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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 202

ANO DE 1965 23 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 202, EM 22 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo.

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira falou sobre a banca portuguesa.
O Sr. Deputado Gamboa de Vasconcelos ocupou-se municipais nos Açores.
O Sr. Deputado Herculano de Carvalho apontou a necessidade de pôr em concordância com o texto constitucional o que define e regula a política nas províncias ultramarinas.
O Sr. Deputado Sousa Birne preconizou o aproveitamento, para fins turísticos, das grutas que existem no Pais.
O Sr. Deputado Augusto Simões sugeriu um Congresso Nacional de Artesanato, a realizar em Coimbra.
O Sr. Deputado Amaral Neto tratou das situações rés assistentes do Instituto Superior Técnico.
O Sr. Deputado Quirino Mealha ocupou-se do caso dos táxis em Lisboa.
O Sr. Deputado Armando Cândido falou sobre o comunismo.

Ordem do dia. - Foram discutidas na especialidade e aprovadas com emendas as bases VI a XX da proposta de lei que estabelece o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
O Sr. Presidente encerrou a sessão as 20 horas e 15 minutos.

O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.

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Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Mana Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Sebastião Garcia Ramires.

O Sr Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De António Luís de Fraga sobre o problema da equiparação das habilitações literárias dos ex-seminaristas.
De João Carlos Tavares acerca da proposta de lei sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.

Telegrama

Do presidente da Junta de Freguesia das Caldas das Taipas a apoiar a intervenção do Sr Deputado Costa Guimarães acerca do problema hospitalar de Guimarães.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: Dotada esta Câmara, para efeitos do autorização e execução orçamental, do mais lato poder financeiro, como é da teoria e da prática, debatendo constantemente intrincados problemas económicos e financeiros, há longo tempo que cessou a sua fiscalização sobre as questões de moeda e crédito que dizem respeito aos mecanismos essenciais daquele poder.
Tempos houve em que se ventilaram largamente tais problemas - como estamos lembrados os mais antigos -, fazendo-se incidir as análises, debates e revisões sobre os foros em ouro, as variações de preço, as finanças de guerra, certos aspectos monetários do crédito público e até os meios de obviar às programações
Por sua vez tem a Câmara Corporativa consultado com proverbial proficiência sobre a matéria e porque foi criada uma Corporação e instituído um Conselho Nacional, também corporativo - receio que se suponha que a evolução tende para ampliar neste capítulo os poderes daquele órgão superior da vida nacional com prejuízo do nosso.
E receio ainda que se tenha interpretado como deslocação de competência estes factos.
A Assembleia dispõe de poderes exclusivos quanto aos institutos de emissão e o essencial da moeda, não é, pois, duvidoso que problemas afins e matéria vizinha nos pertençam de alguma maneira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Eis porque me abalanço a fazer um apontamento sobre o alcance e efeitos das declarações relevantes prestadas pelos mais reputados banqueiros e que, partindo dos altos cumes da sociedade portuguesa, trouxeram, nos primeiros meses do ano, conceitos, juízos e apreciações sobre matéria tão intrincada e valiosa como é a do crédito.
Vou referir-me, em primeiro lugar, à quantidade de dinheiro e ao rendimento nacional.
Alguém disse que a teoria monetária é um lugar vazio dentro da economia contemporânea.
O que se serve aos estudiosos, abundante nos números, carregado nas fontes de informação, sólido como afirmativa de complexidade, deixa bastante a desejar.
Há que proceder a buscas minuciosas e por vezes com obtenção de parcos resultados. Não se pode ajuizar facilmente das voltas e contravoltas a que forçam as estatísticas bancárias.
Vem isto a propósito das relações fundamentais notadas e a estabelecer entre a quantidade do dinheiro e a importância do rendimento nacional.
Locke, Adão Smith, Alfredo Marshall empenharam-se em proporcionar a massa monetária às necessidades do país.
Umas vezes juntaram percentagens de terras, casas, despesas privadas e exportações, durante um período certo de dias.
Outras vezes dividiram os números resultantes dos salários pagos, outras vezes dividiram o produto nacional líquido associado à renda fundiária e, outras vezes ainda, estabeleceram uma fracção da produção nacional.
Já isto não era muito claro no dia em que Irving Fisher e outros, considerando a moeda uma «potencialidade para comprar» em face dos bens de consumo, acrescentaram à moeda primária e à moeda fiduciária a moeda escritural, ou sejam os vários títulos circuláveis pelos quais os particulares também fazem moeda.

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Certas tendências, recomendações e insistências desta maneira revolucionadas e a massa monetária, na sua imensidade, tornou-se reguladora da produção e do mercado do consumo e também elemento fundamental do financiamento e do emprego para todos.
Sr. Presidente: Peço que me desculpe por abrindo caminho em matéria tão árida e em pouco atraentes para as atenções parlamentares.
Mas vejo-me forçado a aclarar uma primeira.
Diversamente ao que se expõe em várias tabelas estatísticas financeiras, os meios de pagamento em circulação devem, além das disponibilidades à vista do relacionar-se com os depósitos à ordem e a produtores nos levantamentos por cheques, por títulos, por efeitos de comércio que acrescentam a e circulação e o crédito.
É assim que tenho de servir-me dos num sentados pelo Banco de Portugal - produto bruto a preços correntes e médias anuais dos me de pagamento:

[ver tabela na imagem]

A relação entre a primeira e a segunda coluna (designada pelos mestres americanos como a relação k) anda entre 72,5 e 76,1.
O Banco de Portugal, se leio com rigor, concebe que o começo de subida resultou do Plano de Fomento e que a alta sucessiva não afirmou desequilíbrio, mas receia que de 1963 possa insinuar-se qualquer pressão inflacionista.
Segundo Hansen, os Estados Unidos apresentavam em 1800 uma relação entre dinheiro e rendimentos de 5 por cento e em 1948 de 76 por cento. Várias vezes se chegou mesmo a 81, 82 e 86 por cento.
E afirmava que a quantidade de dinheiro orei eu a um ritmo assombrosamente estável, para além de tendências seculares de descida ou de alta.
Sem querer teorizar muito, afirmarei apenas é necessário dinheiro para liquidar os negócios, para pagar serviços, para o Estado ir realizando a sua vida de bem geral, para prever reservas, para transferir e liquidar no estrangeiro e até para financiar o futuro.
A massa monetária mobiliza o rendimento nacional.
Torna-o mais útil.
Abre a porta do crédito e, assim, aumentando a dimensão da economia nacional, organiza um grande mercado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Embora as autoridades monetárias cenas devam estar vigilantes e prontas a agir sem demora -, certos aspectos de inflações podemos tê-los como preço de crescimento e até como custos de vantagens gerais. Vários elementos da que ligam com a saúde, a comodidade, a cultura de meios do estrangeiro atestam a minha asserção.
Nas finanças clássicas falava-se, a propósito de criação de moeda, em dois princípios inabaláveis, sobreviventes e presentes - o princípio circulatório e o princípio bancário.
Hoje o problema complica-se, pois que a estes hão-de acrescentar-se o princípio regulador e o princípio de impulsão nacional, já deixados nas entrelinhas da minha intervenção.
A política de remédio contra a inflação é mais fiscal que monetária.
E a expansão monetária comedida pode acompanhar o arranque ou os saltos apressados de desenvolvimento.
A manipulação das agulhas e instrumentos de marcha por parte das autoridades monetárias é realmente difícil, como se vê pelas oscilações da política inglesa e a insatisfação de certos meios em França.
Portanto, à parte uma ligeira tendência inflacionista, a massa monetária comporta-se regularmente dentro da dinâmica do rendimento nacional.
No meio está, porém, a preferência portuguesa pela liquidez.
Tirando António Arroio, Silva Cordeiro e, talvez, Oliveira Martins, os nossos escritores não exploraram convenientemente as terras desconhecidas da psicologia colectiva da gens portuguesa quanto à vida activa, enriquecimento, acrescentamentos patrimoniais e sucesso nos negócios.
Tem-se analisado proficientemente a vocação universal, o saudosismo, o temor e o tremor, o portador de ideais que é o português típico, objecto da sociologia.
Mas deixa-se de parte que, na mão dos nossos, o dinheiro não parece ser uma força impulsionadora ou um meio de acrescentamento que favoreça amplamente o enriquecimento.
Construir economicamente, Sá de Miranda lhe chamou mercadejar e o teve por baixeza em vez de alteza.
Soubemos descobrir os caminhos, conquistar desvairadas terras, estabelecer convívios impossíveis aos demais, mas deixamos a outrem os negócios, o crédito e as vantagens a tirar da nossa missão universalista.
A minha intervenção não me permite desenvolver o assunto senão numa única faceta - a inclinação do público e a atracção geral portuguesa pela conservação da liquidez.
Não é segredo, nem somente os profissionais da banca estão convencidos de que a tabela de preferência pela liquidez mantém grandes quantitativos engavetados, refugiados em cofres ou em reservas adormecidas no próprio banco.
Embora a literatura keynesiana comece a passar de moda, a verdade é que no povo português os motivos de precaução, conservação e defesa obscura suplantam os de aplicação útil, transacções e especulativos.
Claro que um passado de desordem financeira, as crises e as suspeições pesam ainda sobre nós e sobre as gerações que seguiram para enfraquecer o ânimo e o entendimento dos negócios.
Quando se recolhem moedas na província fica-se espantado da riqueza de alguns que amealharam, moeda a moeda, e guardaram com mais afinco do que Harpagão
À margem da banca, letras, avanços, partes de capital, vales, formam tombam no caudaloso, mas sempre clausulados para pronto levantamento e na ignorância de todos.
Os Portugueses mostram-se mais previdentes que outrem, mais cautos do que tantos, mas o gosto pela conservação do dinheiro líquido dificulta o investimento e as benfeitorias e, sobretudo, torna árduo e embaraçoso o trabalho dos banqueiros e desanimadora a preparação e lançamento dos empreendimentos ou os reequipamentos.

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Por forma resumida, esta atitude do povo português ao esconder ou entesourar a sua poupança apresenta-se assim.

a) Não poupa moeda, não economiza moeda, na economia nacional,
b) Não é favorável ao incremento do crédito,
c) Não facilita o trabalho da banca,
d) Torna-se um obstáculo ao desenvolvimento que poderia favorecer e diminui os números absolutos esperados da poupança.

37 anos de estabilidade monetária!
37 anos de estabilidade monetária podem considerar-se um pilar do crédito público e privado e uma atmosfera vivificante para os negócios, onde os rendimentos ascendem e melhoram.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na sua brilhantíssima exposição de 18 de Fevereiro, o Sr. Presidente do Conselho referiu-se às suas indiscutíveis vantagens e à constância dos esforços políticos tendentes a defenda-la, a fazê-la compreender, a respeitá-la e a consagrá-la na compreensão geral.
Se alguém se pode convencer deste e de outros aspectos, esse alguém é a banca, que viu os seus negócios e resultados crescerem sem problemas de ajustamento e com isenção de ribcos e provações que de outra forma perturbariam e semeariam inquietação nos seus exercícios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - À estabilidade monetária significa uma ordem de valores, uma fase de equilíbrio, uma consolidação de critérios e de bases de apreciação que esclarecem os horizontes económicos, tornam firmes os caminhos e reforçam a tranquilidade geral quanto a problemas e perplexidades.
Como não há vertigens, nem angústias, assim não existem inflações nem deflações E, por consequência, não tem de haver desvalorizações nem revalorizações

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O público aprecia com justeza a magia de acumulação de ouro e valores no nosso primeiro estabelecimento bancário, estabelecendo contraste com um passado de limitação e carência.
À estabilidade impede a conscrição dos rendimentos rígidos em proveito de favorecidos, as dificuldades crescentes e as perdas funestas dos rentistas, dos pensionistas e das famílias numerosas.
Ela evita mesmo o confisco do maior número pelos praticantes da alta.
Como evita os câmbios loucos.
O escudo, de moeda trémula e enfezada que era, viu-se, nestes 37 anos, convertível em ouro, em dólares e em lábias, não valendo a pena encarecer tal facto para os que recorrem à banca, compram e viajam no exterior ou rematam os seus negócios este clima de acalmia e de perfeita viabilidade em que temos vivido.
Se a inflação representa o empobrecimento, o confisco, o atraso e o prejuízo de credores, e portanto da banca, a deflação também não se antolha menos isenta de mácula, pois que engrandecerá as dívidas, arrastará muitos para a falência e melhorará apenas certos réditos, melhoria fictícia e curta, aliás, além de restrita.
Os Brasileiros, arrastados por uma inflação astronómica, dizem ser ela o preço da civilização e o custo usual de um rápido crescimento.
Mas tem de ver-se a estatística do rendimento nacional por andares, como se sobe sem dar por isso e tantas vezes se cai e tropeça.
Na medida em que os rendimentos declinam ou baixam, a estabilidade não pode fazer todos os milagres Desta sorte, o convívio social, os indicadores de civilização, esta última aliada à técnica e à apresentação e embalagem e à melhoria dos transportes, impelem o nível geral e querem mais de tantos - é certo - e arrancam mais, obrigando a esforço porfiado para que a estabilidade se mantenha ainda.
Em óptica de grande ângulo, a estabilidade propicia a alta dos salários sem arrastamento de preços, favorece a entrada de invisíveis e de viajantes estrangeiros e faculta terreno sólido ao crescimento do potencial expresso em depósitos.
Também, a despeito das finanças de guerra, que representam um peso enorme tomado como dever consciente e vigoroso de lídimo patriotismo, o investimento público cresce aqui e cresce no ultramar e as aplicações particulares não abrandaram tanto como poderia esperar-se.
Assim, a estabilidade, seriamente mantida, não representa apenas um brasão, e um clima, uma ordem de valores isenta de colapsos e um terreno firme, onde se pode descortinar um caminho direito, para a frente.
Sobretudo sem estabilidade assim como não pode haver grandes realizações também não faltaria o rigor e pontualidade que tornam possíveis o nosso crédito e a segurança dos contratos.
Porém, a estabilidade baseia-se num esforço perseverante que não conhece repouso nem tréguas, como a saúde, e às autoridades monetárias e financeiras se deve o aturado serviço de vigiarem e defenderem, e sobre o terreno tomarem prontas medidas.
Segue-se agora falar da política de juro barato.
Muito rapidamente um esboço da política de juro.
A política do juro barato suscita análises tão embaraçosas que as páginas de Joan Bobinson e Wicksel se revestem de verdadeiros quebra-cabeças paia desafiar os mais pacientes leitores.
A política de juro baixo torna-se indispensável ao trabalho de um governo construtivo voltado para realizações públicas imponentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem ela não há programas capazes e amplitude de execução.
Se os empresários, como o Estado, se lançam em empreendimentos de larga escala, passando de uns para outros, só isto será possível trabalhando também com um juro baixo.
Já não falo na conveniência de os financiamentos à lavoura e à indústria se fazerem sem grande ónus.
Desiludem-se negociatas arriscadas talvez.
Claro que há hipóteses difíceis, como a de passar da alta para a baixa Mas isso, historicamente, disse respeito aos trabalhos formidáveis que se depararam ao Sr Presidente do Conselho, no começo da sua ingente carreira.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A política do juro caro, em contrapartida, conduz à asfixia do devedor, à verdadeira usura que reveste aspectos de servidão pesscal.

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O Estado também se torna vítima ao abastecer-se caro e a reduzir o seu recurso.
A política do quase-zero que foi o ideal económico 1936 conduz à eutanásia dos rentistas. E parece capital os já consagrados direitos.
Mas paradoxalmente favoreceu os investimentos.
Se assim é, a política do juro barato parece que deve manter-se, ainda que possa diminuir a velocidade de circulação e produzir lacunas ou estrangulamentos.
O juro subiu por toda a parte mais do que se e mesmo na paz os países ocidentais estão praticando alturas de taxa que se supunham inviáveis e asfixiantes.
As altas taxas empobrecem, deslocam violentamente as fortunas e desiludem o investimento.
O problema que se põe é se devemos isolar-nos, fazendo a nossa política, se devemos ajustar para integração linha geral.
O juro é o prémio de uma renúncia, e uma economia dificilmente poderá pagar a sua elevação senão com hipóteses de crescimento rápido que devem esperar-se mas ainda não chegaram.
Estas considerações terão de ser retomadas em outro passo da minha intervenção
É a altura de referir-me à lei bancária de 1957.
A lei bancária de 1957 representou inegável progresso.
Onde dominavam a multiplicidade das regulamentações e os complexos burocráticos, onde dominava fundamentalmente o diploma Pestana Júnior, aliás possuindo os seus méritos, a lei pôs uma ordem nova, uma orgânica mais e actualizou imperativos.
As lacunas podiam ser preenchidas facilmente, os contrôles podiam apertar-se e as técnicas eram postas no caminho da modernização.
Ela teorizou talvez excessivamente o desenvolvimento mas promoveu uma coordenação mais ostensiva existente.
Estabeleceram-se colaborações, avivou-se o opca market, determinaram-se limites e alargaram-se também possibilidades de encadeamento de textos e de princípios.
Nem toda a terminologia económica possui rigor jurídico, e por isso a execução depende de uma inspecção que, sob os vários regimes, tem granjeado consideração e prestado efectivos serviços ao País e mais depende postos no alto.
Quais serão as tenções verdadeiramente modernas do banco central?
Desde a reforma do escudo, poucos dias antes de a Inglaterra ter retumbantemente abandonado o padrão ouro, a posição e prestígio do nosso primeiro banco emissor - porque dispomos de três- subiu relevantemente.
Anselmo de Andrade mostrou a sua origem tormentosa, o drama do rosário das crises e o esforço da élite dirigente em acrescentar a sua solidez, alargar melhorar os seus métodos.
Banco emissor passou depois a banco dos agora incumbe-lhe a função de banco como uma central directora.
A lei bancária última confere-lhe o papel de liquidatário cambial, de coordenador da circulação com a actividade geral e - note-se bem - de regulador do mercado monetário.
O mercado financeiro, esse entra no âmbito das decisões do próprio Ministério das Finanças.
Vejamos, muito ràpidamente na economia de (desenvolvimento, o papel que lhe está reservado na teoria e na técnica.
Como dizia Rist, os bancos emissores funcionavam como fornecedores de elasticidade aos demais bancos, evitando saltos e quedas, desenvolvendo margens e comportando-se como uma alavanca que tanto pode travar como acelerar. E aqui se engastavam as preocupações da política de juro baixo.
Banco de redesconto, fornecedor de créditos amplos, orientador geral dos fenómenos do crédito, manobrando até as carteiras, aí temos o banco emissor como provedor do elasticidade e de rigidez, simultaneamente.
Segue-se na ordem histórica a função de fornecedor de fundos aos governos e por sua vez a prática de comprar títulos aos mesmos governos, jogo tão predilecto de Keynes e Hawtrey.
Daqui por implicação, ou melhor, por imposição lógica do sistema, passou-se à vigilância e fiscalização do crédito.
Caminha-se discretamente quanto é preciso para a direcção do crédito e, como obra de moderação e de reserva, a fiscalização deve ser feita manobrando os meios directa e indirectamente, apaziguando psicologicamente e consertando a confidência habitual.
Depois de fornecer elasticidade e fundos aos governos, depois de controlar o volume e a selecção dos créditos, surge, porém, um papel novo - o de estabilizador de preços.
Afinando as suas agulhas e o volante, apertando ou alargando o crédito, manobrando as taxas de juro, comprando e vendendo títulos, coordenando e até dirigindo, os bancos emissores lutam contra a inflação e a deflação, ampliam ou contraem o crédito ou dão-lhe novas dimensões.
Tais são as funções modernas dos bancos centrais, além das funções emissoras, liquidatárias e reguladoras.
Elas cabem como desenvolvimento lógico das amplas funções centrais conferidas ao nosso famoso emissor.
Os seus relatórios atingem grande nível e são imprescindíveis para o estudo da fenomenologia da moeda e do crédito.
Por fim, o desenvolvimento requer da parte dos mais elevados institutos animação, impulsão poderosa, assistência pronta e eliminação de dificuldades iniciais.
Portanto, a economia do crédito, em nome da teoria e da técnica, requer dos bancos centrais, além das funções consagradas, tradicionais, funções inovadoras ou complementares de elasticização, de constituição de fundos em mercado aberto, de controle e de estabilização e de estimulação que se ajustam ao modelo tradicional da nossa reconstituição financeira.
Assim, a sua coordenação não é apenas superficial, ajustável e registadora, mas activa, crítica e até revisora.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Banca privada e banca oficial!
Atrás da banca privada estão os capitalistas e o público amorfo, atrás da banca oficial está sobretudo o Estado.
A potencialidade económica, a reputação e as responsabilidades, grandes em qualquer caso, são, porém, diferentes.
Ambos os compartimentos estão solidarizados nas técnicas e nos fins, coincidentes nas preocupações, e obedecem a raciocínios económicos iguais.
As reformas bancárias e as novas disciplinas do crédito, as doutrinas do crescimento não podem ser entendidas e interpretadas por forma que o negócio comercial consagrado pertença à banca privada, como pertence, e os problemas de desenvolvimento através do crédito, difíceis e arriscados, carreguem exclusivamente sobre o Estado.

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A elevação de limites proporcionou grandes disponibilidades que foram postas ao serviço da circulação e que raramente melhoraram o aparelho produtivo
Á racionalização orgânica, a especialização e a elasticidade, encorajando os negócios bancários, demarcando funções, hão-de permitir discriminações entre o certo e o falível, o bom e o mau, o saudável e o doente, mas não discriminações contra a banca oficial, a qual não deve prestar auxílios desusados ou deitar cintos de salvação aos que se afogam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Diga-se com clareza - há lacunas de especializações no novo sistema de crédito! Explicável por motivos históricos, a sistematização das nossas instituições de crédito i e vela perceptíveis lacunas.
Daí faltas em face da evolução da procura e do fomento e remédios do Estado mais que supletivos, ou seja sobrecarga da banca oficial.
Faltam-nos bancos a médio prazo e a longo prazo, ou sejam bancos apropriados ao financiamento das novas Indústrias e das remodelações agrícolas de escala apreciável e que apenas recebam depósitos em casos especiais e postam subscrever partes do capital e acções.
Em França existiam, há dois anos, 22.
Faltam-nos bancos de negócio, tendo por missão presidir e acompanhar a formação de negócios, participando neles, abrindo créditos sem limitações de tempo.
Faltam, como se nota oficialmente, bancos de comércio exterior, especializados na cobertura das suas operações, que promovam o estudo dos mercados, com os naturais enlaces à actividade seguradora, e que a prática ocidental mostrou grandemente capazes de penetração no mercado mundial.
Faltam sociedades financeiras de administração, especializadas em cobranças, gerências, administrações, movimentações judiciosas de cupões e capazes de colocação apropriada.
Faltam sociedades de desenvolvimento regional, aptas a participações, empréstimos quinquenais, concessões de aval, ai ancas com empresas de progresso local.
Faltam ainda as sociedades de leasing para fornecimentos de máquinas, bens de equipamento e execução de programas regionais de apetrechamento.
Se me disserem que a nossa banca comercial, pelas suas capacidades poderosas, se pode encarregar destas missões e mesmo já as pratica, não irei contestá-lo.
Mas uma sistematização de instituições de crédito, onde o sector privado ocupa ainda lugar importante, seria completa com estes instrumentos novos que adoptam técnicas e práticas especializadas.
A história da banca brasileira, que começou com o Banco do Brasil, no tempo de D. João VI, apresenta uma rede espectacular de bancos especializados, destinados a promover o desenvolvimento da sua economia.
Também não se ignoram os tristes exemplos anteriores ao 28 de Maio, que, por fraca especialização, imobilizações incongruentes e desvios técnicos, redundaram em fracassos que não vale a pena lembrar.
Mas deve-se acentuar aqui que a banca apresenta lacunas de especialização que importam desvies técnicos e obrigam a ampliar as tarefas já complexas da banca comercial e da banca oficial.
Portanto, continua a sentir-se a falta de bancos especializados para o crédito à indústria, ao comércio exterior e aos grandes negócios de envergadura internacional, com a organização apropriada, os recursos inerentes a esta espécie de empreendimento e técnicas ajustadas a uma especialização económica.
Entramos assim, servidos por estes conceitos iniciais, no mundo da banca!
Captar a poupança à saída das fontes, canalizá-la, transformá-la em financiamento, fazer rendê-la e multiplicá-la.
Prestar ainda serviços de guarda, cobrança, transformação de valores, gestão e administração superior.
Transferir moeda e liquidar a distância.
Obter meios, vivificar os empreendimentos, as modernizações e alterações estruturais. Descobrir e apoiar ideias económicas, talentos e aptidões especiais onde se revelem e careçam de auxílio.
Participar na política de realizações dos governantes, facilitando pela colheita de meios os seus empenhos e construções.
Enfim, acelerar e multiplicar, lidando com moeda, defendendo e aplicando economias, prestando crédito, conseguindo um verdadeiro aumento de dimensão material do País.
Todas estas complexidades formam a missão social do crédito e da banca
Juridicamente, a banca e o seu mundo aparecem assim colocados como intermediários nas operações de dinheiro
Captam a poupança e transformam-na, distribuindo-a com recomendável acerto.
Desta forma, a mediação verifica-se entre os capitalistas de toda a ordem e os precisados de dinheiro de certa espécie. Ela manobra, pois, entre dois campos por igual povoados e rumorejantes - os depósitos, as emissões e as contas correntes de uma banda, e os descontos, aberturas, empréstimos, avanços e partes, da outra.
A posição não é, portanto, a de árbitro num jogo complicado e subtil, mas a de animador e parceiro com os melhores trunfos na mão.
Sujeita a regras morais, políticas e técnicas, vigilante e apreensiva, obrigada a perscrutar os tempos futuros, a sua referida missão não lhe permite contrair riscos demasiados, trabalhar a descoberto, imobilizar valores e exceder-se no balanço das faculdades das pessoas e das perspectivas dos negócios.
Isto nos leva direito a fazer uma nota sobre o passado distante e esquecido.
Antes da Revolução Nacional praticaram-se erros, cometeram-se imprudências, vulgarizaram-se abusos no domínio do crédito. Imobilizou-se com excesso, pôs-se o potencial bancário em certas mãos, desconheceu-se o ofício respectivo, errou-se técnica e administrativamente. Os favores pessoais e políticos fizeram o resto.
Portanto, no começo da sua abalizada carreira, ao Sr Presidente do Conselho deparou-se uma crise bancária tremenda e inopinada Faltava o chão, grandes edifícios abalavam e alguns derruíram.
Valeu a uns, reforçou a posição de outros, melhorou o crédito em todos os aspectos e teve de mandar liquidar os doentes crónicos, os moribundos e certa banca especializada que ignorava as coisas mais singelas do métier.
E a missão da banca?
Postas assim as coisas, podemos calcular como a banca deve ser um animador, um amigo que não falha, um colaborador mais que entendido e por vezes uni protector seguro. Pelo jogo dos interesses futuros, pelas previsões avisadas, ela é uma ampliação da vida nacional
Pertence-lhe acabar com a preferência excedente da liquidez, a concentração de meios e sobras, para os pôr à ordem do trabalho fecundo.

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Pertence-lhe analisar o movimento de fundos, a cascata de valores e a elevação de situações ao serviço da economia nacional
Pertence-lhe prover a vida sectorial e dar, por isso, cooperação rasgada ao Tesouro.
Tem de prever os maus tempos, as contracções e recessões dos negócios e, depois, ajudar a amortecer ou a desviar dos seus efeitos.
Tem de dar consistência às iniciativas e à renovação económica.
Tem de fornecer um abrigo contra as tempestades.
Tem de abarcar a vida do crédito, vigiando e mudando de táctica com as alterações da liquidez.
Tem de ver a eficiência marginal dos capitai e não somente esta, mas a eficiência global.
Tem de analisar a propensão ao consumo e as zonas disponíveis pela sua trajectória e possível destino.
Tem de ser corajosa, tomando riscos que outros enjeitam, de modo a favorecer o investimento e a produção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta tomada de riscos há-de fazer-se se sem perda do equilíbrio, da estabilidade institucional e da constância dos mercados.
Tem de suspeitar sem mostrar, de descobrir sem se dar por isso, de rematar em segredo.
E a lei?
A lei aperta, disciplina, constrange, controla, fiscaliza, traça uma trajectória firme e não perdoa pela eficácia das sanções.
Define as operações, limita os haveres de caixa, segue os movimentos de tesouraria.
Enfim, pela sua revolução silenciosa, a banca dispõe de um potencial incrível que todos os dias se acrescenta. Ela passou do ar livre ao balcão do estabelecimento, deste ao guichet, do último ao nobre edifício e, por fim, aos conjuntos e organizações tentaculares, às lanças, às organizações complexas do nosso tempo.
Tem de ver o movimento da taxa do juro, não só como expressão de um dado equilíbrio, mas como o resultado de um complexo de forças em presença.
Tem de descobrir assim rasgadas equações de troca que flutuam ou cristalizam e na sua maior latitude entram pelas fronteiras.
Sob o verniz da alta geral e da expansão e contínua, há-de descobrir o real no meio de aparências e levantar as ameaças acasteladas no horizonte longínquo.
Recessão, inflações, movimentos não sincronizados, eis os perigos mortais da economia de alta dimensão.
Assim, tem de denunciar os perigos, as viragens, os desvios bruscos, não só para prevenir e defender, como para renovar as garantias, rever e reformar as posições, liquidar rapidamente quando for caso.
E no meio de toda esta pujança, desta riqueza sem par, os factores aleatórios, as velocidades, as transformações monetárias, as incertezas, os riscos sérios e as lutas concorrenciais ou a zona de tufões e desvios sempre no esforço de multiplicar os capitais e de melhorar a sua eficiência, atrair a liquidez e dar ao País uma alavanca construtora e de melhoria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E os banqueiros? Falando da banca, falemos dos banqueiros.
Referimo-nos ao mundo da banca e, portanto ao seu quadro superior, aos que são dignos do título de banqueiros.
Portanto, quando se fala da banca como colectividade responsável, temos de entender o estado-maior que, de facto, dirige as operações.
Eles são transformadores, especializados, conselheiros, médicos sociais de tranquilidade e guias, mas, pelo jogo de operações, dirigem e impõem.
Quando frequentava a Universidade, tínhamos presentes as atitudes críticas dos escritores e a resistência das opiniões, eivadas de cepticismo.
Balzac, Eça, Silva Cordeiro, Schwalbach, brincaram irreverentemente com os Nuncingen, os Castios e Cohens, os invictos da Salamancada e o velho Gomes Neto, que reduzia as coisas às possibilidades de aquisição.
Dos Templários aos Fuggers e aos Rothschilds teceu-se a lenda em volta destes oportunistas singulares que faziam a jongleric de milhões e até emprestavam aos reis.
A sua tremenda responsabilidade não tolerava atenuantes perante o público
Realidade nacional, não lograva atrair os intelectuais e desencadeava tempestades.
A revisão das concepções libei ais da política e da administração deixou-os malferidos, não pelo desrespeito, pelo segredo, pelos deslizes, mas pelo potencial de influência e de opinião que lhes foi parar às mãos.
Submetiam e contaminavam.
Não tinham limites na invasão de outros compartimentos sociais.
Mas a banca profissionalizou-se, afinou-se, ganhou em tecnicidade e pelas injunções da lei ficou a coberto de muita suspeita infundada e de algumas injúrias.
Além de confessores de situações angustiosas e de guardas avançadas dos negócios, os banqueiros são hoje animadores e construtores indirectos, mais respeitados do que ontem, dada a fase em que vivemos de aceleração do desenvolvimento, de promoção social e de justiça indistinta.
Ligados à poupança e à produção, a sua posição, fortemente útil, impressiona, convence, guarnece-se, e o plano da opinião mudou os seus conceitos aguçados

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E então é ver, hoje em dia, com as nonias cáusticas da literatura e o desprezo das reacções, ela possui o condão mais maravilhoso da lua de Orfeu, de adormentar, em nome do crescimento económico, os avançados e revulsivos de ontem.
Em vez da ironia queirosiana, o servilismo dos antigos combatentes
Mas a banca torna-se um mister notável pelas disparidades e especializações, pela técnica, pelo segredo, pela auscultação da meteorologia dos negócios, com a qual os outros observatórios raramente poderão competir.
Até os políticos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A banca está subordinada a deveres gerais, a obrigações de carácter nacional, e, portanto, não é só um negócio, uma actividade, um sentido, é um instrumento de promoção e desenvolvimento, mesmo quando privada.
E as suas relações com os grandes negócios?
Reporto-me às relações com os grandes negócios.
Numa compilação de leis foi posto à entrada um trecho famoso de 1934, da nossa melhor literatura política, sobre plutocracia.
Não sei se para inculcar, se para distinguir.
Ainda que a plutocracia também recrute banqueiros poderosos, a verdade é que nem toda a banca se compõe

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de plutocratas, nem os oligarcas dos grandes negócios são banqueiros senão por acréscimo.
Também na altura em que se sucediam os depoimentos dos banqueiros, o Prof. Daniel Barbosa, com a sua penetrantíssima vivacidade, proferiu uma conferência sobre as grandezas e misérias do dinheiro, fartamente aplaudida em Guimarães
E preconizou, em certa, altura, que ele deixasse de ser um fim para ser apenas um meio.
Os professores de Direito Público esclarecem a questão de modo diferente, ainda que, no fundo, se possam ajustar as duas ideias
A ordem jurídica liberal tentou estabelecer uma hierarquia do mérito e do esforço, independente não só do nascimento, mas também da riqueza.
Porém, o poder do dinheiro manifestou-se em crescimento contínuo e não tem sido fácil eliminar os seus aspectos fundamentais de instrumento político-social.
Porque ele, além de dar satisfação, pode ser, e é, um meio de poder.
As concentrações, o sistema de administração financeira, as alianças e afilhamentos, criaram aqui uma potência nova e uma pressão que não podem ser desconhecidas e contra elas se levantam as reservas da teologia e da literatura.
Contra esse poder e essa força as leis estabeleceram limitações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho visto suscitar as maiores resistências, alguns aspectos agudos das leis, de incompatibilidades, as proibições, as inacumulações e a limitação de ganhos como se fossem gerais noções de censura, ou condenações à inferioridade, mal reconhecendo o talento onde ele sobrenada e parece claro.
Sem invocar as doutrinas de prémio de seguro e de pára-raios, tão do agrado do antigo regime, há-de notar-se que, ao reconhecer a importância do crédito e a relevância dos seus quadros, o Estado não veio responder a um libelo, atenuar uma crítica, mas rodear uma posição com cautelas e limites, sobretudo quanto aos seus delegados, que lhe asseguram independência, e equipará-la às suas posições mais altas.
Estas considerações são apenas jurídicas e parece demasia de sensibilidade não compreender que o Estado e o público carecem de ser defendidos contra maquinaria tão poderosa.
Não devemos esquecer o órgão superior que coordena o crédito.
Houve em tempos um Conselho Bancário, depois um Conselho de Crédito Nacional, e existe agora, na esteira do direito francês, o Conselho Nacional de Crédito.
O de Paris dispõe de numerosos membros e parece sumamente representativo
Contém representantes dos utentes do crédito, das forças activas, dos ministérios e do Plano Francês e dos estabelecimentos e serviços.
Trata-se de uma construção racional, inspirada em largas preocupações de ordem política.
A par deste funciona uma comissão de controle bancário.
O nosso Conselho foi chamado nacional.
Devia, pois - acho eu - exceder o perímetro corporativo e burocrático.
O crédito interessa mais largamente do que ao sector restrito donde pode ser manobrado, interessa a todos.
Encontro duas correntes de opinião nos depoimentos de responsabilidade.
Quanto à teoria global e às técnicas mais acreditadas do crédito e da banca, duas correntes de opinião caracterizáveis se surpreenderam nos depoimentos dos banqueiros.
Não quero dizer que a banca esteja dividida em dois partidos antagónicos que se afrontam ou em duas programações institucionais que suponho não ser parlamentar o afirmar-se não caberem no mesmo cesto.
Mas são orientações que se chocam e critérios que de algum modo se excluem.
Vejamos melhor.
Primeira corrente de opinião - vários banqueiros fazem apelo à reserva e ao comedimento e concluem pela recomendação da maior prudência nos negócios bancários.
Os Franceses dizem - a prudência é mãe da segurança.
E numa actividade sujeita a riscos e por sua natureza aleatória, a isenção destes e a jurisprudência cautelar obtêm os maiores sufrágios de pessoas de grande experiência.
Fala-se em nome da ortodoxia económica, dá-se apoio firme às construções ou pretensões sólidas, procuram-se superiores garantias, tendo em vista a multiplicidade dos interesses a acautelar e a defender - os dos depositantes, os dos devedores e os mais generalizados do Estado e do público.
Invoca-se uma disciplina firme, concebe-se uma concorrência cavalheiresca, combatem-se os métodos revulsivos em nome dos interesses que lhes estão confiados e que cumpre zelar de forma moderada e preservar de tensões prejudiciais.
Abre-se caminho à circunspecção, ao cuidado, e poupa-se dos caprichos e reveses da má fortuna que continuadamente espreita.
Certas exigências demasiadas e certas inovações bruscas, certos riscos pronunciados, não podem aconselhá-los os banqueiros desta primeira corrente e menos ainda tomá-los para si, tendo de escolher entre tantas pretensões que lhes são postas.
A segunda corrente de opinião - parece-me muito outra. Se os negócios bancários são aleatórios e tomadores de riscos, então perfilhem-se estes corajosamente e de forma desembaraçada, porque hesitação revela desconhecimento. Para montar novos negócios, melhorar os decaídos, descobrir recentes métodos de actividade eficiente para atrair uma poupança enfronhada, a banca tem de balançar e arcar cada vez com maiores riscos e erguer-se à altura das graves responsabilidades.
Não pode entibiar-se nem dobrar-se sobre si mesma.
O seu potencial de compra é um poder represado, prestes à dilatação, à reprodutividade e ao êxito.
Claro que estabelecer precauções e reclamar salvaguardas pertence ao métier, mas para além disso há que auxiliar e financiar resolutamente os devedores à procura do crescimento geral.
Não se põe de banda uma política selectiva, um controlo, nem deixam de chamar-se pelas naturais garantias de idoneidade, mas para despertar os capitalistas, para preparar o amanhã, para regular os grandes como os pequenos negócios, faz-se profissão de denodo, de intrepidez, porque o dinheiro pronto é como um corcel de batalha.
Financiamentos, taxas, operações não defesas, elementos de cobertura, surgem como instrumentos de luta, de suplantação e de triunfo.
A novos critérios hão-de fatalmente corresponder margens novas, técnicas novas, resultados novos.
Em suma, na função social da banca, na definição dos seus objectivos, na tomada de riscos, no planeamento de operações, duas atitudes não conformes se surpreendem na mesma banca - os moderados que encaram e pesam todos os riscos, e os desafrontados para quem o cresci-

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mento industrial e a mecanização agrícola obtêm indiscutíveis primazias.
Embora estas duas orientações sejam puramente tácticas e graduações criteriosas de acção administrativa, elas não acentuam uma teoria monetária nem revelam (...) económicas, para demais consequências.
A prudência não pode evitar a coragem das grane ás desilusões, nem libertar da tomada de riscos inerentes ao comportamento de certos sectores e ramos de negócio.
Mas a ousadia, ai dela se estiver sozinha e não compreender que para resultar carece de aliar-se com outras virtudes.
Chego agora a um ponto culminante, a identidade da nota de banco e do cheque.
Desde o tempo de Irving Fisher que o sistema monetário engloba a moeda legal e a moeda escritural para o efeito do estabelecimento das equações de troca, em geral.
Foi durante a última guerra que esta doutrina, através de um trabalho célebre de Hartley Withers, se difundiu e derrubou o ensino clássico, professado nas Universidades francesas, entre outras.
Portanto, a teoria monetária associa a moeda metálica ao papel moeda e aos cheques para assim chegar a noção completa de meios de pagamento.
Tenho a opinião, nesta ordem de ideias, de que não se devem reduzir as estatísticas oficiais aos depósitos à ordem, como fazem.
O caso surge tanto mais flagrante quanto é certo os depósitos a prazo, mínimos, antes de 1950, irem agora a caminho de 15 milhões.
Também, no ponto de vista da teoria monetária, tal critério de notação parece induzir a separações escusadas, tal como a distinção entre meios mediatos e imediatos.
E certamente por se partir de preceitos talvez dinâmicos, mas fluídicos, que as nossas estatísticas bancárias financeiras e genéricas, em matéria tão relevante como é a dos depósitos, apresentam diferenças de números de certo vulto, ao passo que as relativas a circulação monetária serão exactíssimas.
Assim se aponta a seguinte evolução

[ver tabela na imagem]

Temos de prestar um esclarecimento a estas estatísticas.
O Doutor Manuel Rodrigues - esse homem de Estado de raro engenho e mais que brilhante condiscípulo - em 1945, escreveu sobre correcções devidas na leitura e apreciação da estatística de depósitos.

1.º Era preciso evitar duplicações e eliminar as dos totais os depósitos dos próprios bancos em outros estabelecimentos. (A rubrica «Bancos e banqueiros», em 1963, atingia no final do ano 5 689 000 contos que deveriam deduzir-se)
2.º Era preciso subtrair ainda as margens não utilizadas de descontos e empréstimos que, uma vez levantados, permanecerem nos bancos originários ou buscaram outro abrigo.

E agora acrescento eu a estatística financeira costuma deduzir ainda os depósitos obrigatórios do Tesouro e da Junta do Crédito Público, por não contarem como riqueza acrescida.
Guardadas estas observações iniciais, remontemos às fontes, onde se forma e adquire consistência a poupança canalizável como água de rega, capaz de beneficiar o terreno e as culturas.
Quais os factores que afectam a constituição de depósitos?
Segundo relatórios recentes de alguns bancos mundiais, como os centrais da Nova Zelândia e África do Sul, em primeiro lugar, os juros pagos aos depositantes, que pela sua altura atraem ou deixam indiferentes os capitalistas.
Também a formação de depósitos contrai em face de situações financeiras difíceis ou desequilibradas pelas quais passa o respectivo pais e, portanto, as situações globais explicam também o que se passa.
Existe uma relação de mais difícil análise mas efectiva entre a remessa de dinheiro para depósito bancário e os movimentos cíclicos, e mais ainda se mostra ténue a relação daquele com as demais taxas de operações.
Mas não restam dúvidas de que a promessa de elevadas taxas suscita depósitos e opera a transferência rápida do depósito à vista para o depósito a prazo, quando a deste sobe.
Entre nós, examinados os anos que passam, não se pode afirmar que o aumento de depósitos se deva à expansão de meios monetários, senão relativamente, ou a uma contracção no poder de consumo e na capacidade de despender, em geral.
O notável relatório da Caixa Geral de Depósitos, de 1953, filiava-o.

Em saldos positivos da balança de pagamentos,
No desenvolvimento da economia interna, no capítulo da produção,
No apoio financeiro do crédito e moeda, vistos estes como um mecanismo regulador

Porém, em 1963, o relatório da O C D E , sem contrariar o afirmado, mostrava que, a despeito de uma balança de pagamentos saldada com menor saldo dos demais anos, a massa monetária crescera (11,4 por cento) e os depósitos a prazo subiram bastante (24,2 por cento).
Ora bem.
Estas e outras verificações e as estatísticas monetárias e do crédito, após 1890, contrariam a teoria de Fisher e de Hartley, que pretenderam descortinar uma relação constante entre a moeda em circulação e os depósitos.
Ela não se tem verificado.
Como se disse, encontram-se variações cíclicas, reacções as conjunturas e pânicos, entesouramentos anormais e desencaixes de origem psicológica.
As regras que dominam as entregas dominam os levantamentos.
O americano James Angell mostra que moeda e depósitos acompanham as oscilações da actividade geral, segundo diferentes factores ou à voz de uma política de crédito.
E isso que se pode achar também no relatório mencionado de 1953.
Por isso, aquelas observações do nosso famoso estabelecimento de economia oficial têm de ser entendidas com largueza, pois são vastas as camadas que depositam, quer obrigatória, quer voluntariamente.
Foi o já citado Hartley Withers que democratizou uma fórmula significativa de que os empréstimos criam depósitos.
Empréstimos criam depósitos!
Quem empresta atrai depositantes.

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A fórmula possui amplo condão, porque não se restringe ao facto eventual de o devedor deixar no seu banco os fundos a que não dá aplicação imediata.
Não, a ideia é outra.
Em vez dessa alta caseira, os bancos que prestam crédito criam ambiente de intimidade com os devedores, atraem clientela, criam novas relações, desenvolvem negócios e- tornam-se um banco distinguido e preferido pelas razões de corresponder aos que o procuram.
Assim tem de ser entendida a observação proveniente da Caixa Geral em 1953.
E assim tem de entender-se a ascensão prodigiosa de alguns dos nossos estabelecimentos, onde as possibilidades de fechar o negócio e de obter uma assistência atraem as atenções, melhoram as relações e acabam por atrair de forma efectiva.
Quais as categorias de depósitos segundo o famoso Treatiac, de Keynes?
Segundo o famoso Treatisc, de Keynes, encontram-se, para além do longo prazo e do curto prazo, à vista, três categorias de depósitos bancários.
1.º Depósitos à vista de rendimentos habituais, servindo para amontoar ganhos e permitir despesas - tais como poupança da classe média, acumulação de ganhos profissionais, sobras de pequenas casas agrícolas, etc ,
2.º Depósitos para negócio dos empresários destinados a acudir a desencaixes e pagamentos previsíveis, de industriais, capitalistas e empresários ,
3.º Depósitos de poupança por acumulação de fundos, postos, pois, em reserva particularmente sob a atracção de um juro conhecido.

Podem fazer-se outras discriminações, mas na medida geral esta separação corresponde a categorias firmes, perfeitamente definidas.
Os especialistas acrescentam um novo capítulo ao referirem-se a depósitos baseados em previsões largas e dilatadas sobre a marcha da taxa de juro
Donde provém a grande massa de poupança portuguesa, a qual, através dos cansas da banca, assenta nos depósitos?
Onde se amassa, leveda e coze essa massa imponente?
Se os banqueiros não fossem limitados pelo segredo profissional, se os capitalistas não reservassem os seus negócios, se os financeiros em vez de hipóteses possuíssem dados analíticos, talvez se pudesse dar franca resposta a algumas perguntas.
Como se forma a poupança portuguesa?
Onde se forma?
Como tomou o caminho da banca?
E por onde fica às vezes sem chegar a esta?
Problemas aos quais os relatórios, estatísticas bancárias e financeiras e os depoimentos não podem responder.
Entramos no domínio das hipóteses, nas ogivas da teoria pura, ou ficamo-nos pelo segredo dos práticos recolhidos no guichet e no balcão?
Pela ordem de classificação atrás mencionada - serão, como em França, os infinitamente pequenos da classe média que realizam na maioria do conjunto aquele milagre quantitativo?
Serão as tiradas de cortiça e os anos de vinho, servidos por grandes colheitas e preços compensadores?
Serão os frutos das iniciativas e grandes empreendimentos industriais, depois de vencida a adolescência e já na plena posse de um mercado largo e remunerador?
Serão as empresas majestáticas com o seu cortejo de afilhadas, de desdobramentos, de íntimas e às vezes clamorosas fornecedoras, quando concentradas e dirigidas por poderosos administradores?
Ou as grandes sociedades anónimas com as suas integrações de reservas, partes de capital, multiplicidade de provisões e acumulação de poder económico?
Ou os capitalistas de vulto - dominando a banca, os seguros e os grandes negócios que, pelos financiamentos, participações, avanços, novas casas e firmas, dispõem de imponentes sobras renováveis e acrescentadas?
Serão os exportadores que manobram partidas imponentes e que, em moeda estrangeira, obtêm fartos resultados da sua sagacidade e conhecimentos especializados?
Serão os capitalistas e detentores de sobras, adquirentes de prédios, construtores de imóveis de muitos andares, de rendas elevadas?
Serão os comerciantes felizes que por estabelecimentos, fumas e casas, estadeando despesas, ainda obtêm resultados disponíveis para novas dimensões do comércio?
Não se sabe bem e a estatística bancária e financeira não pode responder-nos
Um dia virá em que um imposto de rendimento justo, sistemático, de repartição equitativa, fornecerá uma estatística fiscal, capaz de desvendar os segredos.
Nem tudo quanto luz às vezes é ouro e a propensão ao consumo, estendendo-se, também limita a poupança.
Primeiro existe abstenção sem privar-se, depois o excedente é detido, começa a acumular e a entesourar-se, toma por fim o caminho de alguns bancos.
O grande público, nisto de poupar e acrescer, vê sempre a sombra de alguns poucos, mas os economistas, de há um século para cá, vão calculando como peso esmagador uma zona crescente que vai descendo para meio da pirâmide.
O problema é bastante semelhante ao dos portadores da dívida pública, e aqui o Estado, pelos seus órgãos de serviço, pode saber o bastante.
Mas o mistério e o desconhecimento, a surpresa, também não faltam.
A análise dos depósitos relativa à sua formação não deve parar por aqui. Hão-de estudar-se os levantamentos, a evaporação deles, o seu eclipse à medida de certas exigências hodiernas, das lacunas de emprego e do descaimento de algumas classes sociais.
Estas hipóteses são mais difíceis de estabelecei, mas tornam mais saliente o engrandecimento dos depósitos como correspondentes a uma alta do dividendo nacional.
Quando os depósitos se mobilizam pelo cheque.
Os depósitos tornam-se mobilizáveis por cheques e estes fazem uma classe especial de moeda e uma modalidade extensa da circulação do crédito do nosso tempo.
Primeiro, na Inglaterra, fez a sua aparição quando o seu banco começou a pagar 4 por cento aos depositantes, abriu-lhes uma conta e permitiu por um documento sui genéris os levantamentos.
Para economizar notas os cheques foram desenvolvidos, utilizados e aceites, postos até em circulação - endossável, compensável e substituível por numerário.
Chegou-se à vulgaridade, frequência e elasticidade, contida nos poderes criadores conferidos a qualquer banco.
Sr Presidente!
E V. Exa. mestre abalizado do direito mercantil para quem, desde os primórdios da carreira universitária, os títulos de crédito não possuem segredo. Só depois de tão grata lembrança me atrevo e, continuar.
No tempo de Fisher, aí por 1910 a 1920, 50 por cento das famílias dos Estados Unidos serviam-se de cheques, deixando às moedas as miúdos liquidações.

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Apesar de tudo quanto tem sido feito e do nosso crescimento, o cheque não obteve ainda a divulgação, a presteza e agilidade que merecia. O Português continua ainda sob o signo da desconfiança, porque a maioria ainda não entendeu a sua lição de vida moderna e de fluência.
Alguns casos desagradáveis, como os registados há bastantes anos numa certa classe de tesourarias oficiais, não são de molde, julgo eu, a fornecer um argumento contra o seu recurso.
Por isso, parece-me conveniente, em primeiro lugar, que o nosso comércio se habitue ao regime de bonificação das transacções cobertas por cheques turísticos.
E, sobretudo, que o esplêndido trabalho de um ilustre professor de Direito Comercial, Doutor Finto Coelho, e dos seus pares, já publicado oficialmente há dez anos e que culminava num estatuto de recurso facilitado e divulgado, obtivesse a sanção de um diploma legislativo.
O cheque desempenha funções crescentes, poupa moeda porque é moeda, desmobiliza a poupança represada, é cómodo, mas o seu uso continua tolhido a despeito dos perigos e dos prejuízos historicamente banidos.
Uma ligeira referência à velocidade de circulação.
Assim como a velocidade da moeda é um capítulo inesperado que amplia ou contingenta a dimensão da economia, assim acontece com o depósito e a sua movimentação.
Os relatórios da Caixa Geral fornecem elementos neste capitulo, assim como o Banco de Portugal estuda penetrantemente a circulação do escudo.
São velocidades pouco fiscalizáveis que dependem das reacções dos homens de haveres e disponibilidades perante os acontecimentos.
Durante as melhorias gerais a velocidade sobe.
Durante as recessões e estagnações o andamento atrasa.
A elevação de outras, taxas pode produzir deslocações que afectam também o ritmo.
E os problemas particulares do depósito a prazo?
Ainda que guardando o essencial, são um tudo-nada diferentes os problemas respeitantes aos depósitos a prazo.
Estes apresentaram durante muitos anos, na economia mundial, percentagens quase imperceptíveis do conjunto de movimentos do crédito, adquiriram depois consistência e nos últimos anos, nos países mais desenvolvidos passaram a caminhar para os 50 por cento dos depósitos à vista, ocupando superior compartimentação do rendimento nacional. É este o regime dos países mais avançados.
Os outros seguem passos paralelos, mas colocam-se na marcha.
Em Portugal a sua evolução pode representar-se em milhares de contos
1953...................................1 448
1958...................................3 616
1961...................................7 076
1963..................................11 267

Como a movimentação deste é menos pronta e portanto mais reflectida que a do «à vista», tal depósito está mais próximo, ou deve estar, do investimento e das aplicações judiciosas.
Como se forma?
Como se acrescenta?
Como se comporta em relação aos outros comportamentos?
Não resta dúvida de que, nos últimos anos, as taxas praticadas de 3 por cento para seis meses e de 3,5 por cento para um ano de aviso prévio e, ao que se (...), de 4 por cento em determinados casos, representam poderoso atractivo, dando consistência a alguns depósitos à vista, a elementos novos e premiando colocações.
Mas devemos lembrar-nos de outras circunstâncias, depois de 1961.
A baixa registada nas cotações de acções e títulos, particularmente das sociedades de crédito e seguros e dá empresas e sociedades e empresas ultramarinas, levou a vendas maciças de acções, obrigações e de alguns consolidados, que podem ser representadas por números.

[ver tabela na imagem]

Mas outros sectores dos títulos mantiveram galhardamente posições inabaláveis, como, por exemplo, as obrigações do Tesouro, que naquele lapso subiram até um pouco.
A baixa parece ter resultado mais de um movimento rápido da psicologia seguido de um marasmo, do que propriamente de uma crise de patente desconfiança.
E o que pode afirmar-se pelos números da estatística das transacções efectuadas na bolsa e na banca, naquele espaço de tempo crítico E são eles:
Transacções de títulos Contos
1960.......................1 443 124
1962....................... 846 830

Depois deste último ano, tem-se verificado alguma recuperação.
Enfim - receando a deflação de valores mobiliários, naturalmente sugestionados pela promessa de um juro manifestamente elevado, o depósito a prazo caminha em manifesto progresso.
Se a sua movimentação corresponde ao protocolo estabelecido, incumbe a banca pôr ao serviço da economia nacional esta afluência de potencial, embora as taxas ponto de partida para serem cobertas alterem as condições usuais.
O abandono de certos tipos de títulos e o recurso quase sistemático a obrigações forçou, a nosso ver, o mercado e acentuou uma voga que devia ser contrariada.
A banca oficial queixa-se da hibernação do mercado e da aliciação exagerada das disponibilidades recolhidas a prazo, estando já próxima a taxa das emissões de obrigações.
Não resta dúvida de que esta situação contraria a nossa política do crédito longamente estabelecida E, como se diz em outro lugar, as autoridades se preparam para intervir.
Parte da banca reage contra esta ideia de tolher o premiu do «a prazo».
A mobilização da poupança jacente em depósito a prazo apresenta um problema delicado, mas impõe-se como serviço à produção nacional e à expansão. Incumbe aos que dirigem resolvê-lo.
Dois pontos capitais hão-de ser considerados perante as condições de uma política bem assente e de que juros elevados só por excepção.
Em primeiro lugar, ter-se-á na devida conta que quando as cotações baixam por igual é sinal seguro de que o juro leal sobe.
Assim é que países parecidos com o nosso, como a Irlanda, a Dinamarca e a Bélgica, praticam o desconto de 4,25 a 6,5 por cento.

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A Inglaterra, não obstante a sua potencialidade, adopta taxas de 4 a 5 por cento.
E o Banco Europeu de Investimento socorre-se de 5 7/8 a 6 1/4.
Portanto, as altas taxas são um atractivo inigualável onde os capitais escasseiam e os desejos de investir se mostram intensos e não representam quebra do valor capital.
Em segundo lugar, empreendimentos inteiramente novos, de grande risco, inovações produtivas, reequipamentos como que reformas totais devem pagar mais pelas dificuldades e problemas que os enfeixam.
Falemos ainda da letra de câmbio.
A letra de câmbio vem desempenhando uma função complexiva e eminente que não tem rival, ao que vemos.
Além ao desconto e redesconto de efeitos comerciais, a letra documenta e concretiza grande número de empréstimos, particularmente de pequenos capitalistas e de movimento dos mercados.
Está ao serviço dos organismos corporativos para vultosas operações
Permite, com dilatações de prazo, reformas e inovações, operações inúmeras de comércio exterior, reapetrechamento agrícola e industrial e até as aquisições de materiais e o financiamento da construção civil, sem contar as letras de favor que acodem aos mais diversos destinos.
Portanto, quando lemos e nos admiramos com a enormidade dos números não podemos pensar só nos 90 dias de desconto, mas devemos considerar casos obscuros de médio prazo que ocupam patente margem de crédito.
E porquê?
Pela falta de uma banca especializada em certas classes de operações ou, quando esta existe, pelo limitativo dos seus contingentes e pelo compreensivo recurso a um instrumento despachado e predominante em vez do ré curso a outros tipos de ajuda financeira.
Portanto, grande parte de uma poupança reservada e confidencial busca na letra uma síntese de negócios e uma pronta documentação.
Desta sorte, o desconto pelo número de operações oferece totais impressionantes, particularmente a seguir à reforma bancária de Novembro de 1957.
Eis alguns deles:

[ver tabela na imagem]

Quase todo este movimento tão dilatado se concentra em Lisboa e no Porto e na sede dos bancos.
Pertencem a estas duas cidades

[ver tabela na imagem]

o que revela concentração excessiva.
A estatística das letras superiores a 1000 contos é que acentua grandemente os números sem acusar nivelados valores, sinal certo de que as liquidações de grandes importâncias não apresentam dificuldade saliente.
Assim

[ver tabela na imagem]

1000 contos é o preço de um casal de múltipla produção, é o preço de uma vivenda numa praia elegante, é um património garantindo independência, uma pequena fortuna, onde dificilmente se chega amealhando e, todavia, é um desconto já agora mais que frequente.
E certo que o valor médio do desconto destas letras milionárias não tem progredido, o que causa estranheza, nesta categoria de milhares de contos
Contos
1957............................... 3 216
1963................................3 143

Estes dados surpreendem.
Os protestos constam do apanhado seguinte

[ver tabela na imagem]

sendo destes superiores a 250 contos.

[ver tabela na imagem]

Inversamente do que às vezes corre, os tempos não vão maus para os negócios.
Guiados pelo Banco de Portugal nas suas taxas iluminantes de
Percentagens
Taxa de desconto.........................2,5
Taxa de redesconto.......................2

o desconto de efeitos comerciais referido a Janeiro processava-se por estas médias.
Percentagens
1954...................................... 3,727
1964...................................... 3,864

A seguir à lei bancária, alargados os limites de caixa e as possibilidades de prestação de créditos, os bancos comerciais durante anos levaram até ao máximo as operações de desconto, o que começa a corrigir-se, segundo creio.
Só em dois anos o volume do crédito global subiu 50 por cento.
Claro que os números avultam porque as águas Suem e refluem e, sobretudo, circulam pelo milagre do título de crédito, dando três e quatro voltas na roda do ano.
Quem desconta?
Quem desconta para além dos comerciantes?
Quem concretiza empréstimos por letras?
Quem paga e liquida?
Quem reforma?
Quem é protestado?

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Até que ponto as cifras estatísticas correspondem ao crescimento normal ou prolongam os efeitos de uma crise ou atestam dificuldades no conjunto?
Só alguns banqueiros poderão responder concretamente a isto.
Mas parece não haver dúvida de que as altas mostradas atrás documentam inflação comercial e incremento da construção civil, com a sua fatal ampliação do comércio nos fornecedores.
Já é mais difícil encontrar o rasto das compras de automóveis e do endividamento agrícola.
O crédito ao consumidor e as vendas a prestações, que o grande Edwm Sehgman estudou exaustavam 1927, também pesam e empolam a vida comercial.
Foi dito numa reunião de profissionais que para 161 habitantes existia uma mercearia naturalmente provida.
São segredos, do desconto e indesmentida inflação comercial.
A inflação, como o Proteu da fábula, está nos homens, nas coisas e nos serviços.
Se um bem de consumo de comércio usual passa artigo de luxo, não falta termos inflação disfarçada, é certo.
Se por novas embalagens e melhorias de apresentação um produto encarece, ela existe aí.
Se um manual é substituído por um abundoso tratado em vários volumes - inflação também.
Se um têxtil substitui a lã em 40 por cento das propriedades daquela - é mais que inflação.
Se em cada aldeia passar a haver vários estabelecimentos - inflação.
Se os serviços oficiais premidos pelo custo acrescentam as tabelas, também ela existe.
Vejamos ainda o conjunto da situação agrícola.
Os depoimentos da banca sobre a situação agrícola apresentam natural relevância.
Ninguém pode considerar esta distanciada dos fenómenos da terra ou indiferente às repercussões sobre movimento de fundos e de empréstimos, pois que os agricultores formam ainda um largo e preponderante sector e a sua riqueza, pela estabilidade secular e pela tendência de psicologia económica, merece análise e cuidados e o apoio do crédito, cujas garantias atingem o máximo da solidez.
Os problemas agrícolas têm sido ventilados nesta Câmara com constância, elevação e por forma verdadeiramente representativa.
A parte genéricas referências dos banqueiros, dois depoimentos merecem ser recolhidos e projectados - um da banca da especialidade lisboeta e outro de um velho banco do Porto.
A crise da agricultura foi apresentada gravíssima, como traduzindo penúria relativa e manifestando-se no duplo aspecto estrutural e conjuntural.
Registam-se as tendências insofismáveis para a alta dos salários a par da contenção dos preços.
Compram-se menos os prédios rústicos e (...) os valores das terras, mas, em sentido contrário, compram-se mais prédios urbanos e, sobretudo, andares em propriedade horizontal.
Esta procura de casa própria, de habitação própria reveste-se realmente de significado social.
Mas a crise reclama mobilizações de meios que as estruturas actuais dificilmente comportam.
Estes testemunhos são nítidos e corajosos e naturalmente incompletos.
Mas ó esplêndido relatório do Banco de Portugal aponta as hipotecas sobre prédios rústicos e sobre prédios mistos em manifesto crescimento e mostra ainda como estão a subir as vendas dos mesmos prédios.
Portanto é pena que não se consiga obter maior soma de precisões sobre o fenómeno de endividamento da lavoura e que não possa ser registada por forma mais segura tanto a baixa de valores prediais como as dificuldades de transaccionar a propriedade agrícola, os quais fornecem indicadores mais que fotográficos do mal-estar e da deserção dos campos.
Pelos relatórios da O C D E sabe-se também que é mais do que importante o êxodo legal e clandestino de trabalhadores do campo para a França, Alemanha, Holanda, a acrescentar às dezenas de milhares de jovens mobilizados e em serviço de defesa nas longínquas Gume, Angola e Moçambique, que vão escrevendo nova epopeia de Os Lusíadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muitos daqueles portugueses expatriam-se clandestinamente e deixam na mão de traficantes 10 a 12 contos.
Apressadamente são vendidos a desbarato lotes de terra e contraídas dívidas.
São grandes as remessas enviadas depois pelos emigrantes?
Serão maiores as poupanças forçadas dos mobilizados no ultramar?
As opiniões dividem-se, mas é certo que, em terras fronteiriças, o movimento de câmbios se torna amplo e rendoso.
A balança de pagamentos metropolitana regista aumentos de invisíveis, de transferências privadas e de operações de capital de carácter pessoal.
Tanto os relatórios do Banco de Portugal como da O C D E atestam que o acréscimo de invisíveis permite compensar novos desequilíbrios na balança comercial.
Sabendo o bastante, fica-se em todo o caso distante de pormenores e de precisões, sempre indispensáveis.
Não há completo conhecimento sobre as remessas de emigrantes, o movimento cambial provocado e a oferta e procura forçada de pequenos lotes de terra, e, sobretudo, relativamente às vendas maciças e endividamento da lavoura média e do Sul.
Depois do crédito agrícola, o crédito industrial-
O crédito industrial depende de programações viáveis de obrigações e depósitos a prazo, de fundos consideráveis frescos e renováveis e de participações do capital.
O crédito industrial italiano revelou excelências na distribuição regional e nas construções fabris mais diversas distribuídas com acerto, segundo as aptidões do solo e da mão-de-obra.
Foram mostradas nos depoimentos as altas taxas de crescimento das nossas indústrias e o desenvolvimento exuberante de alguns compartimentos.
Foi elogiada a acção pletórica e o domínio pleno dos negócios fabris como fonte primordial de riqueza.
Reclama-se o aumento de dimensão de trabalho da parte da banca.
Mas como?
Servindo apenas alguns ou descontentando muitos?
Por que artes mágicas, além de chamar capitais, obter depósitos e créditos no estrangeiro, se fará de três trinta?
Como atender sem medida emissões de acções, obrigações, participações e meios renovadores?
Como atender todas as iniciativas, projectos e esquemas individuais?

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Que técnicas haverá além da inflação dirigida que todos nós acabaríamos por pagar caro?
Mas são os depositantes e os capitalistas que mandam, e, se apesar de tudo quanto se proclama permanecerem com os bolsos cheios à espera, o crédito a levantar no estrangeiro será sempre caro, limitado e com reflexo desequilibrante na balança de contas, sem falar na altura das suas taxas.
Claro que os que dispõem de capacidade excepcional, estudo, aptidões directivas e hábitos de vencer obterão sempre primazias no recurso ao crédito.
Mas não devemos querer a banca ao serviço de meia dúzia e todos os mais esperando o que não vem.
Fala-se muito na indústria americana, na sua potencialidade formidável, mas não se sabe que ela recolhe particularmente os seus fundos e que muitos institutos bancários são alimentados pelas concentrações que edificam as suas bancas como centrais de pagamento.
O crédito fabril está hoje, nos países ocidentais, dominado pelas programações locais e pela regionalização dos investimentos. Esta lição de actualidade, havemos de recebê-la nós.
Pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n º 41 408 determinou-se uma centralização de informações sobre risco de concessão de créditos e das suas aplicações para além de certo limite.
Em Fevereiro de 1962 anunciou-se oficialmente estar pronto para execução um esquema simplificado de crédito às exportações.
No relatório da .Conta Geral do Estado relativa ao ano económico de 1963, na O C D E junto da Comissão de Exame das Situações Económicas, ao que julgo, e no relatório da lei de autorização de receitas e despesas para 1965, foram apontadas medidas tendentes a aperfeiçoar as existentes no domínio da moeda e do crédito.
Eram elas as seguintes:

1.º Medidas relativas à concessão de créditos a curto, a médio e a longo prazo,
2.º Revisão e regulamentação dos serviços e das operações das bolsas de valores,
3.º Revisão das disposições reguladoras do investimento de capitais estrangeiros,
4.º Medidas definindo o regime das operações de crédito à exportação,
5.º Regulamentação do exercício das funções de crédito por parte das instituições parabancárias.

E ainda no domínio da política de conjuntura:

6.º Centralização dos riscos bancários,
7.º Promoção de uma política de concessão de créditos bancários mais adaptada às exigências do fomento.

O artigo 27.º da proposta de Lei de Meios, sob a epígrafe «Política do crédito», estabelecia textualmente:

No prosseguimento da revisão e adaptação da, estrutura financeira às actuais condições de desenvolvimento económico nacional, o Governo promoverá as medidas julgadas necessárias ao eficaz funcionamento do sistema bancário e do mercado dos capitais.

Este artigo da proposta figurou no artigo 27.º da Lei n.º 2124, de 19 de Dezembro, apenas com a alteração de que «o Governo tomará as providências julgadas necessárias », o que não parece alteração de grande monta e soa melhor como linguagem articulada.
Também se previram como imediatas estas outras medidas:

1.º Limitação das taxas de juros nos depósitos a prazo,
2.º Ajustamento dos limites das taxas de juro do mercado monetário, de harmonia com o artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 42 641,
3.º Fixação de um limite de disponibilidades em moedas estrangeiras, nos bancos comerciais, nos termos do artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 44 699, de 17 de Novembro de 1962,
4.º Ajustamento dos limites de algumas taxas de juro do mercado de capitais, distinguindo as operações de médio prazo e procedendo à regulamentação destas operações.

Sobre estas medidas havia-se pronunciado já o Conselho Nacional de Crédito, naturalmente por forma favorável.
Foram assim anunciados com larga antecedência dois conjuntos de medidas, lidar do umas com princípios e conceitos inovadores e visando outras regulamentações concretas no campo das técnicas utilizadas.
Não houve aqui qualquer referência ou comentário nos debates e trabalhos da Comissão de Contas.
Mas os banqueiros é que reagiram lá fora e objectaram com desusado vigor.
A cobertura com recurso a um contingente de moeda estrangeira foi considerada nociva, desprestigiosa e redundante.
O banco central toma conhecimento, semana a semana, de todas as operações em moeda estranha, como conhece mês a mês o nível das coberturas e o funcionamento minucioso da balança de pagamentos.
Os juros estavam já legal e tecnicamente limitados.
Centralização dos riscos - confesso que ao ler os primeiros termos da sugestão reformadora não lhe descortinei logo o alcance.
Seguro de crédito?
Solidariedade nas obrigações?
Nova modalidade de redesconto?
Nada disso.
O artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 41 403 reportava-se a uma «Câmara de Riscos» e à centralização de informações de risco.
O parecer da Câmara Corporativa sobre reforma bancária admite a organização de uma «Câmara de Riscos» capaz de permitir diagnose da conjuntura e das perturbações sectoriais, louvando as vantagens e fazendo ressaltar os inconvenientes.
Alguns bancos centrais estrangeiros criaram um serviço central de informações sobre riscos bancários, particularmente o Banco de França, 1946.
Relatórios, esclarecimentos, pormenores recebidos de filiais, sucursais e agências, são concentrados para se saber a situação global dos clientes, os empréstimos levantados aqui e além, os avales, cauções e responsabilidades tomados em conjunto. Claro que os pequenos casos não interessam.
Mas existe declarada vantagem em evitar duplicações, recursos concorrenciais e ignorância dos levantamentos que afectam as posições devedoras de alguns, pois os pequenos empréstimos não interessam.
Embora se faça um pouco por toda a parte no domínio do crédito oficial e do crédito comercial assistência financeira às exportações, há perceptìvelmente aqui uma lacuna.
Mas faz-se notar a falta de uma instituição especializada, dotada dos serviços de observação, pesquisa e elu-

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cidação sobre a penetração mercantil e as seguranças possíveis da conservação e reserva de mercados.
Para colocar matérias-primas e para colocar os produtos nacionais em condições de imbatível concorrência , para explorar novas formas de concorrência, carece-se de um apoio seguro, com riscos trazidos ao mínimo e que reservem e fortaleçam mercados.
Portanto será bom regulamentar e dar rigor, mas será melhor apoiar com meios de crédito distribuídos criteriosamente, reduzindo pela antecipação e estudo ao mínimo.
Também a importação de bens de equipamento precisa de disciplina, evitando a desordem de tipos e padrões, os maquinismos da utilização duvidosa e as precipitações de que os tardios arrependimentos não absolvem.
Sr Presidente. Em conclusão.
Creio que numa economia concertada, de coordenação e desenvolvimento, as autoridades monetárias e os dirigentes superiores do sistema bancário, pelas margens reconhecidas, pelas suas agulhas e volantes de comando dispõem de um mecanismo poderoso para marcar rumos, realizar um ulterior esforço de produtividade e bem-estar nacional e acelerar e multiplicar mais a riqueza geral, chamando para perto o futuro.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Gamboa de Vasconcelos: - Sr Presidente e Srs Deputados. Quando, em Março de 1962, se discutiu nesta Assembleia a proposta de lei que serviu de fundamento constitucional ao novo Estatuto Judiciário, os julgados municipais foram objecto de grande atenção por parte de todos os ilustres Deputados intervenientes, que a eles se referiram mais para acentuarem as suas evidentes insuficiências do que para celebrarem as suas reduzidas vantagens.
A própria proposta do Governo, antes que firmasse na letra do seu articulado a continuidade da existência desses órgãos elementares, foi a primeira a reconhecer que eles «não constituíam uma forma perfeita e muito menos ideal de administração da justiça».
Também a Câmara Corporativa, no seu douto parecer sobre essa proposta, não ocultou a sua decidida preferência pela criação de novos tribunais de comarca em lugar dos simples julgados municipais.
Apesar disso, a base I desse novo instrumento jurídico, não podendo deixar de tomar em consideração imperiosas dificuldades de momento, teve de «procurar soluções mais prudentes e equilibradas, sem deixar de inovar nos pontos em que a organização vigente necessitava, com efeito, de ser modificada». E assim a sua redacção foi apresentada e aprovada, sem qualquer alteração, nos seguintes termos:

1 O continente e os arquipélagos dos Açores e Madeira dividem-se em distritos judiciais, estes em comarcas e as comarcas em julgados de paz.
2 Nos concelhos onde o volume de serviços públicos não justifique a existência de uma comarca própria, mas a comodidade dos povos exija um órgão judiciário, haverá julgados municipais.
3 Para acudir ao congestionamento não transitório do serviço que se verifique nas comarcas existentes, o Governo preferirá, sempre que razões ponderosas não imponham outra, a solução que envolva a instituição de novos tribunais comarcãos nas sedes de concelho que deles não disponham, principalmente se nelas houver já tribunal municipal.
Esta base, a despeito de antecipadamente se saber que não expressava a solução óptima do problema (que era, sem dúvida, a substituição total e imediata dos 44 julgados municipais existentes por outras tantas comarcas, de preferência na sede dos concelhos), parecia assegurar, no seu n.º 2, a existência de todos esses julgados, mesmo nas terras onde pequeno ou insignificante fosse o seu movimento ou o seu rendimento, e no seu n.º 3 a possibilidade da sua elevação gradual a tribunal comarcão sempre que se verificasse pletora permanente de serviço nas comarcas limítrofes em que se encontravam integrados.
Dei-lhe, pois, o meu voto sem qualquer relutância, tal como o fizeram todos os meus ilustrados camaradas da Assembleia.
Qual não foi, porém, a minha surpresa quando, pouco tempo depois, recebi a inesperada notícia de que, por virtude da entrada em vigor do novo Estatuto Judiciário, saído da aprovação desta proposta, dois - e só dois - desses julgados haviam sido pura e simplesmente extintos nos Açores!
Não conhecia senão de breve e já longínqua passagem o julgado municipal da Calheta, situado em ilha distante do meu distrito.
Não pude, pois, avaliar quais os prejuízos que daí lhe advieram, nem qual a reacção da população depois que lhe foi retirado tão útil quanto honroso benefício.
Pelo contrário, conhecia, desde criança, a vila do Nordeste, sede do extenso e laborioso concelho do mesmo nome, na ilha onde nasci e onde mal a notícia chegou logo pôs em alvoroço toda a sua pacífica e boa gente.
O concelho do Nordeste, constituído por seis freguesias dispersas a que estão adstritos cinco lugares de menos importância, pouco mais tem do que 11 000 habitantes. Todas estas almas vivem, porém, quase isoladas, na parte mais extrema e montanhosa da ilha de S. Miguel, ilha que, a despeito de ter só 747 km2 de superfície, se alonga por mais de 90 km, na direcção leste-oeste.
A localização geográfica deste concelho, que dista mais de 17 léguas de Ponta Delgada, a sua convulsionada orografia, onde a par de dantescas ravinas se erguem montes que atingem ou excedem os 1000 m de altura (como o Pico da Vara), as suas deficientes e íngremes estradas e o seu reduzido comércio exterior fazem desta região uma espécie de «ilha» esquecida adentro de outra ilha de maiores dimensões, que os restantes habitantes de S. Miguel quase desconhecem.
O seu povo teve assim de organizar a sua vida quase exclusivamente virado para a terra que lhe coube em sorte, só raramente contactando com tudo e com todos os que se situam para além daquele pequeno mundo.
Com tão forçado isolamento, dentro de tão afastadas e alcantiladas fronteiras, até a fonética da sua linguagem e a vivacidade da sua inteligência se tornaram diferentes das outras regiões micaelenses.
Não admira, pois, que esse povo seja imensamente cioso não só do seu pequeno património material, mas também do seu precioso património moral e espiritual
Quatrocentos e cinquenta anos decorreram já depois que o Nordeste foi elevado a vila e a sede do concelho.
Na carta de alforria outorgada por D Manuel I, em 1514 (parece que em sinal de reconhecimento por ajudas gratuitas prestadas pela sua população às armadas retornadas da índia), pode ler-se que semelhante mercê, concedida de moto próprio pelo rei de Portugal, visava tornar

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esta vila e este concelho completamente independentes de Vila Franca (a quem estava sujeito nessa época), de forma que «tôdas as vizinhanças, comedias e logramentos do liberdades que até agora tinham com os legares comarcãos e quaisquer outros privilégios que até agora tivesse por ser termo da dita vala» que não fossem por qualquer razão «diminuídos, antes acrescentados».
E, todavia, nessa altura eram apenas 60 os moradores desse lugar e seu limite
Com o andar do tempo esses moradores atingiram a casa dos milhares e com esse aumento também se foram ampliando os seus direitos e as suas regalias.
Em 1817, por alvará com força de lei expedido do Rio de Janeiro a 9 de Outubro daquele ano, foi-lhe concedido um juiz de fora para o crime, para o cível e para os órfãos, com jurisdição sobre todas as suas freguesias e outras dos concelhos mais próximos.
Em 1879, Hmtze Ribeiro e outros nomes grados da política do último quartel do século XIX, atendendo à sua especial situação geográfica e invocando, já nessa altura, as legítimas e respeitáveis «conveniências e comodidades dos povos», elaboraram um projecto de lei para a elevação daquela vila a sede de comarca.
O projecto mereceu o parecer favorável da Comissão Legislativa da Câmara dos Deputados dessa época, mas não chegou a ser concretizado por razões que ainda hoje se ignoram.
Em 1887, isto é, um ano depois do aparecimento dos julgados no nosso país, foi criado, porém, o julgado municipal na sede daquele concelho e, algum tempo depois, um outro na freguesia da Achada, que compreendia não só esta freguesia, mas ainda as freguesias da Achadinha e dos Fenais da Ajuda, esta última pertencente ao vizinho concelho da Ribeira Grande.
Mais tarde, reformas posteriores acabaram com este último julgado e levaram as duas freguesias extremas da Achada e da Achadinha (com o lugar da Salga) para a comarca da Ribeira Grande.
O Nordeste ficou, portanto, com um único julgado municipal e ainda assim somente limitado às freguesias da própria vila e os outras restantes da Fazenda, de Santana e de Nordestinho.
Foi este julgado, que havia sido instalado em 7 de Agosto de 1888 e que, portanto, funcionou durante 74 anos a pleno contento do povo, que o novo Estatuto Judiciário extinguiu em 1962.
As freguesias que o compunham passaram então para a jurisdição da comarca da Povoação, enquanto as da Achada e da Achadinha, já acima referidas, continuaram a ficar sob a alçada da referida comarca da Ribeira Grande.
O concelho ficou assim não só privado de qualquer órgão elementar de justiça na própria sede, mas ainda com as suas freguesias orientais e ocidentais divididas pela afectação a duas comarcas diferentes-
Os habitantes dessas freguesias, que sempre haviam tido o orgulho e a facilidade de resolver os seus pequenos litígios ou outros actos judiciais, sem grandes dispêndios, na sua própria Domus Municipalis, passaram desde então a ter de calcorrear, a pé, léguas e léguas de maus caminhos ou de suportar despesas de transportes demasiadamente onerosas para as suas fracas posses, para resolverem os mesmos litígios e os mesmos actos, perdendo assim dias e dias de trabalho e, pior do que esses dias de trabalho, perdendo a fé nos homens e nas legendas que atiram ao vento promessas e direitos.
Semelhante situação causou tal desgosto e tal revolta interior na alma bondosa e simples da gente do Nordeste que, quando, também em 1962, chegava alfim à sua vila o benefício da luz eléctrica, que as outras vilas de S Miguel já usufruíam há, mais de meio século, essa gente que sempre foi resignada e que não sabe ser ingrata, mal pôde dar palmas no momento da inauguração de tão grande melhoramento, havendo mesmo algumas pessoas que para mim se viraram, de mãos caídas, dizendo, doloridamente, a meia voz. «Deram-nos a luz, mas tiraram-nos os olhos».
E realmente parecia que os olhos de muitos dos assistentes àquela festa não viam, naquele instante, o intenso clarão que dissipava as trevas das suas ruas, clarão por que tanto ansiavam havia muitas décadas.
Sr. Ministro da Justiça. Não há ninguém neste país que, atento à obra de profundo alcance social que V Exa. tem desenvolvido no seu Ministério, através de novos códigos, de novos estatutos e de novos edifícios, que muito alentam e dignificam o difícil e imprescindível exercício da justiça, não reconheça nos seus pensamentos, nos seus escritos e nas suas determinações o mais firme propósito de encontrar sempre a verdade, a compreensão e a rectidão que formam o quilate excepcional das almas de eleição.

O Sr Sousa Meneses: - Muito bem!

O Orador: - V. Exa. não tem sido apenas o mestre austero que, servido pelo dom da persuasão, melhor do que ninguém sabe ser o mentor ou o chefe de todos quantos sob as suas ordens têm sobre os ombros a pesada responsabilidade de julgar.
V. Exa. tem sido o homem que, para além das suas elevadas funções governamentais, tem sabido auscultar e servir a grei com o mais alto sentido de humanidade.

O Sr Lopes Roseira: - Muito bem!

O Orador: - Quem não tem lido os seus discursos e não tem encontrado na linha do seu lúcido discernimento a palavra que explica ou que conforta tanta perplexidade ou tanta agrura dos nossos dias?
Qual o funcionário público que, desanimado com o fraco apreço ou a diminuta remuneração do seu trabalho honrado, não guarda junto do coração, com alguma esperança, as palavras que V Exa. proferiu, ainda não há muito, acerca da sua precária e injusta situação?
Qual o indivíduo que aspirando a um mundo melhor não fixa muitas das suas frases e muitos dos seus conceitos, como normas ideais da uma conduta mais digna e mais promissora?
Ninguém neste país deixa de reconhecer em V. Exa. a pessoa íntegra e de bom conselho, em quem todos confiam sem reservas.
Ao colocar diante dos seus olhos o quadro sombrio de uma pequena população desolada com a alienação repentina de um bem que ela supunha eterno, de forma alguma quero insinuar e muito menos provar que houve, no caso, resquícios de descuido ou de injustiça.
Eu sei que a julgado do Nordeste era um dos que mais reduzido movimento e mais ínfimo rendimento apresentavam no rol dos muitos que existiam à data da sua extinção A terem de ser eliminados alguns, ele não podia deixar de ser dos primeiros.
A minha intenção é, pois, levar apenas ao directa conhecimento de V Exa. as condições naturalmente penosas e desfavoráveis em que vive e população daquela zona, que não tem outras compensações materiais nem outros confortos espirituais que não sejam os do seu imenso apego à terra e da sua ardente fé em Deus.
Não ouso, pois, rogar a V. Exa. que modifique, desde já, a sua decisão V. Exa. dentro em breve terá, em

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Ponta Delgada, mais um padrão a glorificar a sua obra inconfundível. Espero que nessa altura nos dará a honra e o prazer da sua presença na inauguração desse magnífico Palácio da Justiça que está a concluir-se, e então o único favor que lhe pedirei será o de verificar, com os seus próprios olhos, tudo quanto atrás deixei escrito.
O Nordeste, nessa altura, talvez já tenha (...) as estradas que, afanosamente, a Junta Geral do Distrito melhora, por determinação acertada do seu dedicado presidente e por ajuda, sempre solícita, do Sr Ministro das Obras Públicas.
Mesmo assim, V. Exa. não deixará de se aperceber da inquietação e da tristeza dos habitantes daquela região a despeito da impressionante beleza com a que Natureza os envolve para merecida compensação dos seus múltiplos infortúnios.
E então V. Exa. resolverá como melhor sentir e entender.
Sr Presidente. Ao terminar os meus trabalhos nesta Assembleia não quero deixar de agradecer a V. Exa., com o maior reconhecimento, toda a benevolência de que se dignou usar para comigo em todas as intervenções que no melhor propósito de bem servir as minhas minha pátria, aqui efectivei sem brilho e sem agrado.
A W. Exas., Srs Deputados, quero também manifestar a minha gratidão pela paciência com que me puvistes, pedindo ao mesmo tempo desculpa pelo tempo que vos fiz perder com tantas e tão áridas dissertações sem interesse directo para a grande maioria dos presentes.
A todos desejo a melhor saúde e as maiores felicidades.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Herculano de Carvalho: - Sr Presidente. Por mais de uma vez tive ocasião de trazer à consideração desta Câmara o problema da política administrativa do ultramar, e, durante a discussão da proposta da Lei Orgânica do Ultramar, abordei uma questão que me parece fundamental. Não podia fugir ao dever de a levantar de novo, com vista aos trabalhos futuros da Assembleia Nacional. Essa a razão das palavras hoje dirijo a V. Exa.
Para não roubar tempo a esta Câmara com a repetição das palavras que então proferi, direi, em síntese que a tal questão se resumia na necessidade de pôr em concordância com a doutrina constitucional o corpo de leis que define e regula a vida política dos nossos ultramarinos.
A revisão da Lei Orgânica do Ultramar pareceu-me nessa altura uma simples medida, que, embora de resultados limitadamente benéficos, não podia deixar de ser tomada senão como coisa de ocasião, por a própria existência de uma Lei Orgânica do Ultramar não se justificar dentro de um Estado que se diz unitário. Este ponto de vista foi também expresso, e com muito mais brilho, por outros Srs. Deputados.
Poucos dias depois, a 19 de Abril, o Sr. Deputado Francisco Roseira, num discurso notável, apontou a esta Assembleia o verdadeiro caminho - a revisão da Lei Orgânica nem como medida transitória se devia admitir, a única revisão admissível devia começar na Constituição, para terminar na revogação pura e simples da Lei Orgânica. No dizer de S. Exa., «não mais haveria cartas nem leis orgânicas, que, por melhor elaboradas que sejam, são sempre documentos confirmadores da existência de uma situação colonial»
E S. Exa. demonstrou à saciedade as razões tremendas da sua tese, sem que nesta sala, que então vibrou de entusiasmo patriótico, se levantaste uma única voz discordante. Mas, infelizmente, pelo grande número e pela importância de outros problemas sobre os quais a Assembleia Nacional teve de se debruçar, a questão ficou em aberto.
Se a Câmara eleita para a IX Legislatura a chamar de novo a si e a resolver, ficar-lhe-á a Pátria devendo inestumável serviço. Para a salvação de Portugal como nação euro-afro-asiática, Deus peimita que tal se realize.
O programa não é revolucionário. Será antes um retomo ao rumo salutar das origens do nosso movimento colonizador - descobrir, civilizar, integrar. Será, portanto, um programa reformador que obrigará a dar uns tantos passos à retaguarda para se sair do caminho aberto pelo Acto Colonial, caminho que não passa de uma vereda escorregadia dirigida para falsas descentralizações e autonomias trágicas. Sei que o programa não pode agradar a todos, opõem-se-lhe os homens dos interesses económicos baseados na exploração do nativo, os teóricos da «política ultramarina» importada do estrangeiro e os partidários das independências a curto ou a longo prazo.
Continuando a trilhar a senda aberta pelo Acto Colonial apenas satisfaremos os desejos desta trilogia antinacional e faremos o jogo dos nossos inimigos externos.

O Sr Lopes Roseira: - Muito bem!

O Orador: - Os homens dos interesses económicos que se apoiam na exploração do nativo não admitem a integração por verem nisso o risco de perderem a mão-de-obra barata e de lhes fugir o recurso à arregimentação forçada de trabalhadores.

O Sr Lopes Roseira: - Muito bem!

O Orador: - Não se importam eles que a Pátria se esmorone desde que das ruínas possam colher ainda alguns lucros materiais Apenas se distinguem dos partidários da autonomia por estes quererem deliberadamente o caos pelo caos, ou o caos pela utopia, enquanto eles tomam os seus interesses financeiros como objectivo único, nada lhes interessando o que daí possa resultar - ainda que daí resulte o caos.
As razões, sem-razões e pressões dos nossos inimigos externos não podem nem devem merecer-nos a mais ligeira atenção, e muito me espanta que ainda apareça entre nós algum felizmente raro filósofo que defenda a ideia de pautarmos a nossa política pelas resoluções dessa decantada O N U O que já nada me espanta é que os teóricos da «política ultramarina», em nome da salvação da Pátria, estejam a levar o nosso ultramar precisamente para onde a O N U deseja vê-lo arrastado. São estes os mais perigosos. A linguagem de que se servem é a do catecismo político dos Estados que geraram o Quénia, o Ghana o Congo e a Argélia, linguagem materialista, arredada do ideal português, é certo, mas capaz de enganar quem nunca no ultramar tenha vivido por que os seus arautos não pretendem enganar ninguém - é convictamente que proclamam tão estranho catecismo, são eles os primeiros enganados.
Já mais de uma vez aqui fiz referência a este insólito fenómeno somos um Estado unitário, constitucionalmente tendente para a integração administrativa, e não obstante tudo isso foi-se moldai o regime jurídico ultramarino português pelos regimes das potências coloniais, precisamente as que faliram ou nem sequer tentaram realizar-se como nações pluricontinentais e plurirraciais. E, o que é mais

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grave, persiste-se em não se reconhecer o erro. Tal é a nossa subserviência para com as modas importadas de além-fronteiras.
Não resisto à tentação de transcrever o seguinte passo de um artigo que o ilustre pensador António Quadros escreveu há coisa de dois anos e que exprime e generaliza de modo perfeito o que acabo de dizer.

Há 400 anos que, entre nós, mudam os regimes, as estruturas e as forças dominantes, na exterioridade das suas ideologias, mas na realidade pouco ou nada se modificou o tipo de estatismo em que pantanosamente mergulhamos. E isto porque o nosso pensasamento político há 400 anos que não é criador, mas aderente. Queremos dizer que, incapazes de criar doutrina política, necessariamente derivada de uma filosofia e de uma visão do Mundo, os nossos políticos se limitam a lutar pela adesão do País a esta ou laqueia doutrina forjada por outros a partir de circunstâncias históricas, ideológicas e sociais inteiramente diversas das nossas.
Qual o partido político que, nos últimos séculos, pôde ou soube postular uma teoria própria e original? Portugal é pensado como um pequeno e triste astro sem luz própria, reflectindo a sombra e o sol dos outros, e por isso todos os nossos movimentos de reacção e acção, sejam a contra-reforma e o iluminismo, sejam o absolutismo e o liberalismo, sejam a monarquia constitucional e a república, sejam as outras teses e antíteses que se lhes seguiram, tiveram de comum a ideia concordante da menoridade da Pátria, incapaz de teorizar, pelas próprias vias, sistemas de filosofia, de educação e de política.

Então, repito, tendo nós entrado numa linha de pensamento e acção por vias estrangeiras, se persistirmos cegamente em percorrer até ao fim o caminho escolhido, o fim que nos espera é o dos mesmos Estados, cujos figurinos muito servilmente copiamos.
Regressemos às raízes do ideal ultramarino português, porque este retorno não é sinónimo de retrocesso Há que se voltar ao ideal que Afonso de Albuquerque definiu há quatro séculos.

As colónias devem olhar-se como prolongamentos de Portugal, e os seus habitantes, qualquer que seja a sua cor, devem ser governados pelas mesmas constituições.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, que temos uma Constituição escrito, só nos resta substituir aquele plural histórico de Albuquerque pelo singular «devem ser governados pela mesma Constituição».
Mas para que a Constituição se possa aplicar ao ultramar é preciso revê-la, porque ela contém em si mesma o gérmen da contradição. Embora partindo do conceito de Estado unitário, tira à Assembleia Nacional a competência de legislar para todo o espaço português; admite a existência de um supermimstério, um ministério-Estado que reúne todos os poderes da soberania em relação ao ultramar, substitui a Câmara Corporativa, como órgão consultivo, que devia ser nacional, pelo Conselho Ultramarino, desde que se trate de legislar para o ultramar, retira ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, e remete-a para o Ministério do Ultramar, a competência para sancionar acordos ou convenções entre os governos das províncias ultramarinas e governos estrangeiros, etc. Entre parêntesis se diga que a Constituição contém até um erro que não se perdoaria a um aluno dos liceus logo no artigo 1.º, o n º 5 º é um erro ridículo, Timor, Sr. Presidente, não se situa na Oceânia, mas sim na Ásia.
Por outro lado, a própria Constituição e a subconstituição para o ultramar - a Lei Orgânica - prevêem e legitimam a existência de tantos órgãos com autoridade para legislar que se toma ponto de dúvida o próprio conceito básico de Estado unitário Legisla a Assembleia Nacional para a metrópole, legisla o Ministério do Ultramar para o conjunto dos territórios ultramarinos, legislam os órgãos especialmente constituídos em cada território para proveito exclusivo do mesmo território, e as juntas distritais legislam para os distritos Por isso a tal dúvida. Sinceramente, será isto unitarismo ou federalismo?
E se quisermos levar a questão ainda mais longe, atendendo a que cada alteração até hoje introduzida no Acto Colonial foi mais um passo dado no caminho da autonomia legislativa, podemos mesmo perguntar-nos se não se trata de um federalismo prenunciador da emancipação política.
Em defesa de tão estranha contradição, os técnicos das coisas do ultramar saem & liça e esgrimem com o respeitável princípio da descentralização administrativa, tudo explicando em nome dele. Não há dúvida de que a descentralização administrativa tem as costas largas. Mas, das duas uma ou eles desconhecem o que significa «descentralização administrativa» ou julgam que são os outros que o ignoram. Só assim se explica que nas bases da revisão da Lei Orgânica elaboradas em Outubro de 1962 pelo Conselho Ultramarino se incluísse esta afirmação «[O Conselho Ultramarino] rejeita a política de integração administrativa, por contraria aos interesses públicos». Atentemos em que a integração administrativa é um preceito constitucional que, segundo o parecer do Conselho Ultramarino, seria contrário aos interesses públicos Pois a tese mais geral (e que, como qualquer teorema das matemáticas, é demonstrável) é que a integração administrativa é realmente contrária a alguns interesses privados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A magna confusão resulta de se querer fazer ver que a integração é antónimo de descentralização, o que é falso. Mas é com este logro que se esgrime «Imagine-se o que seria, por exemplo, o Ministério do Interior a resolver problemas da administração interna de Timor». E claro que todos nós imaginamos muito bem, porque é isso mesmo que se passa, não no Ministério do Interior, no Terreiro do Paço, mas no do Ultramar, no Restelo, o que, mutatis mutandis, vem a ser a mesma coisa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é também o Ministério do Ultramar que resolve os problemas de ensino de Timor, de Angola e de Macau, e os económicos, de justiça, de obras públicas, negócios estrangeiros, comunicações, saúde, finanças, em suma, todos os problemas, com excepção dos militares. Não creio fácil nem talvez possível encontrar-se exemplo mais típico de centralização político-administrativa Pois é mesmo em nome da descentralização que paradoxalmente se defende este estado de coisas.

O Sr Lopes Roseira: - A descentralização é um bluff.

O Orador: - Mas ponhamos a questão como ela deve ser posta «Integrar» significa «somar», e como na soma a

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ordem das parcelas é arbitrária, a integração não significa que se «encaixem» na metrópole as parcelas ultramarinas, mas antes que se reunam todas as parcelas num só resultado - será esse resultado o Portugal sem fronteiras políticas e administrativas a separar a metrópole territórios ultramarinos, a Pátria-Nação euro-afro-asiática, objectivo último do ideal português.

O Sr Lopes Roseira: - Muito bem!

O Orador: - A integração que a Constituição nos promete não é, pois, um fim, mas antes um meio (...) e dinâmico de Portugal se realizar na sua missão ecuménica. É o meio, e o único meio, de se pôr termo a privilégios concedidos a grupos minoritários de raça branca, a situações de injustiça que nem por serem contrariadas pela lei deixam de ser reais, às dificuldades de expansão e unificação económicas, às tendências de segregação racial que se enquistaram aqui e ali em algumas das nossas províncias africanas, às lutas fratricidas que ensanguentaram a Nação.
O Sr Lopes Roseira: - Muito bem!

O Orador: - Só ela, com o arrumar da Lei Orgânica do Ultramar, da Reforma Administrativa Ultramarina a e do Ministério do Ultramar, permitirá estabelecer nos territórios o sistema administrativo que usufruímos na metrópole, concorrendo, assim, para uma boa e sã descentralização administrativa.

O Sr Lopes Roseira: - Autêntica!

O Orador: - A integração não significa, portanto que tenham de subir ao Terreiro do Paço todos os problemas de administração que se levantam na vida do dia a dia das províncias. Seria tão funesto como terem de subir ao Restelo. Mas isto, repito, nada tem que ver com integração urutarista ou com federalismo. A integração pode e deve justapor-se a descentralização administrativa, tal como a Constituição prevê.

O Sr Vaz Nunes: - Muito bem!

O Orador: - O que hoje temos é uma espécie de federalismo, apenas limitado por uma centralização administrativa externa. Ou seja, a antítese dos sãos princípios constitucionais.
Todos nós desejaríamos ver realizada a onstituição. Mas para isso há que começar por se rever o seu texto, para dele se desentranharem os princípios de contradição que lá se enquistaram.
Esta tarefa, Sr. Presidente e Srs. Deputados irá passar à próxima legislatura. A ela poderá caber tal honra e tamanha responsabilidade. Mas estou certo de que também nós, os da presente legislatura, podemos ainda fazer algo por um Portugal melhor.
Aproxima-se o momento das eleições para escolha do Presidente da República, e ao colégio eleitoral, de que esta Assembleia faz parte, caberá a última palavra. Pois que seja também desta Assembleia a primeira, num apelo à União Nacional para que esta se lembre de que os cidadãos elegíveis não são só os metropolitanos de pele branca. Parece-me ser chegada a altura de pensarmos nos reais valores que existem entre os naturais das nossas províncias da África e da Ásia. Só assim nos realizaremos plenamente. E nem valerá a pena irmos à procura do exemplo de Roma e de Adriano. Em primeiro lugar porque o nosso exemplo de expansão é único, pela sua feição humana, que não tem paralelo na expansão conquistadora de Roma, e, depois, porque de nada vale falar-se de Adriano e de Roma só para se afirmar que idêntico fenómeno é possível entre nós. Não interessa que seja possível, interessa se tome uma realidade.
Que se eleve pois um natural do ultramar à mais alta magistratura da Nação, para nos darmos prova da realidade ecuménica de Portugal e prestarmos às províncias tropicais a justiça de se reconhecer que as responsabilidades e os direitos que conquistaram no seio da Nação são precisamente os mesmos desta velha Lusitânia. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Sousa Birne: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Tentarei ser o mais rápido possível.
Não desejava no entanto terminar o mandato sem trazer à consideração da Assembleia um problema - considerado importante - que, embora se refira também ao património do nosso subsolo, é com certeza problema que não coube no âmbito do recente aviso prévio das indústrias extractivas. E não coube porque, não sendo propriamente de «substâncias», menos ainda o é, especificamente, de substâncias minerais. E um problema que apenas se refere a «espaços» ou a «vazios», é, enfim, o problema das nossas grutas.
Creio que a chamada das nossas grutas à expressão que poderão assumir no quadro turístico do Pais deve merecer a atenção geral e deve merecer a compreensão do Governo, nesta hora em que a irradiante chama turística finalmente se traduziu já numa demonstração aliciantemente expressiva para a economia da Nação, chama que, no entanto, para manter-se e para que se avive mais ainda, impõe pleno apelo a todos os recursos realizadores da sua atracção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Poucas palavras serão necessárias para realçar a importância que para o turismo podem assumir - e assumem - as grutas que o paciente labor, muitos milhares de vezes milenário, de incontroláveis forças da Natureza, cavou e semeou nas profundidades da Terra, tão patente está essa importância à apreciação de todos.
Ninguém ignora o valor monumental, espectacular, beleza inédita e inimitável pela arte humana, de tantas grutas que se podem admirar por esses países fora e que estão célebres entre os valores e atracções turísticas mundiais.
E todos conhecem o incalculável repositório reconstitutivo que por vezes oferecem, de vidas, de costumes e de civilizações, dos povos de antanho, das gerações primitivas de há 10 000, 20 000, 30 000 ou muito mais anos, de quando as grutas foram primeiro as suas habitações, os seus santuários, os fulcros estáveis da sua, embora incipiente, vitalização social e depois as suas necrópoles, e o interesse que, salvaguardados que sejam os primários os direitos da investigação e da ciência, esse incalculável repositório dos tempos de outrora pode assumir para o turista de hoje.
Lá fora os desdobráveis turísticos frequentemente incluem grutas entre as atracções salientes, e quem percorre estradas topa, não poucas vezes, sinalizações de convite à visita a uma gruta das cercanias, à qual um ramal, mais largo ou mais estreito, permite chegar

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com facilidade, grutas, umas mais monumentais, outras de interesse mais reduzido, mas constituindo todas, em geral, motivos de beleza ou de meditismo suficientes para que o viajante não lamente o tempo que perdeu numa pausa da viagem.
O que as grutas podem significar como autêntico valor de expressão turística atestam-no os milhares e milhões de pessoas que anualmente visitam muitas delas e as respectivas receitas em que se traduzem, quer nas entradas pagas, quer e sobretudo no muito maior complemento hoteleiro e mercantil que todos os circuitos digressionistas consentem.

O Sr Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - As grutas de El Drach e de Artá, em Maiorca, nas Baleares, contam com mais de 1 milhão de visitantes anuais. As grutas das Maravilhas, em Aracena, aqui ao pé da poita, na Andaluzia, apesar de desviadas dos grandes circuitos turísticos de Espanha, são mais de 500 000 as pessoas que por ano as visitam, as de Altamira, perto de Santander, embora resumidas no seu interesse às famosas pinturas rupestres de há dezenas de milhares de anos, concentradas nos tectos de uma sala, vêem anualmente cerca de 400 000 visitantes. Na França, as grutas de Orgnac, na região de Sudeste, contam com o volume, por ano, superior a 1 milhão de entradas, as das Donzelas, também na região de Sudeste, são provavelmente as mais visitadas de toda a França, e por isso aquele número deverá ainda ser maior, e as grutas de Betanam, na área de Pau, são complemento turístico de grande valor e quase inevitável aos milhões de peregrinos que Lurdes anualmente atrai, no entanto, o seu grande interesse resume-se - e é quanto basta - ao meditismo de um passeio de barco ao longo de um ribeiro subterrâneo. A gruta de Hanz, na Bélgica, e muitas outras na Alemanha, na Itália, etc.
Na América do Norte, as célebres Carlsbad Caverns, no Novo México, conhecidas como as maiores do Mundo, estão turisticamente valorizadas à americana, até com comboios subterrâneos.
Não se pense, porém, que o valor turístico das grutas é espontâneo, não é espontâneo de forma nenhuma, muito longe disso.
A sua chamada ao interesse do público, a sua evidência como valor turístico, firma-se no dinamismo da objectividade industrial e requer, como tudo quanto se queira desenrolar em valia, o impacte de investimentos básicos. As grutas aparecem na sua jazida própria, mas aquelas que se descobrem, se ficassem só na fase da descoberta, pouco ou nada significariam para o grande cartaz, por acaso será um ou serão dois salões ou poucos mais (de maior ou menor majestosidade, de mais ou menos impressionante beleza arquitectónica) que se patentearam ao encontro casual ou à descoberta, porque a Natureza lhes abriu uma passagem à rua, mas a passagem cerra-se à frente, é necessário abrir galerias, é necessário prospectar, autêntico trabalho mineiro, sempre associadamente decorativo e arquitectónico, e evidenciar novos salões, novos motivos de interesse, quantas vezes as zonas húmidas mais profundas dos lagos e dos cursos de água subterrâneos, preparar os acessos exteriores, assegurar comodidade aos percursos de fundo, iluminar e saber realçar pela iluminação as rendilhadas maravilhas estalactíticas e estalagmíticas. Só desta forma se atingirão os grandes conjuntos cársicos de renome mundial.
Na Espanha, as grutas das Maravilhas representaram cuidadoso e atento planeamento, significaram muitos anos de intensivo trabalho, antes de poderem atingir-se a grandeza e a plenitude feérica que hoje maravilhadamente se contemplam, há cerca de dois anos foram descobertas na área de Valência grutas que estão ainda por enquanto a ser objecto de dispendiosa e pesada actividade de valorização e que se anunciam como vindo a destronar no futuro, as até agora mais célebres de Espanha El Drach e Aracena. Com base no interesse turístico daquelas grutas, já, no entanto, em pua volta está instalada rede hoteleira condigna.
Sr. Presidente. Entre nós, pelo que diz respeito a grutas, alguma coisa se poderá dizer quanto a possibilidades e promessas, quase nada, porém, para não dizer nada, quanto a realidades em valorizações ou aproveitamentos feitos, mas já, no encanto, infelizmente, bastante haveria que deplorar quanto a vandalismos irreparáveis praticados sobre preciosos e insubstituíveis motivos naturais, poderia mesmo afirmar-se que todas as nossas grutas, com entradas naturalmente fáceis, têm a marca vandálica da mutilação nos rendilhados dos seus motivos estalactíticos de beleza mais impressionante.
A Sociedade Portuguesa de Espeleologia bem tem pretendido esforçar-se para alertar atenções, mas o seu dedicado brado sofre o embate do desinteresse e da inércia geral e ainda a falta de uma protecção que lhe não devia ser regateada.
O maciço calcário estremenho constitui no continente o depósito mais intenso de formações cársicas e nele se situa, de longe, o maior número de grutas que entre nós têm sido descobertas, muitas, a maior parte, afiguram-se de reduzido valor, mas em grutas para turismo o exagero atinge-se com não grande número, e as que temos de interesse com certeza bastam para espalhar nos nossos itinerários turísticos aquela pausa de recreio, sempre muito pretendida, da contemplação da beleza inédita e estranha do mundo subterrâneo, desde o momento que, mesmo sem aspirar a renomes mundiais, as saibamos patentear com arte, com decoro e com regalo.
E nem tantos serão necessários como os dez conjuntos cársicos que me dizem poderem determinar-se já, só no maciço estremenho, como merecendo chamada à valorização turística.
Entre todos, só nos cumpre mencionar, como menos desconhecidos no País e de interesse assegurado.
Em primeiro lugar as grutas dos Moinhos Velhos, na freguesia de Mira de Aire, concelho de Porto de Mós, com galenas e salões em vários pisos, enriquecidos de formações estalactíticas e estalagmíticas de indubitável beleza, num impressionante desenvolvimento total de 3 km a 4 km. Muito bem situadas, cerca de 300 m a norte da estrada que atravessa Mira de Aire, clamorosamente requerem que seja criteriosamente planeado o seu aproveitamento e que sejam postas em condições, de arte e de comodidade, que signifiquem para o turismo nacional o relevante valor que incontestavelmente lhe podem certificar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É este o aproveitamento que se afirma n.º 1 do interesse turístico dos nossos valores cársicos e que se impõe à consideração imediata. A Comissão Regional de Turismo de Leiria vem percorrendo há anos, com o maior interesse, o calvário trágico da inércia e da sombria confusão que basicamente pairam sobre o lançamento destas valorizações subterrâneas, e ainda não conseguiu ultrapassar a barreira inicial da definição de posse.

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Referem-se a seguir as grutas de Santo António também perto de Mira de Aire, as únicas que no País são objecto de exploração industrial por uma empresa local embora com uma preparação prévia modesta, está aberta ao público, mediante entrada paga, a visita a um vasto salão de 60 m a 80 m de diâmetro e de cerca 10 m de altura, de apreciável beleza decorativa e monumental.
Os terrenos sob os quais se desenvolve o salão são da sociedade, as visitas contam em número considerável a empresa assegurou o acesso à gruta por uma estrada estreita e um tanto aventureira de cerca de 3 km, mas retrai-se em investimentos de valorização perante receios da mesma definição de posse que o seu desenvolvimento futuro possa provocar.
Na zona de Valverde, no concelho de Rio Maior, regista-se também a existência de várias grutas de interesse artístico e arqueológico, portanto de possibilidades turísticas - Alcobertas, Casa da Moura, etc.
A região de Coimbra, na área em volta de Condeixa, já grande cartaz turístico pela situação da maravilhosa relíquia das ruínas da cidade romana de Conímbriga, oferece facilmente a preparação de uma das suas grutas ao apelo turístico.
No Alentejo, as recentemente descobertas grutas do Escoural, as primeiras no País em que se encontraram desenhos rupestres, e que estão presentemente sob a alçada da Junta Nacional da Educação e da Associação de Arqueologia, para investigação e salvaguarda dos seus valores arqueológicos.
O Algarve, no qual a retumbáncia promissiva de um enorme futuro turístico pode encontrar apreciável complemento na exploração das suas grutas da (...) no concelho de Lagoa, que oferecem a perspectiva sempre valorosa de um lago subterrâneo.
No Portugal insular muitas são as grutas que as lavas basálticas encerram, tanto na ilha da Madeira como no arquipélago dos Açores, onde, na ilha Terceira, se situa o famoso Túnel do Cabrito, impressionante com o seu desenvolvimento natural subterrâneo de 600 m de extensão.
E não pretendo já falar do ultramar, onde apenas sei que Angola e Moçambique dispõem de formações cársicas de enorme valor e de muito maior importância que as da metrópole.
Sr. Presidente. Não quero de forma nenhuma demorar e sigo direito ao problema primordial que impende sobre o aproveitamento das grutas e que essencialmente me fez tomar hoje a palavra.
E que, excepto a imprescindível salvaguarda dos valores arqueológicos que as grutas podem encerrar e muitas vezes encerram, há uma falta de regime jurídico definidor de condicionamento, que basicamente põe (...) nas possibilidades do seu aproveitamento turístico.
Assegura eficientemente aquela salvaguarda arqueológica o Decreto-Lei n.º 26 611, de 19 de Maio de 1936, que afirma à Junta Nacional da Educação, do Ministério da Educação Nacional, competência para promover cadastro de móveis e imóveis, bem como a respectiva classificação, sejam quais forem a natureza e o possuidor, e para propor medidas eficientes para a sua conservação e guarda.
E estipula também o mesmo decreto que compete à Junta Nacional da Educação promover a realização de escavações nos imóveis classificados monumentos arqueológicos nacionais.
Consideram-se portanto abrangidas por este decreto as grutas, mas só quando classificadas de «monumentos arqueológicos». Mas mesmo para estas o decreto em nada se refere a «direito patrimonial» e apenas parece limitar a acção da Junta à salvaguarda daqueles valores arqueológicos de que porventura uma gruta seja repositório e à proposição de medidas tendentes à sua conservação e guarda.
Mas, uma vez assegurada essa imprescindível salvaguarda, as grutas podem justificar a sua promoção ao interesse público turístico, ou só num deles ou no conjunto do seu valor residual arqueológico e do valor monumental que porventura comportem Aquele decreto, que propriamente estabelece o regimento da Junta Nacional da Educação, nada define, nem talvez tivesse que definir, quanto à mencionada promoção ao interesse turístico.
Além disso, há muitas grutas que não são valores arqueológcas.
Quanto a estas, portanto a todas aquelas que são de exclusivo interesse monumental e turístico, apenas se encontra de tabela uma referência legal no Decreto n.º 20 985, de 7 de Março de 1932, e mesmo essa limitada ao específico âmbito estadual, decreto que atribui à Direcção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes capacidade para, além de coordenar os trabalhos de carácter artístico dos serviços públicos, organizar inventários de imóveis que tenham valor artístico e propor ao Governo providências que julgue convenientes à conservação do património artístico nacional.
E sobre estes imóveis, entre eles os castros, os monumentos megalíticos e as grutas, estipula o seu artigo 25 º que, desde o momento que sejam classificados de monumentos nacionais - é necessária esta extrema condição -, possa o Governo expropriá-los por utilidade pública.
E é isto tudo - e bem pouco é - quanto toca a instrumentação legislativa que de alguma forma se relacione com a circunstância patrimonial das nossas grutas.
Não existe, para elementar orientação de iniciativas, qualquer definição, quer sobre condicionamento, quer tão-pouco mesmo sobre atribuição de departamento oficial que tenha sobre a causa jurisdição, e o reconhecimento do próprio património está desatentadamente abandonada ao direito natural da propriedade que a define na verticalidade de superfície ao centro da Terra. Desta forma não admiram as confusões, as hesitações e os esbarros que cerram abertura e desencorajam esforços, esforços que antes requerem ser acentuadamente estimulados para que a desejada valorização e aproveitamento turístico das nos sãs grutas assuma realidade, através quer de actividade empresária privada, quer, e digo principalmente porque com toda a propriedade lhes cabe a respectiva promoção, através das autarquias locais e das comissões regionais de turismo.
Desta forma o aproveitamento das nossas grutas requer assim, basicamente, doutrina legal que o defina nos seus vários aspectos.
Não cabe, com certeza, na possibilidade de uma simples apresentação, nem eu o desejaria de forma nenhuma fazer, definir posição sobre esses vários aspectos a que o regime jurídico terá que responder, mas não sei furtar-me a breves apontamentos puramente objectivos.
1.º Sobre a definição ao direito de propriedade.
Para começar, é óbvio que a causa da sua valorização ganharia imenso em que as grutas fossem consideradas património do Estado. São valores do subsolo, como o são as substâncias minerais, inteiramente alheios à valia dos terrenos de superfície Defende tal regra o desenvolvimento previamente desconhecido, por vezes enorme e altamente caprichoso, de espaços ou cavidades inteiramente subterrâneos, cujo vínculo a propriedade de superfície torna altamente aleatório o processamento de novas descobertas, e nem se afigura de grande sentido que simples

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cavidades ou vazios, enormes ou pequenos, que a colectiva mãe Natureza formou nas profundezas dos chãos, pertençam um bocado a cada um daqueles que têm lá por cima, por vezes muito longe, os seus terrenos. E que a definição adquire compreensivelmente propriedade parece depreender-se da doutrina do n.º 1.º do artigo 49.º da Constituição Política da República Portuguesa, em conjunto com a do § 2.º do mesmo artigo que, respectivamente, dizem que pertencem a domínio público do Estado os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais e outras riquezas naturais - sublinho «outras riquezas naturais» - existentes no subsolo, e - § 2.º - que, destas riquezas naturais, são expressamente exceptuadas apenas as rochas, as terras comuns e os materiais vulgares empregados nas construções.
Terá, portanto, lógica assumir que as grutas estão abrangidas na expressão genérica de outras riquezas naturais do subsolo, e, desta forma, permaneceriam no direito patrimonial do domínio público, uma vez que o § 2.º as não exceptua expressamente.
Garantidos deveriam, com certeza, ficar os legítimos direitos desses proprietários de superfície, quer no que diz respeito a acessos e entradas nas grutas, quer em quaisquer prejuízos que os trabalhos de beneficiação, ou mesmo o exercício de exploração, lhes ocasionassem.
2.º A salvaguarda e protecção de valores arqueológicos e de valores monumentais ou artísticos.
É evidente que continuaria a ser respeitada pela observância da legislação já existente e poderia concorrer-se para essa salvaguarda por reforço de doutrina inibitória de vandalismos, que, como dissemos, tantos tem havido, para os quais não há sequer definição de responsabilidades.
3.º Protecção dos recursos hidrológicos.
Esta protecção é igualmente imprescindível, sabido como é o valor das ressurgências aquíferas que muitas vezes as grutas oferecem e das quais não muito poucos são já os casos de aproveitamento no País, quer no interesse individual e privado, quer no interesse colectivo e público, como os do Olho de Mira, na freguesia de Mira de Aire, o do Poço do Âo, na área de Alcobaça, o do Olho do Tordo, na serra de Alvarázere, o do Algar de Santo António, que está a abastecer a vila do Alandroal, o do Túnel do Cabrito e da Fuma de Água, na ilha Terceira, que estão já aproveitados para produção e fornecimento de energia eléctrica, etc.
De resto, em grande número, as grutas que ao mesmo tempo ofereçam interesse hidrológico e interesse monumental ou turístico poderão ser duplamente aproveitadas, porque o último se desenvolve nas zonas secas superiores e o primeiro, independentemente daquele, nas zonas húmidas mais profundas.
E o 4.º, sobre a Definição do departamento oficial de jurisdição e do licenciamento das grutas.
Pela sua localização subterrânea, por valores de subsolo que constituem e porque a técnica especializada que os trabalhos de beneficiação e valorização requerem é em muito técnica mineira, parece que a jurisdição sobre as grutas deve basicamente ser colocada sob st alçada da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, sem prejuízo, evidentemente, de que tal jurisdição esteja Intimamente coordenada à intervenção da Junta Nacional da Educação, sempre que estejam em causa valores arqueológicos e etnológicos, e à Direcção-Geral de Turismo, sempre que se trate de licenciamentos para valorização turística.
Sr Presidente. É assim que o meu apelo de hoje se dirige sinceramente ao Governo para que se estabeleça o regime jurídico das nossas grutas, problema bem fácil de resolver, mas que é basilar e que está na instância primordial do seu respectivo aproveitamento.
Tenho dito

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado

O Sr Augusto Simões: - Sr Presidente. Integrada na grande ronda turística do já famoso «Abril em Portugal», foi organizada com rara felicidade pelo Comissariado do Turismo uma feira de artesanato, que o Sr Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho inaugurou, no domingo de Páscoa, no Museu de Arte Popular, em Belém.
O acontecimento tem uma transcendente importância e o alto significado que me parece dever destacar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na verdade, esta feliz iniciativa, para além de tudo o mais que representa, e é muito, demonstra que, finalmente, se resolveu conceder ao artesanato português a consideração que ele tanto merece, pelo grande valor económico e social que representa no acervo de valores da vida nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas esse reconhecimento não deve confinar-se e findar na organização desta feira, em que os turistas e os nacionais podem ver e adquirir os produtos da nossa arte popular, tão rica e tão expressiva.
Esse reconhecimento deve perdurar e traduzir-se em outras operantes iniciativas que bem o possam concretizar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que, nos tempos modernos, o nosso artesanato está grandemente ameaçado de definhamento, que pode conduzir à extinção de preciosas actividades, talvez menos economicamente dotadas, mas nem por isso de importância diminuída para o desenvolvimento regional e uniforme valorização da vida em todo o território nacional.
Efectivamente, não podem desconsiderar-se os factores adversos à manutenção e valorização dessa actividade nestes tempos em que as modernas técnicas de fabrico da glande indústria e as suas solicitações de mão-de-obra tornam cada vez mais difícil e precário o trabalho artesanal, comprometido ainda pelo acentuado depauperamento da vida local, progressivamente despojada dos valores humanos em que se apoiava.
Estamos a assistir à invasão dos nossos mercados e feiras, que eram os tradicionais centros de exposição e venda dos bons produtos da artesania regional que bem as caracterizava, por uma vastíssima gama de produtos sofisticados, iguais na sua berrante padronagem, mas incaracterísticos por saírem aos milhares das formas de grandes e modernas fábricas.
Assim, os produtos autênticos da arte local, ingénuos ou estilizados segundo os mandos da técnica tradicional mantida sorno dogma, vão desaparecendo ou vão-se abastardando, despojado como está quem os fabrica da devida protecção e encorajamento de quem lhos devia prestar.
Tal estado de coisas tem grandes implicações da mais variada ordem

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Representa, por um lado, a decadência do trabalho artesanal, principalmente nas regiões mais empobrecidas que podem não ser os centros de menos interessa na produção dos bons artigos regionais, e representa, por outro, o declínio da vida local, propiciado e favorecido pelo precário rendimento da pequena indústria familiar.
Os inconvenientes sociais, económicos e políticos derivados de tal estado de coisas são manifestos!
Para combatê-los há que realizar importantes tarefas de valorização da vida local, e o quinhão mais importante de tais tarefas cabe necessàriamente às autarquias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas, representadas principalmente pelos municípios, empobrecidos e preocupados pelo grande conjunto das suas tremendas dificuldades, nem se tem no geral apercebido da grande obrigação que têm de se não alhearem das actividades artesanais das suas circunscrições.
Assim, não as têm encarado com o interesse que as mesmas merecem, e, valha a verdade, em tal atitude têm sido acompanhadas de perto pelo próprio Estado, também ainda não muito convencido, em certos departamentos, dos reais merecimentos do artesanato português e do seu valor económico.
Sei que em certas regiões mais favorecidas e onde a nossa tradicional indústria artesanal vive em melhores condições se têm concretizado determinadas manifestações de interesse e de valorização que devem ser sublinhadas.
Tudo isso, porém, tem assumido uma expressão de cunho acentuadamente restrito que não basta para definir uma política dimensionada em escala nacional.
Não há ainda o conhecimento exacto de toda a grande série dos produtos do nosso artesanato, nem se encontram definidos e esclarecidos convenientemente os seus padrões específicos e as técnicas tradicionais do seu fabrico.
Isso conduz a abastardamentos e a ataques de perniciosa concorrência, que muito importa eliminar para que as nossas valiosas e até preciosas peças artesanais perdurem e possam constituir a verdadeira riqueza que efectivamente são e representam.
A luz de tais pensamentos produz, na sessão desta Câmara de 28 de Março de 1962, variadas considerações, que desejo relembrar neste momento, dado que a sua oportunidade ainda não passou.
Referi, então, a necessidade de se apoiarem convenientemente as actividades artesanais, ajudando-as e criando-lhes possibilidade de se desenvolverem racionalmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hoje essa necessidade é ainda mais imperiosa, para que os ganhos da família possam manter esta na estabilidade que se lhe torna imprescindível.
Não é apenas na grande dimensão da indústria que se encontra o remédio para os males que entorpecem o nosso crescimento.
Tal panaceia pode, na verdade, impressionar os que encaram apenas sob certos aspectos, mas não resiste à sua total aproximação com as várias facetas que a totalidade da vida nacional nos apresenta.
E que as grandes empresas ou a sua concentração procuram os meios rurais para estabelecerem as suas actividades, como são naturalmente atraídas para os grandes centros populacionais, para aí chamam os valores do trabalho das nossas vilas e aldeias, que são as suas tradicionais reservas humanas.
Definha a actividade artesanal por falta de braços, pois os mais velhos, que ficaram, vão-se finando, seguindo a lei natural, e os mais novos desdenham de seguir a arte tradicional, que assim está em risco de extinção.

O Sr Elísio Pimenta: - Muito bem!

O Orador: - A realização da Feira do Artesanato, há pouco inaugurada, bem pode significar o termo da política de indiferentismo ou desinteresse em que se tem vivido.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero crer, Sr Presidente, que tudo quanto naquele valioso certame se tem passado, e as grandes lições que o mesmo tão fácil e naturalmente fornece, ma vastidão dos aspectos positivos que apresenta, já demonstrou que ao encerramento das suas portas não pode de nenhuma maneira corresponder o findar das atenções dos departamentos do Estado pelo nosso artesanato, recolocando-se na penumbra em que tem vivido.
Descobriram-se, quero crer, ou melhor, evidenciaram-se, muitíssimas facetas, até agora pouco conhecidas ou olhadas com indiferença, das nossas actividades tradicionais, que, assim, mostraram até que ponto fazem parte da nossa riqueza e a podem produzir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria por isso aberrante com a política económica proclamada que se lhe não aproveitassem os merecimentos.
Mas só esse certame não basta para ficai em convenientemente definidas as linhas mestras da política a seguir, a despeito da sua saliente importância.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tem de começar-se pelo princípio e fazer uma completa recolha dos elementos específicos da actividade artesanal, em toda a sua grande latitude, do território português.
Ainda tem valor para tanto a realização de um grande congresso nacional do artesanato, como sugeri na sessão de 23 de Maio de 1962.
Nesse congresso, encontro ou colóquio, como melhor pareça dever chamar-se-lhe para o afastar de mundanismos estéreis, podem ser largamente debatidos os muitos e muito importantes problemas da nossa actividade artesanal e fazer-se um inventário completo desta, dos seus produtos e das suas condições de vida e laboração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ponto é que as câmaras municipais e restantes autarquias se prontifiquem a colaborar intensamente com quem se incumba da organização desse encontro e a ele compareçam com o estudo detalhado do artesanato das suas circunscrições e com a oferta de exemplares de cada um dos respectivos produtos.
Poderá então fundar-se um museu permanente, que será um mostruário cheio de interesse para uma futura comercialização desses produtos, em que, na forma a restabelecer, as próprias autarquias deverão e poderão colaborar.

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Eu sei, Sr Presidente, que já está elaborado um projecto de providência legislativa criando o Instituto do Artesanato Nacional para resolver problemas desta nossa importante actividade.
Desconheço, porém, as razões que tenham imperado para que esse Instituto continue nos domínios das grandes possibilidades.
Como quer que seja, a sua criação não colide com as sugestões que deixo assinaladas, como não colide também com o muito que delas há a esperar.
E que, tomando-se forçoso publicar um Código do Trabalho Artesanal e criar também uma escola de artistas artesãos, muitos dos dados referentes a estas iniciativas sairão certamente da reunião proposta, em termos de conduzirem o referido Instituto à sua efectiva concretização.
Na coerência das afirmações que fiz na aludida sessão de Março de 1962, continuo a entender que a cidade de Coimbra deverá sei a escolhida para as mencionadas iniciativas.
Além de centro geográfico do País e pólo de atracção turística de primeira grandeza, Coimbra oferece a tal realização outras importantes vantagens.
Quanto ao congresso ou colóquio, a posição central desta cidade favorece as deslocações das muitas entidades do Norte e do Sul que a ele deverão comparecer, o que, da mesma forma, a recomenda para ser a sede do museu do artesanato nacional.
Pelo que concerne à escola de artesãos, que deverá ser frequentada pelas gentes rurais, a vida de Coimbra, dominada como é pelo condicionalismo da vida estudantil, também oferece as vantagens da sua maior simplicidade.
Mas, se a este importante conjunto de razões não sobrasse já a força para justificar a proposta escolha de Coimbra e afastar a ideia de qualquer enfermiço regionalismo, ainda essa escolha se podia abonar no facto de se situar em Coimbra uma obra do maior valor paia o estudo e conhecimento da nossa etnografia, e que é ao mesmo tempo um completo mostruário de Portugal, o Portugal dos Pequeninos.
Nada e criada pelo génio incomparável do Prof. Bissaia Barreto, esta obra da Junta Distrital de Coimbra integra-se no importante conjunto de grandes realizações que se destinam ao cumprimento do seu magnífico lema de «fazer felizes as crianças da nossa terra».
Contudo, a sua concepção e o seu ordenamento transcendem largamente os aspectos de interesse para as crianças, pois os adolescentes e os adultos também se sentem felizes quando conhecem esta obra.
Na verdade, ali se encontra representado todo o Portugal, nos seus monumentos reproduzidos em fidelíssimas miniaturas, e caracterizada toda a diversificada gama do nosso viver, na habitação e em outras actividades, formando tudo um conjunto em que se pode estudar e ficar a conhecer com impressionante facilidade a estrutura da vida nacional.
Mas nunca ali se perde o sentido da educação da criança Isso, que em tudo se nota, sobressai principalmente da existência de um grande quadro mural onde se encontram traçadas as rotas dos nossos navegadores através das sete partidas do Mundo, que a austera figura do infante de Sagres autentica e sublima, e de uma estátua de Camões, de grandes dimensões, para marcar a excepcional grandeza do nosso sublime vate.
Nessa obra de amor e compreensão pelas ansiedades do espírito da criança, está também a fazer-se um museu que, sendo único no nosso país, tem uma transcendente importância é o Museu da Criança.
Tudo quanto à criança diga respeito e de que esta seja o tema principal, nas suas variadíssimas formas e expressões, ali encontra representação, desde os brinquedos mais remotos até às pinturas e esculturas.
Juntamente a este museu, um outro existe, também de não menor importância, e que é o Museu de Colecções, que já possui, entre outras, a maior colecção dos chamados «postais máximos», isto é, daqueles postais em que o selo condiz com o seu motivo ou tema.
Todas estas colecções se destinam a formar na criança o desejo de conservar os objectos com que contacta.
Ora, se a Junta Distrital de Coimbra, a que preside o Sr Prof. Bissaia Barreto, realizou obras de tamanho interesse para o conhecimento do que é português e as mantém em tão elevado nível de utilidade, justo será entregar-lhe a realização dos iniciativas a que acabo de me referir.
Atento o seu valor, certamente lhe não negar ao o seu auxílio os departamentos do Estado a que mais interessam e a própria Fundação Gulbenkian, e, desta sorte, poderá a Junta Distrital de Coimbra levá-las a cabo.
A sua realização terá uma repercussão do maior interesse no melhoramento de muitos sectores da vida nacional o ajudai á a preencher uma das grandes lacunas do nosso turismo, qual seja a de, no sistema actual, se não poderem adquirir com facilidade, em toda a parte, os autênticos produtos do artesanato português
Já estamos plenamente consciencializados do grande valor do turismo e a lutar com inteligência e denodo para que ele produza no nosso país os benefícios que espalha por toda a parte.
Contudo, para se retirar do turismo a ampla série desses grandes benefícios, há que aproveitar tudo quanto efectivamente lhe possa interessar e suva para o valorizar.
O nosso artesanato, ninguém o nega, pode concorrei substancialmente para essa valorização, como concorre paia um melhoramento da nossa economia.
Por isso creio, Sr. Presidente, que ao pugnar pelo artesanato português se serve o melhor interesse nacional.
Tanto me basta para ter confiança em que não tardarão as medidas destinadas a assegurar-lhe o futuro, que bem podem sair das lições a tirar do congresso cuja realização acabo de advogar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Amaral Neto: - Sr Presidente. Vou ser brevíssimo, como a ocasião requer, mas não posso deixar findar esta legislatura sem recordar uma pergunta que deixei posta também quando acabava a anterior, há quatro anos, que se perfarão exactamente daqui a cinco dias, e jamais foi respondida por palavras ou decisões. Recordo-a pois, para insistir nela, para insistir sobretudo na afirmação da necessidade do despacho que por si mesma sugeria - necessidade e urgência, por ser caso de justiça e matéria de proveito para o serviço da Nação.
Tratava-se, e volta a tratar-se, da situação dos assistentes do Instituto Superior Técnico classe de ensinantes, tornados elementos cardeais da docência pela falta de professores catedráticos, que se distingue entre as das escolas congéneres por uma especialidade de regime que não serve nem a instrução dos engenheiros nem estes seus agentes e, por mais que se indague, parece não ter nunca servido senão objectivos de domínio de quem a patrocinou e o egoísmo e comodismo de quem ainda opina pela sua mantença.
Os assistentes do Instituto Superior Técnico são os únicos, com efeito, de entre os de todas as escolas supe-

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nores, por estranha excepção criada por certo sentido da eficácia e sustentada pela inércia, que nenhuma esperança de acesso ou melhoria alenta no seu trabalho e incita a aperfeiçoarem-se, e se a primeira vitima desta excepção, desta anomalia, são eles próprios, a verdadeiramente grande vítima é o ensino, é a preparação dos estudantes daquela escola, de tradições tão brilhantes que ainda lhe ocultam a decadência, todavia cada vez mais patente a quantos atentam na formação dos seus alunos e no preparo com que saem para a vida prática.
Todos nós sabemos como são grandes no nosso país as deficiências do ensino em geral, e particularmente o ensino superior, porque é o mais exigente de toda a ordem de elementos faltas de meios humanos e materiais, arcaísmos de mentalidade e de organização, má soldadura do antigo ao pouco de novo que se tem podido introduzir, diferenças da regimentos e de tratamentos, que sei eu, têm sido confessados por responsáveis, denunciados por críticos repetidamente apontados e deplorados por esta Assembleia, quer em intervenções isoladas, quer em exames de conjunto, como no debate brilhantíssimo e minucioso há um ano desenvolvido sobre esse aviso prévio que nos honrou, ilustrando o seu autor, e que eu iria quase qualificar te exaustivo se não estivesse a trazer a nova prova de como a matéria é impossível de abarcar de uma vez.
Sabemos, aliás, que por todo o mundo civilizado o aprimorar das técnicas e aprofundar das ciências, com a verdadeira explosão de fomes de saber, que os indivíduos, como os povos, se vão convencendo de ser a primeira das fontes de riqueza, criam dos mais complexos, dos mais difíceis, dos mais instantes problemas de equipamento e de financiamento, perturbadores para os países ricos e esmagadores para os pobres, e não podemos pois culpar demasiado o nosso Governo, que, aliás, tem tido à testa do seu departamento educativo uma sucessão particularmente notável de homens esclarecidos e activos, cujas palavras e actos nos demonstram que nos projectos visaram a perfeição e nas realizações esgotaram o possível, o que lhes era tornado possível!
Isto mesmo não obsta, é isto mesmo que não obsta a que os ajudemos ainda, a que continuemos a ajudá-los, lembrando-lhes e apontando-lhes, a par dos grandes objectivos, as questões de pormenor onde um toque oportuno, nem muito difícil nem muito dispendioso, pode reanimar diligências, acicatar zelos, recompensar dificuldades, numa palavra melhorar o ensino dentro dos meios disponíveis.
Mais não pretendo hoje, mas creio que, se for ouvido, neste sentido posso de facto ajudar.
E característica geral do nosso ensino superior a falta de verdadeiros professores, de catedráticos, e a entrega da regência das cadeiras teóricas, como das aulas práticas, a meros ajudantes ou substitutos, quais são, no espírito das organizações, na letra dos regulamentos e no entendimento dos alunos, os assistentes ou os professores extraordinários.
O jornal O Século, que nunca se furta à primeira missão da imprensa, mantendo os seus leitores esclarecidos de todas as grandes questões da vida nacional, dedicava há seis meses um editorial à necessidade de revisão do ensino superior, informando o grande público de que ele estava servido, em conjunto, por 25,3 por cento de professores catedráticos, 7,8 por cento de extraordinários, 3,1 por cento de contratados e 61,7 por cento de assistentes.
E a situação que o nosso ilustre e bem autorizado colega Prof. Gonçalves Rodrigues nos descrevia aqui, quando discutiu aquele aviso prévio, nestes flagrantes, impressionantes termos:

No ensino superior, andamos no regime dos assistentes fora do quadro No que respeita a funcionamento, este regime traz as maiores irregularidades à vida universitária, prejudica o ensino, afugenta os mais classificados, perturba a investigação e o acesso académico. Vivemos sob o signo do ersatz, do professor barato, semiformado, utilitário, saldo de fim de estação.

Parece, no entanto, que em poucos estabelecimentos universitários, se é que em algum outro, este regime do ensino entregue a assistentes, a professores baratos, e porque baratos, está tão desenvolvido, «tão explorado», é talvez o termo, como no Instituto Superior Técnico, escola cuja importância para o apetrechamento humano do País nestes tempos de desenvolvimento intensivo tenho por ocioso encarecer perante W Exas.
Creio que não se alterou substancialmente a situação que nos expôs há quatro anos o Ministro da Educação Nacional do tempo, sobre pergunta minha, quando eram apenas 17 os professores catedráticos em 86 elementos de pessoal docente, havendo 68 assistentes, ou 79 por cento do número total, e 1 chefe de trabalhos.
Ora, repousado assim o ensino sobre os assistentes, que há ali para os atrair e ligar, que possibilidades de acesso e promoção, que esperanças de recompensa das capacidades demonstradas ou, vá lá, da dedicação testemunhada? Pois nada, absolutamente nada!
Acabadas as diuturnidades, o assistente do Instituto Superior Técnico tem a simples, única e exclusiva segurança de um contrato por cinco anos, que pode ou não ser renovado.
Nem se julgue que pode ganhar no seu posto e pelo seu trabalho e estudo capital intelectual ou moral para ascender à situação de professor catedrático, prémio legitimamente ambicionável por qualquer bom agente de ensino que para o conquistar esteja pronto a jogar saber ou serviços. No Instituto Superior Técnico os lugares de professor catedrático são providos por concurso aberto a qualquer ou preenchidos por convite a dedicação à escola, o encanecimento ao seu serviço, de nada contam, nem perante a lei nem perante os ânimos dos professores instalados, que julgam por muitas considerações, nem todas objectivas, porque são homens.
Há pouco tempo verificava-se na lista dos professores catedráticos do Instituto Superior Técnico que nem um terço do seu número tinha entrado precedendo concurso, certamente todos os convites foram ditados pela força dos merecimentos, mas nada impede que alguma vez o venham a ser pela das influências ou simpatias.
Destas simpatias parece que os assistentes pouco têm beneficiado ou poderão esperar é demasiado cómodo tê-los ali à disposição, eternamente subalternos, sempre esperançosos e nunca premiados, e porventura tem sido esta consideração, aliada à da barateza do sistema, a que tem determinado a exclusão dos assistentes do Instituto Superior Técnico do regime estabelecido para todas as demais escolas superiores, da Universidade Clássica como da Técnica.
Efectivamente, está estabelecido desde 1941 que nas Universidades haja a categoria de professores extraordinários, e assim sucede em todas as suas escolas . . menos no Instituto Superior Técnico.
Sucedeu até que os professores auxiliares desse tempo passaram automaticamente, por disposição do mesmo diploma, à categoria de professores extraordinários. Ora, professores auxiliares era o nome que tinham, desde 1931,

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isto é, havia então dez anos, os antes primeiros-assistentes de todas as escolas da Universidade Técnica de Lisboa, com excepção única do Instituto Superior Técnico, cujos assistentes começavam a ser tratados de somenos, donde resulta que em 1941 subiram a professores extraordinários todos os que verdadeiramente eram primeiros-assistentes, excepto os do Técnico.
Esta desigualdade ficou a magoar profundamente os últimos, e ainda hoje fere o ensino.
Na verdade, o acesso a professor extraordinário, fora daquele «bodo» de ocasião, depende de concurso. Como foi afirmado pelo Ministro da Educação Nacional de 1961, «o concurso para professor extraordinário é nas Universidades o grande concurso. O de catedrático comporta normalmente apenas a realização de duas lições».
Faltou, portanto, no Técnico, no seu tempo, o prémio aos assistentes, que foi a promoção automática a professores extraordinários. Aos assistentes que já o eram em 1941, com todas as condições de facto para igual promoção, seria ainda hoje de justiça concedê-la.
Mas, de um modo geral, falta integrar o Instituto Superior Técnico no regime de todas as escolas universitárias, criando lá também, pois é a única onde por indefensável excepção não existe, a categoria de professores extraordinários. Assim se abriria a oportunidade de ascensão aos que, dentro da escola, poderiam ir a concurso com a vantagem de familiaridade prática com as matérias, e crédito estabelecido, e qualidades docentes experimentadas.
Na opinião dos melhores juizes, a singularidade do regime em que o Técnico se mantém ainda seria defensável sé provasse ser a mais vantajosa para o recrutamento do professorado, mas a verdade é que o sistema do recrutamento directo por concurso aberto ao primeiro vindo tem demonstrado - dizem esses bons juizes - não ser satisfatório.
Não se encontra, pois, razão legal, razão moral ou razão prática para o regime especial do Instituto Superior Técnico.
Poderia assim terminar as minhas palavras repetindo a pergunta de há quatro anos porque não se torna extensivo ao Instituto Superior Técnico o Estatuto da Instituição Universitária, adaptando-lhe em integral conformidade o regulamento interno?
Mas, vou mais longe. Transformo a pergunta, amadurecida e fortificada pelo tempo e pelos factos, num pedido, num rogo aberto e formal, e dirijo-o daqui ao Sr Ministro da Educação Nacional, universitário ilustre, que sei ter-se já debruçado sobre esta questão, ainda antes de subir & cadeira de governante, e creio ter-se convencido do merecimento dela Absorvido e solicitado por problemas sem número, S. Exa. pode tê-la menos presente ao espírito por isto creio que o ajudarei lembrando-lha, certo em boas fontes de que não é duvidosa nem a sua importância nem a sua urgência, certo ainda de ser uma daquelas questões, secundárias embora, mas por isto mesmo de despacho menos difícil, cuja resolução pode concorrer para melhorar o ensino no nosso país, satisfazendo elementos docentes ou aperfeiçoando o seu recrutamento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi mudo cumprimentado.

O Sr Quirino Mealha: - Sr Presidente. Custa-me imenso ter de ocupar a atenção de V. Exa. durante alguns minutos, quando não posso ignorar que todo o tempo é pouco para o debate em curso na ordem do dia.
Mas a natureza do assunto e a categoria social das pessoas que mo puseram há poucos dias, em representação de alguns milhares de trabalhadores, levar-me-iam a ficar de mal com a minha consciência se o não transmitisse a esta Assembleia, que tem estado sempre atenta a contribuir para que a administração pública seja eficiente e esteja à altura de bem servir a colectividade com os sãos princípios da justiça e da moral.
Em nome destes confio na relevação de V. Exa., por ter de tratar um problema que de há muito urge solucionar.
Respeita ao malfadado caso dos táxis de Lisboa, para que ouso chamar a atenção da inteligência esclarecida do Sr Ministro das Comunicações, que, certamente, já terá sentido o clamor que à volta deste assunto se está a levantar e de que a imprensa, no exercício da sua alta função de carácter público que lhe é atribuída pela nossa Constituição, tem sido intérprete, com os mais louváveis propósitos de honestidade.
Nos termos da Lei n.º 2008, de 7 de Setembro de 1945, são os transportes colectivos em automóveis considerados serviço público Nestes estão compreendidos os automóveis ligeiros.
Quase tudo que representa progresso tem aumentado neste país. Só os transportes de serviço público em automóveis ligeiros têm estado condenados a uma estagnação incompreensível, com graves prejuízos paia a colectividade e para os motoristas.
Nada justifica que se assista, passivamente, a que um condicionalismo imposto com fundamento no interesse público esteja a ser aproveitado para especulação imoral, negociando-se por tão elevado preço um direito que ao Estado compete atribuir e regular.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Data de 13 de Setembro de 1945 a (...) n.º 11 163, que rege o averbamento dos veículos ligeiros e pesados para o serviço de aluguer.
Nela se diz que o mesmo pode ser efectuado quando se trate de automóveis ligeiros destinados a servir localidades onde os meios de transporte sejam manifestamente insuficientes, quando os veículos se apliquem a transportes colectivos e tratando-se de automóveis de carga accionados a gás pobre.
Como se vê, a portaria ainda é do tempo do gás pobre. Todavia, continua a vigorar na época do gás rico.
Numa altura em que se está já a encarar a possibilidade de substituição da gasolina e do gasóleo nos transportes urbanos, por causa da poluição da atmosfera, prejudicial à saúde pública, não pode deixar de se concluir que aquela portaria está quase à distância do período paleolítico em relação ao progresso técnico actual.
Segundo a mesma portaria, a transferência da propriedade de veículos automóveis averbados para o serviço de aluguer poderá fazer-se sem perda de averbamento, quando forem transferidos paia outros industriais da mesma espécie de transportes inscritos no Grémio dos Industriais de Transportes em Automóveis em veículos do mesmo genero.
Caiu-se num regime de monopólio cujos resultados estão bem à vista.
A Portaria n.º 11 711, de 5 de Fevereiro de 1947, ainda fechou mais o monopólio, pois determina que a transferência de propriedade de qualquer automóvel com taxímetro, para continuar no mesmo serviço, só pode vir a ser autorizada após um ano de exploração da viatura com taxímetro e paia outro industrial da mesma classe

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em Lisboa ou para cooperativas que se constituam com o número mínimo de dez viaturas.
Seria interessante também saber-se o que se passou com tais cooperativas.
Pela Portaria n.º 11 652, de 28 de Dezembro de 1946, foi fixado em 2000 o número de automóveis-taxímetros para a cidade de Lisboa e aí se determinam os quantitativos e forma das atribuições, em que, como excepção ao mínimo de dez viaturas, podiam ser concedidos averbamentos em número inferior a novos industriais, desde que se tratasse de motoristas que exercessem a profissão há mais de dez anos e estivessem inscritos no sindicato.
Por despacho ministerial de 18 de Dezembro de 1945, portanto da mesma era do gás pobre, foi fixado contingente de automóveis ligeiros de aluguer para transporte de passageiros em cada concelho.
Quer dizer que vigoram os mesmos contingentes há mais de dezanove anos para a província e mais de dezoito para a cidade de Lisboa.
Entretanto aumentou a população, com grande afluxo a Lisboa e arredores, desenvolveu-se o turismo, com grande repercussão na utilização dos táxis, multiplicaram-se as deslocações, pelo maior número dos que se têm de deslocar diariamente para as suas ocupações, as distâncias a percorrer tornaram-se maiores, pelo aumento da área da cidade, etc. , e o número de táxis continua na mesma.

O Sr Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr Amaral Neto: - V. Exa. sabe por quanto é hoje em dia transaccionada em Lisboa uma licença de taxímetro?

O Orador: - Sei. À volta de 575 contos.

Pausa.

O Orador: - Em 1947 calculava-se que a média diária do número de serviços efectuados por cada táxi era de 21, percorrendo 109 km, em 1964 foi de 42 serviços, para 168 km.
Verifica-se, assim, que naquele período de tempo o número de serviços subiu para o dobro e os quilómetros percorridos apenas 55 por cento, o que demonstra ter havido um aumento de receitas para os proprietários de táxis, com uma margem de lucro muito maior.
E curioso verificar como se processou o movimento de passageiros da Companhia Carris de Ferro de Lisboa em 1946 foi de 250 675 889, dos quais 3 332 247 autocarro, e em 1964 atingiu, 380 723 551, sendo 158 927 177 em autocarro.
Igualmente interessará conhecer o tráfego de passageiros da Sociedade Estoril em 1946 foi de 11 641 235 e em 1964 chegou a 30 689 488.
Não sei o que se passará em relação aos concelhos da província, a não ser o que li no Jornal do Algarve, de Vila Real de Santo António, no seu número de 16 de Janeiro do corrente ano, que ali, no Verão, «encontrar táxi disponível é praticamente um milagre», porém de Lisboa, posso afirmar que é difícil apanhar um quer seja de Verão, quer seja de Inverno, principalmente às horas em que são mais precisos.
Se são de serviço público, deviam ser em número suficiente para servirem o público a que se destinam. E como a natureza do serviço é de carácter permanente, deverão os táxis estar ao alcance do público a todas as horas.
Para tanto, torna-se indispensável que as mencionadas portarias sejam revistas, actualizando-se o número de táxis, em harmonia com as necessidades actuais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Numa época cujo ideal económico-social máximo é o de estimular-se o trabalho pelas possibilidades da sua ascensão à propriedade, nenhuma se presta melhor que a dos táxis para ser alcançada pelos motoristas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso sugiro ao Sr Ministro das Comunicações que no aumento do contingente dos táxis seja dada preferência aos motoristas, com base na sua antiguidade na profissão, comprovada pela respectiva instituição de previdência, por intermédio do seu sindicato.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deverá também ser encarada a eliminação da possibilidade de venda do direito à concessão.
Os motoristas são dignos de tudo quanto se faça em seu auxílio, porque têm dado provas da sua honestidade e sacrifício, às vezes quase sobre-humano, que, para apresentarem as receitas exigidas por alguns dos seus patrões, chegam a cortar as horas das suas refeições.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A sua perícia, de uma forma geral, bem o merece, pois não envergonham o País e nem temem o confronto da sua competência com os melhores de qualquer grande capital da Europa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Armando Cândido: - Sr Presidente: Parece-me o momento próprio para um apontamento útil. Não porque traga novidade, mas pela firmeza de posição que se propõe traduzir. E, porque terei de me apoiar em factos, vou referir alguns, avivando-os, porventura, na memória dos que não os souberam ou quiseram registar profundamente.
Há poucos anos ainda, um chefe comunista - então detentor do maior poder na Rússia -, durante a sua viagem a um grande pais latino, visitou centros fabris, falou aos operários em tom de comício, tratou os mineiros como camaradas, actuou à vontade e deu ordem para que tudo - palavras, encontros e sucessos - ficasse, dentro de poucos dias, como ficou, relatado em livro de enorme tiragem e de atraente aspecto gráfico.
No entanto, existia a antecipada certeza de que tal visita não poderia ser retribuída com a mesma liberdade de acção verbal, de modo que o povo soviético ouvisse outra linguagem e conhecesse outras ideias.
Também não há muito tempo, nesse Rio de Janeiro inigualável na cor e na beleza, numa das praças mais centrais e mais concorridas, verificou-se uma larga demonstração da oratória de Fidel - chamejante, incendiária
Todavia, nenhum brasileiro de política contrária foi ou poderia ter ido à ilha crepitante de ódios e ameaças pôr o seu verbo acima da orgia sangrenta.

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Os atentados, os levantes, as guerrilhas, as guerras civis as infiltrações armadas, as manobras de exploração das diferenças raciais, os movimentos de estudantes, as técnicas subversivas, os surtos terroristas que flagelam esta parte do Mundo cobiçada pela expansão vermelha, não passam, na sua quase totalidade, de manifestações de fundo comunista.
Apesar disso, há quem teime em acreditar nas virtudes da coexistência pacífica e julgue suster democraticamente o avanço do inimigo mortal, esperando vezes sem conto que ele troque os actos de guerra por compromissos de paz.
Sempre que no mundo livre há eleições para lugares políticos, o comunismo intervém e maneja o voto como pode.
Não obstante, existem países que guerrearam o nazismo e o fascismo e que não podem ouvir falar em regimes totalitários, e admitem, dentro das suas fronteiras, como partido político, o Partido Comunista.

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - O comunismo é materialista e ateu. Persegue a Igreja.
Mas está aparecendo e crescendo uma espécie de católicos que se aproxima dos comunistas e lhes pede audiência em forma de diálogo.
Daí o ter-se dito já, com insuspeita, oportuna e absoluta propriedade, que «da tentação das esquerdas nasceu o católico progressista, um peixinho vermelho a espadanar numa pia de água benta».
Para onde vamos com estas contradições e desacertos?
Quando se é anticomunista, não há transigência que se recomende?
Quando realmente não se quer o comunismo, não há meias palavras, mas palavras inteiras, não há jogo dúbio, mas jogo firme, não há transacção, não há diálogo - não há o talvez, o vamos a ver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Alguém descobriu já o processo de fazer ouvir os que se mostram surdos por deliberação irremovível?
Quando existe a resolução inabalável de não tolerar o comunismo, procede-se como está procedendo o Governo e o povo deste Portugal valoroso, que se lhe opõe com as armas na mão, morrendo e vencendo, e esse, sim, ó exemplo que pode ser invocado como alta prova de sacrifício na defesa de um ideal que a humanidade e a justiça a todo o tempo louvarão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Permanecem ainda muito vivas - e jamais deixarão de ter força de actualidade - aquelas penetrantes palavras com que o grande intérprete da vontade nacional nos advertiu de que a ideia de a Nação estar hoje «cloroformizada pelo medo ou por uma espécie de avitaminose política é incompatível com o entusiasmo e a confiança com que se bate em três territórios ultramarinos».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, conseguimos, honrando o tempo e a razão, abrir os olhos da consciência àqueles que, dizendo-se nossos amigos, principiaram por não nos compreender e agora chegaram ao ponto de declarar que não podiam conservar-se indefinidamente na posição de suportar sem resposta os ataques dos comunistas e até se dispõem a ir mais longe, com a réplica que já estão dando, prosseguindo com ela até às próprias regiões onde o inimigo se junta e prepara para as suas razias.
Assim, conseguiremos porfiar na luta até ao trunfo final.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas não anulemos as perspectivas. Acerca dos meios psicológicos movidos contra nós, vou ler estes dois períodos, que foram pertinentemente escritos sobre e o uso que o comunismo faz da «demagogia despudorada» e da maneira como explora a «inércia e a preguiça» dos que não se lhe antepõem.

Por exemplo, não se considerava antes possível soprar ao mesmo tempo a chama de descontentamentos contraditórios. Ora, é precisamente o que o Kremlin faz todos os dias. Excitar a cidade contra o campo, porque o pão está caro, o campo contra a cidade, porque o trigo está barato de mais, o comerciante contra o funcionário, em nome da livre iniciativa, o funcionário contra o comerciante, em nome do planejamento ( ).
Pode dizer-se que o comunismo fez toda uma carreira de imposturas na esquerda, levando-a a crer que ele está do lado dos trabalhadores, do progresso, da economia nacional, da justiça social, da independência dos povos, numa palavra que defende os mesmos ideais da esquerda, quando na realidade ele é o coveiro desses ideais.

Temos todos a indeclinável obrigação de nunca esquecermos estes métodos e outros semelhantes e de nada fazer a propósito deles que não seja provar que os conhecemos a ponto de não lhes darmos tréguas.
Nem valerá para alguns, - se esses porventura existirem - abandonar o navio em que damos batalha. O mar está cheio de fauces vorazes. Não será possível atravessá-lo a nado.
A luta em que estamos não admite traições, nem sequer incompreensões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E perdoe, Sr Presidente, perdoe este desabafo. Mas vale mais desabafar do que viver na inquietude da razão contida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr Presidente: - Continua em discussão a proposta de lei relativa ao regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Ponho em discussão a base VI, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ler-se.

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Foram lidas. São as seguintes

BASE VI

1 Não dá direito a reparação o acidente ocorrido nas seguintes circunstâncias:

a) Quando for dolosamente provocado pela vitima ou provier de acto ou omissão. Resta se, sem causa justificativa, inutilizar condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal,
b) Quando provier exclusivamente de falta grave indesculpável da vítima,
c) Quando resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se aquela derivar da própria prestação do trabalho, ou for independente da vontade do sinistrado, ou se a entidade patronal ou o seu representante, conhecendo o estado da vítima, consentir na prestação,
d) Quando provier de caso de força maior.

2 Só se considera caso de força maior o devido a forças inevitáveis da Natureza, actuando dependentemente de qualquer intervenção humana e, sendo devido a essas forças, não constitua risco criado pelas condições de trabalho nem se produza ao executar trabalhos expressamente ordenados pela entidade patronal em condições de perigo evidente.
3 A verificação das circunstâncias previstas neste artigo não dispensa as entidades patronais da prestação dos primeiros socorros aos trabalhadores do seu transporte ao local onde possam ser clinicamente socorridos.

Proposta de substituição

BASE vi

Propomos que na alínea a) do n.º 1 a expressão «inutilizar» seja substituída por «violar».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magno Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr Presidente: - Estão em discussão.

O Sr Tito Arantes: - Sr Presidente. E apenas para explicar à Assembleia a razão desta proposta de alteração. Lê-se na alínea a) que não dá direito a reparação o acidente ocorrido quando for dolosamente provocado pela vítima ou provier de acto ou omissão desta, se, sem causa justificativa, inutilizar as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal.
Podia entender-se com esta expressão «inutilizar» que seria necessário que o trabalhador tivesse inutilizado no sentido material, isto é, destruído, o dispositivo de segurança. Assim, em casos em que fosse necessário usar, por exemplo, um capacete para proteger contra a possibilidade de queda de qualquer material, e ele o não fizesse, estaria a transgredir as condições de segurança. Mas como não tinha inutilizado o capacete podia-se dizer que não inutilizava as condições de segurança. Apenas não se servia delas.
Foi por estas razões que se propôs a substituição da palavra «inutilizar» por «violar».

O Sr Pinto de Mesquita: - Sr Presidente A precedente base e a actual são como que o direito e o avesso das disposições relativas e definitórias dos limites do campo relevante dos acidentes de trabalho Nessas condições, tinha intenção de formular umas leves considerações, que ontem, dado o adiantado da hora, não formulei, fazendo-o hoje.
Em primeiro lugar, e a propósito dos acidentes de trabalho, ocorre-me ressalvar até certo ponto nos relatórios e pareceres uma falta, embora saudosista; seja uma referência nominal a pessoas que realmente batalharam e trabalharam pela defesa das vítimas destes acidentes e que pela legislação liberal do Código Civil não estavam detidamente protegidas. Nestas condições, não posso deixar de recordar que a primeira lei sobre a matéria, a Lei de 1913, foi da iniciativa do então Deputado Dr. Estêvão de Vasconcelos e referendada pelo respectivo Ministro António Maria da Silva, por sinal com a coincidência de, através da inofensiva irreverência do povo português, serem designados, em relação ao seu físico, um por um aumentativo e outro por um diminutivo dos seus próprios nomes. Convém ter presente que reformas profundas desta natureza provêm sempre da iniciativa de pessoas determinadas e bem nóminas, que é de boa justiça não esquecer. E aqui os estou a lembrar, não obstante o meu notório antagonismo político com essas pessoas, isto me acrescenta alguma autoridade, segundo creio, para os recordar neste ponto com louvor.
Mas acrescento que, realmente, os princípios desta legislação progressiva necessária não se puderam aplicar pràticamente a valer até que o movimento do 28 de Maio, vencendo o condicionalismo político de desordem e insegurança em que à data da sua promulgação se vivia, permitiu entrar-se na sua realização. Quanto a esta segunda fase, não se pode esquecer nunca o nome do Dr. Teotónio Pereira.
Não posso também deixar de lembrar aqui a primeira vez que ouvi falar de responsabilidade objectiva, e que foi através dos. trabalhos e lições do saudoso mestre Guilherme Moreira, que de entre os presentes o foi também dos Dr. Cancella de Abreu, Albino dos Reis e de V. Exa., Sr Presidente, e o qual começou a abrir-nos horizontes para tal problema.
São considerações que podem parecer à margem desta matéria, em violação, porventura, do Regimento

O Sr. Soares da Fonseca: - Violam, mas não o inutilizam.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa. pelo seu apoio. Posto isto, feitas estas considerações, eu queria formular uma observação no género da do meu ilustre colega Quirino Mealha. A palavra «descaracterização» da base não me parece a melhor, na certeza de que esta palavra não faz parte propriamente do texto dispositivo, é apenas um título.
Já em 1931, num trabalho que publiquei na Revista dos Tribunais sobre a matéria da distinção entre direito e facto, admiti o uso dessa palavra como possível forma portuguesa de traduzir o conceito de «dénaturation», usado em França para definir determinado vício jurídico, seja o de os tribunais deformarem certos e determinados factos para o efeito de lhes poderem aplicar certas normas jurídicas que tinham em vista. E um vício que ainda, infelizmente, se repete nos tribunais, particularmente nos acórdãos dos colectivos.

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Nessa altura referi que se podia aplicar, essa palavra, mas ao mesmo tempo aconselhava que melhor seria a palavra «desvirtuação», mais conhecida na linguagem corrente. A palavra «descaracterização» corresponde a uma ideia ligada sobretudo ao teatro, que não consta dos nossos dicionários clássicos, como o de Morais.
A palavra «desvirtuação» já existia nesses dicionários, significando aquilo de que aqui se trata, ou seja a ideia de uma perda ou alteração da virtude específica das coisas a que se reporta.
Isto é apenas por descargo de consciência que o declino, por ter já uma responsabilidade anterior quanto à escolha destes vocábulos para efeitos jurídicos.
Não terá grande alcance prático, mas é unia explicação em que, se a não desse, ficaria de mal com posição tomada anteriormente Lavando daqui a minha responsabilidade, não será por isso que deixarei de votar neste ponto a proposta, tal como o Sr Dr. Quirino Mealha o declarou quanto à palavra «vincular».
Quereria ainda fazer umas considerações sobre o caso de força maior. A cláusula segunda especialmente define as condições, embora genericamente, mas em termos que darão, e com utilidade larga margem à jurisprudência para o definir no campo jurídico do trabalho.
A importância da jurisprudência ou do benefício de uma acção da jurisprudência sobre esta matéria não é agora momento para sobre ela me alargar. Adiante o farei.

O Sr Proença Duarte: - Sr Presidente Parece-me que a base VI se deve considerar ainda como uma maneira, embora indirecta e apresentada por forma negativa, de se fixar o conceito jurídico de acidente de trabalho que se contém na base anterior. Para mim, estas duas bases que delimitam o conceito de acidente de trabalho são basilares e fundamentais na proposta em discussão. E por isso me permito insistir em fazer mais algumas considerações hoje a propósito da base VI.
Apresentam-se à consideração e decisão da Câmara nada menos de quatro textos o do projecto da proposta do Governo, o da Câmara Corporativa, o da proposta definitiva do Governo, e o que resulta da proposta de substituição apresentada por um grupo de Srs. Deputados.
Este é o que mais se aproxima do texto da lei em vigor, sendo manifesto que apenas se propõe remodelá-lo para o ajustar às procedentes críticas que a doutrina e a jurisprudência formularam.
A proposta de substituição da palavra «inutilizar», da alínea a) do n.º 1, pela palavra «violar», em relação às condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal, conjuntamente com todo o contexto desta alínea, denunciam que se aceita que a obrigação e o direito de reparação se fundam na «teoria do risco de autoridade» como determinadora do conceito de acidente de trabalho.
Na verdade, se o dador de trabalho tem obrigação de o organizar por forma a garantir total segurança do trabalhador contra acidentes de que lhe resultem danos para a sua saúde e vida, também o trabalhador tem obrigação de cumprir e observar integralmente todas es determinações e medidas estabelecidas pelo dador de trabalho com vista a evitar acidentes.
Sendo assim, parece-me mais expressiva e mais ajustada aos objectivos que a lei se propõe alcançar a palavra «violar» do que «inutilizar».
Por isso dou o meu voto à proposta de substituição.
A matéria das alíneas b), c) e d), que afasta o direito de reparação, remete para conceitos de direito largamente tratados pela doutrina e pela jurisprudência e que continuarão a preocupar os espíritos dos juristas.
As expressões dessas alíneas a que me quero referir são «falta grave e indesculpável», «privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil» e «caso de força maior»
Deixemos à doutrina e à jurisprudência a missão de continuarem a definir estes conceitos.
Por isso dou a minha aprovação à base em discussão com a proposta de alteração.

O Sr Pinto de Mesquita: - Quero esclarecer que o critério definido na proposta que estamos a votar condiciona sempre à força maior a parte do que possa ter-se por fortuito.
Esta expressão «caso fortuito» de que fala o Código Civil foi sempre um quebra-cabeças para a jurisprudência conseguir tipificá-lo bem. Assim, aprovamos inteiramente a orientação que nos é proposta, pois, atendendo à amplitude do critério de responsabilidade objectivo, o «caso fortuito» será, para o efeito, geralmente irrelevante, a mão ser que tenha características que o incluam no de «força maior».

O Sr Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr Presidente: - Se mais nenhum Sr, Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar o n.º 1 conjuntamente com a alteração proposta à alínea a).

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Vão agora votar-se os n.ºs 2 e 3, sobre os quais não há qualquer proposta de alteração.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr Presidente: - Vou pôr em discussão a base VII, à qual há na Mesa uma proposta de aditamento.
Vão ler-se a base e a proposta de aditamento.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE VII

1 São excluídos do âmbito da presente lei:

a) Os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, salvo se forem prestados em actividades que tenham por objecto exploração lucrativa,
b) Os acidentes ocorridos na execução de trabalhos de curta duração se a entidade a quem for prestado o serviço trabalhar habitualmente só ou com membros da sua família e chamar para o auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.

Proposta de aditamento

BASE VII

Propomos que à base VII seja aditado um novo número (n.º 2), com a redacção constante do n.º 2 da base VII do texto da Câmara Corporativa.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fon-

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seca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António (...) Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr Presidente: - Estão em discussão.

O Sr Alberto de Meireles: - A omissão no texto da proposta do n.º 2, cujo aditamento se propõe, resulta meramente de um lapso, conforme o Sr. Ministro teve ocasião de esclarecer na exposição feita às Comissões.
Foi sempre intenção do Ministro das Corporações como resulta claramente do projecto inicial, incluir o texto do n.º 2. Por isso se aditou esse número para suprimir o lapso havido.

O Sr Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa

O Sr Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a base VII.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Vai votar-se agora o aditamento proposto a esta base.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr Presidente: - Vou pôr em discussão as bases VIII, IX, X e XI, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ser lidas.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE VIII

1 A predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada.
2 Quando a lesão ou doença consecutivas ao acidente forem agradadas por lesão ou doença anteriores ou quando estas forem agravadas pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo resultasse do acidente, salvo se pela lesão ou doença anteriores a vítima já estiver a receber pensão.
3 No caso de a vítima estar afectada de incapacidade permanente anterior ao acidente, reparação por este devida será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse imputado ao acidente.
4 Confere ainda direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença resultante de um acidente de trabalho e que de tal tratamento seja consequência.

ASE IX

O direito à reparação compreende as seguintes prestações:

1.º Em espécie prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento , em toda a medida possível, do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima, e à recuperação desta para a vida activa.
2.º Em dinheiro indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente, pensões, no caso de morte, aos familiares da vítima, e despesas de funeral.

BASE X

1 O pagamento das prestações será efectuado no lugar da residência da vítima ou seus familiares, salvo se outro foi acordado.
2 Se o credor das prestações se ausentar para o estrangeiro, o pagamento será efectuado na sede da instituição de seguro, salvo se outro lugar de pagamento for acordado.

BASE XI

As empresas serão obrigadas a instalar, nos centros de trabalho, caixas ou postos de socorros, consoante o número de trabalhadores ao seu serviço, a terem entre eles um ou mais socorristas e a admitirem médicos do trabalho, nos termos que vierem a ser definidos em regulamento.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr Proença Duarte: - Apenas um ligeiro apontamento sobre o texto da base IX, nomeadamente sobre o n.º 1.º desta base.
Entendo que esta prestação de natureza médica e outras, seja qual for a sua forma, se confina e limita às possibilidades nacionais. Faço esta observação porquanto se têm levantado dúvidas sobre se realmente o acidentado pode ou não exigir tratamento médico, intervenções cirúrgicas, etc., no estrangeiro. Este aspecto da questão foi tratado, com o brilho peculiar de todos os seus trabalhos intelectuais, pelo nosso colega Tito Arantes em artigo publicado na Revista dos Tribunais, bem recente, pois é de 1964.
Portanto, dou a este n.º 1.º da base IX o entendimento de que tudo quanto nele se preconiza, preenchendo o conteúdo do direito de reparação, se limita às possibilidades e a quanto seja realizável dentro do território nacional.
Era só para fazer esta declaração, e a propósito dela seja-me permitido prestar a homenagem que é devida à proficiência com que o nosso colega Dr. Tito Arantes trata sempre os problemas do direito e que fizeram dele em toda a parte um grande jurisconsulto e uma das primeiras figuras da actualidade no foro português.
Tenho dito.
O Sr António Santos da Cunha: - Sr. Presidente. Eu queria, em aditamento às palavras do Sr Deputado Proença Duarte, dizer que não posso compreender que desde já se pretenda pôr uma limitação ao dever que temos de socorrer os sinistrados e que, se os meios nacionais não são suficientes, temos de ir até onde for possível para dar meios de vida a esses sinistrados. A declaração do Sr. Deputado Proença Duarte pode no futuro constituir uma limitação que não está por certo na mente do autor da proposta.

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O Sr Soares da Fonseca: - Sr Presidente. Eu não queria imiscuir-me na divergência que acaba de se verificar entre os Srs. Deputados Proença Duarte e António Santos da Cunha. Direi, em todo o caso, duas coisas.
A primeira, que o autor da proposta partiu do pressuposto - e deve ter partido bem, suponho eu - de que os estabelecimentos nacionais estavam aptos para dar satisfação às exigências prescritas no diploma ora em discussão.
Isto como apontamento relativamente à nota feita pelo Sr. Deputado Santos da Cunha.
Quanto à feita pelo Sr Deputado Proença Duarte, parece-me que é desnecessário ter a preocupação de que fique bem marcado que se trata de estabelecimentos nacionais, porquanto na base XII está expressamente previsto que a hospitalização, medicamentos, etc , é em estabelecimentos nacionais.

O Sr Proença Duarte: - Não ignoro - porque pus uma certa atenção no estudo da proposta - o conteúdo da base XII. Mas precisamente para que ficasse inteiramente harmonizada a base agora em discussão com a base XII é que quis significar que dava a minha aprovação a esta base no sentido de que ela está realmente subordinada ao conteúdo da base XII.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se as bases VIII, IX, X e XI tal como constam da proposta de lei e que foram lidas.

Submetidas à votação foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora em discussão a base XII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XII

A hospitalização, internamento e tratamentos previstos no n.º 1.º da base IX devem ser feitos nos estabelecimentos nacionais mais adequados ao restabelecimento e reabilitação da vítima.

Proposta de eliminação

BASE XII

Propomos que na base XII seja eliminada a palavra «mais».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pausa.

O Sr Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se conjuntamente a base e a proposta de alteração, a qual, como VV. Exas. ouviram, consiste na eliminação da palavra «mais».

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr Presidente: - Vou pôr em discussão a base XIII, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vai ler-se.

Foi lida. É a seguinte:

BASE XIII

1 As vítimas de acidente devem submetei-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas dó médico designado pela entidade responsável e necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito de reclamar das suas decisões para os peritos médicos do tribunal.
2 Não conferem direito às prestações estabelecidas nesta lei as incapacidades que sejam judicialmente reconhecidas como consequência de injustificada recusa ou falta de observância das prescrições clínicas ou cirúrgicas ou como tendo sido voluntariamente provocadas, na medida em que resultem de tal comportamento.
3 Considera-se sempre justificada a recusa de intervenção cirúrgica quando esta, pela sua natureza ou pelo estado da vítima, ponha em risco a sua vida.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

O Sr Presidente: - Se nenhum dos Srs Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se a base XIII.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Vou pôr em discussão a base XIV, sobre a qual ha na Mesa uma proposta de aditamento.
Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XIV

1 O fornecimento ou pagamento dos transportes abrange não só as deslocações necessárias à observação e tratamento, como as exigidas pela comparência a actos judiciais, salvo, quanto a estas, quando as deslocações forem consequência de pedidos dos sinistrados que vierem a ser julgados totalmente improcedentes.
2 Quando a vítima for do sexo feminino, ou menor de 14 anos, ou quando a sua avançada idade ou a natureza da lesão ou da doença o exigirem, o direito a transporte será extensivo a pessoa que a acompanhar.

Proposta de aditamento

BASE XIV

Propomos que na base XIV seja aditado um novo número (n º 3) com o texto do n.º2 da base XII do projecto de proposta.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fon-

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seca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes - Fernando Cid de Oliveira Proença.

O Sr Presidente: - Estão em discussão.

Pausa.

O Sr Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar a base XIV.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Vai agora votar-se a proposta de aditamento a esta base.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr Presidente: - Vou pôr à discussão as bases XV, XVI e XVII, sobre as quais não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes.

Base XV

O direito às prestações previstas no n.º 1 da base IX mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, em caso de recidiva ou agravamento e abrange as doenças intercorrentes relacionadas com as consequências do acidente.

Base XVI

1 Se do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou de ganho da vitima, esta terá direito às seguintes prestações:

a) Na incapacidade permanente absoluta para todo a qualquer trabalho pensão vitalícia igual a 80 por cento da retribuição-base, acrescida de 10 por cento desta retribuição-base por cada familiar em situação equiparada à que legalmente confere direito a abono de família, até ao limite de 100 por cento daquela retribuição-base,
b) Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual pensão vitalícia compreendia entre metade e dos terços da retribuição-base, conforme a maior ou menor capacidade funcional resídua para o exercício de outra profissão compatível,
c) Na incapacidade permanente e parcial pensão vitalícia correspondente a dois terços da redução sofrida na sua capacidade geral de ganho,
d) Na incapacidade temporária e absoluta indemnização igual a dois terços da retribuição-base, mas nos três dias seguintes ao acidente a indemnização será apenas de um terço da referida retribuição,
e) Na incapacidade temporária parcial indemnização igual a dois terços da redução sofrida na capacidade geral de ganho.

2 As indemnizações são devidas enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional, sendo, porém, reduzidas a um terço durante o período de internamento hospitalar ou durante o tempo em que correrem por conta da entidade patronal ou seguradora as despesas com a assistência clínica e alimentos do mesmo sinistrado, se este for solteiro ou não tiver filhos ou outras pessoas a seu cargo.
S O salário do dia do acidente será pago pela entidade patronal. As indemnizações por incapacidade temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta.

Base XVII

1 Quando o acidente tiver sido dolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante, as pensões e indemnizações previstas na base anterior fixar-se-ão segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e morte, as pensões ou indemnizações sei ao iguais à retribuição-base,
b) Nos casos de incapacidade pai ciai, permanente ou temporária, as pensões ou indemnizações correspondentes terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.

2 Se o acidente tiver resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante, as pensões e indemnizações serão agravadas segundo o prudente arbítrio do juiz até aos Imites pi e vastos no número anterior.
3 O disposto nos números anteriores não prejudica a responsabilidade civil por danos morais ou a criminal em que a entidade patronal, ou o seu representante, tiver (...).
4 Se, nas condições previstas nesta base, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade patronal, esta terá direito de regresso contra ele.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Ü Sr Sousa Birne: - Sr Presidente. Pedi a palavra apenas para um esclarecimento, ou antes, preferivelmente, para uma declaração sobre o articulado da alínea b) da base XVI, que estipula a pensão vitalícia entre metade e dois terços da retribuição para os casos em que do acidente resultar incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (sublinho «trabalho habitual»). E o caso, por exemplo, do pianista profissional que no seu trabalho sofreu acidente de que resultou o corte dos dedos das mitos, ou de mão, que o impossibilitou total e irreparàvelmente de continuar a exercer o seu trabalho habitual de pianista.
Poderia à primeira vista pensar-se que a doutrina consignada na alínea b) ser a eventualmente extensiva aos casos de (...), doença, aliás, de carácter evolutivo muito especial, definidos ou de incapacidade parcial funcional, ou mesmo sem qualquer incapacidade funcional, mas paia os quais é imposto impedimento permanente de continuar a trabalhar nos ambientes poeirentos ou (...)licogénicos em que o seu trabalho se desenvolvia, uma vez que tal impedimento poderia à primeira vista considerai-se equivalente à incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual que a alínea b) refere.
Tal interpretação não pode de forma nenhuma subsistir, com efeito quando se estipula a imposição de impedimento permanente em continuar a trabalhar nos meios.

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4844 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 202

silicogénicos aos portadores de casos de silicose, com ou sem incapacidade parcial funcional, isso não significa que esses portadores estejam propriamente incapacitados de executar, residualmente ou na sua totalidade, o trabalho que vinham executando, a imposição de abandono do ambiente silicogénico é uma pura medida de prevenção e adopta-se exactamente para que o portador não venha a incapacitar-se ou não agrave a incapacidade parcial.
A reparação destes aspectos faz-se, de resto, com toda a propriedade, usualmente de outra forma por indemnizações que se consignam a título de uma mudança de vida profissional a que a mencionada imposição de continuação obriga. A lei actual, aliás, prevê esta reparação especial da silicose, conforme se verificará no exame das bases sequentes.
Esta, Sr Presidente, foi a interpretação que se considerou indiscutível, nas reuniões conjuntas das Comissões, ao apreciar a doutrina da base XVI, e foi sobre ela que resolveu não haver necessidade de qualquer alteração na sua redacção.

O Sr Alberto de Meireles: - Desejava esclarecer, de acordo com o pensamento das Comissões, que na realidade a alínea b) do n.º 1 da base XVI não contempla, evidentemente, a hipótese posta pelo Sr Deputado Sousa Birne. Na realidade, embora a defesa da saúde de um silicótico o deva impedir de trabalhar em ambiente silicogénico, e portanto imponha o afastamento do seu trabalho, ele pode, no entanto, trabalhar noutro ambiente, não há incapacidade para trabalho num ambiente diferente do anterior.
A dúvida posta pelo Sr Deputado Sousa Birne quanto à alínea b) tem assim fundamento, e vantajoso foi que fosse esclarecida Saliento que a alínea b) sob discussão constitui uma inovação de muito alcance no aspecto da reparação.

O Sr. Soares da Fonseca: - Pretendo apenas sublinhar, Sr. Presidente, que as Comissões, perfilhando o texto da proposta do Governo, quiseram, além do mais, perfilhar claramente a eliminação do final do n.º 3 da base XV do projecto inicial do Governo, relativa à receita, ali prevista, para o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões.

O Sr Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se as bases XV, XVI e XVII que foram lidas.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XVIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ler-se a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes.

BASE XVIII

Se, em consequência da lesão resultante do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de uma terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar não superior a 25 por cento do montante da pensão, a qual incidirá sobre a parte em que esta não exceda 80 por cento da retribuição-base.

Proposta de alteração

BASE XVIII

Propomos que à base XVIII seja dada a seguinte redacção:

1 Se, em consequência da lesão resultante do acidente, a vítima não puder dispensar a assistência constante de uma terceira pessoa, terá direito a uma prestação suplementar não superior a 25 por cento do montante da pensão fixada.
2 Para o cálculo da prestação suplementai não se atenderá a parte da pensão que exceda 80 por cento da retribuição-base.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Mana Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes - Fernando Cia de Oliveira Proença.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vai votar-se a proposta de substituição da base XVIII apresentada por vários Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr em discussão a base XIX, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração.
Vão ser lidas a base e a proposta.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XIX

l Se do acidente resultar a morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:

a) Viúva, se tiver casado antes do acidente 30 por cento do salário anual da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a parte desta idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho,
b) Viúvo, se tiver casado antes do acidente e estiver afectado de doença física ou mental que lhe reduza sensivelmente a capacidade de trabalho ou de idade superior a 65 anos à data da morte da mulher, enquanto se mantiver no estado de viuvez 30 por cento do salário anual da vítima,
c) Cônjuge divorciado ou judicialmente separado à data do acidente, com direito a alimentos a pensão estabelecida nas alíneas anteriores e nos mesmos termos, até ao limite do montante dos alimentos,
d) Filhos legítimos ou perfilhados, incluindo os nascituros, nas condições da lei civil, até perfazerem 18 anos, ou 21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, e os afectados de doença física ou mental que os incapacite para o trabalho 20 por cento do salário anual da vítima se for apenas um, 40 por cento se forem dois e

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50 por cento se forem três ou forem órfãos de pai e mãe, receberão o dobro destes montantes, até ao limite de 80 por cento do salário da vítima,
e) Ascendentes e quaisquer parentes sucessíveis até aos 18 anos ou 21 e 24 enquanto frequentarem, com aproveitamento, respectivamente, o ensino médio ou superior, ou sem limite de idade quando afectados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, desde que, em relação a todos eles, a vítima contribuísse, com carácter de regularidade, para a sua alimentação 10 por cento da retribuição-base a cada um, não podendo total das pensões exceder 30 por cento.

2 Se não houver cônjuge, ou filhos com direito a pensão, os parentes incluídos na alínea e) do número anterior, e nas condições nela referidas, receberão, cada um, 15 por cento do salário anual da vítima, até perfazerem a idade de 65 anos, e 20 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho, não podendo o total das pensões exceder 80 por cento do salário anual da vítima, para o que se procederá a rateio, se necessário.
3 Se a viúva passar a segundas núpcias, receberá, por uma só vez, o triplo da pensão anual. Se tiver porte escandaloso, perderá o direito à pensão.
4 Se por morte da vítima houver concorrência entre o cônjuge viúvo e divorciados, entre divorciados, ou entre estes e o cônjuge separado judicialmente, será a respectiva pensão repartida em partes iguais por todos os que a ela teriam direito.
5 Se a vitima não deixar familiares com direito a pensão, será devida ao Fundo de Garantia e Actualização de Pensões a importância de três vezes a retribuição anual.

Proposta de alteração

BASE XIX

Propomos que nas alíneas a), b) e d) do n.º 1 e n.º 2 da base XIX a expressão «salário anual» seja substituída por «retribuição-base».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges do Araújo - Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Délio Santarém: - Agradeço a V. Exa. Sr. Presidente, nesta azáfama final da Assembleia, que me permita um ligeiro comentário, que é uma declaração sobre uma particularidade da alínea d) do n.º 1 desta base em discussão e que se refere à escala de pensões atribuídas aos filhos da vítima.
e que, não obstante, Sr. Presidente, os casos de deficiência económica do agregado familiar terem sido considerados pelo Concílio Ecuménico Vaticano II no conjunto dos susceptíveis de tolerância relativa às restrições da natalidade - por métodos que não sejam antinaturais - eu penso que nem por isso nos surge o ensejo para deixarmos de procurar valorizar economicamente e por todas as formas, como até aqui temos feito, as famílias mais numerosas.
Com este fundamento, Sr. Presidente, respeitosamente peço licença para declarar que a subida inalterável de 10 por cento na escala de pensões referida nessa alínea d) do n.º 1 da base XIX, quer se trate de três, quer de mais filhos, não me parece perfeitamente de harmonia com os princípios fundamentais que nos têm norteado até esta data.
E assim, mais de acordo com os propósitos de premiar as famílias numerosas, que sempre reconhecemos justos e necessários, seria repetir o acréscimo de 10 por cento sempre que houvesse mais um filho, até ao limite de 100 por cento da remuneração-base da vitima.
Tenho dito.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente. Pedi a palavra apenas para solicitar dos ilustres signatários desta proposta de alteração que esclareçam o plenário acerca da razão e incidência da alteração proposta.

O Sr. Alberto de Meireles: - A alteração proposta destina-se a substitua a expressão «salário anual» por «retribuição-base», como sucederá, aliás, na base seguinte. Na realidade, usando-se sempre para o cálculo de pensões e indemnizações o conceito de retribuição-base, que está estabelecido numa disposição que discutiremos adiante, salvo erro na base XXIII, parecia não fazer sentido que na base XIX se fizesse referência ao salário anual, suscitando dúvidas ao intérprete desprevenido.
No sistema actual, para o cálculo das pensões anuais parte-se do salário-base diário multiplicado por 313, que são os dias úteis do ano, para se obter o salário anual. Para harmonizar os textos, isto é, para que eles jogassem sempre através de todo o sistema, se propôs nesta e na base seguinte a substituição da expressão «salário anual» por «retribuição-base».
Fica esclarecida, segundo espero, a dúvida posta pelo Sr Deputado Pinto de Mesquita.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Praticamente, isso é uma questão de forma e de harmonização do contexto, mas não traz consequências práticas.

O Sr. Alberto de Meireles: - Nenhumas, porque o salário anual é o resultado da multiplicação dos dias úteis do ano pelo salário-base diário, se o salário for mensal, pêra o produto deste por doze.
Não há, pois, qualquer alteração de substância que implique redução de direitos quanto ao montante das pensões.

O Sr. Proença Duarte: - Quero perguntar se, ao dizer-se na base que os familiares da vítima receberão as pensões anuais, se entende que o beneficiário dessas pensões só poderá receber as mesmas anualmente.

O Sr Alberto de Meireles: - Não Esclareço Realmente, a base em discussão refere-se mais de uma vez a pensões anuais, tal como no caso da viúva que passa a segundas núpcias, recebendo como indemnização, por uma só vez, o triplo da pensão anual.

O Sr. Proença Duarte: - Isso é como se processa a liquidação.
O Sr. Alberto de Meireles: - No caso da viúva essa liquidação faz-se de uma só vez.

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O Sr. Proença Duarte: - A minha pergunta é relativa à pensão, e não à liquidação feita de uma só vez.

O Sr. Alberto de Meireles: - O sistema em vigor é o de pagamento em duodécimos. Claro que o beneficiário poderá preferir receber de três em três meses ou de seis em seis. Mas o sistema actualmente seguido é o de duodécimos, para efeito de pagamento de pensões, e assim continuará certamente a estabelecer-se no regulamento, por ser o mais razoável.

O Sr. Presidente: - Se o Sr Deputado Alberto de Meireles me permite, chamo a sua atenção para o facto de não ter respondido à observação feita pelo Sr. Deputado Délio Santarém.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sucede, Sr. Presidente, que o facto de só haver um microfone e eu não ouvir bem fez com que não percebesse o princípio da exposição do Sr. Deputado Délio Santarém. Sei, no entanto, de que trata e dentro disto tentarei esclarecer.

O Sr. Délio Santarém: - Como se trata de uma simples declaração, parece-me que está dispensado qualquer esclarecimento.

O Sr. Alberto de Meireles: - Vou tentar responder àquilo que declarou o Sr. Deputado Délio Santarém.
Penso que é um reparo formulado à alínea d), quanto à percentagem atribuída para o caso de três ou mais filhos. Na realidade, estabelece-se uma percentagem variável de 20, 40 a 50 por cento, conforme sobrevivam, respectivamente, um, dois, três ou mais filhos. Foi dito nas Comissões, com pertinência e em relação à última hipótese, ser insuficiente a percentagem de 60 por cento, e longe de mim achar que não será sempre pouco, tratando-se de família numerosa, a reparação.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Enfim, pensou-se que se devia melhorar a pirâmide das percentagens, e nesse sentido se poderia estabelecer uma progressão da ordem dos 20, 40 e 60 por cento.
É de notar que mesmo neste caso, se se estabelecesse a percentagem de 60 por cento, no caso de serem muitos os filhos a percentagem relativa a cada um iria diminuindo na razão directa do seu número. E assim na lei actual, como o é nas legislações estrangeiras.
Segundo sei, estamos já para além dos compromissos internacionais neste domínio, e daquilo que está estabelecido na generalidade das legislações estrangeiras. Por outro lado, a maior percentagem, segundo me informam, de filhos com direito a pensão é de dois, e receou-se que, para melhorar a última percentagem, tivéssemos, por razões compreensíveis, de diminuir a intermédia, e então resultaria prejuízo no maior número de casos.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente. Desejava fazer a V. Exa. uma pergunta um grupo de Deputados estaria na disposição de apresentar uma proposta de alteração à alínea que está em discussão, mas dado que a alínea está em discussão e dada a possibilidade de V. Exa., em qualquer momento, pôr à votação esta base e de, assim, esse grupo de Deputados não dispor de tempo para apresentar a sua proposta, pergunto a V. Exa. se seria possível suspender a votação desta base pelo tempo indispensável à elaboração daquela proposta de alteração.

O Sr. Presidente: - Possível é. E também é possível ainda neste momento apresentar propostas de alteração.
É, na verdade, bastante perturbador, mas quero prestar o seguinte esclarecimento a V. Exa. eu posso interromper, para se preparar uma proposta de alteração, em certo sentido diferente daquelas que estão já estabelecidas e fixadas, agora o que não desejava era deixar de chegar hoje à conclusão da discussão da base XX.
Como o Sr. Deputado Alberto de Meireles disse, o problema foi considerado nas Comissões e também, como aquele Sr. Deputado disse, as Comissões foram mais longe do que em legislações estrangeiras.
Na proposta do Governo e na proposta de alteração foi-se mais longe do que nas legislações estrangeiras V. Exa. agora pede-me que suspenda a discussão, com vista a ser apresentada uma nova proposta de alteração em termos diferentes daqueles em que estão redigidas a base e a proposta de alteração já apresentada.

O Sr. Martins da Cruz: - O meu pensamento é se seria possível regimentalmente e, sendo possível, se V. Exa. podia aceder ao meu pedido de se passar à apreciação da base XX, enquanto um grupo de Deputados apresentava uma proposta de alteração à base que está em discussão.

O Sr. Presidente: - A única coisa que posso fazer é interromper a sessão por alguns minutos para W Exas., os que entenderem, apresentarem uma outra proposta de alteração.

O Sr. Martins da Cruz: - Nesse caso, o grupo de Deputados desiste do seu intento. E muito obrigado, Sr. Presidente, pela atenção.

O Sr. Alberto de Meireles: - V. Exa. dá-me a palavra, Sr Presidente?

O Sr. Presidente: - Não dou, porque V. Exa. já falou duas vezes.
Peço aos Srs. Deputados que pretendiam apresentar a proposta de alteração a que se referiu o Sr. Deputado Martins da Cruz que não interpretem mal a minha atitude. De resto, estou pesarosíssimo, porque quem desencadeou a questão fui eu próprio.

O Sr. Martins da Cruz: - Isso é verdade. E pode V. Exa. ter a certeza de que não interpretámos mal a atitude que tomou neste caso.

O Sr. Presidente: - Então, se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vou pôr à votação a base juntamente com a proposta de alteração que foi lida.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr Presidente: - Vou pôr agora em discussão a base XX, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração, correspondente à que já foi votada para a base XIX Vão ser lidas a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XX

l As pensões referidas na base anterior são acumuláveis, mas o seu total não poderá exceder 80 por cento do salário anual da vítima.
2 Se as pensões referidas na alínea e) da base anterior adicionadas às previstas nas alíneas a), b), c) e d) excederem 80 por cento do salário da vítima,

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serão as prestações sujeitas a rateio, enquanto aquele montante se mostrar excedido.
3 Se o cônjuge sobrevivo falecer no (...) da pensão devida aos filhos, será esta aumentada nos termos da parte final da alínea d) da base anterior.
4 As pensões dos filhos da vítima serão erm cada mês, as correspondentes ao número daqueles com direito a pensão que estiverem vivos nesse mês.

Proposta de substituição

BASE XX

Propomos que a expressão «salário anual» desta base, seja substituída por «retribuição-base».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, de 21 de Abril de 1965 - Os Deputados José Soares da Fonseca - Alberto Maria Ribeiro de Meireles - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Magro Borges de Araújo - Tito Castelo Branco Arantes.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente. O texto desta base estabelece as limitações, digamos assim, quanto ao recebimento de pensões e fixa em 80 por cento do salário anual da vitima o máximo atribuível de pensões.
Como há pouco tive ocasião de dizer, propôs-se substituição da expressão «salário anual» por «retribuição-base» e isto por uma questão de simetria.
Mas permita-me V. Exa. que, ao contemplar os n.ºs 1 e 2 desta base, eu tire uma conclusão que há bocadinho não pude formular porque regimentalmente tinha atingido o limite, como V. Exa. muito bem me observou, e eu já não tinha presente, para demonstrar que, mesmo que se fixasse uma percentagem maior do que 50 por cento para as hipóteses de três ou mais filhos, eles nunca poderiam receber tal pensão.

O Sr. Presidente: - V. Exa. já não pode levantar essa questão.

O Sr. Alberto de Meireles: - Não é pôr de novo essa questão. Eu estou a apreciar muito singelamente o n.º 2 desta base, e essa apreciação posso fazê-la.

O Sr. Presidente: - Pode, não há dúvida.

O Sr. Alberto de Meireles: - O n º 2 desta base diz

Se es pensões referidas na alínea e) da base anterior adicionadas às previstas nas alíneas a), b), c) e d) excederem 80 por cento do salário na vítima, serão as prestações sujeitas a rateio, enquanto aquele montante se mostrar excedido.

E agora explico eu, não em relação a qualquer outra questão, mas em relação ao que aqui está escrito. Diz a alínea d) da base anterior que, se for um filho, a pensão é de 20 por cento, 40 por cento se forem dois e 50 por cento se forem três ou mais. Mas também na alínea a) se estabelece para a viúva uma pensão calculada em relação a 80 por cento do salário anual da vítima. Portanto, somando 30 por cento com 50 por cento obtém-se 80 por cento, que é o limite previsto no n.º 2 da base em discussão. Mas se se der a hipótese de os filhos do sinistrado serem ou ficarem órfãos de pai e mãe, a pensão passará de 50 a 80 por cento, porque há um limite estabelecido de 60 por cento, embora na alínea d) se diga que a percentagem passará a ser o dobro. Se eles forem dois, receberão 80 por cento realmente. Se for um, receberá 40 por cento, mas se forem três ou mais receberão só 80 por cento, e não o dobro de 50 por cento.
Isto disse-o para explicar a mecânica dos n.ºs 2 e 3 da base em discussão. Inevitavelmente, tive de jogar com as percentagens que estavam em causa na base anterior e para a qual esta remete. E concluo.

O Sr. Presidente: - Aceito a explicação de V. Exa., que me conduziu a deixá-lo continuar no uso da palavra, mas sem convicção.
Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a base XX juntamente com a alteração proposta.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Devo informar que os Srs. Deputados inscritos para o período de antes da ordem do dia da sessão de hoje e que não puderam usar da palavra usarão dela amanhã ou depois, o que quer dizer que se conta que no sábado haja sessão.
A ordem do dia para a sessão de amanhã, a hora regimental, é a mesma.
Está encenada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Srs Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Burity da Silva.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Artur Alves Moreira.
Carlos Coelho.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.

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Rui de Moura Ramos.
Simeão Finto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alexandre Marques Lobato.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Jacinto da Silva Medina.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Surnivassa Smar Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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