Página 4397
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
ANO DE 1965 28 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 181, EM 27 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - No sumario do Diário das Sessões n.º 179, de 23 de Janeiro de 1965, onde se lê «Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 178», deve ler-se «Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 174» E na p 4358, onde se lê «Esta na Mesa, para reclamação, o n.º 175 do Diário das Sessões», deve ler-se «Está na Mesa, para reclamação, o n.º 174 do Diário das Sessões».
SUMARIO: - O Sr, Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Quirino Mealha, para um requerimento, Lopes Roseira, também para um requerimento, Agostinho Cardoso, para se referir à recente viagem do Ministro da Economia a Madeira, e Paulo Cancela de Abreu, que insistiu pela remessa de elementos há tempos requisitados ao Ministério das Comunicações.
Ordem do dia. - Continuou, a discussão na generalidade da proposta de lei da propriedade da farmácia.
Usavam da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, Elísio pimenta, Homem Ferreira, Alves Moreira e Sales Loureiro.
O Sr Presidente encerrou a sessão as 18 horas e 15 minutos.
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs Deputados.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo
Alberto dos Beis Faria.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Fana.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benohel Levy.
Página 4398
4398 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
Carlos Alves
Carlos Emílio Tenreiro Teles Gruo
Carlos Monteiro do Amaral Neto
D Custódia Lopes
Délio de Castro Cardoso Santarém
Domingos Rosado Vitória Pires
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Cid Oliveira Proença
Francisco António Martins
Francisco António da Silva
Francisco José Lopes Roseira
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro
Henrique Veiga de Macedo
Jacinto da Silva Medina
Jerónimo Henriques Jorge
João Mendes da Costa Amaral
João Ubach Chaves
Joaquim de Jesus Santos
Joaquim José Nunes de Oliveira
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho
José Augusto Brilhante de Paiva
José Fernando Nunes Barata
José Manuel da Costa
José Manuel Pires
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José Monteiro da Bocha Peixoto |
José Pinto Carneiro
José dos Santos Bessa
José Soares da Fonseca
Júlio Dias das Neves
Luís de Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela de Oliveira
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Nunes Fernandes
D Maria Irene Leite da Costa
D Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário de Figueiredo
Olívio da Costa Carvalho
Paulo Cancella de Abreu
Quirino dos Santos Mealha
Bui de Moura Bamos
Sebastião Garcia Bamires
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas
Virgílio David Pereira e Cruz
O Sr Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 25 minutos
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários, reprovando a intervenção do Sr. Deputado Nunes de Oliveira,
Vários, reprovando a intervenção do Sr Deputado Marques Fernandes,
Vários, reprovando a intervenção da Sra. Deputada O Custódia Lopes,
Vários, aprovando o projecto do Governo sobre a propriedade da farmácia,
Vários, apoiando as intervenções dos Srs. Deputados que defendem a propriedade da farmácia pelos farmacêuticos,
Vários, apoiando as intervenções dos Srs. Deputados Nunes de Oliveira e Marques Fernandes,
Vários, apoiando as intervenções dos Srs. Deputados D Custódia Lopes, Folhadela de Oliveira, Costa Guimarães e Burity da Silva.
O Sr Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr Deputado Quirino Mealha
O Sr Quirino Mealha: - Sr Presidente Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
"No uso das atribuições conferidas pelo n º 1 º do artigo 96 º da Constituição e alínea c) do artigo 11 º do Regimento, formulo ao Ministério do Interior, no que respeita à Câmara Municipal de Portimão, e ao Ministério das Obras Públicas as seguintes perguntas
a) Quais os fundamentos, designadamente o critério urbanístico, que levaram ao deferimento da localização de cada um dos edifícios que estão a ser construídos na Praia da Rocha destinados a hotéis,
b) Quais as informações, pareceres, despachos e deliberações das entidades oficiais que tiveram de intervir até à aprovação, inclusive, no processo respeitante ao edifício sobranceiro à praia da mesma localidade destinado ao Hotel Algarve, da Sociedade de Investimentos Imobiliários da Praia da Bocha"
O Sr Lopes Roseira: - Sr Presidente Pedi a palalavra para apresentar o seguinte
Requerimento
"Requeiro que, pelos serviços competentes do Ministério do Ultramar, me seja respondido, tão breve quanto possível, ao seguinte questionário
a) Quantos desembargadores se encontram adidos, aguardando vaga para ingresso no seu quadro?
b) Quantos juizes de 1ª instância se encontram em comissão judicial que pudesse ser exercida por desembargadores?
c) Qual o tempo durante o qual esses juizes de 1ª instância, em comissão judicial, prestaram efectivo e concreto serviço em tribunais judiciais do ultramar, como juizes, descontadas as viagens, licenças e quaisquer comissões?
d) Quantos lugares de juizes de 1ª instância estão vagos ou ocupados por juizes interinos?
e) Qual o número de processos da jurisdição do trabalho que subiram, em recurso, ao Tribunal da Relação de Luanda no ano de 1964?
f) Não havendo desembargadores nos tribunais de 2ª instância do contencioso das contribuições e impostos da metrópole, como se justifica regime diferente no ultramar?
Página 4399
28 DE JANEIRO DE 1963 4399
g) Qual é a proporção entre o número de desembargadores em efectividade e o de juizes de 1.º instância no ultramar, para se poder comparar com a da metrópole?
h) Encara-se, porventura, a hipótese de constituir um tribunal administrativo só com desembargadores em comissão?
i) Quantos processos do contencioso foram distribuídos no ano de 1964 ao Tribunal Administrativo de Angola?
j) Houve atrasos nos processos que possam atribuir-se a algum ou alguns vogais, indicando se vogais magistrados ou não e qual a causa dos atrasos?
l) Qual a gratificação, líquida, que é paga a cada vogal do mesmo Tribunal?
m) Quanto tem custado, em cada mês, ao Estado a remuneração aos membros do Tribunal Administrativo de Angola e quanto custará se o mesmo for constituído por magistrados em comissão?.".
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Regressou há três dias da Madeira, onde permaneceu durante uma semana, em aturado estudo dos problemas económicos locais, o Sr. Prof. Teixeira Pinto, ilustre Ministro da Economia. Em nome dos Deputados eleitos pelo círculo do Funchal honro-me em exprimir nesta Assembleia a gratidão do povo do meu arquipélago por esta visita no significado e oportunidade que reveste e nos resultados em perspectiva - agradecimento que envolve o Ministro, o Governo da Nação e particularmente o Sr. Presidente do Conselho, sempre atento às necessidades do povo madeirense, até porque não é estranha a seus olhos a fisionomia da gente e da paisagem da ilha.
É que a visita do Sr. Prof. Teixeira Pinto, há algum tempo pelo governo do distrito e seus Deputados insistentemente pedida, efectuou-se na hora própria - aquela em que a Madeira foi considerada pelo Governo como das regiões onde há a fomentar o turismo de estada, indústria que na escala e na permanência convenientes obriga para ser rentável a condições de especifidade que ali encontram óptima expressão e seculares tradições.
Ao percorrer a ilha e contactar com os seus habitantes pôde o Sr. Ministro da Economia verificar, na observação directa dos factos, iluminados pelo ambiente local, a razão daqueles que, havendo um dia sido chamados a responsabilidades públicas, sentem justificadas preocupações em face do problema - síntese de todos os problemas da Madeira: a nossa pletora populacional, numa insularidade que se opõe a suficiente industrialização, e o advento do turismo como único caminho promissor por que teve de optar-se, mas que é ladeado de alguns perigos seguramente conjuráveis com uma forte e imediata estruturação agro-económica.
Esta função do turismo como factor de progresso que o Governo em boa hora promove e de que havia há muito esclarecida intuição na consciência colectiva dos Madeirenses intervém assim como agente catalisador e estimulante de desenvolvimento económico.
A afirmação de tais ideias não significa esmorecimento no entusiasmo ou expressão de restrições e dúvidas, antes uma afirmação de fé na potencialidade da terra, para que tem de olhar-se, e do homem, cujo esforço tem de pedir-se. E, neste aspecto, o esforço do homem madeirense, arroteando, irrigando e dando estrutura agrícola à floresta primitiva em 500 anos de luta com a Natureza, é penhor do que se lhe pede e do que dele se espera em face dos novos rumos da economia madeirense, inseparável aliada do turismo que aí vem. E às dificuldades que a técnica possa encontrar há sempre a responder que a vontade do homem, como aqui já uma vez foi lembrado, transformou em nossos dias Israel de árido deserto em fértil terreno.
É à terra e ao homem madeirense, com efeito, que tem de pedir-se - sob a égide do Governo, a direcção dos seus técnicos e a ajuda de Deus - o esforço basilar e imediato que acompanhe e alicerce o turismo, criador de riqueza e de divisas, factor de desenvolvimento da iniciativa particular e da subida de nível de vida das populações, para que dele se obtenham compensadores benefícios. Parece-me poder enquadrar estas considerações no que a tal respeito afirmou o Sr. Ministro da Economia na conferência com a imprensa do Funchal.
Ao agradecer-lhe a visita à Madeira, pelo que dela esperamos na orientação, equacionamento ou solução imediata dos diversos assuntos estudados, salienta-se um aspecto importante de que se revestiu: ter-se feito acompanhar o Ministro de um grupo de dirigentes do seu Ministério, que constitui notável elite de técnicos, e ter ouvido largamente os que desejaram expor os seus pontos de vista e os organismos responsáveis pelas actividades locais.
Considero isto garantia da execução das decisões tomadas, do prosseguimento e continuidade dos estudos iniciados e do permanente contacto a manter-se de futuro entre os elementos de trabalho locais, por um lado, o Gabinete do Ministro e os serviços do Ministério, por outro.
Das declarações feitas na Madeira pelo Sr. Prof. Teixeira Pinto parece-me poder concluir que a obra a realizar ali tem de contar com o esforço e a iniciativa madeirenses, sob o apoio, a assistência e a orientação dos serviços do Ministério da Economia; que é grande a importância a atribuir à formação profissional e à instrução no campo agrícola, como fora dele, dadas as condições sociais da população; que há urgência no planeamento do desenvolvimento económico e na coordenação das actividades económicas; que é de não esquecer os valores espirituais e humanos, objectivo último das realizações económicas. Há necessidade, disse o Ministro, de a lavoura madeirense, "pobre e pequena", se organizar sob todas as formas associativas que possa encontrar "para poder enfrentar as realidades da vida", que normalmente são embates com organizações mais poderosas.
Não esqueço quanto impressionaram o Ministro certos aspectos da agricultura, nomeadamente a colónia, à qual vejo com satisfação referência no projecto de proposta de lei sobre orientação agrícola que vai ser submetido pelo Governo à Assembleia Nacional. Na progressiva solução deste problema a Junta de Colonização Interna poderá continuar uma eficaz e generosa actuação já iniciada na Madeira.
Devo acentuar um pormenor da visita do Sr. Prof. Teixeira Pinto, cuja capacidade de percepção e decisão, acolhimento franco a todas as opiniões e propósito sincero de encontrar imediatas e justas soluções conquistaram a simpatia da população - devo acentuar, dizia - a conferência realizada na Assembleia Comercial.
Ali o Ministro, com método e clareza notáveis, analisou alguns problemas actuais da"economia nacional e condicionalismos, fundamentos e linhas gerais na sua orientação numa admirável lição que permitiu aos Madeirenses tomarem conhecimento de aspectos importantes da economia do País.
E eis, Sr. Presidente, as razões por que vim trazer à Assembleia Nacional a congratulação da gente madeirense por esta visita ministerial, índice do interesse do Governo pela Madeira no importante momento que atravessa. "Et que os Madeirenses têm a convicção de que ela representou um marco nas suas perspectivas económicas
Página 4400
4400 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
o um ponto de partida para a nova fase que se desenha quanto ao seu progresso, fase na qual o desenvolvimento económico tem de correr parelhas com o desenvolvimento turístico, um e outro postos ao serviço da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Por mais paradoxal que pareça, pedi a V. Ex.ª a palavra para dizer-lhe e à Assembleia que não falo. Não falo, agora, sobre o aumento das taxas e tarifas telefónicas. Não falo porque só costumo fazê-lo com completo conhecimento de causa, a fim de poder procurar a verdade onde ela se encontre e fazer justiça a quem a mereça.
Ora, para este objectivo, faz-se mister que, pelo Ministério das Comunicações, sejam enviados os documentos e as informações que requisitei em dois requerimentos, o segundo dos quais se destinou a reduzir e simplificar o primeiro, que data de há mais de dois meses.
O aumento das taxas e tarifas, e mesmo também o modo como vai processar-se a reversão para o Estado da exploração da rede e dos valores da companhia concessionária são casos mais sérios e importantes do que, à primeira vista, se afiguram, e por isso não devo desistir de tratá-los. Tanto mais que, como a companhia é inglesa, não vá ela imaginar que falo só para "inglês ver", ou, por cá, haver quem me considere pirotécnico em fogo de vistas.
Fico pois aguardando. E aguardando confiadamente, visto que daqui dirijo um apelo ao ilustre Ministro das Comunicações.
E, por agora, disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à propriedade da farmácia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: A minha situação de médico obriga-me a tomar parte no debate acerca deste projecto de lei sobre a propriedade da farmácia, que tanto interesse tem despertado nesta Câmara e no País inteiro, que tem indiscutível repercussão política e que tanta importância pode vir a ter para a saúde pública nacional.
Serei breve nas declarações que vou fazer, uma vez que o assunto já foi aqui ventilado por farmacêuticos, juristas e economistas, cuja análise incidiu sobre as múltiplas facetas contidas, quer nas duas propostas governamentais, quer no exaustivo parecer da Câmara Corporativa.
Podemos dizer que o panorama da farmácia em Portugal, se não é desolador, é francamente confrangedor. Por isso mesmo carece de medidas governamentais tendentes a resolver os múltiplos e delicados aspectos que envolve, já que as suas repercussões na saúde pública e na economia nacional amplamente o impõem.
Este projecto de lei confina-se a um único aspecto - ao da propriedade da farmácia, à defesa do princípio da indivisibilidade dessa propriedade e da gerência técnica.
Não é coisa nova.
É a reafirmação de um princípio que, aliás, já estava estabelecido entre nós pelo Decreto-Lei n.º 23 422, de 20 de Dezembro de 1933, que já estabelecia que só o farmacêutico poderia ser proprietário de farmácia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois a despeito disso e da fiscalização que possuímos, a situação das farmácias fora da lei - isto é, de farmácias que não são propriedade de farmacêutico - é agora pior que então! 60 a 70 por cento delas, disse-o o então Ministro da Saúde Martins de Carvalho, estão fora da lei!
Pretende-se agora não só reafirmar o mesmo princípio legal, mas ir mais além, colmatando lacunas do anterior decreto-lei, através das treze bases propostas à nossa apreciação.
Reportando-me à generalidade do projecto, aceito-o como elemento-base, como tentativa de solução de um problema que está na base de muitos outros e como plataforma de arranque para a solução dos demais.
Desejaria que este projecto de lei fosse o instrumento-base oferecido pelo Governo para permitir o advento de uma nova era na história da farmácia portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Penso que isso estará no pensamento do Governo; mas gostaria que nos preâmbulos das duas propostas fosse marcada com nitidez a seriação dos problemas a encarar para a solução dos aspectos técnicos, deontológicos, pedagógicos, industriais, económicos e sanitários que a farmácia engloba.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O País tem assistido nos últimos anos a um intenso movimento no seio da farmácia portuguesa, a uma afirmação de extraordinária vitalidade, a uma exuberante demonstração da sua capacidade, à expressão clara de uma vontade forte no sentido da sua reestruturação e da sua renovação. A realização das Semanas de Estudos Biogalénicos, das Jornadas Farmacêuticas e dos Congressos Luso-Espanhóis e as representações do Sindicato dos Farmacêuticos são demonstrações incontestáveis do que acabo de dizer.
Os problemas do exercício da farmácia, da reforma do ensino, da investigação, da criação da Ordem, da melhoria da produção industrial, da defesa do preço dos medicamentos, da normalização das embalagens, da pureza das matérias-primas, da inspecção farmacêutica, etc., têm estado na ordem do dia dessas reuniões e têm sido objecto de algumas representações ao Governo.
Conhecedor de todas essas actividades, de algumas das quais já me ocupei nesta Assembleia, aproveito este ensejo para prestar a minha homenagem a quantos têm estado à frente desses movimentos na defesa de uma importante e nobilíssima profissão.
Sr. Presidente: Reconheço que o problema da propriedade da farmácia para os farmacêuticos é sem dúvida muito importante e que a ele pode estar ligado com enormes vantagens o da gerência técnica. Mas mais do que o da gerência técnica é-o o da direcção efectiva, da presença constante do farmacêutico, a presidir à manipulação das fórmulas e à fiscalização da aquisição das
Página 4401
28 DE JANEIRO DE 1965 4401
matérias-primas e da conservação dos produtos que entram na sua farmácia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E isso não vejo eu acautelado em nenhuma das bases desta proposta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não é novidade para ninguém que a situação que a farmácia atravessa se deve em boa a certos farmacêuticos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Que me relevem a afirmação aqueles que denodadamente se têm batido em Portugal pela dignificação desta profissão, e particularmente o nosso colega Prof. Nunes de Oliveira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos sabem da existência dos chamados "farmacêuticos de aluguer", dos farmacêuticos "empresta-nome", que estão ao serviço dos também chamados "negociantes de medicamentos"
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não vivem na farmácia e muitos deles nem habitam na localidade onde ela tem a sua sede sei se alguns, para viverem mais folgadamente, podem "dar o nome", como habitualmente se diz, a várias farmácias dispersas por várias terras. Se lá não viverem como é que satisfazem a lei e dão tranquilidade à Inspecção do Exercício Farmacêutico?
A Sr.ª D Custódia Lopes: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
A Sr.ª D Custódia Lopes: - Ontem fiz umas considerações sobre esse mesmo aspecto, referindo-me à necessidade de o farmacêutico ter de estar presente durante o tempo de laboração da farmácia, o que está já obrigatòriamente consignado na lei do exercício de farmácias em Angola desde 1961.
O Orador: - Reafirmo esse principio, e oxalá chegue também em breve à metrópole.
O Sr Antunes de Lemos: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr Antunes de Lemos: - Devo acrescentar que está em estudo uma base que vincula de forma definitiva o farmacêutico à farmácia, impedindo-o de exercer qualquer outra actividade incompatível com a sua profissão.
O Sr Pinto Carneiro: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr Pinto Carneiro: - O nosso ilustre colega diz que está em estudo uma base. Mas nós neste momento discutimos a proposta apresentada pelo Governo indo há umas dezenas de anos um decreto-lei com força vinculativa, dizendo que a propriedade da farmácia só pertence aos farmacêuticos, e não tendo tido o Governo até ao momento força para aplicar esse diploma legal, a que propósito vem agora um novo diploma legal insistir no que está já legislado?
O Orador: - Na esperança de o Governo se rodear de elementos que lhe dêem mais força, uma vez que, segundo se dizia no projecto de proposta de lei do Dr. Martins de Carvalho 60 a 70 por cento das farmácias estavam fora da lei.
O Sr Pinto Carneiro: - Alas então, faço esta pergunta se existe, há muitas dezenas de anos, um diploma legal que diz que a propriedade da farmácia pertence aos farmacêuticos e se, não obstante as disposições desse diploma legal, a propriedade da farmácia continuou a pertencer a não farmacêuticos, existe qualquer coisa que acautele a pertença da propriedade da farmácia aos farmacêuticos ou impeça que não farmacêuticos se tornem proprietários? Continuando, por exemplo, os farmacêuticos a viver longe das suas farmácias, o empregado continuará, como até aqui, a vender os remédios.
O Orador: - Foi para chamar a atenção da- Câmara para esse problema que vim a esta tribuna Parece-me fundamental que não vamos aprovar uma nova lei sem irmos mais além, sem irmos até onde devemos ir.
Como é que dignificam a profissão? Como é que põem o seu exercício a coberto dos múltiplos riscos que o rodeiam? Como é que tais farmacêuticos colaboram na saúde pública?
São exploradores de uma profissão sem nela trabalharem efectivamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na minha aldeia existiram outrora, mas já no meu tempo, três farmácias, cada uma delas tendo à testa um farmacêutico-proprietário. Todos farmacêuticos de 1.ª e todos residentes nos prédios onde estavam instaladas as respectivas farmácias O funcionamento era per feito, o serviço era permanente. A morte levou, um após outro, esses excelentes técnicos. Uma das farmácias foi transferida Duas outras se mantiveram. Não me consta que na minha aldeia viva qualquer farmacêutico nem que ali se detenha ou mesmo que por ali passe algum com frequência e celeridade Mas isso não impede que as farmácias funcionem, aviem, com receita ou sem receita, mesmo o que não devem, e que façam mesmo outras coisas que podem comprometer a vida das pessoas e que não estão na alçada de quem mantém as portas abertas e de quem assegura a tal gerência técnica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não só na minha aldeia! Todos sabem que temos a funcionar neste país muitas farmácias com um único empregado que, muitas vezes, não fez quaisquer estudos para tal fim e que não dispõe senão da prática - longa ou curta intensa ou débil - que aprendeu com um único farmacêutico.
Se esta lei é para pôr termo a tais coisas, aplaudo-a novamente Mas se, pelas suas malhas, for possível que estes ou outros gerentes técnicos as adquiram e continuem a viver onde vivem e a manter abertas as portas no mesmo sistema, então declarar-me-ei ludibriado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Página 4402
4402 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
O Orador: - E se, por via das disposições das bases II e III da Câmara Corporativa, for possível não só isso mas que elas passem a fazer parte de grandes "blocos" que conduzam a monopólios mais ou menos descarados, direi o mesmo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É necessário que, a sombra deste principio da indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica se não abram as portas aos trusts farmacêuticos, aos perigosos monopólos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Se, actualmente, os farmacêuticos se queixam da situação vexatória de empregados dos proprietários das farmácias e se encontram sem meios e sem força pari impor-lhes as regras da sua dignidade profissional e o respeito pelos sãos princípios de um ética do maior respeito, o que sucederá amanhã, quando enredados nas malhas complicadas de certas empresas capitalistas? Se não houver cuidado na redacção daquelas bases e do diploma que lhes diga respeito, lá se vai por água abaixo o princípio da maioria numérica e da maioria do capital das sociedades que ali está consignado. E, com ele, o da independência e o da não subordinação ao patrão que estão na base das razões que serviam de apoio a este projecto.
O Sr Pinto Carneiro: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr Pinto Carneiro: - Há ainda um problema que, no meu modesto ver, a lei não contempla e que me parece fundamental, sobretudo no respeitante à transmissão da propriedade da farmácia. E parece-me a mim que, se isto não for acautelado no diploma legal, os farmacêuticos vão ser vítimas daquilo que desejam.
Morre um farmacêutico proprietário de uma farmácia. Não tem nenhum herdeiro que possa receber essa farmácia. Diz a proposta de lei que a farmácia será avaliada por uma comissão arbitrai, para estabelecer o preço por que a farmácia será alienada, particularmente ou em público.
Simplesmente, não existe nesta proposta de lei nenhuma disposição que obrigue alguém a comprar a farmácia pelo preço que a comissão arbitrai julgar conveniente. E acaba por numa província, numa vila, numa aldeia, uma farmácia ser alienada por um preço talvez muito inferior ao que realmente vale. Nós sabemos, com efeito, que quando não há concorrentes surge a chantagem, que compra por preço inferior ao real.
Na Dinamarca há um fundo nacional que, quando a comissão arbitrai fixa um preço e nenhum concorrente compra, adquire por esse mesmo preço Mas em Portugal não existe tal fundo, nem a proposta de lei o prevê.
O Sr Martins da Cruz: -Nós temos tantos fundos, cria-se mais um!
Risos
O Sr Pinto Carneiro: - Há fundos que têm fundos e fundos sem fundos, não sabemos para onde vai o dinheiro. E como em política não há cesteiros.
O Orador: - Sr Presidente Não se julgue que são impossíveis de resolver os múltiplos problemas que entre envolvem o exercício da farmácia.
Um país muito mais pequeno que o nosso os resolveu, dando plena satisfação à orientação que aqui estou defendendo.
Refiro-me à Dinamarca, que, pela Lei de 11 de Junho de 1954, remodelada pela de 11 de Junho de 1958, pôs de pé uma organização que nos pode servir de modelo
Aquele pequeno país tem uma lei excelente, e como ali as leis são para se cumprir, num espaço de vinte anos pôde realizar uma profunda transformação no exercício da farmácia, na elevação do seu nível técnico, na defesa da saúde pública, no ensino, na frequência das suas Faculdades, e contribuir largamente para a economia da nação.
Também ali a propriedade da farmácia está vinculada ao farmacêutico Mas não basta ter obtido o diploma universitário de farmacêutico para se estar habilitado a ser proprietário de uma farmácia - é necessário mais alguma coisa um estágio de dois a três anos de prática profissional sob a direcção de farmacêutico possuidor de alvará de propriedade ou em farmácia de hospital, aprovação no conselho de promoção entre os cinco primeiros classificados; aprovação pela Direcção-Geral de Saúde entre os três primeiros destes cinco.
Fica, assim, candidato às vagas que vierem a observar-se nas farmácias existentes. Mas o alvará só será passado, pela primeira vez, a candidatos com menos de 50 anos e cessará um mês após o dia em que atinjam os 70.
A concessão do alvará faz-se por decreto e a posse da farmácia mediante a assinatura de um compromisso de respeito pelas regras que regem o exercício da farmácia.
Todas as farmácias têm de ter, além do proprietário um farmacêutico assistente e empregados, que, em geral, são alunos do 1 º e 2 º anos de Farmácia, que têm, pelo menos, a preparação liceal de Ciências.
Estes alunos têm de fazer exame prático de aproveitamento do seu estágio, e se não forem aprovados ou não couberem, pela classificação, nas 150 vagas anuais do ensino, ficarão definitivamente empregados de farmácia ou tomarão outro rumo.
Com esta organização, assegura-se o serviço permanente da farmácia, mesmo que haja só uma farmácia na zona, e os manipulados, que entre nós baixaram a cerca de 10 por cento dos totais fornecidos por influência da orientação do ensino e da praga das chamadas "especialidades farmacêuticas", ainda se cifram por cerca de 50 por cento naquele progressivo país.
Além dos farmacêuticos diplomados, há os licenciados, que têm mais dois a três anos de estudos E estes, desde 1942, podem candidatar-se a doutores em Farmácia
As dependências e o equipamento das farmácias estão consignados por despacho da Direcção-Geral de Higiene Pública.
Para os 420 farmacêuticos-proprietários, há 1800 farmacêuticos provisórios (com estágio aprovado) e cerca de 2000 farmacêuticos mão proprietários (assistentes, empregados nas farmácias e empregados na indústria e nos laboratórios).
Um fundo farmacêutico, formado à custa de um imposto básico, de um imposto de vendas e de um imposto sobre o rendimento líquido, auxilia a instalação de nova? farmácias, ajuda as de baixo rendimento e dá compensações às que pagam rendas insuportáveis pelo seu rendimento próprio.
A análise prévia da matéria-prima que entra nos produtos a vender ao público é realizada no laboratório oficial e entra na farmácia acompanhada do respectivo controle, ou então tem de ser mandada analisar por conta do farmacêutico antes de ser utilizada
Página 4403
28 DE JANEIRO DE 1965 4403
Para cada preparação há uma ficha de trabalho, as pesagens são sujeitas a duplo controle e o boletim é assinado pelo farmacêutico-proprietário. Os reclamos proibidos, pelo respeito que se deve ao público e protecção a que ele tem direito.
Com toda esta organização, que eu me limito a condensar, deu-se um notável avanço. À indústria farmacêutica cabem hoje 800 000 contos do rendimento da nação, 554 000 dos quais são destinados à exportação. A farmácia e os institutos de biologia têm renome mundial.
Produtos altamente especializados, enfare os antibióticos, vitaminas e hormonas, são produzidos em larga escala e em condições de alto rigor científico pelos laboratórios dinamarqueses.
Sr Presidente: Se aquele pequeno país pôde, em vinte anos, por esta via, realizar tão extraordinária proeza, neste campo, porque nos não abalançamos também a seguir por idêntico caminho?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Porque espetamos para a reforma e actualização do nosso ensino farmacêutico?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque continua a dormir o projecto que há-de restaurar as Faculdades de Farmácia de Coimbra e de Lisboa? Como havemos de ter bons técnicos de elevar o nível da sua preparação, de garantir a atracção dos alunos para esta nobre carreira da farmácia, se não entramos decisivamente a transformar de maneira radical uma organização que nos compromete cada vez mais?
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Já aqui me ocupei largamente deste problema quando tratei da restauração que urge fazer da Faculdade de Farmácia de Coimbra. Dei conta das necessidades do País e do alto nível dos professores que ali ensinam. Disse que o selo das especialidades e o imposto alfandegário são mais que suficientes para fazer face às despesas da restauração daquela Faculdade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E a verificação das matérias-primas dos medicamentos especializados junta ao selo dá largamente para aquilo de que no capítulo do ensino da
Farmácia em moldes modernos tanto carecemos.
Aqui deixo novo apelo, em absoluta consciência de estar cumprindo um dever ao serviço da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Espero que ele seja ouvido e que a deplorável situação em que se encontra a organização do ensino da Farmácia em Coimbra se não mantenha
mais tempo. Digo a organização do ensino, porque quero excluir desta referência uma plêiade de mestres de categoria universitária, extremamente dedicados, que têm mantido naquela Escola um alto nível de preparação técnica aos seus alunos e têm realizado uma utilíssima obra de acção extra-escolar que abrange variados
aspectos da actividade rios farmacêuticos.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr Presidente Gostaria que está e os demais diplomas a publicar nos trouxessem, entre outras coisas, a garantia de um exercício farmacêutico de alto nível; uma presença efectiva e real do farmacêutico na sua farmácia,
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - uma inspecção cuidada destes dois elementos, das matérias-primas e das embaladas, um formulário nacional dos medicamentos, uma defesa constante da saúde pública neste tão importante sector, uma actualização do ensino da Farmácia, garantia da preparação científica e técnica dos profissionais farmacêuticos e demais cooperadores, atracção mais forte dos alunos à frequência das respectivas escolas, e, sobretudo, uma descida do preço, injustificadamente elevado, dos medicamentos que são hoje, na sua maioria, inacessíveis u maior parte dos Portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Então, Sr Presidente, daríamos um grande passo na defesa da justiça e também da saúde e da vida dos Portugueses.
Termino com as palavras de um ilustre professor e denodado paladino da farmácia portuguesa.
A farmácia existe, não para satisfazer os interesses económicos do seu proprietário, mas para ocorrer às necessidades da saúde pública
Esta exige todas as garantias do eficiente fornecimento dos medicamentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Elísio Pimenta: - Sr Presidente O mestre da história da medicina, Doutor Luís de Pina, no seu interessantíssimo trabalho Medicina e Farmácia, ontem, hoje e amanhã, ao relembrar, no final, o conhecido epigrama do grande Bocage.
Arrumado às duas portas
Pingue boticário estava,
E brandamente acenou
A um doutor que passava
Mal que chega o bom Galeno
Diz o outro com ar jocundo
"Unamo-nos, meu doutor,
E dêmos cabo do Mundo"
o Prof. Luís de Pina, em homenagem à verdade que a liberdade poética confundiu com "algumas faltas e crimes de médicos e farmacêuticos de todos os tempos", repôs a deusa no seu lugar "como apelo e extremo voto à colaboração humanista de médico e farmacêutico, tão bem simbolizados na germanidade dos santos Cosme e Damião".
Mal que chaga o bom Galeno
Diz o outro com ar jocundo
"Unamo-nos, meu doutor,
Salvemos ambos o Mundo"
E postas as coisas no devido lugar pelo ilustre professor da Universidade portuense, a quem a cultura humanística merece constantemente o preito da sua esclarecida inteligência, prestemos a nossa rendida homenagem a médicos e farmacêuticos e celebremos, reconhecidos, essa indissolúvel colaboração, que só a identidade de formarão científica e deontológica pode manter, para defesa do um bem superior, que é a saúde física e mental e cuja
Página 4404
4404 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
consciência de valor, que define uma civilização e uma política, tem de ser defendida intransigentemente contra situações baseadas em razões de sentimento ou de interesse que, porque limitadas ou injustas, não podem obter concordância.
O problema em discussão é objecto de pontos de vista diferentes e de difícil conciliação.
For um lado, aquele que, assentando na indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica, consagra uma evolução legislativa expressa já num diploma com mais de 30 anos de vida.
Por outro, o da livre propriedade da farmácia, assegurada a direcção técnica por um farmacêutico e que os seus defensores entendem ser o existente na maioria dos países, segundo li há dias, mas que, na verdade, não o é nos países mais afins de Portugal.
Um terceiro, considerando a farmácia um estabelecimento de venda ao público de medicamentos como de qualquer outro artigo de consumo, sem a exigência, que julgam desnecessária, de um técnico com curso superior.
O quarto, que existe de facto no nosso país, e certamente só no nosso pais, ao qual podemos chamar do farmacêutico de nome, contrário às posições expressas da lei vigente, tolerado por uma tradicional brandura de costumes, por vezes bem perniciosa, atentatório da dignidade da profissão farmacêutica e desprestigiante dos serviços do Estado, que o consentem.
Não pretendemos entrar na análise pormenorizada de cada um desses pontos de vista Eles foram já largamente expostos e discutidos nas brilhantes e convincentes considerações do ilustre Deputado Prof. Nunes de Oliveira e pelos Srs. Deputados que se lhe seguiram nesta tribuna.
Meditei muito sobre o problema e considerei-me esclarecido pelos relatórios que precedem o projecto da proposta de lei e a actual proposta, as declarações do Ministro Martins de Carvalho à Revista Portuguesa de Farmácia, os trabalhos do Prof. Correia da Silva, meu querido amigo, a cuja inteligência e tenacidade na defesa dos direitos dos farmacêuticos quero render homenagem, ao estudo crítico, notável estudo crítico, sobre o parecer da Câmara Corporativa, do Prof. Guilherme Braga da Cruz, e ainda pelos documentos que me foram gentilmente enviados pelo Sindicato Nacional dos Ajudantes de Farmácia do Distrito do Porto, além de outros.
A este propósito, lamento sinceramente que a prestante e digna classe dos ajudantes de farmácia, colaboradores directos e prestimosos dos farmacêuticos, não tivesse esclarecido um aspecto importante do seu ponto de vista sobre o problema em discussão.
Não tenho dúvidas quanto à parte negativa desse ponto de vista a propriedade da farmácia não deve ser um exclusivo dos farmacêuticos.
Mas será assim também em relação ao aspecto positivo? A quem deverá pertencer a propriedade da farmácia? Aos farmacêuticos e aos ajudantes, apenas, ou a toda e qualquer pessoa, independentemente de diploma ou prática. Isto é, qualquer pessoa, independentemente das suas habilitações, poderá exercer a indústria e o comércio de medicamentos como se de outro ramo de indústria ou de comércio se tratasse?
Receio que seja este o ponto de vista dos ajudantes de farmácia e se na verdade, assim é, atrevo-me a concluir que não estão a defender os seus interesses, que devem andar indissoluvelmente ligados aos dos farmacêuticos, de quem são indispensáveis colaboradores.
Julgo que as afirmações de que a farmácia é um estabelecimento comercial, pelo que deve ser permitido a qualquer pessoa ser proprietário desse estabelecimento, e ainda o pedido para que se revogue o Decreto-Lei n º 23 422 e se reinstaure o direito à livre propriedade de um estabelecimento de farmácia, não autorizam outra conclusão E isto consta de uma exposição enviada ao Sr Ministro da Saúde e Assistência pelos Sindicatos Nacionais de Farmácia dos Distritos de Lisboa e Porto.
Dessa forma, sem necessidade de insistir em razões conhecidas, damos o nosso voto na generalidade à proposta de lei do Governo, pois nos parece que sem ofensa de interesses legítimos, antes com a salvaguarda daqueles que a mesma proposta cautelosa e justificadamente admite, defende o primado do interesse público, que em boa consciência a ninguém é lícito pôr de parte.
Mas se a proposta de lei consagra, na verdade, o princípio, que julgamos mais defensável, de considerar a função de preparar, conservar e distribuir medicamentos ao público como actividade sanitária de interesse público, declara a profissão farmacêutica como liberal, pelo que respeita à preparação de produtos manipulados e à verificação da qualidade e dose tóxica dos produtos fornecidos, manipulados ou não, e, como conclusão, só admite a concessão de alvarás a farmacêuticos ou a sociedades em nome colectivo ou por quotas se todos os sócios forem farmacêuticos e enquanto o forem, permitimo-nos, no entanto, perguntar se esta proposta de lei, uma vez aprovada e transformada em lei, não virá a ter o triste destino do diploma que a antecedeu.
É que esse mesmo princípio já foi estabelecido há 31 anos, com a lamentável agravante de sobre ele se ter erguido a mais despudorada fraude, do farmacêutico de nome, que desprestigiou a Administração e não encontra atenuante nas dificuldades de vida dos que a ela conscientemente se prestaram, antes condena quem saiu de uma Universidade senhor de normas de ética e de deontologia profissional de que não lhe era lícito abdicar.
Argumenta-se que a saúde pública comporta todas as situações, desde que à frente da farmácia esteja, a qualquer título, um farmacêutico Sabe Deus e sabem os serviços respectivos o que isso significa E cada um de nós também o sabe, quando nesta vida de hoje, agitada e cheia de problemas provocados por solicitações materiais, se vai buscar à mezinha em comprimidos a ilusória tranquilidade ou a prevenção contra mais um fardo pesado Não, a saúde pública exige plena e eficaz responsabilidade, que ao Estado pertence tornar efectiva.
Acreditamos sinceramente que a lei, uma vez aprovada, terá regulamentação imediata e fiscalização séria e eficiente, porque, se não as tivessem, não valeria a pena a Assembleia Nacional discuti-la e aprová-la.
Garantem-no as pessoas que têm a seu cargo a definição e o comando da política de saúde pública, que por vezes foi sacrificada a outras políticas, desacreditadas Garante-o a existência de um Ministério cuja criação permitiu, felizmente, libertar tão importante sector da vida nacional das vicissitudes a que essas tais políticas o obrigavam, libertação já anteriormente tentada com êxito pelo Subsecretário de Estado Melo e Castro Garante-o o cuidado com que foi estudada a proposta de lei. Garante-o o reconhecimento já feito da premência na criação de ume Ordem dos Farmacêuticos ou, pelo menos, a aprovação breve do estatuto deontológico, cuja dilação não mais terá justificação na dúvida sobre o carácter da profissão farmacêutica, que esta mesma proposta declara liberal Garante-o a presença neste debate, fora e dentro desta Assembleia, de categorizados professores, exemplos par os seus alunos, os futuros proprietários de farmácias. Garante-o a tendência para o regresso ao hábito de formule
Página 4405
28 DE JANEIRO DE 1965 4405
determinados medicamentos e o esforço do Estado na elaboração de formulários para os hospitais.
Esta lei será o princípio, a definição dos princípios, da verdadeira actividade farmacêutica, de eminente interesse público porque assenta na defesa da saúde pública.
Não mais farmacêuticos que dêem nome à farmácia por tuta e meia, não mais complacências das fiscalizações, tanto mais que se respeita, como não poderia deixar de ser, a situação das farmácias existentes em 1933 e daquelas que só deixarão de entrar no regime geral quando se operar a sua transmissão. Não mais sociedades de farmácias, mais ou menos anónimas, destinadas à colocação de produtos enfrascados ou enlatados. Não mais actividades comerciais puramente lucrativas, mas sim actividades privadas de interesse público.
Sr Presidente Para terminar as nossas considerações desejamos versar ainda um ponto que reputamos da maior importância para a vida e o prestígio das Misericórdias, as nossas Santas Casas da Misericórdia, expoentes mais altos da assistência particular em Portugal.
Ignorá-las, ou prejudicá-las na sua difícil vida de praticar as obras de misericórdia, especialmente naquela que representa a principal actividade de todas ou de quase todas elas, a de visitar ou curar enfermos, teria sido uma injustiça cruel e inadmissível do legislador, que esta Assembleia nunca poderia praticar ou consentir.
Felizmente todas as opiniões são unânimes no reconhecimento do direito às Misericórdias de serem proprietárias de farmácias, desde que se destinem aos seus serviços privativos, e, mais, de conservarem essas farmácias
abertas ao público, quando já estejam nessa situação.
Assim o propôs o Governo a Assembleia e com posta a proposta concordou a Câmara Corporativa.
Só temos de aplaudir a decisão, que, considerada excepção ao sistema da propriedade e gerência técnica associadas em nada a prejudica, e com o Prof. Braga da Cruz acrescentaremos que "havendo entre nós uma tradição de séculos em favor dessas farmácias privativas, supomos que seria mal avisado contrariá-la neste momento, por um excesso de zelo em salvaguardar o princípio da indivisibilidade".
Mal iria à já tão difícil economia da Santa Casa da Misericórdia do Porto, por exemplo, se se visse privada da sua secular farmácia, que atinge consumos na ordem de muitos milhares de contos, com um alto nível de produção e o emprego de dezenas de funcionários, entre os quais numerosos licenciados e diplomados.
A aprovação da presente proposta de lei, cujas bases foram objecto de larga e útil discussão fora desta Assembleia, dará à farmácia portuguesa a estabilidade necessária para continuar a servir a saúde pública, que não exclui a justa harmonia de dois legítimos interesses - o dos farmacêuticos e o dos ajudantes de farmácia.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Homem Ferreira: - Sr Presidente. O ponto cardeal que informa todas as linhas deste debate- e que, desde logo, o esclarece, orienta e condiciona - resulta do facto de a farmácia ser um elo da organização sanitária do País e dever integrar-se na estrutura de uma verdadeira política nacional de saúde, que, nos termos da Constituição, incumbe ao Estado prosseguir, fomentar e defender.
Daqui decorre, logicamente, não poder considerar-se a farmácia um mero estabelecimento comercial, onde é indiferente adquirir um produto ou outro, à do consumidor.
Um mundo de implicações morais, deontológicas, sanitárias e sociais cerca, limita e preside à actividade de qualquer oficina farmacêutica, espiritualizando o seu exercício e esbatendo os secos contornos comerciais.
Não vale a pena repisar estes ângulos da discussão, que se encontram magistralmente desfibrados no largo, lúcido e bem sistematizado estudo crítico do Prof. Braga da Cruz sobre o parecer da Câmara Corporativa.
Nenhuma opinião desenvolvida em torno do tema que nos ocupa pode esquecer a rede de melindrosos problemas que a actividade da farmácia permanentemente defronta
Basta recordar que lhe compete fornecer medicamentos manipulados, verificar e controlar o estado de conservação e grau de toxicidade dos produtos, mesmo das especialidades industrializadas. Por outro lado, a farmácia é um complemento da actividade médica, devendo colaborar com ela, no que se refere ao exame das doses de medicamentos e, até, ao controle de qualquer lapso do receituário, não falando já do aspecto delicadíssimo da venda de estupefacientes, abortivos, anticonceptivos e tranquilizantes, que ainda há bem pouco tempo preocupou a Europa central e perturbou a consciência cristã.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Os traços desta moldura significam que o alto reflexo social da actividade farmacêutica imprime um forte relevo aos fins de interesse público a que a farmácia está ligada e subordinada.
Compreende-se, assim, a esta luz, que as teses antagónicas da livre propriedade da farmácia e da indivisibilidade coincidam e assentem num ponto comum a necessidade da permanência efectiva do farmacêutico na oficina.
O problema consiste, pois, em saber qual dos dois princípios assegura melhor este objectivo.
Sr Presidente. Ao elaborar os comandos normativos o legislador não poda ignorar a maré viva das realidades, sob pena de assistir, mais cedo ou mais tarde, ao que um jurista chamou "a revolta dos factos contra a lei".
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora, no caso em apreço, a experiência mostra que a tese da livre propriedade da farmácia, na medida em que permite dissociá-la da gerência técnica, não está em condições de garantir, no nosso país, a permanência efectiva do farmacêutico à frente da actividade.
Com efeito, as possibilidades económicas da maioria das farmácias não consentem, simultaneamente, uma remuneração condigna ao farmacêutico e ao proprietário.
As consequências do factor financeiro não se traduzem apenas no perigo de acentuar, no proprietário, a visão mercantil da farmácia, com os reconhecidos inconvenientes da sobreposição do interesse comercial à ética farmacêutica, o que, em última análise, ofende e cerceia a indispensável independência de uma profissão qualificada. Traduzem-se, sobretudo, no facto de o farmacêutico, mal remunerado, ser obrigado a distender e dispersar a sua actividade por outros campos e farmácias, para ganhar a vida. Isto significa, como é do conhecimento geral que o farmacêutico acaba, simplesmente, por alugar o nome para a tabuleta que na farmácia assinala a direcção técnica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os fins de interesse público, que a obrigatoriedade legal de uma efectiva e permanente gerência
Página 4406
4406 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
técnica qualificada procura defender, vêm, assim, a sei completamente iludidos e frustrados.
Quer dizer, o princípio da livre propriedade da farmácia, que, aliás, arranca de um conceito do direito de propriedade fechado e ultrapassado, permite a inundação de situações que resvalam numa gerência técnica fictícia, isto é, que existe de direito, mas não de facto.
E não se diga que esta fraude da gerência nominal pode ser combatida e dominada por um rigoroso sistema de fiscalização. Em primeiro lugar, torna-se evidente a inoperância de uma fiscalização que exigiria uma massa incomportável de fiscais e logo revela, pela extensão e cambiantes de que se devia revestir, a impossibilidade material de ser eficiente.
Basta reparar que está em causa, como sublinha o Prof. Braga da Cruz, a verificação da presença efectiva e permanente do farmacêutico na farmácia.
Uma fiscalização valida teria, assim, de ser, ela própria, permanente e efectiva, a todas as horas e em diversos estabelecimentos, para não ficar ilaqueada pela fácil justificação da ausência acidental do gerente técnico.
Depois, é bom não esquecer que o Português tem uma alergia psicológica ao fiscal e a puros critérios de repressão, o que se filia na tradicional brandura dos nossos costumes Há, na verdade, uma tendência nacional para hostilizar qualquer acção fiscalizadora e para socorrer e facilitar a justificação das faltas. A tolerância do feitio português adere, com simpatia, à legenda de um grande escritor nosso "E proibido proibir"
Risos
Ora o legislador não pode desprezar o meio, o ambiente e a psicologia em que as leis se elaboram, situam e pretendem actuar. E não pode acolher e absorver utopias, como a solução dos fiscais, preconizada pelos partidários da livre propriedade da farmácia, que é puramente teórica e inviável.
O princípio da indivisibilidade parece-me, assim, o que melhores condições oferece para assegurar a presença efectiva, a independência, a Responsabilidade civil e criminal e o prestígio do farmacêutico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E é o que melhor estimula o interesse pela profissão, podendo, até, contribuir para travar a perigosa deserção que se verifica nos bancos das escolas superiores, de Farmácia.
Por outro lado, ele pode ainda dificultar e desanimar a formação de trusts farmacêuticos, isto é, barrar o caminho a propósitos de especulação com os interesses da saúde pública.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dentro deste travejamento doutrinário o nosso sistema legislativo, através do Decreto-Lei n º 23 422 de 29 de Dezembro de 1933, perfilhou entre nós o princípio da indivisibilidade da farmácia e da gerência técnica também, consagrada- legislativamente em países que têm afinidades psicológicas connosco, designadamente os países de feições latinas.
Simplesmente, a lei assistiu inerte à cristalização de sofismas, fraudes e simulações, mostrando-se impotente para regular e dirigir uma actividade de interesse público o para impor os objectivos que se propunha.
Vozes.: -Muito bem!
O Orador: - Ao proceder agora à revisão das normas vigentes, importa, sobretudo, criar um condicionalismo legal que trave e diminua as possibilidades de iludir a orientação da lei.
Não interessa fabricar sanções O que interessa é adoptar um quadro jurídico que torne, o mais possível, desnecessário a aplicação delas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste, como noutros domínios, vale mais prevenir do que reprimir.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ora eu creio que a proposta de lei do Governo assenta numa solução razoável e equilibrada dos interesses em jogo.
No que se refere às farmácias que, à data da publicação do Decreto-Lei n º 23 422, de 20 de Dezembro de 1933, não pertenciam a farmacêuticos, mantém-se o regime a que estão sujeitas.
Por seu turno, até o rosário das situações ilegais, que, a partir deste diploma, o tempo cristalizou, obteve, da parte do legislador, um tratamento generoso e de nítido benefício Ir mais longe significaria transformar o abuso em fonte de direitos!
O clamor de certas reivindicações, que, aqui e além, tem aflorado, parece estar afastado do cerne dos problemas, isto é, parece subestimar os fins de interesse público de que o sistema legislativo não se pode desamarrar
Hoje, já não é possível conceber o direito de propriedade como um direito ilimitado e cerrar os olhos ao sopra de renovação que atenuou esta visão romanista, nem ao oceano de restrições que, todos os dias, a vai abalando, corrigindo e modernizando.
Actualmente, já não se ignora a função social da propriedade e os deveres e obrigações que lhe incumbem e a que a propriedade da farmácia não faz excepção
Noutro quadrante se situam os anseios das pessoas liga das à farmácia cuja ressonância humana merece uma palavra de simpatia, mas não de concordância
E, certamente, digna de atenção, por exemplo a situação dos ajudantes de farmácia.
Mas seria frustrar, inteiramente, os propósitos saneadores da lei admitir que eles pudessem ser titulares da farmácia em que são ajudantes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria gerar o risco de choques inúteis e até consagrar uma autêntica e perigosa subversão profissional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- O problema dos ajudantes de farmácia é, no fundo, um problema geral do trabalhador português. A protecção de classe tão digna deve processar-se noutro esquema legal, designadamente o esquema corporativo, mas não na lei da propriedade da farmácia.
De acordo com estas considerações, também aprovo na generalidade a proposta de lei do Governo sobre a propriedade da farmácia.
Aceite o princípio da indivisibilidade, isto é, que a farmácia deve ser exclusivamente do farmacêutico, logicamente a situação das farmácias que, por partilha, passem a um não farmacêutico tem de ser transitória
Página 4407
28 DE JANEIRO DE 1965 4407
De outra maneira, o princípio seria flanqueado e deixava-se entrar pela janela o que não se deixou entrar pela porta.
Sobre esta faceta do problema, o legislador procurou conciliar os interesses da família legítima, sem ferir e esvaziar o princípio da indivisibilidade. E é neste capítulo que desejo suscitar algumas dúvidas e pôr uma restrição erguidas no meu espírito pela redacção da base IV da proposta.
No n º 3 desta base declara-se que, na falta de acordo dos interessados sobre o valor do traspasse ou da cessão da exploração, poderá este ser fixado em acção de arbitramento. Mas não se diz quem tem legitimidade para requerer o arbitramento, isto é não se esclarece se pode ser requerido apenas pelo proprietário, ou também pelo farmacêutico interessado.
E, se for o proprietário a requerer, como se define o interesse do farmacêutico, que, nos termos do artigo 1052.º do Código de Processo Civil, deverá ser citado, na qualidade de interessado?
O Sr Belchior da Costa: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr Belchior da Costa: - Iria supor, sem prejuízo das doutas considerações que V Exa. está a produzir, que essa matéria seria matéria de regulamento. De momento está a Câmara a legislar sobre bases, quer dizer, sobre matéria de lei, e então admito que apareça o princípio do arbitramento com essa forma de definição não rigorosa. E mais tarde, quando viesse a ser regulamentada a lei, é que viriam a estabelecer-se as normas sobre as quais havia de assentar e desenhar-se esse princípio do arbitramento.
Peço desculpa a V Exa. de fazer esta observação e de interromper as suas considerações, mas por mim penso que será bastante que conste da base o princípio, e de que o futuro regulamento venha a doutrinar sobre a forma de o aplicar.
O Orador: - Mas nós nos tribunais não sabemos se leis se aplicam antes ou depois de serem regulamentadas.
V Exa. tem o exemplo concreto da lei do arrendamento que aqui votámos. Há tribunais que dizem que em vigor, outros dizem que não. O Dr. José Gualberto de Sá Carneiro inclina-se a dizer que ela já está em vigor.
Ora, neste caso, nós também não sabemos se esta lei vai ser regulamentada ou se nunca mais o será. E desde que se remeta para o Código do Processo Civil, o juiz tem de estar apetrechado a julgar da legitimidade.
Se isso é da lei ou do regulamento, confesso que não sou especialista Aliás, alguém disse que os especialistas são as pessoas que só não ignoram uma coisa.
Além disso, nos números da base IV aparece uma regulamentação específica detalhada. Ora, não está certo que numa base se faça uma regulamentação específica detalhada e noutras bases não.
O Sr Belchior da Costa: - Pode haver nas leis essas incongruências, mas isso não destrói o meu pensamento que suponho rigoroso, de que ao legislador, neste momento à Câmara, importa apenas estabelecer as bases, que são os princípios.
Mas eu não quis senão manifestar uma opinião pessoal no sentido de que admito - e suponho que não poderá ser de outra forma - que esta lei, se for votada terá de ser fatalmente regulamentada no futuro.
O Orador: - Quero dizer que não ponho objecções, mas a base geral não quer dizer bases indeterminadas. Bases gerais não quer dizer bases com conteúdo normativo indeterminado.
Por outro lado, o n º 4 da base IV impõe a caducidade do alvará ao proprietário que se recusar a efectuar o traspasse ou a cessão da exploração pelo valor fixado. E se for o farmacêutico a recusar o valor obtido? Tendo também contribuído para desencadear o arbitramento, não se compreende que não suporte as consequências da recusa.
Finalmente, não posso aceitar o n º 6 da base IV, porque inflige, ao proprietário da farmácia, uma sanção violenta por um facto que não lhe é imputável.
Admitir o recurso ao arbitramento, para encontrar o valor da farmácia, e não suspender o decurso dos prazos, para efeitos de caducidade do alvará, é desconhecer o tempo que um pleito demora, é pôr em risco o próprio valor a obter pela acção judicial, é abrir a porta a manobras ou pressões do farmacêutico, é, numa palavra, uma verdadeira injustiça.
Sr Presidente: As leis não se fazem com critérios emocionais Hão-de ser frias, embora temperadas com o calor humano, hão-de estar acima das paixões, embora regulem os seus impulsos, hão-de ser rígidas, embora flexíveis à interpretação, e hão-de ter falhas e imperfeições, como é próprio do barro humano donde nascem.
Como sempre, cumprirá ao intérprete dar-lhes vida, filtrá-las e fazê-las respirar, porque, como ensinou um grande mestre, "as leis, verdadeiramente, fazem-nas os homens que as executam".
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Alves Moreira: - Sr. Presidente Ao tomai parte no debate da apreciação da proposta de lei sobre a propriedade da farmácia, quero, antes de mais, pôr bem em evidência que considero a presente discussão de relevância excepcional e de oportunidade não menos a realçar, porquanto, decididamente, se encara bem de frente a solução de um delicado problema inerente não só ao exercício da profissão de farmacêutico, mas, sobretudo, às condições em que ele se efectua, tão merecedoras na actualidade de crítica justificada.
O que me impeliu a tomar esta atitude é imperativo de consciência ditado pela observância e conhecimento indirecto de factos que estão Intimamente ligados ao binário farmacêutico-farmácia e em estreita relação com a profissão de médico que exerço.
É, pois, com muita justiça que rendo as minhas homenagens a S Exa. o Ministro da Saúde e Assistência, Doutor Neto de Carvalho, e ao Governo, por decidirem, finalmente, encarar a solução de um problema que se nos oferece como palpitante e, sobretudo, de flagrante actualidade.
Realmente, sabendo-se bem o quanto o nosso Governo já tem tentado no sentido de solucionar o delicado problema da propriedade da farmácia por anteriores diplomas que não conseguiram os seus objectivos pôr inobservância, lamentavelmente consentida, das leis, esperar-se-á que esta nova tentativa conduza definitivamente à solução mais sensata, que não será outra senão aquela que condiga com o bem comum, que neste caso não é senão o da saúde pública De facto, pelo Decreto-Lei n º 28 422, de 29 de Dezembro de 1933, já corolário de outras disposições anteriores, pretendeu-se regularizar da melhor maneira as condições de trabalho da farmácia portuguesa
Página 4408
4408 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
de molde a definir bem o princípio que deverá presidir à sua laboração e que não é outro senão o da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica.
Realmente, toda a possível discussão se reúne à volta de a propriedade da farmácia ser livre ou condicionada ao farmacêutico, ambos os temas com defensores a respeitar, mas que, a meu ver, penderá a favor da segunda, porquanto as desvantagens da primeira são incondicionalmente maiores e as consequências naturalmente mais perniciosas, como vem demonstrando bem um passado todo ele merecedor de crítica severa.
Assim, em 1933, altura em que o Governo decretou de maneira bem categórica que nenhuma farmácia pode estar aberta ao público sem que o farmacêutico, sem director técnico, seja seu proprietário no todo ou em parte, com associação com outro ou outros farmacêuticos, com as excepções especificadas e as soluções para as situações criadas ao tempo e para as que porventura viessem a surgir como consequência inevitável da lei da vida, tudo parecia resolvido Mas, num desrespeito total da lei, foram-se criando novos casos, o que fez com que presentemente 60 a 70 por cento das farmácias estejam a funcionar ilegalmente, sem que a fiscalização administrativa, por inoperante, tivesse evitado os factos consumados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, porque assim sucedeu, há que impedir a continuação da abusiva situação, a que convirá pôr cobro, evitando-se maiores proporções e definindo de uma vez para sempre as bases que de futuro regulamentarão a legitimidade da propriedade da farmácia Ë o que a presente proposta de lei pretende conseguir
E, assim, depois de analisar atentamente os pareceres da proposta do Governo e da Câmara Coroprativa, sou levado a inclinar-me para a solução governamental, porquanto me parece ser aquela que assegura mais fielmente o espírito e objectividade da execução da lei.
Não quero tornar-me demasiadamente longo, apreciando pormenorizadamente o conteúdo das bases em causa, pois somente quero cingir a minha opinião a alguns pormenores, que considero importantes, na maneira como deverá elevar-se devidamente o nível não só da profissão farmacêutica, mas sobretudo da sua oficina a farmácia.
Sim, Sr Presidente e Srs. Deputados, considero a farmácia como a oficina do farmacêutico, seu legítimo proprietário, dominando um todo que de maneira nenhuma poderá subordinar-se a interesses estranhos à sua profissão, como naturalmente sucederia no caso de o proprietário ser um mero comerciante dominado pelo fim exclusivo da exploração lucrativa Aliás, não posso considerar de maneira nenhuma que a actividade farmacêutica seja um comércio, como muito erradamente alguns querem fazer crer, e, portanto, susceptível de uma administração livre. É que a delicadeza dos produtos que são vendidos nas farmácias, pela sua constituição muito especial, pela sua possível manipulação, a exigir técnicas apuradas, e pela finalidade a que se destinam, que ma s não é do que contribuir para a saúde das populações, implica problemas que somente poderão ser encarados e resolvidos por responsáveis que vivam única e exclusivamente para os resolver, sendo os fins lucrativos meramente secundários quanto à finalidade que se propõem atingir.
Poder-se-ão invocar muitas razões jurídicas e até morais muito respeitáveis a favor da livre propriedade, mas o que nunca se poderá mencionar é a razão humana que implicará o interesse da saúde pública, porque esta pressupõe logo uma formação muito especializada do responsável, que só poderá ser aquele -o farmacêutico- que sem outras peias que não as obrigações deontológicas possa desempenhar com acerto a sua tão delicada e nobre profissão, contribuindo com a sua quota-parte para o êxito da arte de curar que cabe ao médico. E é precisamente sob esta faceta importantíssima que eu vejo o farmacêutico, que deve ser dignificado de molde a criar nele aquela confiança que tão divorciada tem andado a maior parte das vezes da sua personalidade, submetida, quanto não é o proprietário, às arbitrariedades que porventura queriam exercer sobre ele, incluindo até as de ordem financeira, pois não é raro ver-se nos tempos que decorrem ser remunerado pelos seus serviços de direcção técnica com umas míseras e escassas centenas de escudos, nada compensadoras das canseiras que demandam os longos anos do seu curso universitário que escolheu por natural inclinação. E é precisamente por este motivo que se sabe muitíssimo bem que tem sido tão fácil de iludir a exigência legal da direcção técnica, já que esta praticamente ou só o é de nome ou não tem sido praticada com aquela presença e assiduidade que é exigida por lei, em virtude de condicionamentos e pressões a que estão naturalmente sujeitos quando não proprietários.
Torna-se, pois, necessário elevar e dignificar a profissão farmacêutica, dando-lhe maiores garantias, e reconhecer-lhe os direitos a que tem inegável jus de contrário, o número de aspirantes à profissão decairá lamentavelmente em ritmo progressivo, o que só se impedirá proporcionando-lhes um futuro garantido pelo exclusivo da propriedade da sua oficina como há pouco lhe chamei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que haverá a considerar aquelas excepções e situações de transição que a lei quer prever com todo o cuidado, sem prejuízo dos direitos legais de transmissão, a acautelar devidamente. Também, a meu ver, a proposta do Governo é bem pródiga em tais casos e, mais ainda, naquelas situações adquiridas de facto, que não de direito, que se foram estabelecendo desde 1933, procurando definir posições e prevendo solução condigna a seu tempo, de molde a conseguir-se o objectivo principal, que será sempre a concentração da propriedade e da gerência técnica na mesma pessoa dignificada e considerada - o farmacêutico.
Considerando as excepções, quero somente fazer menção àquelas que dizem respeito às Misericórdias e outros estabelecimentos de assistência, em que a propriedade, que se discute, será estranha ao farmacêutico Concordo perfeitamente com tal disposição, na ordem de uma tradição e benefício muito a respeitar, simplesmente, e considero muito importante este facto, deverá ser rigorosamente determinado que a superintender na orientação total de tais farmácias deverá sempre existir um licenciado por cada uma, de molde a não se permitirem abusos semelhantes àqueles que são uma criticável realidade em alguns hospitais pertencentes às Misericórdias, em que a finalidade a atingir é o fim meramente comercial, tão condenado e fora do princípio que deve presidir à sua laboração. Tem-se verificado lamentavelmente que não sé não é respeitado tal princípio, mas também, dentro do ta1 espírito comercial a farmácia do hospital e de outros estabelecimentos de excepção, com fins meramente lucrativos, tem funcionado como concorrente desleal à exploração particular, tornando extensivo ao público em geral
Página 4409
28 DE JANEIRO DE 1965 4409
directamente ou indirectamente, aquele benefício que deveria ser limitado única e exclusivamente ao seu uso interno ou privado.
O Sr Proença Duarte: - V Ex.ª entende que as farmácias das Misericórdias devem confinar-se às exigências das mesmas e não vender para o público V Ex.ª diz que as farmácias das Misericórdias têm concorrido com as particulares Dirijo uma Misericórdia e nela não se vendem remédios para fora e, se algumas procuram obter alguma receita com a venda para o público, não é por espírito especulativo ou lucrativo, mas para satisfazer às suas necessidades financeiras, pois elas têm de atender aos doentes pobres, etc.
Não me parece que seja de aceitar uma crítica as farmácias das Misericórdias como V Exa. fez, salvo o devido respeito pela sua opinião.
O Orador: - Discordo de V Exa. Se as Misericórdias precisam de rendimentos, não é às farmácias que os devem ir buscar. Essas farmácias são de excepção, portanto, devem ser exclusivas para uso das Misericórdias.
O Sr Proença Duarte: - A Misericórdia que represento está na posição que V Exa. prefere, mas não me parece ilegítima nem despropositada a venda ao público.
O Orador: - Evidentemente que deverá ser bem condicionado o funcionamento de tais farmácias, limitando a sua acção, de maneira a não se poder especular com uma excepção que, sendo bem concebida, tem sido tão desvirtuada.
Considerando outra excepção ao princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência a favor das instituições da previdência social, que já se vem verificando no sentido de se defenderem das exigências das farmácias abertas ao público e dos laboratórios de especialidades farmacêuticas, e, ainda, com a finalidade de disporem de uma farmácia privativa dirigida por farmacêutico diplomado, de molde a aviarem-se nas melhores condições de segurança técnica e com maior comodidade e economia as receitas formuladas pelos respectivos serviços médicos, quero observar que, embora sejam de manter aquelas que foram criadas ao abrigo de disposições oficiais, somente seria de permitir a instalação de outras em localidades ainda sem cobertura farmacêutica, limitando-se assim a concorrência às farmácias particulares.
Compreendo tal excepção apenas com carácter supletivo e, mesmo assim, somente em determinadas circunstâncias, em colaboração plena na resolução do problema da instalação e manutenção de farmácias em locais em que a sua falta se faça sentir, mas mesmo nesta circunstância deverá prever-se que a todo o tempo essas farmácias possam vir a ser pertença de farmacêuticos desde que surjam interessados na sua exploração.
Deste modo muito se contribuiria para que a cobertura farmacêutica do País acompanhasse aquela outra cobertura cujo movimento, já esboçado pelos diplomas da Reforma da Previdência e do Estatuto da Saúde Assistência, já aprovados nesta Assembleia, se espera venha a ser uma realidade no campo médico-social. E será do paralelismo desta tendência que resultará, sem dúvida, apreciável nível sanitário, contribuindo para a defesa da integridade física das populações e, consequentemente do nível social da Nação.
Sr Presidente, Srs Deputados Dada a afinidade que a minha profissão de médico tem para com todos os problemas relacionados com a farmácia, quero ainda fazer
notar, a favor da defesa do princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica, a confiança que deverá merecer no exercício da medicina a farmácia como seu complemento.
De facto, poderão os médicos confiar aã farmácia se esta não tiver como seu proprietário e responsável o farmacêutico, apto a colaborar no seu receituário com toda a eficiência técnica que o acto requer, e, mais até como visor, digamos assim, do conteúdo de fórmulas magistrais que porventura os médicos possam prescrever (não interessa se pouco se muito, pois basta saber-se que é facto que ocorre mais ou menos frequentemente) e para a elaboração das quais nunca será de mais ter-se em atenção a delicadeza extrema de certos conteúdos e dosagens?
Poderão os médicos confiar na farmácia que vem cometendo as maiores irregularidades, sempre difíceis de controlar e fiscalizar, mas que se sabe existirem em maior ou menor escala, quanto ao aviamento de produtos sem receita médica, mormente aqueles que pela sua composição possam porventura implicai consequências desastrosas, quando usadas inadvertidamente, como sejam os antibióticos, os tranquilizantes, os corticosteróides, os hipnóticos, os barbitúricos, os analgésicos, os abortivos e tantos outros submetidos a regulamentação especial de venda, mas que se sabe não ser respeitada?
Poderão os médicos confiar na farmácia adentro de cujas portas se receita sem receita àqueles doentes que na sua ignorância a procuram sem consultar previamente o médico? E a propósito, não seria de aconselhar que a proibição na venda directa ao público de produtos farmacêuticos se tornasse extensiva, em mais larga escala, a outros medicamentos além dos considerados, de molde a evitar precisamente abusos na sua utilização não vigiada por médicos, à semelhança do que acontece noutros países nomeadamente na França, onde há medidas escrupulosas nesse sentido?
Poderão os médicos confiar na farmácia onde se fazem tratamentos e aplicações de injectáveis, quando isso é expressamente proibido por lei?
Poderão os médicos confiar na farmácia onde se altera a prescrição médica, substituindo-se um medicamento por outro que se diz similiar (mas que muitas vezes não é) só porque é mais vantajosa e lucrativa a sua venda?
Poderão ainda os médicos confiar na farmácia onde se faz publicidade de certos medicamentos só porque dela poderão advir benefícios materiais para o seu proprietário? E aqui se me oferece ainda outra observação, e esta no sentido de condenar a prática consentida de se fazer publicidade com medicamentos tombem na imprensa que não médica, rádio e televisão, nada a favor da sua boa utilização, que deverá sempre ser controlada devidamente, e não deixar-se ao sabor de influências publicitárias, a que são tão sensíveis os doentes, nem sempre recomendáveis.
Não, Sr Presidente s Srs Deputados, nunca poderão os médicos confiar nas farmácias se delas forem proprietários meros comerciantes com investimento de capitais cuja rentabilidade esperam seja o único fim a atingir com a sua exploração Mas, pelo contrário, confiarão como em si próprios sabendo que o proprietário da farmácia será um licenciado com um curso de nível universitário para que naturalmente se sentiu atraído, pois crêem firmemente que as obrigações deontológicas serão respeitadas conscienciosamente e rigidamente cumpridas
Mas para salvaguarda de maus profissionais, que esses infelizmente há-os sempre, necessário se torna, como vem sendo preconizado, e bem, e que igualmente perfilho, a criação de um órgão que, dentro da organização corpora-
Página 4410
4410 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
tiva, oriente, vigie e faca cumprir escrupulosamente um compromisso deontológico afim, tal órgão poderá ser, à semelhança do que sucede com os médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, que, dignificando, embora disciplinando os seus membros, muito virá a contribuir para incutir confiança à farmácia pelo farmacêutico.
Sr Presidente Muitas outras considerações acerca da solução do problema da propriedade da farmácia a favor exclusivo do farmacêutico poderiam ser feitas, mas essas, ou sê-lo-ão ainda por outros ilustres Deputados na sequência do debate ou já o foram anteriormente de maneira tão sugestiva como aquela com que se iniciou esta discussão e de que foi autor o ilustre professor de Farmácia Deputado Nunes de Oliveira, a quem felicito sinceramente pela maneira superior como elucidou esta Assembleia com clareza e brilho que a sua formação naturalmente lhe determina E logicamente que certos pormenores serão ainda tratados com acuidade e minúcia na discussão desta proposta de lei na especialidade.
E, a terminar, quero desta tribuna formular o desejo de que na luz que há-de nascer desta discussão, naturalmente proveitosa por bem intencionada, resulte algo de novo que rasgue largos e novos horizontes em matéria tão delicada pelas múltiplas implicações que lhe são inerentes e que desejamos todos seja bem sucedida.
Assim impõe a saúde pública, assim imporá a Nação pelos seus legítimos representantes.
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Sales Loureiro: - Sr Presidente A questão que nos traz ao debate apresenta desde logo tais incidências e oferece, de pronto, tão amplas perspectivas que o seu enredado, compreensivelmente, comporta as mais estranhas soluções e justifica as mais antagónicas teses.
Essencialmente envolve problemas que oferecem à luz própria da discussão os alicerces jurídicos, doutrinários, em que assenta o direito da propriedade, por outro lado, revela a maior preocupação pela preservação da saúde pública, enquanto que concomitantemente expressa - e no mais alto grau! - a necessidade de valorizar profissionalmente o farmacêutico.
Mas importa destacar, e peremptoriamente, que no caso concreto da farmácia, por análise dedutiva dos argumentos e dos factos, por extrema simpatia por uma operosa classe a que os desmandos de certos ilegalismos só trouxe os maiores dissabores e, em certa medida, a desvalorização profissional, somos inequivocamente pelo princípio da indivisibilidade da propriedade e gerência técnica da farmácia.
Por razões intelectuais, sentimentais e humanas reagimos desfavoravelmente aos exclusivismos, às monopolizações, aos privilégios especiais, todavia, no caso concreto, são essas mesmas razões que militam, em prol da adesão que tácita e expressamente atrás afirmamos.
O problema da identidade lógica e jurídica dos termos gerência técnica-propriedade da farmácia está posto em texto legislativo. Não interessa já, pois, discretearmos a fenomenologia do caso Apraz-nos, sim, discutir sobre a maneira como a legislação a aprovar há-de equacionar o problema da sua aplicação, no seu todo e no jogo das excepções.
Interessa, sim, indagar como às consequências desta nova situação se irá desenvolver a cobertura farmacêutica de determinadas zonas do País, como importa, de certo modo, saber se as limitações e prazos que a proposta de
lei estipula não são demasiado limitativos para que se faça uma transferência em razoáveis condições de transacção, particularmente no caso da excepção em favor dos herdeiros legitimários descendentes e do cônjuge
Sr Presidente, Srs. Deputados- Foram as falhas do Decreto-Lei n.º 28 432, de 29 de Dezembro de 1933, que fizeram vir ao lume da discussão o chamado problema da propriedade da farmácia.
Embora a liberdade desta propriedade pareça ser princípio aceite em muitos países do mundo, não obstante, de outra sorte, o condicionamento dessa mesma propriedade não ter uma filiação histórica assegurada em nosso país, razões de ordem moral, científica e social, sem menosprezo da valorização profissional que é devida ao farmacêutico fazem-nos decididamente propender para o princípio da exclusividade da propriedade, reservada ao profissional da farmácia.
Justifica plenamente o critério de tal propensão o objectivo primacial de salvaguardar a saúde pública, como plenamente o satisfaz o facto de essa tarefa ser exclusivo de uma classe que, pela sua preparação científica e pelas suas obrigações deontológicas, há-de merecer a confiança geral que o País e a Administração agora lhe vão conceder.
De facto, as brechas permitidas pelo Decreto-Lei n º 23 422 autorizaram que o farmacêutico, reduzido por umas funções simbólicas a um papel de colaborante numa farsa, a da gerência técnica in nomine de certas farmácias, visse aviltada a sua profissão ao ponto de aceitar que a sua colaboração com a entidade patronal se resumisse apenas à assinatura do recibo mensal dos honorários l
Honorários baixos, que obrigavam ao recurso de outros idênticos patronatos'
Por outra via, a gerência, quando de facto e de uma forma efectiva se exercia por conta de outrem, provocava, por vezes, não só subserviência, como ainda repugnante exploração pela entidade patronal, o que levava directamente à degradação profissional.
Como tal, e porque os horizontes não só eram limitados, como até mesquinhos, observava-se uma rarefacção progressiva na frequência da carreira universitária de Farmácia, o que só por si explica o estado de coisas em que se vinha alicerçando o caminho oferecido àqueles que pretendiam seguir o rumo farmacêutico.
Daí a suprema necessidade de opor um travão neste desbobinar de inconveniências - e até de irregularidades! - que se vinha efectuando com o não cumprimento do aludido decreto-lei de 1983.
E à Administração compete não só defender a legislação que promove, mas ainda prestigiá-la, e com tanto maior urgência, quanto ela se revelar inoperante ante o objectivo que se propôs a defesa do interesse público, através da salvaguarda da saúde da colectividade nacional.
Ligada como está a actividade farmacêutica à promoção e defesa da saúde da família portuguesa, que não pode estar à mercê de uma actividade estritamente comercial, é de todo evidente que ao Estado compete estabelecer a legislação que faça dirigir a actividade farmacêutica para o fim previsto a prossecução na realização do bem comum - a saúde pública!
É com esse objectivo e para obstar à ganância, à fraude à ambição inconsciente de certos proprietários, que, de certo modo, coagem e vexam o gerente técnico, é cone vista à independência e valorização profissional do farmacêutico que o Estado, através de uma proposta de lei de um projecto de proposta e de um parecer da Gamar Corporativa, aceita como válido o princípio da indivisibilidade da propriedade e gerência técnica das farmácias
Página 4411
28 DE JANEIRO DE 1965 4411
Mas como de todo é vidente, tal princípio só resultará nos objectivos propostos, se de futuro os farmacêuticos não cederem perante os interesses económicos.
Oxalá, pois, que daqui em diante as normas deontológicas não se sacrifiquem às tentações do lucro é que a actividade do proprietário não prevaleça sobre a do técnico!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É, assim, indubitável que a independência só se fixará de uma forma absoluta com a coexistência da propriedade e da gerência técnica na mesma pessoa, como igualmente é assente que tal independência se cifra num abono a favor da saúde pública, ao passo que, por outro lado, se reforça a isenção e integridade profissional do farmacêutico, assim social e economicamente valorizado.
Desta forma, a proposta de lei que agora discutimos, pelos estímulos que ganha, criará o ambiente indispensável ao desabrochar e florescer de novas atracções pela profissão farmacêutica, com o que plenamente se justificará, para breve, que as Escolas de Farmácia de Coimbra e Lisboa ascendam a Faculdades, como é de inteira justiça.
Estas são, em suma, as motivações que nos levaram a optar pelo princípio da indivisibilidade na pessoa do farmacêutico, princípio que lhe assegurará a independência e promoção social a que tem jus, ao passo que por esta via se preza e defende no mais alto grau a sanidade pública.
Elucidativas são as deduções do Sr Prof. Braga da Cruz sobre este momentoso problema e flagrante a sua conclusão, ao afirmar que «só há uma maneira de prender o farmacêutico à direcção efectiva, real, permanente e assídua da farmácia de que nominalmente é gerente técnico, sem necessidade de fiscalização e de sanções, sempre dificilmente exequíveis e sempre ineficazes, que o ligar, também de forma efectiva, plena e definitiva, ao interesse económico da exploração do estabelecimento farmacêutico, pelo direito de propriedade sobre esse mesmo estabelecimento».
Sr Presidente Há quem receie que o novo regime de farmácia não faça, com a urgência requerida, a cobertura farmacêutica do País.
Para a efectivação desta cobertura, cada farmácia ou conjunto de farmácias haverá de possuir a necessária dimensão técnica e económica.
Todavia, a legislação que ora se discute tanto justamente concedeu aos profissionais de farmácia que legítimo é que deles também exija o máximo de colaboração na aludida cobertura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -E na regulamentação posterior deveria a Administração estipular quais, no caso corrente, as obrigações que deveriam impender sobre os organismos corporativos de actividade farmacêutica.
Como do mesmo modo seria de todo pertinente que as farmácias que abrangessem circuitos de raio superior a 10 km, e em áreas em que se justificasse fossem obrigadas à criação de ambulâncias ou postos de medicamentos, assistidos por ajudantes de farmácia, prestimosa classe, cujos direitos deveriam, na regulamentação prevista, ficar devidamente assegurados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É indispensável, urgente, a cobertura farmacêutica de extensas áreas rurais do País, a que o recurso aos partidos farmacêuticos pode conferir rápido provimento!
Passando agora ao último aspecto da questão que nos propusemos debater, refere-se ele aos melindres de vária ordem que se podem levantar ao direito da propriedade, quando olhado de uma forma discricionária.
Não me atenho apenas aos que assumem certas situações legitimamente criadas, mas igualmente aos que se relacionam com a transmissão desse mesmo direito.
Parece-nos assim que a regulamentação jurídica de todas as melancias que a propriedade comporta terá de ser cuidadosa e nau poderá criar situações extremas e dolorosas.
Entendemos que o facto implica não uma situação de meias medidas, mas sim de medidas internas, sem que, todavia, por excesso de zelo, ocasionem danos e inquidades que nem a defesa da saúde pública, nem a valorização profissional da classe farmacêutica, de qualquer modo, postulam!
Assim, por exemplo, considerado o prazo de um ano prescrito no n º 1 da base IV da proposta do Governo, entendemos que o mesmo, por múltiplas razões, é demasiado escasso.
Demais, os processos jurídicos que envolvem peças testamentárias desenvolvem, por vezes, no nosso direito forense, tão longo e demorado caminho que tal prazo poderá ficar, em certos casos, demasiado aquém das naturais delongas processuais!
Desta forma, seja a legislação que debatemos mais humana e compreensiva -até para certas leis! - e ofereça, neste caso, prazo mais dilatado, no qual certamente se encontrará a fórmula mais feliz para uma melhor equacionamento do interesse público com o privado!
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão Amanhã haverá sessão sobre a mesma ordem do dia Só que esta ordem do dia será constituída pela discussão na generalidade e possivelmente, se se esgotar a matéria na generalidade, pelo início da discussão na especialidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
Carlos Coelho.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Página 4412
4412 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 181
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Seabra Carqueijeiro. Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs Deputados que faltaram à sessão
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Maria Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O Redactor - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA