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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETÁRIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 200

ANO DE 1965 21 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 200, EM 20 DE ABRIL

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário Galo, para te congratular com a adesão de Portugal à Convenção internacional para a prevenção da poluição do mar pelos óleos, Cancella de Abreu, quo agradeceu as palavras de sentimento proferidas na Assembleia pelo Sr Presidente pelos Srs. Deputados Agostinho Cardoso, Proença Duarte e António Santos da Cunha aquando do falecimento de seu irmão, o antigo Deputado Augusto Cancella do Abreu, Gamboa de Vasconcelos, sobre problemas afectos ás ligações aéreas do arquipélago dos Açores, Costa Guimarães, acerca das instalações hospitalares na cidade de Guimarães, Pinto de Mesquita, que reeditou considerações anteriormente expendidas sobre a necessidade de ser concedido ao Porto um subsidio para o seu teatro lírica e recordou o centenário da publicação de A Queda de Um Amo, Sales Loureiro, para chamar a atenção de quem de direito porfia situação da industria cinematográfica nacional, Sá Linhares, que igualmente se referiu à urgência em se rever o problema das comunicações aéreas nos Açores, Augusto Simões, para chamar á atenção do Governo para a situação dos veterinários municipais e Ornelas do Rego, que gê congratulou com o recente encontro, em Lisboa, de estudantes de Universidades portuguesas e espanholas.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na, generalidade da proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Usaram da palavra os Srs Deputados Cid Proença, Quirino Mealha, Lopes Vasques e Tito Arantes.
O Sr Presidente encerrou a sessão as SÓ horas e 20 minutos.

O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados.

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alfredo Mana de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Mana Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

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Augusto Duarte Henriques Simões.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D Maria Irene Leite da Costa.
D Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Bui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr Presidente: - Estilo presentes 70 Srs. Deputados

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos

Antes da ordem do dia

O Sr Presidente: - Depois de apresentar a VV. Ex.ªs os meus votos de que tenham tido boas páscoas, dou a palavra ao Sr Deputado Mário Galo.

O Sr Mário Galo: - Sr Presidente, prezados Colegas O Governo emitiu, em 11 de Fevereiro último - com a indicação de «Para ser presente à Assembleia Nacional» -, o Decreto-Lei n º 46 186, pelo qual se aprova, para- adesão, a Convenção internacional para a prevenção da poluição do mar pelos óleos, assinada a 12 de Maio de 1954, modificada pelas alterações de 13 de Abril de 1962, com uma pequena reserva quanto a navios com mais de 16 anos de idade à data da entrada em vigor da Convenção relativa a Portugal.
Suponho que se deu um passo enorme, decisivo, em matéria de prevenção contra a poluição pelo óleo das nossas águas marítimas - e, consequentemente, contra a conspurcação das nossas costas e, mesmo, no sentido da protecção de espécies animais, principalmente aves do mar, para me referir apenas às espécies que mais se nos mostram à vista a sofrerem os efeitos daquela conspurcação.
Bem fiz em ter tido a esperança que expressei na minha intervenção, em Março de 1962, nesta Assembleia - nas vésperas pois das reuniões em que aquela Convenção foi objecto de alterações de alto vulto -, quanto a que Portugal não deixaria de tudo fazer no sentido da adesão que consta do atrás referido decreto-lei.
Não pode deixar de ser com imensa e calorosa satisfação que se toma conhecimento desta adesão - naturalmente com todos os deveres e direitos inerentes ao passo que se deu.
Considero que a adesão que Portugal dê a qualquer convenção internacional de grande âmbito territorial é sempre de muito apreço paia todos nós, já que devemos ter isso como sinal fume de que sabemos e conseguimos estar sempre presentes onde quer que as loções lealmente desejam servir o bem-comum, sentando-se essas nações à mesa redonda das discussões e deliberações em que, mais do que meios aspectos de propaganda de qualquer dos três mundos em que o único mundo anda por aí fora a dividir-se, é exactamente esse bem-comum, esse bem que a todos aproveita, que se extrai dessas discussões, dessas deliberações.

A Convenção que acabámos de aderir não há dúvida de que tem um alcance que, certamente, não poderá nem deverá ser só medido pelo que de benefícios imediatos, visíveis, - palpáveis, digamos, trará ao mar e às costas de qualquer dos países banhados Esses efeitos, que já serão enormes, não são os únicos, realmente Ë que da acumulação das conspirações oleosas em zonas de interesse piscatório, zonas de que tonto depende a própria alimentação humana (e ninguém dirá que a alimentação humana está a ser coisa farta ), dessa acumulação, sim, mal nos poderíamos ou poderemos dar conta a curto prazo, no campo das meras conjecturas, mas, sem embargo, a qualquer de nós não custa acreditar que, a longo prazo, esses, efeitos não seriam a coisa de modo nenhum despicienda, até pela dificuldade ou impossibilidade de destruir tais efeitos quando nos apercebêssemos do mal que estaria a recair em forma catastrófica na fauna e flora dos mares.
Independentemente, pois, dos mates imediatos que afluem tis praias ou a outros locais de tratamento e repouso, e, de um modo geral, aos locais em que os vários países têm seguras esperanças ou certezas do surto ou fortalecimento das suas condições turísticas - e Portugal, pela sua grande orla costeira, tem essa pretensão muito legítima -, independentemente, pois, dessas coisas do nosso dia a dia, do nosso imediato, há que considerar-se o que se desenvolveria a longo prazo e se desenvolveria não só contra Portugal, mas contra todos os países banhados pelas águas da mar e, indirectamente mesmo, contra os restantes
É que uma das mais impressionantes coisas que podemos ver na Convenção é a sua resolução 12, em 1962, quanto à necessidade de sarem empreendidas investigações sobre a prevenção da poluição do mar pelos óleos -

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e concretamente se referindo ao que ainda não existe com eficiência funcional Como se sabe, e tal se depreende da própria leitura dessa resolução 12

Ainda não existe um separador de óleo 14 água para uso nos navios - um separador que trate eficazmente qualquer mistura de óleo persistente de óleo susceptível de existir num navio, especialmente e as misturas que contêm óleo de densidade muito próximada da água doce ou salgada.
Os métodos que utilizam pós destinados ao afundamento do óleo não são de recomendar porque a sua praticabilidade e a persistência dos seus efeitos são duvidosos e podem causar uma indesejável conspurcação do fundo do mar Os métodos baseados em emulsivos têm a desvantagem de estes agentes poderem ser tóxicos paira as fauna e floral marítimas Certos métodos mecânicos mostram-se extremamente promissores quando usados em águas calmas, mas são de eficácia duvidosa no alto mar.
Isto é estas impotências em que se debate a própria investigação que se debruça sobre o problema da conspurcação marítima promovida pelos óleos largados dos navios - tais impotências dão já a nota do quanto de excelente existe na Convenção a que me estou referindo E dizem-nos também que muito do que se nos textos da Convenção e das resoluções é francamente desconhecido de farta multidão de pessoas, perante as mis estes instrumentos de força legal internacional surgem como coisa de somenos e muita gente, ainda, es lanhando, talvez, que se esteja (lá no seu entender li a perder tempo com o que «não parece ser assim tão prejudicial»
Mostremos, pois, Sr Presidente, a nossa satisfação por ao serviço efectivo de alguma tranquilidade de todos nós se estar a colocar o instrumento jurídico que é esta Convenção.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi minto cumprimentado.

O Sr Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente Pedi a palavra a para agradecer a V. Ex.ª e a Assembleia sua manifestação de sentimento por motivo do falecimento de meu querido irmão As expressivas palavras em que V. Exª honrou a sua memória propostas de um voto de pesar da Assembleia e da sua comparência em representação desta sensibilizaram-se profundamente.
Muito grato estou também à Assembleia pela concordância com aquelas propostas, bem como pelo aconselhamento que dispensou ás palavras sentidas e não - porque não dizê-lo - de verdade e de justiça que consagraram a meu irmão os ilustres Deputados Srs. Drs. Agostinho Cardoso, Proença Duarte e António Santos da Cunha A estes, como a todos, muito e muito obrigado.

O Sr Gamboa de Vasconcelos: - Sr Presidente, Srs Deputados Muitas são já as vezes que, nesta Câmara os Deputados dos Açores, á semelhança dos seus colegas dos outros distritos da metrópole e das províncias ultramarinas, têm erguido a sua voz para chamar a atenção do Governo para vários e por vezes intrincados problemas da sua região.
Nessa ânsia de bem servir a Nação através de segura informação de tudo quanto dificulta ou a vida das populações que melhor conhecem está uma utilíssima tarefa, que, se nem sempre é coroada de êxito ou sequer apreciada com justiça, nem por isso merece ser diminuída ou postergada.
Esta a razão por que volto a trazei à livre e rasgada clarena desta Assembleia alguns aspectos importantes das comunicações aéreas destas ilhas, que, por não estarem suficientemente esclarecidos ou resolvidos, bem carecem de melhor explicação ou solução.
Os Açores, como V Ex.ª sabem, foram utilizados durante a última guerra por forças inglesas e americanas, que construíram, em duas das suas ilhas, dois enormes aeródromos militantes Terminada a guerra, um deles, o da Terceira, continuou ao serviço das forças armadas americanas por contrato que caducou em Dezembro de 1962 contrato este que não foi renovado, mas que razões de Estado aconselharam a prorrogar.
O outro, o de Santa Maria, passou a aeroporto civil, sendo nele que os aviões transoceânicos convencionais se reabasteceram até há pouco, e assim conseguiam atravessar, com plena carga, as 4000 milhas de distância que medeiam entre as costas do Velho e do Novo Mundo.
Por seu lado, Portugal improvisou, em 1942, umas pequenas pistas relvadas em S. Miguel, pistas estas que sen iram de apoio aéreo ao importante contingente de ti opas nacionais que ali estacionou durante a guerra e que logo a seguir também transitaram para a aeronáutica civil.
Não quero discutir agora, por ser inconveniente e inoportuno, as amargas e inconsistentes razões que levaram o Governo Português de então a evitar que os Americanos construíssem nessa altura em S. Miguel precisamente no local agora escolhido para a nova pista) -como era seu desejo - o vasto aeroporto que depois instalaram em Santa Mana O que não posso é deixar de pensai que, se assim não tivesse acontecido, o grande aeroporto de entrada nos Açores estaria situado e pronto, desde há muito, exactamente onde devia ser, isto é, na ilha de maior dimensão, de maior demografia, de maior riqueza e até de maior beleza.
Ele teria custado inicialmente aos Americanos muito mais dinheiro, visto serem bastante diferentes as condições orográficas das duas ilhas, mas a sua manutenção posterior compensaria bem esse dispêndio Os serviços sociais de habitação, esgotos, água potável, electricidade, escolas cinemas, piscinas, etc, que foi preciso montar e que ainda hoje é necessário manter em Santa Mana (e que eleva a sua despesa anual a mais de 15 000 contos) não correriam de sua conta se ele estivesse perto de uma cidade como Ponta Delgada, onde tudo isto já existia
Uma vez que se perdeu, há 25 anos, essa estupenda oportunidade de possuir, à custa alheia, o aeroporto ideal que na paz serviria, directa e imediatamente, não só os 170 000 habitantes de S Miguel, mas o próprio turismo internacional, pelo contacto regular e directo dos grandes aviões americanos e europeus com a ilha de maiores recursos e de mais diversificados encantos, nada mais há agora a fazer senão esquecer essa realidade falhada, tal como se foi a um sonho irrealizável.
Também não bá que averiguar, neste momento, quais os motivos que levaram os diligentes, no fim da queira, a destinar a aeroporto civil o da ilha de Santa Mana, que tem apenas 13500 habitantes e se situa no extremo oriental do arquipélago, e não o da ilha Terceira, que possui mais de 77000 habitantes e se encontra em ponto mais central, quase a igual distância das outras ilhas
Estas determinações ou estes erros pertencem ao passado e, como tal, só nos devem servir para sermos mais cautelosos ou avisados no presente

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E o presente bem precisa desse avisamento e dessa cautela, tais as insuficiências, as perplexidades e as arbitrariedades que giram, actualmente, em torno das comunicações aéreas dos Açores.
Todas estas deficiências que os jornais dos três distritos açorianos se não cansam de apontar e verberar podem resumir-se em poucas linhas em Santa Maria, donde desertaram, como se previa, a maior parte das companhias estrangeiras transatlânticas, por efeito da entrada ao serviço dos grandes aviões a jacto (que ]á não carecem de escala de reabastecimento), o tráfego comercial está reduzido a três voos semanais na direcção oeste-leste e a quatro no sentido leste-oeste.
Este movimento, se é escasso para as normais possibilidades e encargos de um grande aeroporto, como é o daquela ilha, satisfaria, porém, todas as necessidades dos Açores se os seus horários se mantivessem, pelo ano adiante, como no período de Inverno (de 1 de Novembro a 31 de Março ou 24 de Abril), com os voos regularmente espaçados, com as chegadas e partidas devidamente articuladas com os pequenos aviões da empresa que faz o transbordo para S. Miguel e paia a Terceira (SATA) e houvesse, pelo menos, uma pista de aterragem e de descolagem no Faial que permitisse o fácil acesso dos passageiros, por via aérea, a restante parte central e ocidental do arquipélago

O Sr Sá Linhares: - Muito bem!

O Orador: - As coisas não se passam infelizmente assim
No período de Verão, agora anunciado (de 1 de Abril até 31 de Outubro), os voos no sentido leste-oeste ainda serão mantidos as terças, sextas e domingos, mas os voos na direcção oeste-leste passarão a fazer-se em três dias seguidos (sábados, domingos e segundas), sem que nos restantes dias úteis da semana se possa pensar em sair daquelas ilhas.
Quanto à conjugação dos voos das outras companhias com a S A T A , ela só se torna viável, no Inverno, de Santa Maria para Lisboa, as terças-feiras com a TAP e às quartas-feiras com a C P A , mas de Lisboa para Santa Marta ela só é exequível um único dia da semana (as sextas-feiras) com a C P A e com a T W A
No Verão ela só se verifica de Santa Mana paia Lisboa aos sábados com a T A P e, eventualmente, aos domingos com a C P Á , e de Lisboa para Santa Maria somente com a T W A às sextas-feiras e, por excepção, ao domingo com a C P A
Em todos os outros voos, quer destas, quer das outras companhias, não é possível fazer essa ligação no mesmo dia, tais as horas matutinas das pai tidas e as horas tardias das chegadas.
Desta forma, os passageiros têm de ficar um ou mais dias em Santa Maria antes que atinjam o seu destino nas outras ilhas, aumentando assim o tempo e o preço da viagem.
E a culpa não é da S A T A , que se esforça, por todos os meios, dentro dos recursos técnicos e humanos de que dispõe, por evitar semelhantes prejuízos
A responsabilidade desta situação cabe inteiramente às outras companhias, e, entre estas, não é decerto às estrangeiras, que nos Açores fazem uma simples escala intercalar, que podemos exigir qualquer modificação de horário
É à T A P , como empresa nossa, que devemos pedir essa indispensável mudança E não só essa, mas outras que se nos afiguram razoáveis.
A T A P não está a servir bem os Açores Quando, em 16 de Fevereiro de 1962, nos referimos nesta mesma Assembleia às comunicações aéreas e à utilidade de uma carreira nacional que ligasse o continente às ilhas adjacentes, dissemos

O caso, à primeira vista, é sedutor, não só pela presença portuguesa na resolução parcial do problema - presença sempre grata ao coração dos ilhéus, repito-, mas ainda porque sã estabeleceriam ligações aéreas da Madeira com os Açores, facilitando assim o intercâmbio comercial e cultural dos dois arquipélagos (que, por estarem a centenas de milhas um do outro, quase se ignoram) e trazendo - ao turismo nacional o seguro valor de desconhecidos esplendores da Natureza e de meditas facetas da vida social atlântica
Grande foi, pois, o nosso júbilo quando vimos nesse mesmo ano lançar-se essa carreira que todos supúnhamos ser prenúncio de nova era de progresso
De começo não estranhámos as suas irregularidades nem as suas frequentes interrupções ou demoras, tal como agora também não malsinamos as razões que a obrigam a empregar lentos, aviões de hélice, quando todas ns buas concorrentes já empregam no trajecto Santa Maria-Lisboa rápidos aviões de reacção
Esse júbilo esvaiu-se, porém, quando, dois anos depois, pudemos verificar que os Açores continuavam a ser servidos não só com um único voo semanal, mas ainda com horários que se não ajustavam aos seus legítimos interesses, quer nos dias da partida de Santa Mana no período de Verão, quer nas ho as de chegada a esta ilha durante todo o ano.
E daí se passou a revoltada tristeza logo que se soube que os Açorianos, para cúmulo da sua pouca sorte, não tinham também o direito de interromper a viagem na Madeira, quando munidos de vulgar e mais módica passagem de excursão.
Ora, em todas as carreiras do Mundo qualquer indivíduo com esta passagem pode ficar o tempo que quiser nas escalas intermédias sem pagamento de qualquer taxa adicional, logo que esse tempo não exceda os quatro meses de espera a que ela dá direito.
Por que razão, então, a T A P exige a todos os passageiros dos. Açores que se queiram demorar uns simples dias no Funchal, na ida ou na volta, ou em ambas as vezes, uma outra tarifa a que chama eufemisticamente doméstica e que eleva o custo da passagem de 2350$ para 2980$ se houver uma só interrupção e para 3600$ se houver duas?
Para facilitar o intercâmbio comercial e cultural dos dois arquipélagos, tal como havíamos sonhado e preconizado há três anos?
Ou para se indemnizar das 5 horas e 45 minutos (quando não mais) que os seus aviões levam de Santa Mana a Lisboa via Funchal (afinal para sua exclusiva conveniência), em lugar das 2 horas e 5 minutos (e por vezes menos) que todos os outros aviões estrangeiros gastam em viagem não doméstica quando conduzem directamente os Açorianos ao mesmo fim?
E assim que a T A P quer aumentai o seu tráfego de passageiros naquela zona?
E assim que ela deseja «servir» a débil e já demasiadamente onerada economia açoriana?
Não Assim, com estes horários e com estas exigências, a T A P não serve bem os Açores.
Com uma só ida por semana àquele arquipélago, horas de chegada inconvenientes e impossibilidade, por enquanto.

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de estender os seus voos até aos Estados Unidos e mais de 600000 açorianos, ela só em escassa medida solvei os problemas da emigração, do comércio e dos outros interesses pessoais que movimentam, na actualidade, mais de 30000 passageiros, mais de 100t de carga e mais de 200 t de correio nos dois sentidos
Os Açores, salvo na ligação aérea com a como se viu, não satisfaz completamente ( nela se haver eliminado a tarifa de excursão), pois na dependência principal dos aviões estrangeiros destas ilhas se vão a pouco e pouco ausentando motivo da evolução técnica dos aparelhos, por múltiplos e desalentadores obstáculos pôs próprios à sua acção.
Assim, desde que a TAP estabeleceu a sua carreira semanal para os Açores, logo as outras companhias foram obrigadas a dai-lhe 18 por cento das importâncias cobradas nas passagens do trajecto Lisboa-Santa Maria Lisboa, diminuindo de igual volume ou reduzido a zero os seus já minguados lucos.
Enquanto as taxas de utilização do aeroporto se mantiveram em 25$ por tonelada até Dezembro passado e só este ano subiram para 30$) em Santa Maria estas taxas foram sempre de 50$, o que eleva o custo das aterragens e das descolagens dos grandes aviões, neste aeroporto, de 4000$ para mais de 7000:
Os vastos consulares nos passaportes, que Lisboa não exige, continuam a ser obrigatórios em Santa Maria para os cidadãos do Canadá e dos Estados Unidos incluindo os luso-americanos que todos os anos acorrem ao arquipélago em mera tomagem de saudade.
Porquê e para que todos estes ónus e todas estas pelas?
Para que os Açorianos não confraternizem, em demas a com os seus irmãos da Madeira ou vice-versa?
Para acabar de vez com as carreiras estrangeiras como se prova atrás, são indispensáveis à vida do arquipélago?
Para diminua ou impedir o afluxo turístico ou canadiano àquelas ilhas ou a visita periódica dos emigrantes a terra dos seus maiores?
Não creio que semelhantes determina tão tristes quão negregados fins.
O que deve haver em tudo isto é uma et comercial. É supor que mais vale obter de poucos escasso lucro imediato, com apertada fiscalização penalização daqueles que são obrigados a aceitai condições impostas, do que conseguir mais ventos futuros, através de facilidades e do barateamento que promovam o agrado e a mobilização de maior número de viajantes e, portanto avultada massa contribuinte.
Mas não são só estes desajustamentos que na hora actual, as comunicações aéreas dos Açores.
Na parte central e ocidental do arquipélago pá ainda seis ilhas, com mais de 74000 habitantes, que, por ficarem a grandes distâncias de Santa Mana, tão grande que em certos casos excedem 200 milhas (Flores e Corvo), quase estão impossibilitadas de utilizar os meios aéreos.
Não dispondo de portos capazes, a não ser na Horta, o seu isolamento é tão grande e o seu comercio que as populações se limitam a uma pobre economia de subsistência a extraída do próprio solo ou do próprio mar onde quase só umas dúzias de cabeças de gado litros de óleo de baleia se exportam, na roda através de pequenos barcos, que, partindo das m anfractuosidades naturais das costas atingem penosamente, os nativos que pairam ao largo nas quadras de bom tempo. Com tão elementares condições de vida estas ilhas precisam, como de pão para a boca, de portos e aeroportos que as façam despertar do marasmo da tristeza em que têm vegetado.
Não se exigem grandes realizações, mas pedem-se pequenos ancoradouros e pequenas pistas de aterragem e de descolagem que permitam modificar esta deplorável situação.
E entre estas realizações é o aeroporto do Faial aquele que se impõe com mais urgência.
Ele chegou a ter já à sua disposição uma pequena verba (2000 contos) e um primeiro estudo.
Pela sua construção imediata sabemos que muito se empenhou o Sr. Ministro das Comunicações, tal como já o havia feito aquando da melhoria das telecomunicações telegráficas e telefónicas dos Açores e do novo aeroporto de S. Miguel, bem como a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, que nunca se poupa a esforços para bem corresponder aos trabalhos que lhe são cometidos.
Preciso é, porém, que o Conselho Económico tome plena consciência desta imperiosa necessidade e converta em lealdade, tão breve quanto possível, as vagas alusões que o Plano Intercalar de Fomento lhe consigna.

Para os Açores, ilhas pequenas e despesas no meio do oceano, onde vivem mais de 330000 portugueses de boa lei, as comunicações marítimas e aéreas não são só poderosos agentes de desenvolvimento económico, são meios imprescindíveis de sobrevivência.

Vejamos agora o que se passa em S. Miguel
S. Miguel, ilha maior e de mais densa demografia, como atrás se disse, possui, desde o termo da última guerra, um reduzido aeroporto de terra batida que, por não oferecer boas condições de segurança a aviões de médio ou grande porte e não ser susceptível de suficiente ampliação no futuro, foi sempre objecto de múltiplos reparos e justificados queixumes por pai te dos seus utentes
Na verdade, o «aeroporto» ou «aerovacas» de Santana (como ironicamente o apelidam) nunca satisfez, cabalmente, a sua função, nem mesmo no início da bua vida civil, quando o seu movimento era ainda diminuto.

Agora, porém, que a ele acorrem mais de 15 000 pessoas para embarcarem e desembarcarem, com correio e mercadorias que ultrapassam a centena de toneladas anualmente, essa incapacidade, gerando enormes aglomerações de passageiros e de encomendas (que ficam aguardando, em arreliantes listas de espera, a sua vez), tornou-se não só agoniante, mas altamente lesiva dos interesses da terra e da sua população.
A S A T A , no desejo de enfrentar, com melhor e mais amplo serviço, tão notável aumento de tráfego comercial, adquiriu recentemente dois Dakota, de 30 lugares, para reforçar a exígua capacidade dos dois pequenos Dover, de 8, que há muito possuía.
As precárias condições das pistas, não permitindo, porém, a actuação destas unidades mais pesadas, com todo o tempo, reduziram, em larga medida, as possibilidades da melhoria que se esperava, continuando, pois, irregulares e insuficientes, em certos dias, as ligações aéreas desta ilha com Santa Mana e Terceira.
Mas estas ocasionais contrariedades não devem demorar muito
E não devem durar porque o Estado, apercebendo-se, alfim, de tão difícil situação e indo ao encontro de repetidos e clamorosos apelos de muitos anos, ordenou que

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novo aeroporto se construísse imediatamente em terrenos mais propícios dos arredores de Ponta Delgada.
E assim é que os homens e as máquinas se encontram já, neste momento, a remover o solo e a abrir novas clareiras de esperança no denso horizonte da vida social e económica de S. Miguel.
Semelhante empreendimento, levado a cabo numa altura em que Portugal tem de suportar pesados encargos com a defesa da ordem e do direito nos seus territórios africanos, mostra, claramente, quanto o Governo de Salazar deseja levar a todos os cantos da Nação a honra e o progresso.
Os 10000 contos que custaram os terrenos e os 35000 contos que vai custai a nova pista e os muitos outros milhares em que terá de importar a nova aerogare e o seu apetrechamento dão-nos bem a medida do esforço e da boa vontade revelados pelos homens que nos dirigem nesta hora de graves apreensões e de graves decisões.
Todo o louvor e agradecimento que os Micaelenses lhes tributem, pois, pois tão compreensivo acto de carinho, nunca serão de mais.
Há, porém, na margem destes naturais sentimentos de gratidão e de alegria um pequeno ponto escuro que ensombra e diminui o seu contentamento
Quero referir-me às rendas e aos terrenos do velho aeroporto de Santana.
Este problema, tão pequeno na sua aparência material e tão grave no seu conteúdo moral, foi já aqui tratado por várias vezes, com muito vigor e brilhantismo, pelo meu ilustre conterrâneo conselheiro Dr. Armando Cândido
Eu próprio, em 16 de Fevereiro de 1962, o trouxe também à consideração da Assembleia e do Governo, expondo-o modestamente desta forma

Estas terras foram requisitadas pelo Estado, durante a guerra, para servirem de aeródromo militar, a troco de pequena renda que ao tempo se podia considerar normal.Terminada a guerra, essas terras, só em pai te devolvidas, ficaram a servir de precário aeroporto civil.
Dizia-se que o Estado as iria comprar e o boato parecia certo, porque se procedia, nessa altura, à sua avaliação Alas o propósito por ai se quedou, sem jamais aliviar as consciências.
No entretanto, tudo começou a tuba, os géneros como as tendas ou os próprios vencimentos dos funcionários públicos, mas, a despeito de múltiplas reclamações particulares e públicas, de que os jornais se fizeram eco, só as terras de Santana ficaram na mesma, tal como se, pelo facto de ser o Estado o seu omnipotente rendeiro, elas implicitamente se desvinculassem da lei agrária, a que sempre estiveram atreitas para caírem sob o alçado da lei do inquilinato urbano, por que nunca se regeram.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - E acrescentei logo a seguir

Semelhante arbitrariedade não pode continuar!
Ela não honra o Governo nem prestigia a justiça!
Ninguém em S. Miguel compreende ou aceita tamanha iniquidade'
Há, pois, que reparar, sem perda de mais um dia, o dolo e o desprezo em que têm vivido esses infelizes proprietários, não só actualizando as rendas das suas terras, mas anda indemnizando-os dos prejuízos que imerecida e resignadamente sofreiam durante todo este tempo.

O Estado tem de ser, em todas as ocasiões e em todos os casos, «pessoa de bem»

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Assim me exprimia eu há três anos, juntando o meu protesto ao daquele distinto parlamentar.
Mas nem por isso o problema se resolveu.
As terras continuaram na posse do Estado por preço que representa, actualmente, quase um terço do seu valor leal, havendo mesmo uma parcela (aquela em que está implantado o antigo quartel) que desde 1950, isto é, há quinze anos, não recebe qualquer compensação.
Ora, se o caso, já nessa altura, a todos parecia injusto, que pensai agora, depois que a nova reforma tributária elevou o rendimento colectável das matrizes prediais rústicas do distrito de 1,9 a 2,8, deixando muitas dessas terias com o rendimento colectável corrigido superior ao rendimento percebido?
Com que direito o Estado obrigou o contribuinte dessas terras a pagar, depois dessa reforma, quase 12 por cento mais do que anteriormente (a despeito de haver baixado de 31,4 por cento para 14,3 por cento o factor de incidência sobre o rendimento colectável corrigido), quando ele próprio se esqueceu de actualizar as respectivas rendas, multiplicando-as pelo factor 2,5, como era justo?
Não Este problema, embora diga respeito a limitado número de proprietários (cerca de 100), não pode ficar assim.
É um caso de consciência que só afecta o prestígio do Estado, sem nada ou em pouco beneficiar o seu erário
Pouco mais de 160 contos paga o Estado, anualmente, por todos os terrenos que detém há mais de 23 anos.
Uma actualização das rendas que se processasse na base por ele próprio proposta, em Janeiro de 1962, determinam um simples aumento de 245 contos por ano.
Valerá a pena, por tão pequena quantia, continuar a manter esse ponto negro no campo das rectas e amistosas relações que devem existiu entre os indivíduos e o Estado?
Julgo que não.
Ainda a respeito das terras de Santana, tenha uma última pergunta a fazer e uma breve sugestão a propor.
A pergunta é esta que se vai fazer dessas terras logo que entre ao serviço o no o aeroporto de S. Miguel?
Devolvê-las pura e simplesmente aos seus proprietários, tentando seguir a antiga planta cadastral, sem tomar em conta as profundas alterações sofridas na constituição do seu solo e nas suas vedações por virtude das extensas terraplanagens e drenagens que nelas se efectuaram?
Entregá-las nestas condições aos seus donos, mas com indemnizações ajustadas que compensem a sua deterioração e a sua falta de vedação?
Ou comprá-las por preço razoável e aceite pelo vendedor para depois de convenientemente estruturadas e beneficiadas as tornar a ceder ou vender, de preferência e sem lúcio, a todos os antigos proprietários que o desejem?
A primeira hipótese daria lugar a tão flagrante injustiça, que só de pensai nisso sentimos arrepios de fazer bradar aos céus Não é pois de admitir que ela se pratique.
A segunda, sendo justa quanto à correcção do valor venal da propriedade, não é útil nem racional quanto à correcção do seu valor agrário ou económico Baseando-se no restabelecimento de uma velha e emaranhada planta onde preponderam minúsculas glebas sem serventias privativas e agora sem garantia de bom solo e sem os antigos combros ou muros defensivos, essa solução em nada modifica, senão para pior, a péssima estrutura anterior daquela zona, afastando de uma vez para sempre a excep-

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cional oportunidade de a recompor em mais moldes.
A terceira, sendo igualmente justa quanto ao valor venal tem sobre a segunda a grande superioridade de assegurar a realização de todos os outros pontos de vista. Ela permitiria que técnicos agronómicos transformassem aquela vasta área em regulares parcelas mais bem dimensionadas e distribuídas, com servidões inteiramente independentes e vedadas, facultando ao mesmo tempo aos adquirentes a escolha dos solos e subsolos que melhor conviessem, em preço ou qualidade, à sua bolsa e aos seus desígnios.
O modus faciendi desta transacção tanto podia observar as leis vigentes do Código do Notariado, apenas com excepção do pagamento da sisa em todas as escrituras que dissessem respeito a reaquisições feitas por artigos proprietários (e só na parte que correspondesse à are anteriormente cedida), como podia regular-se por portar e especial que, servindo-se inicialmente de uma simples promessa de compra e venda, posteriormente convertesse em permuta ou venda efectiva todos os terrenos ultemomento loteados.
Estes os factos e as preocupações que, no âmbito comunicações aéreas, dominam a alma dos Micaelenses.
Não se fala aqui, em particular dos problemas da distante ilha dos Açores - a das Flores - porque recentes acordos com a França devem trazer-lhe vantagens que muito a ajudarão a vencer o seu atraso e o seu isolamento.
Também não se volta a pugnar pelo aeroporto ranço de Santa Maria, tal como fizemos em 1962, porque reconhecemos não ser ainda o momento azado para a sua mediata concretização Tão depressa, porém, os Açores ; sua rede de grandes e pequenos aeroportos e construam as outras infra-estruturas turísticas que trazem em ou em construção, essa ideia voltará decerto á mente e boca daqueles que amam estas ilhas e se não cansam de batalhar pelo seu maior futuro

O Sr Sousa Meneses: - Muito bem!

O Orador: - Sr Presidente e Srs Deputados Vou terminar, mas antes de o fazer não quero deixar e : agradecer, mais uma vez, ao Governo da Nação o novo aeroporto de S. Miguel e muitos outros melhoramentos que a diferentes sectores da administração pública, se têm realizado naquele arquipélago
Ao seu intérprete do sincero reconhecimento e a gente dos Açores por todos esses benefícios, não posso, porém, esquecer as dificuldades, as insuficiências e as justiças que ainda por lá existem.
Eis porque, ao referir-me agora àquelas que se relacionam com as comunicações aéreas - e que não são as de mais cara ou difícil solução -, espero que o Governo tome na devida consideração e as defira sem demora.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Costa Guimarães: - Sr Presidente e Srs. Deputados: Aquando da segunda sessão legislativa desta legislatura usei da palavra para me congratular com a efectivação de uma das mais caras aspirações da cidade de que sou filho - Guimarães -, ou seja a criação de região hospitalar centralizada neste importante rincão minhoto Foi o Decreto-Lei n º 44 741, de 29 de Novembro de 1962, que estabeleceu e definiu tal região constituída, além do concelho-sede, pelos concelhos vizinhos de Cabeceiras e Celorico de Basto, Fafe Felgueiras, Mondim de Basto; , Lousado e Paços de Ferreira.

Manifestando na ocasião o meu intenso júbilo, e exprimindo com este meu sentimento o dos meus conterrâneos e regiões beneficiadas, salientava a necessidade de se possibilitar a esse valioso elemento de promoção da defesa da saúde pública condições indispensáveis para uma vida autêntica, no cumprimento e satisfação dos objectivos para que fora concebido Daqui lancei um apelo paia quanto na ordem local se impunha no sentido de que a vida plena da região fosse um facto, e focava a necessidade de se promover um plano de acção para estruturar a formação do um corpo técnico que assegurasse o eficiente funcionamento do hospital regional Não. deixei, inclusivamente, de manifestar a minha confiança quanto ao facto de que a criação da região seria forte estímulo para mais e melhor se fazer neste particular.
Ora, se me apraz poder afirmar que, nesse aspecto e em tudo o que poderia depender de estrénua dedicação das Misericórdias e clínicos locais, quase tudo do almejado se atingiu - e quantos sacrifícios se não têm exigido tanto a médicos como às zelosas e proficientes mesas administrativas daquelas beneméritas instituições locais -, outro tanto não sucedeu quanto à questão capital das indispensáveis instalações.
Por isso, Sr Presidente, esta minha intervenção, para, em breve apontamento, aqui dar simples mas bem viva nota de um problema de saúde pública que reputo da maior importância ou interesse para os concelhos referidos, particularmente no que respeita à necessidade de se assegurar a defesa sanitária das populações respectivas.
Tratai ei, portanto e concretamente, do problema das instalações hospitalares da região citada, por da sua solução depender, ou estar dependente, a plena eficiência da acção médica hospitalar, visando a indispensabilidade de conjugar os seus diversos serviços com os condicionamentos que uma autêntica defesa da saúde determina.

Sr. Presidente: - A região hospitalar de Guimarães, sendo solução tecnicamente exacta conforme os considerandos do preâmbulo do Decreto-lei n. º 44741 que a criava, revestia-se, como também se animava no mesmo preâmbulo, do condicionalismo da escassez de recursos hospitalares existentes na cidade de Guimarães Este condicionalismo, afirmava-se ainda, impunha uma solução transitória capaz de aliviai as dificuldades iniciais.
A interpretação desta transitoriedade, para nós e paia todos os que vivem o problema, não era outra senão a que ressaltava do conhecimento formado quanto às intenções dos poderes públicos responsáveis de dar seguimento, tão breve quanto possível, à realização da obra de um novo edifício hospitalar

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Considerava-se, e considera-se com mais instância no momento, por razões que a seguir explicaremos, que as instalações do hospital da Misericórdia de Guimarães estavam longe, muito longe mesmo, de corresponder ao mínimo de exigências do programa de cobertura sanitária existente, e que se impunha ampliar e beneficiar.
Na verdade, o actual hospital da Santa Casa da Misericórdia, cuja construção foi decidida em sessão da mesa deita venerável instituição de 18 de Fevereiro de 1857, viu arrastarem-se as suas obras, até à conclusão do conjunto central existente, pelo prazo de cerca de 50 anos ou seja, até fins de 1908
Dentro das instalações existentes, as mesmas que servem (?) a sede da região hospitalar, foi-se distribuindo assistência médico-sanitária com movimento acentuada-

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mente crescente, como o atestam os números que aqui deixo, relativos aos últimos anos de 1962 a 1964 e, para comparação, também de 1934

[ver quadro na tabela]

É notavelmente evidente o incremento do movimento. E só não é mais acentuado pelas penosas limitações que a insuficiência das instalações implica
Outra coisa não era de esperar, Sr. Presidente e Srs Deputados, se se considerar que, muito embora as sub-regiões de Cabeceiras de Basto, Lousado, Mondim de Basto e Paços de Ferreira, com população global rondando os 60 000 habitantes, continuem a funcionar integradas nas regiões a que pertenciam, as dos restantes concelhos perfazem mais de 235 000 almas, das quais, segundo as estatísticas de 1962, só ao concelho da sede da região pertencem 123000 habitantes Ora apenas este número, relativo a Guimarães, concelho, determinaria, sem considerar o movimento da legião, segundo o espírito da Lei n.º 2011, a existência de, pelo menos, 246 camas, em vez das escassas 198 existentes.
Mas como à região de Guimarães se aplica o disposto na base XV da mesma lei, já EL lotação mínima deverá ser de 360 camas.
Destaque-se que, possuindo o concelho de Guimarães um notável índice de população activa de cerca de 40 por cento, e que é dos maus destacados do distrito e até do País, população activa que nos 30 anos que decorreram de 1930 a 1960 aumentou cerca de 38 por cento, tudo justifica que, por respeito ao incomensurável valor da vida humana e considerando o facto de ser de graves consequências, nos índices da saúde pública, qualquer deficiência no campo da mesma saúde, tudo se faça para preservar o mais valioso instrumento d» promoção do desenvolvimento da região - o trabalho das suas gentes.
Em apontamento a que importa dar realce, quero ré ferir que a população dos concelhos da região vem crescendo em ritmo de mais de 7000 almas anuais, o que representa cerca de 7 por cento do crescimento nacional.
Anotamos ainda que a taxa de mortalidade infantil, particularmente no concelho da sede, é das mais elevadas do País O quadro que se apresenta elucida expressivamente a situação:

[ver quadro na imagem]

Ressalta que, sendo a população do concelho de Guimarães cerca de 13 por cento da do País (continente e ilhas), a percentagem de óbitos infantis até 1 ano é de 3,8 por cento do global nacional e atinge 4,2 por cento no grupo de idades de 1 a 4 anos.
Em relação ao distrito idênticas percentagens fixam-se em 31 e 28 4 por cento, respectivamente, para crianças de idade até 1 ano e de 1 a 4 anos, quando a população local representa cerca de 20 por cento da do distrito.
Ora, é indubitável que, embora dependente de outros factores, a mortalidade infantil traduz, sobretudo, consequência do nível de assistência médico-sanitária na região.
Outro argumento que não resisto a trazer a esta minha intervenção funda-se na expressão do concelho, adentro da vida económico-financeira da Nação, e que, por exemplo, no aspecto de rendimentos colectáveis, sujeitos a contribuição industrial, se traduz no facto de o mesmo se colocar em sexto lugar na ordem decrescente de valor dos concelhos do País, logo n seguir aos de Lisboa e Porto e aos satélites destes, que são os de Oeiras, Matosinhos e Vila Nova de Gaia. Para números de 1961 que colhi, pude encontrar rendimentos de 72 000 contos, aproximadamente, a proporcionar uma contribuição liquidada de mais 13 300 contos
Sr. Presidente: Toda a argumentação que precede, de inegável validez, quis intencionalmente incluí-la nas minhas considerações a fim de fundamentar duas questões que, em aninha modesta opinião, merecem uma pertinente chamada de atenção para particularidades de importância extrema que importa rever na orientação que dimana do espírito da Lei n º 2011 Referem-se as mesmas aos critérios recomendados seja quanto a prioridade de construções de hospitais regionais, em que os das capitais de distrito têm preferência, seja quanto aos elementos ordenadores da capacidade de cada instalação.
No primeiro aspecto, é evidente que, ao contrário da lei, as necessidades do meio, sobretudo em função da sua capacidade de evolução ou desenvolvimento, se sobrepõem, ou devem sobrepor, às prerrogativas administrativas. A cobertura sanitária dirige-se, fundamentalmente, tis populações e em ordem a prever a sua defesa onde esta esteja mais carecida.
No que respeita ao segundo aspecto, não devem menosprezar-se as tendências de evolução em que se processa o crescimento das áreas a cobrir, demais que os ritmos de crescimento suo extremamente variáveis de região para região. E afigura-se nos, se julgamos bem, que interessa fundamentalmente servir a saúde e, reciprocamente, que os serviços citados possam ser utilizados em pleno e que deles se tire o rendimento projectado.
Neste espírito se enquadra perfeitamente o caso da região de Guimarães, e se a lei está desactualizada, e é evidente que está, por certo que o alto critério dos responsáveis a quem compete a sua aplicação ou execução não deixará de, judiciosa e prontamente, rever a situação.
Por todas as razões apontadas, que julgo suficientemente ponderosas, há que atentar, de urgência, no problema em questão, pois que á região em causa, com o hospital de que dispõe, não obstante todas as boas vontades locais, é impossível um bom serviço, na medida em que o acanhamento e insuficiência das instalações se opõem à concretização de um aceitável plano de reapetrechamento e valorização técnica.
O hospital existente, pela quase milagrosa acção dos seus responsáveis locais, conseguiu que se consubstanciasse a presença dos serviços determinados para um estabelecimento regional, isto é, os gerais de medicina e cirurgia, obstetrícia e infecto-contagiosas próprios do esquema dos hospitais sub-regionais, e, bem assim, todas as especialidades médicas e cirúrgicas classificadas como coerentes. Mas o facto é que todos eles mais ou menos, se encontram instalados de maneira deficiente.
Urge por isso que em Guimarães seja levada por diante a há tanto tempo planificada construção do novo

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edifício hospitalar, e para a qual não falta terreno nem anteprojecto (segundo creio).
A Santa Casa da Misericórdia, a quem pertence o actual hospital, não possui os meios financeiros que lhe permitam arcar com a construção do novo edifício, pois bem escassas são já as suas disponibilidades para fazer face aos pesados encargos de manutenção digna da assistência notável que vem desenvolvendo, e para os quais os subsídios oficiais recebidos são bem reduzidos.
E muito haveria que dizer sobre este particular, que, notavelmente, foi já nesta Casa estigmatizado pela palavra autorizada do meu ilustre colega de círculo, comendador Santos da Cunha, quando apontou que para uma despesa hospitalar de
2 746 681$ o Estado contribuiu apenas com 450 000$.
Aumentou este subsídio em 1964 para 550 000$, mas o facto é que também a despesa geral efectuada, ou a efectuar subiu de 4985 contos em 1963 para 5555 contos em 1964.

O Sr António Santos da Cunha: - V. Exa. Dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr António Santos da Cunha: - Eu pedia licença para acrescentar algumas poucas palavras àquilo que V Exa. está a dizer.
Foi-me dado, em virtude de funções que desempenhei, dar parecer favorável à criação da região hospitalar de Guimarães, pondo de parte velhas querelas e mesquinhas competições que no caso não podiam ter lugar, visto tratar-se de fazer cabalmente a cobertura sanitária de uma progressiva região. Quando dei esse parecer, estava convencido de que ao diploma que cria a região hospitalar de Guimarães se seguiria o facultar à mesa da Misericórdia daquela nobre cidade os meios necessários ao desempenho das funções que lhe passaram a caber.
Disse V. Exa. que o hospital de Guimarães não tem as mais pequenas condições para o efeito. Eu peço licença para dizer a V Exa. que no hospital de Guimarães chegam a deitar-se duas pessoas numa cama, o que é muito impróprio de uma época como a nossa.
Conheço um pouco os hospitais regionais do Norte, e devo dizer a V. Exa. que não me parece que na planificação que está a ser estudada se possa deixar de dar o primeiro lugar ao hospital de Guimarães, porque tem de servir uma população sempre crescente.
O hospital de Braga é assediado com pedidos de internamento de doentes da região de Guimarães que não conseguem ser internados em virtude da falta de camas no hospital de Guimarães.
Dou o meu inteiro aplauso e concordância às palavras que V. Exa. está a proferir e permito-me chamar a atenção do Governo para imediatamente ser encarado com prioridade o hospital de Guimarães. São estas as palavras que queria dirigir a V. Exa., manifestando o meu apreço por o ver abordar um problema de tão grande interesse para a nossa região.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. pela sua autorizada e valiosa achega, que vem corroborar as minhas afirmações, e sobretudo partindo de uma pessoa tão qualificada, que ao serviço da assistência hospitalar tem dedicado o melhor da sua atenção, prestando assim à Nação os mais relevantes serviços.

Pausa

O Orador:-Em conclusão, Sr Presidente e Srs. Deputados, quero formular o ardente voto de que a urgente necessidade de ampliação das instalações do hospital regional de Guimarães possa ser contemplada sem delongas.
Aqui afirmávamos em 1962 que se depositava plena confiança no sentido de que as boas vontades conjugadas dos departamentos oficiais responsáveis não deixariam por certo de acarinhar a resolução de tão instante problema.
À Comissão de Construções Hospitalares está cometida a realização das obras dos edifícios da rede hospitalar, e, se bem saibamos da sua demonstrada notável capacidade e firme vontade de bem cumprir -basta atentar nas devotadas e ilustres dedicações ao serviço da grei e do bem comum que a compõem -, é facto evidente que os recursos que lhe têm sido facultados se podem considerar quase nulos para que seja assegurado um encaminhamento aceitável em prol da melhoria das condições de saúde do País.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Com o Plano Intercalar de Fomento, que esta Câmara recentemente discutiu, novas e mais seguras perspectivas se abrem àquela Comissão na eminente tarefa para que foi talhada.
Não podemos considerar generosa a verba que vimos votada para a execução do plano de construções de hospitais regionais

O Sr António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Contudo, e com a esperança de que o Orçamento Geral do Estado a possa vir a reforçar, fica-nos a confiança de que a obra superior de assistência hospitalar virá a receber o impulso que a saúde pública determina.
Que esse impulso se possa estender, a curto prazo, eis o meu voto, à satisfação das prementes exigências que quanto a Guimarães, são exuberantemente demonstrada pelas realidades com que se apresenta.
Aos ilustres titulares das pastas da Saúde e Assistência das Obras Públicas e das Finanças, a quem está afecta a actividade daquela Comissão, aqui deixo impetrada simples, objectiva, fundada e instante pretensão das gentes da minha terra, que, por ser onde começou Portugal é bem, e afinal, terra de todos nós!
Será uma obra para o verdadeiro progresso do povo e região, pela protecção dispensada à validade do seu trabalho e cuja prioridade de execução, por verdadeira premência sanitária e social, não pode ser minorada.
Por tudo as gentes da minha região esperam e confiam do Governo da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: "Muito (...) meu pesar, e talvez da Câmara, volto de novo a expender as razões, já três vezes inutilmente expendidas, sobre (...) dever e justiça com que o Porto reclama um subsídio para o seu teatro lírico"
Não são minhas as palavras que a Assembleia acabou de escutar. Houveram elas de ser aqui proferidas por t(...) hipotético meu antecessor, deputado pelo Porto, na sessão de 1865, há precisamente 100 anos! Assim o incu(...)

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Camilo na sua famosa Queda de Um Anjo, obra que também veio à luz da publicidade ainda nos finais da apontada data.
Inalteradas - visto tudo ter permanecido na mesma -, posso eu hoje ainda, remoto sucessor daquele outro deputado na representação do Porto, continuar a fazê-las minhas, com o mesmo inconclusivo platonismo, à parte mínimas diferenças de circunstância. Uma, a de que é apenas pela terceira vez que daqui estou a reclamar sobre a matéria, quando o meu ilustre antecessor anónimo (...) o fazia pela quarta, embora na certeza de que ambos sempre em edição piorada, de acordo ainda com a expressa ironia camiliana.
A outra diferença é a de que o subsídio reclamado há (...)00 anos se tem hoje de processar segundo o vigente respeito pelo orçamento do Estado. E, assim, seria sempre dentro da respectiva verba do Ministério da Educação Nacional que o caso poderia obter solução prática. Realizei a minha primeira intervenção sobre o caso no (...)cho da sessão de 1961-1962, cujo relato se pode ler (...)p 1268 do respectivo Diário das Sessões. Repeti a solicitação aquando da discussão da Lei de Meios para (...)964, salvo erro. Quer aquando da previsão orçamental, quer aquando do fecho das contas anuais, sempre o mesmo insucesso! Nem por isso me resignarei, acompanhando o camiliano deputado pelo Porto.
E daqui lembro já aos que me sucederem neste honrosa representação não descurarem tão legítima quão (...)satisfeita reclamação daquela cidade. Nas minhas mencionadas intervenções anteriores alarguei-me ao que de essencial justificava dever verificar-se no Porto a tão profícua ampliação da política dos valores espirituais.
Por um lado, a acrescentar ao peso específico dos seus habitantes e vizinhos, opera-se ali a convergência das (...) as de todo o Norte, onde se encontra, além-Vouga, quase metade da população do continente, por outro lado, com um público tradicionalmente receptivo à mú(...)a, a existência de adequadas casas de espectáculos, (...)er limitados, quer populares, justifica inteiramente (...)alargamento até lá desse benefício do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E quero continuar a poder chamar-lhe benefício, e não ter que o depreciar designando-o como um favor, que o seria flagrantemente, se exclusivo de (...)sboa

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De resto, o Centro do Pais, personificado (...) Coimbra, só teria que lucrar com essa eventual passagem dos respectivos elencos, que nunca poderia fazer-se exclusivamente por saltos de avião. Tenho-me visto apoiado nesta inglória inoportunidade aclamativa por muitos Srs. Deputados, do Porto e do Norte, a quem agradeço, e particularmente, sem esquecer o Sr. Dr. Urgel Horta, ao Sr. Dr. Elísio Pimenta. Teve e nosso ilustre colega, a tal propósito, ensejo de nos esclarecer de como as coisas, ao tempo em que foi governador daquela cidade, estiveram ablativas de atingir o feliz (...)iderato do termo do respectivo processo. Por isso, (...)n é não seja tido por arquivado pelos seus sucessores, e assim procurem estes acompanhar os meios já nomeados que estiveram quase às portas de obter sucesso (...)mbro, complementares dos meus, os esclarecimentos (...)n prestados pelo ilustre Deputado e que constam do
Diário das Sessões.
Dito isto, teria dado honrosamente conta do essencial do meu recado. Mas, Sr. Presidente, não foi por simples casualidade que encetei este paleio fazendo minha a reclamação de um não identificado deputado pelo Porto, segundo Camilo, em A Queda de Um Anjo.
A lembrança desta coincidência foi-me sugerida, a propósito das minhas intervenções pro opera itinerante, pelo ilustre homem de letras conde de Aurora, com cuja amizade muito me honro.
Sucede, porém, que, ao recorrer às fontes, verifiquei que neste ano precisamente passa o centenário da factura e publicação - 1865 - daquela famosa narração camiliana Com o Amor de Perdição, a Carlota Angela, o Retrato de Ricardina, as Novelas do Minho, as da fase realista, mormente a Brasileira de Prazins, é, decerto, A Queda de Um Anjo da meia dúzia das suas produções cimeiras.
Ora, Sr. Presidente, poderá um centenário desta ordem passar despercebido em toda a parte, a começar, e é natural, pela Academia das Ciências, e a acabar, já o seria menos, nas Faculdades de Letras, onde, porém, a efeméride nunca poderá passar sem merecido alarde é nesta Assembleia Nacional.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Sim, nesta Assembleia, embora, e felizmente, omissa de partidos, sucessora legítima - ou ilegítima Pater est -, mas sempre sucessora, das Cortes vigentes em 1865.
Lembremos que foi dentro desta Casa que se desenrolou o melhor e mais pertinente da acção daquela narrativa, Camilo, nela, por interposta e transparente ficção, afiou em tersa prosa o melhor da sua ironia e todo o acutilante do polemista sem par que foi.
Os Srs. Deputados recordam-se por certo de como o herói da narrativa - fujo de chamar romance ao desenrolar vertical de uma queda tão vívidamente lógica quão humana -, repito, de como o herói da narrativa, Calisto Elói, ressalvo, Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, encontrou precisamente no Parlamento o meio que lhe serviu de principal estrado de acção para o bem e para o pior.
Não nos demoraremos na apreciação da personalidade do morgado de Agra de Freimas, em Caçarelhos, termo de Miranda, aliás rica de curiosidade e tocada de discreta e compreensiva simpatia pelo autor literário dos seus dias.
A transformação que neste varão se operou, que, de intransigente moralista, o conduziu à perdição concupiscente e, em concordância, de católico absolutista a liberal condescendente, nada tem de inédito.
Representa apenas ainda uma ilustração de sabedoria bíblica, que posteriormente também, entre outros literatos, foi evidenciada por Bourget no Démon de Midi. Resume-se tudo no seguinte conceito, que, sem garantia de rigor, cito de memória "Quem vive contra o que pensa acabará por pensar como vive".
Aqui na Assembleia não é decerto este frequente caso pessoal de recidiva psicológica, inalterável no tempo, que pode deveras interessar, mas antes o meio parlamentar em que se desenrolou a acção, cujo centenário daqui estou comemorando.
A respectiva comparação com os dias de hoje fornece-nos decerto úteis observações. Já me referi ao restrito aspecto do lírico para o Porto. Fecharei decerto ainda esta digressão com algumas palavras a tal assunto dedicadas

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Mas agora, se o destaco, é apenas para lembrar que ele serviu de ponto de partida para a polémica iniciada por Castro Elói.
Com ânimo de serrano descido à capital, na dos seus princípios, indiferente às consequências ou inconsequências das suas palavras e sem escutar o bom senso dos conselhos do abade de Estevães, seu colega, exprobrou, a propósito da ópera, o luxo e a complementar imoralidade.
Lembram-se, Srs. Deputados, que dizia

Eu tenho o desgosto de ter nascido num país em que o mestre-escola ganha 190 réis por dia e as cantarinas, segundo me dizem, ganham 30 a 40 moedas por noite.

Não vem a despropósito notar que o diferencial assim verberado, apesar de todos os progressos ditos democráticos, contabilizado hoje pela actual moeda, se agravou até!
Respondeu-lhe, fazendo a apologia do luxo, como também recordam os desta Assembleia, o deputado pelo Porto, designado Libório Meireles, que transparentemente camuflava o já professor de Direito Aires de Gouveia, depois ministro, bispo e arcebispo in partibus. A redundância da sua prosa vazia e estilizada ao raro constitui sempre útil lição daquilo que se deverá na oratória evitar, sem se exceptuar o Parlamento. Mil vezes antes o espesso de Elói que o oco pretensioso de Libório. Felizmente, tal estilo já deixou de ter uso.
Todavia, a propósito do estilo, que me perdoem os Srs. Deputados, não fujo a fazer em autocrítica um reparo ao que hoje usamos. Precisamente em contrapartida do que acabamos de exprobrar em Libório e muito menos grave é aquele que podemos designar de tecnocrático extensivo. A ele se não pode de todo furtar, é natural, segundo o gosto do tempo, esta Assembleia, em concorrência com a Câmara Corporativa. Pecado leve, decerto, mas que me cumpre não omitir, com vista para daqui a 100 anos.
E, reatemos o diferendo Calisto-Libório, quanto à substância, se muitos aspectos, do luxo verberados pelo primeno, dada a subida de nível de vida, deixaram de ter-se por sumptuários e passaram a consumos correntes, nem por isso a crítica salubre dos desperdícios meramente ostentosos deixou de ser uma das constantes desta Câmara, além da letra da Lei de Meios. E dessa crítica não podem estar isentos os próprios sectores das colectivas administrações de serviços públicos e privados, que tantas vezes a merecem.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: -Algo de luxo criticável subsiste decerto, o que já se foi, e ainda bem, foi o radicalismo liboriano ao teorizar a sua defesa.
Quanto ao discurso de Libório sobre a reforma das cadeias, é de estrita justiça recordar quanto a abolição da pena de morte deve a Aires de Gouveia, autor do respectivo projecto de lei. Isto posto, não há dúvida de que, quanto ao regime prisional por aquele homem público preconizado, o penitenciarismo, tinha carradas de razão a antecipadora crítica de Elói. E deste transcrevo

Visto que Jesus Cristo, ou seus discípulos, nos ensinam, como obra de misericórdia, visitas aos presos, conservá-los humanamente, amaciar-lhes pela convivência a ferócia dos costumes, não venham cá estes civilizadores aventar a soledade aos ferrolhos, o insulamento do preso, aquele terrível vae soli! que exacerba o rancor e os instintos, enfurecidos do delinquente.

É de inteira actualidade a orientação preconizada a este propósito por Calisto Elói contra Libório. É o que se vem realizando, actualizadamente, através do Ministério da Justiça, com as reformas prisionais progressivamente levadas por diante desde Manuel Rodrigues, pelos Ministros Profs. Cavaleiro Ferreira e Antunes Varela. Eis, pois, outro ponto de inteira actualidade quanto ao discutido há um século nesta Casa.
Que mais ó preciso pata justificar o lembrar-se na Assembleia o centenário da publicação de uma obra que tão directamente lhe respeita, que mais não seja para guia do que cumpre evitar-se, tal como nos portos as bóias balizam os baixios interditos?

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: -Tanto basta para mostrar que obra de tanto vulto não perdeu o interesse e que o respectivo herói, não obstante a queda, geralmente era quem estava do melhor lado, ou seja do do paterno e receptivo Camilo, contra-
- revolucionário de espírito e pecador de paixão.
Não é de esquecer, a propósito -não é verdade, Sr Deputado Rapazote? -, a figura contracenante do colega de círculo de Elói, o já citado abade de Estevães, sempre ao travão, quer aquando dos primeiros exageros reaccionários daquele, quer aquando do seu escorregão liberal.
Sr. Presidente: Depois, de assim ter ilustrado quanto há ainda de vivo na memoranda obra de Camilo, já é tempo de regressar ao tema inicial, o da época lírica no Porto.
Recordam-se os Srs. Deputados de que Calisto Elói, para contrariar o que tinha por nefasto, seja "o sisarem-se os povos provincianos para manutenção dos divertimentos em Lisboa", recorreu ao despique irónico de terminar reclamando, em nome da equidade distributiva, ópera, sim, para o Porto, mas, além desta cidade, para todas as cidades e até lugarejos, "para todo o País", dizia, "de Monção ao cabo da Roca".
Ora através desta forma de argumentar pode, por excesso, precisamente, e contra o intuito de quem a formulara, ver-se perpetuado o estado de facto que tem permitido manter i o exclusivo de Lisboa. O que é preciso para benefício geral é achar forma de o romper.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já assaz se acha demonstrado.

1º Que a ópera é um espectáculo de arte, sobretudo musical, altamente educativo e que, contra o rigorismo do primeiro Elói, nada tem em si de sumptuário
2º Que a localização do seu primeiro desdobramento impõe-se seja no Porto, sobretudo na modalidade popular, para possível convergência de maior número de ouvintes.

Do Sr. Ministro da Educação Nacional dependerá naturalmente a decisiva palavra sobre este assunto. Será possível arranjarem-se as coisas para no ano próximo -já que neste a temporada se foi - conseguir efectivar-se tão legítima aspiração?

O Sr António Santos da Cunha: - É preciso que seja possível!

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O Orador: - O precedente apoiado pelo Ministro das Corporações quanto aos espectáculos itinerantes, inclusive o de ópera, que dele dependem - o chamado Teatro da Trindade -, tem trazido a este debate lição que porventura possa ser aproveitada nos sectores primordiais do da educação nacional.
Outro tanto merece dizer-se da orientação da Fundação Gulbenkian. Exemplos a que o País não pode deixar de estar, e está grato e receptivo.
Sr. Presidente: Agora, como no tempo de A Queda de Um Anjo, nós, os Deputados pelo Porto, não desesperamos de esperar que a extensão da reclamada ópera até à Invicta aconteça verificar-se.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Assim se evitaria que futuros Deputados por aquele círculo venham a continuar, como de rotina, "a expender as razões" da mesma reclamação e tão inutilmente que esta já é centenária. De outra sorte, daqui a 100 anos, com o conduto do bicentenário de A Queda de Um Anjo, um nosso sucessor, tão anónimo para nós como camilianamente o de há 100 anos atrás, haverá de prosseguir a mesma ingrata tarefa para orelhas moucas.
É presumível, no entanto, que daqui a 100 anos, numa ultracivilização nem sonhada por Graham Green, através de meios de comunicação imprevisíveis, se possa assistir empoltronado em casa, e em qualquer ponto do País, à ópera de S. Carlos, tão real e perfeitamente como se dentro do Teatro se estivesse.
E assim, Sr. Presidente, se veria o assunto resolvido por si, a contento geral, segundo a fórmula generalizada proposta em despique por Calisto Elói, mas em termos que ainda hoje é impossível prever.
Mas até lá?
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Sales Loureiro: - Sr. Presidente: Temos por desnecessário encarecer a alta vantagem que haverá em o Estado considerar o que poderá resultar da elevação de nível de todos os sectores ligados à arte e cultura e, da um modo especial, aos que se revelam com larga projecção na educação e informação do público
Não há sector populacional - quase poderemos dizer - que hoje escape à acção constante e influência sistemática do cinema e da televisão.
O poder de sugestão destas duas actividades, o seu carácter de sedução e aliciamento, a sua extraordinária importância como veículos de arte, educação e cultura, tudo isto exige que o Estado se debruce sobre o problema candente da sua estruturação.
Ao nosso cinema, alicerçado em bases frágeis, numa produção descontínua, que tem vivido da carolice de alguns e, as mais das vezes, do azar de aventura de muitos dos nossos produtores, não lhe tem faltado o concurso, a colaboração, o contributo estadual, através do Secretariado Nacional da Informação.
Pelo Fundo do Cinema têm sido distribuídos valiosos subsídios, que muito têm incentivado a produção nacional
Por outro lado, concederam-se prémios a artistas e técnicos, o que bem revela o sentido das nossas preocupações valorizadoras da 7.ª arte, como de igual modo bem o acentuam as bolsas para estágio no estrangeiro atribuídas a alguns reputados técnicos.
Como é evidente, este esforço, generosamente despendido e que nunca é de mais salientar, sendo muito, não é tudo, para conduzir a indústria cinematográfica à altura a que, como força de arte e cultura, tem plenamente direito.
Há que atinar - o que não será difícil -, na causa dos males que a afligem, como há que rever as bases da sua organização, tendo bem presente a excelência do seu papel formativo e informativo numa sociedade que, em grande parte, se habituou a pensar e a agir de acordo com o modelo da imagem e do conceito que o écran a todo o momento lhe fornece.
O que de deletério o filme, tantos vezes, sugere, prejudica, inutiliza, tantas outras, aquilo que uma sã educação parecia assegurar.
O alcance social do cinema, como da sua actividade gémea, a televisão, não carece de demonstração.
Será ocioso afirmar a alta vantagem que ambas as actividades representam como poderosos elementos de formação, pela educação e pelo recreio.
Tal bem se destaca no que concerne à televisão, cujos programas penetram, diariamente, nos olhos e ouvidos, no espírito como na alma, de 2 milhões de portugueses.
Assim, importa estruturar em bases sólidas a edificação dessas actividades, simultaneamente artísticas e industriais, não sendo de desprezar a visão que permita assegurar-lhes, por uma produção equilibrada, de bom recorte artístico e de razoável nível técnico, um mercado capaz de equilibrar o caudal de divisas, verdadeira torrente que, ano a ano, vem minguando o Tesouro nacional.

O Sr António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Desde já se toma imperioso assegurar-lhes um nível técnico e artístico que lhes permita suportar a concorrência estrangeira.
Sob este aspecto, são altamente elucidativos os exemplos de determinados países que, partindo do quase-nada, já hoje apresentam um cômputo de realizações que não receiam confronto com as dos chamados grandes, no mundo da cinematografia.
Assim vem sucedendo com a nossa vizinha Espanha, a que poderemos aditar a crescente projecção de países como a Suécia, Brasil, México, Israel e Japão.
Dado, por outro lado, o notável desenvolvimento da televisão, cuja gama de penetração e audiência corre o Universo e o País, em todas as latitudes, exercendo uma acção que tanto pode ser revitalizadora e nobre como desagregadora e nociva, importa apetrechá-la, tal-qualmente, fornecendo-lhe os meios de acção que a nobilitem, como instrumento de informação e de cultura, do mais elevado préstimo.
Assim, seria prenhe de toda a lógica a criação de um centro de formação cinematográfica no País, visto ao nível de instituto ou academia de artes cinematográficas ou, noutra alternativa, incluído no Conservatório Nacional, cuja actual orgânica, considerados já os seus limitados propósitos, carece de urgente e profunda revisão!
Entretanto, importa, antes do mais, estabelecer a legislação indispensável para que a indústria cinematográfica encontre o caminho da produção contínua, que a conduza ao porto legítimo das suas naturais aspirações.
Esta indústria, para sobreviver, necessita de medidas de protecção e fomento que ao Estado cumpre publicar, de uma maior acorrência de capitais privados, que logo virá por acréscimo, de um maior desafogo nos encargos que ora oneram as casas de espectáculos, entibiando a sua proliferação e desenvolvimento

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Tem o nosso país realizadores de excelente nível, actores talentosos de craveira internacional, ambiente raro que propicia a vinda, quase maciça, de produtores e realizadores estrangeiros, seduzidos pela magia do nosso meio e pelo colorido da nossa capital - importa, pois que se garanta à produção cinematográfica aquele mínimo de condições que a convertam na realidade que todos desejamos. Se os produtores e técnicos cinematográficos internacionais buscam para as suas iniciativas os nossos ambientes, porque haveremos de negligenciar uma fonte que não é menos valiosa por ficar em nossa mãos?
Dentro desta ordem de ideias, indispensável se faz que se conceda aos nossos estúdios, deficientemente apetrechados, o equipamento necessário a uma produção normal e operada em condições técnico-económicas satisfatórias.
Por outro lado, cabe-nos salientar o papel relevante que o progresso da indústria cinematográfica representaria no progresso do turismo nacional, oferecendo aos de fora as largas e belas perspectivas do mundo português, mundo caldeado numa mescla de realizações humanas que se prolongam por oito séculos, num espaço policromo, que se dilata por todos os continentes.
Era essa voz de Portugal que num programa de actualidades gostaríamos de ouvir e ver, desfilando nos ecrans dos cinemas estrangeiros.

O Sr. António Santos da Cunha:- Muito bem!

O Orador: - Era essa voz da verdade que editada em várias línguas pelo Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, poderia actuar como mensageira da claridade transparente das nossas realizações do passado e do presente, definindo, em imagens precisas, a verdadeira verdade da nossa política ultramarina!
Como seria do maior alcance fazer coincidir com a época própria um festival internacional do filme como o que a Casa da Imprensa muito recentemente proporcionou, atraindo a Lisboa, pelo incentivo dos prémios, artistas, técnicos e produtores de todo o Mundo, facto esse que constituiria não só um excelente cartaz turístico, como poderoso estímulo da produção nacional.
E se daqui passarmos ao teatro, servido por artistas que constituem um alfobre de valores, de verdadeira cotação internacional verifica-se, entretanto, que tal progresso da arte histórica não é acompanhado, em igual nível, quer no que respeita aos autores se refere à encenação.
Os autores são em número demasiado restrito e a temática das peças não vem empolgando os espectadores do teatro pròpriamente dito, quer do que nos oferece semanalmente a televisão.
A urdidura da maioria das nossas peças é deficiente, os temas estreitos, e a densidade dos efeitos maior parte das vezes em inutilidades e trivialismos, que
extirpam, desde logo, toda a aliciação e interesse do espectador.
Salvo algumas honiosíssimas excepções que felizmente, se vão tornando mais frequentes, o teatro português, quando pretende criar espectáculo, recorre frequentemente ao auto vicentino!
O facto é demasiado elucidativo para nele demorarmos a nossa atenção e crítica.
Importa, todavia, salientar que, embora nos aspectos apontados haja deficiências e lacunas, revela-se, entretanto, em certos sectores, mormente no universitário e nos Teatros Nacional, Experimental e Moderno, uma ânsia de valorização do teatro português que nos cumpre exaltar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também o Secretariado Nacional da Informação, pelos concursos anuais de peças de teatro e outros prémios, visa à revitalização do nosso teatro, que, no entanto, carece de nova legislação, regularizadora das suas iniciativas e actividades.
Que, também sob este aspecto, surjam medidas proteccionistas, com o objectivo de fomentarem o teatro nacional, tornando-o, no palco, na televisão e na rádio, a medida exacta do nosso sentido estético e da nossa sensibilidade artística e levando-o a província, num ritmo normal, e não esporádico, são os nossos votos!
Só assim o teatro português oferecerá aos que se lhe dedicam, pela inteligência e pelo coração, sobejos motivos de interesse e de valorização - social e artística -, ao mesmo tempo que conquistará o público dele arredio, por falta de comunicabilidade, por carência de expressão, por uma autêntica insuficiência de mensagem!
Poder-se-á afirmar que em face da crise de teatro e de cinema, e mesmo de uma floração literária que não tem sido de qualidade, estaremos a caminho de uma verdadeira crise do pensamento português?!
Corresponderá de facto o período actual a uma época sociológica e política que importa revitalizar?! Ou de preferência haverá que extirpar das nossas preocupações uma tecnologia avassaladora e sem alma, que grandes danos vem causando?!
Mus, embora havendo necessidade de pôr de acordo o nosso pensamento e as nossas ideias com a expressão de uma nova concepção de vida, isso não embarga a afirmação de que não só nos sectores apontados, como em todos os outros, que são marcos definidores de uma cultura, indispensável se faz encontrar os tópicos fundamentais de uma política de espírito, que tem de ser a um tempo nacional e cristã, suportada nos valores ético-jurídicos da nossa civilização.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há assim que realizar uma política de cultura lusíada, que tem de abarcar não só o todo metropolitano e ultramarino, como do mesmo jeito o Brasil, elo essencial dessa cultura, que sem ela seria uma cultura mutilada e, de qualquer forma, menos universal!

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Por isso, desta tubuna saudamos, com particular afeição e simpatia, esse nobre expoente dessa mesma cultura, Carlos Lacerda, que pretende que, aqui
- no Brasil europeu -, como lá - no Portugal americano-, se converta em acto o que de há muito se encontra no coração dos dois povos gémeos - a comunidade luso-brasileira, que ele pressente ameaçada Urgente se toma, como advoga esse verdadeiro génio da dinâmica lusíada, «mover a inércia», que ameaça de ancilosamento a cultura comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se para já - como diz - dar «conteúdo real e prático» a comunidade lusíada, e um próximo tratado cultural entre as duas nações da mesma pátria, com a protecção recíproca de ambas as literaturas, constituiria passo decisivo na marcha definitiva para essa comunidade, não apenas de cultura, mas política e económica, com projecção soberana nos acontecimentos mundiais, já que estratègicamente distribuída pela vasta área de cinco continentes!

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Pensemos todos pela medida grande, exacta, do Dr. Carlos Lacerda, esse turbilhão de ideias, convertido em aceleração prodigiosa do querer, essa força incomensurável que em diversas vicissitudes históricas demonstrou o alto grau do seu vigor, pois, com impulso verdadeiramente telúrico, vem derrubando com certeza matemática e rara oportunidade certos mitos, presos a «ídolos» de pés de barro!
Que o seu sonho seja o sonho de todos nós e que nessa comunidade fulgure, cada vez mais viva, radiosa, perene, a cintilação que há-de unir no abraço luminoso da mortalidade a Estrela Polar ao Cruzeiro do Sul!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sá Linhares: - Sr Presidente: A poucos dias do fim dos trabalhos desta legislatura, não desejo perder a oportunidade para mais uma vez me referir às comunicações aéreas com as ilhas que fazem parte do distrito que tenho a honra de representar nesta Assembleia Nacional.
Entre as várias intervenções que fiz sobre o assunto, recordo-me neste momento da sessão de 23 de Abril de 1957, na qual, depois de me congratular com as numerosas realizações levadas a efeito pelo Governo nas quatro ilhas que formam o distrito da Horta, terminei as minhas modestas considerações com as palavras que dias antes tinha ouvido a um velho e bom homem da minha terra, ao referir-se às mesmas.
Essas palavras, que traduziam não só a sua gratidão, como ainda a de todos os habitantes daquele distrito foram, como então disse, as seguinte:

Estamos muito agradecidos ao Governo pelo muito que tem feito pelas nossas ilhas e pela nossa gente.
Só nos resta agora que o Sr. Presidente do Conselho não se esqueça do nosso aeródromo nem do nosso secular liceu, que ele há anos atrás salvou de morte injusta com uma abençoada providência que ficou para sempre gravada na memória e no coração de todos os faialenses.

São passados oito anos, e verifica-se que não só foi o velho Liceu da Horta elevado à categoria de central, como ainda, depois disso, foi o mesmo ampliado com obras que importaram em mais de 5000 contos.
Outras realizações foram também levadas a efeito neste espaço de tempo, das quais, dada a sua importância, são dignas de menção especial a construção da muralha de defesa da cidade da Horta, o aproveitamento hidroeléctrico da ilha do Faiei, a captação e distribuição de água em todas as quatro ilhas do distrito e a execução do plano rodoviário, que permitiu que já não haja hoje em nenhuma destas ilhas uma única povoação que não esteja servida por estrada.
Ao anotar estas obras, por constituírem as mais importantes das que foram ali efectuadas, não devo ainda esquecer que muitas outras foram também levadas a efeito, e tanto as primeiras como estas últimas se devem especialmente ao carinho e interesse que o Sr. Eng.º Arantes e Oliveira, ilustre Ministro das Obras Públicas, tem dedicado aos problemas daquelas isoladas ilhas por ele próprio examinados aquando das suas várias visitas ao arquipélago dos Açores.
Sr. Presidente: Apesar de todas estas numerosas e importantes obras, algumas das quais se podem classificar como realização de sonhos de muitas gerações, verifico que o problema das suas comunicações aéreas continua sem qualquer solução, o que representa para todos uma verdadeira preocupação e nos traz profunda tristeza, por parecer que estamos hoje muito mais longe do que já estivemos de obter a justa solução para os inconvenientes que resultam do isolamento em que se encontram as quatro ilhas do distrito da Horta.
Com efeito, já esteve previsto no II Plano de Fomento a construção do aeródromo na ilha do Faial ou na do Pico e, segundo me consta, a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil chegou a fazer o estudo daquele aeroporto, optando definitivamente pela sua construção na primeira daquelas ilhas.
Este estudo foi apresentado em Outubro de 1964, com vista a que o Conselho Económico permitisse que a verba de 2000 contos inscrita no II Plano de Fomento ficasse cativa à sua realização e pudesse ser transferida para a Junta Geral do Distrito Autónomo da Horta, a fim de esta ficar habilitada a dar início aos trabalhos de expropriação dos terrenos, tal como sucedeu com o aeroporto de S. Miguel.
Consta, porém, que o Conselho Económico não concordou com esta intervenção e, assim, a referida verba de 2000 contos caducou, não sendo por isso de novo inscrita no Plano Intercalar.
Parece, assim, estar relegada, não sei para quando, a construção do aeroporto da ilha do Faial, facto este que provocou desânimo nas populações das ilhas do Faial e do Pico, e até na de S. Jorge, que, embora pertença ao distrito de Angra do Heroísmo, está apenas a 10 milhas de distância da última daquelas ilhas.
Não vou de novo equacionar o problema das comunicações aéreas do arquipélago dos Açores, dado que não só já o fiz, como também ainda o fizeram, com o maior brilhantismo, os nossos ilustres colegas que representam nesta Assembleia os distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, acho que não será de mais repetir que dos dois grandes aeródromos construídos nos Açores, pelos Americanos, com a finalidade de lhes proporcionarem, e aos seus aliados, bases aéreas para fins militares, o único que ficou aberto ao tráfego comercial foi o de Santa Maria, situado na extremidade leste do arquipélago.
Se não fosse o louvável e ousado empreendimento da S A T A, muito pouco teriam beneficiado as populações das ilhas dos grupos central e ocidental dos Açores com a abertura ao tráfego comercial deste aeródromo, pois tem sido com os seus pequenos aviões que se tem conseguido prolongar até às ilhas de S. Miguel e Terceira as carreiras dos aviões que, idos de Lisboa e da América do Norte, fazem escala por Santa Maria.
Assim, todos os habitantes das ilhas dos grupos central e ocidental do arquipélago dos Açores, com excepção dos da ilha Terceira, só podem utilizar aquelas carreiras deslocando-se por barco até Angra do Heroísmo ou Ponta Delgada, o que lhes causa, por vezes, grandes incómodos e demoras, não só devido às más condições do mar, tão frequentes naquelas paisagens, como também por não se verificar a conveniente ligação nos horários dos barcos e aviões.
Sr. Presidente: Com mais ou menos incómodos e demoras, por vezes bem grandes, lá chegam os habitantes das

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ilhas açorianas ao aeródromo de Santa Maria para tomarem os aviões que os levam para o exterior daquele arquipélago.
Se não fosse, como já disse, o arrojado empreendimento da S. A. T. A. em dotar os Açores com as limitadas carreiras dos seus pequenos aviões, a situação ainda seria muito pior, e esta conclusão leva-nos a sérias preocupações, por recearmos que aquela empresa não se possa manter sem dispor de um maior número de aeródromos.
Assim, a construção do da ilha do Faial não se apresenta apenas como um problema local, mas também como um problema de todo o arquipélago. Da sua boa e rápida solução depende não só o bem-estar das populações das ilhas do arquipélago, como ainda a satisfação dos anseios de muitos milhares de açorianos que vivem na América e no Canadá e que, saudosos dás ilhas onde nasceram, as visitariam com grande frequência, desde que o permitisse o tempo de que dispõem para o fazer, o que agora não sucede, dado que, embora levem poucas horas a vir da América ao aeródromo de Santa Maria, levam muitos dias a chegar àquelas ilhas, alguns deles sobre as vagas alterosas dos mares que as rodeiam.
Esta situação, além de colocar aquelas ilhas no maior isolamento registado em todas as parcelas do território português, contribui para os que já sofreram as suas consequências não só não desejarem lá voltar, como ainda aconselharem parentes e amigos a não utilizarem tão morosos e incómodos transportes.
Se não está hoje completamente dissipada a esperança, ou mesmo a certeza, que já foi alimentada pelas populações daquelas ilhas, de que a construção do aeródromo do Faial seria levada a efeito, é porque todos confiam religiosamente no espírito de justiça do Sr. Presidente do Conselho.
Sr. Presidente: Açoriano igual aos que vivem naquelas ilhas, em que os sismos e ciclones nos ensinam a viver com fé e esperança, também confio na justiça do Sr. Presidente do Conselho, razão por que não duvido de que muito em breve seja uma realidade a construção do aeródromo da ilha do Faial.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Entretanto, e enquanto a mesma não se efectivar, faço um apelo ao Sr. Ministro das Comunicações, que ao problema tem dedicado o sem melhor interesse, para que seja atenuado o isolamento daquelas ilhas.
Julgo que tal finalidade seria conseguida se a T. A. P., pelo menos uma vez por semana, fizesse com um dos seus aviões uma carreira Lisboa-Lajes ...

O Sr. Sousa Meneses: -Muito bem!

O Orador: - ... e a Empresa Insulana de Navegação, com um dos navios das suas carreiras entre as ilhas, a prolongasse até às ilhas da Graciosa, S. Jorge. Pico e Faial.
Se tal solução fosse adoptada, todos os passageiros que partissem de manhã de Lisboa chegariam à tarde àquelas ilhas e alguns deles até poderiam almoçar nas suas casas.
Assim teríamos, num dia por semana, uma carreira rápida e cómoda, e suponho que sempre com a lotação esgotada, principalmente na época que se aproxima, dado que durante o Verão não há lugares vagos nos paquetes da Empresa Insulana de Navegação.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões:-Sr. Presidente: Na sessão desta Câmara que teve lugar no recuado dia 23 de Abril do ano de 1960, usei da palavra para apoiar com muito interesse as justas considerações que o Sr. Deputado Urgel Horta havia feito na sessão do dia anterior sobre a difícil situação dos médicos veterinários municipais.
Ficou então amplamente demonstrada a verdade e o grande cabimento das. muitas queixas destes valorosos servidores e bem assente que nada tinha de justo o excepcional regime em que eram forçados a exercer as suas importantes funções.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Chocava principalmente, já nessa .altura, a gritante desigualdade em que estes se encontravam colocados perante os seus pares dos serviços do Estado, que, a despeito de não usufruírem situação de desafogo, mesmo assim sempre tinham condicionalismo mais em conformidade com as exigências do nível de vida a que a todos obrigava o curso superior que tinham de possuir.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Ora todo este anómalo estado de coisas e as graves implicações dele decorrentes tinham sido magnificamente analisados pelo Sr. Deputado Urgel Horta, com o natural calor que sempre punha na defesa das causas justas -e justas foram todas aquelas de que se ocupou- e por tal forma que a sua atitude mereceu o mais decidido apoio desta Câmara.
Dispenso-me, Sr. Presidente, de reproduzir agora tudo quanto nessa altura foi afirmado sobre o momentoso problema da vida dos médicos veterinários municipais.
Mas sempre recordo que se inventariaram tantas e tão poderosas razões de inferioridade que logo se reconheceu haver imperiosa necessidade de colocar esta classe de tão nobres servidores em nível igual, ou pelo menos semelhante, ao que usufruíam as outras classes de servidores do mesmo nível.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Apoiados na grande razão que sabiam possuir, e que ainda se mantém, e animados pela compreensão que encontraram, têm os médicos veterinários continuado a lutar pelos seus direitos desconsiderados e, com inteligente persistência, têm feito ouvir a sua voz magoada nos vários quadrantes da nossa governação.
Rodaram os tempos "em que fossem atendidos, mas a esperança de alcançarem justiça tomou efectivamente corpo, chegando a concretizar-se num estudo completo que superiormente se mandou fazer pela Direcção-Geral dos Produtos Pecuários, já completo neste momento- e com as apropriadas conclusões que os graves problemas considerados naturalmente impunham.
Esse estudo, em que residem, como é natural, as esperanças de uma classe numerosa e disciplinada, entrou, há tempo, nos arcanos dos gabinetes ministeriais.
Ali tem permanecido envolto de pesado silêncio, que está a causar as grandes ansiedades que sempre provocam os demorados silêncios sobre os problemas vitais de uma classe.
É que a vida endureceu em dificuldade, e muitos daqueles que se dedicaram, às importantes funções que se contêm no lugar de médico veterinário municipal, e delas têm de viver, encontram-se no limite da resistência económica, cada vez mais enfraquecida.

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Perante este desolado panorama, há o grave, o gravíssimo perigo de uma completa deserção das funções que já não garantem a necessária margem de estável subsistência.
Impõe-se por isso que ao estudo referido seja dada necessária continuação, e sem mais demoras se considerem as conclusões que ele encerra, que são o produto
e trabalho sério e consciencioso, orientado no melhor interesse da Nação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Julgo saber, Sr. Presidente, que tal estudo está agora na dependência dos Srs. Ministros da Economia, das Finanças e do Interior, que são aqueles a quem cabe resolver a momentosa série de problemas que torna aflitiva a situação dos médicos veterinários municipais.
Julgo saber ainda que as soluções propostas não implicam gravame desmedido ou insuportável às finanças locais e às do Estado, mas uma compreensiva colaboração por via da qual serão banidas as graves injustiças que flagelam uma classe de técnicos, de que se não pode prescindir.
Por isso, Sr. Presidente, ao findar o meu mandato, quero deixar aqui, de novo, o meu apelo veemente e interessado para que se faça terminar a injustiça do tratamento iníquo que tanto aflige esta classe e tão graves repercussões poderá ter em muitas e muito importantes actividades da vida nacional, se permanecerem sem a justa solução os problemas equacionados.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: Serão breves por certo descoloridas, se bem que sinceras, as palavras que vou pronunciar simples apontamento de um facto que me parece oportuno salientar como significativo de que nem tudo é sombrio no panorama da juventude universitária do nosso tempo.
Realizou-se há poucos dias em Lisboa, como é do conhecimento público, um encontro luso-espanhol de universitários, no qual participaram jovens de sete Universidades da Península.
Além de actividades desportivas em diferentes modalidades, houve manifestações artísticas e também culturais em que se inseriram substanciosas palestras de dois mestres professores catedráticos, sendo um de Portugal e o outro de Espanha, subordinadas aos temas, respectivamente, de «Portugal no Mundo» e «Espanha no Mundo».
Mas o encontro - cuja realização é fruto da operosa sã orientação do Colégio Universitário Pio XII, de Lisboa, com a colaboração de diversos colégios universitários espanhóis - assinalou-se, sobretudo, pelo espírito (...) e nacionalista que o animou, em atmosfera de (...) compreensão e camaradagem e de auspicioso inter(...), com ordem e alegria, sem constrangimento.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Através do seu proceder, afigura-se-me em os jovens encontristas das duas nações irmãs demonstrado que sabem interessar-se pelos problemas do (...), com que hão-de vir a defrontar-se, sem, contudo, tenderem antecipar o momento de os resolver, e que encontram, por conseguinte, na disposição de viver a mocidade na consciência de que (...) eles apenas (e será já muito) o (...) sua própria e indispensável formação,(...) que desabrocha e se desenvolve para um (...).
Saudável atitude e excelente exemplo, (...) deplorável agitação que vem tentando negar ou (...) o encanto da primavera estudantil dos nossos dias, e, ao mesmo tempo, séria e dignificante animação do que é e do que pode a juventude universitária, quando bem orientada!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O recente encontro luso-esponhol de universitários deve, pois, com inteira justiça, ser posto em relevo e ter acentuado eco nesta Assembleia, que não podei á deixar de o louvar como factor de inestimável valia para a necessária e imprescindível elevação do escol da população nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- À juventude, particularmente aquela que virá a ter em suas mãos grande parte dos destinos da Pátria, é sempre devido todo o nosso melhor carinho, porque ela nos continuará e nós a queremos feliz, e, generosa como é, merece a nossa confiança e, por sua vez, confiará em nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenhamos fé. Nem tudo são nuvens no horizonte da nossa juventude universitária, há também boas abertas aproveitemo-las com o nosso apoio e entusiástico aplauso, e congratulemo-nos!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se a

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cid Proença.

O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: O confronto, inevitável entre a Lei n.º 1942 e o texto que o Governo propõe para substituí-la denuncia a mesma inspiração ideal, mas revela o sentido em que o processo da sua expressão doutrinária evoluiu e a forma de tratamento jurídico que a experiência de 30 anos apurou e aconselha.
como disse nesta tribuna, dm ante o debate de 1936, o saudoso Dr. Dinis da Fonseca, a mais vinculante importância da matéria reside no facto de ela trazer a questão dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados.
Em última análise, afirmando-se o direito de obter «a reparação de lesões efectivas», é da inestimável vida humana que se trata e da integridade física e psíquica do homem, do «preço» do seu trabalho e dos vínculos afectivos e interesses que o ligam à profissão que escolheu. Temos de recordá-lo sempre para nos estimularmos a nunca esquecer que na essência há mais do que prejuízo

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material compensável. Se o não houvesse, a aquietaríamos
os escrúpulos quando a contrapartida das prestações ao sinistrado ou das pensões aos parentes sucessíveis equacionalmente equilibra o dano vindo do infortúnio. Regatearíamos bem, se a reparação basta, de imprevisto benefício provocadas pela concorrência das garantias da lei com circunstâncias de facto sinistrado e à sua carreira profissional Mas esse prejuízo prejuízos com ele incomparáveis em dores
físicas, e consequências morais, e ressentimentos, e inadaptações, no empobrecimento da colectividade: e, na própria desgraça, em si mesma ofensiva da perfeição criada pelo Deus perfeito.
Por isso, no quadro de uma política social a prevenção prima sobre a reparação, por isso a pessoal ajuizada e sensível se determina pele que, na esmagadora maioria das hipóteses, Ter as contas acertadas por arredondamento constitui magro consolo em face dos valores às vezes insanálvelmente comprometidos.
Assim também, a natureza desses valoro domínio teórico motivo para suscitar o regime de protecção generalizada, plena e eficaz, que na nas limitariam contra-indicações decorrentes mal maior e reflexos de ordem económica indesejáveis
Todavia, fazendo nossas palavras conhece sociólogo, também aqui poderíamos asseverar mostrou desusada paciência em amadurecer ideias complexas e precisar estados de espírito indefinidos e outros se ajustarem às razões muito simples equidade e ao evidente interesse de todos Para responsabilidades individuais, as teorias foram envelhecendo as teorias. Mas paralelamente despertava a consciência de uma responsabilidade social tão que, uma vez reconhecida em jogo, o menos a que obrigava o Estado era a organizar a defesa dos valores arriscados, afinal inconciliável com a exclusiva verificação de culpas ou de posições individuais objectivamente prefiguradas, de que a comunidade se dissociasse coisa estranha Rompendo o quadro estrito do negócio bilateral que estava no princípio como origem próxima ou remota do acidente, as consequências deste logo o projectam em plano tão vasto como o do bem comum com o qual interferem.
Falaremos de um risco social? Assim falava a Câmara Corporativa quando, pela voz do Dr. Mota Veiga, lhe notou «a generalidade, a sua estreita conexão com as condições de execução do trabalho na economia contemporânea e os seus efeitos sob o ponto de vista ou redução dos meios de existência».
Pelo fundamento, a atitude da doutrina perante o problema não difere da que sugere a atenção de outros riscos, como a doença, a velhice, o desemprego, a invalidez ou a morte, alguns deles mais genericamente inerentes á pessoa ou fisiológicos, e menos especificamente profissionais ou afectando o trabalhador como tal.
Daí será talvez lícito deduzir que teria o seu quê de especiosa ou pareceria de mera convenção a destrinça por ventura estabelecida com pretensa base cone os casos em que um seguro social seja restantes, para os quais o seguro de carácter mercantil haja do perpetuar-se.
Salvo erro, o argumento da identidade, ou maioria de razão, milita contra a distinção arbitrária e só ponderosas considerações de raiz pragmática a sustentam na ordem legal O que não leva a enjeitar a possibilidade de soluções diversas, quando a opção se faça em globo

Como quer que seja, a posição de princípio do nosso legislador já de há muito se não harmonizava com a aceitação passiva das contingências da fuga às responsabilidades por parte dos imprevidentes e dos egoístas, tendia a impedir a exclusão de determinados sectores ou determinadas empresas do âmbito do seguro e, inclusive, atentas as realidades do meio, desaconselhai ia de todo a sua voluntariedade.
Mas a subsequente evolução legislativa, se não desgarrasse dos caminhos lógicos, havia de assinalar, por um lado, o progressivo abandono dos resíduos de conceitos ultrapassados, por outro lado, a incorporação dos conceitos vindos por consequência dos princípios donde partiu.
Em meu modesto entender, o pensamento da proposta vive desse duplo propósito e não se afigura difícil acompanhá-lo na formulação de algumas bases, como aquelas que traduzem melhor do que as correspondentes disposições da Lei n º 1942 o princípio do risco de autoridade ou as que mais atenuam as exigências da não-culpa do trabalhador no mecanismo da reparação.
Contudo, Sr Presidente, é pelo âmbito pessoal e material da protecção garantida e é pelo cuidado em a proporcionar viável e efectiva que uma proposta desta natureza pode impor-se e merece ser julgada.
A décima quarta assembleia geral da A I S S, reunida em Istambul no mês de Setembro de 1961, quis obter a panorâmica mundial das legislações sobre o assunto que nos ocupa Dos relatórios nacionais apreciados tirou, entre outras que não dizem ao caso, as conclusões seguintes.

Que há a tendência para incluir todos os trabalhadores, seja qual for a natureza da sua actividade e qual seja a situação particular das empresas a que sirvam, «no círculo das pessoas protegidas pelo seguro contra acidentes de trabalho»
2.ª Que há a tendência para alargar «o conceito de acidente de trabalho propriamente dito», por forma a abranger outros infortúnios.

Afoito-me a dizer que a proposta se conforma com ambas as tendências. Mas adianto que exprime também ao menos a preocupação séria de que a protecção a decretar, para além do sentido de progressiva generalização que anuncia e da relativa plenitude em que pretende moldá-la, se concretize com a eficácia, sem a qual ficará letra morta, de uma lei bem-avontadada e platonicamente afirmativa
Insere-se em tal desiderato a criação do Fundo de garantia e actualização de pensões Oxalá as circunstâncias, difíceis segundo presumo, do seu abastecimento permitam não apenas levá-lo a cumprir a missão que o n º 1 da base XLV prevê, mas ir ao encontro das esperanças que o n.º 4 da mesma base consente Na verdade, desedifica a situação de velhos pensionistas a receberem importâncias certíssimas pela matemática actuarial para quando forem calculadas, mas que os muitos anos volvidos fizeram, pelas contas da aritmética caseira, rotundamente fora do tempo. E o facto de raras legislações estrangeiras, como publicamente declarou o Sr Ministro das Corporações, contemplarem este aspecto, sobrevaloriza, sem dúvida, o mérito da inovação sugerida.
A extensão do regime de obrigatoriedade, dissemo-lo antes, alinha na coerência dos ideais que inspiram a nossa legislação e está, pelos vistos, dentro da tendência universal, decerto irreversível embora cada vez melhor se compreenda a fatalidade do seguro como alternativa cómoda da fatalidade da reparação se surgir o momento de a dever.
Os termos em que a proposta a estabelece, esses têm sido discutidos, mormente na parte que se reporta aos trabalhadores rurais e equiparados

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Parece, aliás, que os problemas do sector agrícola, todos eles, têm o condão de suscitar interesse apaixonado e de desencadear juízos contrastantes, quase sempre vindo as soluções condenadas por defeito na ordem dos fins projectados e por excesso quando ocorre procurar meios para atingir os fins.
Não é bem por capricho de ânimos volúveis, nem denuncia jeito de contradição sistemática, antes se afigura resultado natural da desproporção entre a magnitude das carências a suprir e a debilidade das estruturas económicas com que as defrontamos.
No caso vertente, não deixa de colher o argumento de quem reputa menos justo compelir as instituições de previdência social obrigatória a arcar com o seguro das responsabilidades que não puderam ser transferidas nos termos regra do nosso sistema, enquanto as companhias seguradoras continuam a firmar, também no meio rural, as apólices apetecidas para o seu legítimo lucro.
Mas já não convenceria a discordância de quem se desagradasse de imaginar que a comunidade, pelos sectores económicos já tributários da previdência, pagará provavelmente, a título de ajuda, ao mais fraco a posição da favor desta sorte talvez construída. Forque as aparentes liberalidades promanam afinal da solidariedade mínima por todos devida ao sector circunstancialmente mais desfavorecido pelas contingências da transformação de um mundo que apenas será próspero com a prosperidade que a todos aproveite.
Concedido sem esforço que na hierarquia das necessidades dos rurais não figura em primeiro posto a protecção contra acidentes de trabalho e doenças profissionais. Seria irrazoável, contudo, que uma exclusão formal, mesmo sem foros de exclusão de princípio, os segregasse na economia da proposta do regime facultado ao comum dos trabalhadores por conta de outrem.
Prestada esta liminar justiça, ainda nos resta, se somos hipercautelosos, o ensejo de nos atormentarmos com a previsão das dificuldades técnicas da montagem desta modalidade de seguro Se somos ultra-impacientes, depara-se-nos uma aberta para deplorar a reserva da parte final do preceito, enquanto faz pensar na sua execução não imediata e só progressivamente levada a fim. Se conseguirmos a prodigiosa acumulação das duas razões de queixa, então estaremos em posição óptima para entender a filosofia daquele autor inglês, que sempre reputava excelentes as soluções acusadas de defeitos que mutuamente se excluem.
Sr. Presidente: O âmbito material da protecção é alargado na medida em que, por exemplo, se precisa o conceito de acidente, em que a este se equiparam, para efeito de reparação, determinadas consequências da actividade profissional e, naturalíssimamente, pelo maior valor pecuniário e pelos mais favoráveis critérios de atribuição das pensões por morte e das indemnizações por incapacidade.
Mas respeitoso como sou, e não por mero dever de ofício, das indicações regimentais, não quero agora perder-me nos labirintos da especialidade da proposta de lei.
Nesta figura um capítulo referente à prevenção Ainda que revestido do tom programático que a natureza específica do diploma não podia deixar de reservar-lhe, a sua inclusão no contexto é significativa Significa que o Governo situa no lugar primacial que unanimemente se lhe atribui a segurança, higiene e profilaxia necessárias à protecção da saúde, integridade física e vida dos trabalhadores».
Como notou algures Paul Durand, indemnizar justamente a vítima directa ou indirecta do acidente de trabalho ou da doença profissional constitui um imperativo das circunstâncias.
Todavia, concentrar nessa tarefa a soma dos cuidados do Poder «equivale a fazer uma política simplesmente instintiva» Porque os seus resultados serão insatisfatórios, mesmo se aperfeiçoada a técnica da reparação por processos como a recuperação física e a readaptação profissional dos diminuídos.
Política racional, a política da prevenção.
Os meios que se lhe consagrem, com inteligência e diligência, compensarão a cem por um.
Sr. Presidente: Termino reafirmando a convicção de que a proposta segue os princípios já antes escolhidos pelo legislador e acompanha, no ritmo conciliável com as limitadas possibilidades do nosso meio e as sagradas limitações deste nosso momento nacional, a tendência das nações civilizadas Quer dizer, a substância da proposta justifica-a.
Poderá perguntar-se se a consideração do tempo a não condena a ser inoportuna. E se não valeria a pena que ela esperasse o desafogo das preocupações, a boa maré da economia e até, na matéria própria, a exploração inequívoca de rumos definitivos, tudo aquilo que um dos nossos mais ilustres colegas costuma não gostar que denominemos, na linguagem da moda, a conjuntura favorável
Pessoalmente não aprecio a alternativa, desportivamente ortodoxa, do tudo ou nada Se há melhorias incontestáveis ao alcance da mão, arriscado me parece aguardar as probabilidades, apesar de tudo incertas, de conseguir a perfeição quase total.
Acresce que o que está em causa são pequenas grandes coisas da vida do homem que trabalha, com as quais se não pode especular friamente como sobre realidades de tubo de ensaio Suponho que os meses ou anos assim escoados haviam de acusar-nos se os perdêssemos com a magnífica intenção de os ganhar para preparar melhor o futuro.
De resto, as tarefas da paz têm as suas exigências e tão imperiosas que por elas às vezes se chega a influir o curso das batalhas.
Foi aqui precisado que o facto de o programa das nossas realizações materiais mal se estorvar nas contrariedades que nos adiantam os inimigos constitui, como sintoma, um sintoma de vitalidade nacional e representa, como objectivo conseguido, um objectivo de guerra.
Por via de regra, pensa-se sobretudo nas actividades com imediato reflexo positivo no desenvolvimento económico.
Creio, por num, que o mesmo deve entender-se das da política social e de todas as que expressem uma tomada de posição quanto às concepções de vida que no Mundo se digladiam.
Nós temos a nossa. E batemo-nos por ela, ao passo que aparamos os golpes vibrados à nossa terra e ao nosso povo.
Isto é, Sr Presidente, temos a consciência da natureza diversa e da imensa vastidão das fronteiras que guardamos, orgulhosamente sós, mas sob o olhar providente de Deus.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Quirino Mealha: - Sr Presidente Venho a este debate mais por não resistir à vibração provocada pela natureza social da sua matéria e à emoção do amortalhar

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da Lei n º 1942, de 27 de Julho de 1936, entrada em vigor 60 dias depois e regulamentada pelo n º 27649, de 12 de Abril de 1937, do que pé cimento de poder dar algum préstimo valioso à discussão.
Na matéria está contida uma repartição económica em Decreto ajustada a maior protecção social de sentido humano.
Àquela legislação ficaram ligados os nomes de Teotónio Pereira e Rebelo de Andrade.
Estou a ver o primeiro, com a sua juventude de irradiante simpatia num natural dom de verdadeiro chefe na doutrina e na acção, a orientar o meu curto estágio antes de partir como delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência a tomar conta do distrito que, por honrosa e significativa coincidência, aqui represento com os meus ilustres colegas de circulo, a quase 30 anos de distância E o segundo, grande continuador da obra daquele na firmeza dos princípios em acção, na sede da União Nacional, à noite, a presidir, com o seu claro raciocínio, à i reuniões dos delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e juizes dos tribunais do trabalho onde foi apreciado o projecto daquele decreto regulamentar.
Anote-se que ao tempo os delegados do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência eram membros da i brigadas doutrinadoras da União Nacional
A Lei n º 1942 nasceu auspiciosamente e com tal virtualidade que ainda hoje, ao fim de quase 2 anos de vigência, numa época de dinâmica social, ide imprimir alguma vitalidade à sua reforma, agora transformada em proposta de lei.
Situou-se no quadro temporal e espiritual da arrancada corporativa. Sendo a primeira a concretizar a política social corporativa por aplicação imediata das BUI a prestações, viveu sempre revigorada não só pela certeza da justiça que da mesma emana, como pela têmpera dos homens responsáveis pela sua execução.
Era a mística de então que, removendo montanhas de dificuldades, abria os caboucos, a claro céu, onda te devia alicerçar a sociedade comparativamente estruturada com os seus elementos reais. Na chama do ideal que a animara arderam corações devotos.
Era o ânimo de uma fé ao serviço de um ideal esperançoso de justiça social que rasgava os horizontes do patriotismo português.
Era a força aliciante de uma ideologia, a que uma elite política de jovens combativos, que se criar doutrinàriamente uma consciência nacional.
Os corações abrasavam de sinceridade, na transmitiam e no exemplo da conduta, em da conduta em dádiva total.
Havia apostolado que sabia o que queria e para onde ia.
Havia doutrinação, e, da alma desta, tudo o mais resultava por acréscimo.
Nunca faltava por acréscimo Nunca faltaram colaboradores em todas as camadas sociais.
Não se implantavam organismos por simples dade de cobertura, mas sim nasciam por agrupamentos dos interessados em consequência do «suplemento de alma» que havia sido insuflado na preparação ai do ambiente, e daí o sucesso dos seus primeiros passos a enraizar frutíveramente a sua existência institucional.
Fazia-se de baixo para cima a integração corporal impulso dinâmico das comunidades naturais.
Sonhava-se levar o ideal corporativo a toda a vida portuguesa. Esse ideal de justiça, de solidariedade e dade assente na valorização da dignidade da personalidade humana renovada de moral cristã, numa organizai pies de defesa dos interesses particulares em subordinação ao bem comum.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Sem ideais as sociedades não vivem em progresso Têm de possuir um estado de espírito favorável aos desígnios da sua missão.
Numa visita aos Estados Unidos, o que mais me impressionou foi a consciência nacional do seu ideal democrático e o estado de espírito de produtividade em cada uma das suas empresas a animar empresários e operários como membros da mesma comunidade Senti por toda a parte a formação de uma consciência de grande potência em ritmo acelerado de vida com espírito de concorrência a pretender manter a sua superioridade em relação à Europa, especialmente à Rússia, que é apresentada aos Americanos como sua competidora no Mundo.
Em Itália e França também encontrei, além dos seus diversos ideais políticos de democracia, um estado de espírito de competição suscitado pelo Mercado Comum, levando a uma consciencialização de produtividade impressionante por parte de empresários e trabalhadores.
A própria Espanha está a ser contagiada no sentido de elevar o seu nível de vida à escala europeia.
A Alemanha, pátria do seguro social, estar a iniciar o estado de espírito nacional para o «novo estilo» na política salarial com vista a uma sociedade moderna «privatizada» pelo fomento de formação de propriedade nas mais amplas camadas da população.
Não teríamos nós agora a oportunidade de aproveitai o sacrifício que estamos a fazer - e é preciso que seja distribuído por todos -, por virtude da guerra que nos é imposta, para dotar o País de espírito de cruzada, como é da índole do seu povo?
Temos de imprimir ritmo mais acelerado ao nosso progresso com maior participação da população, trabalhando-se mais, produzindo-se melhor, para que todos - o que só agora é de alguns - alcancem uma vida ao nível europeu.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Haverá que enfrentar uma política de organização de trabalho de sentido económico com motivações sérias de produtividade que conduza a salários mais altos e animar os trabalhadores, principalmente os rurais, de esperança de vida melhor pelos meios directos que efectivamente recebem
Porque não havemos também de iniciar a «privatização» do nosso trabalho, aliás prevista, em parte, no artigo 36 º da Constituição, segundo o qual «o trabalho, quer simples, quer qualificado ou técnico, pode ser associado à empresa pela maneira que as circunstâncias aconselharem»?
Se a intensificássemos, não seriam precisas tantas leis sociais e nem tanta gente a administrar, remuneradamente, o que é dos trabalhadores
A cooperação de capital e trabalho no sentido de este ascender à propriedade conduzirá à integração do social no económico, eliminando os problemas do seu antagonismo.
Mas, porque o trabalho, entretanto, continua a ser predominantemente prestado por conta de outrem, vinculado n um contrato ou independente, a baixo nível económico, torna-se mister protegê-lo no seu primeiro risco, que é o da lesão profissional.
Analisemos, pois, muito sumariamente e na generalidade, a proposta de lei que visa tal objectivo sob novo regime jurídico.
Estamos perante uma proposta de lei derivada de um projecto de proposta de lei sobre o qual o Governo consultou a Câmara Corporativa (Actas da Câmara Corporativa, 1965, VIII Legislatura, n.ºs 88, de 5 de Janeiro, e 95,

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de 1 de Março, suplemento ao Diário das Sessões n.º 192, de 24 de Março de 1965, VIII Legislatura).
Apresenta-se a mesma elaborada com a sistematização proposta pela Câmara Corporativa e tendo por substância n matéria do projecto, aliás aceite na sua essência por aquela, concertada com algumas das sugestões da mesma Câmara.
Vem precedida de relatório que por si só é fonte de grande esclarecimento, cuja consulta pode ser completada com a leitura da magistral comunicação feita ao País pelo Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social À sua iniciativa, sempre atenta aos problemas sociais em contínua consolidação da obra dos seus ilustres antecessores, nossos muito prezados colegas nesta Assembleia, ou inovando progressiva e ponderadamente, ficar-se-á a dever o novo diploma sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais. A sua consciência de homem público, que não enjeita a política, considerou útil a colaboração desta Assembleia.
Sr. Presidente Nos termos do artigo 37.º do Regimento, a discussão na generalidade versará sobre a oportunidade e a vantagem dos novos princípios legais e sobre a economia da proposta.
Começarei pela oportunidade.
A oportunidade no tempo, na doutrina e no direito.
Quanto ao tempo, está mais que justificada a sua oportunidade, porque se algum inconveniente encerra é pois não ter aparecido mais cedo.
A Lei n.º 1942 foi publicada a seguir a Lei n º 1684, de 16 de Março de 1935, que instituiu a previdência social obrigatória, e quase próximo da Lei n º 1952, de 10 de Março de 1937, que regula o contrato de trabalho.
Agora a proposta que pretende substituí-la vem depois da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, que reforma a previdência social, e do Decreto-Lei n.º 44307, de 27 de Abril de 1962, que criou a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais Simultaneamente, está na discussão pública o projecto de diploma que substituirá a Lei n º 1952.
Há, pois, sincronismo no tempo dentro do mesmo campo social legal
No domínio do social, uma lei com quase 29 anos de idade deixa-nos na dúvida se não estará já muito velha, com direito a reforma.
Não seria idosa no imobilismo do direito privado, tão do agrado dos juristas, mas no direito social é uma longevidade muito rara.
Além daquela lei, algumas mais de carácter social e corporativo vão estando desactualizadas, tanto em relação ao tempo como aos novos valores a considerai
Estão nessas condições a dos sindicatos nacionais, que data de 1933, e tanto necessitam de ser revitalizados em nova estrutura, a do horário de trabalho, cuja base é ainda de 1934, e bem precisa de ser racionalizado em ordem à produtividade, a das convenções colectivas de 1947; a da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, cuja última reforma foi em 1950, e tanto se impõe integrá-la como obra corporativa nas novas necessidades dos lazeres; a do contrato de trabalho de 1937, com projecto de substituição submetido à consideração pública desde 23 de Setembro de 1964, etc.
Já não falo das Casas do Povo, com reforma prometida desde 1947.
O próprio Ministério das Corporações e Previdência Social, criado em 1951, com reforma estudada há cerca de cinco anos, continua praticamente reduzido aos serviços do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, reorganizado em 1948, a não ser os tribunais do trabalho.
com a sua Inspecção-Geral, que em 1 959 custavam 8632 contos passaram para 17 175 contos em 1963.
Sectores há que não chegaram ainda a ter instituto jurídico próprio, tais como aprendizagem, trabalho feminino e artesanato.
Sr Presidente: Todo o direito por sua natureza é social - todo o fenómeno humano comporta um aspecto jurídico -, mas é dos paradoxos da nossa época haver um direito mais social, com categoria de ramo autónomo, que acompanhe as necessidades do acelerado mobilismo social.
O direito privado continua a garantir o substrato sobre o qual gira o direito social em movimento contínuo, todavia, se não se actualizar de conteúdo social, pelo rumo que a evolução social está a tomar, ficará dilacerado em vários ramos autónomos.
Já se falou muito de direito económico.
Como diz Huxley, no seu livro La Róvolution Actuelle, edição de 1946, entrámos na era do homem social» em seguimento do «fim do homem económico» de Peter Drucker.
O direito social aparece precisamente como saído do direito privado para acudir aos problemas sociais da marcha acelerada do nosso tempo social, e das primeiras normas jurídicas, se não as primeiras, que se desligaram foram as dos acidentes de trabalho.
Entre nós muito tardiamente, pois do Código Civil de 1867 (artigo 2398 º) passaram para o direito próprio apenas em 1913 com a Lei n º 88
Lá fora, em que o seguro social começou primeiro, os acidentes de trabalho foram dos primeiros riscos a ser cobertos e a ter legislação própria. Na Itália em 1883, na Alemanha em 1884, na França e Dinamarca em 1898, na Bélgica e Holanda em 1903 e na Suíça em 1904.
O direito social situa-se na encruzilhada do direito privado com o direito público com tendência mais para público do que privado.
Nascido por pressão dos problemas da questão social emergente da luta travada no seio do capitalismo liberal entre empresários e as massas operárias, cada vez em maior volume devido ao crescente desenvolvimento industrial, a caminho já da III Revolução, tem vindo sucessivamente a evolucionar no sentido de encontrai uma solução equilibrada de cooperação.
Diz Georges Ripeirt.

II a été conçu comme un droit de classe, destine à proteger ceux qui dans la vie jundique sont trop faibles pour se protéger ceux-mêmes. Se réclamant de l'égahté sociale il viole lê príncipe de l'égahté devant la loi.

Mas A Brun e H Galland completam.

Une transformation profonde de la physionomie du droit du travail s'est produite à l'époque contem-porame De nos jours, lê droit du travail n'est plus exclusivement protecteur dês salariés il vise aussi à normaliser lês rapports des employeurs et dês travail-leurs pour assurer un ordre économique et social.

Do direito social faz parte o direito do trabalho, aliás saído do direito civil, e o direito da segurança social, agitando-se presentemente a criação do direito de empresa a sair do direito comercial, que anda a vacilar entre o direito social e o direito económico.
O direito do trabalho, segundo o Prof Raul Ventura no seu livro Teoria da Relação Jurídica de Trabalho como Estudo de Direito Privado (adição de 1944), é o conjunto

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de regras de direito objectivo reguladoras da relação de trabalho, isto é, das relações contratuais entre quem fornece e quem recebe uma prestação de trabalho.
A primeira parte desta definição é a que está a fazer escola, pois, embora o direito do trabalho se preocupe essencialmente em regular as relações entre patrões e trabalhadores subordinados, aplica-se em larga medida aos trabalhadores independentes, como em França, Itália e Alemanha, levando os juristas italianos e alemães M. Paolo Greco, MM. Siebert e Nikisch a desenvolverem a concepção da relação de trabalho em substituição de contrato de trabalho.
Fundamentam estes autores a relação de trabalho no conceito de empresa como uma instituição onde se incorpora o trabalhador:

Cette branche du droit tient incontestablement la vedette de l'actualité juridique

Como se vai distanciando já do conceito de contrato e da autonomia da vontade da construção individualista da Revolução Francesa!
Em contacto ou à margem do direito do trabalho foi-se formando o da segurança social.
O indivíduo acolhido na primeira célula previdêncial, que é a família, não podendo ter capacidade económica para lutar com a adversidade, sentiu a necessidade de procurar outros de maior resistência económica ou de agrupamentos que lhe acudissem.
A princípio foi entendido como um dever do homem cuidar da sua existência e de se pôr ao abrigo da miséria, competindo apenas ao Estado criar as condições favoráveis.
Depois, já num estádio de várias organizações privadas, independentes e descoordenadas, foi-se generalizando a ideia da necessidade colectiva, incumbindo ao Estado não só fiscalizar como promover a organização de serviços e instituições adequados.
Começa a solidariedade familiar, local e profissional a estender-se até chegar à solidariedade social, em cujo fundamento a segurança social vir-se-ia apoiar.
Dependendo do trabalho, os primeiros riscos a que os profissionais sentiram estar sujeitos cada vez mais com a multiplicação industrial foram os dos acidentes de trabalho, tanto assim que aparecem como dos primeiros a tomar a forma de seguro.
No século XIX, a previdência individual desenvolve-se em várias modalidades, até que, por virtude do industrialismo intenso e a acção sindical, é provocada a legislação dos seguros sociais, ficando a maior parte dos países da Europa sob o regime, do seguro na doença, dos acidentes de trabalho, da velhice e da invalidez de 1883 a 1935.
Estava lançado o seguro social obrigatório com os métodos do seguro privado de modo a cobrir os operários e os empregados da indústria e do comércio com ganhos inferiores a um certo limite. Na agricultura, mais lentamente e por força da sua motorização, também iam ficando abrangidos.
De então para cá mais se tem ido alargando, processando-se em amplitude cada vez maior, o direito da segurança social, cujas normas foram evolucionando não só no sentido da protecção dos riscos como das medidas de prevenção.
A América, com o seu Social Security Act, de 14 de Outubro de 1935, dava o termo security (em inglês), sécurité (em francês), seguridad (em espanhol), e nós passámos a adoptar o de segurança.
No Social Security Act, embora respeitando o particularismo de cada um doss estados da União, foi instituído em plano federal, obrigatoriamente, o seguro do desemprego, da velhice e morte, vindo a ser completado com um sistema de assistência para os velhos - Old Age Assistance - e para as crianças - Aid to Dependant Children.
Quanto às lesões profissionais, os Estados Unidos têm um regime variável de estado para estado, contando-se apenas em dez um sistema de seguro obrigatório numa companhia privada ou com possibilidade de escolha entre uma companhia e uma caixa pública ou por adesão a um regime regulamentar.
Depois da segunda grande guerra intensificou-se por toda a parte, especialmente na Europa, o sistema dos seguros sociais obrigatórios a caminho da generalização, talvez porque os homens tenham ficado por uma forma mais vincada com o espectro da desgraça e tomado uma mais completa consciência da sua insegurança.
A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, adoptada em 10 de Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, afirma no seu artigo 22 que toda a pessoa como membro da sociedade tem direito à segurança social, a qual se funda em obter a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis1 à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua (personalidade, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, tendo em conta a organização e os recursos de cada país. E no. artigo 25 dispõe que toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem-estar e de sua família, designadamente a alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, assim como os serviços sociais necessários, tendo direito à segurança no caso de desemprego, de doença, de invalidez, viuvez, velhice ou nos outros casos de perda dos seus meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Todo este grande movimento de segurança social deu uma notável laboração jurídica - Droit de ía Sécurité sociale - em cujo domínio estão incluídas as lesões profissionais e onde ainda predomina a relação de trabalho.
Na Europa só a Bélgica, a Dinamarca, a Finlândia e a Irlanda não utilizam as instituições ou serviços de seguro social para a reparação das lesões profissionais.
Portugal, com a sua reforma da previdência social, a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e a proposta de lei em presença, vai aproximar-se da vanguarda europeia no campo da segurança social.
A proposta é portadora de direito de segurança social, especialmente no que se refere às doenças profissionais, ao seguro dos trabalhadores rurais ou equiparados a cargo de instituições de previdência social obrigatória, quando não sejam abrangidos pelo seguro privado, fundo de garantia e actualização de pensões, princípios sobre prevenção e serviços de segurança e higiene.
Por isso a considero oportuna.
Vejamos agora quais as vantagens de alguns dos seus novos princípios.
Formalmente, há uma melhoria na sistematização das matérias.
Substancialmente, apresenta, entre outras, inovações de grande alcance jurisdicional e social.
Sob o ponto de vista jurisdicional, proporciona elementos para uma maior certeza na aplicação da justiça, consagrando a jurisprudência estabelecida e pondo-se a par dos melhores conceitos1 da legislação estrangeira, a começar pelo acidente de trabalho, que tem sido objecto de tanta discussão nos tribunais e sobre que há as mais díspares decisões.
Se mais não resolvesse, esta questão, por si só, dá-lhe grande importância.

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No aspecto social generaliza a protecção a todos os trabalhadores por conta de outrem, determina mais satisfatoriamente as doenças profissionais, amplia a pensão por incapacidade permanente até 80 por cento do salário da vítima, podendo em certos casos ir até 100 por cento, introduz o conceito de incapacidade permanente para o trabalho habitual, actualiza as pensões por morte, sendo 30 por cento do salário anual da vítima em caso de viuvez e 20 ou 40 por cento tratando-se de orfandade, amplia a protecção das doenças profissionais com referência especial à silicose, proíbe o despedimento dos trabalhadores vítimas de acidente enquanto se mantiverem em regime de incapacidade temporária, introduz o princípio da inclusão nas instituições de previdência social obrigatória dos trabalhadores rurais ou equiparados quando as entidades patronais não transfiram a sua responsabilidade para o seguro privado, cria o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, prevê a adopção de medidas de prevenção e a criação de serviços de segurança, higiene, adaptação, readaptação e colocação.
Sob o aspecto de segurança, mantém-se o seguro privado e afirma-se o princípio de se abrir aos rurais a entrada no seguro social obrigatório.
Numa altura em que estão a ser transformadas ou criadas as instituições de previdência no sentido da descentralização por efeitos da execução da reforma da previdência, creio que não seria possível introduzir-lhes a grande massa dos trabalhadores abrangidos pelo seguro privado.
Talvez pudéssemos aproveitar da experiência espanhola, que, neste momento, está a dar execução à sua reforma, de segurança social -Lei n.º 193, de 28 de Dezembro de 1964 - a termo do prazo de dois anos que foi determinado para progressivamente se operar a integração na segurança social de todas as eventualidades com o princípio de ser eliminado todo o espírito de lucro.
Tinha sido estabelecido em 1956 um regime de opção para o seguro das lesões profissionais, sendo entidades seguradoras a Caja Nacional dei Seguro de Accidentes del Trabajo, integrada no Instituto Nacional de Previsión, as mutualidades e as companhias de seguros autorizadas.
Em 1 de Janeiro de 1966, por efeitos daquela reforma, as lesões profissionais passarão a estar cobertas pelo seguro social obrigatório.
Porém, a imprensa espanhola, neste mês, perguntava o que era feito da Ley de Seguridad Social Agraria, cujo anteprojecto está estudado pelo Ministério do Trabalho e informado pela Organização Sindical.
Donde se depreende que o seguro social rural em Espanha também está difícil, o que vem reforçar a minha inclinação pelo princípio da proposta em discussão.
O seguro social obrigatório dos rurais, entre nós, começando pelos residuais do seguro privado, será uma forma de se tentar a sua protecção progressivamente com vista a no futuro poderem ficar todos cobertos pelas mesmas instituições.
Sendo as Casas do Povo instituições de previdência, talvez que estas, articuladas pelas suas federações às caixas regionais de previdência, pudessem desempenhar-se dessa missão.
Dado que o distrito de Beja é dos que estão em melhor posição em Casas do Povo, como se prova com os mapas que junto, seria interessante que fosse o escolhido para uma experiência-piloto devidamente ajudada pelo Fundo Nacional do Abono de Família.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Quanto à economia da proposta, o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social explicou, com notável mestria, às comissões desta Assembleia incumbidas do seu estudo, procedendo a cálculos demonstrativos de ter havido a preocupação de a mesma não comportar encargos de maior.
Contou-se com uma compensação resultante do aumento do volume de segurados e a diminuição de sinistralidade por efeitos das medidas de prevenção.
Em síntese, direi que a proposta de lei tem o acento tónico na justiça social, o acento circunflexo no seguro privado e o acento grave no seguro social obrigatório, tendo a minha inteira aprovação na generalidade.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Vasques: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: As modernas exigências do direito social impõem, com total oportunidade, a presente proposta de lei. Nada haverá que discutir neste aspecto, ou, se houvera que discutir, seria para ponderarmos se, com mais este passo, iríamos, finalmente, entrar na plenitude dos conceitos que orientam esta matéria nos tempos de hoje; isto é, se iríamos, mesmo, colocar-nos ao lado dos países mais evoluídos, desses que, neste campo das questões sociais, nos devem servir de exemplo, até pelo contacto na ordem internacional que com eles temos de manter.
Parece que ainda não entrámos, totalmente, nesse círculo. Com mais este passo ficaremos rentinhos à porta, reconhecendo que, se assim é, resultará tal dos condicionalismos do regime misto que entre nós vigora e que não é fácil substituir de repente. Na verdade, a inclusão dos sinistros do trabalho no seguro social tem cada vez maior aceitação. Iremos ficar em transição, em ponte, mas louvaremos o esforço que se evidencia com este passo em frente, que em muito vem melhorar e enriquecer a nossa justiça social. E louvando o esforço do Ministério das Corporações, que trouxe a esta Assembleia uma lei em cuja discussão a mesma se dignifica e honra, louvamos a prudência exemplaríssima do Ministro que a subscreve e louvamos o próprio acto que levou a proposta a estudo da Câmara Corporativa para parecer subsequente e, a trouxe, depois,- até esta Câmara. Com isto - e poderia não ter sido assim - o Ministro Gonçalves de Proença deu provas da sua esclarecida inteligência e de tacto verdadeiramente inexcedível.
Creio, Sr. Presidente, que com o pouco que já disse me sinto identificado com o teor da proposta de lei.
Quero, porém, apreciar alguns pontos concretos, mas poucos, aqueles, precisamente, que mais tocam a minha formação profissional, e isto, sobretudo, porque sei das poucas disponibilidades de tempo desta Assembleia e das dificuldades de horas com que V. Ex.ª, Sr. Presidente, estará a lutar. Mas antes de entrar nesses pontos devo ainda fazer mais algumas afirmações tendentes a justificar a minha aceitação por aquilo a que já chamei de "mais um passo em frente" na nossa política social.
Parece provado que a integração económica europeia trará implicações sociais em Portugal, pois à integração não poderemos nem devemos fugir, seja como for que, ao fim e ao cabo, tudo venha a processar-se: ou com a E. F. T. A., onde de há anos vimos a colaborar, ou com a C. C. E., como também se pode prever para o futuro, adentro da unificação económica da Europa.
Evidentemente que os movimentos se realizam, teoricamente, apenas no plano económico, mas, entre outros,

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as suas consequências podem ter reflexos no domínio social. E nestes são vários os aspectos a considerar, como sejam problemas de emprego e de salários, habitação, educação, saúde, estruturas sociais, etc.
Não é próprio o momento nem o tempo de que dispomos para fazer apreciações sobre estes aspectos, mas não deixaremos de focar, em pequeno apontamento, o que interessaria à lei em discussão
Aliás, de autor autorizado citarei, de trabalho recente, publicado na importante revista Análise Social, e seguinte há a mencionar que a integração económica
contribui também, directa ou indirectamente para transformações importantes no plano sociológico e político. As exigências impostas pelas obrigações assumidas e os exemplos colhidos no maior contacto com outros países europeus podem conduz nomeadamente à revogação de leis desactualizações modelação de instituições e organizações anacrónicas, à adopção, com base em exemplos e pressões externas, de medidas para facilitar o progresso social e económico e o aperfeiçoamento da organização administrativa, na linha, aliás, do que já tem vindo a acontecer até neste ponto em resultado da participação do nosso país na O. E C E e na O. C D E, à difusão de ideias, hábitos e aspirações de outros países europeus, com risco até do aparecimento de tensões sociais internas, à diminuição da influência de pequenos grupos de pressão na organização da vida económica e social do País, à difusão de uma mentalidade mais própria à realização de empreendimentos produtivos.

E o mesmo autor diz, um pouco mais adiante e a propósito da eventual relevância da política social da C. E E para o caso português e em conclusão a este capítulo «Com toda esta descrição fica demonstrado o interesse que haverá em examinar a política social na C. E E como meio de avaliar quais poderão ser as implicações sociais directas da eventual participação do nosso país em novas tentativas para unificação económica europeia», acrescentando, depois, que «há a considerar designadamente, conforme determinações expressas do Tratado de Roma
a) A colaboração entre as administrações nacionais no domínio social nas questões relativas ao direito ao trabalho e às condições de trabalho, ao emprego, à segurança social, à formação e ao aperfeiçoamento profissionais, à protecção contra os acidentes e doenças profissionais, à higiene do trabalho e ao direito sindical e às negociações colectivas entre patrões e trabalhadores»
E para não me alongar neste aspecto, não continuarei outras citações de muito interesse.
Evidentemente que consideramos de excessivamente ambiciosas muitas das medidas preconizadas para a unidade do seio do Mercado Comum, pois as condições de desenvolvimento económico e social, actuais no nosso país, não as podem permitir. Para essas teremos de aceitar o aforismo «Devagar se vai ao longe» e quando houver boa vontade sempre se há-de chegar.
Mas algumas há, no entanto, que já estão a ser encaradas ou que já o foram ou que o podem ser. E assim, as que dizem respeito a todo o problema da medicina do trabalho estão neste caso, considera esta naquele amplo conceito adoptado na reunião de Genebra, de Março de 1957, por um comité misto de peritos da O I T e da O M S.
A medicina do trabalho tem como finalidade fomentar e manter o mais elevado nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores em todas as profissões, prevenir todo o dano causado à saúde destes pelas condições do seu trabalho, protegê-los no seu emprego contra os riscos resultantes da presença de agentes nocivos para a sua saúde, colocar e manter o trabalhador num emprego que convenha às suas aptidões fisiológicas e, em suma, adaptar o trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho

Na verdade, Sr Presidente, o problema da medicina do trabalho, ainda tão ignorado pelas gentes do nosso país, tem relevância extraordinária nesta lei que estamos a apreciar, e tanta relevância lhe reconhecemos que não vemos que a lei possa ser amanhã qualquer coisa da grande, em sua aplicação, na nossa política social, se lhe faltar, como base segura e firme, uma regulamentação adequadíssima de todos os problemas que interessam aquele amplo conceito da medicina do trabalho.
Impõe-se abrir, decisivamente, a nossa indústria aos problemas médicos do trabalho e impõe-se também educá-la em todos os escalões no que respeita a esses problemas.
Na nossa legislação há um decreto que urge ampliar em sua acção para poder satisfazer uma parte importante destes desígnios, de forma a atingir toda a indústria nacional, refiro-me ao Decreto n.º 44 537, que regula a organização dos serviços médicos do trabalho para a prevenção da silicose referida no Decreto-Lei n º 44 308.
Só com a ampliação deste decreto, aliada a uma estruturação e acção convenientes de outros órgãos já criados, poderemos atingir uma verdadeira organização médica do trabalho. E se peço essa ampliação é porque nele se contém um dos princípios mais elementares desta organização, a qual satisfaz as exigências de ordem internacional, aceites pelos mais responsáveis países da OIT, refiro-me à instituição entre nós de médicos do trabalho.
Sei, Sr. Presidente, da dificuldade extrema de fazer frente à ignorância da rotina laboral, pois a frente é compacta e terá a ignorância, ainda muito generalizada, das duas forças que a compõem a dirigente e a dirigida
E se é difícil ao médico da empresa - ao especialista da medicina do trabalho- convencer o ignorante que é inculto, mais difícil será às vezes convencer o ignorante que é cultivado em alguns ramos da ciência ou da técnica, mas desconhece o alto significado do médico do trabalho na sua projecção junto do trabalhador e no seio da fábrica.
Ele será um trabalhador devotado na observação diária do operário, não apenas no seu gabinete de trabalho, mas, sobretudo, junto à mesa de trabalho deste, para o conhecer psicologicamente, para saber dos riscos a que ele estará submetido, para conhecer do que fará falta modificar, sobretudo no ambiente de trabalho, quando este se revelar prejudicial - e pode sê-lo em inúmeros aspectos, depois, junto da direcção da empresa, lá estará o médico do trabalho a esclarecer e a aconselhar. É quase trabalho de missão e a sua influência tem de ser decisiva também aí na gestão da empresa.
Será, Sr. Presidente, trabalho árduo o dos pioneiros que já estão a realizar a missão - ou que a irão realizar em maior escala após a regulamentação da lei Será árduo, esgotante e heróico -sê-lo-á com certeza-, mas será decisivo no abaixamento desses números astronómicos, arrepiantes, de milhões de acidentes, de milhares de mortes, de centenas de milhares de contos perdidos, números já aqui citados na discussão da presente proposta de lei, nomeadamente pelo nosso distinto colega

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Dr. Santos Bessa, alguns coligidos por S. Ex.ª, outros citados de trabalho notável do nosso também muito distinto colega Dr. Veiga de Macedo.
Citarei dois casos significativos:
O Prof. Simonin indica o caso de uma fábrica de têxteis, onde durante o primeiro ano de serviço de um médico de trabalho a tempo completo as taxas de frequência e de gravidade desses acidentes diminuíram de 50 por cento.
Nas fábricas Citroen, a organização metódica da prevenção fez baixar de 15,25 para 5,8 a frequência de acidentes por cada 100 000 horas de trabalho.
Sr. Presidente: Pretendo não me alongar e procurarei resumir os pontos que desejo ainda tratar.
Acho que a proposta lucrou com o estudo que sofreu na Câmara Corporativa; a nova redacção que lhe foi dada pelo Sr. Ministro Gonçalves de Proença, que aceitou algumas indicações do parecer da Câmara Corporativa, acabou por fazer dela um documento notável, que estará na linha de outros saídos daquele- Ministério, caracterizados todos por uma permanente ânsia de evolução social prudente mas firme. As suas 50 bases abrangem toda a matéria que interessa ao assunto. O conceito de acidente de trabalho na base V saiu enriquecido, pois como médico habituado a trabalhar para sinistrados e em peritagem no Tribunal do Trabalho de Beja prefiro a expressão "no local e no tempo de trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho". Desaparece a preponderância do nexo de causalidade que o texto do parecer, exigia e que verdadeiramente não se compreendia em justiça do trabalho.
E porque falei de acidente de trabalho, quero já referir-me ao n.º 2 da base XXV, para lhe dar inteira concordância na ordem prática, pois devem ficar incluídas na lei em discussão as doenças resultantes directa e necessariamente de uma causa que actua continuamente em consequência da actividade exercida e que não são propriamente doenças profissionais. Este n.º 2 da base XXV acaba por considerá-las como acidente de trabalho.
Penso que ficaria melhor a sua classificação no grupo que algumas legislações estrangeiras chamam de "doenças do trabalho"; quer dizer: teríamos três grupos distintos, todos abrangidos pela lei:

a) Acidentes de trabalho;
b) Doenças profissionais;
c) Doenças do trabalho.

Mas isto será, chamemos-lhe assim, um critério de sistematização mais de ordem teórica, porque o que interessa na ordem prática é que também essas doenças fiquem ao abrigo da, lei, e este n.º 2 da base XXV estabelece essa garantia.
Quanto à constituição da comissão a que se refere o n.º 1 desta base XXV, penso que- a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais deve ser nela incluída, e aproveito esta oportunidade para realçar o trabalho extraordinário de profundidade e competência que esta Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais tem vindo a exercer, quer no campo específico dos seus fins, quer mesmo no alto trabalho de investigação médica que tem podido realizar, porque está a fazer adentro da ciência médica serviço de relevância, nomeadamente no campo de radiologia; e não poderemos esquecer as dificuldades grandes que terá encontrado para se estabelecer, partindo há tão pouco tempo do zero, e que continuará certamente a encontrar, especialmente no que se refere a falta de pessoal.
O funcionamento dessa Caixa Nacional está a ser uma certeza consoladora na confiança do legislador quanto aos fins a atingir e que tanta responsabilidade encerram.
Ainda quanto ao n.º 1 desta base XXV, desejo fazer o seguinte apontamento:
Na lista a organizar das doenças profissionais há um grupo de doenças que não poderá, de maneira alguma, ser esquecido; refiro-me a alergias de vários tipos, hoje tão conhecidas como resultantes de tantas actividades laborais. Cada vez mais se dá pelo seu incremento e em todo o mundo civilizado as legislações as acolhem e tratam. Aliás, temos como certo que os responsáveis pela regulamentação desta lei saberão conhecer o papel relevante deste tipo de doenças na actividade industrial, de forma a dar-lhe o lugar que hoje se lhes reconhece por toda a parte.
Em recente congresso internacional, o 5.º de alergologia, realizado em Outubro findo, em Madrid, havia um tema comum que tinha de ser tratado pelo representante oficial de cada país, o qual era "Factores etiológicos da asma brônquica".
E ali, naquele extraordinário congresso, que teve a assistência interessada de cerca de 1000 médicos de todo o Mundo, que foi montado e dirigido pelo eminente professor catedrático de Espanha Gimenez Dias, que viu as mais altas figuras da medicina contemporânea interessadas na apresentação de teses e na discussão dos assuntos, todos os representantes oficiais de cada país - e havia-os desde o Japão, passando por muitos países da Ásia, a quase totalidade dos da Europa, alguns da África, quase todos do continente americano - fizeram o relato da situação dos seus países quanto à incidência das doenças alérgicas nas suas várias formas e apontaram os factores etiológicos das mesmas.
E nem um só deixou de referir-se à importância da actividade laboral nesses aspectos etiológicos.
Se não fosse o receio das grandes citações, poderia deixar, com base neste congresso, um rol extraordinário de testemunhos das mais distinguidas personalidades médicas do Mundo, mas dispenso-me de o fazer, até porque o nosso ilustre colega Dr. Santos Bessa já pôde apresentar, na sua brilhante intervenção de 1 do corrente, números extremamente significativos quanto à incidência das alergias profissionais em alguns países e cita, até, os 62 por cento de acidentes alérgicos no total das baixas por doenças profissionais na nossa vizinha Espanha!
Em Portugal há uns cômputos muito vagos, mas tudo nos falha na apreciação das doenças alérgicas, porque não se lhes atribuiu ainda qualquer importância, pelo menos nos sectores mais responsáveis. E de tal forma assim é que, sendo a alergia uma especialidade reconhecida em todo o mundo civilizado com uma técnica especial no próprio acto médico, tão especializada como qualquer outra das diferentes especialidades médicas oficialmente reconhecidas, até pelo material técnico que exige ao clínico, aqui, em Portugal, pensa-se de forma diferente! Não faz falta a especialidade, como não fazem falta os estudos importantíssimos de investigação nas diferentes formas de alergias, nos diferentes locais, nas diferentes regiões do País! Mas a culpa, sabemo-la bem, não é inteiramente do Governo da Nação, nem da Sociedade Portuguesa de Alergia, que muito se tem esforçado, sem quaisquer resultados, pela necessidade de ver o nosso país alinhar, neste campo das doenças alérgicas, com os outros mais evoluídos.
Não deixaremos de fazer um apontamento, ainda que sucinto - que tem tanto de sucinto como de importante tem o assunto tratado -, quanto à aceitação, por parte do Governo, da notável sugestão da Câmara Corporativa na organização de um seguro social obrigatório para os

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trabalhadores do campo, atendendo a que «a protecção devida aos trabalhadores rurais deverá concretizar-se por forma a não onerar excessivamente a economia agrícola, impondo-lhe encargos superiores aos suportados pelos países que graças a melhores características do meio físico e maior progresso técnico, tiram da terra mais rendimento»
E o Sr. Ministro das Corporações, aceitando a sugestão, criou o n º 2 da base XLIII.
Não posso deixar de louvar este n º 2, pois, para além do significado prático que ficará a encerrar, vejo nele a clareira aberta para a integração futura do trabalhador rural no âmbito da previdência social.
Considero, pois, esta uma das grandes bases da presente proposta de lei.
Sr. Presidente: Não quero abusar do tempo nem da paciência de V. Exa. e procurarei ser mais resumido nos poucos pontos que desejo ainda tratar.
Quero congratular-me com a inclusão na lei do conceito de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, dado que este conceito tem extraordinário interesse em várias situações, mas para o trabalhador rural é enorme o alcance que atinge. E quero ainda congratular-me pela base VIII, que trata da predisposição patológica, preferindo a redacção do texto da proposta que aceita que a predisposição patológica da vítima não exclui o direito a reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença. Assim, para além de outras razões que os técnicos na matéria bem conhecem, afastam-se as discussões e as chicanas entre o que poderia ou não ser fundamental, se este termo figurasse na lei.
E há, depois, todo um conjunto de problemas contidos nas restantes bases que não apreciei que bem valeriam algumas palavras, nomeadamente aqueles que encerram aspectos médicos os da reparação em especial (base IX), assistência médica (base XI), hospitalização (base XII), carteira de sanidade (base XXXI) e princípios sobre prevenção (base XLVI). São todos assuntos de muita importância e que exigem os maiores cuidados na regulamentação da lei, que, esperamos, não se faça demorar. Mas tal como se indica no n º 3 da base XXXI, quanto à colaboração dos dois Ministérios - o das Corporações e Previdência Social e o da Saúde e Assistência - para o caso da carteira de sanidade, confiamos que em todos estes assuntos que interessam, de forma muita específica, a este último Ministério ele será chamado e ouvido através dos seus diferentes órgãos, de que um dos mais destacados nestes problemas do trabalho com implicações médicas será a Direcção-Geral de Saúde.
E que a Ordem dos Médicos nunca seja esquecida para os problemas específicos dos médicos ligados à lei que ora se discute.
Apreciados estes aspectos de ordem médica, não quero deixar sem uma referência alguns dos que se contêm na base XVI.
Na legislação vigente - Decreto n.º 5637 artigo 10 º - fala-se das incapacidades de trabalho resultantes de acidente e diz-se que na incapacidade permanente absoluta o sinistrado tem direito a uma pensão igual a dois terços do salário, ordenado ou remuneração anual. Era esta uma disposição que verdadeiramente ninguém compreendia, até porque, à medida que se veio aceitando, durante os anos, que os acidentes de trabalho, em face dos números astronómicos e sua tradução económica e moral, eram verdadeira calamidade nacional, criava-se nos espíritos esclarecidos - esta proposta de lei o demonstra- a ideia de que já não parecia de aceitar o princípio de que contra semelhante flagelo fosse suficiente compensar os sinistrados apenas com a assistência médica, farmacêutica e subsídios.
E, no entanto, os tais dois terços não eram a verdade dos subsídios. Era, francamente, um subsídio mentiroso, e talvez poucas pessoas, para além dos médicos que com os sinistrados têm contactos vários, conhecessem a revolta, ainda que silenciosa, dessa mentira!
O primeiro projecto de proposta do Ministro Gonçalves de Proença repunha as coisas no seu devido lugar.

Na incapacidade permanente absoluta para todo o qualquer trabalho, uma pensão vitalícia igual à retribuição-base.

A Câmara Corporativa, apiedando as disposições do projecto, declara que elas «são inspiradas por elevado espírito social, que se manifesta quer pela diminuição do número de situações que isentam ou excluem da responsabilidade, quer pela concessão de mais amplos direitos nas prestações devidas ao acidente», e a propósito destes mais amplos direitos, entre os quais se contém o aumento da percentagem nas pensões devidas por incapacidade permanente, considera que «todos estes benefícios são em si mesmo desejáveis, na medida em que significam o aumenta do nível de segurança social dos trabalhadores», mas acrescenta-se no parecer da Câmara Corporativa que «convém, todavia, ponderar o reflexo económico que terão».
E apenas por este aspecto económico não dará - assim concluo - aceitação à pensão vitalícia igual à retribuição-base, reduzindo-a um pouco, mas deixando-a, no entanto, muito superior aos dois terços da lei vigente, fixou essa pensão em 80 por cento da retribuição-base, acrescida de 10 por cento desta retribuição-
base por cada familiar em situação equiparada à que legalmente confere o direito a abono de família, até ao limite de 100 por cento daquela retribuição-base.
O Sr. Ministro das Corporações, em sua proposta definitiva, aceitou esta indicação do parecer.
Por nós, e apesar de podermos concluir que na maioria das vezes a pensão atingirá os 100 por cento, preferíamos ver na lei aprovada a redacção que se contém na alínea a) do nº l da base XV do texto do projecto de proposta «pensão vitalícia igual à retribuição-base». Assim, cremo-lo, a verdade era mais completa e não seria necessário andar-se depois à procura de situações equiparadas às que legalmente conferem direito a abono de família, o que por vezes será incómodo, aborrecido, fará perder tempo precioso, aumentará burocracia e dará muito mais trabalho aos tribunais, já assoberbados por falta de pessoal e excesso de papéis.
Quanto aos benefícios ligados aos restantes aumentos de percentagem, nomeadamente nos casos de morte, só tenho que louvar o espírito social que encerram e o mesmo direi sobre tudo o que no texto da proposta se contém e que traduz «o aumento do nível de segurança social dos trabalhadores», conforme a expressão do parecer da Câmara Corporativa.
No entanto, pela exposição brilhantíssima que tivemos oportunidade de ouvir do Sr Ministro das Corporações, em sessão de trabalho das comissões reunidas, ficámos com a quase certeza de que o reflexo económico de todas as alterações que a presente proposta prevê, relativamente à lei vigente, é bastante reduzido e não traz o agravamento que poderia subentender-se do magnífico estudo da Câmara Corporativa.
Ainda que não fosse assim, teríamos que defender o alto critério social da proposta de lei, porque ele vem de encontro ao que pensamos e desejamos, mas, com esta garantia, mais se vinca no nosso espírito a bondade da lei e a sua necessidade para a defesa de todos os prejuízos de que é susceptível a actividade laboral.

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Sr. Presidente: Em 1881, na Alemanha, a 17 de Novembro - já lá vai quase um século -, a mensagem imperial que anunciou a série das leis de seguros chamou a responsabilidade do Estado para uma intervenção mais decidida e disse que «encontrar as vias e os melhores meios para socorrer as classes laboriosas é tarefa difícil mas é das mais importantes duma comunidade com bases morais do cristianismo».
Nós, Sr Presidentes somos verdadeiramente uma comunidade com bases morais no cristianismo, e isto mesmo temos podido demonstrar ao Mundo, através dos séculos, estará aí, sem dúvida, um dos nossos maiores pontos de honra e de glória, até porque não nos limitamos a ser essa comunidade, fomos mais longe, rompemos o Mundo e juntámos outros à nossa comunidade cristã, ou, quando os não juntámos, demos-lhes as bases morais que se contêm no cristianismo. E não será exagero se dissermos que o Mundo de hoje nos deve, de forma especial e em grande escala, as suas comunidades cristãs.
Pois que nós, na nossa comunidade bem firme n'Aquele que ressuscitou, em domingo de Páscoa, há cerca de 2000 anos e que continua vivo por todos os lugares da nossa terra portuguesa, que nós saibamos encontrar as vias e os melhores meios para socorrei as classes laboriosas! Até porque conhecemos essas vias em todos os seus pormenores, vias que eram tão ignoradas em 1881.
Mas que as encontremos para as aplicar, que não sejam letra morta nos arquivos da nossa legislação, que sejam força actuante, para que cada vez mais, a nossa comunidade cristã se enriqueça.
E não esqueçamos que neste caso particular da actividade laboral o Bureau International du Travail emitiu o princípio de que, se a guerra é um atentado contra a civilização, parece não o ser menos a má organização do trabalho. E isto, que parece uma exorbitância, encontra eco na seguinte afirmação do Prof Simonm. «As perdas ocasionadas pela batalha industrial são muito elevadas. Elas não impressionam porque se distribuem por todo o ano e se repartem por todo o território»
Na verdade, se pudermos comparar números da batalha industrial com outros das grandes batalhas das guerras, ficaremos estarrecidos, e eles existem e são fornecidos pelo B I T e mostram características verdadeiramente estonteantes.
Durante a grande guerra de 1939, as perdas das forças armadas inglesas, com excepção da marinha mercante, foram de 10 667 pessoas por mês, contra 22 109 nas industrias, e as perdas dos exércitos dos Estados Unidos foram de 24 896, também por mês, contra 160 747 nas indústrias.
Incluem-se neste números os mortos, os feudos, os desaparecidos e os prisioneiros.
Não poderá contestar-se que os ferimentos devidos à guerra serão mais graves, mas a verdade é que a grande guerra de 1939 acabou e, na paz, continuam os acidentes industriais.
Terminarei, Sr Presidente, apelando para todos os que de qualquer forma venham a ter intervenção na aplicação que se fará, junto do trabalhador, da lei que for aprovada por esta Câmara, no sentido de o fazerem em dedicação e entusiasmo.
Por mim, tenho a certeza de que me honro na apreciação, aliás insignificante e sem valor, que lhe fiz e no voto que lhe dou na generalidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente. Os altos intuitos de justiça e solidariedade social que inspiraram o ilustre Ministro das Corporações ao apresentar o projecto de lei em discussão não podem, segundo creio, deixar de merecer a esta Assembleia o mais sincero louvor e agradecimento.
A reparação condigna dos prejuízos sofridos pelos trabalhadores no exercício do seu trabalho tem de merecer ao Estado a mais escrupulosa atenção.
Na expressão memorável de Lacordaire, «entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e é a lei que liberta».
Daí ser o legislador forçado a intervir, para manter o justo equilíbrio entre os dois interesses em presença.
Mas essa intervenção tem também de ser cautelosa, para que, como tantas vezes sucede quando se quer igualar os dois pratos de uma balança, não se deite tanto peso que desça de mais o prato que estava mais alto e suba demasiado o que estava mais baixo.
Na apreciação geral que procurarei fazer do projecto de lei em discussão, esforçar-me-ei justamente por defender aquilo que se me afigura constitui a linha justa de conciliação.
Antes, porém, de entrar nessa apreciação, desejo enaltecer particularmente a atitude da Sr Ministro das Corporações, que, em lugar de enviar directamente a sua proposta de lei a esta Assembleia Nacional, não só a sujeitou previamente ao exame da Câmara Corporativa, como teve a i ara honestidade intelectual de logo rever a sua posição, aceitando em grande parte as críticas e sugestões do parecer, mesmo sob alguns aspectos que podem considerar-se decisivos
Ponho em destaque esta atitude, porque os pareceres da Câmara Corporativa constituem, na sua grande generalidade, estudos notáveis que esgotam a matéria, e que nem sempre terão obtido aquela receptividade a que teriam jus quer por parte dos autores das propostas de lei quer, porventura, algumas vezes, mesmo por parte da nossa Assembleia Nacional.
Ao terminar uma legislatura, creio sei de elementar justiça prestar esta homenagem à Câmara Corporativa.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Iniciando a minha apreciação sobre os princípios legais e a economia geral da proposta em discussão, referir-me-ei, logicamente, em primeira lugar à própria noção de acidente de trabalho.
No projecto inicial da proposta bastava, para ser considerado como acidente de trabalho o evento ocasionador da lesão ter ocorrido no local ou tempo do trabalho.
Objectou, e muito bem, o parecer da Câmara Corporativa que esta noção era insuficiente, sendo indispensável acrescentar-lhe o nexo de causalidade.
Com efeito, e como já afirmou a Procuradoria foral da República num seu parecer de 30 do Setembro de 1958 (O Direito, n.º 91, fl 71).

No local e durante o tempo do trabalho pode, no entanto, o trabalhador morrer de morte natural ou manifestar-se doença por causa que nenhuma relação tenha com o trabalho, sem que o facto deva classificai-se como acidente de trabalho.

A este respeito é particularmente interessante a lição que se colhe no Tratado de Borsi e Pergolesi (vol 3 º, nº 193), no sentido de que, quando ocorre um acidente de trabalho, podem estabelecer-se três elementos de conexão o do tempo, ou cronológico, o do lugar, ou topográfico, e o do nexo de causalidade, ou etnológico.

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E conclui-se pode o acidente ter-se verificado no tempo e lugar do trabalho, mas, se faltar o elemento etiológico, não se está em face de um acidente de trabalho.
O evento coincidiu com o trabalho - eis tudo. Mas não é um acidente de trabalho.
Decerto reconhecendo a procedência destas razões, a proposta em discussão, na sua base V, aparece modificada, dizendo que se considera acidente de trabalho o evento infortunístico que se verifique no local ou no rompo de trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho.
O facto de o evento ter ocorrido no local ou no tempo do trabalho constitui, pois tanto, uma presunção de que se trata de um acidente de trabalho.
Mas a entidade patronal pode [...] essa presunção, demonstrando não existir um nexo de causalidade.
Com este temperamento, julgo inteiramente aceitável a noção de acidente de trabalho que a proposta de lei nos fornece.
É evidente, porém, que nem todos os desastres compreendidos nesta base da proposta podem dar direito a reparação, basta, por exemplo, pensar nos acidentes que fossem provocados voluntariamente pelo próprio sinistrado.
Surge assim a necessidade de descaracterizar, como acidentes de trabalho determinados eventos que de outro modo dariam direito a reparação.
Para melhor esclarecimento da matéria, creio vantajoso referir certas elementaridades jurídicas que podem não ocorrer a quem se dedica a outras actividades.
Assim, convém ter presente que, segundo a grande maioria da doutrina e da jurisprudência, o princípio geral que informa o nosso Código Civil é o de que só existe obrigação de indemnizar um dano que se causa quando o causador agiu com culpa.
Em matéria de viação, porém, o legislador já seguiu um sistema diferente pois o dono do veículo é obrigado a indemnizar não só as pessoas que são afligidas por culpa do condutor, mas também mesmo quando este não teve culpa no desastre.
Para não ter de pagar os danos, o dono do carro tem de provar que o acidente ocorreu por culpa da vítima ou de terceiros, ou ainda por caso de força maior estranho ao funcionamento do veículo.
É a chamada responsabilidade objectiva. O causador responde mesmo sem culpa. Mas exonera-se provando a culpa da vítima.
Pois em matéria de desastres no trabalho, o legislador foi ainda mais longe, a entidade patronal tem de satisfazer os prejuízos mesmo sem culpa sua, e tem de satisfazê-los também mesmo que o acidente tenha acorrido por culpa da vítima, só se exonera provando que houve dolo ou essa culpa for grave e indesculpável.
Por aqui se vê como é ampla a protecção do trabalhador.
Tudo isto vem para dizer que no projecto inicial a entidade patronal ainda respondia, mesmo quando o acidente fosse devido a caso de força maior, para cuja verificação o trabalho em nada tivesse contribuído.
Era manifestamente excessivo.
Só há, pois, que aplaudir a proposta definitiva, donde tal disposição desapareceu, de acordo com o voto da Câmara Corporativa.
Quanto às entidades que são responsável pelo pagamento dos encargos derivados da nova lei, é de lembrar que o artigo 6º da Lei n.º 1942 responsabiliza expressamente ora as entidades patronais que utilizam o trabalho, ora os empreiteiros ou subempreiteiros, quando o trabalho é prestado sob esse regime.
Da nova lei não consta preceito semelhante.
É evidente, porém, que o legislador não pode ter tido o propósito de dispor coisa diferente decerto não o disse, porque o mesmo resulta dos termos do n.º 2 da base II, onde são considerados trabalhadores os que estão ligados a outrem por um contrato de trabalho ou legalmente equiparado.
Ora, no caso da empreitada ou subempreitada, é incontestável que o trabalhador está ligado ao empreiteiro e não ao patrão, ou ao subempreiteiro, e não a nenhum dos outros dois.
Mas creio ser conveniente que tal afirmação se faça de forma explícita durante a elaboração desta lei, para que amanhã, ante a supressão do artigo 6 º da Lei n º 1042, o intérprete desprevenido não possa ser induzido em erro quanto à intenção do legislador.
Pela ordem natural das considerações que vou fazendo, competir-me-ia agora aludir à parte fundamental da nova lei, isto é, aquela em que largamente se incrementam os benefícios concedidos, quer seja pelo substancial aumento das pensões, quer pela ampliação do quadro dos benefícios.
Deixarei, porém, essa matéria para o final da minha intervenção, pelos comentários mais desenvolvidos que ela me suscita, e para, assim, não perder o fio concatenador com que estou procurando bordar estas considerações.
Aludirei, sim, a uma lacuna importante que se verifica a propósito da revisão das pensões.
Com efeito, diz-se na base XXII que essa revisão é facultada de modo a permitir o aumento, redução ou extinção das pensões quando ocorra qualquer modificação na capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença.
Insisto da lesão ou doença.
Ora, pela base IX da proposta, como pelo artigo 20 º da Lei n º 1942, as entidades patronais são obrigadas a fornecer, e a renovar, aos sinistrados, os aparelhos de prótese e ortopedia necessários para seu uso.
Ë evidente que tais aparelhos podem melhorar notavelmente a capacidade funcional do sinistrado.
Contudo, como não envolvem uma alteração anatómica da lesão ou doença, que persiste a mesma, não existe, à face da proposta de lei, o direito de requerer a revisão da pensão.
No caso da perda de dentes ou perfuração da abóbada palatina, a tabela nacional já permite que na fixação do grau de incapacidade os peritos atendam aos benefícios resultantes da prótese.
Mas não, por exemplo, no caso das pernas ou braços articulados.
Entendo que é de elementar justiça preencher esta lacuna, permitindo que se requeira a revisão da pensão também com base na melhoria da capacidade funcional do sinistrado em virtude da aplicação dos aparelhos de prótese ou ortopedia, cuja perfeição e eficiência são actualmente notáveis, como é sabido.
Ao procurar determinar qual a remuneração-base do trabalhador que deverá ser adoptada para o cálculo das indemnizações ou pensões devidas pelas pneumoconioses, afigura-se-me que a proposta contém uma manifesta obscuridade quando manda atender indiferentemente ou ao salário recebido pelo doente no ano anterior à cessação da exposição ao risco ou ao salário recebido no ano anterior à data do diagnóstico inequívoco da doença.
Se se considerar que na prática dos tribunais esses dois momentos às vezes se situam com vinte anos de distância e nesses vinte anos o nível dos salários se alterou profun-

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damente - forçoso é concluir que não pode impor-se ao julgador, perplexo, a obrigação de optar por uma solução ou por outra, sem que a lei para tanto lhe forneça o indispensável critério orientador.
Porque falei em pneumoconiose, vem a propósito aludir a um dos pontos mais importantes da proposta, e acerca do qual, excepcionalmente, o seu ilustre autor não se conformou com o voto divergente do parecer da Câmara Corporativa, pois se limitou a retocar um pouco a redacção que apresentara no seu projecto inicial.
Refiro-me à candente questão das doenças profissionais.
É sabido que, pelo sistema da Lei n º 1942, só são consideradas doenças profissionais aquelas que constam de uma lista taxativa fixada na própria lei.
E só pode beneficiar das indemnizações ou pensões correspondentes quem prove ter trabalhado numa das profissões enumeradas, também taxativamente, como sendo aquelas cujo exercício é susceptível de produzir a doença em questão.
Quer dizer o trabalhador tem de provar duas coisas, mas só duas que trabalhou numa das profissões constantes do quadro, que é portador da doença profissional correspondente.
Isto demonstrado, o trabalhador não tem de provar nenhum nexo de causalidade entre o exercício da profissão e a doença esse nexo resulta da própria lei.
O sistema da proposta que estamos discutindo distingue-se profundamente do vigente por um lado, mantém a enumeração taxativa das doenças profissionais, mas elimina o tal quadro, igualmente taxativo, das profissões que dão origem a essas doenças Em vez disso, contenta-se com uma noção bastante mais vaga e flutuante ter estado o trabalhador exposto ao respectivo risco pela natureza da industria, actividade ou ambiente do trabalho habitual.
Mas esta, conquanto importante, não é a diferença mais notável entre a proposta e a lei actual.
A maior inovação está no facto de essa proposta, depois de ter estabelecido uma categoria taxativa de doenças profissionais, incluir quaisquer outras doenças, desde que resultantes directa e necessariamente da actividade exercida, igualmente sob a protecção da lei, mas então a titulo de acidente de trabalho.
Contra esta solução, afirmou-se o parecer da Câmara Corporativa, fazendo ver que as noções de acidente de trabalho e doença profissional são absolutamente distintas, e que, se formos a facultar indirectamente uma ampliação da lista das doenças, amanhã poderão ser inculcadas como acidentes de trabalho simples afecções vulgares, que surgem ao fim de muitos anos de actividade, em consequência do normal desgaste do organismo.
Em vista do que a Câmara Corporativa propôs, pura e simplesmente, a eliminação da base III do projecto inicial, correspondente ao actual n.º 2 da base XXV.
Concordamos inteiramente com este parecer.
Não que desconheçamos a assimilação que alguns pretendem estabelecer entre doença profissional e acidente de trabalho, a ponto de, por exemplo, Miguel Márquez, no seu Tratado Elementar de Direito do Trabalho (que já vai na 8º edição), afirmar que não há nenhuma vantagem, nem técnica nem prática, em manter qualquer distinção entre acidente e doença profissional (fl 828).
Discordamos de tal opinião e julgamo-nos dispensados de apresentar as razões dessa discordância, uma vez que em Portugal a distinção entre acidente e doença profissional tem de manter-se quando não seja por outro motivo, pela simples razão de a reparação final dos encargos dos acidente e das doenças profissionais estar prevista para instituições igualmente distintas as companhias seguradoras privadas e a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
Assente que a distinção entre acidentes de trabalho e doenças profissionais tem de subsistir, parece-nos inaceitável que na proposta em discussão se afirme que certas doenças não constantes da lista taxativa das doenças profissionais serão, quando resultantes do exercício da profissão, consideradas como acidentes de trabalho.
E de duas uma ou essas doenças são realmente a consequência moral e quase forçosa do exercício contínuo de uma determinada profissão - e então o remédio é incluí-las na lista taxativa das doenças profissionais (lista que não está integrada na futura lei, pelo que pode sempre facilmente ir sendo actualizada pelo Ministério das Corporações, sob parecer da comissão que para esse efeito é criada) - ou a tal doença não tem esse carácter de consequência quase necessária, e então é realmente um perigo entreabrir-se a porta para, num caso especialíssimo, podei passar certa doença, pois se estará seguro de que em breve tempo essa porta estará escancarada e não haverá nenhum trabalhador que adoeça ou morra sem ser em consequência do trabalho que exercia.
Note-se que, ao falar assim, não pretendo de modo nenhum deixar sem amparo o trabalhador que adoeça sem ser por doença profissional ou sem amparo os herdeiros se ele se finar de morte natural.
Para esses casos de doença, invalidez, velhice e morte é que nós votámos a Lei
n.º 2115, regulamentada pelo Decreto n.º 45 266, de 23 de Setembro de 1968.
O que é necessário é não confundir nem misturar o âmbito desses diplomas não atirar para as entidades patronais a responsabilidade que compete à previdência social, nem atirar para esta a responsabilidade que competir àquelas.
Em resumo não poderei concordar em que se classifique como acidente de trabalho aquilo que se aponta como uma doença profissional, digamos, atípica, como informam os médicos quando se encontram em dificuldade de diagnóstico.
E também não poderei votar sem reservas a possibilidade de fora da lista taxativa das doenças profissionais se incluírem outras doenças, sem ao menos se criar um limite à invasão que de outro modo não tardará em estabelecer-se.
Para terminar este capítulo das doenças profissionais apenas duas últimas notas.
Em França, para que uma silicose possa ser reconhecida como doença profissional, é indispensável que o seu portador tenha trabalhado num meio silicótico durante cinco anos ou mais. Se trabalhou menos tempo, o seu caso tem de ser apreciado pela comissão especial de três membros a que alude o decreto de 17 de Novembro de 1947.
Julgo ser da maior vantagem, para evitar abusos que com frequência se verificam, introduzir na nova lei uma disposição semelhante, podendo, inclusivamente, a comissão especial dos três médicos ser substituída pela comissão a que se alude no n.º l da base XXV.
O outro ponto é este consta da proposta que são responsáveis pela reparação da doença profissional, e na proporção do tempo do trabalho prestado a cada uma delas, as entidades patronais por conta de quem a vítima traba-

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lhou na mesma actividade durante certos prazos, que, na hipótese da silicose, podem chegar a dez anos.
Durante este lapso de tempo, é quase certo, para não dizer inevitável, que houve alteração sensível de salários.
E então ocorre perguntar na divisão da responsabilidade que se faz entre as entidades patronais, pro rata temporus, quid inde relativamente à diferença de salários?
O rateio faz-se por igual apenas em função do tempo que o doente trabalhou para as diversas entidades patronais, ou tem também que se atender, como parece justo, à diferença de salários pagos por essas entidades?
Não me proponho, pelo menos por ora, resolver a dificuldade.
Limito-me a levantá-la, o que é incontestavelmente mais fácil e mais cómodo.
O artigo 28º da Lei n.º 1942 estipula que, quando o salário declarado, para o efeito do prémio de seguro, for inferior ao auferido pelo sinistrado, a entidade patronal responde pela respectiva diferença e pela totalidade das despesas feitas pela entidade seguradora, nomeadamente as de hospitalização, assistência clínica e transportes».
Esta disposição não passou para a proposta de lei, nem a ela se refere o parecer da Câmara Corporativa.
Contudo, creio ser absolutamente imprescindível, pois é evidente que jamais um segurador pode responder senão pelos encargos que o segurado para ele transfere e com relação aos quais foi exclusivamente calculado o prémio.
Se antes esta disposição constava da lei, como matéria de direito substantivo que inegavelmente é, mais indispensável se torna agora no novo diploma, uma vez que neste se institui o seguro obrigatório e, portanto, o legislador não pode alhear-se da seriedade com que é celebrado um contrato por ele imposto.
E a este respeito, da seriedade do contrato, entendo ser do maior interesse relembrar que o ilustre Prof. Gonçalves de Proença, na conferência concedida à imprensa em Fevereiro último, aludiu à hipótese de procurar, no regulamento desta lei, «evitar as fraudes [estou reproduzindo], hoje ainda infelizmente vulgares, de a declaração de vencimentos não corresponder à realidade, prejudicando assim as entidades seguradoras (Caixa Nacional de Doenças Profissionais ou companhias particulares) no montante das contribuições recebidas».
Este problema é de tal magnitude que entendo não poder ser deixado para um simples diploma regulamentar, sem que ao menos o princípio básico fique constando da lei.
Com efeito, é sabido de todos que, na sua quase totalidade, o seguro contra acidentes de trabalho está organizado de forma que os salários, que servem de base para o cálculo dos prémios, só serão declarados pelos segurados aos seguradores «depois de corridos os riscos a que respeitam».
Portanto quem não for sério declara aquilo que quer. Se tem 100 operários ao serviço, e apenas 5 sofreram sinistros, pode declarar que teve apenas 10 ou 20 homens trabalhando. O que não é conveniente é manifestar menos do que 5, senão a companhia desconfia.
Torna-se, pois, indispensável fornecer aos seguradores - e agora que entre estes figura a das Doenças Profissionais talvez se consiga mais facilmente- a possibilidade prática de serem fiscalizadas as declarações de salários apresentadas pelos segurados.
Se não houvesse fraudes, o aumento de receita que se obtinha decerto teria permitido uma redução na taxa dos prémios.
Digo «teria permitido» porque estou a falar com base na Lei n.º 1942, e não à face dos novos encargos criados pela proposta de lei em discussão.
Na última base da nova lei diz-se que ela só entra em vigor com o decreto que a regulamentar.
Entendo que não basta isso.
É conveniente esclarecer a partir de que momento os eventos infortunísticos passam a estar sujeitos ao futuro diploma.
Relativamente aos acidentes de trabalho, não haverá dificuldade nesse esclarecimento, sendo, como é, pacífica a jurisprudência no sentido de que eles, e portanto os seus efeitos, são regulados pela lei em vigor ao tempo em que se verificaram.
Mas quanto às doenças profissionais?
Quais as que começam a ficar sujeitas ao novo diploma?
As manifestadas após a sua vigência?
Aquelas cujo diagnóstico diferencial só depois dessa vigência se realizou?
Aquelas cujos portadores só depois da entrada em vigor da nova lei deixaram de estar expostos ao risco silicótico?
Seguindo o mau exemplo de há pouco, levanto a dúvida, não cuido de resolvê-la.
Como anunciei, deixei para final o mais importante capítulo da proposta, ou seja o do notável empolamento dos benefícios que ela traz para os trabalhadores, quer pelo aumento do quantitativo das pensões, quer pelo alargamento do âmbito dos seus beneficiários.
No caso de morte, elevam-se as percentagens sobre o salário que determinam o montante da pensão e amplia-se o quadro dos beneficiários respectivos, no caso de incapacidade permanente absoluta, em vez da (pensão actual de dois terços, eleva-se essa pensão para 80 por cento, mas com acréscimos que praticamente perfarão quase sempre 100 por cento, na incapacidade permanente parcial e nas incapacidades temporárias mantém-se a mesma percentagem que está em vigor, o que não impedirá a elevação maciça dessas pensões e indemnizações, conforme já direi.
Além disto, a proposta traz encargos novos cujo alcance e incidência são por ora em parte imprevisíveis, ao estabelecer uma acumulação de pensões que até aqui não havia, ao regular por forma diferente os casos de predisposição patológica da vítima e de interferências entre o desastre e doenças anteriores, ao manter as pensões aos sinistrados e seus representantes que forem residir fora do País, ao elevar até 100 por cento o montante da pensão quando i vítima careça de assistência constante de terceira pessoa, ao aumentar o subsídio para as despesas com o funeral, ao criar uma categoria especial de incapacidade permanente absoluta, mas restrita ao trabalho habitual da vítima, ao obrigar ao pagamento, para o fundo de garantia de três vezes a retribuição anual do trabalhador falecido, quando este não deixe familiares com direito a pensão, etc.
Mas, acima de tudo, importa focar um dos mais importantes entre todos os encargos que resultam da nova lei, e acerca do qual no relatório que precede a proposta não há qualquer alusão especial, como também a não há no douto parecer da Câmara Corporativa.
Refiro-me à supressão do artigo 19 º da Lei n.º 1942 já alterado pelo Decreto-
- Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951, segundo o qual as pensões devidas nos casos de morte ou incapacidade permanente, e ainda as indemnizações nos casos de incapacidade temporária parcial, durante o período de readaptação ao trabalho, são calculadas tomando por base o salário percebido pela vítima até ao

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montante de 30$ diários, mas reduzindo-se esse salário a metade na parte excedente a 30$.
Basta pensar-se no enormíssimo número de trabalhadores cujos salários desde há anos ultrapassam, e em muito, aquele limite de 30$ diários para se poder ter uma ordem de grandeza do que representará, para o futuro, calcular as pensões e indemnizações respectivas sobre a totalidade desse excesso, e não apenas sobre 50 por cento como até aqui.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dizendo tudo isto, não pretendo de forma alguma manifestar-me em desacordo com as soluções fixadas na proposta de lei, ao ampliar por forma tão notável os benefícios concedidos aos trabalhadores vítimas de infortúnios de trabalho ou seus herdeiros.
Mais uma vez aplaudo os princípios humanitários e de justiça social aí fixados.
O que pretendo é abordar o problema, altamente melindroso, das repercussões financeiras e económicas da proposta em discussão, problema que preocupou a Câmara Corporativa, problema ao qual se alude no relatório que precede a proposta e ao qual aludiu também o ilustre Ministro das Corporações, quer na conferência de imprensa já atrás citada, quer na brilhante exposição que teve a gentileza de vir fazer perante as comissões da Assembleia Nacional, às quais especialmente competia o estudo da sua proposta.
Lamento, porém, profundamente, não poder compartilhar do optimismo de S. Exa. - talvez diga melhor dos seus serviços actuariais - quando afirma que todas as melhorias da nova lei podem alcançar-se com um aumento de prémios de seguro insignificante, ou seja qualquer coisa como correspondente a menos de 2 por mil dos salários, o que elevaria o prémio de 3,8 por cento para 3,99 por cento.
E ainda se invocam os benefícios que resultarão para os seguradores, por um lado, do grande aumento da carteira, determinado pela obrigatoriedade do seguro, e, por outro, da diminuição da sinistralidade, pelo esforço que será desenvolvido na prevenção dos sinistros laborais.
Vamos por partes.
Quer na sua conferência à imprensa, quer na exposição atrás aludida, o Sr. Ministro das Corporações, para calcular aproximadamente o acréscimo de encargos resultantes da nova lei, considerou exclusivamente os casos de morte e de incapacidade permanente absoluta.
Quanto a estes, o raciocínio foi, salvo erro, pouco mais ou menos assim pela Lei n.º 1942, o portador de uma incapacidade absoluta tem direito a dois terços do seu salário.
Como pela nova lei poderá ter direito a 100 por cento, ou seja três terços, isso equivale a dizer que o novo encargo lançado sobre as entidades patronais e seus seguradores é de mais 50 por cento.
E partindo do princípio de que a pensão anual média pelas incapacidades permanentes absolutas passará a ser de 11 000$, por o salário médio nacional ser também de 11 000$ anuais - conclui-se que o aumento de pensão é apenas de um terço desses 11 000$ (logo 3 666$70), visto os restantes dois terços já serem obrigatórios pela Lei n.º 1942.
Fazendo depois a conta à reserva média a que dá lugar este aumento de pensão
-68 516$- e multiplicando esta cifra pelo número de incapacidades absolutas, segundo as estatísticas italianas, chega-se à conclusão de que um aumento de prémio de 3,80 para 3,85 por cento bastará para fazer face a esta diferença de encargos.
Se foi realmente esta a argumentação, e se bem a compreendi -e confesso que não tomo a responsabilidade de uma coisa nem de outra, pois se trata de matéria actuarial um tanto hermética-, suponho que os actuários do Ministério das Corporações terão olvidado nas suas contas o tal artigo 19 º da Lei n.º 1942, devidamente actualizado, segundo o qual a pensão por incapacidade permanente absoluta (e, portanto, a reserva) não é calculada sobre a totalidade do salário senão até 30$ diários, sendo reduzida a metade quanto ao excedente.
Portanto, quando as contas do Ministério das Corporações são agora feitas (se é que o são), partindo-se do princípio de que actualmente a pensão por incapacidade absoluta é de dois terços do salário integral, e, portanto, basta acrescentar-lhe mais metade para se atingirem os três terços, essas contas pecam por grave defeito, por não terem tido presente que actualmente os dois terços não são calculados sobre o salário integral senão quando este não excede 30$ diários.
Logo, as companhias de seguros, em substituição das entidades patronais, para pagarem a nova pensão média anual de 11 000$ e constituírem a reserva respectiva, não terão apenas de desembolsar a terça parte, como lhes é anunciado, mas muitíssimo mais.
Penso que é assim, mas, se erro, que me seja desculpada a ignorância em atenção à minha boa fé.
Relativamente aos casos de morte, as contas do Ministério dos Corporações assentam na base de que as reservas matemáticas respectivas, correspondendo a um terço das referentes a incapacidades permanentes, devem orçar por 20 000 contos anuais.
E então, também socorrendo-se das estatísticas italianas e partindo do princípio de que o agravamento resultante da proposta será de 65 por cento relativamente ao regime da Lei n.º 1942, chega-se à conclusão de que, para fazer face a este novo encargo, bastará elevar os prémios de 0,14 por cento relativamente aos salários, o que transforma os 3,85 por cento, atrás mencionados, em 3,99 por cento.
Quanto a esta parte do cálculo de novos encargos, estimados em 65 por cento, ignoro se aqui já se levou em conta a tal redução das pensões a metade na parte excedente aos 30$ diários de salário.
Se não se levou, as contas estarão de novo profundamente erradas.
Se se levou, só me assalta o medo das previsões estatísticas que jogam com muitas variáveis assim, para estas contas darem certas, é indispensável que os trabalhadores-ano em Portugal continuem a orçar por l milhão, que o seu salário médio anual se mantenha em 11 000$, que a percentagem dos sinistros mortais seja efectivamente apenas de l para 1000 trabalhadores-ano, que o total dos salários anuais seguros ronde os 12 milhões de contos, que as reservas anuais de pensões se conservem em 80 000 contos, que as percentagens das mortes sobre as incapacidades permanentes seja realmente de um terço, que o acréscimo de encargos da nova lei corresponda de facto apenas a 65 por cento, etc.
Basta que um destes elementos se altere, sem ser harmònicamente com aqueles de que depende, para que toda a prevista estatística logo resulte falseada.
Ora, alguns desses elementos já variaram, o Ministério trabalhou com a verba de 11 911 000 contos de salários seguros, que era o número de 1962.

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Em 1963 já esse número se alterou para 13 266 000 contos.
Trabalhou com uma reserva anual, referente ao exercício, da ordem dos 80 000 contos.
Em 1963 já essa verba subiu para 92 000 contos.
Em 1964 não deve ser inferior a 120 000 contos (número obtido por extrapolação, com base no aumento efectivo de reservas realizado, que montou a 81 500 contos, sem incluir as companhias do ultramar).
Em que medida estas variações afectam os cálculos actuariais do Ministério ignoro-o, porque desconheço as alterações verificadas quanto aos restantes elementos.
Mas isto me basta, e visto que se trata de um assunto de reservas, para que eu faça também as minhas - aliás sem quebra de todo o respeito devido - quanto às previsões estatísticas que nos são apresentadas.
Mas nós não carecemos de nada disto para ter a certeza de que essas previsões estão muito longe de poder corresponder à realidade.
Efectivamente, como referi, os cálculos que nos são apresentados pelo Ministério das Corporações respeitam exclusivamente aos casos de morte e de incapacidade permanente absoluta, por se ter entendido que eram exclusivamente aqueles em que era relevante o aumento de encargos resultante da nova lei.
Ora, a verdade é que esse aumento de encargos é igualmente extraordinário no que respeita às incapacidades permanentes parciais, e mesmo nas temporárias, que foram totalmente excluídas das contas apresentadas.
É que decerto se esqueceu mais uma vez aquele preceito do artigo 19 º, que era fundamental na economia da Lei n.º 1942, segundo o qual, como repisadamente temos lembrado, as pensões e reservas correspondentes aos salários superiores a 30$ são reduzidas à metade.
Essa redução desapareceu completamente da nova lei, e assim não se compreende como o agravamento daí resultante não figura nos cálculos actuariais realizados.
Para que se possa ter uma ideia do que tal poderá representar, basta referir o seguinte inicialmente, pelo citado artigo 19.º da Lei n.º 1942, a determinação da pensão era feita sobre a base do salário Integral até 15$ diários, daí para cima havia a redução a metade.
Quando era Ministro das Corporações o ilustre Deputado Dr. Soares da Fonseca, publicou-se o Decreto-Lei n.º 38 539, que elevou de 15$ para 30$ este limite de salário. Quer dizer que a redução a metade passou a incidir apenas no excedente aos 30$, e não no excedente a 15$ como até aí.
Pois esta pequenina diferença de 7$50 deu como resultado que o saldo industrial, tal como deve ser contabilizado, de todas as companhias, que nos doze anos anteriores ao decreto foi, em média, de 25 por cento dos prémios, nos doze anos posteriores, também em média, baixou para 18,6 por cento.
Se a publicação do decreto-lei de 1951 se repercutiu desta forma no conjunto de todas as companhias, faça-se uma pequena ideia do que resultará do diploma agora em discussão.
Aludi ao saldo industrial das companhia seguradoras nos últimos 24 anos dizendo que me referia a esse saldo tal como ele deve ser contabilizado.
Efectivamente, os números que aparecem publicados no Boletim de Seguros são apresentadas segundo um critério que pode estabelecer confusão ou induzir em erro.
Ainda há dias, nesta Assembleia, o ilustre Deputado Dr. Alberto Meireles afirmou na sua brilhante intervenção, que o saldo industrial das companhias de seguros
fora em 1962 de 29,6 por cento, relativamente aos prémios líquidos cobrados.
E S Exa. acrescentou, talvez ironicamente, que não sabia, em face deste número, se em 1962 as companhias também teriam sofrido o seu inevitável prejuízo no ramo de acidentes de trabalho.
Convém esclarecer.
A indicação de que o saldo industrial em 1962 foi de 29,6 por cento é, efectivamente, a que aparece a p 65 do Boletim de Seguros n.º 68 (quadro n.º 56).
Mas essa indicação, salvo o devido respeito, não é exacta, ou, melhor, tem de ser completada com os dados constantes do quadro anterior, n.º 55, e com o mapa de fl 93.
Efectivamente, se examinarmos o quadro n º 56, a que exclusivamente atendeu o Sr. Deputado Alberto Meireles, verifica-se que a receita geral das companhias em 1962 foi de 478 833 contos, abrangendo já o montante dos prémios cobrados e o rendimento das reservas.
Quanto a estes números, nada há a objectar.
Mas já não é assim no tocante aos encargos.
De facto, quais são os encargos específicos que oneram as companhias de seguros na exploração do ramo de acidentes de trabalho? As indemnizações e despesas com as incapacidades temporárias, as pensões pagas por incapacidades permanentes e morte, as remições de pensão, o acréscimo de reservas a que houver lugar, e as comissões.
A verba de indemnizações e despesas por incapacidades temporárias está considerada no mapa n.º 56, onde figura por 203 744 contos.
Nada a opor.
Igualmente a verba de comissões, onde figura por 61 692 contos.
Nada a opor.
Quanto às reservas, já temos de rectificar a Inspecção de Seguros, em seu critério, inclui nestas contas o total das reservas que corresponderia às pensões criadas no exercício, quando o desembolso efectivo das companhias é menor, em virtude da libertação de certa percentagem dentro do grande volume de reservas anteriormente constituídas.
Portanto, em vez dos 79 228 contos considerados no quadro n.º 56, há que reter apenas 62 347 contos.
E quanto às pensões pagas no exercício por incapacidade permanente ou morte? E quanto ao montante das pensões remidas?
Por mais estranho que pareça, não encontrará o leitor o menor vestígio no mapa
n º 561.
Encontrará esses dados, sim, mas no mapa n º 55, onde se descreve o resultado do serviço de pensões, e pelo qual se verifica que as companhias pagaram a esse título 49 906 contos em 1962 e efectuaram remições no valor de 11 991 contos.
Preenchidas as lacunas do quadro n º 56 com os elementos fornecidos pelo quadro n º 55, chega-se à conclusão de que o saldo industrial efectivo em 1962 foi, em vez de 134 169 contos, de 89 153 contos, o que reduz esse saldo, em percentagem dos prémios cobrados, de 29,6 para 16,67 por cento.
Efectuando as mesmas correcções, quanto ao saldo industrial que o Boletim de Seguros apresenta para o ano de 1963, resulta que esse saldo desce dos 28,7 por cento apontados para 19,95 por cento, que foi efectivamente o saldo real.
Relativamente ao exercício de 1964, o Grémio dos Seguradores já tem os resultados referentes a todas as com-

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panhias que trabalham na metrópole, por onde se verifica que o saldo industrial apurado foi apenas de 16,69 por cento
Daqui resulta que, no último triénio o saldo industrial médio do ramo de acidentes de trabalho foi, em função dos prémios cobrados, de 18,77 por cento.
Perguntar-se-á é este resultado compensador?
Para formar uma opinião a tal respeito é preciso ter presente que nos encargos deste ramo, com que até aqui temos trabalhado, não figura nenhuma verba para as despesas gerais das companhias, incluindo contribuições.
Esta verba de despesas gerais foi insuspeitamente classificada como não exagerada pela Inspecção de Seguros, em 1930, desde que não excedesse 25 por cento dos prémios (Boletim de Seguros, n.º 7, p 21)
Mais recentemente, em 1957, partindo do princípio, aliás não exacto, de que as companhias haviam obtido um saldo industrial de 25,3 por cento, a mesma Inspecção, depois de reconhecer que os resultados "não haviam sido verdadeiramente compensadores", acrescentou "Efectivamente, se tivermos em linha de conta que o ramo Acidentes de Trabalho é, pela sua própria natureza, dos mais onerosos do ponto de vista administrativo, o saldo industrial de 25,3 por cento dos prémios dificilmente cobrirá as despesas gerais, os impostos e uma reduzida margem de lucro".
Ora, como no último triénio o saldo industrial médio do ramo foi apenas de 18,77 por cento - razão assistia ao digno Procurador da Câmara Corporativa que no seu voto de vencido afirmou ser a exploração deste ramo, e desde há muito, francamente deficitária.
Para suavizar este negro panorama, acena o Ministério das Corporações com as vantagens que advirão para as companhias do grande aumento das suas carteiras, pela obrigatoriedade do seguro agora imposto, mesmo a quem empregar menos de cinco trabalhadores, e pela melhoria que vai realizar-se em matéria de prevenção de sinistros.
Infelizmente, não creio que qualquer destes dois factos venha a exercer influência que de longe atenue os extraordinários encargos a que me referi, e aos quais ainda é preciso ajuntar o enorme agravamento das custas nos tribunais do trabalho, após a publicação do Decreto-Lei n º 45 497, de 30 de Dezembro de 1963.
(Quanto ao aumento da carteira, se se tratasse de um ramo cuja exploração fosse equilibrada, é evidente que daí resultaria apreciável vantagem. Mas já vimos que não é assim.
Por outro lado, o Ministério das Corporações informa-nos do que existem no País cerca de 71 500 empresas, das quais só 19 800 com mais de cinco operários. Logo, o seguro passa a ser obrigatório para mais 51 700 unidades económicas.
Em primeiro lugar, se o número de segurados interessa, é evidente que interessa particularmente em função do volume de prémios que eles pagam.
Ora, não é possível estabelecer proporção entre as 51 700 empresas que podem ter apenas dois ou três empregados e as 19 800 que podem, cada uma, ter muitas centenas deles.
Em segundo lugar, o facto de haver 51 700 unidades com menos de cinco operários não significa que grande parte delas não tenha já o seu seguro, apesar de este não ter sido até aqui obrigatório.
E é de crer que sim, uma vez que, sendo apenas de 19 800 o número das empresas com mais de cinco operários, o Boletim de Seguros nos informa de que em 1963 estavam em vigor mais de 300 000 apólices.
Descontando os raros segurados que possam ter subscrito mais do que uma apólice, e descontando o seguro de pessoal doméstico, ainda fica, mesmo assim, larga margem, que, certamente, compreende boa parte das tais 51 700 pequenas unidades.
Quanto ao incremento da prevenção dos sinistros, admite-se, já se vê, que ela possa ter uma influência benéfica, e são por isso de aplaudir todos os esforços nesse sentido já envidados, relembremos a Portaria n º 17 118 do anterior Ministro das Corporações e hoje nosso distinto colega, Sr. Dr. Veiga de Macedo, e o Centro de Prevenção de Acidentes de Trabalho, criado pelo Grémio dos Seguradores, em Maio de 1957
Mas essa prevenção deve ser mais frutuosa no campo das doenças profissionais (que passou a interessar à Caixa Nacional respectiva, e não às companhias seguradoras particulares) do que no campo dos acidentes traumatológicos
Quanto a estes, já bom será que essas medidas de prevenção obstem ao agravamento da taxa de sinistralidade, que de outra forma, com certeza, se verificará, em virtude do constante maior emprego de máquinas e da crescente periculosidade destas.
Sr. Presidente: Estou chegado ao fim das minhas considerações, e demasiado já abusei da atenção de V Exa. e da Assembleia.

Não apoiados

Mas não quero terminar sem uma última observação.
Um distinto orador que me precedeu afirmou que, sendo a exploração do ramo de acidentes de trabalho assim tão má não se compreenderia que os seguradores privados não vissem com satisfação a sua gradual integração no esquema da previdência ou dos seguros sociais.
Eu não sou segurador.
Lá fora sou advogado de companhias de seguros, como tenho sido advogado contra companhias de seguros.
Mas, se fosse segurador, confesso que veria sem saudade o Estado substituir-se às companhias privadas na exploração dos seguros infortunísticos, desde, já se vê, que essa integração se fizesse criteriosamente, sem sobressaltos e em termos de não causar prejuízos escusados ou de serem indemnizados os sofridos.
Isto se fosse segurador.
Como segurado, ou, por desgraça, eventual sinistrado, eu prefiro com certeza continuar tratando com companhias privadas, e não com o Estado, porque na concorrência de umas com outras tenho a possibilidade de escolher a que me atenda melhor, e, quando me julgar prejudicado, tenho o direito de me queixar às entidades oficiais.
Se contratar com o Estado, bem servido ou mal servido, não posso mudar, nem tenho para quem recorrer.
E, se abstrair da qualidade de segurado ou de eventual sinistrado, para me confinar na de membro desta Assembleia Nacional, também me repugnaria, com este ou aquele nome, sob este ou aquele travesti, assistir à socialização do seguro contra acidentes laborais, por entender que estaríamos a atraiçoar os princípios político-económicos que informam o nosso regime corporativo e a lição de Salazar quando afirmou que "o progresso não está em o Estado alargar as suas funções despojando os particulares, mas em o Estado poder abandonar qualquer campo de actividade, por nele ser suficiente a iniciativa privada".
A manutenção no quadro do seguro privado do risco contra os acidentes traumatológicos merece, portanto, a minha aprovação.

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E merece-a, na generalidade, toda a proposta de lei sem embargo da apreensão que me suscitam, em contrapartida dos grandes benefícios por ela trazidos aos trabalhadores infortunados os graves encargos correspondentes, que irão, em última análise, onerai a produção em medida imprevisível, conforme hipótese posta pela Câmara Corporativa e que receio venha a ter plena confirmação.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados. Não há mais nenhum orador inscrito para a generalidade, nem na Mesa qualquer questão prévia que vise a ser retirada da discussão a proposta de lei por inoportuna ou inconveniente. Nestes termos, declaro encerrado o debate na generalidade.
O debate na especialidade iniciar-se-á, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão.

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão
Alberto Pacheco Jorge
Alberto da Rocha Cardoso de Matos
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Aníbal Rodrigues Dias Correia
Antão Santos da Cunha
António Barbosa Abranches de Soveral
António Burity da Silva
António Gonçalves de Faria
António Manuel Gonçalves Rapazote
Armando José Perdigão
Artur Alves Moreira
Augusto José Machado
Belchior Cardoso da Costa
Carlos Coelho
Carlos Monteiro do Amaral Neto
Fernando António da Veiga Frade
Francisco José Lopes Roseira
Henrique dos Santos Tenreiro
João Mendes da Costa Amaral
João Rocha Cardoso
Jorge Manuel Vítor Moita
José de Mira Nunes Mexia
Júlio Alberto da Costa Evangelista
Manuel Nunes Fernandes
Manuel Seabra Carqueijeiro
Paulo Cancella de Abreu
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês

Srs. Deputados que faltaram à sessão

Alexandre Marques Lobato
António Augusto Gonçalves Rodrigues
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
António Tomás Prisónio Furtado
Armando Francisco Coelho Sampaio
Artur Proença Duarte
Augusto César Cerqueira Gomes
Carlos Alves
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
José Dias de Araújo Correia
José Guilherme de Melo e Castro
José Manuel da Costa
José Pinheiro da Silva
José Pinto Carneiro
José dos Santos Bessa
Purxotoma Ramanata Quenin
Rogério Vargas Moniz
Sebastião Garcia Ramires
Urgel Abílio Horta
Virgílio David Pereira e Cruz
Vítor Manuel Dias Barros
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

Propostas enviadas para a Mesa pelo Sr Deputado Tito Arantes acerca da proposta de lei em discussão.

Proposta de aditamento ao n.º l da base XXII

Entre a palavra "reparação" e "as respectivas prestações" intercalar "ou quando se verifique aplicação de aparelhos de prótese ou de ortopedia".

Proposta de substituição do n.º 2 da base XXV

Poderão ainda beneficiar da protecção estabelecida na presente lei, embora não constando dessa lista, aquelas doenças que o trabalhador prove terem resultado directa, necessária e exclusivamente do exercício contínuo de determinada actividade, e não representem natural desgaste do organismo.

Proposta de substituição da base L

1 Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar, e será aplicável

a) Quanto aos acidentes, aos que ocorrerem após essa data,
b) Quanto às doenças profissionais, àquelas que depois dessa data se manifestaram.

2 Ficam revogados a Lei n º 1942, de 27 de Julho de 1936, o Decreto n º 27 649, de 12 da Abril de 1937, e o Decreto-Lei n.º 38 539, de 24 de Novembro de 1951.

Proposta de base nova

No decreto que regulamentar a presente lei procurar-se-á assegurar por forma efectiva às entidades seguradoras o conhecimento exacto dos salários pagos pelos segurados.

Proposta de base nova.

Quando o salário declarado, para o efeito do prémio, for inferior ao real, a entidade seguradora só é responsável

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até esse limite, respondendo a entidade patronal pela respectiva diferença, e pela totalidade das despesas efectuadas com hospitalização, assistência clínica e transportes.
Mapas utilizados pelo Sr. Deputado Quirino Mealha no seu discurso

MAPA N.º 1
Casas do Povo em actividade em 1963

[Ver Tabela na Imagem]

MAPA N.º 2

População abrangida pelas Casas do Povo (população segura) e população que falta abranger.

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Números obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística no [...] Recenseamento Geral da População (1960). Incluem os indivíduos com profissão na actividade "Agricultura", excluindo os patrões e pessoas a seu cargo.
(b) Números obtidos pela Junta Central das Casas do Povo em Inquérito directo, realizado em 1962.

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MAPA N.º 3

Receitas da Casa do Povo no triénio de 1960-1962

(Contos)

[Ver Tabela na Imagem]

(a)Inclui bens patrimoniais, proventos resultantes da actividade do organismo, donativos, legados e heranças e as diversas comparticipações concedidas às Casas do Povo quer para construção de sedes associativas, quer para assegurar a assistência médica aos beneficiários da previdência social, nos termos dos acordos vigentes.

Resumo das receitas

1960: Contos

Continente 49 134
Ilhas adjacentes 1 287
Total 50 421

1961:
Continente 54 866
Ilhas adjacentes 1 528
Total 56 394

Continente 58 837
Ilhas adjacentes 1 323
Total 60 160

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Despesas das Casas do Povo no triénio de 1960-1962

(Contos)

MAPA N.º 4

[Ver Tabela na Imagem]

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