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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 182
ANO DE 1965 29 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO n.º 182, EM 28 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - Por lapso, no Diário das Sessões n.º 178, referente à sessão de 22 de Janeiro, na menção do expediente, disse-se que a Federação dos Grémios da Lavoura da Estremadura tinha felicitado o Sr Deputado Sales Loureiro pelo seu discurso da taxa de $40 sobre o vinho. Aquela Federação não felicitou o Sr Deputado Sales Loureiro, protestou contra a, sua intervenção.
SUMARIO: - O Sr Presidente declarou, aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr Presidente remeteu as Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local, para estudo, o aviso prévio do Sr Deputado Antão Santos da Cunha sobre as estruturas políticas, sociais e económicas do Regime.
O Sr Deputado Águedo de Oliveira falou sobre a navegabilidade do rio Douro e os minérios de Trás-os-Montes.
O Sr Deputado António Santos da Cunha ocupou-se da situação dos novos emigrantes em França.
O Sr Deputado Virgílio Crus expôs e examinou a crise unícola na região duriense.
Sr Deputado Pinto de Mesquita apreciou a intervenção do Sr Deputado Antunes de Lemos, feita no dia 20 do corrente, sobre transportes colectivos do Porto.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a proposta, de lei relativa a propriedade da farmácia.
Usaram da palavra os Srs Deputados Gamboa de Vasconcelos, Artur Pimentel e Abranches de Soveral.
O Sr Presidente considerou encerrado o debate na generalidade daquela proposta de lei.
O Sr Presidente encerrou a sessão às 19 hora e [...] minutos.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs Deputados.
Angelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Mana Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
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Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Bui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr Presidente: - Estão presentes 70 Srs Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr Deputado Nunes de Oliveira na discussão na generalidade da proposta de lei sobre a propriedade da farmácia.
Vários a apoiar as intervenções dos Srs Deputados Costa Guimarães e Burity da Silva na mesma discussão.
Vários a manifestar a sua discordância com essas intervenções.
Vários a apoiar a intervenção do Sr Deputado Gonçalves Rapazote sobre tributação da camionagem particular.
O Sr Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109 º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n º 16, 1.ª série, de 20 de Janeiro de 1965, que insere os Decretos-Leis n.ºs 46 165, que confia a Comissão Administrativa das Novas Instalações para as Forças Armadas, como serviço especial e extraordinário, a realização do bairro residencial da base aérea n.º 11, compreendendo a elaboração dos estudos e projectos, a aquisição e urbanização dos terrenos e a construção das instalações necessárias, 46 166, que autoriza o Ministro do Ultramar a celebrar, em representação do Estado Português, com a General Trade Co , S A , de Genebra, um contrato pelo qual esta empresa se obrigará a organizar o financiamento do fornecimento de equipamentos, da execução de projectos industriais, e da realização de obras públicas, na medida em que uns e outros se revelem necessários para o desenvolvimento económico da província de Angola, e 46 168, que extingue na província ultramarina de Timor a Missão Permanente de Estudo e Combate às Endemias, criada pelo Decreto n º 41 829, e cria, em sua substituição, a brigada itinerante de estudo e combate às endemias da mesma província.
Srs Deputados Conforme a faculdade que me é conferida pelo Regimento, no § 2.º do artigo 50.º, vou enviar, para estudo, às Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local a nota de aviso prévio apresentada na sessão de 19 de Março do ano transacto pelo Sr Deputado Antão Santos da Cunha
Diz esse § 2 º do artigo 50 º do Regimento que «Quando a importância da matéria o justifique, poderá o Presidente submeter às comissões que julgar competentes o estudo do assunto, podendo o autor do aviso prévio assistir às respectivas sessões». Entendo que o assunto é, na verdade, de tal importância que devo mandar, como mando às Comissões referidas o citado aviso prévio.
Tem a palavra o Sr Deputado Águedo de Oliveira
O Sr Águedo de Oliveira: - Sr Presidente Do Nilo ao Reno, passando pelo Danúbio, dos canais do Tamisa que a rainha Ana mandou abrir para que os primores vegetais chegassem a Londres viçosos e puros, os rios navegáveis embaratecem facilitam e completam o transporte numa economia racionalmente organizada.
A navegação do Douro não é apenas uma justa aspiração dos povos, mas um novo elo de um Portugal renovado, e, sobretudo, uma derivação rentável, no momento em que a indústria transformadora e extractiva derem as mãos e se voltem para o futuro e para o bem nacional.
Mas a aspiração convertida em projecto e de projecto em programa exequível de trabalhos apresenta modalidades técnicas e alterações que convém rememorar aqui, dado o silêncio feito sobre certos aspectos.
Pôr diante do público um esquema de grandes linhas tal como:
Eclusas de tipo médio - poucas centenas de milhares de contos
Canais de calado 2,80 m - 7200 contos
Sete portos fluviais - 30 000 contos
Navegação - 60 000 contos anuais durante certo período
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Ficar por aqui seria reduzir em demasia e traçar com um tira-linhas três ou quatro riscos a preto no quadro branco.
Existem problemas técnicos, dificuldades naturais, trabalhos penosos de resultados decepcionantes e até erros de concepção, desacertos, inadvertências, enganos naturais nas operações de grande escala e depois multiplicados pelas resistências de uma região áspera, desconcertante e problemática, na conquista da riqueza natural.
O Douro está sujeito ora a secas catastróficas de largos meses que esterilizam o crescimento, ora a cheias tumultuarias e destruidoras que arrasam todos os estorvos postos ao seu ímpeto.
Ele é um fio preguiçoso, sussurrante, perdido nos recôncavos, como avistavam o Jacinto e o Zé Fernandes de Guiães durante meses e meses, e, de repente, recobre, submerge e leva na sua frente caudalosa as penedras e arribas e também as terras proveitosas dos vales e encostas.
A sua inclinação parece demasiada. A sua foz dificílima e carregada de presságios.
As barragens de Portugal e Espanha nada têm oposto, neste particular, às inundações inopinadas, que continuam por igual destruidoras e perniciosas.
Portanto, a navegação do Douro, requerendo abrigos, interrupções, levantando novos problemas, não é isenta de custos adicionais, de despesas e perdas incalculáveis, de novas implicações e de obras de grande envergadura.
As próprias embarcações terão de recolher a porto de abrigo e não ficarão seguras em várias emergências.
Esta obra é complexa.
Nada menos de cinco escalões - Atães Garrapatelo, Régua, Valeira e Pocinho.
Obras de acostagem e portos no Focinho, Foz-Tua, Porto Manso, Castelo de Paiva e Germunde.
Não se ficará por aqui.
Serão necessários canais de derivação e haverá que recorrer a outras instalações de descarga.
Ter-se-á que recorrer também a teleféricos e outros meios, tanto no Pocinho como nas ligações ao canal Douro a Leixões.
Aqueles que planearam a navegabilidade do Danúbio e do Reno tiveram menos problemas, e porque se trata de correntes regulares, tanto no Verão como no Inverno, as suas frotas de embarcações - automotoras, peniches, reboques, cisternas - puderam ser organizadas de modo mais simples e pronto e já existiam antes das grandes obras públicas de barragem e aproveitamento eléctrico.
Os projectos oficialmente apresentados para tornarem navegável o Douro apresentam um obstáculo formidável, de solução quase angustiosa.
A albufeira a construir em Foz-Tua implicará uma submersão da linha de caminho de ferro de 43 km.
Reconstruir esses 43 km de barrocais, fraguedos e despenhadeiros parece hoje obra de ciclopes.
E por isso se põe como solução indispensável a derivação da linha de Bragança, de Mirandela ou de Cachão para o Pocinho, ou para o concelho de Meda, servindo é certo, o vale de Mirandela e o vale de Vilariça, mas transformando e aliciando estes terrenos de feracidade insuperável.
É certo que a linha amputada apresenta reduzido tráfego, mas oferece a ligação mais curta à via duriense que se faz pelo Porto e terá de fazer-se por Coimbra com o mar.
Algumas pontes, entre elas a de Abreiro, seriam danificadas e alguns terrenos ribeirinhos viriam a ser cobertos pela lagoa artificial, gerações de trabalho penoso e heróico que se veria perdido!
Haveria ainda um túnel difícil por alturas de Roios a Meireles.
Teria de rever-se ainda o plano de estradas, perder-se-iam muitos mercados, alterar-se-ia a fácies da economia local e, somados custos, alterações, despesas e incómodos, ficar-se-ia na maior das perplexidades. Mas sem coragem resolutiva e sem prejuízos nada se faz hoje.
O plano rodoviário teria de ser, por igual, revisto, feito de novo, e conduziria não se sabe até que linha remota de consequências.
Também a navegação do Douro vai implicar desvios e novas sistematizações rodoviárias por alturas de Bagaúste e do Carrapatelo.
Recorrer a novos aproveitamentos hidroeléctricos com facilidades de atravessamento, de uma para outra margem, são novos problemas para os quais, não obstante a justificação de custos e sua compensação, Correspondem novas dificuldades sem conto.
Portanto, a primeira face da navegação do Douro tolda-se, enruga-se, vê-se contraturada por grandes preocupações, problemas técnicos e dispêndios.
A linha do Douro estaria em vésperas de graves alterações. O esforço feito pela grande administração ferroviária - tão grande que deixa a perder de vista algumas das nossas Secretarias de Estado - no sentido da melhoria técnica, da comodidade geral, da segurança e da aceleração de suplantar a penúria financeira merece louvor que, a despeito de críticas, não pode ser regateado.
Admiro aqueles que venceram as fatalidades de um passado de desmantelamento e confusão.
E que puderam renovar a via, alargar as estações, reorganizar quadros e serviços, introduzir a tracção Diesel e electrificar, dentro de possibilidades financeiras mais que medidas e das ajudas de um Estado que nunca poderia ser generoso em demasia nem liberal com excesso.
Reporto-me ao comum da regularidade e eficiência ferroviária, mas encontro um espinho, ou pelo menos uma mancha, na face clara dos avanços e melhorias.
Não quero dizer que não está bem, mas parece-me de estrita justiça e plenitude reclamar que os serviços do Douro sejam elevados tis alturas do Minho e do Sul e Sueste, cuja rentabilidade e intensidade de tráfego e coeficiente de exploração relativo não alcançam aquele.
Ora, reclamar a navegação duriense significa para alguns o abandono da linha do Douro, a sua morte aos pedaços ou, pelo menos, a sua cristalização num mínimo de despegas, construções e mais-valias.
Mas também isto não ascende aos foros de cânon absoluto.
A navegabilidade do Douro não pode aceitar-se que relegue para segundo plano ou deixe ao abandono a linha do Douro.
Impõem-se melhorias de estrutura e de serviço como até aqui.
Impõe-se a renovação das pontes, a dilatação dos patamares e das estacões, as rectificações do traçado, o abatimento do túnel da Pala.
Com estes aperfeiçoamentos, com acelerações indispensáveis, com vagões apropriados, plataformas, facilidades de embarque e tarifas proporcionadas, com um transporte aéreo ou uma declinação Carvalhal-Pocinho, o minério de Moncorvo poderia seguir até Leixões naturalmente depois de elevado o seu teor e apresentação.
Sabemos o que pode ser feito no sentido da rapidez, da eficiência, da irradiação e da modernização, porque
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assim puderam ser obtidas prontas melhorias no cominho de ferro de Untali à nobre cidade da Beira moçambicana.
Pôr uma alternativa ou o rio ou a linha férrea, é que me parece um raciocinar simplista, o corte de um nó muito complicado em duas metades, o salto por cima das questões, em vez de enfrentá-las com coragem.
O problema tem, pois, de ser analisado devidamente, considerado nas suas múltiplas facetas por quem de direito - pelos técnicos, pelos organismos oficiais e pelos governantes.
E também será considerado pelos povos interessados no descomunal melhoramento que se apresenta, não como um prisma brilhante de cristal, mas inçado de arestas vivas e de obscuridades.
Tanto eu como alguns dos meus colegas, estes muito distintos, como os meus eleitores, como o distrito de Bragança enfim, não queremos apenas o atractivo da navegabilidade duriense, queremos a navegação do Douro português, isenta de problemas e de perplexidades.
Também não queremos a mu agem de um Douro navegável lá para as Calendas gregas ou a sua redução a um pequeno troço inicial, satisfazendo uns e deixando outros à espera de inabordável maná, mas sempre em jejum.
Não desejamos alternativas que prejudiquem os comunicações ferroviárias e rodoviárias muito distanciadas ainda de um ideal tão desempoeirado como dinâmico
O assunto está na mesa da discussão e não é uma ilha utópica e embaladora para reforçar a simpatia da nossa gente Que pretendo eu?
Afirmações formais, declarações iniludíveis e prontas dos responsáveis!
Falemos, dos idle ressources.
Foi, há anos, um tema vibrante abordado em muitos tons, na literatura económica, a teoria dos recursos naturais «preguiçosos»
O grupo de doutrinas sobre a valorização integral do solo, sobre a economia do pleno emprego e do crescimento económico acelerado condensou-se, no après-guerre, em torno da imperiosa necessidade de valorizar os recursos naturais, tanto em força como em matéria-prima.
Por outras vias e pelas mesmas alturas, Keynes e os seus sequazes marcaram aqui um encontro e não faltaram em coincidências e paralelismos.
Foi então dito que esses recursos aguardaram aproveitamento, exploração e conversão em leal riqueza o que dormiam, sob o manto da torra, um sono, ou jaziam num abandono que não dignificara os construtores da economia nacional nem impulsionava para mais alto a abundância e bem estar da comunidade.
Veio assim a ideia de que se tornara necessário sacudi-los do torpor, exumá-los ao sol, mobilizá-los e transformá-los com brevidade para os pôr ao serviço do bem geral, elevando a sua potencialidade e acrescentando os resultados úteis da sua entrada em serviço.
Impuseram-se portanto conceitos generalizados, doutrinas de utilidade colectiva e de elevação da condição humana e com elas, a doutrina assente de uma localização racional de indústrias, juntamente com a plast cidade das indústrias e paradigmas justos de desconcentração, dando-se fim às iniciativas singularizadas de empresários, à subordinação sistemática aos aglomerados urbanos e à repartição da indústria, acudindo às zonas mortas do território, aproximando-a sempre das fontes de energia e das fontes de matéria-prima.
Nesta lógica - uma economia de crescimento em dimensão e em altura, de superior intensidade, de melhorias de circuito, de multiplicador e reprodutividade, de progresso social, não podia deixar os recursos naturais ao abandono, não .podia deixar os recursos em torpor, nem devia aceitar, como cómodo mandar vir do estrangeiro o que por aqui não falta, antes devíamos trabalhar o que temos, em vez de fabricar com o que nos vem.
Devíamos evitar servidões e não procurar novas vassalagens. Não quer isto dizer autarquia para a guerra, ou defesa outrancière, em que o militar excede a tudo.
Significa mas é que a indústria transformadora há-de assentar-se perto das minas e dos grandes estabelecimentos onde se capta e donde irradia a energia, onde esta possa sei mais em conta.
Porque para diminuir custos e alcançai preços competitivos muitas fábricas terão que ser alpestres, levadas para as serras, os planaltos e vales interiores.
A metalurgia de ferro nas regiões de Oisans Trèves, Modane, Argentine, Épierre, Allevard, Préalpes, Grésivaudan, etc , mostra o que afirmo.
Portanto, não basta reconhecer destacar, valorizar, apreciar com relevância o supremo valor da indústria extractiva na programação e encarecimento do fomento.
Ela determina a localização e funcionamento da indústria transformadora.
Os recursos naturais, juridicamente não podem adormecer na mão de concessionárias, havendo que valorizá-los e pô-los ao serviço do comum.
Também o transporte há-de facilitar a expansão de uma produção natural transformada, não o demorando, nem o encarecendo.
São princípios de emprego, de valorização, de expansão e sobretudo, de desenvolvimento que há muitos anos ninguém põe em dúvida.
Não podem ser esquecidos
E, como tal, o meu primeiro dever é lembrá-los
O sono demasiado é quase sempre inimigo da vida activa!
E o esquecimento relega os problemas e acaba por humilhar as verdadeiras soluções!
Não tendo tomado parte no último aviso prévio, peço licença, Sr Presidente, para endereçar daqui um louvor à parte das considerações do Sr Deputado Gonçalves. Para sobre os problemas siderúrgicos compreendidos na sua verdadeira dimensão nacional.
Toda a sua intervenção, nesta parte, foi viva, corajosa, desprezando atenuações, rodeios e ornatos, procurando o interesse real dos povos sem fazer caso de lisonjeiros reflexos.
Não vale a pena discutir o passado, mas a solução nacional de fontes de matérias-primas, fontes de energia transporte, emprego e colocação nos grandes mercados é uma só.
Em todo o caso permita-se uma insistência.
0s teores praticados hoje no Ocidente europeu do minério de ferro são estes:
Alemanha Ocidental 31-33
Áustria 31
França 31-32
Grã-Bretanha 27-30
Luxemburgo 27
O Roboredo apresenta teores de muita superioridade
Zona mais rica 52-54
Grande parte 40-41
Zona pobre 30-35
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Este minério encontra-se em céu aberto, sem dependência de minas, galerias e furos profundos.
O que é pobre aqui é rico na grande Europa!
A parte indesejável de sílica e de fósforo pode baixar por meio de operações apropriadas.
Depois disso, o minério pode ser concentrado, peletizado, expedido, descendo até ao Douro navegável ou à linha férrea renovada e adaptada a tais serviços.
Fazer indústria à boca das minas - e não são minas, são serras - significa lutar contra a miséria, a pobreza, a fraqueza económica, as perdas pela expatriação, a sangria daquelas regiões, a tristeza do Nordeste transmontano.
Tem o Governo gasto - com a melhor das intenções - avultadas quantias pelos seus altos institutos em bolsas de estudantes e universitários no estrangeiro, com uma isenção e um desprendimento sumamente elegantes.
Não se pode evitar - também engordou assim alguns enfatuamentos que condensaram em crisol de hostilidade, libertando-se de todo o dever de gratidão.
Pois acho que o Governo faria bem mandando estudar o milagre económico dos Alpes Franceses. E alguns bolseiros deviam ser para ali mandados.
A indústria pesada nasceu, criou-se, progrediu e cresceu nos Alpes Franceses porque se impôs o consumo local da sua energia, em vez do seu transporte à distância.
Mas a localização não foi sómente determinada por esta, mas porque ali, nas suas dobras e refegos, se encontraram grandes fontes de matéria-prima e se adensaram as florestas. Onde havia massas abundantes de minério de ferro aí se procedeu ao seu fabrico.
Primeiramente fundiu-se, depois concentrou-se, a seguir elaborou-se e fabricou-se e por fim aparecem a produção do aço fino e a metalurgia aperfeiçoada.
O primeiro lugar pertenceu à matéria-prima, o segundo à proximidade da energia e o terceiro à existência de combustível.
Produzem-se hoje eixos, rodas, molas, chapas, laminados, blindagens. A electrometalurgia nasceu, ganhou corpo e vê-se hoje mais que florescente.
O exemplo facultado por uma siderurgia triunfante, que é a da Itália, permite responder, por via diversa, aos que levantam dificuldades à utilização imediata dos minérios do Roboredo e receiam tecnicamente os empreendimentos de vulto colocados no seu lugar.
A Itália não possui minas abundantes, não dispõe de apreciáveis existências de lenhas e carvão, mas dispõe nos seus Alpes e Apeninos de energia hidroeléctrica que lhe permitiu fazer rodar os seus comboios quase sem despesa de impulsão.
Todavia, a sua indústria siderúrgica e a sua metalurgia afinada dão cartas, não obstante ter que comprar minério e sucatas.
O exemplo italiano prova de menos e prova de mais.
Prova de menos - mostrando que técnicas aprimoradas e resolutivas e, sobretudo, técnicas avançadas, obtêm resultados brilhantes onde pouco se poderia esperar.
Prova de mais - que onde houver fontes de matérias-primas e aprovisionamentos de energia hídrica não se devem tolerar problemas ou perplexidades.
Há actualmente uma viragem nos centros fabris e comerciais internacionais com os seus laivos de crise de procura.
Alteraram-se as características dos mercados da especialidade e, com elas, as alturas de preço e facilidades habituais de negócio; alteraram-se as colocações.
A moda anterior eram gusas aglomeradas em pedras ou em blocos com 10 em de aresta e teores de 50 por cento. A sílica aceitável andava por 10 por cento e Moncorvo apresentava mais.
Agora pedem minérios concentrados de 65 por cento e com 4 por cento de S.O, de peletizados e sinterizados.
Resultaram assim estorvos e complexidades postos às exportações e até perda de mercados muito prejudicial.
As perspectivas do minério de ferro de Angola diferem bastante do que aí corre.
Tem ele que vir em carregadores de 20 000 t, para colocação na economia mundial.
Hão-de descarregá-lo no Cristo-Rei para ser embarcado nos batelões e fragatas tradicionais do Tejo.
Terão depois dificuldades ao passar em Coina, na direcção do Seixal.
Um rebocador arrastará uma, duas fragatas do Tejo, quando muito, o que embaraça.
Mas Angola, como Moncorvo, quer concentrar o minério, elevar-lhe o teor para facilitar o transporte e acentuar os lucros.
Os meus elementos de estudo são incompletas, embora copiosos quanto à economia regional, e datam de Maio de 1961.
Parece-me prematuro afirmar que, por virtude do projecto de uma ou duas eclusas, o Douro vai-se tornar rapidamente navegável e os demais problemas aparecerão solucionados.
Não devemos julgar o cavaleiro pelas botas.
Aguardemos pacientemente que as entidades responsáveis se pronunciem com clareza e amplitude sobre um tema que nos entusiasma, mas que não contém o elixir capaz de abater teclas as nossas dificuldades.
Deste lugar peço às entidades declarações políticas persuasivas e esclarecedoras sobre uma matéria que tanto lida com as nossas aflições como assenta nos nossos sonhas mais caros!
Sr. Presidente, muito obrigado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Foi-me permitido por V. Ex.ª, ao conceder-me a palavra na sessão de 24 de Janeiro de 1962, que abordasse nesta Assembleia o problema da falta de apoio, por parte do Estado, aos "centros populacionais de portugueses que, em todo o Mundo, nas mais distantes latitudes, podem e devem ser os grandes agentes da nossa verdade com que, no estrangeiro, temos- de fazer face à ofensiva que, contra nós, sem descanso, se desenvolve".
Apelei então para o prestigioso Ministro dos Negócios Estrangeiros e é-me grato, profundamente grato, dizer que não foi em vão que o fiz, pois o embaixador Franco Nogueira não só providenciou com eficácia em alguns aspectos do problema, como, contrastando com aqueles que se encerram nas suas torres de marfim, fechando os ouvidos às justas reclamações e críticas que são feitas aos departamentos de sua responsabilidade e apesar da importância dos assuntos que lhe cabem, e das inúmeras e pesadas responsabilidades que sobre ele pesam, encontrou tempo para, por sua espontânea iniciativa, me receber e escutar de uma maneira fidalga e atenta, pelo que aproveito esta oportunidade para lhe dizer do meu reconhecimento, interpretando assim, estou disso certo, o de todos os Srs. Deputados, que não deixarão de ver nesse facto, como eu uma nova prova do respeito e consideração daquele ilustre governante pelo mais alto órgão da soberania nacional, pois nem sequer tinha o prazer de conhecer S. Ex.ª pessoalmente. E aproveito a circunstância para
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insistir na verdade por vezes esquecida de que, mais do que nunca, hoje é necessário prestigiar os órgãos do Regime se, a sério, queremos que ele perdure como o interesse nacional o impõe, pois todo o resto é desgraçadamente transitório as, gerações, como os homens, passam, pois nada pode impedir a lei natural da vida.
Referi-me então - e vou-o fazer hoje de novo - à situação dos emigrantes portugueses em França, ao desamparo a que estuo votados e, de uma maneira muito especial, à necessidade de preservar o nosso emigrante da acção desnacionalizados que sobre ele se pretende exercer, e exerce, acção que as condições do seu viver facilitam, no sentido de lhe arrancar do coração os três maiores, sentimentos que podem enobrecer a alma humana o amor de Deus, o amor da Pátria e o amor da Família.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - É necessário, é urgentíssimo, que a Igreja e o Estado dêem as mãos, de modo a não permitirem que se esvazie a alma dessa boa gente dos grandes amores a que me referi. Nestes como noutros campos, uma acção comum impõe-se e seria criminoso que se não realizasse. O problema não é só nosso, não é só dos Portugueses, sabemo-lo bem. Têm que atender a ele todos os países que vêem os seus filhos emigrarem em grandes caudais, como é o caso de Portugal.
O valoroso chefe de Estado da nossa vizinha Espanha entendeu mesmo referir-se ao problema na sua mensagem de Ano Novo, e orgulhosamente - e não se trata do lendário orgulho castelhano, mas de uma situação de facto - afirmou que a Espanha estava na dianteira de todos os povos quanto à assistência religiosa e social que vem prestando aos seus naturais que trabalham em terra estranha.
O generalíssimo Franco sabe, como nós sabemos, que toda essa gente, que o desejo legítimo de buscar melhores condições de vida levou para terras distantes, há-de voltar um dia à sua terra natal ou porque as condições de vida ali se modificaram e lhes permitem o viver que desejam - assim o esperamos em breve suceda no nosso Portugal -, ou porque lhes foi possível aferrolhar alguns patacos que lhes permitam correr à sombra das mesmas árvores a que se abrigaram, para brincar em meninos ou ainda porque a saudade, roendo-lhes o coração não lhes permitiu maior ausência do torrão natal. É triste beber água que não seja da nossa terra, dizia-me, em carta recebida pelo Natal, um dos homens que se encontram a trabalhar na Alemanha.
Seria verdadeiramente funesto que essa gente regressasse portadora de doutrinas malévolas e vazia de sentimentos nobres, contaminando assim a alma da Nação, que nos compete defender a todo custo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo indica que, se não tomarmos prontas medidas, assim sucederá e não há dúvida de que não se encontra outro meio de manter os emigrantes portugueses coesos no seu amor à Pátria e à Família senão preservando-lhes no seu íntimo os princípios cristãos em que foram educados. Quando falo em princípios cristãos, e por maior sentido ecuménico de que me pretenda revestir, só entendo, como português de velha cepa que sou, o sentido católico apostólico e romano.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - No Congresso das Comunidades que ultimamente se realizou em Lisboa - iniciativa oportuníssima e frutuosa que é justo não deixar de encarecer, como justo é louvar quem dela teve lembrança e iniciativa - foi também o problema abordado, dando-se-lhe assim a importância que o mesmo tem, e as conclusões a que se chegou neste ponto são elucidativas.
Sr Presidente Como disse, desejo especialmente e de uma maneira concreta referir-me à situação dos nossos emigrantes em França e à necessidade de, a sério, lhes darmos uma perfeita assistência religiosa e social, se não quisermos perder de vez essa imensa multidão de portugueses a que o Partido Comunista avaramente quer deitar as mãos, e algo tem conseguido, dados os meios de que dispõe, que lhe permitem dai as maiores facilidades de ordem económica aos nossos emigrantes, socorrendo-os e tirando-os da situação de desespero em que a maior parte se encontra ao chegar a França, dada a vida degradante que os espera.
O Sr Sales Loureiro: - Considero da maior oportunidade e com a maior prevalência as considerações que V Exa. está a proferir, sobretudo pelo que diz respeito França e neste caso quero salientar que é triste, profundamente triste, que núcleos portugueses regressem à Pátria trazendo os seus filhos a falar uma língua que não é a nossa.
Por isso saúdo V Exa. e renovo os agradecimentos pelo que está a dizer.
O Orador: - Agradeço a V Exa., porque sou um Deputado que, vivendo os problemas da nossa terra, aqui os tem trazido, talvez de uma forma idealista, mas com toda a sinceridade e entusiasmo Agradeço mais uma vez a V Exa.
Apesar da boa colaboração estabelecida entre os organismos oficiais, nomeadamente entre a Junta da Emigração e a Direcção Nacional das Obras Católicas para a Emigração, assinalada em documento que me foi dado ler, facto que gostosamente refiro, a verdade, a verdade que aqui denuncio perante a Câmara e o Governo, é que a situação, longe de melhorar, se agravou assustadoramente no ano findo.
Não resisto a transcrever palavras cheias de realismo desse documento que me foi dado ler. «Não pode ficar alheio à gravidade do problema da emigração portuguesa dos nossos dias quem se sinta responsável pelo bem das almas e pela salvação dos valores morais do nosso povo. Só para França saem todos os dias do País cerca de 100 emigrantes, o que perfaz um total de 36 500 por ano. Estes e muitos outros voltarão um dia às suas terras, mais ricos materialmente, mas talvez empobrecidos de fé e valores morais, mais evoluídos técnica e socialmente, mas também mais exigentes e inadaptados à vida das suas terras e aos seus costumes tradicionais.
O Sr Sales Loureiro:- Muito bem!
O Orador: - «Haverá uma transformação na sua vida familiar e social que afectará o País inteiro Esta transformação será tanto maior quanto menor for a assistência que se lhes prestar durante a sua longa ausência no estrangeiro.
Chegou o momento de se tomar consciência da realidade e lançar mãos ao trabalho enorme que ainda nos pode salvar de uma derrocada.
Teriam de se mobilizar todas as forças vivas, de dentro e de fora do País, Igreja e Estado, religiosos e leigos, num
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cerrai fileiras para uma luta de vida ou de mor necessário preparar os que ficam e os que emigram para esse choque psicológico de mentalidades e de que a ressaca da vaga migratória causará num futuro próximo»
Quem poderá dizer que assim não é, que o reflexo descristianizador que dessa ressaca advirá pode o sentir do nosso povo, se desde já a Igreja e o Estado, volto a repeti-lo, porque a tarefa é comum e a ambos pertence, não fizerem tudo quando em si caiba para se salvar o sentimento religioso e lusíada do nosso trabalhador emigrado.
Em França, para 150 000 emigrantes, contam-se apenas 5 padres portugueses. Em Paris contam-se 80 000 portugueses e dispomos apenas de 2 sacerdotes da benemérita missão católica a cargo dos padres da Congregação do Coração de Maria.
A emigração clandestina é verdadeiramente desastrosa e chega-se a perguntar se não seria preferível fazer como na vizinha Espanha, onde os passaportes de turismo são facilitados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seria uma maneira de, automaticamente, destruir a organização clandestina com todo o seu cortejo de injustiças e opróbrio.
O Sr Martins da Cruz: - Muito bem!
O Orador: - O trabalhador seria livre na sua reflexão e espontâneo na resolução da partida e não partiria fortemente empenhado, e muitos deles voltariam prontamente ao depararem com o panorama que os espera, o que, assim, não podem fazer com medo às lógicas consequências penais e ainda porque lhes falta o dinheiro para pagar aos engajadores, que lhes tiraram a última camisa do corpo, como é uso dizer-se.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - Quebrar-se-ia ainda o messianismo, enfim, deixaria a emigração de ser o fruto proibido que se Conhecemos as fortes implicações que o problema pelo que nos limitamos a pô-lo perante o juízo sereno dos responsáveis.
Sr Presidente O nosso trabalhador, ao chegar a França, vê-se geralmente perante uma situação angustiosa ignora a língua, o ambiente, que lhe é hostil, e encontra muito piores condições de alojamento do que as que tem aqui. Depressa cria um complexo de inferioridade, um estado de constante depressão. Uma ânsia o domina, para outra coisa não foi lá ganhar dinheiro, pois precisa de pagar a dívida que criou para poder partir, e o que procura é entesourar o mais que possa. Torna-se assim numa máquina de trabalho. Horas suplementares sem qualquer preocupação de saúde ou de repouso. Os que emigraram clandestinamente, e são mais de 65 por cento, têm ainda na alma o amargor do que passaram em viagem, das injustiças e maus tratos que sofreram.
Mais do que as doutrinas subversivas que lhe incutem, esta situação destrói nele toda a riqueza humana que possuía.
No aspecto moral, embora o emigrante casado mantenha geralmente uma preocupação de fidelidade à família, vão aparecendo casos de lamentável abandono familiar. Aos jovens abre-se uma, vida licenciosa cujas consequências são manifestas.
A mulher, essa, é quase sempre infeliz. A mulher casada sente-se longe dos seus filhos e do seu próprio marido, senhores de uma nova mentalidade, que ela geralmente não assimila. Quanto às raparigas, é ínfima a percentagem das que se conservam dignas.
Perante tão desastroso quadro, de que dou apenas leves traços, escuso-me de afirmar, mais uma vez, o quanto é fácil a esta gente perder o contacto com a vida cristã, e esta é o grande esteio do seu portuguesismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em Portugal urge preparar melhor o emigrante para o mundo que o espera. Em França é necessário acolher e amparar devidamente as comunidades que ali se vão formando Geralmente, o emigrante português - que tem como nenhum outro, isso se tem verificado, receptividade para o sentimento religioso - estabelece contacto com as missões católicas, procurando que estas o ajudem a resolver as suas dificuldades O esforço que as mesmas desenvolvem é verdadeiramente notável e insubstituível.
O Sr Brilhante de Paiva: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr Brilhante de Paiva: - Tenho estado a escutar as considerações de V Exa. não apenas com o raciocínio, porque elas merecem o aplaudo entusiástico de quem tenha amor aos seus compatriotas, que vão constituir lá fora famílias que não são portuguesas Parece-me que é esse o ponto crucial Não há igrejas, não há escolas, para manter dentro do patriotismo essas famílias emigradas Também a protecção familiar não existe.
Por esta razão eu sinto as palavras de V Exa. com dobrada comoção e não quero deixai de novamente felicitar V Exa. pelas considerações que vem fazendo.
O Orador: - Muito obrigado a V Exa., e apenas quero dizer porque se trata de famílias que lá fora vão constituir outras de natureza diferente. Devo dizer que na Alemanha ainda é pior, porque não deixam ir para lá as famílias.
O Governo tem de olhar para o problema, que é da maior gravidade
S. Exa. Revma. o Sr Arcebispo Primaz deslocou-se propositadamente a Paris para presidir a uma reunião que, na segunda-feira de Páscoa, se realizou na Missão Católica da capital da França.
O coração do prelado bracarense veio enternecido com o espectáculo que lhe foi dado ver o amor à Igreja e à Patuá naqueles milhares de homens e mulheres que em seu redor se ajuntaram em grande parte oriundos da sua arquidiocese. Por outro lado, o seu coração de pastor alvoroçou-se sofredoramente ao ver que eram quase nulos os meios de que a Missão dispunha para fazer face à situação que se lhe deparava. Urge que, ao lado das Missões, se criem secretariados sociais e centros de alojamento que possam resolver os inúmeros problemas que diariamente se apresentam, com os mais variados aspectos.
Sr Presidente Um problema que merece também especial atenção é o da criação de escolas que contribuam não só para que o nosso emigrante atinja o mínimo de preparação que não nos envergonhe e lhes facilite a vida, como também para educar as crianças portuguesas em idade escolar, que depressa esquecerão a nossa língua e ficarão sem o mais pequeno conhecimento da nossa história e da nossa geografia
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No tocante à aflitiva falta de sacerdotes, o nosso venerando Episcopado não pode deixar de encarar esta situação e, embora com sacrifício das suas próprias dioceses, têm que providenciar no sentido de enviar para Fiança padres que permitam uma assistência eficaz aos nossos emigrantes.
O Governo deve, materialmente, auxiliai esse esforço que eu peço aos bispos de Portugal e criar as escolas a que acima me refiro, que devem funcionar com cursos nocturnos e de fins de semana, sempre em ligação com as missões católicas, e dar aos secretariados sociais, a criar os elementos necessários para que estes possam opor-se aos secretariados que criou o Pai tido Comunista Francês, de rígidos por portugueses renegados, alguns deles fugidos ao serviço militar.
Os professores a nomear para as escolas a que me refiro têm de ser portadores de uma sólida formação religiosa e nacional, de modo que possam encabeçar o movimento laico que auxilie os sacerdotes nos objectivos em vista, que são comuns à Igreja e à Pátria.
Na verdade, é imperioso que se foi me um laicado actuante que possa estabelecer verdadeiros centros de irradiação lusíada.
A Missão Católica de Paris, até agora deficientemente instalada, está em vias de se albergar num prédio que oferece já um mínimo indispensável aos objectivos que se têm em vista São, por isso, devidos louvores ao Governo, que está auxiliando a instalação e é sinal de que o mesmo, estando senhor da situação, tem, como não podia deixar de ter, a necessária receptividade para as considerações que estamos fazendo.
O que se torna evidente é que não podemos ficar a meio do caminho e é imprescindível, através de uma colaboração estreita entre o Estado e a Igreja, efectivar uma obra que possa fazer face à emergência grave que se depara na nossa frente.
Em conclusão não me compete a mim mais do que denunciar um mal que se agrava, pois temos que ter em conta que, de ano para ano, vai aumentando o número de portugueses em França e a desproporção dos meios acentua-se, como é evidente
Deve criar-se uma entidade central coordenadora de todos os esforços, que estude o problema em toda a sua extensão O Governo terá que lhe dar todo o apoio, apoio que não poderá deixar de se traduzir num forte auxílio material.
O Sr Augusto Simões: - V Exa. a dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr Augusto Simões: - V Exa. tem estado a focar, com a elevação que lhe é peculiar, os glandes problemas da emigração.
Tenho estado a ouvir V Exa. com toda a atenção, mas não acha, também, V Exa. que parte dos proventos dos trabalhadores que se encontram no estrangeiro deveriam ser depositados em bancos ou instituições portuguesas para, quando amanhã esses emigrantes retornarem ao nosso convívio, naturalmente diminuídos pelo trabalho árduo que têm, terem as suas economias e não virem a constituir para nós um peso tremendo?
Não acha, pois, V Exa. que deveria constituir-se um fundo nestas condições, que estaria à sua disposição, para que futuramente todo o nosso emigrante tivesse como que a garantia do seu futuro?
O Orador: - Acho muito bem e até agradeço a lembrança de V Exa., mas eu estou apenas a focai alguns aspectos que suponho do maior interesse.
Julgo, porém, que os Governos Português e Francês estão a tratar do assunto, que é, realmente, da maior importância. E isto para que se não diga que eles comem a carne e nos deixam os ossos!
Sabemos que o caso dos emigrantes portugueses preocupa seriamente as autoridades religiosas francesas, pelo que estas não deixarão de colaborar connosco, nomeadamente na criação de paróquias nacionais.
S. E o Cardeal Ferretto, conforme foi lembrado no Congresso das Comunidades Portuguesas, afirmou que onde a emigração se tiver tornado estável é obrigação dos ordinários providenciar para a criação dessas paróquias. Sabemos, por igual, que o momento é de sérias dificuldades financeiras, que o Governo tem sabido dominar com maestria, mas não escondemos a nossa convicção de que se trata de um investimento largamente produtivo, pois ti ata-se nem mais nem menos do que de impedir que amanhã sejamos surpreendidos por uma quinta coluna descristianizadora, com os seus incalculáveis malefícios Somos um povo cristão e não nos podemos demitir das responsabilidades que, como tal, sobre nós impendem.
Somos um povo com responsabilidades históricas que tudo fazemos por poder projectar no futuro, e, para isso, há que defender a saúde espiritual da grei, que neste caso todos sentem estar seriamente ameaçada.
Por vezes e por vezes muito justamente todos nos agastamos quando a nossa posição de pioneiros da lei de Custo não é suficientemente reconhecida ou exaltada, mas temos de confessar que nem sempre possuímos a suficiente autoridade para, como tal, nos impormos, dada a passividade que demonstramos em certos aspectos da vida social e cristã.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por exemplo não por culpa do Estado ou da Igreja, mas por culpa das elites de uma nação que se diz católica, é desoladora a nossa posição missionária.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Quantas famílias aristocratas ou burguesas têm filhos seus ao serviço das missões, em terias do ultramar? O espírito de sacrifício não é da nossa época.
Não será este facto, pelo seu aspecto negativo, denunciador de uma falta de espírito cristão na família portuguesa?
Muitas terão resgatado agora essa falta com o seu tributo de sangue na guerra que nos foi imposta.
E no problema da educação, acaso a voz dos pontífices e dos bispos tem sido suficientemente escutada? A este assunto voltarei em breve, se V Exa. mo consentir.
O problema dos nossos emigrantes por esse mundo além, nomeadamente em França, e a este me referi detalhadamente por ser o de maior acuidade, é um problema missionário e um problema de educação.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Saibamos ao menos neste caso cumprir plenamente o nosso dever de portugueses e de cristãos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
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O Sr Virgílio Cruz: - Sr Presidente A lavoura vitícola duriense está em grave crise Agrava extraordinàriamente essa crise a falta de meios financeiros do Douro para fazer face aos habituais campanha de escoamento.
Tem a Casa do Douro financiado regularmente os lavradores da região demarcada, facultando-lhes a um adiantamento logo após a vindima, o que ainda se não verificou na última campanha.
Este adiantamento é de enorme importância na economia regional, não só pelo apoio aos mais débeis, como pelas repercussões psicológicas no mercado comércio geral. Uma vez anunciado, contam-se por milhares, principalmente pequenos viticultores, os que o aproveitam, porque no Douro o pequeno e médio lavrador não tem qualquer pecúlio nem outra receita além da venda do vinho.
É com o primeiro financiamento da Casa do Douro sobre o vinho em armazém que paga a roga das vindimas, as contribuições, os fungicidas e adubos já gastos e todas as despesas correntes, readquirindo com este pagamento o crédito habitual.
Como até À data o financiamento sobre a colheita de 1964 ainda não pôde ser anunciado pela Casa do Douro muitos lavradores não só não pagaram as dívidas atrasadas com estão sem crédito pata o granjeio das vinhas e todas as despesas correntes.
O Sr Nunes Fernandes: - Eu posso esclarecer V Exa. de que, apesar de todas as intervenções da Casa do Douro, a maior parte dos Lavradores do Douro tem a as suas propriedades hipotecadas.
O Orador: - Agradeço a V Exa. o apoio que veio trazer à minha intervenção e que demonstra que, se não houver um socorro urgente à situação, ficai muito pior.
O Sr Nunes Fernandes: - Há necessidade de o fazer, sobretudo até no aspecto político.
O Orador:- O problema é sobretudo agudo para o pequeno e médio lavrador.
Proporcionar à Casa do Douro o crédito necessário para acudir à crise é uma necessidade urgente. Se a esta instituição não forem facilitados os meios necessários para financiar a lavoura como sempre o tem feito, muitos lavradores, ver-se-ão compelidos a vender ao desbarato transferindo valores para os oportunistas, se não mesmo a hipotecar ou desfazer-se das terra por baixo preço.
Grande parte do Douro é região de monocultura e de pequena propriedade, sem outra fonte de receita além do vinho. De mais de 25 000 associados da Federação quase 20 000 têm colheitas inferiores a dez pipas, e esta só na Casa do Douro têm encontrado apoio para não terem de se entregar nas mãos dos solícitos especuladores que espreitam as suas dificuldades para comprar a preços de miséria na lavoura, sem qualquer benefício para o consumidor.
O problema é muito grave para poder esperar por estudos demorados. Há necessidade de uma solução rápida para este problema agudo da lavoura duriense, ela precisa de viver o dia a dia, para já um financiamento imediato, como todos os anos se tem feito, e a curto prazo o estudo económico regional.
O Sr Nunes Fernandes: -Muito bem!
O Orador: - Ao solicitar-se o auxílio financeiro para a Casa do Douro não se pede nenhuma dávida, mas apenas a ajuda de um adiantamento, cujos encargos serão, como sempre o têm sido até hoje, integralmente suportados pelos federados.
O Douro merece todo o apoio que o Governo lhe possa dar.
O St Nunes Fernandes: - Muito bem!
O Orador: - Dentro da região demarcada do Douro produzem-se excelentes e já afamados vinhos de pasto, conhecidos pelos nomes das sub-regiões donde provêm
Enquanto não for possível aumentar os contingentes de mosto beneficiado, o que depende da exportação do vinho do Porto, impõe-se aumentar a difusão dos vinhos comuns para o que é essencial fazê-los bons e torná-los conhecidos.
Quanto ao nível de qualidade muito se tem progredido graças à política de adegas regionais cooperativas da Lavoura.
O tornar o produto conhecido é também de enorme importância, direi mesmo, é a chave do problema, mas para o efeito afigura-se fundamental a rápida constituição da União das Adegas Cooperativas.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para o nosso desenvolvimento turístico muito interessa a boa cozinha e o bom vinho. E os nossos vinhos, tão perfumados e tão distintos, podem e devem ser um bom cartaz turístico.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A lavoura duriense, apoiada nas cooperativas e no crédito da Casa do Douro, também deve concretizar esforços para valorizar os seus magníficos e típicos vinhos regionais, trabalhando e lutando pela defesa dos seus interesses.
Sr Presidente e Srs Deputados Xá nossa balança comercial o vinho do Porto ocupa lugar de relevo desde há séculos, tendo o valor médio de exportação andado em cada um dos últimos três anos pelos 400 000 contos.
Esta fonte de divisas poderá, pelo que respeita à região demarcada do Douro, vir a ser muito ampliada, se for possível conseguir maior exportação deste nobre produto, deste vinho venerável, que sabe também manter-se sempre jovem.
Cada pipa de vinho do Porto representa, em razão da aguardente incorporada, cerca de duas pipas e meia de vinhos portugueses, por isso, tudo o que for feito para reforçar a exportação do vinho do Porto será feito a favor da economia vinícola de todo o País.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Consiga-se por isso maior exportação do vinho do Porto e a vinicultura nacional logo sentirá o desejado desafogo.
Se quisermos aumentar as vendas teremos de conquistar o consumidor e o intermediário, o consumidor pela propaganda e alto padrão de qualidade e o importador estrangeiro pelos lucros na venda.
Na estratégia comercial moderna a propaganda é um grande motor do aumento das vendas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Na Inglaterra e outros grandes mercados assiste-se à expansão do xerez e vermutes italianos, que, com a sua enorme propaganda, conquistam o público.
Impõe-se, por isso, que do nosso lado a propaganda continue em ritmo crescente e nas épocas próprias se executem com regularidade planos bem concebidos para contrabater a concorrência que nos é feita e para aumentar as vendas.
Na vida agitada dos tempos modernos acentua-se a tendência para consumir mais aperitivos (tomados à pressa) e menos vinhos de sobremesa Por isso, sem deixar de trabalhar a exportação dos tipos tradicionais, para servir os numerosos apreciadores com que conta, interessa aumentar a expansão do porto seco, magnífico aperitivo que tem recebido muito boa aceitação, mostrando bem que pelas suas qualidades e alto grau de adaptação o vinho do Porto é um excelente aperitivo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - O auxílio do Governo à propaganda nos mercados externos, dado através do Fundo de Fomento de Exportação e que nas últimas campanhas feitas se traduziu em 7440 contos no período de 1962-1963, e em 4918 contos no período de 1963-1964, precisa de ser ampliado e tornado mais eficiente.
Os vários organismos intervenientes, Fundo de Fomento de Exportação, Instituto do Vinho do Porto, Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto, Casas de Portugal, empresas publicitárias, etc., talvez por serem muitos, levam excessivo tempo a chegar a acordo e para algumas campanhas tem-se perdido a melhor época, que é a que vai de princípio de Outubro a fim de Março, para aproveitar as quadras do Natal e da Páscoa.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nesta altura ainda não temos orçamento para a campanha de 1964-1965, que já devia ter começado, e por isso estamos a correr o risco de não incrementar o volume das exportações como é mister, mas até o perigo de sofrer em 1965 uma baixa de exportação, por falta de propaganda.
É, pois, indispensável que a Secretaria de Estado do Comércio dê a conhecer a verba a aplicar na campanha de 1964-1965, a fim de se poderem estabelecer os planos de propaganda do vinho do Porto nos vários mercados.
Interessa simplificar o sistema para que a aprovação dos planos e as comparticipações sejam dadas sempre a tempo de se fazerem as campanhas nas épocas mais próprias.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma maior independência dos organismos que directamente superintendem na economia do vinho do Porto, por forma a evitar demoras do Fundo de Fomento de Exportação, que está muito sobrecarregado pelos múltiplos sectores sobre que tem de debruçar-se, poderá conduzir a maior rapidez de actuação, ao melhor aproveitamento das verbas e ai eficiência desejada.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Como a penetração nos mercados depende muito da publicidade, convirá aumentar, na medida do possível, a ajuda do Fundo de Fomento de Exportação paia a propaganda do vinho do Porto.
Sr Presidente O mercado interno já conquistou o terceiro lugar na classificação geral, graças ao esforço de alguns comerciantes e à propaganda bem conduzida e intensificada pelos interessados em colaboração com o Instituto do Vinho do Porto, em 1964 o aumento de consumo traduziu-se em mais 30 por cento que no ano anterior.
Ao surto turístico deve ter correspondido em grande parte o aumento do consumo verificado no mercado interno, mas com o impulso que se está a dar ao turismo o consumo de vinho do Porto na metrópole poderá ainda subir em ritmo mais expressivo Interessa que a propaganda interna se intensifique, procurando atingir os turistas e os locais mais frequentados por eles.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - A dificultar a expansão do consumo entre nós está o elevado preço por que é vendido cada cálice nos estabelecimentos onde o servem ao público hotéis, restaurantes, cafés, bares, etc., agravado ainda por ser mal servido, em cálice não apropriado.
É necessário e urgente que o Sr Ministro da Economia, a semelhança das providências já tomadas, por meio do Decreto-Lei n º 45 966, de 14 de Setembro de 1964, contra os preços exorbitantes na comercialização dos vinhos comuns engarrafados nos restaurantes, hotéis, ate , medida a que damos o nosso inteiro aplauso, também publique com brevidade um diploma regulando os preços de venda ao público do vinho do Ponto no mercado interno.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Instituto do Vinho do Porto estudou e criou, já há mais de vinte anos, um cálice adequado para o vinho do Porto, mão só com a capacidade conveniente, como ainda com s forma ideal para se poder apreciar convenientemente o aroma e ou ta as qualidades de nobreza deste vinho generoso. Basta pois que por meio de diploma legal se oficialize esse cálice e se determine que nos lugares públicos o vinho do Porto só pode ser vendido em cálice deste tipo.
Além dos mercados h adicionais, há que fazer um esforço no sentido de expandir este vinho generoso noutros países, precisamos de nos lançar no mercado norte-americano, onde o elevado nível de vida facilitaria a sua receptividade.
Sr Presidente e Srs. Deputados A região demarcada do Douro pertencem mais de 25 000 lavradores, distribuídos por 169 freguesias e 21 concelhos dos distritos de Vila Real, Bragança, Guarda e Viseu .Todos têm os olhos postos na Casa do Douro e sabem que esta tem feito os maiores esforços para encontrar as necessárias soluções, como sucedeu com a colheita de 1963 -a maior de todos os tempos -, mercê do apoio do Governo.
E porque assim foi, a lavoura confia em que o mesmo Governo a não vai abandonar em relação à abundante colheita de 1964.
Eu também compartilho des-ta fé e confio em que o Governo vai ajudar a lavoura duriense a sair da situação em que se encontra, mas porque o problema do financiamento urge, aqui deixo este apelo ao Sr Ministro da Economia, certo de que lhe dedicará a melhor atenção e para ele conseguirá rápida solução.
Tenho dito.
Vozes: -Minto bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr Pinto de Mesquita: - Sr Presidente: Vou usar da palavra eu também ainda dentro desta quinzena de Janeiro, para versar matéria de transportes colectivos.
Em nada me ocupare., quanto a eles, dos problemas acabados de levantar sobre a camionagem de carga particular na sessão de 26 pelo ilustre Deputado Sr Gonçalves Rapazote à base da publicação do Decreto nº 45331, de Outubro de 1963, entrado em vigência através do recente regulamento constante do Decreto nº 46066.
A minha intervenção é determinada exclusivamente pelas considerações formuladas aqui na sessão de 20 pelo não menos ilustre Deputado Sr Dr. Antunes de Lemos sobre as carreiras concedidas de transportes colectivos rodoviários e onde, com a apologia dessas carreiras, é posto incisivamente em causa o Serviço de Transportes Colectivos da Cidade do Porto com a zona dos seus concelhos limítrofes Levantado aqui esse assunto em termos que respeitam muito particularmente àquela cidade e a que estão ligados os seus mais directos e instantes interesses por um Sr Deputado de fora, seria estranhável que de entre os Deputados do respectivo circulo não se levantasse voz para melhor esclarecer a matéria e corrigir erros de facto de que, salvo o devido respeito, enferma a nosso ver a designada peça oratória.
O ter vindo desempenhando as funções de delegado do Governo junto desse Serviço, após o resgate em 1946 da concessão à respectiva Carris, após ter presidido à comissão que acompanhou essa operação, responsabiliza-me para, com mais directo conhecimento da causa poder imediatamente intervir a propósito. E é com o patrocínio de alguns dos Srs. Deputados pelo Porto, que também mo solicitaram, que assim me vejo a intervir neste assunto, em que, aliás, pelas expostas razões, nunca deixaria de ter que me envolver.
Quando o Sr Deputado Antunes de Lemos perorou sobre o caso, por ausente da sala não pude acompanhar as suas aliás doutas considerações. Apenas lhe ouvi o fecho, o pedido para o grémio dos concessionários das carreiras suburbanas de audiência ministerial, quanto a novos licenciamentos. E isso me não pareceu então, só por si, digno de reparo contra-interveniente. De outra sorte, se tivesse acompanhado o que no dia seguinte li na imprensa particularmente. O Século e Comércio do Porto, logo teria procurado marcar posição discordante, quite de ulteriormente formular a contradita que hoje me proponho.
Transparece da exposição do Sr Deputado Antunes de Lemos, e sem com isto querer malsinar por forma alguma as suas razões, que S. Exa. se propõe sobremaneira apoiar, como representando melhor solução do problema dos transportes colectivos suburbano de certa espécie a da competência entre iniciativas particulares, do que a da obediência à coordenação que [...] facto, implica o sou exercício por uma só empresa, quando possível.
Evidentemente que as considerações de ordem geral que formulou se aplicam praticamente aos dois grandes aglomerados urbanos que existem na metrópole, Lisboa e Porto. Assim, as zonas suburbanas que preconizou deverem gozar do regime especial abrangem sobretudo os concelhos limítrofes de ambas estas cidades.
Não discutimos, antes aceitamos, existirem duas tendências nessa zona, quanto ao processamento como têm sido servidas pelos transportes colectivos uma , chamemos-lhe centrípeta, dos que pretendem vir de longe à cidade, e se concretiza tradicionalmente pelas carreiras rodoviárias dos colectivos de passageiros, e outra, centrífuga, para serviço dos que pretendem viver nas proximidades da cidade onde exercem actividade e dos que se deslocam a esses centros complementares da actividade e dos que se deslocam a esses centros complementares de actividade económica do centro urbano.
Exemplificadamente no Porto, esta urbe, que como tal Decreto assim se chama, tem verdadeiramente o seu porto principal em Matosinhos, em Leixões e, subsidiariamente, o Decreto seu segundo porto nos cais acostáveis de Gaia. Isto sem falar do seu aeroporto em Pedras Rubras e das importantíssimas unidades industriais suburbanas e que tudo indica que cada vez mais se desloquem do centro da cidade para os arrabaldes.
O entrechoque de interesses entre estas duas tendências torna-se evidente, em tais zonas, e das suas palavras resulta que para a sua solução o Sr Deputado Lemos toma posição a favor dos interesses das carreiras exteriores, contra o ordenamento que implica o sistema actual.
Noutra oportunidade, dentro desta legislatura, me proporei aqui pôr o problema dos transcendentes aspectos que o ordenamento das grandes cidades, desde já Lisboa e Porto, postulam, pelo seu crescimento, e que adequadas soluções administrativas e legislativas se devem começar a encarar.
O dos transportes e dos correlativos problemas é decerto um dos mais instantes
Levantada aqui, agora, uma faceta deste problema, procurarei, com as minhas limitadas luzes, esclarecê-lo alguma coisa.
Sr Presidente Para não nos perdermos, formulemos os seguintes pontos.
1 º Actual regime jurídico dos transportes colectivos urbanos no Porto e concelhos limítrofes.
2 º Idoneidade do actual serviço do Porto quanto a seus meios, quanto à sua rede e à sua frequência.
3 º Suas condições materiais de inteira solvabilidade, correspondendo o seu desenvolvimento ao interesse do público que os utiliza.
Primeiro ponto
Como é sabido, o actual regime do Serviço de Transportes Colectivos do Porto acha-se fundamentalmente regulado pelo Decreto-Lei n º 38 144, de 30 de Dezembro de 1950, que instituiu definitivamente o seu regime de municipalização com autonomia em regime especial com personalidade jurídica.
Este regime sucedeu ao transitório subsequente ao resgate da antiga Carris, instituído pelo Decreto n º 35 717, de 24 de Junho de 1946 Cumpre notar que a extensão dos transportes urbanos por americanos- e eléctricos para fora dos limites da cidade se processou para Matosinhos desde 1875, quando o Porto não alcançava a actual circunvalação. E, assim, nos termos das leis administrativas (Código de 1896), a concessão de 1908 à Carris abrangia apenas as linhas internas do Município. As externas, que atingiam Gaia, Ermesinde, Ponte da Pedra, etc , eram reguladas por licenças do Estado, concedidas quanto ao aproveitamento idóneo das respectivas estradas.
No Decreto-Lei n.º 31 677, de 22 de Novembro de 1941, quo suspendeu a execução do resgate, em atenção à superveniência da guerra, da responsabilidade especial do saudoso Ministro Duarte Pacheco, é que, com a largueza de visão que ninguém lhe negou, se antecipa o propósito do se regularem ampla e coordenadamente com os trans-
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portes colectivos da cidade os da zona da sua influência (artigo 3 º) No relatório lia-se
A questão da caducidade da actual concessão e daquelas licenças e autorizações e da adjudicação numa nova concessão tem de ser, consequentemente, estudada num plano de conjunto, relativamente a toda a rede em exploração e aos interesses de todos os concelhos por ela abrangidos, sem perder de vista a situação do Estado no que respeita às linhas estabelecidas em estradas nacionais.
É possível que uma futura revisão dos limites do concelho do Porto, no sentido do seu ajustamento as realidades económicas, demográficas e administrativas, faça regressar este problema ao âmbito estritamente municipal, e esse facto não deixará, certamente, de ser previsto quando se tratar da adjudicação definitiva da concessão. Mas a verdade é que, por enquanto, o problema sai fora dos limites da competência administrativa da Câmara Municipal do Porto e das demais, câmaras interessadas.
Com este ponto da partida, no citado decreto de 1946, que instituiu o referido regime provisório, e em obediência ao princípio da unidade de exploração do Serviço, a Câmara Municipal do Porto entrou logo na posse do todo o aparelho industrial explorado pela Carris, abrangendo, assim, as linhas eléctricas assentes na área dos concelhos limítrofes.
Este regime acha-se definitivamente consagrado pelo vigente citado Decreto n º 38 144 (artigo 1.º, § 2.º)
Suscitando-se questões sobre o âmbito da aplicação de tal diploma, como de exclusivo ou não, quanto ao novo pedido por outras empresas de carreiras dentro de tal zona, publicou-se o Decreto n.º 40 744, de 27 de Agosto de 1956, onde nos n.ºs seguintes do respectivo relatório se deduzem as oposições à admissão de um tal exclusivo.
Atendendo, por um lado, aos pesados encargos que oneravam de momento o Serviço e tendo em conta os serviços prestados por concessionários de carreiras interurba-nas - que por forma alguma nos propomos contestar -, afastou esse diploma o exclusivo do Serviço de Transportes Colectivos na área dos concelhos federados, e, por outro lado, concedeu a este direito de preferência na concessão de carreiras a estabelecei dentro de um raio de círculo de 10 km a norte do Douro, com centro na Praça da Liberdade, e de cerca de 6 km a sul.
É, certamente, pautado neste precedente de compromisso contemporizador, bem compreensível na orientação do Governo para com os interesses que, em determinado período, melhor possam serva o bem público, que o Sr Deputado Antunes de Lemos na linha da sua preferência pelas empresas particulares, pretende, decerto, consolidar e ampliar as posições adquiridas e que, certamente, o futuro desenvolvimento urbanístico da cidade e zona da respectiva influência contrariará. E isto terá lugar pela necessidade de coordenar a respectiva rede de transportes em termos de não só explorar radialmente o já povoado, que é a natural tendência de uma exploração que busca por cima do interesse geral o seu lucro, mas para estabelecer as malhas circulatórias, a tecer numa verdadeira rede, principal finalidade de um serviço público desta natureza, elemento colaborador de uma verdadeira e indispensável urbanização.
De harmonia com os princípios basilares fixados na base IV da Lei n.º 2008, é claro que no sentido exposto, aconselhado pelo interesse público, em casos destes se promova a coordenação dos transportes e para isso se aproximem num acordo as empresas exploradoras das respectivas carreiras.
O que se tem operado neste sentido?
Como se consigna no relatório governamental que precedeu o Plano Intercalar de Fomento, muito pouco.
De resto, a verificar-se no futuro a orientação assim defendida, e sobremaneira marcada pela reforma dos artigos 74 º e 77 º do Regulamento de Transportes em Automóveis no sentido que o Sr Deputado pretende, a pulverização das carreiras e dificuldade da sua coordenação, dada a sabida psicologia do povo português, verificar-se-ia também neste campo, onde isso é ainda evitável Sena uma crise de pulverização análoga à que se procura, com que dificuldade, corrigir, pelo emparcelamento no agro e na indústria, pelo condicionamento Ainda há dias nesta Assembleia o problema foi posto quanto à exploração das pedreiras de mármore pelo Sr Deputado Birne, que de longe figuram, ele o disse, de esburacados «paliteiros»
E porque na orientação do Plano Intercalar se preconizam princípios em convergência ao que acabamos de dizer, surgem as palavras de alarme que o Sr Deputado, creio que infundadamente, proferiu, certo de que nunca em qualquer reforma legislativa o Governo deixará de respeitar direitos adquiridos. Quanto a simples interesses que o não estejam, a sua legitimidade, embora respeitada, sempre terá que ceder aos imperativos do bem público, orientado como vimos por precisos preceitos legais.
Sr Presidente Passemos ao segundo ponto idoneidade funcional do Serviço de Transportes, quanto aos seus meios, lede e frequência.
Consta dos quadros de pp 26 e seguintes publicados no Anuário Estatístico dos Transportes Terrestres referente ao ano de 1963 que o número de passageiros transportados em veículos de transportes colectivos passa de 600 milhões, sendo da ordem de 100 milhões os relativos a transportes interurbanos e 520 milhões os urbanos, em que, para além do grande predomínio dos de Lisboa, correspondem 120 milhões aos colectivos do Porto. Quer dizer que o número por estes transportado excede substancialmente, só por si, os transportados em todo o País pelas carreiras interurbanas Declino estes números como introdutórios quanto ao peso relativo dos interesses em jogo.
É bem sabido de todos os que lidam com a matéria, e os tratadistas o vincam sempre, que no plano económico um resgate é sempre uma operação cara. E o da concessão da Carris do Porto não fugiu à regra quanto à importância, da ordem dos 150 000 contos, que foi o seu preço, a Câmara do Porto fez-lhe face em 1949 mediante empréstimo na Caixa Geral, que se tem vindo amortizando sem percalço, mas surgiram encargos não previstos que têm limitado as capacidades de recursos para uma conveniente remodelação completa do Serviço, no sentido da sua actualização. Resultaram eles sobretudo dos encargos da previdência, cujo déficit de caixa, que se cifrava aquando do resgate em 2000 contos, agora anda por 11 000! Isto sem falar da contribuição normal dos 16,5 por cento da entidade patronal, que monta a uns 9000! E, ainda, próximo a 1 milhar de contos de assistência que não existia no tempo da Carris.
Isto, e o mais que em breve se dirá, não impediu que o Serviço tivesse conseguido de 1946 (resgate) a 1963 duplicar quase o parque de veículos de 1953 a 1962, este de 248 (216 eléctricos e 32 autocarros) passasse a utilizar 304 (203 eléctricos, 81 autocarros e 20 trolley-cars). E dos correspondentes investimentos na ordem dos 95 000 contos apenas 23 000 se fizeram através de empréstimos e os restantes 72 000 por autofinanciamento. Na perspectiva de novo programa de transformação de
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serviço se prevê ainda melhoria do parque. Mas escusa o Sr Deputado Antunes de Lemos de se alarmar, porque das novas unidades, encomendadas mediante concurso, mais de 80 por cento se destinam apenas a substituir os anacrónicos eléctricos sobre carris por tolley-cars e autocarros, segundo plano cuidadosamente estudado.
Isto demonstra quanto o Serviço tem trabalhado a bem do público, vai-lhe fornecendo os meios adequados de transporte, vai-lhe servindo ainda tanto a sua comodidade como a urbanização, apertando as malhas da rede circulatória.
E pela aceleração dos veículos vai melhorando a sua frequência.
Também aqui é de acentuar os limites que às receitas impõe a rigidez das tarifas, que, fixadas por 1924, se mantiveram até há poucos anos em que, em face dos aumentos salariais, aumentaram um pouco: 10 a 12 por conto. E, por outro lado, são bem notórios os aumentos de preço dos materiais, em grande parte importados, de antes da guerra para agora 4 1/2 vezes o carril, 6 vezes o trolley, etc. Até os autocarros, que em 1946 andavam por 380 Contos, passam agora de 500!
Sr Presidente A estreiteza do tempo não me permite alongar neste campo, onde tanto havia a dizer, e por isso passo ao enunciado terceiro ponto condições materiais de inteira solvabilidade do Serviço de Transportes correspondendo o seu desenvolvimento ao interesse que os utiliza.
Estando previsto o largo programa de remodelação do Serviço e no Plano Intercalar de Fomento o investimento de 95 000 contos por fontes inteiras de capitais como referiu o Sr Deputado Antunes de Lemos não se diz lá que seja de natureza pública o respectivo dinheiro, e das caixas de previdência que porventura possa [...] para tal destinado - se o alvo da alusão é esse- os respectivos capitais não revestem aquela natureza e assim supondo-o se cometeu um erro.
Mas muito mais grave é o facto de a exposição a que vamos respondendo poder dar lugar a fumes de dúvida sobre a solidez do crédito da empresa aspirante a devedora, sabido quanto os possíveis prestamistas são sensíveis sempre por natureza aos simples boatos levantados ou não para o efeito.
Fazemos ao Sr Deputado a justiça de nem sequer Ter pensado nesta possível incidência da sua intervenção e que o facto ocorreu independentemente do que possa ter à preferência a dar-se às carreiras concedidas sobre um serviço municipalizado.
A simples postura do problema no entanto implica reservada confiança no cuidado posto pelo Governo na elaboração do plano referido que evidentemente, o próprio Governo pelo menos aprova na sua trança geral.
E aqui põe-se outro problema em que nos parece estranhável, neste ponto do financiamento, a orientação do Sr Deputado a que respondemos. Não nos constando que S Exa. tenha desaprovado neste ou em qualquer outro ponto o dito plano, como é que agora aparece a contrariar aquela das suas passagens?
Ocorrendo-lhe oportunidade de se opor eficazmente chamando para o caso a atenção da Câmara, como é que tendo por concordância expressa, ou pelo menos por omissão, colaborado na sua aprovação, se adianta agora a reprová-lo?
Passemos adiante.
O Governo que se debruçou sobre os trabalhos planeadores da Comissão achou-os em ordem e viu-lhes as vantagens.
O próprio Serviço remodelado com equipamento actualizado, além de passar a servir o público muito melhor, ipso facto, o fará em termos de rentabilidade económica que até agora com o seu equipamento anacrónico não pôde obter. O investimento a fazer, embora avultado, se amortizará de per si, e devolverá à empresa condições acrescentadas de prosperidade.
Os experientes industriais que me escutam bem compreendem que assim seja.
Sr Presidente e Srs Deputados Se alguma coisa pode valer perante vós o meu testemunho directo, podeis estar certos de que a forma por que tenho visto trabalhar garante que, além da honorabilidade, que é de regra, nos serviços públicos, nunca presenciei maior diligencia, verdadeira devoção eficiente, do que a que me tem sido dado observar na administração e direcção do Serviço de Transportes Colectivos do Porto.
E isto particularmente desde que se tomou a peito a sua referida remodelação, no ponto de me parecer poder servir de exemplo a seguir por serviços públicos congéneres.
Este o meu testemunho.
E se quiser bem aquilatar da sua veracidade, o Sr Deputado Antunes de Lemos, uma vez que lhe ocorra demorar-se umas horas na cidade do Porto, tem, para além das faculdades que como membro desta Assembleia lhe assistem, o gostoso convite da Administração paia que visite o Serviço e investigue quantos elementos para seu juízo perfeito possa reclamar.
E não faça, a propósito, como os nossos antagonistas da O. N. U. têm feito face aos convites, recusando-se a aceitá-los.
Dessa sorte, aceitando-o, se ao caso tiver que voltar, fá-lo-á decerto, independentemente das suas preferências, com melhor conhecimento de causa e com menos alinhada injustiça.
Aí teia ocasião de ver porque é que a explorarão por eléctricos se lhe figura, à face do último relatório, mais rentável que a dos autocarros, o que se explica, além de os eléctricos se acharem em fase terminal de amortização, pelo facto de, estando condenado o respectivo sistema, ele se continuar mantendo, como é aconselhável, com o mínimo de despesas indispensáveis de conservação - é o que se qualifica no sector silvícola, a propósito do pinhal, «resinagem à morte».
Da arguição sobre a adjudicação com pagamento a prazo nem falo, por ser corrente nos meios industriais.
Pediu S. Exa. ainda para através do grémio respectivo serem representados os detentores das carreiras em causa junto das instâncias governativas. Se já não gozam desse direito, como suponho, dado o carácter consultivo que aí apenas podem ter, por nosso lado, [...] obstat, desde que esteja presente paralelamente nas mesmas instâncias um representante dos municípios detentores de serviços congéneres aos do Porto, como o são Lisboa, Coimbra e Braga.
E, Sr Presidente, por aqui me fico, e seja-me perdoado o tempo que roubei à ilustre Assembleia, esperançoso em o ter feito proficuamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Antunes de Lemos: - V. Exa. dá-me licença?
O Sr Pinto de Mesquita: - Eu ]á concluí as minhas considerações, de forma que o caso não é comigo
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O Sr Presidente: -Lembro que não podem ser estabelecidos debates antes da ordem do dia.
O Sr Antunes de Lemos: - Então peço a palavra para explicações.
O Sr Presidente: - Tem V Exa. a palavra para explicações.
O Sr Antunes de Lemos: - Eu estava advertido de que V Exa., Sr Deputado Pinto de Mesquita, dar-me-ia resposta numa destas sessões, quanto à minha intervenção sobre os transportes colectivos do Porto Sucede que estão em causa duas teses, ambas defensáveis Eu defendo os transportes colectivos por iniciativa particular Embora pudesse já responder a V Exa., aguardo para lhe dar depois a resposta, aliás como V Exa. Fez.
O Sr Pinto de Mesquita: - Eu não estava cá.
O Sr Antunes de Lemos: - Eu quero dizer que numa das próximas sessões responderei a V Exa. e dir-lhe-ei que os Transmontanos não voltam a cara a ninguém.
O Sr Presidente: - Eu daqui não posso seguir bem o que V Exa. está a dizer, por isso não sei se está a dar explicações.
O Sr Antunes de Lemos: - A explicação que dei é esta não posso responder desde já ao Sr Deputado Pinto de Mesquita porque ele também não respondeu a seguir às minhas considerações, e, em segundo lugar, porque para responder terei de gastar tanto tempo como o Sr Deputado Pinto de Mesquita.
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre a propriedade da farmácia Tem n palavra o Sr Deputado Gamboa de Vasconcelos.
O Sr Gamboa de Vasconcelos: - Sr Presidente, Srs. Deputados. Não é tão simples quanto o seu curto articulado aparenta, nem de tão pouca importância quanto o seu modesto enunciado faz supor, a proposta de lei sobre a propriedade da farmácia que agora ocupa a atenção desta Assembleia.
Um projecto de proposta de lei, quase idêntico, tinha já sido levado à apreciação da Câmara Corporativa em 1962 pelo antigo e ilustre Ministro da Saúde Dr Martins de Carvalho com o fim de pôr ordem no descalabro que, por todo o País, se verificava, e verifica, no campo do exercício farmacêutico.
O parecer daquela douta Câmara, longe, porém, de facilitai a questão, trouxe, com os seus múltiplos reparos e acrescentamentos, uma tal profusão de elementos negativos à tona do fim essencial que se tinha em vista, que difícil é, paia as pessoas inteiramente alheias à matéria, encontrai de pronto o trilho do melhor caminho.
Eis porque a discussão nesta Assembleia da proposta de lei agora apresentada por S Exa. o Ministro da Saúde e Assistência, Sr Dr Neto de Carvalho, é útil não só a todos os que aqui têm de aprovar ou reprovar essa proposta, mas ainda a todos os que lá fora aguardam a nossa decisão, para melhor aquilatarem do valor da nova lei.
Com o princípio da «indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica» que essa proposta defende e com as normas restritivas e disciplinadoras que o seu texto encerra, o Governo revelou um conhecimento profundo não só daquilo que mais convém à melhor defesa da saúde pública, mas ainda das causas que, na prática, têm invalidado, por forma degradante, o mesmo princípio já expresso, em força de lei, há muitos anos.
Nestas condições, estranho é que a Câmara Corporativa, no seu longo parecer de 16 de Maio de 1963, depois de haver concordado, por maioria com as vantagens desse princípio, lhe abra, em seguida, no próprio corpo, tão largas feridas, que ele resulte logo ali inválido perante as gritantes necessidades da situação.
Na apreciação patrimonial de uma farmácia há sempre dois valores que ressaltam à vista, nem sempre com a amplitude que, em verdade, lhes pertence.
Um inerente à função social que desempenha -e a que chamaremos valor funcional -, que é, de longe, o mais importante, por ser ele quem garante a saúde pública e portanto quem serve, em absoluto, o interesse geral.
Outro relativo e secundário, que é o valor comercial, que só visa satisfazer a necessidade ou a avidez do indivíduo e portanto o interesse particular.
A equiparação destes dois valores não pode sei feita à face de um justo discernimento.
Um expande-se em âmbito tão dilatado e outro emerge em campo tão restrito que considerar como iguais estes valores é negar o próprio realce da evidência.
Pior, porém, do que o simples nivelamento é a minimização do primeiro em reforço do segundo.
Julgar que menor é a importância da dignidade do farmacêutico e do exercício da sua função do que o aspecto material da empresa que lhe está adrede é inverter pura e simplesmente os termos valorativos da questão.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - E, todavia, há quem veja os problemas da farmácia através deste prisma deformante.
A própria Câmara Corporativa, ao inserir no texto do seu parecer excepções ou novas bases que permitem o acesso à propriedade da farmácia não só de sociedades anónimas ou em comandita cora capital e sócios não farmacêuticos, como ainda o de médicos e outros «profissão mais afins» através de contratos de locação, que permitam que qualquer farmacêutico ou sociedade possa ter roais do que uma farmácia aberta ao público e que dilatam por longos períodos renováveis de dez anos a situação ilegal das farmácias, não mostra, claramente, que é da mesma opinião?
Não revela com estas e outras facilidades ou benevolências, todas atentatórias do princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica, que mais lhe apraz assegurar o valor comercial da empresa do que o valor funcionai da actividade farmacêutica?
Eu sei que a lei tem de ser humana, consentindo em fórmulas ou excepções que possibilitem a transacção desse valor comercial sem o acarretamento de graves prejuízos ao seu proprietário ou aos seus herdeiros no caso de invalidez ou de morte do farmacêutico ou no caso de divórcio ou simples interrupção da sociedade conjugal.
Tudo o que seja, porém, alongar essa excepção por mais de um ano, para o caso dos herdeiros legitimámos descendentes e do cônjuge ou dos herdeiros não descendentes e legatários, ou por mais de seis íamos para o caso de, nos herdeiros, haver um estudante de Farmácia (tempo mais
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do que suficiente para a conclusão do seu curso tal como prevê a proposta de lei do Governo, é querer sobrepor valor comercial, que é, repito, secundário, ao valor comercial da farmácia, que é, como vimos, primordial.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Aquele, por morte ou separação conjugal do farmacêutico, não pode, como simples valor comercial que é, deixar de correr a sorte de todos os valores desse género, sujeitando-se à, lei da oferta e da procura. O Estado pode e deve exercer acção moderadora ou beneficiadora na transacção, por meio de inventários, arbitragens, créditos ou outras providências, sempre que um valor, que não o particular, assim o aconselhe.
É o caso de uma farmácia que, por morte do seu proprietário, não encontrando comprador idóneo, faça, todavia grande falta às populações da região em que se situa.
O Estado, por intermédio das instituições de assistência ou da previdência ou até pela criação de partidos farmacêuticos, tal como preconiza a proposta de lei em discussão, pode então salvar da ruína total ou parcial o valor material da farmácia em causa. Mas fá-lo, evidentemente por excepção e em nome de um interesse colectivo superior.
Separemos pois, no nosso espírito, os dois valores que se encontram ligados à existência da farmácia o principal, que é o de garantir a saúde pública e o secundário, que é o de permitir a subsistência própria e familiar do farmacêutico ou do seu proprietário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É da confusão ou pelo menos, da equiparação destes valores tão diferentes em grandeza e natureza, que surgem as discrepâncias e a noção um tanto simplista de que as farmácias são estabelecimentos comerciais como quaisquer outros.
Este o erro em que caiu a Câmara Corporativa, este o erro que cometem frequentemente todos aqueles que olham as farmácias não como instrumentos de trabalho especiais, exclusivamente destinados ao bem-estar geral, mas como estabelecimentos vulgares, que visam, para além do fim específico para que foram criados, a manutenção implícita de uma fonte de negócio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E este erro não é só nosso.
Alguns países tais como a América do Norte, a Inglaterra, a Holanda, a Suécia, a Noruega, etc., têm-no mesmo arvorado em norma oficial. Nestes países a propriedade da farmácia está inteiramente dissociada da gerência técnica e as grandes concentrações financeiras que se fazem em torno da exploração farmacêutica, como empresa de rendimento garantido, permitem não só obter avantajados lucros, como ainda pagar larga e generosamente aos seus directores técnicos.
O alto nível de vida das populações parecia, ainda até há poucos anos poder suportar perfeitamente o elevado preço dos medicamentos que semelhante regime determina.
Porém, o aumento constante e exagerado desses medicamentos aliado a tremendos escândalos na venda de produtos que a expiração de prazos de validade ou a alteração química, física ou biológica havia tornado ineficazes ou tóxicos, começou a criar nesses países ricos a desconfiança de que semelhante regime não era, de facto, aquele que melhores garantias oferecia à economia e à integridade da saúde pública. E longas campanhas surgiram então contra o princípio vigente da dissociação da propriedade e da direcção técnica das farmácias, ao lado de experiências mais ou menos socializantes na venda de medicamentos a retalho e de medidas mais ou menos rigorosas na fiscalização do exercício farmacêutico, todas ou quase todas de resultados precários ou negativos.
As campanhas a favor da indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica das farmácias, tal como se pratica na França, na Itália, na Espanha, no Brasil, na Argentina, etc., não cessaram ainda naqueles países onde forte posição do capital não farmacêutico, investido naquele sector, se opõe tenazmente contra qualquer reforma neste sentido.
Ora Portugal, que se não situa, infelizmente, no número dos países de mais alto nível de vida, nem ètnicamente pertence às raças anglo-saxónicas, de mais calmo temperamento e de mais natural espírito de disciplina, seguiu sempre, como não podia deixar de ser, as suas irmãs latinas e desde 1927, para só falar nos tempos modernos, que tenta reforçar na lei este princípio.
Assim, o Decreto n.º 13 470, de 18 de Abril desse ano, estipulou no seu artigo 4.º que nenhuma farmácia ou laboratório de produtos farmacêuticos poderia estabelecer-se, depois da publicação da presente lei, sem que o farmacêutico que a ela presidisse fosse proprietário ou co-participante da empresa que explorasse o estabelecimento, exceptuando dessa disposição, em parágrafo único, as farmácias privativas dos estabelecimentos de assistência ou das associações de mutualidade, que só poderiam fornecer medicamentos aos seus associados.
Também dizia, e muito bem, no seu artigo 7.º, que nas farmácias e seus anexos não era permitido o exercício de qualquer ramo de negócio, nomeadamente da venda de produtos de perfumaria, produtos, estes mais tarde admitidos com outros acessórios e outros produtos destinados à profilaxia e à higiene, pelo Decreto n.º 17 636, de 21 de Novembro de 1929.
No § único do artigo 18.º do mesmo decreto também se determinou que o farmacêutico que cedesse o seu diploma para manter a laboração de qualquer farmácia ou para laboratório de produtos farmacêuticos sem que no estabelecimento exercesse, de facto, a sua profissão com a devida assiduidade, seria punido com a multa de 1000$ a 2000$ e proibição do exercício farmacêutico, no caso de reincidência a multa seria de 2000$ a 5000$, com proibição do exercício farmacêutico durante cinco anos. Era o princípio da indivisibilidade, ainda timidamente enunciado e talvez por isso nunca cumprido.
O Decreto n.º 23 422, de 19 de Dezembro desse ano, foi, porém, mais decisivo. Ele estabeleceu logo no seu primeiro artigo que nenhuma farmácia poderia estar aberta ao público sem que o farmacêutico, seu director técnico, fosse seu proprietário no todo ou em parte, por associação com outro ou outros farmacêuticos, abrindo-se, porém, excepção em parágrafo único para
a) As farmácias das Misericórdias e de outros estabelecimentos de assistência,
b) As farmácias das associações de socorros mútuos,
c) As farmácias anexas a estabelecimentos de águas minerais,
d) As farmácias das viúvas dos proprietários de farmácias, no prazo de um ano, a contar do falecimento dos maridos,
e) As farmácias dos órfãos que fossem alunos de qualquer escola de Farmácia, até conclusão do
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curso no tempo máximo de seis anos a contar da primeira inscrição.
Num segundo artigo ele criou, como era justo, paia começar, um generoso e lato período transitório, não aprazado, que ficou assim redigido.
As farmácias que actualmente não são propriedade de farmacêuticos podem continuai a laborar nas condições da legislação anterior à publicação deste decreto enquanto não mudem de proprietário por venda, doação, cedência ou qualquer outra forma.
Finalmente, num terceiro artigo, deixou o legislador expresso que nenhum farmacêutico poderia ser proprietário de mais de uma farmácia aberta ao público, exceptuando-se, em parágrafo único os casos existentes à data da promulgação deste decreto.
Toda esta legislação que de 1927 a 3933 estabeleceu, gradualmente, nos nossos dias, as normas conducentes n indivisibilidade da farmácia, visando, além do mais, a maior independência e dignidade do exercício farmacêutico, ou por falta de regulamentação apropriada, ou por falta de compreensão e de fiscalização, não deu os resultados que se esperavam
32 anos depois da promulgação do último decreto, mais de 60 por cento das farmácias encontram-se, segundo se diz, em situação ilegal, ora infringindo ardilosamente a lei, ora aviltando, descaradamente, a ética profissional
O pequeno número de excepções que, depois deste longo período transitório, devia haver, como simples expressão residual, se a lei tivesse sido cumprida, como que levedou por virtude de perniciosos fermentos, a que não foram alheios o fraco cumprimento deontológico e a forte pressão dos grupos interessados.
E, assim, em vez de uma classe de nível universitário, corporativamente organizada e bem ciosa e cônscia tonto dos seus direitos como dos seus devei es, temos, salvo poucas, e honrosas excepções, umas desencontradas centenas de tristes bacharéis ou de tristes licenciados em Farmácia sem prestígio sem préstimo e sem proveito, ora arrastando vida precária e subserviente por detrás de um balcão ou de um laboratório que lhes não pertence, ora empregando a sua actividade em outros sectores internamente alheios à sua preparação profissional, para obterem mais uns magros cobres que lhes permitam subsistir, além da esmola dos 500$, 1000$ ou 1500$ mensais que normalmente recebem dos proprietários não farmacêuticos, para darem em troca o diploma e até a placa com o próprio nome às farmácias de que, disfarçada ou peremptòriamente, são. pelos próprios proprietários, arredados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este o quadro em que se move essa pobre, esquecida a utilíssima classe, que, a continuar assim, dentro em breve ficará reduzida, por falta de estímulo e apreço, a escasso número, bem inferior aquele de que o País precisa para a sua normal cobertura sanitária.
Ora semelhante situação não se resolve, num país pobre e naturalmente indisciplinado, como o nosso, nem com o estabelecimento de tolerâncias demasiadas que conduzam, de facto e de direito, à dissociação da propriedade e da gerência técnica da farmácia, nem com «severas sanções» aplicadas por «mais apertada fiscalização», como deseja o Digno Procurador à Câmara Corporativa Sr Prof. Doutor Pinto Coelho, advogado entusiástico deste princípio.
A dissociação não dá ao farmacêutico, mesmo que o patrão capitalista lhe permita estar a frente da direcção técnica da farmácia e lhe pague suficientemente, como, por excepção, sucede nalgumas farmácias de Lisboa e numa ou noutra cidade mais importante da província, a independência de que ele carece para uma actuação prestigiosa e digna isenta de pressões que colidam com a sua ética profissional.
Ela amarra necessariamente o farmacêutico, como empregado que é, embora categorizado, a normas comerciais que lhe são ditadas superiormente, pelo dono do estabelecimento, para quem o lucro é o fim primordial da empresa, e limita ou contraria naturalmente todos os seus anseios de remodelação ou de extensão pelo que respeita a instalação ou aparelhagem.
Isto quando o patrão consente ou deseja que ele só mantenha à frente da direcção técnica do estabelecimento.
Como, porém, a maior parte das vezes esse patrão não quer nem deseja que esse diplomado compareça na farmácia, já porque assim melhor justifica o baixo preço por que lhe paga a mera direcção nominal, já porque assim não se sente incomodado nem vigiado (sobretudo quando é também ajudante e prático farmacêutico) nas directrizes, nem sempre honestas, que imprime à sua actividade, a condição fundamental que todos exigem para garantia da saúde pública, da presença efectiva e permanente do gerente técnico na farmácia, falha redondamente.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - E não se pense que uma «regulamentação mais apertada» ou uma fiscalização «implacavelmente actuante», como também preconiza a Câmara Corporativa, pode, só por si, acabai com semelhante desaforo.
A regulamentação, para ser cumprida, na prática, carece de sanções, e estas, tal como estão as coisas, recaindo somente sobre o director técnico, ausente por ordem do patrão não são inteiramente justas.
Também a fiscalização necessita de elementos activos e idóneos para bem cumprir a sua ingrata missão.
E para que «implacavelmente» pudesse vigiar a presença ou ausência efectiva e permanente dos directores técnicos das farmácias quase requeria ter tantos agentes ao seu serviço quantos os estabelecimentos a fiscalizar. E isto é tão dispendioso como inexequível.
Não é este, pois o caminho que nos pode conduza a melhor situação O único caminho, aquele que mais digna e eficazmente pode fixar o farmacêutico u farmácia e portanto que melhor pode assegurar a defesa da saúde pública, dispensando, naturalmente, abracadabrantes sanções ou fiscalizações, é, sem dúvida, o da total e efectiva indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica.
Sendo dono da própria farmácia, que tecnicamente dirige, o farmacêutico tem todo o interesse e toda a liberdade de a ela se dedicar inteiramente.
Arcando com a plena responsabilidade civil e criminal da empresa, ele pode, no exercício da sua actividade científica e administrativa, praticar todos os actos amistosos paia com o público que a sua generosidade ou a sua compreensão lhe ditem, quer esperando pelo pagamento dos medicamentos fornecidos, quer fraccionando ou reduzindo o seu custo, quer suprindo com análises e conselhos as mil e uma deficiências dos meios pequenos.
O seu prestígio social aumenta assim grandemente ao mesmo tempo que aumentam também as perspectivas económicas da sua vida pessoal e familiar.
E tudo isto valorizando directamente a sua profissão e a sua personalidade, se reflecte, indirectamente, nos
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jovens estudantes, que, em presença de tais estímulos, mais tentados se poderão sentir a seguir semelhante carreira.
E o benefício não é só para eles, é também e sobretudo, para o País, que deles não pode prescindir.
Mas não são só as vantagens apontadas - aliás só por si suficientes para justificarem o caso - que os levam a dar preferência ao regime da indivisibilidade da propriedade e da gerência técnica da farmácia. Há outras razões, quase tão importantes como aquelas, que igualmente aconselham a seguir as normas deste regime.
Assim, se a presença efectiva e permanente do farmacêutico na farmácia e a sua inteira independência são condições fundamentais para a saúde pública e para a sua dignidade profissional, não o são menos para o interesse nacional a ordem, a isenção e a parcimónia que as farmácias ponham ao serviço do comércio dos seus produtos.
Os medicamentos não são artigos de luxo, são artigos não só de primeira necessidade, mas até de natureza tão essencial à vida que toda a especulação cientifica ou comercial que em torno deles se faça representa verdadeiro crime de lesa-humanidade.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Não é aí, pois, que os capitalistas não farmacêuticos devem aplicar o jogo habitual das suas vitórias financeiras, nem aí também que devem ir buscar o lucro normal ou anormal dos seus investimentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse campo quer-se livre de prepotências e de ganâncias para que a qualidade, o preço e a preferência dos medicamentos não hajam de sofre quaisquer agravos.
Esse pequeno comércio deve assim ser reservado, exclusivamente, ao farmacêutico, ou melhor, ao director técnico da farmácia, que, tendo sempre presente as normas deontológicas que informam a sua preparação profissional, dele deve tirar apenas o lucro indispensável à justa remuneração do seu trabalho.
A própria dimensão da farmácia, para ser óptima, no momento presente, não carece de ser grande nem demanda avultados cabedais.
A variedade, quase infinita, das chamadas especialidades farmacêuticas, hoje representando mais de 90 por cento das vendas, chega às suas prateleiras em número reduzido de unidades, por intermédio dos depositários ou armazenistas, que suportam as incomodidades e as despesas do grossismo e aí as entregam à consigração ou a crédito.
Tão confinado e isento de influências estranhas se deseja, pois, esse comércio que nem sequer ao farmacêutico se deve outorgar o direito de possuir mais do que uma farmácia, nem ao médico se deve permitir a qualidade de ser seu associado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todas estas limitações de ordem moral e material mostram bem que a farmácia não é, nem deve ser, como muitos pensam ou desejam, um estabelecimento comercial igual a qualquer outro. A sua natureza especial obriga a relegar para segundo plano a parte lucrativa individual para dar relevância à parte sanitária social.
Não é, pois, a esse pequeno e ingrato campo, todos os dias invadido pela doença, pela pobreza e pela miséria, que o capital deve ir buscar maior alento
O capital tem, adentro do âmbito da saúde pública, um grande sector aberto à sua acção - o da produção medicamentosa industrial.
Nesse sector ele pode, com o seu extraordinário potencial, dimensionar à larga os seus laboratórios e as suas fábricas de molde a conseguir, através de mais apuradas técnicas e de mais amplas produções, não só mais elevada retribuição monetária do seu esforço, mas ainda - o que muito importa à causa pública - melhor qualidade e mais baixo custo dos seus produtos.
Aí sim, ele tem uma alta função a desempenhar.
Mas todas estas razões que para nós, médicos, directos conhecedores do assunto, são motivos decisivos para a inesitante preferência do regime da indivisibilidade - tal a base moral que as informa-, parece não serem suficientes para outras pessoas ou outras classes a quem se afigura diferente a dimensão dos valores que se discutem.
Assim, para muitos juristas o que parece essencial, no meio de tudo isto, não é a melhor defesa da saúde pública, conseguido através dia plena independência e da plena posse do farmacêutico à farmácia cuja direcção técnica todos concordam ser absolutamente necessário tornar efectiva e permanente O que parece mais importante é assegurar o pleno direito da propriedade, tal como genericamente se define e garante no n º 15 do artigo 8 º da Constituição Política da República, a todos os indivíduos não farmacêuticos que, por herança ou outro motivo social, obtenham uma farmácia.
Mas o que é, afinal, a propriedade da farmácia?
Será por acaso o recinto, o gral e as prateleiras de que o farmacêutico se serve paia exercer a sua actividade?
Se é, essa propriedade, tal como o consultório, a aparelhagem e os livros do médico e do advogado, deve ser, realmente, intangível.
Mas se essa propriedade é, como julgo, o simples direito de comercializar, em determinado local, certos produtos que, pela sua natureza melindrosa ou perigosa, carecem de ser cientificamente conhecidos e rigorosamente fiscalizados, direito esse que só é outorgado pela lei em alvará (e esta condição não se põe a mais nenhum outro ramo de comércio), se à frente dessa empresa estiver, com plena consciência e responsabilidade, um director técnico devidamente habilitado e oficialmente graduado, capaz de assegurar a integridade da saúde pública - base fundamental desse direito -, então esse direito está naturalmente condicionado e limitado pelo fim superior do interesse colectivo que o determinou e, desta forma, já não é o n.º 15 do artigo 8 º da Constituição Política da República que rege a sua amplitude, mas sim o n.º 2 do artigo 6.º da mesma Constituição, que diz que «incumbe ao Estado coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais, fazendo prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares ao geral».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Isto o que se afigura a um simples leigo em matéria de leis, mas, se esta declarada insuficiente preparação jurídica pode, de algum modo, tornar menos exacta a dedução ou menos convincente a argumentação, então que aqueles que anseiam por maior claridade se debrucem sobre o luminoso estudo crítico do insigne Prof Doutor Braga da Cruz, onde então encontrarão,
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radiantes de verdade e de certeza, todos os pontos de direito que se referem à propriedade da farmácia.
Ali todos podem ver, trazido à superfície de límpido e sagaz raciocínio, os poderosos esteios em que se firma a indivisibilidade e as graves implicações em que se afunda a dissociação da propriedade e da gerência das farmácias.
Todos podem ver Mas todos quererão ver?
Parece que não.
Pelo menos, há poucos dias, alguns cidadãos, que os jornais dizem pertencer ao Sindicato dos Ajudantes de Farmácia, reunidos em Lisboa para discutirem os anseios e aspirações da classe, assim parece o haverem demonstrado.
Durante essa reunião vários oradores usaram da palavra, expondo com toda a clareza os seus pontos de vista, que foram desde o protesto contra o facto de só diplomados poderem ser proprietários de farmácias até à classificação de «discriminação social», a situação em que todos ficariam se o projecto de lei agora em discussão nesta Câmara fosse aprovado. E, no fim de tudo isto, parece que o presidente do referido Sindicato não só enviou vários telegramas, não sei de que teor (os jornais não o dizem), aos Srs. Presidentes da República, do Conselho, da Assembleia Nacional e da Corporação do Comércio, como ainda dirigiu à Presidência do Conselho uma nota pedindo a suspensão da discussão da lei que agora nos ocupa.
O caso causou-me espanto, e causou-me espanto porque sempre conheci e considerei os ajudantes de farmácia, tais como os enfermeiros, preciosos e disciplinados auxiliares do farmacêutico e do médico, com justo sentido dos seus direitos e deveres e profundo respeito pela ordem social estabelecida.
É claro que se se tratasse de um sindicato de proprietários de farmácia, não farmacêuticos, eu não me admiraria de que os seus filiados, receando ver em breve terminada, com a aprovação da nova lei, a situação ilegal em que a maioria se encontrava e encontra, procedesse daquela forma.
Mas, tratando-se de um sindicato de ajudantes de farmácia, situação perfeitamente definida na hierarquia social da Nação e no quadro dos servidores da saúde pública que em nada é afectada pelo projecto actual da nova lei, a admiração não era para menos.
Assim, se bem entendo, os pontos de vista ali expostos não foram os atinentes a uma melhoria de horário e de vencimentos nem à obtenção de mais largas regalias previdenciais, o que seria absolutamente justo.
O Sr Burity da Silva: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio
O Sr Burity da Silva: - Quero esclarecer que acho perfeitamente legítima a atitude do Sindicato dos Ajudantes de Farmácia, porque lhe interessa defender os interesses da sua massa associativa, e que grande parte das farmácias é propriedade dos ajudantes de farmácia Estão, portanto, em jogo os interesses da sua massa associativa.
O Orador: - Acho bem que esse Sindicato continue a defender os interesses da sua massa associativa, logo que se limite a defender aqueles que forem legítimos
O que aqueles ajudantes de farmácia pediram foi, nem mais nem menos, que a propriedade da farmácia não fosse de futuro exclusivamente pertença dos farmacêuticos!
Mas porquê?
Porque preferem que o patrão não seja o seu director técnico?
Porque desejam eles ser patrões e ter o director técnico sob a sua dependência?
Ou porque, pura e simplesmente, ambicionam arredar definitivamente o director técnico diplomado das farmácias para serem eles os donos e directores de tudo aquilo?
Seja qual for a resposta que se tenha de dar a qualquer destas interrogações, o facto é de bradar aos céus!
Se se considerar a primeira interrogação, nenhuma vantagem se vê em que um ajudante de farmácia tenha por patrão uma pessoa que cão seja e não perceba do ofício, a menos que, por qualquer razão, ele se sinta incomodado com a presença de alguém que saiba mais do que ele e que, melhor do que ninguém, o possa orientar.
Se se tomar em conta a segunda, acha-se simplesmente demasiada a ambição, por se tratar de pura e inadmissível inversão de posição.
Se se quiser atentar na terceira, temos de a classificar benevolamente de mera e inconsistente prosápia, visto não ser com os simples, embora muito apreciáveis, conhecimentos empíricos que possuem, que se podem garantir, inteiramente, nos dias de hoje, as exigências técnicas e deontológicas de uma farmácia.
Mas, além destes pontos de vista, fizeram-se ainda neste banquete verdadeiras afirmações gratuitas.
Aludiu-se a discriminação social!
Discriminação, social porquê?
Acaso a lei impede alguém de se elevar na sociedade tanto quanto o seu esforço ou o seu valor mereçam?
Se a lei entende que para se ser proprietário de uma farmácia é indispensável ter-se o diploma de farmacêutico, acaso alguma vez se proibiu que o ajudante tirasse o curso do liceu e logo após ele se dirigisse a qualquer das escolas de Lisboa ou de Coimbra ou à Faculdade do Porto para ficar apto a dirigir essa farmácia ou dirigir um. laboratório de análises,?
Não é assim, estudando afincadamente dez ou doze anos, que se chega a saber o suficiente pana se merecer e portanto ter direito àquele diploma?
Não é esse o caminho legítimo, e socialmente justo, que todos devem percorrer?
Discriminação social então porquê?
Porque se não dá, de mão beijada, ao ajudante de farmácia, por vezes sem o 1.º ciclo do liceu sequer, o diploma universitário que lhe abriria as portas legais da direcção técnica e de propriedade da farmácia?
Porque se não permite que ele seja, ilegalmente, proprietário e director técnico de um estabelecimento para o qual não tem título bastante que corresponda a preparação técnica e deontológica suficientes?
Mas se isto se fizesse não era autêntica inversão ou subversão social?
É então isto que os Srs. Ajudantes de farmácia desejam para o seu país?
Não Os verdadeiros ajudantes de farmácia que eu conheço, esses honestíssimos e prestantíssimos elementos que são braço direito dos seus directores técnicos e preciosos auxiliares do médico e do público, corteses, disciplinados, sem invejas, nem ódios, nem ambições desmedidas, não pedem a sua equiparação aos seus naturais superiores hierárquicos. Sempre que pretendem ser donos e dirigentes da farmácia seguem as vias normais que aí conduzem e, uma vez lá chegados, têm as mesmas honras e os mesmos direitos dos seus antecessores
Quem falou, portanto, naquela reunião, não foram os ajudantes de farmácia.
Os jornais enganaram-se E enganaram-se talvez porque alguns dos assistentes estivessem disfarçados de proprietários de farmácias ilegais
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Só esses poderiam falar daquela forma.
Mas esses não tinham autoridade moral para o fazer.
Sr. Presidente: Vou terminar, mas antes desejo enviar desta tribuna calorosas felicitações ao Governo pelo estudo profundo, pela ponderação, pela isenção
e pela generosidade com que dois dos seus mais prestigiosos membros articularam, em datas diferentes, uma lei de propriedade da farmácia que, sem desrespeita os naturais direitos privados (na medida em que eles podem e devem ser acautelados) e até sem deixar de perdoar e de sanar as infracções verificadas, visa sustar a onda alterosa de prevaricações e de intrusões que tanto têm crescido, nos últimos anos, à sua volta.
Essa lei não pode solucionar de pronto todos os desmandos que, tanto no campo deontológico como no campo económico, se apresentam a formar intrincado e de interesses contraditórios, mas, como diz o ilustre Prof. Doutor Correia da Silva na sua desassombrada entrevista ao Diário da Manhã, «ela resolve um problema de base, podendo perfeitamente aceitar-se que se tenha começado por aí».
Dou-lhe pois o meu voto na generalidade, e estou certo de que, comigo, muitos serão nesta Assembleia, aqueles que a aprovarão com perfeita tranquilidade de consciência.
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi manto cumprimentado.
O Sr. Oliveira Pimentel: - Sr. Presidente: É submetida à discussão da Câmara a proposta de lei sobre propriedade da farmácia, matéria esta que, em face das suas implicações de ordem social, moral e material e que provoca no campo em que se situa e em outros que lhe são afins, merece todo o cuidado e atenção com vista às resoluções que venham a ser tomadas.
Não são novos os problemas que se debatem e têm tido larga audiência sob vários prismas em que tem incidido a sua apreciação, e as discussões de que têm sido objecto - por vezes acaloradas - têm-se situado algumas delas em campos diametralmente opostos. Porque a matéria não é nova e interessa a determinadas classes de pessoas com larga representação do ponto de vista profissional, porque à volta do problema se movimentam interesses de valor material apreciável e nele imperam factores de ordem pública cuja defesa se pretende assegurar, porque e diversas entidades sem interesse directo na resolução do mesmo problema - e assim com liberdade de pensamento e de acção - prestaram o seu contributo para estudo deste, pelas razões indicadas, as teses formuladas e
explanadas e justificadas com glande cópia de - quer nas suas linhas gerais, quer nos seus pó em diversos trabalhos da especialidade.
Não é difícil, pois, para quem, como nós, som cia o problema nas suas linhas gerais, estudá-lo um juízo de valor sobre o que nele existe de cujos princípios importa defender e manter tanto quanto possível na sua pureza, aquilo que é meramente acidental e acessório convém não passe a ocupar o lugar que compete ao fundo da questão, de molde a impedir possa vir a ser desvirtuado.
Não vamos procurar desenvolver ou, pelo menos, referir os vários aspectos da matéria que afloram no texto da proposta de lei. Diremos somente o necessário para justificar, por forma consciente, o voto que dermos às bases do diploma em apreciação. Para tanto, a nossa atenção incidirá apenas sobre duas questões basilares - a da natureza das funções do farmacêutico e a do princípio da propriedade exclusiva das farmácias pelos farmacêuticos
Quanto ao primeiro ponto - o da natureza das funções do farmacêutico -, apresentam-se duas soluções opostas o farmacêutico, em face da natureza essencialmente comercial da sua função, deve ser considerado comerciante, ou, pelo contrário, a sua actividade desenvolve-se no quadro da profissão liberal
Vários autores se têm debruçado sobre o problema, procurando investigar se os farmacêuticos são ou não comerciantes, e para a sua solução interessa determinar se os actos por eles praticados são de natureza civil ou comercial
O Prof José Tavares, no seu trabalho «Os Farmacêuticos na Qualidade de Comerciantes», entende que o farmacêutico é considerado comerciante, e, desenvolvendo o seu pensamento, refere que o mesmo pode encontrar-se na vida social em três situações distintas ou exercendo a sua indústria, em nome próprio, em farmácia aberta ao público, onde vende as diferentes matérias medicinais, mas preparadas na própria farmácia, e outras no mesmo estado em que as adquiriu, ou exercendo-a em farmácia sua, em nome de outrem, que é o proprietário desta, do qual recebe uma remuneração, ou, finalmente, limitando-se a exercer a sua profissão, ministrando o curioso da classe
Para estes, segundo refere o mesmo autor, não oferece duvidas a solução do problema, porque, não praticando actos de compra e venda, ou outros de natureza comercial, não podem considerar-se comerciantes, registe-se, porém, que, dada a evolução sofrida pela actividade farmacêutica, este seu aspecto oferece, presentemente, relevância diminuta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os segundos também não podem considerar-se comerciantes, porque lhes falta o requisito do exercício em nome próprio, a não ser que se considerem comerciantes por exercerem profissionalmente o mandato comercial - tese esta que, neste ponto, é contrariada pelo Prof Barbosa de Magalhães Assim, o problema resume-se em saber se deve ou não considerar-se comerciante o farmacêutico que exerce a sua profissão em farmácia aberta ao público e na qual, ao lado dos medicamentos que vende depois de os haver manipulado na sua oficina, vende outros no mesmo estado em que os adquiriu em outros estabelecimentos congéneres, em laboratórios ou em fábricas que os produziram.
O Prof José Tavares, com o seu invulgar poder de argumentação, procura demonstrar que o farmacêutico que exerce a sua actividade profissional nas condições indicadas, ou seja em farmácia aberta ao público, não pode deixar de ser considerado comerciante, pois, na sua opinião, se a farmácia fosse apenas laboratório onde, segundo as fórmulas de farmacologia, se preparassem e manipulassem as substâncias medicinais, tendo em consideração o regulamento social, científico e técnico da classe dos farmacêuticos, que, em certo modo, os equipara aos titulares das profissões, liberais, é certo que não deveriam ser considerados comerciantes, porque se limitavam a exercer a sua arte ou profissão característica, sem outra especulação que não fosse a da compra e venda dos artigos indispensáveis para o exercício da sua função própria.
Todavia, em virtude da evolução da actividade farmacêutica, a qual se dirige mais à compra e vendai de diferentes medicamentos já manipulados, instrumentos de
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cirurgia, artigos de higiene e outros semelhantes, fazendo assim do .exercício desses actos uma profissão - conclui-, o farmacêutico não pode deixar de assumir a qualidade de comerciante
O problema, porém, terá de ser visto por outro prisma e averiguar da essência dos actos praticados pelo farmacêutico no exercício do seu mister, pois além dos produtos que ele manipula segundo fórmulas consagradas ou em consequência de nova combinação de drogas, efectuada tantas vezes segundo processos da sua criação, resultado a que chegou mediante estudos e ensaios a que procedeu, ainda mesmo quando a sua actividade se limita a fornecer - com ou sem receita médica, conforme o caso - o medicamento que lhe foi solicitado e que entregará no estado em que o adquiriu, isto é, sem que tenha procedido a qualquer preparação prévia, mesmo então, pelo controle que exerce sobre o produto, verificando se se encontra em boas condições sanitárias e dentro do prazo de validade, pelo direito que lhe assiste de, em determinados casos, se recusar a fornecer o medicamento, pelas indicações que deverá dar sobre o modo de utilização deste, o farmacêutico exerce, na verdade, uma profissão bastante diferente daquela que é característica e em que se enquadra a actividade do comerciante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É assim que, no n.º 3 da base I do projecto de proposta de lei sobre propriedade da farmácia que o Governo apresentou com data de 11 de Outubro de 1962, se consignou que os farmacêuticos exercem uma profissão liberal pelo que respeita à preparação de produtos manipulados e à verificação da qualidade e dose tóxica dos produtos fornecidos, manipulados ou não.
Contudo, a Câmara Corporativa, no parecer que foi chamada a emitir sobre o articulado, entendeu dever eliminar o conteúdo indicado na referida base - apesar de se mostrar fundamental em texto desta natureza-, uma vez que, no seu modo de Ver, para a fixação do regime da propriedade farmacêutica não interessa decidir se a profissão de farmacêutico é de natureza comercial ou liberal
Salvo o devido respeito, não sendo a doutrina unânime na definição da natureza de tal função, ao fixarem-se as bases em que deverá assentar o regime jurídico da propriedade da farmácia procedeu-se avisadamente inserindo-se naquela proposta de lei o seu principio informador.
Ainda bem que assim se considerou na proposta do Governo, datada de 16 de Novembro último e agora em discussão, fazendo-se inserir no seu texto disposição igual àquela que continha aquele projecto dê proposta de lei e que a Câmara Corporativa resolvera eliminar por ser desnecessária - no seu entender
Que o farmacêutico exerce uma actividade com características que se enquadram no regime da profissão liberal, aceita-se sem grande esforço de construção jurídica desde que para tanto se observe na sua tipicidade aquilo que nela há de essencial, de elevado, desprezando-se tudo quanto se reveste de acessório
Para se chegar a esta conclusão não será, contudo, necessário utilizar argumentos como aqueles que já vimos transcritos de uma revista belga da especialidade, em que se diz.
O notário compra papel timbrado e vende-o muito mais caro, maculado de nódoas de tinta - não é, contudo, comerciante ,
O médico pode fazer uma massagem, palpar, vender medicamentos (na Bélgica, em certos meios rurais onde não há farmácias, o médico vende medicamentos) - não é, contudo, comerciante.
Um arquitecto prepara planos, que reproduz em cinco ou seis cópias - mas não é um comerciante.
Não exemplos como estes, a servirem de argumento, em nada contribuem para a determinação do regime que preside à actividade do farmacêutico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À razão de ser desta a razão primordial - assenta no facto de o farmacêutico servir os fins da saúde pública, dispensando-lhe os medicamentos que lhe são necessários - e ao fazê-lo é-lhe reconhecida a indispensável capacidade científica, deontológica e moral Embora a sua actividade encontre contrapartida no seu aspecto económico - como sucede normalmente nas restantes profissões, liberais ou não liberais -, o certo á que, de forma bastante diferente do que acontece na actividade mercantil, o papel do farmacêutico incide fundamentalmente em dispensar ao doente o medicamento mais apropriado e em boas condições de poder ser utilizado.
Conforme afirmou o Sr. Dr. Martins de Carvalho em declarações que fez quando Ministro da Saúde e Assistência, sa farmácia é cada vez mais um elo de uma actividade de interesse público, ligado a sectores crescentes da saúde das populações (o que faz crescer nela *os problemas técnicos e os problemas deontológicos, tão-só com a progressiva exigência de receita para o fornecimento de medicamentos - que em alguns países é total - e com a correlativa proibição de venda sem prescrição médica de um produto que comercialmente se colocaria muito melhor sem essa exigência, não raro relativo a sectores - como os antibióticos - em que o leigo não se apercebe bem dos motivos da proibição)»
O problema foi recentemente estudado pelo Sr. Prof. Braga da Cruz em magnífico trabalho que publicou («Propriedade da Farmácia - Estudo Crítico sobre Um Parecer da Câmara Corporativa»), e no qual, embora dê como assente, e portanto fora de discussão, que a actividade farmacêutica não é um mero acto de comércio de medicamentos, que estão em jogo nela delicadíssimos valores morais e valores sanitários que bolem com a dignidade e com um dos seus mais preciosos bens a saúde, ao retomar o tema, defende e demonstra com argumentos válidos que a actividade farmacêutica constitui uma actividade individualizada, onde a personalidade, a formação moral e deontológica e os conhecimentos científicos do farmacêutico são constantemente obrigados a intervir.
Assim se conclui que a actividade farmacêutica reveste o carácter de profissão liberal.
Sr. Presidente O segundo ponto enunciado, que passamos a referir, traduz-se no princípio da indivisibilidade da propriedade da farmácia e da gerência técnica, o qual se encontra expressamente consignado na base n da proposta de lei por representar - conforme se afirma no relatório desta- uma já larga evolução legislativa no sentido da sua consagração.
Tal princípio não é, porém, aplicado em termos absolutos - algumas brechas são abortas no seu desenvolvimento de forma a temperar a sua rigidez De entre as excepções estabelecidas algumas delas vão de encontro a situações cujos interesses em jogo merecem protecção; há, contudo, outras, pelo menos uma - o caso das farmácias das instituições de previdência - de cuja acei-
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tacão poderão resultar inconvenientes de mica no campo de acção das farmácias privadas.
Contra o princípio da indivisibilidade da farmácia e da gerência técnica, ou seja o princípio que atribui ao farmacêutico o direito de ser o único proprietário das oficinas de farmácia, não raras vezes se argumenta com a invocação dos direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos portugueses nos n.º 7.º e 15.º do artigo 8.º da Constituição que estabelecem, respectivamente, a liberdade de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio e do direito de propriedade e a sua transmissão em vida ou por morte. Quanto àquela liberdade, ela terá de ceder, nos termos da mesma disposição, quando as necessidades do bem comum assim o determinarem.
E não será este um dos casos em que a cedência se justifica plenamente em presença do bem comum que se visa atingir?
No que concerne ao direito de propriedade hoje mais do que nunca terá de ceder e aceitar o cerce factores de vária ordem que limitam o seu conteúdo, por vezes em termos absolutos.
É a própria Constituição Política a estabelecer que o direito de propriedade será exercido nas condições determinadas na lei civil. E esse direito de propriedade é aqui restringido com o fim de proteger a saúde pública.
É o caso da propriedade da farmácia. E esta restrição aceita-se sem esforço, pois se se percorrer o direito estabelecido encontram-se inúmeras limitações ao direito de propriedade, que por vezes chega a ser cerceado em presença de simples interesses particulares que se impõe proteger (é o caso de o dono do prédio onde existirem árvores alheias poder adquiri-las, é o caso de os proprietários de prédios encravados poderem exigir ou passagem pelos terrenos vizinhos)
E se o direito de propriedade sofre limitações a favor de interesses privados, porque não restringido quando estão em causa fins no caso da propriedade da farmácia, em que proteger a saúde pública?
Aceita-se como estando dentro dos melhores princípios a vinculação do farmacêutico à farmácia, fazendo com que estes dois elementos - um deles humano e o outro de ordem material - se identifiquem tanto na realização daqueles fins.
Somente quando o farmacêutico pode agir independência, subordinado apenas aos ditames da sua consciência e ao respeito das normas deontológicas - adquiriu através da sua formação universitária - a par do cumprimento das prescrições regulamentares, só então - e só assim - o farmacêutico poderá cumprir cabalmente a missão que lhe foi destinada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Admite-se, pois, como constituindo a melhor forma de valorizar a profissão a atribuição de mais direitos ao farmacêutico, a fim de se lhe poderem exigir maiores responsabilidades - as quais não rejeitará, estamos certos disso - no exercício de uma profissão que serve os interesses da saúde pública.
A farmácia é para o farmacêutico - com isto se quer significar que deve ser ele o único proprietário da oficina onde se desenvolve a sua actividade, pois só assim se conseguirá assegurar completa independência e inteira responsabilidade ao farmacêutica no exercício da sua tão prestimosa como nobre profissão.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 23 422 de 29 de Dezembro de 1933, teve-se em vista introduzir a necessária disciplina na actividade farmacêutica, e ali se consignou que só o farmacêutico poderia ser proprietário de farmácias.
Ou porque aquele diploma não tivesse sido objecto de regulamentação, ou porque a tradicional brandura dos nossos costumes tenha impedido a sua aplicação, ou ainda porque nesta matéria se tenha contado com a tibieza da administração pública, que através dos serviços competentes não tomou adequadas medidas de fiscalização deste escolha importante sector - «deixando fazer aquilo que deveria comércio ter impedido que se fizesse -, aconteceu que após em vida a publicação do referido diploma legal se prosseguiu, se de ceder, é que se não redobrou, na mesma indisciplina - perante a inércia da lei, a ausência de regulamentação e a infrutífera fiscalização por parte dos serviços.
Agora, que esta Câmara foi chamada a pronunciar-se mm que sobre matéria de tanto alcance como é a da propriedade da farmácia, espera-se que o rumo que para ela venha O]e mais a ser traçado a reintegre dentro dos melhores princípios e se procure alcançar ordem e respeito do desenvolvimento da actividade farmacêutica. Não está apenas em causa o exercício de uma actividade profissional que precisa de er que o saber sob que lei vive - está também em jogo o fim de es deter- saúde pública, cujo bem comum merece e se impõe seja é aqui defendido e protegido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muitocumpreimentado.
O Sr. Abranches de Soveral: - Sr Presidente O invulgar alvoroço que, dentro e fora desta Assembleia, se tem erguido em torno desta proposta de lei, impõe a todos nós, sobre quem impende a responsabilidade da decisão, um duplo e penoso esforço - o de apurar o porquê e o para quê da proposta e o, bem mais difícil, de nos não deixarmos contagiar pelo entusiasmo apaixonado posto na discussão do problema.
Sem farmacêuticos na família e sem farmácias & vista na linha da herança, foi inteiramente indiferente que me debrucei no problema - até porque as muitas vozes que ouvi em defesa das teses divergentes não podiam ter, nem eu lhes» atribuí, outro propósito que não fosse o de me elucidar.
E foi assim - desapaixonado de qualquer corrente e despido He qualquer interesse - que formei a opinião que vou ter a honra de transmitir a VV. Exas., porque entendo que a proposta, pela sua repercussão imediata e pela sua projecção futura, precisa de ser ventilada em todos os sentidos e encarada sob todos os ângulos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos somos unânimes em colocar na primeira linha dos valores o da saúde pública, que urge defender através de uma organização eficiente dos serviços medicamentosos.
As divergências surgem apenas no modus faciendi.
Para uns, tal desiderato só se alcançará se o proprietário da farmácia for o farmacêutico diplomado - é o se quer princípio da indivisibilidade, para outros, o objectivo da oficina alcançar-se-á preferentemente através de uma gerência técnica efectiva e assídua prestada pelo diplomado - é o princípio da divisibilidade.
Ambas as teses são sustentadas, com entusiasmo latino, por campeões ilustradíssimos, que, por igual, se afadigam de 29 de a minimizar os argumentos adversos, do mesmo passo que se queixam de os adversários minimizarem os deles
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Aqui, porém, estamos a legislar - e a lei, mais que uma tese abstracta, é um ordenamento da vida
For isso, sem perdermos de vista as teorias que expressam as fortes correntes do pensamento, temos que auscultar as realidades da vida, para deduzirmos a medida em que elas confirmam as teorias, ou as repelem, ou as modificam
Será da interpretação e reacção mútuas destas duas forças - a do pensamento e a das realidades, a da teoria e a da vida - que poderemos e deveremos extrair a resultante verdadeiramente útil para o problema.
Não o entendeu assim a lei anterior, que, entrincheirando-se no castelo encantado da indivisibilidade, dela deduziu, sem atendei às realidades humanas, pressupostos e ilações ilegítimos.
E é precisamente contra estes pressupostos e ilações ilegítimos - e só contra eles - que tenazmente se insurge, há mais de 30 anos, o bom senso nacional.
Com a agravante de que tais ilações e pressupostos não constituem consequência necessária, nem condição ame qua non, da vivência do princípio da indivisibilidade, e são até contraproducentes, na medida em que tornam tal princípio odioso e fazem perigar os objectivos práticos que a indivisibilidade pretende atingir.
Vejamos se assim é.
Vivemos há mais de 30 anos no regime legal da indivisibilidade, e, por isso, a nossa própria e longa experiência nacional dispensa-nos a invocação de paralelismos estrangeiros.
Não se pode, porém, dizer que sejam animadoras as lições desta experiência, nem que tenham sido brilhantes os resultados alcançados, a própria apresentação desta proposta disso constitui confissão explícita.
E até, segundo as informações do nosso ilustre colega Dr. Folhadela de Oliveira, mais de 70 por cento das farmácias espalhadas por todos os cantos de Portugal estão em transgressão à letra e ao espírito do Decreto-Lei n º 28 422, cuja redacção é, aliás, modelar.
Sendo assim, há que apurar o que está mal, porque quando a esmagadora maioria da Nação infringe teimosamente uma lei é caso para averiguar o que nela estará errado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se com este propósito auscultarmos bem a reacção pública, veremos que ela se dirige, não contra o princípio da- indivisibilidade em si mesmo, mas contra a forma por que a aplicação mal entendida de tal princípio ofendeu, inútil e contraproducentemente, o direito de propriedade e a estabilidade da família, que axiològicamente são os valores primários e supremos da nossa vivência nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Inútil e contraproducentemente - dissemos já e repetimos-, porque a proposta da lei, defendida através do pengosíssimo slogan «A farmácia para os farmacêuticos», não concede ao fim e ao cabo ao farmacêutico senão a detenção precária e temporária do estabelecimento farmacêutico, por não lhe assegurar devidamente o pagamento do seu justo valor no caso de futura alienação forçada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Admitindo mesmo, por hipótese, que um jovem farmacêutico tenha disponibilidades económicas para investir numa farmácia, é muito duvidoso, em face do actual articulado da proposta de lei, que ele a queira adquirir, ou que, adquirindo-a, ele se sinta impelido a devotar-lhe toda a sua actividade e entusiasmo profissional.
O Sr. Brilhante de Paiva: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Como todos nós, tenho seguido a apreciação da proposta de lei relativa a propriedade da farmácia quase diria com emoção, mas direi certamente com o interesse ditado pelo alcance nacional que ela tem
V. Exa. tem estado efectivamente a fazer considerações todas elas perfeitamente correspondentes e que são perfeito espelho da ponderação que põe em todos os seus actos e que eu tenho muito interesse e muito prazer em o manifestar, apresentando desde já a homenagem e o apreço devidos a V. Exa.
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. Brilhante de Paiva: - A propósito da aquisição da propriedade da farmácia, que V. Exa. acaba de mencionar, digamos por um jovem farmacêutico, se ele estiver inteiramente desprovido de meios financeiros, parece-me de perguntar de que maneira conseguirá ele montar a sua farmácia sem dispor de dinheiro e sem subordinar de forma nenhuma a honorabilidade com que há-de exercer o seu múnus.
O Orador: - Tem V. Exa. razão. Aliás, vou abordar esse ponto mais adiante.
Eu estou a pôr o aspecto tão exacto quanto possível, sem tomar qualquer posição que não seja, digamos, diagnosticar a extensão do mal. É esse problema que nos preocupa a todos nós, porque é fácil dizer que a farmácia é do farmacêutico e que o farmacêutico compra a farmácia.
Um dos propósitos desta proposta de lei é livrar o farmacêutico, no exercício do seu múnus, da pressão directa ou indirecta do grande capital.
Parece-me - mas isso não cabe na interpretação desta proposta de lei e seria talvez até de sugerir uma nova base que seria conveniente criar um fundo nacional de saúde ou como lhe queiram chamar talvez fundo nacional de farmácia -que se destinasse a amparar financeiramente o farmacêutico que principia, livrá-lo da pressão do capital estranho (é esse o propósito fundamental da proposta) e ao mesmo tempo assegurar amanhã aos herdeiros desse farmacêutico o valor que ele com o seu trabalho de muitos anos porventura tenha criado e investido na farmácia.
Esses problemas vou abordá-los mais adiante, porque estão na ordem deste trabalho
V. Exa. pôs um problema que existe Ë muito fácil dizer que a farmácia é piara o farmacêutico. Mas quem é que o faz dono da farmácia De maneira que talvez o problema se resolvesse com a introdução de uma nova base, a não ser que numa futura regulamentação - esta lei não é mais do que uma pedra num edifício que é necessário construir em defesa da saúde pública - lá venha a organização desse fundo
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O Sr. Brilhante de Paiva: - Tenho esperanças efectivamente, venha a definir-se esse caminho ou outro semelhante.
O Sr. Antunes de Lemos: - Eu também sinto esse problema. E ocorre-me perguntar se também seria legítimo arranjar um fundo para ajudar um médico que se forma a montar o seu consultório ou um advogado nos primeiros passos da sua carreira.
O Orador: - Se for um advogado da categoria de V. Exa., não precisa! (risos). Agora estamos apenas a tratar dos farmacêuticos, que já nos dão água pela barba! (risos)
Na verdade, impedindo-o a proposta de lei, de transmitir aos seus a farmácia que possui, e sentindo ele a humana necessidade de construir algo que sirva de arrimo e amparo à sua família nas horas difíceis em que ela mais precisará de protecção, é compreensível que o farmacêutico desvie o melhor da sua actividade e interesse para qualquer outro sector que garanta aos seus aquele futuro que a farmácia lhe nega.
E este resultado é precisamente oposto ao que a indivisibilidade se propõe atingir.
Seria bom lembrar aos jovens farmacêuticos que tão ardorosamente se batem pela proposta de lei em discussão que os «intrusos» e «estranhos» que a proposta tão iníqua e desapiedadamente procura afastar são, na quase totalidade, os filhos e cônjuges dos seus colegas mais velhos, e que a lei que agora querem for será a que amanhã expulsará das suas farmácias os seus próprios cônjuges e os seus próprios filhos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto na hipótese de o jovem farmacêutico ter meios para adquirir a farmácia, porque se os não tiver, a todos os inconvenientes apontados acrescerá o de o farmacêutico cair forçadamente nas garras do capitalismo plutocrata, daquele capitalismo de que a proposta de lei, ingénua e baldadamente, procurava livrá-lo.
Isto é, quando o princípio da indivisibilidade tende a tornar o farmacêutico pleno proprietário da farmácia, o articulado de lei torna-o praticamente um mero detentor, quando a indivisibilidade pretende defender a saúde pública pela dedicação à farmácia, a proposta põe ao farmacêutico perigoso dilema na oposição dos interesses familiares, e, querendo-se desenvencilhar a farmácia das manobras plutocratas, criava-se um caldo de cultura extramente propício às cavalarias de argentários.
Tudo isto que sumariamos e o muito mais que facilmente se infere e que, portanto, deixamos dizer, serve a demonstrar que a proposta de lei, enxertando no princípio da indivisibilidade da farmácia uma série de disposições inadmissíveis, desserviu o mesmo princípio, na medida em que aparentemente o tornou responsável por tais medidas.
É que (e chegamos agora ao ponto fulcral ias nossas críticas à generalidade da proposta de lei) o regime - sem entrada nem saída - de propriedade da farmácia que se esboça na proposta em discussão é tão abstruso que não só subverte o conceito da propriedade, mas atinge também o direito sucessório e afecta a estabilidade da família.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos da propriedade uma noção cristã, e não trocamos a pureza desse conceito pelo prato de lentilhas de uma aparente conveniência de momento
Para nós o direito de propriedade é o direito sagrado de cada um dispor do fruto do seu trabalho; é a projecção natural da personalidade humana no mundo económico, é a pedia angular da estabilidade da família.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já Radbruuk, ao escalpelizar a crise da família moderna, a filiou na falta de património próprio e estável, era a «comunhão da escada e patamar», como ele sintetizou numa frase significativa.
Quis-se minimizar esta iniquidade flagrante da proposta de lei reduzindo-a ao simples conceito das «restrições ao direito de propriedade», mas a desculpa não colhe.
Restrição ao direito de propriedade é tão-sòmente a limitação qualitativa ou quantitativa dos poderes contidos no direito de propriedade, que não afecte nem destrua a essência de tal direito.
E assim, quando (como na proposta de lei) a propriedade se torna indispensável para o seu titular, quando ela não sorte a escorar a família, perdendo todo o seu poder aglutinante e estabilizador - então para nós não há restrição ao direito de propriedade, mas a destruição dela que deixa de ter realidade e sentido, quer legal, quer social.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - V Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Eu penso que na lei que está em discussão se diz bem que o direito da propriedade se pode negociar.
O Orador: - Num prazo curto.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Mas não é uma limitação ou destruição da propriedade. Eles ficam em condições de a poder negociar.
O Orador: - Segundo a proposta de lei, se eles não a transmitem no prazo de um ano caduca o direito ao alvará e têm que aliená-la forçosamente.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Eles estuo sujeitos às leis da oferta e da procura e no prazo de um ano têm duas hipóteses. Ou constituem um estabelecimento acreditado e não faltai à quem o dispute, ou se trata de um estabelecimento que não está naquelas condições e então sofre as consequências da sua situação.
O Orador: - Como V Exa. põe o problema é se a farmácia está valorizada, o caso tem uma solução, se não está, o caso já não sucede assim, mas julgo que o problema não se pode pôr nessas condições.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - A respeito do dinheiro, está a dar-se hoje uma revolução nesse sentido é que a farmácia hoje valorizada não exige senão pouco capital para a sua manutenção.
O Orador: - Hoje manda seguir o armazém Mas, V Exa. sabe muito bem que não é só essa a valorização da farmácia
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O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Eu sei, é a chave.
O Sr. Burity da Silva: - Não há essa situação se o tempo passar.
O Orador: - Talvez não cometa uma inconfidência dizendo que se está a fazer isso.
O Sr. Armando Cândido: - Se V Exa. me permite.
O Orador: - Com certeza.
O Sr. Armando Cândido: - Na proposta ressalva-se também a cessão da exploração a favor do cônjuge ou herdeiro legitimário que não seja farmacêutico ou aluno de Farmácia.
O Orador: - Eu sei.
O Sr. Armando Cândido: - É que V Exa. está a aludir unicamente à obrigação de traspassar no prazo de um ano quando é certo que na proposta, e, por sinal, na mesma base, se faculta a cessão da exploração da farmácia pelo prazo máximo de dez anos, o que não pode deixar de considerar-se na aplicação do problema, tal como está sendo posto.
O Orador: - Têm de fazê-lo por uma quantia certa e num prazo determinado, no prazo máximo de um ano. Não pode estabelecer outra verba de compensação senão uma quantia determinada.
O Sr. Armando Cândido: - Não discuto agora o prazo de um ano que poderá, pó t ventura, VII a ser ampliado pela própria Assembleia, e não me repugna aceitar o princípio da quantia certa, dado o condicionalismo legal previsto.
O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Mas essa quantia não é arbitrária, uma vez que se não tem de ceder obrigatoriamente No caso de avaliarão, é feita por uma comissão de avaliação, que é o que está na lei.
O Orador: - É certo, mas essa avaliação não tem uma realidade prática. Como uma transferência ou um traspasse, é um acto contratual.
Se nós não chegarmos a acordo quanto ao quantitativo, não há avaliação nenhuma V Exa., que é comprador, por exemplo de uma farmácia, declara que pelo preço pedido não lhe interessa, se o preço exceder as suas disponibilidades.
É uma disposição absolutamente inútil, porque não representa coisa nenhuma V Exa. compreende o meu raciocínio se V Exa. quer comprar uma farmácia e eu, o vendedor, faço um preço, duas hipóteses se apresentam ou concordamos os dois e fazemos o negócio, ou discordamos e o negócio não se faz.
À lei coloca o dono da farmácia nesta situação só pode negociar dentro de um certo prazo E quando se está com a corda na garganta, quando um indivíduo tem dívidas a pagar, tem de resolver o problema imediatamente.
É por isso que, não obstante a intervenção do Sr. Deputado Brilhante de Paiva, eu penso que o problema será resolvido pela criação de um fundo Repito, porém, estou apenas a cingir-me ao que está na proposta.
Já fomos mais longe do que era necessário paia demonstrarmos as incongruências da proposta de lei em discussão.
Aceitamos o princípio da indivisibilidade da farmácia, não como um valor absoluto, mas como um elemento a atender para a defesa geral da saúde pública, porque não compreendemos que ele seja indispensável na farmácia e não o seja ainda mais prementemente nos grandes laboratórios e armazéns.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E já que tal princípio não surge, como devia surgir, devidamente enquadrado na organização geral da saúde, entre a lei orgânica e deontológica dos trabalhadores e profissionais do medicamento e a regulamentação minuciosa do ciclo do produto, desde que ele surge no grande laboratório até que é penosamente comprado pelo doente, temos de cuidadosamente redigir a lei por forma a permitir e facilitar esse enquadramento futuro
Mas temos que fazê-lo sem precipitações nem violências, que reabririam feridas abertas, e com a prudência e o cuidado que tornem o regime querido e não detestado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos sobretudo que defendei o princípio da indivisibilidade estabelecendo uma forma de aquisição e alienação da farmácia que não force o farmacêutico à dependência do agiota ou do plutocrata e lhe confira um direito de verdadeira propriedade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos, numa palavra, de colocar efectiva e verdadeiramente o farmacêutico em condições de poder trabalhar com independência e com devotamento profissional naquilo que é seu.
Mas, para alcançarmos tal objectivo, há que modificar totalmente o articulado das bases IV e XII da proposta, que transformavam o princípio da indivisibilidade numa espécie de alavanca que praticamente forçava o perecimento ou a colectivização inadmissível das farmácias portuguesas.
Se assim procedermos, esta Assembleia será verdadeiramente nacional, porque saberá congraçar e defender devidamente todos os interesses nacionais em presença, que um articulado infeliz tinha tornado antagónicos.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito nem existe na Mesa qualquer questão prévia que conduza a que seja retirada da discussão a proposta em debate Nestas condições, encerro o debate na generalidade e marco para ordem do dia de amanhã, à hora regimental, a discussão na especialidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
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António Burity da Silva
António Calheiros Lopes
António de Castro e Brito Meneses Soares
Armando Francisco Coelho Sampaio
Belchior Cardoso da Costa
Carlos Coelho
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo
D Custódia Lopes
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro
Henrique Veiga de Macedo
Jacinto da Silva Medina
James Pinto Buli
João Ubach Chaves
Joaquim de Sousa Birne
Jorge Augusto Correia
Jorge Manuel Vitor Moita
José Dias de Araújo Correia
José Fernando Nunes Barata
José de Mira Nunes Mexia
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Nunes Fernandes
Manuel Seabra Carqueijeiro
D. Maria Irene Leite da Costa
Tito Castelo Branco Arantes
Vítor Manuel Dias Barros
Srs. Deputados que faltaram à sessão
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado
Augusto César Cerqueira Gomes
Carlos Monteiro do Amaral Neto
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Fernando António da Veiga Frade
José Manuel da Costa
José Pinheiro da Silva
José Pinto Carneiro
José dos Santos Bessa
Túlio Dias das Neves
Manuel João Correia
Manuel Lopes de Almeida
Purxotoma Ramanata Quenin
Rogério Vargas Moniz
Urgel Abílio Horta
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó
O REDACTOR - António Manuel Pereira
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA