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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 15
ANO DE 1966 28 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 1S, EM 27 DE JANEIRO
Presidente: Ex mo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
SUMARIO: - O Sr. Presidente .declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 11.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Santos Dessa falou sobre questões de saúde pública..
O Sr. Deputado António Santos da Cunha fez considerações sobre a situação do professorado do ensino técnico.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz aludiu a alguns problemas turísticos do distrito de Vila Real.
O Sr. Deputado Cazal Ribeiro proferiu palavras de aplauso à exposição feita pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros aos membros da Assembleia Nacional.
Ordem do dia. - Procedeu-se em primeiro lugar à eleição da Comissão de Defesa Nacional, seguindo-se depois a continuação da discussão na generalidade do projecto de lei sobre a preferência no provimento de lugares do ensino primário, durante a qual usaram da palavra os Srs. Deputados Araújo Novo e Melo Giraldes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
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Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgilio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 93 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 11, correspondente à sessão de 18 de Janeiro. Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deduz qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Cartas e telegramas
Sobre o projecto de lei acerca da preferência no provimento de lugares do ensino primário. A expor a situação da classe média.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: Já por várias vezes, nesta Câmara, chamei a atenção do Governo para sérios problemas da saúde pública que reclamam urgente solução. De entre eles, destaquei os do nosso antiquado e inadequado ensino médico, a grave deficiência numérica de médicos e de enfermeiras, o confrangedor atraso da nossa medicina preventiva, a quase nula acção exercida no sector da educação sanitária da população e a nossa deplorável organização hospitalar.
A apreciação do Plano Intercalar de Fomento serviu-me para demonstrar a necessidade da, estruturação de um amplo e verdadeiro plano de política da saúde, que abrangesse todos os sectores deficitários e no qual se encontrasse assegurada a sua unidade de concepção, de direcção e de execução, que não pode pertencer senão ao Ministério da Saúde e Assistência. Esse plano deverá ser orientado pela ciência e pela técnica modernas, envolver substancial modificação nos nossos actuais métodos de trabalho, dar-nos um ensino médico à altura da época em que vivemos, garantir-nos uma organização do trabalho médico dentro dos consagrados princípios da ética profissional e resolver os variados problemas que, no campo da saúde e da assistência, actualmente nos atormentam.
Vejo, com profundo desgosto, rolarem os meses sem que se vislumbrem as bases seguras de uma estruturação que corresponda aos princípios de uma ética sempre defendida pela Ordem dos Médicos e sem que se antevê ja a possibilidade da regulamentação das carreiras médicas que aquela Ordem defende e. que esta Assembleia criou quando aprovou a base XXV do Estatuto do Ministério da Saúde.
Há princípios que são basilares, que hão-de constituir os alicerces firmes da organização médica nacional, que devem ser prioritários na ordem cronológica da sistematização do trabalho de estruturação dos serviços e que não podem ser postergados sem grave prejuízo do funcionamento das instituições.
Não escondo o meu receio ao verificar que, em vez desse-plano, surgem soluções parcelares que, por falta de unidade e de respeito por aqueles princípios, podem vir a comprometer o edifício que se pretende erigir. E esse receio exponho-o aqui, nesta Câmara política (que tem uma função eminentemente preventiva, muito mais que reparadora), por causa das consequências desse género que podem advir do processo que se está seguindo.
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Por mais que custe a certos sectores e a certas «técnicas», os médicos hão-de estar na base de toda a organização médico-social do País e a sua organização corporativa - a sua Ordem - há-de ter que se pronunciar sobre a maneira como hão-de ser organizados e hão-de funcionar os serviços. Por mim, julgo que seria bem que fosse ouvida sobre os aspectos que aos médicos respeitam antes de se tomarem certas decisões, e isto sem quebra do prestígio e das prerrogativas que à Administração respeitam. Suponho mesmo que esse é um dos fins para que ela foi criada.
Faço este apontamento com perfeita consciência do direito que me assiste e do dever que tenho de chamar a atenção do Governo para um problema que pode revestir certa delicadeza política, sem perder o sentido construtivo que sempre procurei dar às minhas intervenções e sem que me faleça a fé nas possibilidades do Regime. Tenho-o como detentor de potencialidades capazes de resolver este problema, como resolveu outros de muito maior delicadeza e de muito mais transcendentes dificuldades.
Pressinto que o ilustre Ministro da Saúde e Assistência, que tem mostrado tão extraordinário interesse por todos os problemas dependentes do seu Ministério. e que tem revelado tão excepcionais méritos, há-de ter sido obrigado a recorrer ao sistema em curso, por força de dificuldades encontradas, quer na obtenção dos meios financeiros, quer na coordenação a fazer nos serviços ainda dependentes de outros Ministérios.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que os meios financeiros são escassos para a obra a empreender no sector da saúde pública, ele mesmo o declarou recentemente, em conferência da imprensa, quando anunciou o plano nacional de vacinações.
Não se ignora nem deixa de se proclamar o notável esforço financeiro que o Governo tem realizado em certos sectores limitados da saúde pública, como, por exemplo, na luta antituberculosa. Aqui o dissemos por várias vezes, quando demos conta dos resultados da aplicação dessas verbas.
Mas não deixaremos de dizer que, nos vários sectores da saúde pública, outro poderia ser o rendimento social das verbas investidas se outra fosse a organização dos nossos serviços.
A solução destes nossos problemas carece não só de concentração de meios financeiros que se dispersam por outros sectores de manifestamente inferior importância social e dos que se aplicam em algumas obras sumptuárias de discutido interesse público, mas também de um plano geral em que se estabeleça a indispensável ordenação prioritária da execução dos vários elementos que o constituem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Custa-me ver fechadas, por falta de verba, instituições que foram criadas em obediência a um plano que pretendia satisfazer necessidades reais da população a que foram destinadas ou à preparação de pessoal técnico, de que tanto carecemos, ao mesmo tempo que vemos gastar dinheiros públicos em actividades de mais que discutido interesse imediato ou em manifestações que poderiam ser realizadas com mais comedidas despesas.
Igualmente me custa ver que nada se faz para atrair a nossa juventude para o curso de Medicina, neste país onde a penúria numérica dos médicos é tão manifesta, como ainda há poucos meses o repeti nesta Câmara.
Recordo aqui, a propósito, o que afirmou, ainda há pouco, um dos nossos maiores e mais respeitados catedráticos de Medicina:
A juventude desinteressou-se da profissão médica porque, além de um curso difícil, prolongado, não tem garantias de vida económica assegurada. Uma meia socialização da medicina não resolveu, agravou, o problema profissional do médico. As caixas, uma vez constituídas e estabelecido o pessoal clínico, insuficiente para as tarefas a cumprir, fecham-se à entrada de novos médicos jovens. Estes, logo que a escola lhes entrega a carta, encontram-se numa situação difícil, sem que alguém cuide deles.
Saem da escola com licença para iniciarem a clínica, mas sem matéria para a praticarem.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Já um dia aqui disse que ninguém estava contente com o sistema a que se refere aquele ilustre mestre - nem os médicos, nem os beneficiários, nem a Ordem.
Pelo que toca ao ensino médico, há também muito a fazer, uma vez que ele continua eminentemente destinado ao diagnóstico e à cura das doenças, fazendo tábua rasa dos nossos problemas sanitários e da medicina preventiva. O que se passa em Portugal passa-se, aliás, em outros países.
Em relatório apresentado pelos Profs. Neimann e Manciaux ao Simpósio Europeu de Medicina Preventiva, organizado pelo Bureau Regional da O. M. S. para a Europa e que reuniu em Nancy, em Julho de 1964, afirmou-se, em resposta a duas perguntas do Prof. Lunn, feitas em 1961, na Conferência de Edimburgo, organizada pela O. M. S. para a formação médica:
1) Que os médicos não eram hoje convenientemente preparados pelo ensino que recebiam para as missões que lhes competiam;
2) Que dificilmente se poderiam definir os meios e as medidas para melhorar o ensino nas Faculdades porque, embora as possibilidades técnicas sejam numerosas, a sua aplicação prática é muito difícil.
E ali se afirmou que, efectivamente, a «medicina clássica» que se ensina nas organizações hospitalares-universitárias se faz em condições bastante afastadas do concreto - com lições magistrais e casos clínicos artificialmente seleccionados, que preparam mal o médico para o seu futuro papel na sociedade.
Paralelamente a essa medicina clássica, mas fora do hospital, desenvolve-se uma nova medicina, essencialmente preventiva -a medicina social-. que traz o cunho da nossa época e que se pratica em instituições extra-universitárias que os estudantes de Medicina, infelizmente, não frequentam. São raros os mestres que ali conduzem os seus alunos e os procuram interessar pelos actos de medicina preventiva que ali se realizam.
E indispensável que o médico de hoje, ao lado da sua preparação clínica, possa ser esclarecido sobre os problemas médico-sociais que passam por essas instituições extra-hospitalares, tome conhecimento dos problemas sanitários da região, conheça as instituições com que deve cooperar, aprenda a trabalhar em equipa e passe a interessar-se pelos problemas familiares, profissionais e sociais dos doentes. Os estágios nessas instituições seriam do maior proveito para o futuro médico.
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Nas cidades universitárias há instituições que poderiam ser escolhidas para estágios dos alunos, que aí se familiarizariam com vários problemas da medicina preventiva, contactariam com os flagelos sociais que atingem certas idades e certas classes, conheceriam certos problemas familiares delicados e relacionar-se-iam com vários sectores da assistência e da saúde públicas e da medicina do trabalho. Faz pena que eles não sejam devidamente aproveitados para tal fim.
Não se pode negar acuidade a este aspecto da preparação do médico moderno. O problema do ensino do estudante no sentido da. prevenção é de tal modo importante que a 16.a Assembleia Mundial de Saúde, reunida recentemente, analisou detidamente o «Ensino médico e a formação profissional do médico em matéria de aspectos preventivos e sociais da prática clínica». E já não são poucas as Faculdades onde começam a aparecer teses sobre temas de medicina social. Na Noruega, o estudante de Medicina faz um estágio pós-universitário de seis meses como adjunto do funcionário sanitário distrital, e em Copenhaga, Hamburgo, Oslo, Amsterdão e Nancy também os estudantes fazem correntemente estágios extra-universitários em instituições de saúde pública. Noutras Universidades os estágios são feitos em serviços médicos de- família (Edimburgo) ou em serviço social hospitalar (Bruxelas) ou no sistema de home care (Londres).
Aqueles ilustres mestres de Nancy, a que há pouco me referi, embora considerem difícil a montagem e funcionamento de tal sistema, têm-nos por indispensáveis e urgentes, de modo a preparar os novos médicos para a função social que têm de desempenhar.
As nossas actuais condições e, ainda mais, as dos anos futuros exigem que os médicos que saem das Faculdades venham preparados com os indispensáveis conhecimentos de medicina preventiva, tenham consciência perfeita do seu valor e da necessidade da sua larga aplicação entre nós e estejam em condições de .poder aplicá-los. E é preciso também que tragam uma noção clara do que são as necessidades reais deste país em matéria de saúde pública, que conheçam os problemas em cuja solução podem e devem colaborar eficazmente e que saibam quais os serviços com que podem cooperar.
O desenvolvimento industrial cria novos problemas médicos cuja solução não é encarada, nem ao de leve, no ensino que actualmente se ministra nas nossas Faculdades. E as populações rurais têm sérios e graves problemas que não podem ser resolvidos sem a aplicação da medicina preventiva e sem uma acção permanente de educação sanitária. Os problemas demográficos e da industrialização crescem de ano para ano e reclamam providências sérias. Urge, portanto, pensar a sério em todos estes aspectos da medicina social, ajustar os programas a esses objectivos e arranjar professores que tenham preparação capaz e que estejam à altura de incutir no espírito dos futuros médicos um vivo interesse pela prevenção e pela educação sanitária.
O trabalho a realizar não há-de ser feito sómente com especialistas, sanitaristas ou técnicos de saúde publicai como, agora, naturalmente, se irão chamar. Tal como aqui disse a respeito da saúde mental - que os seus problemas não se resolviam só com psiquiatras, mas sim com o concurso de todos os médicos que tivessem alguma preparação para tal, também os nossos problemas da saúde pública hão-de ser resolvidos pelo concurso de todos os médicos e particularmente pelos práticos que vivem nas zonas rurais. Ponto é que a escola lhes forme o espírito no sentido de prevenção.
Não dou novidades a ninguém, focando aqui estes aspectos das nossas necessidades urgentes. O próprio Sr. Ministro da Saúde e Assistência, aliás, mostrou-se inteiramente senhor destes problemas ao proclamar, ainda recentemente, que «o grande combate a travar situa-se nos domínios da profilaxia e da prevenção», ao afirmar a necessidade da cooperação das populações, ao destacar a importância da educação sanitária, e ao dar conta do trabalho a que se entregou a Comissão Nacional de Educação Sanitária elaborando os programas da acção a desenvolver.
Aguardamos com o maior interesse o programa dessa Comissão, a que preside o ilustre director-geral de Saúde, que tão intensamente tem vivido os graves problemas da saúde pública. E aguardamo-lo com tanto maior interesse quanto é certo que o próprio Sr. Ministro declarou que a sua acção não se limitaria a campanhas de «duração breve, mas a uma acção permanente, e que a educação sanitária começaria pelo próprio pessoal dos serviços. Ele demonstrou já iniludivelmente o seu apego aos problemas da medicina preventiva, entre outras coisas, pelo interesse que tem revelado em pôr a funcionar a Escola Nacional de Saúde Pública (embora sem forças para vencer as resistências com que topou), na maneira como facilitou o projecto piloto de erradicação da tuberculose no distrito de Leiria e na forma como montou a campanha nacional de vacinações profilácticas.
Essa campanha de vacinações visa a imunizar a quase totalidade da população infantil contra a tuberculose, a tosse convulsa, a difteria, o tétano e a poliomielite. A campanha iniciou-se já com a aplicação da vacina viva, atenuada, contra a paralisia infantil, doença grave de que temos sofrido alguns surtos epidémicos. Andam por cerca de 250 os casos de poliomielite paralítica que todos os anos são comunicados aos serviços de saúde. Muitas destas crianças ficaram com déficit motor mais ou menos acentuado, e algumas delas grandemente inferiorizadas. Algumas vezes não só crianças, mas adolescentes, e até adultos têm sido atingidos.
A campanha em curso propôs-se imunizar 75 por cento da nossa população infantil com menos de 9 anos, que anda por 1 800 000 crianças. O plano foi bem concebido, bem estruturado e muito bem executado. O público acorreu à chamada, com uma frequência inesperada. Em vez dos 75 por cento, mais de 82 por cento das crianças dessa idade foram apresentadas para a primeira dose de vacina. No meu distrito, todos os concelhos tiveram uma frequência superior a 75 por cento e alguns houve em que se atingiram os 89 por cento (Lousa), os 96 por cento (Mira) e os 99 por cento (Polares).
O Sr. Proença Duarte: -V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Proença Duarte:-Era apenas para uma observação que me parece oportuno salientar, se é que V. Ex.ª não vai fazer-lhe referência.
Essa campanha foi bem estruturada, bem orientada e bem executada, disse V. Ex.ª Mas a execução, há-de dizer-se, e suponho que V. Ex.ª assim o reconhece, foi devida em boa parte ao espírito de devoção dos delegados e subdelegados de saúde e de todos os médicos, enfermeiras e toda a gente que contribuiu para que isso se realizasse, embora quase à custa do seu sacrifício pessoal, quer na ordem da utilização do tempo, quer até na ordem financeira, porque os meios e as remunerações que lhes atribuíram não puderam ser correspondentes ao esforço feito.
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O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª, mas eu não cometeria a indelicadeza e a injustiça de deixar de acentuar aqui o que ficámos devendo a toda essa gente.
Foi uma verdadeira mobilização geral, em que o público, os professores primários, o pessoal auxiliar de saúde, o do Instituto Maternal, o do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, os médicos e particularmente os subdelegados de saúde se deram as mãos,
em cooperação estreita e franca. Presto aqui a minha homenagem sincera a quantos se entregaram, com o maior entusiasmo e sem olhar a sacrifícios, à tarefa de preencher fichas e de imunizar a nossa população infantil contra essa tão grave doença. Muitos foram os professores e os subdelegados de saúde que, generosamente, com os seus familiares, passaram noites e dias a preencher fichas para que tudo estivesse pronto nas datas marcadas.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Graças a todos eles, estamos em vias de reduzir substancialmente os malefícios dessa doença, a caminho da sua erradicação.
O ficheiro conseguido, constituído por cerca de 2 milhões de impressos individuais, vai servir para outras vacinações profilácticas e é obra de inestimável valor.
Eu, que algumas vezes aqui reclamei a execução de campanhas de vacinação preventiva, não posso deixar passar esta oportunidade sem patentear, a quantos gizaram e levaram a bom termo, com pleno êxito, esta primeira fase da campanha, as minhas sinceras felicitações, esperando que as jornadas que se vão seguir tenham o mesmo admirável sucesso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -O público compreendeu o magnífico objectivo que se pretendia alcançar e confiou nos médicos que dirigiram a campanha. Ele não deixará de acorrer de novo para as doses que faltam para proteger eficazmente as crianças contra a paralisia infantil, nem deixará de comparecer para as demais imunizações. Aliás, correspondeu agora como o tinha feito aquando da vacinação pelo B. C.^G.
Como médico e como Deputado, quero deixar aqui uma palavra de profundo reconhecimento ao Ministro que promoveu esta excelente campanha, à direcção da Fundação Calouste Gulbenkian, que, mais uma vez, demonstrou o seu alto espírito e a sua generosidade, ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -... contribuindo tão largamente para esta tão meritória obra de saúde pública, e a Direcção-Geral de Saúde, que tão sabiamente a estruturou.
E deixo aqui o meu apelo ao Governo para que, neste quadragésimo ano da Revolução Nacional, possa solucionar ou orientar para solução justa os problemas a que acabo de me referir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Ao intervir na discussão da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano corrente, anunciei ocupar-me em breve, como já largamente o tinha feito na legislatura anterior, da maneira injusta como têm sido tratados os professores do ensino técnico, ensino que não pode ser diminuído, mas, pelo contrário, tem de ser especialmente acarinhado e incentivado, visto que, como disse o Sr. Ministro da Educação Nacional no seu regresso de Paris, onde foi assistir a uma reunião da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico, precisamos cada vez mais de técnicos que nos faltam largamente, como no referido organismo internacional foi justamente acentuado.
Antes, porém, de entrar nessa matéria, que me levou a pedir a palavra a V. Ex.ª, Sr. Presidente, desejo manifestar o meu contentamento pela ampla compreensão e receptividade que tem encontrado nos altos sectores da administração pública e no próprio Governo o problema que aqui, nesta Assembleia, foi largamente abordado por muitos Srs. Deputados: a precária situação económica dos servidores do Estado.
Por mim, regozijo-me por ver que, ao ter afirmado que a administração pública não disporia em breve de técnicos que pudessem levar ao fim os planos de obras em curso, não fiz mais do que sublinhar uma verdade, verdade que mereceu de dois ilustres directores-gerais -testemunhos qualificados - as afirmações que entendo aqui reproduzir. Assim, o Sr. Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, ao apresentar os cumprimentos de Ano Novo ao ilustre titular das Obras Públicas, disse, referindo-se ao vasto plano de obras em execução neste momento, que «causa sérias preocupações o seu integral cumprimento, devido não só às dificuldades cada vez maiores do recrutamento de pessoal operário com que lutam os empreiteiros ..., mas também pela dificuldade sempre crescente que há em preencher as vagas existentes nos quadros do pessoal técnico e administrativo de todos os sectores do Ministério». «Com efeito», continuou aquele alto funcionário, «as condições presentes da economia familiar do funcionalismo têm levado muitos, e alguns bem qualificados, a procurar situações mais remuneradoras, deixando em aberto posições que não tem sido possível fazer ocupar, pelo menos naquele nível a que estamos habituados e que não deveria descer.»
A estas palavras respondeu o Sr. Eng.º Arantes e Oliveira, a cujo labor público todo o País rende homenagem, que «sem dúvida se avolumaram dificuldades, designadamente no que se refere ao recrutamento da mão-de-obra e do pessoal técnico e da sua manutenção»
Ë de todos conhecida a sobriedade que caracteriza a Direcção-Geral de Administração Política e Civil, pelo que muito impressionou o País que quem a dirige -homem de estudo e de gabinete-, alheio a estados emocionais, afirmasse, ao cumprimentar, por igual motivo, o Sr. Ministro do Interior: «Preocupa-nos gravemente o problema do recrutamento do pessoal derivado da impossibilidade por parte do Estado e dos corpos administrativos de oferecer vantagens idênticas às proporcionadas pelo sector privado. E não só as dificuldades de recrutamento, mas também a frequência com que as empresas particulares conseguem atrair para o seu serviço os que mais se distinguem no exercício de funções públicas.» Depois de se referir, como nós o fizemos, «às limitações forçadas pelas circunstâncias que o Governo tem de enfrentar», também entende, como nós, o Sr. Dr. António Pedrosa Pires de Lima, que «o que importa decerto é encontrar as soluções que assegurem, tanto quanto possível, a repartição equitativa dos sacrifícios e evitar que sofram os próprios serviços públicos».
Ao ilustre funcionário respondeu, clara e oportunamente, o Sr. Ministro do Interior - honra lhe seja -, levando assim um raio de esperança aonde reinava o de-
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sespero, pelo que lhe são devidos agradecimentos gerais, dizendo, após judiciosas considerações, da sua esperança da melhoria da situação dos servidores do Estado, esperança que era quase uma convicção, pois, palavras textuais, «trata-se de uma decisão de plena justiça».
As preocupações que o Sr. Director-Geral de Administração Política e Civil publicamente demonstrou não são mais do que o reflexo das observações feitas através dos relatórios da Inspecção Administrativa do Ministério do Interior, como se deduz da leitura do Anuário daquela Direcção-Geral, onde já então o problema é posto, salientando-se o «desnível-das condições económico-sociais do trabalho entre o sector privado e o sector público» e afirmando-se, como nós o fizemos aqui — ó-nos sumamente agradável e honrosa a companhia —, que, «porque importa assegurar o funcionamento normal dos serviços públicos, estamos certos de que o Governo prosseguirá nos seus esforços para assegurar a equitativa repartição dos sacrifícios e suster o desequilíbrio apontado».
Sr. Presidente: Se a situação económica do funcionalismo público é a que, tão notoriamente, por todos os sectores é reconhecida, há, no entanto, situações de especial injustiça que merecem atenção especial, pois se arrastam de longe.
Tï o caso da situação do professorado do ensino técnico profissional, que merece atenção muito especial, até porque há que dar a este ensino incentivo que o leve a desempenhar, no desenvolvimento económico da Nação, a relevância que se impõe, necessidade imperiosa que, como acima referimos, recentemente o Sr. Professor Inocêncio Galvão Teles salientou e os organismos internacionais repetidamente o têm feito.
O Sr. António Cruz: —V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: — Faça favor.
O Sr. António Cruz: — Como V. Ex.ª pretende sempre encarar os problemas com a maior amplitude, permita-me uma pergunta. Ao falar de professores do ensino técnico, V. Ex.ª pretende apenas referir-se aos problemas do ensino médio classificado como técnico, ou a todos os professores de técnicas?
O Orador: —Pretendo apenas referir-me ao professorado das escolas elementares técnicas, visto que não tenho conhecimento directo e preciso da situação dos outros professores, que, no entanto, desde já adivinho, não é brilhante, como a de qualquer ramo de ensino.
O Sr. António Cruz: — Mas os outros professores, que também são professores de técnicas, estão na mesma situação dos das escolas elementares e complementares do ensino médio técnico, em matéria de remuneração. É o caso ainda de todos aqueles indivíduos que podem ocupar lugares técnicos dentro dos quadros do Estado, na medida em que exercem missão de professorado, pois concorrem para informar os outros técnicos. E o caso, por exemplo, dos bibliotecários-arquivistas. Estão numa situação de desigualdade perante os professores do ensino técnico, na medida em que, tendo tirado também um curso universitário, tendo feito um curso de especialização e um estágio, ao fim de três anos e meio ganham como um terceiro-oficial, que tem apenas o 5.º ano do liceu.
O Sr. Lopes de Almeida: — E um professor do liceu com 20 anos de serviço que apenas ganha 4500$?
O Orador: — Conheço a situação em toda a sua extensão, mas neste momento queria apenas referir-me ao ensino técnico, dando também a nota quanto à atenção que merecem os outros graus de ensino.
O Sr. Lopes de Almeida: — V. Ex.ª é um homem de causas justas, como todos nós sabemos, não só nesta Câmara, como em todo o País. Simplesmente, por essa mesma consideração, parecia-me que V. Ex.ª devia tratar o problema no seu enquadramento geral. É o problema da situação geral dos professores neste país.
Não falo dosdo ensino superior, porque esses, como para grande parte da consciência pública a Universidade está decadente, II fio ensinam nada e portanto não merecem coisa nenhuma.
(Risos).
Mas ao menos que os outros três graus do ensino mereçam alguma coisa.
O Orador: — Sinto-me muito honrado pela intervenção de V. Ex.ª e aproveito a oportunidade para dizer que o considero um dos homens que mais dignificam esta Câmara, como toda a vida pública deste país. E, se não tivesse outro motivo para me regozijar pela intervenção de V. Ex.ª, bastava-me o ensejo que me dá de fazer esta afirmação, que é partilhada por uma legião de admiradores de V. Ex.ª
Mas quero dizer que o problema do professorado atinge todos os graus. Não sei como há rapazes distintíssimos, com qualidades de trabalho excepcionais, com saber notoriamente reconhecido, que ainda se sujeitam a estarem a ensinar nas Universidades. Para mim só há uma causa: a chamada «carolice» — permita-se-me a expressão —, o amor ao ensino, o amor à sua profissão. Conheço alguns autênticos valores que possivelmente já hoje, mas amanhã muito mais, farão muita falta à Universidade, que com grande pena, mas porque acima de tudo está o sustento da sua família, tiveram de abandonar a sua carreira universitária.
O Sr. Lopes de Almeida:— E que continuam a abandonar.
O Orador: — Na realidade, o professorado do ensino técnico bem merece que a sua situação seja revista, bem merece que os Poderes Públicos o coloquem no lugar a que tem indiscutível direito. Volto ao assunto com o mesmo entusiasmo com que já o fiz, e voltarei as vezes que for necessário, até que o Governo se resolva a dar solução ao problema. Sou homem pertinaz, quando, como neste caso, me sinto senhor da razão que defendo.
Examinando a situação, logo se nos depara este panorama: os quadros do professorado do ensino técnico são, desde há muito, estranha e lamentavelmente insuficientes, como aliás o são os de outros graus de ensino, nomeadamente o liceal, mas estou tratando do ensino técnico e dele não quero sair. Por conseguinte, muitos jovens habilitados com cursos destinados à função docente chegaram à conclusão de que não lhes valia de nada submeterem-se, depois de tantos anos de estudo, ao estágio pedagógico que se estabeleceu ser indispensável à efectividade, por saberem que esse acréscimo de trabalhos resultaria inútil, dado o limitadíssimo número de vagas de efectivos a preencher. Viram-se, portanto, na contingência de concorrer aos lugares de professores eventuais, que, esses sim, existiam — e continuam a existir — em elevada percen-
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tagem. Os seus vencimentos eram mais que modestos e, além disso, não lhes eram pagas as férias grandes. Mas, durante anos e anos, e porque o ensino deles precisava, mantiveram-se ao serviço, sempre com esperança em melhores dias.
Em 1957 - estavam ocupando funções directivas no sector da educação o Ministro Leite Pinto e o Subsecretário Rebelo de Sousa, a situação pareceu que ia, finalmente, ser resolvida, pois nesse ano, pelo Decreto-Lei n.º 41176, criou-se a categoria de professores extraordinários do ensino técnico e pelo Decreto n.º 41177 estabeleceu-se que, para adquirirem essa categoria, necessitavam os professores eventuais de: possuir a habilitação legal exigida para o ingresso no estágio do respectivo grupo e grau; ter prestado, como professores provisórios, um mínimo de dois anos lectivos completos de bom, consecutivo e efectivo serviço; obter boa informação, devidamente fundamentada, da Inspecção do Ensino Técnico Profissional.
Aqueles que se encontravam nestas condições puderam preencher vagas a partir de então abertas pela Direcção-Geral nas várias escolas técnicas e a este ensino ficaram vinculados por contratos de três anos, sucessivamente renováveis.
Era legítimo esperar-se que desta melhoria de situação resultasse, mais tarde ou mais cedo, a satisfação do mais premente e mais justo desejo dos professores que à categoria vitalícia de extraordinários ascenderam a remuneração durante os doze meses do ano , e aguardou-se que tão justa e humana aspiração se concretizasse! Até agora nada se conseguiu, como era de esperar.
Passando, embora, a cumprir contratos por três anos, continuam esses professores a ser considerados eventuais, e, como tal, persiste-se em se lhes atribuir vencimento somente no decorrer do ano escolar, isto é, com exclusão dos meses de Agosto e Setembro.
Como o Estado não tem podido prescindir da sua colaboração, eles têm continuado a prestar serviço, suprindo com a prática, com o «saber de experiência feito», a falta de preparação pedagógica que se julga ser exclusivamente proporcionada pelo estágio.
Alguns destes sacrificados professores leccionam e conseguem obter bom aproveitamento escolar há mais de 20 anos uma vida. E são eles que asseguram a sobrevivência do ensino técnico, porquanto a percentagem dos professores efectivos é verdadeiramente irrisória.
Havemos de concordar em que a classificação de eventuais, que se lhes atribui, é inteiramente despropositada. No fim de contas, e para além da substituição de um contrato anual por um outro que abrange períodos de três anos sucessivamente renováveis, não se vislumbra qual a vantagem da criação desta categoria para aqueles que a cia ascenderam, como se esperava viesse a suceder, como consequência da situação que louvavelmente aquelas disposições legais criaram.
A situação desses professores é de tal modo incompreensível que nem sequer são equiparados aos professores eventuais dos liceus em situação nada lisonjeira , que, licenciados ou não, podem auferir mais 1400$ mensais, quando o certo é que as remunerações dos efectivos dos dois ramos de ensino são rigorosamente iguais. Não é de admitir a disparidade.
O acima afirmado comprova-se pelo seguinte: há professores eventuais licenciados, no ensino técnico, que, por estarem colocados no 1.º grau, ganham apenas 2600$ mensais, enquanto nos liceus, mesmo os não habilitados com cursos superiores, recebem 40000$.
Como é possível justificar tal anomalia? Brada aos céus que tão flagrante desigualdade de tratamento se verifique em relação a professores do mesmo grau de ensino! E passa-se isto quando todos entendem que o ensino técnico tem que ser desenvolvido e cada vez mais eficaz.
Perante tudo isto, que se observa? Cada vez aparecem menos pessoas qualificadas com a disposição de se dedicarem ao ensino técnico, daqui resultando que as funções docentes estejam a ser exercidas, progressivamente em maior percentagem, ou por indivíduos com habilitações insuficientes, ou por elementos que, tendo ou não as habilitações legais, prestam a sua colaboração naturalmente corri a intenção primária de reforçarem os seus proventos, dispondo para tal de escassas horas nocturnas de leccionação, após o exercício da sua actividade noutra profissão.
Assim se vai criando, sub-repticiamente, um verdadeiro corpo de mercenários dentro do ensino.
Por outro lado, os que há muitos anos têm vivido exclusivamente do magistério sentem-se desmoralizados, sem estímulos de qualquer natureza, pelo que, desiludidos, vêm abandonando o professorado, buscando noutras profissões a remuneração a que a sua posição social lhes dá direito. E, finalmente, os que teimam em manter-se neste sector da educação nacional vêem-se na ingente necessidade de recorrer ao serviço extraordinário, com manifesto prejuízo da sua saúde e do rendimento escolar, que, neste como noutros sectores do ensino, compete acautelar, pois os resultados estão por vezes bem à vista.
Não terá ainda chegado a altura de ser feita justiça a estes homens que têm servido o ensino, mas a quem o Estado, além dê lhes atribuir parco vencimento, não reconhece o direito de viver em Agosto e Setembro, pois não lhes paga nesses meses? Será isto próprio de um Estado cristão que se rege pelas normas da moral e do direito e que obriga, e muito bem, os colégios particulares a remunerar todo o seu corpo docente durante os doze meses que o ano tem? Com que moral o faz? Com que direito impõe aos outros o que não cumpre?
E certo que a direcção-geral do Ensino Técnico tem ultimamente celebrado, com professores sem estágio, extraordinários ou não, diplomados pelos institutos médios, contratos trienais em moldes mais satisfatórios.
Mas, se por um lado é de louvar tal decisão, por melhorar a situação de alguns, por outro não se pode deixar de notar que ela vem aumentar ainda a injustiça de tratamento para com a maior parte dos professores extraordinários, em especial para com os habilitados com um curso superior, porquanto, pelas disposições inerentes a esses novos contratos, os ora beneficiados, além de lhes ficarem equiparados em vencimento, quando o grau das suas habilitações é inferior, ainda os ultrapassam pelo facto de lhes ser reconhecido o direito de receber o ordenado durante as férias grandes, legítima recompensa que aos outros se recusa.
Não se repara em que, com esta discriminação, esses outros se sentem ainda mais apoucados no que respeita à sua remuneração e, consequentemente, no prestígio das suas habilitações de grau universitário, assim diminuídas. Será que, dada a dificuldade de recrutamento de técnicos especializados, o ensino entrou na fase da lei da oferta e da procura? Não é necessário responder afirmativamente, pois a verdade é que é assim mesmo.
A manter-se tão deprimente situação, será naturalmente irrealizável, pelo menos em relação aos que pretendem abraçar o magistério, o louvável desejo do Governo de enriquecer as potencialidades humanas, desejo esse traduzido recentemente num despacho de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, pelo qual são tomadas
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algumas medidas que visam a fomentar a conclusão das licenciaturas.
Creio que este problema que estou tratando é um problema de verdadeiro interesse nacional e, porque assim é, a Assembleia Nacional, - que deve ser o porta-voz e a defensora das aspirações legítimas da Nação, não o tem descurado. Com efeito, outros ilustres Deputados, em diversas intervenções, têm para ele chamado a atenção do Governo, e em discurso que proferi na sessão de, 24 de Abril de 1963 nesta Assembleia, a ele me referi largamente, embora sem qualquer resultado positivo.
Por igual resultou infrutífera uma diligência em Julho do mesmo ano, acompanhado por uma comissão de professores extraordinários do ensino técnico, junto do muito ilustre Subsecretário de Estado da Educação Nacional, para quem de novo vou, pessoalmente, apelar, bem como para o Sr. Ministro daquela pasta.
Muito nos espanta, de facto, que a situação desses professores não tenha sido revista de então para cá, tanto mais que à referida comissão se deparou a boa vontade e compreensão do Sr. Director-Geral do Ensino Técnico Profissional e do Sr. Subsecretário de, Estado, a quem rendo as minhas homenagens pelo interesse que o caso lhe mereceu.
Apela-se daqui, mais uma vez, para que o problema de todos os professores extraordinários seja resolvido, pois ele cabe inteiramente nas «situações de flagrante injustiça» a que se referiu S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho na sua penúltima comunicação ao País.
Aliás, esses agentes de ensino nada têm pedido que possa ser considerado como não razoável pelo contrário, as- suas aspirações têm sido bem modestas e constituem o mínimo de justiça que se lhes pode prestar.
Na realidade, razoável seria ainda que se atenuasse a diferença actualmente existente entre os vencimentos dos professores do quadro e dos extraordinários, que é demasiado elevada, mesmo que só nos reportemos ao decurso do ano escolar, o tal único período em que a estes últimos se reconhece o direito à vida.
Vamos mesmo ao ponto de sugerir que o seu vencimento seja equiparado ao dos correspondentes professores do quadro sem diuturnidades, isto é, que os eventuais extraordinários do 1.º grau sejam igualados aos adjuntos, e os do 2.º grau, aos efectivos.
E não se nos responda que esta sugestão é pretensiosa e descabida; pelo contrário, afigura-se-nos inteiramente justificável, na medida em que semelhante equiparação já se verifica nos seguintes casos:
1.º O professor habilitado com um curso superior pode chegar a uma situação de efectividade numa escola técnica de Angola serem a exigência prévia de qualquer estágio, nem do curso de Ciências Pedagógicas, curso que, aliás, grande parte dos professores extraordinários possui;
2.º Na própria metrópole, e dentro do ensino técnico, os mestres provisórios auferem vencimentos iguais aos dos mestres efectivos, e, no que se refere ao serviço extraordinário do mesmo grau, a remuneração é também igual, quer se trate de professores eventuais, quer do quadro;
3.º Idêntico critério é seguido no Exército, pois os oficiais milicianos, quando em serviço, ganham o mesmo que os oficiais do quadro no activo, beneficiando também das outras regalias que a estes são concedidas.
Sr. Presidente: É urgente que o Governo se debruce sobre este problema de flagrante injustiça, isto é, que os vencimentos dos professores extraordinários do ensino técnico, vinculados por um contrato trienal, sucessivamente renovável, sejam equiparados aos dos correspondentes do quadro do mesmo ensino, sem diuturnidades, e abrangendo todo o ano civil. Ou então, se, atendendo às dificuldades resultantes da grave situação que o País atravessa, esta solução for julgada inoportuna, que, enquanto prevalecerem tais dificuldades, pelo menos os professores extraordinários habilitados com um curso superior e ligados ao serviço por contrato trienal recebam, durante os doze meses do ano, um vencimento igual ao dos eventuais do ensino liceal.
Sr. Presidente: A situação do professorado do ensino técnico, na sua generalidade, não pode continuar a ser portadora da injustiça a que me venho referindo. Nós não podemos exigir de homens que se sentem não só ofendidos nos seus legítimos interesses económicos, mas, mais do que isso, humilhados na sua categoria profissional e até nos seus títulos universitários, sabe Deus em muitos casos com que sacrifícios adquiridos, que se devotem, como urge, a uma missão verdadeiramente basilar para o País na hora que passa. Nem lhes podemos exigir devoção aos altos princípios que servimos, já que eles se sentem menosprezados à sombra dos mesmos. Isto assume, para mim, excepcional relevância, pois é um problema de carácter político.
Creio que é dever de todos nós contribuir para que a situação de desalento em que tão numerosa classe se encontra seja devidamente resolvida, e quanto antes, pois essa resolução já é mais do que tardia.
O nosso Estado é um Estado profundamente cristão, e como tal tem de considerar o homem como primeiro valor a ter em devida conta. Deixemos aos Estados anti Cristo do Leste o desígnio de o esquecer.
O homem acima de tudo; e, neste caso, temos de confessar que ele tem sido posto de lado.
Apelo aqui de novo, e repetidamente o farei, se for preciso, para o Sr. Ministro da Educação Nacional e para o Sr. Subsecretário de Estado da Administração Escolar, no sentido de, nas vésperas do quadragésimo aniversário da Revolução Nacional, ser prestada a justiça que é devida aos que outra aspiração não possuem senão auferir um mínimo de condições de vida e de dignidade no exercício de sua profissão, que sobremaneira honram e têm sabido prestigiar. A Nação deve-lhes já muito e muito mais precisa de lhes ficar a dever.
O País necessita dessa classe, mas, se necessita dela, também não a deve esquecer, como o tem feito até aqui.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: As minhas primeiras palavras são de homenagem a V. Ex.ª, que novamente preside a este órgão de soberania. A firmeza de orientação que todos reconhecemos no Sr. Prof. Dr. Mário de Figueiredo e a elevação com que conduziu os trabalhos da legislatura precedente dão-nos a certeza de que será mantido o êxito da actividade operante da Assembleia Nacional e o seu prestígio.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao ilustre leader, sempre devotado ao serviço da Nação, quero consignar aqui uma palavra de justa homenagem. As qualidades que exornam o Sr. Deputado Soares da Fonseca são garantia de que a sua actuação continuará a ser exercida em alto nível e benefício nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - A todos os colegas desta Câmara também saúdo e ofereço a minha leal camaradagem e colaboração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nesta intervenção vou ocupar-me de alguns problemas turísticos do distrito de Vila Real, círculo que tenho a honra de representar nesta Assembleia.
Mas, antes de entrar na análise desses problemas regionais, desejo salientar a impressionante evolução da nossa indústria turística, que é já a maior fonte de divisas de que o País dispõe.
As receitas provenientes dos turistas estrangeiros registaram em 1964 os 3,480 milhões de contos, ultrapassando uma vez mais as das exportações proporcionadas pelos têxteis (2,208 milhões de contos), cortiça (1,626 milhões de contos) e conservas de peixe (1,159 milhões de contos), mercadorias estas que tradicionalmente constituem as nossas principais exportações metropolitanas.
Como valor económico conta-se com uma receita do turismo da ordem dos 4,5 milhões de contos para 1965, segundo declarações públicas cheias de interesse, feitas em fins de Novembro próximo passado pelo Sr. Dr. Paulo Rodrigues, ilustre membro do Governo a quem o turismo já muito deve, e, a manter-se este ritmo de crescimento, há esperanças de já no ano corrente se atingir a meta dos 6 milhões de contos neste capítulo dos invisíveis, tão necessários ao equilíbrio exigido pelo nosso comércio externo.
E notável o ritmo de crescimento registado no turismo, mas urge levar os benefícios dos seus frutos até às pequenas cidades e vilas de província.
E a expansão desta indústria continuará, porque o aumento de nível de vida, a velocidade crescente das deslocações e o alargamento dos períodos de férias abrem roteiros turísticos mais amplos, que tendem a abranger-nos.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - O turismo das massas acorre ao nosso país em elevado número, e também é de interesse, pelo muito menor investimento de que necessita e porque as despesas que faz chegam mais directamente ao lavrador e comércio local.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em vários países o turismo por campismo corresponde a cerca de 60 por cento do turismo internacional, valor este tão importante que justifica se façam já também entre nós mais investimentos em parques de campismo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Muitos dos visitantes fixam-se, por desporto ou economia, em zonas aprazíveis onde encontram um mínimo de comodidades para a vida quotidiana, utilizando roulottes ou simplesmente tendas que transportam com o automóvel utilitário. Eles desejam encontrar sol, sossego e repouso.
Temos muitas cidades e vilas que reúnem boas condições para este tipo de turismo. E, como o turismo dá vida e animação por toda a parte onde se instala e circula, interessa fomentar a atracção e permanência regional dos turistas estrangeiros para essas cidades e vilas das províncias.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - No distrito de Vila Real, de que passo a ocupar-me, as infra-estruturas existentes não conseguem
corresponder em largas épocas do ano, apesar do que se tem feito, à afluência de. turistas, e isso será mais acentuado perante as torrentes cada vez maiores de visitantes. Por isso o Governo Civil, a Comissão Regional de Turismo, o Município e todos os vila - realenses estão vivamente interessados na instalação do parque de campismo de Vila Real.
Estudadas as localizações possíveis, fixaram-se num local aprazível junto ao rio Corgo, que, tanto os órgãos interessados, como a imprensa local e a própria opinião pública consideram excelente para a instalação do referido parque.
O projecto foi apresentado às entidades superiores e a repartição técnica deu sobre ele o parecer favorável há cerca de um ano. Torna-se necessário o auxílio do Fundo de Turismo para se proceder ao arranque das obras deste parque.
Vozes:- - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Do subsídio necessário para a construção do parque já foi concedida a verba de 435 contos por despacho do Sr. Ministro de Estado de 23 de Abril de 1962, que não foi logo utilizada por se terem levantado problemas técnicos de vizinhança que levaram o seu tempo a resolver.
Como todos estes problemas estão resolvidos e foi dado 1 ia cerca de um ano o parecer oficial favorável sobre o projecto, solicita-se que através do Fundo de Turismo se conceda quanto antes ou o subsídio global pedido (cerca de 800 contos), ou pelo menos se entregue numa primeira fase a verba de 435 contos concedida pelo referido despacho do Sr. Ministro de Estado, para que a Comissão Regional de Turismo possa dar início a esta realização, que tanta alegria dará aos Vila-Realenses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -E, como o protelamento do início das obras causaria o mais profundo desgosto à população de Vila Real, que tem acompanhado com vivo interesse todos os problemas ligados ao seu parque de campismo, confio que o Governo dará satisfação ao que aqui se lhe solicita.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Constituem grandes pólos de atracção turística as estâncias termais. Por exemplo, a Vichy, em França, ainda vão 120 000 pessoas por ano, a Montecatini, na Itália, vão ainda anualmente 150 000 aquistas, etc. A riqueza termal do distrito de Vila Real também deverá vir a ser uma das molas dinamizadoras do desenvolvimento turístico daquela linda região. Algumas das suas termas, depois de dotadas com as instalações necessárias e feita útil propaganda, a elas acorrerá um grande número de nacionais e estrangeiros que pretendem aliar o descanso com o tratamento dos seus males.
As Caldas de Chaves, por exemplo, com águas do tipo das de Vichy, logo que esteja executado o projecto de instalações estudado, reunam todas as condições para funcionarem durante todo o ano. Estas águas são já muito procuradas por doentes do fígado, aparelho digestivo e reumatismo e são também muito benéficas para a recuperação de fracturas.
Dado que Chaves está no centro de uma região termal constituída por Pedras Salgadas, Vidago e Carvalhelhos, seria do maior interesse a instalação nessa cidade de um centro de repouso ou messe para as forças armadas quando regressadas do ultramar ou em serviço nos quadros metropolitanos, para facilitar um tratamento termal económico aos que dele carecessem. Para isso poderão ser aproveitadas instalações existentes nessa cidade e perten-
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centes ao Ministério do Exército, como, por exemplo, o Forte de S. Francisco, que tem várias dependências bem conservadas e facilmente adaptáveis à obra que se pede. Com um pequeno investimento se faria obra meritória para benefício das forças armadas, que com tanto brio bem cumprem no ultramar as missões ditadas pela consciência nacional. Ao Sr. Ministro da Defesa, que tanto se interessa pelo bem-estar das forças armadas, aqui deixo este apelo, para lhe dar o seguimento mais conveniente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ainda no distrito de Vila Real me quero referir às águas das Caldas de Carlão, excelentes para doenças de pele, doenças do aparelho respiratório e reumatismo. O seu desenvolvimento tem sido dificultado pela falta de vias de acesso fácil. A construção de um troço de estrada municipal com cerca de 6 km ligando a povoação de Carlão a estas Caldas virá acelerar a sua rápida expansão.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: -Por isso daqui se solicita no Sr. Ministro das Obras Públicas, sempre atento às necessidades dos meios rurais, a comparticipação para esta obra de grande interesse regional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nesta hora nacional em que somos atacados de vários quadrantes, o turismo não é para Portugal apenas uma indústria de grande interesse económico, ele é também um meio de informação do alto valor que os estrangeiros colhem por si próprios, a contrapor às campanhas difamatórias desenvolvidas lá fora contra nós por más intenções políticas.
Por isso o turismo tem um grande valor político.
Os que cá vierem passarão a conhecer-nos e todos os de boa fé passarão a apreciar-nos melhor.
O Sr. Sousa Rosal: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Sousa Rosal: - É apenas para fazer um ligeiro apontamento que confirma inteiramente a impressão que V. Ex.ª tem do efeito do turismo sobre a propaganda do País.
Esteve no Algarve há muito pouco tempo um grupo de suecos, cerca de 70. Todos nós sabemos como Portugal é tratado na Suécia, com manifestações de incompreensão pela nossa política ultramarina e maneira de viver. E verificou-se que esses suecos, ao partirem de Faro, de avião, levaram lágrimas nos olhos, com saudades do calor humano do nosso povo e melhor compreensão da nossa maneira de ser.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o apoio e confirmação que veio dar à ideia que estou expondo.
A ordem nas ruas e nos espíritos, o desenvolvimento do nosso país e a hospitalidade da nossa gente dão a quem nos visita testemunho da verdade. Muitos deles passarão a ser normalmente elementos imunizados contra os slogans corrosivos com que sem verdade e de má fé nos III no estrangeiro.
O Orador: - Sr. Presidente: Tem sido notável o esforço feito no sector do turismo e são de relevo os frutos obtidos. Mas importa espalhar esses frutos benéficos pelas cidades e vilas da província e que todas as entidades e pessoas de boa vontade colaborem nesta tarefa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao lado da acção do Estado, muito interessa o esforço dos municípios, das organizações culturais e profissionais. A batalha do turismo está em marcha, teremos que ganhá-la, porque essa vitória é necessária ao crescimento económico e à defesa nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As minhas últimas palavras são de justa homenagem e estímulo ao Governo e a todos os que devotadamente trabalham neste importante sector, que no meio das várias dificuldades estão a realizar obra tão meritória.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cazal Ribeiro: - Sr. Presidente: Revestiu-se do maior interesse a exposição feita pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, aos membros desta Assembleia, sobre o momento internacional e a sua incidência na política externa portuguesa.
O Sr. Doutor Franco Nogueira, que todos nós, sem dúvida, admiramos pela sua extraordinária combatividade e pela inteligência lúcida e serena com que aborda todos os problemas, mesmo os mais difíceis - por vezes em meios que nos são hostis, não pela qualidade dos nossos inimigos, mas pela quantidade -, deu, a todos os presentes, uma noção perfeitamente clara dos principais factos que influenciam a estabilidade do Mundo.
Não será, portanto, de mais juntar às palavras de vivo aplauso que ria altura foram proferidas por alguns Srs. Deputados as minhas; e digo-as, manifestando a mais viva admiração por quem tão nobremente interpreta, e o faz com tão arreigada fé, o pensamento do Sr. Presidente do Conselho, numa das mais extraordinárias facetas da sua missão de governante insigne.
Estas reuniões, de carácter privado, têm o maior interesse para os membros desta Câmara, pelo menos para aqueles que, como eu. muito têm que se esclarecer para melhor cumprirem a sua missão e fazerem mesmo uma ideia mais exacta do momento político nacional, tantas vezes influenciado por acontecimentos externos de difícil compreensão c, ainda, mais difícil explicação ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Foi a primeira reunião desta natureza a que assisti e, pelos esclarecimentos obtidos, julgo que seriam da maior utilidade contactos semelhantes entre membros do Governo - principalmente titulares de pastas que, pelas suas características, mais se prendem com o .aspecto eminentemente político desta Câmara - e os Deputados, que devem, como o indica a Constituição, colaborar na administração pública.
Vozes: -Muito bem!
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O Orador: - Quantas incompreensões se evitariam, quantas dúvidas seriam esclarecidas (mesmo antes de serem formuladas) e, sobretudo, quanto seria útil, repito, para todos nós, o estabelecimento de um contacto que, embora tirando algum do precioso tempo de quem na gerência das pastas ministeriais tem esgotante trabalho, veria, certamente, mais compreendida a sua acção e, muitas vezes, menos subestimadas medidas que só desconhecimento do seu fundamento tornam de menos fácil apreensão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não sei se aquilo que aqui sugiro já constitui um hábito, mas, se tal sucede, que se repita, pelo menos na medida em que se entenda deverem esclarecer-se os membros da Assembleia Nacional; se não, que se inicie uma era de mais íntimo, de mais estreito, contacto entre quem governa e quem tem como missão colaborar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Eu, por mim, sentir-me-ia muito mais à vontade para entrar na discussão de determinados, problemas que, pela sua complexidade, requerem estudo mais profundo e compreensão mais adequada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O País vive um momento difícil. E função de quem ocupa determinados cargos políticos, repito, colaborar, e colaborar em tudo, até no tempo que por vezes se faça eventualmente perder com pedidos de explicações que seriam evitados se houvesse prévio conhecimento das razões que determinaram certas atitudes, certas medidas.
Vozes: -Muito bem !
O Orador: - Não se trataria, é evidente, de solicitar apoio, mas apenas de «fazer o ponto» sobre matéria de interesse nacional que não vincularia os Deputados nem longe de mim tal ideia - subordinaria quem, pelas altas funções que exerce, tem de actuar livre de pressões e, portanto, com inteira independência e objectividade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, Sr. Presidente, bem como os Srs. Deputados, os minutos que lhes roubei; mas achei de tal forma útil, para todos nós, a tão brilhante exposição realizada pelo Sr. Ministro Franco Nogueira, em sessão privada, que bem gostaria ver constituir um hábito a presença em iguais circunstâncias de alguns membros do Governo que a tal se dispusessem. O interesse geral sobrelevaria, certamente, o incómodo que, para SS. Ex.ªa, tal facto pudesse representar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se, em primeiro lugar, à eleição da Comissão de Defesa Nacional, para depois se continuar com a discussão, na generalidade, do propecto de lei sobre a preferência no provimento de lugares do ensino primário.
Interrompo a sessão por uns minutos, para serem organizadas as listas.
Eram 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: -Está reaberta a sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a votação. Fez-se a votação.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação.
Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Coelho Jordão e Nunes Fernandes.
Fez-se o escrutínio.
O Sr. Presidente: - Está concluído o escrutínio.
Entraram na uma 79 listas.
Foram eleitos por 79 votos os Srs. Deputados:
António Furtado dos Santos, António .
Moreira Longo,
Avelino Barbieri Figueiredo Batista
Cardoso, Fernando Alberto de Oliveira,
Gabriel Maurício Teixeira,
Jerónimo Henriques Jorge,
Luís Àrriaga de Sá Linhares,
Luís Folhadela de Oliveira,
Manuel Amorim de Sousa Meneses e Manuel de Sousa Rosal Júnior; por 78 votos foi eleito o Sr. Deputado Henrique dos Santos Tenreiro.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Araújo Novo.
O Sr. Araújo Novo: - Sr. Presidente: As minhas primeiras palavras são para saudar V. Ex.ª A isso me obriga um imperativo da inteligência, que o é também do coração.
Da inteligência, que avalia os altíssimos serviços por V. Ex.ª prestados à Nação em tantos momentos e em tantos cargos de particular responsabilidade; que aprecia os dotes de carácter e isenção que em toda a sua vida têm acompanhado V. Ex.ª e que ninguém, com justiça, lhe pode regatear; que tem na devida conta os talentos invulgares com que Deus generosamente o dotou e que, em tantas oportunidades, tem posto a render ao serviço do bem comum.
Do coração - porque em cada Deputado conta V. Ex.ª um amigo que simultaneamente é um admirador dos seus predicados do coração que com todos igualmente, reparte, num exemplo de afectividade espontânea, t fio natural e tão digna que é uma lição.
Aos ilustres colegas quero dirigir também unia palavra de saudação e fazer-lhes a promessa de que poderem contar com a minha leal colaboração.
Sr. Presidente: No provimento dos lugares públicos feito por concurso, é o princípio do recrutamento do mais apto que deve prevalecer. Vai nisso o interesse dos serviços, o reconhecimento dos méritos de cada um e a aplicação d» boa justiça, que inteiramente se conforma com esta prática.
Razões ponderosas, porém, podem obrigar o legislador a criar um regime de preferência, Razões ponderosas, repare-se, e não quaisquer razões. Só aquelas podem determinar ou tornar aconselhável um comportamento que abandone o princípio geral, isto é, um regime anómalo, ou seja um comportamento de excepção.
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Como é sabido, as preferências podem ser relativas e absolutas. Se as primeiras, em igualdade de condições, consentem no desempate por mais esta ou aquela razão, as últimas excluem todos os outros concorrentes, uma vez verificadas as condições que as fazem nascer.
Quanto às preferências absolutas, excepcionais como são, têm de fundamentar-se necessariamente em razões de ordem e interesse público, isto é, razões tão fortes que em si tenham justificação e por si afastem a possibilidade de criar a revolta nos preteridos.
Serão as razões de preferência no provimento de lugares do ensino primário suficientemente fortes para justificar um tratamento de excepção?
Ë o que vamos procurar analisar em seguida, nas breves considerações que nos propusemos fazer acerca do projecto de lei em discussão e ao qual damos, na generalidade, o nosso voto favorável.
Nas palavras que antecedem este projecto o seu ilustre autor, Sr. Br. Borges de Araújo, dá claramente a conhecer o duplo objectivo que o inspirou:
O benefício da unidade do lar, com todas as vantagens de ordem moral e material que essa unidade comporta, por um lado;
A compilação num só diploma de toda a legislação que trata da preferência dos cônjuges, por outro.
Se este último objectivo tem um interesse pequeno, embora não despiciendo, o primeiro desentranha-se em consequências de vulto, bem dignas de alguns momentos de reflexão.
E sobre estas consequências que nos propomos dizer algumas palavras.
O artigo J2.º da nossa lei fundamental prescreve:
O Estado assegura a constituição e defesa da família, como fonte de conservação e desenvolvimento do povo português, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social e como fundamento da ordem política e administrativa, pela sua agregação e representação na freguesia e no município.
E no artigo imediato, se dizer em que assenta a constituição da família, iguala os direitos e deveres dos dois cônjuges quanto à sustentação e educação dos filhos legítimos.
Não satisfeita com esta enumeração dos graves deveres dos pais, vai mais longe rio artigo 14.º, onde comete ao Estado e às autarquias locais diversas obrigações em ordem à defesa da família, entre as quais aparece a de «facilitar aos pais o cumprimento do dever de instruir e educar os filhos, cooperando com eles ...», etc.
O projecto de lei em discussão, portanto, na medida em que procura assegurar a unidade do lar e acautelar benefícios de ordem moral e material à família, situa-se desde logo na linha do pensamento que informa a nossa Constituição Política, a qual impõe, como vimos, se proteja a família e os valores que a informam.
Em 1936, durante as comemorações do X Aniversário da Revolução Nacional, Salazar, fiel ao mesmo pensamento, depois de afirmar que não discutimos a família, observa que no seu seio «nasce o homem, educam-se as gerações, forma-se o pequeno mundo de afectos sem os quais o homem dificilmente pode viver».
E logo, em contraste e apontando os inconvenientes da destruição do agregado familiar, acrescentava com vigor: «quando a família se desfaz, desfaz-se a casa, desfaz-se o lar desatam-se os laços de parentesco para ficarem os homens diante do Estado isolados, estranhos.
sem arrimo, e despidos moralmente de mais de metade de si mesmos».
Quer dizer: a defesa da família é um dever imposto pela nossa Constituição, e constitui um problema simultaneamente político, social e humano, pois a família é o centro mais importante de toda a preparação para a vida.
No seu seio nasce e frutifica a noção de responsabilidade, os laços de simpatia, a capacidade de autodomínio, a predisposição para a tolerância mútua e a mais sã e firme educação alicerçada em anos de estreito convívio. Aí se temperam e retemperam os caracteres, a noção do dever, o culto da honra e do respeito, tanto pelos outros como por nós próprios.
Em nenhum meio como no familiar os valores tornam proporção e sentido para se fixarem na consciência do homem. Aí se a vigoram afeições; aí surge o primeiro sentimento de solidariedade inspirada pelo sangue e pelo inundo inesgotável de íntimos afectos que as horas de alegria e de tristeza vividas em comum fazem nascer e perdurar.
São tão fortes estes laços que mesmo quando deixamos de viver sob o mesmo tecto e nos dispomos a, por nós próprios, lutar num mundo estranho e distante, é ainda a lembrança da família e o respeito que lhe tributamos que nos faz proceder em ordem a esse respeito, protegendo-nos contra os outros e quantas vezes contra nós próprios também.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Tudo, pois, quanto possa servir para proteger e valorizar este incomparável e insubstituível património moral, fazendo que ele se amplie e perdure, merece ser estudado com afinco e ser realizado com determinação.
Fala-se no preâmbulo deste projecto de lei na unidade do lar e atribuem-se-lhe, com razão, virtualidades de ordem moral e material.
Alas que significa ter um lar?
Ter um lar não quer dizer de forma alguma que se possui uma casa. Quantos têm várias casas e desconhecem a alegria inefável de ter um lar.
Ter um lar, antes de mais, significa compartilhar afectiva, moral e materialmente da comunhão de vida e sentimentos que sob o mesmo tecto nascem, se fortalecem o acabam por irmanar e ligar indestrutivelmente os que ali habitam. Tudo isto mercê de um calor humano sem paralelo que transforma a família e os seus problemas no objecto dos nossos cuidados permanentes, fazendo-os exemplo, lição e fonte constante de ensinamentos morais para os que hão-de continuar-nos no tempo.
O lar tem de sei- centro de atenções, qualquer coisa que em cada momento havemos de procurar enriquecer com o nosso amor e onde os dois cônjuges têm de levar a bom termo a delicada missão de educar os filhos, de modo a torná-los úteis a Beus, à Pátria e à própria família donde provêm.
Mas na formação do homem não pode dispensar-se a colaboração contínua e assídua dos dois cônjuges.
Não basta aos pais transmitir a vida. Torna-se indispensável enriquecê-la, completando-a com os tesouros provenientes dos esforços individuais, tendentes a permitir que, no futuro, novos lares se formem e neles se conservem e porventura se ampliem os valores que a educação paterna procura incutir nas almas, de modo a serem inteiramente capazes de, por sua vez, contribuir para o progresso moral da sociedade em que vivem e de transmitir o testemunho às gerações futuras.
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Num lar onde se acautela a unidade, os pais dão-se sem sacrifícios nem reservas para que se aperfeiçoem cada vez mais os filhos do seu amor, que são sangue do seu sangue, carne da sua carne, vida e razão de ser da sua própria vida.
Aí o homem já não é o egoísta inerte sem outros desejos que os prazeres de um dia. A sua honra e a sua gloria são honra e glória dos seus.
«Ora, a capitalização deste admirável património moral», observa um grave autor, «estimulada pelos mais profundos instintos naturais de fraternidade, representa um esforço ingente de trabalho contínuo, de lutas dignificadoras, de vitórias magníficas sobre a indolência, a covardia, o egoísmo estreito, os desânimos estéreis, a futilidade superficial ante a grande seriedade da vida. Destarte a virtude aperfeiçoa-se; estreitam-se as tradições domésticas; uma corrente de amor operoso e dedicado liga as gerações passadas às futuras; as consciências individuais elevam-se e ampliam-se na solidariedade universal e a longa cadeia humana prolonga-se, forte e indestrutível, na solidez dos seus elos.»
Quer dizer: interesses de ordem moral; interesses de ordem material, que tantas vezes facilitam os primeiros; interesses de ordem social e política; interesses de ordem pedagógica ante a responsabilidade da educação que pesa sobre os pais e que o Estado constitucionalmente tem a obrigação de fomentar, facilitar e defender exigem a unidade do lar.
Sr. Presidente: São hoje muito grandes e muito numerosos os inimigos que a família tem de enfrentar e vencer. Não são certamente o menor as exigências crescentes da vida dos nossos dias, que tantas vezes obrigam os pais a afastar-se da sua casa, comprometendo a solidez e a unidade do seu lar, por terem de procurar ao longe o pão de cada dia. E o emprego distante, a vaga oportuna que surgiu e que não convém perder em ordem a assegurar o pão de que os seus familiares carecem. Isto é frequente, de quase todos os dias.
Pois bem. Privados da presença paterna durante a maior parte do ano, os filhos em idade tenra são as primeiras grandes vítimas da falta dessa presença tutelar que nada pode substituir completamente. E certo que os inconvenientes podem ser diminuídos graças à Igreja e à escola, mas nunca podem ser de todo evitados.
E chegamos à idade escolar, onde, a par da instrução, os jovens vão receber uma educação complementar.
Aqui se enxerta, pela natureza da função da escola, uma parte do problema que estamos a discutir. Ora vejamos:
Por força da sua delicada missão, a escola primária encontra a criança numa idade em que a receptividade aos benefícios e malefícios, de tudo que a cerca, é maior. Tudo se lhe grava na sua memória fresca, tudo ficam nela para durar pela vida fora. Isto faz com que a escola primária constitua para a criança, mormente para aquela cujos pais vivem quase permanentemente fora de casa, a sua segunda família.
Deste modo o professor tem um pouco na suas mãos também o futuro moral das gerações que se lhe entregam. Ele transmite e alonga a sua própria personalidade, quer pela palavra, quer pelo exemplo, àqueles a quem instrui e educa. Por intermédio dos alunos, vai, digamos assim, até onde possivelmente nunca pode chegar, está presente onde, por ventura, nunca foi, vê-se completado num gesto ou num desejo que um dia apenas esboçou ou sentiu despontar momentaneamente no seu coração.
O professor multiplica-se espiritualmente nos seus discípulos e cria para si, por isso mesmo, um certo privilégio estranho de ubiquidade: os caracteres que forma, as vontades que fortalece, as inteligências a que dá luz, hão-de reflectir sempre um pouco do seu carácter, uma parcela da sua vontade, um facho maior ou menor da sua inteligência, um pouco mesmo da sua felicidade de viver ou os malefícios provenientes da falta dessa felicidade.
Os homens vivem a copiar e a imitar aquilo que os impressiona. O professor que a tantos vai impressionando pela vida fora, no seu trabalho de todos os dias, mesmo sem querer nem dar por tal, empresta parte da sua personalidade intelectual, moral e psíquica aos alunos que o escutam, o admiram e, naturalmente, acabam por imitar.
Isto é verdadeiro para todos os graus do ensino, mas é o sobremodo para a instrução primária, onde, como já acentuei, a receptividade da criança é muito maior.
Tudo a que, nessa idade, ela assiste e de certo modo vive, vai influenciar-lhe a vida inteira. É que o educador modela à sua imagem e semelhança as almas em formação. Daí o poder ser fonte de luz ou abismo de sombras, se a sua missão trouxer ao de cima dramas morais, dificuldades económicas, revoltas psicológicas, angústias que se enraízem na sua vida familiar difícil, ou quiçá no seu lar desfeito.
Aqui temos, Sr. Presidente, mais uma razão ponderosa para procurarmos assegurar a unidade e prosperidade do lar dos professores primários, promovendo e facilitando desse modo as condições de uma eficiente, salutar e útil missão educadora, que a esses abnegados jardineiros de almas está confiada.
Que mais razões será necessário invocar para defender a preferência dos cônjuges e justificar o regime de excepção que ele constitui?
Sr. Presidente: Vou terminar. Não quero, porém, deixar esta tribuna sem formular ainda um voto: que a preferência de que vão beneficiar os professores primários se estenda, com a possível brevidade, aos outros graus do ensino, se possível, a todo o funcionalismo, que, mercê das suas ocupações nas mais diversas repartições do Estado, das autarquias locais ou dos organismos corporativos, vêem tantas vezes a unidade dos seus lares desfeita, os seus magros rendimentos diminuídos e o que é pior os filhos criados e educados à mercê dos instintos, sem o espartilho salutar e inestimável da vigilância paterna, a qual, por mais incompleta e imperfeita que seja, ainda é a melhor e mais recomendável que se conhece.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Giraldes: - Sr. Presidente: O projecto do Sr. Deputado Borges de Araújo tem todo o meu aplauso pela ocasião que nos dá de nos debruçarmos sobre os problemas da vida do professorado primário, essa prestimosa classe, que merece toda a nossa atenção e nunca será demasiadamente acarinhada e prestigiada.
Tenho uma família, já de certo modo numerosa, e sei bem, por experiência própria, quanto vale a colaboração insubstituível da escola primária no lançamento dos alicerces da vida intelectual e moral dos homens e mulheres de amanhã.
E se, quanto a mim, posso falar de colaboração, pois para meus filhos a escola é um complemento da educação que em casa posso e devo dar-lhes, temos que pensar que para muitos o professor primário é o primeiro, e para tantos ainda o último, durante a juventude, a falar-lhes em Deus, em Pátria, em sociedade, em dever, e a
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abrir-lhes a mente, não só à curiosidade intelectual, como às preocupações espirituais de que a nossa época anda tão falha e que é mister desenvolver a todos os homens para que sejam homens.
E, por isso, ao observar a situação destes autênticos cabouqueiros da mentalidade nacional em relação às suas necessidades materiais, aos outros funcionários e ao meio em que desenvolvem a sua- actividade não podemos deixar de concordar que não estilo no seu devido lugar.
O projecto em apreciação, procurando facilitar a unidade do lar dos professores primários, visa um dos aspectos do problema que tem importância e incidência na sua modesta economia familiar e na estabilidade e rendimento da função.
Mas não resolve o problema fundamental, que é o da situação do professorado primário no lugar que lhe compete na escala do funcionalismo público de acordo com a sua responsabilidade na formação de todo um povo e com o prestígio que é necessário dar à profissão para que possa conservar e aliciar elementos válidos capazes de exercer com competência e de corresponder ao seu papel valorizador do meio ligado à escola.
Na actuação dos vencimentos do funcionalismo que se espera e a que o Governo não deixará, certamente, de dar a possível urgência, é indispensável rever esta situação de forma a dar ao professorado primário o lugar que merece e a eficácia que a sua função exige.
Dou, portanto, a minha aprovação na generalidade ao projecto em apreciação, esperando que outras medidas venham dar solução total ao problema de que um dos aspectos parciais agora está em causa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental. A ordem do dia será constituída pela eleição da Comissão de Obras Públicas e Comunicações e pela continuação do debate na generalidade sobre o projecto de lei em discussão.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
José Dias de Araújo Correia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rui Pontífice de Sousa.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Arlindo Gonçalves Soares.
D. Custódia Lopes.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Hirondino da Paixão Fernandes.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA