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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199
ANO DE 1965 8 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 199, EM 7 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 194, 195 e 196 do Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso prestou homenagem à memória do antigo Ministro e Deputado Eng.º Augusto Cancella de Abreu, e no mesmo sentido usou da palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Deputado Amaral Neto fez considerações relativas ao imposto sobre a indústria agrícola.
O Sr. Deputado Sales Loureiro ocupou-se da visita oficial que o Chefe do Estado realizara ao distrito de Viseu.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira tratou de problemas do sino técnico respeitantes a Évora.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Délio Santarém, António Santos da Cunha e Martins da Cruz.
O Sr. Presidente anunciou que no dia seguinte viria às comissões que estudaram a proposta de lei em debate, a fim de prestar esclarecimentos, o Sr. Ministro das Corporações e haveria, e que só haveria sessão plenária no dia 20 do corrente.
O Sr. Presidente lembrou ainda aos Srs. Deputados que as intervenções no período de antes da ordem do dia das próximas sessões não deverão ser muito prolongadas, por se prever, como é tradição, que sejam muitas e haver escassez de tempo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 11 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Henriques de Araújo
Alberto Maria Ribeiro de Meireles
Alberto dos Reis Faria
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito
Aníbal Rodrigues Dias Correia
Antão Santos da Cunha
António Augusto Gonçalves Rodrigues
António Burity da Silva
António de Castro e Brito Meneses Soares
António Gonçalves de Faria
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo
António Manuel Gonçalves Rapazote
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo
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António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
Armando Cândido de Medeiros
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel
Artur Proença Duarte
Augusto Duarte Henriques Simões
Bento Benoliel Levy
Carlos Alves
Carlos Monteiro do Amaral Neto
D. Custódia Lopes
Délio de Castro Cardoso Santarém
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando António da Veiga Frade
Fernando Cid Oliveira Proença
Francisco António Martins
Francisco António da Silva
Francisco José Lopes Roseira
Francisco Lopes Vasques
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Jerónimo Henriques Jorge
João Mendes da Costa Amaral
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Rocha Cardoso
Joaquim de Jesus Santos
Joaquim José Nunes de Oliveira
Joaquim de Sousa Birne
Jorge Augusto Correia
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos
José Alberto de Carvalho
José Augusto Brilhante de Paiva
José Luís Vaz Nunes
José Manuel da Costa
José Manuel Pires
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José Monteiro da Bocha Peixoto
José Soares da Fonseca
Júlio Dias das Neves
Luís de Arriaga de Sá Linhares
Luís Folhadela de Oliveira
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho
Manuel Colares Pereira
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Correia
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Lopes de Almeida
Manuel Nunes Fernandes
Manuel Seabra Carqueijeiro
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo
Olívio da Costa Carvalho
Quirino dos Santos Mealha
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
O Sr Presidente: - Estão presentes 70 Srs Deputados.
Está aberta a sessão
Eram 16 horas e 25 minutos
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 194, 195 e 196, correspondentes às sessões de 25 e 26 de Março e de 1 de Abril, respectivamente.
Estão em reclamação.
Pausa.
O Sr Presidente: - como nenhum dos Srs Deputados deseja deduzir qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr Deputado Agostinho Cardoso.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: Partiu ontem da vida terrena a caminho da Eternidade um dos mais fiéis, desassombrados e leais soldados da Revolução Nacional que tenho conhecido e profundamente admirado.
Refiro-me ao Eng.º Augusto Cancella de Abreu.
A espontaneidade desta breve nota com que pretendo neste momento prestar homenagem à sua memória não consente longa notícia biográfica, aliás assinalada na imprensa desta manhã.
A sua vida pública foi generosa e perdulàriamente gasta numa acção política tão hábil, como corajosa e firme, e nela como em tudo na vida se houve com tal altura de dignidade e elegância moral que sempre se impôs ao respeito de adversários e companheiros de armas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A soma de trabalhos, sacrifícios e desgostos que essa acção política lhe custou não ficou retratada na autoria exterior de grandes reformas, de vultosas obras de cimento armado, que facilmente perpetuassem seu nome, o qual pode ser apontado à gente nova como incontestável exemplo de coerência e fidelidade a um ideal político, à Nação e a Salazar.
Poucos devem ter ultrapassado na actual geração o seu culto rígido e escrupuloso da honra e da honestidade, altamente testemunhado em certo episódio no dia em que deixou as funções de Ministro do Interior, o qual é cedo para narrar, mas oportuno para referir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ministro duas vezes, membro em várias legislaturas desta Assembleia, de que foi vice-presidente, havendo sido meritória a sua acção governativa e administrativa nesse cargo, como nas funções de elevado nível técnico que desempenhou ao serviço do País - foi, todavia e essencialmente, um político.
Como Ministro do Interior e depois à frente da União Nacional acendeu e reuniu em sua volta dedicações, irradiou largamente o seu entusiasmo vibrante e comunicativo, renovando quadros, procurando lançar novos valores na acção política, movimentando e criando interesse em torno deste organismo político Também poucos o terão ultrapassado na sua dedicada solidariedade para com Salazar, a quem serviu o máximo que pôde na sua obra de ressurgimento nacional
Revejo-o comovidamente, em certa manifestação popular ao Si Presidente do Conselho, passando em frente deste Palácio de S. Bento, a frente de milhares de bandeiras em grandioso desfile, empunhando o estandarte da União Nacional, que ele tanto prestigiou.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sua simplicidade e compreensão humana granjeavam-lhe inesperadas simpatias, como no caso da extraordinária popularidade que usufruía - ele que não era um desportista - junto dos milhares de associados do Sport Lisboa e Benfica, de cuja assembleia geral começou a ser presidente pouco depois de assumir a direcção da Comissão Executiva da União Nacional
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A longa e torturante doença que, mantendo-o lúcido, quebrou e lentamente diminuiu a sua capacidade de actuação e constitui hoje dolorosa explicação de, ao sentir-se diminuído, se ter retirado cedo da vida pública.
Não tenho a menor dúvida, Sr. Presidente, de que as palavras que venho de proferir estão pouco à altura do valor do homem a quem se referem. Mas eu quis que nem mais um dia passasse sobre a sua morte para render justa homenagem numa tribuna que ele muito honrou, exprimindo o meu profundo sentimento de admiração que ontem pude verificar ser comum a V. Exa. e aos Srs Deputados.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não estive presente ontem na sessão desta Assembleia Nacional e, portanto, não tive oportunidade de me associar à devida homenagem que sentidamente foi prestada por V. Exa. à memória do Eng.º Cancella de Abreu.
Os que nesta Câmara trabalharam com ele e a seu lado nas primeiras legislaturas desta situação política hão-de reviver certamente neste momento as horas difíceis que por vezes tiveram de se viver para fazer singrar a Revolução Nacional pelo seu verdadeiro caminho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o Eng.º Cancella de Abreu, aqui nesta tribuna, foi realmente um modelo de Deputado, um modelo de Deputado, um modelo de representante da vontade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ordenado e cumpridor, inteligente e com uma clara visão dos problemas políticos, ele discutiu nesta Assembleia alguns dos diplomas fundamentais por que se regeu a vida da Nação neste período já longo de mais de 30 anos.
Em todos os aspectos da sua vida os que com ele tiveram de contactar reconheceram e devem dar testemunho neste momento da lealdade do seu carácter, da rigidez do seu ânimo, da intrepidez da sua vontade e da decisão com que ocupava todos os postos, ainda os de maiores sacrifícios, quando fosse necessário lutar pelos seus ideais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi realmente um político digno, um modelo de político da Revolução Nacional. E esta faceta do seu carácter e da sua personalidade queria eu assinalá-la aqui nesta tribuna que ocupo indevidamente.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - por circunstâncias do acaso, desde a primeira hora em que funcionou a Assembleia da Revolução Nacional, esta faceta do seu carácter quereria eu vincá-la e assinalá-la aqui, em termos condignos, mas não tenho engenho para tanto.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Sr. Presidente: Na verdade volvidos tantos anos e depois de tão árdua luta que os homens da primeira hora tiveram de sustentar até hoje, é doloroso ir vendo desaparecer tantos dos melhores nos nossos, que deram à actual situação política todo o seu entusiasmo, todo o calor do seu coração, todo o fulgor do seu talento. O Eng.º Cancella de Abreu alinhou ao lado desses.
E o Eng.º Cancella de Abreu merece efectivamente que quantos se encontram integrados na actual situação política, direi mais, o Eng.º Cancella de Abreu merece da Nação, que ele serviu aqui dentro e lá fora nos campos de batalha, o nosso respeito, as palavras da nossa saudade e as palavras das nossas homenagens
Suo essas homenagens que sentida e comovidamente aqui lhe quer prestar quem por vezes teve de dialogar com ele, em diálogo político e em posições difíceis, mas a quem ele acabou por reconhecer que a verdade estava do meu lado e não teve dúvida em o proclamar contra quantos queriam que a verdade fosse espezinhada
Eu teria remorsos, Sr Presidente, se, a despeito das minhas poucas possibilidades, e neste momento ainda menos por circunstâncias várias, não deixasse aqui estas palavras de homenagem e memória do Eng.º Cancella de Abreu
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Venho hoje falar de um elemento importante, e o mais inovador, da recente, profunda e já quase completa reforma fiscal, daquele, precisamente, que mais fundados, mais numerosos e mais vivos protestos e reparos tem suscitado, se á que algum dos outros os despertou de monta quanto à própria orgânica, o que creio não ter sucedido, e deixa, pois, em triste luz - a da singularização pelos defeitos e desajustamento às realidades - o meu objecto de hoje.
Refiro-me ao imposto sobre a indústria agrícola, concebido sob reserva, discretamente elaborado, pois nunca o nomearam sequer nos anúncios de três anos seguidos, da conclusão do código em que figura como parte destacada do título e do texto, e a própria audiência concedida à representação oficial da lavoura foi sob o signo da pressa e quase nada aproveitou ao articulado Tratando-se de tributo completamente novo e lançado sobre actividade tão notoriamente abalada que só isto permitiu acoimá-lo de inoportuno, parece que outro devera ter sido o processo, nem muitas incidências puderam ser bem medidas, nem à comissão redactora foi poupado errar, como é evidente que sucedeu - de outro modo teríamos de supor-lhe intuitos prejudiciais, certamente tão longe do seu espírito como da vontade do Governo - , por mero desconhecimento de realidades agrícolas.
Este mesmo alheamento dos factos e problemas rurais, que hoje domina os meios onde se processa a administração ou se forma a opinião mais publicada, e a circunstância de por ora - mas insistirei em acentuar que foi por ora - o imposto ter tido incidências limitadas regional e socialmente, no primeiro ano só tocando 1 agricultor em cada 900, e aparecendo assim como tributo «para raros apenas», fizeram porventura passar despercebidas a muita gente as críticas e queixas formuladas com tanta energia e sentimento no sector afectado, e que foram as da equidade fenda e da razão revoltada, que cabe avaliar pelo seu grau se o volume não impressionou.
Enganar-se-á muito quem cuide essas queixas só movidas pela repulsa de um encargo novo, ainda que bem a justificasse a baixa de rendimentos de uma actividade constrangida ao sei viço público de alimentar a população indiferentemente ao evoluir dos custos pelo contrário, nada poderia satisfazer melhor os lavradores do que pás-
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sarem a ser colectados pela realidade dos seus minguantes ganhos, em vez de presunções desactualizadas ou hipóteses arbitrárias. Mas porque o que verificaram foi ficarem estas todas e juntarem-se-lhes outras novas, o que sofreram foi o descrédito da sua palavra, o que notaram foi a contradição entre os desígnios afirmados e os efeitos das regras estabelecidas, o que mediram foi a diferença das regalias no mesmo dia concedidas àquela que passaram a dizer-lhes sua indústria e às demais; protestaram e continuarão protestando alto e bom som que lhes foi feita injustiça e não se calarão enquanto esta não for reparada. Aqui estou eu hoje por eles!
O Sr. Presidente do Conselho, no seu discurso de 18 de Fevereiro último, admitiu que nas vastas reformas de impostos publicadas algumas incidências não realizem a justiça e, por isso mesmo, não correspondam à vontade do legislador. Estou que S. Exa., bem informado de quanto se passa no País, ainda quando não nos quer mostrar que sabe tudo, não podia deixar de ter em mente o caso do imposto sobre a indústria agrícola quando disse aquelas palavras, que naquela boca valem por volumes oxalá o legislador, posta em conflito a sua vontade com os efeitos dela, queira e saiba depressa apagar as injustiças que os lavradores proclamam e o mais ilustre dos rurais aceita existirem!
O Sr Meneses Soares: - Muito bem!
O Orador: - Meus senhores: Não sei se nos nossos cursos de fiscalidade alguma vez foi lido aquele sermão que o P. António Vieira pregou em festa a Santo António aos 14 de Setembro de 1602, onde sobre os impostos, a maneira de os distribuir e o modo de os cobrar, se encontram as mais sábias, as mais prudentes, as mais humanas regras Decerto que não as suas fontes são de livros sagrados, os seus autores são santos e padres da Igreja, os seus conselhos são ditados pela caridade e bom senso, o seu raciocínio não vem em fórmulas matemáticas, falta-lhe a marca de uma dessas escolas que se revezam nas modas intelectuais, ou a chancela de algum rebarbativo eslavo ou saxónico. Decerto que não, e será pena a boa assimilação daqueles conceitos pouparia desaires a legisladores e revoltas a contribuintes!
Pois lá nos diz Vieira
Se é necessário para a conservação da Pátria, tire-se a carne, tire-se o sangue, tirem-se os ossos, que assim é razão que seja, mas tire-se com tal modo, com tal indústria, com tal suavidade, que os homens mio o sintam, nem quase o vejam
E esclarece
Razão é que por todas as vias se acuda à conservação, mas como somos compostos de carne e sangue, obre de tal maneira o racional, que tenha sempre respeito ao sensitivo.
Como entendia este espelho de oradores e de políticos a suavidade que preconizava? Logo a ilustrava com uma parábola, tirada da História Sagrada, lembrando como Cristo mandou a S. Pedro pescar, que na boca do primeiro peixe acharia uma moeda com que pagar tributo a César, continua, salientando a de outro modo supérflua complicação do milagre.
Quis o Senhor que pagasse S. Pedro o tributo, e mais que lhe ficasse em casa o fruto do seu trabalho, que este é o suave modo de pagar tributos. Pague Pedro o tributo, sim, mas seja com tal suavidade e com tão pouco dispêndio seu que, satisfazendo às obrigações de tributário, não perca os interesses de pescador Da boca do peixe se tirou o dinheiro do tributo, porque é bem que para o tributo se tire da boca Mas esta diferença há entre os tributos suaves e os violentos que os suaves tiram--se da boca do peixe, os violentos da boca do pescador Hão-de-se tirar os tributos com tal traça, com tal indústria, com tal invenção, que pareça o dinheiro achado, e não perdido, dedo por mercê da ventura, e não tirado à força da violência
Foi precisamente a violência, Sr. Presidente e Srs Deputados, a violência feita à equidade, a violência feita aos municípios, a violência feita às realidades agrícolas, que determinou as críticas e discordâncias, os protestos e reprovações, o movimento geral de descontentamento que culminou numa grande reunião em Lisboa e aguarda ainda satisfação, espera ainda a reparação daquelas injustiças de que o Sr Presidente do Conselho se mostrou suspeitoso, e isto quando já estão à porta novas declarações e novas cobranças!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Naquela reunião de Lisboa chegou a pedir-se a suspensão do legislado, paru emendas, o que parecia precisamente a solução mais razoável no momento em que estava para começos de aplicação o diploma verificadamente mal adequado aos municípios da reforma fiscal e às características da actividade tributada, mas esta conclusão parece ter perturbado vivamente as esferas oficiais, como se a sua obra fosse perfeição rematada e o prestígio da Administração não sofresse mais com a imposição de erros do que com a franca reparação deles.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Errare humanum est, persverare diábolicum!
O Ministério das Finanças, no relatório da proposta da Lei de Meios para o corrente ano, referiu-se largamente ao caso e aos problemas deste imposto. Digo o Ministério das Finanças, e não o Sr. Ministro, porque encontro ali passos que só podem ser obra de colaborador que S. Exa. haja tomado por boa, mas deveras o não foi. A análise e discussão deles seria demasiado longa para hoje, mas não tenho dúvidas de que bastante da argumentação é forçada, quando não mesmo gratuita, e julgo fácil demonstrá-lo, se necessário.
Só um exemplo, paia mostrai que não fantasio tudo quanto se diz a p 159 da edição, que a nós, Deputados, nos foi distribuída, sobre a correcção de injustas distribuições creditadas ao imposto sobre a indústria agrícola perde o seu valor se atentarmos em que precisamente a mesma ordem de injustiça persiste para os 99 por cento dos contribuintes rústicos que o imposto não afectou. Afirmar que com a solicitada suspensão temporária «todos os proprietários do País veriam as suas contribuições fortemente aumentadas», quando se sabe e reconhece adiante que as rendas das matrizes ficaram pelas rendas fundiárias e, por outro lado, os solicitantes beneficiários da suspensão seriam apenas 1989 em 1 800 000, parece-me francamente aproveitar de mais da receptividade do papel para a tinta!
E de alguns pontos concretizados naquela longa justificação - sobre a qual só me demoro para carregar ao demérito da causa a debilidade da defesa - creio poder ainda dizer que, se chegaram nesses aspectos ao conhe-
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cimento governamental, não correram as coisas todavia sempre assim ao nível das incidências directas!
E se se soube pôr em destaque o facto de nos tais 1989 contribuintes colectados por decisão das comissões concelhias só 303 haverem reclamado, faltou a nota de que 90 por cento dessas reclamações foram atendias, com redução global de mais de metade, o que diz bastante da segurança dos primeiros lançamentos. E 54 reclamantes, de 18 concelhos diversos, tiveram mesmo as suas colectas totalmente anuladas.
Há, no entanto uma nota de boa vontade a averbar, e é a da constituição no Ministério das Finanças de um grupo de trabalho com representantes da Corporação da Lavoura, dedicado a examinar as dificuldades verificadas sòmente os representantes do Estado, ao que consta, não se têm mostrado autorizados a considerar mais do que questões secundárias ou de pormenor, parecendo que ainda quando abertos aos argumentos se não atrevem a comprometer-se em matérias de maior tomo, como as das indispensáveis rectificações do texto legal.
Ora, o grave é que estamos a dias de distância do termo do prazo para as declarações de lucros, que cada 15 deste mês, e a semanas do da liquidação, que deveria ficar feita até 20 de Junho, mas é inadmissível que tudo se processe nas mesmas bases do primeiro ano, tornando-se pois urgente, urgentíssima, a conclusão e despacho dos estudos e a informação imediata ao público dos novos prazos a que têm de conduzir.
O Ministério das Finanças não goza da fama de resolver depressa os problemas, ainda que só por rara excepção - excepção de que eis aqui um seriíssimo exemplo - os não resolva bem pois temos agora de lhe requerer, com toda a força e instância, que não demore mais a reparar o muito que há de errado, por impraticável ou injusto, no regime actual do imposto sobre a indústria agrícola, pois o tempo urge, não consente mais esperas, e este regime, tal e qual está, é intolerável,! não sei se ainda mais à razão do que à bolsa.
Já nos disse esse Ministério que «o código é declaradamente tendencial» cabe ajustar-lhe melhor as tendências à equidade e à praticabilidade, e porque nada fere mais os corações do que as ofensas à primeira, e as inteligências do que os desvios da segunda destas condições, há que fazê-lo muito depressa para não reavivar queixas.
A recente reforma fiscal procurou dar remédio à desactualização e perda de eficácia da legislação anterior, mas no sector de que me estou ocupando o remédio não acertou, disto já ninguém dúvida, para me encostar de novo ao P.e Vieira, repetirei com ele que, se com a reforma se tratou de remediar a república, agora «tráta-se de remediar os remédios», e «para se curarem os remédios veja-se em que pecaram os remédios»!
Risos.
Na apreciação do regime fiscal que desde há um ano se aplica aos rendimentos da terra cultivada há que ter presente o facto essencial de sobre eles incidirem dois tributos, acumuláveis por via de um sistema que primeiro decompõe esses rendimentos, mediante puras hipóteses, para depois colectar ora apenas sobre uma, ora sucessivamente sobre ambas as parcelas procurando porém já dar à segunda colecta o contraste da realidade Mecânica de que não se encontra parelha em qualquer dos outros códigos, está bem de ver que logo por si mesma é motivo de complicação e trabalhos acrescidos liminarmente faltando àquele primeiro requisito da nova reforma, desejado pelos contribuintes e prometido pelo Governo, que era o da simplificação.
Distinguem-se com efeito, para conseguir isto, dois entes fiscais a renda fundiária, ou rendimento colectável presumido da terra, e o lucro da exploração, rendimento colectável auferido da cultura. O primeiro é um verdadeiro «ente de razão», sem ser real, com existência objectiva apenas no entendimento dos fiscalistas, dar dele uma definição breve e clara para pessoas não preparadas não consigo repetir paira VV. Exas. a definição legal não o farei, porque formalmente é uma redundância ininteligível (leiam-se, confrontando-os, os artigos 36.º, 56.º e 59 º do código e veja-se se exagero) , direi apenas que é uma quantidade que se calcula, de uma vez para muito tempo, partindo de certas hipóteses de produção, de valor dos produtos e de despesas e encargos e aplicando determinados métodos, mas não é o mesmo rendimento colectável que VV. Exas. se afizeram a conhecer, de trato ou de ouvido, pois que lhe tiram do conceito o lucro «presumível» da exploração.
Aliás, para tudo ser perfeito neste domínio, o Ministério das Finanças resolveu entender que, por actualização dos preços, o antigo rendimento colectável se transformou pràticamente na nova renda fundiária, entendimento este que é de puro arbítrio nos casos de rendimentos calculados por avaliações cadastrais da última dezena de anos, e bastantes são, pois quanto a estes o que evoluiu para mais foram somente as despesas.
Sobre a renda fundiária incide a contribuição predial, sobre o lucro realizado na exploração, depois de deduzida a renda fundiária, se paga o imposto sobre a indústria agrícola, apenas quando esse lucro exceda certo valor, o de 30 contos anuais.
Esta dicotomia resulta de uma necessidade puramente teórica a de distinguir nos rendimentos da terra a sua ocasional divisão entre o proprietário e o rendeiro. Certamente, em todas as actividades humanas os bens materiais ou os serviços fluem por várias mãos, em cada qual deixando, é de esperar, o seu resquício de ganhos tributáveis, mas na agricultura o peculiar é que proprietário e rendeiro, se se encontram sobre a mesma terra, tiram os seus ganhos de um processo produtivo único e indivisível, as relativas participações neles sendo ùnicamente determináveis por convenção entre ambos. Nenhuma lei natural ou humana distingue de maneira certa e invariável quantas são as batatas do dono do chão e quantas as do cultivador na batateira que se arrancou, e se alguém vem de fora tirar uma das batatas, é bem de ver que nenhuma das partes, admitindo serem distintas, quererá dá-la do seu quinhão se não se precatou avantajando-o antes para tanto.
Daqui resulta que todos os demais factores mantidos constantes na tributação dos rendimentos agrícolas, tudo quanto se lance sobre o rendeiro, acaba por recair sobre o senhorio, como custo a abater onde mas cabe, que é no da terra. De modo que a preocupação de captar os rendimentos dos rendeu os para o imposto complementar, confessada no relatório do código (§ 2 º, in fine) como uma razão dominante de se determinar mais exactamente a quem toca cada fracção dos impostos parcelares, redunda na verdade em agravo fiscal dos senhorios, contrariando o arrendamento, que todas as ideias modernas consideram processo conveniente de repartir a fruição da terra. Assim se fere a justiça fiscal e a vantagem económico-social.
E se tivermos em conta que no País são grande minoria as explorações arrendadas - salvo porventura no Norte, naquele regime tão cómodo do caseirado, em cuja fortuna, todavia, me permito pedir aos Srs. Deputados de lá que não confiem de mais, porque o chamado «aperfei-
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çoamento da cobrança» há-de acabar por lhes bater à porta dos eleitores -, é lícito conclua que todo o grande esforço de complicação obviamente dirigido ao caso dos arrendamentos se defende muito mal!
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Como não seria mais fácil, mais lógico, mais conforme com a objectividade dos nossos dias aplicar à agricultura o que já se estabeleceu para a indústria «típica» (é necessário adjectivá-la para a distinguir, agora que os lavradores, para fins de gravame fiscal, já são industriais de outra ordem) a contribuição predial anula-se para os prédios urbanos adstritos a actividades sujeitas a contribuição industrial, porque, explica o legislador, o respectivo rendimento vem a encontrar-se nos resultados da exploração!
Ser-me-ia fácil, e creio que sem falta de boas razões, continuar por aqui a lamentar e a discordar do duplo mecanismo em que se baseou o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola para defender a sua radical substituição, mas ele está promulgado, nenhum governo gosta de emendar a mão senão aos poucos, e para já o que podemos pedir com esperanças de satisfação têm de ser não remédios, mas apenas remedeios!
Quatro são, a meu ver, Sr. Presidente, as grandes linhas de erro, as grandes linhas de violência - contra a justiça, contra as pessoas, contra os princípios -, que há a corrigir, que há a reparar, no vigente imposto sobre a indústria agrícola
1.º A irrealidade da tributação,
2.º A negação de capacidade das escritas,
3.º A complexidade das declarações,
4.º As indevidas repercussões no imposto complementar
A irrealidade da tributação, ofensa máxima do princípio dominante da reforma fiscal, decorre do facto de o imposto colectar os rendimentos a mais da média tributada por contribuição predial, mas não conter processo de compensação quando ocorram abaixo dessa média.
Uma característica essencial e irremovível da produção agrícola é a sua variabilidade, superior à diligência dos homens. Com anos rendosos alternam, bem se sabe, isoladamente ou por séries, anos de fracas produções, que o agravar dos custos tende a tornar, fácil e frequentemente, em anos deficitários, de verdadeiro prejuízo.
Anteriormente, com a tributação limitada à contribuição predial, e esta calculada sobre os rendimentos normais de anos médios, podia ter-se como aceitável que uns anos dariam para os outros, hoje em dia paga-se a contribuição predial sobre um rendimento teórico, paga-se mais o imposto sobre a indústria agrícola se o lucro excede esse, mas fie fica inferior não se paga menos. Quanto mais actualizado estiver aquele rendimento, a renda fundiária - e está-lo-á tanto por via das correcções como, se não mais, pelo do agravamento das despesas que serviram ao seu cálculo -, maior é o nsco de as autuações não serem compensadas, e tem-se como certo que será fácil no decurso de alguns anos vir a pagar pelas colectas sobrepostas substancialmente mais do que a proporção legal dos rendimentos verdadeiramente auferidos.
Sem mudar de raiz a legislação, provavelmente o único meio de reparar tamanha injustiça será o conceder aos agricultores o benefício das escritas como elemento de prova dos seus resultados e de base para o encontro de prejuízos com lucros através da solidariedade dos exercícios, como é facultado no Código da Contribuição Industrial.
Muitas são as vantagens concedidas aos industriais (não agrícolas ) na tributação com base em escrita devidamente organizada, que também poderiam e deveriam aproveitar aos lavradores, sendo nítido desfavor não lhas conceder
O direito, repito, de deduzirem as perdas de um ano dos lúcios de outros, o de diminuem aos ganhos tributáveis os gastos de utilidade social, o de incluírem nas despesas do exercício os lucros reinvestidos na própria empresa em instalações ou equipamentos novos brada aos céus que não assistam ao agricultor de boas contas como assistem, pela nova reforma, e muito louvavelmente, ao industrial não agrícola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A pedra de toque, diz-se, está em que a escrita mereça confiança, mas a lei nem num só artigo, nem numa só facilidade, nem numa só hipótese, concede ao homem da terra o direito sequer de conquistar essa confiança, negando-lhe em total mutismo o proveito dela, como se não o considerando capaz de organizar uma contabilidade da sua empresa, quando é bem certo que muitos as mantêm, organizadas em moldes equivalentes, quando não até pelos mesmos técnicos de contas cuja sabedoria merece crédito para todos os fins do grupo. A da contribuição industrial. E parece-nos a nós outros lavradores particularmente cruel a ironia do legislador, que preambularmente manifesta a esperança firme - ainda por cima firmei - de que o sistema tributário introduzido sirva de estímulo ao aperfeiçoamento da escrita das empresas agrícolas, mas no articulado não concede para isso o menor incentivo concreto.
O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz obséquio
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sobre esse ponto, a meu ver, o espírito fiscal que determinou essa reforma está em contradição prática com o aspecto económico processado sobretudo pela colonização interna, que preconiza como mais desejável tender-se a fazer coincidir a ideia de empresa caracteristicamente familiar exactamente com a exploração. Daí deriva praticamente para a maior parte dos agricultores dificuldade enorme em processar aspectos de consumo, de despesa, que implica exactamente a vida familiar dentro da empresa agrícola, e, portanto, a impossibilidade de poder contabilizar-se com suficiente aproximação como passivo da empresa esse aspecto familiar, bem como o cômputo do trabalho de crianças, etc., de natureza irregular De maneira que essa contradição entre o espírito fiscal e o espírito corporativo familiar e tradicional das empresas que se querem incrementar comporta uma contradição flagrante que só sou levado a explicar por insuficiência de coordenação governativa.
O Orador: - Suponho que a letra desta lei está em contradição com muita razão boa Lembro a V. Exa., dentro da minha petição, a analogia com o regime da contribuição industrial. Há possibilidades de os contribuintes se inscreverem em três classes A, B e C.
Correspondem realmente a escalões de desenvolvimento das empresas, algumas das quais não são compatíveis com uma escrita apurada.
Sendo substanciais e fomentadoras as vantagens dos contribuintes do grupo A, o que eu pretendia é que elas
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pudessem ser extensíveis na indústria agrícola aqueles que fossem capazes de manter uma escrita susceptível de fazer fé para os serviços de finanças.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Eu não estou em posição contrária à de V. Exa.
O Orador: - Eu compreendi e até agradece a sua intenção.
V. Exa., que é jurista e ainda por cima lavrador, sabe perfeitamente que nenhum código se ajusta a todas as circunstâncias particulares. Em geral, é necessário contemplar grupos de situações.
Mas uma das queixas de que me faço eco é que, em relação a situações que se podiam definir cone este código não haja podido contemplá-las.
Pausa.
O Orador: - Não me parece que a contabilidade agrícola de «resultados» ofereça segredos ou dificuldades de conferência fiscal que uma vontade decidida não esclareça e arrede, sem excessivo trabalho, de modo a estabelecer regras claras e simples de que possam servir-se os agricultores desejosos de beneficiarem de vantagens análogas às concedidas aos industriais do grupo A. Olhe-se sòmente, insisto, para a irrecusável justiça da compensação dos prejuízos, para a necessidade instantíssima de fomentar investimentos por todos os modos de atracção que não deverão, não poderão haver obstáculos que por amor delas se não removam!
E pense-se ainda nas devassas, nas discussões e nas dúvidas que o julgamento pela escrita, de preferência à declaração contestável de lucros, poupará a contribuintes e funcionários!
Contestáveis e abundantemente contestadas, de fórmula complexa e confusa, as declarações dos lucros são o primeiro ponto de encontro do agricultor com o imposto e originaram no ano de estreia a maior proporção das queixas e recriminações. Minuciosas em questões de resposta mal praticável, perfeitamente alheias à unidade da explorações em modo e lugar, que queriam decomposta em contas e subcontas onde as necessidades confundem e combinam, e repartida por assentos da lavoura, como se não fosse de regra a troca de bens e serviços de uns para outros, mesmo assim ignoradas e desprezadas depois de laboriosamente preenchidas as declarações de lucros não serão para o legislador a pedra angular do seu sistema, mas merecem-lhe bem séria atenção, com audiência de práticos, pois o seu modelo actual repele o inquirido e não serve bem o inquiridor.
Como todos os demais, o imposto sobre a agrícola determina a fixação de um rendimento que é sujeito a nova incidência pelo imposto complementar. Mas no seu domínio existe notável peculiaridade a de rendimentos que não se realizam anualmente, mas sim, por condição natural, se geram em séries de anos e produzem de espaços a espaços, mais ou menos mas sempre longos. São os rendimentos dos arvoredos, as madeiras de corte e as cortiças, que por lei fatal, irreformável, sem que lhes possa ser encurtado o período, dão de uma vez a criação de muito tempo. E, dando-a de uma vez, dão-na em maior vulto, em valo todor que vem junto pagar demorados investimentos e pacientes granjeios, mas, vindo em maior vulto, é este vulto que o imposto complementar colecta, com a progressividade que lhe é própria. Donde resulta que por estes rendimentos se pagará mais, muito mais, do por somas iguais de rendimentos cobrados com maior frequência, de modo que os seus titulares, com terem tido que sofrer as esperas, sofrem depois verdadeira penalização fiscal.
Isto não está certo, por se tratar de proventos cuja acumulação não resulta de vontade do proprietário, mas sim de lei da Natureza, e que nem sequer são escalonáveis para o futuro sem diferimento de colheitas que interessa à economia nacional receber e, sobretudo, pôr a regenerar logo que formadas.
Mas ainda, por via da contribuição predial sobre a parte deles que é lenda fundiária, o proprietário, a produção, já terá antecipado colecta, e designadamente do imposto complementar, sem auferir rendimento.
Noutros casos, titulares de rendimentos que, repartidos ano a ano, os livrariam de imposto da indústria agrícola, e do complementar, caem sob a alçada de um e de outro porque venderam as suas matas, e todas de uma vez os fazem figurar de ricos, quando mal os terão amparado.
Tenho falado sobre este problema com altas individualidades do Ministério das Finanças escassos argumentos opuseram à tese da necessidade de reparar estes efeitos, e nenhum desses revelou força o erro não pode persistir só por o Governo não querer ainda retocar a sua obra, nem eu quero conformar-me com a ideia de que, na elegante imagem de há dias de um querido colega, tenhamos de esperar que chegue ao Terreiro do Paço o clamor dos magoados, e entretanto orar pela conversão dos governantes insensíveis à nossa queixa!
Para mais é este um motivo de desgosto da actividade florestal, cuja necessidade de fomento é patente a todos os olhos.
E claro que importa rever os critérios; há-de entender-se, para estes rendimentos multienais que a regra acertada será a de achar a média anual da verba passível de imposto complementar, reportada ao período real, ou razoavelmente estimado, de geração do rendimento, e cobrar o imposto como sendo liquidado acumuladamente à colheita - por outras palavras pelo rendimento apurado então, mas pela taxa da sua média anual de acumulação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Será esta a progressividade justa, não a que exploraria a conjugação da lei natural com um princípio que não se lhe dirige!
Sr. Presidente: Quando queria ser rápido, vejo que me alonguei um pouco neste último ponto, não por lhe dedicar maior interesse, mas por o saber menos compreendido.
Foge-me o tempo, mas não tanto que não queria aproveitá-lo para uma breve nota final, pedindo me seja relevado falar de mim próprio.
Fui, quiçá, nalgum passo desta exortação ao Governo, e aos responsáveis pelas finanças do Estado um pouco duro na crítica com ser de defeito próprio, a discordância de evidentes imperfeições agravou-me o pendor. Mas não me virei contra os homens, creio que isto estará bem claro - quem seria eu, aliás, tão consciente das período, minhas próprias falhas para o fazer? Zanguei-me um dando-a pouco, isso sim, com as ideias, como alguma vez aqui ouvi confessar que lhe acontecia ao mais ilustre de nós todos.
Zanguei-me e zangar-me-ei até as ver rectificadas, por amor da equidade, por amor da razão, não por qualquer interesse ou esperança que não possa sincera e abertamente declarar. Já lá vão muitos anos, sendo presidente de um
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município de província onde disparidades de antiquadas matrizes afectavam a vida- local, tomei a iniciativa de pedir ao Ministro das Finanças do tempo que apressasse as avaliações cadastrais, para dar maiores receitas à Câmara e proporcionalidade aos impostos Desejava que não carregassem os tributos de mais sobre uns, mas sim igualmente sobre todos, porque cria, como o grande jesuíta, que «se se repartir o peso com igualdade de justiça, todos os levarão com igualdade de ânimo», e acreditava tanto neste princípio que não hesitei em pedir a aceleração de um agravamento, que sabia ter de ser pessoalmente muito forte. Tive a honra de ver comigo os vereadores, embora a maioria também não pudesse duvidar que seriam igualmente dos agravados A opinião local nem nos queria crer, foi preciso publicar os documentos, soube de quem me chamasse estúpido, e agora, mais amolado pela experiência, estou em dar-lhe razão só direi que o aumento, em que eu pedia pressa, quando por fim veio foi para mim do sêxtuplo, e confesso-o apenas para frisar bem que não repilo impostos, quando forem justos.
Mal empregado zelo esse foi, surdas ao pedido certamente insólito, as finanças não apressaram a sua máquina e levaram ainda quinze anos paia concluir a tarefa
Risos
Em verdade só contei esta história, Sr Presidente, para afirmar a confiança de melhor sucesso nos pedidos de hoje, porque são a todo o Governo e para todo o País.
E o tempo urge!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ciclo das memoráveis jornadas que o Sr Presidente da República vem fazendo por todo o País, entendido este no único sentido que a razão e o direito lhe conferem - o transcontinental -, vai prosseguir agora no distrito de Viseu.
Serão quatro dias - de 26 a 29 do corrente -, e posteriormente ao fecho desta Assembleia, os que a visita oficial do Chefe do Estado dedica à circunscrição que é berço ou título de orgulho de nomes gloriosos, nomes sob que se apoiam as arcadas que constituem a cúpula da nossa história resplendente de desusadas veneras, fulgurante de estranhas cintilações. Revérberos históricos, onde sobressaem os nomes imarcescíveis de Viriato D. Duarte, do infante D. Henrique e de Salazar!
História que traz agarrada a si as manhãs orvalhadas dos Hermínios, os ventos implacáveis que levaram na rota da aventura as velas pandas de Quinhentos, história de ontem ou de hoje, mas que, de qualquer forma, descobre que «o dever não se contabiliza», porque se paga na moeda corrente da intrepidez e do heroísmo.
É essa terra igual às demais que constituem o corpo pluriforme da Nação que o Sr Almirante Tomás, num acto de renúncia de si próprio - porque de todo já se deu ao País -, vai visitar, levando com a sua cativante simpatia a figura distinta da primeira dama do País.
E no seu séquito luzida comitiva de individualidades, onde se destaca a figura veneranda do Sr Presidente da Assembleia Nacional, notável viseense de tão destacados títulos, acompanhado dos ilustres titulares das pastas do Interior - outro distinto viseense -, Justiça, Obras Públicas e Corporações.
Realizações materiais e espirituais que são marcos de uma época, manifestações oficiais e populares que são testemunho de uma perene gratidão, tudo há-de ser pretexto para demonstrar o brio, o reconhecimento, o portuguesismo, do povo beirão!
Ele há-de aglutinar-se à volta das suas autoridades, jubiloso e desvanecido, com a distinção com que o Sr. Presidente o honrou, saudando no primeiro magistrado da Nação o símbolo da unidade inquebrantável da Pátria, e que a sua farda de marinheiro sugere, como sentinela peregrina dos vários caminhos por onde se faz a rota do Império!
Os concelhos de Carregai do Sal, Nelas e Mangualde, assim como os de Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul, hão-de oferecer ao cortejo presidencial a certeza insofismável do seu júbilo, do seu respeito, da sua indesmentível simpatia, pelo Sr Almirante Américo Tomás!
Depois, o reconhecimento agradecido de Mortágua pela inauguração festiva dos seus Paços do Concelho, de Santa Comba Dão pelo Palácio da Justiça e pela justiça mais alta que é a da perpetuação, no bronze, da memória do seu mais glorioso filho primeiro português do nosso século! Português que, na sugestão de um poeta, é«no altar da nossa alma, chama que jamais se apaga»!
Seguir-se-á a visita a Lamego, recordação inolvidável, porquanto será a vez primeira em que um Presidente da República se desloca a esta cidade, de tão gratas tradições!
Finalmente Viseu, uma apoteose da capital do distrito, oferecendo ao ilustre Chefe do Estado o calor da sua alegria, o entusiasmo do seu bairrismo - a afirmação inequívoca do seu agradecimento, do seu patriotismo!
Manifestações populares e das suas forças vivas, inúmeras realizações materiais, manifestações intelectuais, artísticas e espirituais - tudo um ramo precioso de flores, donde se evola o perfume do agradecimento de Viseu ao Sr Presidente da República!
Por toda a parte, a nossa lírica paisagem feita de searas e vinhedos, manta franjada de pinhais e socalcos, apoteose de luz e de cor, magia de água em murmúrio e odor de seiva generosa, ela ali estará, com os vivas da sua gente, a saudar o ilustríssimo Chefe do Estado, num deslumbramento que não cabe no apertado dos nossos montes, mas empolga e rende a própria vastidão dos espaços!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Um dos sectores em que a unanimidade se tem verificado nesta Câmara, e o facto será grato ao ilustre professor que nos preside, é aquele que preconiza e defende uma mais ampla divulgação do saber nas gentes da nossa terra.
A uma maior difusão do ensino corresponde sempre uma elevação na escala social, quer se considerem os objectivos morais, quer os materiais. Saber manejar uma arma de defesa nas plagas africanas, onde nos impõem uma guerra, saber conduzir um tractor na planície alentejana, saber tratar um doente na atmosfera pesada de um hospital, saber programar o desenvolvimento de uma empresa, saber discutir e articular uma lei, só é possível, Sr. Presidente, utilizando, na medida máxima, os ensinamentos que se foram buscar à escola Por esta razão básica, que a Câmara unanimemente aceita e defende, eu ouso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, abusar da vossa paciência para solicitar o decidido apoio de todos vós na pretensão que, em benefício imediato da minha região
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e do País vou formular ao ilustre Ministro da Educação Nacional.
Com a aprovação unânime do conselho escolar e o mais completo e caloroso apoio das Exmas. Autoridades e Forças Vivas locais foi proposto pelo Exmo. Sr. Director da escola Industrial e Comercial de Évora o funcionamento nessa Escola, e já no próximo ano lectivo, das disciplinas equivalentes à alínea g) a que se refere o artigo 11.º do Regulamento dos Institutos Comerciais, completados pelo Decreto n.º 42 584, de 15 de Outubro de 1959.
Como razões justificativas do que se pretende, permito-me, Sr. Presidente, repetir, nesta Câmara, as superiormente apresentadas.
Foi recentemente criado nesta cidade o Instituto de Estudos Superiores de Évora, que poderá contribuir, de forma notável, para um maior desenvolvimento do ensino técnico, tão necessário nesta importante zona do País.
De facto, o funcionamento naquele estabelecimento de ensino superior de uma secção de economia dar aos alunos desta Escola e das escolas técnicas mais próximas que frequentam o curso geral de comércio e demonstrem as indispensáveis aptidões intelectuais a possibilidade de ingressarem num curso de grande valor profissional e de inegável interesse e oportunidade para o progresso económico do Alentejo.
Presentemente, porém, para que tal suceda, torna-se necessário que, uma vez concluída com aproveitamento a secção preparatória para a admissão ao Instituto Comercial, os alunos interessados se desloquem para Lisboa e ali permaneçam cerca de dois anos, a fim de frequentarem, no referido Instituto, as disciplinas equivalentes à alínea g)
Ora, são exactamente estas deslocação e permanência que constituem um problema difícil para a maior parte das famílias, por vezes impossível de resolver, por manifesta carência de recursos financeiros.
Por este motivo, a criação do Instituto de Estudos Superiores de Évora deu novo alento a um desejo já manifestado e que agora inteiramente se justifica de funcionarem na cidade estudos comerciais de nível médio que possibilitassem a articulação directa desta Escola com aquele Instituto sem obrigar os alunos às deslocações dispendiosas e quase proibitivas que já referi.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Seria, aliás, a ligação lógica entre dois estabelecimentos de diferentes graus onde se professa um ensino técnico de cuja planificação fazem parte as mesmas disciplinas nucleares, tais como a Matemática, a Economia, a Contabilidade e as Línguas.
E se a austeridade das despesas públicas imposta pela guerra que nos moveram em África não permite, pelo menos de momento, que se crie um instituto comercial em Évora, parece ser, contudo, relativamente fácil, por constituir um modestíssimo encargo para o Estado, o funcionamento nesta Escola de uma simples secção constituída pelas disciplinas equivalentes à alínea g).
O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Seria até uma forma económica e racional de se descentralizar este tipo de ensino, tornando-o acessível a outras regiões onde, no futuro, se viesse a justificar o seu funcionamento.
Tudo se resume, afinal, ao acréscimo de algumas horas de trabalho escolar em mais duas turmas nas instalações já existentes, distribuídas a professores cuja formação universitária é idêntica à dos seus colegas que leccionam as referidas disciplinas nos institutos comerciais.
Poderá objectar-se, no que respeita à Escola Técnica de Évora, que o aumento da sua população escolar não é aconselhável em face da insuficiente capacidade, já por várias vezes posta em evidência.
Note-se, todavia, que a criação de secções funcionando fora deste estabelecimento de ensino, uma em Viana do Alentejo, outra nesta cidade e ainda uma terceira que e pretendida por Reguengos de Monsaraz, há-de contribuir para descongestionar a frequência, aliviando as respectivas instalações.
Além do mais e acima de tudo, a solução preconizada para o problema já apontado representaria para todos os jovens talentosos dispondo de fracas possibilidades económicas um novo estímulo para o seu trabalho e uma esperança nova para o futuro.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Acentue-se, por último, que a continuidade de estudos que agora se pretende poderá ser um acontecimento do maior significado numa altura em que, por feliz coincidência, se comemoram quase simultaneamente os 50 anos da escola ao serviço da cidade e os 8 séculos da história da cidade ao serviço do País.
Não é exclusivo de Évora este problema.
Outras regiões, e citarei Braga, estão necessitadas de solução idêntica, enquanto se não possam criar os desejados institutos comerciais e industriais
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito obrigado. Agradeço a referência feita a minha cidade.
O Orador: - A província, Sr. Presidente, não pode estar eternamente na dependência dos grandes meios urbanos para solução dos seus problemas de ensino
Évora, no Plano Intercalar que está Câmara discutiu e aprovou, não conseguiu ver incluída a construção, que se impõe, como a de um novo liceu, da sua escola industrial e comercial.
Esta escola está projectada, tem terreno à sua disposição, existe a necessidade premente de ser seguida, mas - o eterno mas que tanto nos aflige - não foi ainda considerada.
Sei, todos sabemos, das dificuldades que a Nação atravessa, mas o problema do ensino não admite demoras.
Pretender que as populações subam além do escalão primário, querer o aumento do produto bruto nacional, desejar que diminua a elevada percentagem dos que se aplicam na agricultura, lutar pela industrialização e aceitar, com alvoroço, os benefícios da civilização a todas as zonas do País só é possível, Sr. Presidente e Srs Deputados, com a disseminação do ensino e, muito especialmente, do ensino técnico.
O Sr. Dias das Neves: - Muito bem!
O Orador: - Estou convicto de que Évora terá a solução que deseja.
A minha região será grata a quem lhe fizer justiça, mas igualmente amarrará ao pelourinho os que ousem opor-se ao seu desenvolvimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Délio Santarém.
O Sr. Délio Santarém: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vive-se universalmente a euforia do social e não é neste canto ocidental da Europa que, neste aspecto, se podem descortinar abencerragens ou colher exemplos anacrónicos e ultrapassados que satisfaçam a malícia de alguns milhões de olhares estranhos que insistentemente, teimosamente, se fixam em nós numa mal intencionada pesquisa do que não existe.
Em boa verdade, Sr. Presidente, não podemos acusar os nossos governos das últimas quatro décadas nem de avaros nem de pródigos na promulgação de medidas tendentes ao nosso progresso social. Há até - assim julgamos - que reconhecer-lhes uma actuação plena de senso prático e de uma perfeita noção do nosso carácter sui generis, das nossas tradições respeitáveis, dos nossos legítimos anseios sociais e, sobretudo, das nossas possibilidades.
E formam base deste nosso juízo, além do mais, as várias propostas de leis com objectivos sociais que tiveram a melhor audiência nesta Assembleia só pá presente legislatura. E despertou-nos a atenção para estas considerações a proposta, agora aqui em apreciação, sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Tem, efectivamente, o Governo desenvolvido intensa actividade no foro social Não há nessa actividade - e ainda bem - o aspecto revolucionário, espectacular e clássico dos chamados países socialistas, mas regista a clarividência de partir, como premissa fundamental, do respeito pela dignidade de homem integral - corpo e alma, em que esta excede aquele em perfeição.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Caminhamos, pois, cuidadosa mas decididamente no campo social com os olhos postos no interesse colectivo, mas também com muito respeito pelo individual respeitável e sem atropelos revolucionários desumanos e estandardizados.
Louvores são, portanto, devidos aos nossos últimos governos e, por isso, daqui os proclamo e especialmente os endereço ao Sr. Ministro das Corporações, Prof José João Gonçalves de Proença, autor erudito da presente proposta de lei, e cuja brilhante actividade muito tem honrado as nobilíssimas tradições desse Ministério, por onde têm passado algumas das nossas mais altas personalidades
Por estes merecidos louvores se pode e deve subentender já que na generalidade aprovamos a proposta de lei agora em apreciação, sem prejuízo do que cuidaremos sobre algumas bases quando a proposta passar a ser discutida na especialidade.
E aprovamos até com entusiasmo, porque ela visa, efectivamente, um claro e franco objectivo social.
Sr. Presidente: Salvo a merecida admiração pela extraordinária e santa iniciativa de uma caridosa rainha de Portugal e do muito respeito por algumas realizações privadas no terreno do socorro social, podemos agora dizer que já lá vai distante o tempo em que um individualismo conformado ou impotente assistia complacentemente à queda do nosso semelhante na adversidade sem assistência nem previdência.
Mas com o andar do tempo cada vez mais reconhecemos a premente necessidade de um esforço colectivo para a salvaguarda do individual E em ritmo tão rápido se desenvolve esta nova ansiedade que, apesar de tanto já se ter realizado, continuamos a sentir uma espécie de vazio, que nos faz recordar que, na realidade, a insatisfação é uma constante da vida temporal.
Por esta razão se justifica que não significa esquecimento do muito já feito, nem falta de gratidão, referir que muito há ainda para realizar no seio do social, que muitas lacunas nos amedrontam, como autênticos abismos, onde arriscado desequilíbrio nos emociona e nos entontece.
Diremos mesmo, Sr Presidente, que na medida em que avançamos em realizações sociais, mais se avolumam, paradoxalmente, as necessidades aos nossos olhos surpreendidos.
É a lei dos contrastes que agora nos segue como a própria sombra inseparável.
É a alegria do primeiro e o acabrunhamento do último. E o destacado nas alturas dos arranha-céus e o perdido no fundo do vale à espera da sua hora social
É a minoria dos beneficiários da assistência e da previdência e a maioria dos ainda ansiosos e preocupados com o dia de amanhã.
É o restrito do seguro em referência em face da imensidade das necessidades sociais.
É, em síntese, e fundamentalmente, o desequilíbrio económico abissal, não só entre os sectores mas também, e acima de tudo, dentro de cada sector, a agravar contrastes e a fazer sobressair os milhares e milhares de postergados pela nossa evolução social.
Desequilíbrio económico que só nos tem permitido caminhar quando necessitamos de irradiar, em todos os sentidos, para todos os cantos do social.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Apesar de vivermos, como no social, também a obsessão do económico, infelizmente ainda verificamos uma falta de paralelismo na progressão matemática destes dois termos do binómio. Isto talvez por ser mais fácil legislar no social do que resolver no económico.
De qualquer forma é, todavia, evidente que nos falta um planeamento económico, uma estrutura base, enfim, o fundamental equilíbrio estável capaz de aguentar a força e o peso precisos para a ascensão social em que andamos empenhados.
Queremos dizer - insistimos - que temos sectores economicamente tão débeis que para colaborarem na reforma social necessitam de prévios cuidados, de uma antecipada atenção dos governos, de maneira a conseguir-se no económico a infra-estrutura do social.
Referimo-nos - é fácil de ver - ao sector rural, à pequena indústria, ao modesto comércio, às profissões liberais, ao artesanato e mesmo às explorações com fins não lucrativos, também abrangidas pela proposta de lei do seguro social
Se a complexidade das dificuldades económicas destes sectores não for cuidada com a indispensável decisão, é verdade que algo mais progrediremos no campo social, mas à custa de um maior desequilíbrio micro-económico, que fatalmente criará outros delicados problemas sociais.
A posteriori se confirma quanto é difícil o solucionar esses problemas económicos, pois não podem estar em causa nem a inteligência, nem o saber, nem a boa vontade da Administração, por uma solução feliz que não há forma de aparecer para colher os nossos veementes aplausos
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É este desequilíbrio que nos atormenta, porque, na verdade, é ele que cristaliza as lacunas evidentes e lamentáveis que cada vez mais sobressaem no nosso panorama social.
Sr. Presidente: Desejamos entrar mais precisamente na ordem do dia, mas não resistimos à íntima tentação de insistir na necessidade de estender a assistência e a previdência àqueles sectores economicamente débeis a que atrás já nos referimos e que constituem ainda uma maioria sem protecção conveniente.
Tem havido, efectivamente, a louvável preocupação de cuidar pelo presente e pelo futuro de muitos quantos trabalham por conta de outrem. A presente proposta de lei confirma isto quase no absoluto.
Todavia, é preciso também reconhecer que estes que não são só estes que formam a magnífica massa dos trabalhadores portugueses.
Outros tantos trabalham por conta própria, mas lutam, da mesma forma, penosamente, pela sua sobrevivência e da Pátria e têm, igualmente, um corpo para manter, um espírito para cultivar e uma alma que perder.
E se lhes é possível, por iniciativa individual, recorrerem às várias empresas seguradoras para efeito de seguros contra acidentes, já nada, porém, podem conseguir quanto a todos os outros riscos de saúde, visto que essas empresas, pelo menos as nacionais, não aceitam um seguro que cubra todas as doenças e incapacidades.
Há que reflectir em que os trabalhadores por conta própria também têm, para efeito dos seus deveres e obrigações, um patrão para quem, na realidade, trabalham. Esse é o Estado, que, como pessoa de bem, não pode esquivar-se às responsabilidades que exige a toda a classe patronal.
Sr. Presidente: Alargámos talvez demasiadamente as considerações em relação aos sectores económicos mais débeis e não protegidos por qualquer sistema de assistência e de previdência, mais porque os benefícios da proposta de lei se limitam aos que trabalham por conta de outrem e, naturalmente, no âmbito restrito dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, que pelo receio de que a referida proposta mais venha onerar a mais pobre classe patronal, visto que neste último caso são francamente optimistas as declarações do Sr. Ministro das Corporações.
Com efeito, não obstante a maior amplitude de direitos e valores de indemnizações, não reconhece o ilustre Ministro das Corporações razão às empresas seguradoras para aumentarem as taxas, pois as reservas matemáticas encontrarão o equilíbrio na mais larga obrigatoriedade do seguro social.
Calcula-se em mais 51 700 os empresários a segurar, e que só no sector agrário o número de segurados aumenta em cerca de 50 por cento.
Há ainda a considerar a redução dos riscos pela maior atenção a prestar à prevenção dos acidentes e doenças profissionais, «susceptível de diminuir espectacularmente os casos de reparação e, portanto, os seus encargos». Calcula-se que a prevenção possa fazer baixar os índices de sinistralidade em 30 e 40 por cento. E pensamos nós que é ainda possível uma redução no encargo de 20 por cento relativo ao enganador, ora mais dispensável pelo facto de o seguro ser coisa obrigatória.
Mas não é só naqueles pormenores que se reconhece a preocupação do Sr. Ministro em relação à fragilidade económica de muitos patrões, mas também ainda a mesma atenção se regista nas exclusões permitidas ao sector agrário e no facto de através do regulamento se proceder à extensão obrigatória por escalonamento.
Todavia, quanto a este penúltimo ponto, e que consta da lamenta- base viu, seja-me permitido desde já recear que possa panorama corresponder a uma porta de entrada para algumas mistificações.
Mas, no conjunto, do que não restam dúvidas e merece os nossos melhores aplausos é o evidente aumento de nível de segurança social dos trabalhadores que a proposta de lei vai proporcionar em comparação com o que actualmente se observa
Teremos, efectivamente, para o futuro e por exemplo, menos casos de descaracterização de acidentes, aumento da percentagem nas pensões devidas por incapacidade permanente e por morte e o agravamento destas em função da idade dos beneficiários, a elevação do limite de idade são só dos filhos e de outros patentes sucessíveis, e das despesas de funeral, a acumulação de pensões para além das do cônjuge sobrevivo e dos filhos, e a determinação da remuneração-base sem qualquer redução.
Da proposta de lei em apreciação fica ainda a aguardar-se a criação do Conselho Nacional de Prevenção dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, a criação de serviços e comissões de segurança nas empresas, a carteira médica profissional e a elaboração da lista das doenças profissionais.
Temos à frente do Ministério das Corporações um Ministro inteligente, sabedor e ansioso de bem servir, e por isso confiamos absolutamente que todas essas inovações não venham a ser letras mortas nem desvirtuadas pelos regulamentos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Os meios e os fins da presente proposta estão de harmonia com o apuramento da evolução social e dentro das melhores razões jurídicas e da nossa economia.
E, para além de completar a cobertura de todos quantos labutam por conta de outrém e de alargar notavelmente as respectivas indemnizações, em casos de acidentes e doenças profissionais, dá ainda mais um passo em frente no campo relevantíssimo da prevenção.
Já em 1950 o Ministro Veiga de Macedo - hoje nosso distintíssimo e querido camarada nesta Câmara -, ao lançar, com o seu contagiante entusiasmo, a Campanha Nacional de Prevenção, afirmou que só em dois anos - 1957 e 1958 - morreram 1000 operários, compreendidos entre cerca de 1 milhão de acidentes.
E ao recordarmos a actividade do Dr. Veiga de Macedo no Ministério das Corporações não seríamos gratos nem justos se não acrescentássemos que, no âmbito do seguro social, os trabalhadores portugueses lhe ficaram a dever, além dessa Campanha Nacional de Prevenção, muitas outras valiosas iniciativas, de entre as quais devemos destacar a exaustiva elaboração da tabela nacional das incapacidades, que substituiu a tabela de Lucien May et, a publicação do Decreto-Lei n º 41 840 e do Decreto n º 41 821, sobre a segurança do trabalho nas obras de construção civil, o estudo da organização do serviço de medicina do trabalho nas empresas, o estudo da actualização do quadro das doenças profissionais, o estudo das alergias adquiridas no trabalho, no sentido de saber se devem ser consideradas doenças profissionais; o estudo visando a readaptação profissional, o estudo da indústria louseira de Valongo, no que respeita à prevenção da silicose, o despacho determinando o estudo urgente das regras de higiene e segurança a observar nas obras das barragens e idênticas, a determinação do estudo das condições de higiene e segurança do trabalho na indústria de construções e reparações navais de ferro; o estudo dos casos de parasitose e silicose entre o pessoal das minas de carvão de S. Pedro da Cova,
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Se reflectirmos, Sr. Presidente, que muito mais do que as doenças intercorrentes são as doenças profissionais e acidentais aquelas que mais difìcilmente terminam com uma restituição integral dos tecidos, órgãos, aparelhos ou sistemas e que a prevenção pode reduzir só na sinistralidade os números de casos entre 30 e 40 por cento, avaliaremos melhor o mérito e a importância da profilaxia na economia humana.
E se recordarmos que de 1958 a 1962 se registaram 1 438 340 casos de incapacidades temporárias por acidentes, que deram 18 242 899 dias perdidos, que custaram 367 342 contos de indemnizações pagas e 457 851 contos de tratamentos, e que, no mesmo período, foi de 164 026 o número de diminuídos físicos, com 201 695 contos de pensões pagas e 62 778 contos de pensões remidas, rapidamente mediremos o valor da prevenção na economia nacional.
Sr. Presidente: Pela legislação já publicada pelos Ministérios das Corporações, da Saúde e da Economia, pela colaboração sempre pronta e utilíssima dada pela imprensa, rádio e televisão, alertando o País das vantagens da prevenção através da divulgação larga que fez dos Colóquios Nacionais do Trabalho, do Gabinete de Higiene e Segurança do Trabalho, do Congresso Nacional dos Desastres do Trabalho, do boletim Prevenção, etc., e, finalmente, pela proposta em apreciação se pode verificar que algo já se vai fazendo no âmbito da prevenção e que se traduz numa redução de cerca de 1000 acidentes de trabalho entre 1957 e 1962.
A prevenção, mais do que a recuperação, necessita do auxílio de vários sectores distribuídos pelos Ministérios da Educação Nacional, da Saúde e Assistência, das Corporações e da Economia.
Mas essencialmente do que ela mais precisa é de médicos do trabalho, tal e qual como sucede no foro da medicina escolar.
Se o grau de redução da sinistralidade por acidentes de trabalho e por doenças profissionais ainda não satisfaz as nossas naturais exigências, é, fundamentalmente, porque nos faltam médicos especialistas nas empresas e porque a acção da Inspecção do Trabalho está muito distante do seu verdadeiro objectivo
Acresce ainda a circunstância de serem muito poucas as empresas que têm uma noção exacta das vantagens da prevenção.
Sr. Presidente: A medicina do trabalho não é uma criação recente.
Pode remontar-se ao século XVIII na pessoa de Bernardino Ramazini. E desde então tem evoluído em progressão geométrica, cujo valor se pode definir ao recordar que só nos últimos 57 anos se realizaram 14 congressos internacionais de medicina do trabalho e que o último tinha já 11 secções, assim distribuídas organização da medicina industrial, higiene e prevenção, doenças profissionais, traumatologia e recuperação, fisiologia e ergonomia, medicina social relacionada com o trabalho, psicologia industrial, medicina nos serviços de transportes, medicina na agricultura, radiações ionizantes e medicina nas indústrias eléctricas.
Lembramos ainda que por cerca de 40 países estão distribuídas mais de 200 instituições dedicadas à medicina do trabalho.
Entre nós destacamos as duas jornadas de medicina do trabalho da Figueira da Foz, a criação de um gabinete de biotipologia do trabalho na Universidade de Coimbra, e, pelo Decreto n.º 45 160, de 25 de Julho de 1963, o curso de medicina do trabalho, como especialização do curso de medicina sanitária. Este, infelizmente, com uma limitação nas inscrições que não se harmoniza nem com a carência de médicos, nem com o respeito pelos direitos de muitos destes já ao se viço das empresas.
O curso de medicina do trabalho tem de se desenvolver e aperfeiçoar até ao nível de justamente poder conferir o título de especialista.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na trilogia prevenção-cura-recuperação está, como que escondida em castelo encantado nas nuvens da imaginação, a coroa de glória do seguro social, pelo que sem a varinha mágica da medicina do trabalho receamos - muito respeitosamente - que a tal reserva matemática dos economistas e o formal e o normativo da jurisprudência não passem de meras expressões de significado desoladoramente reduzido.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas a singeleza daquelas três palavras exige um mundo variado e complexo de conhecimentos superiormente orientados pelas mais actuais noções da medicina que terão de resolvei o fundamental e de considerar o acessório.
E se sobre tudo isto pairar sempre, como se espera e deseja, o indispensável respeito pela suprema sabedoria de Deus, então, por certo, o homem deixará de ser o escravo da máquina e de si próprio e o trabalhador português encontrará, como ambicionamos, no seu labor quotidiano a verdadeira alegria de viver.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: A «proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais», submetida ao juízo desta Câmara, merece, sem dúvida, os maiores louvores pelos altos objectivos que se propõe, de largo alcance social, visando pôr fim a situações verdadeiramente angustiosas, pelo que a esses objectivos não podem ser opostas nenhumas considerações, sejam de que espécie for, que os façam diminuir
Demorado e cuidadoso estudo precedeu a apresentação desta proposta de lei, que teve em conta não só as correntes de jurisprudência do País e do estrangeiro mais de acordo com a nossa época, mas também os doutrinas dos especialistas no assunto, e ainda, as conclusões dos relatórios dos organismos internacionais
Sabemos, porque o ilustre titular da pasta das Corporações o denunciou na comunicação, a todos os títulos notável, que fez ao País no passado dia 2 de Fevereiro, que sobre a proposta se debruçou amorosamente um grupo de técnicos, de que o Ministro destacou o inspector-geral dos Tribunais do Trabalho, Sr. Dr. Guilherme de Vasconcelos, e o vice-presidente da Junta da Acção Social, Sr. Dr. Saragga Leal, «grandes obreiros do novo diploma, a quem muito justamente são devidos os maiores louvores»
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A proposta tem, pois, não só o selo do estudo aturado e de uma experiência vivida durante largo tempo, como o dos primores do coração, do amor pelo próximo, da justiça que devemos ao nosso semelhante.
Não se pretendeu apenas Actualizar a Lei n.º 1942, que nos regulava até agora, mas fazer uma reforma em sentido de profundidade, que, como afirmou o ilustre Ministro,
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a quem presto as minhas homenagens na com mação já referida, desse plena consagração às modernas do direito social desta matéria
O Sr Sales Loureiro: - Muito bem!
O Orador: - Desde ]á confesso a minha profunda apreensão, que me faz subir a esta tribuna entristecido Sinto-me dominado daquela tristeza que se segue às grandes desilusões, por não ver da parte da Câmara Corporativa, instituição que tanto respeito e administração, não só pela estrutura que ela representa, mas também pelos altos valores que pessoalmente a compõem, o m espírito que ditaram os objectivos do Governo ao apresentar ao poder legislativo a oposta de lei que estamos discutindo Na verdade, muitas das alterações propostas pela Câmara Corporativa no projecto agora em discussão utilizam, em grande parte, o sentido que presidiu á elaboração do mesmo
Há alterações absolutamente inadmissíveis que me proponho desde já abordar na discussão na especialidade, como a alteração feita à base II do projecto, que contraria o conceito do que seja acidente de trabalho hoje em todas as legislações Permito-me apontar para exemplo as leis francesa, italiana e brasileira.
Assim, o artigo 2º da lei francesa, homologai com data de 30 de Outubro de 1946, define acidentes trabalho qualquer acidente que sobrevindo pelo facto 11 na ocasião do trabalho, qualquer que seja a sua causa, toda a pessoa assalariada ou trabalhando a qualquer título para um ou vários empregados ou chefes de empresa.
O artigo 2 º da lei italiana, de 17 de Agosto de 1935, estabelece que o seguro compreende todos os casos de acidente sucedido por causa violenta na ocas? .º do trabalho A lei brasileira, de 10 de Novembro (seu artigo 5 º alarga a definição de acidente (definida no seu artigo 1 º, a acidentes resultantes específicas que não relacionam o acidente cicio de trabalho.
Não podemos, em matéria como esta, contrariar sagrados imperativos da hora que passa, a entrar pelo caminho das restrições, mas, p alargar ao máximo a cobertura dos seguros da Câmara Corporativa levar-nos-ia a retro matéria, pois nem sequer repararia alguns de actualmente indemnizáveis Aponto apenas caso como exemplo e para denunciar o espírito ao novo texto da Câmara Corporativa
assim esta Assembleia, que não deixará, disso de mais uma vez e agora, como noutros caso apoio à política do Governo, de afirmar o ali ciai que sempre tem presidido à sua acção Assim, na base vi estabelecem-se casos de descaracterização do que seja acidentes do trabalho que a eliminou como compreendidos no conceito gê grave e indesculpável», ou seja, «acto ou ordens expressas», e cuja interpretação fonte de numerosíssimas questões, tão pró pressão a interpretação casuística e, portanto proteladoras Foi isso que se pretendeu evitar na redução da aposta do Governo
A privação do uso da razão como determinante da descaracterização é incompreensível Representa uma injustiça flagrante, pois se o acidente é incompreensível conscientemente (sem culpa grave) atribuído a ao sinistrado
trado, como não o deve ser, com mais razão se ele por ter endoidecido?
A exclusão do raio, insolação e outros fenómenos análogos dos casos de força maior que descaracterizam o acidente impõe-se como em leis ou doutrinas estrangenas, já anteriormente citadas
O pastor ou o simples trabalhador agrícola que trabalha no descampado ou rodeado de árvores altas, o operário da construção civil que trabalha na armação de cimento armado, etc , estão sujeitos sem defesa à ofensa desse perigo Forque não indemnizados? Porque a entidade patronal não pode evitar o acidente? É a maior parte dos outros que podem evitá-los? O que rigorosamente devia ser ressalvado na lei era o caso de calamidades e cataclismos, como terramotos, tempestades, etc Para além disto é não considerar os justos direitos dos trabalhadores e entrar pelo tal caminho de restrições a que aludi justamente
Parece que todos os interesses tiveram audiência na Câmara Corporativa e que só os do segurado não foram tidos na devida consideração, e esses interesses foram os que justamente a proposta de lei colocou em primeiro plano
Assim, chegou-se ao ponto de entrega às companhias de seguros - cujos interesses sem dúvida há que respeitar e acautelar devidamente, dado o peso que representam na economia nacional e a fraca rentabilidade que a maior parte dos seus relatórios de gerência e balancetes, que acreditamos precisos, denunciam - a redacção das apólices Dado que as apólices encerram verdadeiros preceitos do interesse do bem particular dos segurados e, sobretudo reflexamente, do bem comum e dos interesses da grei, melhor ficaria nas mãos do Governo a sua elaboração, que só o fana, como deve ser de norma em regime corporativo, depois de ouvida a entidade representativa das companhias seguradoras Acautelar-se-iam assim os direitos que ao segurado lhe confere a lei e estaria o Governo a cumprir, como deve, o seu direito e o seu dever de zelador supremo do bem comum - razão primeira e fundamental da sua existência Razão da legitimidade do seu poder Um dos problemas que esta proposta de lei faz aflorar é o de se saber se a cobertura dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais deve ou não ser incluída no esquema do chamado seguro social
Todos sabem a posição que tenho marcado quanto às vantagens de manter em bom nível tudo que diga respeito à iniciativa particular
Ainda desta vez não repudiarei a minha tese, que, no entanto, admite restrições em casos de alto interesse público, como é aquele que estamos tratando
Sabe-se que dos países europeus unicamente nos acompanham no facto de não prevermos no regime de reparação de acidentes de trabalho a intervenção de instituições ou serviços de seguro social a Bélgica, Dinamarca, Finlândia e Irlanda A Bélgica no entanto, acompanha-nos por igual quanto às doenças profissionais, pois tem um organismo análogo à nossa Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, em progressiva expansão E, quanto à gestão do seguro de acidentes, a Bélgica entregou o assunto a caixas comuns administradas por associações de entidades patronais em e com as companhias de seguros privadas
O certo é que as soluções do problema da segurança social se apresentam diferentes, conforme diferentes são também os sistemas sociais vigentes nas nações europeias, conforme as tendências políticas dos regimes que as governam e ainda conformo o grau de progresso e educação dos povos governados
Desde a socialização completa dos países comunistas, como a Rússia e seus satélites, até à liberdade mais ampla
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verificada na Bélgica - atrás citada -, na Dinamarca, na Finlândia e outros países- evoluídos socialmente, verificam-se as soluções mistas, entre outros, na Holanda, em que as instituições de seguros, autónomas, são geridas por vários administradores, entre os quais se contam representantes do Governo
Esta liberdade condicionada e fiscalizada pelo Governo - no desempenho da sua verdadeira função - parece ser a solução mais lógica e natural na defesa dos interesses dos segurados, sem prejuízo dos interesses particulares criados com a existência de companhias particulares de seguros  solução do problema está em fiscalizar o Governo a sua acção, indicar objectivos e atingir e defender intransigentemente os interesses e os direitos dos segurados, que é, no fundo, defender também os sagrados direitos do bem comum.
O Sr Sales Loureiro: - V. Exª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr Sales Loureiro: - Estou a seguir com muita atenção o brilho do pensamento da exposição de V. Exª Dou inteiro acordo e aplauso à ideia que V Exª expende de que o novo sistema tem de ser misto, para se ajustar, no domínio dos factos, ao domínio das ideias, num sistema como o nosso, de ética corporativa Reforço e louro muito o pensamento de V Exª.
O Orador: - Muito obrigado Vou seguir apresentando mais alguns exemplos que justificam o meu ponto de vista em assunto tão candente e de tão grande importância.
Pausa.
O Orador: - A recente lei espanhola de segurança social, de Dezembro de 1963, estabelece como limite o fim do ano coerente para a transferência da gestão do seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais paia o Instituto Nacional, para as mutualidades laborais ou para as mútuas patronais, no caso de as empresas não quererem assumir, por si, a responsabilidade dos acidentes ou doenças profissionais.
Mais uma vez o país vizinho e amigo nos dá um grande exemplo de liberalização condicionada, emando um instituto regulador das actividades deste géneio
E certo que não é função específica do Estado a actividade de entidade segui adora, a não ser que as actividades particulares, de qualquer modo, lesem os interesses do indivíduo ou da colectividade Cumpre-lhe aqui mais a função de tutelar do que de suprir uma actividade já existente no País, de largas tradições e de bons serviços prestados na sua generalidade
Acautelar interesses criados, dar vida a instituições existentes, será bem melhor do que desfazer o que já está feito para criar de novo A destruição é sempre um perda irreparável, só se justifica quando o que existe é incapaz de cumprir A nacionalização torna o indivíduo cada vez mais dependente do Estado, criando uma dependência nociva à defesa da própria dignidade do indivíduo Precisamos de pensai sempre que, como já se disse, o homem só defenderá, verdadeiramente, a sua sublime dignidade quando deixar de tentar fazer do Estado o seu paraíso na terra Não o empurremos, por isso, para um paraíso que não deseja e que é contrário às suas naturais inclinações - que o não podem encaminhar se não para o fim superior e eterno para que foi criado.
Na sua memorável intervenção dentro desta Assembleia, quando se discutiu o Estatuto da Saúde e Assistência, depois de ter citado a opinião do Prof Doutor Marcelo Caetano expressa no parecei de que foi relator da Câmara Corporativa acerca do anterior estatuto, o antigo Ministro e ilustre Deputado Dr. Veiga de Macedo afirma ser de prever que a cobertura dos riscos do desemprego involuntário e dos acidentes e doenças profissionais acabe- por ser feita através do seguro social.
O Sr Sales Loureiro: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me, pois, que em Portugal deveríamos admitir um sistema misto que permitisse a existência de um organismo de previdência que, em regime de livre concorrência, pudesse servir de padrão regulador, quer dizer, quanto a mim, a Caixa Nacional de Seguros das Doenças Profissionais deveria admitir também o seguro dos acidentes de trabalho.
A responsabilidade económica que envolve o aspecto do alargamento das definições expostas na proposta de lei apresentada pelo Governo, e que tantas preocupações parecem ser traduzidas no parecei da Câmara Corporativa, parece não merecei mais do que uma palavra de análise.
É evidente que o Governo deve ter acautelado o estudo económico do problema, pois seria inconsequente apresentar um projecto de lei sem que as suas possibilidades de êxito fossem, pelo menos, postas em equação Salvo o devido respeito pelo douto parecer da Câmara Corporativa, parece que foi exorbitante a afirmação do agravamento de taxas que resultará da ampliação dos benefícios agora propostos Mas, mesmo que tal agravamento se desse, o facto é que corresponderia sempre a um benefício social, mais do que isso, a um benefício daqueles a quem o trabalho privou de poder ganhar o pão para si e para os seus
Mas não há que temer repercussões financeiras, que cairão sobre as entidades seguradoras O assunto foi devidamente ponderado pelo Governo e o agravamento de taxas, se o houver, não irá além de 0,2 por cento De resto, a Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e várias disposições legais, uma e outras devidas à iniciativa do nosso digno colega Dr. Veiga de Macedo, vieram diminuir os perigos de risco de uma maneira notável, com benefício evidente para as entidades seguradoras
Mas nunca isso poderá ser tomado em conta para diminuir as garantias que é de justiça oferecer ao trabalhador Em primeiro lugar, a cobertura dos riscos do trabalho, que terá de ser, de acordo com o espírito e com o projecto do Governo, ampla e definitiva.
Tudo o mais é acessório e não pode ser tomado em conta para diminuir os direitos de quem trabalha.
Neste ponto de tão grande importância na ordem humana e social, e mesmo até com aspectos e reflexos na ordem económica, não podia também a Igreja deixar de fazer doutrina verdadeira é justa.
Sem me querer alongar nas citações de documentos pontifícios aplicáveis, não quero deixar de frisar o aspecto geral da encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII, de saudosa memória, que apresenta a organização de seguros sociais como um dos factos mais gratos ao seu coração verificado em todas as organizações sociais evoluídas
Mas já Pio XII, na encíclica Dium Redemptons, afirmava que não se cumprirão suficientemente as exigências da justiça social «se não se tomam precauções certas a favor dos operários por meio dos seguros públicos ou privados para o tempo da velhice, da doença e do desemprego forçado»
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A economia geral da encíclica Mater et Magistra apresenta-nos o problema dos seguros sociais como uma das bases fundamentais da organização social no que se refere ao aspecto da defesa dos direitos naturais do homem, especialmente daqueles que assentam na conservação física e na constituição da família, e ainda encara o seu aspecto económico quando afirma.
O sistema de seguros ou segurança contribuir eficazmente para a distribuição mento global da Nação de acordo com ai justiça e da equidade Assim, é lícito ene um meio de reduzir os desequilíbrios d vida entre as diversas categorias de
Cidadãos.
E ainda mais recentemente, na encíclica Paeem in Terna, afirmava João XXIII.
Postos a desenvolver, em primeiro lugar, o tema dos direitos do homem, observamos que este tem um direito à existência, à integridade corporal, aos meios necessários para um decoroso nível de vida, os quais são, principalmente, o alimento, o vestuário, a casa, o descanso, a assistência médica é, finalmente, os serviços indispensáveis que a cada um deve prestar o Estado Donde se conclui que o homem possui também o direito à segurança pessoal em caso de
doença, invalidez, viuvez, velhice, desemprego e, por ultimo, qualquer outra eventualidade lê o prive, sem culpa sua, dos meios necessários par o seu sustento.
Sr Presidente Como disse no início das i nhãs considerações, a proposta do Governo, pelo seu alto alcance social, pelo espírito cristão de que é portador pelo que representa da sadia mensagem junto daqueles que sofrem e trabalham, não pode senão encontrar da pai t das almas bem formadas motivos de franco apoio, apoio que não se compadece com limitações restritivas de direitos que à face da lei dos homens e da lei de Deus não podem ser negados a nenhum ser humano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No relógio do tempo as horas item compassadas, mas apressadamente. Elas marcam idade dos homens, das coisas e das ideias.
O Sr Sales Loureiro: - Muito bem!
O Orador: - Ai dos que lhe fecham os ouvidos o só acordam ao som turbulento do despertador da rua. A hora que vivemos é de justiça social, é de uma melhor distribuição de riqueza, é de enxugar as lágrimas s aos que sofrem
O Sr Sales Loureiro: - Muito bem!
O Orador: - Não podemos nem devemos n caminho que a proposta nos abre, como quer da Câmara Corporativa Em matéria social m longe de mais, assegurada a mentalidade económica das iniciativas.
Vamos, pois, em frente, e saiba esta Asse tanto se tem prestigiado e enobrecido o Regime abertamente aquilo que crítica merece, apoiar sem subterfúgios o Governo, que através do Ministério cooperações elaborou esta proposta.
Estou certo de que a Assembleia não se negará a si própria, limitando-a nos seus generosos intentos.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Martins da Cruz: - Sr Presidente Depois de Deus, eu acredito no homem, no homem como centro da Natureza e como destino de tudo que acontece na história
A afirmação nem pela forma é brilhante, nem pelo teor é original. Pois, embora o saiba, repito-a, porque ela exprime um principio de filosofia social que sinto ficará bem proclamar no início das breves considerações que me suscita a proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Tudo que há começo e fim por acção do homem tem de processar-se em ordem a servi-lo, a ele que é a grande, a maior, realidade da mesma história, a ele que é causa e fim do seu ininterrupto devir.
Vale o homem por aquilo que é - corpo e alma, espírito e matéria Vale assim o homem por aquilo que traz consigo - extraordinárias potencialidades, inesgotáveis recursos de valorização, de múltipla natureza e espécie
Umas e outros são a primeira riqueza da própria humanidade, a todos os níveis, em todos os planos.
Conquistada com a mensagem cristã a consciência da sua dignidade, veio avançando muito lentamente ao longo dos ciclos do tempo, a consciência do seu valor como primeiro elemento portador das forças e das energias que descobrem e alcançam não apenas todas as conquistas sociais, mas, sobretudo, todo o progresso económico
E tantos séculos foram precisos que só na nossa idade foi possível considerar o homem nessa tão justa e tão indispensável dimensão - ele o primeiro factor do enriquecimento humano, não só moral, como era evidente, mas também material, o que foi difícil de atingir.
Nessa tarefa de assim entender e defender o homem cabem as três grandes potências da sua valorização social e económica - a instrução, a saúde, a segurança social
À primeira pedimos a descoberta de todas as maravilhosas possibilidades que a generosidade de Deus dispensou a cada homem, seja qual for a condição da família em que nasce e cresce.
O seu desenvolvimento intelectual, e que só a instrução pode assegurar-lhe, abre-lhe as portas do Mundo, rasga-lhe as estradas da vida, torna-o senhor de si, consciente do seu destino, confere-lhe meios de acção que produzem e multiplicam a riqueza individual e social A instrução conduz o homem, cada homem, à plenitude da sua capacidade Com a instrução ele se realiza bem, ele se realiza melhor Sem ela ele ficará para sempre condenado à ignorância, o pior dos males, a pior das misérias, para a sua condição de ser racional, criado à imagem e semelhança da infinita sabedoria
A primeira grande conquista na descoberta e na valorização do homem constitui-a, por isso, a instrução.
E mão há esforço que ela não mereça nem batalha que pui ela não valha a pena ferir.
Seria, porém, vitória defraudada, se, lograda ela, a doença, nas suas inumeráveis incidências, impedisse ao homem o seu integral aproveitamento
Também, por isso, a saúde é condição essencial da valorização do homem, e, forçando um tanto a possibilidade de comparação, poderia dizer-se que no composto do corpo e alma, que é o homem, a saúde está para o
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corpo como a instrução para o espírito, e porque na fatalidade inexorável da vida terrena o segundo vive no primeiro, a existência, no seu todo, tem na saúde elemento primordial.
De modo que, se é a instrução que coloca o homem na perspectiva dos largos horizontes da sua valorização integral, só a saúde poderá garantir-lhe a conservação dessa valorosíssima conquista do seu bem-estar, donde ocorre que a saúde é também, e por si própria, condição essencial do bem-estar, tanto individual como colectivo.
Mas a vida humana, nas actividades em que se desdobra e desenvolve, está exposta a contingências e riscos que ameaçam o homem na possibilidade do aproveitamento dos seus recursos, desenvolvidos e criados pela instrução e garantidos pela saúde.
Tais riscos, a efectivarem-se, viriam estancai os benefícios de uma e de outra, colocando o homem em situação de angústia moral e de carência económica, impedindo-o de socorrer-se dos seus próprios méritos na luta pela Tida
Às ciências sociais, perante as realidades daí decorrentes, lançaram-se ao estudo e à descoberta dos meios que pusessem o homem ao abrigo de uma tal ameaça e lhe assegurassem, em toda e qualquer contingência, os efeitos da sua capacidade de trabalho, tal qual lha granjeara a instrução e lha defendera a saúde.
Construíram, assim, aquelas ciências o complexo conceito de segurança social, que, na sua função específica, aparece a garantir ao homem, através de todos os perigos e riscos profissionais e sociais, o bem-estar que ele adregara pela sua capacidade de ganho, aparece a garantir ao homem o equilíbrio entre as suas necessidades, familiares e individuais, económicas e sociais e os meios de lhes dar satisfação.
Não seria preciso dizê-lo, porque é evidente, mas, ao lado da instrução e da saúde, a segui anca social assim posta é ela também condição essencial de defesa da dignidade do homem contra todas as ameaças e contingências da fortuna
Daqui nem que pelo simples facto de o ser, o homem tem direito à segurança social, quero dizer, deriva da natureza humana o direito à garantia daquele equilíbrio entre as ditas necessidades e os meios de lhes ocorrer.
Cabe assim à sociedade organizar-se em ordem a assegurar tal equilíbrio na medida da capacidade de cada um, como lhe cabe garantir o direito à instrução e à saúde E que aí estão as estruturas humanas que são, sem dúvida, o mais sólido e vigoroso fundamento de todo o progresso económico, de todo o progresso social, de todo o progresso humano.
A meu ver - e não serei original ao dizê-lo -, a primeira preocupação da segurança social seria a estabilidade de emprego, no mais alto grau possível, a garantia de ocupação na actividade profissional, a certeza do trabalho, enfim.
E isto em simples confielanção com o direito ao trabalho, que, na expressão de Salazar, é um dos dois maiores direitos sociais que ao homem podem ser reconhecidos. É que o trabalho é a fonte por excelência de obtenção dos meios de vida que acima de tudo importa garantir e assegurar.
Dos três riscos profissionais -o desemprego involuntário, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais - deveria, por isso, ser aquele primeiro, em qualquer das suas modalidades - tecnológico, sazonal, friccionai, etc -, a ficar ao abrigo da segurança social.
Normalmente, por motivos psicológicos e também mercê de outros factores, não o é contudo Passa-lhe á frente a eventualidade dos acidentes de trabalho e ainda a das doenças profissionais.
E de entre os riscos sociais - a doença, a maternidade, a invalidez, a velhice, a morte e os encargos de família - outro tanto sucede com alguns deles
E em Portugal a segurança social não alcançou ainda o desemprego involuntário, seja qual for a modalidade que revista.
Embora o Estatuto do Trabalho Nacional preveja, no artigo 48 º, esse risco profissional e a Lei n º 1884 viesse depois secundai tal referência o certo é que nunca logiou a luz da publicidade o diploma especial aí previsto para o desemprego involuntário, que, como tal, continua a não ter protecção nos esquemas da nossa segurança social.
É certo que existem providências tendentes a evitar o desemprego Nenhuma delas, porém, poderá considerar-se abrangida no conceito de segurança social, garantindo ao trabalhador o direito a qualquer prestação quando em situação de desemprego São, por isso, providências de política social, não, porém, de segurança social.
De entre elas merece referência o Fundo de Desemprego, instituído em 1932 no Ministério das Obras Públicas e aí mantido actualmente, com alguma incoerência, aliás.
O seu funcionamento está ligado a muitos e proveitosos melhoramentos públicos espalhados por todo o País Poderá mesmo dizer-se que nenhuma cidade, vila ou aldeia terá deixado, nos trinta e tantos anos que leva de existência, de lhe sentir os benéficos efeitos através de comparticipações que, no seu total, vão já nos milhões de contos.
Ele vale assim como um inestimável serviço de melhoramentos públicos e, na medida em que favorece a ocupação de mão-de-obra, mormente em legiões e estações de crise de trabalho, combate o desemprego Mas importa reconhecer, e com vista à sua possível Restruturação, que a sua finalidade e funcionamento o afastam da segurança social propriamente dita e parecem mesmo traduzem-se nalguma injustiça quanto aos seus subscritores obrigatórios e aos seus maiores beneficiários.
Os trabalhadores por conta de outrem que concorrem para as suas receitas - os do comércio, da indústria e dos serviços- são os que menos lucram, pelo menos directamente, com as suas comparticipações.
Ao invés, os trabalhadores das zonas rurais que não contribuem paca a constituição das suas receitas parecem ser os seus grandes beneficiários
Poderá dizer-se - e é exacto - que está aí a expressão de uma solidariedade nacional que é de desejar se que e intensifique em toda a população activa nos domínios da segurança social Assim é de facto
A justiça, porém, manda que a solidariedade a sirva mas a não substitua totalmente.
Acontece ainda que a solução encontrada em caso algum funciona como um direito do trabalhador, mesmo daquele que sempre contribuiu coercivamente para o Fundo de Desemprego.
Se posto em condições de desemprego involuntário a nada tem direito, nenhuma contraprestação pode exigir É-lhe concedida - se o for - quando e como e na medida em que os serviços decidirem e entenderem.
Também este aspecto leva a ponderar a necessidade, se não de rever o regime do Fundo de Desemprego, de encarar, embora a longo prazo, as providências adequadas a um verdadeiro seguro social contra o desemprego involuntário, seguro social que não existe entre nós.
Mercê da reduzida expansão da nossa indústria, o problema não atingiu ainda a acuidade que nos moleste
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E porque o progresso económico e industrial vai acentuar-se em ritmo vivo - assim o esperamos e assim o desejamos - na próxima década e nas seguintes e em termos de absorver toda a mão-de-obra qualificada e existente, cujas disponibilidades não conseguirão mesmo acompanhar aquele ritmo - o desemprego involuntário podemos considerá-lo afastado das nossas preocupações sociais nos próximos anos, pelo menos em dimensão que exija sérios cuidados.
Temos, sim, e penso que continuaremos a ter enquanto não alcançarmos o desenvolvimento económico por que anseamos, um problema de subemprego, mas esse é um aspecto que não cabe nas minhas considerações de hoje.
Libertos, pois, da ameaça do desemprego, que tanto aflige e domina outras nações, mais aptos ficaremos, por ora, para encarar as soluções indispensáveis nos restantes sectores da segurança social, a ver se também nesse sector realizamos e sem demora a obra que se impõe e que tão perfeitamente cabe nas possibilidades da Revolução Nacional.
Qual é aí a nossa posição?
Os dois clássicos princípios da segurança social são o da universalidade e o da compreensividade.
O primeiro define a segurança social como um sistema de protecção contra os riscos profissionais e sociais destinado a abranger toda a população activa e a que já deixou de o ser.
O segundo pede que aquela protecção cubra todas aqueles riscos, e não apenas alguns.
Como se afere a nossa segurança social em face desses princípios?
O Sr. Ministro das Corporações, o Prof. Gonçalves do Proença, ainda bem recentemente lamentava, em declarações públicas proferidas no Alentejo, a sua exiguidade ao referir que uma parte muito importante da nossa população não podia contar ainda com os benefícios da previdência social.
As nossas estatísticas, aí como em outros sectores da vida nacional, talvez não traduzam com o desejado rigor aproximado a realidade existente.
Mas, embora com todo o optimismo que elas permitam, não será lícito. admitir a cobertura da segurança social para mais de 30 por cento da nossa população - o que constitui um índice dos mais modestos da Europa, bastante aquém do da nossa vizinha Espanha, e que traduz uma situação de graves reflexos no bem-estar do povo português e de que urge sair quanto antes.
Como exemplo, poderia citar-se a percentagem de pensionistas de velhice e invalidez entre a população activa, e que em Portugal anda pelos 2 por cento e em Espanha ultrapassa os 7,5 por cento.
Se o confronto buscar outras modalidades de protecção social e outros países, os desníveis encontrados exprimem uma não menor distância.
A grande maioria da população portuguesa vive, pois, à margem da protecção contra os riscos profissionais e sociais, sujeita assim a graves contingências da fortuna, a que nem sempre pode ocorrer com os recursos de uma diminuta e escassa poupança. O caso é que por isso se vê o Estado na necessidade de despender na assistência avultadas verbas - e são centenas de milhares de contos todos os anos - em modalidades de acção social incompatíveis com uma segurança social a funcionar em termos convenientes.
Se esta existisse, economizaria o Estado tão avultada quantia.
E se se tiver em conta o custo da assistência privada, e que também em muitas das suas realizações seria substituída pela segurança social, logo se vê quanto a Nação pouparia se o princípio da universalidade na segurança social houvesse adquirido efectivei expressão entre nós.
Prevejo que vamos ainda demorar longos anos a atingir esse objectivo. As culpas maiores continuarão a ser imputadas ao nível do nosso desenvolvimento económico.
E indiscutível que há aí razão, embora, talvez, não tanta como por vezes se pretende fazer crer.
Claro que a protecção social eficaz e completa, é a medida em que o pode ser, muito contende com o desenvolvimento económico, mas importa considerar que é ela própria um decisivo factor de impulso e progresso económico, o que, a meu ver, pode interpretar-se como uma interdependência que não consente se faca depender exclusivamente a cobertura dos riscos sociais do nível do desenvolvimento económico.
Há, por isso, outras causas a vencer na luta por uma segurança social que pratique os seus dois clássicos princípios atrás enunciados.
Causas psicológicas, de rotina, de mentalidade geral impreparada, de resistência à aceitação do sistema, de interesses egoístas e outras.
A todas importa vencer, contra- todas importa lutar com tenacidade e coragem, porque se trata de uma luta e de uma vitória que vão direitas ao bem-estar do povo português.
O princípio da compreensividade deixa-nos já em melhor situação no confronto com os esquemas da segurança, social europeia.
Deixando de fora o desemprego involuntário, que pelas razões ditas, não constitui ameaça de vulto, poderá dizer-se que todos os restantes riscos - tanto os profissionais como os sociais - cabem nos esquemas da nossa segurança social - a doença, a invalidez, a velhice, a maternidade, a morte, os encargos de família, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais.
Eu disse que cabem, e é exacto; acrescentarei que, em relação a alguns, deles, as deficiências de estrutura e de funcionamento lhes roubam muito da sua possível eficiência, e não é menos exacto. Mas na conquista por uma segurança social integral esses serão já aspectos secundários, mais fáceis de ajustar.
Em relação a este princípio, pois, o nosso esforço terá agora de incidir no aperfeiçoamento dos esquemas existentes.
Postas estas breves considerações de sentido genérico sobre a segurança social em relação ao meio português, farei também um ligeiro apontamento sobre o que na proposta de lei em discussão me parece de maior relevância.
Socorrendo-me da autorizadíssima opinião do Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social exposta na comunicação lida à imprensa, em 2 de Fevereiro último, assinalarei que a proposta de lei em apreciação apenas se dirige à regulamentação do regime que entre nós vigora actualmente para a cobertura dos riscos inerentes à responsabilidade pelos acidentes de trabalho e pelas doenças profissionais.
E, na verdade, assim é, (pelo que a proposta de lei se, nos seus aspectos formais, é inovadora, quanto ao fundo é quase meramente conservadora.
E aqui faço eu uma pergunta: levando quase 30 anos de idade o regime da cobertura dos riscos dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, instituído pela Lei n.º 1942, de 1936, à parte o risco da silicose, único abrangido pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, criada pelo Decreto n.º 44 307, de 27 de Abril de 1962, e ponderando que nestes últimos 30 anos os problemas da segurança social, mesmo os que se pren-
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dem directa e imediatamente com os acidentes de trabalho e as doenças profissionais, beneficiaram em todo o Mundo de aturado estudo e logiaram soluções profundamente diferentes das adoptadas e seguidas em 1936, não será ficar aquém de aonde legitimamente devíamos ir promulgar uma nova lei apenas para a regulamentação do regime existente?
Não teria merecido a pena aproveitar a oportunidade para em tão decisivos capítulos da segurança social, como são aqueles de que esta proposta de lei se ocupa, rever-mos as soluções que há três dezenas de anos eram actuais e correspondiam às aspirações comuns, mas que hoje estão ultrapassadas e não satisfazem, nesse sector, os legítimos anseios da grei?
Os problemas postos - os riscos dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais - nada têm de especificamente nacional São problemas de todo o mundo do trabalho e que se põem em Portugal nos precisos termos de enquadramento e solução com que se põem na Espanha ou na Itália, na Grécia ou na Dinamarca, na França ou na Inglaterra.
Porque assim me parece, o meu portuguesismo - e aí peço meças a qualquer - aceita perfeitamente que busquemos para tais problemas as soluções a que aqueles e outros países chegaram depois de há dezenas de anos terem praticado aqueles em que nós ainda insistimos
E porquê? Porque insistimos em manter soluções de 1936, constituindo assim na Europa um caso único?
Peia excelência de tais soluções?
Porque se mostrem inconvenientes as prosseguidas nas outras nações europeias?
Porque a Revolução Nacional as não contenha na sua doutrina ou não se mostre capaz de efectivá-las?
Porque a Nação trabalhadora as não deseja e queira?
Penso que por nenhuma dessas razões.
Já que viemos ao ponto de tocar no regime da responsabilidade dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, a Nação tinha o direito de esperar que o actualizássemos, aceitando o passo pela Europa.
A Lei n º 1942, de 1936, limita a cobertura daqueles dois riscos aos trabalhadores por conta de outrem.
Na proposta de lei de 1965 o princípio não se alargou muito e sirvo-me até de palavras do Sr Ministro das Corporações e Previdência Social, proferidas na dita comunicação a imprensa, para o resumir.
Em princípio, têm direito à reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, quer esta seja ou não explorada com fins lucrativos
Ora, como se sabe, a segurança social nesse domínio é incompleta enquanto não abranger toda a população activa, trabalhe por conta de outrem ou não
Daí o progresso verificado em tantas nações no sentido de proteger contra tais riscos os trabalhadores sem entidade patronal.
Ainda recentemente o Sr Ministro das Corporações proclamava ter chegado «a altura de alargar o seguro social aos trabalhadores sem entidade patronal, já que, até agora e salvo poucas excepções, esse seguro se tem limitado aos trabalhadores por conta de outrem São conhecidas - prosseguia - as necessidades que a este respeito se apresentam em relação a numerosas categorias profissionais que, pelo facto de exercerem a sua actividade por foi ma autónoma e independente, não estão a coberto de qualquer esquema de seguro e protecção, vivendo assim sem a mínima garantia contra os riscos da existência», in «A Política Social e a Nação», discurso proferido em 27 de Maio de 1964
Por estas razões, a mim se me afigura menos próprio e conveniente que a proposta de lei em apreciação não abranja nas suas normas de protecção e defesa sociais os trabalhadores sem entidade patronal, toai como acontece precisamente na Lei n.º 1942, de 1936 Escusado será acrescentar que os mais progressivos países em matéria social não procedem nesse campo por esta forma.
Aliás, a solução menos se entende ainda quando se inclui - e isso fá-lo a proposta de lei - o seguro contra acidentes de trabalho e doenças profissionais no seguro obrigatório.
Ouvi ontem aqui dizer, e com a abonação de um autor espanhol, que no plano doutrinal se discute ainda a natureza jurídica do seguro que dá cobertura à responsabilidade inerente aos acidentes de trabalho.
Pelo esclarecimento que recebi, em certo tom de exaltação, valha a verdade, fiquei a saber que aquela afirmação do tratadista espanhol leva dez anos de idade.
Em matéria de doutrina sobre segurança social, tendo em conta a profunda elaboração a que a mesma está ainda sujeita, dez anos parecem-me tempo de sobra para envelhecer certos conceitos E foram-no de facto.
Hoje em dia a discussão doutrinal a esse respeito não me parece que inquiete ou preocupe seja quem for Ë que pode dizer-se pacífica a tese que atribui natureza social por oposição a privada e mercantil, a tal seguro
O que mais importa é que, no plano da legislação comparada, das soluções adoptadas, o seguro mercantil pode dizer-se definitivamente afastado deste capítulo da segurança social em toda a Europa e pode dizer-lhe vigente ainda apenas em países da África e da Ásia, dos considerados subdesenvolvidos
Louvo-me nas declarações do Si Ministro das Corporações, já referidas, para salientar que, mesmo entre nós, tal se reconhece quando se afirma que a tendência actual é a da inclusão dos sinistros do trabalho no segui no social
No douto e acabado parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei da reforma da previdência social, e de que foi relator o Sr Doutor Mota Veiga, hoje Ministro de Estado, não se hesitou em referir que em 1939 - há pois 26 anos| - «era nítida já então a tendência para integrar aquele risco, dos acidentes de trabalho, no regime próprio dos seguros sociais».
E não há-de levar-se-me a mal que invoque ainda neste sentido a posição tantas vezes proclamada pelo nosso ilustre colega Dr. Veiga de Macedo, para mim o homem público entre nós com maior autoridade sobre assunto de tamanha monta - ele que à segurança social, enquanto dela teve a responsabilidade maior, se dedicou de alma o coração, nela deixando obra séria e fecunda, como, aliás, é timbre seu nas funções por onde passa.
Se acentuo a natureza da solução preferida quanto ao seguro para a cobertura dos sinistros do trabalho que a seu favor recolhe o argumento da preferência legislativa e doutrinal, é tão somente para salientava divergência que aí mostra a presente proposta de lei Mantém-se, também nesse aspecto, no regime de 1936, como se de então para cá nada houvesse progredido a segurança social!
No domínio das doenças profissionais, gizara o Dr. Veiga de Macedo, quando Ministro das Corporações, a solução que depois veio a concretizar-«e na Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, afastando este risco do seguro mercantil. É certo que a dita Caixa, pelo diploma que n cria, viu o seu âmbito reduzido à cobertura da silicose, em contraste, aliás, com a amplitude que para ela pensara quem a concebera. Mas a limitação decretada não impede que aí aflore, e por forma bem explícita, a solução do seguro social de preferência à do seguro privado
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Por isso maior poderá ser a estranheza de na proposta de lei em causa se haver consentido que o risco das doenças profissionais se mantivesse no regime do seguro cantil, de preferência a alargar-se e por forma definitiva o âmbito da aludida Caixa em ordem a que nela fica abrangido o seguro contra todas as doenças profissionais.
Perdeu-se aí uma excelente e propícia ocasião de resolver, ao nível europeu, um problema da nossa se social.
O Sr Gonçalves Rapazote: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr Gonçalves Rapazote: - V Ex.ª está a dar última e definitiva palavra de defesa dessas eventualidades a segurança social Mas a crítica marxista mais cada do neocapitalismo já é feita contra esse sistema Portanto está ultrapassado mesmo do lado daqueles que o acarinharam.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a informação que me vem radicar na minha convicção.
O Sr Gonçalves Rapazote: - A minha pretensão apenas sublinhar que o sistema vai estando ultrapassado.
O Orador: - Que os autores sociais do comunismo critiquem este sistema está na linha da sua lógica. Esta orientação vem roubar-lhes um trunfo que era suporem quase exclusivamente sua O mal não j fórmulas, mas no espírito E se o nosso espírito diferente, não receemos as semelhanças.
O Sr Soares da Fonseca: - Se bem o interpreto, o Sr Dr. Gonçalves Rapazote quer dizer que a experiência socialista já demonstrou os males do socialismos, na medida em que isso pode ser fórmula socialista, está condenado pela experiência
O Orador: - Aqui, porém, não se tratai ide socialismo.
0 Sr Proença Duarte: - Já quando foi em 1936 da proposta de lei que haveria de na Lei n º 1942, o Sr Deputado e grande júris Gonçalves dizia a um dos oradores que lhe ele estava a enveredar por uma construção socialista na defesa dos direitos dos trabalhadores.
O Orador: - Então parece que a preocupação é muito velha nesta Câmara.
O Sr. Soares da Fonseca: - Males que vêm de longe.
O Orador: - A segurança social, sendo na verdade uma ciência recente, ainda tem conceitos e foi desta fluidez que os Srs. Deputados Gonçalves Rapazote e Soares da Fonseca se aproveitaram para fazer considerações que não cabem de maneira nenhuma na linha das considerações que todos vimos fazendo.
O Sr Pinto de Mesquita: - Eu suponho que o conceito de socialismo já se acha perfeitamente baptizado pela encíclica Mater et Magistra Corresponde na conjuntura de hoje como que ao baptismo de Clovis.
O Orador: - Eu, não chegando a tanto, mas referindo a autoridade de V. Ex.ª, permito-me sublinhar essa afirmação de que o socialismo está baptizado pela Santa Madre Igreja
Risos.
O Sr Soares da Fonseca: - Parece então que V. Ex.ª aceita a afirmação do Sr. Deputado Pinto de Mesquita?
O Orador: - Não, o Sr. Deputado Pinto de Mesquita é que disse que o socialismo está baptizado na encíclica Mater et Magistra
O Sr Soares da Fonseca: - Mas não me consta que o baptismo seja um sacramento senão para homens Quer--se significar que está «socializado» o socialismo? Se V. Ex.ª dissesse certas formas de socialização em certos domínios, ainda admitiria, mas socialismo, não.
Não compreendo, deixe-me dizer-lho, que uma pessoa com a formação de V. Ex.ª deixe passar essa afirmação, seja de que Deputado for.
O Sr Pinto de Mesquita: - Não tenho à mão agora a palavra certa da encíclica se é socialismo, se é socialização, mas, dada a originária afinidade das duas, atribuí-lhes aceitável equivalência.
O Orador: - Por num, direi que o que na encíclica Mater et Magistra está considerado não é o socialismo, mas a socialização, e em tais termos que não é possível confusão com o socialismo.
Pausa.
O Orador: - Sr Presidente São estes os factos - o da limitação do seu âmbito apenas aos trabalhadores por conta de outrem e o de confiar ao seguro mercantil a cobertura dos sinistros de trabalho - que mais ferem a minha atenção na proposta de lei em causa.
Nem por isso, contudo, deixarei de lhe dar o meu voto na generalidade
Mas bem apreciai ia que neste tão importante capítulo da segurança social houvéssemos desde já apanhado a Europa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Presidente: - Srs Deputados Sei que amanhã virá as comissões às quais baixou a proposta de lei em discussão o Sr Ministro das Corporações, para esclarecer dúvidas suscitadas durante o estudo sobre esta proposta de lei
Sei que as comissões trabalharam na orientação de só tomarem posições depois de ouvidos os esclarecimentos a prestar pelo Sr Ministro às dúvidas suscitadas.
Nestas condições, sou forçado a dar, ao mesmo tempo, aos Srs. Deputados ocasião para ouvirem os esclarecimentos do Sr Ministro e para os estudarem em face à proposta de lei, concluindo o trabalho das comissões.
Segundo as informações de que disponho, esse trabalho deverá demorar mais de dois dias, porventura três Assim, e precisamente para tornar possível às comissões fazerem o trabalho que elas entendam de interesse, não marcarei sessão plenária senão para o dia 20, terça-feira, depois da Páscoa.
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Podia encerrar hoje o debate na generalidade, porque não tenho mais oradores inscritos Não quero, porém, cercear a possibilidade de qualquer Sr Deputado ainda vir a intervir na generalidade Devo, no entretanto, informar V. Ex.ª de que encerrarei o debate na generalidade na sessão do dia 20, na qual se iniciará, porventura, ainda a discussão na especialidade.
Depois disto, queria ainda acrescentar que é tradição desta Assembleia - e eu não gostaria de alterar a tradição - que as últimas sessões da sessão legislativa sejam cheias de intervenções no período de antes da ordem do dia.
Quero, por isso, dizer aos Srs Deputados que não deverão escandalizai-se com o Presidente se ele tiver de cercear de alguma maneira, no tempo ou na própria intervenção, os discursos que forem pronunciados naquele período, porque, é evidente, no termo da prorrogação teremos de ter concluída a discussão e votação da proposta de lei em debate.
Suponho ter esclarecido os pontos essenciais que precisavam de o ser para regulamento meu e de VV. Ex.ªs.
Dito isto, vou encerrar a sessão, informando que o debate sobre a proposta de lei que está a ser apreciada continuará na sessão que marco para terça-feira dm &0, com a discussão na generalidade, se houver moradores, e com a discussão na especialidade, se não houver oradores ou não se puder preencher a sessão só com a generalidade.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
João Ubach Chaves.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Mano Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gonçalves Gomes.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Mana Irene Leite da Costa.
D Mana Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenim.
Rogério Vargas Moniz
Sebastião Garcia Ramires
Urgel Abílio Horta
Virgílio David Pereira e Cruz
Vítor Manuel Dias Barros
Voicunta Srmivassa Sinai Dempó
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA.