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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 178

ANO DE 1965 22 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 178, EM 21 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs Deputados Bento Levy, que se congratulou com a anunciada visita do presidente da Fundação Gulbenkian ao arquipélago de Cabo Verde, e Santos Bessa, acerca da situação dos funcionários da assistência e para dar conhecimento à Câmara das medidas em curso para melhorar essa situação

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre propriedade da farmácia.
Usaram da palavra os Srs Deputados Nunes de Oliveira e Marques Fernandes
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Luís Folhadela de Oliveira.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.

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Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr Presidente: - Estão presentes 70 Srs Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição da Federação dos Grémios da Lavoura da Província da Estremadura a felicitar o Sr Deputado Sales Loureiro por ter levantado na Assembleia Nacional o problema da taxa de $40 que pela Portaria n.º 21 006, de 28 de Dezembro de 1964, passou a incidir sobre todo o vinho produzido na área da Junta Nacional do Vinho, com excepção da região demarcada dos vinhos verdes.
Exposição do Sr Manuel Gonçalves da Silva, de Amares, a reclamar contra a falta de seguro obrigatório de todos os motoristas que transitam nas estradas

O Sr Presidente: - Tenho diante de mim uma carta de S. Ex.ª o Presidente da República a agradecer o voto de pesar pela Assembleia expresso a propósito da morte da sua cunhada e a pedir que apresente a VV Ex.ªs , que aprovaram esse voto, a expressão do seu vivo reconhecimento.

Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr Deputado Bento Levy.

O Sr Bento Levy: - Sr Presidente A convite do ilustre governador de Cabo Verde, Sr. Comandante Sacramento Monteiro, quando esteve recentemente em Lisboa, vai em breve visitar o meu arquipélago o Sr. Dr. Azeredo Perdigão, que tão distintamente preside à notável actividade da benemérita Fundação Calouste Gulbenkian.
Ninguém - em especial os que mourejam nas ilhas - deixará de aplaudir esta iniciativa, que vem concretizar o pensamento de todos os que de algum modo se acham ligados a Cabo Verde e, até onde sei, as próprias intenções do ilustre presidente da Fundação.
Trata-se de um facto de relevo para a vida das nossas ilhas e que eu não podia deixar de registar nesta Câmara com o aprazimento que se calculará.
Tendo percorrido Angola, e Moçambique, onde a sua presença se fez sentir, traduzindo-se em actos de alto merecimento, o Sr. Dr. Azeredo Perdigão, apesar de ocupadíssimo, não se exime a mais este esforço, agora para conhecer «esse milagre de Cabo Verde» - como lhe chama o nosso ilustre colega Dr Alexandre Lobato -, cadinho onde se fundiram raças e credos desde o achamento das ilhas, para formar um português crioulo, honra e glória do génio criador de Portugal, a lembrar a própria origem da nossa nacionalidade.
Convivendo com os seus poetas e prosadores, com os seus músicos e artistas, com o seu escol de médicos, advogados, magistrados, professores, oficiais das forças armadas, a servirem a terra ingrata onde nasceram e se enraizaram, o Dr Azeredo Perdigão, saindo do Portugal europeu, continuará em pleno Atlântico Sul a sentir Portugal, na sua cultura,- nos seus hábitos, nos seus costumes. A cor da pele será a única diferença, mas essa não a sentem os Portugueses.
O ilustre visitante sentirá, sim, as grandes necessidades de uma terra materialmente pobre, adusta, ingrata, e a visita vai proporcionar-lhe o estudo local das possibilidades de ajuda e auxílio que a Fundação lhe consente proporcionar às instituições existentes e, porventura, incentivar a criação de outras cujos fins obedeçam aos condicionalismos necessários para que a benéfica acção da Gulbenkian possa também estender-se e desenvolver-se em Cabo Verde
São, com efeito, muitas das necessidades do arquipélago, e não é, evidentemente, à Fundação que compete satisfazer todos os encargos atinentes.
Mas o seu ilustre presidente, deslocando-se às ilhas, vai conviver com o Cabo-Verdiano, vai cruzar coou os Cabo-Verdianos, para mais fortemente sentir essas necessidades e levar à minha gente a solidariedade humana, traduzida na caridade, tal como a Fundação a entende e tem praticado, o que envolve, desde já, o dever de um agradecimento reconhecido do povo de Cabo Verde
Afirmando no seu notabilíssimo relatório que o nosso próximo não é todo o nosso semelhante, mas aquele que vive e sofre mais junto de nós, o Dr Azeredo Perdigão vai ver para que o seu coração sinta quanto a sua acção é necessária em benefício de uma comunidade que sofre com estoicismo a sua pobreza e bem merece esta atenção, cujos resultados, aliás, se hão-de reflectir em todos os sectores abrangidos pelos fins da instituição a que o eminente visitante preside
Os serviços respectivos terão por certo os seus planos preparados em ordem a obter esses resultados, que se estendem não só pela caridade, como pela arte, pela educação e pela ciência.
Não me compete lançar ideias, nem fazer comentários a factores cuja essência desconheço, por estar ausente, mas estou seguro de que os planos a apresentar estarão

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fundamentados, de forma a obterem a eficiência indispensável. A competência e dedicação dos que se encontram à frente dos vários sectores da administração da província e das suas instituições permitem-me essa ilação. Neste momento e desta tribuna apenas desejo prestar pública homenagem ao Sr. Dr. Azeredo Perdigão, pelo seu espírito de abnegação, sujeitando-se copa a distinta Senhora sua Esposa a uma viagem que não será das mais confortáveis, e pela alta compreensão,

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - mais uma vez demonstrada M cumprimento das actividades que decorrem das elevadas funções que tão brilhantemente vem desempenhando, com um prestígio e uma dignidade que bem merecem a admiração, o respeito -e porque não?-, o orgulho de todos os portugueses. Quero também testemunhar-lhe, em nome de Cabo Verde.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - .... a mais profunda gratidão pela reconfortante esperança que a sua visita nos permita alimentar.
Pena é que as condições precárias das comunicações entre as ilhas não consintam que tão auspiciosa visita se estenda por todas as que constituem o nosso arquipélago Essas, por certo, aliadas a escassez do tempo disponível, as razões por que o programa organizado não inclui uma passagem pelo Fogo e por S. Nicolau, bem como pelo Maio e pela Boavista. Esperemos, contudo, que a Iodas se possam estender os efeitos que esta jornada deixa antever.
Sr. Presidente Por causa dessa aflitiva precariedade e incerteza de comunicações entre as ilhas - tantas e tantas vezes aqui debatida e lamentada pelos seus representantes- esta visita poderia gorar-se, se não fosse a atitude altamente compreensiva do Sr. Secretário de Estado Aeronáutica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o Sr. General Francisco António das Chegas, acedendo ao pedido que lhe fiz, na me recebeu com invulgar gentileza e penhorante atenção, como também pôs toda a sua boa vontade na cão do problema das deslocações entre as ilhas - o fez com extraordinária amabilidade e prontidão.
Um avião do departamento do Estado em que S superintende proporcionará ao nosso distinto visitante a possibilidade de ver e sentir Cabo Verde em condições de segurança, conforto e rapidez que não poderiam garantidos sem a decisão do Sr. Secretário de Estado Aeronáutica.
Seria, pois, lamentável não deixar aqui uma palavra agradecimento também para S. Ex.ª
Não poderei esquecer gesto tão cativante e uma tão pronta solução de um problema de que dependia uma sita de tanto interesse para a minha província.
Cabo Verde não esquecerá, e, em meu nome próprio no da sua população, manifesto a S. Ex.ª , com as nossa homenagens de muito elevado apreço, a expressão bem sincera do mais vivo e sentido reconhecimento, seguro que interpreto também o pensamento de S. Ex.ª o Governador da minha província, que bem merece, pela efectivai cão de uma iniciativa de que só a ele cabem as honras ainda que pudesse estar no espírito de todos, como estava no do nosso dinâmico e nobre visitante, que com tanta simpatia quer conhecer as terras e conviver com as gentes de Cabo Verde.
Resta-me, Sr Presidente, desejar boa viagem e uma feliz estada nas minhas ilhas o Sr. Dr. Azeredo Perdigão e à Ex. ma Senhora sua Esposa, com a certeza de que, como sucede com tantos e tantos outros, Cabo Verde lhes ficará no coração e que na hora da partida - «na hora ...» - hão-de trazer saudades, deixando-as ficar na alma e nos sentimentos dos eternos prisioneiros do mar.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr Presidente. São já volvidos alguns anos sobre a data em que, pela primeira vez, aqui expus a situação dos chamados funcionários da assistência, que supunha andarem à volta de 10 000, impedidos de serem subscritores da Caixa Geral de Aposentações e sujeitos a uma caixa de previdência - a Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência - cuja organização estava flagrantemente desactualizada, cujos descontos tinham como montante máximo a incidência de 1500$ e cujas pensões de reforma, no seu máximo, nunca poderiam exceder 80 por cento do vencimento-limite de 1500$
Esta injusta situação, no que respeita à reforma -o facto de eles serem considerados funcionários públicos como os demais no que toca a obrigações e não o serem pelo que respeita a direitos conferidos aos outros servidores do Estado-, constituía, para mim, obrigação de não abandonar a posição que assumi, tanto mais que eu, sendo subscritor da Caixa Geral de Aposentações, como militar, em nada beneficiava com a integração dos funcionários da assistência nesta Caixa.
O Governo, dentro do seu espírito de justiça, publicou o Decreto n º 42 210, de 13 de Abril de 1959, que criou certa estrutura provisória do novo Ministério da Saúde e através do qual se verificava que o Governo decidia satisfazer a antiga e justa aspiração daquele pessoal no sentido de lhe serem concedidas regalias iguais às dos demais funcionários, e marcou a data de l de Janeiro de 1960 para a entrada em vigor do novo regime - para a sua integração na Caixa Geral de Aposentações.
Efectivamente, o seu artigo 16 º dispunha que, até àquela data, o pessoal de todos os serviços desse Ministério, incluindo o das brigadas móveis de carácter permanente, seria sujeito ao regime geral dos funcionários públicos, e consideravam-se revogados o artigo S º e seus parágrafos do Decreto-Lei n º 31 913, de 12 de Março de 1942 Pelo seu § único, determinava-se que, até à mesma data, seria regulada a transferência para a Caixa Geral de Aposentações dos fundos da Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência, na parte em que deveriam sê-lo, por força deste artigo 16 º
Várias dificuldades surgiram para o cumprimento das disposições desse decreto, das quais me foi dado conhecimento pelo Ministro Martins de Carvalho, e de algumas delas der oportunamente conhecimento à Câmara, dificuldades que não puderam, durante largo período, ser superadas pelos Ministros das Finanças, da Saúde e das Corporações.
Mercê dessas dificuldades e demoras, o desânimo tocou bastantes destes funcionários e muitos deles foram superiormente autorizadas a levantar os descontos realizados e que, a partir de l de Janeiro de 1960, ficaram retidos nos respectivos serviços

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Em Dezembro de 1963, na discussão da Lei de Meios para 1964 e aproveitando a entrada do Ministro Neto de Carvalho para a pasta da Saúde e Assistência, voltei a chamar a atenção do Governo para este delicado assunto
Pouco depois tive conhecimento da nomeação de uma comissão constituída por representantes dos três citados Ministérios, à qual foi cometido o encargo de realizar os trabalhos indispensáveis à integração determinada pelo Decreto n º 42 210.
Soube do cuidado posto por todos os elementos que a constituem para darem integral cumprimento da sua missão dentro do mais curto prazo e soube também das enormes dificuldades a vencer.
Na sessão de 4 de Dezembro último requeri que me fossem fornecidas, com a possível urgência, pelos Ministérios das Finanças e da Saúde e Assistência, informações sobre o andamento dos trabalhos dessa comissão e sobre a data provável em que poderia realizar-se essa integração.
Na sessão do dia 16 de Janeiro foram-me entregues essas informações, gentilmente fornecidas pelos dois Ministérios, com datas, respectivamente, de 2 e 8 de Janeiro de 1963.
Por elas se verifica que a estimativa considerada indispensável pelo Ministério das Finanças para que se realizasse essa integração não se poderia elaborar sem o conhecimento prévio da situação de todos os funcionários quanto a tempo de serviço a contar para a aposentação, forma de abono e descontos efectuados e a efectuar relativamente ao excedente do vencimento efectivo sobre 1500$
Os respectivos impressos foram distribuídos pela Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e Assistência e o seu preenchimento pelos interessados e pêlos respectivos serviços foi muito mais longa do que era justo prever-se pelo facto de muitos dos interessados não conhecerem, com a indispensável precisão, as suas actuais situações e aquelas por que já tinham passado Com o auxílio dos serviços foi possível ultimar esse preenchimento, e assim se recolheram 15 414 boletins, dos quais 5729 referentes a funcionários admitidos depois de 31 de Dezembro de 1959, isto é, da véspera do dia marcado pelo citado decreto para a integração
Por outro lado, havia que determinar o montante a ser entregue à Caixa Geral de Aposentações pela Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência, bem como a composição das espécies de valores a transferir.
Para tal fim e para ganhar tempo, à medida que iam sendo recebidos, iam sendo enviados à Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência para efeito do registo das reservas correspondentes Dali, recolhidos esses elementos complementares, iam sendo enviados à Caixa Geral de Aposentações
O balanço técnico daquela Caixa de Previdência pôde ser por fim, aprovado por S. Ex.ª o Ministro das Corporações em 11 de Dezembro findo.
De posse de todos estes elementos, a comissão está prestes a concluir o seu trabalho e a assinar o seu relatório. Mas, mais do que isso, está a ultimar-se o projecto do decreto e espera-se que tudo esteja concluído a esta hora, visto que, em 2 de Janeiro, se afirmava que o estaria «dentro de quinze duas».
Sr. Presidente Voltei hoje a este assunto para dar conhecimento à Câmara da resposta que me foi enviada e para a agradecer a SS. Ex.ªs os (Ministros das Finanças, da Saúde e Assistência e das Corporações, que sempre demonstraram o mais desvelado interesse por este assunto.
Quero aproveitar o ensejo para dar conta do meu reconhecimento a todos os funcionários que do assunto se têm ocupado e que sempre me atenderam com carinho e deferência.
Baseado nas informações que me foram prestadas e no interesse que este assunto tem merecido, espero que, dentro em pouco, vejamos (publicado o prometido decreto que permitir a integral efectivação do Decreto n º 42 210 e resolver assim uma justíssima aspiração de tantos dos dedicadíssimos funcionários do Ministério da Saúde e Assistência.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre propriedade de farmácia Tem a palavra o Sr Deputado Nunes de Oliveira.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr Presidente. Ao intervimos neste debate, em que vai apreciar-se, na generalidade, o texto da proposta de lei sobre o regime jurídico da propriedade da farmácia, da autoria do ilustre Ministro da Saúde, Dr. Francisco Neto de Carvalho, não poderemos deixar de fazer algumas referências, embora sucintas, ao projecto de proposta que o Dr Henrique Martins de Carvalho, quando Ministro da Saúde, elaborou, bem assim como ao parecer que sobre o mesmo projecto de proposta dimanou da Câmara Corporativa.
Trata-se de um assunto que, embora possa parecer, a espíritos desprevenidos, de secundária importância para a vida do País, apresenta uma especial delicadeza e pode trazer, se não quisermos atender às suas características muito particulares, as mais graves consequências futuras para a saúde pública

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como professor de uma Faculdade de Farmácia e membro, que nos honramos de ser, do corpo farmacêutico do nosso país, temos uma especial responsabilidade no momento em que o assunto é debatido nesta Assembleia, responsabilidade que se verifica não apenas no seu âmbito, mas se projecta nos domínios da própria profissão. Sem menosprezar a competência e a clarividência dos nossos ilustres colegas, pedimos licença para a este propósito fazer algumas declarações prévias, com aquela isenção de quem não tem qualquer interesse material na questão e apenas se preocupa com os interesses gerais e com o futuro dos alunos que tendo escolhido a carreira farmacêutica nela depositam alguma esperança.
De uma maneira geral a farmácia é olhada no nosso país de uma forma injustamente depreciativa, havendo uma tendência para simplificar os seus problemas, sobre os quais mais ou menos todos sentem ter ideias bem definidos. O facto traduz-se até na maneira decidida e fácil com que o assunto é tratado na imprensa, onde aparecem soluções que, embora parecendo aos seus autores claras, cristalinas, óbvias, dariam o mais desastroso resultado se fossem adoptadas. Se nos é permitido, diremos que é muito mais fácil ver os problemas da farmácia de fora para dentro do que de dentro para fora.
Acontece ainda que por circunstâncias várias, várias mas todas elas lamentáveis, talvez até por essa facilidade

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com que os seus problemas são apreciados, mas sobretudo porque ela se acha invadida por estranhos que confundem os seus próprios problemas com os problemas da profissão, a farmácia não só se encontra gravemente deturpada e deformada - exigindo rápidas e enérgicas mearias de regulamentação por parte do Estado - ...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - mas se torna necessário afirmar! clara e insofismavelmente que apenas podem falar em nome da farmácia os farmacêuticos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Não queremos dizer com isso que não haja ligados à farmácia interesses de outras pessoas a considerar, profissões auxiliares, cujos problemas não possam ou devam ser encarados, ou que, para a resolução do caso farmacêutico, não seja preciosa a opinião dos médicos, dos juristas, dos técnicos da saúde púbica, dos economistas, mas torna-se necessário pôr as coisas no devido lugar e sobretudo não confundir. Não compreendemos que no meio da vozearia se devam outras vozes, a não ser que queiramos fazer com a farmácia aquilo que se não faz com nenhuma outra profissão de nível universitário. A farmácia deve ser para o farmacêutico e, a menos que queiramos inverter os termos problema, não é evidentemente aceitável que a uma profissão de indiscutível interesse para o País pç ser decidida sem que, antes de mais, se ouça o farmacêutico.
Como em todos os problemas de carácter muito particular, devemos precaver-nos contra generalizações fáceis ideias preconcebidas, medidas imprudentes e apressada mas sobretudo dar ouvidos a quem tem experiência real das coisas e não ceder à tentação de ensaiar novas medidas que, aliás, neste caso seriam velhas só porque, primeira vista, parece discordarmos de um ou outro aspecto de pormenor.
Com o novo texto de proposta do Governo agora pie sente nesta Assembleia vemos com satisfação que o departamento responsável pela saúde pública, numa visão perfeita do problema e em dois notáveis documentos, autoria de dois Ministros diferentes, se decide por claro objectivo, e que é o de aperfeiçoar a lei vigente, matando as brechas que permitiram as mais condenáveis fraudes e simulações em relação a essa mesma lei, comi a torpe conivência, acentue-se, de alguns farmacêuticos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - e que estamos certos não teriam acontecido se existisse um código deontológico e um estatuto profissional!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - e houvesse ainda menos brandura por parte da Administração, brandura que não poderá cobrir por um perdão a posteriori tudo quanto conscientemente se fez contra a lei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A legislação respeitante à profissão farmacêutica no nosso país podemos ir recolhê-la numa origem de mais de cinco séculos. E através dela temos vindo sempre a observar por parte da entidade responsável pela salvaguarda do interesse público - que é o Governo - uma tendência no sentido de tornar mais eficiente e segura a acção do farmacêutico no desempenho da sua profissão Assim, o texto mais antigo conhecido sobre a exclusividade da propriedade de farmácia data de 1461 e vários outros textos legislativos dos séculos XV, XVI, XVIII e mesmo do século XIX poderiam ser citados, em que a ideia da «indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica das farmácias ressalta claramente», e que se consagrou no Decreto-Lei n.º 28 422, de 29 de Dezembro de 1933.
Como escreve o Prof. Doutor Braga da Cruz no seu magistral e exaustivo estudo crítico sobre o parecer da Câmara Corporativa, esta consagração do princípio da indivisibilidade da propriedade de farmácia e respectiva gerência técnica, operada na legislação de 1933, «não caiu de repente do céu, nem foi obra de um capricho do legislado». E, por conseguinte, Sr Presidente, que numa sequência lógica dos factos, e traduzindo também os resultados da aplicação das leis de certos países estrangeiros, se chegou à lei vigente, instituída pelo já referido Decreto-Lei n.º 23 422, por se entender que a melhor garantia para a sua valorização profissional é o interesse directo do farmacêutico na propriedade de farmácia Convém até acentuar que o principio então adoptado pelo Governo coincide precisamente com as soluções de muitos outros países, como, por exemplo, a Espanha, França, Itália, Áustria, Bélgica e Brasil etc., para citar apenas aqueles que mais afinidade de ordem histórica, étnica, social e cultural têm com o nosso país.
Na mesma linha de pensamento, portanto, quis o Governo da Nação, por razões óbvias, manter o mesmo princípio que basilarmente informou o decreto-lei de 1933, procurando sensatamente salvaguardar os interesses em causa, embora em alguns aspectos com uma excessiva benevolência.
Sr. Presidente Supomos ser do maior interesse uma referência a factos que se inserem na fase posterior à publicação do projecto primitivo do Governo e ao parecer da Câmara Corporativa. Enquanto em relação ao projecto de proposta do Governo o então Ministro da Saúde e Assistência, Dr Martins de Carvalho, submeteu o assunto a uma longa série de estudos a que procedeu uma comissão para o efeito nomeada, de que faziam parte, entre outros, representantes da
Direcção-Geral de Saúde, do ensino de farmácia, dos Ministérios da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social e da Justiça, de Ordem dos Médicos e da classe farmacêutica, e ouviu na fase seguinte dos trabalhos numerosas entidades civis, oficiais e particulares - entre outras recordamos a Direcção-Geral dos Hospitais, todas as delegações distritais de saúde, a Ordem dos Médicos, a Faculdade e as escolas superiores de Farmácia, na Câmara Corporativa a comissão que apreciou e discutiu esse projecto de proposta de lei, embora constituída por ilustres Procuradores que merecem a nossa maior considerarão, não incluía nenhum membro da classe farmacêutica quer isto dizer que, no momento em que se apreciava discutia um diploma fundamental para a actividade farmacêutica, por brigar com problemas de base dos quais, de certo modo, dependia o futuro da profissão, não lê ter a presença de quem, melhor do que qualquer outro, pudesse esclarecer a respectiva comissão, orientando-a ao mesmo tempo naquilo que melhor convinha só aos interesses da saúde pública como aos da própria profissão.

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E é curioso pôr em relevo que, sendo o parecer coincidente com o texto do projecto da proposta governamental de então quanto ao princípio da indivisibilidade concernente a propriedade de farmácia e à sua direcção técnica, ele desvirtua e contraria logo depois esse mesmo princípio no desenvolver do respectivo articulado, o que, do ponto de vista jurídico, mesmo para um leigo na matéria como nós, parece da mais incongruente e lamentável lógica
Mas ... passemos adiante e vejamos, por exemplo, o que se fez em Franca, onde, à custa de uma aplicação rigorosa e cada vez mais fechada do princípio da indivisibilidade - pois é o país do Mundo onde menos excepções se consentem a esse princípio - tem sido possível elevar a profissão farmacêutica a um nível deontológico, prestígio social e competência científica que não oferecem confronto com os de qualquer outro país.
Em França, país que citamos especialmente pelos valiosos tratados de direito farmacêutico de que dispõe, a vitória do princípio da indivisibilidade, em luta com o princípio da liberdade de propriedade, como nos revela no seu douto estudo crítico o Prof. Doutor Braga da Cruz, operou-se ao longo do século XIX, «por obra de uma jurisprudência dos tribunais superiores, ou seja, por obra de uma jurisprudência prestigiosíssima, que, numa justa, equilibrada, séria e profunda apreciação do interesse público e dos interesses privados em jogo neste problema, acabou por reconhecer no «princípio da indivisibilidade» a melhor defesa e garantia tanto daquele como destes».
O prestígio e a dignificação da profissão farmacêutica, a valorização universitária do curso de Farmácia, a saúde pública e a total independência e plena responsabilidade do farmacêutico assim o exigem de forma inequívoca.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E parece nem sempre existir da parte de quem tem obrigação de estudar profundamente os problemas antes de emitir uma opinião a consciência exacta das responsabilidades que envolvem aspectos da maior gravidade para uma profissão que procura elevar-se para assim poder corresponder aos deveres que lhe são e serão cada vez mais exigidos. Mas como a farmácia e com ela os problemas farmacêuticos são no geral vítimas de uma incompreensão nem sempre fácil de explicar, aconteceu com este parecer da Câmara Corporativa o que já havia acontecido com o parecer sobre o Estatuto da Saúde e Assistência, onde a única base que, na proposta do Governo, se referia aos farmacêuticos autónomos foi no texto da Câmara Corporativa simplesmente eliminada Felizmente que a Assembleia Nacional reparou a injustiça, fazendo ressuscitar essa base que o Governo, de caso muito pensado, como agora acontece, tinha incluído no seu projecto. E é com indelével prazer que aproveitamos o momento para assegurar ao ilustre Deputado Veiga de Macedo o quanto calaram fundo no coração dos farmacêuticos portugueses as palavras que então proferiu, na discussão do referido estatuto, a justificar a proposta de aditamento apresentada e das quais nos permitimos destacar as seguintes «da minha parte - disse o ilustre Deputado - permito-me mesmo emitir o parecer de que é agora altura de promover a elaboração de um estatuto corporativo e profissional dos farmacêuticos, no qual se regulamentem, além do mais, os aspectos deontológicos ligados a tão importante actividade, que bem carece e merece adequada e eficiente protecção»

O Sr Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - No texto da proposta agora enviada a esta Assembleia vemos de novo a expressão da decidida vontade do Governo «de reafirmar solenemente princípios jurídicos já anteriormente consagrados e de os afirmar ao completar por forma que de futuro se obviasse à sua sistemática violação».
Não surpreenderá, por consequência, que tais medidas legislativas passem a constituir um estorvo para aqueles que se vinham aproveitando da deficiente formulação e aplicação de regras jurídicas conformes aos referidos princípios, porque as podemos considerar «um instrumento adequado a frustrar os intentos de quantos na falta de cumprimento da lei encontravam a satisfação dos seus ilegítimos interesses». De resto, como tem sido acentuado por distintos juristas, «a proposta de lei do Governo só é verdadeiramente inovadora quanto a aspectos que não alteram o princípio fundamental, já anteriormente fixado na legislação portuguesa, de que a propriedade da farmácia deve ser, por motivo de interesse público manifesto, reservada para os farmacêuticos»
Por este princípio se decidiu também a Câmara Corporativa no seu parecer sobre o primitivo projecto de proposta, do Governo, nos termos que reproduzimos.
Por ser sua convicção que assim se consegue, no aspecto prático, que a gestão do farmacêutico seja, no mais alto grau, pessoal, livre e inteiramente independente - condição necessária para uma melhor salvaguarda da saúde pública.
E que assim é demonstra-o a delicadeza da mercadoria que vende, responsabilizando-o por tudo o que entregar ao doente, seja ou não por ele preparado - caso dos manipulados e das especialidades farmacêuticas (artigo 249.º do Código Penal). E acerca da delicadeza da missão do farmacêutico não será despropositado reproduzir neste momento algumas palavras proferidas por S. S o Papa Pio XII dirigidas aos farmacêuticos católicos reunidos num congresso, em Roma, em 2 de Setembro de 1950.

Basta pensar um instante nas consequências do mais pequeno erro, não somente sobre a substância, mas sobre a qualidade, a dosagem, o prazo de validade, para antever a responsabilidade que vos incumbe. Quem ousará toma-la sobre os ombros sem estar devidamente preparado pelo estudo e pela prática das ciências físico-químicas, biológicas, de que poucas pessoas conhecem a amplitude e a dificuldade?
Uma coisa torna ainda esta responsabilidade mais dura o facto de a vossa atenção não poder ser nunca distraída, visto dever exercer-se para além das vossas próprias acções, sobre os vossos colaboradores, ajudantes, preparadores, alunos, visto que se o farmacêutico pode e deve fazer-se ajudar, não tem o direito de descansar sobre ninguém. A vossa responsabilidade vai mais longe para além do seu aspecto técnico, o efeito feliz ou funesto dos remédios, ela abrange também um aspecto moral, ao qual o desvio e o desregramento actual das consciências dão uma gravidade maior do que nunca. Muitas vezes tereis de lutar contra a inoportunidade, a pressa, as exigências dos clientes que a vós recorrem para fazerem de vós cúmplices dos seus criminosos desejos. Ora, vós o sabeis, desde que um produto pela sua natureza e na intenção do cliente é indubitavelmente destinado a um mau fim não podeis aceitar tomar parte, seja sob que pretexto for, sejam quais forem as solicitações, nestes atentados contra a vida ou integridade dos indivíduos, contra a propagação ou a saúde corporal ou mental da humanidade

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À luz dos princípios da moral cristã e no desempenho das funções sociais e sanitárias muito se exige dg (farmacêutico E porque assim é, pergunta-se como poderia um profissional que, servindo-se de palavras que noutra oportunidade proferimos, põe toda a sua inteligência, a sua técnica, os seus conhecimentos científicos, aliados a princípios morais e deontológicos, que envolvem mesmo segredo profissional e que fazem do exercício da suai actividade uma profissão liberal, depender de outro a quem pouco ou nada se pede?
As farmácias, como tantas vezes se tem afirmado, devem ser, e felizmente ainda Só em muitos casos, verdadeiras instituições sanitárias ao serviço da comunidade, e não estabelecimentos comerciais ou comercializados como inadvertidamente algumas pessoas pensam, sistema self-service onde se poderá comprar de tudo e até medicamentos.

O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Jorge Correia: - Tenho estado a ouvir com muita atenção as reputadas palavras de V. Ex.ª Nem deixar de ser assim, vindas de um grande professor da Faculdade de Farmácia do Porto.
Como médico, porém, tenho uma palavra a dizer, precisamente neste momento. Nenhum médico pode considerar a farmácia como um estabelecimento comercial quer, como uma mercearia ou uma drogaria, por exemplo. Nenhum médico, com a consciência dos seus deveres e das suas obrigações, pode considerar a farmácia um estabelecimento comercial.
Há aspectos a salvaguardar-aspectos de ordem e aspectos de ordem sanitária Por consequência, a minha posição nesta Câmara, quero desde já afirmar ser absolutamente contrário a qualquer tese que queira que a farmácia seja considerada um estabelecimento comercial.
Tem, pois, V. Ex.ª muita razão Possivelmente a fazer outras considerações, mas, neste momento, rei por aqui a farmácia não pode ser considerada um estabelecimento comercial.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Agradeço as palavras de V. Ex.ª, e, na sequência das considerações que vou ainda fazer, ocupar-me-ei exactamente do mesmo problema, mas, desde as palavras valiosas de V. Ex.ª são ainda muito mais valiosas, por virem exactamente de um médico, uma profissão afim da do farmacêutico, e que melhor que ninguém poderá apreciar.
Só assim poderá pensar quem desconheça que a segurança do doente exige que os medicamentos fornecida mesmo quando não preparados pelo farmacêutico na sua farmácia, sejam entregues com as mesmas precauções e as mesmas garantias de uma preparação magistral.
E não será inoportuno citar mais uma vez as palavras esclarecidas do presidente do Conselho Nacional da Ordem dos Farmacêuticos Franceses, no seu artigo «La Pharmacie, Profession Libérale» «A venda de medicamentos um aspecto especial que impede que ela seja comparada à venda de artigos de outra natureza.

O Sr Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - Há os aspectos científico, técnico e comercial, mas a matéria manipulada tem ainda um carácter peculiar Não conta apenas como matéria, quer dizer, como mercadoria, é matéria humanizada pelo seu destino, não pode ser valorizada na medida do dinheiro, mas na do sofrimento que vai aliviar»

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O instrumento de trabalho do farmacêutico é a farmácia Diz-se que actualmente se manipula muitíssimo menos nas farmácias, mas mesmo assim, em escala maior ou menor, continua a oficina de farmácia a fazê-lo, e a lei exige até, e muito bem, que continue a oferecer condições para isso.

O Sr Jorge Correia: - E neste momento está a manipular-se mais.

O Orador: - Embora a função e importância da indústria farmacêutica, na produção de medicamentos que, pela sua complexidade e delicadeza, não podem ser preparados na oficina de farmácia, seja indiscutível, não resta dúvida de que o emprego de medicamentos manipulados, portanto de preparação recente e adaptado a cada caso, é uma solução terapêutica que, em vez de se considerar desactualizada, deve antes ser encarada como vantajosa e, em muitos casos, preferível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Várias individualidades se têm pronunciado neste sentido e, embora a tal respeito pudesse citar a autorizada opinião do Prof. Bissaia Barreto, permitimo-nos neste momento apenas recordar as declarações feitas à Revista Portuguesa de Farmácia, em 25 de Novembro de 1962, pelo então Ministro da Saúde e Assistência, Dr Martins de Carvalho.

Com isto não se quer dizer que muitos medicamentos não possam e devam ser produzidos em série, apenas se quer dizer que se está abusando do sistema (e introduzindo nele aspectos de mera publicidade perante as massas, que se têm revelado inconvenientes - basta citar o exemplo dos tranquilizantes) e que muitos congressos internacionais de medicina e até departamentos da Organização Mundial de Saúde se estão insurgindo cada vez mais contra os malefícios do método actual.
Não se pensa (nem seria possível) desconhecer os benefícios da produção em série, apenas se deseja que os médicos voltem a saber receitar, a fim de que o produto industrializado seja o de primeira linha e portanto o que resolve a maioria dos casos, mas se lhe siga, quando necessário, o medicamento específico para aquele doente, naquele caso concreto, quando o produto de primeira linha não foi suficientemente eficaz.

Assim se pensava e pensa no departamento responsável pelos problemas da saúde pública, que fez publicar recentemente um extenso e valioso suplemento à Farmacopeia e o primeiro grande formulário geral dos hospitais centrais e onde se está a desenvolver trabalho intensivo na elaboração de um formulário nacional, cuja publicação se aguarda para breve.
Servem estas referências para pôr em evidência o papel que sempre esteve e continuará a estar reservado à farmácia de oficina, que deve ser para o farmacêutico um dos seus primeiros objectivos Ora, se assim é, como se compreenderá o exercício de tão delicada actividade se a farmácia não for integralmente orientada por uma consciên-

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cia profissional, que, aliás, só os farmacêuticos possuem? Por outro lado, e de passagem o acentuamos pela sua actual relevância, a vida real vai-nos revelando factos deploráveis relacionados com «imprudências cometidas na venda de antibióticos, de tranquilizantes, de abortivos, de estupefacientes e outros produtos mais, de modo que não falta quem comece a sentir natural inquietação em face dos perigos ligados à ampla liberdade no exercício da actividade farmacêutica e a desejar que a profissão seja encarada com um renovado espírito», o que muito dependerá das futuras normas a adoptar.

O Sr. Costa Guimarães: - V. Ex.ª a dá-me licença?

O Orador - Faz obséquio.

O Sr. Costa Guimarães: - Estou a ouvir encantado as considerações brilhantíssimas de V. Ex.ª, como outra coisa não era de esperar, em relação a um problema que a todos nos preocupa. Quanto a num, há que destrinçar entre dois conceitos, seja entre a garantia da absoluta independência do mister técnico que ao farmacêutico compete e a divisibilidade da propriedade da farmácia. Não podemos dissociar determinados conceitos. À propriedade subentende um conceito que lhe anda sempre ligado e que é o da exploração da mesma, ou o rendimento que podemos obter da referida propriedade. De outra forma, será utópico possuir a propriedade Ora eu pergunto a V. Ex.ª se, sendo-se utente de uma propriedade, não está implicitamente na intenção daquele a devida exploração de obter o melhor rendimento. Liga-se, portanto, a propriedade o um aspecto comercial Se não houver esta preocupação comercial, poderá ser-se um magnífico técnico, mas a empresa falhará.

O Orador: - Creio que V. Ex.ª não saberá o que tenho na sequência das minhas considerações Talvez tenha a resposta mais adiante e em parte já a teve nas minhas anteriores considerações.

O Sr Burity da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador - Faz obséquio.

O Sr Burity da Silva: - V. Ex.ª aludiu há pouco n questão dos antibióticos e outros produtos, aos erros cometidos e à falta de consciência com que eles são vendidos V. Ex.ª pode, decerto, explicar-me se a farmácia pode vender esses produtos sem receita médica.

O Orador: - Eu não venho, nem foi minha intenção, na maneira como elaborei este discurso, vir, como sói dizer-se, lavar roupa suja Mas entretanto podia satisfazer a curiosidade de Ex.ª, porque estou perfeitamente documentado, e muitos outros exemplos podia citar, inclusivamente com uma fotocópia que aqui tenho. Se V. Ex.ª for à Inspecção do Exercício Farmacêutico fazer-lhes a pergunta, eles com certeza que lhe poderão mostrar um dossier bastante completo
No entanto quero apenas referir a V. Ex.ª um facto que explica tudo
Isto passou-se com uma pessoa de alta responsabilidade ligada à Direcção-Geral de Saúde e à Inspecção do Exercício Farmacêutico, portanto V. Ex.ª não duvida da afirmação que faço, e eu apenas indico este pormenor para que V. Ex.ª o possa rectificar. Ainda há bem pouco tempo que essa pessoa de grande responsabilidade entrou numa farmácia - aqui em Lisboa - para comprar um determinado medicamento Nessa altura entrou também um outro cavalheiro que se dirigiu à pessoa que o atendeu, que aliás estava de bata branca, e pediu um determinado produto. A pessoa que o atendeu perguntou-lhe se trazia receita médica.
Perante a resposta negativa, a pessoa que atendeu o tal cavalheiro respondeu que não podia vender o produto sem receita médica, ao que aquele respondeu ter já comprado aquele produto sem receita e que, portanto, lhe podia fazer esse favor, tanto mais que na altura não podia providenciar no sentido da obtenção da receita médica indispensável. Travava-se este diálogo quando chegou um senhor, que não trazia bata branca, e inquiriu do que se estava a passar Posto ao corrente do facto que se estava a passar, disse que entregasse o medicamento ao cliente, e foi buscar o produto. Tratava-se de um abortivo, e esse senhor, de que digo a V. Ex.ª o nome se quiser, teve que se identificar para impediu a venda do produto.
Devo acrescentar que a senhora de bata branca era por acaso - e digo por acaso porque às vezes até lhes pagam para lá não estar- a farmacêutica que dava o nome à farmácia e o senhor que queria fazer a entrega do produto era o proprietário da farmácia. Isto é um exemplo, que V. Ex.ª, se se quiser dar ao trabalho, pode verificar na Inspecção do Exercício Farmacêutico.

O Sr Burity da Silva: - Depois das considerações de V. Ex.ª chego à conclusão de que a questão está, afinal, na forma como a autoridade responsável conduz o problema.

O Orador: - A coisa está como se disse.
Sr. Presidente Na medida em que se pretendesse arredar o farmacêutico do lugar que lhe compete e onde tem a obrigação de permanecer, estaríamos a criar entre os jovens o desinteresse por uma carreira de indiscutível importância sanitária, o que traria as mais graves repercussões num futuro próximo, fenómeno que aliás se começa a esboçar «em consequência do desinteresse dos estudantes por um curso que não lhes proporciona senão uma reduzida possibilidade de serem senhores do seu destino e do livre exercício da profissão que escolheram». E será agora caso para perguntar é realmente isto que convém ao interesse público e à saúde do povo português? Ora, quando se reconhece que a saúde pública e a sociedade só terão a lucrar com a existência de farmacêuticos dignos, de profissionais com formação universitária, que saibam compreender e respeitar os princípios morais e deontológicos, é deveras chocante observar como na prática tais necessidades são esquecidas ou desrespeitadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tem-se dito que o acto médico é uma consciência ao serviço de uma ciência, pois o acto farmacêutico é inequivocamente o seu complemento, dadas as mesmas finalidades e os mesmos deveres morais que os envolvem.

O Sr Costa Guimarães: - Nesse ponto, absolutamente de acordo.

O Orador: - Na proposta que o Governo submete à Assembleia Nacional, o princípio básico que presidiu à redacção do Decreto-Lei n º 23 422, de 1933, de que «nenhuma farmácia pode estar aberta ao público sem que o farmacêutico, seu director técnico, seja seu proprietário», é de novo consagrado com igual vigor, os motivos fundamentais que levaram o Governo a sentir a necessidade de, volvidos 31 anos sobre a publicação do

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Decreto-Lei n º 23 422, se debruçar de novo sobre o problema, foram claramente explicados no primitivo projecto de proposta e ajustam-se perfeitamente à justificação desta, resultando afinal dos meios insuficientes previstos no referido decreto de 1933, com o fim de evitar a sua violação, de modo que, como fruto inevitável Ide uma longa série de actos fraudulentos praticados com o recurso a variadas formas de simulação, as situações irregulares têm vindo a multiplicar-se ao longo dos últimos 31 anos.
Não é possível, como se compreende, saber-se qual o número de farmácias que se encontram em condições irregulares, dada exactamente a forma simulada como as fraudes foram praticadas. O que importa é debruçarmo-nos sobre esta chocante realidade e apreciarmos a decisão do Governo em pretender obter um instrumento jurídico que, «embora moldado à necessidade de resolver por forma humana e justa as situações contrárias ao mesma princípio da indivisibilidade, lhe permita impor e assegurar eficazmente o respeito pelo princípio básico de que a propriedade de farmácia deve ser reservada para os farmacêuticos»
É evidente, como escreveu um distinto jurista, filie se ao farmacêutico apenas fosse assegurado o direito ao emprego, como gerente técnico, numa farmácia modesta (e modestas, sob o ponto de vista económico, são, munia esmagadora maioria, as farmácias portuguesas), em que o seu ordenado mensal não poderá deixar de ser mente inferior ao de outros técnicos de categoria comparável, cedo começaríamos a verificar que não disporíamos mas de diplomados em número suficiente para satisfazer sequer a exigência legal de que toda a farmácia há-de ser gerida tecnicamente por um farmacêutico.
A actividade farmacêutica de forma alguma poderá à mercê dos que julgam encontrar no comércio dos respectivos produtos medicamentosos largas possibilidades de boa remuneração dos seus capitais, pelo que ardentemente desejariam, em muitos casos facilmente explicáveis, através de uma cadeia de farmácias e apoiados em campanhas publicitárias de grande estilo, «domicar como disse o Ministro da Saúde Dr. Martins de Carvalho - o mercado dos produtos medicamentosos (sempre de consumo largamente assegurado) comprando um número de farmácias que os técnicos dizem bastar ser de um terço para se controlar suficientemente sector de uma actividade nacional».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, como já atrás e por outras palavras afirmámos e valendo-nos agora do que alguém escrever «o que se afirma é que o farmacêutico exerce uma actividade comercial de natureza especial e em estreita ligação com a prática de outros actos próprios de categoria profissional, cuja natureza, tendo em conta qualidade de quem os pratica e as especiais condições de independência e liberdade em que devem ser praticados caracterizam o exercício de uma profissão liberal»
De resto, quer a lei civil e criminal, quer as regras deontológicas, impõem responsabilidades no exercício actividade desenvolvida na farmácia que só podem se efectivamente «exigidas de farmacêuticos que, no exercício da sua profissão, disponham da sua inteira independência ou liberdade de acção»
Deste modo, sempre que esta independência e esta liberdade estivessem coarctadas pela sua dependência de outrem ou, mais claramente, pela sua sujeição às ordens e instruções do seu patrão, aquele «a quem tanto se exige, a começar por um curso superior, um único direito se confere no preciso momento em que são postos em causa os seus conhecimentos técnicos e científicos ou os escrúpulos da sua consciência de profissional responsável o direito de se despedir»

O Sr. Cândido de Medeiros: - V. Ex.ª disse independência. Eu permito-me acrescentar independência e assiduidade.

O Orador: - Tal situação, e supomos que não haverá duas opiniões, seria lamentável e insustentável.
Sr. Presidente Sentimos que, embora muitos outros aspectos do presente projecto de lei merecessem um comentário da nossa parte, não devemos alongar mais esta exposição. Reservando-nos para apresentar algumas objecções respeitantes a assuntos de pormenor, embora com a maior importância, quando este projecto for discutido na especialidade, queremos manifestar desde já a nossa inteira concordância com a doutrina de base que na generalidade o informa Pode talvez parecer a quem considera o carácter deste princípio que são talvez excessivos os direitos que ele concede ou, melhor, que ele continua a conceder Queremos no entanto afirmar aqui que não é nosso intento a obtenção de direitos sem obrigações e aproveitamos este ensejo para dirigir a S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência o mais instante pedido de que seja completamente revista, como aliás sabemos que se está a fazer, a legislação farmacêutica, regulando nos seus vários e importantes aspectos o exercício da farmácia, de modo a tornar efectiva a direcção técnica e a tornar possível uma severa disciplina profissional

Vozes: - Muito bem!

O Orador - Do mesmo modo voltamos a apelar para o Sr. Ministro das Corporações para que seja aprovado o projecto do Estatuto Corporativo, que o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos enviou, já lá vão quase nove anos, ao respectivo Ministério, cujo estudo sabemos, estar concluído.
Exige-o não apenas o interesse público, mas o próprio futuro da farmácia no nosso país, sinceramente ameaçado pelos desvios que boje nela se verificam e são em grande parte consequência da falta de um estatuto deontológico, mas também da regulamentação insuficiente e da excessiva brandura, voltamos a repetir, da Administração. Tais causas conduziram a isso, mas a farmácia portuguesa contém em si força e virtude suficientes para enfrentar essas responsabilidades E que assim é bastará atentar nas manifestações de carácter científico e profissional verificadas nos últimos vinte anos, e se acentuaram mais ainda nos anos recentes, traduzindo um desejo de valorização deveras notável que reúne num mesmo esforço comum o ensino e a profissão, através da participação dos professores e dos farmacêuticos, tanto da indústria como da oficina, do laboratório de análises ou dos hospitais.
Dessas manifestações seja-nos permitido destacar a série de congressos luso-espanhóis de farmácia, que tiveram lugar em Madrid, no Porto e em Santiago de Compostela, e as I, II e III Jornadas Farmacêuticas, levadas a efeito, respectivamente, no Porto, Coimbra e Lisboa, nos anos de 1962, 1963 e 1964, com uma participação crescente de farmacêuticos e uma afluência de trabalhos de laboratório que constitui uma verdadeira demonstração pública de indiscutível maturidade e capacidade.
A todas essas manifestações que aludimos presidiram ilustres membros do Governo, e não podemos deixar de

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registar aqui as inequívocas palavras que tivemos a satisfação de lhes ouvir, e não traduziram apenas a impressão favorável que o nível dessas manifestações lhes deixou, mas muito particularmente a surpresa que perante elas experimentaram
E que, Sr Presidente, no domínio da nossa profissão há factos novos a registar, factos que permitem alimentar as mais fundamentadas esperanças de uma verdadeira e profunda renovação profissional se o Governo, como temos provas evidentes e claras diante de nós, quiser fornecer à classe farmacêutica os meios indispensáveis para o conseguir Estão agora, face a face, duas orientações, duas soluções para o problema farmacêutico Ou a farmácia com o farmacêutico - a traduzir-se neste esforço de renovação e tendo como objectivos o bem comum, como o Governo demonstra claramente desejar-, ou a farmácia sem farmacêutico, a farmácia do comerciante - a traduzir-se em lucro pessoal como todo o comércio, a tender fatal e inexoravelmente para a comercialização total, para o domínio do trust ou dos grandes interesses económicos, como certas, embora raras, opiniões de duvidosa inspiração, aparecidas ultimamente, parece advogarem.
A Assembleia- Nacional dirá a sua palavra e decidirá!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Marques Fernandes: -Sr Presidente, Srs Deputados. Começarei por dizer que é preciso ser-se atrevido para falar imediatamente a seguir ao Sr. Prof. Nunes de Oliveira Não o pretendi, mas assim calhou.
No que respeita à propriedade de farmácia, logo de início surge a questão de saber se a sua pertença deve ou não ser atribuída a um diplomado e só a um diplomado em Farmácia.
E aquilo que se designa por indivisibilidade da propriedade de farmácia e gerência técnica ou regime de liberdade na sua aquisição.
Creio ser este o principal pomo de controvérsia, já que todos estão de acordo em que à frente de cada farmácia deva estar um técnico diplomado.
Atentemos um pouco a apreciar a argumentação invocada na defesa do que nos vai parecer servir melhor o interesse colectivo.
Gosto da liberdade, sou pela liberdade, mas reconheço que só tem direito a ela quem dela fizer uso condigno, bom uso.
De outro modo, sou antiliberal, porque do seu mau uso, e tantas vezes abuso, resulta precisamente a falta de ordem e de disciplina, que não tolero, não tanto por mim - habituado a tudo -, mas pela sociedade que me esforço por servir, dentro das minhas fracas possibilidades, no campo espiritual e no campo material

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com ou sem diploma - dizem os defensores do princípio liberal -, a todo o homem se deve permitir ser dono e senhor de uma farmácia
Para tanto invocam os sagrados princípios do direito da propriedade a que todos devem ter acesso.
Creio ser este o argumento base que no fundo se relaciona com a tal liberdade, bem ou mal usada.
O Mundo atravessa um momento que a história jamais esquecerá a subordinação do individual ao social, do particular ao colectivo.
Assim, na nossa legislação a cada passo topamos com limitações ao direito de propriedade, através das quais se deixa ver o domínio do interesse geral sobre o interesse individual.
São tantas e tão variadas essas limitações que a sua simples enumeração ocuparia largas folhas e o seu estudo aprofundado daria matéria para larguíssimo número de volumes.
Desde o não dizer que não à colocação de simples postes transportadores de linhas eléctricas até às necessidades da Junta Autónoma de Estradas, etc. , no que respeita a prédios rústicos e nas exigências dos centros urbanos, respeitantes a ..., instalações higiénicas, etc. , até às próprias expropriações, tudo é dominado pelo interesse colectivo, a despeito do interesse individual.
A própria Constituição Política o proclama, como se deixa ver, por exemplo, do artigo 35 º, que diz.

A propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação económica e solidariedade, podendo a lei determinar as condições do seu emprego ou exploração conforme com a finalidade colectiva.

Também o artigo 13 º do Estatuto do Trabalho Nacional afirma.

O exercício dos poderes do proprietário é garantido quando, em harmonia com a natureza das coisas, o interesse individual e a utilidade social, expresso nas leis, podendo esta sujeitá-lo às restrições que sejam exigidas pelo interesse público e pelo equilíbrio e conservação da colectividade

Na Lei n º 2005, de 14 de Março de 1945, a base IX permite ao Governo impor a concentração industrial quando reconhecer a insuficiência das restantes formas de organização, etc.
Para terminar com citações, direi ainda que a Lei n º 2030, de Julho de 1948, prevê a expropriação por causa de utilidade pública, prevista na lei, mediante o pagamento de justa indemnização.
Tudo isto, e tanto mais que se podia dizer, a fazer lembrar o cantochão em ofícios de corpo presente ao velho direito de propriedade, que, de absoluto que foi, desceu - e muito bem - para um plano bem relativo.
E do outro lado que se diz?
O orador que acabámos de ouvir, com tanto gosto, em termos convincentes mostrou já a vantagem do regime de indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica
Poucas palavras, pois.
As garantias dadas à defesa da saúde pública, por mais insignificantes que se nos afigurem - e não é esse o caso -, são sempre de aproveitar meticulosamente
Que importa que estejam calculados só em 5 por cento os remédios manipulados?
Para quê desperdiçar essa percentagem?
Em tão momentoso problema, intimamente ligado à saúde pública, nada se pode nem deve perder Tudo deve ser aproveitado no sentido do fortalecimento da raça ao serviço da saúde pública.
Em questões de saúde não há coisas de pouca valia Por outro lado, nos tempos que passam, em que os princípios da moral cristã andam tão abandalhados, faz-se mister que à frente de uma farmácia se encontre um técnico, cônscio das suas responsabilidades, que se oponha terminantemente à venda de remédios tóxicos, abortivos ou estupefacientes que envenenem e matem as virtudes das almas e os energias dos corpos

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Creio que um proprietário farmacêutico diplomada Ida mais garantias da independência precisa para - sem ter de dar satisfações a capitalistas, sócios ou proprietários - pôr os valores morais respeitantes à saúde pública acima, e muito acima, do espírito lucrativo.
De igual modo, é evidente o perigo de elevação dos próprios preçários se vier a verificar-se a circunstância de entidades produtoras assumirem simultaneamente a função de fornecedoras directas do público.
Para aumento do custo de vida vai chegando o que se está a verificar.
Finalmente - não vale a pena insistirmos mais, seria chover sobre o molhado -, assim como as outras classes sociais procuram valorizar-se, igual direito assiste a quem tendo um curso superior, conferido por uma Faculdade universitária, procura defender-se e prestigiar-se.
Esse prestígio e essa defesa consistem precisamente usarem o curso para que foram habilitados, sendo proprietários e gerentes técnicos de uma farmácia. Para isso estudaram e, consequentemente, justo é que cada qual exerça as funções concernentes à profissão escolhida quaisquer embaraços.
A garantia de só um diplomado poder ser proprietário de uma farmácia prestigia e dignifica, ao mesmo que garante o futuro de quem se esforça por vencer vida no ramo farmacêutico.
Por tudo quanto deixo dito, e mais ainda pelo que foi permitido ouvir ao nosso distinto colega Dr. Nunes de Oliveira, votarei a favor da indivisibilidade da propriedade de farmácia e da sua gerência técnica.
Outro problema, de igual modo importante, consiste na apreciação da situação dos actuais proprietários de farmácias não diplomados.
Parece que dentro deste problema se poderão ene duas situações diferentes.

1.ª A daqueles que se estabeleceram antes de Dezembro de 1933, em situação anterior ao Decreto n.º 23 422,.
2.ª A situação respeitante aos estabelecimentos posteriormente àquela data e àquele decreto.
Quanto aos primeiros, bem se pode invocar a doutrina dos direitos adquiridos.
Estabeleceram-se legalmente ao abrigo de disposições que lhes permitiam ser proprietários de uma farmácia que manter essas disposições, dignas de toda a
Protecção.
De outro modo, cairíamos num lamentável despotismo através do qual nos aproximaríamos da intranquilidade da falta de segurança nos próprios direitos, que, em certo momento histórico, a lei confere.
Quanto aos segundos, adquiriram uma situação que lei não permitia alcançar, desrespeitando os princípio legais ao tempo em vigor Por tal motivo, nada podei invocar a seu favor e, por isso, não merecem qualquer protecção.
Quem não cumpre os preceitos legais em vigor - bons ou maus, não interessa - sujeita-se às consequências desse não cumprimento.
No entanto, a generosidade da proposta governamental manifestada na base 12 m, permite que permaneçam a situação em que se encontravam até que se verifique transmissão de 60 ou 50 por cento do valor da própria farmácia, conforme a aquisição da mesma haja resultado ou não de herança legitimaria Embora pareça e real mente seja exagerada a generosidade com que são tratados os adquirentes de farmácias por qualquer título diferente do herdeiro legitimário, embora mesmo pareça que são premiados, quando deviam ser punidos, nunca a generosidade pode ser criticada com a mesma garra que o rigorismo excessivo.
Só quem tem virtudes usa de generosidade, quem as não tem serve-se do tal exagerado rigor, que vive paredes-meias com o ódio e a vingança.
Já a situação dos herdeiros legitimários, em que o de cujus ascendente, sabe Deus, tantas vezes, com que sacrifícios procurou, através das suas actividades farmacêuticas conseguir a manutenção da esposa e dos filhos, merece ser - encarada com menos rigor e mais brandura.
Se a generosidade dos princípios legais tem sempre justificação, neste caso, mais que em qualquer outro, se considera verdadeiramente aceitável.
Estou chegado ao fim desta minúscula intervenção, que outro mérito não teve que não seja o de reforçar princípios já expostos com clareza e decisão por quem, melhor que eu, está dentro do assunto versado e melhor que eu o sabe equacionar e resolver.
Assim, pois, dou o meu voto na generalidade à proposta de lei sobre a propriedade de farmácia, segundo a redacção que lhe foi dada pelo ex-Ministro da Saúde e Assistência Dr Martins de Carvalho, agora remodelada pelo actual Ministro, Francisco Pereira Neto de Carvalho.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão O debate continua amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas

Srs Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.Alexandre Marques Lobato.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D Maria Irene Leite da Costa.
Paulo Cancella de Abreu.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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Srs Deputados que faltaram à sessão.

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António da Purificação Vasconcelos baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Fernando António da Veiga Amaral.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

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