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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 201

ANO DE 1965 22 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 201, EM 21 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 197 e 198 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, foram recebidos na Mesa os n.ºs 75, 76, 77, 7 do Diário do Governo, l s serie, respectivamente de 3, e 16 do corrente, que inserem os Decretos-Leis 46 866, 46 S67, 46 268, 46 270, 46 272, 46 274 e 46 277.
Foram recebidos na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministro das Finanças em satisfação do requerimento pelo Sr. Deputado Alberto Meireles na sessão de 17 de Março passado, os quais lhe vão ser entregues.
Também foi recebido na Mesa, enviado pelo Sr. Conselho, um suplemento ao Diário do Governo n.º 71 2.ª série, de 25 de Março findo, que insere o relatório e declaração geral do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 1963.
O Sr. Presidente anunciou que o Sr Deputado oferecera, por seu intermédio, à biblioteca da Assembleia Nacional, o Manual para Uso dos Srs. Deputados da Nação Portuguesa, coordenado por José Marcelino de Almeida Beça.
O Sr. Deputado Calheiros Lopes tratou de vários problemas relativos ao distrito de Santarém.
O Sr. Deputado Manuel João Correia falou sobre a pecuária de Moçambique.
O Sr. Deputado Moura Ramos focou vários aspectos de viticultura nacional.
O Sr. Deputado Lopes Vasques referiu-se a alguns assuntos que considera de maior relevância, para o distrito de Beja.
O Sr. Deputado Marques Fernandes fez o elogio do discurso do Sr. Ministro da Economia, analisando várias passagens do mesmo.
O Sr. Deputado Sousa Meneses abordou questões respeitantes ao desenvolvimento dos Açores.
O Sr. Deputado Costa Guimarães produziu considerações sobre o problema do pão.
O Sr. Deputado Sousa Rosal aludiu a diversos aspectos da política portuguesa.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta congratulou-se com a iniciativa do «Abril em Portugal», fazendo, a propósito, considerações sobre o turismo nacional.

Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na especialidade da proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Foram aprovadas as bases I a V, algumas com alterações.
Usaram da palavra durante o debate os Srs Deputados Pinto e Mesquita, Gonçalves Rapazote, Quirino Mealha, Tito Arantes, Soares da Fonseca, Vaz Nunes, Alberto de Meireles, Martins da Cruz, Proença Duarte e Jesus Santos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs Deputados:

Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.

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Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Gados Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém
Elísio de Oliveira Alves Pimenta
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Cid Oliveira Proença
Francisco António Martins
Francisco António da Silva
Francisco José Lopes Boseira.
Francisco Lopes Vasques
Henrique Veiga de Macedo
James Pinto Bull
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Ubach Chaves
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva
José Fernando Nunes Barata
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho
Quirino dos Santos Mealha
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr Presidente:- Estão na Mesa os Diários das Sessões n.ºs 197 e 198, que já foram distribuídos aos Srs. Deputados.
Estão em reclamação.

Pausa.

O Sr Presidente: - Como nenhum dos Srs Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados

Deu-se conta do seguinte.

Expediente

Telegramas

Do presidente da Câmara Municipal de Poiares a felicitar o Sr. Deputado Augusto Simões gela sua intervenção sobre o aproveitamento da bacia do Mondego.
Da direcção do Grémio da Lavoura de Evora a apoiar o discurso do Sr. Deputado Amaral Neto acerca do imposto industrial agrícola.

Ofícios

Do Grémio dos Industriais de Lanifícios da Covilhã a remeter uma exposição dirigida ao Sr. Presidente da Assembleia Nacional.
Da Conferência dos Parlamentares da N A T O a remeter o texto de dezoito recomendações aprovadas em sessão plenária daquele organismo.

O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política, estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 75, 76, 77, 79, 82 e 83, 1.ª série, respectivamente de 3, 8, 9, 12, 15 e 16 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis n.ºs 46 265, que autoriza o Comissariado do Desemprego a conceder um subsídio reembolsável para reforço das verbas destinadas pelo Tesouro às obras da nova instalação da Biblioteca Nacional de Lisboa, 46 266, que aprova para ratificação o Acordo entre o Governo de Portugal e o Governo do Reino da Dinamarca sobre o comércio de produtos agrícolas no quadro da Associação Europeia de Comércio Livre, 46 267, que aprova para ratificação o Tratado entre a República Federal da Alemanha e a República de Portugal relativo à extradição e à assistência judiciária, 46 268, que autoriza os Serviços Sociais da Polícia de Segurança Pública a utilizar um edifício pertencente à Câmara Municipal de Lisboa, situado em Palhavã, destinado à instalação de um posto clínico para servir os beneficiários da referida instituição, 46 270, que extingue o Consulado de 2.ª classe em Blantyre e cria uma secção consular junto da Embaixada de Portugal em Zomba, no Malawi, e um consulado de 3.ª classe em Mbabane, na Suazilândia, 46 272, que isenta de direitos de exportação as mercadorias compreendidas na classe 6.ª a da respectiva pauta, com excepção das classificadas pelo seu artigo 115, que continuam sujeitas à actual tributação, 46 274, que dá nova redacção ao artigo 1.º e seu

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§ único do Decreto-Lei n º 44 922, que permite à reitoria da Universidade de Lisboa contratar, além do quadro, o pessoal técnico indispensável para a conservação dos edifícios e do material afectos aos seus semeia, e 46 277, que cria no Ministério da Saúde e Assistência as medalhas de serviços distintos e comportamento exemplar, destinadas a galardoar pessoas ou instituições tenham prestado serviços relevantes à saúde pública, à assistência social ou à acção hospitalar.
Estão, ainda, na Mesa os elementos fornecidos Ministério das Finanças relativos ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Meireles, na sessão de 17 de Março findo, respeitante a estatísticas relativas a prémios de seguro de acidentes de trabalho e doenças profissionais cobrados pelas instituições seguradoras. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Enviado pelo Sr Presidente do Conselho, está na Mesa um suplemento ao Diário do Governo n º 71, 2.ª série de 25 de Março findo, que contém o relatório e declaração geral do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado do ano económico de 1963. Este suplemento foi distribuído pela Imprensa Nacional no dia 6 do mês em curso e vem acompanhado de um despacho do Sr. Presidente do Conselho, com a indicação de agora foi possível à Imprensa Nacional fazer a distribuição do referido suplemento.
Oferecido pelo Sr. Deputado André Navarro, com destino à biblioteca da Assembleia Nacional, tenho diante de mim o Manual para Uso dos Srs. Deputados da Nação Portuguesa, coordenado por José Marcelino de Almeida Beça e que contém a assinatura do conselheiro Navarro.
O Sr. Deputado André Navarro quis que tal documento fosse, por meu intermédio, oferecido à biblioteca da Assembleia Nacional.
Com os meus agradecimentos ao Sr. Deputado André Navarro, enviá-lo-ei à referida biblioteca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calheiros Lopes.

O Sr Calheiros Lopes: - Sr Presidente: Não quero deixar terminar esta sessão legislativa sem, no desempenho do mandato com que fui honrado solicitar a atenção de V. Exa. e, através desta Assembleia, dos Poderes Públicos, para alguns dos mais instantes problemas que aqui tenho focado e que, embora se encontrem em estudo, estão por solucionar no distrito de Santarém e em toda a vasta região ribatejana. Trata-se de assuntos que, revestindo-se da maior importância regional creio não representarem para o conjunto dos imensos encargos e compromissos do Estado volume tão grande que possa tornar impossível, ou mesmo difícil, a sua solução, que influirá em grande parte, uma voz alcançada, no desenvolvimento económico e progresso social a que essa tão valiosa zona tem inegável direito, com repercussão igualmente na economia geral do País.
Começarei por me referir ao grave e velho problema da falta de regularização dos leitos dos rios e ribeiras e, de forma geral, do verdadeiramente anárquico regime hidráulico a que, desde há tantos anos, se encontra sujeita toda a campina ribatejana.
Essa, digamos, indisciplina das águas do Tejo e seus afluentes origina, nos anos de grande pluviosidade as contínuas e demoradas cheias destruidoras das searas, arrastando a camada arável das terras altas e cobrindo de areias estéreis, prejudicando e inutilizando em muitos casos, as lezírias do Ribatejo.
Por outro lado, da mesma falta de domínio dos caudais resulta, nos anos, como o actual, em que a água é escassa, a perda de muita dela que poderia ser armazenada em albufeiras e açudes (se os houvesse na quantidade precisa e bem localizados) para utilização nas regas tão necessárias principalmente no fim da Primavera e nas longas estiagens do Verão.
Se no caso das cheias há que atribuir o mal à falta de regularização dos rios e valas de drenagem - que logo extravasam mal caem algumas chuvadas mais fortes -, no que respeita a todo o conjunto do sistema hidráulico do Ribatejo faz-se sentir a ausência de uma bem estudada e vasta rede de canais, albufeiras, eclusas e diques que serviriam tanto para fins de rega como - à semelhança dos canais existentes na França, Alemanha, Bélgica, Holanda e outros países do Norte da Europa - para um género de navegação que tão grandes serviços presta nesses países.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São, na verdade, enormes os benefícios recebidos pela economia de regiões, por exemplo, do Norte de França e da Flandres - em muitos aspectos de fisionomia aproximada da dos nossos campos ribeirinhos do Tejo e de outros rios -, mercê da vasta rede de canais artificiais ali instalados. Facilitando os transportes de mercadorias, produtos e até pessoal, servindo o tráfego das explorações agrícolas e da indústria e comércio localizados à sua beira, descongestionando as estradas e aliviando-as dos transportes pesados que tanto desgastam os pavimentos, numa palavra, tomando a seu cargo, em condições de preço muitíssimo mais económicas, o transporte de importante percentagem de tráfego mercantil, esses canais constituem um factor muito valioso para a solução dos problemas dos transportes, tanto no que respeita a facilitação do escoamento das mercadorias como aos respectivos custos.
A importância que nesses países da Europa ocidental se atribui a estes meios de comunicação foi ainda recentemente posta em relevo pelo Ministro dos Trabalhos Públicos da França, ao anunciar o termo da construção, no ano corrente, de quatro canais ou cursos de água. Esses canais situam-se na região de Dunquerque no Mosela, na região parisiense e no Ródano e vão proporcionar extensas ligações entre ricas zonas industriais e agrícolas Porque não havemos de seguir no nosso país esta orientação adoptada em França, desviando para a navegação, em canais a construir em ligação dos nos e afluentes, o tráfego mercantil que já hoje tanto sobrecarrega as nossas estradas e tanto encarece a entrega dos produtos ao consumo, como, aliás, entre nós outrora se praticava?
O nosso ilustre colega Eng.º Araújo Correia, distinto economista, no seu valioso trabalho - o Parecer das Contas Geram do Estado para 1963 - chama a atenção para as duas preciosas vias fluviais - o Tejo e o Douro - que podem permitir a produção de grandes quantidades de energia, além de navegação e outros usos, e que têm condições para a fixação de indústrias em circunstâncias semelhantes às de outras zonas no continente europeu. E é conhecido que o preço de transporte fluvial é, para cargas volumosas, incomparàvelmente mais barato do que qualquer outro. E diz ainda:

Bastam duas obras de relativamente pequeno volume para tornar o Tejo navegável até à fronteira, com a produção de mais 500 milhões de unidades de energia e com aproveitamento de todas as regularizações em Portugal e em Espanha.

Ora, Sr. Presidente, se trago aqui este assunto da regularização dos rios, da construção de albufeiras e de canais

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navegáveis e de rega, é porque penso que, de entre as regiões do País onde tais obras são necessárias e se me afiguram realizáveis, o Ribatejo é uma delas. Julgo que algumas delas poderiam ser integradas nos próximos planos de fomento, tal como esta Assembleia sugeriu quando, na aprovação do Plano Intercalar de Fomento, recomendou a elaboração de planos de desenvolvimento regional.
Atrevo-me a confiar, a este propósito, no alto espírito realizador e no perfeito conhecimento das necessidades do País, que são grandes qualidades possuídas pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, de quem ainda há dias se celebraram onze anos de notabilíssima administração desse importante e difícil sector governativo. O Ribatejo confia em que S. Exa. não deixará de dedicar todo o seu valioso interesse aos problemas desta província, às suas carências de obras de fomento, à sua hidráulica e às suas estradas. E, quanto a estas, deve ter-se em conta a próxima realização da Feira Nacional da Agricultura, em Santarém, hoje já de projecção internacional, assim como o intenso movimento turístico que se anuncia para o próximo Verão, e que, abrangendo Fátima, Santarém, Tomar, Abrantes, Leiria, etc, exigirá uma acção imediata de conservação e reparação das estradas que servem estes centros turísticos, exigindo, no futuro, como já aqui tive ocasião de propugnar, uma grande obra de modernização de parte delas.
Um outro aspecto que me parece de ponderar como reforço à necessidade de obras de fomento no Ribatejo consiste na influência que tais obras terão na indispensável suspensão do êxodo populacional a que estamos assistindo por todo o País e se manifesta já também em zonas onde tradicionalmente não se notava emigração apreciável, como era, até há pouco, o Ribatejo.
Penso que esta fuga em massa das populações, sobretudo as rurais, primeiramente para as cidades e nos últimos anos para o estrangeiro, constitui uma das mais sérias ameaças para as necessidades de mão-de-obra tanto agrícola como industrial, e, portanto, para a economia nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por mais que se recorra à substituição do braço do homem pelo trabalho da máquina (e todos sabem como a nossa agricultura se encontra impossibilitada financeiramente de executar nos tempos mais próximos essa substituição), por mais intensa e extensa que se torne essa reconversão técnica, há inegàvelmente um mínimo de intervenção do operário industrial ou agrícola, abaixo do qual se não pode descer sem quebra dos volumes da produção de um e outro ramo.
Ainda estamos muito longe, no nosso país, e na nossa economia pouco mais que incipiente, dos cérebros electrónicos e dos robots para executarem tarefas até aqui a cargo do homem - que mais não seja as de accionar, dirigir, velar pelo trabalho das máquinas.
E, entretanto, começam a surgir, partidos de diversas fontes, sérios alarmes sobre o êxodo da nossa população dos campos.
E não é sòmente nos sectores rurais que essa como que fuga ou abandono, em escala sem precedentes, se está verificando. Até a mão-de-obra operária, e mesmo especializada, de origem urbana e industrial, deixa o País, aliciada pelos proventos que lá fora lhe oferecem, o que seguramente vai ter grande influência no desenvolvimento industrial e agrícola da Nação, quer na metrópole, quer no ultramar.
Assim, devido a este fenómeno migratório recente, o nosso operário, depois de feita aqui a sua aprendizagem, sobrecarregando a economia nacional com o custo dessa aprendizagem, vai entregar os respectivos frutos às economias estrangeiras, proporcionando-lhes mão-de-obra quantitativa e qualitativamente valiosa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Num estudo realizado há tempo por uma organização internacional especializada prevê-se que os países altamente e mesmo os medianamente industrializados vão carecer principalmente de mão-de-obra operária e, sobretudo, de mão-de-obra especializada nos diversos ramos da indústria, nos próximos anos, até 1970 ou 1972, o mesmo se passando na agricultura.
E assim se explica o aumento da nossa emigração ùltimamente verificado.
Ora, se os países estrangeiros têm necessidade de mão-de-obra, também Portugal dela vai carecer, nos tempos próximos, em volume cada vez mais acentuado. E se não adoptarmos providências rápidas e eficientes para sustar o fluxo emigratório, são de recear sérias dificuldades de pessoal para o desejado desenvolvimento económico do País.
Julgo digno da nossa atenção o facto de este êxodo para o estrangeiro se verificar justamente numa fase da vida da Nação em que se torna absolutamente indispensável, juntamente com a defesa militar dos territórios ultramarinos, povoar intensamente, com portugueses da metrópole, os enormes espaços que ali aguardam o nosso trabalho, os nossos investimentos, quer no sector industrial, quer principalmente no sector agrícola, visto existirem na nossa África áreas vastíssimas para pôr em prática reformas sensatas e prudentes de, estrutura agrária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos de explorar em ritmo cada vez mais acelerado os recursos naturais dos nossos territórios, tanto metropolitanos como ultramarinos
Não podemos manter improdutivos esses recursos naturais, pois de outra forma condenaríamos a nossa geração e as gerações vindouras a um nível social insuficiente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, graças a esse esforço de colonização dos territórios do ultramar, afastaremos mais fàcilmente de vez as cobiças alheias que sobre eles pairam.
Quanto a mim, Sr. Presidente, penso que urge desenvolver um grande esforço no sentido de sustar a fuga das massas trabalhadoras, tanto dos campos como dos sectores industriais, e dar-lhes colocação dentro do nosso Portugal metropolitano e ultramarino. Não somos de mais para o espaço vital português. E certamente um dos mais importantes aspectos desse esforço consistirá em auxiliar a nossa agricultura a erguer-se da situação de crise que sofre há uns anos, assim como intensificar a industrialização de certas zonas, tanto da metrópole como do ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para a primeira, isto é, para a agricultura, creio podermos afirmar que uma onda de optimismo e confiança surgiu ùltimamente no horizonte, mercê das declarações produzidas pelo Sr. Ministro da Economia logo após a sua investidura. Com o seu profundo conhecimento e longo contacto com os problemas económicos, nacionais e internacionais, graças à especial preparação obtida como representante de Portugal nas conferências económicas.

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internacionais e, nomeadamente, na organização E. F. T. A. , o actual responsável pela orientação da economia portuguesa tem jus à confiança e a esperança de todos nós, assim como à leal e intensa colaboração das actividades económicas, sem a qual a acção do Estado não será suficiente para arrancar a lavoura das suas dificuldade presentes nem para dar a indústria o desenvolvimento necessário.
Lá o disse o Ministro na sua comunicação.

Não se infira, no entanto, daqui, que o sector industrial se não debate hoje com sérios problemas e que, mesmo os seus ramos mais fortes, não estejam de atingir a posição que podem e devem ocupar no quadro da indústria e no concerto da economia. Mas as razões do optimismo que apontei servem como afirmação de que os empresários e os trabalhadores portugueses estão hoje mais decididos e, sobretudo, mais aptos, para, de mãos dadas com o Governo, resolverem os problemas existentes e assenta bases do progresso futuro.

Simultâneamente, referindo-se à lavoura, o Sr. Dr. Correia de Oliveira, depois de expor largamente os propósitos do Governo de trabalhar para que a agricultura possa sair «da depressão em que se encontra e ganhar ânimo para continuar, e mais depressa, o processo de reorganização que lhe permita ocupar um lugar a que tem direito entre as grandes fontes da prosperidade da Nação», terminou afirmando que «vencer a crise da agricultura é um imperativo da Nação - e venceremos».
Indispensável como é para a vida do homem, a tacão, a existência, a utilidade e a importância da actividade agrícola não sofrem contestação.
Ela deve, pois, lògicamente, ocupar um dos primeiros lugares, se não o primeiro, nas actividades económicas do País, e isto não sòmente por esta razão, mas várias outras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como disse, estas declarações de ilustre Ministro da Economia despertaram no País, e em especial nos sectores agrícolas, uma saudável vaga de confiança e optimismo. E permito-me contar que essa esperança de revitalização das actividades no que se refere ao distrito de Santarém se alargue a um outro sector não menos importante. Refiro-me à necessária industrialização desta zona, que, tanto no que respeita à cidade como ao conjunto do distrito, está carecendo - até, como atrás expus, com o fim de combater a crescente emigração - de um desenvolvimento industrial muito mais acentuado do que o até aqui verificado.
Para isso, se me é permitido o apelo, direi que se torna indispensável, tal como no caso da agricultura, uma acção mais intensa do Ministério da Economia, no sentido de orientar, estimular, apoiar, pelos meios ao seu dispor, a instalação de novas indústrias. E logo no início da competência estatal penso que é necessário desburocratizar o regime processual a que estão sujeitas as iniciativas privadas - e que em tantos casos acaba por desencorajar e inutilizar os empreendimentos projectados, cuja aprovação se arrasta nas repartições, levando, por vezes, à desistência os empresários.
Toda esta aceleração, auxílio e actualização de mentalidade e de processos de trabalho confia o distrito de Santarém vê-los aplicados aos seus problemas económicos, agrícolas e industriais. E dentro da mesma aspiração de valorização regional, de criação de melhores condições de vida à população, de subida do nível educacional e técnico das futuras camadas do povo, permito-me recordar o caso da Escola Técnica de Santarém, a funcionar, desde que há anos foi criada, em deficientes e provisórias instalações, em vários prédios de habitação, afastados uns dos outros e obrigando professores e alunos a deslocarem-se de uns para outros locais para o funcionamento das aulas.
Ora, contando já hoje essa escola cerca de 2000 alunos, número que aumenta de ano para ano, tem de reconhecer-se que carece urgentemente de um edifício próprio, digno da sua importante função, digno da frequência de alunos que conta, e digno, até mesmo, da categoria de Santarém, como capital que é de um distrito e de uma província tão valiosos no conjunto nacional, sob o ponto de vista demográfico e no aspecto económico.

O Sr. Dias das Neves: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos esquecer-nos da influência que as satisfatórias ou deficientes condições em que o ensino técnico é exercido terão no desenvolvimento económico e no progresso social da região.
Não pode haver verdadeira e eficiente formação profissional sem uma ampla facilitação, para as camadas jovens, de cursos e de escolas técnicas elementares e médias, satisfatòriamente instaladas e apetrechadas com o correspondente pessoal docente.
E reconhecido universalmente que um dos grandes factores do crescimento económico, de uma região ou de um país, é o factor mão-de-obra especializada, quadros, dirigentes, isto é, instrução e formação profissional.
Mas não basta sòmente um bom aproveitamento dos factores de produção, utilizando os recursos que a tecnologia moderna oferece, pois é absolutamente necessário que exista mão-de-obra suficiente.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - Cada nação tem de aproveitar os recursos de que dispõe, considerando como o recurso mais importante o potencial humano, cujo valor aumenta à medida que o homem se capacita e se prepara para melhor desempenhar a sua tarefa.
Aqui fica, pois, Sr. Presidente, mais este apelo em nome dos povos do Ribatejo e do distrito e cidade de Santarém para que a sempre desvelada e patriótica acção do Governo atenda e solucione, com a possível urgência, os problemas que deixei, em linhas gerais, esboçados neste apontamento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para trazer hoje a esta Câmara mais um problema que considero de grande importância para o desenvolvimento económico de Moçambique. Quero referir-me à pecuária, actividade que nos nossos dias preocupa os governos de muitos países, como valiosa fonte de alimentos, num mundo cuja população aumenta de modo considerável.
A pecuária em Moçambique apresenta problemas respeitantes ao seu desenvolvimento que precisam de ser imediatamente considerados. Vou procurar analisar alguns desses problemas, nos seus aspectos relacionados com o II Plano de Fomento e com o Plano Intercalar.
Foram as seguintes as verbas inscritas no II Plano de Fomento com vista ao incremento da pecuária em Moçambique 15 000 contos para a construção de tanques

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carracicidas, 10000 contos para a ampliação das construções e equipamentos do Laboratório Central de Patologia Veterinária, 20 000 contos para combate à mosca tsé-tsé, e 18 000 contos para estudos agro-silvo-pecuários.
Isto foi tudo quanto se inscreveu para o fomento da pecuária num plano cujos investimentos previstos ascendiam a mais de 3 milhões de contos!
Diz-se no projecto do II Plano de Fomento que «no campo pecuário, a província de Moçambique tem larga potencialidade», e acrescenta-se, no respectivo parecer da Câmara Corporativa, que «há que realizar um esforço no sentido do melhoramento e desenvolvimento do armentio moçambicano».
Em face destas afirmações, aliás acertadas e que mostram que tanto o autor do Plano como o relator do parecer conheciam as enormes possibilidades pecuárias de Moçambique, causa estranheza que se tenham inscrito verbas tão modestas para o desenvolvimento de um sector sobre cujas possibilidades podem descansar à vontade as mais fortes esperanças.
Ainda se, ao menos, as verbas inscritas tivessem sido integralmente postas ao dispor dos serviços encarregados do fomento pecuário?! Mas isso não aconteceu. Nem foram posteriormente dotadas no quantitativo inscrito, nem as dotações atribuídas foram entregues a tempo, num ritmo que permitisse o desenvolvimento natural e harmónico das obras a que se destinavam.
Vejamos, em primeiro lugar, como se aproveitaram e o que se realizou com as verbas destinadas à construção de tanques carracicidas e à ampliação das construções e equipamentos do Laboratório de Patologia Veterinária.
Reconhecia-se no projecto do Plano que não «é possível a pecuária bovina sem o indispensável banho desinfectante, dado metódica e regularmente». E reconhecia-se também, quanto às ampliações no Laboratório de Patologia Veterinária, que se não podia compreender «pecuária em África sem a existência dos necessários meios de investigação sanitária e combate à doença, pelo que o funcionamento, em eficientes condições, de um laboratório é condição essencial do êxito».
Era assim que se pensava - e muito bem -, mas não foi assim que se procedeu ao distribuírem-se, no decurso da execução do Plano, as verbas que deveriam materializar o que tinha sido projectado.
Vejamos como.
A importância despendida, até fins de 1963, com a constituição de tanques carracicidas foi de 8549 contos, tendo sido efectivamente pagos 7710 contos e ficado como encargo em dívida 839 contos, que transitaram para 1964.
No entanto, e não obstante já haver um débito por liquidar no montante de 839 contos, apenas se inscreveram 100 contos no mapa de empreendimentos para o ano de 1964, importância esta que, mesmo que não tivesse de ser utilizada na amortização do referido débito, não chegaria sequer para construir um único tanque!
Esta situação incompreensível não permitiu que em 1964 continuasse a ser dada execução ao programa de construção de tanques carracicidas, muito embora a verba até então despendida estivesse ainda muito longe dos 15 000 contos inscritos no Plano de Fomento, a qual se destinava à construção de 84 tanques, que eram os considerados mais urgentes. Repare-se bem os mais urgentes. Porque ficaria para outra oportunidade a construção dos tanques cuja necessidade se apresentava apenas como urgente. Mesmo assim, e apesar desses 84 tanques serem considerados os mais urgentes, apenas se construíram 49.
Existem na província 184 tanques carracicidas do Estado e 285 particulares. Para uma cobertura sanitária eficiente, porém, seria necessário que o Estado construísse, pelo menos, mais 200 tanques para uso do armentio dos autóctones e dos pequenos criadores. Isto permitiria também uma maior dispersão das manadas e o alargamento a novas regiões das possibilidades de criação de gado, as quais o criador evita por não poder nelas combater certas zoonoses, por falta de banho desinfectante.
Pode afirmar-se abertamente que o banho do gado é indispensável à sua própria sobrevivência, pois a maior parte das doenças que o atacam são transmitidas pelos ectoparasitas.
Dada a importância que os tanques carracicidas representam na cobertura sanitária do armentio da província, cabe aqui uma palavra para sugerir que seja melhorada a qualidade profissional do pessoal que neles presta serviço. Os baixos vencimentos atribuídos a esse pessoal não permitem o recrutamento de empregados com conhecimentos de maneio de gado. Os encarregados dos tanques e seus auxiliares têm a categoria de servente e recebem o vencimento mensal de 600$ e 400$, respectivamente.
Não pode ser bom o serviço prestado por estes modestos empregados, sem qualquer preparação. Seria indicado que as funções de encarregado de tanque fossem desempenhadas por indivíduos que possuíssem conhecimentos de maneio de gado, que tivessem a noção exacta do que representam os barbos desinfectantes e os soubessem preparar e corrigir convenientemente, que soubessem aconselhar os criadores nos cuidados a ter com as peles dos animais, as quais, por falta desse cuidado, chegam às fábricas de curtumes muito desvalorizadas, que ensinassem a tratar das feridas, que castrassem os animais impróprios para reprodutores, promovendo-se, deste modo, um processo de selecção que melhoria enormemente as manadas, que fossem, enfim, bons assistentes dos ajudantes de pecuária.
Os tanques carracicidas poderiam, deste modo, ser centros de um serviço de assistência pecuária, onde o criador encontraria, além de conselhos sobre o maneio do gado, a própria assistência sanitária, quando dela necessitasse.
No que respeita ao Labora tono de Patologia Veterinária, a situação também não é mais brilhante. As contas referentes à sua ampliação mostrem que, neste caso também, se não deu cumprimento aos objectivos do II Plano de Fomento. Dos 10 000 contos inscritos não chegou a gastar-se nada que se aproximasse sequer de metade daquela verba. Com efeito, até 1963 despenderam-se apenas 2161 contos, tendo sido dotados para 1964 1500 contos. Para a conclusão das obras - que estão paradas há dois anos - e para a aquisição do equipamento são ainda necessários 7306 contos.
Este Laboratório tem maior importância do que aquela que pode inferir-se da manera acanhada como se dotaram as verbas para a execução do que a seu respeito se determinou no II Plano de Fomento, pois essas dotações deveriam ter sido consignadas tendo em vista permitir-lhe maior e melhor capacidade de trabalho.
Nele poderiam preparar-se, se estivesse convenientemente dotado com edifícios e equipamento, todas as vacinas, soros e alérgenas de que a província carece para combate às zoonoses e às antropozoonoses. Em 1936 preparou 2 produtos e forneceu 2570 doses de vacinas, além de ter efectuado 260 exames laboratoriais, em 1963 - e por aqui se vê o desenvolvimento que os serviços tiveram - foram laborados 17 produtos e fornecidas 4 230 274 doses de vacinas, soros e alérgenas, além de 16 652 exames laboratoriais e 1986 correctivos para drogas carracicidas.

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Não posso deixar de mencionar a boa colaboração que o Laboratório Central de Patologia Veterinária de Lourenço Marques presta aos serviços de saúde da província, fornecendo-lhes toda a vacina contra a varíola humana. Sei também que está no pensamento da Direcção dos Serviços de Veterinária estender essa colaboração ao fornecimento da anatoxina tetânica e da vacina contra a raiva, isto, é claro, se lhe facultarem meios para isso. Ora, um desses meios seria precisamente o aumento do quadro do seu pessoal técnico, técnico auxiliar e serventuário; e também a justa remuneração para esse pessoal da nítido a permitir aos serviços ter no seu quadro profissionais da mais alta categoria técnica.
Por este rápido apontamento se vê a importância que o Laboratório Central de Patologia Veterinária já hoje tem e mais poderá vir ainda a ter se for dotado dos necessários meios de trabalho, quer em benefício da economia pecuária da província, quer na defesa da própria vida humana.
Sr Presidente: Vou referir-me agora à verba de 20 000 contos destinada ao combate à mosca tsé-tsé.
Do combate as tripanossomíases animais depende a ocupação pecuária de vastas áreas da província, ocupação que não poderá ser efectuada sem que sejam erradicados os focos de glossinas das zonas infestadas.
A acção contra a mosca tsé-tsé tem sido orientada e desenvolvida pela Missão de Combate às Tripanossomíases, a cujos serviços se destinou a verba inscrita, para o efeito, no II Plano de Fomento.
Transcrevo da brochura A Tsé-Tsé do Moçambique, da autoria do Dr. M A de Andrade e Silva, que durante muitos anos foi o chefe da Missão e é actualmente secretário provincial de saúde de Moçambique, o seguinte passo, que dá uma ideia precisa da grandeza do problema.

São desastrosas as consequências do tsé-tsé é a perda de vidas humanas ocasionada pela doença do sono, uma doença grave, de difícil tratamento, podendo mostrar-se na forma epidémica, conforme as espécies e circunstâncias do ambiente, o tsé-tsé é ou a causa proibitiva da existência de animais domésticos ou obstáculo difícil ao desenvolvimento da pecuária, são as dificuldades de ocupação e de desenvolvimento económico de enormes extensões onde não faltam os bons solos, é a escassa produção agrícola por falta do trabalho animal; é a nutrição deficitária em proteínas de origem animal da população nativa, são as perturbações do foro social, etc.
O problema do tsé-tsé, devido às suas consequências - sanitárias, económicas e sociais -, é um dos mais importantes e mais graves de Moçambique!

Nada mais é preciso acrescentar para se ver como, de facto, é muito grave e muito importante o problema do combate à mosca tsé-tsé em Moçambique.
Não vem a propósito relatar aqui os inestimáveis serviços prestados pela Missão de Combate às Tripanossomíases, os quais custaram até hoje ao orçamento da província mais de 100 000 contos. Por isso, não me alongarei em considerações a este respeito Direi, no entanto, que, no Mutuali, erradicou a glossina de uma área de cerca de 10 000 km 2, a qual se encontra apta para a criação de gado, mas que, por motivos que se desconhecem, ainda não foi ocupada. Urge que se faça ocupação pecuária dessa área para que se não perca o trabalho realizado.
Há aspectos do combate às tripanossomíases animais que se tornam cada vez mais graves e que precisam de ser enfrentados com rapidez e decisão. É o caso, por
exemplo, do tsé-tsé ter ultrapassada o rio Save, com tendência para invadir a região ao sul daquele rio, onde a província tem as suas maiores e melhores manadas de bovinos, inclusivamente quase todo o seu gado leiteiro. A Missão trabalha, neste momento, activamente, no sentido de sustar o avanço da mosca em direcção ao sul, mas todas as medidas que tomar resultarão improfícuas, e pode até dizer-se que nunca terminará o combate ao tsé-tsé naquela área, se se não fizer a ocupação agrária do vale do Save. Dá-se já a circunstância de haver zonas infestadas de glossinas na própria Massangena e em Mabote, zonas outrora ocupadas pela pecuária, mas onde hoje o seu efectivo está muito reduzido.
Lembro, a respeito da ocupação agrária do vale do Save, a necessidade de construirmos com urgência a barragem de Massangena, pois os projectos relativos a diversos aproveitamentos hidráulicos na bacia daquele rio elaborados pelo Governo da Rodésia, num grande programa de expansão agrícola, podem comprometer gravemente os nossos planos.
Torna-se evidente a necessidade de maiores dotações para aceleração dos trabalhos de erradicação das glossinas e da ocupação das terras que forem sendo recuperadas.
Por o problema do tsé-tsé continuar a ser «um dos mais importantes e mais graves de Moçambique», como muito bem diz o Dr. Andrade e Silva, quis dar-lhe o devido relevo nesta intervenção, chamando, para ele a atenção do Governo, com o pedido de que se transmitam instruções à entidade orientadora do Plano Intercalar de Fomento para que lhe sejam destinadas verbas que permitam o combate ao tsé-tsé de modo cada vez mais intenso e eficaz.
E peço também que a Missão de Combate às Tripanossomíases seja integrada na Direcção dos Serviços de Veterinária, à semelhança do que se faz noutros países e como tem sido insistentemente recomendado em congressos e reuniões internacionais. Isto quer dizer que o actual serviço de combate às tripanossomíases teria de dividir-se em duas secções a de combate às tripanossomíases animais, que seria integrada nos serviços de veterinária, e a de combate à doença do sono, que passaria a constituir uma secção especial dos serviços de saúde.
Deixo aqui a sugestão, que, de resto, não é a primeira vez que é feita, esperando que ela mereça a devida atenção de quem de direito.
Não me refiro à actuação da brigada de estudos das pastagens, que despendeu perto de 10 000 contos da dotação inscrita no II Plano de Fomento para estudos agro-silvo-pecuários, por me não ter sido possível colher todos os elementos que me permitissem uma apreciação do problema das pastagens em Moçambique.
Sr. Presidente: Vejamos agora, num apontamento que farei o possível por que seja rápido, como no Plano Intercalar se encara o fomento pecuário de Moçambique.
As primeiras providências que se tomam são precisamente as que procuram resolver as deficiências verificadas na execução do II Plano de Fomento.
Constam do respectivo projecto a conclusão e apetrechamento do Laboratório Central de Patologia Veterinária, a instalação de pessoal técnico auxiliar na Estação Zootécnica Central e noutros estabelecimentos zootécnicos e de fomento pecuário, a erradicação da tuberculose e o combate à brucelose, a construção dos tanques carracicidas que ficaram por construir na vigência do II Plano, a construção de mais 50 tanques carracicidas, e a reparação de cerca de 200 outros tanques que se encontram em funcionamento.
Não se indicam no projecto as verbas que se destinam a fazer face às despesas com estes empreendimentos,

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estão incluídas na verba global respeitante ao fomento da agricultura, da silvicultura e da pecuária.
Deduz-se, porém, do programa apresentado que, uma vez mais, se planeou com modéstia no capítulo relativo ao fomento da pecuária.
Neste cômputo das necessidades da pecuária é que, segundo me parece, se cometeu um erro muito grave.
É a pecuária, em Moçambique, uma das actividades que se apresenta com maiores e mais imediatas perspectivas de desenvolvimento, dada a necessidade de, com os seus produtos, acudir, em primeiro lugar, ao próprio consumo interno e, depois, ao dos outros territórios nacionais. Tanto para a carne como para os lacticínios existe mercado que não será fácil abastecer inteiramente Só a província importa, por ano, mais de 80 000 contos de lacticínios e a metrópole importa do estrangeiro mais de 120 000 contos de carne congelada. Além disso, o consumo de carne a de lacticínios em Moçambique tende a aumentar consideràvelmente, devendo atingir cifras muito elevadas no dia em que as condições económicas de toda a sua população permitam o consumo regular, nas quantidades indispensáveis a uma alimentação equilibrada, de carne, leite, queijo e manteiga.
O consumo de carne e lacticínios da metrópole também tende a aumentar e, embora seja de esperar que a sua própria produção aumente, pode calcular-se que ela não chegará para um completo abastecimento das suas necessidades de consumo. Isto sem mencionar outras regiões do território nacional escassas de carne e de lacticínios, que precisarão, no futuro, de ser também devidamente abastecidas
Moçambique possui condições para desenvolver extraordinàriamente o seu armentio. O efectivo de cerca de 1 100 000 bovinos que hoje possui pode elevar-se, sem dificuldade, a mais de 6 000 000, e até, talvez, a um número muito maior. Mas para isso é preciso que se promova o fomento da sua pecuária, sem hesitações, sem tibiezas, com as verbas indispensáveis.
Foi isso que se não viu na intenção do II Plano de Fomento, e é isso que, mais uma vez, não pode deduzir-se dos objectivos do Plano Intercalar.
Têm-se tentado, através dos planos de fomento, diversas modalidades de povoamento com base na cultura do tabaco, com base na cultura do chá, com base na cultura do arroz, etc. Mas não vi ainda que se tivesse tentado o povoamento com base na pecuária, com excepção do magnifico exemplo da Cela, em Angola, onde se encontram colonos cuja maior fonte de rendimento é precisamente o leite. Esta seria uma forma de povoar e de enriquecer a economia da província.
É de lamentar o pouco interesse que o problema da pecuária tem merecido na elaboração dos planos de fomento, pois deveria ser-lhe dada uma posição de maior relevo, no sentido de colocá-la no caminho de um verdadeiro desenvolvimento. Este desinteresse por alguns dos seus aspectos mais cruciantes, entre os quais avulta o problema da água, é, sem dúvida, a causa da quebra do efectivo bovino, que começou a verificar-se a partir de 1963.
A província registou, em 1959, um efectivo bovino de 1 000 000 de cabeças, que se elevou, em 1962, para 1 142 000 cabeças, mas já no ano seguinte viu esta cifra reduzida, em vez de aumentada, para 1 126 000 cabeças.
Uma das principais causas da diminuição do nosso armentio são as secas, as secas implacáveis, que ainda no ano que findou vitimaram milhares de cabeças.
A falta de água para dessedentação dos animais não representa uma dificuldade insuperável. Ela existe, em grande parte, devido à incúria dos homens, que não procuram armazenar a água necessária na época das chuvas, quando as águas se perdem inùtilmente sem encontrarem quaisquer represas, mesmo as modestas represas de terra, baratas e fáceis de construir, que as barrem na sua corrida e es conservem, para mitigarem a sede não só dos animais, como dos próprios homens.
O decrescimento do efectivo das manadas em quase todas as regiões da província representa um sintoma muito grave. Decrescimento por vezes acentuado, que requer a imediata atenção do Governo e que exige que sejam tomadas medidas que sustem, em primeiro lugar, esse decrescimento ruinoso e que, em seguida, estimulem o crescimento do efectivo bovino.
O médico veterinário moçambicano Dr. José Marques da Silva, que no combate contra a mosca tsé-tsé percorreu quase todos os caminhos de Moçambique, escreveu um notável trabalho, subordinado ao titulo Panorâmica da Nossa Pecuária, no qual analisa o problema do decrescimento das manadas de bovinos da província.
Diz o Dr. Marques da Silva que nos distritos de Lourenço Marques e Gaza a bovinicultura dos autóctones se apresenta «com as cores reais sombrias». Há decrescimento das manadas em quase todas as delegações de sanidade pecuária, «assumindo gravíssimos aspectos sobretudo nas áreas do Sabiè, Magude, Guijá e Limpopo, onde se registou de 1960 a 1963 uma baixa nos efectivos de 35 677 bovinos, ou seja 11,7 por cento», que entre os não autóctones a bovinicultura, embora se não apresente com aspecto tão grave, «também não se nos mostra promissora». E acrescenta que «o problema n.º 1 dos dois distritos é o problema da água».
Nas terras de Magude e do Sabiá, diz o Dr. Armando José Rosinha (Inquérito à Evolução Sofrida durante um Período de Dez Anos pelos Núcleos de Gado Bovino a Sul do Rio Limpopo), «estão por ocupar pecuàriamente extensas áreas de pastagens, das melhores que existem em Moçambique, porque a falta de água é absoluta».
«Verifica-se, assim - acrescenta o Dr. Armando Rosinha -, que o problema da água se transforma, de facto, no elemento n.º 1 a resolver para que a criação bovina a sul do rio Limpopo tome o incremento que pode e deve ter».
Analisa ainda o Dr. Marques da Silva, no seu citado trabalho, a situação alarmante em que se encontram outros núcleos de bovinos da província. Diz, por exemplo, que no distrito de Inhambane, com exclusão da Circunscrição de Panda, a bovinicultura está em franco declínio, que no concelho de Tete e na Circunscrição de Maguè «morrem por ano, por falta de água (à sede), cerca de 3000 bovinos», e que este número de baixas continuará a aumentar de ano para ano, não só vitima da sede, como também sacrificada pela fome; que «o núcleo da Angónia definha alarmantemente devido à fome».
Gostaria de trazer para aqui integrando-os nesta intervenção, outros passos do importante trabalho do Dr. José Marques da Silva, mas o tempo de que disponho para usar da palavra não me permite dar satisfação a este meu desejo. Chamo, porém, para esse trabalho a atenção dos serviços que no Ministério do Ultramar tomem decisões sobre a execução do Plano Intercalar de Fomento para que as verbas a distribuir para o fomento da pecuária - insisto no meu pedido - sejam suficientes para resolver os graves e importantes problemas que sufocam o seu desenvolvimento e a arrastam para a completa ruína Não chamo a atenção dos técnicos de Moçambique, porque esses conhecem o problema em todos os seus aspectos, e, se não conseguem resolvê-lo, é porque não têm ao seu dispor meios para o fazer

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Já que falei em técnicos dos serviços da província, seja-me permitida uma palavra para relatar uma injustiça de que são vítimas os técnicos dos serviços de veterinária.
Na lista dos técnicos abrangidos pelas letras D e E do quadro comum do ultramar correspondem apenas 7,5 por cento aos serviços de veterinária, em comparação com outros serviços das províncias ultramarinas, cujas percentagens oscilam entre 20 e 40 por cento.
A influência desta injusta classificação de categorias repercute-se, em relação à média anual dos vencimentos percebidos pelos técnicos dos outros serviços e os médicos veterinários, em diferenças a favor daqueles que vão desde cerca de 4000$ até cerca de 18 000$. Acresce ainda que os médicos veterinários não foram beneficiados com a e de brigadas ou institutos, os quais deram lugar a uma valorização de vencimentos, nem usufruem de gratificações, de subsídios para rendas de casa, de ajudas de custo dentro das áreas das suas delegações, algumas das quais, como no caso das três delegações do distrito do Niassa, com um único médico veterinário para uma área de 120 135 km 2!
Esta situação anómala cria na classe dos médicos veterinários um clima de descontentamento, que só a justiça poderá reparar. Impõe-se, portanto, que seja revista a situação.
Sr. Presidente: Em face de tudo quanto acatei de expor, não pode deixar de caber aqui um comentário de amarga decepção. Viu-se como se falhou, num sector da vida de Moçambique, nos objectivos propostas pelo II Plano de Fomento, perdendo-se, em tempo e em resultados, benefícios que contribuiriam para um maior desenvolvimento da pecuária de Moçambique. Mas não é com a timidez de verbas restritas e com a não execução ou com a meia execução, ineficiente e incompleta, dos planos traçados que se podem conseguir resultados satisfatórios que imprimam à província o progresso que ela já deveria ter encontrado.
Cabe aqui também uma palavra de desgosto perante a anomalia dos mapas de empreendimentos respeitantes ao Plano serem elaborados longe de Moçambique, certamente sem o conhecimento exacto da prioridade a dar aos mesmos empreendimentos. É o caso dos 100 contos distribuídos em 1964 para a construção de tanques carracicidas, importância que nem sequer chegava para a construção de um único tanque, quando ainda faltavam construir 35 para se dar cumprimento ao que tinha sido previsto no Plano. Dir-se-ia que estes 100 contos figuraram no mapa apenas para que a rubrica não desaparecesse inexplicàvelmente, como se tivesse sido escamoteada por um prestidigitador de malas-artes. Malas-artes que prejudicam o ultramar, que não pode estar sujeito a estas vicissitudes no cumprimento do que se te promete, vicissitudes, enganos e desenganos que impedem o seu desenvolvimento e, pior do que isso, que lançam a semente da descrença.
Tudo quanto disse acerca do problema da pecuária em Moçambique representa apenas uma imagem pálida do que é preciso fazer neste importante sector da vida agrária da província. Não é com indecisões, com planos e verbas mesquinhos que o problema pode resolver-se. É preciso, com urgência, que se aja definitivamente de modo a obter-se o desenvolvimento do armentio da província no sentido de se alcançarem as metas que, na verdade, é possível alcançarem-se.
É preciso que se proporcione mais assistência sanitária e zootécnica, bebedouros, cercados de arame farpado, postos de cobrição, tanques carracicidas, melhores pastagens. E que os quadros de técnicos e técnicos auxiliares dos serviços oficiais sejam dotados de um número que chegue para facultar essa indispensável assistência sanitária e zootécnica, assistência sem mentira, assistência de facto, de que resulte o melhoramento das nossas manadas, a solução das causas da quebra dos índices de natalidade, o combate implacável às zoonoses, o melhoramento das raças, o aumento da produção.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr Presidente, Srs. Deputados. Não constitui novidade para ninguém o dizer-se aquilo que, de há tempos a esta parte, vem sendo clamorosamente repetido que a viticultura nacional atravessa grandes dificuldades, um período de grave crise.
Pagando salários elevados para o amanho das suas vinhas, e em constante subida, e comprando adubos e produtos de tratamento caríssimos, a viticultura encontra-se a braços com uma situação difícil, pelo que reina grande descontentamento e desânimo entre os que dela vivem, especialmente entre os mais modestos lavradores, que tinham no produto da venda do vinho o principal valor da sua economia.
Com a garantia à produção de um nível de preços com pensatórios para o custo do vinho, assegurava-se ao viticultor uma certa estabilidade económica e condicionante de uma melhoria progressiva das suas condições de vida e, consequentemente, de uma melhoria das técnicas do cultivo e do fabrico do vinho.
Sabemos todos que a viticultura constitui um dos factores básicos da economia nacional, pelo que se impõe que a produção e o comércio de vinhos se processem em moldes de dar a mais larga margem de rentabilidade. E dada a incidência notável que têm na economia do País, as crises do vinho reflectem-se nos outros sectores da vida económica nacional. Essas crises, as mais agudas, surgiram no dia em que a capacidade de produção ultrapassou as possibilidades de consumo.
Com um aumento incessante do plantio da vinha (só de 1962 para 1963 houve no nosso país, segundo a estatística do Office International du Vin, um aumento de perto de 10 000 há! ) e o consequente aumento de produção sem o correspondente e desejado acréscimo do consumo, têm-se verificado nos últimos anos crises de abundância a que não tem sido fácil dar escoamento através da exportação. Mas para além do facto de o consumo interno e a exportação sei em insuficientes para o escoamento dos nossos vinhos, existem outros factores a pesar de modo decisivo na actual conjuntura vinícola. É que as colheitas, já de si volumosas, são ainda ampliadas fraudulentamente pelas práticas correntes do rebaixamento aquoso utilizadas nos armazéns de vinhos, fabrica-se vinho a «martelo», como sói dizer-se, obtido com fermentação de açúcar ou com aguardente de figo e outros processos proibidos e condenáveis.
Ainda não há muito, os jornais noticiaram que, em Angola, uma empresa industrial está já a fabricar 500 000 l de uma beberagem qualquer a que se dá o nome de «licor de vinho», mas que de vinho de uvas nem uma gota tem, numa concorrência desleal e que se contrapõe a quaisquer medidas que se impunham para o escoamento da superprodução existente. Por outro lado, a qualidade do vinho não melhorou, pois quando os vinhos deteriorados ou defeituosos deviam seguir o caminho das destilarias

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aparecem antes a afectar nos lotes a qualidade dos bons, prejudicando, por isso mesmo, a cotação destes no mercado.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Deste facto resulta também um decréscimo no consumo, o que, de resto, não admira, pois o que ao consumidor não agrada não é possível evitar que sobeje.
Frente a anteriores colheitas abundantes, a Junta Nacional do Vinho tem tido acção relevantemente meritória, estabilizadora de preços por intervenções maciças no mercado interno, sustando os preços de compra à lavoura, livrando-a de uma descida brusca e de efeitos desastrosos.
Um imperativo de justiça manda que se tenha esta palavra de louvor para com aquele organismo, que, no seu papel coordenador e regularizador do mercado dos vinhos, suportou o encargo das existências sem colocação. Vencidas as dificuldades nas abundantes colheitas dos anos de 1961 e 1962, outro tanto não conseguiu a Junta Nacional do Vinho fazer em relação à colheita de 1963. Certo é que foram retiradas do mercado 350 000 pipas, mas as preocupações surgiram quando a Junta, por confessada falta de fundos, teve de protelar a liquidação dos vinhos comprados, e até a entrega do abono de 1$ por litro requerido pelos viticultores e que normalmente lhes era feito cerca de 30 dias após a entrega do vinho.
Com tal situação, gerou-se o desânimo e o pânico entra quantos, vivendo penosamente da lavoura, ainda tinham no vinho a sua principal fonte de receita. E a situação tornou-se particularmente grave e angustiosa para os pequenos viticultores, que, à falta de capital para fazer face aos encargos com o cultivo das vinhas, viam aproximar-se nova colheita, e ainda com o vasilhame ocupado pela do ano anterior que se encontrava na adega e, na grande maioria dos casos, entregue à Junta, mas sem estar paga nem saber-se quando o seria. É com estas perspectivas nada animadoras que surge a última colheita de 1964, também superior à média, e se iniciam, sem dinheiro, sem ânimo e com agravamento tributário, os trabalhos para a colheita de 1965.
Sem dinheiro e na ânsia de o conseguir para fazer frente aos mais prementes encargos, o pequeno viticultor lança-se nas mãos dos negociantes, que lhe oferecem preços baixos pelo vinho, por vezes inferiores aos do custo da produção. Recorre às instituições de crédito agrícola, às caixas de crédito da sua área, e, quando não obtém destas o necessário para o custeio das suas despesas, lança-se nas mãos da banca comercial e na dos agiotas, que, vendo-os naufragados, lhes exigem juros incomportáveis.
É nesta sombria atmosfera para a viticultura nacional que surge o lançamento de uma taxa de $40 sobre cada litro de vinho da colheita de 1964 produzido na área da Junta Nacional do Vinho, assunto este que já foi objecto de reparo por parte dos ilustres Deputados Sales Loureiro, Augusto Simões, Marques Fernandes e Cancella de Abreu.
Em aparte à intervenção do Sr. Deputado Sales Loureiro dissemos o que pensávamos e o que a nossa consciência aconselhada quanto ao facto de a taxa ser uniforme, não levando em conta os diferentes custos de produção, nomeadamente entre as regiões onde a vinha está mecanizada e outras onde não está, parecendo-nos que com tal medida se teria tido em vista defender mais a grande lavoura do que a média e a pequena.
Por outro lado, a providência do lançamento da taxa não se nos afigurou polìticamente boa, pois que se endossaram ao Governo as odiosas responsabilidades na sua concepção e aplicação, quando é certo que este apenas a autorizou no convencimento em que estava de que tal solução havia sido sugerida e aceita por toda a viticultura nacional, o que parece não corresponder bem à realidade em face das reacções em contrário que provocou.
Considerada impopular e inoportuna a referida taxa, há que encará-la como um «mal necessário» contra o aviltamento de preços, uma vez que, não concedendo o Estado os créditos precisos para que a Junta interviesse no mercado com preços iguais aos da anterior campanha, ela se contraporia a um mal maior, que seria o de uma baixa de preços superior ao que resultava da aplicação da mesma taxa.
Para neutralizar as reacções desfavoráveis que o seu lançamento provocou, impunha-se que a intervenção anunciada se pusesse imediatamente em marcha e que, no mais curto espaço de tempo, fossem liquidados os vinhos recebidos pela Junta e respeitantes à colheita do ano de 1963. Se assim acontecesse, ter-se-ia criado um clima psicológico mais propício à aplicação de uma taxa que pareceu indispensável a um imperioso e doloroso equilíbrio da nossa viticultura.
Mas as coisas não se processaram com a rapidez que se requeria para criar tal clima, e os negociantes pouco escrupulosos e oportunistas, numa bem orientada campanha, com tanto de satânica quanto de inteligente, e aproveitando-se do abalado prestígio da Junta, levaram os mais débeis viticultores a vendas intempestivas e a preços ruinosos.
Ainda nesta altura, e são já passados quatro meses após a publicação da Portaria n.º 21 006, referente à taxa sobre os vinhos, não só se encontram por liquidar vinhos entregues à Junta e relativos a colheita de 1963, como também se processa muito vagarosamente, embora em ritmo regular, a retirada dos vinhos da campanha de 1964 e o pagamento dos respectivos abonos. Dos transtornos que tudo isto provoca na já tão amargurada vida dos pequenos lavradores falece-me a coragem de os referir, por serem de todos sobejamente conhecidos.
E a situação mostra-se confusa e preocupante, porque, tendo sido apresentado o lançamento da taxa como «elixir» para, na conjuntura actual, resolver ou pelo menos esbater sensìvelmente a crise que atingia e atinge ainda duramente a viticultura nacional, tal medida não trouxe na prática o saneamento da atmosfera de desânimo e penúria que pesava e ainda pesa sobre os produtores, especialmente os pequenos, que constituem a grande maioria. É que, contràriamente ao que se supunha, não se melhorou com tal providência tributária a cotação de preços do mercado, pois que os produtores continuam a ver-se na necessidade de aceitar as propostas para compra a preços inferiores feitas pelos armazenistas, em virtude de as que são feitas à Junta Nacional do Vinho não se concretizarem com a rapidez de tiragem do produto e do consequente e ambicionado pagamento.

O Sr. Ernesto de Lacerda: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor

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O Sr Ernesto de Lacerda: - A tabela da Junta dos Vinhos é a mesma, o que há é um acréscimo de $40 em litro, que afinal recai sobre o produtor.

O Orador: - Exactamente

Pausa.

O Orador: - Mas também pelo tocante ao consumidor as coisas não se processaram conforme a boa e recta intenção dos proponentes da taxa, pois aquele veio a pagar mais caro o vinho que bebe, agravando-se assim a comercialização do vinho, que é uma das causas principais na sua crise, com proveito apenas para toda uma série de intermediários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A comercialização do vinho, que implica, além da qualidade, a manutenção de tipos estandardizados, acabando de vez com o fabrico de «mistelas» rotuladas de vinho, podia e devia caber às adegas cooperativas. Estas, porém, são ainda em número reduzido para satisfizer as necessidades e actuam apenas como grandes produtores, não conseguindo, como já foi dito, resolver neste nível os seus problemas de venda.
A medida adoptada pela Junta Nacional do Vinho tem, segundo se disse, um carácter provisório, pois diz respeito só à colheita de 1964 e até à adopção das soluções de fundo que o problema do vinho requer e que, até aqui, tem sido lamentàvelmente proteladas, com graves prejuízos para a viticultura nacional.
Entre as providências de fundo que se impõem para eficazmente atacar a crise vinícola figuram como principais as relativas ao álcool e ao plantio da vinha.
O problema do álcool deverá com urgência ser estudado e solucionado no sentido de evitar que as duas economias - vinho e álcool - se mantenham concorrentes com grave prejuízo para a primeira, mas se tornem antes complementares uma da outra e postas em pé de igualdade. Quanto ao plantio da vinha, impunha-se a sua imediata suspensão, o que em boa hora o Governo mandou já fazer com a publicação, em 19 do passado mês de Março, do Decreto-Lei n.º 46 256.
A actualização necessária e já anunciada do regime do condicionamento do plantio da vinha terá de assentar em moldes novos e tanto quanto possível em critérios rígidos, objectivos e justos, de modo que possam ser chamados à responsabilidade os que de qualquer modo prevariquem, evitando-se assim que as autorizações para o plantio de vinha sejam conseguidas em função da influência social, económica ou política dos requerentes, mas sim e sòmente em função do inaproveitamento dos terrenos para outras culturas e sempre à luz os superiores interesses nacionais.

O Sr Pinto de Mesquita: -Muito bem!

O Orador: - Mas importa que não percamos mais tempo do que aquele que se tem perdido com soluções provisórias que nada resolvem, antes protelam e agravam os problemas existentes.
A lavoura nacional aguarda desde há muito que os governantes se debrucem atentamente sobre os seus problemas, estudando-os e conseguindo para eles as mais convenientes e acertadas soluções. Serão precisas medidas drásticas nalguns casos? Pois que venham elas, se o interesse nacional assim o reclamar.
As corajosas e encorajantes afirmações que o novo e ilustre titular da pasta da Economia fez ao definir o rumo que vai imprimir à economia nacional constituíram como que um bálsamo de esperança lançado no nosso mundo rural, por traduzirem uma linguagem que desde há muito não estávamos habituados a ouvir quando se falava do sector primário.
«O que importa é a decisão de começarmos já para não chegarmos tarde », disse o Sr. Dr. Correia de Oliveira.
É efectivamente o que importa começar já. No que respeita à viticultura importa começar já a liquidar totalmente e com urgência os vinhos que a lavoura entregou a Junta na colheita de 1963 e propiciar-se tudo de modo que a intervenção daquele organismo no mercado interno (e para a execução da qual foi lançada a impopular taxa sobre a produção) se faça em termos de maior celeridade, para que seja restituído à Junta o prestígio de que gozava como instrumento regularizador de preços, e se dê aos viticultores o alento necessário para prosseguirem no seu árduo esforço e na sua dedicação à terra, com a antecipada certeza de que a sua acção não será objecto de desinteresse e motivo de ruína.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Lopes Vasques: - Sr Presidente: Pedi a palavra para tratar de dois assuntos de extrema relevância para o distrito de Beja. Procurarei ser breve e conciso, pois os muitos trabalhos que assoberbam as horas de que V. Exa. dispõe assim o exigem.
E se da brevidade e aspectos aligeirados com que irei tratar dos dois assuntos pudesse haver algum prejuízo paia os mesmos, na sua completa elucidação, fica-me a certeza de que os dois importantes departamentos aos quais eles interessarão - o Ministério da Economia e o Ministério das Finanças - saberão vir a conhecê-los na profundidade que merecem e nas providências que reclamam.
E entro já no primeiro.
O distrito de Beja, como aliás toda a terra alentejana, tem vindo a viver, nos últimos anos, um tempo de desesperança, com base na conhecida e reconhecida crise da lavoura. Os próprios Poderes Públicos sabem que assim é. E tudo por lá corre mal quando mal vão as coisas para a lavoura.
Uma vaga luz de esperança está a surgir com o ano agrícola que corre, luz que mais se avivou com a comunicação recente do Sr. Ministro da Economia.
Aliás, já nesta Câmara vozes autorizadas de homens ligados à lavoura souberam prestar ao Sr. Ministro as homenagens devidas, e porque S. Exa. nos habituou a conhecê-lo naquele dinamismo actuante que lhe é peculiar, espetamos que das palavras à acção medeie apenas o tempo necessário para pôr os problemas em condições de começarem a ser resolvidos.
Quanta esperança vai lá por baixo, pelo Alentejo, nas palavras do titular da pasta da Economia!
Eu sei que reafirmo um lugar-comum se disser da necessidade de se atender ao desenvolvimento gradual, simultâneo e profissional dos três sectores da economia nacional a indústria, a agricultura e serviços.
Aliás, a encíclica Mater et Magistra afirma-o exuberantemente e a palavra autorizadíssima do Santo Padre João XXIII ecoou por todo o Mundo, reconhecida como a mais alta e acatada como a que serve, verdadeiramente, os mais altos valores do homem

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Nesse aspecto da economia nacional, todos o sabem, cabe aos Poderes Públicos papel preponderante de orientação, procurando actuar nos desequilíbrios entre três sectores de forma a conseguir-se a unidade no plano nacional, unidade que é exigida pelo fim mais elevado do bem comum de toda a Nação.
E também sabemos, Sr. Presidente, que o nosso país, em vias de desenvolvimento, não se afasta da chamada lei da «sociedade dualista» e, por ela, viverá com áreas restritas de economia desenvolvida, cercadas, estas, de largas zonas de economia tradicional.
Em trabalho notável publicado pelo economista Sedas Nunes, no número especial de Análise Social comemorativo do cinquentenário do I S C E F, trabalho que fornece elementos riquíssimos para estudo e também para meditação e acção, encontra-se a indicação dos lugares privilegiados de radicação da economia e sociedade moderna em Portugal continental, e eles são, «mais pròpriamente que os distritos de Lisboa e Porto, os grandes aglomerados urbanos que estes distritos albergam, ou seja as duas grandes cidades e as suas ramificações urbanas e industriais».
E em análise que chega a ser de leitura empolgante vamos tomando contacto, naquele trabalho, com toda uma riquíssima colectânea de factos vistos à luz da nossa posição.
E se cito o trabalho e o autor será, tão-sòmente, porque, a propósito do assunto que me proponho tratar, tive de frisar o nosso desnível entre os três sectores da economia nacional, desnível que no Baixo Alentejo tem aspectos impressionantes, por carência total do desenvolvimento do sector industrial.
Há que acudir à lavoura, em todos os escalões que serão ou estarão a ser conhecidos pelo Ministério da Economia, através do Secretariado da Agricultura, e, nesses, a esperança da hora que passa - já o disse atrás - é grande.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas há que acudir-lhe em todos os aspectos que possam interessar-lhe, a ela, lavoura, e à economia geral de todo o Alentejo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador - E a industrialização dos produtos da terra ou dos produtos que se destinam à terra, ou quaisquer outros aspectos de industrialização realizada lá, mas lá, no Baixo Alentejo, impõe-se para solução em unidade de todos os seus problemas. Até porque esta poderá vir a ser também uma das soluções para esse momentoso e angustiante problema do êxodo, que mereceu ao economista atrás citado esta pungente passagem, depois de afirmar que o êxodo deixou de ser rural para ser nacional.

Assim começa o verdadeiro êxodo, que já não arrasta apenas os que não tinham, nem teriam, lugar e função na economia e na sociedade tradicionais, mas também os que aí estavam fixados e ocupados ou aí se poderiam fixar e ocupar. E o movimento desenrola-se, cresce, avoluma-se, segundo um processo cumulativo. Os que partiram são como sondas de prospecção daqueles que ficaram.
Pelas cartas que escrevem, pelas encomendas que enviam, pelo dinheiro que remetem, pelas casas que mandam reparar ou comprar, se confirma que a aventura de partir vale bem ser vivida. E também vêm deles chamadas, ajudas, promessas. Logo por cada um que já partiu outros vão, e por cada um que parte outros hão-de ir.
Para além de certo ponto, dá-se a rotura de toda a coesão local. Quebram-se os laços sociais - e a corrente do êxodo torna-se enfim avalancha. Pois que num contexto por de mais rarificado a vida social amortece e desagrega-se, a actividade económica sofre crescente paralisia e nada mais prende ninguém ainda com idade de esperança. Já não importam as oportunidades locais, já nem trabalho nem terra é atractivo ou prisão, já só interessa partir. E os últimos homens válidos um dia lá marcham. Ficam velhos, esperando a morte na rotina. E ficam mulheres e crianças esperando a sua vez de ir também.
Eis o facto ou movimento perante o qual estamos postos.

Neste momento dirige o Secretariado da Indústria um alentejano ilustre que ao País tem vindo a dar, nos altos cargos a que tem sido chamado e sem regatear esforços, toda a força da sua inteligência ao serviço de uma dedicação sem limites pela causa pública. Ao Sr Eng.º Amaro da Costa daqui apelo no sentido de poder orientar, também para a sua e nossa província, zona carregada da economia tradicional, o movimento do surto industrial que está a valorizar algumas regiões do País, mas que teima em fixar-se nas áreas restritas da economia moderna. E pelo distrito de Beja há zonas muito carecidas de algum desenvolvimento industrial, nomeadamente nos concelhos de Mértola, Castro Verde, Ourique, Almodôvar, Odemira e Serpa.
Temos a certeza de que a acção em unidade dos três Secretariados do Ministério da Economia, com a alta clarividência coordenadora do Sr Ministro, farão o milagre por que todo o Alentejo anseia.
E urge enfrentar todo o problema económico alentejano, porque agora ainda estaremos a horas Um pouco mais de tempo e tudo pode ser muito tarde, tal tem sido a força devastadora da economia alentejana no evoluir destes últimos anos.
O outro, assunto, Sr Presidente, não será dos que mais andam no conhecimento das gentes, mas nesta precisa hora tem alto interesse para algumas regiões do distrito de Beja ou, dizendo de forma específica, para a vida de alguns municípios daquele distrito, sobretudo para os de Beja, Odemira e Aljustrel.
O novo regime tributário, no seu desejo louvável de procurar atingir, com a maior aproximação possível, o rendimento real dos contribuintes trouxe, com o actual Código da Contribuição Industrial - Decreto-Lei n.º 45 103, de 1 de Julho de 1963 -, uma alteração que muito está a preocupar os responsáveis pela gerência dos municípios trata-se da tributação dos empreiteiros.
No regime anterior - Decreto-Lei n º 42 084, de 3 de Janeiro de 1959 - cada empreitada era colectada separadamente e as câmaras dos concelhos onde a respectiva actividade era exercida procediam à liquidação da licença de estabelecimento comercial ou industrial por aplicação directa da respectiva percentagem sobre a verba principal da contribuição liquidada para o Estado, conforme estipulava o artigo 712.º do Código Administrativo.
Neste, novo regime criado com o decreto-lei de 1963 deixou de haver lugar à tributação dos empreiteiros por cada empreitada separadamente e passou-se a atender ao provento real de todas as suas actividades, apurado anualmente em globo.
Adaptando-se a estas novas condições de tributação pelo Estado, houve mister de reformar o também já citado artigo 712.º do Código Administrativo pelo De-

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creto-Lei n.º 45 676, de 24 de Abril de 1964, e, assim, em sua nova redacção, diz-se nesse artigo 712.º que as empresas que exerçam actividade em mais do que um concelho pagarão o imposto de comércio e indústria - nova designação da licença de estabelecimento comercial ou industrial - na câmara municipal do concelho onde lhes foi liquidada a contribuição industrial, que é, evidentemente, e geralmente, o concelho onde tem a sua sede.
É certo que o § 1.º desse mesmo artigo 712.º dispõe que «o imposto de comércio e industria será repartido pelas câmaras municipais dos concelhos onde as empresas possuam a sede, escritoras de administração, filiais, sucursais, agências, delegações ou qualquer outra forma de representação própria permanente». E na continuação esse § 1.º e os outros que se seguem explicam como se deve processar todo o problema de contabilidade entre as diversas câmaras municipais.
Parece, assim, que a lei foi prudente e cuidadosa, porque procurou atender aos interesses das diversas regiões onde se estabelecem as empreitadas, o que é lógico, justo e moral. E nem precisaremos justificar isto, até porque o mesmo se subentende da própria modificação que se fez ao artigo 712.º do Código Administrativo e ao seu articulado.
Mas surgiu o que talvez não fosse esperado pelo legislador!
No primeiro ano de vigência, em pleno, do nove sistema já apareceram empresas de cuja idoneidade não será lícito duvidar, atendendo, até, à sua grande projecção nacional, que declaram não lhes ser possível determinar o rendimento obtido nos concelhos onde têm empreitadas porque tudo é feito em globo na sua sede, outros declaram, já, que no ano de 1963 ainda foi possível, mas que pé futuro não seria possível obter a discriminação. Quer dizer aquele princípio, fácil para as câmaras, de aplicarem a percentagem respectiva sobre a verba principal da contribuição liquidada para o Estado, quando tudo se passava nos concelhos onde se realizavam as empreitadas, desapareceu. E as câmaras municipais ficarão inibidas de conhecer a discriminação e, porque nem há discriminação, acabarão por ficar inibidas de receber as percentagens a que têm jus e que derivam do consentimento da própria lei!
Apenas conhecerão, essas câmaras municipais, o travo amargo das responsabilidades aumentadas, da própria vida municipal encarecida, da dificuldade, frequente de preencher os seus quadros, do aumento de encargos, nomeadamente, em casos conhecidos, com iluminação pública, arruamentos, serviços de higiene e limpeza, etc, além de que assim verão cerceadas as suas justas receitas num momento em que circunstâncias especiais maior esforço financeiro exigem aos municípios.
Para apresentar um caso concreto, poderei referir o de Beja nos próximos dois ou três anos estão calculados investimentos de cerca de 2 milhões de contos em empreitadas, a contribuição industrial para o Estado andará pelos 15 000 contos, a que corresponde o imposto de comércio e indústria do montante de 6750 contos que será, talvez, arrecadado pelas câmaras municipais das sedes das empresas adjudicatárias, pela impossibilidade de se conhecer a tal discriminação por empreitadas. E assim iria ser, certamente, em todos os casos, até porque às câmaras municipais não é nem será possível montarem fiscalização especializada para actuar nesse sentido. Repetimos não será lógico, nem justo, nem moral, que isso possa acontecer.
Ao Sr. Ministro das Finanças e à sua reconhecida capacidade de distinto e destacado homem público esclarecidíssimo na sua inteligência e voltado, decididamente, como todo o País o sabe e reconhece, para a verdade e para a razão, apelamos para que solução conveniente surja e, assim, não possam acontecer os prejuízos que se prevêem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Fernandes:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora já três Srs. Deputados hajam feito elogiosas referências e brilhantes comentários ao discurso pronunciado pelo Sr. Ministro da Economia, não resisti à tentação de, em curtas e breves palavras, testemunhar a S. Exa. o benéfico e tranquilizante efeito produzido em todos os sectores da economia nacional, especialmente nos que se dedicam à lavoura.
Não me parece que mal pareça de novo pôr em destaque um programa que se afirma de tal modo construtivo que todos os encómios nunca serão de mais para o homem que, devotado de alma e coração ao bem comum, em hora própria, vem desanuviar o carregado ambiente político-social que a Nação respirava.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um plano de trabalho providencialmente elaborado com tal firmeza e decisão que, ultrapassando o campo das legítimas aspirações, nos dá a certeza de que a economia nacional foi enfim entregue em mãos firmes e seguras

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Logo de início se deixa ver que a política económica abrangerá a totalidade do espaço português.
Quer isto dizer que essa política não só se deve expandir a todo o território português, de aquém e além-mar, como a todas as actividades económicas, incluindo as primárias, que tão esquecidas têm andado dos sectores governamentais.
Impõe-se, como afirma o Sr. Ministro, acabar com o desequilíbrio intersectorial.
Não se compreende, em boa verdade, que haja sectores de actividades económicas em franco progresso, feito, em grande parte, à custa de outros sectores. Se todos somos portugueses, e com trabalho e com haveres contribuímos para o bem comum, justo é que, com equidade, todos sejam alvo das atenções governamentais. De outro modo, nós, que tanto nos gloriamos de não fazer distinção de cores e de raças, acabaremos por viver numa sociedade constituída por protegidos e por deserdados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenhamos sempre presente o princípio enunciado pelo Sr. Presidente do Conselho «Enquanto houver uma boca sem pão a Revolução continua».
Ao inegável esforço do Governo no sentido de criar uma estrutura industrial que possa ombrear com a estrangeira nada tem correspondido no sector primário. Daí a verdadeira penúria a que se deixou chegar a agricultura portuguesa.
Diz o povo - o povo diz sempre bem - que «o pão quando nasce é para todos» e que «onde todos pagam nada é caro».

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A propósito lembro o aumento das contribuições prediais, com que, na hora difícil que atravessamos, não posso deixar de concordar, mas tão-sòmente a partir de certa matéria colectável.
Os únicos proprietários, aqueles que por mais que trabalhem a terra não conseguem tirar dela o suficiente para o seu sustento, já não digo que fossem isentos de contribuição predial - como bem se compreenderia -, mas, ao menos, que as suas contribuições não fossem elevadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não sei se as despesas com a defesa da integridade nacional o permitirão, mas a verdade é que onde o não há não deve tirar-se.
E já que estamos em matéria de lembranças, que, logo que possível, sejam mais bem retribuídos os funcionários que mal ganham para viver.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não me refiro a todos os funcionários, mas sòmente aos que auferem vencimentos que mal chegam para comer e vestir escriturários, polícias, soldados da Guarda Nacional Republicana, professores de instrução primária, etc.

O Sr. António Santos da Cunha: - V. Exa dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio

O Sr. António Santos da Cunha: - Não posso estar de acordo com V. Exa. Deverá dar-se aumento ao funcionalismo em geral, pois a classe média está por igual carecida de que se olhe pela sua situação.

O Orador: - Isso será o ideal. Mas o que eu pretendo é que as classes mais desprotegidas sejam as mais beneficiadas. Repito que o ideal seria que o aumento fosse geral, mas o principal deverá ser para os que mais necessitam.

Pausa.

O Orador: - O custo de vida continua em marcha ascendente. Não pára, nem dá indícios de parar. Nada peço para mim, repare-se bem, mas para aqueles cuja vida se vai tornando cada vez mais difícil, por falta de meios. Com as minhas desculpas, pelo desvio do fim que aqui me trouxe, retomemos o fio à meada.
O Sr. Ministro da Economia, esclarecendo o público do esforço do Governo no sector das exportações industriais, afirma que o aumento verificado do ano de 1959 para o de 1964 foi de 240 por cento, sendo o do ano de 1963 para 1964 de 85 por cento.
Em relação aos produtos agrícolas nada se diz, certamente porque pouco ou nada haveria a dizer, e, consequentemente, não há que estabelecer termo de comparação entre as exportações dos produtos industriais com os produtos agrícolas.
De igual modo se referenciou o esforço de preparação dos industriais, destinado à competição com os seus congéneres estrangeiros, e nada se disse quanto à preparação dos agricultores.
Também aqui bem pouco haveria a dizer, pois aberta e claramente se fala na crise da agricultura, acrescentando-se que «vencer essa crise é um imperativo da Nação».
Estas palavras, acompanhadas de outras de igual significado, entre as quais me permito destacar que «o que importa é a certeza de que atingiremos o nosso fim e é a decisão de começarmos já para não chegarmos tarde», dão aos agricultores um sentado de confiança plena no homem que à frente do Ministério da Economia se vai abalançar, sem perda de tempo, à gigantesca obra de arrancar o País do marasmo agrícola em que se encontra.
Para tanto pede que o lavrador e o Governo actuem em bloco.
Cônscio das responsabilidades, que a clareza das afirmações de tão ilustre membro do Governo acarretam, o Sr. Dr. Correia de Oliveira alerta os menos conscientes de que a tarefa de debelar os males agudos de que enfermam as actividades agrícolas não é fácil nem de rápida solução.
Quase a concluir, diz mais S. Exa que o comércio tem de exercer as suas actividades no sentido de bem servir os interesses do produtor e do consumidor. Frase lapidar com tal poder de síntese que melhor se não diria num volumoso tratado. Na verdade, ao comércio cabe ganhar o que legìtimamente se considera justo, sem perder de vista a justa retribuição do produtor, salvaguardando os sagrados interesses do consumidor.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Esta e só esta a função do comércio, cujos lucras, divididos por uns tantos intermediários, vinham prejudicando a remuneração do produtor e sobrecarregando o custo de vida do consumidor.
Depois, o Sr Ministro faz referência à estabilidade dinâmica dos preços, afirmando que a essa estabilidade se deve o progresso verificado na generalidade das actividades nacionais, com particular relevo para a indústria. E como medida salutar logo anuncia que a política sectorial de preços deve ser transformada numa outra política que englobe todas as actividades produtoras.
Quase no final deste suculento plano de trabalho que os departamentos do Ministério da Economia vão encetar proclama-se a necessidade de manter a estabilidade financeira interna, meio indispensável ao progresso e à segurança nacionais.
E a terminar, com chave de ouro, proclama S. Exa. que, a par do progresso material, com tanto senso e tanta inteligência programado, há que ter sempre presente o progresso moral e espiritual, que concede encantos belos e justos à vida, que não morre, mas que perdurará.
Também eu vou terminar, pedindo a Deus, que com tantos talentos dotou o Sr. Dr. Correia de Oliveira, que faça render esses talentos na obtenção dos fins que se propôs atingir, com total e entusiástica adesão de quantos portugueses, dignos desse nome, houver em Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Já que a minha primeira intervenção nesta Câmara não pôde ser sobre problemas do meu círculo eleitoral, como tanto ambicionava, ao menos que a última o seja em homenagem à terra e às gentes que tanto amo e por quem lutei o melhor que pude e soube no sentido do seu progresso e da satisfação das suas necessidades.
A função do Deputado insula não se apresenta fácil por duas ordens de razões primeiro, porque as gentes

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do distrito, afastadas 900 milhas da capital, vêem no Deputado uma das vias pela qual julgam poder ver satisfeitas as suas aspirações ou necessidades, porque o Deputado para poder viver actualizado tem de contactar muito com as pessoas e com os serviços e ler tudo quanto lhe chegue à mão sobre o distrito.
Depois, o Deputado eleito por um círculo é, antes de mais, Deputado da Nação, o que quer dizer que tem de estar atento ao evoluir da vida nacional e nela intervir sempre que julgue necessário. Do somatório destas duas actividades resulta um esforço grande de trabalho, tanto maior quanto é certo que, não existindo a profissão de político, há que acumular a função política com a função profissional.
Mas o trabalho não pesa quando se pensa estar a cumprir consciente e honestamente uma missão e quando dele pode resultar alguma coisa de útil. Foi isso que tentámos, não sei se conseguimos.
Durante estes quatro anos a Junta Geral do Distrito e as câmaras municipais dos cinco concelhos continuaram a desenvolver intensa actividade no sentido da satisfação das necessidades públicas, apesar dos recursos de que dispõem. Socorreram-se das comparticipações do Estado, e deve-se dizer que este nunca as regateou sempre que se tratava de realizações justas.
O Estado, através dos seus serviços próprios, marcou presença directa, sobretudo no campo florestal, através da sua Direcção dos Serviços Florestais e Aquícolas, e no campo das obras públicas, através da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais e da Comissão Administrativa das Novas Instalações para as Forças Armadas.
O governador civil e os presidentes da Junta Geral e de algumas câmaras deslocaram-se com frequência e por aqui lutaram pela satisfação das necessidades públicas distritais.
O Ministério das Obras Públicas desempenha papel de grande relevo no desenvolvimento do distrito. Assim, no período de 1961-1965, este Ministério despendeu da ordem dos 46 681 contos sob a forma de comparticipações ou de encargos directos. Importa discriminar este importante investimento.

Posto da Polícia de Segurança Pública
na Vila da Praia da Vitória (em construção) 1 374 560$00
Reparação e conservação do Observatório
Meteorológico de Angra do Heroísmo 12 880$00
Convento de S. Diogo (vila do Topo),
pequeno restauro (a iniciar) 43 476$60
Igreja de S. Sebastião - monumento
nacional (não concluído) 242 733$00
Fortaleza de S. João Baptista (Angra do Heroísmo)
(restauro) 273 916$00
Escolas primárias (concluídas ou em
acabamento) 13 898 000$00
Edifício dos CTT de Angra do Heroísmo 2 050 000$00
Alfândega de Angra do Heroísmo e Vila
da Praia da Vitória 486 000$00
Melhoramentos rurais - estradas e caminhos
(comparticipações) 8 054 000$00
Melhoramentos urbanos - arruamentos, edifícios
e mercados (comparticipações) 5 894 000$00
Abastecimento de água e saneamento
(comparticipações) 4 447 000$00
Plano rodoviário do distrito (Decreto-
-Lei n.º 44 899) (comparticipação) 510 000$00
Cais do porto de Pipas (comparticipação) 4 965 000$00
Beneficiação do hospital regional (comparticipação) 41 999$00
Bloco cirúrgico de Vila da Praia da Vitória
(comparticipação) 120 120$00
Casernas do batalhão independente de
infantaria n.º 17 2 550 300$00
Comando da Defesa Marítima 339 500$00

É deveras impressionante o esforço que o Ministério das Obras Públicas vem fazendo no distrito, sobretudo quando pensamos que o vem fazendo há muito tempo. Citarei apenas dois exemplos no período de 1945 a 1960 foram gastos com as estradas do meu distrito, à custa do Orçamento Geral do Estado, 68 707 contos, nos anos 50 foram construídos os hospitais regional de Angra do Heroísmo e de Santa Cruz da Graciosa, com uma despesa total de cerca de 22 000 contos.
Estão planeados obras e previstas comparticipações para os anos próximos no valor de algumas dezenas de milhares de contos, julgo conveniente indicar algumas das mais importantes.

Comando distrital e esquadra da Polícia de
Segurança Pública de Angra do Heroísmo Escolas primárias 3 500
Edifício dos CTT em Santa Cruz da Graciosa 10 285
Edifício dos CTT nas Velas 860
Edifício dos CTT na Praia da Graciosa 870
Abastecimento de água 530

Lajes e Fontinhas (comparticipação) 1 105
Luz e Praia da Graciosa (comparticipação) 4 300
Santa Cruz da Graciosa (comparticipação) 600
Beira e Santo Amaro (S. Jorge) (comparticipação) 1 388

Viação rural (até 1967) (comparticipação) 2 728
Melhoramentos urbanos (até 1966) (comparticipação) 2 047
Aproveitamento hidroeléctrico da ribeira do
Santo Cristo (S. Jorge) 5 700
Liceu Nacional de Angra do Heroísmo (30
por cento pago pela Junta Geral) 14 000
Acabamento do quartel do batalhão independente
de infantaria n.º 17 - edifícios, água, luz e esgotos 21 230

Sobre estas obras planeadas permito-me chamar especialmente a atenção para o problema do Liceu Nacional de Angra do Heroísmo.
Sabe o Ministério da Educação Nacional as condições em que funciona o actual Liceu do P.ª Jerónimo Emiliano de Andrade, existe abundante documentação escrita e fotográfica, a imprensa local tem-se batido com ardor pelo nosso Liceu, a Câmara Municipal, num esforço financeiro talvez superior às suas possibilidades, comprou o terreno necessário à implantação do Liceu, a Junta Geral assumiu os encargos da elaboração do projecto, da fiscalização da obra e comprometeu-se a reembolsar o Tesouro em 30 por cento das despesas por este efectuadas, em dez anuidades iguais, a partir do ano seguinte ao da conclusão da obra. Pode-se, portanto, dizer que a administração distrital fez tudo quanto estava dentro das suas possibilidades para que a obra se realize

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Em meados de 1963 tudo estava pronto, mas faltava o dinheiro, tivemos a grande alegria de ver lançados os primeiros 3000 contos no orçamento de 1964. A obra ia começar. Mas o plano das necessidades em estabelecimentos para o ensino técnico e secundário, nas prioridades estabelecidas pelo Ministério da Educação Nacional, protelou o início da obra para os primeiros dias de 1966.
Daqui apelo para o Sr. Ministro da Educação Nacional, em reforço do que pessoalmente já fiz, para que o Liceu Nacional de Angra se inicie em princípios de 1966, por ser uma obra indispensável à eficiência do ensino secundário no meu distrito e ao próprio prestígio nacional numa terra onde existe um estabelecimento de ensino estrangeiro com magnífica estrutura funcional, servido por muito boas instalações e visando uma preparação idêntica a do nosso ensino liceal. Para mim, mais do que as más condições do velho Convento de S. Francisco, onde funciona o Liceu, choca-me a comparação que constantemente se faz entre o que é nosso e o que é estrangeiro.
Outro ponto para o qual me permito pedir a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas respeita ao abastecimento de água e saneamento do meu distrito. Se de uma maneira geral a cidade e as vilas têm o seu problema de águas e saneamento razoàvelmente solucionado, é necessário começar a estender este benefício às freguesias, sobretudo aquelas de maior valor económico e populacional. Estas são benfeitorias indispensáveis ao progresso social dos povos e, juntamente com a electrificação, constituem índice do seu bem-estar.
Foi com mágoa que verifiquei não ter sido possível introduzir no Plano Intercalar de Fomento o aproveitamento hidroeléctrico da ribeira de Santo Cristo, na ilha de S. Jorge. O projecto definitivo ficou concluído em 1962 e o Sr. Ministro doa Obras Públicas, sob parecer do Conselho Superior de Obras Públicas, aprovou-o em Agosto de 1963. Compreendem-se e justificam-se as dificuldades financeiras existentes, mas talvez que ainda seja possível iniciar a obra, estimada em 5700 contos, durante o actual Plano Intercalar. Apelo neste sentido para S. Exa. e conforta-me o êxito que constituiu a realização dos aproveitamentos hidroeléctricos da ilha Terceira, que, em alguns anos bons, têm dado rendimento económico muito superior ao previsto nos estudos que justificaram esta obra.
Quando as coisas são bem estudadas e econòmicamente realizadas, como foram estes aproveitamentos, hão-de conduzir sempre a bons resultados.
Deve o meu distrito ao Sr. Ministro das Obras Públicas muitíssimo. Mais ficará certamente devendo, porque a ingratidão não pertence a estas gentes.
O problema da electrificação do distrito tem sido uma preocupação das suas autoridades, mas as coisas não têm corrido com a urgência que as necessidades impõem, possìvelmente, dificuldades técnicas e financeiras dos serviços distritais têm dado um ritmo lento a este problema. A verdade é que sempre que os projectos chegam à Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos para serem comparticipados, esta, com relativa rapidez, lhes dá andamento. E, assim, nestes últimos anos foram concedidas comparticipações da ordem dos 3430 contos (electrificação de Ladeira Grande, Porto Judeu de Cima, Ribeira Seca, Doze Ribeiras e Serreta e compra do grupo electrogéneo de 1500 kW) para o concelho de Angra, 365 contos para o das Velas, 474 contos para o da Calheta e 647 para o de Santa Cruz da Graciosa.
Deve-se um palavra de gratidão ao anterior Ministro da Economia, Prof. Teixeira Pinto, pela magnífica compreensão e amizade com que sempre percebeu as necessidades do meu distrito.
Pendentes para comparticipação estão os projectos de electrificação das freguesias de Altares e Raminho, Cabo da Praia e Porto Martins, Casa da Ribeira, Belo Jardim e Tranqueiras, na ilha Terceira, e da compra de um grupo electrogéneo e electrificação de lugares na freguesia de Santa Cruz, na ilha Graciosa. Os projectos de electrificação das freguesias de Urzelina e Manadas e povoação da Beira, na ilha de S. Jorge, ainda não chegaram à Direcção-Geral.
Isto quer dizer que, se forem obtidas, como se espera para breve, as comparticipações solicitadas, serão mais umas centenas de contos concedidos pelo Ministério da Economia, e assim se dará mais um passo na electrificação do distrito. Temos, no entanto, de andar mais depressa neste sector e aproveitar o máximo da verba inscrita para o efeito no Plano Intercalar.
No sector agro-pecuário parece sentir-se uma certa animação no distrito. Fomenta-se a inseminação artificial, estabelecem-se novos critérios de selecção bovina, tentam-se novas culturas e intensificam-se outras (beterraba e tabaco), fala-se na fabricação de alimentos, para o gado, parece aumentar o armentio bovino, exporta-se mais gado vivo (dos Açores vieram para Lisboa, em 1964, 11 623 cabeças, mais 2400 que em 1963), aumenta a produção e a exportação de queijo, ensaia-se a fabricação do leite em pó, tudo isto com maior ou menor apoio dos órgãos dos serviços distritais e com uma presença muito importante, e em muitos casos total, da iniciativa privada.
Os órgãos centrais da Administração também têm marcado uma utilíssima actividade através dos serviços florestais e aquícolas. Desde a criação, há quase quatro anos, da circunscrição florestal do distrito, devida à alta compreensão dos Srs. Ministros das Finanças e da Economia e às diligências do actual governador civil, que se tem feito uma obra notável de recuperação de incultos. Está prevista a recuperação, para pastagem ou floresta, de 8000 ha na ilha Terceira, 600 ha na ilha de S. Jorge e 640 ha na ilha Graciosa.
Do planeado já estão recuperados 1250 ha nas ilhas Terceira e S. Jorge, além de construídos viveiros, bebedouros, depósitos de água, linhas telefónicas, caminhos florestais, casas de guarda, barracões, etc.
Desejo muito sinceramente felicitar os responsáveis pelos serviços distritais e agradecer ao director-geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e ao anterior Secretário de Estado da Agricultura, o nosso amigo e colega Eng.º Azevedo Coutinho, a boa compreensão sempre manifestada na atribuição das verbas necessárias. A obra está à vista e justifica o emprego do dinheiro. Espero que tudo se continue a processar, pelo menos, ao ritmo seguido até aqui. Estes são os meus votos.
A visita do Sr. Ministro das Corporações aos Açores no fim do ano passado constituiu um verdadeiro êxito pelo muito que a sua dinâmica iniciativa levou ao meu distrito. E era bem necessária a sua presença, porque de actividade corporativa pouco ou nada se via por aquelas terras. Foi criada e instalada a Caixa de Previdência de Angra, uma aspiração legítima do distrito, com uma massa operária bastante elevada, foi negociado o acordo com as autoridades americanas com vista a cobrir pela previdência os 2500 empregados portugueses ao serviço daquelas autoridades, foi anunciada a construção de habitações de renda económica destinadas a trabalhadores do comércio e da indústria - 160 fogos em Angra e 250 fogos na Praia, foi estudada a construção de mais 28 fogos na ilha de 6 Jorge destinados a trabalhadores rurais, ficou prevista a construção de dois infantários para filhos de trabalhadores, em Angra e na Praia, es-

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tuda-se uma maior densidade na cobertura do distrito com Casas do Povo; para já duas vão ser construídas - nos Rosais e nas Velas, ilha de S. Jorge.
Só tenho de formular dois votos um, a felicitar agradecer ao Sr. Ministro das Corporações a sua iniciativa e a formular a esperança de que o anunciado se realize ràpidamente; outro, a manifestar o desejo de o acordo com o Ministério da Saúde relativo ao tratamento hospitalar dos beneficiários da previdência possa ser concluído ràpidamente, a fim de que a vida das Misericórdias, em especial da Misericórdia de Angra do Heroísmo, possa decorrer com menos sobressaltos.

O Sr. Proença Duarte: - Muito bem!

O Orador: - Uma palavra sobre a recuperação da parte da ilha de S. Jorge abrangida pelos tremores de Fevereiro de 1964. O Governo prontamente acorrer apelo das autoridades e das populações do distrito. O Sr. Ministro do Interior e o Sr. Ministro das Públicas, em péssimas condições de tempo, deslocaram-se àquela ilha e, além do apoio moral da sua presença, tomaram no local decisões importantes no sentido de normalizar a vida das populações atingidas. Publicou-se legislação, o Sr. Ministro das Finanças concedeu a importante verba de 21 500 contos, criou-se uma brigada de públicas para planear e dirigir as obras, os Portugueses de todas as parte do Mundo, numa demonstração de solidariedade fraterna, acorreram com dinheiro, roupas e produtos alimentares, as autoridades distritais e a população de Angra deram evidentes provas de sacrifício e de renúncia no sentido de diminuírem os efeitos da desgraça. Presentemente tudo regressou à normalidade e nada surpreenderá se daqui a pouco tempo se vier a encontrar S. Jorge mais bela, mais evoluída, mais dotada de bens materiais do que antes dos tremores de terra.
Finalmente, uma aspiração de cultura, e porque não de maior portuguesismo, que a técnica, e creio que só a técnica, não tem consentido que se realize (paradoxal num mundo em que se diz que a técnica resolve tudo).
0 Rádio Clube de Angra é uma associação de cultura e informação criada pelos Terceirenses de todas as classes, que se mantém à custa das quotas dos seus associados, de uns subsídios da Junta Geral e de uma caixa económica e de uns anúncios que faz.
O Rádio Clube de Angra não visa fins comerciais porque não tem, nem pode ter, administradores a quem pagar, nem dividendos a distribuir - é contra o seu estatuto -, e o próprio pessoal que faz a locução ou monta os programas trabalha fora das horas dos seus empregos e talvez receba uns parcos centos de escudos ao fim de cada mês. Por outro lado, o Rádio Clube de Angra é, no distrito, o único meio contínuo de difusão de cultura e de informação todos os dias vai para o ar e todos os dias dá música e notícias.
A Emissora Nacional, como é sabido, não chega em condições audíveis àquelas terras, e para se saber o que se passa no mundo português é necessário que o Rádio Clube de Angra grave as notícias da Emissora ou as amplifique para que as populações do distrito possam saber as novas do dia. Além disso, o Rádio Clube de Angra tem-se mantido sempre atento e tem colaborado em tudo que respeita ao verdadeiro interesse nacional e fá-lo alegremente, gratuitamente.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - A respeito do Rádio Clube de Angra tenho a acrescentar algumas informações que à minha alma de açoriano me doem grandemente. É que a Emissora Nacional tem um emissor regional nos Açores que não só não se ouve em Lisboa, na América ou no Canadá, mas que não se ouve nas próprias ilhas dos Açores.

O Sr Agostinho Cardoso: - Talvez seja por isso que a Emissora Nacional não pôs ainda um emissor regional na Madeira!

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - O emissor regional dos Açores está localizado na ilha de S. Miguel e, tendo eu assistido este ano à inauguração de novos emissores e perguntado aos técnicos que lá os foram montar qual era o alcance desses emissores, eles responderam-me, com explicações de ordem técnica, mas que não satisfizeram o meu espírito, que esses emissores não chegariam às outras ilhas.
Perguntei-lhes mesmo se eu, morando do outro lado da ilha, a 18 km do emissor e separado apenas por montanhas que não atingem mais de 500 m de altura, o poderia ouvir, e responderam-me «Em certos dias é natural que possa ouvir» ,
Quer dizer que os Açorianos, se não fosse o Rádio Clube de Angra e o Clube Asas do Atlântico, de Santa Maria, que, embora sem ajuda do Estado, se ouvem em todas as ilhas dos Açores, ainda estariam privados de receber, por via oficial, tal benefício.

O Sr Agostinho Cardoso: - V. Exa., Sr. Deputado Sousa Meneses, pode informar-me se nos Açores se ouve bem Rádio Moscovo? É que na Madeira ouve-se maravilhosamente.

O Orador: - Essa maldita emissora ouve-se em toda a parte!

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Também o Alentejo tinha a pretensão de ter um posto emissor, mas isso foi-lhe negado por razões de ordem técnica. Mas nós estamos aqui para dizer a verdade, e a verdade é que essa pretensão foi rejeitada única e simplesmente porque estamos sujeitos a grupos de pressão.

O Orador: - Tanto quanto sei, nos Açores não temos ainda o problema dos grupos de pressão Mas o problema que mais me dói é que, para além de tudo isto, existe nas Lajes um posto emissor de radiodifusão estrangeiro, montado com todo o equipamento e potência de que essa nação estrangeira é capaz. Como ele tem bons programas, boa música, está muito actualizado na informação e cobre muitas ilhas dos Açores, acontece que muita gente liga os seus aparelhos de rádio para essa emissora estrangeira, não os ligando naturalmente para a Emissora Nacional, porque não a pode ouvir.
Pois bem: O Rádio Clube de Angra poderia ser uma espécie de antídoto, poderia dobrar a acção da Emissora Nacional, que se tem mostrado impotente, técnica ou materialmente, ou as duas coisas. Isto é importante.
É preciso conhecer bem as ilhas e a mentalidade das suas gentes, que, vivendo em estado de isolamento, têm anseios de cultura e informação e não devem, por interesse nacional, estar sujeitas a pressões e influências de outra natureza que não sejam influências e pressões nacionais.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Este ponto de razão política é muito importante, devendo neste caso do Rádio Clube de Angra ser factor decisivo no deferimento da sua pretensão.
Pois bem, o Rádio Clube de Angra luta desde 1961 para que seja consentido um aumento de potência para 3 kW ou 5 kW, e a pretensão tem sido contrariada por razões nem sempre claras. Parece-me que ao analisarmos este problema não podemos raciocinar em termos comparativos com o que se passa no continente, onde organizações similares têm objectivos e trabalham em condições muito diferentes. Os Açores estão a 900 milhas daqui e o nosso conceito de pluricontinental não consente que se decidam estas causas como se tratasse apenas do território continental.
O Rádio Clube de Angra só deseja poder cumprir melhor a sua missão de uma voz portuguesa no meio do Atlântico, não pede dinheiro (uma dúzia de sócios responsabiliza-se por um empréstimo), não pede favores, não pede técnicos.
Pede apenas, e com ele toda a população do distrito, que o deixem ser um bocadinho melhor do que é, para melhor continuar a manter a ligação cultural, moral, informativa e até política entre todos os Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quase que me atrevia daqui desta tribuna a repetir o convite que a direcção do Rádio Clube de Angra fez à Direcção dos Serviços Radioeléctricos «Mandem um técnico para ver e estudar in loco a nossa razão, nós pagamos as despesas». Se estivesse autorizado, fazia mesmo o convite.
Ao Sr. Ministro das Comunicações e ao Sr. Subsecretário da Presidência do Conselho peço a especial atenção para a solução deste caso.
Srs. Deputados: Ao terminai a legislatura permitam-me que os saúde a todos com amizade e que lhes agradeça a bondosa simpatia com que me trataram.
Sr. Presidente: Escusado será dizer-lhe o muito que o considero e o muito que o estimo. Mas devo aqui agradecer-lhe a generosa amizade que sempre me dispensou e que muito me honra.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pela actualidade que reveste e pelos comentários que já mereceu de ilustres ornamentos desta responsável Câmara, mais recentemente por parte do nosso mui digno colega Dr. Moura Ramos, entendi que o debatido problema do pão e o das actividades intervenientes na sua preparação e chegada ao consumo deveria ser objecto das breves considerações que vou submetei à paciente apreciação de VV. Exas.
Esforçar-me-ei por sintetizar o muito que se pode dizer, trazendo a este esclarecido e responsável auditório, simplesmente, o que me possibilita o conhecimento prático das actividades envolvidas. Muito se argumenta, muito se critica, por vezes com implacável aspereza, mas nem sempre se consideram nos comentários ao complexo problema, todos os dados do delicado condicionalismo que o envolve.
São muitos os factores que podem intervir no alcance de soluções tendentes a um aperfeiçoamento, mas, como é impossível obliterar a satisfação de máximas irrefutáveis do complexo da vida económica, há que ser criterioso e não analisar a questão apenas por determinados prismas.
De antemão desejo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vincar uma posição dominante é a de que comungo na opinião de que o problema há que ser enfrentado para melhor se servir o consumidor, embora esse melhor serviço imponha a rotura de determinadas linhas de orientação que, até hoje, parecem ser reputadas como inabandonáveis.
Se parte das críticas produzidas são válidas, outras, por determinados aspectos ou particularidades, apresentam-se sem todo o necessário vigor de argumentos suficientes. E como a questão em todas as premissas que a sujeitam é extremamente delicada, há que se ser prudente na procura da solução almejada. Para defesa deste meu ponto de vista, louvo-me nas judiciosas considerações que se podem apreciar no preâmbulo do diploma que definiu o regime cerealífera para 1963-1964, e no qual se encastrou o do período vigente de 1964-1965. Ali se dizia.

Tem virado periódica e repetidamente a afirmar-se que o conjunto de disposições que constituem o regime cerealífero e do pão deveria ser objecto de alteração profunda. As modificações efectivamente introduzidas por este diploma não constituem portanto novidade ou surpresa, tendo havido a preocupação de inovar com prudência que alguns acharão demasiada.

Inovações se introduziram, e previsto como era, e é, que, dada a complexidade do assunto, se entendia repartir o conjunto de problemas e soluções por diferentes diplomas, o que sucedeu, afigure-se-nos que neste melindroso campo a renovação terá de prosseguir, para se encontrarem soluções de equidade e segurança e, sobretudo, de salvaguarda dos superiores interesses na economia nacional.
Que se não pense de antemão, porém, que tudo que se deseja eliminar deriva da responsabilidade das actividades intervenientes.
Sr. Presidente: Percorrendo todas as fases do ciclo de transformação do precioso cereal que é o trigo até à sua transformação no indispensável e não menos precioso alimento que é o pão, verificámos que em todas elas, pelo que se afirma, há um senão. Com efeito, critica-se a qualidade do trigo, acusa-se a actividade da moagem e reprovam-se os processos de trabalho da panificação.
Analisando, contudo, o problema a frio e isolando cada uma das causas que são invocadas para afirmar o desagrado de um consumidor descontente, poderá um menos atento observador do problema de conjunto voltar-se para o lado que mais lhe aprouver ou mais o impressionar.
Quanto a nós, e sem pretensões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos, a priori, que na cúpula do problema deverá residir uma política severa, permanente e actual, de coordenação, política em que o Poder Executivo e cada um de todos os organismos da nossa estrutura corporativa interessados e responsáveis terão de perseverantemente, intervir. Através dela se assegurará uma mais aceitável solução, cujo objectivo fundamental será um pão autêntico, onde, forçosamente, a qualidade deve preterir a quantidade.
Se analisarmos a fase do trigo, há que ponderar que vivemos numa economia a debater-se com um problema de carência, não só em qualidade como em quantidade. E tratando-se de aspecto que transcende as minhas habilitações, este o do trigo, quero muito simplesmente vincar a opinião generalizada de que se impõe uma cada vez mais acentuada ponderação, seja no ordenamento e escolha das áreas de cultura, como na selecção de sementes,

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e bem assim na justa remuneração de uma exploração racional desta valiosa e imprescindível cultura.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Passando à fase da moagem e sua indústria, ressalta a diferenciação de duas categorias distintas existentes no sector, isto é, a das moagens de farinhas espoadas e a das farinhas de ramas.
Dentro de uma tendência que muito prejudica o nosso desenvolvimento, tendência dominada por um característico tradicionalismo e até espírito de rotina, verificamos que com certa intransigência se defende a posição da segunda e se criticam os processos de actuação da primeira e não se atende, possìvelmente, ao objectivo superior do aproveitamento racional dos nossos recursos, com a perfeição da técnica, e do melhor serviço da economia do conjunto.
Ora, na análise do comportamento e respectiva coordenação da actividade de um sector industrial não pode de forma alguma menosprezar-se esse aspecto de conjunto, pois é deste que resultará um melhor ou pior serviço à economia do País.
E para um serviço pleno, assim estendido, vários factores imperam um primeiro é o do mais eficiente e completo aproveitamento da matéria-prima, sobretudo quando esta procede do mercado externo, como é o caso.
Logo a seguir surge o pormenor de se considerar em que medida, e partindo do mesmo valor de matéria-prima, se pode atingir um produto bruto intermédio (no caso a farinha) de mais significativo valor. E na consideração deste significativo valor outros factores intervêm ainda, como seja o de menores perdas, o de uma mais racional extracção e o de uma mais elevada incorporação de outros cereais, cujo preço e valor actual é considerado inferior ao trigo e que importa valorizar.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Por estudos técnicos conscienciosamente elaborados pode demonstrar-se que aos valores correntes de transacção de cereais e de farinhas uma indústria organizada, autêntica e bem equipada, permitirá poupanças nas importações, facilitará uma maior utilização de milho e promoverá uma maior valorização dos produtos, valorização que, mesmo sem consideração de economias marginais, se poderá cifrar em cerca de $50 por quilograma de trigo moído.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, se se quiser pormenorizar, verifica-se ainda que em prol do referido serviço pleno interferirá o benefício de uma maior e mais equilibrada utilização da máquina (e note-se que a maioria é importada), visando uma maior produtividade e rentabilidade, com a garantia de uma boa qualidade e preço com competitivo do produto final.
Em tudo um elemento de influência capital, que só uma indústria com base pode aproveitar em pleno, prepondera - a técnica, seja a do equipamento, como a da exploração.
Sr. Presidente: Todos os aspectos que destaquei são, pelo que sei, elementos que dominam a orientação dos responsáveis pela promoção do nosso desenvolvimento económico. Só assim, neste como em autua qualquer sector industrial, se firmará um ritmo de expansão consentâneo a uma política económica válida.
Nestes termos, têm sido devidamente, ou, melhor dizendo, deverão ser, coordenadas as duas actividades em questão, pois é inegável a preocupação de adaptar uma, seja a de farinhas espoadas, ao caso especial do condicionalismo em que vive, isto é, às contingências do seu abastecimento em matéria-prima e às necessidades de se assegurar o indispensável escoamento de todos os cereais com a justa e necessária valorização dos produtos de uma lavoura sacrificada. Simultâneamente, porém, e em paralelo, não se descure a situação da outra, isto é, a de moagem de ramas, em que, respeitando, económica e socialmente, direitos adquiridos, não se pode deixar de reconhecer que há que romper com conceitos de ultrapassado tradicionalismo, que de forma alguma podem servir já uma economia de actualidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo é que no preâmbulo do Decreto n.º 45 223 se exteriorizam as preocupações de solucionar com urgência este caso nacional em termos em que posições justas não deixem de ser respeitadas, mas sem que o surto de industrialização do País seja prejudicado.
Estando nomeada para este efeito uma comissão expressamente constituída, formula-se o melhor voto no sentido de que não tarde a conclusão do seu exigente trabalho.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: No encadeamento das considerações que venho produzindo, determina-se-me que, embora breve, aqui deixe um ligeiro comentário de discordância quanto ao facto de se poder pretender julgar que a actividade de moagem espoada viva em regime de pseudomonopólio. Este, sendo inaceitável dentro dos princípios constitucionais que nos regem, é exuberantemente negado pelas observações de evidência que a seguir me permitirei produzir.
Verifica-se, com efeito, que o sector de moagens espoadas está a trabalhar com uma utilização de máquina que a situação de um autêntico monopólio por certo não autorizaria, pois que é de cerca de nove horas por dia de trabalho o período dessa utilização. E os inconvenientes de uma actuação como esta, para quem bem conheça as condições ideais do trabalho de uma fábrica de moagem, são evidentes.
Por outro lado, os preços da matéria-prima que recebe e do produto acabado que fornece são rigorosa e criteriosamente fixados por quem tem de zelosamente velar pelas coisas da economia geral do País. É assim que a remuneração da sua actividade se pauta por uma taxa de moenda que desde há dezassete anos se mantém inalterável.
Finalmente, e porque os exemplos de fora, correspondentes a países onde o liberalismo económico não é um mito, são elucidativos, oferecerei um breve comentário sobre políticas de neutralização de supercapacidade adoptadas por países onde, por outro lado, não se considera a existência de monopólios, mas, sim, um melhor serviço à política de conjunto.
Assim, afirmarei que em recente declaração da Association International de Meunerie, apoiada pelo Ministro da Agricultura junto da C E E , se explicava que, «após inventário de capacidade existente em 1 de Janeiro de 1964, há lugar para se esperar que a comunidade europeia tome pròximamente medidas de impedimento das

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instalações existentes e de interdição de criação de unidades novas». E continua-se referindo «que se poderá assentar num processo de reabsorção inspirado, verosìmilmente, nos que foram aplicados em diversos países».
E, respigando ainda do relatório da referida Associação os registos de procedimentos adoptados em diversos países europeus, apura-se, por exemplo:

Que a Áustria vive em regime de contingentes e que desde 1960 a diminuição destes se cifrou em 6,1 por cento, sendo a redução de capacidade de moenda de 8,2 por cento,
Que na Bélgica se prosseguiu a acção de saneamento estrutural tendente a eliminar os excedentes dos meios de produção e que o contingèntamento das moendas, organizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, continuou a ser aplicado em 1963 e 1964,
Que a Alemanha Ocidental prosseguiu a supressão da capacidade excedentária e que a acção de paragem dos moinhos foi pràticamente atingida,
Que na Dinamarca prosseguiu o ajustamento da capacidade de laboração ao consumo e na Holanda já não há problema de excessos de capacidade, pois a moagem nacional chegou, com os seus próprios meios, a um estado de saneamento satisfatório.

E os exemplos da Grã-Bretanha, França, Itália e Noruega afinam pelo mesmo diapasão. Em toda a parte, pois, uma política sem monopólios, mas onde a concorrência desordenada e deletéria é evitada à nascença, uma política, enfim, onde os preços se procuram de concorrência, mas rentáveis, e onde o aviltamento da qualidade do produto a que essa concorrência conduziria, sem a ninguém aproveitar, é pertinazmente combatido.
Creio suficientemente elucidativo o que expusemos para se abolir a ideia de pseudomonopólio num sector que, pelo que sei, isso sim, exibe o mérito e as vantagens de viver em perfeito espírito associativo ou corporativo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Alguns esclarecimentos mais e de justiça se me impõe acrescentar um primeiro liga-se com o facto de não ser o sector de moagem de farinhas espoadas subsidiado, no artificialismo de preços em que a nossa economia condicionada de cereais tem de viver. De resto, este artificialismo, diga-se de paragem, não é nosso exclusivo, pois que se adopta em muita parte.
Deve afirmar-se, pelo contrário, e pelo que se verifica, que é o referido sector que subsidia tal artificialismo. Julgamos não errar acrescentando que sem o mesmo talvez fosse inviável a sobrevivência das actividades de ramas ou afins, actividades de resto há muito substituídas em países com o perfeito sentido da industrialização.
Não se pense por tudo o exposto que sou contra a pequena indústria disseminada, mas não podemos em contrapartida deixar de enfrentar as realidades para eliminar situações de desagrado e de preocupação.
Poderia, se o tempo nos sobrasse, deixar aqui números e esclarecimentos concludentes quanto à perturbação que desigualdade evidente na existência das duas actividades referidas acarreta para a boa execução de um regime cerealífero. Mas como os elementos responsáveis qualificados conhecem bem a questão, limitamo-nos a formular o melhor voto para que a resolução do caso seja atacada sem delongas.
Sr. Presidente: Alonguei-me bem mais do que desejaria ao apreciar algumas particularidades da actividade de moagem nacional, por consideração à sua influência no fabrico do pão. Quero concluir este passo da minha informação afirmando que um contrôle total, no circuito de transformação em farinha, de todos os cereais panificáveis, contrôle a começar na produção, poderá promover o fabrico de um melhor pão, pela assegurada eliminação de muitas contingências que se verificam no abastecimento e distribuição dos mesmos cereais, quer se trate dos de produção interna como dos de importação. Tal contrôle dará, além do mais, maiores garantias na previsão das importações e na conservação dos cereais.
Referindo cereais panificáveis, queremos aproveitar a oportunidade que se nos oferece, Sr. Presidente, para aqui deixar, em reforço de considerações que foram objecto já de minha anterior intervenção, o voto de que se prossiga, sem delongas, nos estudos para a pronta consubstanciação de indústria apropriada, visando um melhor aproveitamento e consequente valorização do milho, cereal que, felizmente, já foi mais bem contemplado no último regime cerealífero.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pela industrialização do milho se chegará a uma farinha na realidade panificável, própria para alimentação humana, pois que a actual, de consumo intenso nas regiões do Norte do País, só com muito boa vontade se poderá considerar como tal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Desejaremos finalmente bordar algumas breves considerações sobre a intervenção do sector fundamental da panificação no ciclo de fabrico do pão.
À respectiva indústria, como consequência da regulamentação definida pelo Decreto-Lei n.º 42 417, foi imposto oportunamente o cumprimento de um mínimo de condições tendentes a assegurar um nível de imprescindível higiene no fabrico e a garantia de pormenores técnicos para o mais racional e perfeito trabalho de amassaria e cozedura, visando sempre uma melhor qualidade de pão em todos os factores em que esta melhor qualidade importa ser considerada.
Tais imposições, pelos encargos que acarretavam e pela necessidade de em paralelo eliminar os inconvenientes de uma indiscriminada e ruinosa concorrência, conduziram a actividade para uma solução cooperativista de concentração.
Sendo de destacar o notável esforço de reequipamento que vem sendo levado a efeito pelo sector, importa encaminhar a coisa no sentido do necessário reconhecimento para as vantagens que se auferirão, tudo diligenciando para se fabricar na realidade bem, sem necessários subterfúgios e dentro de um princípio em que, como já afirmámos, se deve dar sempre preferência à qualidade sobre a quantidade. Observe-se que será de imprescindível vantagem a boa regularidade no tipo e qualidade da farinha.
A consideração no teor de humidade e do respeito inexorável aos tipos de farinha incorporados em cada tipo de pão deverá ser máxima fundamental.
Têm-se formulado diversas observações quanto aos teores de humidades permitidos no pão, e igualmente quanto às tolerâncias de peso admitidas. Quanto àquela, estou convencido de que uma correcção limitativa ajustada à taxa de panificação talvez pudesse ser de vantagem para todos, sejam fabricantes, como consumidores.
O que se passa particularmente no pão de milho, alimento fundamental das classes populares nortenhas, é gritante e exige contemplação instante. Chega-se a não se saber qual o elemento predominante, se a farinha se a água

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Quanto à segunda, ela é natural e imprescindível dentro das contingências do fabrico. Compreensível e de destacar é que no regime cerealífero de 1963-1964 se uniformizado para 10 por cento a tolerância de 6 por cento existente para o pão de formatos grandes, já era de 10 por cento para o pão de formatos e pequenos. O que só não compreendemos, em teses, é como pode entender-se que tais tolerâncias tenham um determinado tratamento no fabrico e outro na venda.
Um aspecto que importa focar ainda, pela influência que possa ter na má qualidade do pão, liga-se com a diferenciação existente, no regime em vigor, entre as taxas de panificação do pão de primeira e do de segunda qualidade.
A desigualdade do tratamento acarreta diferença resultados de exploração, que, por simples analise dos números, nos permitem concluir que o fabrico de 2.ª, em nível idêntico de peso de farinha panificada, proporciona resultados que são cerca de 50 por cento inferiores aos que se podem obter com a farinha de 1.ª. Há, por conseguinte, um manifesto aviltamento da taxa do pão de 2.ª que poderá acarretar, irrepremìvelmente, um aviltamento de qualidade, o que, sendo de importa remediar.
Vou concluir, Sr Presidente e Srs Deputados, por formular algumas sugestões, reforçando outras que já fiz, e que, no meu modesto pensar, poderão obviar perturbações que ocorrem no circuito de produção do se reflectem na sua qualidade.
Na base estará um indispensável contrôle no momento dos cereais, seja desde a produção até à transformação, para que simultaneamente se alcance plena garantia na sua conservação, previsão de importações e completo aproveitamento na transformação.

O Sr Meneses Soares: - V Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr Meneses Soares: - Devo dizer a V. Exa. há muito tempo existe, através da acção de um organismo que não interessa mencionar, um movimento no sentido de melhorar as sementes e, consequentemente, o trigo colhido. Portanto, a nossa responsabilidade na produção vem sendo cada vez menor, no que se refere à qualidade do pão.

O Orador: - Eu conheço perfeitamente a organismo que superintende nesse assunto, no promover a selecção das sementes. Devo dizer que lá fora não se lança ao terreno uma semente que não tenha sido previamente seleccionada. Se assim não fizermos, a produção poderá baixar para cerca de 50 por cento dos números previstos

O Sr Meneses Soares: - Portanto, V. Exa. conhece o esforço feito pela tal organização. Estamos satisfeitos.

O Orador: - Referi muito ligeiramente esse aspecto, uma vez que se trata de matéria em que não estou muito versado.

Pausa

O Orador: - Por outro lado, um atento cuidado à evolução dos resultados de execução do regime cerealífero e do pão permitirá uma pronta intervenção em todos os pormenores em que se verifiquem perturbações. Lembro o que se está a passar com a liberdade de comércio para a distribuição do chamado pão de mistura
A revisão da taxa adoptada para o pão de 2.ª, tendente a assegurar-nos que o industrial fabricante pode produzir o pão autêntico que o regime define, traduzir-se-á, com certeza, numa desejada melhoria deste tipo de pão.
Finalmente, uma legislação repressiva capaz e uma cuidada fiscalização serão elementos muito valiosos para a consecução do objectivo visado - o melhor pão com o melhor valor energético.
Com confiança, que é certeza, esperamos que o Gabinete da Economia, dentro da preclara orientação que foi definida na magnífica linha de rumo que é o recente discurso do seu ilustre titular, providencie no sentido de que os problemas expostos mereçam a contemplação que a própria Nação deseja. Eis o nosso voto final.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: Tal como os portugueses dos séculos XV e XVI desvendaram com saber e audácia, «em perigos e guerras esforçados», os caminhos dos oceanos e os seus mistérios, dando a conhecer com altos feitos a verdadeira superfície e forma da Terra, abrindo ao mesmo tempo para a humanidade novos e fecundos horizontes, assim os homens de hoje) com a mesma coragem e espírito de aventura, instruídos na mais evoluída ciência e experimentada técnica, estão tentando percorrer os caminhos do Universo, praticando outros extraordinários feitos, os maiores de que há memória, na procura de mais mundos onde podam porventura encontrar outros mundos com mais perfeitas civilizações, como está na previsão de consagrados astrónomos.
Oxalá que assim fosse e tivessem em si o necessário para tornar melhor o viver dos habitantes do nosso mal-aventurado planeta, que o é por culpa de alguns que andam, desvairadamente, empenhados em utilizar os intentos maravilhosos que o engenho humano descobriu como sendo capazes de espalhar felicidade e auguram desgraça.
A luz que guiava os homens de então é bem diferente daquela que guia os homens do nosso tempo.
Nós marchávamos para o desconhecido iluminados por espírito de missão.
Dilatar a fé e o império era o nosso lema, e este, antes do mais, por via da fé.
Naquelas terras virgens que íamos descobrindo fazíamos cristandade, procurando dar às almas sem rumo que por elas deambulavam uma feição à nossa imagem e semelhança.
E porque assim foi, estamos sobrevivendo onde povos poderosos soçobraram
Nós navegávamos sob o símbolo da cruz de Cristo, assinalado bem alto e bem à vista nas velas pandas das nossas caravelas, como uma promessa.
Para a cumprir morreram tantos portugueses como heróis e santos, com os olhos postos nela, honrando a Pátria e servindo a Deus.
As naves siderais navegam sob o símbolo da estrela, que é comum na heráldica das bandeiras das duas nações que andam à porfia neste combate de gigantes forçando os caminhos do Universo.
Estrela que brilha, fulgurantemente, cruzando os céus em todos os sentidos, mas não ilumina os caminhos do bem e da paz que a humanidade deseja trilhar, e sim os do mal e os da guerra, fazendo alarde de força e riqueza

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que afronta e entristece, porque são inspiradas por demoníaco materialismo e descarada hipocrisia que cega e desorienta tantos povos e que a todos traz apreensivos e inquietos.
Das suas intenções apenas se vislumbra o propósito de pôr, em primeiro lugar, o pé noutro ponto do Universo para dominar o planeta em que vivemos em proveito próprio e reforço do seu poderio.
O comportamento dos contendores que cometem por toda a parte, a toda a hora, toda a casta de prepotências, em nome da liberdade, da autodeterminação e dos direitos cívicos, supremas aspirações humanas, que a torto e a direito pregam, são autênticos artigos de exportação marcados com as etiquetas «made in Russia» e «made in América», não é estimado mesmo por parte daqueles povos sobre os quais derramam, enganosamente, cornucópias de rublos e dólares, a não ser por alguns fantoches que colocam no poder apoiados em baionetas, que são assentos incómodos e inseguros.

O Sr Meneses Soares: -Muito bem!

O Orador: - Temos no esmagamento do povo húngaro e nas brutalidades do Alabama os mais flagrantes e tristes exemplos.
O dos rublos ao menos é sempre o mesmo por toda a pai te e bem sabemos o que ele quer, ao passo que o dos dólares, na sua inconstância de procedimento, coloca-nos sempre na dúvida e de atalaia.
O que nega na África afirma na Ásia. O que recomenda na África não consegue impor em sua casa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O viver neste velho e honrado solar lusitano, que abriga sob o seu tecto e acolhe no seu regaço gente de várias raças e credos em quatro partidas do Mundo, não pode deixar de ser influenciado pela insinceridade e desconcerto da vida internacional.
Estamos até sendo vítimas distinguidas com actos hostis e altitudes de incompreensão que nos ferem directa ,e dolorosamente no corpo e na alma e nos desgastam a Fazenda, mesmo por parte daqueles que estamos defendendo numa trincheira onde era seu dever estarem a bater-se connosco, como irmãos que somos, na comunidade ocidental, à qual todos estamos ligados pelas raízes e pela seiva de uma civilização secular que ostenta os mais notáveis pergaminhos na história da evolução da sociedade humana.

O Sr Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - Deus queira que não seja tarde quando se apercebam do erro em que estão Já não é a primeira vez que assim sucede.
O burro, que é burro, não tropeça duas vezes na mesma pedra.

Risos

Por carência de visão e cometimento de erros tácticos se deixou instalar o comunismo na China e depois em Cuba e se está deixando instalar na África e perdendo o Vietname, e com ele a Indochina.
Se a velha Europa não se categoriza para a liderança do Mundo, estamos todos perdidos.
Sòzinhos temos lutado e vencido a guerra e as dificuldades resultantes dela e dos tempos que correm, com espanto do Mundo, que tem como milagre o que está
acontecendo, e porque não o há-de ser no ânimo para lutar e no propósito de vencer que nos vem da fé em Cristo e do amor à Pátria, como o foi em Ourique e em Aljubarrota, onde poucos também venceram muitos.
As virtudes da raça, que têm sido uma constante em todos os tempos, estão honrando e facilitando a transcendente missão do inspirado Condestável. Estão presentes e bem vivas onde se combate, com galhardia, e nas retaguardas, onde se trabalha com disciplina e afinco.
Se alguma coisa não corre bem, é nas retaguardas, onde estão em causa por impreparação das elites para o exercício de uma acção esclarecida, firme e bem medida em certos sectores da vida nacional, designadamente nos da política e da economia.
Periodicamente, como quem as alerta do seu torpor ou desacerto, fala ao País quem para ele vive inteiramente e está constantemente atento ao seu pulsar, logo categorizado e apto a apontar os «erros e fracassos da era política» e ditar a palavra de ordem indispensável para os evitar e remediar os danos que causaram e estão causando.
Pois, quem com tanta clarividência e coragem venceu as difíceis, árduas e delicadas batalhas para manter a ordem interna, para preservar a paz, para restaurar o crédito e o prestígio da Nação, para elevar o nível e o bem-estar da população e está com superior visão e férrea vontade sustando a guerra que nos estão movendo nas fronteiras do ultramar e nos terrenos movediços da diplomacia, acaba de confessar, nobremente, como é do seu carácter, que não conseguiu, apesar do prestígio de que goza e do poder de que dispõe, fazer com que se entendessem os comandos da governação e da política, como se reputa essencial para fortalecer e continuar o regime respeitado e estimado.
Coisa intrincada é o exercício da política por aquilo que o homem lhe empresta de emocional, sempre difícil de prever, de medir e dominar.
Os maestros que dirigem as orquestras da política têm não só de saber muita música, mas também de empunhar com firmeza a batuta para fazer entrar a tempo os naipes e marcar certo o compasso, a fira de manterem a harmonia do princípio ao fim, quer quando se tenha de tocar ópera para ouvir tenores de fama, quer quando se trate de fazer dançar os circunstantes Tudo são coisas que o respeitável público muito aprecia.
O desentendimento agora apontado com tanta apontado é, desde há muito, sentido e comentado por quantos outro poder não têm e andam nas lides da política, sinceramente, desde sempre por imperativos da inteligência e não querem admitir a hipótese de um regresso ao passado e nem tão-pouco que se quebre a continuidade dos benefícios morais e materiais que a Situação granjeou para o País, mas sim desejam que eles abranjam um maior número e sejam distribuídos com a melhor justiça social.
Temos que bem entender e meditar nas considerações feitas ao País no último discurso do Presidente do Conselho para clarificar o ambiente da presente conjuntura política, que, no seu dizer, «adivinha denso e carregado de dúvidas e preocupações».
Para a cumprir havemos de renovar a fé e dispormos o ânimo para inteligentes e dignas atitudes
Antes de tudo façamos exame de consciência, medindo bem as nossas responsabilidade nos postos que ocupamos e, segundo eles, para cumprir bem aquilo que é nosso dever e em todas as circunstâncias, mesmo sacrificando interesses e vaidades, dispostos a seguir resolutamente os caminhos direitos, já trilhados com êxito, deixando para trás os atalhos onde alguns andam perdidos, denegrindo e ofendendo os bons intentos da Revolução.

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Não podemos admitir que os erros e fracassos da era política constituam uma fatalidade com que tenhamos de nos conformar.
O presidente da Comissão Executiva da União Nacional, o mais categorizado responsável pelo modo de actuar da organização política, ao dar posse, em 10 do corrente à Comissão Provincial de Moçambique deu público testemunho de que bem compreendeu o alcance da passagem do discurso que Salazar proferiu na posse da actual Comissão Executiva, chamando a atenção para a falta de íntimas relações entre o Governo e a União Nacional, condenável por muitos títulos, entre os quais avulta o de enfraquecer o prestígio do Regime, assacando-lhe todos os defeitos e atribuindo a influências pessoais o mérito dos benefícios e do bem que espalha.
O presidente da Comissão Executiva da União Nacional definiu, com justeza, o clima em que as relações entre o Governo e a organização política devem ser vividas.
Urge contudo actuar com entusiasmo, realismo e objectividade, como se propõe fazê-lo o Ministro da Economia proclamando bem alto o desejo de «fazer mais acções que declarações» e estar devidamente elucidado, porque «todos sabemos o bastante para agir»
Em política também devemos saber o bastante l para remediar e não repetir os erros e fracassos que descuidadamente temos cometido.
A fé, a confiança e o optimismo que irradiaram das palavras do Ministro da Economia tiveram o condão de provocar uma onda de aplausos em todos os sectores da actividade económica onde imperava a tristeza e o desânimo, e onde se vive presentemente um surto da esperança.
Gostaríamos de estar a viver o mesmo ambiente de euforia nos palcos da política.
As manifestações de agrado e os aplausos só serão, todavia, dignos de apreço e úteis se forem acompanhados por uma leal e activa colaboração, como é indispensável para vencer as grandes tarefas que se têm de levar a cabo nos difíceis e delicados meandros que são os da política e da economia.
Para vencer não basta o brilho de uma inteligência, a força de uma vontade, os ensinamentos da técnica e as óptimas deduções de uma teoria, também é indispensável ter a disposição de ouvir todos quantos possam ter uma palavra séria e experiente a dizer para melhor decidir e, por último, ter a coragem de executar o decidido, enfrentando interesses e situações criadas que contrariem o bem comum que se pretende atingir.
O Ministro da Economia, nas suas considerações acerca da panorâmica e perspectivas económicas, passou em claro, como se compreende, por não depender do seu Ministério, uma actividade que se processa de momento com a maior incidência no progresso economico e no prestígio da Nação e que tem de ser encarada também com o maior dinamismo e sentido da oportunidade.
Quero referir-me ao turismo, que, não sendo Indústria, agricultura ou comércio, é tudo isto e mais factor de cultura e de compreensão e boas relações entre os povos e os homens.
Para o governar e movimentar não faltam elementos e poderes para o desencadear de uma acção pronta, intensiva e bem orientada, como as circunstâncias reclamam.
No Plano Intercalar de Fomento foram programados investimentos no valor de l 504 000$
Pelo Decreto-Lei n º 46 199, de Fevereiro do corrente ano, foi criado o Comissariado do Turismo, peta reforçar a competência e os meios da acção executiva.
Os observadores atentos e apaixonados pelo seu desenvolvimento têm a impressão de que é demasiado lenia a marcha empreendida desde alguma anos, considerando a obra feita e o solicitado pela pressão dos que nos desejam visitar e não vêm por falta de alojamento e dos que pouco se movimentam dentro do território porque são desencorajados pela insuficiência e incomodidade dos transportes.
O aproveitamento de todos os recursos na universalidade do território português e o estabelecimento de uma escala prioritária para os empreendimentos que demonstrem ser mais reprodutivos a curto prazo são directivas dadas para a economia que se aplicam, igualmente e com a maior propriedade, ao fomento do turismo nacional, que no continente, nas ilhas e ultramar tem distintas particularidades que é necessário exaltar e explorar com n mais perfeito entendimento e o mais objectivo espírito de colaboração e senso de complementaridade.
No turismo continental tem, indiscutivelmente, lugar de relevo a região do Algarve, nomeadamente para atrair Turistas no Inverno.
Toda a gente aqui e lá foi a fala nas suas maravilhas. Raro é o dia que não vêm a lume nos jornais referências das mais agradáveis aos seus encantos naturais, feitas por quem sabe ver e comparar.
O frenesim das transacções sobre os seus terrenos é outra prova insofismável do seu efectivo valor.
Apesar de ser uma realidade palpável e estimada, ainda há cegos que não a querem ver, e estes são os piores, porque chegam, na sua cegueira, a não descortinar que muitos dos seus próprios interesses se situam na esteira dos do Algarve, que é o maior e mais brilhante chamariz para impulsionar em grande número o turismo metropolitano.
Não há, apesar de tudo que milita a seu favor, a noção exacta do lugar que ao Algarve está reservado no conjunto mundial do turismo, quer por parte das estações onerais, quer por parte da iniciativa privada.
Por causa de uns a coisa não anda como deve e por causa de outros quando anda é para a algibeira de estrangeiros.
0 que ali se passa e o que não se passa e devia passar-se é produto de improvisações, nem sempre despidas da pressão de interesses ou de influências, e de inexplicável incompreensão do verdadeiro valor da sua exploração turística e consequências económico-financeiras.
O plano regional de urbanização ainda está no segredo dos deuses Há mesmo quem diga que nunca virá a público e que se irá construindo «segundo e conforme». É destarte que se vão erguendo edificações em lugares que se recomendavam para uso e prazer do público, prejudicando algumas ao mesmo tempo aspectos panorâmicos e o melhor traçado de uma avenida marginal

O Sr. Quirino Mealha: - Muito bem!

O Orador: - Não se dá notícia do que há sobre saneamento, melhoria das comunicações rodoviárias e ferroviárias e do fomento agro-pecuário e da pesca para satisfazer o aumento substancial do consumo dos seus produtos que o movimento turístico faz prever, e que tem na região boas fontes a explorar.
Tudo isto é básico para dar ao turismo no Algarve a estrutura e o apoio para atingir o desenvolvimento que está na mente dos entendidos.
O que se sabe ao certo é que todos os dias se transaccionam terrenos por preços inverosímeis para o entendimento de quem está longe de saber o verdadeiro valor segundo os empreendimentos a que se destinam. Esta

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cegueira dos vendedores e a circunstância de os capitais que estão sendo investidos nas compras de vastas extensões de terreno serem de origem estrangeira pedem, desde há muito, uma superior intervenção esclarecedora e disciplinadora, tantas vezes solicitada e por de mais aconselhada, a fim de não se continuar a alienar parcelas de território com riscos de desnacionalização e de descaracterização.
Os estrangeiros não se limitam a comprar a zona litoral, estão trepando as encostas do barroca e da serra.
A movimentação das transacções está influenciando, é certo, favoravelmente a balança de pagamentos, com entrada substancial de divisas, e aumentando as receitas do Estado por efeito do pagamento de sisas sobre vendas de terrenos por altos preços, quando estas não são efectuadas sobre terrenos pertencentes a sociedades agrícolas por quotas, que pelo facto fogem a esta tributação.

O Sr Rocha Cardoso: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr Rocha Cardoso: - Essas são exactamente as mais caras e que mais sisas poderiam pagar E exactamente por onde se dá a fuga, como V. Exa. acentua, através das sociedades anónimas.

O Orador: - Agradeço o esclarecimento de V. Exa.

Pausa

O Orador: - Julga-se deste capítulo que há uma providência a tomar de molde a ajudar o Estado e as câmaras municipais nas infra-estruturas que a ambas pertencem construir.
Por enquanto, o Algarve, tão cobiçado e invejado, não tem neste desencadear descuidado da ofensiva turística qualquer proveito que o entusiasme De positivo vieram ali à luz mais uns tantos milionários, mas tornou mais pobre o geral da população, pelo aumento do custo de vida que está sofrendo.
Anuncia-se desde há muito tempo a construção de grandes unidades hoteleiras e de formosos aglomerados turísticos.
O que se está a construir está muito longe do anunciado, quer no volume, quer no aspecto.
Para esclarecer o que na realidade se passa e saber até que ponto é verdade o que se aventa sobre a hora do progresso que o Algarve está vivendo, favorecida por uma falada simpatia e apoio prioritário que por enquanto se tem apenas como justificado desejo, solicitei à Presidência do Conselho, ao Ministério das Obras Públicas e ao Ministério do Interior, na sessão desta Câmara de 23 do mês de Março findo, determinados elementos, os quais até hoje não que foram fornecidos, certamente por falta de tempo para os elaborar.
Com eles esperava tirar, com conhecimento de causa, algumas ilações Na sua falta tenho de me servir de fundadas suposições, por reconhecer ser oportuno acrescentar mais uma palavra, neste findar de legislatura, àquelas que por mais de uma vez tenho dito na defesa dos interesses da região que aqui represento e repetir outras, com a ideia de acordar os que estão a dormir na forma.
Pelo andar da carruagem pode pensar-se o seguinte.
Não há projectos correspondentes às transacções efectuadas - logo algumas destas destinam-se ao negócio de especulação, como aliás já se apontou a dedo,
Há projectos apresentados ao nível das transacções - então temos de concluir que os serviços não têm capacidade para lhes dar o andamento que as circunstâncias exigem.
Há projectos aprovados com a concessão de utilidade turística e não se procede às respectivas construções- nestes termos a especulação continua, agora, beneficiada com as facilidades concedidas pelo Estado.

São tudo situações que devem ser esclarecidas e pedem remédio adequado e imediato.
Temos de acertar o passo e andar depressa para recuperarmos o tempo perdido, com os olhos postos na vizinha do lado, à qual atribuímos defeitos nas suas realizações, por efeito de andar depressa de mais, como que a desculparmo-nos da lentidão com que agimos e das complicações que levantamos. Não lhe podemos negar, porém, as virtudes que alcançou, contribuindo poderosamente para o engrandecimento do poder económico-financeiro de que desfruta, com projectada relevância na ordem social.
Neste momento, ela, a Espanha, sempre atenta às tendências turísticas e sempre pronta a dar-lhes o acolhimento que merecem, medindo o alcance dos benefícios, tem em vias de realização mais um grande passo na Andaluzia, e desta vez para se aproximar da nossa fronteira, julga-se que com a ideia de colher o mais que puder dos benefícios das condições climáticas que são privilégio do Algarve.
Está-se preparando intensamente para facultar ao turismo internacional uma nova estância marítima situada numa região que se estende de Cádis a Huelva, numa extensão de 120 km de costa, com 5000 ha de superfície, a qual crismaram com o sugestivo nome de «Costa da Luz», visando de maneira especial atrair ali o turismo de Inverno, com base no número de horas de sol que banha a região
Nela vão investir mais de l milhão de contos, pondo à disposição dos turistas mais de 350 000 quartos.
O Algarve, que é incomparavelmente mais belo que a referida região, também lhe é superior em número de horas de sol Bate neste particular todas as estâncias marítimas da Europa e mesmo dos outros continentes, inclusive a afamada Florida, como conta demonstrar o Eng. José António Madeira, ilustre e dedicado algarvio, num trabalho que tem em preparação
Se não nos alertamos e precatamos, arriscamo-nos a ver mudar de rumo para o outro lado do Guadiana os turistas e empresários que neste momento estão pensando em nós.
Sr Presidente: Por toda a parte, numas mais que noutras, os homens que detém em suas mãos o poder de governar, orientar e dirigir, salvo raras excepções, mostram-se insuficientes para cumprir a importante e nobre missão que lhes foi confiada Chegamos, por vezes, neste matutar sobre o contra-senso como procedem na prática dos seus poderes, que está escrito no livro oculto do destino que nos espera o caos como castigo de Deus por não termos posto ao serviço do amor, da fraternidade e da caridade a inteligência que nos deu e os recursos com que nos dotou para constituir uma sociedade perfeita.
As palavras que acabo de pronunciar, despretensiosamente, com ar de dúvida e de desgosto, não são contudo de desespero.
Ainda me anima a fé na inteligência humana para fazer acto de contrição e não insistir nos erros e fracassos que se sentem e se apontam, por toda a parte, na política desta era.

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Os homens que entraram na política com a Revolução e que, por mal dos seus pecados, ainda nela andam colectivamente renunciaram ao poder e individuais as benesses, num gesto nobre e sensato, ainda não suficientemente exaltado, porque não são desinteressados da sua marcha, não podem ser indiferentes aos e fracassos que se praticam na nossa casa, muito embora em campo restrito.
Eles continuam a confiar no homem a quem entregaram os poderes que conquistaram com o apoio e aplauso da Nação. Poderes que soube merecer e honrar, institucionalizando os princípios os que andavam no ar ambientando o movimento militar, e que eram apenas sentimento e aspiração, e os encarnou com espirito de sacrifício, dando alto exemplo das virtudes deles e das suas próprias.
Estou certo de que não lhe faltarão dedicações em todos os campos para fazer reviver o espírito de 28 de Maio e o entusiasmo das primeiras horas, que a todo o custo se devem manter e transmitir à mocidade] (transviada por falta de esclarecimentos e insuficiente orientação.

O Sr Quirino Mealha: -Muito bem!

O Orador: -Este é o desejo de velhos pioneiros que estão caminhando nos últimos lanços da vida e desejam que o futuro lhes garanta a integridade da Pátria e o viver da sua gente cada vez mais próspero e no culto das suas melhores tradições.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Elísio Pimenta: - Sr Presidente «O Abril em Portugal», cartaz de turismo em boa hora afiz ido nas paredes do Mundo que viaja e se diverte, encontrou desta vez as graças da Providência. Nem tudo nos corre mal, e a presença do estrangeiro neste lindo jardim dourado pelo sol, que se nega aos empreiteiros tradicionais de uma indústria que vamos montando com eficiência em termos de concorrência, deve alegrar-nos sobremaneira. O rendimento dos investimentos é altamente compensador, mormente quando a matéria-prima é de graça e o bom senso nos favorecer, como parece nos favorece, na sua transformação em benesses materiais e políticas. Alegremo-nos portanto.
O programa de desenvolvimento vai crescendo de ano para ano. A antevisão do negócio encontrou concretização abonatória da inteligência dos responsáveis que vão pondo a técnica ao serviço dos valores permanentes dos costumes e das tradições salutares dos Portugueses, tão louvados pelo que deles se pode aproveitar, conseguindo assim estabelecer planos de atracções fora, na generalidade, dos padrões estandardizados que por este Mundo se usam e se repetem e não convidam à recidiva.
Pois continuemos por Abril fora, em Maio ou Junho, no Estio calorento ou no Inverno suave, mas não nos esqueçamos de duas coisas. A primeira é de que os lucros do turismo não devem apenas traduzir-se em entrada de dinheiro, mas também, e quase me (tentaria a dizer, sobretudo, que Portugal precisa de ser conhecido, muito conhecido, para que a razão dos nossos pontos de vista na luta fundamental pela defesa da civilização seja vista e entendida, não sob a cortina artifíciosa da mentra e da deturpação de malfeitores ou de ingénuos, mas antes à claridade límpida da realidade palpável da nossa vida.
E o primeiro passo para esse conhecimento é mostrarmos lá fora que existimos que existe no Mundo um povo chamado Portugal, com muitos motivos para se orgulhar de um passado glorioso, de que o estrangeiro na generalidade tem uma noção muito confusa, mas também de um presente que na ordem moral e política não se lhe apresenta menos confuso.
Pois aproveitemos tudo quanto possa tornar Portugal conhecido no estrangeiro
Correndo o risco de me repetir, quero dizer da convicção que tenho, e cada vez mais fundada em factos recentes, do valor da propaganda do País através das carreiras regulares que a companhia nacional concessionária dos transportes aéreos vai segura e decididamente estabelecendo para as principais capitais do Mundo.
Faço-o por um dever de elementar justiça, e ainda ontem me alegrei ao ler nos jornais a notícia de que, a partir de hoje, a mesma companhia utilizará os seus aviões convencionais em metade dos voos dessa patriótica tinha conhecida e popularizada por «Voo da Amizade», inaugurada em boa hora há mais de quatro anos para o Brasil Essa notícia segue-se à inauguração recente de duas novas carreiras, Lisboa-Bruxelas e Lisboa-Joanesburgo, certamente mais dois êxitos comerciais e políticos Comerciais para uma empresa que hoje alinha com as grandes companhias aéreas internacionais, política pelo que representa a presença de aeronaves com as cores portuguesas em dois grandes aeroportos da Europa e da África
Devemos, na verdade, a existência das carreiras internacionais com aviões portugueses o inestimável serviço de uma propaganda eficientíssima do nome de Portugal, das coisas de Portugal, da própria existência de Portugal no Mundo, apresentada a tantos que nos conhecem mal, mas julgam mal ou nos ignoram
Suo esses aviões, ao lado dos aviões de outros países, são os escritórios nas grandes capitais, todos eles instalados com a preocupação do bom gosto a dominar os sugestivos, motivos portugueses, é a publicidade através das técnicas modernas e dos meios cada vez mais aperfeiçoados de sugestão colectiva
O segundo ponto está ligado de certa maneara ao que acabo de me referir. Se é essencial que se intensifique o mas possível a propaganda do País no estrangeiro, e as razões repito, não são só materiais, mas também morais e políticas, se ao Estado e a cooperação dos particulares pertence a iniciativa e a execução dessa propaganda não deve ela ser restrita apenas a esta ou àquela região do País, mas a todo ele, muito embora realçando nas suas diversas características.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A Madeira foi sempre, e continua a ser, uma realidade turística, nem sempre bem aproveitada ou aproveitada a tempo. O Algarve, na curta faixa arenosa das suas belas praias e no calor ardente tão do agrado dos nórdicos, vai-se transformando numa fonte de riqueza que oxalá aproveite a todos os seus habitantes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essas ilhas maravilhosas dos Açores poderão encontrar no turismo a compensação para a sua economia tão limitada, pois para isso não lhe faltam encantos excepcionais
A África exótica e progressiva, com as suas paisagens extensas e variadas, os seus parques e reservas de caça, a par do desenvolvimento económico e urbanístico, não deixará de ser caminho cada vez mais percorrido por nacionais e estrangeiros endinheirados.

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Mas não se esqueça o Norte do País, cujo desenvolvimento turístico, real e potencial, só tem sido entravado pela falta de uma orgânica que encare as suas urgentes necessidades, promovendo, estimulando e auxiliando as indispensáveis infra-estruturas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A afluência de turistas é já neste momento notável em toda a região que tem o Porto por capital, mas as dificuldades na obtenção de alojamentos cria um verdadeiro problema, a ponto de os visitantes se sentirem frustrados no seu desejo de transformar uma simples viagem de curta duração em férias cheias de seduções e atractivos e de sol, sobretudo, terem de desistir do seu propósito
A amabilidade de V. Exa., Sr Presidente, concedendo-me a palavra neste tempo tão limitado de fim de legislatura proíbe-me de alongar as minhas considerações, e tonto haveria a dizer sobre o magno assunto.
Quero apenas, para terminar, salientar dois factos de relevância para o turismo do Norte o primeiro, é de que me chegou a notícia, não sei se fundada, das intenções da companhia aérea nacional no sentido do estabelecimento de um terceiro serviço Lisboa-Porto-Lisboa, não ainda há muito aqui solicitado por mim próprio. Se assim for, só há que louvar e agradecer o reconhecimento de necessidade tão instante para os utentes, nacionais e estrangeiros, de uma linha tão acreditada pela sua eficiência. O segundo, da próxima construção no Porto de um grande estabelecimento hoteleiro localizado junto da orla marítima da cidade e sobre uma das suas belas praias. O problema foi já apresentado na Câmara Municipal do Porto por um seu ilustre vereador, que é também um esclarecido industrial hoteleiro. Não falta, assim, ao que parece, a iniciativa particular e a cooperação do Município.
Espero, confiadamente, que o ilustre Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, ao qual o turismo nacional deve essencialmente o surto de desenvolvimento por que está a passar, dê todo o seu valioso e decidido apoio a este importante empreendimento, pedra branca a marcar uma nova era no mal compreendido turismo do Porto e da sua região.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na especialidade da proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Ponho em discussão a base I, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ler-se

Foram lidas. São as seguintes:

BASE I

1 Os trabalhadores e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, nos termos previstos na presente lei.
2 Para os efeitos da presente lei, a expressão «acidentes de trabalho» compreende as doenças profissionais, salvo declaração em contrário e sem prejuízo das normas específicas que só a estas respeitam.

Proposta de alteração

BASE I

Propomos que o n º 2 da base I tenha a seguinte redacção.

2 Às doenças profissionais aplicam-se as normas relativas aos acidentes de trabalho, sem prejuízo das que só a elas especificamente respeitem

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães - Tito Castelo Branco Arantes

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr Presidente: Pedi a palavra só para um esclarecimento à Câmara quanto à alteração proposta por um grupo de Srs. Deputados a que me associei. Esta proposta de alteração não tende a modificar o quer que seja de essencial do n º 2, tal como está redigido na proposta. E apenas para dar à matéria respectiva uma forma mais de harmonia com aquilo que é tradicionalmente uso nestas matérias legislativas. Nestas condições, parece-me que esta disposição do n.º 2 estava prevista no texto do projecto primitivo, quando ainda se não tinha destacado, segundo o parecer corporativo aceite pelo Governo, a matéria pròpriamente das doenças profissionais para capítulo especial.
Por economia legal, paca não estar a repetir a expressão «doenças profissionais», entendeu-se que aqui se devia referenciar expressamente apenas a matéria de acidentes, incorporando implicitamente sempre nela a matéria relativa a doenças profissionais. É exactamente esta técnica que se usa nos contratos celebrados com entidades em que, para não estar a repetir-se o nome extenso da mesma entidade, se reduz a mesma no texto, depois de declinado por inteiro de entrada, a um certo número de maiúsculas. Exemplo C U F por Companhia União Fabril.
Exactamente é o que do contexto transparece e houve em vista com esta disposição. Houve o desdobramento, e bem, a meu ver, na Câmara Corporativa para uma melhor disposição da matéria para uma alínea especial das doenças profissionais, e nessas circunstâncias a redacção desta disposição tornou-se um bocado esdrúxula e, realmente, pouco compreensível. Enfim, numa boa técnica jurídica e, já se vê, com os seus inconvenientes, usando-se uma expressão que não é normal na matéria.
O legislador terá tido em vista que essa disposição fosse considerada dentro dos acidentes, e nós o que temos em vista é apenas regular pelas dos acidentes também aquelas disposições que tenham possível aplicação às doenças profissionais. Não há, portanto, qualquer inovação, mas apenas uma relação mais consentânea com as disposições a que os legistas estão habituados.

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O Sr Gonçalves Rapazote: - Permito-me apenas acrescentar à explicação do Sr. Deputado Pinto de quita que nas comissões que estudaram esta lei se considerou que a matéria que é pròpriamente objecto da base I se circunscreve exclusivamente ao n º 1, e daí que liste n º 2 poderia ser mais bem colocado no capítulo de doenças profissionais.

O Sr Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa

O Sr Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar o n º 1 da base I.

Submetido a votação, foi aprovado

O Sr Presidente: - Vai agora votar-se a proposta de alteração, que foi lida, quanto ao n º 2.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Vou pôr em discussão a Base II, sobre a qual há na Mesa duas propostas uma de alteração, outra de eliminação.
Vão ser lidas a base e as propostas

Foram lidas. São as seguintes

BASE II

1 Têm direito a reparação os trabalhadores por conta de outrem em qualquer actividade, quer esta seja ou não explorada com fins lucrativos
2 Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho ou um contrato a este legalmente equiparado e também os aprendizes, os tirocinantes e os que, em conjunto ou isoladamente, prestem determinada actividade, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida.
3 Os servidores civis do Estado e dois corpos administrativos só se consideram abrangidos por esta lei quando não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações.

Proposta de alteração

BASE II

Propomos que o n º 2 da base II tenha a seguinte redacção

2 Consideram-se trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho ou por contrato a este legalmente equiparado e também, desde que devam considerar-se na dependência económica da pessoa servida, os aprendizes, os tirocinantes e os que, em conjunto ou isoladamente, prestem determinada actividade.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges Araújo - Tito Castelo Branco Arantes

Proposta de eliminação

BASE II

Propomos a eliminação do n º 3 da base II

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Alaria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - Quirmo dos Santos Mealha - Alberto Pacheco Jorge

O Sr Presidente: - Estão em discussão a base e as propostas de alteração e de eliminação que acabam de ser lidas.

O Sr Quirino Mealha: - Sr Presidente Sem atacar a substância da base em discussão, desejo anotar-lhe um reparo.
Refiro-me à palavra «vinculados», que considero ultrapassada na terminologia do direito do trabalho moderno.
Conforme tive ocasião de fundamentar nas considerações que ontem aqui proferi na discussão na generalidade, hoje o direito do trabalho evoluciona no sentido da relação de trabalho a caminho da cooperação entre patrões e trabalhadores.
A relação de trabalho desenvolver-se-á entre dois membros da mesma instituição que será a empresa do futuro. De resto, é curioso que, como tive ontem oportunidade de anotar, este mesmo princípio está previsto em parte na nossa Constituição. E não deixa de ser interessante recordar que é do nosso Estatuto do Trabalho Nacional que a propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social em regime de cooperação económica e solidariedade
Com base nestas breves considerações, sugiro à Comissão de Legislação e Redacção que a palavra «vinculados» seja ao menos substituída por «ligados»
Tenho dito.

O Sr Tito Arantes: - Sr Presidente: Eu não pedi a palavra para me referir a nenhuma das propostas de alteração. Pedi-a apenas para fazer esta consideração é que no artigo 6 º da Lei n º 1942 estava dito que as entidades responsáveis pelos acidentes de trabalho podiam ser ou o dono da obra, ou o empreiteiro ou subempreiteiro, quando fosse caso disso.
Esta disposição não está reproduzida em nenhum artigo da proposta de lei em discussão. E daqui poderia levantar-se a dúvida de, se com essa supressão, o legislador teria tido em mente fazer mudar o regime de responsabilidade no caso da empreitada, deixando de ser o empreiteiro ou subempreiteiro o responsável, para sei sempre o dono da obra.
Eu creio que não pode ter sido este o pensamento do legislador ao fazer essa supressão e que ele considerou, e a meu ver bem, que o caso estava resolvido por esta base II, que está agora em discussão e onde se diz que se consideram trabalhadores por conta de outrem os trabalhadores vinculados por um contrato de trabalho ou um contrato a este legalmente equiparado. Portanto, o legislador deve ter entendido que não havia necessidade de reproduzir o artigo 6 º da Lei n. º 1942, porque é evidente que no caso da empreitada o trabalhador se encontra ligado por um contrato de trabalho ao empreiteiro, e não ao dono da obra.
Parece-me, no entanto, conveniente que se esclareça se é este o pensamento com que vamos votar esta base,

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porque de outro modo, se não houver esse elemento histórico de interpretação da vontade do legislador, amanhã nos tribunais pode entrar-se em dúvida sobre se houve ou não o intuito de modificar o regime da responsabilidade no caso de haver empreitada ou não haver.
Penso, repito, que o artigo 6 º da Lei n º 1942, no seu conteúdo, continua em vigor à face da base II da lei que estamos discutindo. Mas pedia a qualquer dos ilustres membros das comissões que especialmente têm estudado este assunto que esclareça se este ponto de vista está certo e se é nesse sentido que a Assembleia deverá votar o texto que agora lhe é proposto.

O Sr Presidente: - Quero esclarecer a questão antes de prosseguir. Suponho que não é suficiente que um Deputado ou os Deputados que tenham estado em determinada comissão exprimam a sua ideia a respeito da interpretação do problema posto por V. Exa., porque o que vinculará o julgador é o voto da Assembleia, e não o de um, dois ou mais Deputados.
Nestas condições, se V. Exa. e mais alguns Srs Deputados entendem que a redacção que vai ser submetida a votação pode ser equívoca, talvez deva ser evitado esse equívoco através de uma proposta de alteração de que VV. Exas. se encarregariam

O Sr Tito Arantes: - V. Exa., Sr Presidente, dentro do rigor dos princípios e como de costume, tem inteira razão Afãs esta interpretação que eu estava a dar parece-me realmente tão fácil e intuitiva que é só por aquela jurisprudência das cautelas que eu tinha levantado a possibilidade de haver uma opinião divergente não seria, portanto, através somente da minha voz que amanhã os tribunais podiam entender mal o sentido do texto legal que fora votado. Por isso tinha pedido que alguns membros da comissão se pronunciassem sobre o assunto, e V. Exa. já disse que nem mesmo a opinião de um Deputado nestas condições poderia amanhã assegurar nos tribunais qual o espírito com que a Assembleia teria votado.
A questão parece-me tão simples e clara que, se houvesse esse elemento de auxílio, o mesmo seria amanhã um ponto de apoio para o intérprete. E por isso que penso que não valeria a pena apresentar uma proposta de esclarecimento. Mas se V. Exa. e outros Srs. Deputados entenderem que o texto actual suscita dúvidas, eu apresentarei essa proposta, caso outros Srs. Deputados a queiram assinar comigo. Se houver um ligeiro debate, do mesmo poderá ressaltar qual foi a vontade do legislador.

O Sr Presidente: - Não tenho que ter opinião e, quando a tenho, muitas vezes me acontece não poder traduzi-la perante VV. Exas.
Neste momento traduzo a minha opinião, que é a expressiva por V. Exa. Isto não deve, no entanto, fazer nascer o pressuposto de que a lei é feita através dos falares de um ou outro Deputado. Em todo o caso, repito, eu também dou ao texto a interpretação de V. Exa. Mas isto não é suficiente, como não é suficiente que dois, três ou mais Deputados o digam, o que será bastante, e não sei também se suficiente, para não se alterar o conteúdo da lei em consequência da teoria da interpretação objectiva hoje muito generalizada.
A minha posição é de quem não pode intervir na discussão, mas se o faço é só com vista a que a votação possa ser feita depois de bem esclarecidas as questões.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr Presidente: Peço desculpa de citar um aforismo francês «à quelque chose malheur est bon». Nas comissões, o Sr Deputado Tito Abrantes pôs o problema que acaba de referir e aquelas entenderam que não era necessário introduzir aqui esse princípio, porquanto as coisas pareciam suficientemente claras.
Sendo assim, deve entender-se que o pensamento das comissões foi no sentido da interpretação exposta pelo Sr Deputado Tito Arantes, entendendo que isso resultava tão claro do texto proposto que não demandava mais desenvolvimentos formais.
Nestas condições, deve entender-se também que, a não surgir qualquer objecção da Câmara, esta votará no espírito do entendimento dado pelas comissões.

O Sr Vaz Nunes: - Sr Presidente Vou fazer algumas considerações sobre a proposta de eliminação do n º 8 da base II.
Este número considera abrangidos pela lei os servidores civis do Estado não subscritores da Caixa Geral de Aposentações. Em meu entender, preferiria que o preceito se mantivesse e fosse aditado um novo número no qual ficasse expressa a obrigação de o Estado adoptar para com os seus servidores beneficiários da Caixa Geral de Aposentações um regime de reparações de acidentes de trabalho e doenças profissionais tão favorável, pelo menos, como o que viesse a aplicar-se aos trabalhadores não beneficiários da mesma Caixa, fossem ou não servidores do Estado.
Este caminho deixaria mais bem definidos, creio eu, os bons princípios de justiça social, embora submetesse o Estado a uma regra a que não pode nem deve furtar-se.
Passo a justificar o meu ponto de vista, e para o efeito, se V. Exa. me permite, Sr Presidente, citarei alguns exemplos. Não ponho em dúvida o sentido cada vez mais apurado que o Governo vem revelando, nos últimos anos, quanto às suas responsabilidades no campo social. Mas, em boa verdade, as melhores esperanças da grande maioria dos servidores do Estado ainda se encontram toldadas por amargas recordações, e alguns há, também, que muito se lamentam por se verificarem desprotegidos.
As amargas recordações fundam-se no longo período de quinze anos que decorreu até verem promulgados os princípios de protecção e assistência aplicáveis, desde 1936, aos trabalhadores por conta de outrem e à minoria de servidores não beneficiários da Caixa Geral de Aposentações, e mais uma dúzia de anos tiveram de esperar para que se completasse a regulamentação do esquema assistencial determinado na Lei de Meios para 1951.
Quanto a especiais situações de falta de apoio social foco o caso (e permita-me chamar a atenção do Governo) dos funcionários civis dos departamentos militares que não prestam serviço em organizações fabris.
Ainda hoje eles se encontram excluídos da quase totalidade dos esquemas de benefícios que apoiam os restantes servidores do Estado.
Trata-se de uma situação estranhamente anómala nem são cobertos pela assistência na doença aos servidores civis do Estado, por não pertencerem a serviços civis, nem o são também pelos Serviços Sociais das Forças Armadas, porque ainda não foi promulgado o necessário regulamento ou estatuto. Neste ponto é conveniente acrescentar que não há menos atenção por parte dos Serviços O que, infelizmente, se verifica é a incapacidade de os Serviços Sociais das Forças Armadas poderem cumprir as missões para que foram criados devido à exiguidade de receitas.

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A população militar beneficiária aumenta constantemente e, com as famílias, atinge cerca de 90 000 pessoas, as despesas na assistência aos tuberculosos crescem e são vertidas em 90 por cento dos casos para indivíduos não beneficiários, e o subsídio anual do Estado mantém-se inalterável ao longo dos anos Consequências 4000 atestados de pobreza de antigos combatentes repousai arquivos, em companhia dos respectivos pedidos de assistência, e o quantitativo das comparticipações aos apoiados tem sido reduzido de ano para ano.
O que afirmei não pretende desmerecer a obra positivo dos Serviços Sociais das Forças Armadas nem o esforço muito louvável dos seus obreiros. Mas vinca o acentuado carácter regressivo do nível de assistência ao pessoal das forças armadas, caso não sejam tomadas urgente as necessárias providências.
Às situações que acabei de referir, na sua crueza, não será preciso acrescentar mais comentários para justificação do caminho que julgava ser melhor.
Infelizmente, o ponto de vista não prevaleceu, mas fica registado. Repito, o Estado deve sentir-se moralmente obrigado a adoptar um regime de reparações para os seus servidores pelo menos tão favorável como o que a DEI consigna aos trabalhadores por conta de outrem e preceder, sem atrasos, em conformidade com essa obrigação moral.
É bem possível que alguns técnicos ilustres não vejam neste projecto de lei a sede mais desejável para a regra enunciada. A outros, também ilustres, sei-o, não repugna. Aos primeiros respondo, convictamente, que não se obedeceria, talvez, à mais perfeita técnica, mas poderia servir-se a melhor política. E para isso é que estamos aqui.

O Sr Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: Começarei por tentar esclarecer a dúvida ou o escrúpulo que o ilustre Deputado Quirmo Mealha pôs perante a Câmara sobre a justeza da palavra «vinculados».
Compreendo que o Sr Deputado Quirmo Mealha, sempre na vanguarda das posições sociais, sempre ar ente no zelo de ver prestigiadas as coisas que tocam ao l: social, se tenha escandalizado com a «vinculação» a ura contrato de trabalho Mas nós, embora não civilistas, achamos a «vinculação» perfeitamente aceitável Há vínculo normal nos contratos, há vínculo até no sacramento. Nenhum de nós se sente diminuído por estar vinculado por matrimónio! Mas essa adstrição vincular ao contrato) afinal a sua essência, a sua expressão, em nada pejorativa ou diminutiva. E seja qual for a evolução dos princípios do direito de trabalho, até mesmo no direito da empresa, há-de haver sempre vinculação, como hoje haja do empresário à empresa que contrata.
Vinculação não é adstrição servil, e certamente era isso que repugnava ao espírito do Sr Deputado Quirmo Mealha.
Referirei agora outro dos problemas postos (acerca da base II, aquele que foi sugerido pelo Sr. Deputado Vaz Nunes. Eu adiro inteiramente ao seu voto e penso que as comissões e todos nós aderimos também ao seu anseio de que o Estado se coloque perante os seus servidores pelo menos na mesma situação em que obriga as empresas a colocarem-se perante os delas. Isso é de gritante justiça e ninguém poderá, penso eu, defender posição contrária. Até aí o acompanho e compreendo perfeitamente que quisesse aqui exprimir esse sentimento, que é compartilhado, segundo penso, por toda a Câmara.
Os servidores do Estado, sejam ou não subscritores da Caixa, têm de estar ao abrigo da contingência das lesões profissionais, quer acidentes, quer doenças Simplesmente, o n.º 3 desta base estipulava somente que uma parte dos servidores do Estado e seus corpos administrativos, os que não fossem subscritores da Caixa Geral de Aposentações, se consideravam abrangidos nesta lei.
Desde o Decreto-Lei n º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, o regime de reparação infortunística dos servidores do Estado desenvolve-se em dois planos. Se o servidor do Estado é subscritor da Caixa Geral de Aposentações, tem um regime especial, se o não é, está abrangido pela Lei n º 1942 na sua plenitude, e pode recorrer aos tribunais do trabalho como qualquer indivíduo ao serviço de uma entidade privada.
A inclusão nesta base deste n.º 3 levantou na Câmara Corporativa a objecção séria que se traduz no voto de vencido do relator do parecer. Neste se levantam pertinentemente dois problemas O primeiro é de que não deve estar na base n este n.º 3 apenas referente àqueles funcionários que não estão integrados na Caixa Geral de Aposentações. O segundo problema refere-se à questão do foro.
A consequência dessa supressão é continuar no regime actual para os funcionários, ou seja os funcionários não subscritores da Caixa ficam sujeitos a esta lei e os que são subscritores continuarão no regime especial em que se encontram Portanto, parece não resultar qualquer consequência prática da supressão do n º 3. Simplesmente, poder-se-ia, e este é o objectivo da intervenção do Sr Deputado Vaz Nunes, ir mais além, inserindo-se uma disposição vinculativa, ou, pelo menos, programática, no sentido de o Governo estabelecer para os seus funcionários regime que não fosse menos favorável do que aquele que impõe aos trabalhadores em geral. E por mim estou inteiramente de acordo com o princípio.
Quanto à sua localização nesta lei, disse o Sr. Deputado Vaz Nunes haver opiniões, que não a dele, de não ser esta a sede mais conveniente. Avanço mais parece não ser realmente esta lei a sede própria para a definição do regime jurídico da reparação infortunística dos servidores do Estado.
O problema do foro considero-o importante, porque apenas estão sujeitos actualmente ao foro do trabalho os funcionários sinistrados não inscritos na Caixa Geral de Aposentações. Quanto aos outros, têm de seguir os seus litígios através do foro administrativo, que não parece ser o adequado para este género de controvérsias.
Ainda em relação à intervenção do ilustre Deputado Vaz Nunes, direi que o problema da assistência é outro, não o que está em causa agora. Não quero dizer que não fosse útil lembrar que os funcionários civis continuam sem assistência na doença, não obstante lei em vigor já regulamentada, mas lamentável ainda sem execução prática.

O Sr Martins da Cruz: - Sr. Presidente: Na minha modesta opinião esta base II é das mais relevantes desta proposta de lei. E é das mais relevantes neste aspecto: é nesta base que se define o âmbito desta lei, é por esta base que se estabelecem e definem os limites da cobertura da segurança social quanto aos objectivos desta lei relativamente à população activa.
Com algum desgosto verifico que por esta proposta de lei, quanto a este aspecto fundamental, continuamos, mutatis mutandis, como em 1936, a haver a dúvida sobre o risco dos acidentes de trabalho e doenças profissionais quanto às populações que trabalham por conta de outrem.
A base define o que deve entender-se por trabalhador por conta de outrem, ou seja o que está vinculado por um contrato de trabalho.
Mas toda a população activa que não cabe nestes relativamente estreitos limites da vinculação através de um contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado

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fica sem cobertura contra estes riscos, o trabalhador autónomo, o trabalhador independente, nas suas variadíssimas modalidades, e ainda os aprendizes, os tirocinantes e os que prestam qualquer actividade, isolados ou em conjunto, desde que se não encontrem em dependência económica de outra entidade, ficam a salvo desta cobertura social.
Tenho pena que assim seja, não pelo que possa resultar do confronto desta norma com o que se passa quase em todo o Mundo. Não é tanto por isso, é sobretudo pela situação de desprotecção em que continuará, quanto a estes riscos, uma grande parte da população trabalhadora da Nação.
Ao menos -e é para este efeito quase exclusivamente que uso da palavra- formulo o voto e os desejos de que o Governo, prosseguindo na política da segurança social, não demore as providências necessárias à cobertura dos riscos que esta lei contempla para toda a população activa do País.
Também não posso deixar sem um ligeiríssimo apontamento as razões por que aqui se advogou a eliminação do n.º 3 desta base, razões que a mim se me afiguraram de exclusiva natureza técnica.
Disse-se que não será esta a sede própria, porque aqui se trata de um foro e o n.º 3 caberá a foro diferente, que esta proposta provém de um Ministério e o n.º 3 pertenceria a Ministério diferente, que esta lei terá de ser regulamentada por um Ministério e não poderá ser incluída nessa regulamentação o n.º 3, que caberia a Ministério diferente.
Todas estas razões, Sr Presidente, serão muito pertinentes, mas a mim não logram convencer-me e apenas por esta razão que se apoia, secundando-a, na opinião do ilustre Deputado Vaz Nunes, é que, quando se trata de direitos da pessoa humana - e a segurança social é um direito da pessoa humana que lhe cabe pelo simples facto de trabalhar e de ser homem -, eu não compreendo que se perca uma ocasião de definir esses direitos fundamentais e de os garantir, por motivos como os que foram invocados de simples exigências técnicas de regulamentação e distribuição de foros, porque não me convence a razão de que por esta lei, na sua quase totalidade, respeitar ao foro do trabalho não pode abranger uma norma que amanhã tenha de ser processada no foro administrativo. A estas razões, na minha consciência, sobrepõem-se os direitos da pessoa humana quando eles são fundamentais, como a cobertura contra os riscos que esta lei define.
Tenho dito.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr Presidente: Duas breves considerações apenas. Uma, para dizer que nada tenho a acrescentar às explicações que o Sr Deputado Alberto de Meireles deu ao Sr. Deputado Vaz Nunes.
A outra, para sublinhar um dos aspectos aludidos pelo Sr Deputado Martins da Cruz no que diz respeito aos trabalhadores independentes em nome dos direitos da pessoa humana. Para esses não se prescreve aqui coisa nenhuma em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, do mesmo modo que se não prescreveu, como já foi expressamente deliberado, para os funcionários públicos. Mas isto, não quer dizer que o Governo não deva também providenciar quanto a esses trabalhadores, embora o lugar próprio não seja esta lei, como já foi dito que o não seria para os funcionários públicos. Mas quero emitir o voto de que o Governo olhe com atenção para estes trabalhadores independentes, porque suponho que os verdadeiramente proletários de amanhã serão os chamados hoje autónomos e independentes, cada vez menos independentes e menos autónomos.
Tenho dito.

O Sr Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa
O Sr Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar a eliminação do n.º 3 da base II

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o n.º l da mesma base, sobre o qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de alteração ao n.º 2

Submetida a Votação, foi aprovada

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão as bases III e IV, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração. Vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes.

BASE III

1 Os trabalhadores estrangeiros que exerçam a sua actividade em Portugal consideram-se, para os efeitos desta lei, equiparados aos trabalhadores portugueses, se a legislação do respectivo país conceder a estes tratamento igual ao concedido aos seus nacionais.
2 A reciprocidade estabelecida no número anterior é extensiva aos familiares do sinistrado em relação aos quais esta lei confira direito a reparação.
3 Os trabalhadores estrangeiros vítimas de acidentes em Portugal ao serviço de empresa estrangeira e com direito a reparação conhecido pelo respectivo país consideram-se excluídos do âmbito desta lei.

BASE IV

Os trabalhadores portugueses vítimas de acidente de trabalho no estrangeiro ao serviço de empresa portuguesa terão direito às prestações previstas nesta lei, salvo se a legislação do país onde ocorreu o acidente lhes reconhecer o direito à reparação.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pausa

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs Deputados deseja fazer uso da palavra, vão votar-se as bases III e IV.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr Presidente: - Vou pôr à votação a base V, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ser lidas a base e a proposta de alteração
Foram lidas. São as seguintes

BASE V

1 Considera-se acidente de trabalho o evento que se verifique no local e no tempo de trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho, e que produza,

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directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho.
2 Considera-se ainda acidente de trabalho o ocorrido nas seguintes circunstâncias:

a) Fora do local ou do tempo de trabalho, se tiver lugar na execução de serviços determinados pela entidade patronal ou consentidos,
b) Na ida para o local do trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, quando o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal, ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso,
c) Na execução de serviços espontâneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade patronal.

3 Entende-se por local de trabalho toda de laboração ou exploração da empresa, e por tempo de trabalho, além do período normal de laboração que preceder o seu início, em actos de preparação com ele ligados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
4 Se a lesão, perturbação ou doença conhecidas a seguir a um acidente, presumem-se consequência deste.

Proposta de substituição e climinação

BASE V

Propomos que no n.º 1 do base V se substitua a palavra «evento» por «acidente» e se elimine a expressão «salvo quando a este inteiramente entranho».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - António Manuel Gonçalves Rapazote - Tito Castelo Branco Arantes-João Ubach Chaves- Alberto Pacheco Jorge

O Sr Presidente: - Estão em discussão

O Sr Proença Duarte: - Sr Presidente: Quando me debrucei sobre a proposta de lei em discussão para fazer o meu estudo não conhecia as propostas de alteração e substituição agora apresentadas por um grupo de Srs. Deputados. Verifico, porém, que estas propostas solucionam as dúvidas e hesitações que a base levantara no seu espírito.
Não vejo inconveniente, antes me parece desvantagem aqui produzir as considerações que a base me sugeriu.
A base em discussão contém uma definição de «acidente de trabalho», afrontando assim o velho brocardo jurídico de que Omnis definitio in jure periculosa est e assumindo formalmente posição oposta à da Lei n.º 1942, em vigor, que se absteve de formular definição concreta, antes adoptando o critério de fixar conceitos, dentro dia quais o julgador teria de fazer o enquadramento dos factos para decidir se estes integravam ou não a figura jurídica do acidente de trabalho.
Esta técnica de legislar encontra-se traduzida nos artigos 1.º e 2 º da Lei n º 1942, que tiveram por fonte a proposta de substituição do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, aprovada pela Assembleia Nacional.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo produziu então, em defesa da sua proposta de substituição, vigorosas e irrefutáveis considerações, que levaram à sua aprovação.
Ao evocar este momento da vida e actividade da Assembleia Nacional, que compartilhei, seja-me permitido prestar homenagem ao fervor patriótico, ao espírito de decisão e ao ímpeto criador de quantos intervieram nessa discussão
Muitos deles vivem ainda, felizmente. Para os que já partiram, a nossa sentida e respeitosa saudade.
Estes artigos da lei em vigor dão-nos, através da sua letra e do seu espírito, encarados à luz da discussão da proposta que lhes serviu de fonte, um conceito de acidente de trabalho que depois foi fixado pela doutrina e pela jurisprudência dos nossos tribunais.
No entanto, a Câmara Corporativa, agora, ao apreciar na especialidade a base II, correspondente a base V em discussão, entendeu faltar no texto da proposta primitiva um elemento essencial, que seria, como diz.

A exigência do nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho que está no próprio fundamento da lei vigente e deve, portanto, ser introduzida no texto.

Para o efeito, a Câmara Corporativa introduziu na base um elemento novo na definição de acidente de trabalho quando diz que este é «o evento que se verifica no local, no tempo e em consequência do trabalho».
Este elemento último não foi, porém, adoptado no texto da base da proposta definitiva do Governo.
Parece assim que a proposta definitiva do Governo perfilhou a tese defendida pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo quando se discutiu a proposta que se converteu na Lei n.º 1942, segundo a qual não faz parte do conceito de acidente de trabalho o princípio de causalidade entre o trabalho e o acidente.
O saudoso Prof. Alberto dos Beis, então presidente da Assembleia Nacional, em extensa e exaustiva apreciação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Maio de 1943 sobre o conceito de acidente de trabalho, diz:

A proposta de Mário de Figueiredo foi concebida e apresentada precisamente para eliminar do conceito de acidente do trabalho o princípio da causalidade entre o trabalho e o acidente.

O Sr. Deputado Mário de Figueiredo considerou que o princípio dominante na teoria da responsabilidade em matéria de acidentes de trabalho tem um fundamento objectivo, e não subjectivo.
Ora o n.º 1 da base em discussão, não perfilhando o adicionamento da Câmara Corporativa, que fazia depender o conceito de acidente de trabalho do facto de o evento se verificar sem consequência do trabalho», parece ter adoptado a teoria da responsabilidade objectiva em que se apoia a lei actual.
Mas a verdade é que, por outro lado, adicionou ao texto da proposta definitiva, sem que tal tivesse sido sugerido pela Câmara Corporativa, a expressão «salvo quando a este inteiramente estranho»
Parece, por esta forma, estabelecer que pode verificar-se um evento no local e no tempo do trabalho que produza directa ou indirectamente lesão corporal, etc., sem que tal constitua acidente de trabalho, o que poderá entender-se como consagração de teoria da responsabilidade subjectiva, ou seja do princípio da causalidade entre o trabalho e o acidente.

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A expressão apresenta-se em forma muito vaga, podendo dar lugar a interpretações diversas e opostas, o que é contrário ao princípio de clareza e fácil entendimento que deva presidir às normas legais.
Creio que a ninguém pode suscitar dúvidas de que o acidente de trabalho só pode verificar-se em relação aos que se vincularem por um contrato de trabalho e que, portanto, o direito à indemnização e o dever de indemnizar emergem desse contrato.
O vínculo jurídico que emerge do contrato de trabalho é pressuposto necessário do conceito de acidente de trabalho.
Porque assim o entendo e porque considero que a base em discussão encorpou os princípios da «teoria da responsabilidade objectiva», considero desnecessário e até prejudicial ao devido entendimento da base que nela fique a expressão «salvo quando a este inteiramente estranho»
A proposta de alteração que um grupo de Srs. Deputados agora apresentou creio que resolve o problema e as dúvidas que esta base poderia suscitar se fosse aprovada tal como está na proposta do Governo em discussão, quando propõe que se substitua a palavra «evento» por «acidente». Para mim considero evidente que, quando se emprega a palavra «evento», neste caso se quer significar acidente, aquela força estranha e externa que actua para fazer deflagrar o tal evento ou acidente, e que este acidente, quando pertinente a um contrato de trabalho, é necessariamente um acidente de trabalho. Mesmo que a palavra «evento» ficasse no corpo desta base, quer-me parecer que não poderia oferecer dúvidas que só o evento considerado como acidente dava direito a indemnização e impunha o dever de indemnizar.
Eliminando, portanto, a expressão «salvo quando a este inteiramente estranho», suponho que fica a base de harmonia com os princípios que estavam já no conceito de acidente de trabalho contido na Lei n.º 1942. Esse conceito é o mesmo que agora se apresenta nesta proposta de lei e é conforme com o entendimento que lhe deu a doutrina - e grandes espíritos de doutrinadores jurídicos se debruçaram sobre este problema- e com o que lhe deram os nossos tribunais superiores especializados na matéria.
Dou, portanto, a minha aprovação à base, com as alterações que são propostas por estes Srs Deputados.
O Sr Tito Arantes: - Sr Presidente: Eu não pensava usar da palavra depois de, com mais quatro ilustres Deputados - os quatro é que são ilustres, não eu -, ter apresentado uma proposta de alteração ao n.º 1 da base V. Mas as considerações que acaba de fazer o Sr. Deputado Proença Duarte forçam-me a dar também uma explicação quanto à minha atitude.
Essa explicação provém, em especial, de S. Exa. ter referido que a intervenção de um nexo de causalidade poderia fazer supor que na Lei n.º 1942 estava fixado um princípio de responsabilidade subjectiva, e não objectiva.

O Sr Proença Duarte: - Eu disse que se queria agora modificar o que estava na Lei n.º 1942, introduzindo aqui o princípio da responsabilidade subjectiva ou causal, e não da responsabilidade objectiva.

O Sr Tito Arantes: - Exactamente. É em especial quanto a esse ponto que eu, salvo o devido respeito, não posso concordar. O que distingue a responsabilidade subjectiva de responsabilidade objectiva não é, a meu ver, o simples elemento causal, é o elemento culpa. E assim, em acidentes de viação, em que manifestamente estamos no âmbito da responsabilidade objectiva, para que haja responsabilidade continua a ser necessário um nexo causal entre a condução do automóvel e o acidente sofrido pela vítima.
Mas é necessário que haja um nexo de causalidade. É necessário que o automóvel seja a causa do acidente. A isto chama-se «responsabilidade objectiva», para a distinguir da responsabilidade geral do Código Civil denominada «subjectiva», porque essa se funda na culpa.
Portanto, o facto de se pretender que no novo texto da lei se incluísse um elemento de nexo causal não quer dizer que se tivesse abandonado a responsabilidade objectiva para consagrar uma responsabilidade subjectiva Parece-me que isto realmente é assim. Mas sou forçado, em virtude das doutas explicações que foram dadas pelo Sr. Deputado Proença Duarte, a relembrar o que me parece ser bastante simples».
Posto isto, justificarei a minha atitude ao assinar esta proposta, historiando um pouco a razão por que dei o meu voto à proposta de alteração do n.º 1 da base V. Pelo projecto de proposta inicial apresentado pelo Sr Ministro das Corporações à Câmara Corporativa considerava-se acidente de trabalho qualquer evento que ocorresse no local ou durante o tempo de trabalho.
Evidentemente que depois podiam ser descaracterizados aqueles eventos que fossem abrangidos pela base VI. A Câmara Corporativa, e a meu ver muito bem, não se contentou com esta simples noção, dizendo que faltava um elemento essencial, que era um laço de conexão. E então redigiu no seu parecer uma outra emenda, onde, para que o evento pudesse ser considerado acidente de trabalho, era necessário não só que tivesse ocorrido no tempo e lugar do trabalho, mas também em consequência do mesmo. E porque esta expressão «em consequência do trabalho» pareceu ao Sr Ministro das Corporações também excessiva, apareceu a base V já redigida agora na proposta por uma fórmula intermédia. Não é já apenas o simples evento ocorrido no local e tempo do trabalho, mas também se não exige que seja em consequência do trabalho.
O Sr. Ministro das Corporações propunha, como fórmula intermédia, que se considerasse acidente de trabalho o evento ocorrido no local e durante o tempo do trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho. Poder-se-á supor que isto é mais ou menos o que dizia a Câmara Corporativa, podendo parecer à primeira vista que as duas expressões sensivelmente se equivalem. Mas quem anda no mundo jurídico sabe que as duas fórmulas têm alcance inteiramente diferente. Se quiséssemos, como propunha a Câmara Corporativa, que o evento tivesse de ser consequência do trabalho, era sobre o sinistrado que incidia o ónus da prova.
O sinistrado tinha de provar que o evento sucedera no local e durante o tempo de trabalho e tinha ainda de provar que fora em consequência do mesmo trabalho.
Ao passo que pela redacção proposta pelo Sr. Ministro das Corporações já o ónus da prova não impende sobre o operário, mas sim sobre a patrão Porque o evento ocorrido no tempo de trabalho e no local é um acidente, e só não o será desde que seja provocado por facto inteiramente estranho ao trabalho.
E sobre o patrão é que recai o ónus da prova desse facto. As expressões, portanto, embora pareçam semelhantes, têm um alcance inteiramente diferente.
Eu concordava com a redacção dada pelo Sr. Ministro à proposta. Mas porque senti junto de alguns dos meus ilustres colegas que havia o desejo de eliminar por com-

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pleto da definição legal a referência ao evento inteiramente estranho ao trabalho, caindo-se então no projecto inicial da proposta caminhava-se para uma solução à qual eu não poderia nunca aderir.
Há pouco o Sr. Deputado Proença Duarte, em abono da tese que defendeu, invocou o grande argumento de autoridade que é o de V. Exa., Sr Prof. Mário de Figueiredo.
Ao interpretar-se a Lei n.º 1942 é com frequência citado nos tribunais o facto de esse artigo da lei ler tido por fonte a proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo quando da discussão daquela lei. E disse o lar Deputado Proença Duarte que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo tinha arredado o nexo de causalidade. Porém, na proposta Mário de Figueiredo não se falava em «evento»
Definia-se como acidente de trabalho o que tivesse ocorrido no tempo e local de trabalho.
Era, pois, necessário que o próprio acidente de trabalho tivesse ocorrido no local e durante o tempo do trabalho, e não qualquer simples evento. E tanto assim era que o Prof. José Alberto dos Reis, na Revista de Legislação, definiu o que era acidente disse que era o que atinge o trabalhador durante a prestação do trabalho. Quer dizer não se referiu a qualquer simples evento.
E foi em virtude de eu realmente não poder concordar com o projecto inicial da proposta, onde se bania por completo não só qualquer elemento do nexo causal, mas, inclusivamente, se descaracterizava o próprio acidente de trabalho, porque qualquer evento acontecido era um acidente de trabalho, e quando vi que havia em alguns ilustres Deputados uma tendência nesse sentido é que me pareceu que realmente havia conveniência em adoptar então uma solução próxima daquela que consta da proposta Mário de Figueiredo, que consta da Lei n.º 1942 e, inclusivamente, consta da lei francesa.
É por isso que eu dei o meu voto à proposta no sentido de que se substitua a palavra «evento» por «acidente» e que, em troca disso, aceitei a eliminação da expressão «salvo quando a este inteiramente estranho».
Estou a dar esta longa explicação porque, se me fosse permitida uma opção, eu teria preferido a redacção da proposta governamental. Caminhei para esta solução porque me parece uma solução conciliatória entre os dois extremos o projecto inicial da proposta e a proposta tal como está concebida.
Assinei, portanto, esta proposta de alteração como uma solução transaccional, digamos. Como a proposta do Sr. Ministro das Corporações podia não merecer a concordância da maioria dos Srs. Deputados, eis a razão por que dei a minha aprovação à proposta de alteração tal como está redigida.
Tenho dito.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Sr. Presidente: O problema que estamos a discutir é um problema essencialmente técnico, de um tecnicismo estremo, e a própria definição jurídica do acidente de trabalho.
Não me vou perder nos meandros da discussão que já aqui foi brilhantemente conduzida, em pólos distantes e diferentes, pelos ilustres colegas Drs. Tito Arantes e Proença Duarte. Portanto, vou circunscrever-me ao texto da proposta que com outros colegas apresentei e está em discussão, dizendo como é que fica a definição do acidente em função dessa proposta.
Tinha a Assembleia e tiveram as comissões de fazer uma opção entre o texto do projecto inicial que era defendido por alguns Srs. Deputados e por mim
nomeadamente, e o texto da proposta do Governo apresentada à Assembleia. Foi essa opção que esteve em causa e é essa opção que a Assembleia vai fundamentalmente votar.
Entre a proposta inicial e a proposta de alteração que nós fizemos há uma palavra de diferença que é a substituição de «evento» por «acidente». Portanto, o n.º 1 da base II ficaria assim redigido

Considera-se acidente de trabalho o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e que produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou redução na capacidade de trabalho ou de ganho
Eliminou-se a expressão «salvo quando a este inteiramente estranho» da proposta do Governo, por se entender que esse elemento descaracterizador tinha assento noutro local e já ai estava compreendido tudo quanto pode descaracterizar o acidente.
Pretende-se dar ao trabalhador uma posição de maior benefício e largueza na classificação do acidente. Foi esse o sentido da opção que se fez nas comissões que estudaram o problema. Eu não adiro completamente ao sentido que o Sr. Deputado Tito Arantes dá à alteração de evento para acidente. Entendo que exagerou na intensidade da distinção, porquanto vejo muito próximo da palavra «acidente» a palavra «evento». É uma questão de gosto. Porque me parece alterar a pureza da definição de acidente, julgo pouco feliz a introdução da alteração da Câmara Corporativa a que já se referiu proficientemente o Sr. Deputado Proença Duarte.
Repito, diante da Assembleia está uma opção entre a definição de projecto inicial com esta alteração de «evento» para «acidente» e a da proposta do Governo em que havia a descaracterização que não me parece de aceitar.

O Sr Martins da Cruz: - As soluções de compromisso são muito cómodas e conduzem a um clima de concórdia e de conciliação. Quando se executam conduzem a trabalhos, divergências e discussões. Estamos perante uma hipótese dessas quanto à proposta de alteração que está na Mesa.
No trabalho das comissões havia-se chegado à conclusão de que no n.º 1 desta base V se eliminaria a expressão «salvo quando a este inteiramente estranha», e esta eliminação, pelas considerações feitas pelas comissões, pareceu-me lógica e aderi a ela. Posteriormente, para conciliar as duas facções que se manifestaram durante os trabalhos das comissões, transigiu-se nesta solução, substituindo na definição de acidente a palavra «evento» pela palavra «acidente». Aqui se me afigura estar o demérito desta solução de compromisso.
Permito-me perguntar aos ilustres Deputados que subscreveram esta proposta de alteração se o conceito definido na proposta de alteração esta ou não inteiramente contido no conceito de acidente de trabalho. Antecipando-me a uma possível resposta, direi desde já que está, porque, usando uma metáfora muito em voga, o acento tónico desta definição não está na palavra «evento» ou «acidente» Está, sim, na expressão ou expressões que num conceito escolástico de definição se poderia dizer que nelas está a diferença específica. E que tanto para um como para outro conceito, o acidente de trabalho, seja ele evento ou acidente, exige que produza directa ou indirectamente lesões corporais, etc.
Se não houver esta perturbação, creio que se considera o tal evento ou acidente de trabalho estamos sempre perante qualquer coisa que não cabe na definição de acidentes de trabalho.

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O Sr. Proença Duarte: - Mas V. Exa. não lhe parece que pode haver um evento que não seja um acidente no conceito que há pouco procurei definir de uma força estranha que actue no local e tempo de trabalho? Por exemplo dois trabalhadores, na hora do almoço, brincam, um empurra o outro, este cai e fere-se. Constitui um evento, isto que se passa entre os dois trabalhadores.
Admite-se que não emerge do contrato de trabalho e, portanto, entendo perfeitamente a afirmação do Sr. Deputado Tito Abrantes quando diz que não se pode considerar acidente de trabalho qualquer evento.
Esta palavra tomada no sentido genérico não tem um significado técnico jurídico e por isso por ela não se traduz o que me parece ser o pensamento e vontade dominantes desta Assembleia. Ela não será, portanto, a mens legislatoris.

O Sr Martins da Cruz: - Eu esclareço a dúvida de V. Exa. precisamente com o exemplo que citou V. Exa., apresentou um exemplo que se situa fora do tempo de trabalho. Isso é uma coisa e o que eu digo é outra. Eu apresento outro exemplo a V. Exa. se o operário está a trabalhar junto de uma máquina e outro ao passar o empurra e aquele perde um braço.

O Sr Proença Duarte: - Isso é já outra coisa.

O Sr Martins da Cruz: - Podem estar os dois a trabalhar e a brincar ao mesmo tempo, isto porá mim é um acidente.

O Sr Tito Arantes: - Eu creio que a dúvida não é essa. É ambos estarem a brincar e terem deixado o trabalho. Para V. Exa. isso ainda é acidente de trabalho?

O Sr Martins da Cruz: - Para mim ainda é acidente de trabalho. Porque é da responsabilidade patronal a fiscalização dos seus trabalhadores.
Isso é um exemplo que se pode considerar, mas a todos os ilustres colegas que têm entendido este princípio ainda não vi apontar outro exemplo, sinal de que as hipóteses não são muito frequentes.

O Sr Jesus Santos: - Eu posso apresentar outro exemplo típico, que é o caso do assassínio no trabalho. Posso referir mesmo um caso concreto numa determinada propriedade agrícola há dois empregados, e um, por andar de relações cortadas com o outro, aproveita o facto de ir a conduzir um veículo para matar o seu colega. Isto é um acidente de trabalho?

O Sr Martins da Cruz: - Isso é um crime, que, aliás, dá direito a indemnização e tudo o mais.
Mas o que eu queria fundamentalmente salientar é que a solução agora apresentada pelos Srs. Deputados que subscrevem a proposta de substituição da palavra «evento» por «acidente» me parece um pouco platónica, não me parece que dê qualquer contribuição para a solução deste problema. Além disso, é um pouco tautológica, porque as regras aristotélicas, pelo menos no tempo em que aprendi, inundam não incluir na definição o definido. Por isso se me afigura que era preferível manter este n.º 1 tal qual saiu das comissões de trabalho.

O Sr Jesus Santos: - Sr. Presidente: Apenas duas palavras, para agradecer ao ilustre Deputado Dr Tito Arantes o esclarecimento que prestou à Câmara. Na realidade, a proposta de substituição e de eliminação apresentou-se-me, inicialmente um pouco confusa, para não dizer que até bastante equívoca. Todavia, o Sr. Deputado Tito Arantes, que eu já sabia ser um jurista de primeira água, foi realmente brilhante e logrou esclarecer-me da posição dos ilustres Srs. Deputados que subscreveram a proposta apresentada. Perfilho, por isso, inteiramente essa posição.
Todavia, e sem aceitar a afirmação do Sr Deputado Martins da Cruz, segundo a qual se incluiria o definido na definição, parece-me formalmente mais correcto que se elimine pura e simplesmente a palavra «evento» em vez de a substituir pela palavra «acidente».
Dar-se-ia assim satisfação à definição preconizada aquando da discussão da Lei n.º 1942. Ficaria portanto «Acidente de trabalho será o que... » De qualquer forma e crendo que isto pode ter interesse para a opção que a Câmara terá de fazer, afigura-se-me que a melhor formulação ainda será aquela que consta da proposta do Sr. Ministro das Corporações. Na realidade, a circunstância de se dizer na proposta «salvo quando a este inteiramente estranho» não leva de maneira nenhuma a afastar a responsabilidade objectiva em acidentes de trabalho.

O Sr. Tito Arantes: - Agradeço a adesão que V. Exa. dá ao meu ponto de vista, estou inteiramente de acordo com V. Exa. Também de facto me parecia preferível não repetir a palavra «acidente». Em todo o caso, quero lembrar que este defeito consta da própria lei francesa. Não é uma desculpa total, mas a verdade é que essa foi a expressão consagrada nessa lei. Mas estou inteiramente de acordo com V. Exa. em que se diga que «é acidente de trabalho aquele que»

O Sr. Ubach Chaves: - Isso é um assunto que pode ficar a cargo da Comissão de Legislação e Redacção.

O Sr. Jesus Santos: - O Sr. Deputado Tito Arantes reconheceu que se trata de um defeito. Se assim é e o pudermos evitar, então parece legítimo que o façamos
Dizia eu que o inserir a expressão «salvo quando a ela inteiramente estranho» não afasta a responsabilidade objectiva. A responsabilidade objectiva contrapõe-se à subjectiva, que se baseia na culpa. Com efeito, a expressão em apreço respeita apenas a um certo nexo de causalidade entre o trabalho e as suas consequências. Por outro lado, verificámos já também que, na verdade, pode acontecer que determinados factos ocorridos durante o trabalho e no local do trabalho são inteiramente estranhos à relação laboral. A lei ficaria, pois, mais perfeita se, de uma maneira geral, embora, se previssem desde logo situações que, não obstante se apresentarem aparentemente como acidentes de trabalho, efectivamente o não são. Como disse o Sr. Deputado Tito Arantes, a diferença essencial entre o texto da proposta que estamos a apreciar e o texto sugerido pela Câmara Corporativa traduz-se fundamentalmente no problema do ónus da prova. Ora, tal problema não pode subestimar-se, sabido que, por vezes, é muito difícil, se não impossível, fazer a prova nos tribunais.

O Sr Alberto de Meireles: - Eu desejava observar que a eliminação da palavra «acidente» levanta um problema. É que o acidente de trabalho, além de uma realidade, é também uma noção jurídica.
Parece-me, portanto, que a eliminação da palavra «acidente» poderá conduzir a conter-se o definido na definição. Lembrarei também muito apressadamente que alguns bons autores distinguem entre «acidente durante o trabalho» e «acidente de trabalho». Pode acontecer um acidente durante o trabalho que não seja acidente de tra-

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balho. E porquê? Porque a causalidade ocasional, como já uma vez tive ocasião de referir, é compensada pela noção de causalidade funcional há duas ordens de causas a considerar, complementarmente. Se tivermos presente esta construção, teremos também resolvida a dificuldade posta.

O Sr Pinto de Mesquita: - Peço desculpa de Ter de usar da palavra em matéria que melhor se compreenderia na imediata continuação do que brilhantemente expuseram os ilustres Srs. Deputados Tito Arantes e Jesus Santos, mas o Sr. Deputado Alberto de Meireles introduziu-se no uso da palavra, aliás, muito bem, preterindo o meu intuito, pelo que só agora pode ser a minha vez de usar dela.
Como jurista, quero dizer apenas duas palavras a propósito dos assuntos versados pelos referidos Srs. Deputados.
Dou inteiramente o meu apoio ao ponto de vista dos Srs. Drs. Tito Arantes e Jesus Santos quando dizem dever considerar-se a redacção inicial da proposta preferível tecnicamente à proposta feita. É que a palavra «evento» é uma palavra nova, na gíria jurídica. É como quem diz, por analogia, um seixo que ainda não está rolado e cujas consequências por isso, na sua aplicação nos tribunais, são ainda difíceis de prever. Mesmo aqui, na Assembleia, o entendimento da palavra não mente igual para todos os Srs. Deputados. Nestas condições, parece-me que a redacção primitiva era preferível. Mas aceito, depois de todas estas explicações, a fórmula perfilhada pela Comissão. E, portanto, aceito que «evento» se substitua por «acidente», conceito já de longe rolado e digerido pela jurisprudência em consequência das vantagens práticas que daí advêm. Nessas condições, eu entendo, em todo o caso, não se dever repetir a palavra acidente, substituindo-a pelo pronome «aquele» ou simplesmente «o». E isto cabe, a meu ver, dada a sua equivalência coincidente, no âmbito da Comissão de Redacção.
Assim se atenuaria, até certo ponto, o a que a estilística do meu tempo chamava tautologia.

O Sr Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr Presidente: - Se mais nenhum dos Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Há aqui uma pequena divergência.
Eu não me atrevo a qualificá-la, com receie a posição de alguns Srs. Deputados, mas a questão seja mais de forma do que de fundo.
O certo, porém, é que quanto à forma é a Comissão de Legislação e Redacção e quanto ao fundo é competente a Assembleia. E eu não tenho na Mesa senão uma proposta de alteração, que é a que vou submeter a votação de VV. Exas.
Ponho à votação em primeiro lugar o n.º 1, juntamente com a proposta de alteração apresentada e que foi lida.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr Presidente: - Ponho agora à votação os n.ºs 2, e 3 e 4 da base V, sobre os quais não há na proposta de alteração.

Submetidos à votação, foram aprovados

O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 45 minutos.

Srs Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
António Barbosa Abranches de Soveral
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
Armando José Perdigão.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Coelho.

ernando António da Veiga Frade.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Bocha Cardoso.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Paulo Cancella de Abreu.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Marques Lobato.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barras.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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