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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 198
ANO DE 1965 7 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 198, EM 6 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Sessões n.ºs 192 e 193.
O Sr. Presidente referiu-se ao falecimento do antigo Deputado Sr. Augusto Cancella de Abreu, de quem fez o elogio.
O Sr. Deputado Moreira Longo falou sobre as trágicas consequências dos temporais no Norte de Moçambique.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha ocupou-se da pesca desportiva e do turismo no distrito de Braga.
O Sr. Deputado Augusto Simões assinalou a importância da comunicação que o Sr. Ministro da Economia fez ao País especialmente na parte que se refere à crise agrícola.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei que estabelece o regime jurídico dos trabalho e das doenças profissionais,
Usaram da palavra os Srs. Deputados Carlos de Meireles e Pinto Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Mana Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
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João Mendes da Costa Amaral
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Rocha Cardoso
João Ubach Chaves
Joaquim de Jesus Santos
Joaquim José Nunes de Oliveira
Joaquim de Sousa Birne
Jorge Augusto Correia
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho
José Augusto Brilhante de Paiva
José Dias de Araújo Correia
José Manuel da Costa
José Manuel Pires
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa
José Soares da Fonseca
Júlio Dias das Neves
Luís de Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela de Oliveira
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho
Manuel Colares Pereira
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Nunes Fernandes
Manuel Seabra Carqueijeiro
Manuel de Sousa Rosal Júnior
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário de Figueiredo
Quirino dos Santos Mealha
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos
Srs. Deputados
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 102 e 193, correspondentes às sessões de 23 e 24 de Março, respectivamente.
Estão em reclamação.
Pausa
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja deduzir qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Srs. Deputados Acabo neste momento de saber que faleceu o Eng º Augusto Cancella de Abreu. Trabalhou nesta Câmara com entusiasmo e a melhor vontade de defender sempre o interesse nacional. Foi Ministro das Obras Públicas e Ministro do Interior. Foi presidente da Comissão Executiva da União Nacional. É com a mais viva simpatia que se me representa a sua memória e com o mais profundo desgosto que tomei conhecimento do facto e dele dou conhecimento à Assembleia. Tenho a certeza de que a Assembleia me acompanha nesse sentimento e nesse desgosto e ia a dizer me confia, mas acrescento me impõe, que, em sua representação, como farei em meu nome pessoal, o acompanhe no seu saimento, amanhã. O mais profundo e sincero sentimento desejamos todos que fique exarado na acta.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moreira Longo.
O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: Por motivos de saúde não me foi possível assistir à última sessão desta Assembleia, na qual V. Exa. se dignou mandar exarar na acta um voto de pesar pelas perdas causadas pelos temporais no Norte de Moçambique.
Em nome de todos os Deputados daquela província agradeceu a V. Exa. e a toda a Câmara o Sr. Deputado Manuel Pires.
Como me foi concedida a palavra para uma breve intervenção sobre o mesmo assunto, reitero a V. Exa. e a toda a Câmara os melhores agradecimentos, em nome de toda a população de Moçambique.
Sr. Presidente: As últimas notícias chegadas até nós através dos jornais metropolitanos, embora sucintas, dão-nos uma imagem perfeita de quanto o Norte da província de Moçambique foi duramente castigado por chuvas diluvianas, que, no ímpeto das suas correntes, arrasaram aldeias inteiras, deixando atrás de si a devastação, a miséria e até algumas mortes.
Tão pesado flagelo fez-se sentir a partir de Quelimano em direcção ao norte, parecendo ser a área mais atingida o distrito de Cabo Delgado, no extremo norte da província onde me ligam 40 anos de efectiva permanência, onde tudo tenho e onde permanecerei sempre, sejam quais forem as vicissitudes a que os inimigos da paz, da ordem e da justiça, que Moçambique sempre prezou, nos obriguem.
Não parecerá estranho, por isso, deixar aqui uma palavra de profundo sentimento endereçada a quantos, pretos e brancos, sofreram as inclemências de tão duro golpe e me sinta presente em espírito junto dessas populações de que também faço parte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E bem desejaria sentir-me entre as brigadas de socorros, compostas por gente de várias cores e raças, mas de uma só alma portuguesa, que, com o maior estoicismo, sem se pouparem a sacrifícios e expondo-se até a grandes perigos, têm feito uma obra deveras mentora nos trabalhos de auxílio, transporte de víveres e medicamentos, tanto pelo mar como por terra ou pelo ar.
Seria grande a injustiça, que não desejaria cometer, estando presente aos trabalhos da Assembleia Nacional, se não dirigisse daqui uma palavra de viva homenagem ao governador-geral de Moçambique e aos governadores de distrito das áreas atingidas pelo carinho e interesse verdadeiramente humanitário que têm dedicado a tão grave situação, procurando atenuar sofrimentos e resolvendo, dentro das possibilidades, os problemas que pelo seu carácter exigem mais rápida solução.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - Pelos locais ocupados pelas populações rurais autóctones, normalmente fixadas nesta época do ano em terrenos baixos e em margens de rios mais propícios às suas culturas, tudo indica serem essas almas as mais sacrificadas, até porque a fragilidade das palhotas pouca resistência oferece a semelhantes torrentes.
O distrito de Cabo Delgado ficou praticamente isolado do mundo exterior e a vida interna processa-se ainda com glandes dificuldades em virtude de as enxurradas terem destruído estradas, aterros e varias pontes, deixando a sua economia completamente pai alisada
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São de vulto as perdas de grandes áreas de culturas e em grande número as aldeias que deixaram sem abrigo as populações rurais.
Sofreiam também avultados prejuízos várias plantações de sisal, cujos reflexos muito se farão sentir na economia da província, por o seu valor de exportação, em divisas estrangeiras, ser de elevado montante, orçando normalmente pela ordem dos 40 000 contos anuais.
Os centros urbanos também não foram poupados à inclemência dos temporais, sofrendo enormes danos de difícil reparação pela exiguidade das verbas camarárias, o que os coloca em situações aflitivas.
Sr. Presidente: O Norte da província de Moçambique, já desde há tempos atacado nalguns pontos por mercenários exportados do Tanganhica contra as nossas populações, a que os bravos soldados dão luta, protegendo heroicamente a integridade dos nossos territórios e das almas que os povoam, constitui já de si uma constante preocupação e um desgaste financeiro bastante elevado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porém, não obstante a intranquilidade e desassossego causados por este clima cheio de apreensões, devemos afirmar que tais inimigos jamais conseguirão aniquilar ou afrouxar sequer o ritmo de trabalho e vontade inexcedível de progredir que todos sentem cada vez mais e põem à prova em prol do desenvolvimento daquela nossa província.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Existe em todos nós o maior âmbito e uma vontade indómita de prosperar, apesar destes contratempos, e todos constituímos uma coesão ímpar, que representa uma cerrada frente de vontades conducentes no desenvolvimento daquelas terras onde vivemos e que consideramos a nossa própria terra natal.
Temos de aceitar estes desaires com a maior resignação, com a maior coragem devemos olhar bem de frente para o futuro, agindo sem tibiezas nem desfalecimentos, para que alcancemos a finalidade a que todos nos devotamos e que a Pátria exige.
Tudo quanto se fizer em seu favor não poderá ser levado à conta de sacrifício e toda a obra resultante seja de que natureza for, reverterá em benefício da flectindo-se na grandeza da Nação.
Sr. Presidente: Pelas várias notícias, tento como particulares, sabemos que os prejuízos registados em todo o Norte de Moçambique atingem proporções de modo alarmantes, situação que a província só por si, dificilmente poderá resolver com os seus recursos, sem correr o risco de comprometer as verbas orçamentais já destinadas a obras consideradas de primeira necessidade em relação ao seu desenvolvimento económico.
As estradas por onde se processa o escoamento dos produtos destinados à exportação foram bastante danificadas e nalguns pontos continuam completamente interrompidas.
Aldeias indígenas, em número ainda desconhecido, desapareceram e sementeiras sem fim foram arrasadas pelas cheias.
Algumas plantações de sisal foram de tal modo danificadas que a sua recuperação exigirá milhares de contos.
Os centros urbanos foram cavados pela força das incessantes e arruamentos e passeios foram destruídos.
É, em suma, um vasto território bastante danificado que carece de uma reconstrução rápida e sólida, para que a vida regresse à normalidade e as populações sintam a mão protectora do Governo a ampará-las carinhosamente, impedindo-se deste modo que venha a desencadear-se uma propaganda torpe e miserável que os nossos inimigos - inimigos da paz e da ordem - costumam pôr em prática em casos desta natureza para atingir determinados fins
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A província carece, por isso, de mais um auxílio maternal do Governo Central, auxílio que eu me permito formular em nome daquela província, para que rapidamente possamos levar alento às populações flageladas e às actividades atingidas, que constituem o fulcro económico daquelas regiões.
Impõe-no até o panorama político moçambicano da hora presente.
Dirijo-me também ao Banco Nacional Ultramarino, cujos dirigentes, cônscios da responsabilidade que nos cabe como colonizadores, no sentido mais elevado da palavra, sempre souberam ocupar posições de alto relevo no desenvolvimento e progresso de Moçambique.
A esta instituição cabe, em prosseguimento da sua grande obra realizada em toda a província, prestar o seu maior auxílio a quem necessite de recorrer a créditos especiais para a recuperação dos seus bens, que são, em boa verdade, autêntico património da Nação, pelo seu valor representado na economia moçambicana.
Com o auxílio do Governo da metrópole e do Governo da província, uma política de créditos por parte do banco Nacional Ultramarino e uma inexcedível boa vontade de todos quantos ali vivem e trabalham por um Portugal maior reconstruiremos sem perda de tempo, como se impõe, tudo quanto foi destruído e daremos aos nossos irmãos negros do Norte de Moçambique rápidas possibilidades de uma nova vida feliz, numa obra que servirá de lição a quantos ousam ainda acusar-nos de um colonialismo que sempre repudiámos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente vai-me V. Exa. permitir que antes de iniciar as minhas considerações, diga alto da dor que se apoderou do meu coração ao escutar as palavras de V. Exa. em que comunicou, com bem visível mágoa, à Câmara o falecimento do Eng.º Cancella de Abreu.
Recebi da sua mão provas de confiança e palavras de alento da sua boca. Era um grande e nobre camarada, que combateu lado a lado comigo muitas vezes. Disse lado a lado propositadamente. Ele tinha posição e estatuía para estar na frente, mas procurava o convívio daqueles que, como ele o soube fazer, bem sabem lutar pelos objectivos da Revolução Nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: A importância verdadeiramente relevante que o problema da pesca desportiva tem no nosso país já por mais de uma vez foi, dentro desta Assembleia devidamente destacada.
Seria, no entanto, injusto que, ao pretender, embora muito ao de leve, referir-me mais uma vez a este magno assunto, não lembrasse a actuação verdadeiramente notável do então ilustre Deputado Sr. Dr. João Cerveira Pinto ao apresentar o seu aviso prévio sobre a pesca desportiva,
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que teve como consequência, embora tardia, o Decreto n.º 44 623, cuja publicação merece os maiores louvores.
Abriram-se assim novos caminhos ao tão salutar e útil desporto em Portugal, efectivando-se as aspirações legítimas daqueles que a ele se dedicam e nele buscam não só merecido recreio, como o refúgio necessário das constantes preocupações e canseiras da vida trepidante dos nossos tempos.
O homem, desde o princípio da sua existência, teve necessidade de pescar para viver, essa necessidade o acompanha ainda hoje e é obrigado a recorrer a largas técnicas e grandes investimentos de capitais para assim ajudar à sua subsistência. Não é, no entanto, da pesca profissional que desejo falar, mas da pesca desportiva, que, como disse, tem cada vez mais, dado o acelerado da vida moderna, papel preponderante para muitos que ali procuram refúgio e retempero para as suas energias no contacto com as belezas do Criador.
A suavidade do esforço físico, apesar de uma ginástica completa e perfeita a que se é obrigado, faz com que a pesca desportiva revigore não só o espírito, mas também o corpo. São, pois, grande legião os que buscam os seus benefícios e os seus prazeres.
Urge, portanto, que, sem mais delongas, sejam tomadas medidas que protejam os nossos rios - esqueço por agora a pesca marítima -, para que dentro em breve se não verifique o total despovoamento dos mesmos, ameaça que se agravou com a prolongada estiagem com que, no corrente ano, fomos infelizmente brindados.
Mas há que encarar também a pesca desportiva como elemento predominante do turismo nacional.
O Sr. Deputado Dr. Nunes Barata nas conclusões do seu magnífico aviso prévio sobre o turismo advogou a necessidade de «desenvolver as relações entre o desporto e o turismo, não só através da realização de competições de grande cartaz, como prodigalizando aos turistas facilidades para a prática de desportos ou tirando partido das possibilidades naturais», sobretudo do aproveitamento dessas possibilidades, direi eu.
Em conversa há tempos tida com o ilustre secretário nacional da Informação e Turismo sobre problemas turísticos que interessam à minha região, o Dr. César Morena Baptista apontou, e muito bem, como uma das condições de boa rentabilidade dos investimentos hoteleiros do Norte do País, onde, como é sabido, o Inverno é mais prolongado, a criação de reservas de caça e pesca.
Não há dúvida de que o Norte do País, e nomeadamente a província do Minho, reúne todas as condições para o desenvolvimento da pesca desportiva. Não me refiro à caça, porque esta espera medidas legislativas que a protejam e regulamentem, e já demoram. Esperemos que o Governo o faça quanto antes, tendo em conta o projecto de lei do Sr. Deputado Dr. Águedo de Oliveira, isto porque não creio que o mesmo possa ser discutido na presente sessão legislativa e o problema não se compadece com demoras. Seja como for, fica o País e os amantes da arte de Diana devendo ao Sr. Deputado Dr. Águedo de Oliveira o alto serviço de chamar a atenção, com o brilho que lhe é usual, para tal riqueza, tanto ou mais importante do que a da pesca.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As belezas naturais da paisagem nortenha - tão parecida com a da nossa bela e feiticeira ilha da Madeira, que tive agora ocasião de visitar -, em contrastes permanentes nos cumes das suas serras, das suas encostas e dos seus vales, tudo cheio de cor e de uma verdura repousante, bem merecem carinho neste como noutro aspecto.
Não há vale que não seja cortado por uma linha de água e linha de água que não seja povoada por essa admirável truta, que é o encanto do pescador desportivo e também, porque não dizê-lo, do apreciador da boa mesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com elas os frades de Tibães e Alcobaça obsequiavam os reis Alcobaça, belo monumento que é nosso orgulho, Tibães, uma vergonha, dado o estado de abandono a que foi votado o grande mosteiro que for a casa-mãe dos beneditinos em Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para que nada falte para o desenvolvimento que se espera deste salutar despeito e dos reflexos turísticos do mesmo temos ainda como certa uma bela rede de comunicações a ligar-nos aos centros mais indicados para o efeito.
Aproveitando estes encantos e estas possibilidades que lhe silo comuns, a Espanha - a ensinar-nos o caminho neste como noutros capítulos -, na minha vizinha e bem amada Galiza, resolveu o problema da pesca desportiva através de uma série efectiva de medidas de protecção, e os reflexos para a economia dos terras galegas têm sido auspiciosos, pois todos os anos a pátria de Rosália e de Pondal - o que cantou, enamorado, os «verdes pinos» do Minho - é visitada por um sem-número de estrangeiros, entre os quais muitos portugueses, que ali vão buscar prazeres e delícias que bem poderiam e deveriam encontrar na sua terra.
Ora, os ribeiros do Norte de Portugal têm para o efeito as condições dos ribeiros galegos, com a supremacia de serem mais ao sul e, por isso, em melhores condições de pesca logo no início da temporada. Sem dúvida que, uma vez posto em prática vigorosamente o regulamento da pesca que o decreto do Governo instituiu, o problema sei á resolvido.
Estes resultados, porém, levarão, necessàriamente, alguns anos e verificarem-se. Há, no entanto, no referido regulamento modo previsto e decisivo de abreviar os fins em vista, através das concessões de pesca. Prevê o regulamento que essas concessões possam ser dadas aos clubes de pesca desportiva.
O Clube de Braga, agremiação que abrange e representa os pescadores de toda a regulo, atento a tudo o que interesse ao fomento desportivo e turístico da província - tem também uma secção de campismo -, ofereceu já a sua desinteressada colaboração ao Estado, que, manda a verdade dizer, através das suas repartições, tem acompanhado com simpatia a acção que o Clube tem desenvolvido e pretende desenvolver em maior escala.
Nos termos da lei, o Clube requereu cinco concessões de pesca coma início desta campanha, duas em albufeiras e três em ribeiros. Foram estudados carinhosamente os locais de modo a garanta o sucesso e, depois de maduras reflexões, foram assentes as seguintes.
Na albufeira da Caniçada, rio Cávado, junto aos ribeiros do Gerês e do Rio Caldo, em Terras de Bouro, esperando-se que, pela beleza do lugar, de alto valor turístico, venha a atrair grande número de pescadores e de campistas. Contribuirá para o desenvolvimento da região geresiana, agora em vésperas de, embora a título precário, ver aberta a sua fronteira com a Galiza, pelo que daqui se dirigem
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agradecimentos ao Governo, pois a medida terá largos reflexos em benefício de todo o Minho,
Na albufeira de Andorinha, no Ave, Póvoa de Lanhoso, que, pela facilidade de comunicações e pelas suas condições naturais, oferecerá igualmente largo contributo à pesca desportiva e turística,
No rio Neiva - que Sá de Miranda cantou enlevado -, para um e outro lado da ponte dos Corvos, no concelho de Vila Verde,
No rio Vade, no troço que pràticamente é acompanhado pela estrada que vai de Braga a Ponte da Barca,
No rio Vez, a partir do local da Aspra, na estrada dos Arcos a Monção, dentro do distrito de Viana o Castelo.
Estas concessões em ribeiros, dadas as condições especiais em que ali se praticará a pesca devidamente controlada, o repovoamento e a fiscalização própria, vão dar os melhores resultados, contribuindo também larga o repovoamento e fiscalização própria, vão dar os melhores resultados dos mencionados ribeiros para o montante e jusante das concessões.
Na escolha dos locais atendeu-se dados os fins turísticos que se pretendem atingir, às facilidades de comunicação por estradas de 1.ª ordem. Assegurada a exploração das concessões agora requeridas, o Clube, que tem à frente da sua direcção competentíssimos e dedicados conhecedores dos problemas em causa requererá novas concessões esperando-se que, entretanto, seguindo este magnífico exemplo, outros organismos requeiram novas concessões de modo que toda a província possa, através delas, beneficiar.
Eu próprio, e na minha qualidade de Deputado, que entendo ter por obrigação acompanhar tudo que diga respeito ao desenvolvimento do círculo que represento, e ainda na qualidade de presidente da assembleia geral do Clube, fiz entrega ao Sr. Director-Geral dos Serviços Florestas e Aquícolas dos pedidos de concessão a que venho referindo.
Dada a simpatia com que aquele alto funcionário me recebeu, me recebeu, espero que, sem demora e até para estímulo de outras iniciativas análogas, sejam despachadas as petições, apelando nesse sentido e desta tribuna, que tantas vezes tem honrado com a sua palavra competente, para o novo Secretário de Estado da Agricultura, Sr. Eng.º Vitória Pires.
Sr. Presidente: A dedicação e o propósito de mais franca colaboração do Clube de Pesca Desportiva de Braga não bastam, no entanto, para suportar os encargos resultantes de tal empreendimento, pois é evidente que, nos primeiros anos, as concessões não terão a necessária rentabilidade, o que se espera no entanto venha a suceder a curto prazo. Assim, o Clube vai pedir o auxílio do Fundo de Turismo, e daqui desde já, e enquanto o não faço pessoalmente, apelo para os responsáveis no sentido de esse auxílio ser prontamente concedido. Não duvido de que assim venha a suceder, pois o empreendimento merece especial ajuda, e a compreensão manifestada pelos mesmos para tudo que interesse ao desenvolvimento do turismo na província não pode de nenhuma ser posta em dúvida, e muito menos por mim, que dela repetidamente tenho sido testemunha.
De uma maneira muito especial quero terminar por agradecer, quer ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, Sr. Dr. Paulo Rodrigues, quer aos seus mais directos colaboradores, de que destacarei o Sr. Secretário Nacional da Informação e o Sr. Comissário Nacional do Turismo, todo o apoio que nos têm dado - quando digo nos têm dado refiro-me a nós, aos de Braga - no sentido de serem resolvidos os problemas mais instantes do turismo regional.
O Sr Costa Guimarães: - Aos de Braga e aos de toda a região!
O Orador: - Eu, quando digo Braga, refiro-me a toda a região que vai do Minho ao Ave, sem esquecer a nobre e linda cidade que foi berço de V. Exa.
O Sr. Alberto de Meireles: - E da nacionalidade!
O Orador: - Sei que ao endereçar estes agradecimentos o faço não em meu nome pessoal, mas em nome de todos os organismos interessados, que, na verdade, não se podem queixar da falta de apoio dos órgãos centrais do turismo.
Ao Sr. Dr. Paulo Rodrigues ficámos devendo o despacho que resolveu definitiva e cabalmente o problema hoteleiro do Bom Jesus do Monte. Honra lhe seja, pela largueza com que o soube fazer. Braga está-lhe profundamente grata.
Sr. Presidente: Julgo que, se o exemplo do Clube de Pesca de Braga frutificar por esse País além, mais uma vez encontraremos razão para nos alegrarmos, pois será um triunfo daquela doutrina que nunca nos cansaremos de preconizar só pela ampla colaboração das corporações e das colectividades com o Estado poderemos caminhar em todos os sentidos.
Não podemos còmodamente exigir tudo do Estado, como o Estado egoísticamente não pode exigir tudo de nós. Assim o temos proclamado e continuaremos a proclamar. No campo do turismo, como no do ensino e no da assistência.
Continuaremos a proclamar, disse eu, azedem-se ou não alguns amigos a quem tivemos necessidade de lembrar o respeito devido às instituições, num regime que, sem elas, sem esse respeito, sem a sua autonomia acatada, se negará a si próprio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: Como já foi aqui acentuado, as declarações do Sr. Ministro da Economia na sua conferência de imprensa realizada no passado dia 26 de Março impressionaram vivamente todos os sectores da vida nacional, pelo cunho realista e corajoso que as caracterizou.
Não é que se descresse da vinda de melhores dias logo que fossem integralmente aproveitadas todas as nossas potencialidades e acertados os muitos desencontros inter-sectoriais, mas não se conheciam com suficiente clareza as directrizes a seguir quanto a muitos problemas básicos do nosso crescimento económico-social.
Ora, o Sr. Ministro da Economia, com a alta lucidez do seu profundo conhecimento da estrutura nacional, apresentou as novas linhas do rumo da nossa política económica, com vista a eliminar os desequilíbrios, que reconheceu serem os grandes fautores dos entraves desse harmónico crescimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sentiu a Nação uma reconfortante esperança com essas notáveis declarações, principalmente quando nelas se afirma uma sã confiança no sector da lavoura nacional, a que se reconheceu o alto valor que lhe pertence.
É que, a despeito de se saber e conhecer que o sector agrícola é, entre nós como no Mundo em geral, um
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sector deprimido e traumatizado pelos fenómenos desfavoráveis mais variados, mesmo assim os glandes mandamentos da sobrevivência têm chamado a ocupar nele as suas actividades quase metade da nossa população trabalhadora Daqui o interesse de se ouvirem as declarações referidas, que mitigaram, desde logo, muitas e dolorosas ansiedades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Renasceu a esperança de se ver conferir a nossa empobrecida agricultura o tratamento que este sector bem merece, para que se não perca de todo o amor à terra.
Ora esse amor, que as grandes encíclicas procuram exaltar como garantia contra as catastróficas convulsões que a fuga da terra produziria, só pode manter-se se a vida no sector tiver a mesma gama de possibilidades que apresenta nos restantes sectores da vida nacional.
Ora essa harmonia nunca existiu entre nós.
Está dito e redito por todas as formas de expressão que há diferenças profundas, ocupando o sector agrícola uma posição de acentuadíssima desvantagem.
Reconheceu-o agora, e uma vez mais, a voz autorizada do Sr. Ministro da Economia nas suas oportunas declarações e, ao fazê-lo, anunciou medidas e directrizes que já se não confinam nos limites mais ou menos aliciantes das programações anteriores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Afirmou o ilustre governante que para vencer a crise da agricultura «têm os lavradores e o Governo de actuarem como um só corpo um só pensamento e uma só acção», pois só assim, disse, «a agricultura poderá fornecer rapidamente uma grande contribuição para o produto nacional».
Quero crer que nestas vigorosas animações de comando, e no espírito de comunidade que elas contêm, se encontra a válida directriz dos novos rumos.
E noto com verdadeira satisfação que este espírito de comunidade se encontra já bem estruturado no distrito de Coimbra, onde, sob a égide do Sr. Governador Civil, se criou e tomou consistência a ideia de que, sendo os grandes problemas regionais e até nacionais o somatório das necessidades dos povos, era da maior utilidade ouvir a voz dos seus legítimos representantes, discutindo e acertando as soluções a tomar. Assim se formou uma equipa de trabalho, integrada pelos presidentes das câmaras municipais e demais autoridades administrativas, Deputados pelo círculo e os altos funcionários dos serviços do Estado, que vem estudando os problemas do distrito com vista a uma harmónica solução de todos eles.
Os vários departamentos ministeriais conhecem suficientemente as normas de trabalho desta valiosa equipa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O reconhecimento de que o distrito de Coimbra é, na verdade, um distrito desfavorecido, por ser muito fraco o seu índice de industrialização e pouco rentável a sua agricultura, tem feito aglutinar as forças vivas da região num mesmo pensamento de defesa contra estas amargas realidades.
Por isso, conhecendo-as e avaliando-as na impressionante crueza dos seus altos inconvenientes, essas forças vivas tinham uma forte esperança em que o Plano Intercalar de Fomento, há pouco aprovado nesta Câmara, e já em execução, sem ofender as generalidades que lhe cumpria respeitar, não poderia olvidar o conjunto de iniciativas havidas como os melhores remédios para os males tão sobejamente conhecidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E como aos gabinetes ministeriais mais directamente empenhados na elaboração desse Plano tinham certamente chegado os ecos do debate e as conclusões do valioso aviso prévio efectuado, com o maior brilho, pelo Sr. Deputado Nunes Barata e por outros Deputados sobre o aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego, em que ficou suficientemente esclarecida e demonstrada a carência de toda a região central do País, supunha-se que, provado assim, como já o estava, aliás, por numerosos estudos oficiais e particulares, o valor e a imprescindibilidade desse empreendimento, lhe haveria de ser concedida a prioridade, que tantas e tão fortes razões impunham.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi, por isso, com verdadeira surpresa que se tomou conhecimento da posição do Plano Intercalar quando consignou uma dilação de duração condicionada à aprovação de certos estudos havidos por inacabados ou em vias de apreciação.
Ora, a Câmara Corporativa já foram apresentados esses estudos e sobre eles foi emitido o parecer n.º 22/VIII, de 4 de Março deste ano, que os aprova em concordância inteira com os largos pontos de vista considerados.
Uma vez mais as esferas oficiais tomaram conhecimento de estudos e de soluções que vêm sendo preconizados há quase quatro séculos e por tal forma que bem poderá dizer-se que, em nossos dias, já não há problemas do Mondego que não tenham sido estudados, nem falta de orientação definida para os resolver.
Torna-se apenas necessário que tais estudos entrem na fase da sua conveniente aplicação.
Demonstram tais estudos, emanados da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, do Ministério das Obras Públicas, do Conselho Superior de Obras Públicas da Secretaria de Estado da Agricultura e do Conselho Superior de Agricultura, a que empresta o mais alto valimento o referido parecer da Câmara Corporativa, que o aproveitamento da bacia do Mondego, nas suas várias possibilidades, interessa a mais de 600 000 almas e a mais de 44 000 ha da região das Beiras, repartidos por cerca de 40 concelhos de que estão integrados, entre outros, 16 no distrito de Coimbra, 8 no distrito da Guarda e 10 no de Viseu.
Daqui ressalta a transcendente importância do aproveitamento do maior no português, que, quando se transformar em realidade, fomentará a riqueza e o engrandecimento da região central do País, contribuindo para o nivelamento da prosperidade nacional.
Por isso, o notável parecer da Câmara Corporativa destaca a alta valia deste empreendimento, que, na escala dos grandes melhoramentos nacionais, ocupa um destacado lugar.
Venho apoiar inteiramente as cabidas e válidas considerações do valioso parecer e apoiar também tudo quanto há pouco disse dentro do mesmo sumário o Sr Deputado Nunes Barata, que, uma vez mais, traçou magistralmente o recorte económico-social deste empreendimento.
E faço-o, Sr Presidente, não por meia displicência, mas para interpretar os grandes anseios das gentes da região das Beiras, cada vez mais flagelada e empobrecida no seu normal e necessário descimento
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Na verdade, sob a incidência de causas bem conhecidas, por estarem, como já disse, estudadas há muito tempo e convenientemente equacionadas, o rio Mondego que deve ser um curso de água cujas potencialidades enérgicas e hídricas hão-de servir a região que ele e os seus afluentes banham e nela fomentar a prosperidade das populações, anda por lá insubmisso e impetuoso na época das suas desordenadas cheias, e com aflitivo raquitismo nos estios, ausente, portanto, das grandes utilidades para que a Natureza o dotou.
Por isso, deixa cada vez mais empobrecidos os campos a que dá o nome - os já famosos «campos do Mondego» -, que constam de cerca de 15 000 há de terras dotadas com o melhor húmus nacional.
Alagados pelas águas descontroladas das suas cheias durante tempos infindáveis, esses campos continuam a ser flagelados pelo estigma esterilizante das areias rede de afluentes lhe fornece com alta liberdade e vai buscar às encostas nuas das suas cabeceiras.
Perde-se gradativamente uma autêntica riqueza nacional com este estado de coisas, que vem de muito longe.
Ora, tem-se afirmado, com a mais alta propriedade, que não somos tão fabulosamente ricos para que possamos assistir à depredação destes grandes valores do nosso património indefinidamente. Por isso, não devemos manter-nos
indiferentes à lição dos factos que os conscienciosos estudos oficiais já há tanto caracterizaram no afã inconsequente de soluções nunca aplicadas.
Mas, se os problemas do baixo Mondego são cada vez mais prementes e mais graves na complexa vastidão do seu impressionante conjunto, também o não são menos os das regiões do interior.
Também nestas a agricultura experimenta grandes dificuldades, que muito lhe comprometem a rentabilidade.
Ora, se os grandes planos de fomento entre os quais alinha o Plano Intercalar, buscam a aceleração do ritmo de descimento do produto nacional, pela coordenação dos planos de desenvolvimento de cada uma das parcelas da Nação, nenhuma dessas parcelas pode ser desconsiderada quando experimente as dificuldades do seu subdesenvolvimento.
Está nessas condições a grande região central do País, que, por ser predominantemente agrícola, sofre as muitas vicissitudes próprias do sector. Todos esses malefícios e vicissitudes são talvez mais drásticos nas regiões do interior, onde impera o minifúndio, porque a rotina ainda ali assume o mando de norma imutável, condicionando e encurtando os horizontes das vidas das suas gentes, que são vividas em permanente obscurantismo.
É por isso que nos estamos a empobrecer cada vez mais no nosso capital humano, pois, quando ao longe brilha ou parece brilhar uma réstia de sol, logo surge, irreprimível, o desejo de lhe procurar a luz.
Lançam-se então essas gentes em busca das novas possibilidades e desertam dos seus rincões.
Daqui a tendência emigratória das nossas gentes rurais, tendência que anual, mais não é do que uma defesa natural, integrada na própria lei de sobrevivem. Assim se vai fortalecendo o mais temível dos flagelos da vida local - o tremendo êxodo -, que, pesando muito no presente, é uma grave ameaça para o futuro.
Tem de procurar-se afanosamente fixar o homem à terra através da garantia efectiva a de que a luz visionada nos longínquos horizontes da terra estranha brilhará com mais intensidade na própria terra-mãe.
Isto implica necessariamente a resolução dos grandes problemas que os vários estudos do aproveitamento do rio Mondego têm equacionado.
Das glandes barragens surgirão fontes de energia eléctrica que permitirão levar esta poderosa alavanca da civilização a todos os núcleos populacionais que dela careçam.
Mas, para serem inteiramente úteis, tais fornecimentos não se podem confinar apenas no estabelecimento das linhas por onde o fluxo passa quase aproveitado
É mester pensar numa electrificação total e completa, isto é, na efectiva colocação da energia na casa de cada um, através de um sistema equilibrado de custos da instalação que não sejam, como agora sucede, exigências proibidas às bolsas de magros recursos das economias rurais.
Mas a electricidade tem ainda de ser colocada à disposição da lavoura pela maneira mais conveniente.
Das albufeiras com que se domarão as águas do sistema hidrográfico devem ser também os grandes abastecimentos de água de que os povos carecem para todos os fins das suas actividades. Também aqui haverá que acautelar os direitos dos povos por forma que da água lhes resultem efectivos benefícios e não mais uma servidão intolerável.
É por isso que um aproveitamento integral das valias que o Mondego e sua rede podem propiciar, destinando-se ao melhoramento da vida local, pressupõe a existência de autarquias que tenham possibilidade de utilizar integralmente os benefícios daí resultantes, e não organismos de débil compleição financeira, inaptos, por isso, para acompanharem o ritmo de progresso que o empreendimento virá facilitar.
Com as câmaras municipais asfixiadas pelo actual condicionamento que tanto lhes dificulta as suas importantíssimas missões, o regular desenvolvimento dos grandes planos de melhoramento da vida local terão de continuar a sofrer perniciosos atrasos.
Isto impõe, necessariamente, a já postulada revisão do Código Administrativo, que continua ainda por fazer.
Não poderá esquecer-se que as autarquias, nomeadamente as câmaras municipais - a quem cabem as grandes e valiosas tarefas do engrandecimento local -, não poderão continuar a trocar a possibilidade de as realizarem pela obrigação de solverem os grandes compromissos do erário geral da Nação, pagando as despesas com a saúde pública, com a instrução e com a manutenção dos serviços do Estado.
Que nelas colaborem em medida ajustada as suas efectivas possibilidades ainda se poderá compreender, mas que suportem essas despesas como seus encargos próprios e exclusivos é determinação violenta que não encontra qualquer justificação.
Mas o melhoramento da vida local que se espera do integral aproveitamento do Mondego impõe a elaboração de planos de desenvolvimento regional inteiramente ajustados às necessidades específicas que têm de ser satisfeitas.
Desta sorte, a par das autarquias, também os serviços do Estado têm um importante conjunto de tarefas a desempenhar.
Sem abafantes tecnocracias de cunho mais ou menos teórico, todos esses serviços devem prestar a colaboração integral de que forem capazes, aplicando com liberalidade os ensinamentos que forem colhendo, e não continuarem a viver distantes dos problemas a resolver, com presenças fugazes e esporádicas, que não permitem senão visionar os ângulos de menor dificuldade desses mesmos problemas.
Terão de ser abandonadas as directrizes que preconizam a táctica dos compartimentos estanques, que se não podem justificar nem compreender perante as grandes exigências da vida dos nossos dias
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Sr. Presidente: Acompanhando as vicissitudes actuais de outros distritos também desfavorecidos, o distrito de Coimbra está a sentir os tremendos efeitos da fuga dos seus melhores valores de trabalho em muitos dos seus concelhos Perante a fraquíssima rentabilidade da agricultura e a ausência de empreendimentos industriais, os homens válidos procuram na emigração a sobrevivência que não têm garantida nos seus torrões natais.
Vão-se despovoando as nossas aldeias e até as vilas e a falta de braços impede que, mesmo na rotina ancestral, as terras sejam cultivadas.
Ora, não obviam a estes trágicos inconvenientes as remessas de dinheiro que os emigrantes vão fazendo. Efectivamente, esses fundos, quase exclusivamente resultantes das privações de toda a espécie que passam na estranja os nossos trabalhadores, são geralmente aplicados em empreendimentos sumptuários que não garantem que um dia, quando acabarem os contratos, ou quando o organismo depauperado já não puder produzir trabalho útil, esteja assegurada a sobrevivência dos que vão regressando.
Também este problema importantíssimo deveria merecer a atenção superior, para lhe ser dada uma solução compatível com as necessidades da vida local.
Mas importa colmatar, sem tardanças, a falta de braços que a agricultura está a sentir cada vez mais intensamente.
O funcionamento dos grandes planos de aproveitamento do Mondego vai levar o seu tempo a entrar em execução.
A falta de braços, porém, tem de ser suprida imediatamente.
Torna-se necessário que na resolução deste candente problema se encontre a colaboração mais estreita e mais inteligente de todos os nossos recursos, pois que nela todos têm um papel a desempenhar.
Desde o Estado às autarquias, aos organismos corporativos e de coordenação económica, até aos empresários agrícolas e industriais, a todos está reservada uma tarefa de saliente valor na defesa do interesse comum.
O Sr. Ministro da Economia deixou bem patentes as intenções de a este e aos outros grandes problemas que tanto afectam o nosso crescimento serem dadas sem tardanças as soluções convenientes.
Sendo, como se afirmou ser, um imperativo do Governo vencer a crise da agricultura, eu não duvido de que aos problemas da hora presente, que tanto afligem o distrito de Coimbra, seja dada a prioridade que merecem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei acerca do regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Tem a palavra o Sr Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho: - Sr. Presidente: A Assembleia Nacional é mais uma vez chamada a depor e deliberar numa importante proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, emanada do Ministério das Corporações e Previdência Social.
Verifica-se assim que o Ministério das Corporações, na esteira de uma actividade que tanto o prestigia e nobilita, se mostra sempre decidido executor dos mais variados actos e medidas que visem a promoção, o equilíbrio, a segurança e a justiça sociais devidos aos trabalhadores. Para a execução destes fins jamais o Ministério das Corporações se eximiu a um fecundo esforço legislador. E nós aqui conhecemo-lo bem, além do mais, pela frequência com que somos solicitados a discutir e votar diplomas que o Ministério das Corporações envia a esta Câmara.
E faço propositadamente a alusão a este facto para pôr em evidência que quando o Ministério das Corporações se propõe legislar sobre matéria de inequívoco interesse nacional, como sejam, por exemplo, as habitações económicas, os tribunais do trabalho, a previdência, os acidentes de trabalho e doenças profissionais, etc., não desdenha, ou se furta a inserir nessa actividade legislativa, a colaboração da Assembleia Nacional, o órgão de soberania mais representativo da consciência e da vontade nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não estamos muito habituados a este procedimento. Por isso é de realçar esta atitude de elegância constitucional, que a Câmara tem de apreciar e distinguir, reveladora ao mesmo tempo de um assisado sentido de distributiva responsabilidade legislativa.
As minhas homenagens, pois, ao ilustre titular da pasta das Corporações e aos seus não menos ilustres antecessores, que tão dignamente têm perfilhado e mantido semelhante orientação.
Os multiformes problemas do mundo do trabalho dominam o panorama da vida do homem de hoje.
Problemas de ordem social, económica, política e até moral e espiritual existem e aumentam dia a dia com as crescentes actividades humanas e a complexidade e tecnicização dessas mesmas actividades em quase todas as buas manifestações, carteiras, profissões, empregos ou modos de vida.
No plano material o trabalho confunde-se com a própria existência do homem.
É prazer, é alegria, é pão, é vida. Mas também é dor, sofrimento e morte.
Portanto, se nas sociedades se procura generalizar a todos os homens os benefícios do trabalho a ponto de o erigir em direito, é racional e humano que se empreguem os mesmos esforços para combater e diminuir todas as nocividades que do mesmo trabalho advêm para o homem.
E dito isto nada mais seria necessário acrescentar para pôr em evidência a importância do diploma em discussão.
Mas confirmam-na também os números contidos no relatório preambular do projecto de proposta, que nos informa ter havido no período de 1958 a 1962 um total de 1 438 340 acidentes acarretando incapacidade temporária, com 18 242 899 dias de trabalho perdido, ascendendo a 825 193 contos o montante despendido em indemnizações e despesas com tratamentos. Ainda no mesmo período de 1958 a 1962, dos acidentes com incapacidade permanente resultaram 164 026 diminuídos físicos, acarretando um dispêndio de 263 473 contos em pensões pagas e remidas.
Estes números referem-se apenas a acidentes cuja responsabilidade foi transferida para entidades seguradoras.
Mas a Assembleia já ouviu números mais actualizados e infelizmente ainda mais expressivos.
É também impressionante a informação prestada pelo Grémio de Seguradores, e ainda há pouco aqui referida por um nosso ilustre colega, «de que os acidentes de tra-
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balho representavam entre nós, só por si, uma perda de mais de 10 milhões de dias de trabalho é um prejuízo anual de 2 milhões de contos, traduzidos em dispêndio e ausência de lucros».
Mas o panorama é, na realidade, muito mais grave, já que a sinistralidade mostra tendência para aumentar e, sobretudo, porque os dados estatísticos apodados não incluem as doenças profissionais.
E nestas, e só pelo que respeita à silicose, não será ousado afirmar existirem em Portugal cerca de 200 000 indivíduos trabalhando em ambiente contendo sílica.
E sabe-se, embora sujeitas a oscilações, como são elevadas as taxas de incidência de silicose nos trabalhadores expostos ao risco silicogéneo.
Assim nos tornamos cientes de quanto os acidentes de trabalho e as doenças profissionais pesam terrìvelmente nos destinos do trabalhador e na economia nacional.
Por isso, e antes de prosseguir na apreciações da proposta, saudemos desde já jubilosamente as inovações que nela se contém relativamente às medidas da profilaxia do sinistro e da doença, pois será primordialmente pela prevenção que poderá modificar-se o quadro sombrio dos acidentes e das doenças profissionais em Portugal.
E, sobretudo, pelo que respeita às pneumoconioses, com a expressão impressionante que nelas ocupa a silicose. Porque se se pode readaptar ou recolocar um diminuído físico, desgraçadamente ainda não existem recursos da ciência que possam travar a marcha inexorável do silicótico para a morte.
E esta satisfação resulta também de ser este um dos aspectos mais caros à nossa formação profissional, em que cada vez mais nos esforçamos por prevenir, em vez de curar. E à medicina, através do seu ramo especializado da medicina do trabalho, conjuntamente com a técnico, competirá um papel de primacial relevo na prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Há no relatório do projecto de proposta e no parecer da Câmara Corporativa profusas referências à legislação anterior, com justificado realce para a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, e ao Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919.
Este diploma instituiu o seguro social obrigatório contra os desastres no trabalho, com a novidade de conceito de desastres no trabalho os casos de doenças profissionais, desde que devidamente comprovadas.
No entanto, este decreto jamais foi regulamentado e, assim, a rasgada iniciativa que nele se continha perdeu-se já que o País não dispunha então de estruturas económicas e financeiras em que alicerçar o segurança social que o referido decreto pretendia instituir.
Fracassou a aspiração do legislador, mas reconheça-se o benefício que adveio daquele diploma ao abrir o caminho para a obrigatoriedade do seguro contra os riscos profissionais.
Finalmente, sob o Governo da Revolução Nacional, chegou-se à concretização dos anseios da protecção contra os riscos profissionais com a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1931, já decretada por esta Assembleia.
A promulgação da Lei n.º 1942 representou uma conquista no amparo social devido ao trabalhador.
A caminhada retomou-se mais tarde sob o impulso do então Ministro das Corporações e Previdência Social e agora nosso ilustre colega Dr. Veiga de Macedo. Muitas outras medidas, entre as quais sobressaem a Campanha Nacional de Prevenção dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, a criação da Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais e do Gabinete de Higiene e
Segurança no Trabalho, etc., demonstraram a preocupação do Ministério e do Governo em assegurarem a protecção devida ao trabalho nacional. Assim, nalguns aspectos, se foram suprindo falhas e lacunas e aperfeiçoando a Lei n.º 1942.
Aliás, outras medidas e outras disposições emanadas dos Ministérios da Saúde e Assistência e da Economia têm demonstrado o interesse destes departamentos governamentais em enfrentar alguns outros aspectos do trabalho nacional
Mas não se encontra referida nem num nem noutro relatório, e para mim considero-a de decisiva importância pelo preenchimento que veio trazer a uma incomportável lacuna da Lei n.º 1942, a publicação do Decreto n.º 43 189, de 23 de Setembro de 1960, que pôs em vigor a tabela nacional de incapacidades nos desastres de trabalho e doenças profissionais.
Só quem conhece o ambiente dos tribunais do trabalho pode avaliar os benefícios que se colheram com a publicação da tabela nacional de incapacidades
A Lei n.º 1942 remetia a avaliação das incapacidades para a tabela francesa de Lucien Mayet. Esta tabela satisfazia quanto aos acidentes de trabalho, mas era, pode dizer-se, omissa quanto à silicose, a doença profissional que, pela sua incidência, domina totalmente o panorama das pneumoconioses. À face da tabela de Mayet tornava-se por vezes difícil impor a silicose como doença profissional, já que esta pneumoconiose nem sequer ali era citada. E, consequentemente, como é óbvio, não continha quaisquer elementos para a determinação dos coeficientes de desvalorização a atribuir aos vários graus evolutivos da doença na sua expressão radiológica e repercussões funcionais respiratórias.
A tabela nacional constituiu assim um indiscutível progresso, pois veio pôr ordem onde reinava o caos, já que o cálculo das incapacidades em matéria de silicose. ficava inteiramente à mercê do arbítrio do perito.
Justificar-me-ei na referência larga e aparentemente forçada que aqui faço ao Decreto n º 43 189, que pôs em vigor a tabela nacional de incapacidades, que orienta a classificação e atribuição das desvalorizações nas perícias médico-legais dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
É que o presente diploma, na disposição revogatória da base L, não revoga o Decreto n.º 43 189. Continuaremos, pois, a usá-la.
E como a tabela de incapacidades representa um instrumento principal na reparação dos acidentados e doentes profissionais pelo que respeita a indemnizações, justifica-se assim que sobre ela nos debrucemos com algum pormenor.
No capítulo de acidentes de trabalho a tabela nacional apresenta, em relação à de Mayet, a inovação progressiva de que para uma dada lesão o coeficiente de desvalorização oscila entre um limite mínimo e máximo, variável com a idade e profissão.
Compreende-se bem que assim seja, pois um dedo faz mais falta a um pianista ou a um relojoeiro do que a um cavador de enxada, e a sua perda tenha naquele uma maior desvalorização do que neste.
Por outro lado, um encurtamento de um braço é mais prejudicial no novo do que no velho. Determinará no primeiro uma maior desvalorização do que no segundo
Podem, no entanto, formular-se-lhe algumas críticas, que, aliás, o próprio decreto admite e deseja, pois criou também uma comissão permanente de revisão da tabela.
Afigura-se-nos nalgumas rubricas demasiado condensada a lista discriminativa das situações a desvalorizar. Há mutilações, deformidades, perturbações motoras ou
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sensitivas, muitas vezes difíceis de classificar, mesmo por analogia, à face da tabela.
Em relação à de Mayet, a tabela nacional mostra-se aparentemente mais generosa e contemplativa nas indemnizações. As grandes mutilações são mais desvalorizadas. Mas como na esmagadora maioria das sequelas dos acidentes de trabalho predominam as pequenas deformidades, e estas na generalidade são menos desvalorizadas na tabela nacional, o somatório das indemnizações deve ter baixado, em prejuízo dos incapacitados.
Pelo que se refere à peritagem das pneumoconioses, a publicação da tabela nacional marcou um passo decisivo e indispensável, sobretudo porque anulou aquele zero vergonhoso em que vivíamos, em comparação com os métodos e normas das perícias médico-legais das pneumoconioses em vigor noutros países.
Mas, e por muito paradoxal que pareça, é aqui que maiores críticas haveria a formular. No fundo, compreensivelmente, pois, tratando-se de matéria inovadora, é a mais passível de ajustamentos e rectificações.
Quanto à silicose, a tabela obriga a uma larga determinação de volumes pulmonares, débitos e coeficientes respiratórios, para, no fim de contas, só se servir de um parâmetro respiratório, o volume expiratório máximo por segundo, para o cálculo do coeficiente parcial de desvalorização atribuível ao componente funcional.
Não há alusão a qualquer prova funcional respiratória após o esforço, quando é certo que algumas insuficiências respiratórias só se manifestam após o exercício.
Nós sabemos que existe insuficiência pulmonar quando uma pneumonia é responsável pela redução do oxigénio arterial ou a acumulação de anidrido carbónico no sangue.
A determinação destes gases sanguíneos dá indicações concretas sobre a hematose e, portanto, sobre o grau de capacidade respiratória, é independente da vontade e, portanto, de qualquer espírito de fraude do examinando, já hoje existem técnicas bastante estandardizadas para a obtenção das taxas sanguíneas daqueles dois gases.
Parece, pois, indicado dever utilizá-las na peritagem da silicose.
De igual modo se faz sentir a necessidade de uniformizar rigorosamente as técnicas radiológicas.
Muitos erros de interpretação e, portanto, de falência diagnostica são devidos à deficiência e diversidade das técnicas usadas Impõe-se a codificação daquelas técnicas para o diagnóstico das pneumoconioses.
A desvalorização devia atender ainda à idade, tempo de exposição ao risco silicogéneo, tempo de evolução da doença, especialização profissional do doente, etc.
Mas fujo à tentação de cair em excessivas pormenorizações técnicas, por me parecerem deslocadas no ambiente desta Câmara.
E também porque o responsável pela elaboração do capítulo das pneumoconioses da tabela nacional, o Dr. João Dias Gaspar, já teve a desassombrada iniciativa, louvável a todos os títulos, de fazer a crítica, tendente à sua actualização, do seu próprio trabalho na magnífica lição produzida no curso de férias da Figueira da Foz, em Setembro passado, sobre as «Perspectivas da peritagem da silicose em Portugal»
Este trabalho, de crítica e revisão, dá plena satisfação às dúvidas e aos reparos daqueles que se debruçam sobre os problemas da peritagem da silicose, e por certo não deixará de ser considerado oportunamente
Acrescentarei apenas que o diagnóstico da silicose e a avaliação da capacidade funcional, respiratória e até muscular dos silicóticos carece de meios técnicos e da intervenção de médicos tão especializados que a lei devia prever a possibilidade, para um estudo com finalidade pericial, da hospitalização do trabalhador num serviço de pneumologia, ou, melhor, num centro especializado
Correlativamente, aqui se põe o problema dos peritos dos tribunais do trabalho, e neste aspecto honro-me em corroborar as afirmações já este ano aqui brilhantemente produzidas pelo nosso ilustre colega Dr. Santos Bessa.
Com a presente orgânica e pelo modo como se processam os exames médico-legais, o exercício da função pericial pode ser desempenhado por qualquer médico.
Não surpreende, pois, que um grande número desses profissionais não tenha os conhecimentos de medicina legal e de medicina do trabalho indispensáveis ao bom cumprimento da missão que suo chamados a desempenhar.
Daí as insuficiências e as falhas verificadas sobretudo na peritagem da silicose, que requer conhecimentos médicos altamente diferenciados
Mesmo assim, sem o apetrechamento e os títulos qualificativos que a nossa organização e o ensino médico ainda não proporcionam, há peritos que, pelo estudo e a sua longa experiência, estão já apetrechados para estas missões periciais.
E quantas vezes se torna doloroso verificar que o trabalho e o juízo desses peritos podem ser anulados pela decisão de uma junta de recurso constituída por médicos sem preparação adequada.
De qualquer modo, pela constituição de um grupo ou colégio de peritos dignos desse nome, ou por qualquer outra modalidade que se julgue conveniente, impõe-se a modificação de uma situação que, por vezes, dificulta o exercício da justiça e acarreta prejuízos, quer aos acidentados e doentes profissionais, quer às companhias seguradoras.
Após este desvio pelas tabelas, desvalorizações e peritos, que no entanto não nos pareceu inoportuno nem deslocado no debate, retomamos o fio das nossas considerações.
A Câmara Corporativa habituou-nos ao alto nível dos seus pareceres, o que agora mais uma vez aconteceu com o projecto da proposta de lei relativo ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
É devida uma justa palavra de felicitações ao seu relator, o Digno Procurador José Augusto Vaz Pinto, não obstante as reservas que possam ser postas a algumas das suas conclusões.
Perfilhamos em vários aspectos os termos do parecer, por reconhecermos que as alterações e a nova ordenação e distribuição, por capítulos, das bases, sem alterarem no fundo o objecto e âmbito da proposta, serviram, pelo contrário, para a aperfeiçoar e valorizar.
Para além disto, o parecer sugere mesmo inovações, uma delas muito transcendente e delicada, e a que adiante aludiremos.
Todos sentimos a complexidade do projecto, e a Câmara Corporativa não deixa de o notar.
Organizado em função dos acidentes de trabalho e doenças profissionais e reparação das suas consequências, contém outras disposições sobre prevenção, deveres de segurança e higiene dos trabalhadores.
Estas últimas matérias, pela sua importância e vastidão, e porque cada vez mais se acentua o papel relevante que desempenham na protecção social da mão-de-obra, e até porque a sua natureza, visando a «melhoria das condições sociais ou de sanidade dos trabalhadores»,
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é juridicamente diferente da matéria específica dos acidentes e doenças, «reguladora da cobertura dos riscos», estes motivos impunham a criação de diplomas próprios para a prevenção, higiene e segurança.
É evidente que as providências sobre prevenção, higiene e segurança, readaptação e colocação, aliás condensadas em 3 únicas bases das 50 que a proposta comporta, transcendem o seu título de «Regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais».
Não obstante a sua correlação, é notório que o conteúdo extravasou do rótulo do continente.
Melhor seria que pela extraordinária importância de que se revestem, e até, como já se disse, pela sua diferenciação jurídica com o conteúdo específico da proposta, a prevenção e serviços afins fossem tratados, com o adequado desenvolvimento, em diploma à parte, embora no tempo, não desligado da proposta.
Pelo que respeita às doenças profissionais. Por razões plausíveis, entre as quais ressalta a existência da Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissional, com o que agora já inteiramente concordamos, a Câmara Corporativa arrumou-as no texto da proposta em capítulo próprio, sem que daqui resulte prejuízo das a irmãs de aplicação comum nos acidentes e nas doenças profissionais.
E neste aspecto das doenças profissionais que actual proposta de lei marca nítido progresso e afirma a sua superioridade sobre a lei em vigor.
O capítulo das doenças profissionais abre com a base XXV, que confere ao Ministro das Corporações e Previdência Social a competência para organizar a lista das doenças profissionais sob o parecer de vários organismos, no número dos quais, e muito bem, a Câmara Corporativa incluiu a Ordem dos Médicos, esquecida no projecto da proposta.
E de desejar que esta lista venha a ser organizada à luz dos conhecimentos científicos actuais, com a suficiente largueza, de modo a abarcar todas as eventuais situações a reparar.
Também nos parece indicado e útil colaborar directamente na organização da lista a Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais, não obstante poder objectar-se que a Caixa Nacional já está implìcitamente representada na comissão a que alude a base XXV, por depender do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, ali mencionado.
A base XXXIV, relativa à «reparação especial da silicose sem incapacidade», não se justifica por partir de uma afirmação que não corresponde à realidade médico-legal.
Pensamos que uma situação da silicose, para beneficiar das reparações e demais protecção que a proposta pretende conferir-lhe, tem de ser reconhecida pericialmente ou juridicamente, como quiserem.
Ora, um silicótico despistado numa perícia médico-legal, com base no que dispõe a tabela nacional de incapacidades, mesmo no grau inicial de classificação radiologia, o grau «reticular com raros micronódulos», e sem que haja qualquer compromisso funcional respiratório, fica logo automaticamente incapacitado pela atribuição cominatória da tabela de um coeficiente de desvalorização de [...]?
Quer dizer: o simples diagnóstico de silicose, mesmo com o reconhecimento de uma perfeita capacidade respiratória, obriga desde logo a incapacidade, embora parcial, já que a tabela não define qualquer estado de silicose a que não corresponda desvalorização.
Demonstra-se assim haver nítida contradição entre a premissa de que decorre todo o conteúdo da base e a legislação em vigor. Há, pois, que eliminá-la.
A subsistir, jamais o preceito da base XXXIV terá aplicação na prática e fica como letra morta e incorrecta a sobrecarregar desnecessàriamente a proposta.
O capítulo das doenças profissionais fecha com a base XXXV, relativa à «extensão do regime especial de reparação da silicose»
O Ministro das Corporações poderá, por decreto, tornar extensivas a outras pneumoconioses as normas especiais de reparação referentes à silicose.
A disposição da base não deve ser facultativa, mas sim imperativa. E é simples. Basta substituir um «poderá» por um «deverá».
Na Lei n º 1042 fugiu-se a uma definição rígida do conceito de acidentes de trabalho, deixando à jurisprudência o cuidado de determinar em cada caso o que devia considerar-se acidente de trabalho, com assento nos três elementos de base que a lei lhe oferecia lugar e o tempo de trabalho, a autoridade da entidade patronal e o proveito económico que para esta possa resultar da execução dos trabalhos prestados.
Foi essa mesma jurisprudência que, com a sua actuação ao longo destes 25 anos, elaborou a doutrina que se consagra na proposta, com um conceito, digamos, já não maleável, de acidentes de trabalho, mas que abarca a totalidade dos casos. No entanto, parece-nos que ainda se poderia aperfeiçoar o conceito de acidente de trabalho se se lhe introduzisse, embora seja quase implícita, a noção de subitaneidade e imprevisão.
A actual proposta consagra também de forma expressa a relevância jurídica do «acidente de trajecto», outra trabalhosa aquisição da jurisprudência, como acentua o parecer.
Não compreendemos, no entanto, muito bem porque o «acidente de trajecto» só deva ser considerado «quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal».
Com a divulgação dos meios mecânicos de transporte individual certamente hão-de vir a verificar-se muitos acidentes com trabalhadores em que iniludìvelmente se demonstre terem ocorrido na ida ou no regresso do domicílio para o local de trabalho e em tempo perfeitamente integrável no horário da sua normal actividade laborativa.
Os propósitos do projecto estão imbuídos de louvável espírito social, que, entre outros, se manifesta na generalização do seguro, no alargamento do âmbito das situações a reparar e no aumento em número e quantitativos das reparações a conceder.
O projecto, em confronto com a lei em vigor, limita e não faz a descaracterização do acidente, por exemplo, quando causado pela privação do uso da razão ou em caso de força maior.
No acréscimo das reparações contam-se o aumento da percentagem nas pensões devidas por incapacidade permanente e por morte e o agravamento destas em função da idade dos beneficiários, a elevação do limite de idade dos filhos e dos outros parentes sucessíveis e das despesas de funeral, a acumulação de pensões para além das do cônjuge sobrevivo e dos filhos e a determinação da remuneração-base sem qualquer redução.
A Câmara Corporativa exalta em si mesmas estas louváveis disposições do projecto, com vista à melhoria do nível de segurança dos trabalhadores.
Mas opõe-lhe sérias e pertinentes objecções de natureza económica e jurídica, e até refere algumas contradições entre a lei em vigor e o projecto, em que a vantagem pertence àquela. E fá-lo, por exemplo, quando aprecia na especialidade a base VII do projecto, relativa à descaracterização do acidente
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Neste pormenor o pensamento da Câmara Corporativa é de extrema clareza, e vale a pena recordá-lo aqui.
Na verdade, enquanto na formulação do conceito de acidente de trabalho, ele (o projecto) condensa e sintetiza os elementos fundamentais que constituem a estrutura da lei vigente, no presente caso o mesmo projecto propõe-se substituir os elementos precisos e nítidos da descaracterização do acidente contidos na lei em vigor por formas breves e sintéticas.
Não se vê fundamento para esta alteração e há mesmo desvantagem em operá-la. Em contraste com noções rigorosas como são as da lei actual, nas bases das quais se firmou durante cerca de 25 anos uma jurisprudência coerente e clara, é perigoso formular conceitos genéricos que deixarão flutuar entre limites muito largos o critério do julgador, suscitando porventura soluções diferentes para casos idênticos.
Anote-se ainda que o alargamento do âmbito das reparações e o agravamento dos seus quantitativos acarretará acentuado aumento de encargos para as entidades responsáveis pela cobertura dos riscos, patronais ou seguradoras.
Aqui também a Câmara Corporativa formula sérias e muito válidas objecções, que devemos ponderar.
Além de tudo o mais que se proclama no parecer, afigura-se-nos também significativa a declaração de voto de um dos Dignos Procuradores subscritores do parecer.
Nem, em contrapartida, parece poder invocar-se como compensação o incremento do negócio segurador pelo aumento do volume da massa de seguros resultante da obrigatoriedade da transferência de responsabilidade, já que hoje, exceptuando quase que os pequenos produtores agrícolas, o seguro dos acidentes de trabalho está generalizado à maioria da população activa do País.
As entidades patronais já transferem na sua quase totalidade a responsabilidade de cobertura do risco para as companhias seguradoras.
Sabe-se também que o seguro de acidentes de trabalho é o menos rendoso, se não até deficitário, dos ramos praticados pelas companhias seguradoras, a crer nas suas afirmações.
Por isso não se vê maneira de impor novos encargos às seguradoras - encargos visíveis e invisíveis, pois não devemos esquecer-nos das reservas matemáticas que em alguns casos cresceriam quase que em progressão geométrica -, por isso, dizíamos, não se vê forma de impor novas responsabilidades às seguradoras a não ser por uma consentida elevação de prémios, que, no fundo, seria suportada pelas entidades patronais, que, por sua vez, não desejando abdicar dos seus lucros, a irão buscar ao aumento do custo de produção.
Poderia, evidentemente, recorrer-se ao bloqueamento das tarifas de prémios, mas também aqui não se encontraria o remédio.
A indústria seguradora retrair-se-ia na exploração deste ano e, de forma directa, sem interferência daquela, se cairia na situação que anteriormente apontámos.
Por via longa ou curta é a produção que viria a ser onerada.
Como já temos vindo a notar, o âmbito da futura lei é muito mais vasto que a lei em vigor.
Por um lado, abarcará os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, quer esta seja ou não explorada com fins lucrativos, quase não sendo de considerar as situações de exclusão.
Por outro, passa a ser geral a obrigatoriedade do seguro contra acidentes de trabalho.
Daqui resultará a generalização do seguro às actividades agrícolas, quer se trate de empresas de grande, média ou ínfima grandeza. E aqui devemos localizar a esmagadora maioria do pequeno agricultor, que é quase só patrão de si mesmo.
Também no n.º 6 da apreciação na generalidade a Câmara Corporativa se debruça sobre esta situação com um profundo sentido realista do panorama actual da agricultura portuguesa. E só não transcrevemos esta passagem do parecer para não nos alongarmos demasiadamente.
Mas é evidente que o pequeno agricultor não está em condições de contratar um seguro para cobrir os riscos dos seus trabalhadores, com os quais, afinal, inteiramente se identifica, pois cava ao lado deles e come da mesma tigela, deixando a descoberto o seu próprio risco.
Mas também seria manifestamente injusto que viéssemos ainda agravar a confrangedora situação do trabalhador agrícola em matéria de segurança social, não lhe facultando agora a cobertura do risco em caso de acidentes de trabalho
Para tanto, a Câmara Corporativa sugere a conversão da obrigatoriedade de transferência da responsabilidade, consignada no n.º 1 da base LIII do projecto, num seguro social obrigatório, a cargo de instituições de previdência, para os trabalhadores rurais ou equiparados em relação aos quais as respectivas entidades patronais não efectuem a transferência de responsabilidade que a futura lei prevê.
A medida proposta pela Câmara Corporativa suscita algumas interrogações e justificadas apreensões.
Em que modalidade e em que termos vai processar-se este seguro social obrigatório? Quais as instituições de previdência responsáveis?
Com esta modalidade de transferência da responsabilidade, consignada no n.º 2 da base XLIII, não irá criar-se uma situação destinada a fazer recair nas instituições de previdência a porção que é ingrata e danosa na obrigatoriedade do seguro, reservando para entidades seguradoras tudo o que é rendoso e aliciante?
A matéria do n.º 2 da base XLIII é de tal melindre e tamanha complexidade e envolve tantas implicações que a Assembleia terá de debruçar-se sobre ela com o maior dos cuidados.
Parece-nos de aplaudir a criação do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, destinado a substituir ou completar as prestações devidas pelas entidades patronais incapazes de solver as suas obrigações.
Afigura-se-nos, de facto, ser a maneira efectiva de defender os direitos de numerosos trabalhadores judicialmente reconhecidos e, ao mesmo tempo, o possível meio de sobrevivência das pequenas empresas que os empregam, pois a fragilidade da sua estrutura económica não resistiria à execução judicial dos encargos em dívida aos seus operários desvalorizados.
Também a forma como de futuro se virá a legislar no que respeita a predisposição patológica marca um progresso do diploma em debate em relação ao que sobre a mesma matéria se continha na Lei n. º 1942, no seu artigo 4.º.
E libertará a Magistratura do Trabalho de algumas dificuldades e embaraços
Ainda não há muito assistimos num tribunal do trabalho a uma habilidade de um Sr. Advogado que pretendia transformar uma sílico-tuberculose numa tubérculo-silicose, para impor a prevalência cronológica que lhe convinha de instalação das duas situações mórbidas, e deste modo fazer jogar a seu favor o conteúdo do citado artigo 4.º da lei em vigor.
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Na arrumação que lhe deu a Câmara Corporativa, as bases XLVI, XLVIII e XLVIII abordam os princípios sobre a prevenção, serviços de segurança e higiene, adaptação, readaptação e colocação.
São providências recaindo sob a responsabilidade governativa e patronal, e que só pela sua ampla e efectiva execução poderá concretizar o rasgado sistema de protecção social que a proposta visa a instituir.
Na verdade, hoje não pode conceber-se que a prevenção, a reabilitação e a recolocação não caminhem na vanguarda e na esteira do homem, que cada vez mais come e sofre os riscos do trabalho.
Aliás, também seria injustiça deixar de reconhecer que algumas destas providências já existem de facto ao serviço do trabalhador português e muitas outras estão previstas em diplomas legais.
Mas, na prática, este esforço governativo de protecção a saúde, integridade física e vida dos trabalhadores tem-se mostrado inoperante por razões já aqui profisamente expostas pelo nosso colega Dr. Santos Bessa na sua brilhante intervenção de 15 de Janeiro do corrente ano.
A falência dos instrumentos legais de que dispomos deve filiar-se na míngua de recursos, para actuarem, e também, na diversidade dos departamentos governativos de que dimanam.
Por isso se regista com agrado a criação, proposta, de um organismo adequado à direcção e coordenação de todas as entidades e serviços oficiais e privados dos interessados na prevenção.
Mas não se pense que tudo se vai resolver com esta providência centralizadora e coordenadora.
A Assembleia não poderá esquecer o papel importantíssimo que no sistema tem a desempenhar o instrumento social que hoje se designa pelo nome de medicina do trabalho.
A medicina do trabalho, que se determina e apoia a sua actuação nos conhecimentos que vai buscar à patologia clínica, médica e cirúrgica, geral e especializada, à traumatologia e toxicologia profissionais, a higiene e sanidade, à psicologia e psiquiatria e à medicina legal, à medicina do trabalho, dizíamos, é um sector tão vasto das ciências médicos e da medicina social que já hoje se desdobra em quatro grandes ramos, que são a medicina do trabalho, preventiva, curativa e reabilitadora e a legal do trabalho.
Basta este simples enunciado para se avaliar de que modo a medicina do trabalho intervém na profilaxia, cura, recuperação e classificação e reparação médico-legais dos riscos e consequências dos acidentes e doenças profissionais.
Donde decorre que deve fazer-se tudo o que seja necessário com o fim de promover e incentivar o estudo e o ensino da medicina do trabalho, para que o País possa dispor de genuínos e qualificados profissionais da medicina do trabalho.
Fico-me nestas considerações, mais demoradas do que devia e menos esclarecidas do que ambicionava.
Não apoiado.
Na aprovação que na generalidade desde já concedo à proposta ponho a fundada esperança de que, a partir de agora, novos caminhos se rasguem na melhoria das condições de trabalho de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Através deste debate fica concluso para o julgamento político da Assembleia Nacional o processo de uma lei por ela, aliás, decretada no já distante ano de 1936 e que, um de entre tantos, me coube aplicar no confronto dos seus preceitos com a realidade implicarei da vida
Sucedeu até ter coincidido a vigência dessa lei com a minha entrada no serviço público, ingressando com o entusiasmo dos 23 anos nos quadros do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
Para mim é assim de alguma maneira também um exame de consciência pessoal o balanço retrospectivo que a apreciação desta proposta de lei suscita. Mas em plena tranquilidade me afoito a afirmar que a lei de acidentes de trabalho de 1936 não foi uma lei ilustrada, na medida em que foi cumprida, e correspondeu na sua execução prática aos altos ideais de justiça social e nos generosos princípios que a informam.
As leis são, afinal, o que forem os homens que as aplicam e fazem cumprir. A Lei n.º 1942 foi boa, porque aqueles a quem coube essa tarefa estiveram à altura das suas responsabilidades, pelo seu zelo, dedicação, independência e saber no pulsar síncrono com os altos ideais de que a lei era portadora. Seja-me lícito lembrar saudosamente o primeiro com quem servi, e com quem tanto aprendi, quando com exemplar dignidade presidia ao Tribunal do Trabalho de Braga, o Dr. Francisco Machado Owen, e saudar cordialmente todos os que na Magistratura do Trabalho têm contribuído para o justo prestígio de que ela goza.
O Sr. António Santos da Cunha:- Muito bem!
O Orador: - Para os que estão nesta Casa vão os meus vivos sentimentos de camaradagem os Deputados Gonçalves Rapazote, Armando Cândido de Medeiros, Antão Santos da Cunha e Quirino Mealha.
Ao Supremo Tribunal Administrativo coube, como é natural, boa parte, a melhor parte naturalmente, da elaboração jurisprudencial, sem favor notável e de alto mérito, na aplicação da Lei n.º 1942.
A esse venerando Tribunal presidiu durante largos anos o Sr. Conselheiro Albino dos Reis, nosso ilustre colega.
Para além da sua destacada acção como presidente, eu quero dar-lhe o meu testemunho de admiração pela sua anterior actividade como julgador desempoeirado, arguto e seguro, revelada em acórdãos modelares.
Juntarei esta à homenagem por todos nós devida pela forma como vem orientando os trabalhos das comissões de estudo da proposta de lei em debate.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: O voto na generalidade, releve-se-me a impertinência de o lembrar, atido como sempre ao Regimento deve constituir um juízo de valor sobre a oportunidade e vantagem dos novos princípios legais e sobre a economia da proposta de lei submetida à apreciação da Assembleia.
Acerca da proposta de lei em debate três posições, pelo menos, soo possíveis na formulação desse juízo.
1) Considerá-la desnecessária, por não corresponder a real exigência. Por outras palavras: porque a Lei n.º 1942 se mantém actual, não se justifica a sua reforma, embora se admita a actualização de alguns dos seus dispositivos. É a posição condicente à sua rejeição na generali-
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idade expressa na declaração de voto de um Digno Procurador no parecer da Câmara Corporativa,
2) Reputar que a proposta sob debate não satisfaz na sua linha geral e nos postulados e conceitos de que arranca, nomeadamente por não marcar explìcitamente uma viragem no sentido da integração do risco de lesões profissionais no sistema da previdência social. Assinala-se que esta posição não conduz necessàriamente, como a primeira, à rejeição da proposta na generalidade, apenas postularia a elaboração pela Câmara de um dispositivo de substituição adequado a exprimir essa orientação. Mas, de qualquer forma, tratar-se-ia de uma nova formulação, ultrapassando substancial e formalmente o que se contém na proposta e transcendendo o objectivo desta,
3) Reconhecer a oportunidade e conveniência da proposta de lei, por ela corresponder à necessidade de reformar o direito vigente, independentemente da aceitação, ou não, do princípio da evolução do sistema actual no sentido da sua integração no esquema da previdência social.
Estas são, segundo penso, as posições possíveis no juízo de generalidade, embora possam revestir matiz e motivação variada.
Proponho-me, dentro das limitações do lugar e da extensão razoável de uma intervenção parlamentar, fazer sobre elas despretensiosa análise, confiado na sempre benovelente atenção da Câmara.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Lei n.º 1942 foi, sem dúvida, um diploma notável, se o situarmos no tempo e no condicionalismo em que surgiu.
Mas no domínio da política social, e nele se insere obviamente a definição do regime jurídico da reparação infortunística do trabalho, a evolução contemporânea tem sido rápida e marcadamente progressiva.
Esse sentido dinâmico das leis sociais impõe que não fechemos os olhos e os ouvidos, a inteligência e o coração aos ventos de justiça que sopram de todos os quadrantes, sem os recear timoratamente por respeito a ideias feitas ou a interesses criados.
Neste, ainda mais do que em qualquer outro domínio, o imobilismo seria fatal sintoma de renúncia à posição de vanguarda que hoje, como há 30 anos, havemos de reivindicar, fiéis ao pensamento que um dia Salazar exprimiu assim.
Nós queremos ir na satisfação das reivindicações operárias, dentro da ordem, da justiça e do equilíbrio nacional, até onde não foi em capazes de ir outros que prometeram chegar até ao fim.
Que a lei de 1936 envelheceu e já não corresponde às exigências actuais parece ser aceite pela generalidade das pessoas que montem contacto com a sua problemática e reconheceram-no a Câmara Corporativa no seu parecer e o Governo ao elaborar e submeter à apreciação da Assembleia Nacional a proposta da lei em debate.
Pondo mesmo de parte a quase total carência de normas relativas às doenças profissionais, e especificamente às de carácter evolutivo e irreversível, como a silicose, que havia de suprir-se sob pena de se manter uma insustentável incerteza de direito, impunha-se a revisão da lei sob múltiplos aspectos.
Apontarei exemplificativamente alguns em que a proposta de lei mova ou melhora o regime vigente.
Extensão do conceito de acidente de trabalho, consagrando a orientação jurisprudencial quanto aos acidentes in itinere, e equiparação a acidente da doença, embora não incluída na relação de doenças profissionais, mas que tenha resultado directa e necessariamente de causa que actue continuadamente em consequência da actividade exercida,
Atenuação das causas de descaracterização dos acidentes,
Consagração da jurisprudência quanto a hipóteses de exclusão de reparação,
Alargamento do esquema de reparação, quer relativo ao montante das pensões em alguns casos, quer quanto à introdução do conceito de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual,
Aumento percentual das pensões por morte e alargamento das situações de atribuição de pensões,
Regime mais favorável quanto à revisão e prescrição de pensões.
E, pela sua especial importância, são de considerar ainda outros aspectos contidos na proposta e referentes a
Prevenção dos riscos,
Reabilitação profissional;
Generalização do seguro,
Fundo de garantia e actualização de pensões
Bem desejaria deter-me na apreciação destes quatro aspectos fundamentais da proposta, mas, fiel ao propósito de não entrar em qualquer análise de detalhe mais adequada à discussão na especialidade, abstenho-me de o fazer por agora.
Mas do breve apontamento que deixo parece-me poder concluir que as alterações ao dispositivo legal vigente contidas na proposta de lei não são de molde a ajustar-se a uma mera actualização circunstancial da Lei n.º 1942, como opina o Digno Procurador na declaração de voto formulada no parecer da Câmara Corporativa.
E concluo este ponto afirmando que a reforma da Lei n.º 1942 se impunha como necessária, e, quanto à oportunidade dessa reforma, penso que, se há reparo a fazer, é o de ter sido tão tardia.
Mas sempre é certo que mais vale tarde do que nunca.
E passo, sem mais, a outra ordem de problemas relacionados com a segunda das posições enunciados. Mas para tal sou forçado a uma breve exposição preliminar, que reputo indispensável para tentar clarificar e delimitar algumas noções que se me afiguram fundamentais para tomada de posição.
No que respeita à reparação das lesões profissionais, e no plano da elaboração doutrinal, a noção subjectivista de culpa foi superada pela teoria da responsabilidade patrimonial objectiva, esta, por sua vez, mseiiu-se na doutrina do risco profissional, evoluindo para o risco de autoridade; a teoria do risco social e da segurança obrigatória constitui a integração mais acabada daquelas doutrinas na opinião de Perez Botija, que observa
quando parecia já consagrada pela doutrina, pela legislação e pela jurisprudência a teoria do risco profissional, as novas teorias do risco social abalaram os seus fundamentos, embora não pretendam suplantá-la, nem substituí-la, mas apenas completá-la
O fundamento social do risco de trabalho pode enunciar-se assim a comunidade tem de suprir as carências e de-
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ficiências dos seus membros, constitui risco para a sociedade o facto de alguns dos seus componentes ficar incapacitado, deve, pois, assegurar-se obrigatòriamente a reparação quanto aos riscos do trabalho. Mas nunca concepção global de segurança social esse mesmo risco profissional perde praticamente a sua individualidade, para se confundir com os riscos não profissionais que a segurança social visa a cobrir todas e cada uma das eventualidades, sem que se considere determinante o facto de estarem ou não ligadas ao trabalho.
Entre as duas concepções - responsabilidade patronal, segurança social - que se situam no início e no termo da evolução dos sistemas nacionais instituídos persistem ainda no panorama mundial, neste domínio, soluções correspondentes aos diversos estados dessa evolução.
E de entre estas diversos tipos de regimes obrigatórios fundados sobre o princípio do seguro, privado ou social, cuja gestão é assegurada, no segundo caso, ou por instituições de direito público, mas de administração autónoma, ou então por serviços governamentais.
Sublinha-se que «seguro obrigatório» não quer dizer necessàriamente «seguro social», pois a cobertura obrigatória do risco pode ser assegurada através de instituições privadas de seguro, empresas mercantis.
É assim entre nós, e a economia da proposta de lei em debate não modifica o sistema, salvo quanto aos trabalhadores rurais e equiparados, mas mesmo quanto a estes como solução supletiva ou residual, de acordo e com a sugestão da Câmara Corporativa.
Mas deverá ser assim ou impõe-se dar novo rumo à cobertura do risco de acidentes de trabalho?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Este é afinal, segundo penso e pressinto, o grande problema de base que a proposta de lei levanta com ressonância, nesta Assembleia política.
A questão não surge de novo nesta Câmara (nem, aliás, na nossa legislação) e foi objecto de corajosas tomadas de posição aquando da já longínqua discussão da lei de 1936, na I Legislatura.
Lembro o que disseram então dois brilhantes Deputados, de resto com posições doutrinárias, ou, talvez melhor, tendências intelectuais, muito diversas, os Drs. Carlos Borges e Dinis da Fonseca.
O primeiro afirmou:
Eu contra o que pensam os meus colegas sou partidário do seguro pelo Estado nos casos de previdência social.
Em acidentes de trabalho, se não houvesse uma proibição formal, se o Estado Português não tivesse tomado já a sua posição, eu diria que ele devia tomar sobre si, pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, a organização do seguro obrigatório.
Já que isso se não pode fazer, vamos continuar nas companhas de seguros, umas honestas e outras também honestas, mas menos honestas, que exploram a sua indústria sob a fiscalização do Estado. Já que não há maneira de o seguro representar nos seus encargos e nos seus lucros um serviço inteiramente de utilidade social.
Por seu lado, o Dr. Dinis da Fonseca declarou:
Não tenho o entusiasmo de tantas pessoas pelo valor das empresas de seguros e pelos benefícios que elas possam prestar na transferência de responsabilidades, quer de ardentes, quer de outros ramos. São organismos actualmente necessários, têm neste momento a sua função, mas creio que se afastaram da tradição portuguesa nesta matéria e que, à medida que a economia capitalista se for transformando em obediência à responsabilidade social a que obedece esta proposta, e à, função social que compete ao capital e à propriedade, as empresas de seguros cederão o passo a outras fórmulas mais conformes com a nossa tradição mutualista, porventura a organismos em que ao mesmo tempo se conjuguem a responsabilidade social e a assistência social, dando maiores facilidades e melhores garantias para reparação.
Creio que terá valido a pena, Sr. Presidente, ter feito reviver os depoimentos destes dois Deputados, porque eles nos conduzem ainda hoje, directamente, ao âmago do problema, não obstante o tempo decorrido, e não sei até que ponto perdido, na medida em que nos quedamos parados e fechados às perspectivas e aduncos que neste domínio se foram abrindo e realizando por todo o Mundo.
Mesmo aqui ao pé da porta, a Espanha soube temperar espectacularmente, como resulta do facto de ter podido na Lei n.º 193, de Dezembro de 1968, lançar as bases da conversão do seu sistema de seguro social, já amplo, aliás, num autêntico regime de segurança social em que integrou a cobertura dos riscos de trabalho, que a partir do fim do ano corrente deixa de poder transferir-se para instituições de seguro privado, ficando reservada às Mutualidades Laborales, e outras equiparadas, sob a coordenação do Instituto Nacional de Seguridad, Reabilitación y Accidentes de Trabajo, agora criado também.
Notável, entre nós, como afirmação autorizada de princípios e corajosa tomada de posição, a exposição feita pelo Doutor António Jorge da Mota Veiga, hoje Ministro de Estado, no parecer da Câmara Corporativa que relatou modelarmente em 1961 acerca da proposta de lei para a reforma da previdência social.
Depois de lembrar que já na altura da segunda guerra mundial «a tendência das legislações nacionais era no sentido da integração do seguro-acidente nos sistemas de seguros sociais», de afirmar o carácter social dos riscos de lesões profissionais e de reconhecer que no domínio da prevenção dos acalentes e da reabilitação profissional dos sinistrados estamos pràticamente no zero, salvas iniciativas isoladas, conclui.
Há, pois, necessidade de rever o sistema, e através do alargamento da previdência social, bem como da organização de serviços de prevenção e recuperação eficientes proporcional às vítimas de acidentes e doenças profissionais a protecção a que têm direito, e à economia nacional maior produtividade de trabalho, evitando a perda de inúmeros dias de labor e trazendo para a vida tantos inválidos recuperáveis.
Crê-se que só uma organização obrigatória, de natureza pública ou quase pública, como a da previdência, poderá mobilizar os meios técnicos e financeiros necessários para assegurar, à escala nacional, a consecução de tais objectivos.
E lembra ainda que no sentido da integração dos acidentes de trabalho e doenças profissionais na previdência social se pronunciara antes já a Câmara Corporativa, no parecer que emitiu sobre o Estatuto da Assistência Social.
Parece, no entanto, que está esclarecida e autorizada directriz para a revisão do sistema actual da cobertura dos riscos de trabalho, no sentido da integração na previdência social sòmente se concretizou até ao momento no aspecto no estrito, embora de muita relevância, da silicose, e eventualmente das demais pneumoconioses, mas
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abrangendo de início apenas as explorações mineiras, pedreiras, construção de barragens e as indústrias cerâmica e vidreira, e agora na proposta de lei em debate quanto à cobertura supletiva dos trabalhadores rurais e equiparados.
Sem dúvida, no relatório da proposta de lei em debate o problema é apontado ao afirmar-se que na sua elaboração se teve em conta a tendência revelada na quase universalidade das legislações para rever os princípios da responsabilidade patronal e da transferência desta para o seguro privado, que informam a Lei n.º 1942, à luz dos conceitos que regem o sistema dos seguros sociais obrigatórios.
Mas, na realidade a ausência de qualquer disposição clara nesse sentido parece justificar a interrogação não seria esta a oportunidade de assinalar novos rumos ao seguro das lesões profissionais?
Não será mesmo indispensável fazê-lo para evitar que venham a recair sobre a previdência social apenas riscos residuais, naturalmente anti-selectivos, sem a contrapartida de um largo campo de cobertura que permita mais favorável repartição do risco?
Anda à volta deste problema aquilo que considero persistente equívoco, e convém esclarecer. Como ensina Perez Botija, doutrinalmente discute-se se o seguro de acidentes é propriamente um seguro social ou um seguro patronal, uma vez que a sua finalidade é cobrir a responsabilidade da empresa, no caso de produção de sinistros. A natureza sociológica do seguro de acidentes não impede efectivamente que seja encarado como problema exclusivo de previsão por parte das empresas, ou como questão estrita de segurança social, uma vez que as contingências que se destina a cobrir não são apenas de reflexo individual.
O sinistrado não é uma máquina inutilizada que se atire para a sucata, mas ainda um homem que constitui um peso morto para a sociedade. Há, assim, uma dupla perspectiva na caracterização do seguro de lesões profissionais.
Mas, como se reconhece no relatório da O I T , toda a legislação que tende a fazer face aos riscos profissionais pelo sistema de seguros sociais repousa essencialmente sobre o princípio de que é ao Estado, ou a outro organismo público, que incumbe satisfazer as prestações legais devidas em casos de acidentes de trabalho ou doenças profissionais.
Quer dizer enquanto nos situamos na concepção do risco profissional, a da responsabilidade patronal, pode em teoria (e é-o na prática ainda em alguns países, dos quais apenas quatro na Europa Bélgica, Finlândia, Irlanda e Dinamarca) a gestão do seguro ser feita quer através de empresas mercantis, quer de instituições públicas de fins não lucrativos.
Mas desde que nos colocámos na perspectiva do risco social, então a cobertura há-de ser assegurada por instituição pública, embora não forçosamente de gestão governamental.
Visto a esta luz o problema, melhor se compreenderá que não se trata de «socializar» ou «nacionalizar» a indústria de seguros, mas apenas de integrar no esquema de segurança social um risco que se passou a considerar social na evolução doutrinária.
Independentemente já de a gestão do seguro através de caixas públicas pressupor técnicas próprias do seguro social e diferente regime de contribuições financeiras, é pertinente a tal respeito a observação de Venturi
à consciência pública parece chocante que um regime de protecção social, tornado coactivo pelo Estado, em benefício de grupos economicamente débeis, constitua objecto de comércio de seguros.
De resto, o facto de vir a ser retirado às companhias privadas a cobertura do risco de acidentes de trabalho parece que, longe de lhes causar embaraços ou prejuízos, se traduziria na libertação definitiva do regime deficitário em que a exploração deste ramo as vem colocando, segundo autorizadamente se refere na declaração de voto do Digno Procurador à Câmara Corporativa no parecer n.º 21/VII.
Aí se afirma que «a análise do seguro de acidentes de trabalho nos últimos 20 anos termina por um deficit de 4 a 5 por cento»
E isto na esteira do que já constava do parecer da mesma Câmara Corporativa de 4 de Fevereiro de 1936, relatado por destacada figura da actividade seguradora, em que se afirma, com base nos relatórios da Inspecção de Seguros, a existência de persistentes prejuízos no ramo de acidentes de trabalho.
Certo é que em 1933 os baianos seguros eram apenas de 790 000 contos e os prémios cobrados não iam além de 17 856 contos, o que se distancia muito do nível actual.
Procurei documentar-me sobre o volume de prémios e encargos nos últimos 5 anos, para o que fiz até, na sessão de 17 de Março passado, um requerimento.
Certamente por dificuldade na obtenção dos números por parte da Inspecção de Crédito e Seguros (sendo certo que eles devem constar dos seus relatórios anuais), a informação pedida ainda me não chegou às mãos. Nem por isso deixei de procurar, por mim, os elementos que constam do Boletim do Seguros n.º 68, publicado pela referida Inspecção-Geral.
E apurei, referentes ao ano de 1962, os seguintes, que deixo à consideração da Câmara os salários seguros atingiram 11 910 000 contos, os prémios líquidos 453 252 contos, as comissões pagas montam, a 61 692 contos. As pensões pagas foram de 49 904 contos, as remidas de 11 990 contos, as indemnizações e despesas atingiram 203 743 contos - tudo no total de 285 637 contos.
O saldo industrial foi de 29,9 por cento no referido ano de 1962.
Há a notar que estão incluídos nestes números globais os prémios cobrados - 15 185 contos - e encargos - 11 004 contos - das mútuas de seguro das actividades de pesca, que não são obviamente empresas de seguro de fim lucrativo.
Não estou evidentemente habilitado a concluir, em face destes números, se no seu conjunto as companhias seguradoras tiveram o inevitável prejuízo, também no ano de 1962, no ramo de acidentes de trabalho.
Mas não deixo de sublinhar com certo espanto o quantitativo declarado de «comissões atribuídas» - 61 692 contos -, que representa 13,3 por cento dos prémios líquidos cobrados, e atentar na diferença aritmética entre o montante dos encargos (abrangendo pensões pagas, remições, indemnizações e despesas de assistência) e os prémios cobrados, e que se cifra em 187 615 contos.
Seja como for, em face do prejuízo normal que autorizadamente vem sendo apontado, seria paradoxal que as empresas seguradoras não aplaudissem e agradecessem a integração na previdência social do risco de lesões profissionais, libertando-as desta precária situação de deficits crónicos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se não fosse ir já para além dos limites de tempo que procuro impor-me, desejaria encarar ainda um aspecto do problema que tem
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particular relevância. Assim me limito a rápido apontamento.
Não será porventura mais caro e pior o seguro social de lesões profissionais?
Antes de mais quero dizer, e faço gosto nisso, que nenhuma hostilidade me move contra as empresas seguradoras.
Com todas ou quase todas lido, através do seu e excelente pessoal, intensamente e de há muito quer nos tribunais do trabalho, quer agora na Comissão Arbitral.
E na vida privada sou, como toda a gente, segurado e em múltiplas modalidades.
É-me grato prestar-lhes a justiça de serem em regras correctas, exactas e até compreensivas na sua a
Simplesmente são instituições de fim interessado como tal, legitimamente procuram realizar lucros.
Ninguém lhes pode levar a mal, e insensato seria considerá-las instituições beneficentes.
Mas esta premissa leva à conclusão que o Dr. Mota Veiga formula no seu notável parecer já citado:
a tomada do risco por sociedades comerciais com fins lucrativos encarece naturalmente o custo do seguro.
E quanto aos encargos de reparação diz o mesmo eminente relator:
Um sistema de compensação nacional, como o inerente à previdência obrigatória, fará decerto baixar o custo administrativo do seguro contra aquele risco. Os mesmos serviços que concedem os subsídios ou as prestações sanitárias nas restantes eventualidades passam a concedê-los também noa casos de acidentes e doenças do trabalho.
E se é naturalmente mais barato, porque seria pior?
Não tem a previdência social dado provas de e do decidido propósito de criar e manter serviços de crescente nível técnico?
Superadas já as naturais hesitações da fase de não se lhe reconhecerá maturidade suficiente para estruturar a reparação dos riscos profissionais em nível menos, igual ao praticado actualmente?
Não utilizará a previdência os mesmos médicos, não dispõe já de postos clínicos satisfatórios, não poderá utilizar os mesmos hospitais e clínicas em que são tratados os sinistrados?
Decididamente o que se impõe é que, uma vez aceite o princípio, se encare corajosamente a estruturação gradual do sistema e prepare sem delongas a organização em moldes eficientes, pois a integração do seguro não pode estar à mercê de improvisações.
De resto, não me parece indispensável que se contenha na proposta de lei em debate um preceito formal no sentido da integração da cobertura do risco de lesões profissionais no esquema da previdência social.
Em qualquer caso, ele constituiria apenas uma directriz sobre a forma de gestão do seguro obrigatório que nela se institui, mas a sua efectuação está compreendida dos poderes da Administração, e nomeadamente nos consignados no n.º 5 da base V da Reforma da Previdência Social, que esta Assembleia votou já nesta legislatura.
E concluo, Sr Presidente: Nem por a proposta de lei em debate se abster de marcar explìcitamente uma viragem, que reputo desejável, no sentido da integração previdência social do risco de lesões profissionais deixo de reconhecer que ela corresponde à necessidade de reforma do direito vigente.
E nestes termos lhe dou o meu voto na generalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: O observador medianamente avisado que lance o olhar pelo panorama político-social do mundo contemporâneo fàcilmente apreende que a linha de rumo norteadora das instituições se processa, ao longo dos sectores públicos e privados, sob o signo do «social».
As estruturas de base e as supra-estruturas dos sistemas económicos, as teses e as antíteses dos complexos políticos, que, começando por contrapor-se, acabam não raro por fundir-se, quase paradoxalmente, nas grandes sínteses, que são as propulsoras das maiores correntes da opinião pública, os vários cambiantes da cultura dos povos, na sua ânsia de progresso e civilização, apresentam um denominador expressivo e comum o homem que pensa, que ama, que sofre e goza, o homem que, no conspecto do seu realismo dinâmico e potencialidade criadora, é simultaneamente causa donde partem e fim aonde regressam as marés vivas dos fenómenos sociais.
As pátrias com a força mágica da sua história, os povos com o sortilégio dos seus sonhos e aspirações, a comunidade internacional com os seus antagonismos, com as suas molduras de claros-escuros e com os seus rasgões de clareiras abertas e definidas, confluem sempre numa encruzilhada onde o homem ergue triunfante o trono resplandecente da sua realeza.
Sr. Presidente: O Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social, espírito luminoso formado na escola do mais sadio nacionalismo e ortodoxia custa, nos caminhos que se alongam pelas perspectivas da bua omnímoda actividade, procura restitua ao homem trabalhador a dignidade e a grandeza que lhe competem na evolução da política social portuguesa.
Seria injustiça clamorosa negar ou desconhecer a extensão e profundidade das reformas sociais programadas pelo Sr. Ministro das Corporações, tendentes ao aperfeiçoamento das relações entre patrões e operários e a sublimação de todos os valores que resultam da cooperação racional e solidária do capital e do trabalho, traves mestras em que ausenta a justiça social e a potência económica dos povos.
E, assim, no encalço de outros ilustres antecessores, entre os quais avulta o Dr. Veiga de Macedo, a obra do titular das Corporações, acalentada por um alto ideal, ramifica-se e braceja admiravelmente nos quadros da previdência social, na celebração de inúmeras convenções de trabalho e na actualização das cláusulas dos acordos vigentes, no sopro renovador da legislação do trabalho, quer no tocante ao direito substantivo, quer no concernente ao aspecto processual, no acentuado incremento da política habitacional, na criação de escolas de formação profissional como o Instituto de Estudos Sociais, o Instituto de Formação se Social e Corporativa, o Instituto de Formação dentro Profissional Acelerada e os centros de aprendizagem e pré-aprendizagem, cujos influxos na formação das mentalidades e na valorização da mão-de-obra afiguram-se tão decisivos que só o futuro poderá comensurar a grandeza da de lei sua irradiação, preparando homens, estruturando empresas, engrandecendo a Pátria.
Sr. Presidente: No rumo ascensional de uma política esclarecida e actualizada, de uma política social, atenta
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e vigilante à evolução dos acontecimentos, se insere o diploma legislativo sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais que, presentemente, é submetido à judiciosa apreciação desta Câmara.
A importância desta proposta de lei, cuja excelência técnico-jurídica está caucionada pelo ponderado parecer da Câmara Corporativa, resulta, a plena luz, não só dos prementes objectivos que se propõe prosseguir e dos princípios transcendentes que a informam, mas também da perfeita, estruturação dos seus conceitos, que, além de assinalarem novas e firmes tomadas de posição em problemática tão complexa e delicada, dissipam muitas dúvidas que pairavam, quer nas correntes da doutrina, quer nos arrestos jurisprudenciais.
Quem tem experiência dos tribunais do trabalho facilmente aceita que a Lei n.º 1942 está ultrapassada em alguns dos seus princípios informadores, impotente perante a ampla realidade cujos interesses visava tutelar e deficiente nos seus comandos normativos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A figura jurídica do acidente de trabalho, difícil por vezes na sua caracterização aparece agora suficientemente esclarecida e delimitada e, deixando na distância longínqua o conceito romanístico baseado na culpa e ultrapassando o estádio da mera responsabilidade contratual, um e outro de contornos complexos que mais se adensavam no tocante ao ónus da prova, veio a fixar-se na moderna teoria do risco ou da responsabilidade objectiva, já consagrada em muitos outros campos do direito.
A par dos acidentes de trabalho, o presente diploma, numa clara visão dos imperativos defluentes da justiça social, previne as doenças profissionais, estatuindo o seu conceito, a que, por certo, a discussão na especialidade dará ligeiros retoques, e regulamenta de forma decisiva as pensões e indemnizações pecuniárias que visam ressarcir as suas consequências.
E para que o sistema de protecção ao operário seja quanto possível unitário e acabado, não se limitando a remediar as consequências dos eventos danosos, mas refreando também o seu aparecimento, o diploma toma as providências reputadas imprescindíveis e, quanto possível, eficientes respeitantes a prevenção, segurança e higiene dos trabalhadores.
Com a aprovação do presente diploma legislativo como firmemente que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais ficarão a coberto de um regime jurídico nobre nos seus intuitos, claro no seu articulado e humano na compensação das consequências trágicas que podem vitimar o trabalhador.
O alto espírito social que informa todo o diploma transparece ainda, de modo iniludível, no seguro obrigatório como garantia das indemnizações a pagai, na redução de isenções com o consequente aumento de Segurança, no cômputo das pensões em função da idade dos beneficiários, designadamente quando estes são filhos menores ou estudantes ou enfermem de qualquer anormalidade psicossomática que os incapacite para o trabalho, e ainda na extensão dos benefícios àqueles que, por lei civil, têm direito à prestação de alimentos.
É certo que não podemos deixar de reconhecer a delicadeza desta matéria pelos seus eventuais reflexos na economia das empresas mais débeis, como são, entre outras, as empresas agrícolas.
A Câmara Corporativa, no seu douto parecer, não deixou de salientar também o possível melindre deste aspecto.
Todavia, confio no ponderado critério e na singular intuição do Sr. Ministro das Corporações, que, mais uma vez, saberá debelar o obstáculo e vencer as dificuldades, equacionando, em termos de justiça e de equidade, os interesses em conflito.
O presente diploma concretiza uma elevada medida de protecção, justa e necessária, as classes trabalhadoras, que constituem uma notável percentagem da população activa portuguesa.
O enorme surto de progresso técnico e de industrialização a que o Mundo assiste e que entre nós se expande em ritmo acelerado, com a inevitável absorção de mão-de-obra e o emprego sempre crescente das massas operárias, impõe especiais medidas de protecção àqueles que só na prestação do seu trabalho ganham o pão de cada dia.
O contrário seria flagrante denegação dos deveres de justiça e de humanidade.
Nos tempos actuais seria inadmissível que o operário, em princípio a parte mais débil nas relações do trabalho, incapacitado pelo sinistro ocorrido no desempenho de uma actividade para outrem lucrativa, ou carcomido pela doença profissional, tivesse como companheiro da sua decadência final o espectro negro e fatídico da fome e da miséria.
Seria desumano que o operário, que tem na força do seu braço e no suor do seu rosto a única fonte de sustento para si e para os seus, pudesse ser arremessado, num instante de desdita, para o antro da desgraça ou para o monturo das coisas sem valor e, aos baldões da sorte visse extinguir-se a luz dos seus últimos dias.
O homem não pode ser tratado como uma máquina que só vale enquanto produz, o homem, mesmo fisicamente incapacitado, conserva sempre o brasão da sua intangível nobreza espiritual, que o tempo não dissolve, mas a eternidade glorifica.
No tugúrio do seu infortúnio ou no crepúsculo da sua invalidez, o homem pressente ainda uma alvorada de esperança.
E se o altruísmo é uma nobilitante virtude, o culto da justiça é o mais imperioso e sagrado dos deveres.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Repito, Sr. Presidente, de alto valor político e social a presente proposta de lei, à qual dou o meu pleno acordo na generalidade, e bem haja, Sr. Ministro das Corporações, pela forma como dignifica o trabalho e enobrece a mão calejada do trabalhador.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encenada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs Deputados que entraram durante a sessão;
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão
Alberto Pacheco Jorge
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato
Aníbal Rodrigues Dias Correia
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António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bunty da Silva
António Calheiros Lopes
António Marques Fernandes
Armando Cândido de Medeiros
Armando José Perdigão
Artur Alves Moreira
Belchior Cardoso da Costa.
Francisco Lopes Vasques
Jacinto da Silva Medina
James Pinto Bull
Jorge Manuel Vítor Moita
José Luís Vaz Nunes
José de Mira Nunes Mexia
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Rui de Moura Ramos
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Tito Castelo Branco Arantes
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês
Srs. Deputados que faltaram à sessão.
Agostinho Gonçalves Gomes
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo
Carlos Monteiro do Amaral Neto
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
José Fernando Nunes Barata
José Guilherme de Melo e Castro
José Monteiro da Bocha Peixoto
José Pinheiro da Silva
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu
Purxotoma Ramanata Quenim
Rogério Vargas Moniz
Sebastião Garcia Ramires
Urgel Abílio Horta
Virgílio David Pereira e Cruz
Vítor Manuel Dias Barros
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó
O REDACTOR - Leopoldo Nunes
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA