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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 170
ANO DE 1964 16 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 170, EM 15 DEI DEZEMBRO
Presidente: Ex. mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - Foram publicados um suplemento Diário das. Sessões n.º 152, que insere o relatório das contas de gerência e exercício das provindas ultramarinas de 1963, e outro ao n.º 163, que insere a proposta, de lei de autorização das receitas e despesas para 1965t com o respectivo parecer da Câmara Corporativa [parecer n.º 20/VIII (autorização das receitas e despesas para 1965)].
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Nunes Barata congratulou-se com a elevação do Sr. D. Enrico Dias Nogueira à categoria de bispo e focou vários problemas do .concelho de Pampilhosa da Serra.
O Sr. Deputado Sales Loureiro tratou de várias questões relativas ao Estado Português da índia, a propósito de mais um aniversário da sua invasão.
O Sr. Deputado Ubach Chaves referiu-se a afirmações produndas na Assembleia pelo Sr. Deputado Amaral Neto sobre a indústria de lanifícios.
O Sr. Deputado Amaral Neto usou da palavra para explicações acerca da intervenção do Sr. Deputado Ubach Chaves.
O Sr. Deputado Costa Guimarães aludiu à visita que os participantes no Congresso das Comunidades Portuguesas fizeram a Guimarães.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre autorização das receitas e despesas para 965.
Usou da palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 15 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 11 horas e 5 minutos.
e a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Só ver ai.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Artur Alves Moreira.
Augusto José Machado.
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Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy. Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 11 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De Clemente Gameiro, a apoiar as afirmações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre a indústria de malhas.
Vários, a aplaudir as considerações do Sr. Deputado Ubach Chaves sobre o condicionamento da indústria de lanifícios e a discordar das afirmações do Sr. Deputado Amaral Neto sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado domingo o concelho de Pampilhosa da Serra, esteve em festa.
O povo veio para as ruas exteriorizar o seu contentamento, nas igrejas elevaram-se cânticos de acção de graças e na própria domus municipalis, com a possível solenidade que as pessoas simples podem emprestar às horas de consagração, ouviram-se palavras de felicitação e de esperança.
Qual o motivo de toda esta alegria?
Um filho do concelho — o Sr. D. Eurico Dias Nogueira — fora elevado à dignidade de bispo da Igreja de Deus.
Neste chamamento vimos nós, os do povo da serra, uma justa consagração aquém, por suas elevadas virtudes, sempre se distinguiu entre os primeiros.
A Igreja Católica chama, assim, a novas responsabilidades quem, desde sempre, pelo testemunho da sua vida, nos aparecia como predestinado a mais altos caminhos.
Mas esta feliz ocorrência ganhou um sentido mais eloquente com a designação do Sr. D. Eurico Dias Nogueira para bispo de Vila Cabral.
A dedicação votada pelo antigo escolar das Universidades Gregoriana e de Coimbra, pelo querido assistente eclesiástico do C. A. D. C, pelo professor e publicista insigne à causa missionária, renova-se agora neste acto de confiança. O Sr. D. Eurico tem a felicidade de poder dar realização àquelas palavras que o imortal Pio XII escreveu na carta encíclica Saeculo Exeunte Octavo:
O missionário abre os lábios para falar com sabedoria e competência do Reino de Deus, e estende as mãos, convenientemente preparadas e movidas da caridade cristã, para aliviar os corpos das doenças e das misérias que os afligem.
O concelho de Pampilhosa da Serra, que tantos filhos tem dado ao ultramar português, reafirma-se agora em alguém, que, simultaneamente ao serviço da Igreja Católica e ao serviço da terra portuguesa de Moçambique, vai realizar uma missão que o povo simples e bom também reivindica como sua.
Este povo sabe que Pio XII lhe fez justiça quando afirmou constituir «uma glória de Portugal o ter sempre associado à fortuna da metrópole os povos das terras ultramarinas, procurando elevá-los ao mesmo nível da civilização cristã».
Por isso a sua alegria de domingo me pareceu confundir-se no esplendor das «incomparáveis glórias missionárias» dos Portugueses, glórias que dimanam «daquela ardente fé do povo lusitano e da sabedoria cristã dos seus governantes, que fizeram de Portugal um dócil e precioso instrumento nas mãos da Providência, para a realização de obras tão valiosas e tão benéficas».
Mas, Sr. Presidente, se me é grato transmitir a esta Câmara a notícia das horas de júbilo vividas pelo povo de que faço parte, constitui igualmente meu dever ser intérprete das suas angústias e necessidades.
E singular o destino destas terras, esquecidas do Governo da Nação, que ofertam generosamente à Pátria a única riqueza de que dispõem: os seus próprios filhos. E triste a falta de sensibilidade dos governantes, que poderiam meditar nestas palavras, que são igualmente do grande Pio XII:
. . . Deixando as regiões onde domina uma vida austera, afluem constantemente à cidade homens cheios de saúde e de ardor, ricos de experiência de
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gerações laboriosas, daqueles homens de que a Nação necessita para as tarefas difíceis e para o exemplo do seu povo. Ora, não deverá permitir-se que estas zonas rurais se transformem aos poucos num deserto. Impõe-se impedir que tais populações se deteriorem. Urge, em suma, valorizá-las não só para a manutenção de um salutar equilíbrio do país como ainda para ajustado sustentáculo das próprias aglomerações urbanas.
Quando o Sr. D. Eurico Dias Nogueira quis, em romagem significativa, recordar os seus ancestrais, poderia talvez fazer suas aquelas palavras de Frederico Ozanan:
Dou graças a Deus por ter nascido numa dessas classes médias que se situam entre a pobreza e a riqueza, o que me habituou às privações sem ignorar as comodidades lícitas, situação onde o homem não se escraviza com a saciedade de todos os desejos, nem está submetido à pressão das contínuas solicitações da necessidade.
Mas já quem no passado domingo percorresse os principais núcleos da serra poderia perguntar com justificada inquietação: que fizeram das nossas classes médias agrárias? Porquê as deixaram perder como elites locais, no seu papel moderador, docente e assistencial?
E de novo o espectro da triste sorte da nossa agricultura poderia ajudar a encontrar uma resposta. E de novo junto a minha voz aos clamores que nesta Assembleia se têm erguido. Advogando uma política de revigoramento das classes médias agrárias, chamo uma vez mais as atenções do Governo para a urgência em atender à situação marginal da agricultura do Portugal das montanhas do interior, recordo a oportunidade da valorização dos produtos agrícolas, do apoio a soluções cooperativas e a esquemas de comercialização, da generalização de assistência técnica e do crédito agrário, da consagração dos instrumentos jurídicos ou dos meios institucionais que correspondam a estas exigências de revitalização.
O concelho de Pampilhosa da Serra pertence à última lista dos concelhos deserdados do País.
A sua população, que em 1940 se aproximava dos 16 000 habitantes, não ultrapassa hoje os 13 000. O êxodo rural fez com que as colónias de muitas das povoações da serra em Lisboa sejam mais numerosas do que o que resta de velhos e de crianças nas terras de origem.
Assim, à destruição das elites seguiu-se a debandada das populações válidas.
Mas será pecado que esta gente abandone as suas terras? Ter-lhe-á o Governo prodigalizado um mínimo de condições propícias à vida?
Dos 13 000 habitantes do concelho de Pampilhosa da Serra, 2000 vivem isolados, sem a comodidade de um caminho rural praticável por qualquer sorte de veículos, 4000 não dispõem de abastecimento público de água 11 000 não têm electricidade, mais de 12 000 não sabem o que é abastecimento domiciliário de água e todos eles são apenas servidos por um médico, a cuja dedicação me apraz, de resto, prestar homenagem. E até o hospital sub-regional, construído há anos, continua, para tristeza das populações e vergonha da administração pública, fechado.
Quando, em 1950, se fez o inquérito às condições de habitação do concelho, apurou-se existirem aí 3455 famílias com habitação ocupando um fogo sem electricidade e água e só 28 com casa de banho, 40 com electricidade e 54 com água.
Penso ter chegado a hora de o Governo se devotar inteiramente aos concelhos mais atrasados do País, promovendo a realização de um esforço que quebre o círculo vicioso de pobreza e atraso dessas regiões e proporcione aos respectivos habitantes um mínimo de condições de vida compatíveis com a dignidade da pessoa humana. Penso ter chegado a hora de acudir ao concelho de Pampilhosa da Serra.
Esta ajuda não pode restringir-se aos processos normais de trabalho e de financiamento. Em 1960, por exemplo, as receitas ordinárias propriamente ditas do Município de Pampilhosa totalizaram 392 contos. Mas deste montante, 14 contos destinaram-se à amortização de empréstimos, 199 a despesas com pessoal e 56 a despesas com tratamento de doentes pobres. Isto é, depois de deduzidas estas três rubricas de despesas obrigatórias, restavam à Câmara 123 contos.
Com estes 123 contos foram ainda pagas as despesas de instalação, mobiliário, água e luz da Secção de Finanças, da tesouraria da Fazenda Pública, da Conservatória do Registo Civil, os encargos com serviços de justiça, as amortizações da construção das escolas primárias o mobiliário e material didáctico, expediente, higiene, saúde e conforto das mesmas escolas, os recenseamentos eleitorais, militar e escolar e as dotações obrigatórias destinadas às freguesias, nos termos do artigo 754.º do Código Administrativo.
Pergunto a mim mesmo se finalmente terá restado alguma coisa para eliminar uma das muitas fontes de chafurdo ainda existentes no concelho ou para restaurar qualquer pontão que ameace ruína.
Mas a problemática das carências do concelho de Pampilhosa da Serra não se restringe às obras públicas.
A política do bem-estar rural, como salientei há dias, a propósito da discussão da Lei de Meios para 1965, estende-se ainda à valorização da habitação rural, à extensão do ensino, à cobertura da região nos sectores da saúde, assistência e previdência, à localização dos serviços públicos no rural, à valorização das potencialidades produtivas (agricultura, florestas, pecuária e indústrias), ao abastecimento público, à existência de esquemas de comercialização e sistemática eliminação dos que especulam com a pobreza das populações ou abusam da sua boa fé.
Vai para um ano defendi nesta tribuna a realização de uma grande cruzada para promoção económica e humana de regiões como a do concelho de Pampilhosa da Serra. Como a triste condição do Portugal das montanhas do interior se mantém, renovo tal apelo.
Seria um mundo novo que- se abriria à nossa alegria e à nossa esperança.
Nessa sociedade nova haveria naturalmente lugar ainda à dor, ao luto, às lágrimas.
Mas, como recordava o Sr. Presidente do Conselho, no seu memorável discurso do 1.º de Maio de 1935, "na paz que cobre a terra trabalhada e as almas conformadas e simples, na alegria do esforço criador, na garantia do trabalho e na suficiente satisfação das necessidades, na segurança do lar e no doce convívio familiar", o homem das nossas serras encontraria providencialmente o bálsamo para o que ainda restasse da dureza da vida.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro:-Sr. Presidente: Passa no próximo dia 18 o terceiro aniversário de um dos mais hediondos crimes da história: sobre Goa arremeteu então uma das mais clamorosas violações das elementares normas sobre que se alicerçam os direitos d aã gentes e o trato nas relações internacionais!
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Não há, nunca houve, jamais haverá, explicação lógica, plausível, para o desatino do Governo Indiano, quando enodoou de sangue luso o trapo branco do seu pseudo-pacifismo!
Uma consciência que, até aí, nos areópagos internacionais fora uma força porque se afirmava isenta, justa, num-dia apenas perde ioda a virulência jurídica e moral, rasgando pela violência a Carta das Nações Unidas — essa Carta que ela própria assinara e solenemente se comprometera a defender!
Foi ali, em Goa, Damão e Diu, que em 18 de Dezembro de 1961 se iniciou o primeiro acto de uma trágica pantomina, porventura a fulcral geradora do desacerto em que anda envolvido o Mundo.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Ali se expressou em letras inapagáveis o conformismo das nações perante uma agressão sem nome; ali se conheceu, por entre gritos de dor e de sangue, até que ponto era capaz de descer a cobardia internacional, amarfanhando tratados, calcando aos pés compromissos e alianças!
O di-eito da força, a força da prepotência — tudo o qu« "caracteriza um barbarismo de princípios, a formação primária de povos que detêm o comando de certas assembleias internacionais; tudo isso ganhou novo sentido si luz da agressão indiana. A tragédia goesa foi, de facto, o primeiro acto de uma farsa que continua a decorrer, tendo agora por cenário a África em ebulição.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Farsa que só actualmente o insuspeito ministro Spaak entreviu, quando afirmou:
Querem separar a África da Europa e opor o homem branco ao homem negro!
O p-aís de ïagore — como esta conjugação soa a blasfémia!—, anexando a Índia Portuguesa,. degradando-se a si próprio e no concerto das nações, nunca mais teve sossego de espírito e procura expiar a sua culpa, numa truculência suspeita, medida numa obnubilação esquizo-frénicíi dos problemas mundiais.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Goa. com o túmulo de S. Francisco Xavier e a mensagem que dele dimana, há-de ser sempre um espinho acerado na carne e na alma do corpo indiano, já tão absorvido por problemas próprios — de tão difícil solução!
O Estado Português da Índia foi provisoriamente tomado, más nunca conquistado, já que não se conquista a alma de um povo que com o colosso vizinho, de comum, apenas tinha uma fronteira, que separava dois mundos opostos nas suas concepções espirituais e morais.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Não se desintegra, não se mistura, o que se anexa, mormente quando o anexado tem uma idiossincrasia própria.
Assim Portugal ficou em Goa, ali permanece imutável, intacto .na sua resplendência moral e espiritual.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Está-o na sua qualidade ocidental e cristã.
Permanece vivo nos julgamentos iníquos, nas conspirações de quem preza o que é seu com a mesma força com que repudia o alheio!
Está-o, porque a Índia Portuguesa é no mundo humano a experiência mais feliz, o padrão mais alto que um país ergueu a uma civilização que se apoiou na liberdade, na tolerância e na fraternidade, para se firmar no tempo como exemplo de compreensão e de unidade entre os povos de raças e de credos diferentes.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Por isso, não podemos permitir que se perca o que de há muito constitui uma individualidade própria no Indostão — não queremos renegar o que tão amorosamente criámos!
Isso se acorda, aliás, com o esclarecido pensamento do Sr. Presidente do Conselho quando proferiu:
Aquele que não defende o seu direito já desistiu dele a favor de quem pretende tomar-lho e no íntimo confessa que duvida da sua legalidade.
Em nenhuma circunstância desistimos dos nossos direitos sobre a Índia Lusíada, quase que uma pátria da nossa própria Pátria!
Vozes: —Muito bem, muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: A afirmação missionária da nossa acção na Índia ficou bem expressa na mensagem por D. Manuel I dirigida ao sa-morim de Calecute:
Porque bem he de crer .que não ordenou Deus Nosso Senhor tam maravilhoso feito desta nossa navegação pêra sómente ser servido nos tratos e proveitos tem-poraes dentre vos e nos, mas também nos espiri-tuaes das almas e salvação delias ...
Isso o reconheceu — e com que solenidade! — a própria Igreja de Eoma, quando Sua Santidade Pio XII, pela «esplêndida tradição missionária da Catedral de Goa», a distinguiu com a Kosa de Ouro.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Essa distinção com a que o sumo pontífice agora concedeu ao Santuário de Fátima são os dois apoios de uma ponte espiritual que para sempre há-de unir Portugal à sua província do Indostão: a Europa à Ásia.
Vozes: — Muito bem!
OOrador:—Não podia, pois, a «fidelíssima» Nação Portuguesa acreditar no que impudicamente afirmava certo jornal indiano quanto à posição da Cúria Bomana ante a agressão de que fomos vítima vai já para três anos.
Antes sim, o País rejubilou com a tomada de posição do Vaticano quando categoricamente negou que, em qualquer ocasião, tenha aprovado «implícita ou explicitamente» a agressão indiana aos «territórios portugueses».
E porque sobre o chão sagrado do Estado Português da Índia se abateu uma nova onda de violência, de espoliações, de ódio. que se vem traduzindo numa forma de terrorismo que constitui uma ameaça à paz e aos direi-
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tos humanos, é de todo pertinente que Portugal faça por incluir no Conselho de Segurança e na agenda ctas Nações Unidas o caso goês.
Vozes: —Muito bem!
O Orador: — Por outro lado, rogamos ao Governo que estimule, ajudando por todos os meios ao seu alcance, a resistência goesa, já manifestada através de greves de estivadores, de comícios e protestos, tudo pretextos para um povo altaneiro demonstrar ao Mundo uma vontade que não morre: a de permanecer para sempre português, não aceitando a integração nos Estados: indianos vizinhos!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Hoje, mais do que nunca, necessário se impõe — já que a língua é um dos mais preciosos vínculos com que se estrutura a solidez das pátrias — que olhemos de frente o problema da criação de numerosas escolas junto das comunidades goesas no Mundo, para que de todo não se perca uma herança que é orgulho e apanágio do Mundo Lusíada.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E dado que o povo oprimido de Goa não pode ficar só na luta desesperada que trava e que já ocasionou tanta vítima, preciso se torna que se crie no continente ou no ultramar uma emissora com potência suficiente para que a Voz de Goa, em português e con-cani, anuncie a esperança de que os addaus e a peregrinação ao túmulo de S. Francisco Xavier se façam um dia em regime de plena üiberdade, essa liberdade que tornou coesa a unidade portuguesa indostânica!
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E, do mesmo modo, fazemos votos por que o Dia de Goa aeja mais do que vem sendo, que se torne num dia de especial significado a comemorar por toda a família portuguesa!
Momentos há em que o juízo lúcido da história mal permite que se perca parte da fazenda de um povo; o que nunca em qualquer eventualidade consentiu foi na perda total da sua honra, porque com ela se vai, já não só o corpo, mas sobretudo a alma da Nação!
Vozes: —Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ubach Chaves: — Sr. Presidente: Quando, na sessão da manhã de 10 de Dezembro, aqui fiz algumas considerações sobre grupos de pressão e condicionamento tecnológico, não podia pensar —nem certamente VV. Ex.ª — que na sessão da tarde nos surgiria aqui — mesmo aqui! — a demonstração inequívoca da ameaça permanente aos interesses superiores da economia nacional, sempre que a doutrina e os princípios se podem vir a consagrar em textos legais. E, por ser homem de princípios e de alguma maneira responsável pela elaboração de um projecto de regulamentação tecnológica da indústria de lanifícios, fui chamado ao pretório pelo Consórcio Laneiro de Portugal, doublé de intérprete dos interesses de industriais de malhas de Minde, concelho de Alcanena. A assembleia ficou elucidada dos propósitos, mas não tanto quanto o necessário para bem ajuizar da inanidade do que, por
irrefiexão e audácia de afirmar, aqui se ouviu. Embora informado no momento do que ia suceder, foi-me fácil passar a acusador, em defesa do interesse público, e pulverizar o principal do dito.
O Sr. Amaral Neto: — V. Ex.m dá-me licença? O Orador: —Faz favor.
O Sr. Amaral Neto: — Quero observar a V. Ex.ª que isso é um ataque pessoal, não justificado nem cabido, porque aquilo que aqui foi dito e o que se passou não foi de ataque pessoal.
O Orador: —V. Ex.ª vai ouvir-me até ao fim, pois na sua intervenção não fez outra coisa que não fosse um ataque pessoal. Vou responder exclusivamente dentro dos princípios e da verdade.
O Sr. Amaral Neto: — Não me parece fácil do que constou então das minhas palavras concluir um ataque pessoal, salvo se V. Ex.ª se considera pessoalmente identificado com os objectos dos meus reparos.-.
O Orador:—Já vamos ver como fui pessoalmente atacado.
Importa, porém, aduzir mais prova de quanto os princípios e a verdade foram postergados:
1.º Os fabricantes de malhas de Minde não tinham qualquer interesse em conflito com o projectado condicionamento tecnológico da indústria de lanifícios. O que eles legitimamente poderiam querer estava, na ordem dos princípios, em oposição total ao defendido pelo Consórcio Laneiro. Eles pretendem que o direito de instalação de fiação atribuído aos industriais das diversas modalidades dos lanifícios lhes seja extensivo, para que, em quantidade, qualidade e preço, melhorem as condições de exercício da sua própria actividade. Não quereriam estar dependentes no abastecimento da indústria de fiação e visavam o auto-abastecimento através de instalações privativas.
Quer dizer que, enquanto o Consórcio Laneiro pretende manter, através do monopólio, na sua dependência a indústria de fiação, os fabricantes de malhas de Minde querem proclamar a sua independência da indústria de fiação e garantir-se do direito de instalar fusos em unidades com um mínimo de dimensão. Princípios e objectivos comple-tamente opostos.
Saber se a indústria de malhas tem razão, não importa agora examinar. E isto, além do mais, porque se suscita um problema que excede o âmbito da indústria de lanifícios, por também respeitar à de algodão e de fibras artificiais e sintéticas.
Dentro da regulamentação de condicionamento técnico da indústria de lanifícios podem instalar-se unidades de 10000 fusos, e, sendo assim, os industriais de malhas beneficiam, como qualquer outra entidade, do direito de instalação. O que está em causa é saber-se se, tal como sucede com os industriais das outras modalidades, os de malhas não deverão beneficiar de uma dimensão de 5000 fusos, em vez de 10 000. No exame desta questão é que se poderiam defender interesses dos fabricantes de malhas.
Tenho para mim que toda a indústria de malhas, quando corporativamente organizada, tem boas razões para alcançar o seu objectivo, que, repito, se situa no pólo oposto ao do Consórcio Laneiro. Deste entendimento da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios sabem, não há um ano, mas há mais de vinte anos, as entidades
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responsáveis de malhas de lã com assento nos Grémios dos Industriais de Lanifícios do Norte e do Sul.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr: Amaral Neto: - Antes de mais, quero protestar contra a alegação do monopólio do Consórcio Laneiro de Portugal.
Eu esclareci a sua situação, mas disse também que havia ao todo 189 penteadeiras instaladas no País, enquanto o Consórcio só dispõe de 30. Ora, isto define claramente os limites do que V. Ex.ª chama monopólio.
O Orador: - Não se trata de penteadeiras, mas de empresas de penteação. Eu referi que eram três. A mais importante aceitou o condicionamento tecnológico. Bestam duas, uma das quais é o Consórcio Laneiro.
Ora, quem não quer concorrência quer monopólio.
O Sr. Amaral Neto:-Tenho ainda de esclarecer que não se pode, f alar em monopólio quando a capacidade global das três empresas é sensivelmente de metade da total: só em meia unidade, efectivamente, excede essa metade.
O Orador: - Não se julgue, porém, que se está em presença de um aspecto basilar da indústria de malhas.
Há industriais de malhas, de grande relevo económico, que se desfizeram das suas instalações de fiação - e os pequenos fabricantes de Minde não representam mais de 5 por cento do valor total das malhas de lã produzidas no País.
Um grupo de capitalistas, porém, que se diz estar ligado a alguns fabricantes de malhas de Minde, pediu, em 10 de Outubro passado, a instalação de uma fiação de 10 000 fusos (numa 1.ª fase 5000), a localizar, em primeiro lugar, na Chamusca.
O Sr. Amaral Neto: - E absolutamente falso, de meu conhecimento, que a empresa por V. Ex.ª antes nomeada tenha interesses nesse pedido. E mais assevero a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, não só isto mas também que ignoro tudo de tal pretensão, embora encabeçada na minha terra de residência.
O Orador: - Pois nesse pedido refere-se a Chamusca como primeira localização preferida para a fábrica.
O Sr. Amaral Neto: - Retiro a V. Ex.ª o direito de estabelecer qualquer relação desse pedido com a minha pessoa ou intervenção na Assembleia.
O Orador: - Eu apenas cito factos. Factos são factos.
Diga-se que há também pendente um outro pedido de 5200 fusos para Minde.
E agora já se pode entender o que está por trás do Consórcio Laneiro.
Mas o projecto de regulamentação não contempla estas pretensões. Na fiação quer-se condicionamento técnico e na peniseação defende-se ... o monopolismo.
2.º O projecto de regulamentação do condicionamento técnico da indústria de lanifícios é, salvo na sua aplicação à indústria instalada e no pormenor, o projecto de decreto de reorganização da indústria de lanifícios, elaborado por uma comissão nomeada pelo Governo em Julho de 1961. Esse projecto tinha o apoio unânime dos dirigentes corporativos da indústria, mas o Ministro da Economia mandou ouvir, directamente, cada um dos agremiados, e, por fim, o número, e não o valor económico, influiu numa decisão que levou ao seu abandono e abriu caminho a uma liberalização total de instalação ou a um ordenamento de ampliação e de instalação.
Adoptou-se a orientação do condicionamento técnico, sempre defendida pela F. N. I. L.
O projecto, todavia, sofreu ajustamentos formais - e deles tiveram conhecimento directo os dirigentes dos grémios com assento no conselho geral da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios (entre eles, o representante da mais importante empresa de penteação de lãs, nessa qualidade presidente da assembleia geral do Grémio dos Industriais da Lanifícios do Sul) e, por seu intermédio, todos os agremiados.
Já decorreram quatro anos nestes estudos de reorganização e de condicionamento técnico de instalação, estudos divulgados por todas as formas. E, depois disto, aparece o Consórcio Laneiro a dizer que o projecto foi examinado numa reunião do conselho geral da Federação de Lanifícios convocado para aprovação de contas 1 Foi, sim, dado nessa reunião, como nas cinco anteriores, conhecimento das conferências havidas com o Secretário de Estado da Indústria, no sentido de prevalecerem os princípios de direito de instalação e de ampliação preconizados pelo conselho geral, todos tendentes a evitar as mudanças de rumo operadas pela substituição dos titulares do Ministério da Economia e a afastar a intervenção da Direcção-Geral dos Serviços Industriais em tudo que não fosse relativo à segurança e higiene das instalações.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença? ... Eu peço a V. Ex.ª que retire das suas considerações a frase: «aparece o Consórcio Laneiro» ...
O Orador: - Eu não referi o Consórcio Laneiro no meu aparte. Falei de uma empresa de penteação. V. Ex.ª é que se atribuiu a qualidade de presidente da assembleia geral dessa empresa e a partir desse momento considerei-o identificado com ela.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª é que lhe atribui essa origem; não fui eu que o disse. Não declarei que estivesse aqui na defesa do Consórcio Laneiro, mas expus claramente as minhas relações com essa empresa, que não tenho de esconder ou disfarçar, só para evitar as erradas interpretações que, apesar de tudo, estou ouvindo.
O Orador: - A indústria quer um estatuto em que, por forma precisa, se definam direitos e obrigações para os que a exercem ou venham a exercê-la. Estatuto que esteja para além dos homens, dos grupos e da conjuntura económica.
Está cansada e desesperada, por não ter orientação, nem lei, e se ver, permanentemente, envolvida em petições, pareceres e recursos contenciosos, como se a vida económica estivesse condicionada pelo subjectivismo das decisões.
Quer lei, quer liberdade condicionada.
Protesta contra o favoritismo e repele os grupos de pressão. Nem outra atitude era de esperar de homens tão idealistas, de ideais tão puros como a própria pureza das neves da serra em que nasceram e trabalham. Os grupos estão aquartelados em Lisboa e nas imediações - e, se eu lhes referisse agora os nomes, a fogueira dos monopólios ultrapassaria a grande abóbada desta sala e irradiaria pelo País, o País crente de uma opinião isenta e livre.
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A história dessas gentes .a farei um dia aqui, se a tanto me vir obrigado, para clarificar a vida nacional.
3.º O Consórcio Laneiro aventurou-se a penetrar nesta sala, em que só os grandes ideais e o interesse público podem ter voz.
Não é a primeira vez!
Já em Maio de 1959 veio defender que uma instalação de 2000 fusos, de custo superior a 7000 ou 8000 contos, era uma fiação-piloto. Demonstraram a inverdade da afirmação os ilustres Deputados Santos Júnior, actual Ministro do Interior, e Carlos Coelho. Apesar disso, a instalação foi licenciada sob certas condições jamais fiscalizadas, por inviabilidade prática, como sabia quem despachou.
E, assim, o Consórcio Laneiro, que entrou pela porta do cavalo para a indústria de penteação - foi preciso, artificiosamente, saltar por cima de cinco pedidos pendentes há anos -, veio a entrar pela mesma porta para a de fiação. Podia entrar livremente, se os princípios que a indústria vem defendendo há um ror de anos tivessem sido consagrados em texto legal, como o foram em 1939.
Não vinha por bem, para competir, mas para se acoitar no condicionamento de produção, convencido, como estava, de largos e infindáveis proventos. Sucedeu, porém, que nem como empresa de penteação nem de fiação se firmou no mercado, de disso dão nota os relatórios de gerência publicados na 3.º série do Diário do Governo. No entanto, os concorrentes prosperaram e prosperam, fruto da sua iniciativa e capacidade de administração. Sobressaltado, o Consórcio Laneiro aparece a buscar apoio no condicionamento, em que dificilmente soube viver, e recorre à redução do preço de transformação e da própria laboração, como anteacto do drama a exibir perante o, por enquanto, desconhecido.
Não se limita a pedir, humilde e resignadamente, protecção. Ataca, acusa e entrou aqui com ares de senhor. Coitado dele, ao interpelar-me sobre os industriais de tecelagem com direito à instalação de fiação, ignorava - se admitirmos a boa fé - que, precisamente, ao abrigo do projecto de condicionamento técnico, foi autorizada, em Coimbra, uma nova instalação de 100 teares e de 10 000 fusos. E não foi só licenciada essa instalação, mas já uma outra de lavadaria, requerida pela Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Transmontano. Vejam VV. Ex.ªs como uma regulamentação de condicionamento técnico de instalação aproveita, primeiro que a ninguém, aos não industriais, com pleno assentimento da Federação dos Industriais de Lanifícios.
Pois, enquanto isto se verifica, os pedidos de instalação e de ampliação dos industriais agremiados, formulados ao abrigo da mesma regulamentação, ainda não foram deferidos.
A verdade surge, clara e definitiva, para honra dos homens de bem, que, se algum erro cometem, não é o de violarem nem a consciência, nem os princípios. Servem, e têm. do servir um sentido inalteravelmente ajustado ao interesse nacional.
4.º E agora, para finalizar, passamos aos aspectos financeiros. Nasceu sob mau signo o Consórcio Laneiro.
Foi inventado por alto funcionalismo da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, amamentado por uns próceres da política que arrastaram os grémios da lavoura a subscrever 13 000 acções de 1000$, correspondentes a 65 por cento do capital. Depois, tal como tinha sido previsto pelos autores, apareceu a Junta Nacional dos Produtos Pecuários a investir, a emprestar e a avalizar. Segundo o último relatório desse organismo, o seu capital no Consórcio Laneiro, realizado, é de 3750 contos, ascendendo a assistência financeira a 7713 contos.
A percentagem de capital particular é reduzida e fica-se sem saber da razão da presença de capital público num empreendimento em sector onde se barrou, descaroadamente, o caminho à iniciativa particular.
Aspectos estranhos que há muito aconselham um inquérito em extensão e profundidade. Dada esta pincelada num quadro de muitos contornos, entremos na apreciação dos lucros de 300 por cento, auferidos pela indústria de fiação.
Devo desde já afirmar que eu, na corrente de opinião dominante entre industriais, a considero como a mais rendosa das oito modalidades da indústria de lanifícios. No entanto, a ajuizar pelo dito, sou levado a concluir que o Consórcio Laneiro, como industrial de fiação, ou não falava verdade quando, na sessão de 10, confessava impotência financeira para se ampliar - no seu caso não se trata de uma nova instalação -, ou, então, a serem verdadeiros os lucros obtidos, há fenómenos estranhíssimos na sua administração.
Quem ganha tem dinheiro para investir. Quem perde, quando os outros, sem distinção, ganham, tem de calar-se e de sofrer os efeitos da sua incapacidade. Não pode denunciar lucros que ele não consegue realizar.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª sabe muito bem porque é que o Consórcio Laneiro não fia. E não digo mais nada!
O Orador: - Devo esclarecer que o Consórcio Laneiro foi autorizado a instalar essa tão celebrada fiação-piloto para poder trabalhar para o mercado externo. Os senhores podem trabalhar, exportando. Esta condição escapa a toda a espécie de fiscalização e nunca, que eu saiba - nem o Consórcio Laneiro o disse -, alguém procurou saber em que regime está a viver.
Fica, portanto, também esclarecida esta parte.
Mais uma vez o acusador bateu em si mesmo e veio para o seu verdadeiro lugar, o de acusado. E nós temos o direito de acusar, por todas as razões e porque o capital público do Consórcio (grémios da lavoura e J. N. P. P.) era, e parece que ainda é, majoritário. Tudo isto convinha esclarecer e, por isso, recomendo ao Ministério da Economia aprofundado estudo.
A inverdade do afirmado ficará plenamente demonstrada também neste aspecto se disser que nos últimos três anos foram vendidas, de entre um total de 23, 4 instalações de fiação de penteado (2 de Lisboa, 1 de Alenquer e outra de Vila Franca de Xira).
Não, não são as máquinas que contam. Importam os homens.
Os incapazes não podem beneficiar de protecções lesivas do interesse económico e social.
5.º O despacho ministerial que demitiu, em 9 de Junho de 1948, a direcção da F. N.º I. L. foi anulado por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o que originou a publicação da portaria de 23 de Fevereiro de 1949, cuja parte final se transcreve (Diário do Governo n.º 65, 2.º série, de 21 de Março de 1949):
Nestes termos, e impondo-se a reintegração da ordem jurídica violada, com ressalva, porém, das situações adquiridas: manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro da Economia, que se considerem reintegrados no exercício das suas funções, com todas as consequências legais e desde a data da publicação da Portaria n.º 12 440, o licenciado João Ubach Chaves, Luís Elias Casanovas e José Lauriano de Moura e Sousa, que constituíam a direcção da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios à data da
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publicação daquela portaria, e revogadas a portaria de 24 de Julho de 1948, publicada no Diário do Governo n.º 185, 2.a série, de 10 de Agosto de 1948, a portaria de 14 de Dezembro de 1948, publicada no Diário do Governo n.º 302, 2.ª série, de 30 de Dezembro de 1948, e o despacho de 24 de Novembro de 1948.
O Sr. Amaral Neto: - Foi o mesmo Ministro a reconhecer um erro ou foi um novo Ministro?
O Orador: - Isso não tem importância, porque foi o tribunal que anulou. Como VV. Ex.ªs observam, há sempre ataque pessoal.
A portaria á de execução do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Saiba-se isso aqui, para de uma vez para sempre se tapar a boca à calúnia.
Vou terminar, mas não quero fazê-lo sem, desta tribuna, dirigir ao Ministro da Economia um veemente apelo para que faça cumprir a Lei n.º 2052 e reafirme a verdade e o vigor do pensamento do Presidente do Conselho, condição primeira de expansão económica e de vivência política.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Peço a palavra para explicações, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para explicações.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Os problemas, o pormenor, o acinte, a particularização com que o Sr. Deputado Ubach Chaves entendeu responder a considerações que aqui fiz talvez tivessem como melhor resposta um completo silêncio, porque julgo que são impróprios desta Casa e dos Srs. Deputados.
Vozes: - Não apoiado!
O Sr. Ubach Chaves: - Impróprio é V. Ex.ª ter aqui trazido um problema que tratou em plano puramente particular.
O Orador: - Repito: impróprios, porque V. Ex.ª entrou numa particularização de negócios que entendo não devia aqui trazer, e numa interpretação de intenções a que nada o autorizava nem autoriza.
Já asseverei em aparte, primeiro, que foi efectivamente a solicitação de um grupo de industriais, meus eleitores, que aqui vim trazer este assunto; segundo, que o não fiz a solicitação, indicação ou pretensão de qualquer empresa particular a que eu estivesse ligado, podendo, aliás, dizer que tenho apenas 25 000$ de acções no tão mencionado Consórcio Laneiro, subscritas como participação do Grémio da Lavoura da Chamusca.
Portanto, peço licença para afirmar e insistir que considero descabido todo o caudal de alusões e insinuações a uma empresa determinada que recheia a intervenção do Sr. Deputado Ubach Chaves. E, como não me quero demorar a defender essa empresa, que não tem de ser julgada aqui, apenas direi uma coisa: que na sua acção e mo funcionamento que tenta seguir essa empresa satisfaz muito de perto justamente a objectivos que esta Assembleia Nacional aprovou ao votar a moção que concluiu o debate sobre o Plano Intercalar de Fomento.
VV. Ex.ªs estarão recordados de que, nos termos da alínea b) dessa moção, a Assembleia considera como problema de carácter instante a solucionar a industrialização dos produtos e matérias-primas agrícolas em condições remuneradoras para a produção.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - O Consórcio Laneiro de Portugal não visa outro fim senão preparar lã, que é uma matéria-prima agrícola, em condições de fugir à influência monopolista que a indústria exerce sobre essa matéria-prima. Trabalha com uma capacidade de um sexto da capacidade total do País e foi criado, justamente, com o apoio e auxílio oficial, porque se reconheceu ser a sua existência um elemento necessário à valorização da lã nacional em que o Governo anda empenhado há mais de vinte anos.
Quanto à instalação de uma secção de fiação que foi objecto de debate e comentários na Assembleia Nacional, essa secção de fiação não funciona, tanto quanto eu sei, ou, melhor, não tem funcionado - não vá o Diabo tecê-las que ela tenha trabalhado esta noite!
O Sr. Ubach Chaves: - Eu posso explicar ...
O Sr. Presidente: - Não pode haver explicações a explicações; mesmo o Sr. Deputado Amaral Neto tem um tempo muito limitado, apenas cinco minutos para dar as explicações que pretende.
O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, é o guardião do Regimento. Queria dizer que não desejava voltar a debate com o Sr. Deputado Ubach Chaves sobre este assunto, mas, considerando a interpretação literal das suas palavras e insinuações, entendo que fazem parte das suas considerações alguns aspectos malsinados do organismo a que me encontro ligado. Se esse organismo tem fiado muito pouco, é apenas porque isso lhe foi imposto pela indústria.
O Sr. Ubach Chaves: - Sr. Presidente: O que o Sr. Deputado Amaral Neto disse não é assim e permita, portanto, V. Ex.ª que eu esclareça.
Esse organismo está autorizado a fiar, mas apenas para o estrangeiro. Fia desde 1961 e sempre em quantidades crescentes e sem que até se conheça o destino desses fios.
O Orador: - Lãs de clientes nacionais ou estrangeiros, mas de clientes seus. O organismo não tem nada que ver com o destino que os clientes lhes dão. Se a lã é nacional, tanto melhor, porque se valoriza no estrangeiro.
Só mais um aspecto. O sentido final da minha intervenção foi pedir que se reconsiderasse sobre o sentido da reorganização prevista. Continuo convencido de que não é verdadeira reorganização industrial a que, a pretexto de condicionamento tecnológico, deixa a porta aberta apenas a grandes capitalistas.
A lei de condicionamento é uma lei que visa policiar e pôr em condições de praticabilidade a actividade industrial. O condicionamento pela dimensão atinge-se naturalmente quando não há favores excessivos, porque então só a empresa com condições de assegurar rentabilidade triunfa.
Como a maior parte das actividades em Portugal estão protegidas, até as pequenas empresas podem viver.
Já foi dito por alguém que a lei em geral é uma violência de fracos, mas uma lei de condicionamento deste tipo seria uma violência de fortes. Era isso que não se desejava que ela fosse.
Tenho dito.
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O Sr. Costa Guimarães: - Sr. Presidente: Solicitei a palavra para em afirmação singela, mas dominada ainda pela emoção vivida, trazer a esta Câmara a necessária e destacada alusão ao dia grande da sua história, vivido pela minha terra, Guimarães, no sábado último. Proporcionou-lho o fasto de incomparável portuguesismo que foi a visita ao altar da Pátria, no berço da Nacionalidade, dos participantes no Congresso das Comunidades Portuguesas, magnífica iniciativa da prestigiosa Sociedade de Geografia que o espírito do seu ilustre presidente, o Prof. Adriano Moreira, idealizou e1 realizou com o seu arreigado e luminoso patriotismo.
A cidade correspondeu, em forma de que pode orgulhar-se, à extrema honra que lhe foi conferida e procurou contribuir para que os actos ali realizados correspondessem, também, em vibração patriótica e profundo sentimento de lusitanidade, aos momentos que, creio, foram do mais elevado fervor patriótico que envolveu e envolve todos os trabalhos desta oportuna e significativa manifestação. As intenções e os objectivos do Congresso, já aqui destacadamente referidos, tiveram, no berço da Nacionalidade, a melhor e autêntica cúpula, pois que o foram em extraordinário e vibrante portuguesismo as cerimónias que se celebraram no ambiente histórico do castelo-mor de Portugal e à sombra protectora da sua milenária torre de menagem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se pode descrever a vibração patriótica que dominou os actos inesquecíveis da aprovação dos Estatutos da União das Comunidades de Cultura Portuguesa e de distribuição de cofres com terra sagrada da colina onde começou Portugal aos representantes presentes de 32 comunidades espalhadas pelo Mundo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Irmanados em afirmações de enaltecimento das virtudes da nossa raça, lado a lado como outrora na missão histórica de dar novos mundos ao Mundo, esteve a Igreja dignamente representada por S. E. Rev.ma o Sr. Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, D. Francisco Maria da Silva, e um inquebrantável e decidido português - no caso um filho ilustre da Pátria portuguesa de além Atlântico - o Brasil -, o Dr. Ives Gândara Martins -, que nos arrebataram com a palavra incitadora de um portuguesismo cristão ou, o que é o mesmo de um cristianismo português.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Ali, em Guimarães, onde pulsou pela vez primeira a nossa nacionalidade, afirmou aos congressistas o Sr. Ministro de Estado, na recepção a que se dignou presidir: «Vieram VV. Ex.ªs de longe ao princípio onde foi Portugal e onde eternamente o será!»
Lapidar mensagem!
Vieram e bem hajam porque o fizeram, porque irreprimivelmente se renovaram com mais arreigado e entranhado fervor, se tanto é possível, os vínculos que os prendem à Pátria-Mãe. E por este acto e pela sua projecção no futuro, bem poderemos atestar que irradiarão com cada vez mais intensa fulgurância os fachos da nossa força de expansão civilizadora.
Da jornada magnífica de que se nos impunha dar testemunho, aqui fica, Sr. Presidente, esta modesta e simples imagem, com a certeza de que em Guimarães, onde Portugal começou, se consagraram as virtudes da nossa raça e se estreitaram os vínculos do portuguesismo imortal, desse portuguesismo que os incompreensíveis ventos da história, por mais alterosos, jamais poderão deter na sua força de expansão civilizadora, autêntica, plena de humanidade e sentido cristão, num conjunto de virtudes que são orgulho mor de todos os portugueses espalhados pelo Mundo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de- lei de autorização de receitas e despesas para 1965.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Macedo, para concluir o discurso que ontem iniciou.
O Sr. Veiga de Macedo: - OBJECTIVOS E ASPECTOS no PLANO INTERCALAR EM MATÉRIA DE HABITAÇÃO - Coordenação da política habitacional. - Prosseguindo nas considerações ontem produzidas, entrarei, como se vê pelos temas enunciados neste capítulo e na rubrica que se lhe segue, na segunda parte da minha intervenção.
Começarei, pois, por abordar, embora resumidamente, o problema da chamada coordenação da política da habitação.
Entre os objectivos que o Governo reputa essenciais, salienta-se, no capítulo I do Plano Intercalar, o da estruturação de uma política habitacional, de forma a dispor-se no início da execução do III Plano de Fomento de um conjunto de directivas e instrumentos eficientes. Com esse propósito pré vê-se o estudo da criação e regulamentação de um órgão destinado a orientar a política da habitação e urbanismo, a avaliação das necessidades e dos recursos neste sector, a promoção da formação dos técnicos necessários e ainda a difusão de conhecimentos sobre problemas habitacionais, bem como o apoio técnico e a coordenação de iniciativas já existentes ou a suscitar.
Afigura-se pouco compreensível que entre os objectivos do fomento da habitação o Plano indique o da estruturação de uma política habitacional.
Parece que, em boa lógica, o planeamento da habitação deve pressupor a formulação de princípios ou directrizes gerais, isto é, deve implicar a existência prévia de uma política. E, na verdade, existe já uma política da habitação. O que importa, isso sim, é aperfeiçoá-la, completá-la, intensificá-la e coordená-la com a que estiver ou for definida para outros domínios muito ligados ao da habitação, como os do urbanismo, das indústrias da construção, do planeamento físico, da mão-de-obra, das fontes de investimento, da previdência social ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, anuncia o Governo que vai estudar a criação e regulamentação de um órgão destinado
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a orientar & política da habitação e do urbanismo. Há que aguardar a decisão do Governo e o resultado do estudo.
Mas é com alguma inquietação que se vê anunciado este propósito, sem uma palavra a esclarecer o sentido da solução orgânica, que pensa adoptar-se.
Virá a ser criado um Ministério ou um Instituto da Habitação? Será constituída uma comissão interministerial, ou outro serviço de tipo coordenador?
Caminhar-se-á antes no sentido de entregar a Ministério já existente poderes de coordenação bastantes, com ou sem concentração nele de atribuições de ordem propriamente executiva? Ou acabará por se manter a competência dos vários Ministérios a que hoje cabe maior intervenção na matéria, embora precisando melhor as funções de cada um, de acordo com a sua índole e eliminando formas de dispersão suscitadas por recente legislação?-
A Câmara Corporativa, no parecer subsidiário, refere que, no relatório do Grupo de Trabalho n.º 7, se preconiza a criação de um Ministério autónomo. Deste relatório transcrevo-se rio parecer subsidiário e também no parecer geral este passo:
Mais de vinte serviços e organismos diferentes - dos quais pelo menos dez com funções de planeamento e construção de habitações no plano nacional -, dependentes de seis Ministérios, fazem , estudos, estabelecem programas, executam empreendimentos e promulgam normas e regulamentos no campo da habitação e do urbanismo, ordinariamente sem qualquer actividade de coordenação ou sequer de simples informação mútua, por vezes até quando pertencendo a um mesmo Ministério.
A Câmara Corporativa nada quis dizer «sobre a inserção deste organismo novo, reconhecendo que virá a ser difícil fugir à hipótese da Presidência do Conselho, mas também que se torna mister evitar tal tendência». E acrescenta:
Hoje tudo é interdependente, o que não era a situação quando se estruturou a orgânica da administração pública em Ministérios sectoriais. Muitos países criaram nas últimas décadas o seu Ministério da Habitação, mas também não é solução pacífica.
Como se vê, a Câmara parece afastar a ideia de um Ministério, ao aludir à inserção do novo organismo na Presidência do Conselho, visto essa inserção não ser compatível com mais do que a existência de um Ministro, de forma alguma com a de um Ministério: é o caso do Ministro da Defesa e do Ministro de Estado Adjunto.
Não posso, dada a complexidade do assunto e o seu melindre, tomar desde já sobre ele posição definitiva. As minhas palavras visam apenas a fornecer modestas achegas, através da apresentação de dúvidas que me acodem.
Neste espírito, começarei por não discutir a necessidade de se garantir a mais perfeita coerência, quanto à definição e execução, da política habitacional. Mas torna-se evidente que a coordenação não ficará assegurada pela simples criação de um departamento - Ministério ou outro. Pode até acontecer que esse departamento contribua para acentuar a descoordenação, se não houver o cuidado de estabelecer as suas atribuições em moldes realistas. O que, acima de tudo, interessa é que o Governo queira coordenar-se a si próprio e que os diferentes Ministérios procurem ater-se ao estudo e à resolução, dos problemas especificamente. inerentes à sua principal função. Isto nem sempre é fácil, já que os Ministérios tendem, por vezes, a ultrapassar as suas naturais atribuições.
Veja-se a frequência com que, seja em estudos individuais, seja em manifestações colectivas, como colóquios, congressos e outras, alguns especialistas e técnicos se esquecem de tratar as questões no plano da sua própria actividade, para se debruçarem na análise de aspectos que exigem preparação diferente e formação humanística, jurídica e sociológica. Dir-se-ia que, muitas vezes, as discordâncias na acção resultam de desvios deste género e que a prevalência do espírito puramente técnico pode estar, afinal, na raiz da grande parte dos males de tão deplorada descoordenação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De resto, a validade da ideia de coordenação está ligada a uma ponderação global de todos os problemas conexos ou interdependentes, isto é, não deve circunscrever-se a uma visão apenas vertical. Assim, e para dar um exemplo pertinente à habitação, se o urbanismo for integrado num futuro e eventual departamento da habitação, atinge-se uma solução coordenada. Mas coordenada apenas no campo da habitação e do urbanismo. E como se assegurará depois a coordenação entre as obras públicas e o urbanismo? Se ao departamento da habitação se atribuir competência em matéria de planeamento regional, importa depois não lançar com isso a confusão na actividade económica em geral. Mas como?
Não estou, insisto, a apontar qualquer sentido de solução. Move-me apenas o propósito de chamar a atenção para um ângulo de visão que costuma escapar aos defensores da coordenação para determinados ramos da administração pública. É que coordenar um desses sectores pode conduzir à descoordenação de outros, e daí a necessidade de ponderar bem, em cada caso, se as vantagens a alcançar sobrelevam, do ponto de vista do interesse geral, os inconvenientes da solução.-
No parecer da Câmara Corporativa alude-se a descoordenações existentes dentro de um mesmo Ministério. Ela é frequente e tem-se verificado em departamentos que propendem a reclamar uma forte coordenação interministerial, às vezes de sentido integrativo. Mas se a coordenação em Ministérios existentes não é perfeita ou não existe, tem de pensar-se que a criação de um Ministério, só por si, não conduz em linha recta à desejada conjugação de esforços e ao imprescindível ordenamento racional dos princípios e meios de acção.
Nem me parece que do número de serviços ou organismos com atribuições em matéria de habitação seja lícito concluir logo, de modo abstracto, pela imprescindibilidade da criação de departamento novo com funções coordenadoras. Com efeito, o que interessa saber é se os organismos existentes se justificam ou se todos os departamentos oficiais que intervêm em assuntos da habitação devem continuar a fazê-lo e, em caso afirmativo, em que medida e em que sentido. A resposta a este quesito assume relevância particular, pois pode acontecer que a concentração ou mais criteriosa atribuição de funções conduza, desde logo, a mais perfeita coordenação e ao afastamento de inúteis desdobramentos e sobreposições.
Ora, nos últimos anos, quando tudo aconselhava a evitar dispersões de actividades e diluições de esforços, alguns sectores oficiais passaram a interferir em problemas da habitação. Há, pelo menos, três ou quatro Ministérios que poderiam prescindir desta intervenção, aliás de índole bem diversa das suas funções peculiares.
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Convém atentar ainda nos «mais de vinte serviços e organismos diferentes» a que a Câmara Corporativa se reporta.
A leitura do quadro em que esses organismos são indicados logo evidencia que alguns deles não representam, em princípio, nem de facto, qualquer ameaça para a coordenação preconizada, e terão de existir independentemente da criação ou não de um departamento próprio para a habitação. É o caso do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho e do Instituto Nacional de Estatística, Já Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, do Instituto de Investigação Industrial, da Inspecção-Geral dos Serviços Agrícolas e Industriais e outros. Repare-se ainda que no grupo do Ministério das Obras Públicas se. incluem nove serviços. De outros Ministérios indicam-se também diversos serviços com atribuições em assuntos de habitação.
Mas do facto só podem extrair-se, na melhor das hipóteses, argumentos para mostrar a existência de serviços a mais, ou inconvenientemente organizados, ou funcionando sem eficiente cooperação mútua. Este é, porém, um problema a resolver no âmbito de cada Ministério, não podendo, através dele, fazer-se uma extrapolação para apoio da tese da criação de um alto órgão coordenador. De resto, e por exemplo, no tocante ao Ministério das Corporações e Previdência Social, os organismos apontados no quadro não são só de fácil coordenação, aliás assegurada, pelo menos até há pouco, mas ainda de natureza e grau diferentes, pelo que não se descortina que garantia ou reforço possam trazer àquela tese.
Admitindo que se cria um organismo coordenador e não se vai para um Ministério autónomo, a Câmara Corporativa observa que será difícil fugir à hipótese de o inserir na Presidência do Conselho, acrescentando, no entanto, que se torna necessário evitar essa tendência. Sem me pronunciar sobre tal inserção, e, portanto, sem emitir parecer favorável ou desfavorável à hipótese, não quero deixar de frisar que, em princípio, reputo muito inconveniente sobrecarregar a Presidência do Conselho com funções de ordem técnica e executiva e com serviços que, de algum modo, possam integrar-se nos Ministérios.
Insisto, porém, em que estas dúvidas nada têm que ver com a análise, que importa fazer, dos problemas que respeitam especialmente à avaliação das necessidades e dos recursos e à definição dos objectivos. Trata-se de tarefas muito complexas, ligadas, logo na determinação das necessidades, ao aumento da população e às mudanças das estruturas demográficas, às migrações internas, à composição dos agregados familiares, à procura de melhores alojamentos resultante da melhoria das condições de vida, à repartição dos rendimentos, ao estabelecimento da prioridade, ao ritmo segundo o qual deve proceder-se à reposição dos antigos alojamentos. Há ainda que confrontar as necessidades ou a «procura potencial» com o património imobiliário existente, as prováveis variações desse património e construção de novas habitações, para se chegar, como se diz em estudo recente da Comissão Económica para-a Europa, à avaliação da procura que é preciso satisfazer ou tornar «efectiva».
Depois, surge toda a vasta problemática da afectação e canalização dos recursos, da política das rendas ou prestações mensais e da sua criteriosa actualização, da cooperação de encargos no plano regional e nacional, da fixação e revisão dos regimes legais das casas e das atribuições destas, da obtenção de terrenos, da urbanização e equipamento, da formação de técnicos e do seu aproveitamento e das inúmeras questões da construção, com toda a gama das suas implicações, como do esclarecimento público e de muitos outros assuntos, pelo seu conteúdo e repercussões, relacionados com o da crise de alojamentos e o dos princípios e métodos para a debelar.
Alguma coisa tem de se fazer para conjugar esforços. mas a prudência há-de presidir à escolha da solução, não podendo esquecer-se que o problema não é apenas de ordem técnica, mas ainda - e sobretudo - de ordem social e jurídica, e se mostra ligado a vários sectores de natureza diversa. Convirá, assim, ter presente que certas fontes de financiamento, como a da Previdência, poderão vir a estancar, se não forem tomados em consideração os seus interesses, as suas finalidades e a sua autonomia institucional. Na verdade, há que distinguir entre serviços públicos, que o Estado pode coordenar ou extinguir, e instituições que, em sistema corporativo, não devem ser feridas na sua personalidade jurídica e nas suas atribuições fundamentais.
Repare-se ainda em que existe um Conselho de Ministros, o Conselho Social, criado pela Lei n.º 2115, de 18 de Julho de 1962, ao qual incumbe, além da coordenação da Previdência com a Saúde e Assistência, a de todas as actividades da política social no seu mais amplo sentido Este Conselho, assim como o Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, bem poderá estabelecer, em plano superior, as normas e directivas do entendimento entre os diferentes sectores ligados à habitação e velar pela harmonização das atribuições e da actividade de cada um.
Formação de técnicos. - Ninguém contestará a necessidade premente de encarar seriamente esta questão. Simplesmente, o que a este respeito se diz no relatório do Plano parece insuficiente. Lendo-o, fica-se com a impressão de que não está estabelecido qualquer programa destinado a preencher lacuna tão preocupante.
Não interessa, de resto, preparar pessoal especializado se, depois, não é aproveitado com critério, de modo a tirar-se dele o maior rendimento possível. Ora o que se passa neste campo é deveras desolador. Todos têm a noção de que não temos técnicos em número suficiente e haverá quem saiba que a muitos deles foram criadas, ou permitiu-se-lhes que criassem, condições de trabalho, e sobretudo de dispersão de trabalho, que afectam sensivelmente o seu rendimento.
Depois, muitos são afastados, sem razão de interesse geral, para o exercício de funções diferentes das que se relacionam com a sua formação e vão perdendo, dessa forma, contacto com a sua actividade profissional.
Anote-se ainda que, num país pouco propenso às programações racionais, a longo ou curto prazo, está a cair-se, de um momento para o outro, num verdadeiro delírio de planeamento. Abundam por toda a parte os planeadores. Em dezenas de serviços públicos, organismos corporativos e de coordenação económica, em estabelecimentos de ensino e em diversas associações, há numerosos gabinetes de estudo, grupos e comissões de trabalho, alguns dos quais podem orgulhar-se do nível e eficiência do seu esforço de investigação e da utilidade dos estudos que realizaram. Mas importa reconhecer corajosamente também que há gabinetes, grupos e comissões em demasia. Alguns têm produzido muito pouco. Outros nem sequer fizeram ou farão seja o que for, pois a eles pertencem elementos que não lhes dão nem podem dar assistência, ou porque foram designados no plano da mera conveniência pessoal ou com a intenção de se lhes melhorar indirectamente os seus ordenados de base nos quadros do Estado.
Há, pois, que começar por planear os estudos, coordenar e disciplinar a actividade dos estudiosos e rever, em profundidade e extensão, toda a vasta e desconexa rede de centros e gabinetes de estudo e de grupos e comissões
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ligadas aos Ministérios, às escolas, à organização corporativa e à de coordenação económica. Na realidade, no meio de muitos técnicos a produzirem bem, outros há desperdiçados. Urge colocar estes últimos em condições de produzirem - ao menos para que o País se veja compensado dos encargos correspondentes à sua manutenção. Convém ainda não estudar o que já está estudado, não descobrir ... o que já está descoberto ..., não publicar o que já está publicado, mas sim estudar, descobrir, publicar, o que realmente interessa para o desenvolvimento cultural, económico e social do País e, deste modo, para os planeamentos metódicos, realistas e exequíveis das diversas actividades nacionais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desenvolvimento regional e política habitacional. - No relatório do Plano afirma-se que se procurou, sempre que possível, evitar os inconvenientes das excessivas concentrações industriais e favorecer a criação de novos «pólos de desenvolvimento geradores de múltiplos núcleos de progresso económico e social, capazes de assegurar a recuperação de zonas em declínio e a valorização da vida rural». Acrescenta o Governo, porém, que «não se pôde, no entanto, ir tão longe como se desejava na realização deste objectivo, uma vez que as circunstâncias actuais exigem que o crescimento do produto nacional prime sobre todas as demais finalidades».
Parece, pois, que ainda não é desta vez que se inicia o arranque corajoso para diminuir as desigualdades regionais, em que a zona de Lisboa, logo seguida da do Porto, se mestra desequilibradamente favorecida, como pode ver-se através do peso do sector primário na população activa total, da distribuição do produto interno e do confronto dos níveis de vida.
Sabe-se que o peso da população activa no total excede os 50 por cento em todos os distritos além dos de Lisboa, Porto, Setúbal, Braga e Aveiro. Quanto ao nível de vida, em relação à média do continente, mede-se por mais 90 por cento em Lisboa e mais 22 por cento no Porto, descendo até um terço da média em Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Além disso, a distribuição espacial do rendimento e da despesa revela-se mais desigual do que a do produto, e as desigualdades, como se vê pelo confronto das populações distritais em 1950 e 1960, têm vindo a agravar-se no decurso do tempo.
Daqui decorre que a resolução do problema habitacional depende, em larga medida, de se atenuarem estas desigualdades chocantes e perturbadoras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se contesta a necessidade de uma política destinada ao crescimento do produto nacional, mas este objective pode alcançar-se progressivamente sem se afectarem os interesses das zonas interiores do País, desde que, através do vasto planeamento regional ou de programas parcelares escalonados, ou ainda de medidas isoladas, se queira enfrentar o problema e, com ele, as forças que mais têm contribuído para que o prato da balança, com um fiel já algo deformado, se incline por de mais num único sentido. Tem-se esperado que tal aconteça, mas os tempos vão rodando e o problema mantém-se - agravado e de solução crescentemente dificultada.
Ao menos, enquanto a questão não é encarada globalmente e com decisão, por que continuam a ser concedidas constantes autorizações para a instalação de novas unidades fabris nos centros urbanos e suburbanos de Lisboa e Porto?
Eis aqui uma situação cujos aspectos essenciais transcendem a ordem económica e cuja singular acuidade reclama decisões corajosamente enérgicas. O que está a consentir-se - haja em vista a anunciada instalação à ilharga mesmo do Porto de nova e poderosa unidade fabril, em reedição de graves erros cometidos em Lisboa - acabará por suscitar, mais cedo ou mais tarde, sérias complicações sociais, das quais a menor será a do agravamento do êxodo rural e, em consequência, do problema da habitação nas zonas acentuadamente industrializadas.
Por que se concedem alvarás para novas instalações industriais nessas zonas? Por que não se exige, ao menos, a prova de que no local se dispõe de mão-de-obra e de que se assegura habitação condigna aos trabalhadores?
Por que, tantas vezes com sacrifício de empreendimentos de maior interesse, se lançam grandes obras em centros superpovoados, sem se atender às consequências que daí resultarão para o congestionamento urbano com todo o cortejo das suas funestas implicações de ordem social?
Por que se não estabelece um plano de descentralização dos serviços públicos, já que alguns deles bem poderiam distribuir-se mais racionalmente pelo País, a exemplo, aliás, do que se fez com a regionalização das instituições de previdência a partir de 1958?
Por que se não aproveitou a extensão da obrigatoriedade do ensino para se estabelecer uma escola única de base, a fim de se evitar que a instrução se diferencie em nível e qualidade, e até nas instalações em que é ministrada, conforme se trate das zonas urbanas ou dos meios rurais?
Por que se não dá execução a diversos preceitos legais tendentes à melhoria do padrão de vida das populações agrícolas?
Por que se não deu, no próprio Plano Intercalar para 1965-1967, à agricultura tratamento favorável que, de algum modo, se compare com o das outras actividades nacionais?
E, dentro do espírito que tem ditado estas minhas considerações, não deixarei de formular o voto de que se acentue o ritmo de execução da cobertura corporativa e sanitária das populações rurais ao abrigo da Reforma da Previdência votada por esta Assembleia, as quais importa ainda fazer beneficiar progressivamente das modalidades de habitação social previstas na Lei n.º 2092.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Afigura-se, por exemplo, muito modesta à medida em que, no Plano Intercalar, se visa «o alargamento da política de valorização do meio rural, através da beneficiação de aldeias nos pontos mais necessitados do País». Pelo menos, não se prevêem dotações que permitam dar a esta acção a amplitude requerida, nem se vê que os serviços competentes se mostrem estruturados convenientemente para atingirem este objectivo, o qual exige, de resto, uma grande cooperação de esforços entre diversos sectores oficiais e, bem assim, entre este» e as autarquias locais e organismos corporativos.
Alude-se ao problema porque a crise habitacional nos grandes centros tem de combater-se actuando fundamentalmente sobre as suas causas. Há, assim, que sustar a progressão da tendência para a instalação de novas unidades fabris nas regiões de Lisboa e Porto e criar, ao mesmo tempo, condições e estímulos para a criação imediata dos anunciados pólos de desenvolvimento regional, através de um conjunto de providências bem conhecidas e experimentadas noutros países e que aguardam a hora de se converterem em realidades da política económica e social portuguesa.
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Sabe-se que não é possível garantir a cada português um emprego satisfatório na sua própria terra, mas tudo deve fazer-se para limitar as migrações internas provocadas pela subindustrialízação de certas regiões.
Habitações destinadas a substituir os bairros impróprios. Construção clandestina. Planeamento urbanístico e equipamento complementar. - Regista-se com viva satisfação que entre os objectivos do Plano Intercalar se incluam o da «eliminação dos bairros impróprios e a reabilitação de zonas insalubres nos aglomerados urbanos e na sua periferia, construindo-se habitações com essa finalidade», e o do «planeamento urbanístico e equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolveram desordenadamente e que estão carecidas de serviços públicos e equipamento complementar».
O problema habitacional, na região de Lisboa assume aspectos de mais vincada gravidade. O afluxo migratório, é intensíssimo. O número de famílias a instalar é vultoso. As rendas de casa não se mostram, em regra, compatíveis com as possibilidades económicas daquelas. Os preços dos terrenos atingem escandalosa especulação. As entidades competentes não lograram obstar à construção que se chama clandestina, mas que tem proliferado aos olhos de todos.
Talvez por isso o Governo anuncie que vai constituir uma comissão de representantes dos municípios interessados e do Gabinete do Plano Director da Região de Lisboa para orientar o combate às construções clandestinas e o saneamento dos aglomerados já construídos. A comissão só poderá fazer trabalho útil se todas as entidades oficiais se dispuserem a apoiá-la decididamente no cumprimento da sua espinhosa missão. Receberá a comissão esse apoio depois de não terem sidos tomadas, em tempo mais oportuno, as providências, de vária ordem, que se requeriam?
Na zona de Lisboa, em 1959, viviam, segundo um inquérito da Câmara Municipal, 43 470 pessoas em 10 918 barracas. Cerca de 80 por cento destas pessoas eram da província. Nos concelhos limítrofes as barracas também, vão proliferando. Nos subúrbios de Lisboa o problema assume proporções de idêntica gravidade, em especial nos concelhos de Loures, Oeiras e Almada. Convém, no entanto, notar que nos distritos de Lisboa e Setúbal, com exclusão da cidade de Lisboa, havia, em 1960 (Recenseamento Geral da População), 9954 fogos por arrendar. Só na Amadora existiam 1073 por arrendar e na Baixa da Banheira (concelho da Moita) o número de fogos nessas condições era de 553.
Este facto evidencia a forma desordenada como se tem desenvolvido o crescimento urbano e suburbano de Lisboa. Acresce que surgiram também aglomerações de prédios em andares, carecidos de condições de acesso, de exposição e não proporcionando conveniente alojamento, sem que contra tal estado de coisas se houvesse reagido por forma adequada. Não penso que a repressão, só por si, baste, mas é evidente que; neste domínio, como em qualquer outro, tem de haver normas. E estas têm de cumprir-se. De contrário, melhor será não as estabelecer.
Atente-se em que, no respeitante ao equipamento mínimo das zonas urbanas que se desenvolveram desordenadamente, não se passa, no Plano, da formulação de intenções, o que parece pouco, dada a urgência que há em dotar essas zonas de tudo o que é preciso a uma comunidade humana, desde os serviços públicos aos centros de acção social, cultural, recreativa e religiosa.
É, sem dúvida, de aplaudir o compromisso assumido pelo Governo de constituir uma comissão para orientar a instalação dos serviços públicos e do equipamento complementar nas zonas urbanas deles carecidas. O problema não é de fácil solução, pois esta exige, além de uma coordenação eficiente entre os diversos sectores interessados e de meios materiais bastante expressivos, sérios estudos sociológicos, demográficos e psicológicos e cuidada escolha das técnicas de acção mais apropriadas a cada comunidade. Carecem, na verdade, de atenta e especializada observação, não apenas o comportamento e aspirações da população, a sua sociabilidade e capacidade de iniciativa, mas ainda a sua repartição por idades e a composição e nível das famílias, para não falar de tudo o que respeita à implantação funcional dos equipamentos, à sua adaptação às necessidades das pessoas e estrutura dos agregados.
Posição do Estado e dia iniciativa privada perante o fomento da habitação - Limites da intervenção estatal.- Afigura-se de grande alcance o propósito, que o Governo anuncia, de, quanto ao terceiro objectivo do Plano, se tomarem «as providências necessárias à integração progressiva da iniciativa privada num esquema mais adequado ao interesse da comunidade, nomeadamente pela maior convergência dos capitais particulares para a construção de habitações do tipo mais adequado à generalidade da população».
Esta será, efectivamente, a melhor orientação a seguir, pela bondade dos princípios que a inspiram e pelo realismo que a caracteriza. O Estado, sem deixar, pois, de assumir a responsabilidade de superintender nas- actividades nacionais, disciplinando-as, orientando-as e estimulando-as, não atenta contra a iniciativa privada, fonte de progresso e expressão de liberdade.
E isto assume especial significação no momento em que, infelizmente, a ideia de sobrecarregar, mais e mais, o Estado com novas e acrescidas atribuições está a aliciar muitos espíritos- inclinados a pensar que ele pode, em tudo ou quase tudo, substituir-se, com vantagem e sem risco para a liberdade, às instituições e às pessoas.
Essa tendência tem-se revelado mais perigosa no domínio da política social e educacional do que no planeamento económico propriamente dito. Não obstante, ela vai-se infiltrando de forma mais ou menos subtil no da política da habitação, como se fosse conveniente, do ponto de vista social e humano, afastar ou dificultar a iniciativa privada na construção de casas e transferir para o Estado atribuições que não lhe podem caber.
Que o Estado deve cuidar do problema, coordenando esforços, estimulando iniciativas e orientando-as na linha das conveniências gerais, e intervir supletivamente quando necessário, ninguém o contestará. Mas daí a chamar a si, em estilo do Estado socialista, tarefas que mais naturalmente pertencem aos particulares vai a distância que separa concepções de vida inteiramente diferentes.
Embora correndo o risco de ver as minhas palavras mal interpretadas, não deixarei de afirmar a minha convicção de que o ideal seria que o Estado, sem prejuízo de coordenar e incentivar a actividade privada, fosse dispensado, ou pudesse vir a sê-lo, de vultosos investimentos na construção de casas. O que importa é orientar e disciplinar aquela actividade no sentido da satisfação equilibrada das necessidades em habitação, com preferência para as famílias de mais modestos recursos, que não destruí-la ou minimizá-la.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Entre nós essa orientação e essa disciplina não estão ainda perfeitamente estabelecidas, mas penso não será difícil consegui-lo sem risco de cair em exageros intervencionistas ou absorções condenáveis. De resto, já
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em 1959, ao analisar «as tendências e políticas da Europa, o Comité da Habitação C. E. E. referia que se verificava nos diversos países uma acentuada evolução no sentido da progressiva redução dos investimentos directos do Estado na construção habitacional e das subvenções para debelar a crise do alojamento. Tal tendência verifica-se mesmo no tocante ao próprio mercado do alojamento, que está a ser actualmente libertado das limitações até agora vigentes, como pode ver-se na recente publicação das Nações Unidas Etudes de Ia Demande Effective de Logements».
Acresce que, noutros países, a intervenção do Estado em matéria de habitação acentuou-se, sobretudo, pela necessidade de suprir a insuficiência do volume de investimento do sector privado na construção de casas. Ao contrário, entre nós, é bem conhecida a propensão para os particulares aplicarem as suas poupanças em edificações, sendo apenas de deplorar que tão expressivo investimento não tenha sido convenientemente conduzido.
Importa ainda não esquecer que foram as maciças destruições verificadas durante o conflito mundial que contribuíram fortemente para alguns Estados chamarem a si encargos de construção que, de outra forma, não teriam assumido e de que vão procurando agora libertar-se.
Volume de financiamento público e privado na construção da habitação. - Em 1960 era, entre nós, da ordem dos 290 o número de fogos existentes por milhar de habitantes. Na publicação da O. N. U. O Financiamento da Habitação da Europa, Genebra, 1958, constituíamos então o país da Europa meridional com maior número de fogos por 1000 habitantes. O nosso índice era de 262, quando o da Turquia, Grécia, Espanha e Itália eram, respectivamente, de 179, 213, 220 e 250.
Dos mapas seguintes constam elementos esclarecedores, convindo notar que os dados deles constantes são extraídos do Anuário Estatístico das Nações Unidas e dos Censos. da nossa população:
Número de fogos existentes por 1000 habitantes
(Continente e Ilhas)
[...ver tabela na imagem]
Anos Fogos Habitantes Percentagens
O número de famílias era, respectivamente, de 1 811 600, 2 047 400 e 2 357 000.
Número de fogos existentes por 1000 habitantes em diversos países
[...ver tabela na imagem]
Países - Ano População Fogos Fogos por 1000 habitantes
Estes elementos não costumam ser apresentados, mas ajudarão a formar uma ideia mais exacta do nosso problema habitacional, cujo exame tem sido perturbado por dados estatísticos nem sempre completos ou rigorosos.
Assim, um quadro inserto nos pareceres geral e subsidiário da Câmara Corporativa e cuja fonte foi, por intermédio dó Grupo de Trabalho n.º 7, o Bulletin Annuel de Statistiques du Logcment et de la Construction pour l'Europe (Nações Unidas, Genebra, 1963), indica as percentagens dos financiamentos públicos e particulares na construção de habitações. Estes elementos são completados por outro quadro sobre a construção de habitações em Portugal de 1953 a 1962, cuja fonte é o volume da Estatística Industrial, relativa a 1953-1962, do Instituto Nacional de Estatística.
Destes quadros tira a Câmara algumas conclusões.
Uma delas é formulada nos termos seguintes pelo parecer subsidiário:
A terceira observação a fazer - e esta de longe a mais importante- é a de que 91,3 por cento dos fogos construídos no decénio de 1953-1962 o foram à margem de toda e qualquer orientação social, agindo o sector particular movido pelos estímulos usuais do mercado: o lucro e a especulação.
Em seguida, a Câmara, depois de referir que nos encontramos «na cauda de todos os países da Europa em tudo o que respeita ao financiamento público do alojamento», diz que «o volume global das construções se localizou, durante o decénio de 1953-1962, francamente abaixo do déficit de reposição (cujo valor médio, nesse período, devia ser de, aproximadamente, 25 000 habitantes por ano), e daí o agravamento da ordem dos 40 000 fogos que, de 1950 para 1960, se operou no déficit carencial».
Salienta-se ainda o reduzidíssimo papel que desempenham no sector da construção as cooperativas, «cujo numero de fogos por elas edificados se mantém sensivelmente o mesmo de 1953 a 1963». Já o Grupo de Trabalho n.º 7 afirmara que «o ritmo das actividades das cooperativas decresceu nos últimos anos».
Não posso deixar de reconhecer que as cooperativas não atingiram o desenvolvimento desejável e têm sérios problemas pendentes, mas não houve estacionamento ou decréscimo no ritmo das suas actividades.
Do relatório do Grupo de Trabalho n.º 7 consta (no quadro XIV) que o número de fogos por elas construído foi de 2835 entre 1953 e 1962. Como até 3956 a média de fogos que construíram foi de 260 e a média relativa ao período de 1959 a 1962 subiu para 328, não se me afigura razoável falar em diminuição de actividade. Acresce ainda que nos quadros referentes à percentagem do financiamento de sectores público e privado, na coluna «Cooperativas e associações», mostra-se em branco a linha relativa a Portugal, o que logo aconselha certa prevenção quanto aos elementos estatísticos utilizados.
Relativamente ao agravamento do déficit, já atrás se evidenciou que, em vez de ser de 40 000 fogos entre 1950 e 1960, foi de 35 400. Mas de Í961 até ao presente, como também já se viu a situação tem melhorado francamente, pois entre aquele ano de 1961 e o de 1963 construíram-se mais 14 400 do que os exigidos pelas necessidades de reposição, o que dará no decénio de 1960 a 1970, a manter-se o volume actual de edificação, um saldo de 48 000» fogos em relação a tais necessidades.
A propósito da conclusão, tida «de longe como a mais importante» pela Câmara, verifica-se que ao sector público e (ou) ao sector privado com ajuda do sector público
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não se creditaram as isenções fiscais e os empréstimos para fomento de habitação concedidos pela Caixa Geral de Depósitos, no montante de 2 067 748 contos, nem os empréstimos da Junta de Colonização Interna para construção de habitações ao abrigo da Lei de Melhoramentos Agrícolas, que atingiram 31 837 contos.
Quer uma, quer outra, das modalidades destes empréstimos, devem considerar-se ajuda do sector público, como aliás se fez para os empréstimos facultados pelas caixas de previdência. Quanto aos empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, o próprio Grupo de Trabalho n.º 7 sublinha que:
Embora se baseiem em critérios financeiros, inspiram-se também, sobretudo recentemente, em princípios de finalidade social.
As isenções fiscais deveriam também considerar-se para aquele efeito, tanto mais que há razões fundadas para supor que, no quadro do Bulletin Annuel de Statistiques du Logemcnt et de la Construction pour 1'Europe, são elas incluídas relativamente aos outros países. Veja-se, por exemplo, a publicação Lê Financement du Logement en Europe, também das Nações Unidas.
Ora o montante destas isenções no decénio de 1953-1962 pode estimar-se em cerca de 1 500 000 contos. Basta dizer que, só em 1963, se concederam isenções fiscais para o fomento da habitação da ordem dos 275 000 contos.
Portanto, não se consideraram nos elementos utilizados pela Câmara os fogos que beneficiaram de uma ajuda da ordem dos 3 600 000 contos, dos quais 1 500 000 contos exprimem o montante calculado das isenções fiscais.
Não se dispondo de dados referentes ao número de fogos que desta forma foram ajudados, não é possível determinar a percentagem deles no decénio de 1953-1962 em relação ao total de habitações nesse período construídas. Sabe-se, porém, que através dos empréstimos concedidos ao abrigo da Lei de Melhoramentos Agrícolas se fomentou a construção de 863 fogos naquele decénio, e que contribuintes isentos, temporariamente, da contribuição predial havia em 1962, segundo o Anuário Estatístico de Contribuições e Impostos, 53 117, o que é expressivo, se se tiver presente que este número engloba muitos contribuintes com mais de um fogo (proprietários de um e até de mais prédios). Observe-se ainda que com o montante de 1 500 000 contos de isenções fiscais o Estado poderia ter construído, directamente, alguns milhares de fogos de tipo social: 18 750, 15 000, 12 500, nas hipóteses, respectivamente, de fogos de custo médio de 80, 100 e 120 contos. Se em vez da construção directa o Estado subvencionasse, com 20 por cento, a edificação de moradias, teríamos, para aquelas hipóteses, 93 750, 75 000 e 62 500 fogos.
De tudo isto parece legítimo concluir que a intervenção do Estado no incremento da habitação é muito mais valiosa do que os números mencionados nos pareceres da Câmara Corporativa fazem crer.
É de sublinhar ainda que, só por si, o volume do financiamento do sector público na política de habitação não é susceptível de permitir uma avaliação segura do progresso ou do atraso dos países neste capítulo do alojamento.
Não quero abandonar este ponto sem exprimir o desejo de que estas minhas considerações não sejam tomadas como significando menos respeito e consideração, quer pelos ilustres Procuradores, que com tanta devoção e em condições singularmente difíceis, pela escassez de tempo, intervieram na elaboração de tão valiosos pareceres, quer pela Câmara Corporativa, à qual, pelo seu notabilíssimo labor, o País já tanto deve.
INVESTIMENTOS - Discriminação dos investimentos e obras a realizar. - Os investimentos que se programam no Plano abrangem apenas uma parcela do investimento global que se prevê venha a ser realizado durante o triénio na, construção de habitações, pois espera-se que a iniciativa privada assegure a parte restante.
Aqueles investimentos distribuem-se por três grupos, o primeiro dos quais corresponde a realizações já projectadas ou em curso e com financiamento definido e assegurado, incluindo habitações e terrenos urbanizados. A este grupo pertencem empreendimentos no valor de 159 750 contos a cargo da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (l1 850 contos para 123 fogos no regime do casas económicas financiadas pela Previdência e Fundo das Casas Económicas), da Caixa Nacional de Previdência e Serviços Sociais das Forças Armadas (1062 fogos, no valor de (107 900 contos) e da Câmara Municipal do Porto (900 fogos, no custo de 40 000 contos), que, desta forma, dará por cumprido o plano aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40616.
No segundo grupo incluem-se:
a) A construção de 2085 fogos ou aquisição de fogos, no investimento total de 1 846 900 contos, em que as verbas menos vultosas são as de 15 000 contos para 300 casas de pescadores e 50 500 contos destinados à edificação de 900 fogos na cidade do Porto, em prolongamento do plano de melhoramentos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40616;
b) A construção, pela Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, de 1920 fogos, no valor do 92 700 contos, para famílias pobres (1200 fogos).
c) A construção pela Guarda Nacional Republicana de 600 fogos e empréstimos para autoconstrução de 120 fogos;
d) A construção, pela Câmara Municipal de Lisboa, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 42 454, de 2720 fogos, no valor de 143 600 contos.
Prevê-se que financiem estes empreendimentos o Fundo de Desemprego e as autarquias locais, mediante empréstimo da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
No terceiro grupo destacam-se o plano de saneamento da Câmara Municipal de Lisboa para o vale de Alcântara, o II Plano de realizações dos Serviços Sociais das Forças Armadas (construção de 700 casas de propriedade resolúvel) e a aquisição antecipada de terrenos e urbanização e equipamento de zonas residenciais.
Contributo das caixas de previdência. - Os restantes empreendimentos são confiados às caixas de previdência, através da Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas. O seu custo será de 1 133 800 contos, referidos a 11 725 fogos ou aquisições de fogos. No que toca à construção de fogos, o Plano alude a empreendimentos em inicio de execução ou em estudo, o que confirma tratar-se de iniciativas que seriam levadas a cabo mesmo sem ele. Esses fogos são em número de 8350, ao custo médio de no contos, custo aceitável, graças aos longos e porfiados esforços da Federação, cuja obra pude acompanhar e estimular de perto durante alguns anos e considero verdadeiramente extraordinária.
Atinge o montante de 420 000 contos a previsão dos empréstimos a beneficiários para construção, aquisição e beneficiação de habitações. Estes empréstimos visam: autoconstrução de 1875 fogos, no valor médio de 100 contos
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e no custo total de 187 500 contos; aquisição de 1500 fogos, no valor médio de 150 contos e no custo de 225 000 contos; e beneficiação de 300 fogos, no montante de 7500 contos.
O Plano prevê a construção total de 18 242 fogos, a aquisição de 1500 e a beneficiação de 300, atingindo os investimentos, respectivamente, í 614 400 contos, 225 000 contos e 7500, ou seja um total de 1 846 900 contos.
Sobre o Ministério das Corporações e Previdência Social - e, dentro deste, muito especialmente sobre a Direcção-Geral da Previdência de Habitações Económicas - cairão, pois, as maiores responsabilidades, já que a Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas superintenderá na construção de 10 225 fogos (incluindo os empreendimentos da Junta Central das Casas do Povo), no valor de 1 105 500 contos (68,5 por cento do total dos .investimentos na construção).
A estes números há, porém, que juntar os dos programas de construção da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (2177 casas económicas, no valor de 207 100 contos) e da Junta Central das Casas dos Pescadores (300 casas, no valor de 15000 contos), pois o primeiro sei á financiado pelas caixas de previdência e Fundo das Casas Económicas e o segundo realizado por organismo dependente daquele Ministério.
Além disso, como os programas de empréstimos para aquisição e beneficiação de habitações serão exclusivamente financiados pelas caixas e pelo Fundo Nacional do Abono de Família, o Ministério ver-se-á envolvido em empreendimentos que abrangem 14577 fogos (79,9 por cento do total dos fogos considerados) no projecto do Plano), cujo susto será de 1 515 100 contos, ou seja 82 por cento do investimento total previsto.
Não é sem emoção que registo facto tão consolador, pois conheço bem, graças a Deus, as suas determinantes, e, por isso, não resisto a deixar aqui uma palavra de homenagem aos homens que na presidência do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, desde 1933, com o seu esforço e a sua fidelidade aos princípios, tornaram possível a consolidação e a expansão de uma política a que a Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1938, veio efectivamente abrir novas perspectivas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Algumas observações à programação delineada. - Verifica-se que a Câmara Municipal do Porto vai construir mais 900 fogos no prolongamento do Plano do Decreto-Lei n.º 40 616. Sendo certo, porém, que o regime legal das casas e outros aspectos que a elas concernem carecem de revisão, como já notei, teria sido preferível, quanto a mim, reestudar o problema à luz das lições da experiência, encarando-o numa ponderação geral da crise habitacional da cidade, a exemplo do que se fez para Lisboa.
Quanto às casas para famílias pobres, afiguram-se-me de recomendar medidas .que evitem tanto formas de segregação social, como o arrendamento a pessoas com padrão de vida médio ou superior. Por outro lado, e reconhecendo inteiramente que merece especial e carinhosa atenção o problema habitacional dos guardas e polícias, cujas condições de vida exigem rápida melhoria, não posso, de forma alguma, louvar o propósito de os alojar em agrupamentos ou blocos residenciais exclusivamente a. eles destinados, tanto mais que não constituirá dificuldade insuperável encontrar uma fórmula de conciliação de todos os interesses em presença.
Repito, além disso, insuficiente a verba de 7500 contos que é afectada à construção de casas em regime de empréstimo para a construção de habitação própria. Penso que se pretende dar começo de execução ao Decreto-Lei n.º 44 645, de 25 de Outubro de 1962, cujo alcance poderá ser muito ampliado se for possível integrar as suas soluções, mesmo que para tal hajam de ser revistas, nos enquadramentos e perspectivas próprios de uma política habitacional devidamente ordenada.
Para esse começo de execução prevê-se expressamente a contribuição do Fundo de Desemprego. Com o facto me congratulo, dentro da minha persistente aspiração de ver os dinheiros desse Fundo, provenientes de descontos sobre ordenados e salários, integrados na missão específica que lhes cabe e de que têm andado desviados na maior parte.
Investimentos em casas construídas pelas empresas. - Quanto aos empréstimos ao abrigo da Lei n.º 2092, não vejo referência expressa àqueles que a mesma lei prevê sejam concedidos às entidades patronais para a construção de casas destinadas ao seu pessoal. Presumo, no entanto, que esses empréstimos devem considerar-se implícitos na previsão do Plano, tanto mais que o Governo pode agora - e deve fazê-lo em muitos casos que estão a surgir com frequência - usar da possibilidade consignada na base XXVI da lei.
Nos termos desta base, desde que a Previdência faculte a abertura de créditos e a precariedade das condições locais de alojamento o justifique, pode o Ministério das Corporações impor às empresas de reconhecida capacidade económica a construção de habitações para os seus trabalhadores.
Além disso, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 43 183, de 23 de Setembro de 1960, prevê a construção obrigatória de casas de renda económica pelas empresas autorizadas a instalar unidades fabris sujeitas ao condicionamento industrial.
E certo que a construção pelas empresas de casas (e, em especial, de bairros residenciais) para o seu pessoal tem sido origem de viva discussão. Não há dúvida de que a solução oferece inconvenientes, os quais foram já analisados pela própria Conferência Internacional do Trabalho. Mas não se pense que a desvantagem maior é a de os trabalhadores ficarem, no tocante a alojamento, dependentes da entidade patronal. Esta objecção não é para mim decisiva, ou, pelo menos, não me impressiona muito, quando considero a natureza e a força dos próprios vínculos do contrato de trabalho. De. resto, o inconveniente, a existir, pode ser afastado pela construção de casas através de empréstimos da entidade patronal, orientação que está a ser seguida em muito maior escala do que pode pensar-se, graças à compreensão social de numerosos empresários. A construção de bairros ou de grandes blocos residenciais destinados ao pessoal da mesma empresa é que se mostra especialmente desaconselhável - para a entidade patronal, para os trabalhadores e para as famílias destes.
Bastará pensar na necessidade, que os trabalhadores têm de, uma vez acabado o seu serviço, se libertarem das preocupações que o ambiente deste sempre suscita e na circunstância de o forçado convívio na zona residencial com os colegas de emprego propiciar a persistência quando não a intensificação de tais preocupações.
Depois: ou o bairro é habitado por trabalhadores de uma só categoria profissional - e cai-se numa estratificação humana indesejável; ou nele se alojam colaboradores de variadas hierarquias - e logo surge a tendência para todos se olharem e tratarem como se estivessem em pleno domínio das relações de trabalho e da disciplina e deveres que aquelas implicam. E o pior é que tal estado de es-
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pírito se comunica com extrema facilidade às famílias dos moradores de bairro, onde será difícil convencer a mulher e os filhos dos empregados superiores de que a mulher e os filhos dos trabalhadores de mais modesta categoria não lhes devem obediência 1 Nem vale a pena falar no que pode passar-se em momentos de perturbação ou excitação social, bem como nas dificuldades que para os empresários surgem quando, quebrados por quaisquer circunstâncias os liames contratuais, se lhes deparem situações angustiosas de famílias a desalojar.
Necessidade de reforçar o investimento previsto para o regime de autoconstrução. - Tudo isto não conduz, porém, a excluir o recurso à construção pelas empresas de casas para o seu pessoal, desde que se verifique, a impraticabilidade de solução melhor e se tomem todas as medidas tendentes a atenuar os males apontados - o que pode em grande parte conseguir-se se o problema for devidamente estudado nos aspectos da acção social a exercer, da localização das habitações e da distribuição criteriosa das famílias pelos diferentes fogos.
Daí a observação atrás formulada sobre a conveniência de prever, de modo expresso, verba para a concessão de empréstimos a entidades patronais e a sugestão de os preceitos legais mencionados não ficarem esquecidos nas colunas da folha oficial.
Mas o que principalmente importa lembrar é a necessidade de um reforço dos 420 000 contos para a concessão de empréstimos ao abrigo da Lei n.º 2092 e do Decreto-Lei n.º 43 186, de 23 de Setembro de 1960. Se já no ano em curso o montante desses empréstimos pode atingir mais de 150 000 contos e se o ritmo no afluxo dos pedidos se mostra crescente, não será de mais insistir por aquele reforço. A Previdência poderá, de resto, corresponder a este acréscimo de responsabilidades, desde que se tomem medidas que assegurem a afectação dos valores dás caixas e do Fundo Nacional do Abono de Família exclusivamente aos seus fins específicos, o equilibrado estabelecimento dos esquemas de benefícios, a rigorosa fiscalização das folhas salariais e a repressão dos abusos no recebimento de prestações indevidas, sobretudo pelo que respeita ao domínio da acção médico-social e assistência farmacêutica e ao do abono de família.
Neste mesmo sentido, deverá procurar-se que os em préstimos ao abrigo da Lei n.º 2092 sejam concedidos apenas dentro do condicionalismo por ela definido após longa e cuidada reflexão. Há que interpretar e aplicar criteriosamente a lei, fiscalizar com rigor o seu cumprimento por parte das instituições de previdência e dos beneficiários dos empréstimos, sobretudo no tocante ao nível dos rendimentos, à comprovação do custo da construção e à condição de a casa ser, de facto, para residência efectiva dos mutuários, e não para arrendamento, mesmo parcial, ou para mera passagem de férias e de fins de semana. Os sacrifícios financeiros impostos à Previdência, às suas reservas e à rentabilidade destas - que o mesmo é dizer a todos os trabalhadores - exigem que a execução dada à lei a não transforme em fonte de privilégio de poucos à custa de todos, que os seus benefícios se alarguem progressivamente ao maior número e que ela não possa servir para alimentar o espírito de fraude. Mas tudo isto só poderá efectivar-se se os serviços forem dotados de meios suficientes e de estruturas adequadas.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Previsão do aforro da Previdência para os próximos anos. - No relatório do Grupo de Trabalho n.º 7 estimam-se em 25 655 000 contos os aforros - nessa estimativa chama-se-lhes «saldos disponíveis» - da Previdência para o período de 1965-1973.
Ora estas estimativas têm de ser realizadas com base em cálculos que permitam avaliar do comportamento financeiro das caixas de previdência em face da nova estrutura decorrente da reforma votada, em 1962, pela Assembleia e dos seus regulamentos e novos esquemas de benefícios. Tais estudos fizeram-se e concluiu-se que no período de 1965-1967 as contribuições para aquelas caixas incidiam sobre 37 500 000 contos de salários, e que no de 1963-1967 esse valor alcançará os 78 800 000 contos.
O aforro das mesmas instituições virá a ser de 880 000 contos em Ü965 e decrescerá gradualmente até fixar-se, em 1973, em 820 000 contos, atingindo assim, neste período, o total geral de 7 720 000 contos. Nestas estimativas não se tomam em conta, por prudência, os aumentos salariais, o enquadramento de novas actividades no seguro e quaisquer hipóteses de alteração da taxa média de capitalização.
Teve-se, porém, em consideração que se passa de um sistema de capitalização em que aos seguros deferidos se consignava uma taxa de contribuição de 8 por cento dos salários, em geral, para outro de carácter misto, em que os mesmos seguros ficam a ter apenas 5,5 por cento dos mesmos salários. Considerando as instituições de seguro obrigatório dependentes do Ministério das Corporações, o aforro para o próximo triénio deverá andar por 2 500 000 contos e para o período de 1968 a 1973 por 5 200 000 contos.
A manterem-se em vigor as disposições legais que impõem que 50 por cento dos fundos das caixas estejam aplicados em títulos do Estado, e admitindo, o que é impossível e seria mesmo inconveniente, que todo o restante será consignado à habitação, - não deverá, por prudência, contar-se com montante superior a 3 850 000 contos. Note-se que no relatório do Grupo de Trabalho n.º 7 a estimativa chega a 26 milhões de contos no total geral, e, assim, a 13 milhões na parte disponível não afecta à aquisição obrigatória de títulos do Estado. Está-se perante um empolamento excessivo, mesmo que na estimativa hajam sido incluídos os aforros das restantes instituições de previdência, os quais, no mesmo período, não serão superiores, em 20 por cento, à poupança de toda a Previdência.
Frise-se que a intervenção financeira da previdência dos trabalhadores portugueses correspondeu a 38 por cento da totalidade das operações realizadas a coberto do I Plano de Fomento, na parte relativa à metrópole, ou seja, atingiu o montante de 4 milhões de contos, dos quais 2 258 000 contos em investimentos directos e 1 730 000 contos em investimentos indirectos. Ainda em relação ao ultramar, a Previdência comparticipou em operações que totalizaram 120 800 contos. Em números exactos, a intervenção da Previdência concretizou-se na tomada de 677 726 contos e em 820 100 contos, respectivamente, de acções e de obrigações de empresas. Em títulos do Estado investiram-se 1 750 000 contos e em obrigações de empresas com garantia do Estado 752 840 contos.
No II Plano de Fomento,. a comparticipação da fonte de financiamento «Instituições de previdência», atentos os investimentos a realizar ainda no decurso de 1964, atingira o montante de 5 539 000 contos, ou seja, 25,2 por cento dos investimentos para a metrópole. Destes, 10,4 por cento correspondem aos investimentos directos através de acções e obrigações de empresas e 14,8 por cento a operações através de títulos do Estado, que, no fundo, são uma forma indirecta de financiamento do Plano.
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As modalidades da sua aplicação e os seus montantes são:
Contos
Acções de empresas .......... 715 405
Obrigações de empresas ........ 796 872
Obrigações de empresas com garantia do Estado ............... 776750
Títulos do Estado ........... 3 539 027
A Previdência teve interesse nestas aplicações, mas não pode deixar de causar viva apreensão que tão vultosa percentagem dos montantes globais afectos ao I e II Planos de Fomento haja sido investida em obrigações, isto é, em bens de rendimento fixo sujeitos à depreciação monetária. Esta orientação há-de criar inquietante problema quando as pensões de velhice e invalidez atingirem proporções normais e chegar a hora de proceder à sua actualização em função do custo de vida, a não ser que, entretanto, se pense na valorização regular e oportuna dos títulos de rendimento fixo, o que se afigura da maior justiça.
Seria, pois, chocante se pensasse agora em agravar este estado de coisas, obrigando a Previdência a emprestar dinheiro às câmara» para a aquisição de terrenos e às organizações hospitalares para fins de equipamento. Se se quer converter a Previdência também em entidade de tipo bancário, o que se afigura pouco recomendável, conceda-se-Ihe, ao menos, a possibilidade de não abrir créditos apenas em casos de modesta rentabilidade. Que as câmaras e os hospitais carecem de ser auxiliados, ninguém o contesta. Mas o Estado pode fazê-lo, através mesmo dos montantes que as caixas lhe emprestaram e continuam a emprestar.
Seria mesmo aconselhável que esses empréstimos tivessem uma consignação expressa, ao menos parcial, a fins de carácter social, como os da saúde pública, os da assistência e os da habitação. Desta forma, ao menos, ficariam à vista todos os sacrifícios da Previdência, os quais, porém, têm de ter contrapartida, sob pena de injustiça e de a distribuição dos rendimentos não beneficiar, predominantemente, os sectores mais carecidos.
Revisão da Iegislação sobre habitação social. -Anuncia-se a revisão da legislação vigente relativa ao sector da habitação, nomeadamente às «casas- para pobres», «casas de ronda económica» e «casas de renda limitada». Pre-vê-se ainda a modificação da Lei n.º 2092, do Decreto-Lei n.º 42 454 e do Kegulamento Geral das Edificações Urbanas. Pretende-se, assim, imprimir a estes diplomas a flexibilidade indispensável à satisfação das necessidades mais instantes, bem como acompanhar a evolução técnica e social.
Perante as considerações atrás produzidas, não pode deixar de se reconhecer a vantagem de um reajustamento de preceitos que definem os regimes jurídicos! das casas de feição social. O sentido e a amplitude dessa revisão já foram também preconizados, no tocante às casas de renda limitada, ao Decreto-Lei n.º 42 454 e às «casas para famílias pobres», pelo que me dispenso de insistir neste ponto.
Não se vê, contudo, que a Lei n.º 2092 necessite dá modificações, a não ser que se pretenda proceder a uma remodelação geral ou codificação das disposições reguladoras de toda a matéria sobre a habitação. Aquela lei não suscitou, até agora, sabe-se isso com segurança, qualquer dificuldade de; execução. Quanto aos benefícios que faculta, não vejo como possam ser ampliados, pois atingiu-se, com os seus esquemas de protecção, o extremo limite dos interesses fundamentais da Previdência. E certo haver quem advogue uma espécie de fusão do regime de empréstimos com o da casa económica de propriedade resolúvel.
- Confesso, porém, que não alcanço a vantagem da medida nem vejo como seria possível e aconselhável a aglutinação destas, duas modalidades.
Já o mesmo não digo no tocante à necessidade de identificar com o tradicional regime da «casa económica» o regime da propriedade resolúvel de alojamentos para o funcionalismo público. Além disso, seria vantajoso que o Estado facultasse empréstimos aos seus servidores num regime idêntico ao da Lei n.º 2092, de modo a evitar-se que o interessado na obtenção de casa própria seja desligado, mesmo em parte, da construção e obrigado a alienar à Caixa Nacional de Previdência o terreno que possui, muito embora o preço da venda se tome em conta de entrega inicial e princípio de pagamento.
Normais sobre as características das habitações. - £ de encarecer a promessa de uma revisão do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, pois, de facto, muitos dos seus preceitos não se adaptam às actuais exigências técnicas e sociais em matéria tão complexa. Devem, na verdade, estabelecer-se regras mais perfeitas sobre as características e os requisitos das habitações a construir, sobretudo quando a elas se liga qualquer protecção, directa ou indirecta, da parte do Estado. Neste domínio, acentua-se criteriosamente no relatório do Grupo de Trabalho n.º 7 que importa fixar normas destinadas a assegurar a conservação, a durabilidade e o bom comportamento da construção, dentro dos convenientes limites do custo, a procurar uma correspondência entre as dimensões e a composição do fogo e as necessidades da população e, em certos casos, a possibilitar a definição de classes e categorias de alojamentos para efeitos de programação, atribuição de regalias ou prioridades e estabelecimento de limites máximos e mínimos.
Bis por que se reveste de elevado alcance a portaria há dias dimanada do Ministério das Finanças sobre isenções fiscais para o fomento habitacional. Na verdade, importava adoptar o «regime de isenções ao condicionalismo actual, abandonando o critério da exclusividade da renda, por forma a promover não unicamente um fomento incontrolado das construções de casas de renda baixa, mas. sobretudo, uma conveniente adequação entre o factor renda e as naturais exigências de instalação razoável das famílias numerosas».
Este é, com efeito, um dos rumos que melhores perspectivas podem abrir a uma eficiente intervenção do Estado em matéria de protecção à família, pelos estímulos que oferece aos construtores e pela disciplina indirecta que traz à edificação de prédios de rendas altas. Não me parece, no entanto, que possam impor-se, de modo directo, limites máximos quanto a áreas de construção ou preços de custo, a não ser em relação a casas que beneficiem de auxílios oficiais apreciáveis. Mas, dentro das modalidades de habitações de feição social, em consequência da protecção que o Estado lhes assegura, muito se pode fazer ainda na definição de normas limitadoras e disciplinadoras. Tudo está em evitar que se vá ao arrepio das exigências decorrentes da necessidade e da legitimidade de não afectar os princípios da hierarquia social quando baseada no mérito. Há, de resto, lamentável tendência para confundir casas de luxo com -casas de rendas elevadas. Ora, e de modo especial em Lisboa, as casas tidas por de luxo ou meio luxo são, em grande numero de casos, alojamentos normais em tudo, excepto nas rendas, que muitas famílias, de possibilidades materiais relativamente modestas, se vêem obrigadas a pagar com séria perturbação do seu equilíbrio económico.
A habitação e a composição de agregados familiares. - Aspecto do maior interesse é o relacionado com a necessidade de as casas se adaptarem às exigências da composição
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do agregado familiar. Tem de reconhecer-se que alguns esforços nesse sentido despendidos não lograram alcançar o êxito desejado.
Já aqui foi dito pelo antigo e ilustre Deputado Dr. José Hermano Saraiva aquando da apreciação da proposta que deu origem à Lei n.º 2092:
Não basta que todos tenham habitação, mas é preciso que cada família tenha o seu lar.
Com efeito, resolver um problema não é resolver o outro. Grande parte das casas de arrendamento não têm previsto lugar para os filhos. E evidente quê os problemas ligados às edificações urbanas não podem ser encarados apenas pelo lado técnico, e sem qualquer intervenção dos órgãos estaduais, a quem compete a defesa dos factores sociais».
Eis por que, quer para as casas de renda limitada e outras de índole social, quer para quaisquer outras destinadas a arrendamento, se torna imprescindível fixar, a tempo e com base na conclusão de inquéritos realizados por serviços devidamente preparados, o número de divisões correspondente à composição das famílias.
Yozes: - Muito bem!
O Orador: - Como se acentua em valioso estudo do arquitecto Alves de Sousa, a manifesta tendência dos programas de habitação social para comportarem alojamentos de tipo médio, com base em valores médios da constituição das famílias e conceitos médios das suas necessidades, apresenta-se hoje como desesperante deformação.
Política de terrenos. - O fomento racional da habitação começa logo por depender de uma política de terrenos convenientemente definida. Entre nós a resolução do problema do alojamento tem sido prejudicada pela carência daquela política.
Continuam pendentes muitas questões de monta relacionadas com a afectação de terrenos à construção. Daí o empolamento dos custos de construção, as deficiências desta, o congestionamento de casas implantadas em áreas restritas, a falta de espaço para o equipamento complementar ou a total ausência deste, o afastamento dos agrupamentos residenciais em relação aos locais do trabalho, a segregação no alojamento das classes sociais e as especulações de toda a ordem.
Ë por isso que vejo com regozijo anunciadas medidas que, embora incompletas e susceptíveis de reservas, vêm ao encontro de apelos reiteradamente formulados nesta Assembleia Nacional.
Entre essas medidas conta-se a possibilidade de expropriação por utilidade pública urgente de terrenos necessários à execução do Plano e a expropriação sem indemnização, para reconstruções, de terrenos onde estejam ou venham a ser construídas ilegalmente barracas e bairros clandestinos.
No parecer subsidiário da Câmara Corporativa sustenta-se a este respeito que deverá distinguir-se entre terrenos cujos proprietários aufiram lucros com a implantação das barracas e bairros clandestinos - hipótese em que se justifica a expropriação - e terrenos cujos proprietários ignorem a presença das barracas ou bairros clandestinos ou a tolerem por espírito de caridade e generosidade. Nesta última hipótese, o parecer inclina-se abertamente para a não expropriabilidade. E um ponto de vista merecedor de ponderação, mas o problema assume aspectos tão graves que ou o Governo o enfrenta em todos os planos de acção, ou não o resolverá. De resto, não é admissível que os proprietários ignorem a existência
de construções ilegais nos seus terrenos, nem a caridade e a generosidade bem entendidas devem conduzir ao agravamento de deploráveis situações.
Vão também promulgar-se disposições novas ou rever-se os preceitos em vigor quanto à justa indemnização e à celeridade dos processos de expropriação de terrenos sitos em regiões ainda não dotadas de plano de urbanização, desde que se reconheça que tais terrenos suo adequados à construção de habitações. Este último aspecto merece reparos às subsecções da Câmara Corporativa responsáveis pelo parecer subsidiário, às quais repugna «a possibilidade de expropriar para uma finalidade e necessidade meramente potencial, não imediata e certa», o que, a fazer-se, «representaria um golpe num dos alicerces da ordem jurídica portuguesa, corporativa e não socialista».
No entanto, a Constituição é clara quando estabelece que «a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social, em regime de cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conformes com a finalidade colectiva».
Este pensamento inspira-se na doutrina social da Igreja e não pode ficar letra morta nos textos legais ou servir apenas de tema a discursos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Perante um problema da relevância do da habitação, parece que o Estado não há-de ficar indiferente, cabendo-lhe abrir novas perspectivas à sua política de terrenos e de urbanismo.
Contudo, os Poderes Públicos têm ao seu alcance outras soluções que conviria estudar cuidadosamente, considerando as numerosas experiências feitas no estrangeiro: constituição de reservas de terrenos, expropriações sistemáticas, constituição a favor do Estado do direito de superfície sobre áreas urbanizáveis ou urbanizadas, bloqueamento de preços, compra de terrenos no mercado seguida da sua venda sem lucro, atribuição ao Estado do direito de opção, tributação de terrenos não utilizados e dos benefícios resultantes de transacções com eles, isenção de impostos para novas construções e anulação do direito dos proprietários às mais valias.
A estas modalidades, apontadas no parecer subsidiário da Câmara, outras poderiam acrescentar-se. Há mesmo quem sonhe com a nacionalização do solo. Seria uma enormidade, em todo o sentido, como seria condenável a adopção de processos que não respeitam os legítimos direitos da propriedade privada. Tudo está, parece, em que, sem prejuízo da sua função individual e familiar, a propriedade particular realize também aquela outra - a alta e imprescindível função social que lhe assina a doutrina cristã.
Construção de alojamentos e acesso à propriedade através das cooperativas. -- Merecem adequada protecção todas as cooperativas que não tendam a transformar-se em sociedades de tipo meramente lucrativo ou em agrupamentos que, para sobreviverem ou alimentarem as suas burocracias, reclamam soluções de carácter monopolista ou exclusivos e privilégios ofensivos de uma leal concorrência.
Não é o caso das cooperativas de construção de habitações para os associados, as quais bem carecem de especial atenção dos Poderes Públicos, dado que poderão, se forem convenientemente estimuladas e orientadas, fornecer útil. contributo para a solução da crise de alojamento.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: -Estas cooperativas eram 15 em 1953. Em 1961 passaram para mais do dobro, e hoje devem ser da ordem das 60. O seu capital social quase duplicou também, tendo atingido, em 1961, 200 000 contos. No decurso do período de 1953-1961 os fogos construídos pelas cooperativas foram 2835 no continente, dos quais 375 no ano de 1960. O movimento parece estar a crescer, importando agora que seja convenientemente coordenado, protegido e disciplinado, sem prejuízo da autonomia das cooperativas (i do funcionamento dos seus órgãos normais de gestão e fiscalização.
Não deve impressionar que a acção cooperativa de construção não tenha registado ultimamente progresso espectacular, pois o regime de empréstimos facultados pela Lei n.º 2092, de 9 de Abril de 1958, veio resolver numerosos problemas habitacionais que, de outra forma, teriam caído, porventura parcialmente, no âmbito das cooperativas. Ao dizer isto, não pretendo significar que aquele diploma ponha em risco estas sociedades, tanto mais que são possíveis, segundo creio, formas de entendimento entre elas e os beneficiários da Previdência. Basta pensar no campo que está aberto ao regime de cooperação no domínio da aquisição e da amortização de terrenos e no da elaboração de projectos e fiscalização de obras. No caso de empréstimos para a compra de alojamentos ao abrigo da mesma lei, a acção das cooperativas poderá exercer-se de modo a completar, até ao custo total dos fogos, esses empréstimos das caixas, que não podem exceder 80 por cento do montante de cada operação.
Isto obrigará a modificações estatutárias, mas as cooperativas não podem deixar de fazer um esforço de adaptação e terão de acompanhar, no seu próprio interesse," a evolução jurídica, técnica e social registada no sector da habitação.
No vasto domínio da cooperação, tão pouco explorado, não deverá deixar de se considerar o fomento da construção de habitações através do «esforço próprio» e da «ajuda mútua» em modalidades diversificadas e adaptadas às circunstâncias peculiares das situações a resolver.
Possíveis não apenas nos meios rurais mas ainda nas zonas urbanas e nos arrabaldes dos grandes centros, estas modalidades têm especial cabimento nos programas de desenvolvimento comunitário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Através desta exposição, bem mais longa do que desejaria, propus-me chamar a atenção para alguns aspectos da política habitacional.
Creio ter evidenciado que política económica e política social são interdependentes e que se há domínio em que esta interdependência se afirme com especial vigor, é o da habitação. Aliás, a construção de habitações, independentemente do seu alto significado social, é, por si, elemento propulsor da economia.
Aludi ao direito e ao dever do Estado de intervir activamente na resolução do problema do alojamento, definindo princípios e estabelecendo planos de acção e orientando, coordenando e estimulando a iniciativa privada ou suprindo-a quando esta, apenas quando esta, se mostrar insuficiente.
Reconheci a magnitude da obra realizada no sector da habitação, mau grado as vicissitudes por que passou e as deficiências que a afectaram ou afectam.
Falei da r ecessidade de aperfeiçoar, intensificar e completar essa obra e salientei ainda a vantagem de se criarem condições de mais perfeita coordenação na definição
e execução das directivas da política habitacional, ao mesmo tempo que denunciei alguns equívocos e perigos por de mais inerentes ao problema.
Perante a existência de graves desigualdades regionais que, em parte, através das migrações internas, estão na origem do fenómeno do urbanismo e da crise de alojamento nos grandes centros, preconizei. medidas drásticas imediatas destinadas a permitir mais equilibrado desenvolvimento económico e social em todo o País e a impedir o agravamento da concentração industrial nas zonas de Lisboa e Porto.
Apontei os graves inconvenientes da construção de habitações em obediência a critérios que levam à segregação social ou à separação dos homens por grupos profissionais ou pelo nível dos seus rendimentos e fiz opção decidida pelos regimes jurídicos que possibilitaram o acesso à propriedade da casa, e, desta forma, melhor asseguram a defesa, a estabilidade e a dignificação da família.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deferi-me a questões da urbanização dos terrenos para evidenciar que é preciso enfrentá-las com urgência, a fim de se evitarem anomalias, distorções e especulações e a fim de, sem prejuízo dos legítimos interesses dos proprietários, se alargar e clarificar o mercado dos terrenos para construção e aumentar a possibilidade da sua aquisição a preço justo.
Emiti, o voto de que as cooperativas de construção sejam colocadas em condições de desenvolverem a sua meritória acção e analisei vários outros problemas relacionados com a política habitacional, em concordância umas vezes, outras em discordância, de pontos de vista do Governo ou da Câmara Corporativa, ou ainda dos estudiosos que apresentaram os elementos de base para a elaboração do Plano e a cujo esforço, entusiasmo e devoção me apraz render homenagem.
Enfim, procurei debater, com objectividade, um dos mais importantes problemas sociais do momento presente. Creio que, para além das muitas insuficiências e deficiências da intervenção, não poderá, ao menos, duvidar-se da sua oportunidade e do espírito de servir que me animou ao fazê-la. Tanto me basta para me sentir absolvido do tempo que ocupei à Assembleia Nacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente: Com estas minhas palavras termina, na generalidade, o debate relativo à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1965.
Todos sabemos que a batalha pela nossa sobrevivência se trava, e tem de travar-se, não apenas nas paragens morenas do nosso ultramar, mas também onde quer que haja um português ciente das suas responsabilidades e cônscio do nosso destino de povo civilizador.
Assim, e por toda a parte, na frente e na retaguarda, todos os portugueses continuam a manter-se firmes no seu ideal patriótico e fortes na sua fé e na sua vontade.
Não são outros, afinal, os sentimentos profundos que inspiraram o Governo ao elaborar e ao apresentar à apreciação desta Assembleia o seu programa de acção para o ano de 1965.
Congratulemo-nos, pois.
Congratulemo-nos ... e confiemos!
Vozes: -Muito bem muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Como não está mais nenhum orador inscrito, considero concluída a discussão na generalidade da proposta de lei sobre autorização das receitas e despesas para 1965.
Vou encerrar a sessão.
A ordem do dia da sessão da tarde será, como VV. Ex.ª já sabem, a discussão na especialidade da mesma proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Carlos Coelho.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Paulo Cancella de Abreu.
Rui de Moura Ramos.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA