBRO DE 1964 4193
Em fogos de 7 a 13 divisões viviam 146 130 agregados domésticos, com 673 092 pessoas.
E finalmente, .em fogos de 14 e mais divisões viviam 6542 agregados, com os 166 pessoas.
Quanto a agregados domésticos unifamiliares com alojamento em prédio, segundo as características sanitárias e de conforto do alojamento, indicam-se, também relativamente a 1960, os seguintes elementos:
Em 2 111 224 agregados domésticos unifamiliares havia 65 778 sem cozinha e instalações sanitárias, 1 192 163 com cozinha mas sem instalações sanitárias, 482 835 com cozinha e retrete (sem casa de banho), 370 468 com cozinha, retrete e casa de banho. Por sua vez, 577 917 tinham água canalizada, sendo de 438 551 o número de ligados à rede pública de esgoto e de 338 135 os com. esgoto ligado à fossa. Com energia eléctrica havia 827 747 fogos.
O Sr. Gosta Guimarães: -V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.
O Sr. Costa Guimarães: - Eu, associando-me às justas homenagens que o nosso colega Sr. Deputado António Santos da Cunha tributou a V. Ex.ªs, queria congratular-me por verificar que os números, não correspondendo inteiramente às nossas necessidades, são no entanto uma promissão de um futuro muito melhor, em conformidade com o bem social que nós desejamos, particularmente para as nossas classes trabalhadoras. Foi com a maior satisfação que ouvi os números que V. Ex.ª aqui nos trouxe.
O Orador: - Agradeço as amáveis palavras que V. Ex.ª me dirigiu, mas devo dizer que a expressão quantitativa das construções que apresentei não dá o índice de gravidade do problema. Podem, com efeito, construir-se muitas casas, mas se elas não forem precisamente para os agregados familiares mais carecidos de alojamento, com renda comportável para os seus baixos rendimentos, ficaremos na mesma ou em piores condições. De resto, casas vagas há muitas, mas inacessíveis para a maioria das famílias, dado que as suas rendas são excessivamente altas.
Estes dados revelam um panorama bem pouco agradável, a exigir providências firmes e metódicas no tocante não* apenas à construção e melhoria das habitações, mas também à urbanização e saúde pública e à modificação, pela elevação do teor de vida ou educação, de hábitos inveterados que muito concorrem para grande número de deficiências e atrasos.
Como se verifica, não faltam lacunas sérias neste domínio, a desafiar o espírito de iniciativa e "a capacidade realizadora dos responsáveis.
Ë assim entre nós e é assim em muitos outros países. Analisem-se as nossas dificuldades, inventariem-se as nossas necessidades, planeiem-se os programas de acção para se executarem com energia, mas não se exagerem as insuficiências existentes, que elas já são grandes de si, e nem se perca a visão equilibrada do problema forçando, em nosso desfavor, confrontos com outros países.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - O problema habitacional em França, e o IV Plano para 1961-1963 - Outros elementos de comparação. - Seria proveitoso indicar alguns dados relativos a outros países. Como essa apresentação não se harmonizaria com a índole do presente trabalho, registam-se apenas alguns elementos sobre o problema da habitação em França e sobre o que, na matéria, consta do seu IV Plano de Desenvolvimento Económico e Social para 1962-1965, plano que, pelo alto nível da sua concepção e largueza das suas .finalidades, bem merece estudo atento, na sua estrutura e métodos e nas suas realizações.
Em França, onde há 15 milhões de famílias e quase igual número de fogos, está a fazer-se um esforço para que o mercado de alojamento reencontre uma fluidez suficiente para permitir a cada um aproximar-se do local de trabalho e dispor de moradia adequada à composição do agregado familiar.
Esta preocupação é evidente no IV Plano, cujos objectivos, em habitação, podem condensar-se da seguinte maneira: construção de 315 000 fogos por ano, passagem para o dobro do volume dos trabalhos de conservação e beneficiação a efectivar pelos proprietários e melhoria das dimensões e do equipamento das novas moradias.
As construções projectadas são repartidas criteriosamente pelas diferentes regiões do país, de modo que 100 000 fogos se edifiquem na zona de Paris e um quarto do conjunto nas comunas rurais. As restantes são levantadas nas grandes cidades regionais em expansão.
Todo este vasto programa visa, acima de tudo, o restabelecimento do equilíbrio do mercado do alojamento, uma vez que se reconheceu a existência de uma forte desigualdade entre o preço da renda dos imóveis novos e o dos imóveis antigos. "Esta disparidade - como se refere em publicação oficial francesa- existe tanto em detrimento do locatário (é o caso, por exemplo, do jovem casal obrigado a aceitar uma renda elevada para um apartamento novo, visto não encontrar outro), como em detrimento do proprietário (caso das rendas insuficientes nos imóveis antigos ocupados por locatários afortunados), como ainda em detrimento de uma boa distribuição do habitat e da sua conservação (muitos imóveis antigos não são modernizados em virtude da insuficiência do seu rendimento). Trata-se, portanto, de repor ordem nos preços das rendas, conduzindo cada agregado familiar a consagrar à sua casa uma parte normal dos seus recursos (avaliada em 10 por cento, nos primeiros estudos do plano francês). Originar-se-á, assim, um processo poderoso em favor de uma reclassificação racional dos ocupantes, que facilitaria, além disso, a renovação urbana, tornando menos dificultoso o realojamento dos moradores de prédios vetustos. Ao mesmo tempo seria restabelecida a rentabilidade da construção, o que permitiria ao Estado consagrar o seu esforço principal aos equipamentos colectivos (viação, estradas, ensino, saúde, etc.)".
Claro que uma tal mudança não pode operar-se de um dia para o outro e deve tomar em conta as situações individuais dignas de interesse. Um novo sistema de arrendamento de casas será, pois, estudado em França, no qual a ajuda personalizada suprirá, para as casas antigas e novas, a diferença entre uma renda conforme com a verdade dos preços e uma parte adequada do rendimento do locatário. Mas a revisão das rendas só se verificará quando esta ajuda for estabelecida de acordo com as necessidades e de forma gradual. Por outro lado, várias medidas levarão os proprietários aconsagrar à modernização e conservação dos imóveis uma parte dessa actualização.
Na verdade, o planeamento em matéria de habitação não pode confinar-se à política da construção propriamente dita e abrange, ou deve pressupor, a resolução de outros problemas com incidência na atenuação da crise de alojamento. E que em França esta crise atingiu, e atinge ainda, proporções graves, e aí se pensa que seria errado não a enfrentar também nas suas origens mais fundas.
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Segundo um inquérito feito em 1954, três quartas partes dos imóveis franceses tinham sido concluídos antes de 1914 e um terço era mesmo anterior a 1850. Nesse mesmo ano de 1954, para 45 500 000 habitantes, havia cerca de 14 200 000 residências.
Estes dados, bem como os que se seguem, relativamente à França, são extraídos da Informations Socialcs - Révue Mensuclle de 1Action Sociale et dês Service" Sociaux, Novembro - Dezembro de 1962, de um estudo do administrador do Institut National de Ia Statistique et dês Etudes Economiques. Aí se vê ainda que, segundo o inquérito de 1960, a repartição dss alojamentos pelo número de divisões era, naquele país, o constante do quadro seguinte, em que introduzi, para facilitar a comparação, os elementos respeitantes ao nosso país e a 1960 (censo da população) (atente-se em que na coluna correspondente a uma divisão se juntam os elementos que, no quadro extraído daquela revista, se mostram indicados em dois grupos distintos, ou seja, um sob a rubrica "zero divisão" para os fogos com instalações culinárias, e outro sobre a rubrica "uma divisão" para os fogos com uma divisão além da cozinha):
Repartição, em percentagem, dos alojamentos segundo o número de divisões
[ver tabela na imagem]
Divisões Portugal França
Nesse estudo das Informations Sociales, transcreve-se o seguinte passo, que terá a vantagem de esclarecer aspectos ignorados entre nós:
O inquérito de 1960 mostra de maneira impressionante a má distribuição da população pelos fogos, segundo o seu número de divisões: nos alojamentos antigos (anteriores a 1954), verifica-se que, em média, uma família de 6 pessoas ou mais em 10 dessa categoria habitava um fogo com uma só divisão. Cerca de metade das famílias de 9 e mais pessoas viviam em fogos com 1 a 3 divisões. Ao contrário, só 1 pessoa em 10 dispunha de um alojamento com 4 ou mais divisões. Nos alojamentos construídos depois de 1954, a repartição dos habitantes melhorou um pouco, mas uma fracção apreciável de famílias numerosas vive ainda em superlotação, visto que 11 por cento das famílias de 6 ou mais pessoas ocupam fogos com 1 ou 3 divisões. A grande maioria destas famílias (70 por cento) vive em fogos com 4 ou 5 divisões e 11 por cento em fogos de 6 ou mais divisões. Não há dúvida de que as necessidades de alojamentos com 3 e mais divisões suo muito avultadas, porque a estrutura dos fogos existentes não corresponde a das famílias.
Notáveis progressos se registaram, porém, no tocante à energia eléctrica e gás nas habitações, e de tal modo que o problema pode considerar-se quase solucionado. Quanto a instalações sanitárias, são ainda pouco numerosas, visto que cerca de três quartas partes dos alojamentos são desprovidos de banheira ou duche. Por outro lado, só um terço de fogos possuía retrete com água (8 por cento
entre os fogos dos agricultares e 88 por cento nos dos profissionais liberais). No que concerne a aquecimento, no conjunto, 7 por cento dos alojamentos eram aquecidos por chauffage central colectiva e 10 por cento por chauffage central individual. Os restantes fogos não possuíam instalações de chauffage central. Em 1954, só 10 por cento dos alojamentos franceses eram aquecidos por chauffage central, individual ou colectiva.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Veiga de Macedo, terminou o tempo regimental. Está dentro das minhas atribuições conceder-lhe mais um quarto de hora. Pedia a V. Ex.ª, no entanto, para usar dessa faculdade amanhã, porque tenho à minha espera um grupo de congressistas do Congresso das Comunidades Portuguesas. Um número de congressistas que vivem no Brasil. Ia A dizer brasileiros, porque para mim não há distinção entre portugueses e brasileiros.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Como tenho esses congressistas à espera para os receber, pedia a V. Ex.ª o favor de aproveitar esse tempo na sessão de amanhã, muito embora acredite que eles esperariam de boa vontade para continuar a ouvi-lo.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a extrema amabilidade com que me lembrou a necessidade do cumprimento de um preceito regimental e a generosa faculdade que me concede todo o tempo possível por meter o "Rossio" das minhas considerações na "Betesga" apertada dos preceitos regimentais.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão.
O debate sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965 terminará amanhã, constituindo a ordem do dia das duas sessões que vou marcar: uma às 11 horas e outra à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Martins da Cruz.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Francisco António da Silva.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
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José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa
Paulo Cancella de Abreu.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Marques Fernandes.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Purxotoma Eamanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA