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REPÚBLICA PORTUGESA

SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 196

ANO DE 1965 2 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 196, EM 1 DE ABRIL

Presidente: Ex.mos Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadeia de Oliveira

SUMARIO: -O Sr Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi autorizado o Sr. Deputado Martins da Cruz a depor como testemunha na Policia Judiciária.
O Sr Presidente deu conhecimento à Assembleia de estarem na Mesa os elementos requeridos ao Ministério das Obras em 21 de Março findo pelo Sr Deputado Cutileiro Ferreira, a quem foram entregues.
O Sr Presidente, interpretando o sentido e a emoção correu o Pais a propósito do afundamento do rebocai, e dos temporais em Cabo Delgado, anunciou que ficaria exarada na acta um voto de profundo sentimento.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Júlio Evangelista, para se referir a tragédia do afundamento do Rio Vez na barra de Viana do Castelo e às providencias a tomar para evitar desastres semelhantes, José Manuel Pires, para agradecer, em seu no Deputados por Moçambique, o voto de pesar da Câmara pelos temporais que assolaram o distrito de Cabo Delgado, [...] Navarro, acerca da recente conferência de imprensa do Economia, Dr. Correia de Oliveira, Francisco António da Silva, que igualmente se congratulou com as declarações do referido membro do Governo sobre problemas da agricultura, e Mário Galo ainda sobre as declarações do Sr. Ministro da Economia nos aspectos ligados a industria.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei acerca do regime jurídico dos acidentes e doenças profissionais.
Usaram da palavra os Srs Deputados Santos Besso e Sousa Birne
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutes
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs Deputados

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Fana.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira
Artur Alves Moreira
Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado
Belchior Cardoso da Costa
Bento Benoliel Levy.

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Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela de Oliveira
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho
Manuel Colares Pereira
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Correia
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel de Sousa Rosal Júnior
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo
Olívio da Costa Carvalho
Paulo Cancella de Abreu
Quirino dos Santos Mealha.
Bui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes

O Sr Presidente: - Estão presentes 76 Srs Deputados Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 25 minutos

Antes da ordem do dia

Deu-se conta ao seguinte

Expediente

Carta

Do presidente do conselho de administração da Sociedade Industrial de Penteação e Fiação de Lãs, S A R L , acerca de uma intervenção do Sr. Deputado Ubach Chaves na sessão de 15 de Dezembro último

Telegrama

A apoiar a intervenção do Sr Deputado Moura Ramos sobre assuntos de panificação
O Sr Presidente: - Está na Mesa um pedido da Polícia Judiciária para o Sr. Deputado Martins da Cruz ser autorizado a depor naquela Polícia Ouvido o Sr Deputado Martins da Cruz sobra a matéria, declarou que não via inconveniente para o exercício dos suas funções de Deputado em que fosse autorizado Nestes termos, ponho o problema à consideração da Assembleia
Consultada a Assembleia, foi concedida automação
O Sr Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas relativamente ao pedido formulado pelo Sr. Deputado Cutileiro Ferreira na sessão de 9 de Março findo e que respeita a construção da estrada E4 no troço que atravessa o distrito de Évora
Vão ser entregues aquele Si1 Deputado
Pausa

O Sr Presidente: - Srs Deputados Como intérprete do pensamento e da emoção que percorre toda a Nação Portuguesa, entendo que não devo deixar de traduzir o profundo sentimento que resulta das desgraças do Rio Vez, em Viana do Castelo, e das desgraças ocorridas em Moçambique, em Cabo Delgado
Ficará exarado na acta o sentimento da Assembleia, que é o sentimento vivo, profundo, da Nação
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr Deputado Júlio Evangelista

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr Presidente Acaba V. Ex.ª de declarar, como intérprete desta Assembleia, que mandará exarar na acta da sessão de hoje um voto de pesar pelos trágicos acontecimentos ocorridos no Norte de Moçambique e na barra do Minho Vou, com a permissão de V. Ex.ª, acrescentar duas palavras, como Deputado por Viana do Castelo, que traduzam e interpretem o sentimento da gente da minha terra.
O País seguiu, fundamente impressionado, o noticiário referente à tragédia que ocorreu com o rebocador Rio Vez, anteontem, à entrada da barra de Viana do Castelo Rapidamente tragado pelo mar, incapaz de vencer as vagas, o Rio Vez afundou-se, e oito homens ali perderam a vida, sem ter sido possível salvá-los Implacàvelmente, consumara-se mais uma tragédia na barra de Viana
Três homens que estavam no batelão rebocado pelo Rio Vez assistiram à alucinante cena, incapazes de poder ajudar os companheiros, e em sério risco de eles próprios serem também devorados pelo mar revolto De terra, tudo eram olhos ansiosos, esforços multiplicando-se, num extraordinário impulso de solidariedade, aquela solidariedade que, nas horas de dor, sempre vincula a nossa gente Tudo inútil A tragédia consumara-se, e só ao fim de quinze horas foi possível salvar os três homens do batelão Os oito tripulantes do Rio Vez levara-os o mar, e ali encontraram a morte, em frente da barra da sua cidade natal, no mesmo ponto onde tantos dramas têm, infelizmente, ocorrido
Está de luto a cidade de Viana do Castelo, anda a tristeza nos olhos e nos corações da gente ribeirinha, e na Capela de Nossa Senhora da Agonia - cujo altar tem o

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sabor a sal, de tantos lágrimas vertidas pela gente da ribeira - mais umas tantas viúvas e alguns órfãos irão chorar este versículo do martirológio daquela cidade marinheira.
Da maneira como decorreram e se frustram as operações de salvamento, verificou-se que o apetrechamento de socorros marítimos se revelou insuficiente, devendo o Governo remediar com decisão e energia esta falta há muito sentida Também os bombeiros de Viana do Castelo, que tão abnegadamente se comportaram, carecem de material à altura das responsabilidades de uma corporação que, não raras vezes, tem de intervir em acidentes no mar.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - É a oportunidade, neste rescaldo da tragédia e com uma cidade inteira de luto, de anelar para o Sr Ministro do Interior no sentido de, semi perdas de tempo, que podem vir a custar mais vidas, dotas corporações de bombeiros de Viana do Castelo dos meios indispensáveis a uma acção eficiente.
Sabemos que _ se encontra em estudo, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, todo o problema da barra de Viana do Castelo, problema número um da cidade, que há tantos anos é trazido a esta Assembleia por ilustres Deputados vianenses. Este estudo é, sem dúvida, elemento essencial para qualquer intervenção séria e definitiva do sector das obras públicas na barra e no porto, que sabemos merecer a melhor atenção do Ministro Arantes e Oliveira, para quem apelamos também neste momento de dor.
Estas palavras nada mais pretendem, Sr Presidente, do que ser a expressão do luto que avassala a cidade cabeça do meu distrito. Mas pretendem também que seja feita qualquer coisa de útil e de valido. Há oito famílias que ficaram sem chefe, há viúvas e órfãos, há porventura privações e carências de varia ordem. Por isso, lembro ao Sr. Ministro da Saúde e Assistência o imperativo de mandar socorrer aquela gente, designadamente através de actuação imediata do Instituto de Assistência à Família Apelo também para a Junta Central das Casas dos Pescadores, a cujos destinos preside o nosso querido colega almirante Tenreiro, para que averigúe da situação em que ficaram aquelas famílias e lhes preste assistência Supomos que as vítimas não estarão propriamente abrangidas pela previdência dos pescadores, mas trata-se de gente do mar, em qualquer caso, e, quando as alturas surgem, não importa saber quem se deve ajudai, importa, sim, ajudar]mesmo, a tempo e horas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As vidas dos que morreram já não está na mão dos homens refazê-las. Mas pode estar na mão dos homens fazer alguma coisa para minorar o sofrimento dos que ficaram. Assim esperamos que aconteça nesta caso.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr José Manuel Pires: - Sr Presidente A minha afectividade de romântico impenitente sentiu-se profundamente tocada pela sinceridade espontânea com V. Ex.ª quis associar-se e associar esta Câmara à profunda dos Deputados por Moçambique em virtude tragédia que enlutou as populações portuguesíssimas distrito de Cabo Delgado
A Natureza inclemente parece ter conjugado todos os esforços para enlutar a vida calma e sossegada daquelas populações, que, com o suor do seu rosto, fizeram com que aquela parte de Moçambique se transformasse num rincão de vida sadia e produtiva para enriquecimento dessa província.
Creio que o Governo da província terá tomado a esta hora medidas sadias para resolver todos os problemas angustiosos dessas populações sem lar. E tenho a certeza de que, num movimento de perfeita solidariedade nacional, o Governo da Nação envidará todos os seus esforços para que aquele distrito, tão maltratado pelas forças inclementes da Natureza, volte à sua vida de perfeita normalidade
Muito obrigado, pois, Sr Presidente, em meu nome e no de todos os meus colegas Deputados por Moçambique, por querer V. Ex.ª associar esta Câmara ao luto da população de Cabo Delgado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só assim se compreende que a Nação una e indivisível sinta agudamente todos os seus problemas, sejam da Timor, Algarve, Cabo Verde ou de qualquer parte do território nacional.
Nós temos, na verdade, como ninguém, o estranho dom das lágrimas, como disse o crítico Moniz Barreto, capazes de sentir, como ninguém, todas as dores alheias e de lhes prestar o nosso contributo sempre que seja preciso
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado

O Sr André Navarro: - Sr Presidente e Srs Deputados Desejo, hoje, Sr Presidente e Srs Deputados, fazer apenas sucinta nótula política, referindo o eco que criaram no ambiente público, especialmente no meio agrícola, as palavras autorizadas do ilustre Ministro da Economia na sua primeira comunicação ao País, exposição que definiu como despacho n.º 1 do seu novo e árduo trabalho governamental.
Já é longo, como disse o ilustre Ministro, o caminho percorrido, nestes últimos decénios, pelas actividades económicas da Nação. E não constitui hoje segredo para ninguém que começa já a interessar largamente ao capital estrangeiro o ambiente favorável da economia nacional, especialmente no domínio das actividades manufacturarias, o que revela, por um lado, o valor da potencialidade disponível neste sector - energia, matérias-primas e mão-de-obra - para novas e rasgadas iniciativas e, por outro, o aspecto, não menos de salientar, das condições já significativamente favoráveis de certas infra-estruturas próprias para a implantação de novos núcleos de desenvolvimento económico.
Pode, assim, antever-se, como muito bem salientou o ilustre Ministro, o progressivo crescimento económico por integração e harmonização das actividades e interesses no conjunto do espaço português e como corolário a redução acentuada das actuais assimetrias espaciais, mal antigo responsável por desníveis, mais ou menos gritantes, das condições de existência das populações que habitam os territórios de aquém e de além-mar
Este aspecto é de especial relevo nas zonas rurais, especialmente naquelas onde a mesologia e características deficientes das infra-estruturas tornam mais aleatória a cultura da terra, diminuindo, por forma dignificante, a rentabilidade das explorações. Por isso, as palavras de fé e de esperança nos destinos das populações que cultivam

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os nossos campos ditas pelo Ministro da Economia calaram bem na opinião pública, justamente alarmada pela situação grave em que se debate há longo período a agricultura nacional.
Já a palavra de ordem tinha sido dita antes com a oportunidade de sempre por S. Ex.ª o Sr Presidente do Conselho, quando afirmara, em notabilíssimo discurso, recentemente pronunciado na sede da União Nacional, que a produção agrícola, especialmente daqueles géneros fundamentais à alimentação do povo português, devem ter protecção especial - seguro que a Nação tem de considerar na defesa dos superiores interesses das populações do Pais.
É nesta orientação, que podemos definir como básica, e a que nunca se deveria ter fugido no delineamento da política económica do departamento da Economia, haverá que auxiliar sem demora a reconstrução da economia agrária das extensas regiões afectadas por condições adversas do meio climático - caso particularmente generalizado nos territórios de pão do Centro e do Sul do continente português. E, digamos mesmo, sem exagero, que é tão valiosa para a vida nacional a protecção desta fazenda como o torrão pátrio que as heróicas forças armadas têm defendido no ultramar, dando ao Mundo exemplo dignificante de que só agora se começa a aperceber o valor da sua larga projecção mundial.
Disse ainda, lapidarmente, o Sr. Presidente do Conselho, ao traçar, com aquele sentido de antevisão que lhe dão imparidade como gestor dos negócios do Mundo, o rumo da Nação Portuguesa, neste momento crucial que a humanidade atravessa

Aumentam, extraordinariamente, com o trabalho e os recursos da técnica, os produtos para as necessidades do homem, talvez pudéssemos dizer que para todos bastariam, em nível modesto da vida. Pois a pobreza parece apertar cada vez mais aflitivamente os homens e há miséria por toda a parte, mesmo entre os países mais desenvolvidos e ricos. E assim parece que ou nos extraviamos no supérfluo em detrimento do necessário ou o nosso coração se perde nos seus anseios de generosidade e não descobre a fórmula de distribuição de bens que acabe com os pobres na Terra - se é possível acabarem na Terra os pobres.

E mais adiante, mostrando os perigos em que a humanidade está incorrendo pelo predomínio da economia e da técnica sobre a suprema arte de governar os interesses dos povos, afirmou esta verdade, que muitos responsáveis pela direcção suprema das grandes nações parecem ainda olvidar

que a economia tende a dirigir a política, mas a técnica, essa, quer substituí-la. Ora, sendo a política indispensável ao governo dos povos, o facto ao pode verificar-se se a técnica for em si mesma uma política Pergunto se é.
O avanço das ciências aplicadas aos processos de trabalho abriu à produção e ao funcionamento dos serviços larguíssimas perspectivas. Isso é bem, pelas facilidades que cria e a maior produtividade que dá ao trabalho, e representa um benefício inestimável, dados os aumentos da população e a crescente complexidade da vida. É duvidoso que possa ir além disto, é sobretudo pernicioso que se tenda a converter o homem em engrenagem da própria técnica, que é para onde se caminha Até aqui a política definia o que devia fazer-se, a técnica ensinava como se devia fazer Mas se à técnica, conduzida pela ambição do desenvolvimento económico, mediante o aumento da produção, cabe pronunciar-se sobre a ordem das realizações e sobre a orientação da vida social, é ela também competente para traçai uma política, e nós sabemos bem que ideologia em tais termos a inspira.
Tem de salvar-se o homem da tentação do abismo. Ele continuará a apresentar-se-nos como ser moral por excelência, embora com necessidades materiais, o que significa haver outro mundo, dever haver outro mundo para além daquele que a técnica e a economia podem criar.

este mundo a que se refere Salazar, que homens mal avisados parecem ter esquecido, não se pode realizar na geometria das soluções artificiais que desconhecem o primado daquele amor que o desoravador da leiva vota à terra-mãe Por isso o Ministro Correia de Oliveira disse, e muito bem, e as suas palavras calaram fundo na alma de todos nós, lavradores.

somos, por princípio, nem contra a pequena propriedade, nem contra a grande propriedade Somos, antes, a favor de toda e qualquer exploração agrícola que, pela organização adoptada, pela técnica seguida e pelo capital investido, se afirme progressiva Será para esse tipo de exploração economicamente rentável que deveremos encaminhar cautelosa, mas firmemente, a nossa agricultura. Não iremos, por isso, fixai preços para que o agricultor possa continuar a produzir mal ou a produzir o que não deve Procuraremos, antes, sustentar e garantir os preços dos produtos estratégicos, de modo que o empresário seja solicitado a dirigir-se no sentido desejado e a organizar em conformidade a sua exploração Tornar possível à agricultura que forneça no mais curto pi azo a sua maior contribuição para o produto nacional é, de momento, a nossa primeira preocupação.
Só assim ela poderá sair da depressão em que se encontra e ganhar ânimo para continuar, e mais depressa, o processo de reorganização que lhe permitirá ocupar o lugar a que tem direito entre as grandes fontes de prosperidade da Nação.

São estas palavras de avisado governante que vieram reconduzir ao seu verdadeiro rumo o duro caminhar daqueles a quem compete defender, em laboriosa luta, a fazenda em que, por graça de Deus, se apoiam, desde sempre, os grandes anseios da Nação.
Por atalhos vários, todos eles conduzindo a errados caminhos, têm seguido, pelo contrário, legiões de homens, tornados, por miragens de economistas e de tecnocratas materialistas, em manadas de funcionários da terra, desinteressados, porém, pelos seus superiores destinos. Foi esquecida de facto, em tão artificiosas programações, a alma da terra-mãe, que só o espírito humano é capaz de fazer desintegrar em toda a sua infinita riqueza. E assim, neste dobrar de capítulo da história do contemporâneo, enquanto centenas de milhões, nas índias, na China, e nas Rússias e em tantas outras terras deste desvairado Mundo, onde se deixaram de ouvir as vozes do eterno, lutam, ingloriamente, sem norte, pelo mitigar da mais negra fome, paredes meias, muitos outros milhões desperdiçam o sumo da terra E, como único recurso para vencer tão grave crise, pregam os responsáveis das mais diversas ideologias a necessidade da guerra, da fome e da esterilidade para restabelecer o equilíbrio e a harmonia, que os desatinos de poucos levaram ao infinito de inúmeros

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Que seja assim, de novo, Portugal, nação missionária por excelência que abriu as portas da Renascença ao mundo moderno, a levar, na esteira de sacrifícios sem
conta dos seus gloriosos soldados, marinheiros e lavradores, que sempre o foram todos eles, a boa nova, espalhando pelos quatro cantos da Terra a palavra avisada de que o ciente e paciente desbravar da leva constitui o único segredo a desvendar para o verdadeiro progresso da civilização humana.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado

O Sr Francisco António da Silva: - Sr Presidente Apenas duas palavras me proponho proferir neste momento.
Porque represento nesta Câmara o distrito de Beja, onde a agricultura é o principal factor económico, impor-me um dever de consciência que dirija uma palavra de agradecimento e de aplauso da lavoura do Baixo Alentejo pelas desassombradas declarações do Sr. Ministro da Economia feitas há dias aos órgãos da informação.
A agricultura, que nos últimos anos tem vivido uma grave crise, sem que para ela se antevisse, a outro prazo, como se exigia, panaceia adequada, sentiu nas palavras do Dr. Correia de Oliveira uma compreensão total da sua problemática e um firme desejo de acarinhá-la, de protegê-la com medidas que permitam restabelecer a confiança nos Poderes Públicos e antever um futuro promissor.
A agricultura é ainda hoje a mais importante força económica ao serviço do País Menosprezá-la em benefício de outras actividades é trabalhar contra a económica da Nação.
Um justo equilíbrio entre as forças da produção é absolutamente necessário. Impulsione-se a industrie amplie-se o comércio, mas não se neguem à agricultura necessários para que ela possa acompanhar económico do Pais.
A agricultura, salienta o Sr Ministro da Economia, pode contribuir para «evitar a drenagem desnecessário de divisas para o estrangeiro». Mas para o fazer ela
precisa de actualizar-se, de acompanhar o processo técnico, de ser modificada nas suas estruturas, de forma que a sua produtividade aumente, e com ela a riqueza da Nação.
Isso exige não só a elaboração de um planeamento nacional e de planeamentos regionais que, com larga visão, fixem os caminhos do progresso agrícola, como ainda soluções imediatas que permitam vencer a crise actual e criar os alicerces do futuro.
A revalorização dos produtos agrícolas, o acrescimento do apoio técnico, a reestruturação dos financiamentos, a revisão dos preços dos fertilizantes, uma melhor adequação do imposto agrícola, são, em nosso modesto entender, as soluções mais instantes que hão-de permitir libertar a lavoura da sua actual depressão.
Vencida ela, como bem observou o Sr Ministro, será possível «ganhar ânimo para continuai, e mais depressa, o processo de reorganização que lhe permitirá ocupar o lugar a que tem direito entre as grandes fontes de prosperidade nacional».
Bem haja, Sr. Dr. Correia de Oliveira, pelas aias palavras, que vieram trazer à lavoura uma esperança e um estímulo.
A esclarecida inteligência e superior visão, bem patenteadas no exercício das funções de Ministro de Estado a alta competência do novo Secretário de Estado da Agricultura, Prof. Vitória Pires, a quem rendo também as minhas homenagens, são a melhor garantia de que se há-de vencer-se a crise actual e de que novos rumos, mais progressivos e mais rentáveis, hão-de ser dados à lavoura nacional, que, certamente, não regateará a colaboração que se lhe exige e que ela tão ansiosamente aguardava. Que dessa colaboração entre o Governo e os lavradores, «como se fossem um só corpo, um só pensamento e uma só acção», resulte a riqueza do País e o bem-estar dos nossos meios rurais, são os votos que formulo Direi mesmo, são os votos que todo o País formula e que todo o País tem a certeza de que hão-de concretizar-se.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado

O Sr Mário Galo: - Sr Presidente, prezados Colegas Todo. o País aguarda sempre com alto interesse as comunicações que qualquer dos membros do Governo se decida a fazer relativamente aos problemas em que os respectivos Ministérios se encontrem envolvidos - que o mesmo é dizer-se que tais problemas são os que, dos pontos de vista desses sectores, o próprio País enfrenta.
Naturalmente, uma comunicação de um Ministro da Economia assume quase sempre foros de interesse maior, o que bem se coaduna com os tempos que decorrem, tempos em que o Português olha para um Ministro da Economia como para pessoa à qual compete, pura e simplesmente, encontrar fórmulas ou situações de vida geral e especial que são correntes por essa Europa a que pertencemos, até porque muitas das nações que a compõem não se apresentam ao processo geral económico com um inventário de possibilidades de matérias-primas e outros factores como Portugal o tem, ainda que espalhadas, tais possibilidades, por vários continentes, tempos em que Portugal se vê, mais ou menos estremunhadamente, lançado em movimentos como os de integração económica, a que não estava habituado, até, talvez, porque ainda não viu resolvidos alguns problemas como os resultantes de assimetrias intersectoriais e inter-regionais, exactamente problemas para os quais as horas, os dias, os meses e os anos passam como se não passassem, como se o relógio pudesse, em qualquer altura cronológica, desobedecer às leis de irreversibilidade que o comandam ferozmente, parando ou atrasando-se a favor de vagares que persistem ou de acções que tardam, porque, a meu ver, muito do que se deve fazer haverá que, por doutrinação conveniente e exemplos flagrantes, concitar a adesão, não apenas dos «eternos privilegiados da inteligência e ou dos bens materiais», mas de toda a gente lusa, metropolitana e ultramarina, qualquer que seja a forma como já se senta, essa gente, à mesa da inteligência e ou dos bens materiais.
Porque, em boa verdade, as assimetrias não se põem apenas à escala de nações, de regiões ou de sectores, mas também à escala de pessoas, estas, sem dúvida, começando por sofrer as consequências das assimetrias às referidas maiores escalas (embora sentindo mais directa e agudamente na escala em que começam por se considerar, a escala de pessoas, o que ainda recentemente o Papa Paulo VI bem vincou em palavras suas, muito oportunas), o que, então, mais e mais deve concitar os esforços dos Governos no sentido de promoverem equilíbrios entre tudo e todos.
E, num parêntese, direi que isso nos conduz à consideração do evento - que não pode deixar de ser tido como promissor - de para o dificílimo posto que, no grupo governamental português, é o Ministério da Economia ter sido designada uma personalidade - o Sr. Dr. Correm de Oliveira - que de há muitos anos já dedica a sua acção, em planos simultaneamente teorizantes e práticos, aos problemas da integração económica à escala de nações,

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e ó o caso da adesão de Portugal metropolitano à Convenção de Estocolmo (E F T A ), e à escala dos territórios componentes de Portugal, e é o caso da introdução, em moldes de deliberação e execução, do conceito da integração económica das várias porções que dão jus à consideração de um país pluricontinental que é o nosso.
Porque se daí se infere ou não a consideração do peso enorme de responsabilidade que passa, mais (muito mais!) agora do que nunca, a estar sobre os ombros do Sr Ministro Correia de Oliveira (e até sobre os do próprio Governo), tal inferência se deixa ao cuidado de nela atentar quem quer que seja.
É que o País poderá perdoar (é o termo, no que o verbo tenha de transitivo ou não para acções ou pessoas) a uma personalidade de Governo que não resolva este ou aquele problema, quando tal personalidade não venha socorrida da experiência -no caso presente a experiência dos movimentos de integração económica e de coordenação ao mais alto nível, em pressupostos de comandos efectivos quanto aos instrumentos ou meios de acção -, mas não perdoará se tal personalidade já vier para o posto da luta pleno de tais predicados - e é o caso do Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira, exactamente o maior artífice de

Adesão de Portugal a mercados internacionais integrados, de que o tipo a que mais nos atemos é o da E. P T A ;
Integração económica do espaço português, para um todo que esteja a abstrair da sua não continuidade geográfica,
Coordenação de acções estruturais e conjunturais, no sentido, por exemplo, da bondade dos planos de fomento com que o País tem sido contemplado.

E, com isto, naturalmente, quero também dizer que é digna de toda a admiração a decisão que o Ministro Dr. Correia de Oliveira tomou de aceitar ser o Ministro da Economia em ocasião aguda como a actual Decisão que revela coragem moral de elevada estirpe!
Sr Presidente Não admirou, pois, que o País aguardasse com elevado interesse - com interesse fora do vulgar - a comunicação que, em 26 de Março findo, o Sr Ministro Correia de Oliveira, recentemente empossado na pasta da Economia, fez acerca dos nossos magnos problemas económicos.
E - não tenhamos dúvidas - a expectativa do País não foi de maneira nenhuma iludida. É que o novo Ministro da Economia focou todos os problemas da economia portuguesa - seus grandes blocos de problemas, cada bloco por seu sector, cada sector nos seus grandes delineamentos.
Bem conhecemos o acento de plena convicção que o Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira põe nas suas falas Aquela convicção que tem levado aos lugares que vem ocupando e às actuações com que tem intervindo em variados pontos de discussão, de deliberação e da própria execução em matéria económica - lugares nacionais e areópagos internacionais, nestes se tendo notabilizado por algumas tomadas de posição corajosas, cheias de oportunidade, haja em vista a forma como atacou a celebrada questão da sobretaxa dos 15 por cento lançada inopinadamente pelo Reino Unido sobre mercadorias a importar dos próprios parceiros seus na E F T A, forma desassombrada e, ao mesmo tempo, com a virtude de demonstrar que Portugal, mesmo sendo, como é, dos membros da E F T A o mais débil do ponto de vista económico, não receou verberar fortemente a atitude assumida pelo mesmo Reino Unido, exactamente o mais forte, economicamente falando, desses membros, actuação, a do nosso.
Ministro, que, como todos sabemos, foi bastante festejada pelos restantes membros.
Meus Senhores. É natural que as palavras que dedicarei à notável comunicação do Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira se refiram aos aspectos que considerou no âmbito da indústria Desejei deixar para outros dos ilustres colegas o ensejo de se referirem aos demais âmbitos para que estejam mais qualificados, de qualquer ponto de vista, com o que todos aproveitaremos, sem dúvida nenhuma. E acabamos de ouvir, com o maior prazer, a voz autorizada de dois dos nossos mais ilustres colegas referir-se ao sector da agricultura.
Na verdade, há muitos âmbitos parcelares a considerar no âmbito geral da economia nacional - e que o Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira tratou, uns e outro, por forma que todos bem o entenderam.
Posto isto, na minha condição de industrial, de presidente do Grémio Nacional da Indústria Vidreira e de director da Corporação da Indústria - que não posso dissociar da de Deputado -, quero congratular-me com o que não pode deixar de considerar-se homenagem aos esforços da indústria portuguesa prestada pelo Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira, uma homenagem que muito contrasta com palavras pelo menos de suspicácia de farta gente, que, em vez de olhar a acção da indústria portuguesa pelo prisma devido - o de que, fosse lá pelo que fosse, não ter ela partido para a via revolucionária industrial ao mesmo tempo que outros países o fizeram logo nos fins do século XVIII, princípios do século XIX-, antes olha para os industriais portugueses apenas como para uns inertes, uns comodistas e outros qualificativos do mesmo porte, esquecendo-se essa farta gente de que são constantes as referências, não apenas à contribuição em superação constante da nossa indústria para o produto nacional, mas também à sua presença, em crescendo notável, ano para ano, nas correntes da exportação portuguesa.
Com efeito, é uma homenagem prestada à indústria portuguesa grande parte da comunicação do Sr Ministro da Economia, em especial o sendo as suas expressões
Se atentarmos nos indicadores conhecidos, concluiremos que alguma coisa de novo e de consolador se está a passar no campo da indústria. E essa é, em boa parte, o resultado da formação em empresários, novos e velhos, de uma mentalidade de hoje, a afirmar querer a indústria preparar-se, técnica, financeira e comercialmente, paia discutir com a sua congénere estrangeira o lugar que lhe deve pertencer em mercado que vai muito para além das fronteiras do País. Está em pleno curso e em pleno êxito uma acção industrial.

E a homenagem que o Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira presta à indústria portuguesa encontra palavras ainda mais imponentes de significado quando chama o País a verificação dos factos com a seguinte expressão.
Importa que o País tome consciência desta realidade e nela funde razões de certeza presente e de ambição futura.
Sr. Presidente. É evidente que estas expressões do Sr Ministro da Economia não merecem apenas o agradecimento da indústria portuguesa pelo reconhecimento qualificado - e, sobretudo, claramente expresso! - da sua acção a favor do erquimento económico do País e, por sua via, sem dúvida, a favor do seu erguimento a todas as dimensões, incluindo a espiritual Agradecimento que, como industrial e em nome da Corporação da Indústria - para tanto comissionado, até pelo presidente Carvalho Seixas, da mesma Corporação -, e enquanto esta o não

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faz de forma solene, como lhe competirá, aqui deixo desde já consignado.
A par disso, direi que a indústria portuguesa, à sua Corporação, está pronta - e está-o em potencialidade, seja ela qual for - a corresponder com os seus mais firmes esforços no sentido da formação das estruturas que o progresso do País requer.
Outros dirão certamente o mesmo quanto aos sectores diferentes da indústria que concorrem também para o produto nacional e, então, para o progresso do País, e o
dirão dentro da convicção firme de que só assim se destruirão maus desequilíbrios, desequilíbrios com sectores que concorrem para o produto nacionais e desequilibrio do País com os demais membros da comunidade internacional a cujos destinos económicos estejamos ligados por convenção.
E as palavras do Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira são plenas desse reconhecimento - a envolvei este, um tácito agradecimento.
Ao mesmo tempo que tem essa noção do que já fez, sim, a indústria portuguesa tem também a noção do que lhe falta fazer no sentido da própria consolidação de posições nacionais no conspecto concorrencial que tem estado a estruturar-se, quer concorrência lá fora, nos mercados estrangeiros, alguns deles na posse de industriais estrangeiros há mais de um século - mercados esses que só agora despontam (mais ao longe do que ao perto, ainda valha a verdade) para os industriais portugueses -, quer concorrência mesmo dentro dos nossos próprios mercados internos, concorrência, esta última, tornada pelo menos aliciante para a indústria estrangeira dos países que como o nosso, integram a E F T A e que por isso aproveitam de certos desmantelamentos aduaneiros.
Acontece mesmo que o Sr Ministro Dr. Correia de Oliveira apontou vários meios que podem e devem concorrer para o fortalecimento das condições de vida funcional e concorrencial da nossa indústria. Meios que me dispenso de enumerar, até porque lidos nas palavras do Sr. Ministro da Economia apresentam outro sabor, incluindo o sabor das boas e sadias esperanças.
E são esses meios que, juntamente com certas conclusões ou recomendações emanadas de recentes colóquios havidos em Lisboa, a indústria portuguesa pensa serão postos francamente ao seu alcance para num sentido de, para além do simples diálogo (aliás sempre útil) entre Governo e industriais, se estruturar todo o conjunto de vigas mestras em que a acção do mesmo Governo e dos mesmos industriais formará um bloco único a orientar-se para o mercado interno, ao mesmo tempo que para o mercado internacional.
E se é verdade que no contexto das promessas, que, em nome da sua província da Administração - a da Economia-, e, sem dúvida, em nome de todo o Governo, o Sr. Ministro Dr. Correia de Oliveira fez na sua notável comunicação a favor da indústria portuguesa, se dizia eu, nesse contexto de promessas muito já se compreende do que à nossa indústria é necessário para ela cumprir a sua missão de ir aos mercados internacionais e de guardar os nossos próprios mercados internos, uma promessa desejaria ver o Sr. Ministro Dr. Correia de Oliveira concertar com todos os demais ilustres componentes do elenco do seu departamento -aos quais presto também as minhas melhores homenagens-, e em especial
naturalmente concertá-la com o Sr. Secretário de Estado do Comércio: a promessa de se criarem os instrumentos activos (que não meramente reactivos) que se oponham ab origine à prática nefanda do dumping nos nossos mercados internos pelos industriais estrangeiros.
É que essa prática nefanda do dumping pelos industriais estrangeiros nos nossos mercados internos é mais frequente e danosa do que muita gente sabe ou sequer pensa. E lembro-me de certa empresa das mais qualificadas do nosso parque industrial que lutou durante anos contra essa prática de indústria congénere estrangeira e que, embora expusesse superiormente as suas queixas (documentando-as!), nunca se viu atendida, ficando-se sempre na dúvida sobre se essa empresa portuguesa estaria a dirigir-se aos departamentos superiores competentes ou se se dirigia a «fantasmas» - só porque não estaria bem definida a jurisdição desses departamentos quanto à matéria do dumping, jurisdição que, parece, ainda não está bem definida,, e que precisa de o estar

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No I Colóquio Nacional do Comércio, recentemente efectuado em Lisboa, foi apresentado pelo conhecido industrial e banqueiro Sr. João IIdefonso Bordalo um estudo sucinto e notável sobre essa prática danosa para os interesses da indústria portuguesa - um estudo pertinente que bem merece que sobre ele se debrucem as nossas autoridades superiores para as providências necessárias Demais a mais havendo já publicados outros estudos de doutrina e divulgação, dados a lume pelos publicistas Dr. Jaime Tamagnini Barbosa e Prof. Guilherme Rosa, em que o dumping é posto a nu em todos os inconvenientes dele decorrentes para a economia de um país, um país que pode ser exactamente o nosso.
E, a par da defesa da nossa indústria contra a prática do dumping que a indústria congénere estrangeira queira efectivar entre nós, um outro caso desejaria destacar entre os meios que podem propiciar o incremento industrial português, este caso mais directamente ligado à outorga de estímulos ao investimento industrial pela mobilização de capitais mais ou menos receosos, mais ou menos renitentes ou relutantes exactamente o caso da posição accionista que o Estado pode tomar em empresas novas - assunto que tive a honra de tratar em recente intervenção na apreciação das Contas Públicas de 1963 e para o qual volto a pedir a atenção do Governo, no sentido de, com a criação de um fundo de posições accionistas do Estado, se promoverem vendas de acções ora detidas e relativas a empresas que já não precisam no seu quadro social da presença em pleno do Estado, para, com o produto dessas vendas, o Estado se interessar no surto ou no desenvolvimento de outras unidades fabris, e assim sucessivamente.
Sr. Presidente, prezados Colegas A finalizar as minhas considerações sobre a notável comunicação que ao País fez o Sr. Ministro Dr. Correia de Oliveira, desejo, com a reiteração do agradecimento da Corporação da Indústria pelas palavras de apreço que foram dedicadas naquele documento à indústria portuguesa, reiterar também a afirmação de que os industriais do nosso país estão todos prontos para colaborarem com quem de direito na resolução de quaisquer problemas de interesse nacional, naturalmente incluindo nisso a firme determinação de, com os demais sectores da economia do País, dos primários aos terciários, sectores privados, sectores parapúblicos e sectores públicos, se fazer desaparecer qualquer desequilíbrio sectorial e mesmo intersectorial - não esquecendo, naturalmente, o inter-regional.
E porque se destacou o interesse nacional, no seu conteúdo, portanto, geral, bem me parece que nada melhor do que assinalar que na comunicação do Sr. Ministro

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Dr. Correia de Oliveira há muito de formas e conceitos sobre isso - e que encontra o seu maior significado nas seguintes expressões de alta valia, que interessa fixar e que reproduzo prazenteiramente daquela comunicação.

Queremos afirmar às províncias ultramarinas estarmos prontos a imediatamente corrigir qualquer medida que em matéria de ordenamento agrícola, de localização e condicionamento de indústria ou de comércio não corresponda ao espírito que informa e à lei que regula o processo de integração. Não duvidamos de que igual atitude manterá sempre o ultramar.

expressões que são bem o esboço de uma filosofia político-económico-social de intercomportamento das parcelas do todo nacional Assinalemos, pois, esse estado de espírito Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado

O Sr. Presidente: -Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei acerca do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Tem a palavra o Sr Deputado Santos Bessa.

O Sr. Santos Bessa: - Sr Presidente. Na sessão de 15 de Janeiro deste ano, quando tive de intervir no debate do aviso prévio do nosso colega Sousa Birne sobre indústrias extractivas, tive oportunidade de focar, entre outras coisas, vários aspectos que entre nós assumem os acidentes de trabalho e algumas doenças profissionais, ocupei-me da nossa insuficiência no que respeita à sua prevenção e à segurança e higiene do trabalho; referi o nosso atraso quanto à preparação do médico do trabalho, e à ausência de legislação respeitante à sua admissão na empresa e à determinação da sua função dentro dela, e preocupei-me em demonstrar a necessidade da criação da futura especialidade da medicina do trabalho que tanto interesse tem merecido à Ordem dos Médicos.
Referi-me também à série de diplomas legais publicados nos últimos 30 anos, desde o Estatuto do Trabalho Nacional à Lei n º 1942, recordei os prejuízos causados ao País pelos acidentes de trabalho e pelas doenças profissionais, apontei várias deficiências da legislação actual, dei conta das nossas reuniões médicas de Lisboa e da Figueira da Foz sobre estes assuntos, e referi que havia sido com o maior prazer que tinha lido o projecto de uma proposta de lei enviada à Câmara Corporativa pelo ilustre Ministro das Corporações e Previdência Social, porque nas suas bases estavam considerados muitos dos problemas debatidos na Figueira da Foz
É esse projecto agora transformado em proposta de lei, acompanhado do respectivo parecer da Câmara Corporativa, que hoje começamos a apreciar nesta Assembleia Procura-se, por esta forma, acertar o passo com as demais nações.
A protecção social dos trabalhadores, a defesa da sua saúde, é um dever inerente à nossa civilização, é uma obrigação do Estado moderno.
Se é verdade que todos os Estados procuram estimular a produção, forçá-la pelo aperfeiçoamento das máquinas e pela adopção de novas técnicas, não é menos verdade que, a despeito do cuidado havido e dos progressos realizados, continuamos a empregar máquinas de perigoso manejo, a manipular produtos tóxicos, a não sabei evitai os ruídos, o calor, as radiações, os vapores e as poeiras, que são elementos perturbadores do trabalho, a não impedir a monotonia do trabalho em cadeia, etc., e, por estas vias, a gerar frequentes acidentes e múltiplas e graves doenças profissionais.
Obter cada vez maiores prodígios da máquina, desse instrumento diabólico, como lhe chamou Spencer, é o desejo de todos os industriais e é a preocupação de todos os economistas.
Para que isso não se faça à custa do sacrifício do homem, da sua inferiorização ou da sua morte, multiplicam-se os estudos no sentido de harmonizar o rendimento óptimo da máquina com o mínimo de prejuízo biológico do homem que a comanda, alimenta ou guia, criam-se centros especializados de vária natureza onde se estuda a protecção do homem contra os demais elementos prejudiciais que estão presentes no ambiente de trabalho e onde se prepara a orientação biológica da mão-de-obra
Por toda a parte se realizam trabalhos e se publicam diplomas legais nos quais transparecem a preocupação dominante do respeito pela pessoa humana, pela sua personalidade e pela sua sensibilidade e o desejo constante de evitar tanto quanto possível a degradação do homem pela máquina ou pelas condições em que executa o seu trabalho.
Nem todas as nações têm conseguido, nestes campos os mesmos resultados.
O Prof. Simonin, em trabalho publicado há poucos anos e confrontando o que se faz na Europa com o que viu na América do Norte, pôde afirmar, por exemplo, que os operários franceses da indústria do papel e os da fundição ferem-se ou são forçados a abandonar o trabalho 8,2 e 33,5 vezes mais frequentemente que os operários americanos respectivos. Ali, o contrôle sistemático do ambiente do trabalho e das condições em que este se realiza, a preparação técnica dos operários, a higiene do trabalho, numa palavra, têm sido objecto de constante preocupação e contínuo aperfeiçoamento.
Devemos dizer, para sermos justos, que ao longo de toda a série da nossa vasta legislação, nestes 30 anos, se tem registado uma marcha lenta para o aperfeiçoamento técnico do trabalhador, para a criação das condições da sua protecção e para uma mais justa remuneração dos prejuízos causados pelo exercício da sua actividade profissional.
O Estatuto do Trabalho Nacional e a Lei n º 1942 foram documentos de vanguarda, na altura da sua publicação. Já tive ocasião de me referir a isso e já aqui citei também parte do que ficámos devendo, nesse campo, ao Ministro Veiga de Macedo, cuja obra e cujos estudos nesse sector merecem os nossos mais vivos aplausos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A nossa legislação tem afirmado sempre, na sua progressiva evolução, um elevado sentido humano e um constante anseio de solidariedade social.
O projecto que hoje começamos a discutir afirma o mesmo sentido evolutivo. É um diploma de uma notável importância, que honra o seu autor, dá relevo a uma política e ficará a marcar uma época na organização do trabalho nacional, na protecção dos trabalhadores e na defesa dos seus direitos. Nas suas 50 bases encaram-se, simultaneamente, os acidentes de trabalho, as doenças profissionais, a reparação das suas consequências, a prevenção, a segurança e a higiene do trabalho.

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Através delas se evidencia um elevado espírito social, uma afirmação do reconhecimento de mais amplos direitos dos trabalhadores nas prestações devidas por acidente e na reparação das doenças profissionais, se amplia a aplicação de tais medidas a maior número de trabalhadores, se corrigem muitas das injustas disposições respeitantes à silicose e se reduz substancialmente o número de situações que envolviam exclusão da responsabilidade das empresas.
É um documento moderno, que demonstra que o Ministério onde foi elaborado está atento ao que vai pelo Mundo, ao que se tem passado no Bureau Internacional do Trabalho e na Conferência Internacional do Trabalho, às convenções e recomendações que deles saíram, e segue, com particular carinho, as críticas feitas ao actual sistema e os anseios expressos pelos que andam ligados a estes problemas.
É da maior justiça afirmar que o projecto sofreu franca beneficiação com as alterações propostas pela Câmara Corporativa e que foram francamente aceites pelo ilustre Ministro, como se verifica da nova redacção da proposta que tem a data de 22 de Março de 1965.
Considero-me de acordo com o alargamento do âmbito do projecto, que passa a abranger, sem restrições, todos os trabalhadores por conta de outrem, qualquer que seja a natureza do trabalho executado, seja ou não com fins lucrativos o exercício dessa actividade, haja ou não contrato de trabalho.
Com este alargamento do âmbito da proposta, relaciona-se a redução do número dos casos em que te excluía, pela lei actual, a responsabilidade da empresa e faz-se a inclusão dos trabalhadores agrícolas.
Não deixou a Câmara Corporativa, no seu douto parecer, de analisar a situação económica, de «profunda crise», em que se encontra a maioria das empresas agrícolas nacionais e as características tão particulares em que se exerce o trabalho nas pequenas empresas agrícolas do Centro e Norte de Portugal. A despeito de conhecer essas dificuldades e essas características, adiro ao princípio de seguro deve ser generalizado também a todos os trabalhadores da terra. E por conhecer essas dificuldades ser indispensável o que se propõe no n.º 2 da base XLIII.

O Sr. Carlos Coelho: -Muito bem!

O Orador: - Mas para se entender o seu significado e para que a sua letra não sofra interpretações contrárias ao pensamento que as ditou, recordo aqui estas considerações do parecer.
A Câmara sente-se, porém, obrigada a pôr em relevo a situação que vai resultar da generalização do seguro às empresas agrícolas, porque é notório o estado de profunda crise em que vive há anos a agricultura portuguesa.
Parece, por isso, perigoso impor-lhe agora encargos superiores aos suportados pelos países que, graça a melhores características de meio físico e a maior progresso técnico, tiram da terra mais rendimentos.

Referindo, depois, que o nível social do patrão e do trabalhador por sua conta é tantas vezes o mesmo, que esse patrão passaria a ser obrigado, pela letra do projecto inicial, a fazer o seguro do trabalhador deixando de cobrir o seu próprio risco, a Câmara sugere que se adopte um regime especial para este tipo de empresas, através de um seguro social obrigatório.
Desejo, porém, acentuar, bem vincadamente, que o meu acordo a este pensamento se faz com a condição de que o tal regulamento que vier a ser publicado não agrave,
de cobrir de modo incomportável, a delicadíssima situação dos proprietários rurais que são simultaneamente gestores de empresas agrícolas, nem a daqueles pobres trabalhadores da terra tomada de arrendamento que têm necessidade de recorrer ao trabalho de outros da mesma situação económica e da mesma escala social.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O conceito de acidente de trabalho fica claramente definido na respectiva base e é, segundo se afirma, a condensação da jurisprudência portuguesa em tal matéria e representa um notável avanço não só em relação ao que tínhamos, mas também face à legislação estrangeira.
Não se seguiu, porém, a mesma orientação no que toca às doenças profissionais
Estas resultam tantas vezes de uma acção lenta, repetida e duradoura, originada pelo trabalho ou pelas condições em que ele se executa, sem que seja sempre possível marcar-lhes a data do seu aparecimento e fazer a demonstração de que elas são causadas directa e exclusivamente pelo exercício da profissão.
Em vez de se definirem os elementos indispensáveis à sua caracterização, optou-se pela elaboração de uma lista dessas doenças, a cargo de uma comissão, como se encontra estabelecido na base XXV. Também aqui o projecto inicial beneficiou largamente da analise da Câmara Corporativa. Não seria de admitir que passasse a letra de lei que essa lista fosse elaborada exclusivamente pelo Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica e que não tivessem ali assento nem a Direcção-Geral de Saúde, nem a Ordem dos Médicos, nem a Corporação de Crédito e Seguros. Afigura-se-me, no entanto, ser de toda a vantagem que se lhe junte a Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais. Não faz sentido que ela seja excluída do grupo dos elementos que hão-de elaborar a lista das doenças que estão no âmbito da sua acção.
Espero que essa comissão, ao elaborar a respectiva lista, não deixe de incluir nela as que são devidas a alergias contraídas em contacto com as matérias trabalhadas ou no ambiente em que se exerce o trabalho.
As revistas e os boletins da especialidade dão conta da enorme repercussão que estas doenças vêm tendo entre os trabalhadores e dos prejuízos que elas vêm causando à economia das diferentes nações, segundo parece em assustadora marcha ascendente.

O Sr Carlos Coelho: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio

O Sr Carlos Coelho: - Esse pormenor que V. Ex.ª acaba de notar foi suficientemente realçado no curso de férias da Figueira da Foz sobre medicina do trabalho Houve aí uma notável lição de um professor universitário sobre as dermatoses profissionais. Já há, portanto, elementos que podem ser aproveitados para dar o contributo que V. Ex.ª deseja.

O Orador: - E de esperar que essa comissão não se esqueça de incluir na lista das doenças aquelas que são contraídas pelo contacto com esse material e que se desenvolvem no âmbito em que se exerce o trabalho.

O Sr Carlos Coelho: - Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª

O Orador: - São prova disso estes números publicados em 1954, na Bélgica, as diferentes doenças alérgicas,

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que atingiram 11 729 trabalhadores, originaram 181 168 dias de ausência do trabalho, com um prejuízo económico que foi computado em 1835 milhões de francos.
Em 1956, nos Estados Unidos da América, as doenças alérgicas causaram a perda de 24 750 000 dias de trabalho, acarretando um prejuízo de 40 milhões de dólares. E só no estado de Nova Iorque o prejuízo das dermatoses profissionais andou por 4 milhões de dólares.
Na Espanha, os acidentes alérgicos representam 62 por cento do total das baixas por doenças profissionais Segundo o seu Instituto Nacional de Medicina e Segurança no Trabalho, de Madrid, «num total de 100 000 baixas por doença nas indústrias do papel, das peles, do comércio, hoteleira, têxtil, de transportes, de madeiras, química, de construção e siderometalúrgicas, 62 640 dessas baixas eram devidas a perturbações alérgicas».
E de 1948 a 1954 só a indústria de padaria originou, em Madrid, cerca de 5000 casos de doenças alérgicas.
Está calculado em cerca de 30 o número médio de dias que cada um destes trabalhadores atingidos por doença alérgica profissional é obrigado a estar afastado do trabalho.
Este vastíssimo grupo de doenças, tão frequentes e tão maçadoras, que se originam nas mais variadas actividades profissionais, que já estão incluídas na legislação de tantos países como doenças profissionais, bem merece ser devidamente considerado, como tal, entre nós.
Devo salientar, por me ser particularmente agradável, a inovação da proposta no que se- refere às empresas que empregam normalmente menos de cinco empregados, os quais, através da providência agora proposta, com a criação do fundo de garantia e actualização de pensões, passam a ser abrangidos pelo seguro sem se comprometer a limitadíssima economia das pequenas explorações. É uma rasgada iniciativa, do maior alcance social e da mais inteira justiça.
Traz a proposta outra inovação que me apraz salientar - a que se refere à criação de um organismo para a centralização da direcção e coordenação das medidas de prevenção dos serviços oficiais e das empresas privadas, no qual se fará também a recolha de elementos estatísticos e a investigação das causas dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, bem como o estudo das providências a adoptar em matéria de prevenção Dada a nossa penúria em matéria de prevenção, a inobservância das regras universalmente estabelecidas, a garantia do êxito da sua aplicação e o volume extraordinariamente elevado de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, são de aplaudir todas as medidas tendentes a aperfeiçoar e a fazer cumprir as medidas de profilaxia de uns e de outros.
Como se diz no relatório e como já o recordei em conferência realizada na Figueira da Foz, de 1958 a 1962, em quatro anos, os acidentes com incapacidade temporária subiram a perto de 1 500 000 e os que originaram incapacidade permanente ultrapassaram os 164 000.
Os primeiros impuseram mais de 367 000 contos de indemnizações e elevaram a mais de 457 000 contos o que se gastou com os respectivos tratamentos.
Os segundos obrigaram ao pagamento de mais de 200 000 contos de pensões.
E será conveniente recordar o que a este respeito disse o Dr. Veiga de Macedo em 1959, ao lançar a Campanha Nacional da Prevenção dos Acidentes de Trabalho, e que se refere ao período que precede o que vem citado no relatório deste parecer.
De 1949 a 1958 registaram-se (a despeito de uma estatística incompleta, porque nem todos os casos são participados) 2 500 000 acidentes de trabalho e doenças profissionais, dos quais 1 100 000 pertenceram aos distritos de Lisboa e do Porto.

E afirmou, por cálculos feitos, que aquele número representava uma média de dois acidentes por minuto. Ora, estes acidentes arrastam, em média, 4 por mil de incapacidades permanentes e 1 por mil de mortes, e a morte ou a incapacidade permanente de cada operário corresponde à perda de 6000 dias de trabalho.
E afirmou ainda «Só em dois anos - 1957 e 1958 - morreram 1000 operários por acidentes de trabalho, logo devia ter havido cerca de 1 milhão de acidentes nesses dois anos, os quais deviam ter originado 4000 casos de incapacidade permanente», e também que, em 1957, «os encargos directos com os acidentes de trabalho, limitados a indemnizações, assistência médica e medicamentos, tenham ascendido a 200 000 contos» Esta afirmação reproduziu-a ele do Boletim de Seguros (2.ª série, 1958).
Há que juntar a isto os encargos indirectos, que, pela estimativa dos técnicos, são quatro vezes superiores aos encargos directos.

O Sr Carlos Coelho: - V. Ex.ª inclui nesses encargos indirectos as reservas matemáticas?

O Orador: - Não sei se eles incluem essas reservas matemáticas nestas quatro vezes o custo dos encargos directos.

O Sr Carlos Coelho: - É que, se não há essa inclusão, os encargos sobem muito mais.

O Orador: - Não pude apura, se estão ou não incluídas as reservas matemáticas nestes encargos indirectos, porque o cálculo não me pertence a mim. A afirmação foi feita pelo presidente do Grémio dos Seguradores.

O Sr. Pinto de Mesquita: - As reservas matemáticas entram noutros circuitos económicos.

O Sr Carlos Coelho: - Portanto, esses números são mais agravados.

O Orador: - Assim se chega a poder computar em 1 milhão de contos o prejuízo que naquele ano isso acarretou a Nação. Assim seria se toda a população trabalhadora estivesse segura, mas como o seguro não abrangia, então, senão um terço dessa população, o prejuízo real que a Nação sofreu por esta via foi muito superior a isto.
Quer dizer segundo o que referiu o Dr. Veiga de Macedo, podemos computar para os anos de 1957 e de 1958 uma média anual de 500 000 acidentes, com inutilização definitiva de 2000 operários, mas, pelo que se diz no relatório e referente ao período de 1958 a 1962, a média anual dos acidentes respeitantes somente aos que deram incapacidade temporária foi de cerca de 360 000, mas há que juntar-lhe os que originaram incapacidade definitiva Ora, a média daqueles quatro anos foi de 41 000, visto estarem referidos 164 026 casos de incapacidade permanente.
Suponho que nesse número estejam incluídos os casos de incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual e para todo e qualquer trabalho e os de incapacidade permanente e parcial Se assim é, o número citado peca gravemente por defeito Quer dizer nestes quatro anos aumentou sobretudo assustadoramente a média anual dos diminuídos físicos com incapacidade per-

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manente, passou de 2000 para 41 000 ou muito mais, se é que «inutilização definitiva» e «incapacidade permanente» significam a mesma coisa para os que recolheram as duas estatísticas. A diferença é tão grande que me leva a afirmar ter havido erro na citação. Mesmo que fossem somente os 164 026 diminuídos físicos com incapacidade permanente em quatro anos, isto é, os tais 41 000 operários em cada ano, o número de acidentes seria quase astronómico se lhe aplicássemos a taxa de 4 por mil para a inutilização definitiva. E como obteve essa taxa? Nunca consegui averiguá-lo!
Mesmo que sejam só os 2000 operários definitivamente inutilizados e 500 os mortos em cada ano só por acidentes, isso representa uma grave e assustadores sangria na economia nacional.

O Sr Alberto de Meireles: - V. Ex.ª dá licença?

O Orador: - Faça favor

O Sr Alberto de Meireles: - Eu penso que os números que V. Ex.ª está a citar são referentes a açu dos cobertos pelo seguro.

O Orador: - É evidente Porque se assim não fosse, o numero era muito maior, porque há certas que tomam a responsabilidade e não comunicam coisa alguma.
Tudo o que se fizer para reduzir este número de acidentes e o das doenças profissionais e suas consequências merece a nossa aprovação. Aliás, todo procuram aperfeiçoar e intensificar a prevenção.
Em Herdelberga foi recentemente fundado um instituto para a medicina social e trabalho.
A América do Norte multiplica centros de e tudo desta natureza.
A França inaugurou, ainda não há dois anos em Borbois, na região de Nanci, um Centro Nacional de Estudos e Investigações para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais, onde vão ser reproduzidos postos de trabalho com todos os elementos e características destinados particularmente ao estudo da fadiga e da desatenção, da influência do ambiente (da temperatura, higro-matria, da ventilação e da iluminação, do calor do ruído das máquinas e dos dispositivos de protecção). Tem laboratórios de medicina, de física, de química e de mecânica. Está em relação franca com as empresas e com os laboratórios regionais para uma cooperação constante.
É uma instituição deste género o que está base XLVI ou é uma mera centralização burocrática e estatística que se pretende criar?
Vem duplicar as funções do Gabinete de Higiene e Segurança no Trabalho, da Junta da Acção Social criado em 30 de Novembro de 1962, ou vem substituí-lo, pelo menos em parte? A pergunta parece-me pertinente, uma vez que no diploma que criou este Gabinete se afirmou que ele tem por missão fazer «investigação e estudo ordenados a um mais amplo conhecimento e divulgação dos princípios e métodos da prevenção dos acidentes de trabalho e doenças profissionais».
E no seu artigo 1.º diz-se que ele é «destinação à investigação, estudo e difusão dos princípios e técnicas da prevenção de acidentes de trabalho e doenças profissionais».
Em matéria de estudo e difusão dos meios de prevenção estamos limitados a este Gabinete, que vive ainda o período da sua primeira infância, e ao laboratório da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológico devidamente apetrechado para o estudo das poeiras e doseamento da sílica livre, e onde têm estagiado vários técnicos.
A respeito deste laboratório, da acção que tem exercido e da razão por que não foram aplicadas as medidas codificadas num decreto enviado pelo Ministério das Corporações ao da Economia fiz aqui as perguntas que me parecem justas na sessão de 15 de Janeiro deste ano, mas até agora não recebi resposta alguma.
Sobre a prevenção da silicose temos dois excelentes decretos o n º 44 308, que foi anunciado conjuntamente com o n.º 44 307, e o n º 44 537, que o regulamenta. Este último é um excelente documento, de cuja aplicação, não só à silicose, mas a outras empresas, poderiam advir extraordinários benefícios. São letra morta, como já aqui referi. Têm menos de três anos. O Decreto n º 44 537, se fosse aplicado, resolveria muitos dos nossos problemas. A despeito de tudo o que disse e do alto espírito que presidiu à sua publicação nada se faz. Foi mesmo suspensa a sua aplicação pelo Decreto n º 44 999, de 24 de Abril de 1963. Porquê? Quem responde?
Na base XI da actual proposta, a sua redacção leva-me a recear que venha a retroceder-se sobre o que já está contido nesses Decretos n.ºs 44 308 e 44 357. Receio que a regulamentação que venha a fazer-se das tais «caixas e postos de socorros» e sobre os tais «socorristas» não acautele suficientemente os direitos e a saúde dos trabalhadores.
Mantenho o que já afirmei a este respeito.
O texto do Decreto n.º 44 357 está de acordo, nas suas linhas gerais, com o texto da recomendação n.º 112 adoptado pela O I T em 24 de Junho de 1955 e que foi aceite, mais tarde, em 1959, pela Conferência Internacional do Trabalho, e na qual estiveram representados 102 países. Nela se define a função do médico de empresa e o âmbito da medicina do trabalho Nesse decreto está definida a função do médico de empresa, impõe-se às empresas, com mais de 200 operários, a obrigação de, dentro de um ano, criarem serviços médicos privativos e concede-se às pequenas empresas o direito de se associarem para criarem serviços médicos comuns correspondentes a 500 operários, quer na mesma localidade, quer em localidades diferentes. Daremos um grande passo na segurança dos trabalhadores e na redução do número de acidentes e das doenças profissionais se criarmos rapidamente à Direcção-Geral de Saúde as condições necessárias à sua perfeita execução e se estendermos a todas as empresas a doutrina deste decreto.
Ao Ministério da Saúde deve caber o encargo de estimular, orientar e executar tudo o que respeita à saúde da Nação A medicina do trabalho não deve ser excluída dessa importantíssima missão no que toca ao serviço médico das empresas, ao tratamento e recuperação médica dos doentes e lesionados e ao curso de medicina do trabalho.
Espero que na nova orgânica deste Ministério, em face de estruturação, não deixem de atribuir-se à Direcção-Geral de Saúde os meios indispensáveis a um perfeito funcionamento dos serviços técnicos da higiene do trabalho e das indústrias.
As bases XXXI, XXXII e XXXIII referem-se à carteira de sanidade, aos exames médicos de admissão e aos exames médicos periódicos, mas só para efeitos de trabalho em ambiente silicogéneo, a partir da entrada em vigor desta lei.
No n.º 3 da base XXXI diz-se, porém, que os Ministros das Corporações e Previdência Social e da Saúde e Assistência poderão determinar a obrigatoriedade do exame e da carteira de sanidade em relação a outras doenças profissionais cuja gravidade e extensão o imponham

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Parece deduzir-se daqui que os exames de admissão e periódicos e a tal carteira de sanidade só tem interesse para certas doenças profissionais. Não posso dar o meu acordo a este texto, porque estou convencido da absoluta necessidade da extensão de uns e de outros a todos os operários, não só por causa das doenças profissionais, mas também por causa dos acidentes de trabalho.
O médico de empresa tem, além da sua função propriamente médica, também uma função higiénica e técnica eminentemente preventiva.
A primeira está assegurada através dos exames de admissão, periódicos e de readmissão, isto é, de regresso ao trabalho depois de uma ausência de mais de três semanas.
A função higiénica e técnica exerce-a como conselheiro da direcção, dos chefes de serviços e dos demais dirigentes da empresa sobre a higiene geral dos operários, a higiene dos locais de trabalho e da protecção dos trabalhadores, sobre a adaptação dos operários às funções que lhes foram atribuídas, etc. Para a exercer condignamente tem de ter larga preparação especializada, conhecer a influência do trabalho e dos vários factores na produção da fadiga e na acção geradora de acidente ou doença, conhecer as qualidades psicológicas de cada operário, tem de ser elemento de relevo na gestão da empresa e tem de poder actuar com certa independência, tanto em relação ao operário como ao patrão, para poder colaborar construtivamente na defesa dos interesses de um e de outro.

O Sr Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, ouso chamar a atenção de quem tiver de regulamentar estas bases XI, XXXI, XXXII e XXXIII para estes pontos, que julgo da maior importância.
Sr. Presidente. Não quero exceder o tempo regulamentar Por isso, por aqui me fico nestes apontamentos que se referem aos aspectos médicos mais salientes desta proposta e que tanta importância têm para a saúde dos trabalhadores e para a economia da Nação Todos eles estão na ordem do dia das preocupações do conselho geral da Ordem dos Médicos. E não só estes como também os que respeitam ao curso de medicina do trabalho, à criação dos centros de medicina de empresa, aos centros de investigação, à criação da própria especialidade e à organização da escola nacional de saúde pública, que tão Intimamente com eles se prende.
Dou o meu voto a esta proposta na sua generalidade, desejando que a regulamentação da lei se faça dentro do mais curto prazo possível e que. Ordem dos Médicos não deixe de ser ouvida sobre todos os aspectos de ordem profissional que ela forçosamente envolve.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Birne: - Sr Presidente Eu peço a V. Ex.ª licença para iniciar a minha intervenção por uma simples e curta «nota preliminar»
Muito se lamenta o País, porque muito vem sofrendo, da fortíssima corrente emigratória para a Europa central, que lhe está a mutilar gravemente o legítimo anseio de uma expansão económica intensa, e de que tanto carece, fortíssima corrente que, por sobre o elevado número que cerceia, exerce a selecção de lhe incidir sobre todos os seus homens dinâmicos e mais válidos O fenómeno desdobra-se em dois, de significados inteiramente diferentes um, que constitui propriamente «um fenómeno natural», o outro, que constitui «um fenómeno provocado ou artificioso», para o não definir com outro nome.
O fenómeno «propriamente natural» teremos de o admitir e cumpre-nos humanamente suportá-lo enquanto o não soubermos ou não pudermos legitimamente remediar.
A este, por várias razões, entre elas a considerada defesa dos próprios interesses materiais e morais dos seus povos que emigram, compete ao Governo orientá-lo, coordená-lo e mesmo promovê-lo, e o Governo assumiu já essa competência.
Quanto propriamente ao «fenómeno artificioso», exige o número de vítimas que já ocasionou e continua a ocasionar, quer em mortes, quer em danos morais e materiais, e exigem o prestígio interno e ainda mais o prestígio externo do País que esforçadamente e sem tréguas seja altamente reprimido e combatido.
É responsabilidade criminosa dos engajadores e é traição aos altos desígnios do País o aliciamento que exercem por essas terras fora - e em quase todas as vilas e aldeias, mais remotas que sejam, há membros de quadrilha-, o aliciamento que exercem, repetimos, sobre homens e sobre rapazes, cheios de aspirações e de credulidade também, e aos rapazes de 18 e 19 anos, incitando-os - e do facto constituem tentador motivo de propaganda - à fuga ao cumprimento do dever militar, mais sagrado ainda nesta altura crucial da Pátria.
Com promessas que não cumprem e com contratos que são falsos, os engajadores empurram esses homens e esses rapazes fronteira fora de qualquer forma, sem o menor rebuço pela vida de inferno em que os metem, depois de os terem espoliado, cobrando por um modelo de viagem atribulada, quase sem gastos, quantias de 12 a 14 contos, acrescidas ainda da importância suplementar de 2 contos se o cliente pretende um passaporte, que lhe entregam e é falso.

O Sr Brilhante de Paiva: -Muito bem!

O Orador: - Este é o fenómeno artificioso de emigração, dos dois, de longe, o de maior intensidade, que assim manda muitos portugueses para a morte, para a cadeia, para a mendicidade, para a miséria e para a exploração a que se prestam os fora da lei.

O Sr Brilhante de Paiva: - Muito bem!

O Orador: - Lá fora este fenómeno reveste-se de aspectos os mais tétricos e os mais vergonhosos que inteiramente nos atingem como nação. A imprensa não se cansa de os referir e de louvavelmente clamar para que enérgica repressão seja exercida sobre a causa criminosa que os origina.
Não é difícil a detecção dos engajadores, tão à vontade por aí andam e tão conhecidos são das gentes, mas os que se apanham soltam-se em condições de continuarem na tarefa com o mesmo, se não maior, à-vontade.
Peremptoriamente se impõe que aquela enérgica repressão se efective, e, se a lei permite indulgências, facilmente poderá fazer-se vigoroso saneamento, pelo reconhecimento jurídico da eficácia de pesadíssima multa que retire de uma só vez quase ou mais que os criminosos proventos de sempre.
Eliminado assim que seja o que de «artificioso» existe na corrente emigratória, ficará a emigração circunscrita ao significado do «fenómeno natural», que, como disse, cumpre humanamente respeitar, e com propriedade suportar, enquanto não soubermos mudar-lhe o sentido
E o sentido do fenómeno natural da emigração só naturalmente será reduzido, como é elementar, na medida

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em que o desenvolvimento duplo da nossa economia e da protecção social imprimam progresso ao complexo sistema da dignificação do trabalho e o aproximarem das características de condicionamento da oferta da concorrência externa.
Aqui termina a «nota preliminar» e firma-se na conclusão final o registo de merecido louvor pala iniciativa do Ministério das Corporações e Previdência Social submetendo à discussão e aprovação da Assembleia uma nova lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doença profissionais.
Sr. Presidente. Não terá outro mérito, mas tem indiscutível propriedade, o testemunho vivido das situações.
Não vale a pena falar de aspectos, felizmente já bem remotos, quando a reparação do sinistro dependia muito do resultado de discussões - quantas vezes impiedosas - entre causador e vítima, do melhor ou menor espírito humanitário do primeiro e também - quando o segundo não temia expor-se a represálias do mais forte, ou era forçado pela gravidade dos resultados - dependia dal decisão de pleitos em tribunal, se à decisão se não opunha, impossibilidade ou insolvência da entidade reparadora.
Mas são altamente injustos e infelizes aspectos ainda bem recentes ou mesmo presentes que a Lei n.º 1942, em vigor desde 1936, consentia, uns porque lhes estava restringido o campo da autoridade, outros porque ao tempo da sua instituição se não evidenciavam ainda, e outros finalmente porque os anseios da justiça reparadora e a agressividade progressiva do completo mecanismo mundial evolucionaram e ultrapassaram a lei nos seus propósitos e limitações de então.
As doenças profissionais tratou-as a Lei n.º 1942, provavelmente com a singeleza que o desconhecimento contemporâneo dos seus efeitos merecia.
A silicose, doença de características especialíssimas, que requer desenvolvido tratamento específico à parte, só nela aparece marcada na designação genérica «de intoxicação pela acção de poeiras» e misturada no mesmo período gramatical com a intoxicação por gases e vapores industriais, por gases das baterias da telefonia sem-fios, das máquinas frigoríficas, etc., e havia que submeter toda a problemática reparadora de causas e efeitos à definição ínfima de conceitos que sobre tal generalização a lei, já por sua vez, muito sinteticamente referida. Foi esta uma das causas básicas da grande confusão que sobre a silicose viria a desenvolver-se muitos nos mais tarde.
Ao tempo em que a Lei n.º 1942 se fez, a silicose quase não existia na apreciação geral do País as escolas universitárias mal a mencionavam, muito poucos engenheiros conheceram a seu significado e a Medicina quando tinha de acudir ao doente já como propriedade diagnosticar tuberculose.
Era letra morta o reconhecimento e a reparação de tal doença profissional.
Desconhecia-se a precisa significação da agressividade ao trabalho dos meios poeirentos e em muitas casos escapava a sua própria existência. No entanto, estava-se num período em que muitos dos operários a eles profissionalmente submetidos, quer em minas, quer em indústrias ao ar livre, tinham já morrido e continuavam a morrer.
Não havia mineiros com mais de 40 a 45 anos, desapareciam todos antes «com o mal da mina» A miséria estava instalada em muito lar, mas era resignadamente muda, porque a doença se admitia «natural», sem direito a apelo.
Pouco tempo depois, o Doutor João Porto, ilustríssimo médico e professor da Universidade de Coimbra, lança o primeiro alarme da gravidade e começa desde então a ouvir-se no País a palavra «silicose».
Casos, a princípio raros, depois frequentes, aparecem em tribunais e entra-se numa fase que durou bastantes anos, em que a «reparação» interessou só às viúvas e aos órfãos, porque os casos que entravam em tribunal eram extremos e porque as decisões se arrastavam por tanto tempo que só ocorriam depois da morte do doente, que esse tinha de penar os últimos anos da vida sem protecção que não fosse a das almas caridosas.
A prevenção médica, o exame radiológico preventivo continuavam a não existir, era o doente que recorria à consulta quando se sentia mal - último grau da doença, quase sempre envolvida em tuberculose.
As companhias de seguros mantinham-se firmes na atitude de que o doente era tuberculoso e negavam-se ao «acordo» da reparação.
Entretanto, apareceu a constituição das caixas de previdência. As empresas, já preocupadas com casos graves da casa, confiaram, mas a situação para o silicótico não melhorou e para as empresas piorou.
O doente passou a dirigir-se ao médico da caixa de previdência, mas este, embora reconhecesse a gravidade pulmonar, limitava-se a aconselhar o doente a dirigir-se à entidade seguradora, a seguradora, por sua vez, firmava-se na tuberculose e só admitia a reparação se fosse decidida em tribunal - a tal decisão que levava anos.
Entretanto, continuava a desgraça dos doentes, e as empresas realizavam que, não obstante pagarem os seus prémios para um lado e para outro, numa cobertura teoricamente integral de protecção, tinham elas de arcar, ao final, com o socorro ao seu operário, se lhes sofria a sua miséria.
A dualidade na recusa muito contribuiu, no entanto, para o esclarecimento de muitos casos e para a divulgação rápida do caso seno que a silicose constituía. Começam a aparecer nos tribunais queixas de operários aparentemente sadios - silicoses de 1.º grau - e definem-se as primeiras decisões de incapacidades parciais Abre-se uma porta - antes cerrada - de uma sã e devida justiça reparadora.
A divulgação adquire profundidade e generaliza-se rapidamente. Estabelece-se, porém, em breve agitação desmesurada e inicia-se verdadeira fase de alarme e confusão, começada a gerar no princípio da década de 1950-1960, confusão que viria a atingir o auge talvez em 1962.
Exerce-se corrida aos tribunais de sinceros, de incertos e de logradores, e os pleitos avolumam-se e amontoam-se. Empresas houve entre as quais individualmente se contavam por centenas o número de processos em tribunal. A jurisprudência ressente-se da ausência de doutrina legal e para tanta peritagem médica, chamada à pressa a intervir, poucos são os médicos elucidados e poucos os conceitos definidores. Aplicam-se doutrinas diferentes o desencontram-se as decisões Definem-se desvalorizações de 3, 5 e mais por cento, que bradam aos céus entre os poucos médicos que são «autoridade» na doença e que consideravam essas decisões de puros «prémios da sorte».
Imputam-se responsabilidades à última empresa em que se trabalha, nem que tivesse sido só por quinze dias, e chega-se a afirmar que a passagem pela mina basta.
Entre as companhias de seguros surgem exemplos de prejuízos gravíssimos pela incidência de indemnizações que as «taxas» não comportavam, e o pânico gera-se recusam-se à cobertura do risco, ou agravam pesadamente os prémios cobrados. As que se mantêm reconhecem a necessidade de se defender e passam a adoptar salutarmente, como condição obrigatória da cobertura, o exame radiológico nos serviços de admissão das empresas segu-

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radas. Mas cria-se um novo problema social. As empresas lutam com a falta de mão-de-obra, e esta fica amarrada, sem liberdade para se mover Operário que se saiba ter trabalhado sob «risco de poeiras» raras vezes ultrapassa a barreira de admissão, se tenta o regresso ao trabalho no local donde voluntariamente tinha saído, esbarra com a mesma barreira, porque se trata de uma admissão nova.
A situação, sem uma ordenação básica que a orientasse e protegesse, descia o plano inclinado, qual crescente bola de neve, ao sabor exclusivo dos - acontecimentos que se desenrolavam ou das acções de improviso, e atingia o auge da confusão.
Adquire então extraordinário vulto a necessidade de uma intervenção oficial eficazmente saneadora e reconhece-se, como fulcro básico imprescindível e urgente, na ordenação, a instituição de uma entidade única seguradora do risco das doenças profissionais, e surge, finalmente, em 1962 a criação da Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, com acção imediata sobre a silicose, e o seu aparecimento afirma indubitavelmente, à protecção social do trabalho, um largo passo em frente.
Desde a sua instituição tem a Caixa Nacional de Seguros procedido progressivamente à integração no seu âmbito das actividades com risco silicótico e abrange à data, três anos depois da fundação, entre empresas mineiras, de pedreiras e de cerâmica, 200 empresas e 6000 operários.
O trilho de um caminho elevadamente saneador está lançado, mas a distância a percorrer até à cobertura total é ainda muito longa.
Um dos problemas desde sempre considerado delicado era o da admissão na nova instituição seguradora dos operários já afectados pela silicose, operários, portanto, sobre os quais incidiam responsabilidades anteriormente contraídas.
A Caixa Nacional enveredou na fase inicial pelo seguro individualizado, tendo, nas empresas que já abrange, ficado excluídos da sua admissão de 15 a 20 por cento dos operários, percentagens que conferem aproximadamente com a média de 16,1 por cento de silicóticos, determinada na anterior campanha de radiorrastreio efectuada em 1961 pela Direcção dos Serviços Técnicos de Higiene do Trabalho - continuando desta forma aqueles 15 a 20 por cento dos operários ao abrigo das empresas seguradoras.
O recente Decreto-Lei n.º 46 172, de 22 de Janeiro do ano corrente, vem ao encontro da solução do problema, permitindo a possibilidade de seguros globais do pessoal das empresas, mediante estabelecimento de acordos, com as seguradoras anteriores, sobre o valor das responsabilidades contraídas.
Fácil é a verificação de vários aspectos altamente saneadores que a constituição da Caixa Nacional de Seguros afirmou, e deixou de existir para os seus segurados o terrível espectro da dualidade silicose-tuberculose, uma vez que a Caixa de Previdência assegura a sua protecção desde a apresentação do doente, discutindo ela com a Caixa Nacional qual das duas arcará ao final com a responsabilidade, e assim é que está certo.
Só há que lamentar que a cobertura esteja por enquanto limitada a tão poucos e que subsista assim ainda a confusão para muitos, mas aguarda-se que, tendo terminado a dificuldade da fase inicial de arranque, e estando assegurados já os meios de integração total, a generalização da cobertura acelere notavelmente o passo.
Chega-se desta forma à situação da actualidade.
Termina-se aqui a breve síntese testemunhal de um passado, quer já recuado, quer mais ou menos recente, passado em que houve muita dor imerecidamente sofrida, muita desordem desnecessária e em que também viveu o dolo favorecido pela confusão.
Defino desta forma a situação do momento o percurso realizado pela protecção social do trabalho nos últimos 30 anos não se poderá dizer que tenha sido rápido nem sempre a tempo, mas é acentuadamente notável, e reconhece-se com todo o agrado a sinceridade do seu alto mérito.
Na previdência social as estruturas estão lançadas, foram há pouco ainda revistas e a Lei n º 2115, de 18 de Junho de 1962, actualizou-as. Em limitação de âmbito aponta-se-lhe ainda sobretudo a falha enorme e clamorosa das «classes agrícolas», sobre a qual muito se tem falado - e escrito também - e quase nada se tem feito, como aliás não é infelizmente desusual com muitos dos nossos problemas, embora mais fáceis.
Na reparação social apontam-se a necessidade de melhor relacionar o alto propósito da previdência ao desgaste humano natural específico da profissão e a necessidade de esclarecer confusões que parecem subsistir.
O direito à reforma só aos 65 anos para os profissionais da indústria mineira não está certo, e a idade-garantia desse direito tem de ser diminuída.

O Sr. Gonçalves de Faria: -Muito bem!

O Orador: - Refiro-me propriamente aos mineiros, ou seja a todos aqueles que exercem a sua actividade profissional no agressivo desgaste quotidiano da vida fabril subterrânea.
Não é só pela silicose que não está certo, é por muito mais. O ar que se respira nas limitadas atmosferas do fundo da terra não pode ser igual ao ar puro das montanhas, nem tão-pouco ao ar das próprias fábricas, que com facilidade se ventilam o ar ali, além das poeiras, á sempre menos oxigenado, é sempre mais carregado de gases nocivos e tem permanentemente elevada humidade.
Não se defenda a reforma dos mineiros aos 65 anos com argumento do recurso que a legislação permite à invalidez em qualquer altura. Não se trata de invalidez, trata-se de um desgaste fisiológico geral, mais intenso, que encurta vidas.
As legislações estrangeiras consideram já há muito as minas um caso à parte na protecção social do trabalho, e os juristas serão mais facilmente convencidos desta justiça se verificarem não só em espírito, mas em presença pessoal, a complexa e sempre áspera actividade fabril dos mundos subterrâneos.
São-me referidos casos de injustiça reparadora da previdência que creio só poderão ser atribuídos a confusões ou descoordenações que importa sobremaneira esclarecer e rectificar operários que atingiram os 65 anos e a quem estavam atribuídas já desvalorizações de incapacidade permanente parcial ou total, por silicose - risco profissional independente da previdência -, ao dirigirem-se às respectivas caixas para a pensão por velhice, esse direito não lhes é reconhecido, por aquele facto de serem incapacitados profissionais, já compensados com pensões de incapacidade.
Mas acontece que foi verificado também que o processamento em sentido inverso dá melhor resultado, e os operários passaram a defender-se, como é natural e próprio Dirigem-se primeiro à caixa de previdência e obtêm a sua pensão por velhice ou mesmo invalidez, apresentam depois em tribunal a sua reclamação sobre silicose e desta forma conseguem juntar as duas.
Não parece oferecei dúvidas a legitimidade de uma acumulação que corresponde a du eitos independentemente adquiridos pela contribuição de prémios empresários e próprios para uma e para outra, e a intervenção cercea-

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dora só é compreensível a partir do limite em que a acumulação atinja o nível do salário total auferido antes.
De resto, o que há de mais reparo a aportar à previdência parece pertencer antes ao domínio funcional.
O beneficiário perde-se muitas vezes - e temente os seus direitos - na prolífica série de provas e contraprovas que lhe são exigidas pela complicada e sobretudo inadequada mecânica dos serviços administrativos ao foro do nosso trabalhador, e estes serviços por sua vez, são de acção inadmissivelmente lenta em prestar informações que se pedem e em resolver pretensões que se apresentam, tornando umas e outras desactualizadas, quando não obsoletas, pelas demoras de quatro, cinco e mais meses - quando não um ano - em respostas mesmo simples.
Mas ainda o muro mais comprido das lamentações aparece como sendo o dos serviços médicos por baixa remuneração correlacionada a uma de longe excessiva atribuição do número de consultastes por clínico a impor a desilusiva e deficiente consulta-relâmpago, são os próprios médicos a lamentarem-se amargamente deste condicionalismo impossível de boa prestação clínica.

O Sr Santos Bessa: - Muito bem!

O Orador: - por outro lado, a excessiva burocracia dos postos médicos, onde, ainda por cima o serviço é tantas vezes um «senho» autoritário, com ares de prepotente e sem a mais elementar educação para com os filiados, que parece tratar de desprezíveis servidores, quando afinal são eles que com as suas contribuições o pagam e garantem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Do infeliz binómio resulta que há muitos contribuintes que, por tanto que embora lhes doa, preferem renunciar a todos os seus direitos médicos e medicamentosos da medicina das caixas de previdência e recorrer, pagando, a medicina clássica, mas a renúncia não se faz sem a legítima revolta de quem se senta logrado.
Sr. Presidente. A protecção do risco do trabalho vem sendo afirmada, desde 1936 até à actualidade, bàsicamente pela Lei n.º 1942 e suplementarmente por posterior diversa legislação regulamentadora e definidora da qual são últimas manifestações o Decreto-Lei n.º 44 307, de 27 de Abril de 1962, criador da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, e o normalizador Decreto-Lei n.º 46 172, de 22 de Janeiro do ano corrente, isto além de uma notável doutrina saneadora que a jurisprudência tem vindo, salutar e progressivamente, a estabelecer e a adoptar.
A Lei n º 1942, desenvolvida já à plena luz do concerto de responsabilidade sem culpa ou responsabilidade simplesmente objectiva, aliando intrinsecamente a responsabilidade empresária ao risco profissional do prestador de trabalho, assumiu logo, em âmbito de cobertura uma generalização que só não foi total por pequenas restrições que se admitiram. Desta forma, pouco é o que sobre esse aspecto há hoje, 28 anos depois, a corrigir.
Já assim não acontece, porém, quanto à garantia daquela responsabilidade empresária alei, ao admitir, por outro lado, pura e simplesmente a possibilidade do seguro transferidor da responsabilidade patronal e, por outro a obrigatoriedade de seguro ou de caução só para as entidades patronais da indústria ou de caução só para as que empregassem mais de cinco trabalhadores, deixou a descoberto de garantia um elevadíssimo número da população trabalhadora, embora evidentemente continuassem para ela a substituir da mesma forma os direitos da mesma forma os direitos legais à reparação do acidente, direitos que no entanto, em muitos casos, nem a boa vontade das próprias entidades patronais, nem a eficácia executiva das decisões judiciais, podiam satisfazer, por insuficiência económica ou insolvência das respectivas empresas causadoras.
Condicionamentos especiais dos tempos que se não transmitem, mas evolucionam, são a causa primordial do desgaste das leis, que desta forma requerem a revigorização periódica imposta por novas doutrinas, por novos conceitos e por aspirações que se desenvolvem.
Esta é a verdade singela, porque nada há que censurar sobre o fulgor e a vitalidade reparadora de que se revestiu a Lei n.º 1942 e porque os vindouros terão também de respeitar, ao reconhecei em a necessidade de a evoluir, os propósitos ou os princípios que então encontrarem retrógrados, obsoletos ou omissos na lei que agora se discute.
E é sob a luz da mesma verdade que a nova lei cumpre introduzir vasta acção reformadora e inovadora, quer sobre aquela referida descobertura na garantia da responsabilidade, quer na amplitude ou magnanimidade reparadora, quer ainda na colmatagem de omissões, hoje relevante impertinência quanto à doutrina específica das doenças profissionais e quanto ao elevado significado da prevenção na causa do risco acidentário.
Em breves palavras referir-nos-emos a estes conceitos, começando pela amplitude ou magnanimidade reparadora.
O princípio perfeito da reparação material do sinistro, em substância, parece, sem dúvida, ser aquele que garante ao sinistrado durante todo o tempo de incapacidade parcial ou absoluta, temporária ou permanente, o mesmo nível de salário que auferia à data do sinistro, diminuído ou acrescido de um diferencial de receitas ou de despesas extra que porventura a sua situação de incapacitado lhe ocasione.
Neste princípio pode admitir-se correcção moralizadora da tendência do dolo da dissimulação ou mesmo do acidente provocado, sempre possível e presente, com certa frequência, mas, como é óbvio, em relação ao pequeno acidente, cuja reparação não excede os limites da incapacidade temporária Por isso facilmente se compreende que, em reforço dos meios disciplinares e da vigilância dos serviços médicos empresários, da mesma forma indispensáveis, as legislações estabeleçam restrições saneado-las, atribuindo ao regime de «incapacidade temporária» indemnizações inferiores ao valor do salário auferido. Mas a introdução na lei de qualquer restrição saneadora, na atribuição das pensões vitalícias por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, afigura-se muito mais difícil de compreender e de aceitar.
A incapacidade permanente absoluta para todo o trabalho resulta de acidente grave, e a maior parte das vezes gravíssimo, que rondou e quase se confundiu com a morte, acidente em que a intervenção do dolo está inteiramente fora de causa e acidente que se cinge a estados muitas vezes de dor e sofrimento para a vida inteira, e sempre de martírio e desgraça.
Basear no saneamento da «imprudência» ou «no abandono voluntário à miséria de invalidez» a defesa da restrição, também se afigura de fraca consistência.
A imprudência está, efectivamente, na origem de grande percentagem de acidentes adquire-se ou intensifica-se com o convívio habitual do risco e, por vezes, confunde-se com a bravura perante as situações do perigo, combate-se com a perfeita formação profissional e com o aspecto previsível dos sistemas de prevenção, podem exercer sobre ela efeito salutar a lembrança da morte ou da imobilidade no leito de invalidez, mas que a incite a

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ideia da eliminação de um diferencial no montante que receberá, perante a dúvida da mesma morte e da certeza da desgraça para toda a vida, recuso-me a compreender, a não ser para «aberrações» que não podem prejudicar as normalidades.
Por outro lado, a situação da invalidez permanente absoluta, que a medicina estabelece, ou se define rapidamente perante estado de tal forma calamitoso que não admite recuperação possível, ou só se atinge ao fim de longos períodos de tratamento e de recurso à terapêutica reabilitadora - longos períodos em que se mantém a incapacidade temporária- e só depois de veredicto clínico sobre a imutabilidade lesionai.
Desta forma, não admira que a vizinha Espanha adopte já desde 1956 o princípio da atribuição do valor integral do salário à pensão vitalícia por incapacidade permanente absoluta, e, fazendo fé na afirmação do Sr. Ministro das Corporações de 2 de Fevereiro do corrente ano, que o mesmo princípio esteja adoptado noutras numerosas legislações.
Um outro conceito que se afigura de elementar equidade e justiça reparadora é o de que a pensão que é atribuída deve ser inalienável enquanto subsistir a intensidade causal que a definiu.
Este conceito concretiza-se na incapacidade parcial permanente Alienar o direito à pensão atribuída pelo puro facto de que, por aperfeiçoamento de faculdades residuais, se consegue compensar e ultrapassar - por muito substancialmente que seja - o diferencial suportado, parece ser coarctar o direito pela extorsão, e é pôr injustos limites ao esforço sempre louvável do estímulo próprio.
Nem sequer é o caso de sanear acumulações discordes de cargos de que resultem proventos que ferem a modéstia do viver médio, antes tudo se passa ao parco nível salarial, e desta forma não se compreende que, por tal desacerto, se restrinja a plena liberdade do estímulo e da aspiração de melhorar.
Causa relevante e de boa justiça da alienação, essa é a única que está certa, é a desclassificação da própria incapacidade em face de pleno reconhecimento de que a mesma deixou de subsistir.
E passamos à doutrina específica das doenças profissionais e à prevenção
Quem teve de lutar com a força dos ventos no longo período da confusão muito se preocupou e teve de se debruçar sobre o conflito, nem sempre fácil de apaziguar, entre a justa e eficaz acção proteccional e a ausência jurídica de doutrina e de conceitos que a lei em debate se propõe esclarecer e definir.
Um dos problemas as decisões dos tribunais em pleitos de silicose atribuíam incapacidades com desvalorizações fossem de 10, 20 ou mais por cento.
Por sua vez, a definição de incapacidade parcial pressupunha que o operário podia prestar no cargo, que anteriormente desempenhava, um trabalho correspondente à capacidade residual, trabalho pelo qual era equivalentemente remunerado. Assim, o operário silicótico regressava, na interpretação daqueles precisos termos, à actividade habitual, portanto ao mesmo ambiente poeirento. E esta era a regra, aliás geralmente bem aceite e admitida por empresário e por profissional, por mais que - não a muitos - ela sempre se afigurasse insensata, e hoje quase todos assim a julguem.
Mas para aqueles que, embora sem qualquer apoio legal, que não existia, pretendiam fazer o reparo de que o silicótico não devia de forma nenhuma regressar à actividade que desempenhava - ao meio poeirento - surgia o conflito: a mudança de actividade implicaria de per si quase sempre uma diminuição de salário, que nem o operário queria suportar nem a entidade empresária era obrigada a compensai. Faltava à lei, quer o princípio da redução da capacidade de ganho pela mudança de profissão, quer a doutrina especial sobre a reparação da silicose.
Sr Presidente. As legislações de alguns países admitiram desde há muito nas medidas de protecção à silicose os chamados estados «anteprimários» ou «pré-iniciais da silicose», estados para os quais, embora a validez para o trabalho se mantenha intacta, se defina já, porém, uma impossibilidade permanente de regressar aos meios poeirentos do trabalho habitual. Essas legislações admitem que os operários nesses estados não são considerados doentes profissionais, mas está-lhes imposta a mudança de vida profissional.
As empresas podem demiti-los das suas actividades mediante a indemnização de uma quantia equivalente a um determinado número de meses de trabalho -variável com os países, mas mais geralmente doze meses -, indemnização que, assim, é prestada a título de compensação pela mudança de profissão, e o regresso à mesma profissão fica desta forma interdito a esses operários seja qual for a empresa em que a pretendam continuar a exercer.
O princípio está absolutamente certo e afirma-se de elevada eficácia preventiva No entanto, já posteriormente ao reconhecimento inicial deste princípio, as técnicas de prevenção evoluíram e surgiu a adopção, cumulativa ou não, de um sistema de períodos de rotação, sistema que, no entanto, é já do domínio da pura prevenção funcionai empresária, e segundo o qual os operários, por instrução médica, são temporariamente retirados dos ambientes poeirentos.
É descabida no âmbito da intervenção uma análise de processo e de vantagens e só o que se deseja concluir é o seguinte o princípio da indemnização por mudança de vida profissional da silicose sem incapacidade é justo, mas a definição das características fisiológicas do estado que a impõe requer profunda ponderação e deve respeitar toda a possibilidade compensadora -regressiva ou de equilíbrio - que o sistema funcionai da prevenção, em primeira instância, pode assegurar.
As sumidades internacionais nem sempre estão de acordo quanto às características definidoras daquele estado-limite e o condicionamento da definição é variável com os países.
Reforça-se esta conclusão ainda com o registo de uma apreensão a de que a adopção do princípio sem definição de características ou com definição inadequada gere muito mais confusão na actuação da jurisprudência e na vida das actividades do que vantagens na protecção do risco.

O Sr Gonçalves de Faria: -Muito bem!

O Orador: - Sr Presidente. É um preceito universal que no trabalho esteja, acima de tudo, a segurança. Por ele se define com realce a sobreposição da segurança no trabalho h própria essência basilar da actividade a economia.
As empresas esquecem em grande parte a universalidade do preceito, na medida em que não afirmam à prevenção a importância que na realidade ela tinha de lhes merecer. A prevenção na sua concepção perfeita é de entre os sistemas proteccionais de trabalho o de maior nobreza assegura a vitalidade da mão-de-obra que o executa, porque diminui em grande plano o número de vítimas.
Ela tem estado - sem dúvida - nos últimos anos na consideração e na preocupação oficial do País.
Várias demonstrações certificam este facto a elaboração e a adopção de normas e regulamentos da segurança

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do trabalho e da prevenção das silicoses, primeiro da Direcção-Geral de Minas, depois da Direcção-Geral das Indústrias, ambas do Ministério da Economia, idênticas normas, de tão necessitada aplicação nas obras de fomento, no Ministério das Obras Públicas.
Acções diversas dimanadas do Ministério da Saúde e Assistência, através da Direcção-Geral da Saúde, e do Ministério das Corporações e Previdência Social de que são significados vivos e recentes as jornadas da medicina do trabalho de 1963 e 1964, na Figueira da Foz a criação em 1962 do Gabinete de Segurança e de Higiene do Trabalho e a sua recente iniciativa de promoção dos cursos para socorristas de trabalho - iniciados em colaboração com a Cruz Vermelha Portuguesa.
Ainda a instituição de dois laboratórios de análise de poeiras um por iniciativa e sob a alçada da Direcção-Geral de Minas e outro - este ainda em fase experimental - por iniciativa do referido Gabinete de Segurança e Higiene do Trabalho!
E mais propriamente no campo da informação e da divulgação a acção, relevantemente meritória, que nos últimos anos tem vindo a ser exercida pelo Centro de Prevenção dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, do Grémio dos Seguradores, e - este por acção do Ministério das Corporações - o anúncio para Maio próximo da realização do I Congresso Nacional da Prevenção dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais.
Se, pelo que se acaba de enunciar, as demonstrações de preocupação e os esforços já realizados são de certo vulto, os efeitos na actuação das actividades são por enquanto desilusivamente modestos. As boas novas por vezes custam a chegar. As grandes empresas, de maior compreensão e poder técnico, adaptam-se com mais facilidade, mas as pequenas empresas - e elas são tantas - são mais impermeáveis.
Não vale a consideração de normas e regulamentos no papel se a acção não atingir no intimo o campo da luta.
Sem a definição de uma doutrina jurídica universal, e sem a existência de um organismo normalizados e orientador que lhe tenha estabelecido uniformidade de propósitos e singularidade de actuação, as acções compartimentares a que tem estado sujeita a intervenção oficial chocam-se, sobrepõem-se entre compartimentos, gerando graves confusões e estados estáticos, tanto nos próprios compartimentos como no domínio das empresas sobre que se têm exercido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São estas, creio, efectivamente, as causas de maior importância que estão na base dos efeitos quase nulos obtidos.
A prevenção, para que resulte na grandeza espectacular dos seus efeitos, tem de ser completamente estruturada, quer na prevenção médica, quer na prevenção técnica.
Pertencerão à prevenção médica o exame radiológico na admissão, os exames radiológicos periódicos, a definição e a vigilância dos estados fisiológicos a adopção das medidas do seu saneamento, a instituição das carteiras de sanidade e ainda a rigidez disciplinar do contrôle acidentário.
Caberão, por sua vez, à prevenção técnica.

1.º Toda a campanha de supressão de poeiras, desde a retracção à sua formação até amplitude da sua eliminação,
2.º A instituição e o controle de todas as normas de segurança do risco do trabalho e da doença profissional, e
3.º O contrôle constante da causa acidentaria, independentemente da gravidade do acidente que eventualmente o ocasionou, e controle que seja sempre tendente à eliminação futura da causa que o originou.

Mas eu só chamei à tribuna esta alusão ao diagrama preventivo para pôr em elevado destaque a propriedade e a exactidão de toda a doutrina especificamente saneadora do problema da silicose, que a lei criteriosamente define, desde a imposição dos exames radiológicos iniciais e periódicos à instituição das carteiras individuais de sanidade, doutrina a que o vínculo ao regime jurídico vai assim garantir a autoridade e a plenitude de domínio que a causa preventiva requeria.
Os sistemas de prevenção são de elasticidade perfeita e adaptam-se facilmente, na sua menor ou maior simplicidade, à grande ou à pequena empresa, sem que os efeitos lhes sejam afectados.
O ponto está em que as entidades empresárias se integrem no seu valor, os equacionem e os adoptem.
Os resultados são surpreendentes. Está provado que a incidência das silicoses se minora retumbantemente e a sinistralidade geral afirma-se com reduções de 30 a 40 por cento.
A título exemplificativo, só da influência moderadora que sobre os encargos pode exercer a redução de 30 a 40 por cento na incidência dos acidentes analisa-se parcialmente a expressão dessa redução sobre os únicos números de que se dispõe, referentes aos acidentes ocorridos no período dos anos de 1958 a 1962, mas só daqueles cuja responsabilidade foi transferida para as entidades seguradoras.
Se sobre eles se aplicar apenas a redução de 30 por cento, a mínima - entre os limites 30-40 - que se admite conseguida pela prevenção, facilmente se verificará para o período.
1.º Nos acidentes com incapacidades temporárias.

a) Uma redução correspondente a menos 431 500 acidentes ocorridos,
b) Uma redução correspondente a menos 5 500 000 dias perdidos,
c) Uma redução de 110 000 contos no montante das indemnizações pagas,
d) Uma redução de 138 000 contos no montante das despesas com tratamentos

2.º Nos acidentes com incapacidades permanentes

a) Uma redução correspondente a menos 43 200 diminuídos físicos,
b) Uma redução de 61 000 contos no montante das pensões pagas, e
c) Uma redução de 19 000 contos no montante de pensões remidas

Só a expressão dos 5 500 000 dias que desta forma se recuperam para a actividade significarão, se se lhe atribuir um valor médio salarial de 45$ por dia, trabalho no valor global de 247 500 contos.
Mas, como já antes se referiu, o significado total de uma redução sinistrai é muito mais nobre e muito mais amplo do que o âmbito restrito da expressão económica em que se traduz são vidas que se poupam, são tragédias e dores que se eliminam, são estropiados para toda.

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a vida que o não serão, são ainda, e também, disponibilidades de mão-de-obra que se realizam.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr Presidente. Um dos aspectos que parece suscitar preocupações é o receio do reflexo económico que as inovações da presente lei possam porventura vir a exercer sobre as actividades. Poderia desde logo dizer-se que a preocupação perde muito em significado perante a grandeza da justiça social em causa, mas nem esse receio parece materializar-se.
Com efeito, a maior diferença reparadora em relação à Lei n.º 1942 regista-se na atribuição de pensões, quer de sobrevivência, quer vitalícias de incapacidade permanente absoluta, e a incidência destas pensões no conjunto global dos encargos sinistrais não pode deixar de ser reduzida, dado que reduzida é a percentagem dos casos sobre que incide. Afirmam as estatísticas que as pensões de sobrevivência ocorrem, em média, uma pensão (equivalente a um caso fatal) em cada 2500 trabalhadores/ano, e não devem andar muito acima de idêntica expressão as pensões vitalícias por incapacidade permanente absoluta, uma vez que estas pensões são de reduzida influência na percentagem conhecida de uma por cada 135 operários/ano para a totalidade permanente, absoluta e parcial.
Por sua vez, o Sr Ministro das Corporações, na comunicação que fez à imprensa em 2 de Fevereiro do corrente ano, afirmou confiança de que bastarão como efeito compensador de encargos do novo esquema, por um lado, o alargamento do âmbito de seguro - actualmente são 19 800 empresas abrangidas, contra 51 700 excluídas da obrigatoriedade do seguro pela Lei n º 1942 - e, por outro lado, a diluição do risco, uma vez que das 51 700 excluídas embora da obrigatoriedade de segurar defenderam-se já, segurando, as de risco mais acentuado, e por fim a confiança nos resultados da prevenção.
Eu não tenho dúvida em acentuar que a prevenção poderá responder com notável poder compensador, mas também se impõe - e é justo - que à sua acção seja reconhecido duplo significado no resultado e no estímulo Prémios variáveis com o grau do risco das empresas, e de correcção periódica para, cada empresa, pela aplicação de uma relação de proporcionalidade entre o valor desse prémio e a intensidade sinistrai do período anterior.
Mas o Sr Ministro das Corporações foi ainda mais longe e tranquilizou ao afirmar que, embora seja talvez ainda maior - e deve sê-lo - o reflexo do novo esquema de encargos sobre doenças profissionais que sobre acidentes, não havia a intenção de agravar as contribuições cobradas pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
Não vou insista agora na defesa do princípio já apontado durante a discussão da lei da reforma da previdência, das vantagens económicas e sociais, da criação de uma Caixa Nacional de Seguros de âmbito generalizado a todo o risco do trabalho doenças profissionais e acidentes, sistema, aliás, cuja adopção, à parte em poucos e recuados países, está quase mundialmente reconhecido. Mas cumpre-me este sincero reparo antes que a actividade industrial seja compelida a aceitar um agravamento e encargos pela dispersão da actividade seguradora, poderá a primeira ter uma palavra oportuna e de toda a propriedade para que preferivelmente se decida desde logo a generalização do âmbito do seguro social.
Aqui termino, Sr Presidente.
Em consciência não tem muito que me pesar a debilidade da intervenção o alto e vibrante significado da lei permanece intacto ao embate de uma defesa modesta.
É termino acrescentando ao louvor do início o prazer da minha aprovação na generalidade à lei em discussão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Presidente: -Vou encerrar a sessão.
O debate continua amanha, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encenada a sessão.
Eram 15 horas o 50 minutos

Sr Deputados que entraram durante a sessão

Agostinho Gonçalves Gomes
Alberto da Rocha Cardoso de Matos
Aníbal Rodrigues Dias Correia
António Burity da Silva
António Calheiros Lopes
António Marques Fernandes

ntónio Moreira Longo
Armando Cândido de Medeiros
Augusto Duarte Henriques Simões
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Francisco Lopes Tasques
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro
Henrique dos Santos Tenreiro
Jorge Manuel Vítor Moita
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Fernando Nunes Barata
José Luís Vaz Nunes
José de Mira Nunes Mexia
Manuel Nunes Fernandes
Manuel Seabra Carqueijeiro
D Maria Irene Leite da Costa
D Mana Margarida Craveiro Lopes dos Reis

Srs Deputados que faltaram à sessão

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Carlos de figueiredo Franco Falcão
Alfredo Mana de Mesquita Guimarães Brito
Antão Santos da Cunha
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado
Armando Francisco Coelho Sampaio
Augusto César Cerqueira Gomes
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo
João Mendes da Costa Amaral
José Guilherme de Melo e Castro
José Monteiro da Bocha Peixoto
José Pinheiro da Silva
Manuel Amorim de Sousa Meneses
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Manuel Lopes de Almeida
Purxotoma Ramanata Quenin
Rogério Vargas Moniz
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês
Urgel Abílio Horta
Virgílio David Pereira e Cruz
Vítor Manuel Dias Barros
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó

O REDACTOR - Luís de Avillez

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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