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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190
ANO DE 1965 19 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 190, EM 18 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
Nota. - No suplemento ao n.º 185 do Diário das Sessões, o nome do Sr. Deputado Manuel João Correia saiu como José Correia.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários das Sessões n.ºs 187 e 188.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente propôs um voto de sentimento pelo antigo Sr. Deputado António Augusto Aires.
A Assembleia não autorizou a suspensão do mandato do Sr. Deputado José Manuel Pires por motivo de pronuncia de liberdade de imprensa.
O Sr. Presidente informou que recebera, para efeitos disposto no § 3.º do artigo 109 º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 46 221.
O Sr. Deputado Antão Santos da Cunha referiu-se no seu aviso prévio sobre as estruturas políticas, sociais e económicas do Regime.
O Sr. Deputado Augusto Simões falou sobre a rede rodoviária do distrito de Coimbra.
Ordem do dia. - Continuou a discussão do parecer sobre as contas públicas de 1963.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D Custodia Lopes, José dos Santos Bessa e António Gonçalves Rapazote.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35.
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas o 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
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Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Maria Rebelo valente de Carvalho.
José de Mira Nunes mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Menezes.
Manuel Herculano Chorão de carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cotileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D Maria Irene Leite da Costa.
D Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Sebastião da Silva Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 187 e 188 do Diário das Sessões, correspondente às sessões de 11 e 12 do Corrente, e que já foram distribuídos pelos Srs. Deputados ontem.
Estão em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero aqueles n.ºs do Diário das Sessões aprovados.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Telegrama
Do Sr. Reitor da Universidade de Coimbra, em nome do Senado Universitário, congratulando-se com a intervenção do Sr. Deputado Nunes Barata sobre os problemas urgentes daquela Universidade e dando-lhe todo o apoio
O Sr Presidente: - Soube agora que faleceu o antigo Deputado António Augusto Aires. Foi Deputado na I e II Legislaturas.
Só agora tomei conhecimento do facto, mas este antigo Deputado já faleceu em 26 de Fevereiro. Desta maneira proponho que no Diário das Sessões se exare um voto de sentimento pelo seu passamento.
Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Lopes Roseira na sessão de 29 de Janeiro último.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Vou submeter à votação da Câmara o seguinte:
Comunica-me o Sr. Juiz Corregedor do l.º juízo criminal de Lisboa que foi pronunciado por abuso de liberdade de imprensa o Sr. Deputado José Manuel Pires.
Como VV. Exas. sabem, para que o processo siga durante o funcionamento efectivo da Assembleia importa que este Sr. Deputado seja suspenso do exercício das suas funções de Deputado pela Assembleia.
Vou pôr, portanto, à votação de VV. Exas. esta questão.
Submetida à votação, não foi concedida a suspensão.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 59, l.ª série, de 11 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 46 221, que aprova, para adesão, a Convenção que constitui a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, celebrada em Londres em 16 de Novembro de 1945, e modificada pela Conferência Geral nas suas 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª e l2.ª sessões.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antão Santos da Cunha.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Algumas poucas palavras, que bem poderão ser as últimas que profiro nesta Casa.
Não apoiados.
Em 19 de Março do ano findo - vai decorrido um ano - tive a honra de enviar para a Mesa uma nota de aviso prévio sobre as estruturas políticas, sociais e económicas do Regime, que a Câmara acolheu calorosamente e o País com indesmentível interesse.
Na sessão de 28 de Janeiro deste ano ordenou V. Exa. que a referida nota baixasse para estudo às Comissões de Legislação e Redacção e de Política e Administração Geral e Local.
Como a Assembleia interrompeu o seu funcionamento efectivo no dia 29 do referido mês de Janeiro, só há poucos dias - em 12 do corrente - puderam aquelas Comissões reunir, por iniciativa dos seus presidentes, que exercitaram muito gentilmente - pelo que estou muito grato aos Srs. Deputados Conselheiro Albino dos Reis e
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Dr. Melo e Castro - o poder convocatório que V. Exa. lhes devolvera.
As duas Comissões, formadas por distintos parlamentares, apreciaram, em reunião conjunta, com o mais vivo interesse e em plano de elevada compreensão, a importante e delicada matéria que constitui o objecto do meu aviso prévio.
Penso, Sr. Presidente, que não será de levar à conta de inconfidência reprovável certificar a Câmara de que ninguém deixou de reconhecer a transcendência da temática do aviso, a necessidade do seu estudo e solução, e todos quantos se pronunciaram foram unânimes em afirmar a perfeita ortodoxia doutrinária em que se movimentara o seu autor e os propósitos eminentemente construtivos que o animaram.
E quase podia ficar por aqui.
Adiantarei, no entanto, mais algumas considerações.
Um conjunto de múltiplas circunstâncias, a que podemos acrescentar a pesada agenda de trabalhos da Câmara, levou aquelas duas Comissões ao entendimento, que o aviso não tinha, com um mínimo de condições aceitáveis, viabilidade de efectivação na presente sessão legislativa.
Ora, Sr. Presidente, para além da falsa aparência que alguns possam pretender criar sobre o entusiasmo e a vivacidade que ponho nos assuntos a que me devoto, o certo é que nunca me mostrei insensível aos imperativos de uma disciplina política que tenho por conveniente e necessária.
Assim, e porque, sobre problema que eu próprio voluntariamente levei à sua apreciação, a decisão das Comissões foi votada em plano de superior responsabilidade, sem qualquer constrangimento, com naturalidade, «desportivamente».
E o facto talvez não merecesse sequer ser referido se não se verificasse a circunstância seguinte: esta sessão legislativa, dentro da qual a efectivação do aviso foi considerada inviável, é a última da presente legislatura.
Isto quer dizer que o autor do aviso fica, por razões que o ultrapassam, necessariamente desvinculado da obrigação de o efectivar.
Esta sua delicada posição, para a qual em nada contribuiu, não pode ficar na sombra, antes a justiça manda que fique iniludivelmente reconhecida.
Sr. Presidente: Estou em crer que o caminho que as coisas levaram não terá consequências de maior.
Na verdade, os propósitos do autor do aviso prévio sobre as estruturas políticas, sociais e económicas do Regime eram, naturalmente, limitados.
No fundo a mais não podia aspirar do que «alertar» os responsáveis para a relevância e premência dalguns problemas postos e despertar o espírito de outros mais dotados para se entregarem ao seu estudo e solução.
Nenhum desses objectivos se pode considerar frustado.
O Sr. Presidente do Conselho, ao admitir no seu último discurso possíveis revisões e ao reconhecer que se não pode fugir à deflexão ponderada do Regime em vigor, garantiu a todos que há - onde com mais vantagem e eficácia convém que a haja - plena consciência dos rumos que importa assegurar à nossa vida política nesta hora crucial da Pátria.
Por outro lado, estou certo de que nunca há-de faltar nesta Casa, para sua honra e para seu prestigio, inteligências e corações que compreendam e sintam os altos ideais da nossa Revolução, que se inquietem com a sua marcha, que sofram com o que, pelo desatino aos homens, a possa comprometer ou invalidar, que se alegrem e confortem com os triunfos que para ela - e por ela para o País, pois os seus destinos se identificam - souberem conquistar.
E termino, Sr. Presidente, formulando o voto de que a quem vier ocupar este lugar, no jeito singelo de quem rende um soldado que se mostrou vigilante no seu posto, nunca faltem a firmeza e coerência de convicções, o entusiasmo, a independência, a clareza de propósitos, a coragem de que procuramos dar testemunho e que encontre, então, a compreensão, os estímulos e a ajuda, que, afinal, nós não soubemos merecer.
Sr. Presidente: Com a tranquilidade de consciência que cada um possa ter, aguardemos todos o julgamento sereno, mas implacável, dos que, no elo ininterrupto das gerações, hão-de, para além de nós, continuar Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Augusto Simões: - Sr. Presidente: No cumprimento dos deveres impostos pela representação dos anseios dos povos nesta Câmara, não se nos torna lícito furtarmo-nos a trazer aqui os problemas que essa mesma representação engloba, com vista à sua conveniente solução pelos departamentos do Estado a que concernem.
Esta actividade representa uma colaboração imprescindível e utilíssima com os governantes, porque, desvendados e equacionados esses problemas como cumpre, ficam nas páginas das agendas dos respectivos departamentos afirmadas e conhecidas as grandes necessidades da grei com o sinal positivo da sua grande premência.
E não obstante as muitas vezes que essas páginas se voltam sem que as esperadas soluções tenham surgido, mesmo assim o valor de tais problemas impõe que se vá renovando a notícia da sua existência para que se não abandone a ideia de que devem ser resolvidos.
É por isso que, Sr. Presidente, venho hoje insistir pela solução de uns quantos desses problemas concernentes às ligações rodoviárias do distrito de Coimbra que já tive oportunidade de aqui trazer, repetindo, por isso, apelos muitas vezes feitos sobre o mesmo tema.
Nessa ordem de ideias, começo por lembrar alguns dos que mais afectam o concelho de Pampilhosa da Serra, por ser o mais desfavorecido do distrito de Coimbra em vias de comunicação rodoviária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não se me afigura necessário procurar pôr em evidência o valor que este concelho representa na economia da região e na própria economia nacional, dado que é suficientemente conhecido esse valor tão evidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Concelho da área serrana, tem ele sofrido desde há muito as limitações derivadas da insuficiente rede de estradas principais que sirvam de conveniente forma de escoamento às da rede secundária, igualmente deficientes para a ajustada movimentação das pessoas e dos bens nas grandes necessidades das suas deslocações.
Essa circunstância tem contrariado o possível desenvolvimento e crescimento deste concelho cujas povoações sofreram, durante décadas sem fim, o mais apavorante isolamento.
E, se estão a sair desse obscurantismo, devem-no em grande parte - talvez a maior - à indomável coragem das populações das aldeias, que, aglutinadas nas suas agremiações regionalistas, têm lutado bravamente pelos
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melhoramentos que são os índices primários do viver civilizado.
O Sr. Nunes Barata: - V. Exa. dá-me licença?
O orador: - Faz obséquio.
O Sr. Nunes Barata: - É para me associar a V. Exa. nessa homenagem às agremiações regionalistas, que são, na verdade, as grandes fautrizes do progresso naquelas regiões relativamente ao Estado e autarquias locais, porque, sobretudo nestas, os meios financeiros são realmente deficientes.
O Orador: - Sei perfeitamente que é assim, porque os três concelhos da comarca de Arganil - Gois, Pampilhosa da Serra e Arganil - têm muitíssimos dos seus problemas resolvidos através das agremiações regionalistas, constituindo estas exemplo a seguir de amor e dedicação pelos seus rincões.
Pausa.
O Orador: - Assim se tem espalhado uma notável soma de progresso pelas aldeias da serrania adusta, onde apareceram estradas e caminhos novos, abastecimento de água, lavadouros e electrificações que afirmam uma vivência cheia de virtualidades desses povos que, por seu devotamento, ganharam jus ao respeito e à ajuda do seu município e do Estado.
Assim se está a reconhecer nos serviços florestais, que, grandes dominadores da região serrana, têm rasgado as suas estradas de penetração nos vastos perímetros da sua jurisdição, muitas das quais são, até agora, as únicas vias de acesso a povoações que se encontravam isoladas.
Contudo, se a rede de estradas secundárias se vai desenvolvendo gradativamente, o ritmo do seu crescimento não é, de nenhuma maneira, o que convém à economia do concelho e da própria região.
Deve-se a lentidão do ritmo principalmente à assustadora deficiência da rede das estradas nacionais, que, por isso, não proporcionam às da rede concelhia as ligações de que estas carecem para se tornarem de plena utilidade.
Com tal insuficiência sofre a vida e até a morte das populações mais incrustadas na serra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É que sem estradas que permitam o escoamento do trânsito até aos centros populacionais onde se encontram os recursos da civilização não podem estabelecer-se os transportes automóveis, sendo a sua falta um factor de grave estagnação.
Na verdade, em nossos dias, os meios de condução do passado foram já quase totalmente banidos, pois o pulsar frenético da vida moderna não suporta os vagares dessas rotineiras formas de deslocação, em que a alimária assumia preponderante lugar.
É com os olhos postos na imperiosa necessidade de melhorar a vida local, comprometida pelos isolamentos dos povos, que se vem pedindo a construção das estradas nacionais n.º 348 e 344, justamente havidas como indispensáveis ao desenvolvimento dos povos serranos e ao fomento da economia dos concelhos de Gois e de Pampilhosa da Serra.
Conhecendo o valor de tais estradas, aliás perfeitamente demonstrado perante o Sr. Ministro das Obras Públicas em sucessivas representações, tenho aqui advogado e postulado a sua construção imediata.
O Orador: - Chegou ao meu conhecimento que, ultimamente, a Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra, na sequência da nobre ideia de valorizar o concelho, novamente impetiou do ilustre e abnegado servidor do progresso e da terra portuguesa que é o Sr. Ministro das Obras Públicas a construção da estrada nacional n.º 344, que deixou, em última análise, limitada com o troço entre Pampilhosa da Sena e Portela do Fojo.
Na petição dessas obras, em que o Sr. Presidente da Câmara Municipal deixa claramente afirmada a sua nobre intenção de bem servir o concelho que dirige, alinham-se as impressionantes razões que não só justificam a imediata construção que se pede, como a impõem pela sua saliente imprescindibilidade.
Venho, Sr. Presidente, apoiar inteiramente esse notável documento e o espírito construtivo que o ditou junto do Sr. Ministro das Obras Públicas, e faço-o abonado nas razões que dele constam e das muitas que tenho aqui produzido, todas elas ponderosas e irrecusáveis, por se dirigirem ao melhoramento do teor de vida de muitos e bons portugueses do meu distrito de Coimbra e até dos distritos que com ele confinam.
O Sr. Nunes Barata: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Nunes Barata: - Era precisamente para confirmar as Afirmações de V. Exa. quanto ao interesse dessa estrada, que não é meramente regional. Essas estradas são, realmente, um veículo de penetração no interior, e para um ordenamento de toda a Beira central e interior essas estradas são indispensáveis Porque, inclusivamente, o acesso ao porto da Figueira da Foz pode fazer-se por essa estrada.
O Orador: - Agradeço as palavras de V. Exa. e acrescento que é do mais alto interesse nomeadamente a n.º 344, que se destina a canalizar todo o trânsito de Pampilhosa da Serra para o Norte e Sul e fazer o aproveitamento da grande riqueza florestal daquela zona.
Pausa.
O Orador: - E, Sr. Presidente, como estou a referir-me a vias de comunicação que são idosas aspirações e prementes necessidades da minha região, não posso deixar de mencionar algumas outras, cuja necessidade também já procurei evidenciar nesta Câmara.
Todas elas são e constituem bem conhecidas necessidades, poderosos meios de desenvolvimento regional e, reflexamente, do fomento da própria valorização nacional, pelo grande conjunto das suas altas utilidades.
Integram o seu número, entre muitas outras, as seguintes estradas:
a) A das Pedras Lavradas, classificada como a estrada nacional n.º 230, cujos trabalhos de abertura começaram há mais de 100 anos.
Esta estrada chegou ao termo da Barreosa há anos, quando falta apenas uma dezena de quilómetros para ela atingir a Covilhã, que será o término. E por ali se ficou. Estão numerosas povoações à espera desta via, que se destina a ser a ligação delas com os centros urbanos de Coimbra e da Covilhã, os quais, por sua vez, ficarão com uma rodovia que encurtará cerca de 40 km a distância que os separa.
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b) O troço da estrada nacional n.º 2 entre Alverca e o alto da Louriceira.
Trata-se de uma obra imprescindível para a serventia de importantes povoações, que, no presente, apenas podem dispor de ínvios caminhos municipais onde se vivem as grandes aventuras de um tráfego quase impossível. A falta deste troço, que não atinge a dezena de quilómetros, compromete grandemente as ligações entre os distritos de Coimbra e de Leiria, não permitindo que os povos serranos tenham fácil acesso ao Sul e, nomeadamente, à capital, onde têm interesses da mais variada ordem, por muitos serem os que para ali emigraram e ali estabeleceram tribalmente as suas vidas. De resto, sendo a estrada nacional n.º 2 uma das mais extensas do País, dado que começa em Chaves e termina em Faro mal se compreende a solução da sua continuidade que este minúsculo troço representa.
c) Estrada nacional n.º 341, entre Alfarelos e Coimbra.
Representa também esta estrada uma das necessidades mais imperiosas do distrito de Coimbra no sector das comunicações. Na verdade, a ligação rodoviária da populosa zona compreendida entre Alfarelos e Coimbra está a ser feita até esta cidade nas precaríssimas condições que resultam do perfil da estrada actual, que é a de Arzila, Ribeira de Frades, Santa Clara, e das quatro passagens de nível da linha do caminho de ferro do Norte que aí intersectam.
Estas deficiências de perfil e as passagens de nível tornam o trânsito extremamente difícil, por eriçado de perigos e de demoras com que já se não compadecem as normais exigências da vida moderna.
d) O lanço de 5 km da estrada nacional n.º 334 entre as povoações de Monte Arcado e Covões, no concelho de Cantanhede.
A falta deste pequeníssimo troço afecta extraordinariamente as ligações da Bairrada com a região da Mira e a sua admirável praia e compromete totalmente a finalidade da própria estrada que se destina a completar.
Aspiração já muito idosa, a sua satisfação impõe-se até para incentivo do turismo, que oferece as melhores perspectivas com a ligação da estância termal da Cúria com a praia de Mira, duas zonas especialmente dotadas, cujo aproveitamento é do mais alto interesse.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não quero alongar mais o inventário das necessidades de primeiro plano neste sector das comunicações.
Deixo sem comentário que a sua falta sugere ainda muitos outros problemas das ligações rodoviárias, e nem afloro aquelas que mais interessam à cidade de Coimbra, onde as passagens de nível, tanto tempo obturadas na roda do dia, como Calhabé, e a circulação pelo centro da cidade dos comboios da Lousã levantam complicados problemas.
Isso se fará, contudo, num próximo depoimento, já que, sendo elementos muito valiosos para o engrandecimento do meu distrito de Coimbra, não podem ficar sem a menção que merecem.
Quero ainda, e a terminar, agradecer ao Sr. Ministro das Obras Públicas as soluções que mandou dar a algumas das anormalidades que tive ensejo de denunciar nesta Câmara, como sejam, entre outras, a supressão da fatídica curva «dos pirolitos» na Estrada da beira a nas proximidades do Alto de S Pedro Dias, no concelho de Poiares, e a grande reparação, ou reconstrução, da estrada que liga a vila de Tábua a Santa Comba Dão e a Carregal do Sal, por S João de Areias e Cancela.
Era uma obra que se impunha com a máxima intensidade, porque tal estrada, que é procurada por intenso tráfego, já há muito deixara de poder considerar-se como tal, dado que a sua total ruína a tornara numa vereda talvez semelhante aquelas que existiam nos recuados tempos em que não havia ainda sido inventada a roda.
E, Sr. Presidente, não resisto ainda à tentação de deixar formulada uma singela pergunta sobre um outro problema que esta Câmara já conhece.
Gostaria de saber quando será finalmente construída aquela ponte que falta para ligar os dois grandes troços da estrada, que por sua vez, ligará o distrito de Coimbra e o de Viseu, ponte cujas testas assentarão próximo de Courelos, no concelho de Carregal do Sal, e na Póvoa de Midões, do concelho de Tábua, vencendo o rio no Mondego.
O Sr Abranches de Soveral: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr Abranches de Soveral: - É só para sublinhar que, dentro da brilhante intervenção de V. Exa., esse é um dos pontos fundamentais focados. É do maior interesse a construção dessa ponte. E Deus queira que cedo seja ouvido o apelo feito nesse sentido.
O Orador: - Faço igualmente esse mesmo voto.
Pausa.
O Orador: - Trata-se da já famosa «ponte do enguiço», nome fatídico que o cavalgar inexorável dos tempos torna mais apropriado.
E por aqui me fico, Sr. Presidente. Os problemas que referi merecem as rápidas soluções que se afigurem ser melhores.
Atravessamos uma época difícil, em que os nossos recursos são chamados à defesa do sagrado solo da Pátria, que o neobarbarismo teima em ver encurtado e envelhecido.
Mas o nosso poder de realização não feneceu nem sequer diminuiu para níveis que o tornem inoperante.
Disso dá consolador testemunho o labor intenso do Ministério das Obras Públicas, que não esmoreceu na regular execução dos seus grandes planos de engrandecimento da terra portuguesa.
É por isso que importa lembrar os problemas da grei, destacando-os como merecem, para que a hora da sua resolução chegue também.
Este pensamento domina, Sr. Presidente, todo o meu modesto trabalho nesta Câmara
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1963.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D Custódia Lopes
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A Sr.ª D Custódia Lopes: - Sr Presidente: O autor do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1963, Eng.º Araújo Correia, ilustre Deputado desta Câmara, faz, como de costume, pertinentes considerações e algumas sugestões sobre as possibilidades económicas nacionais na metrópole e no ultramar.
No que se refere à província de Moçambique, começa por dizer: "Há diversos problemas na província de Moçambique que precisam de ser atacados com energia". Se sublinhamos esta sua frase é precisamente para apoiar o ilustre relator pela justeza e objectividade das suas observações, porquanto, da leitura do parecer das Contas e do que nos foi dado observar, ressalta que alguns problemas que nos parecem vitais para o progresso económico-social de Moçambique ainda não encontraram uma solução acertada, por não terem sido enfrentados com a energia que o douto relator do parecer preconiza.
Na verdade, ainda que ultimamente se tenha procurado avançar em alguns sectores da administração de Moçambique por meio de reformas e de medidas que merecem todo o nosso aplauso, verificamos que em outros, como, por exemplo, no da agricultura, se tem caminhado demasiado lentamente, com manifesto prejuízo para a economia da província.
Sendo Moçambique uma província de natureza essencialmente agrícola, embora o seu subsolo, ainda mal explorado, possa conter riquezas incalculáveis, não se compreende que se não tenha olhado convenientemente para o sector agrícola em toda a sua extensão.
No próprio campo da educação, pelo qual tantas vezes nos temos debatido nesta Câmara, se não tem dado o devido apreço ao ensino agrícola, ainda hoje em situação de inferioridade nesta província ultramarina, embora na prioridade dada à criação de cursos universitários se tenha considerado entre os primeiros o curso de Agronomia. Porém, os cursos elementar, secundário ou médio do ensino agrícola continuam com uma existência precária, uns com uma frequência reduzida de alunos, outros por funcionar.
Ainda que consideremos de interesse a criação do ensino agrário universitário, não entendemos que se não tenha começado por encarar seriamente os ensinos elementar e médio, que deverão formar os técnicos práticos, imprescindíveis colaboradores dos técnicos universitários no trabalho do cultivo da terra.
Não se deveria começar pelo topo sem se atender primeiro à base, o que é o mesmo que elaborar-se um lindo tecto para uma casa cujas paredes ainda se não ergueram.
Embora de há muito se venha clamando pelo ensino agrícola em Moçambique, segundo sabemos, foi pela primeira vez considerado urgente no relatório do governador-geral Freire de Andrade (1906-1910), onde se diz que funcionariam duas escolas agrícolas, uma em Inhambane e outra em Quelimane) e ainda que datem de 1945 os estudos para a implantação deste tipo de ensino e que em 1957 tenha sido levantado novamente o problema no Conselho Legislativo da Província, só em Agosto de 1961 foi, por diploma, criado, finalmente, o ensino agrícola em Moçambique.
Foram instituídas então por diploma escolas elementares agrícolas em Mocuba, Ribaué e Inhamússua e foram inscritas no orçamento da província, a partir do ano de 1962 até ao económico em curso, as verbas destinadas a custear as respectivas despesas.
Segundo aquele diploma, cabe à Direcção Provincial dos Serviços de Agricultura e Florestas iniciar e manter o funcionamento de tais escolas, que têm como finalidade primária contribuir para o progresso económico da província.
Mas, apesar do reconhecimento da necessidade e interesse que para a província representa o ensino agrícola, continua este ensino sem vitalidade, quase inerte, não tendo ainda podido contribuir, em realidade e com eficácia, para a finalidade para que foi criado.
É certo que funciona no colonato do Limpopo uma escola prática de agricultura que vem formando práticos e monitores agrícolas, mas o seu número é reduzidíssimo para as exigências da província.
Não sabemos quais as dificuldades que têm impedido a instituição efectiva do ensino agrícola já legislado, mas, quaisquer que elas sejam, terão de ser removidas sem demora, para que se não despreze por mais tempo, por falta de técnicos, a riqueza imensa que a província encerra nas suas vastas e promissoras terras.
Esperemos que com brevidade se ponha em funcionamento a Escola de Regentes Agrícolas de Vila Pery, já criada, e que o Governo da província enfrente energicamente o ensino agrícola, criando mais escolas deste tipo nas regiões da província consideradas para isso mais adequadas e promovendo o interesse pelos cursos práticos, assegurando o trabalho e dando uma remuneração compensadora a quem deseje segui-los.
Deste modo seriam encaminhados para o cultivo da terra muitos dos jovens que, terminada a instrução primária, se dirigem para as escolas comerciais e industriais, por falta de outras, quando não ficam apenas reduzidos aos ensinamentos da instrução primária, aguardando a idade para se poderem empregar em qualquer ofício ou emprego. Seria, decerto, mais vantajoso para esses jovens e para a própria economia da província que se dedicassem à agricultura, quer tornado-se eles próprios agricultores, quer levando a outros conhecimentos e modernas técnicas que viriam contribuir para um melhor aproveitamento dos recursos naturais da província e, por consequência, para uma maior produtividade do seu solo.
Moçambique tem necessidade de produzir mais e melhor, e pode fazê-lo, porque a natureza foi pródiga em dar-lhe extensas e variadas terras propícias ao cultivo dos mais diversos produtos. Mas, infelizmente, muitas delas continuam improdutivas, por falta, sobretudo, de uma orientação técnica apropriada que substitua, gradualmente, os velhos e rotineiros processos, morosos e tantas vezes ineficazes.
Não só à carência de capitais e à falta de crédito ao agricultor se poderá atribuir a fraca rentabilidade da agricultura de Moçambique. A falta de técnicos que ajudem o agricultor a resolver na prática os difíceis problemas que se lhe põem é um motivo que muito influi para o actual estado agrícola da província. Torna-se, pois, indispensável que se formem técnicos que levem aos agricultores uma assistência técnica efectiva e directa, e para isso importa que se dê ao ensino agrícola uma muito maior amplitude. Que se planifique um ensino agrícola adaptado às condições ecológicas da província, mas vivo e em larga escala, e não como até hoje se tem vindo a fazer com um ensino agrícola limitado e quase apagado.
Seria de desejar que no ensino agrícola se incluíssem secções de carácter florestal, piscícola e outras, com vista à formação de técnicos especializados de que a província tanto carece.
Mas que se desperte, sobretudo, o interesse pelos estudos da terra, ciando-se cursos elementares ou centros de educação rural junto das escolas e das missões, pois os alunos destas são geralmente aqueles que melhor se adaptam a cursos desta natureza, por viverem nos meios rurais.
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Isto levaria a que, terminada a instrução primária, se dedicassem com apego às suas terras, evitando-se o êxodo para as cidades, para onde se dirigem à aventura, em busca de um emprego qualquer, para poderem ganhar a vida. É uma massa de gente rural desambientada, precariamente à volta das cidades, e que poderia ser parada e dirigida para o cultivo da terra, que, bem trabalhada e cuidada, lhes daria em certeza o que tão ao acaso procuram.
Mas não só aos jovens se deveriam levar conhecimento de natureza agrícola. Aos próprios adultos, e são muitos os que frequentam em aulas nocturnas, cursos liceais e comerciais, se poderia, de preferência, ministrar práticos, entre eles os agrícolas, em vista à formação de técnicos, tão necessários e úteis, evitando-se assim um excedente de indivíduos com cursos liceais e comerciais os quais, pelo incremento que estes cursos vão tomando na província, não tardarão a ter dificuldades em empregar-se, o que poderá levar a frustrações e a situações delicadas.
A instituição de bolsas para os que quisessem ir mais longe dentro deste ramo de ensino e não tivessem possibilidades materiais de o fazer seria também um incentivo a considerar para o progresso do ensino agrícola.
Chegam à província constantemente colonos que querem dedicar-se à terra, e entre eles sobressaem, pelo número, muitos madeirenses que, por não encontrarem apoio necessário, se dirigem para territórios vizinhos, onde empregam todo o seu esforço e capacidade de trabalho em prol do desenvolvimento económico de terras alheias. A estes se deveria dar uma protecção eficiente, traduzida não só em facilidades de crédito em condições convenientes, como também de apoio técnico, pois dele necessitam para se adaptarem às condições de novas terras que irão agricultar.
Urge fazer-se uma verdadeira campanha agrícola em Moçambique, orientando-se o próprio sector da educação, sobretudo rural, nesse sentido, para o que se torna necessário um aumento de meios financeiros.
Sabemos que a instituição de escolas agrícolas se torna dispendiosa.
Mas não será, porventura, mais dispendiosa para a província a importação de produtos que poderiam facilmente ser produzidos no seu solo e que o não são pela falta de técnicos para o cultivo e desenvolvimento das suas terras?
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente: Estas ligeiras considerações foram-me suscitadas pela leitura do parecer das Contas, onde, no capítulo que se ocupa de Moçambique, o seu ilustre relator se refere à necessidade de em aumento das exportações desta província como solução para o equilíbrio da sua deficitária balança de comércio.
Há, pois, que ir buscar à terra a riqueza necessária para o progresso económico da província.
Que a agricultura ocupe um lugar de relevo no conjunto das actividades de Moçambique, coordenando-se para isso os esforços dos diferentes sectores da Administração, a fim de que não faltem escolas onde se formam os técnicos, estradas e pontes por onde se escoem os produtos, transportes acessíveis que os levem aos mercados e portos distantes e ainda outros meios adjacentes mais indispensáveis, ao progresso da agricultura.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: -Sente-se em Moçambique um surto inovador na indústria, o que uma manifesta confiança na possibilidades presentes e futuras da província. Mas este despertar animador e confiante da indústria terá de ser acompanhado pela renovação e pelo incremento da agricultura, para que não faltem muitas das matérias-primas. For outro lado, haverá necessidade de se aumentar o poder de compra, de se criar o mercado interno que absorva os produtos de uma indústria ainda incipiente, alentando-a para mais altos rumos, o que só se poderá conseguir com o aumento do bem-estar social dos habitantes, a maioria dos quais vive do trabalho da terra, mas um trabalho precário, sem apoio técnico, improvisado e ao sabor das inclemências do tempo, o que leva tantas vezes a fracassos e a desaires.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - A este pequeno agricultor se deveriam levar ensinamentos para um melhor aproveitamento da terra, tantas vezes empobrecida por ignorância de quem a cultiva.
Ultimamente têm-se tomado na província justas medidas de protecção ao agricultor nativo no que respeita particularmente à cultura do algodão, e esta atitude vem animando o pequeno agricultor a dedicar-se com mais afinco a esta cultura. Seria também conveniente que se incentivassem os agricultores nativos para o cultivo de outros produtos, sobretudo de subsistência, nas regiões onde o algodão se não cultiva, para o que seria necessário uma eficiente assistência técnica oficial.
Se, por um lado, há necessidade de se intensificarem as culturas de que a província tem maiores possibilidades, como o algodão, o açúcar, o chá, o tabaco e o sisal, além da castanha de caju, em vista a um aumento das exportações, por outro lado, nota-se que a província está consumindo mais, o que é um índice de crescimento, mas o que a leva a um considerável aumento de importações mesmo de produtos que poderiam ser fabricados ou cultivados no seu solo.
Estão entre estes os lacticínios, que poderiam ser extraídos dos recursos pecuários locais, os cereais, como o trigo e o milho, as frutas e outros essenciais para a alimentação diária da sua população.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Causa, na verdade, uma certa estranheza que, sendo a extensa província de Moçambique tão rica de solos variados e de climas, desde as temperadas terras do Alto Niassa às quentes e húmidas do Sul do Save, e, portanto com as condições naturais, para as mais diferentes culturas, se não produzam suficientemente, para seu abastecimento interno, alguns dos produtos indispensáveis à alimentação dos seus habitantes, como, por exemplo, a fruta, que nos chega apetitosa, mas cara, de territórios vizinhos, onde tantas vezes a mão-de-obra do nosso emigrante a ajudou a criar em ridentes pomares.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - E, no entanto, ela poderia ser cultivada em quase todas as regiões de Moçambique, em quantidade que chegaria não só para o abastecimento interno como até para exportação para a metrópole.
São, sobretudo, as pequenas e médias empresas agrícolas, e que são a maioria na província, aquelas que poderiam concorrer para o abastecimento do mercado interno se fossem protegidas e amparadas por um verdadeiro fomento agrário. Às instituições de crédito e de assistência criadas para esse fim cumprirá acudir a este sector da vida de
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Moçambique, tão carecido de meios financeiros para poder sobreviver.
Esperemos que ao Governo da província, que sabemos atento ao momentoso problema da agricultura, lhe não faltem os meios financeiros necessários para uma solução urgente e eficaz, pois que desta dependerá o equilíbrio económico de que a província tanto carece para o seu progresso e para o bem-estar social dos seus povos.
Nesta sucinta apreciação do parecer dos Contas apraz-nos verificar que houve em 1963 um apreciável aumento na despesa com a instrução pública e a saúde, o que demonstra o cuidado que aos governantes merecem estes dois sectores importantes da vida da província.
Contudo, ao analisarmos a despesa com a instrução, considerando apenas as verbas para liceus, escolas de ensino comercial, industrial e primário, verifica-se que a verba despendida está longe de poder corresponder às prementes necessidades de uma população escolar em crescimento vertiginoso, que se distribuiu em 1963-1964 como segue: l 249 934 crianças em idade escolar e 422 388 crianças escolarizadas. A par desta escolarização, mais uma dezena de milhares frequenta cursos menos regulares em 300 escolas e numerosos postos de ensino.
A taxa de escolarização, ligeiramente superior a 33,8 por cento, é ainda relativamente baixa, o que leva à necessidade da criação de muito mais escolas e de um aumento considerável de professores para que se possa levar a toda a província a educação básica indispensável.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - O esforço que os serviços de educação da província vêm fazendo nesse sentido é apreciável, mas não chega para poder ocorrer à falta de salas de aula que se está verificando na província, havendo até escolas onde as classes funcionam por turnos. Acontece que vários departamentos oficiais e algumas entidades particulares têm construído e oferecido escolas primárias num espírito de compreensão e solidariedade muito dignos de apreciar. O desenvolvimento comunitário, ainda em esboço na província, muito poderá contribuir nesse sentido, pois que algumas escolas, ainda que poucas têm já sido edificadas em sistema de trabalho comunitário.
Os postos escolares, que correspondem às antigas escolas de adaptação a cargo das missões católicas, assim como as escolas primárias do meio rural, necessitam de um substancial aumento de salas de aulas e de professores para que o ensino neste meio se faça em melhores condições e se obtenha um rendimento normal, pois que, em virtude das fracas disponibilidades financeiras de que dispõem as missões católicas, as quais têm ainda hoje a seu cargo um largo sector das crianças escolarizadas, frequentando salas de aulas superlotadas, o ensino ministrado nestas escolas apresenta um rendimento fraco.
Se atendermos a que as despesas com as missões católicas inscritas no orçamento somaram 60 395 contos, incluído-se nelas os diversos subsídios para hospitais, igrejas, escolas de habilitação de professores, internatos de raparigas, colégios, etc., concluiremos que serão necessariamente reduzidos os que se destinam às escolas primárias do sexo feminino e masculino, actualmente com uma população escolar de 356 218 alunos.
Há, pois, que dotar as missões com os meios indispensáveis, para que, através da imensa província, possam exercer com eficiência o papel que lhes cabe na obra civilizadora da Nação Portuguesa.
Resta-nos, para finalizar, um breve apontamento sobre o capitulo da saúde em Moçambique. Também neste sector se verifica algum aumento com as despesas, mais
3542 contos do que em 1962. Verifica-se que a maior parcela se refere ao pessoal, mas, segundo o parecer, para construções hospitalares e outros fins relacionados com a saúde e higiene há dotações em outros capítulos do Orçamento e no Plano de Fomento.
Diz o relator que um apanhado de todas as verbas, que não pode ser feito neste parecer, elevaria a despesa para soma muito maior.
A saúde é, sem dúvida, um dos sectores que merece ser mais amplamente dotado para que possa atender largamente à salvaguarda das populações contra a doença e combatê-la, por todos os meios, quando esta se instala.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - A educação sanitária dos habitantes, a partir da escola, será certamente um dos processos na defesa do bem mais precioso do homem. Mas, por vezes, alguns factores que estão para além do sector da saúde impedem que medidas preventivas e curativas possam obter os resultados convenientes. Estão neste caso os que se relacionam com o abastecimento de água e a salubridade. Ocorre-nos o que está a passar-se em Moçambique, particularmente na cidade de Lourenço Marques, onde grassa um surto de hepatite difícil de debelar enquanto não for resolvido o problema da salubridade da zona suburbana da cidade, foco da epidemia que vai alastrando perigosamente.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - E porque para a solução indispensável não dispõe a autarquia local de receitas adequadas, o sector da saúde continuará a despender constantes verbas em tratamentos e remédios com os muitos doentes que acorrem aos hospitais.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - É um premente problema que carece de solução urgente para o que se torna necessário que se tomem medidas legislativas e financeiras, pois se trata da saúde pública, que não pode estar sujeita a condicionalismos de recursos financeiros.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Sabemos que existe já um projecto da Câmara para o drenamento das águas dos subúrbios, onde milhares de habitantes vivem em condições de insalubridade permanente, cujos efeitos se vão sentindo tristemente por toda a cidade. Porém, esse projecto não pôde ser ainda posto em execução, e com a brevidade que o caso requer, por a Câmara Municipal não possuir o avultado capital indispensável. Trata-se de um problema que, pela sua acuidade, se antepõe a qualquer outro e para o qual é necessário encontrar, sem demoras, uma justa solução financeira.
Verificamos que em Moçambique as despesas aumentam consideravelmente com as solicitações simultâneas de toda a ordem de uma província em contínuo crescimento. Todavia, as minguadas receitas do erário público não podem fazer face a todas estas despesas, do que resulta que são muitas vezes os sectores da província que consideramos vitais para o seu progresso, como o da instrução, os sacrificados na redução a que as verbas propostas no orçamento têm de ser sujeitas.
Temos esperança de que este estado de coisas venha a modificar-se no sentido de uma distribuição de verbas mais
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de acordo com as necessidades prementes e reais da província e que as suas receitas venham a progredir satisfatoriamente com um bem orientado aproveitamento dos seus recursos naturais e com o esforço colectivo de todas as suas populações, que trabalham serenamente e confiadas no futuro de Moçambique.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr Santos Bossa: - Sr. Presidente. Mais uma vez subo a esta tribuna para me ocupar do relatório das Contas públicas.
Ninguém estranhará que aproveite o tempo que o regulamento me concede para focar o que nele respeita ao que é essencial na vida da Nação - a saúde e o bem-estar da população. Eles constituem os pilares em que assentam e de cujo vigor dependem todas as outras manifestações da vida nacional. É possível que, aqui e além, volte a focar assuntos de que já aqui me ocupei, que continuam a ter a mesma ou ainda maior acuidade e que continuam a aguardar que o Governo encare a sua solução. Peço desculpa à Câmara de os voltar a lembrar, mas julgo indispensável fazê-lo, na esperança de que seja esse o processo de eles poderem vir a ser considerados. Tal como das demais vezes, hei-de procurar pôr em relevo, chamando para eles a atenção do Governo, alguns elementos que traduzem certa morosidade dos nossos processos e que fazem estagnar ou agravar o nosso panorama sanitário nacional. Do que ele for depende o número, a quantidade e o vigor da gente portuguesa. Corroborando o que afirmou, em valioso trabalho, o Sr. Deputado Nunes Barata, também direi que a população constitui «um valor que é a medida da força das nações e o melhor índice das suas possibilidades futuras».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Volto também a recordar o pensamento de Garrel, segundo o qual a grandeza de um país não se mede pelo número das suas fábricas e oficinas, nem mesmo pelo das suas escolas, mas pelo valor fisiológico e espiritual dos seus habitantes. A pessoa humana é na verdade, o elemento número um do nosso progresso, e as atenções que lhe dispensarmos, a maneira como cuidarmos da sua saúde, do seu bem-estar, da valorização de todas as suas potencialidades, constituem padrão e medida da capacidade dos governantes.
À luz deste pensamento, não se nos leva a mal que lamentemos que se não lhe consagre, entre nós, uma mais viva atenção, que se não mobilizem mais intensamente os nossos recursos para impor às nossas estruturas sanitárias outra orgânica, para garantir aos serviços que têm a seu cargo a medicina preventiva e a curativa outro ritmo de trabalho, para acelerar as transformações indispensáveis à profunda modificação de certos sectores do nosso panorama sanitário, para nos aproximarmos, com passo seguro e célere, do padrão há muito alcançado, neste campo, pela grande maioria, se não pela quase totalidade, dos países europeus.
Não careço de trazer à Câmara os índices de cujo confronto ressalta o nosso evidente atraso. Eles têm sido publicados e amplamente divulgados. Mas não posso deixar de estranhar que tenha decorrido meia dúzia de anos sobre a criação do Ministério da Saúde e Assistência, pela qual sempre aqui nos batemos, e que ele ainda não possua, nesta data, a sua lei orgânica. Está a viver, podemos dizê-lo, com a velha e ancilosante estrutura do Subsecretariado da Assistência Social. Só depois de ela ser letra de lei é que serão possíveis as transformações profundas de que carece a grande maioria, se não a totalidade, dos serviços.
Por isso mesmo, e porque esperamos que ela lhes abra as perspectivas modernas e europeias que ardentemente desejamos, aqui exprimimos o desejo de que se vençam com rapidez os entraves e as peias, burocráticas ou de outra natureza, que têm impedido e estão retardando a sua publicação. As consequências da actual estrutura sanitária, da insuficiência das dotações dos seus serviços e da inconveniente remuneração do pessoal ressaltam claramente deste substancial, pormenorizado, lúcido e transparente parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1963.
Quem percorrer, com cuidadosa atenção, os capítulos referentes à saúde pública e consagrados ao exame das três direcções-gerais do Ministério e se ocupe, com certo pormenor, da demografia encontrará sérios motivos de preocupação e, direi até, de desalento.
Pô-los em relevo nesta Câmara política é um dever que me cabe e é responsabilidade que não enjeito.
Bem avisado andou o ilustre relator do parecer em colocar à cabeça de todos os problemas o dos médicos. Efectivamente, tanto pelo seu número, como pela sua preparação, como pelas condições de trabalho, como mesmo pela sua remuneração, ele tem de estar em posição cimeira.
Ali se escreve que «não são boas as notícias que este ano se podem dar sobre a evolução da cobertura médica do País».
Continua a baixar o número de médicos - de 1962 para 1963 essa redução foi de 65 unidades. Mas pior do que isso é que o número de médicos por distritos baixou em dezasseis deles, subiu somente em três do continente e em dois das ilhas, mas aumentou muito em Lisboa. Enquanto na totalidade do País houve uma redução de 65, que se registou especialmente nas zonas periféricas, no distrito de Lisboa houve um aumento de 831. No próprio Porto, em cujo distrito os índices sanitários são muito maus, houve uma redução de 38 médicos e no de Coimbra contámos em 1963 menos 31 do que em 1962. Quer dizer, tal como justamente se diz no parecer.
Na verdade, Lisboa continua a exercer a sua poderosa influência sobre o resto do País e concentra em elevado grau as manifestações de actividades, até na medicina.
Efectivamente, em três anos - de 1961 para 1963 - a percentagem de médicos do seu distrito passou de 38,4 para 40,7 e, depois, para 42,3, isto é, subiu quase 4 por cento!
O Sr Proença Duarte: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Proença Duarte: - Estou a seguir o discurso de V. Exa. com aquele interesse e curiosidade que sempre me merecem todas as intervenções, sobretudo as de V. Exa. e designadamente nesta matéria de saúde.
Há uma observação, que V Exa. certamente ainda fará, de que na distribuição dos médicos pelo País os distritos de Lisboa, Porto e Coimbra têm mais de metade dos médicos de todo o País. Ora isto, a meu ver, denuncia e reflecte a pouca atenção que se liga ao problema da vida dos médicos nas nossas populações rurais.
Era esta observação que eu queria fazer.
O Orador: - Agradeço muito esta declaração de V. Exa. acerca da má distribuição dos médicos, agravada ainda
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pela deficiência da representação médica na periferia das cidades da província e sobretudo nas vilas e aldeias. É um dos capítulos em que vou entrar daqui a pouco e, se V. Exa. não estiver de acordo, terei muito prazer em registar as suas observações.
Pausa.
O Orador: - Este problema do número e da distribuição territorial dos médicos tem sido objecto de algumas das minhas intervenções parlamentares, tem preocupado seriamente a Ordem dos Médicos, foi exposto na representação que a Ordem teve a honra de entregar a S. Exa. o Presidente do Conselho, está analisado no Relatório das Carreiras Médicas e nem por isso se vislumbram as medidas governamentais que, pelos Ministérios da Educação Nacional, da Saúde e Assistência, das Corporações e Previdência Social e das Finanças, hão-de ser tomadas para o modificar. Ainda recentemente tive ocasião de chamar novamente a atenção do Governo para este momentoso problema, que profundamente se alterou nas últimas décadas.
Como então recordei, não vai longe o tempo em que médicos ilustres, com errada e lamentável visão, falavam da «saturação médica», da «pletora de médicos» e em que se estabeleceu até o numerus clausus para a entrada nas Faculdades de Medicina! Poucos anos foram necessários para demonstrar o erro destes conceitos. Em Novembro do ano passado, um ilustre professor de Medicina que ocupa com raro brilho a sua cátedra e a presidência da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa pôde afirmar, com a responsabilidade inerente as suas altas funções, o seguinte:
Não só não temos médicos para realizar uma cobertura sanitária do País em moldes actuais, de complexidade e progresso constantes, mas já não somos capazes de acudir, por falta de número e qualidade, às necessidades da medicina, como no começo do século.
Os nossos médicos de hoje são relativamente em menor número e de pior preparação que os das gerações anteriores. Salvo honrosas excepções, a medicina que geralmente se ministra agora entre nós, comparada com a de 1900, é de pior qualidade em confronto com a dos países mais adiantados, não obstante o desejo veemente da melhoria que anima o médico português e um particular senso crítico que lhe assiste nas horas amargas.
O número de licenciaturas em Medicina baixou, em dois anos - de 1960 para 1962 -, de 322 para 254, e em 1968 apenas ultrapassou de quatro unidades o de 1959 (800 em vez de 296). O actual Ministro da Saúde e Assistência é o primeiro a reconhecer a gravidade deste assunto, pois num dos seus primeiros discursos - sempre objectivos, claros, inteligentes e corajosos - afirmou que «não nos seria possível, mesmo que o desejássemos, dispor, num prazo razoável, dos médicos e do pessoal paramédico indispensáveis para fazer funcionar convenientemente as centenas de hospitais do País»
A incidência destes males faz-se de modo diferente nas cidades e vilas e nas aldeias.
Nestas, onde vivem mais de 2 milhões de pessoas, é que mais calamitosamente se revelam as nossas deficiências sanitárias. Não só nos problemas da construção das habitações, dos esgotos, das águas de alimentação, da energia, etc., mas nos próprios socorros médicos. E, no entanto, é aí que está o alfobre da alimentação humana das cidades, das indústrias, do comércio e de tudo o que faz progredir este País. É lá que existem excelentes reservas morais e é lá que se mantêm vivas as virtudes tradicionais da raça.
Mais uma vez volto a dizer que é necessário que urgentemente se resolvam os problemas que têm agravado este abandono médico-sanitáno da periferia, que se garanta uma cobertura sanitária capaz das nossas populações rurais. O deficiente rendimento dos hospitais sub-regionais, e mesmo de alguns regionais, de que o parecer se queixa, e de que eu já aqui me ocupei, é consequência da falta de médicos nas zonas periféricas - nas vilas e nas cidades onde eles foram implantados. Nalgumas delas, não só do número, mas também da sua preparação para fazer funcionar a instituição. Tem havido verbas para construir novos hospitais, mas não as há para garantir o seu funcionamento em boas condições. Tem-nas havido mesmo para assegurar certa monumentalidade a algumas dessas construções, esquecendo-se os que delas são responsáveis de que somos país de minguados recursos e de muitas necessidades neste sector da saúde pública. Temos que impor, custe o que custar, maior sobriedade nas construções, adoptar tipos de construção mais económica, com vista a uma duração de 50 anos, porque a ciência evolui e o sistema rapidamente envelhece.
A eficiência dos hospitais, a qualidade do seu rendimento, é muito mais importante do que a imponência da sua arquitectura.
Que têm feito os Ministérios acima citados para modificar aquela insuficiência numérica e aquela inferior qualidade dos médicos? Onde estão os estudos e os projectos? Que dizem os doutos conselhos das Faculdades de Medicina a tal respeito? Quais são os motivos sérios que têm impedido as reformas indispensáveis?
O mesmo ilustre professor responde indirectamente à parte do ensino médico que respeita a este polifacetado problema, dizendo que as Faculdades de Medicina, salva a reforma de 1911, «não voltaram a sofrer verdadeiras reformas, mas simples ajustamentos, para não dizer acrescentamentos de cadeiras. Diga-se em abono da verdade que os únicos factos salientes de valor educacional a agitar esta monotonia foram a introdução no curriculum das disciplinas de Psicologia, Bioestatística e de Medicina Social. É certamente pouco para o dobar de mais de meio século».
Que atitude tomam os conselhos das Faculdades de Medicina?
Toda a gente sabe que, a contrastar com o aumento crescente da frequência das demais Faculdades, é cada vez menor o número de novas inscrições nas de Medicina, e, portanto, o panorama médico-sanitário do País tem de agravar-se dia a dia.
A contrastar com este nosso profundo silêncio dos sectores responsáveis pelo ensino médico nacional, regista-se um notável movimento de renovação na preparação dos estudantes de Medicina e no aperfeiçoamento profissional dos médicos na grande maioria dos países da Europa e da América.
Na Inglaterra, em 1964, houve nada menos de quatro grandes reuniões sobre educação médica e, além disso, o Ministério da Saúde publicou um memorando sobre a educação dos pós-graduados nos hospitais regionais. Nos hospitais regionais, entenda-se bem!
Nos Estados Unidos realizaram-se, no mesmo ano, o 60º Congresso Anual de Educação Médica de Chicago e a 113.ª Conferência de S. Francisco e fez-se a reunião do Conselho da Educação Médica.
A França fez recentemente a sua reforma dos estudos médicos, da qual já foram publicados mais dois ajusta-
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mentos, ao mesmo tempo que reorganizou o trabalho hospitalar e a preparação dos pós-graduados
E que é que se passa em Espanha? A Espanha, nestes 25 anos que se seguiram à guerra civil, não se esqueceu do problema do ensino dos estudantes de Medicina nem do da preparação dos médicos. A seguir à Lei da Ordenação Universitária, de 29 de Julho de 1943 promulgou a primeira reforma dos estudos médicos 1944 e, depois, mais duas - uma em 1953 e outra em 1959. Ao longo delas, operou-se encurtamento da duracão do curso, supressão de algumas cadeiras e criação de outras. No que toca às especialidades médicas, reguladas por lei em 1955, a qual foi regulamentada em 1957.
Entre 1940 e 1961, aumentou extraordinàriamente número de novos inscritos nas Faculdades de Medicina, fenómeno que continua a verificar-se, a ponto de se considerar agora que o número de alunos é o dobro do que se verificava em 1940-1941.
O número de alunos de Medicina passou de 9(...)0 em 1940-1941 para 14 620 em 1960-1961 e o número de médicos diplomados nesses dois anos lectivos foi respectivamente de 884 e de 1183.
O interesse pela especialização foi ali fortemente estimulado entre os médicos jovens, multiplicam-se as bolsas de estudo concedidas pelo Estado e por organizações industriais, aumenta constantemente o número de cursos de especialização e de aperfeiçoamento médico realizados nas Faculdades, em hospitais e em sociedades médico-cirúrgicas.
Algumas destas sociedades, particularmente as mais jovens, mostram intenso labor e evidenciam no vigor. As revistas e os livros de medicina reflectem, por sua vez, este intenso movimento da actual medicina espanhola.
E tudo isto apesar do «Seguro de Enfermedad», que data de 1942, e da restrição, cada vez maior Ida clínica livre.
O progresso sanitário da Espanha, em todos os seus sectores, mas particularmente no materno-infantil, a avaliar pelas estatísticas oficiais, tem sido manifestamente influenciado por este intenso movimento médico e demonstra os triunfos da higiene e da medicina preventiva.
Sr Presidente: A situação dos médicos e da medicina portuguesa têm sido objecto de preocupação constante dos conselhos regionais, do conselho geral e da comissão das carreiras médicas, nos últimos anos. O corpo de doutrina condensado no relatório das carreiras médicas é uma contribuição de alto valor para a resolução de muitos dos nossos problemas sanitários e assistenciais e assim tem sido reconhecido e afirmado pelos nossos Ministros da Saúde.
A respeito da nossa actual situação, não se pode negar o que diz um ilustre delegado de saúde deste país que tem consagrado aos progressos da saúde pública do seu distrito o melhor da sua vida e que tem analisado, com manifesto conhecimento, alguns aspectos dos problemas sanitários nacionais.
Que se tem minimizado uma profissão cheia de conteúdo moral e social, reduzindo-a à condição de banal e desumanizada classe de trabalhadores.
Que o Código Administrativo passou a cotar os médicos municipais por metade dos vencimentos dos veterinários;
Que os organismos corporativos impuseram salários irrisórios, alguns dos quais ainda em certas instituições,
Que ainda se não evitou que as Misericórdias e obras pias usassem e abusassem do abnegado desinteresse dos clínicos.
A este respeito a Câmara ouviu, com inegável interesse, a exposição que aqui fez, ainda há poucos meses, o nosso ilustre colega Jorge Correia Nada mais preciso acrescentar em tal matéria.
Mas anima-nos a esperança de podermos ver modificado todo este panorama dentro em pouco. Temos homens e demais condições para o realizar.
À frente do Ministério da Saúde e Assistência encontra-se um jovem esclarecido, experimentado e tenaz, de ideias claras, com rumo definido. Os poucos discursos que tem pronunciado são cheios de objectividade e constituem um verdadeiro programa de acção, que enche de esperança grande número de médicos. Neles não deixaram de ser analisados com toda a realidade a nossa situação sanitária, o estado dos nossos hospitais, o problema dos diminuídos psicomotores e sensoriais, o do ensino médico, o da formação pós-escolar, o das carreiras médicas e todos os demais.
Já no Plano Intercalar ele afirmou.
«Sabendo-se que tudo quanto se faça no campo da educação só tem efeito a longo prazo, importaria iniciar, quanto antes, a revisão dos planos dos estudos médicos» e juntou que «Considera-se, por isso, fundamental que, sem ser afectado o nível da preparação científica, esta possa realizar-se em mais íntima cooperação com todos os serviços de saúde e encurtada até onde for possível, contando com as vantagens daquela cooperação».
Aplaudo esta orientação, tanto mais que já por várias vezes aqui salientei os inconvenientes graves de o nosso ensino médico ignorar os problemas sanitários nacionais e não dai aos futuros médicos aquele mínimo de medicina preventiva e de medicina social que caracteriza o ensino da medicina actual.
No excelente discurso que proferiu em Coimbra, em Janeiro último, fez S Exa. um relato pormenorizado das actividades do Ministério nos poucos meses em que sobraça a pasta, apontou dificuldades encontradas e maneira de as resolver e fez afirmações que, a concretizarem-se, abrirão novos e futuros rumos à sanidade nacional.
Ali afirmou que as linhas gerais de actuação em todos os domínios a que se referiu «serão definidas tendo em consideração, sempre que possível, o relatório das carreiras médicas e o relatório que há dias me foi entregue pela comissão encarregada de estudar os problemas gerais da organização hospitalar, presidida pelo ilustre bastonário da Ordem dos Médicos, Prof Lobato Guimarães, e de que foi relator o Prof Cid dos Santos» Disse também que «estamos tentando erguer as estruturas nas quais devem assentar as carreiras médicas Estas, presentes a todo o momento nos estudos em curso, terão de encontrar o clima propício para se desenvolver, sem perigo de ficarem atrofiadas logo de começo, ou de perecerem ingloriamente, pouco depois».
Louvo francamente tudo o que ali se afirmou, mas destaco, como particularmente grato ao meu coração de médico e de Deputado por Coimbra, aquilo que afirmou acerca de um problema de que várias vezes me ocupei nesta tribuna - o dos hospitais de Coimbra Disse, sem rodeios, que os seus hospitais muito o preocupam não só no que respeita à assistência hospitalar no Centro do País, mas ainda tendo em consideração os meios de trabalho da Faculdade de Medicina, que não podem deixar de ser substancialmente melhorados. São dele estas palavras.
Sena para mim motivo de grande satisfação se de algum modo pudesse contribuir para dotar esta cidade
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e a sua Faculdade de estabelecimentos hospitalares modernos, mas por enquanto tenho de me limitar a expressar o meu grande interesse pelo caso e a afirmar que conservo na primeira linha das minhas preocupações os hospitais de Coimbra.
Vejo com prazer que o Sr. Ministro se referiu aos hospitais com que quer dotar a cidade e a Faculdade Efectivamente, uma e outra precisam do seu hospital moderno, devidamente apetrechado, funcionando como hospital central, onde uma possa fazer a assistência médica de que a zona carece e onde possa realizar-se a preparação profissional de médicos e a outra tem direito a possuir os meios indispensáveis à preparação dos futuros médicos, à investigação científica, ao recrutamento dos seus quadros docentes e também à organização dos cursos para pós-graduados. A cidade e a Faculdade anseiam por isso. Sabemos o que representou e continua a representar no nível médico de Lisboa a coexistência dos Hospitais Civis e do Hospital Escolar. Queremos que facilidades e estímulos do mesmo género se criem em Coimbra. Queremos que todos os médicos - universitários ou não - tenham o seu hospital onde possam fazer o seu aperfeiçoamento técnico e onde possam fazer a sua carreira.
E porque o Sr Ministro falou em hospitais de Coimbra, eu penso que estará também no seu programa dotar Coimbra com o hospital especializado de doenças das crianças que ficou votado na lei das construções hospitalares de 1946, e de que Coimbra tanto carece.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nenhuma das cidades universitárias se encontra, no campo da assistência à criança doente e no da preparação pediátrica dos médicos, na situação que existe em Coimbra. As deficiências neste sector são verdadeiramente deploráveis e eu dispenso-me de justificar perante a Câmara esta dolorosa afirmação. Desde 1946 que venho pugnando, por várias formas, pela instalação em Coimbra de uma instituição destinada a assistir à criança doente. Quem, como eu, através das consultas externas e por outras vias, tem vivido o problema angustioso da criança portadora de doença grave e sem possibilidades da sua hospitalização conveniente, não pode deixar de lutar pela solução deste delicado problema. E a solução pode obter-se pela cedência, pelo aluguer ou pela compra de uma casa capaz de servir para tal fim, enquanto se não edifica o hospital infantil, cuja construção esta Câmara votou ao aprovar a lei a que me referi. Aqui fica novo apelo, para o qual espero conseguir a atenção e a boa vontade de S. Exa. o Ministro da Saúde e Assistência.
E não é só Coimbra a reclamar uma mais perfeita assistência médica à criança doente. Todo o País carece dela. Contamos, em Portugal, com o Hospital de D. Estefânia, o Hospital Particular de Maria Pia, as enfermarias dos Hospitais Escolares de Lisboa e Porto, a do hospital de Braga e pouco mais. Pois a Espanha, aqui ao lado, já em 1962 tinha 22 hospitais infantis, com um total de 1339 camas, e em 1960 o número de crianças hospitalizadas foi de 9947.
Sr. Presidente Abordo, assim, um problema sanitário das mais graves consequências na vida do País - o da mortalidade infantil.
É considerado um problema sério em todos os países e para a sua solução se têm congraçado os estadistas, os pediatras e os sanitaristas. Dessa acção têm resultado por toda a parte reduções espectaculares das suas taxas, particularmente nos últimos vinte anos, em consequência dos progressos da ciência pediátrica, de uma mais perfeita assistência infantil, de um aumento de nível de vida, da difusão da educação sanitária, da preparação de novos produtos dietéticos e da descoberta de novas drogas.
Entre nós, porém, a baixa tem sido de uma lentidão confrangedora, não raras vezes perturbada por novas ascensões da curva que a representa.
Além disso, ela continua a ser a mais alta dos diversos países da Europa ocidental.
Urge criar condições para modificar, em extensão e profundidade, o nosso actual estado de coisas, criando condições de assistência hospitalar conveniente à criança doente e dando ao Instituto Maternal os meios de que carece para alargar e intensificar a sua acção. Os dispensários que foram incluídos no Plano Intercalar de Fomento estão longe de satisfazer as nossas necessidades no campo da assistência materno-infantil. As dotações orçamentais são exíguas e não permitem o recrutamento de pessoal indispensável ao alargamento da acção que se torna urgente promover.
Aqui, no continente, temos zonas onde as taxas da mortalidade infantil têm expressão dolorosamente elevada. Os distritos de Vila Real, do Porto e de Bragança têm taxas de mortalidade infantil que se mantêm ainda acima dos 100 por 1000 nados-vivos, muito acima do dobro das de Santarém, Leiria, Évora, Coimbra e Castelo Branco e mesmo superiores às dos distritos da Madeira e dos Açores (salvo Angra do Heroísmo). Carecemos de intensificar a campanha naqueles distritos e particularmente nos concelhos de Vila Nova de Gaia, de Valongo, de Matosinhos, de Gondomar, da Maia e de Vila do Conde, nos quais essas taxas atingem valores que desde há muitas dezenas de anos se não registam na Europa ocidental.
O Porto, tal como Lisboa, tem necessidade urgente de uma nova maternidade que seja a um tempo hospital para partos e centro de formação de pessoal - de organização de cursos para pós-graduados, de formação de especialistas e de preparação técnica de enfermeiras.
Os terrenos abandonados, que comprometem a estética de uma cidade e a higiene de uma maternidade, ali mesmo ao lado da Maternidade de Júlio Dinis, no Porto, parecem tê-lo sido para desafiar o interesse dos nossos governantes a dar-lhes o destino que devem ter - o de servir para a implantação da nova maternidade de que o Porto carece e que, acopulada com a actual, faria um conjunto de 400 camas. Com isso se resolveria o problema da assistência à maternidade naquela cidade e nos concelhos limítrofes, cuja população anda por 800 000 habitantes, onde se registam cerca de 30 000 partos e onde a mortalidade infantil e a neonatal são tão elevadas.
Além disso, parece-me mais que justificado repetir naquela cidade e nos concelhos limítrofes o plano-piloto de assistência materno-infantil que está em curso nas ilhas adjacentes, com as alterações que as condições especiais desta região e desta população impuserem. Igual medida deverá ser tomada, logo que possível, para os distritos de Vila Real e Bragança.
O Instituto Maternal tem demonstrado também ali, em larga e bem alicerçada experiência, a sua capacidade técnica para resolver o problema das nossas taxas de mortalidade infantil O plano foi visitado, em regime de inspecção, por técnicos nacionais e pelo representante da Organização Mundial da Saúde para os problemas da maternidade e da infância, o Dr. Metropp. Os relatórios publicados dão conta da excelente organização do serviço e as estatísticas que deles constam, no que se refere ao número progressivamente crescente de assistidos e à contínua redução das taxas de mortalidade infantil, são bem significa-
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tivos. E não só o volume, mas também a «qualidade» da assistência prestada merece ser destacada.
Os estudos que têm vindo a ser realizados no campo da virulogia, da bacteriologia e da serologia, de colaboração com o pessoal do Instituto de Ricardo Jorge, como preparação para a campanha de vacinação antipólio e para mais perfeito conhecimento sanitário daquelas populações merecem o nosso mais inteiro aplauso.
Infelizmente, não vemos que as dotações orçamentais sejam suficientemente reforçadas de modo a aperfeiçoar a atender os trabalhos deste plano-piloto e a permitir que se alarguem a certas zonas do continente planos de semelhante. As respeitantes a 1961 e 1962 foram 40 000 de contos em cada ano e as de 1963 beneficiaram de insignificante reforço de 1000 contos. Com tais dotações como poderão alargar-se e intensificar-se os serviços? Como poderão reduzir-se a taxa vergonhosamente alta dos sem assistência, a da mortalidade materna e a da mortalidade infantil? Urge, na verdade, que o Governo a este sector os meios financeiros de que carece para atingir tais fins.
Ao lado do problema materno-infantil coloco o da tuberculose.
Aqui a atitude governamental, no que toca a verbas tem sido diferente. As verbas consignadas à luta antituberculosa, que andavam pelos 40 000 contos em 1950 foram subindo ao longo dos anos, para atingirem 167 000 contos em 1963.
O Governo compreendeu a necessidade deste esforço verificou a capacidade dos serviços para realizar a campanha que se impunha e tem acompanhado interesse os resultados obtidos.
Sobre o que tem sido a orientação dessa campanha e os seus resultados todos os anos tenho fornecido à Câmara os elementos indispensáveis à sua apreciação. Os progressos continuam a acentuar-se de ano para ano. Como o temos afirmado, torna-se necessário não só manterem-se como até reforçarem-se as dotações para o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos para se poder fazer a renovação do material de radiofoto e do transporte de que se encontra velho e gasto, cujas reparações são de grande vulto e envolvem paralisações da campanha e para se poderem melhorar as condições em que decorre o trabalho e, mais do que isso, para poder reter, admitir e preparar o pessoal indispensável à prossecução da luta.
Os serviços especializados do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos carecem de pessoal técnico especializado, cuja especialização o próprio Instituto deve promover, e necessitam de pessoal que permaneça largos anos na instituição.
Uma e outra coisa só podem conseguir-se com o alargamento dos quadros, o estabelecimento de carreiras e uma melhor remuneração. Porque a remuneração do pessoal é muito baixa e porque a falta de garantias de melhores condições futuras é quase nula, assiste-se à fuga dos melhores elementos para outros serviços e até para serviços do mesmo Ministério, onde umas e outras condições são muito mais vantajosas!
O pessoal das nossas brigadas do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, cujo trabalho intenso está amplamente demonstrado, nunca comsegui ser remunerado como o é outro que já aqui referi e que depende da Direcção-Geral de Saúde.
Os médicos do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, onde se verificam verdadeiras e honrosas dedicações, são mal remunerados, quer em relação à qualidade do serviço que prestam, quer ao número de horas que a ele consagram, quer as necessidades da hora presente.
O Sr Proença Duarte: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio.
O Sr Proença Duarte: - Há realmente casos, nesse aspecto, absolutamente lamentáveis. O director que tem a seu cargo os serviços do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos ganha apenas 1900$.
O Orador: - Muito obrigado. Eu já lá vou.
Pausa
O Orador: - Os médicos estagiários e os médicos auxiliares de dispensário, com obrigação de três horas de serviço diário, ganham 1000$, portanto menos que o contínuo, os directores de dispensário, com cinco períodos semanais de cinco horas de serviço, não vão além de 2000$ e os assistentes dos sanatórios, gente que tem sete anos de estudos universitários, mais três a cinco de especialização e que é obrigada a seis horas de trabalho diário, com o risco que se sabe, recebem vencimentos que estão entre 2900$ e 3600$. Qualquer detentor de habilitações correspondentes ao 5.º ano dos liceus que possa exercer funções de segundo ou primeiro-oficial de qualquer repartição tem vencimentos destes. E o que respeita aos médicos aplica-se também a alguns outros funcionários.
Como é que, em tais condições, havemos de nos admirar de não podermos recrutar médicos para as brigadas e para os dispensários, de ficarem desertos os nossos concursos e de desertarem certos funcionários para as empresas particulares e para novos serviços públicos?
E como é que podemos atrair para a especialização os médicos de que necessitamos. Que garantias lhes oferecemos?
A situação é cada vez mais delicada e reclama a devida e urgente atenção do Governo.
E o que se diz da tuberculose pode aplicar-se a todos os outros sectores da nossa assistência. Sem pessoal técnico bem preparado e justamente remunerado nunca poderá, nem na tuberculose, nem em qualquer outro sector, haver serviço de saúde pública sério e eficiente.
Sr Presidente. O nosso delicado problema sanitário não diz respeito somente a nós - tem repercussão internacional.
Intencionalmente, recordo a palavra justa e castiça de Ricardo Jorge, no seu estudo sobre Pasteur, há mais de 40 anos.
Este desprezo pelo progresso higiénico, se nos lesa da raia para dentro, desdoira-nos da raia para fora.
E disse ainda
Cada nação terá de dar conta as outras dos males que as acometem e dos processos por que os julga e previne, em matéria de higiene, deixou cada um de ser rei em sua casa, que os vizinhos querem asseada e sã e com telhados de vidro.
Não quero abandonar esta tribuna sem reafirmar a minha convicção de que temos homens e de que temos meios para dar solução conveniente a todos estes problemas que aqui foquei e a muitos outros que nem sequer citei para me manter dentro do tempo regulamentar, enfim, para tornarmos a nossa casa asseada e sã e não só com telhados, mas também com paredes de vidro.
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Tenho viva esperança de que, uma vez estruturado o Ministério, se abrirão novos rumos à sanidade nacional, de que o Ministério das Corporações há-de entrar em franca cooperação com o da Saúde e de que o Ministério das Finanças, tal como o tem feito para a tuberculose, não deixará de fornecer aos demais sectores do Ministério da Saúde os meios financeiros indispensáveis ao alargamento e aperfeiçoamento dos serviços, à justa remuneração do pessoal, à execução dos planos de medicina preventiva, de educação sanitária, de reforma do ensino médico, de especialização médica, de preparação de enfermeiras, de assistência aos diminuídos físicos, psíquicos e sensoriais, ao estabelecimento das carreiras médicas, à melhoria do nível da organização e funcionamento dos nossos hospitais, enfim, à execução de um amplo e moderno programa de política da saúde
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Gonçalves Rapazote: - Sr Presidente. Venho aqui fazer algumas considerações sobre as Contas Públicas, procurando iluminar certos ângulos político-administrativos.
Modesto estudante de Direito e curioso da história começarei por contemplar a própria existência das Contas, a regularidade do processo e a segurança dos resultados, para tirar depois a lição dos factos.
Vai para 37 anos, o Ministro das Finanças que tomou posse no dia 27 de Abril de 1928 disse ao País:
Eu o elucidarei sobre os caminhos que penso trilhar, sobre os motivos e a significação de tudo que não seja claro de si próprio, ele terá sempre ao seu dispor todos os elementos necessários ao juízo da situação.
E, desde então, vem acontecendo que o País dispõe de todos os elementos necessários ao perfeito juízo da sua situação.
E mais, esses elementos vêm sendo preparados cada ano com melhor técnica, com mais apurada consciência, remodelando e afinando os serviços, aperfeiçoando o trabalho, de tal modo que a preparação e execução do orçamento se tornou uma actividade governativa exemplar pela sua regularidade pendular, pela sua seriedade e pela sua eficiência.
Em 1930 começou a funcionar o Tribunal de Contas, composto de juizes de nomeação vitalícia, e, a partir dessa data, à contabilidade pública passa a receber também regularmente uma apreciação judiciária, pronunciando agora o Tribunal, sobre as Contas Gerais do Estado, a famosa declaração de conformidade - um verdadeiro julgamento.
O regime constitucional que desabou sobre a Nação no século passado prenhe de sanha reformadora e soube acusai de velho e monstruoso o "erário" pombalino - não obstante as generosas tentativas de estruturação da contabilidade pública - gastou 100 anos e nunca atingiu o objectivo de governar garantindo a publicidade, a fiscalização e a responsabilidade das contas.
Umas vezes faltava tempo para as organizar, outras para as discutir e julgar e outras vezes dinheiro para as publicar.
Foi por este caminho que o Estado se desacreditou e a Nação se deseducou.
Simplicidade, clareza, exactidão, pontualidade, são obra do regime saído da Revolução de 28 de Maio, desse regime verdadeiramente constitucional em que vivemos, no qual as Contas são o índice da ordem, a ordem a projecção do Governo e o Governo a expressão inconfundível da autoridade.
Autoridade personalizada hoje naquele mesmo Ministro das Finanças que, à margem das conjunturas e dos parâmetros, logo em 9 de Junho de 1928, falando no quartel-general de Lisboa aos oficiais das forças armadas, usava esta linguagem caseira
Advoguei sempre uma política de administração tão clara e tão simples que a pode fazer qualquer boa dona de casa - política comezinha e modesta que consiste em se gastar bem o que se possui e não se despender mais do que os próprios recursos.
Foi esta linguagem de 1928, ouvida pelo Exército e entendida por toda a Nação, que nos assegurou, finalmente, a inestimável ordem de que ainda gozamos e nos cumpre defender.
E defender fazendo, em primeiro lugar, justiça ao Governo - e eu lha rendo sem reservas - pelo exemplar funcionamento da contabilidade pública do serviço do Orçamento e das Contas, e depois cumprindo aqui naturalmente, desenpoeiradamente, a obrigação de as tomar.
As Contas aí estão, publicadas e julgadas em tempo devido, claras, simples, exactas, para que, em conformidade com o preceito da Constituição, esta Assembleia Nacional as possa tomar e discutir, emitindo o seu julgamento político e verificando a fidelidade da gerência ao plano traçado na Lei de Meios e programado no Orçamento.
Pois também a Assembleia Nacional, nestes 37 anos, tem cumprido exemplarmente a sua função.
Encontrou no relator das contas públicas o homem íntegro, estudioso, independente, que, ano a ano, investiga, analisa, discute e conclui.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os relatórios subscritos pelo Sr Deputado José Dias de Araújo Correia são trabalhos do maior interesse para a história da nossa vida económica e financeira.
Através deles poderemos seguir e avaliar a obra do Regime e também admirar a sua preocupação de fazer crítica construtiva, de fornecer a medida exacta dos resultados e de formular com prudência e segurança o julgamento político.
É tão difícil administrar e é tão fácil criticar que o relator das Contas Gerais do Estado precisa de agir identificado com a própria medida da justiça para que tenha a consagração desta Casa e o respeito geral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se as instituições não podem funcionar sem os homens, são os homens, fundamentalmente, que fazem as instituições quando devotadamente as servem.
As maiores virtudes dos regimes políticos estão na escolha dos homens para a função, do homem próprio para a função própria, e no estimular a devoção de servir o bem comum.
Nestes tempos de tantas tentações pecaminosas eu queria permanecer fiel ao mandamento de "não igualar", de "não socializar".
Nunca cederei à miragem igualitária, nem dissolverei o homem no social, nem o trabalhador no trabalho, nem o produtor na produção, nem o funcionário no serviço, nem o governante no Governo.
Se as instituições não funcionam, a culpa é dos políticos a responsabilidade de todos nós; se os sei viços não andam, a responsabilidade é do funcionário; se o trabalho não
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rende, a culpa é do trabalhador, se a produção falhar, a responsabilidade cabe ao produtor.
A dissolução das responsabilidades conduz à perda total da autoridade, e creio bem que a própria destruição do homo sapiens, que aparece no teatro do mundo precisamente para as assumir.
Dizia Miguel Unamuno:
Cada dia acredito menos na questão social e em todas essas outras questões que inventam as gentes para não ter que afrontar e resolver a única verdadeira questão que existe - a questão humana, que é a minha, a tua, a do outro e a de todos.
Procura-se a sociedade só para cada qual fugir de si mesmo, e, assim, fugindo cada um de si, não se juntam nem conversam senão sombras vãs, miseráveis espectros de homens.
Tendo começado por contemplar as Contas, apreciando a regularidade do processo, e por fazer justiça ao relator que ainda não se cansou de as estudar, posso continuar, embora sem dispensa da sua vigorosa ajuda, as minhas ligeiras considerações.
Tenho pouco fôlego para empreender a análise dos números, tenho pouca ciência para penetrar nos segredos das manipulações financeiras e sou muito desconfiado das grandes previsões económicas e da profundidade dos esquemas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Fico-me à superfície das ondas e vagueio sobre as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1963 no singelo desejo de saber quanto se arrecadou onde se foi buscar o dinheiro e como se gastou.
E, ao fim e ao cabo, o que eu queria verdadeiramente saber, para satisfação da minha impersistente curiosidade provinciana, era como tínhamos aguentado estas anos de guerra subversiva, porque as guerras são muito caras, e isto de fazer contas é como quem dá balanço à vida.
Quanto arrecadou o Estado neste ano de 1965?
Arrecadou a maior receita de todos os tempos, mais de 15 800 000 contos, tendo pedido emprestado cerca de 2 800 000 contos.
Com esta receita liquidou, aproximadamente 15 800 000 contos de despesas, dos quais 6 800 000 contos de despesa extraordinária, também a maior que reza a nossa contabilidade pública.
A nota saliente das Contas é o excesso da receita sobre a despesa ordinária, excesso da ordem dos 3 milhões de contos.
Estes 3 milhões de contos são, na linguagem fria e seca dos números, a prova de um labor governativo que só por si confere ao Ministro das Finanças e aos seus colaboradores direito à nossa mais viva e respeitosa homenagem.
Não se pode ler sem alguma emoção a parte final do relatório da Conta Geral do Estado de 1963 subscrito pelo Ministro António Manuel Pinto Barbosa e datado de 6 de Agosto de 1964.
Aí se dá conta à Nação e se responde à minha curiosidade provinciana, explicando o modo como as nossas finanças fizeram frente aos três anos da guerra subversiva que nos foi movida no ultramar.
Os resultados obtidos constituem a prova leal do trabalho realizado naquele departamento de Estado, ao qual ficamos devendo um serviço que só tem paralelo na acção das forças armadas, na frente de combate, e na do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na luta diplomática.
A nossa Administração, apoiada em serviços exemplares, praticamente, conseguiu a satisfação dos encargos extraordinários da defesa pela força das economias realizadas nos gastos ordinários.
Esta vitória é o resultado de uma acção conduzida dia a dia, hora a hora, com a maior firmeza, com a maior prudência, com a maior segurança.
Reflecte uma actividade exaustiva de controle de receitas e despesas, uma constante ponderação de todas as necessidades, que só pode conduzir-se com êxito quando se executa na perfeita consciência de que se está cumprindo um grave dever.
Singelamente, sem alardes de propaganda fácil, mas com o natural orgulho de quem se apresenta diante de nós com a missão cumprida, diz o Sr Ministro das Finanças.
De 1960 a 1963 cresceu o produto interno de 10 milhões de contos, elevou-se a formação do capital fixo de l 500 000, aumentou a despesa extraordinária de 3 500 000 contos para 6 800 000.
O excedente das receitas ordinárias sobre as despesas da mesma natureza subiu de l 800 000 contos para 3 100 000 contos.
Mantiveram-se os preços por grosso, sofreram ligeiro agravamento os preços ao consumidor e cresceram os salários rurais.
A balança de pagamentos evoluiu de uma situação deficitária de 174 000 contos para uma posição excedentária de 2 100 000 contos.
As reservas cambiais - ouro e divisas - subiram quase 3 milhões de contos e as nossas exportações para o estrangeiro cobinam mais 4,6 por cento das importações.
E o Sr Ministro das Finanças conclui deste modo:
Os resultados obtidos mostram, a qualquer luz que se pretenda considerá-los, que o custo material da guerra pode ser suportado desde que não afecte sensivelmente as principais fontes de rendimento do Portugal europeu e se mantenha una e firme a determinação de continuarmos portugueses.
Três, anos de provação puseram à prova a solidez das nossas finanças, a segurança dos seus métodos, a qualidade dos serviços, a consciência da responsabilidade dos funcionários, a firmeza e a clarividência do comando
Foi possível fazer a guerra e fazer a paz, pôr os soldados na frente, municiá-los, alimentá-los, vesti-los e ao mesmo tempo continuar a cumprir, na retaguarda, o programa do desenvolvimento previsto no II Plano de Fomento.
Folheando o Portugal Económico e Financeiro, onde o ilustre relator das Contas percorre a via dolorosa das finanças públicas desde o dealbar do século passado, sentimos ganas de prolongar esta nossa peregrinação, contemplando agora o incomensurável serviço que o Regime prestou à Nação
Volatilizados os «quintos do Brasil», a desordem financeira instalou-se de armas e bagagens no Terreiro do Paço, na terceira década do século XIX.
Diz assim o Eng º Araújo Correia:
Revoluções, lutas civis, anarquia política, parlamentarismo virulento e apaixonado, tiveram como consequência o descalabro das finanças, sem que na maioria das vezes se soubesse do destino dos dinheiros públicos
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Grande parte da receita para custear a guerra fratricida foi obtida por empréstimo no mercado de Londres, e logo um bom quinhão ficou em prémios, comissões e juros, que atingiram cifra superior a 16 por cento.
Outra parte proveio das propriedades dos conventos, vendidas ao desbarato, não tendo ultrapassado, em conjunto, os bens das ordens religiosas, 25 000 contos.
"A crise política que levou à consolidação do liberalismo em Portugal deve ter custado ao País para cima de 100 000 contos - certamente mais de 20 milhões de libras -, sem contar com o produto da venda dos bens nacionais".
A moda francesa, Srs. Deputados, ficou-nos muito cara, e, por mim, continuo a considerar que ficámos mal vestidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Salva-se, ao menos, a elegância do visconde Almeida Garrett.
E desta guerra fratricida, que arruinou as finanças e a economia nacional, não ficou nada, ou melhor, ficaram os filhos espirituais da Revolução Francesa e os outros portugueses mais velhos que ainda são hoje, segundo creio, as duas grandes laças políticas que habitam este risonho País à beira-mar plantado.
No fim do século, as guerras de África e a ocupação dos territórios ultramarinos fizeram-se a custa do crescimento incrível da dívida flutuante.
O bilhete de tesouro e a nota do banco foram os meios encontrados para resolver as dificuldades da tesouraria, enquanto aumentavam os saldos negativos das Contas Públicas.
Desta vez, porém, a nota realizada em África, consolidando a nossa presença e defendendo os nossos legítimos direitos, bem merece que a saudemos como autêntica epopeia da raça, realizada, prosseguida, com muito reduzidos meios de acção e muita alma.
Os orçamentos da República nascente trouxeram uma grande expectativa mas, com excepção dos primeiros, continuaram desequilibrados, e a desordem nos espíritos e nas tuas não permitiu a ordem nas contas.
Comparticipámos depois na grande guerra com efectivos de 93 000 homens. As baixas - mortos, feridos, inutilizados e prisioneiros - atingiram mais de 29 000, cerca de 31 por cento daqueles efectivos.
Ainda podem testemunhar os que por lá passaram e cumpriram também, rigorosamente, o seu dever, a dureza do clima que viveram e das faltas que tiveram.
As despesas do Corpo Expedicionário foram pagas com créditos abertos em Londres e contabilizados em libras e o resto foi liquidado com a fábrica de notas do Banco de Portugal.
O Sr. Deputado José Dias de Araújo Correia, que venho seguindo, informa que "a contabilização das despesas de guerra, durante o conflito e depois, exprime em elevado grau o caos administrativo, político e financeiro que caracteriza este período agitado da vida nacional".
Creio que valeu a pena comparar, comparar para medir, em toda a sua grandeza, a diferença de comportamento do Estado, da acção do Governo, da eficiência dos serviços, da segurança e da confiança da Nação.
Se os soldados são os mesmos, a nossa posição moral e material é outra e bem diferente.
Os credores não nos podem apoquentar e os sacrifícios que têm sido exigidos suportam-se melhor sabendo que ao mesmo tempo se cumpre um dever e se prepara um futuro melhor.
Parece que podemos continuar, e continuamos - "orgulhosamente sós" -, enfrentando as guerras do ultramar, sem capitular diante da desordem nem transigir com o desvanamento do Mundo.
Vou entrar na segunda parte das minhas considerações.
O Sr. Presidente do Conselho, no seu último discurso, a propósito de carências de apoio e de doutrinação política, queixou-se de si dos seus governos e da União Nacional, que também é sua.
Teriam falhado todos
Mas, purificado pela humilde confissão de tantas faltas, afirmou, com todo o poder da sua sinceridade, que, no que é essencial, "o que nos tem valido é o fundo ainda consistente da lusitanidade, as lições da história e o exemplo dos seus valores, a sã tradição dos nossos maiores que os acontecimentos políticos dos últimos séculos não conseguiram obliterar".
Efectivamente, é isto que nos tem valido e nos continuará a valer.
E, porque assim é, eu sou capaz de arriscar em jeito de profecia que as explicitadas carências - à minha vista praticamente irremediáveis - poderão vir a ser providenciais.
O fundo ainda consistente da lusitanidade, as lições da história e o exemplo dos seus valores, bem como a sã tradição de nossos maiores, que os acontecimentos políticos dos últimos séculos ainda não apagaram, recomendam um traçado ainda mais vigoroso das linhas de força do Regime, que até aqui tem prescindido do apoio efectivo da União Nacional.
E esse traçado há-de passar por todas as suas instituições, "instituições em que seja visível e respeitado o poder em forma de autoridade institucional, em que se sinta o calor e a intimidade da comunhão interna, distintas do frio cumprimento impessoal do funcionário, e em que, finalmente, se reconheça a estabilidade, a duração que ultrapassa os interesses e as vidas dos seus membros".
E assim a linha tradicional, segundo o pensamento dos mestres e os ensinamentos da história, serão assim as Universidades, os municípios, as corporações, se pudermos recriá-los em conformidade com os esquemas convenientes.
Rafael Gambra, por exemplo, adverte-nos de que "se quisermos devolver o homem ao seu meio e libertar o seu futuro das gigantescas empresas desumanizadoras, é preciso substituir essa organização puramente racional da sociedade, que seca as suas raízes naturais, e tornar ao que poderíamos chamar um empirismo político, quer dizer à ideia de que a sociedade, como todas as ordens da natureza, contém em si um dinamismo e umas leis de vida que escapam à organização geométrica".
"O homem individual do liberalismo e o homem social do socialismo não são mais que aspectos teóricos de um só homem existente - o homem concreto de carne e osso, com suas peculiaridades individuais e as suas tendências sociais".
Esse homem concreto prossegue fins naturais, que, plasmados e adequados a vigorosas instituições, são, juntamente com o próprio fim específico do Estado, a única fonte teórica e prática da limitação do poder.
Poderíamos arregimentar debaixo desta bandeira tanto o tradicionalismo de Vasquez de Mella como a rebelião existencialista de Albert Camus.
Ora, na modéstia do meu entendimento das coisas, estes princípios também deviam ter forte expressão nas Contas Públicas, alterando o sistema vigente de uma centralização asfixiante.
Se escolho o debate das Contas para fazer declarações programáticas, é porque o controle parlamentar das finan-
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cãs públicas, tal como está constitucionalmente organizado e como se pratica hoje nos países ditos parlamentares - ao que sei, por via daquilo a que se tem chamado em delicioso eufemismo «rodagem das instituições» -, só em muito fraca medida é admitido na autorização de receitas e despesas.
A definição da política económica, a alta tecnicidade dos programas económicos e financeiros e a intervenção crescente e dominante do Poder Executivo no processo orçamental, informado e decalcado no mesmo programa, conduziram todos os parlamentos do Mundo - pela força da tal rodagem - à diminuição das suas tradicionais prerrogativas nesta matéria. Todos fizeram o haraquiri com mais ou menos dignidade e elegância.
Os grupos de pressão deixaram de fazer pressão sobre os parlamentos e dirigem-se agora aos governos.
Ficaram do lado do parlamento os mais fracos, os, consumidores e os agricultores, sempre pior organizados. Ali em França, por exemplo, já houve quem dissesse que barragens de estrada tinham relação directa com ai diminuição do poder do Parlamento.
Não tenhamos ilusões grupos de pressão houve sempre e haverá até à consumação dos séculos, parecendo que o único meio de os moderar é descobri-los, conhecê-los e apresentá-los.
A maior defesa contra uma actividade que pode tornar-se perniciosa consiste na publicidade dos seus actos.
A definição de uma política económica e social a longo termo, expressa num plano, procederá normalmente do Governo, ouvida a Câmara Corporativa, e desencadeará sempre a actividade de numerosos grupos de pressão.
A nossa missão acabará, aberto o processo e discutida a matéria, em puro assentimento ou não assentimento.
Dizer «sim» ou «não» vai sendo e será cada vez mais, por toda a parte, a função das assembleia políticas.
Nestas circunstâncias, a actividade da Assembleia Nacional terá de sofrer uma deslocação do seu eixo, acabando por fazer a crítica da Administração, dos seus programas económicos e financeiros, da sua execução, no debate das Contas Públicas.
Talvez seja então mais oportuno e mais válido o seu contributo para reformar ou rectificar métodos e rumos da mesma Administração.
Tudo dependerá da seriedade dessa crítica e, claro está, da atenção do Governo.
Se este se julgar portador da verdade, teremos de esperar que suba até junto dele o clamor geral e, entretanto, orar pela conversão dos governantes separados do seu povo.
Ensaiei uma breve justificação deste passo da minha intervenção nas Contas, recitando os princípios que ainda não encontro bem documentados na acção.
Ensinam os entendidos, e a gente está a ver que assim é, que «os grandes Estados modernos, socialistas ou não, surgem como gigantescas unidades político-económicas com fins próprios a alcançar muito distintos do bem comum e da liberdade dos cidadãos».
Bastará analisar os capítulos da economia e das obras públicas, os seus métodos e os seus processes habituais de trabalho, para verificar aonde normalmente conduz a orientação dos respectivos serviços.
Os municípios estão quase transformados em repartições do Ministério das Obras Públicas, que dispõe da verba, planeja, estuda e decide, no Terreiro do Paço, através das várias repartições e comissões, da fonte de mergulho, do caminho vicinal, do esgoto, da escola e de implantação do cemitério.
Cada serviço promove e realiza o seu programa e são frequentes as multiplicações de tarefas, com prejuízo de tempo e de dinheiro.
Trata-se, na Lei de Meios, com particular atenção, do chamado bem-estar rural, mas no tratamento definitivo desta materia intervêm departamentos, surgem actividades concorrentes, que tornam a acção do Governo cara, descosida e pouco eficiente.
As aldeias de Trás-os-Montes estão sendo objecto de atenção carinhosa da parte dos departamentos das Obras Públicas, das Corporações e da Economia, pela Junta de Colonização Interna.
Mas a falta de conjugação de esforços, a estranha independência dos serviços, a, mais que precária, inexistente autoridade do município para regular ao nível do concelho toda esta acção, fazem com que a defesa sanitária, económica e social daquelas populações continue a ser lenta e insuficiente ou nula.
Já não só por falta de verba, mas por falta de organização, as coisas correm mal.
A política da obra pela obra, do melhoramento pelo melhoramento, sem um estudo de conjunto das mais urgentes necessidades locais, faz com que acabem por sobrar hospitais e nos falte assistência hospitalar, nos chegue a electricidade e os telefones e faltem os consumidores. Muitas obras se fazem sem conhecer a vontade e a conveniência dos aglomerados servidos, e sem delas retirar o rendimento colectivo que poderiam alcançar.
Sem a indispensável colaboração da comunidade, a obra tem o selo do serviço, o gosto do funcionário e o desinteresse da população.
Não são estes os processos aconselháveis de trabalhar, se queremos efectivamente restaurar a autoridade social e valorizar as comunidades naturais, organizar a região, considerando aquele empirismo político de que vínhamos falando.
Cada aldeia, como cada município, como cada cidade, como cada região, tem de ser considerada como uma unidade sujeita a tratamento de conjunto humano, económico, social e político, para se tirar proveito da acção governativa, refazendo assim as raízes naturais onde se guardam as reservas ocultas da lusitanidade.
Compreendo o Ministério das Obras Públicas a cuidar da ponte sobre o Tejo, a abrir as portas à navegação do Douro ou a irrigar o Alentejo, mas não o entendo a decidir sobre a sorte das fontes de mergulho da minha aldeia.
Compreendo o Ministério da Economia a cuidar dos grandes problemas da agricultura e indústria, a debruçar-se generosamente sobre o desenvolvimento regional das terras do intenor, impulsionando, acompanhando todas as manifestações de organização válida da produção, escolhendo os meios próprios de conceder os incentivos convenientes.
Há pouco mais de dois meses visitava o Sr. Ministro a Cooperativa do Vale do Sorraia e aconselhava a lápida instalação da secção leiteira.
Ofereceu à lavoura, através do Plano, de Fomento Pecuário, os meios necessários para a instalação dos efectivos leiteiros.
Pois a lavoura, que ali se mostra particularmente interessada nas obras de regadio, na organização cooperativa e na reconversão agrária, já se inscreveu para receber muitas centenas de vacas, correspondendo prontamente, pelo seu lado, ao esforço que lhe foi solicitado. Vamos agora ver o tempo que os serviços levam para entregar as vacas.
Estudados os problemas, colocados frontalmente aos interessados, assegurados os meios necessários, os lavra-
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dores, como os industriais, como os comerciantes, acodem e respondem mais rapidamente que os serviços.
E não é só por culpa dos serviços, é porque as coisas são assim mesmo de sua natureza. O processo burocrático precisa de tempo.
O que eu também não entendo é o Ministério da Economia com seu serviço próprio de policia judiciária, apoiado em instrumentos como a Inspecção-Geral das Actividades Económicas, que é um mau exemplo de reorganização.
Temo de ver o País sujeito a mais outra fiscalização, onde a autoridade judiciária, com o seu poder de inquirir e reinquirir, de devassar e investigar, se multiplica, mas também se dissolve e se degrada, transferindo-se até a condição do fiscal ou do agente.
Ainda não vi que as fiscalizações deste tipo servissem para aumentar as possibilidades da produção, ajudando as respectivas actividades, nem que servissem a justiça.
Tenho verificado que quanto mais embaraços, mais incómodos e mais processos, menor é o rendimento do trabalho e maior a carestia da produção.
Se o nosso problema nacional, nesta hora decisiva, tem de considerar como essencial, como vital, que quem trabalha trabalhe mais e quem produz que produza melhor, eu gostaria de louvar aquelas medidas que incentivam a mesma produção e são capazes de fazer render ainda mais o trabalho de cada um.
É preciso aumentar a riqueza, acrescentar a riqueza, para melhorar a parte dos mais desfavorecidos, mas também é preciso fazer com que todos participem do processo de crescimento para realizar a estrita justiça.
Viver do que os outros criam ou malbaratar o que nós próprios criamos são os caminhos adequados para assegurar a decadência moral, económica e social da Nação.
O Estado a dirigir e a fiscalizar a economia privada mata a mesma economia.
Está escrito e está documentado que «fora das suas funções próprias, o Estado não produz a vida, mas a simples aparência da vida. Como o rei Midas, que tinha o poder de matar quanto tocava, convertendo-o em ouro, também o Estado possui o triste privilégio de tornar artificiosas e burocráticas todas as realizações que excedem a sua esfera própria».
Basta-lhe trilhar outros caminhos e «criar as condições de vida necessárias para que a sociedade realize os seus fins naturais e adquira o dinamismo próprio que cristalize em adequadas e eficazes instituições».
Cremos que está a despertar uma consciência clara desta política, que se exercita já nos primeiros ensaios de desenvolvimento comunitário e floresce nos programas de desenvolvimento regional.
O vigoroso impulso da Federação dos Grémios do Nordeste Transmontano, onde se trabalha num plano recheado de novidade e de promessas, a acção desencadeada em Coimbra e apoiada agora no estudo da bacia do Mondego, o Algarve despertado pelas infra-estruturas de turismo e pelos turistas, e o Alentejo alvoroçado e atento aos problemas da reconversão agrária e da obra dos regadios, constituem evidentes manifestações de que o traçado das linhas de força do Regime tem de ser definido e ajustado ainda melhor ao verdadeiro perfil da Nação.
Nesse dia, reconhecidas e respeitadas as autoridades sociais, o Regime pode apoiar-se em si mesmo, sem necessidade da União Nacional ou dos artifícios políticos existentes no mercado corrente ou na Feira dos Mitos.
Quer se volte para o município, quer se encaminhe para a região, o Estado há-de reconduzir-se primeiro aos seus fins específicos, para que não degrade, com a sua burocracia infalível e dogmática, uma regionalização urgentíssima e
uma institucionalização válida, que não pode confundir-se com a simples descentralização administrativa possivelmente mais estatista que a situação presente.
Assim, em concordância com o relator das Contas, parece-me também indispensável a reorganização da estrutura dos serviços do Estado, para os tomar mais eficientes, mas desejaria que essa reorganização fosse informada pelos princípios que venho defendendo com as armas de que disponho, embora ligeiras e de pequeno alcance.
Cheguei ao fim e vejo que misturei tudo - as vacas leiteiras, as fontes de mergulho, as Contas Públicas, as guerras, os princípios -, abusando mais uma vez da generosidade de V. Exa. , Sr Presidente, e da paciência dos Srs. Deputados que me ouviram.
Deste abuso lhes peço muita desculpa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos
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Srs Deputados que entraram durante a sessão
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando José Perdigão.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio
Artur Alves Moreira.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel Pires.
Manuel Colares Pereira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA