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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
ANO DE 1965 20 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 191, EM 19 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta 16 horas e 20 minutos.
Antes da criem do dia. - O Sr. Presidente referiu-se á entrda do Sr. Deputado Vitoria Pires para o Governo da Nação.
O Sr. Deputado Nunes Barata examinou o parecer da Câmara Corporativa sobre o plano geral do aproveitamento hidráulico da bacia do Mondego.
O Sr. Deputado Alexandre Lobato referiu-se a problemas da informação na província de Moçambique.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do parecer sobre as Contas Públicas de 1963.
Usaram da palavra os Srs Deputados Moura Ramos e Pinto de Mesquita.
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram. 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs Deputados
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Mana de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco Lopes Vasques.
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Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Mana Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D Mana Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr Presidente: - Estão presentes 72 Srs.
Deputados Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 20 minutos
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Srs Deputados Não tem esta Assembleia que se pronunciar sobre a formação do Governo. Mas creio que não pode deixar de afirmar o seu pesar por dessa formação ter resultado a saída desta Casa, pelo menos durante o exercício das novas funções, do Sr Deputado Vitória Pires, e ao mesmo tempo afirmar a honra que tem em ver escolhido para as altas funções que vai desempenhar o mesmo Sr Deputado.
Vozes: - Muito bem!
O Sr Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr Deputado Nunes Barata.
O Sr Nanes Barata: - Sr Presidente, Srs Deputados. De todas as alternativas que se possam apresentar no que respeita a grandes empreendimentos hidráulicos no continente português, não oferece dúvidas que o aproveitamento do Mondego apresenta e apresentou sempre - como o comprova a sua inclusão no Plano de 1940 da extinta Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola - uma especial prioridade, porque o problema do Mondego não é, nem nunca foi, somente o da criação de novos regadios ou de produção de energia, mas defesa de um património valioso - os campos do Mondego e suas gentes - em riscos de se perder, e cuja perda representa, com certeza, um custo material e humano imensamente mais pesado e doloroso do que o dispêndio exigido pelas obras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com estas palavras do parecer da Câmara Corporativa sobre o Plano geral do aproveitamento hidráulico da bacia do Mondego renovo uma intervenção agora portadora de júbilo, gratidão e esperança.
O meu júbilo resulta da posição assumida pela Câmara Corporativa ao dar a sua concordância às conclusões dos pareceres do Conselho Superior de Obras Públicas e do Conselho Superior de Agricultura, bem como do estudo da Secretaria de Estado da Agricultura, relativamente ao Plano do Mondego, e ao reconhecer a urgência em iniciar as obras previstas e a oportunidade em elaborar um plano de desenvolvimento regional.
A minha gratidão, que creio ser a de todos os que se encontram ligados à região do Mondego, se neste momento distingue particularmente a Câmara Corporativa pelo parecer emitido, não esquece os Ministros das Obras Públicas, Eng º Arantes e Oliveira, e da Economia, Prof Teixeira Pinto, pelo interesse posto na solução deste problema, principal entre os primeiros do Centro do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, a minha esperança renova-se no desejo de evitar qualquer atraso quanto ao início das obras fundamentais do Mondego, cumprindo agora ao Conselho de Ministros encarar o problema com a urgência imposta pela gravidade da situação.
Sr Presidente. Só um orgulho inconsciente nos poderia fazer acreditar que a região do Mondego não é uma zona crítica. De facto, na problemática das assimetrias espaciais metropolitanas os índices respeitantes aos distritos de Coimbra, Viseu e Guarda, conforme o parecer da Câmara Corporativa tão eloquentemente ilustra, não são nada reconfortantes.
Impõe-se, em suma, realizar aqui um esforço de desenvolvimento económico-social particularmente intenso.
É ponto assente que tal esforço se apoiará fundamentalmente nos aproveitamentos hidroeléctrico-agrícolas.
Já no estudo da Companhia Eléctrica das Beiras se demonstrou que o esquema do Mondego produziria 650 milhões de kilowatts-hora, garantidos em 100 por cento dos anos sem necessidade de apoio exterior, e que o sistema, explorado com a central de Asse Dasse dando apoio à R. E. N. , pode garantir um acréscimo de energia marginal da ordem dos 1100 milhões de kilowatts-hora.
Estas perspectivas não são nada despiciendas na actualidade energética metropolitana, impondo-se o encará-la com o realismo que uma oportuna política de electricidade recomenda.
Não se pode afirmar termos atingido o limiar no esgotamento das possibilidades hidroeléctricas em Portugal, quando, depois da entrada em serviço do Alto Rabagão e de Vilar Tabuaço, ainda dispomos de 60 por cento de recursos por aproveitar.
Tão-pouco se pode dizer tratar-se de um esgotamento no interesse económico dos aproveitamentos, pois o problema não deve ser encarado à luz do preço médio da produção hídrica actual, mas sim em comparação com o preço médio da produção térmica. A diferença é suficientemente grande para se porem de parte dúvidas quanto ao valor dos recursos hídricos que ainda nos restam
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Ao discutir-se nesta Assembleia Nacional o projecto de Plano Intercalar, o nosso ilustre colega Eng º Vergílio Cruz foi igualmente expressivo quando, ao propor um esquema de aproveitamentos, acrescentou:
A inclusão no Plano dos aproveitamentos hidroeléctricos [...] viria a produzir energia não importada e mais barata que a térmica, e todos os benefícios regionais que se conhecem (haja em vista os fins múltiplos do Baixo Mondego, o enorme interesse da navegabilidade do rio Douro, etc ), além de tudo isso, a sua inclusão evitará grandes crises na vida económica e social da Nação, porque nos últimos anos estas obras têm garantido trabalho a cerca de 10 000 pessoas, a quem se distribuíram por ano cerca de 200 000 contos de ordenados e salários, e têm sido comprados à indústria nacional, para estas obras, fornecimentos de ferro, cimento, madeiras, transportes, etc.
As posições da Câmara Corporativa e desta Assembleia, a propósito da política energética, foram, de resto, bem expressivas, o que me dispensa de outros comentários.
Urge encarar o problema, resolvendo desde já a questão da atribuição das concessões relativamente aos recursos hidroeléctricos «Não faz sentido que o planeamento energético mais conveniente para o País seja alterado por falta de outorga de algumas concessões. Este facto também tem redundado em duplicações com perda de tempo e de dinheiro, pelo facto de algumas vezes encontramos entidades diferentes a estudar o mesmo problema. O desperdício é sempre mau, principalmente num país pobre» (Deputado Virgílio Cruz, intervenção citada).
Sr Presidente. Ao referir-se ao parecer do Conselho Superior de Agricultura sobre o Plano do Mondego, a Câmara Corporativa destaca traduzir o mesmo a audiência dada a correntes de opinião regionais, apresentando a posição de plena concordância da organização corporativa da lavoura, o que constitui, ao que parece, caso inédito.
A confiança da lavoura não pode ser iludida. É, assim, importa considerar, além do mais, dois problemas o dos encargos de rega e defesa dos campos e a oportunidade dos empreendimentos que tornarão mais racional e produtiva a agricultura da região.
Todos lamentariam que a realização do esquema do Mondego trouxesse para a agricultura encargos superiores àquilo que economicamente se reputará como defensável.
Quanto a um conveniente reordenamento agrário, reconhece-se oportuno, ainda que necessariamente incompleto, o esboço de plano de acção (1965-1967) elaborado pela Secretaria de Estado da Agricultura.
O esquema hidráulico tem o sucesso condicionado pelos empreendimentos agrários. Mais reconhece-se a urgência na preparação de um plano de desenvolvimento regional «em colaboração com as comissões e distritais de desenvolvimento económico e social, em que tenham lata representação as organizações da lavoura tendo em conta que a valorização regional nunca será viável sem a adesão e o concurso das populações a que diz respeito».
Simplesmente, a «curta experiência» vivida quanto ao desenvolvimento da região do Mondego veio dar maior realce à necessidade de pôr em efectivo funcionamento uma orgânica administrativa de planeamento regional.
Data de Dezembro de 1962 o parecer da Calmara Corporativa sobre um projecto de decreto-lei relativo à criação da Junta de Planeamento Económico Regional. Depois disso, em documentos oficiais, renovaram-se idênticos propósitos. A publicação de um diploma com tais objectivos afigura-se-me de imperiosa necessidade.
Mas falemos da «curta experiência» de Coimbra. Com o apoio do Ministro da Economia, Prof Teixeira Pinto, foi criada em Coimbra uma Comissão de Desenvolvimento Económico, integrada por uma assembleia representativa de actividades e por uma junta executiva. A esta experiência vêm dando o melhor do seu saber e devoção o governador civil de Coimbra e as mais diversas personalidades da região ligadas à agricultura, à indústria e aos serviços.
Pode dizer-se que o entusiasmo da iniciativa criou aquele «estado de espírito» indispensável ao sucesso de um esforço de desenvolvimento. Mas quais têm sido os resultados concretos.
Eis uma enumeração que não pretende dar o exclusivo a quem se limitou a colaborar, nem, por outro lado, é exaustiva.
a) Nos domínios da industrialização apoiou-se a localização no distrito das seguintes unidades.
Em Coimbra uma fábrica de tecidos, linha de montagem de camiões, fábricas de pregos, matadouro industrial de aves.
Na Figueira da Foz complexo para a celulose, fábricas de ágar-ágar e de carboneto de cálcio, aumento da capacidade de produção da Fábrica de Vidros da Fontela, novos empreendimentos relativos a rações, para gado (duas unidades), adubos, descasque de arroz e aglomerados de madeira.
Na Lousa motores agrícolas, refinaria de azeite.
Em Oliveira do Hospital produção industrial de queijo da Serra, aglomerados de madeira;
b) Quanto à agricultura, colabora-se com a Junta de Colonização Interna, cujos estudos em curso se destinam precisamente aos órgãos regionais, e com as Direcções-Gerais dos Serviços Agrícolas. Florestais e Pecuários;
c) No que respeita ao ensino, também se diligenciou pela restauração do Instituto Comercial e Industrial, criação de uma nota escola técnica no distrito e de uma escola de aperfeiçoamento profissional agrícola;
d) De acordo com a Universidade, diligenciou-se pela criação de um Instituto de Desenvolvimento Regional em Coimbra;
c) Finalmente, ensaiou-se uma consciencialização das populações sobre a oportunidade das tarefas de desenvolvimento, deu-se apoio, dentro da modéstia das possibilidades, às aspirações das forças vivas e trabalhou-se com os órgãos políticos para acelerar a realização dos empreendimentos reputados indispensáveis ao arranque do aproveitamento do Mondego.
Este modesto enunciado revela como as preocupações se têm feito sentir para lá do sector primário.
desenvolvimento não se confinará mesmo ao conceito já tradicional de «aproveitamento para fins múltiplos», embora nele se apoie fundamentalmente. Preocupar-se-á com toda a problemática económico-social da região, adoptando o lema da economia ao serviço do homem. Tècnicamente ter-se-ão em conta as distinções entre as tarefas de planeamento propriamente dito (elaboração de planos e coordenação) e as orgânicas que assegurem a execução dos planos. Deverá ser, por outro lado sensível ao equilíbrio entre a centralização e a descentralização, tendo presente que o esforço regional se harmoniza com a coexis-
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tência, na própria região, de serviços técnicos adequados e de órgãos que dêem expressão às respectivas forças vivas.
A experiência de Coimbra, graças ao dinamismo do respectivo governador civil e ao espírito de colaboração dos presidentes das câmaras municipais e de outras entidades, tem amortecido as nossas carências estruturais. Será um caso em que o mérito dos homens se avantaja as insuficiências do sistema ou, até, à pouca preparação ou compreensão de outros responsáveis.
Isto não inutiliza a premência em rever ainda mais duas questões a das relações das instituições administrativas tradicionais com o desenvolvimento económico, a do lugar que no desenvolvimento regional cabe às chamadas técnicas de desenvolvimento comunitário.
Quando, nesta Assembleia Nacional, se discutiu o aviso prévio do nosso ilustre colega Dr. Augusto Simões sobre a revisão do Código Administrativo, tive ocasião de abordar aspectos relacionados com a primeira questão o planeamento regional e as suas exigências orgânicas, o papel das autarquias de extensão mais lata do que o município, o ajustamento territorial das instituições, os condicionalismos especiais dos centros urbanos. Não me vou, pois, repetir.
No caso do Mondego existe um elemento comum de ligação a valorização económico-social de uma vasta área a partir de um rio. Concorrem hoje na região várias instituições autónomas territoriais ou não territoriais que beneficiam de uma devolução de poderes. Ora, de futuro, poderá tornar-se indispensável mais do que uma simples coordenação de esforços. Ainda aqui a experiência francesa poderá ser elucidativa. Mesmo para lá de situações onde a finalidade do desenvolvimento económico constitui o traço de união de uma vasta área, parece recomendável encarar ainda em conjunto a solução de alguns problemas clássicos, hoje enquadrados nas atribuições e competência dos municípios (redes rodoviárias, electrificação, abastecimentos de água, políticas de comercialização...), ou rever a estrutura não intervencionista das colectividades locais em matéria económica, de forma a tornar, por exemplo, possível a sua participação nas sociedades de economia mista.
O incremento que nos tempos futuros deverão conhecer velhas fórmulas, que hoje se renovam nas técnicas de actuação e se aformoseiam com o nome de «desenvolvimento comunitário», justifica que nos detenhamos aqui um pouco.
Verifica-se com frequência que, não obstante investimentos consideráveis e uma notável dedicação de certos grupos de intelectuais e de políticos, as regiões atrasadas não conhecem um sucesso relativo. Isto deve-se à fraca receptividade dos respectivos meios sociais A população mantém-se fiel a opiniões e preconceitos que dominam as suas actividades, contrariando os esforços de desenvolvimento.
O desenvolvimento comunitário, como já se escreveu, deve ser portador das seguintes características partir das necessidades sentidas pela população, envolver a população no seu próprio desenvolvimento, pressupor a colaboração entre a população e os serviços públicos, operar uma transformação social progressiva, abranger todos os aspectos da vida humana.
Quanto a mim, creio que a integração das técnicas de desenvolvimento comunitário no desenvolvimento regional sairá valorizada se por seu intermédio cuidarmos dos seguintes aspectos eliminação do analfabetismo, aumento da produtividade na agricultura, luta contra o subemprego rural e contra o êxodo, realização de obras públicas essenciais à vida das pequenas comunidades, promoção da saúde pública, preparação da mulher para as actividades domésticas e educação dos filhos, estímulo ao artesanato e pequena indústria, valorização dos tempos livres e das actividades recreativas.
A eleição das Casas do Povo para centros de desenvolvimento comunitário reforçaria a posição destas instituições no quadro da vida local portuguesa. Estou convencido de que o ilustre Ministro das Corporações, Prof Gonçalves de Proença, a cuja devoção pela promoção social rural me apraz prestar homenagem, não deixará de ponderar esta possibilidade.
Sr Presidente. Mau grado todas as dificuldades enumeradas, o esforço de desenvolvimento da região do Mondego deverá intensificar-se imediatamente.
E mesmo, enquanto não se dispuser de um plano de desenvolvimento regional e das indispensáveis estruturas institucionais, podem encarar-se aspectos sectoriais já susceptíveis de uma solução eficaz.
De que aspectos se trata?
Antes de tudo, do início das obras previstas nos planos a que se refere o parecer da Câmara Corporativa agora votado, conjugadas, aliás, com a concessão do aproveitamento hidroeléctrico. Paralelamente, os trabalhos de reflorestação e correcção torrencial, o desenvolvimento industrial, a intensificação da política de melhoramentos rurais e comunicações, o revigoramento dos centros terciários (a Universidade de Coimbra constitui um poderoso pólo de desenvolvimento no Centro do País) e a construção do porto da Figueira da Foz.
O Mondego de há séculos que vem constituindo um desafio à capacidade dos homens e dos governos. Deus permitisse que a nossa geração tivesse a felicidade de o dominar, extinguindo-se no seu torturado vale aquele apelo angustioso de «Salvem os nossos campos!»
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Alexandre Lobato: - Sr Presidente. De entre as coisas que seriamente me inquietam em Moçambique, donde acabo de regressar, figura o problema da informação, que julgo ser merecedor da atenção da Assembleia por causa do que se chama a «opinião pública», que conduz à tomada de posição como opinião política.
Conservo ainda na memória algumas reminiscências das sebentas em que os mestres me ensinaram, na Universidade, o valor cívico da opinião pública e me evidenciaram o flagrante contraste mental da polis grega com sua maiêutica em relação à força coactora dos grupos de pressão do período decadente das ditaduras imperiais romanas, em que o civismo, ferido de morte, cedeu lugar às mais despóticas tiranias, com as turbas desorientadas e à solta, incapazes de uma reflexão.
Em escala consideràvelmente mais modesta, e noutra ordem de interesses, tenho-me ocupado eu próprio do que foi em Moçambique, do princípio aos meados do século XIX, a transposição do absolutismo para o liberalismo, com a total modificação das estruturas económicas e sociais implícita na abolição da escravatura. Tem sido para num uma extraordinária lição tirada das ideias e dos factos que informam os problemas, vistos agora a uma distância temporal considerável e serena, os homens mortos e arquivadas as paixões.
Época de plena fermentação revolucionária como a nossa, posso afirmar que as últimas décadas do absolutismo foram servidas em Moçambique por figuras de
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grande capacidade governativa e a administração pública foi norteada por princípios honestos, sãos e de verdadeiro interesse público. Mas foi um alívio, e foi uma festa, quando o absolutismo foi, felizmente, banido, porque se tinha cavado um temeroso abismo entre a opinião pública da província e o seu governo, exercido pelos capitães-generais e governadores dos distritos ou orientado pelos ministros reais, na metrópole ou no Brasil.
Basta percorrer as velhas «ordens do dia» do quartel-general para se ter uma ideia da candência dos ambientes e verificar-se como é que na capitania-geral dos estados de Moçambique os aspectos do governo Militar se sobrepuseram ditatorialmente aos do governo civil e político da província.
Quem saiba disto, e conheça a tessitura dos factos, não se admirará, como me não admiro eu, de que anos depois, quando o liberalismo prudentemente conservador considerou militares os governos do ultramar, a população da cidade de Moçambique se tenha recusado a aceitar como governador-geral o oficial que lhe foi remetido com a patente de governador militar, e o obrigasse a partilhar com cidadãos escolhidos o governo político, civil, administrativo e económico da província, concedendo-lhe, portanto, apenas o comando-geral das tropas.
Durou este absurdo os meses bastantes para o governador militar poder preparar, com êxito, um movimento de espadas que o reintegrou na plenitude das funções de governador-geral. Mas nestas coisas um absurdo nunca vem só. E sucedeu que, banidos os cidadãos do improvisado governo colegial que o liberalismo provincial aceitara, até a metrópole resolver, se tornou impassível o governo àquele governador de qualidades e energia excepcionais, pelo que a própria metrópole o substituiu.
De facto, não é possível governar sem o apoio de uma opinião pública sólidamente esclarecida, extirpada dos elementos tendenciosamente perturbadores, que só fomentam a desorientação, e é fundamental que a opinião pública se afirme.
A este respeito pouca gente saberá que, claramente conscientes dos direitos cívicos e dos respectivos limites, os primeiros governantes da I República, em ordem ao idealismo e ao civismo que tão nobremente os animava, mandaram a Moçambique, em 1911, o primeiro alto-comissário, Dr. Azevedo e Silva, que tantos serviços ideais prestara à República desde os tempos de Coimbra e fora sempre um consagrado magistrado de grande envergadura moral, e mandaram-no a Moçambique por seis meses apenas, para sanear o ambiente e serenar os ânimos, exaltados com a fase de passagem de republicanização do regime, não obstante a nobilíssima dignidade de que os mais fervorosos monárquicos do ultramar deram prova, proclamando eles próprios a República, das varandas municipais, por ordem do Governo de Lisboa, como foi o caso de Freire de Andrade em Lourenço Marques.
Ia a contar que nos primórdios da República em Lourenço Marques começava a repetir-se a cena dos primórdios do liberalismo na ilha de Moçambique quando o Governo Central resolveu restaurar a disciplina cívica, e portanto a tranquilidade dos espíritos, com a prudente intervenção do alto-comissário Azevedo e Silva, que, para isso, se limitou a distribuir pelos vários distritos os que por actos insensatos e oratórias subversivas estavam apostados em arrastar a opinião pública para uma campanha de retaliações e violências de pretensa legalidade e suposto espírito republicano.
Recompostas rapidamente as coisas, deterioraram-se gravemente de novo anos depois, ainda na fase de sedimentação da República, quando esta, na metrópole, passou a estar à mercê da rua pela acção das Carbonárias, e lá pouco faltou para suceder-lhe o mesmo. Todos estarão lembrados de que o actual regime iniciou a esse respeito uma dura repressão legítima, que se tornou legalmente extensiva às colónias e teve por base a instituição da censura.
Em Moçambique, porém, e graças à sagacidade política do governador José Cabral, a censura à imprensa só por categórica imposição da metrópole foi instituída em 29 de Janeiro de 1934. Vale a pena relembrar a notícia que foi publicada no dia seguinte pelo Noticias de Lourenço Marques, porque diz tudo.
A censura à imprensa começou ontem a funcionar em Lourenço Marques, tendo já a ela sido sujeito este número. Convocados a tarde os representantes dos jornais, o Sr Governador-Geral declarou-lhes que chegara o momento em que não podia mais evitar o estabelecimento da censura, entrando por isso imediatamente em vigor o Decreto n º 22 469, de 27 de Maio de 1933. Naquela reunião dos representantes da imprensa o Sr Governador-Geral disse que é deixada plena liberdade de discussão e crítica à administração da colónia, apenas com a reserva de que serão exercidas com elevação, em termos correctos e sem descer ao ataque pessoal. A Comissão de Censura é constituída pelos Srs Capitães de cavalaria Luís Figueiredo e de artilharia Teixeira Finto e Monteiro Libório, funcionando numa dependência da Repartição dos Correios.
A esta histórica notícia tem a história a observar apenas que, não tendo o governador Cabral podido evitar a censura, a que sempre se opôs, a consentiu com uma condição que hoje não é respeitada.
Com a constitucionalização de 1933 foram estabelecidos os fundamentos da defesa moral da opinião pública Parece que ninguém tem nada a objectar, e eu também não, a que se defenda a opinião pública de deformações tendenciosas, de orientações intencionalmente deformadoras. Todas as consciências bem formadas pretendem por certo que a opinião pública se forme, exista, se renove e evolua segundo os princípios do mais puro humanismo cívico, para cumprir com eficiência e validade as missões que importam a um sistema neurovegetativo dos instintos nacionais.
O problema da opinião pública, que no antigo regime se confinava à expressão de qualidade definidora do bem comum - lembremo-nos do que era e como funcionava o antigo Conselho do Rei -, coincide agora com o âmbito da liberdade humana, ou antes, como prefiro sempre dizer, com a amplitude do dever cívico. Há, portanto, um dever de opinião pública que é um dever cívico e se aprende na família, na escola e no convívio entre os cidadãos Por isso, o antigo bem comum, que era uma expressão do valor moral, representava civicamente a causa pública, expressa por vozes revestidas de autoridade para isso, em razão de qualidades pessoais ou qualidades funcionais.
Não podemos, portanto, fugir ao princípio da liberdade de opinião em ordem ao dever de opinião, mas, porque os deveres são imperativos de conjuntura e as liberdades têm que ter limites para não colidirem, segue-se que é tão difícil à consciência exercer a liberdade de opinião como limitar-se nela.
Criada para reprimir os abusos que tentem praticar-se no exercício da liberdade de opinião pela imprensa, a censura não pode furtar-se ao exame do problema moral que se lhe depara ao substituir-se pela repressão a consciência prevaricadora.
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A censura funciona portanto, como um tribunal, julgando factos e intenções com a agravante dificuldade de ter que fazê-lo de forma sumária, expedita e imediata.
Com efeito, se se aceitar que a opinião pública tem de ser moralmente defendida contra os desmandos das ideias, os abusos de linguagem e de outras formas de comunicação, a dissolvência dos princípios sociais, da disciplina pública, o desrespeito pelas pessoas e instituições ou a deformação intencional da verdade, não é difícil concluir-se que a segurança da opinião pública tem de exercer-se paralelamente à segurança das pessoas, dos bens dos cidadãos e do próprio Estado.
O progresso social tem debatido e aperfeiçoado o direito e dever de segurança destes interesses por meio de instituições e institutos jurídicos perfeitamente definidos, em que se conseguiu eliminar por completo o factor arbítrio. É por isso que vivemos num estado de direito em que todas as actividades da vida estão reguladas e protegidas por um ordenamento jurídico em que as pessoas e os seus actos estão garantidos contra os abusos e os desvios que possam verificar-se na aplicação da lei.
O Estado criou para isso, independente de si próprio e a ela submetido, uma organização judiciária servida pela mecânica processual adequada, em que mais modernamente se integrou por individualização específica o recente direito do trabalho, que foi subtraído, por imperativos de circunstância, ao regime geral do direito civil. Foi o interesse da disciplina social e da tranquilidade pública, sob pressão da opinião pública, que conduziu a esta acertada solução.
Não se compreende assim, ou pelo menos não consigo eu compreender, porque é que os interesses ligados à expressão da opinião pública através dos chamados «meios correntes de informação», e actualmente tutelados pela censura, hão-de ter tratamento jurídico diferente e encontrar-se, portanto, em posição moral diversa
A necessidade de defender da corrupção moral a opinião pública é um inevitável mal dos nossos tempos, devido ao âmbito de expansão e velocidade de propagação de que a informação dispõe, pelo que pode tornar-se perigosa e explosiva uma notícia alarmante ou falsa.
A informação tornou-se de tal modo uma arma de guerra de seguros efeitos psicológicos, por vezes inibidores, que se faz com eficácia a guerra pela palavra, ou com ela se instilam dúvidas e anulam resistências.
Por outro lado, quanto mais falsa, contraditória, perturbadora e escandalosa é uma notícia, mais credulidade encontra e mais rapidamente se propaga, não havendo às vezes evidência que a detenha e anule.
Parece, pois, que a opinião pública, dirigida sempre ao bem comum, visando os fins ideais e reais da causa pública e forjada na dialéctica das ideias com base na sucessão dos factos, constitui um interesse social tão importante e respeitável como a própria pessoa humana como sua inerência.
Assim como o Estado garante por meios adequados, extra-administrativos, a liberdade das pessoas e a livre disposição dos respectivos bens, e para manter tal garantia reprime os abusos, parece que deve garantir ao mesmo nível, em igual grau, com a mesma isenção, portanto com idêntica qualidade moral, o exercício do direito de opinião, que é uma inegável e insofismável inerência da pessoa humana, pelo menos desde que Descartes fez dela uma filosofia nova que virou completamente o mundo humano.
É claro que não haveria problemas se a educação cívica de cada um fosse de tal qualidade que ele próprio limitasse os seus direitos aos seus deveres. Mas também não é lícito assassinar pessoas, e nem por isso acabaram os crimes de
morte, como não é lícito locupletar-se cada um à custa alheia, o nem por isso o roubo, o furto, a fraude, a burla, deixaram de existir. E são pessoas especialmente preparadas as que cuidam de reparar individual e socialmente os interesses ofendidos. Ora, parece-me haver razões muito idênticas para que se proceda igualmente quanto aos delitos que afectem a opinião pública.
Que a natureza especial dos factos ou das ideias censuráveis requeira um exame prévio, por que a publicidade é irreversível, não me parece coisa que afecte a moralidade legítima da censura.
O que é essencial é que a sua legalidade se exerça sem arbítrios nem conveniências de momento ou interesses do Senhor A, do Ministro B ou do Governo C, e segundo regras de inflexível sanidade moral e mental, suficientemente estudadas, doutrinadas, fixadas e divulgadas, para que se saiba em que lei se vive, e sejam amplas, justas e fecundas as liberdades cívicas.
Estou a situar-me num campo realista, que é o do nosso momento, e não abordo o problema da abolição da censura, que é um problema de educação nacional, e o consequente delegar aos tribunais comuns dos crimes de influência delituosa, contra a opinião pública.
O que me interessa por agora é considerar o regime actual da censura e a inadiável necessidade de se lhe introduzirem garantias que o tornem aceitável, quer quanto à preparação e idoneidade das pessoas que a exercem, quer quanto ao espírito de isenção e independência em relação ao Governo, à Administração e aos interesses e posições em jogo.
Com efeito, o que actualmente se passa é que a censura não é uma justiça imparcial, porque está directamente subordinada ao Governo ou por intermédio do Sub-secretariado de Estado da Presidência do Conselho ou dos governadores do ultramar e do respectivo Ministro.
O arbítrio e a discricionariedade são totais porque são políticos, e o que é pior é que ao cabo de quase 40 anos de censura se não tentou sequer estruturar um regime jurídico que contemple os problemas morais da censura, o que a todos os títulos é lamentável porque se não converteu a instituição numa acção viva de educação cívica. De facto não foram traduzidas, nem em doutrina nem em leis regulamentares, garantias mínimas contra as conveniências que a censura se arrogue, contra as prepotências que possa praticar, nem contra a arbitrariedade e variabilidade de critérios que se alterem com a mudança de censores, de ministros e de governadores, as alarmâncias dos governos e os inventados tábos dos problemas.
Nas justiças ordinárias ou especiais não assistimos a esta desordem que se verifica na censura. Nos tribunais cíveis e crimes, no foro privativo, que é um velho privilégio das forças armadas, no foro especial do trabalho, nos próprios tribunais especiais, há garantias, há regras, há um processo e há uma ética. Bem sei que nem sempre foi assim, e que no antigo regime o processo cível era de regra uma roubalheira legalmente organizada, pelo menos em Moçambique, e o processo-crime era sistematicamente uma monstruosidade sem nome.
Claro que o problema da censura é naturalmente complexo, não cabe no limite das minhas palavras, nem me proponho mais do que aflorar o problema à base de algumas informações curiosas e respectivos considerandos. É evidente que se insere, e já o disse, nos problemas gerais da educação nacional, por um lado, e da informação para a opinião pública, por outro, o que leva a procurar saber quais os efeitos da censura na opinião pública.
A este respeito, se penso que a licenciosidade na opinião pública, entrecortada de períodos de ditadura foi a característica da predominância política dos marechais da Se-
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nhora D. Maria II a preparar a opinão anárquica que prevaleceu no libérrimo reinado de D. Luís e culminou no tumultuoso reinado de D. Carlos, e precisamente na sua morte, o que evidencia os resultados acrescentados da indisciplina cívica, penso também que as longas contenções impostas à opinião pública pela censura conduzem por um lado a indiferença, ao amolecimento e abastardamento do espírito cívico, que é uma indispensável força criadora nacional, e por outro lado às irrupções emocionais provocadas pelos que ficam sempre à espera de uma aberta.
O País ainda se lembrará das eloquentes lições que recebeu em várias eleições presidenciais do actual regime, quando por 30 dias lhe suspenderam a censura, passando-se de repente do tudo para o nada, o que em educação é mau e em civismo é péssimo, porque fica à solta a licenciosidade reprovada. Foi necessário arrepiar caminho e regressar a um sistema semelhante ao criado pela I República.
Por tudo isto me parece que não pode também deixar de considerar-se a censura uma repressão com intenções educadoras, mas é evidente que, sendo puramente repressora, a censura não é em si educadora e formadora, pois, limitando-se a acumular contenções potencialmente explosivas, a nada conduz senão ao intransigente divórcio das opiniões.
Uma censura socialmente útil há-de conter-se no plano moral contemplado pela Constituição, ser educadora e formativa e permitir uma dialéctica educativa no plano cívico, alheia às conveniências governamentais, que no plano político são aleatórias e carecem de ser permanentemente provadas. Em resumo a censura como justiça visa a perfeição moral da sociedade e como educação visa a perfeição moral do indivíduo. Tem por isso de mover-se num campo de amplas liberdades, dentro do pudor das pessoas e do pudor da Nação, e ser alheia a interesses de conveniência pessoal ou transitória ou de enfeudamentos políticos. Tem, portanto, de ser independente do poder discricionário da Administração, sob pena de não poder oferecer garantias de objectividade, de imparcialidade, de construtividade.
É em virtude de não acontecer assim que a imprensa portuguesa está desacreditada na opinião pública. O público queixa-se de que não é convenientemente informado e os jornalistas dizem que não têm liberdade para informar. Cai-se de um e de outro lado no abatimento moral que gera sempre o pensar-se que não vale a pena nem há volta a dar-lhe.
Confesso o meu medo por este estado de espírito, que conduz ao desinteresse colectivo pela causa publica, ao divórcio das gerações e à responsabilidade crescentemente progressiva dos destinos nacionais por parte de uma geração que o tempo vai tornando qualitativa e quantitativamente minoritária.
Como todas as portas, a censura também se fecha em dois sentidos, porque é evidente que, se de um modo absoluto evita muita coisa má, constitui também obstáculo insuperável a muita coisa boa, e de um modo especial impede quase totalmente a escola civíca que se exercita na própria opinião pública.
Há, pois, que procurar desde já um sensato equilíbrio pragmático, que não consinta malefícios mas não atropele virtudes, o que só pode conseguir-se subtraindo a censura ao arbítrio quotidiano da Administração. De contrário não têm os cidadãos qualquer mínima defesa possível contra as prepotências de quem censura ou dá instruções aos censores.
A este respeito nunca mais poderei esquecer que há muitos anos publiquei num jornal um artigo sobre os primeiros tempos da acção portuguesa na Índia. Na versão original do artigo escrevera que os homens que embarcavam para o Oriente nas armadas da Índia iam ganhar a vida na aventura.
Veio o artigo da censura com esta prosa cortada, e eu próprio fui reclamar ao tenente-coronel que me atendeu. Em primeiro lugar, o tenente-coronel estava absolutamente convencido de que toda a gente fora para a Índia exclusivamente para dilatar a fé e o império, em segundo lugar, e na opinião do tenente-coronel, ficava mal a Portugal que se não tivesse ido para a Índia exclusivamente para dilatar a fé e o império, em terceiro lugar, não convinha dizerem-se tais coisas, porque estavam na forja os primeiros passos da questão de Goa Perante aquela aberante e fóssil reencarnação do brigadeiro Chagas, creio que regressei, consternado, dizendo coisas justamente desagradáveis do tenente-coronel e da sua prepotência, mas não da sua ignorância, porque se não pode exigir a um tenente-coronel do século XX que conheça a história da Índia no século XVI.
O remoto episódio poderia ter-se repetido há dias em Lourenço Marques, se eu não tivesse preferido rir-me e encolher os ombros. Foi o caso que uma folha local publicou um artigo meu sobre a ocupação de Lourenço Marques pelos holandeses do Cabo (que são hoje os sul-africanos) no 1 º quartel do século XVIII.
No desenrolar da manobra falava-se de uma conversa que os sul-africanos tiveram com um escravo negro português fugido, que lhes forneceu informações. A censura entendeu dever subtrair à história, por sua alta recreação, as três linhas referentes à conversa do escravo o que a censura local não sabe é que o artigo foi integralmente extraído de um livro editado pelo Estado.
Estes dois episódios ligeiramente burlescos e insignificantes passaram-se comigo, mas com a censura de Moçambique é público que se passam coisas de verdadeira comédia e verdadeiro escândalo. Assim entendeu a mesma censura que um artigo meu sobre a incapacidade dos sul-africanos do século XVIII para se entenderem com os povos de Lourenço Marques quando a ocuparam não podia sair com o título de «Miséria e Trabalhos em Lourenço Marques».
A minha intenção de divulgar as alheias ambições históricas e o sacrifício que tem sido defender aquelas terras dos apetites alheios são irrelevantes para uma censura divorciada de intuitos educadores. Tanto assim que num jornal visado pela Comissão de Censura de Lourenço Marques o mês passado podem ler-se estas duas edificantes anedotas. Numa
A Sr ª Smith, de Londres, chama seu filho, um jovem efebo de cabelos louros e olhos de gazela.
- Bob, já fizeste 25 anos e é tempo de ires pensando em te casar. Não há ninguém a quem gostarias de unir o teu destino?
- Bem. Não digo que não.
- Vamos, fala, eu sou tua mãe!
- Gostaria de viver com Peter!
- Como! Não tens vergonha? Peter é católico!
Noutra
A senhora que regressa do mercado precipita-se para seu marido, que lê tranquilamente o seu jornal, sentado numa poltrona.
- Querido, é terrível, estava no elevador um teddy boy que me pôs uma faca ao peito dizendo «Ou te violo ou te mato!».
- Ah! E então!
- Pois Eis-me aqui!
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Esta pornografia foi visada pela Comissão de Censura de Lourenço Marques!
Há, todavia, outras coisas que me apraz oferecer ao regalo da Câmara Parece que certas autoridades constituídas em Moçambique são alérgicas à liberdade crítica que é apanágio dos, Deputados, o que não é de estranhar, porque a cada um é lícito sofrer das suas doenças. A censura é uma dessas entidades, pois já uma vez foi afirmado publicamente por palavras, e confirmado por escrito, num periódico de Moçambique, que a censura provincial abusivamente limpava os discursos dos Deputados como ceifeira em seara madura.
O Sr. Soares da Fonseca: - V. Exa. a dá-me licença?
Mas as autoridades de Moçambique impedem que um Deputado fale aqui quando quiser?
O Orador: - Não foi isso que eu disse.
O Sr Soares da Fonseca: - O que as autoridades impedem é que um Deputado diga lá o que quiser.
Mas um Deputado, enquanto escreve lá, não é um Deputado, é como um jornalista qualquer.
O Orador: - Dá-me licença que eu prossiga?
O Sr Soares da Fonseca: - V. Exa. é que está no uso da palavra, eu, é que tenho de pedir licença e V. Exa. pode não a dar.
Semelhantemente quanto ao relato eventual do que se disser aqui e que no Diário das Sessões é completo.
Pode aceitar-se discussão sobre se deve ou não haver censura e sobre se ela deve funcionar desta ou daquela maneira e ainda sobre se, dentro do critério adpotado, funciona ou não, na prática, criteriosamente.
Mas, dentro do princípio da sua existência, o problema suponho ter de pôr-se como deixei referido.
O Orador: - É certo que estou farto de ouvir dizer que nem os discursos do Sr. Presidente do Conselho ou do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros escapam às chamadas operações de limpeza, como se neles houvesse expressões absolutamente terroristas. Não posso, pois, queixar-me de que os discursos proferidos por mim nesta Câmara, perante a honrosa atenção de V. Exa. e dos ilustres Deputados, tenham sido objecto de tratamento tão igual e cuidado, como foram.
E evidente que me sinto honrado com tão distinta companhia. Com efeito, o meu discurso sobre «As duas ópticas do Plano Intercalar de Fomento» foi operado de urgência em Moçambique a toda a longa parte final, como se sofresse de apendicite aguda e infecciosa. Somente que toda a matéria extirpada, fora algumas débeis considerações de minha lavra, era a pura cópia textual de um trabalho mandado fazer pela Administração de Moçambique, especialmente para os planos de fomento, a pessoas escolhidas por ela e residentes na província, trabalho que foi impresso em Lisboa pelo Estado, circula e constitui um notável estudo preliminar.
Outro discurso aqui proferido sobre «Desporto à escala nacional» foi tão violentamente agredido e mutilado pela censura de Moçambique que se tornou de todo impublicável, segundo informações que tenho. Um último discurso de «Comentário à Lei de Meios» parece ter caído automaticamente no índex, suponho que em razão da minha pessoa, como era corrente acontecer nos áureos tempos da Real Mesa Censória, pois não descubro outra razão.
Ao trazer estas histórias ao conhecimento da Câmara não quero de modo algum, formular qualquer reclamação à Mesa sobre a minha experiência no caso. O que me preocupa é a violação dos direitos constituídos e consignados. Aliás, seria redundante fazer qualquer mínima defesa do direito de inviolabilidade pelas minhas opiniões nos termos, constitucionais e regimentais.
Acontece até que na matéria estou em posição de privilégio em relação, por exemplo, ao Sr. Presidente do Conselho e aos Srs. Ministros, porque não há nada na lei que diga que os seus discursos não podem ser censurados, ao passo que eu beneficio de uma garantia especialmente expressa. Simplesmente, não é respeitada, e concretamente não o foi em Moçambique, não sei se por se contar com o espírito de renúncia e abdicação que estas sistemáticas violações fomentam, porque as pessoas se sentem impotentes perante a prepotência, não há para onde apelar, não há para quem apelar, e a psicose do medo tem muita força quando começa a actuar nos espíritos indefesos, cujos instintos de conservação social os obrigam a recuar perante o dever cívico.
Aqui fica, pois, o problema posto à consciência de quem quer que seja, que, pela sua posição política, moral e cívica perante a Nação, possa ter a consciência do problema e o poder de resolvê-lo. Por mim não me queixo, não peço justiça não protesto sequer qualquer indignação que não sinto, nem invoco quaisquer direitos, porque apenas conheço os meus deveres que são efectivamente muito pesados. O problema não me pertence. Sou a testemunha que depõe e conta o seu caso.
A censura de Moçambique que tem censurado e cortado os discursos que pronuncio nesta Assembleia Nacional no pleno exercício das minhas funções de Deputado pelo círculo eleitoral daquela província, continuará a impedir que o eleitorado tome conhecimento do que digo em nome dele, mas não tenho nada com isso, porque não está na minha mão evitar que o poder exorbite, e não cumprindo os seus deveres impeça os outros de cumprir os que também lhes estão confiados.
O Si Presidente do Conselho provou há dias que os Deputados são livres a discutir e votar e afirmou uma verdade elementar e incontestável. Mas para que a liberdade do Deputado se exerça plenamente e não fique confinada às paredes desta sala ou arquivada para efeitos históricos nas páginas do Diário das Sessões é preciso que a população a sinta exercida e tome conhecimento, através da imprensa, do que se diz em seu nome, ela que de quatro em quatro anos, pelos seus eleitores, é chamada a eleger os seus Deputados para isso mesmo.
Se, como diz o Sr. Dr. Castro Fernandes, antigo e novo ilustre presidente da União Nacional, «as palavras significam em política a primeira forma da acção», é porque elas são precisas e são indispensáveis. Mas, por isso mesmo, não podem ser iludidas, escamoteadas, deturpadas, censuradas. As palavras têm um valor exacto e têm um valor potencial, porque têm poder criador. Mas num dado problema não podem ser ambivalentes nem, portanto, conterem simultaneamente um sentido lícito na metrópole e um sentido ilícito em Moçambique, porque a Nação é só uma e os problemas de uma das partes interessam a todas as mais com ela solidárias
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que pergunto se é com discriminações segregadoras desta ordem, que com o tempo e a habituação conduzem aos desfasamentos mentais entre os vários conjuntos da Nação de modo que uns dizendo «alhos» entendem os outros por «bugalhos», e nascem ao cabo as incompreensões irredutíveis, que se quer criar o espírito de integração nacional espírito que antes de
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se converter em realidade é preciso acarinhar como um pressuposto moral e só pode espontâneamente brotal das realidades cívicas da Nação, pelas quais a metrópole é indeclinàvelmente responsável, visto ser a única vara da justiça que pode actuar no ultramar.
Tenho dito
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito relativas a 1963.
Tem a palavra o Sr Deputado Moura Ramos.
O Sr Moura Ramos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Com a regularidade e pontualidade a que nos habituou o Prof. Oliveira Salazar, desde que a Nação o chamou ao Poder para pôr em ordem a Casa Lusitana, foram publicadas as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1963, em que se podem determinar e apreciar as circunstâncias de ordem interna e externa que, naquele período de tempo, dominaram a vida financeira do Estado e do País.
Sobre tão importante trabalho do actual Ministro das Finanças, Prof. Pinto Barbosa, incidiu o parecer de que é relator o Sr. Engº Araújo Correia, parecer que constitui um extenso, sério e bem elaborado documento que nos permite analisar os múltiplos aspectos e evolução dos problemas da economia pública do nosso país. Usando uma linguagem acessível mesmo àqueles que, como nós, não são técnicos de contas, o Sr Eng º Araújo Correia produziu neste parecer mais um notável trabalho, idêntico a tantos outros que a sua esclarecida inteligência, superior visão dos equilíbrio e bom senso nos tem oferecido.
Bem merece S. Exa. o reconhecimento e de todos nós pela lição magnífica que nos dá sempre que relata o parecer das Contas Públicas.
Pela segunda vez nesta legislatura interveio no debate sobre as Contas Gerais do Estado. E faço-o consciente dos princípios políticos que professo e orientação que, de harmonia com a formação ético-religiosa, tracei para a minha actuação parlamentar.
Aqui estou, pois, sem outras limitações que não sejam as que deixei apontadas.
A análise da administração pública é, entre nós feita nas duas grandes oportunidades que se lhe deparam - quando se discute a Lei de Meios e agora das Contas Públicas.
Como já aqui foi dito por V. Exa., Sr. Presidente, é este um dos momentos mais altos para uma ampla e útil tomada de contacto da Assembleia Nacional com a Administração.
Comecemos, pois.
Verifica-se agradavelmente que a gestão dos dinheiros públicos continua a fazer-se em obediência aos princípios fundamentais que, há mais de três décadas, a comandam equilíbrio das receitas e despesas ordinárias, com um saldo de 1769 contos, cobertura por empréstimos dos grandes investimentos e moralidade severa nos gastos.
Não obstante as dificuldades de uma guerra que nos foi imposta, a situação económica do País seguiu o seu curso quase normal. Sob o signo da austeridade decorreu o ano financeiro de 1963, durante o qual prosseguiu o esforço para acelerar o desenvolvimento económico, sobretudo através da realização de importantes empreendimentos englobados no II Plano de Fomento, cujo ritmo de execução contribuiu de modo decisivo na significativa expansão da formação bruta do capital fixo. Continuando equilibrado o orçamento, a balança geral de pagamentos regressou à sua posição de saldos positivos e, não obstante os encargos com os serviços militares de defesa e segurança terem sido superiores em cerca de 157 000 contos aos do ano de 1962, eles puderam continuar a ser suportados com o excesso da receita ordinária.
As Contas documentam a seriedade da obra realizada e constituem a grande prova real da verdade do equilíbrio financeiro e até da sua solidez.
Partindo do princípio de que o fomento, base de todo o progresso da Nação, é, sem dúvida, o melhor suporte da própria política de defesa, acelerou-se a política de desenvolvimento económico.
Gizado o orçamento com toda a cautela e rigorismo, a sua execução processou-se, como não podia deixar de ser, com o tacto e a prudência requeridos por uma boa administração, comprimindo despesas e criando receitas ou ampliando as existentes. Deste modo se arrecadaram mais de 2 243 600 contos do que os que se haviam orçamentado e se gastaram menos 148 372 contos do que estava previsto, o que não impediu que as despesas tivessem ainda uma progressão da ordem dos 7 por cento.
Para assegurar o necessário ritmo de crescimento económico, base de todo o progresso nacional, fizeram-se investimentos que excederam os 4 500 000 contos -mais 360 000 contos do que em 1962 - e que representam 41,3 por cento da expansão total das despesas da Administração Central.
Para accionar a política financeira assim desenvolvida utilizaram-se como meios de acção principais a revisão do plano orçamental, com medidas relativas à austeridade nas despesas públicas e criação de receitas novas, que, adoptadas como medidas de emergência constituem seguramente condição necessária para levar de vencida esta cruzada em que a Nação se encontra empenhada, mas não são condição suficiente. Mais do que nunca importa dar ouvidos aos ensinamentos de Salazar, lembrando aqui as palavras proferidas, há já 32 anos, quando definiu os conceitos económicos da nova Constituição.
Agora, como em todos os momentos críticos, é preciso escolher e saber sacrificar - o acidental ao essencial, a matéria ao espírito, a grandeza ao equilíbrio, a riqueza à equidade, o desperdício à economia, a luta à cooperação.
O ano de 1963 decorreu mau grado nosso, sob o signo do agravamento da crise da lavoura, com afectação para a grande massa de portugueses, e isto apesar de proclamados propósitos para debelar ou atenuar essa crise.
Efectivamente, pesadas nuvens continuaram e continuam ainda acasteladas no sector primário, afectando sobremaneira o nosso mundo rural, sem que se antolhem as melhores directrizes para o livrar das dificuldades imensas que sobre ele pendem e que não podem deixar de causar apreensões muito sérias.
Sem uma orientação conveniente, a agricultura portuguesa prossegue a sua marcha para as mais dolorosas provações. Ou porque não se tem querido, podido ou sabido agir em extensão, profundidade e oportunidade, o que é certo é que o resultado está à vista, patenteado numa debilidade, que parece endémica, da nossa agri-
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cultura, e que se traduz numa crise gravíssima de que só com um esforço sobre-humano conseguiremos sair.
E enquanto se buscam novos rumos e se adoptam novas técnicas, incertas e duvidosas, para se conseguir uma razoável rentabilidade para os investimentos feitos na lavoura, são postas em prática medidas governativas que mais parecem querer fazer acreditar num propósito de afundá-la do que salvá-la.
Das medidas menos felizes tomadas sobretudo pela sua inoportunidade, referiremos as do Ministério das Comunicações sobre tractores e viaturas utilizadas pela lavoura, as do aumento da contribuição predial rústica, as da taxa lançada sobre os vinhos na área da Junta Nacional do Vinho e ainda a disposição que tornou passíveis do imposto de capitais, secção B, os juros de depósitos a prazo efectuados nas caixas de crédito agrícola mútuo, depósitos esses que, em períodos menos críticos para a lavoura, sempre beneficiaram de isenção. Porque as primeiras providências já foram objecto de reparos nesta Assembleia, vamos deter-nos um pouco a apreciar a última.
As caixas de crédito agrícola mútuo, criadas há mais de 50 anos e reguladas pelo Decreto n º 5219, de 6 de Janeiro de 1919, foram consideradas estabelecimentos de utilidade pública pelas vantagens de ordem económica e social que, além de outros, como valiosos instrumentos de crédito agrícola sempre exerceram e exercem.
Realizando operações de crédito com capitais fornecidos pela Caixa Nacional de Crédito (até 25 por cento do valor matricial dos prédios cadastrados) e ainda com capitais próprios provenientes dos depósitos nelas efectuados por particulares, as caixas de crédito agrícola mútuo têm funcionado nestes últimos anos como autênticos "bancos da lavoura".
Acudindo aos agricultores não só com dinheiro do Estado, mas também com capitais depositados pelos particulares (e por esta facto mais aptas a conceder aos sócios, de reconhecida idoneidade, crédito de maneio simples e melhor ajustado às exigências actuais quando a falta de cadastro de propriedades não permita recorrer a capitais da Caixa Nacional de Crédito), têm estas instituições desempenhado acção relevantemente meritória no combate à usura. Há mesmo caixas de crédito que vivem exclusivamente do dinheiro dos depositantes, a prazo e à ordem, capitais que ali acorriam pelo facto de esses depósitos beneficiarem da isenção do pagamento de imposto de capitais, secção B.
Com a publicação do despacho de 20 de Outubro de 1964, de S. Exa o Subsecretário de Estado do Orçamento, os juros de depósitos a prazo efectuados nas caixas deixam de estar isentos daquele imposto, recaindo sobre os depositantes o seu pagamento. Ora uma vez que o juro desses depósitos é pequeno, variando de 2 1/4 por cento a 3 por cento o máximo, e dado que os estabelecimentos bancários, não se sabe bem por que artes, oferecem elevadíssimas taxas de juros e sem correlação com os prémios de desconto, fácil se torna concluir que os titulares dos depósitos não deixarão de levantá-los, seduzidos por uma mais rendosa aplicação, o que redundará em prejuízo da pequena e média lavoura. Com a execução de tal despacho são assim prejudicados - e de que maneira! - os pequenos lavradores que vivem já tão angustiosa situação, ficando as caixas inibidas de lhes conceder o crédito que as suas explorações agrícolas, nesta grave emergência, reclamam.
Rareando os dinheiros nelas depositados, como poderão as caixas facultar aos agricultores os recursos necessários às suas explorações agrícolas e que ainda há pouco tão instantes e prementes se tornaram nas regiões vinhateiras por a Junta Nacional do Vinho, por confessada falta de fundos, ter de protelar a liquidação dos vinhos comprados em 1963? As despesas certas e imperiosas com os amanhos das terras não admitem delongas, e não tendo quem lhes conceda crédito em condições vantajosas, os pequenos lavradores - pois são sempre os pequenos os que mais sofrem - acabarão por recorrer à banca comercial, que lhes exigirá amortizações de 10, 20 e mais por cento, aos 90 dias, operações estas ruinosas para a sua débil capacidade financeira.
E falando em bancos convirá dizer da concorrência destes às caixas de crédito, pois enquanto estas só poderão receber depósitos até ao limite do seu crédito social, os bancos não têm limite algum, pelo que a execução do despacho de S. Exa. o Subsecretário de Estado do Orçamento, a manter-se, virá tornar ainda mais dura e amarga a situação dos pequenos proprietários, que acabarão por cair nas mãos de plutocracia, que o Sr Presidente do Conselho definiu um dia como sendo a "flor do mal do pior capitalismo". Ora isto não está certamente no pensamento do Governo que, instantemente, tem proclamado o seu desejo de ajudar a lavoura a sair da grave crise que a avassala.
Conviria, pois, que fosse sustada a execução do despacho citado, pelo menos enquanto durasse a situação crítica que o mundo rural atravessa.
Bem sabemos que os tempos que vivemos reclamam decisões que implicam sacrifício, que a todos se impõe, por imperativo nacional partilhar, mas não sacrifício que recaia apenas sobre a pobre lavoura, em benefício dos restantes sectores da vida económica. Ora a espaventosa prosperidade dos bancos é prova de que essa repartição de sacrifico não se tem verificado. Não se trata evidentemente, de uma política de facilidades e comodidades - pois não é fácil nem cómodo salvar a Nação das garras de todos os inimigos que, de dentro e de fora, a espreitam.
Ao tecer estas considerações anima-nos o desejo de bem servir que procuramos manter bem vivo, mesmo quando uma suposta dureza pareça transparecer da crítica aos actos da Administração.
E já agora vou fazer uns brevíssimos comentários a aspectos económico-sociais de algumas das rubricas do parecer que mais prenderam a nossa atenção.
Assim
I) Na rubrica "Hidráulica agrícola" vê-se que, enquanto subiu muito o investimento no Plano de rega do Alentejo, baixou o de melhoramento de regadios existentes. A política de cuidar primeiro dos regadios naturais existentes onde se teria de aplicar muito menos dinheiro por hectare e com mais seguros resultados, tem sido aqui defendida pelo nosso ilustre colega Sr. Prof. André Navarro Acresce ainda a circunstância de não serem animadores os resultados obtidos com as nossas anteriores obras de rega, sobretudo com as da Idanha e as do Lis, esta última já aqui posta por nós em evidência nos seus defeitos e que não trouxe para os lavradores os benefícios que os técnicos tanto apregoaram como acarretando uma maior produtividade das terras irrigadas.
Queira Deus que outro tanto não suceda com estas novas e grandes obras de rega, dado que não são nada unânimes as opiniões dos técnicos quanto à vantagem económica do regadio em culturas pobres como é o do Plano de rega do Alentejo, e oxalá que a lavoura da zona irrigada venha a ver compensados, na produtividade das culturas, os encargos do custo da obra que têm de suportar.
II) Sob a rubrica "O aproveitamento integral da floresta", afirma-se a certa altura do parecer.
É confrangedor, num país de insuficiente matéria exportável, de tão ricas possibilidades em recursos e possibilidades florestais, com uma agricultura que se
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debate em crise jamais conhecida na economia rural, o desperdício de receitas de produtos florestais, quem por transportes extremamente longos, quer por simples não aproveitamento
Também o Sr Presidente do Conselho, no seu repente e notabilíssimo discurso, se referiu à «necessidade de corrigir a fácies agrícola do País, alargando a floresta às serras nuas e aos campos que cobrimos de searas pobres»
Oxalá que ao Plano de Fomento Florestal, recentemente incrementado pelo Sr Ministro da Economia, não faltem os devidos meios, e que a lavoura venha a encontrar na florestação a compensação para os seus investimentos.
Presentemente as coisas não são animadoras, pois há queixas de que os preços pagos pelas nossas fábricas de celulose são muito inferiores aos que se praticam na vizinha Espanha, não sendo também agradáveis as perspectivas quanto ao preço das lesmas e das madeiras, nomeadamente as de pinho e eucalipto
III) Quando comenta a orgânica do Ministério da Economia, que se afirma não corresponder já as necessidades dos tempos actuais, escreve o Sr Eng º Araújo Correia
Talvez seja esta uma das razões que impediram progresso maior e melhor aproveitamento dos recursos naturais e mais desenvolvida reprodução naqueles que foram utilizados
Ora, porque efectivamente o Ministério da Economia não abarca, na sua esfera de acção, os elementos essenciais ao processo económico considerado no seu todo, não seria de criar ou restaurar o Ministério da Agricultura, ficando na sua esfera de competência o comércio lê a industrialização dos produtos agrícolas?
IV) Como um dos reflexos principais da causa da lavoura temos a emigração, cujo saldo total para o estrangeiro foi o mais elevado desde 1954 Acrescenta-se ainda que, «se fosse possível juntar-lhe a emigração clandestina julga-se que não teria termo de comparação com qualquer ano anterior»
V) Mas um outro reflexo que não é menos para considerar é o da diminuição da produção agrícola, que provocou uma súbita e grave subida do custo da alimentação, que a todos apoquenta, mas que mais afecta o funcionalismo e todos os que não puderam ver elevados os seus ordenados.
Não constitui novidade para ninguém o dizer-se que o País atravessa uma fase crucial e que nunca será de mais os esforços feitos para que consigamos vencer a crise adoptando soluções, as melhores, para os problemas que dessa crise são decorrentes
Efectivamente, ouvimos dizer a cada passei que são difíceis os tempos que vivemos E são-no, na verdade. Mas também é certo que nem sempre se verifica um acertar de passo entre as reais dificuldades sentidas e o procedimento que mais importava adoptar para lhes fazer frente, para abater ou, ao menos, esbater essas dificuldades
Contrastando com as dificuldades dos meios rurais, do funcionalismo em geral e de muitos outros consumidores, topamos com esbanjamentos em obras sumptuárias e em festanças, assistindo ao «espectáculo da riqueza que se alardeia e quase afronta pelo exagero com que se manifesta», como ainda há pouco, e com mágoas incontida, observava o Sr Presidente do Conselho
Mas isso não acontece só com os particulares - também no sector da Administração se nota tendência para os gastos desmedidos, como tivemos oportunidade de referir ao discutir a Lei de Meios para o corrente ano Efectivamente, quer pelo que respeita ao uso e abuso dos automóveis do Estado e da aquisição de alguns de custo exagerado, quer ao excesso de festas e banquetes, quer ainda à construção de luxuosos edifícios públicos e ao luxo de certas instalações públicas, e até as de previdência, verifica-se um desfasamento entre o que é e o que devia ser o comportamento de alguns sectores da Administração, que se impunha que desaparecesse, por não se coadunai com o momento de crise que atravessamos e se opor ao desenvolvimento económico do País
Quer no tocante ao emprego de investimentos, quer na lentidão e atraso no aproveitamento dos recursos existentes, quer ainda na falta de moderação em certos gastos, alardeando riqueza onde ela não existe e mostrando ostentação num momento em que a Nação sofredora e combatente precisa de uma actuação equilibrada, parcimoniosa e eficiente em todos os serviços públicos e impõe um refreamento de vaidades e gastos, tudo isto pode acarretar uma estagnação da nossa economia, quando o interesse nacional a requer dinâmica e fomentadora de riqueza para fazer face ao imperativo de defesa da soberania nacional
Já por mais de uma vez tivemos oportunidade de, nesta tribuna, referirmos a necessidade de a Administração ser comedida naquelas despesas que não satisfazem necessidades essenciais à vida da Nação, devendo todos os esforços ser neste momento convergentes para o aumento de produtividade e, com ele, dos rendimentos nacionais e para uma melhor e mais, justa distribuição dos bens e dos rendimentos
A norma orientadora para a nossa vida pública e privada é ainda em Salazar que a encontramos Quando, em 21 de Outubro de 1929, anunciava como condição necessária de salvamento uma política de sacrifício, dizia o estadista eminente
Desta situação não havia mais que uma saída - rígidas economias para já, aumento de trabalho e produção para o futuro O Estado dá o seu exemplo - a ordem é economizar A política de economias não é senão um aspecto da mesma política de sacrifício, economizar para que não se tornem incomportáveis os encargos da Nação, economizar para que não seja desperdiçado o trabalho dos Portugueses, economizar para que seja possível, sem novos esforços tributários, a melhoria dos serviços públicos
Como em 1929, e agora mais do que nunca, convirá que o Estado dê o exemplo de austeridade nos, gastos, para que os particulares mais alegremente possam suportai os sacrifícios, em vidas e fazenda, que a defesa da integridade da Pátria exige
Na esperança de que assim venha a acontecer, dou o meu voto na generalidade à aprovação das Contas Gerais do Estado do ano de 1963
Tenho dito
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Pinto de Mesquita: - Sr Presidente Pelo que me toca, bastarão poucas palavras para justificação de voto favorável a aprovação do fecho das Contas Gerais do Estado relativas a 1963, que, com a homologação do Tribunal de Contas, se encontram sobre a Mesa, em discussão
Seguirei, nesse sentido, a orientação dos oradores que me precederam, não obstante ocorre-me formular algu-
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mas observações e sugestões a que, com propósito construtivo, tais contas possam dar lugar.
Para nos esclarecer naquele labirinto - já se vê, labirinto para leigos, aliás, bem arrumado por colunas de números - temos o recurso do primoroso relatório que o Sr Ministro das Finanças, para sua clara explicação, para elas redigiu e lhes serve de introdução, acompanhado de numerosos e elucidativos mapas.
Em seu complemento tivemos, como todos os anos, o benefício de poder acompanhar as sábias considerações que a propósito delas formulou, nos dois grossos volumes do costume, como relator da respectiva Comissão desta Assembleia, o Sr Deputado Araújo Correia.
Nesses trabalhos começaram os seus ilustres autores por estabelecer princípios introdutórios indispensáveis à conjuntura que se atravessa, descendo depois ao esmiuçar dos sucessivos diversos sectores relativos às receitas e despesas, terminando por considerações conclusivas que, no caso do parecer da Comissão desta Assembleia, consignam acharem-se essas contas, bem como as da Junta do Crédito Público, em boa ordem para aprovação.
Para SS Ex.ªs o Sr Ministro e o Sr Relator vão as minhas agradecidas felicitações, por tão prestimosas informações.
Evidentemente, o ano de 1963 foi ainda um ano crucial para se poder vencer a adversidade que contra nós foi montada, através da conjura de 1961. Os factos têm-se encarregado de mostrar que em tal borrasca o Ministro responsável pela Fazenda Pública bem merece o testemunho da nossa gratidão na sua actuação quotidiana de vigilância e correcção do leme da nau do Estado Porque não a revelha metáfora, se não vemos melhor, hoje, além de náutica, aeronáutica e até em vislumbres de astronáutica?
Um ponto há em que todos estamos de acordo disse-o lapidarmente o Sr Presidente do Conselho, no seu último discurso, ao declinar que a defesa do território nacional não se contabiliza.
O primado indiscutível deste preceito prescreveu-nos, na acção militar ultramarina que nos é imposta, como despesa extraordinária o encargo no ano de 1963 da ordem de perto de 4 milhões de contos Verifica-se, contudo, que foi possível saldar boa parte dessa despesa extraordinária com saldos das receitas ordinárias correspondentes, cuja cobrança excedeu em perto de 2 250 000 contos os previstos orçamentalmente, e isto ainda ajudado por perto de 150 000 contos de redução afinal das despesas orçamentadas.
Ora, esta possibilidade de ir saldando despesas tidas por extraordinárias, em disparidade com o que é de uso admitir-se com despesas ordinárias parece-nos verdadeiramente animadora para o futuro imediato.
Com efeito, a guerra em que nos vemos envolvidos, com as suas características de infiltrante subversão ideológica generalizada, não se figura com remate à vista e ninguém pode prognosticar o tempo que durará, pois tende a converter-se num estado permanente, a termo incerto ou seja, no plano das realidades numa situação que deve encarar-se como pelo menos relativamente estável ou crónica. Consequentemente, parece, segundo estritos princípios financeiros, que deva tender a fazer-se-lhe face, quanto a encargos, com receitas ordinárias para o efeito afectadas.
E nem se estranhe esta mobilização militar do País haver de converter-se em duradoira, como coisa nunca tendo acontecido No decurso da nossa história sofremos prolongadamente períodos destes. Toda a reconquista ibérica assim se processou, e quanto a nós, para esse efeito, se deve considerar tal o período de reconquista territorial só terminada com a ocupação do Algarve Sem nunca
perder tonus militar -lembremos o Salado -, depois de um século e meio pacífico, tivemos mais de 40 anos de guerras, de D Fernando a D João I Extensão peninsular da Guerra dos Cem Anos.
Sem falarmos na estrutura militar que as navegações e conquistas nos impuseram, sobreveio o período bélico da Restauração, cerca de 30 anos, acrescentados da dezena dos da Guerra da Sucessão de Espanha. Com a perturbação revolucionária e imperial francesa tivemos outro período guerreiro começado no Rossilhão e só fechado, mercê das subsequentes guerras civis, com o termo da Patuleia Isto é quase meio século 1
Ora, é precisamente para probabilidades desta ordem que devemos começar a preparar-nos. Isto postula, como tão a propósito o Sr Deputado Araújo Correia põe em evidência, duas dominantes uma, a da necessidade de se não esmorecer na incentivação de investimentos produtivos, outra, a de se corrigirem consumos supérfluos e sumptuários, como ainda há pouco votámos na Lei de Meios, tendência para que a nossa índole portuguesa é tão tentada. É preciso que a Nação Portuguesa vá progressivamente tomando consciência de que porfiamos numa decisiva guerra.
Sr Presidente Quanto à importância das despesas militares, na sua tão feliz intervenção nesta discussão, o Sr Deputado Sousa Meneses, com a sua autoridade de oficial ilustre do Estado-Maior do Exército, mostrou como grande parte do dispêndio militar com a defesa ultramarina regressava ao circuito interno da nossa economia. Que assim deveria acontecer, tinha sido referido em documentos oficiais, tinha-se repetido desta tribuna, mas tudo ilações vagas, sem qualquer concretização em números.
Ora, para nosso reconforto, S Ex.ª pôde trazer a esta tubuna, que o mesmo é dizer transmitir à Nação, a achega de impressionante jogo de números que nos garantem que bastante mais de metade do despendido nessa actividade bélica retorna ao ciclo da nossa economia nacional, mesmo que, por prudência, se dê uma margem para menos de 10 por cento das suas estimativas, que não abrangem a marinha e a aviação. Isto, repetimos, nos reconforta, não paia que adormeçamos e para que os imediatos beneficiários de tal redistribuição se aproveitem para efeitos de ostentação, que chocam os que se sacrificam, em sangue e fazenda, mas antes para que redobremos de ânimo para uma luta morosa, insidiosa.
Inventariando neste sentido dados concretos, não se adiantou o ilustre oficial em aludir àquilo que podemos designar por capitalização de invisíveis psicológicos, que para o povo português representa tão generalizada preparação e actividade militar Já esse aspecto tem sido focado com relevância nesta Assembleia por numerosos Srs Deputados, em cujo número me acho incluído Em todo o caso, nunca é de mais apelar para nos felicitarmos com essa conquista moral, substantiva, embora por sua natureza impossível de se contabilizar em números.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Logo abaixo do património moral de fé cristã que estruturou a Nação, e ainda, graças a Deus, a ampara e é, de certa maneira, veículo fundamental do seu desenrolar, as forças armadas têm de continuar a reclamar a primazia da atenção dos governos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em contrapartida, elas, para além mesmo do desempenho das suas funções específicas, de defesa
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da ordem e da integridade nacional, exercem, como sempre exerceram, uma função educativa das sucessivas gerações, e a que o povo português continuará a ser prontamente receptivo e grato.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sobre a actual capacidade técnica eficiência em campo do nosso Exército, a começar, como a hierarquia pede, pelos altos comandos, são eles bem dignos do reconhecimento da Nação e de este aqui se proclamar. Não é segredo para ninguém que qualificaras elementos militares estrangeiros, que, sobretudo pelo jugo das alianças, têm entrado em contacto com as nonas forças armadas, vêm reconhecendo a sua modernização, a colocá-las ao nível das nações mais bem preparadas.
Ora, é esse um valor acima das contabilidades e que por isso não pode
integrar-se na materialidade do produto bruto do crescimento económico. No entanto, continuará ele a ser sempre penhor inestimável e necessário para a defesa desta nossa pátria sem pedaços pelo Mundo repartida». Por detrás os muros da cidade, a fortaleza dos corações.
Forjadas pelas forças armadas nestas condições consecutivas gerações que ora se integram anualmente peia recrutamento na vida militar, com a pontualidade igual à da arrecadação das receitas públicas, eu confio inteiramente que havemos de ganhar a partida Efémeras efervercências estudas, explicáveis por imaturidade política excitada por astuta exploração da generosidade própria da idade juvenil, de elementos de fora, não se nos afiguram alarmantes. A reeducação dessas almas far-se-á por si nacionalmente válida através da milícia, perante as realidades vividas e mediante «a disciplina militar prestante».
Isto nada impede, antes pelo contrário, que pejas correspondentes sectores da educação nacional o problema não seja descurado ante a premência que a remordente pressão actual impõe.
Ouvi aqui falar, a propósito das Universidades, de que estas deviam ser reintegradas na pureza da sua autonomia corporativa. Mas eu, por formação intelectual precisamente corporativista, pergunto não será da Índole específica dessa concepção social a não intromissão de elementos estranhos, e por de mais antinacionais, nos correlativos corpos instituídos?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não foi precisamente pela penetração progressiva de elementos de outras classes, em particular intelectuais, nas corporações de operários construíres, que veio a operar-se na Inglaterra, em princípios do século XVIII, a transformação da maçonaria chamada operativa, na maçonaria especulativa, cuja expansão mundial e cujos efeitos políticos, embora discretos, são por de mais conhecidos? São isto lições da experiência histórica, que é sempre bom ter presentes e de que cumpre esclarecer os mais novos que entram no mundo real.
A este propósito, não posso deixar de louvar a lúcida e corajosa lição que desta tribuna, no curso da discussão, nos deu o Sr Deputado André Navarro, chamando a atenção, para além dos elementos subversivos consagrados - os bolchevistas -, para as forças internacionais da finança, da maçonaria e outras, que vêm criando tantas dificuldades à Pátria Portuguesa, como nação, e nação particularmente católica.
Sr Presidente perdoem-se-nos estas divagações, que poderão antolhar-se marginais à matéria em discussão, mas que, segundo o critério ampliativo, bem justificado, que ontem aqui formulou o Sr Deputado Rapazote, cabem perfeitamente dentro do seu âmbito, como observações, críticas, sugestões, etc, que melhor ocasião não encontram de serem desenvolvidas.
Não será preceito da maior conveniência para todos prestarem-se anualmente contas a Deus, fazendo-se contas à vida e porque não à vida nacional. E que outra melhor conjuntura para nós, Deputados, de um bom exame de consciência política do que esta da aprovação das Contas Públicas?
Sr Presidente Feitas as considerações supra, a que, por imperativos de consciência até, me não podia furtar, voltemos a concretizar, tangencialmente embora, alguns pontos para que ou a leitura do relatório e parecer citados ou o curso deste debate nos solicitam.
Reservo-me ainda para outra ocasião falar sobre as promulgadas disposições relativas ao novo imposto da indústria qualificada agrícola, que opinamos prematuras, por estarem em curso diligências construtivas de entidades competentes, para tratarem esse assunto, e a cujos juízos nos não queremos antecipar.
Outro ponto que desejamos focar é, quanto a investimentos hidroeléctricos, o da coordenada regularização dos respectivos rios para efeito da sua navegabilidade, até à fronteira, o Tejo e o Douro, e, porque não, até certa altura e, desde já, o Mondego Ao caso se refere com o devido destaque o Sr Deputado Araújo Correia, a p XI do seu citado relatório. De resto, a tradicional utilização de caminho fluvial aproveitável desses dois rios, em tempos de incrível desmantelamento, da rede de vias romanas, contribuiu para definir os limites orientais da Nação e assim, sem paradoxo, pode dizer-se que esses limites orientais têm por base o mar, que acidentalmente a limita.
Por agora quero em especial focar para o efeito o no Douro e a sua bacia
Já se vê que, sob imperativo critério reprodutivo que os nossos encargos militares sem prazo à vista impõem, esse deverá ser o inicial a executar-se. Em primeiro lugar, pelo aproveitamento da energia eléctrica respectiva, que pode como que autofinanciar o resto, em segundo lugar, pelo transporte, que facilita, dos minérios, quando feito até à Régua, de Vila Cova, quando levada até à fronteira, de Moncorvo, sem falar dos produtos agrícolas regionais exportáveis e daqueles que se torna possível incrementar pela bombagem a melhor preço da água.
O Sr Sousa Meneses: - Muito bem!
O Orador: - Disto tratou aqui largamente já nesta sessão o Sr Deputado Águedo de Oliveira, com toda a competência e devoção, no que foi acompanhado pelo Sr Deputado Virgílio Cruz Tal nos dispensa de estar aqui agora a repeti-los. Apenas queremos chamar a atenção para quanto este problema vem incandescendo o espírito daqueles a que mais directamente respeita, e assim há pouco vimos debatê-lo entre os marginais dá parte superior daquele ao, dos quais nos ocorre destacar o Sr Eng º Camilo de Mendonça, cujo talento votado às coisas públicas ficou bem ilustrado nesta Casa.
O Sr Sousa Meneses: - Muito bem!
O Orador: - O mesmo assunto acaba de ser primorosamente tratado no Colóquio Nacional de Transportes em curso, particularmente pela comunicação do
Sr Engº Van
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Zeller, e o qual a comunicação do Sr Eng.º Almeida e Castro, de defesa em resistência elástica da posição de exclusivo de facto da C P , a meu ver não consegue demolir.
Certamente teia de ser uma solução de coordenação de transportes que virá a solucionar o caso.
E a propósito problema análogo virá a pôr-se quando concluída a ponte sobre o Tejo. Recordo, quando da aprovação do II Plano de Fomento, ter eu contrariado por prematura, aliás em boa sequência, essa construção. Isso não impede de com desvanecimento estético admirar hoje as linhas estruturais que dela já se desenham e que, pelo constante das contas a aprovar em fim de 1963 já tinha custado mais de 800 000 contos. Recordo, no entanto, que então defini que se viesse a construir-se a ponte se lhe atribuísse a complementai solução ferroviária.
O Sr Sousa Rosal: - Muito bem!
O Orador: - Tenho hoje o gosto de ver que efectivamente essa solução se preveniu. Agora, apesar de tudo, defendo que dentro desse critério,
Sr Presidente se não perca tempo.
Logo a seguir à construção do tabuleiro rodoviário, que o outro se complete, e os respectivos acessos, aproveitando-se, embora provisoriamente, por exemplo, as estações de Campolide e do Rossio que já estão feitas Depois se fará o resto.
Agora se se põe à espera da aprovação da urbanização camarária, e de prover aos encargos financeiros que uma nova estação dessa natureza implica, então, sem armar em difícil pitonisa, estou convencido de que os caminhos de ferro transtaganos ardem, pela concorrência rodoviária a que o público se habituará com prontidão.
O Sr Sousa Meneses: -Muito bem!
O Orador: - Já se vá que sobre o Estado, que por muitas razões, a começar pelas militares não pode prescindir dessas estruturas de viação, sobre o Estado, repetimos, cairão agravados os respectivos encargos. Este o meu fácil vaticínio
Sr Presidente Quereria ainda responder a algumas considerações do Sr Deputado Nunes Barata, não quanto ao essencial das suas considerações sobre o ensino como elemento motor do progresso indispensável ao nosso desenvolvimento, com que inteiramente concordo, mas quanto aos desdobramentos, que propõe, de algumas escolas superiores e que me impõe reservas.
Interferindo no seu discurso, defini suficientemente o meu modo de ver quanto à matéria Noutra altura o farei, se disso tiver oportunidade.
E assim termino dando interna aprovação às Contas Públicas de 1963 sobre a Mesa.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debata continuará na terça-feira, dia 23 sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
Srs Deputados que entraram durante a sessão.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Moreira Longo.
Armando José Perdigão.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
James Pinto Bull.
João Bocha Cardoso.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Pinheiro da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Férrea.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D Mana Irene Leite da Costa.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs Deputados que faltaram à sessão.
Agnelo Orneias do Rego.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel Pires.
José dos Santos Bessa.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Virgulo David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó
O REDACTOR - Leopoldo Nunes
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA