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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 17
ANO DE 1966 2 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 17, EM 1 DE FEVEREIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a, sessão às 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi negada autorização ao Sr. Deputado António Ferrão Castelo Branco para depor, como testemunha, no tribunal judicial de Beja.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 46 840 e 46 842.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo agradeceu o voto de pesar que a Assembleia aprovou por morte da sua mãe.
O Sr. Deputado Henrique Tenreiro falou sobre a entrada do Rev.mo Bispo D. Júlio Tavares Rebimbas na Diocese do Algarve.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha evocou a personalidade da rainha D. Amélia.
O Sr. Deputado Moreira Longo ocupou-se do povoamento dos territórios ultramarinos por portugueses da Europa.
O Sr. Deputado André Navarro louvou as últimas providências tomadas pelo Ministério da Economia em favor da lavoura.
O Sr. Deputado Lopes Frazão tratou da situação dos médicos veterinários municipais.
O Sr. Deputado Aníbal Correia referiu-se às comunicações rodoviárias do distrito de Leiria.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade do projecto de lei que concede a preferência aos cônjuges no provimento dos lugares de professor do ensino primário. Usou da palavra o Sr. Deputado Pinto Buli.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto, dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Custódia Lopes.
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Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Eua.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Jorge Barros Duarte.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Sinclética Soares Santos Torres.
Teofilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: Estão presentes 86 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Carta
Sobre o projecto de lei acerca da preferência no movimento de lugares do ensino primário.
Telegrama
Da Câmara Municipal de Alijo a apoiar a última intervenção do Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido de autorização, feito pelo tribunal judicial de Beja, para que o Sr. Deputado António Ferrão Castelo Branco seja autorizado a depor como testemunha naquele tribunal.
Ouvido o Sr. Deputado sobre se via inconveniente para o exercício das suas funções de Deputado em ser autorizado, declarou que sim. Nestes termos, ponho a questão à Assembleia.
Consultada a Assembleia, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 17, de 21 de Janeiro, que insere o Decreto-Lei n.º 46 840, o qual autoriza o Ministério da Justiça a subsidiar pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, até ao limite de 40 000 000$, a construção de edifícios prisionais ou de estabelecimentos jurisdicionais de menores.
Para o mesmo efeito, está na Mesa o Diário do Governo n.º 19, de 24 de Janeiro, que insere o Decreto-Lei n.º 46 842, o qual equipara, para efeito de abastecimento de cantinas, a Polícia Internacional e de Defesa do Estado à Manutenção Militar quanto às facilidades de aquisição de géneros e quaisquer produtos, ressalvado apenas o direito de aquisição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto Araújo: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para agradecer muito reconhecidamente o voto de sentimento que V. Ex.ª se dignou mandar exarar na acta da Assembleia Nacional relativa à sessão de 25 de Janeiro último por motivo do recente falecimento de minha mãe.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como Deputado pelo círculo de Faro, desejo congratular-me nesta Assembleia Nacional pela forma tão elevada e cheia de significado como a população da Diocese do Algarve recebeu o seu novo bispo, Sr. D. Júlio Tavares Rebimbas.
O novo prelado insere-se na teoria ilustre dos bispos do Algarve, tão ligados à história de Portugal e, sobretudo, a duas constantes: da vida portuguesa: a nossa expansão pelo Mundo e a actividade piscatória.
O Sr. D. Júlio veio da Diocese de Aveiro, uma terra sempre voltada ao mar, e vai servir na Diocese do Algarve, filha também do mar. Acentuo, Sr. Presidente, o que isto tem de simbólico, na convicção de que a experiência já colhida pelo novo pastor na diocese de origem vai ser extraordinariamente proveitosa às populações que me honro de representar nesta Câmara.
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«Nada sem o bispo». A confirmação de um querido doutor da Igreja renova-se em nossos dias, na multiplicidade das tarefas que hoje esperam os que a servem e com ela a Pátria.
Nesta hora de renovação em que a voz do Concílio Ecunémico Vaticano II traduz uma esperança para a nossa pobre humanidade, as palavras pronunciadas pelo Sr. D. Júlio na sua preclara saudação pastoral inserem-se naquela visão perene que é a força da Igreja-Mãe. «O nome da Igreja enche a história», como salientou o novo prelado. Ele, representante dessa Igreja, anunciará a todos, crentes e descrentes, a boa nova da salvação e da paz.
O bispo é portador, para os homens da Terra, de uma mensagem que permite ao corpo social realizar, na vida de todos os dias, os caminhos da justiça social e da harmonia fraterna. A voz de D. Júlio remonta à vetusta Sé de Silves, ressoa em uníssono com a dos santos, guerreiros, monges e bispos, ordens militares e religiosas, povo, príncipes e reis que fizeram cristã e portuguesa a terra amorável do Algarve.
Eu vi, Sr. Presidente, o entusiasmo, a devoção, a fraternidade, que ontem brilhavam nos olhos e aqueciam os corações dos homens do mar, dos meus queridos pescadores do Algarve e de Ilhavo.
Todos eles se associaram aos que trabalham nas fábricas e nos campos, aos pobres, aos ricos, às crianças, para repetirem a saudação evangélica: «Bendito o que vem em nome do Senhor».
A voz do Algarve era ainda a voz dos seus filhos ausentes, os que em mares longínquos ou em terras estranhas trabalham e lutam, granjeiam o pão, sempre com a terra que lhes foi mãe na memória e a saudade dos que lhes são queridos no coração.
D. Júlio sucede a um outro egrégio bispo da Igreja: Frei Francisco Rendeiro, que, na devoção do seu luminoso destino, vai agora servir na Diocese de Coimbra, e alegra-nos saber que, noutra terra portuguesa, continuará o seu operoso labor.
«Alguém» vai servir a Igreja no Algarve. Isto quer dizer que as populações dessa terra maravilhosa continuarão, das alturas da serra às areias cintilantes onde o mar se espraia, a viver a grande aventura dos caminhos de Deus. E o acto de ontem revestiu-se de tão elevada dignidade que é bem um testemunho do que hoje em dia se passa no nosso país, onde um povo cristão continua na unidade e na paz a venerar profundamente as suas tradições para um Portugal uno e indivisível.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: O sábio jesuíta Dr. Ferreira Fontes, ao pronunciar a oração fúnebre nas exéquias solenes que se realizaram na minha terra natal sufragando a alma de el-rei D. Manuel II, disse: «Abaixo de Deus a Pátria; acima da Pátria só Deus». Sirvam estas palavras como aviso para quem porventura possa encontrar no que vou dizer motivo que possa ferir a sua sensibilidade. Todos nós, aqueles que gozámos o privilégio extraordinário de escutar aqui nesta sala o ilustre Deputado Sr. Dr. José Manuel da Costa a propósito do centenário dessa excelsa mulher que foi a Bainha Senhora D. Amélia de Orleães e Bragança, estamos ainda subjugados pela beleza, pelo encanto, pelo magnífico retrato que aquele nosso digno colega traçou da última soberana de Portugal ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e pela maneira como soube por igual retratar o ambiente daquela triste época que o País viveu.
Mesmo assim, quero também debruçar-me sobre o mesmo tema. É imperativo do meu coração fazê-lo, embora com o rico - com o risco não, com a certeza - do desdouro que vai cair sobre mim perante a comparação a que forçosamente todos seremos levados. Terei de falar para obedecer ao meu coração - e eu gosto de obedecer-lhe! Eu prefiro mil vezes o homem de coração, com os riscos que já tenho sofrido e pago, com os deslizes a que se é levado e que já tenho cometido, do que algumas almas que vagueiam para aí cheias de pregas, de esconderijos, com a tábua das matemáticas a ditar todas as suas posições e todas as suas palavras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Podem criar em sua volta, por momentos, um certo hálito de beleza. Mas é a beleza fria do mármore e do bronze, porque lhe falta o calor humano. E com toda a minha alma, pois, Sr. Presidente, que vou falar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ouvi ou li, já não sei bem, que o homem é, acima de tudo, aquilo que lhe segredaram no berço. A excepção não pode desmentir a regra. O homem é aquilo que lhe segredaram no berço. Pois bem. A Rainha Senhora D. Amélia foi, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a fada benfazeja dos meus sonhos de criança. Ficou-me para sempre a sua imagem: alta, esbelta, raramente formosa, com um traço leve de sorriso a marcar-lhe a fronte, boa, profundamente boa, indulgente para com os que a rodeavam, segundo palavras de um velho servidor do Paço, mãe dedicadíssima à educação dos seus filhos e esposa amorosíssima, que o foi acima de tudo. em todos os momentos e circunstâncias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Rainha - li hoje no seu túmulo - no trono, rainha na caridade e rainha na dor. Rainha na caridade. Volto ao meu sonho de criança, nunca mais se apaga de minha mente aquele quadro alegórico em que a rainha se mostra de braços abertos, de manto estendido para recolher as vítimas da peste branca, então o maior flagelo da humanidade. Mas não só isso. Quantas benemerências lhe deve este país! Porque lhe fizeram tanto mal, se ela só tinha praticado o bem? Continuo a ouvir o Maia do Sameiro, o velho servidor dos Braganças, a dizer-me que muitas vezes, pela calada da noite, ela ia em busca dos infelizes, pelos bairros humildes, dando assim, sem atitudes espectaculares, um belo exemplo de solidariedade humana numa sociedade egoísta como aquela em que vivia. Ia, pela calada da noite, praticar o bem, distribuir a sua esmola, para além da sua presença e do seu sorriso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Rainha de cavidade. Em toda a parte em que foi preciso estar presente, o esteve. E até no exílio,
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quando a chamada «grande guerra» veio ao Sul da França, a rainha se ofereceu para servir nas fileiras da Cruz Vermelha. Religiosíssima, sempre presente em todos os actos religiosos, dando exemplo de fidelidade à Igreja, como rainha fidelíssima que era, embora nos tempos essa circunstância andasse esquecida. No Sameiro, na minha terra, a coroar a imagem da Senhora há uma coroa de ouro que, por subscrição pública, ali foi levada; ali está o maior brilhante das jóias da rainha, com que quis presentear a minha Senhora, a Senhora da minha terra.
A rainha estava atenta a tudo o que fosse de interesse nacional. Ficámos-lhe a dever a assistência nacional aos tuberculosos, que ainda hoje assenta nas estruturas então criadas. Ela foi na esteira dessa outra grande rainha de Portugal: a rainha D. Leonor.
Os reis e as rainhas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não eram tão maus como a história do nosso tempo nos quis fazer acreditar.
Ficámos-lhe a dever nesta nossa cidade de Lisboa o Museu dos Coches, que demonstra a preocupação artística da rainha. Como educadora que era, a ela se ficou a dever a viagem do príncipe D. Luís ao ultramar, o que não pôde evitar que se lhe fizessem as mais rudes críticas, como muito bem lembrou o ilustre Deputado Sr. Dr. José Manuel da Costa.
Eu disse, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a rainha tinha sido a fada benfazeja dos meus tempos de criança. Mas foi também - porque não dizê-lo? - a princesa encantada do sonho da minha juventude. Eu sonhei - e, porque sonhei, tenho de o dizer - que a rainha, numa manhã linda de sol, não numa manhã de nevoeiro, havia de subir este nosso Tejo, que só nos fala de glórias, e desembarcar no Terreiro do Paço; e que teríamos fanfarras, e que teríamos música, e que teríamos grinaldas em toda a cidade, da cor do céu de Portugal, da cor do manto da Virgem, que D. João IV proclamou como padroeira do reino e que o venerando Chefe do Estado vai todos os anos visitar ao seu solar, ao seu «altar do Mundo», a Fátima. Sonhei que a rainha devia vir, que o povo a ia receber e aclamar.
O sonho desfez-se talvez como fumo, mas, numa manhã de sol, a rainha veio. Não havia grinaldas, mas Lisboa estava coberta de crepes. Não havia fanfarras a tocar marchas alegres; mas havia fanfarras, bandas e cornetas a tocar marchas fúnebres. Eu tinha sonhado que o povo tinha de estar ali presente, e o povo desta nossa amada Lisboa compareceu a encher as ruas da capital para receber a Bainha Senhora D. Amélia. Como eu havia sonhado - também isso fazia parte do sonho da minha juventude -, a rainha, aos ombros dos marinheiros franceses, que a entregaram aos marinheiros de Portugal, veio pela mão de Salazar, que cumpriu assim um dever de gratidão. A rainha dedicara ao Sr. Presidente do Conselho e à sua obra a mais alta consideração.
Por um homem que viveu junto dela nos seus últimos dias me foi dito ... Oiçam isto certos monárquicos que por aí andam a rotular-se de independentes - independentes não sei de quê nem porquê! (Risos). Independentes do poder de quem simboliza o poder- real? Por certo que não. Independentes dos mais sagrados interesses nacionais? Também não pode ser.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando se tratou de redigir memorável documento em que se lhe pôs a necessidade de fazer determinada disposição, a rainha, agarrada a certos preconceitos, hesitou em fazê-lo. Mas quando alguém lhe disse que era vontade de Salazar que fosse assim, a rainha respondeu:
Mas porque não mo disseram? Faça-se, portanto, como Salazar quer.
Daí ter dito eu que, se houve um acto de justiça da parte do Sr. Presidente do Conselho para com a rainha, esta atitude da rainha foi também um acto de gratidão, dado o respeito, veneração e estima que a rainha tinha para com o Sr. Presidente do Conselho.
Meus senhores: Não posso, nem o tempo mo permite, fazer aqui uma análise completa da personalidade da Bainha Senhora D. Amélia, nem do tempo em que ela viveu. Mas faz hoje anos, precisamente 58 anos, que neste país se cometeu o mais nefando de todos os crimes. El-rei D. Carlos foi assassinado pelo crime de querer restaurar uma monarquia que já não existia, e neste momento, se me é permitido, quero discordar da frase atribuída ao rei de que reinava numa monarquia fiem monárquicos, porque monárquicos havia-os em Portugal, o que já não existia era a monarquia. Tinha morrido em Évora Monte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se me permitem, quero em duas palavras dizer o que penso sobre essa hora negra, em que a rainha D. Amélia se mostrou em toda a estatura, em que lhe foi dado beber todo o cálice da dor. Perguntou Ramalho Ortigão, ao ler uma notícia em que se dizia que a rainha tinha saído ilesa do atentado, como podia ter saído ilesa se lhe mataram o marido e o príncipe, pouco faltando para que lhe matassem também o outro filho?
O tempo precisa de ser analisado e precisam de ser causticados os homens que lhe deram origem. Não quero nenhuma espécie de solidariedade com os do rotativismo político da época. Os povos querem que os governos tratem a fundo dos problemas da administração e a verdade é que nos últimos tempos da monarquia só se tratava de partidarismos políticos, de fazer impor as conveniências dos próprios partidos, e foi por isso que el-rei D. Carlos, ao querer regenerar este país, chamou João Franco à cena política. Foi por isso que o mataram. Quem o matou? Sabemos que foi o Costa, o Buíça. Mas quem armou o seu braço? Só o partido republicano? Talvez não. O partido republicano não escapa às culpas que lhe cabem no assassínio, nem os seus chefes, nem os seus mentores, nem aquele jornalista e o outro consagrado escritor que tiveram conversas com o Costa antes da hora miseranda. Se não queriam, por solidariedade de seita, denunciar os nomes, tinham obrigação de apresentar à polícia o facto que se ia passar, para que esta tomasse as suas providências.
Mas ficaram cinicamente no anonimato, esperando o desenrolar dos acontecimentos, cinismo que só devia ter igual naquele outro poeta que em terras de Espanha dizia que não aprovava a morte do rei, mas que tinha lido o telegrama com os olhos enxutos. Como se qualquer pessoa pudesse esperar que ele chorasse a morte de D. Carlos!
Mas não me quero referir ao partido republicano. E preciso, aliás, distinguir entre os republicanos históricos, que dignamente, honradamente, fizeram a propaganda das suas doutrinas, e a demagogia, que lançou o ódio contra tudo o que cheirava à tradição que antecedeu a implantação da República.
A rainha D. Amélia viveu todos estes acontecimentos, ela que via a monarquia a ir por um caminho que estava
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à vista. Lembro-me de uma carta dirigida por ela a D. Manuel Bastos Pina, bispo-conde de Coimbra, em que ela pedia que não lhe escrevesse para o Paço, não queria que se dissesse que se «carteava» com o bispo. Era este o ambiente da época.
A rainha e o rei estavam já prisioneiros da Maçonaria, que tudo dominava. E procuraram reagir. Em Braga existe uma carta interessante em que D. Carlos pede ao seu ministro Vasconcelos Porto que impeça que o seu ajudante de campo, o general Craveiro Lopes, aceite o cargo de grão-mestre da Maçonaria.
A rainha viu matar o marido; a rainha viu matar o filho. Mas conservou a serenidade que a majestade lhe impunha.
Há quem a acuse de ter levado João Franco à demissão. Foi bem? Foi mal? Queria perguntar qual seria a mãe, qual a esposa, que perante o espectáculo que se lhe oferecia, perante o abandono a que o Paço tinha sido votado - os próprios cronistas da época se referem à pouca gente que foi esperar as majestades à vinda do Alentejo, porque os políticos não apareciam, e apareceu o povo, em tão grande número que ainda serviu de agasalho aos regicidas - ... o povo esteve sempre ao lado das majestades.
Quando D. Manuel II veio aqui para prestar juramento, a rainha, interessada, telefonou para saber como tinha decorrido o acto. E alguém respondeu que toda a pala se tinha posto de pé para aclamar o rei. Mas a rainha irritou-se com a resposta, porque o que ela queria saber era como o povo recebeu o rei na rua.
A rainha sabia que não há regime que consiga viver sem o apoio das massas populares - não tenhamos vergonha de confessá-lo, porque o confessou há meses o Sr. Presidente do Conselho. Longe do pensamento da rainha, longe do meu pensamento, que o Governo se possa escravizar à vontade dos homens da rua. Mas tem de satisfazer as suas mais instantes necessidades e procurar orientá-los, e não abandoná-los ao primeiro aventureiro que apareça na praça pública.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como disse há pouco, não atribuo apenas ao partido republicano as responsabilidades pela morte de el-rei D. Carlos., cuja morte constituiu uma grande perda nacional. Mais tarde, o próprio Machado Santos disse que D. Carlos foi um grande rei.
E o príncipe? Que crime tinha cometido para assim ser ceifado na flor da idade, ele que era a esperança desta nação, o alvo de todos os afectos? Que crime tinha cometido? Não atribuo só ao partido republicano as culpas no hediondo atentado, mas também, e sobretudo, aos políticos da época, que puseram os seus interesses partidários acima do bem da monarquia que lhes competia defender, como políticos monárquicos que eram. O próprio José Luciano de Castro, cuja devoção à monarquia e ao rei é indesmentível, chamado ao Conselho de Estado após a morte de D. Carlos, mostra que só sente em si o desejo de liquidar o franquismo e melindrar Júlio de Vilhena. Mais tarde, Júlio de Vilhena, porque não deram satisfação ao seu ardente desejo de ser presidente do Ministério, pediu a demissão. Não se diga que foi o povo que fez com que as majestades tivessem de ir buscar a fuga na Ericeira. Foram as grã-cruzes do Paço. O povo cumpre sempre o seu dever. E mentira que nas ruas de Lisboa tivesse havido regozijo pela morte do rei.
O contrário, sim. O comércio encerrou as suas portas, mas logo se disse que tinha sido por receio de motins.
A população trajou de preto. Se alguns canalhas houve a ultrajar os que haviam posto gravata preta, a culpa foi da autoridade, que não soube assegurar o respeito.
A rainha D. Maria Pia - VI há dias em Barcelos um seu retrato em que bem se vê quanto era voluntariosa - na noite do regicídio perguntou a António Cândido se o povo tinha pena da morte do rei. António Cândido não respondeu com palavras, mas sim com lágrimas. Mas bem poderia ter respondido que sim, que o povo já chorara o seu rei. Assim o demonstrou inequivocamente, tomando parte no funeral, silencioso, respeitoso e coberto de luto.
Na minha terra, segundo um jornal de então, a notícia do regicídio começou a espalhar-se pelo cair da noite e logo tocaram os sinos a defuntos, e logo toda a gente se cobriu de negro, e logo toda a gente foi rezar para que não viesse uma maldição sobre este país, e todos se agarraram a esta última tábua de salvação!
Não foram portugueses os que mataram o rei, foram estrangeiros. E eram-no de facto. Eram estrangeiros de alma, dementados por doutrinas estrangeiras, os mesmos que hoje querem que entreguemos Angola e Moçambique. Eram homens divorciados dos grandes princípios que fizeram a grandeza deste país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E a propósito - já uma- vez aqui disse que sou livre quanto o pode ser um homem -, quando acabam em certas igrejas orações a pedir o fim da guerra de Angola? Nós, não queremos que a guerra de Angola acabe; queremos que as armas portuguesas triunfem em Angola.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Muito mais teria que dizer. Falo com o meu coração e falam por mim as vozes que me segredaram no berço. Sinto que elas estão contentes por me verem falar desta maneira.
Volto à Bainha Senhora D. Amélia. O que foi a viagem dela ao Norte acompanhando o seu filho D. Manuel II! No Porto foi um entusiasmo louco; em Braga, dizem os jornais, um delírio; e em Viana um encantamento. O povo todo acorria às bordas dos caminhos, o povo que não é a choldra que aparece aos tiros em momentos azedos ali no Terreiro do Paço. O povo é o que trabalha honrada e nobremente; e esse está sempre, presente onde estiver o interesse da Pátria. E o interesse da Pátria era, naquele momento, a monarquia.
Sr. Presidente: fui hoje devotamente, recolhido, comovidamente, rezar a S. Vicente de Fora. Foi lá que eu aprendi, rainha D. Amélia - rainha do trono, rainha da caridade, rainha da dor -, que D. Carlos I, o que queria regenerar o País, morreu pela Pátria, ele e D. Luís Filipe.
Mas não morreram abandonados. Há aquele bravo oficial que, ferido, queria ir para onde fosse a família real, porque o Exército de Portugal não sabe desertar; ou aquele velho lavrador alentejano que pediu uma libré para vir aguardar o rei D. Manuel.
E há essa legião constante - vejo-os a cada passo - ferozmente agarrada aos seus amos e senhores. Quando D. Manuel II aqui veio, toda a Lisboa o aclamou, romperam-se os cordões da Polícia e caíram flores de todas as casas.
A Nação não pode deixar passar despercebido o centenário da Bainha Senhora D. Amélia. É nossa obrigação prestar-lhe a homenagem que ela merece. Pelo menos - não estamos em época de grandes festas, porque há quem verta o seu sangue do lado de lá, ...
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - ... porque há soldados que na Guiné combatem com a água pelo pescoço, e os grandes de Lisboa por vezes procuram ignorá-lo ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... que os GTT, sempre prontos a fazer novas emissões de selos, façam um a comemorar a rainha u, para lembrança de todos nós, que a ponham de pó com um ramo de flores a afastar o que lhe queria matar o filho que restava. Que a ponham assim. É assim que nós queremos bem à sua memória. Eu fui dos que tiveram o supremo gozo de a ver em vida neste país, quando aqui veio. Fui a S. Vicente de Fora assistir à sua chegada. Por mão amiga entrara no templo que estava quase deserto. A rainha custou a chegar a S. Vicente de Fora. Toda a gente daquele bairro, que não era a gente chique do Estoril ou da Estrela, mas sim gente humilde e simples, rodeou o carro em aclamações à rainha. E eu VI urna mulher gritar a sua satisfação, dizendo que ia ver a rainha.
- Qual rainha? - perguntou outra.
- A nossa, a rainha D. Amélia!
Estas palavras arrancaram-me lágrimas da mais viva emoção. À rainha, vi-a entrar no templo, serena, apoiada na. sua bengala. Era uma ruína da beleza de outrora. Ajoelhou junto ao Santíssimo. Fiquei escondido na sombra a que me acolhera para ver a rainha. Que mundo de pensamentos terão passado no seu cérebro! A rainha, em dado momento, sacudiu a cabeça, recompôs-se rapidamente e continuou no seu andar majestoso a caminho dos despojos dos entes que lhe eram queridos.
Srs. Deputados: Vou, na minha tetra, pedir u gente dos campos, em determinado dia, me entregue muitas flores, não importando que sejam azuis como o céu de Portugal em dia de sol, ou brancas, que representem bem a alvura dos bons pensamentos, ou que sejam verdes e vermelhas, como a bandeira da Pátria. Importa, sim, que me entreguem essas flores e que outros muitos façam a mesma coisa, para que possamos encher de flores o túmulo da rainha. Estou certo de que esta irá sorrir no Céu, se é que no Céu pode sorrir quem na Terra tanto chorou.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moreira Longo: -Sr. Presidente: Quem, como nós, esteja radicado na província de Moçambique sente e vive os seus problemas com tamanha intensidade e tão grande interesse que os considera parte integrante da sua própria vida, constituindo uma preocupação constante no seu espírito.
Daí o interesse com que sempre nos turnos batido por tudo quanto represente progresso e desenvolvimento daquela província, onde vivemos há já quatro décadas, e onde continuaremos a trabalhar, sempre em prol do seu engrandecimento, procurando seguir o nobre exemplo de tantos e tantos homens que ali fizeram a sua vida, ali criaram riqueza que muito tem concorrido para a grandeza daquela nossa província do Indico.
Não se estranhe, por isso, que repisemos, por vezes, assuntos que respeitam a problemas que consideramos de importância vital para aquelas nossas terras - fazemo-lo sempre com a melhor intenção e no sentido construtivo.
Será talvez o caso presente, ao qual, tendo já, na transacta legislatura, numa modesta intervenção, focado, em síntese, o problema do povoamento, sugerindo a ideia do aproveitamento, numa fase inicial, dos contingentes militares que terminam a sua comissão, hoje volto a dedicar-lhe algumas palavras, que me parecem oportunas.
Porque o assunto é já velho, e bem conhecida a sua premência por quem esteja, de uma ou de outra forma, ligado àquelas nossas terras moçambicanas, não serei extenso nesta despretensiosa exposição, que outro objectivo não visa senão o de, muito modestamente, mas com a maior convicção, trazer a esta Assembleia uma pequena achega, chamando a atenção do Governo para tão magno problema, que não admite delongas.
Estudado e debatido o assunto no Conselho Ultramarino em toda a sua extensão, e com tal interesse que julgo ser de inteira justiça prestar aqui homenagem aos ilustres membros que a tão importante problema deram a sua maior dedicação e saber, permito-me fazer a afirmação de que se impõe transpor, o mais depressa possível, o campo das teorias, para nos instalarmos com todo o nosso fervor no campo das realizações práticas, pois só elas nos darão a certeza de uma ocupação rápida, que tanto importa ao avanço económico-social daquela província, e até, porque não dizê-lo, à própria segurança da integridade territorial.
Assente que é essencial, na verdade, um aumento de população civilizada em elevado grau de densidade, e que tal operação é de carácter urgente por tudo quanto conhecemos e nos abstemos de pormenorizar aqui, como é óbvio, parece termos chegado ao ponto exacto de decidir apenas a maneira como devemos pôr tal máquina em funcionamento, em moldes de certa economia e com o maior rendimento.
E certo que esta realização não é, de nenhum modo, tarefa fácil, pelas suas várias implicações.
Mas tenho a certeza de que, se todas as iniciativas relativas a tal problema, tanto estatais como privadas, se unirem em torno dele com a maior coesão, e nos quisermos aperceber da grandiosidade de tal obra, obteremos, sem dúvida, uma grande vitória, de larga projecção e grande alcance até no panorama político, que, sobretudo no momento actual, se deve considerar de especial importância.
Como já nesta Câmara tive oportunidade de referir, penso que a tarefa do povoamento a que nos vamos devotar de alma e coração poderá ser grandemente facilitada, na sua fase inicial, aproveitando os bravos soldados que, terminada a comissão de dois anos no ultramar, ali desejem ficar, dando-lhes o nosso amparo e possibilidades de êxito nos vários sectores da vida das nossas províncias. A falta de condições do vida que em devido tempo não soubemos criar-lhes é o único obstáculo que tem impedido a realização de um sistema de povoamento fácil, económico, e o que melhores garantias nos oferece em relação à nebulosidade que paira sobre o extremo norte de Moçambique.
Um tanto em reforço da sugestão do aproveitamento dos nossos bravos militares que ali se têm batido com a maior heroicidade, e poderão ali permanecer na dupla tarefa de «trabalho e defesa», acho que vale a pena recuar um pouco no tempo para dar à Câmara alguns exemplos do valor que o nosso soldado tem constituído no povoamento das nossas províncias ultramarinas, desde os memoráveis tempos em que a África era ainda cheia de mistérios, considerada um mundo de perigos sem fim, e onde os brancos se contavam pelos dedos.
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Sabemos, por exemplo, que da célebre campanha do grande Mouzinho e de outros heróis saíram colonos que, terminada a gloriosa epopeia, se radicaram ao longo de toda a província, trabalhando e criando riqueza, que tanto concorreu para o seu progresso e desenvolvimento.
Mais tarde, na expedição militar de 1914-1918 ao Norte de Moçambique, da qual fez parte um ilustre Deputado desta legislatura aqui presente, o Sr. Dr. Pinto de Mesquita, então laborioso alferes de artilharia, a quem eu presto as minhas maiores homenagens, essa expedição, quando terminou o conflito, licenciou uma grande parte de soldados e sargentos, que nessa altura por ali se espalharam em procura de uma nova vida.
Homens experientes da vida dura que levaram durante a campanha, cheios de patriotismo e vontade de vencer, essa gente de rija têmpera radicou-se com amor àquelas terras do Norte, dedicando-se à agricultura e ao comércio, ali enriquecendo as regiões onde habitavam, proporcionando ao nativo, com a sua presença, ensinamentos e, com a afável familiaridade que é o apanágio dos Portugueses, caminho aberto para a civilização, arrancando-o assim ao tribalismo, a que por falta da presença de gente branca estaria condenado.
Se bem que muito antes já a presença de colonos no Norte se fizesse sentir pelo seu incessante trabalho e dinamismo, a expedição de 1914-1918 deu maiores possibilidades de desenvolvimento àquelas terras, com a presença de gente com excepcionais qualidades de trabalho.
Depois, por volta de 1943, o célebre batalhão 68, que se compunha de gente empreendedora e cheda de dinamismo, deu à província de Moçambique mais um arranque no sector do povoamento, pois os seus homens, uma vez desmilitarizados, ficaram em grande parte na província! dedicando-se a misteres vários e espalhando-se por toda A superfície, tanto ao longo do litoral como no interior. A esta gente se deve muita iniciativa, muito trabalho u muita riqueza, que criaram não apenas em seu proveito próprio, mas em prol do engrandecimento de Moçambique.
Creio que estas singelas imagens ilustram claramente quanto partido podemos tirar das bravos soldados que vão terminando a sua comissão e ali desejam ficar.
Criar-lhes condições de vida, eis o problema que constitui o maior obstáculo que impede a ocupação daquelas infindáveis superfícies por homens experientes que, devidamente ajudados, são capasses de construir verdadeiros impérios!
As juntas de povoamento, criadas com tanta esperança, não têm tido grandes possibilidades de êxito, como seria para desejar.
Os elementos principais para um povoamento com base no aproveitamento dos militares que terminam a sua comissão de serviço filiam-se no apoio técnico, auxílio de maquinaria agrícola e no crédito controlado.
Como parece lógico que estes homens, na sua maior parte, se devem dedicar à .agricultura, quer de culturas anuais, quer de carácter permanente, por ser esse o mister a que uma grande parte se dedica na metrópole, e ainda por ser este o sector que carece de substancial desenvolvimento para elevarmos o volume das exportações de produtos que tanto pode concorrer para o equilíbrio da nossa balança comercial, devemos preencher os enormes espaços vazios no interior de Moçambique com essa gente ávida de progresso, que, se for bem orientada, acabará por triunfar, dando às áreas ocupadas grandes possibilidades de desenvolvimento e de maior segurança.
O Instituto do Algodão fez já vários ensaios, aproveitando alguns voluntários militares em experiências de cultura algodoeira, colhendo grandes resultados.
Este Instituto, que na província tem revolucionado o sistema da cultura do algodão, concedendo o maior apoio técnico e mecânica ao agricultor nativo, tem obtido resultados maravilhosos, em muitos casos na ordem do dobro e do triplo da produtividade por hectare, resultados que se espelham não só na economia do agricultor e da província, como no próprio panorama político daquelas regiões.
Idêntica programação pode ser posta em prática com essa gente moça metropolitana, que já ambientada pela experiência colhida durante a sua comissão de dois anos, possui certas condições de adaptação à vida do mato, onde a sua presença é da maior importância. sob todos os aspectos.
As populações nativas do interior sentar-se-iam assim mais protegidas com uma convivência amiga do Branco, a quem não faltam condições de trabalho e coragem para conduzir a charrua com uma das mãos e empunhar com a outra a espada contra os bandoleiros que vêm do território estrangeiro para semear a desordem e o terror, que levam à miséria a nossa gente africana, se não estiver permanentemente protegida.
Enquanto os grandes planos, pela sua complexidade, têm que aguardar tempo e oportunidade nos respectivos gabinetes, devemos aproveitar sem demora estes valores humanos para um povoamento inicial rápido que tanto Be «impõe.
Se não os aproveitarmos hoje para trabalharem e progredirem na nossa própria Pátria, vamos perdê-los amanhã no êxodo crescente que se constata para fora do País, como a França, Alemanha, África do Sul. etc.
E enquanto alguns destes emigrantes auxiliam realmente o volume das divisas, estrangeiras pelas economias que para cá transferem, outros por lá ficam constituindo família e mudando até de naturalização.
Por todas estas razões, insisto na afirmação de que o povoamento em Moçambique deve ter como origem o aproveitamento dos milhares de militares que terminam ali a sua comissão de serviço.
Sr. Presidente: Nestas singelas palavras procuro, dar uma ideia do valoroso .auxílio que podemos- aproveitar dos milhares de homens que em defesa da Pátria se batem heroicamente, em todas as nossas fronteiras de África, protegendo as testas que desbravamos as almas que civilizamos.
Os grandes planos para a realização de um povoamento com vista ao futuro, que na realidade também não devemos descurar, carecem de muito dinheiro e de muito tempo. Dinheiro que não temos de sobra na conjuntura presente, e tempo que não podemos perder.
A protecção das populações nativas com a vizinhança de gente branca ali fixada em serviços agrícolas adequados naquelas infindáveis áreas é obra inadiável e de capital importância.
O aumento da densidade de população civilizada, especialmente no interior de Moçambique, representa, sem dúvida, a maior segurança para o futuro daquela província.
A tal tareia nos devemos devotar corajosamente, porque assim o exigem a nossa missão civilizadora e os povos das nossas províncias de além-mar, que teimam em ser sempre portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. André Navarro:-Sr. Presidente: As recentes medidas tomadas pelo Ministério da Economia no sen-
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tido de auxiliar, por financiamento adequado, a produção vinícola metropolitana, especialmente a daqueles milhares de pequenos viticultores que constituem o maior contingente da produção nacional, representam intervenção de excepcional valia pela oportunidade da mesma e ainda, e principalmente, pelas directrizes fixadas, e que futuros diplomas decerto transformarão em estatuto fundamental deste importante sector, da agricultura portuguesa.
Tendo em atenção o que foi já estabelecido em anteriores diplomas pelo ilustre titular da pasta da Economia como política económica- a adoptar nos sectores da cerealicultura, da pecuária e da olivicultura, podemos afirmar, na realidade, que este departamento está perfeitamente atento às reais necessidades da agricultura nacional, trilhando o mais adequado caminho para conduzir, por evolução gradual, o sector primário das actividades produtivas a uma racional reestruturação.
De facto, uma observação, mesmo que feita em superfície, sobre a forma como estão evoluindo no Mundo as actividades da indústria agrária, mesmo nos povos de agricultura menos avançada, leva-nos a admitir que a economia dos grandes espaços, embora com as limitações consequentes da índole muito especial da cultura da terra, está, na realidade, já em franca realização, quer no domínio das explorações agro-pecuárias, quer ainda no da flor estação.
A tendência será, assim, marcadamente, no futuro, a do regresso da exploração da terra às formas económicamente viáveis, independentemente de necessidades a satisfazer quanto a sustento das populações nacionais. Isto não impede que nesta fase de transição, cuja duração não será fácil de prever, se abandonem produções fundamentais ao consumo público, embora em condições precárias de produtividade. As facilidades de circulação dos produtos pelo abatimento das fronteiras alfandegárias, dos capitais e da mão-de-obra levam-nos, contudo, a considerar, de facto, como meta mais ou menos próxima a atingir e que na Europa já se adivinha com particular nitidez - a da total internacionalização das actividades produtivas da terra.
Assim é que as produções de cereais panificáveis, de tubérculos de largo consumo como a batata, de carne, de frutas e de outros produtos alimentares de mais destacada valia, serão deslocados, cada vez mais acentuadamente, para as regiões eleitas de produção destes géneros onde os custos sejam os mais baixos pelas melhores condições de adaptabilidade e dos outros factores que influem na produtividade da terra.
E este aspecto, que já se verifica hoje em larga escala quanto a produtos alimentares, será, como também já se denuncia, lei quanto a matérias-primas de origem agrícola e florestal destinadas às inúmeras indústrias manufactureiras.
Por isso as migrações maciças das populações rurais para o sector industrial e para os serviços, independentemente de fronteiras nacionais, será fenómeno cujo sentido e intensidade não estará nas possibilidades nacionais alterar.
A mecanização e alterações adequadas da exploração restabelecerão novo equilíbrio destas actividades produtivas. De resto, o que hoje se chama por toda a parte, quer nos países marginais do Mediterrâneo, quer nos de feição atlântica ou continental, abandono da terra, não é fenómeno novo em qualquer parte do Mundo, mas apenas contemporaneamente se acentuou com o excepcional desenvolvimento das indústrias e dos serviços e pela tendência generalizada e bem acentuada do progresso económico-social das populações rurais.
O que fica dito permite-nos assim afirmar que quaisquer medidas emanadas de departamentos ligados às actividades produtivas da terra que não entrem em linha de conta com estas tendências enunciadas podem não só não resolver os problemas básicos de cada sector, como ainda criar graves obstáculos para a resolução de outras questões correlacionadas.
Seria assim, por exemplo, política errada a de estimular a extensificação da viticultura de vinhos comuns em territórios de fraca produtividade pela deficiência de condições mesológicas ou estruturais, como o seria também a da produção de cereais, carnes, gorduras ou féculas em ambientes onde seja difícil realizar, sem proteccionismo alfandegário ou artifícios de exportação, o consumo dos seus produtos.
São estas circunstâncias que nos levam a aplaudir, sem reservas, pelo que encerram de previsão dos caminhos do futuro, as medidas que o ilustre Ministro da Economia tão sabiamente vem pondo em execução nos vários sectores das actividades agrícolas e florestais da metrópole portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: São estas medidas e a orientação política que as dita que me levam a fazer, deste lugar, mais algumas considerações genéricas sobre este importante sector da economia nacional. Criou-se, com oportunidade, o espaço económico português e procura-se hoje, afanosamente, limar os inúmeros obstáculos que, fatalmente, se iriam levantar à generalização de um tal conceito num espaço económico imenso, com extraordinária variedade de índices de desenvolvimento económico.
Por isso, só por aproximações sucessivas se poderão atingir os resultados desejados por forma que a metrópole com as províncias de além-mar formem um todo económico uno. Até se obter este desiderato, haverá, contudo, que vencer ainda inúmeros obstáculos, que nos sectores agrícola e florestal não serão, decerto, os mais fáceis de dominar.
Impõe-se, assim, que, desde já, se procure, numa íntima cooperação com o ultramar, ajustar progressivamente, dentro dos conceitos que foram enunciados, as economias de regiões tão afastadas e tão díspares.
E é assim que, por exemplo, em referência a certas produções do ultramar, como também da metrópole, haverá de considerar sempre como significante a posição das regiões produtoras nos complexos continentais de que fazem parte.
Ë este o caso, por exemplo, da cultura do milho nos planaltos angolanos, que, embora fazendo parte da economia do todo agrário português, tem, por localização geográfica, aspectos que não se podem desprezar de integração mais íntima na economia de zonas africanas dos países vizinhos. É também exemplo frisante o da fruticultura moçambicana, especialmente da toranja e da laranja, integrada, por razões económicas regionais, nas actividades similares dos países vizinhos, onde as produções dessas duas espécies têm valor mais destacado. Daí o aproveitamento dos mesmos canais de exportação e até das mesmas organizações comerciais, dos mesmos portos de embarque e dos seus frigoríficos e armazéns, dos mesmos meios de comunicação terrestres e marítimos, independentemente das suas origens nacionais.
Será essa também a tendência no continente europeu, num futuro mais ou menos próximo, em relação à cortiça e ao. azeite, como o será em relação a certas espécies frutícolas de maior interesse nos dois países peninsulares.
Se for esta a política que regulará inúmeras actividades dos sectores primário e secundário, impõe-se, assim,
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que se coordenem, primeiramente, com a possível celeridade, estas actividades no conjunto do espaço português.
Foi esta orientação progressiva que levou o ilustre Ministro do Ultramar a promover a coordenação da produção do comércio da banana no ultramar, como já hoje se conjuga com as necessidades de consumo público a produção do açúcar de cana e de outros produtos de origem tropical ou subtropical.
Será, assim, com certeza, também da maior urgência que se constituam comissões mistas dos Ministérios da Economia, do Ultramar e da Marinha para a estruturação, em bases modernas, da produção da carne de bovinos de Moçambique, Angola e Açores e respectivo transporte para os mercados metropolitanos, por forma a evitar vultosas importações, absolutamente dispensáveis, de países estrangeiros.
Da mesma forma se deverá proceder na comercialização e transporte de vinhos para os mercados ultramarinos, de maneira a permitir que o vinho português chegue ao consumidor, em qualquer província do Império, por preço que não possa temer a concorrência de vinhos produzidos no hemisfério sul. E o que se diz em referência ao vinho aplica-se em relação ao azeite, como se poderia aplicar também em referência ao arroz, cuja cultura poderá ser largamente fomentada na província da Guiné.
São hoje inúmeras as vozes autorizadas que põem em foco por este Mundo fora os perigos que se agravam a cada momento, consequentes da subalimentação de mais de dois terços da população do Globo. E a mais autorizada entre todas, a do Santo Padre, quando há poucos dias salientava, com a sua superior visão, a extrema gravidade deste problema, que deveria merecer das grandes nações do Globo interesse mais marcado do que inglórias corridas para a Lua, e estas nem sempre, decerto, com interesse totalmente desligado de aspectos bélicos.
E enquanto o Mundo continua febrilmente a armar-se, c que é facto é que a proporção de 1 ha de terra arável por habitante, considerado já muito insuficiente para o conveniente sustento, já está, infelizmente, largamente ultrapassada.
Embora as perspectivas de aproveitamento dos mares como fonte ainda pouco explorada de alimento, e isto especialmente no que se refere à utilização das algas, sejam assaz prometedoras, o que é facto, porém, é que não é lícito continuar a destruir nestes tempos, de crise tão aguda parcelas valiosas do agro mundial em utilizações não correlacionadas com o sustento ou com o agasalho.
E se é grave esta orientação nos países onde abunda, solo fértil, é inacreditável que tal se observe naquelas nações onde essa circunstância se não verifique e onde. pelo contrário, se pagam por preço elevado estas faltas para o sustento e agasalho.
Não será este caso também gritante no agro continental português?
Não é, de facto, necessário percorrer grande distância a partir da capital do Império para se concluir muito deste desatino. Na realidade, toda essa extensa e fértil várzea ribatejana, ainda não económicamente aproveitada sob o ponto de vista agrícola, e que limita a norte e a sul as margens do nosso principal rio metropolitano, é um espectáculo pouco edificante quanto a este aspecto.
Estabelecimentos fabris dos mais variados, inúmeros armazéns que, sem qualquer inconveniente, poderiam ocupar zonas próximas, mas de muito menor fertilidade, ocupam já hoje parcelas importantes do Ribatejo, terras que ainda há poucos anos eram ricas folhas de pão, de pastagens e de extensas hortas.
E este desaforo, a que nenhuma entidade põe cobro, continua, com a agravante de se concentrar na região onde se acantona mais de um décimo da população do continente.
E o que se aponta em relação ao Tejo verifica-se em escala correspondente no Mondego, com o mesmo grave risco para a produção dos géneros frescos destinados aos principais cectros urbanos regionais.
É confiando no bom senso político do ilustre titular da pasta da Economia que eu levanto novamente este problema nesta Assembleia política, pois o considero do mais alto interesse para o sustento da grei.
Direi, para terminar, usando a expressiva frase pronunciada há dias por um parlamentar inglês - John Biggs Davison , finda a visita que fez à nossa província da Guiné,, que Portugal, na realidade, está firmemente a construir várias pontes, sendo, contudo, as mais importantes «as que são lançadas entre as raças e entre a Europa e a África».
Ora é exactamente dessa perfeita comunidade intercontinental Europa-Africa, sabiamente antevista pelo Sr. Presidente do Conselho, que dependerá o futuro desta velha Europa e da civilização que dela irradia. E para continuarmos a ser os grandes pioneiros construtores dessa imensa ponte política haverá quê não descuidar, além do esforço incomensurável que estamos realizando, a devida arrumação desta velha casa lusitana. Esta a razão fundamental da minha singela intervenção.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Frazão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por ser esta a vez primeira que aqui usamos da palavra no alvorecer deste ano, consintam-me VV. Ex.ªs que lhes dirija o meu voto sincero de franca saúde e bem estar, no mesmo tempo que a todos reafirmo a minha muita admiração e grande estima, que cada vez mais se vai radicando, a par e passo que vemos e sentimos que cada qual, sem excepção, nesta Casa, só pretende ser útil, dando-se por inteiro ao cumprimento do mandato a que se obrigou.
O País, votando, fica no convencimento, bem fundado, de que nós somos os seus paladinos, os intérpretes dos seus talentos, os obreiros das estruturas que melhor parecem, tudo fazendo para o arredar dos seus desprazimentos e da lenitivação dos seus queixumes, e, na verdade, a missão primeira, que aqui nos cabe não é outra senão aquela de propugnar pelo melhor viver das gentes que em nós confiaram.
Preciso é que de cima venha a compreensão plena de que isto é assim tal e qual e de que só aqui estamos por bem, para que nos sintamos perfeita e verdadeiramente válidos e prestimosos.
Sendo assim, as nossas vozes nunca se apagarão e, bem pelo contrário, ressoarão ainda mais, na ânsia incontida e natural de um contributo maior para o préstimo julgado.
Por isto. mesmo é que aqui estamos hoje, na acção balsâmica do lenitivo de uma ferida profunda, em aberto, e que muito dói a quem a suporta na sua dureza cruenta.
Sr. Presidente: A condição de funcionário municipal, que tivemos durante cerca de oito anos, no dealbar do exercício da nossa profissão, numa tão modesta quão atraente e hospitaleira vilazinha transmontana, toda encravada nos contrafortes abruptos do Alvão e da Padrela, a tão acolhedora e carinhosa Vila Pouca de Aguiar, ali mesmo à beira da Vila Real tão linda, pela qual «choravam os olhos do poeta no dia em que a não
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viam", essa condição, íamos dizendo, deu-nos o sentir perfeito da injusta desigualdade de tratamento dos tão prestantes servidores das autarquias relativamente àqueles que servem o Estado, sem bem sabermos porquê, ou melhor dizendo, sem bem o compreendermos.
Nem sequer o tão cordial acolhimento que sempre e generosamente o concelho nos ofereceu, e que em nós vincou recordações, tantas e tamanhas que jamais o podemos deixar de ter em plena presença no nosso coração reconhecido, e não seja ele também, o que muito nos orgulha, o torrão natal de meus filhos, tudo isso não conseguiu apagar do nosso sentimento esse terrível espinho de iniquidade, e o remédio foi retirarmo-nos, não sem mágoa profunda.
As melhorias de vencimentos e do abono de família, que de quando em vez - e Deus meu, há quanto tempo isso já lá vai -, aos serventuários do Estado eram consideradas devidas e possíveis, os funcionários municipais só as tinham na medida em que as edilidades, pela boa compreensão humana, assim também as entendiam.
Mas muitas delas entendiam e não podiam mesmo, e nós sabemos ter havido concelhos que, apesar da melhor boa vontade dos seus edis, mantiveram por tempo largo os vencimentos por ajustar.
Quando então era veterinário municipal, sofri a dureza da flagrante injustiça, que ainda hoje e infelizmente, se mantém - e ,já lá vão 30 anos decorridos -, contra toda a ética mais elementar, do rebaixamento para um nível mesquinho do já de si magro provento auferido, e isto por ordenação codificada, quando os servidores do Estado de igual categoria viam, e justamente, os seus vencimentos acrescidos.
Considerava-se antes ajustado que os veterinários municipais deviam perceber, por razões óbvias, cinco sextos do vencimento dos seus iguais do Estado, e hoje nem sequer a metade é atingida!
Atente-se que esses técnicos, para mais de duas centenas, nestes negros dias que para nós vão correndo de agigantadas necessidades, são absolutamente indispensáveis ao nosso premente desenvolvimento económico, no qual, parece impossível, não podem colaborar, apenas por falta de uma infra-estrutura perfeitamente urdida e eficiente, que, pelo seu dimensionamento, acção em extremo incidente na economia geral do País e interligação estreita dos seus elos sectoriais, não pode inserir-se no âmbito acanhado, e de autonomia celular, da orgânica municipal.
Nem hoje, com a exaltação do custo de vida levada ao exagero, e os seus réditos extraordinariamente diminuídos por inspecções sem remuneração e vacinações não praticadas por esgotamento do efectivo suíno, que a terrífica "africana" dizimou, têm esses técnicos, de grau superior, que podiam e deviam ser sumamente prestativos, por operosos e úteis no seu labor, o viver digno a que têm jus.
E para quando, senhores, o termo deste estado tão lesivo de coisas?
Os dias que se prevêem nada têm de animadores. A acção profiláctica nos efectivos suínos, a única que exerciam com expressão de se ver, há-de continuar, e ainda por muito tempo, diminuída até ao quase nada, onde hoje se situa.
A peste suína africana, a catástrofe maior abatida nos últimos anos sobre a nossa já de si débil economia agrária, e culposa, sem dúvida, de um desfalque enorme na renda das nossas explorações sul-tejanas, fustigando agora, e com que dureza, todo o Norte do País, apesar das instantes solicitações do departamento responsável, não tem sido até aqui, nem bem nem mal, compreendida, pois o que se vem operando nada é, talvez mesmo de franca negatividade, para o tanto que há a fazer.
Nem um vislumbre de estudo, sequer!
A uma desgraça tamanha como esta que nos atingiu, com tanto dolo, não se devia voltar a cara, mas, sim, enfrentá-la, e com redobrada viveza.
Só dessa maneira é possível atenuar o extremo malefício de qualquer grande calamidade, da extensão desta, que, por infelicidade nossa, nos caiu em casa.
A Espanha indicou-nos o caminho, e nem outro pode ser aquele que temos de percorrer e quanto antes, para recuperação do tempo perdido, que já não é pouco.
Considerando-a oficialmente de "calamidade nacional", e votando-lhe quantiosa verba para o seu estudo, aquele país vizinho há-de com certeza, se não dominar a maleita horrível, pelo menos minorá-la nos seus prejuízos, que são da maior monta.
No nosso país aquilata-se bem do avultamento por eles atingido, atentando na modestíssima capitação de carne que temos, da ordem dos 18 kg, para ela contribuindo na mais alta percentagem a de suíno, com 37,2 por cento!
Mas, Sr. Presidente, no consentimento de V. Ex.ª deixaremos para outra oportunidade, que será breve, a explanação de problemas de tanta importância na presente conjuntura nacional como são estes da angustiosa e insustentável situação dos veterinários municipais, com a mais grave incidência na economia do País, e da calamitosa peste suína africana, que de raspão aqui tratámos, e tão-
-sòmente porque vieram a talhe de foice.
Retornemos, pois, ao assunto primário de que nos vimos ocupando, que é o dos funcionários municipais na sua agrura da vida.
Seria fastidioso, e até nos repetiríamos, se nos demorássemos a afirmar a extrema míngua dos vencimentos desses servidores dedicados dos corpos administrativos, que têm na sua mão uma parcela, e muito grande, da responsabilidade da vida pública nacional.
O Governo da Nação, preocupado como está com a situação dificílima dos seus servidores, ao tentar minimizá-la nas dificuldades imensas do seu viver enegrecido, que afirmações recentes de responsáveis destacados nos convencem, e com que aprazimento, que isso estará para muito breve, não há-de deixar de tomar em consideração, certamente, aqueles que aos municípios dão o melhor do seu esforço.
Pode o remédio não ser absolutamente eficaz por manifesta impossibilidade do erário, mas, pelo menos, a esperança nos anima de uma emoliência de acção, que mesmo assim é sempre salutar.
Mas não é este ainda o escopo da nossa intervenção.
É, sim, virmos apelar para S. Ex.ª o Ministro das Finanças no pleno convencimento da sua esclarecida, lúcida generosa e perfeita compreensão por tudo quanto não está bem e precisa de o estar.
A assistência na doença aos servidores do Estado dissemo-lo, na primeira intervenção que fizemos, ser um padrão válido a atestar o grande interesse do Estado pelos seus funcionários, e a sua grandeza será imensa quando os benefícios se multiplicarem até ao limite máximo da idealização concebida.
Mas nós não compreendemos porque é que tal benesse não foi atribuída igualmente aos funcionários dos corpos administrativos, urgindo que o seja, pois nem sequer faz sentido, nem é justo, que tão-sòmente esses operosos servidores estejam excluídos desse bem assistencial, um dos fundamentos de quietude sócio-económica tão precisa ao nosso melhor viver.
Os olhos marejados de lágrimas que vimos na mulher de um desses funcionários que teve a desdita, no ano
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passado, de sofrer um acto cirúrgico que lhe levou mais de dezena e meia de contos, que não tinha, está na génese desta nossa elocução.
Nós sabemos os pesados encargos que sopesam os minguados orçamentos municipais, dando a estes organismos dificuldades ilimitadas, não lhes consentindo cumprirem, em favor do bem comum, tanto quanto devem e é preciso.
E muitas ias despesas a que se obrigam os municípios, como arrendamento, conservação, mobiliário, aquecimento, água e luz dos edifícios judiciais, das secções de finanças, das tesourarias da Fazenda Pública, das conservatórias do registo predial e civil; o mobiliário e material didáctico e de expediente, a higiene, saúde e conforto das escolas primárias; os vencimentos e instalação dos carcereiros; o arrendamento ou construção, conservação e reparação das casas dos magistrados judiciais, e quantos outros dispêndios, todos, ou quase todos, devendo ser de conta estadual.
De muitos deles as câmaras precisam de ser desobrigadas, para com esse alívio nas suas decrescidas receitas melhor poderem satisfazer as obrigações que efectivamente lhes cumprem, e esta da assistência na doença aos seus servidores não é das de menor dever.
As câmaras municipais necessitam do seu erário mais desanuviado, pois só assim se conseguirá, mercê de atractivos maiores, o apego do homem à terra, como se quer, para uma terra melhor, como se impõe.
Sr. Presidente: No termo desta nossa fala, que já vai um tanto longa, seja-me permitida mais uma apelação ao esclarecido e criterioso entendimento de S. Ex.ª o Ministro das Finanças para que considere todos aqueles casos, que não deverão ser muitos, de funcionários que tiveram a má sorte de necessitarem de cirurgia de urgência, já depois da vigoração da assistência na doença aos servidores civis do Estado, mas antes de serem possuidores do respectivo cartão de identidade, ou até mesmo do preenchimentos dos impressos de inscrição, isto tão-só por emperro burocrático. A recusa, que nos parece menos justa, do pagamento dessas despesas, ao fim e ao cabo, traduz-se num molestamento sério para a magra bolsa daqueles que foram perseguidos pelo infortúnio de serem portadores de um mal que houve que eliminar exactamente na fase preparatória da arrancada, ponto morto a dever ter sido considerado.
Um caso conhecemos nós de uma professora primária sujeita a uma cesariana no dia 2 de Dezembro, por conseguinte mais de um mês decorrido sobre a comunicação oficial da entrada em vigor da assistência na doença, sem ter tido possibilidade de inscrição, oportunamente pretendida, por não recebimento a tempo, nos serviços regionais competentes, dos necessários impressos.
Bem se pode avaliar quanto pesarão num orçamento tão limitado os 8000$ que, por culpa de uma burocracia ancilosada, terão que ser pagos, se a reclamação feita não for atendida, como merece.
Mais casos semelhantes chegaram ao nosso conhecimento.
Estamos convictos de que todos eles terão a atenção devida por seguro no reconhecimento do são critério de S. Ex.ª o Ministro das Finanças, a quem testemunhamos a nossa congratulação pelas suas melhoras.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: As minhas maiores desculpas pelo tempo precioso que lhes roubei. A todos muito obrigado pela atenção dispensada.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Aníbal Correia: - Sr. Presidente: Ao iniciar as minhas intervenções nesta legislatura, são para V. Ex.ª as minhas primeiras palavras de renovados cumprimentos de muita admiração e estima, que continuo a ter pela pessoa de V. Ex.ª, dado o modo invulgar como sempre tem sabido ocupar e prestigiar os mais difíceis cargos que lhe são confiados, com o saber, a agudeza de espírito, o brilho excepcional que imprime ao poder de argumentação que lhe são peculiares, continuando com a maior elevação a presidir a esta Câmara, onde por todos é estimado como um verdadeiro mestre e amigo.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a todos os Srs. Deputados, a quem igualmente dirijo os meus cumprimentos, manifesto o propósito que sempre tive de leal e franca colaboração.
O problema que vou abordar diz respeito à influência decisiva que as vias de comunicação rodoviária exercem no desenvolvimento- das actividades turísticas, comerciais e industriais dos agregados populacionais que atravessam, e, no caso especial desta minha intervenção, relativamente aos concelhos das> Caldas da Bainha, Alcobaça e também Óbidos, Bombarral, Peniche e Nazaré.
Mas antes de a fazer não deixarei de repetir nesta Câmara, para os menos conhecedores dos valores e atractivos turísticos do distrito de Leiria, que este se encontra entre os mais extensos e mais ricos de Portugal continental.
A Natureza foi pródiga nas excepcionais belezas com que o dotou, desde os píncaros de Santo António da Neve, situados a cerca de 1200 III de altitude, na serra da Lousa, até ao nível do mar, nas praias de Peniche, e aos extensos vinhedos do progressivo concelho do Bombarral, sendo necessário percorrer cerca de 200 km para o atravessar de lês a lês.
Aproveitando os seus recursos, o trabalho do homem elevou-o a um plano superior na arte, na cultura, no comércio e, de modo especial, na indústria, entre as quais podemos destacar a do vinho, a de lanifícios, de limas, de cerâmica, de resinosos, de madeiras, de doces regionais e de tantas outras, além dos importantíssimos portos de pesca de Peniche e Nazaré.
Por tais razões, e dada a sua grande importância na economia nacional, é atravessado por algumas das mais importantes estradas que ligam o Sul e o Norte do País, entre as quais se conta a estrada nacional n.º l, que virá a ser a auto-estrada Lisboa-Porto.
Aconteceu que esta importante via de comunicação sofreu ultimamente uma completa e perfeita beneficiação no troço que vai do cruzamento de Montejunto até S. Jorge, passando por Rio Maior e pela localidade denominada Venda das Raparigas, diminuindo em 16 km a distância que ligava essas localidades por outras estradas e proporcionando a todos os que utilizam veículos rodoviários e que se dirigem de Lisboa para Leiria, ou vice-versa, a maior comodidade e economia de tempo.
Este progresso de interesse geral em benefício de todos os que o utilizam não podia nem devia compadecer-se com os prejuízos que daí resultaram para as localidades que deixaram de ser visitadas por aqueles que preferem seguir o trajecto daquela estrada, agora em muito melhores condições do que aquelas que anteriormente utilizavam, visitando e passando por Caldas da Rainha e Alcobaça, pelas estradas de Montejunto-Caldas-Alcobaça - S. Jorge, ou mesmo pela estrada chamada "do Oeste", que segue de Lisboa por Torres Vedras-Bombarral-Caldas.
Isto quer dizer que os veículos automóveis que se dirigem de Lisboa para Leiria, para Coimbra ou para o Porto, ou vice-versa, utilizam numa percentagem de cerca
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de 70 por céu to o troço da estrada nacional n.º 1 agora reconstruído e os restantes 30 por cento utilizam o antigo troço da estrada Montejunto-Caldas-Alcobaça, talvez porque residam nestas localidades, dando assim lugar a uma consequente e lógica diminuição de transacções e de movimento na região apontada, que é uma boa parte do distrito de Leiria, situada a sul da povoação de S. Jorge.
Esta percentagem foi obtida por uma entidade particular num dia de semana, que não era sábado nem segunda-feira, e a uma hora que não era de ponta, mas sim de menor movimento.
As benéficas alterações introduzidas no referido troço da estrada nacional n.º l, a todos os títulos louváveis, de indiscutível interesse nacional, não podiam deixar de merecer a minha inteira concordância e aceitação e a de todos os povos dos concelhos que há pouco referi, embora com elas ficassem diminuídos nos seus interesses pessoais e regionais; por isso, S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, merece, sem favor algum, o nosso maior apoio, e daqui lhe prestamos, em meu nome pessoal e como representante daqueles povos, a devida homenagem e o nosso mais vivo reconhecimento a esse grande português e governante, que sempre manifestou o maior interesse por tudo quanto de justo lhe tem sido pedido e lhe é possível satisfazer.
E não posso deixar passar a oportunidade de salientar, desde já, em nome das Caldas da Bainha, que a escola industrial e comercial ali existente, e em bom funcionamento, se deve à sua directa e enérgica intervenção, sem a qual nem sequer teria sido iniciada, e quando há poucos dias, ainda, uma comissão das Caldas da Bainha, em nome de um clube desportivo local, a cuja direcção tenho a honra de presidir, lhe pediu auxílio para a construção de um pavilhão gimno-desportivo, que se pretende levar a efeito naquela cidade, o mesmo governante, com a simplicidade e afabilidade que o caracterizam e com um sorriso nos lábios, respondeu sem hesitações que iria estudar o caso e que podíamos contar com a sua boa vontade e auxílio, o que muito nos sensibilizou e a todos agradou de modo especial, pelo que lhe ficámos muito gratos e reconhecidos.
Apesar disso, e seguindo a linha de rumo que originou a minha intervenção, entendo que os prejuízos sofridos pelos habitantes das localidades acima referidas, e de modo especial o turismo daquela região, poderão ser diminuídos e até neutralizados desde que sejam alterados e rectificados alguns troços das estradas que os automobilistas utilizavam anteriormente, e que poderão vir a utilizar em pé de igualdade com a da estrada n.º 1.
Assim, podemos considerar o troço de estrada agora beneficiado, entre Monte junto e S. Jorge, passando por Rio Maior e Venda das Raparigas, como uma estrada monótona, e sem variedade de paisagem e sem interesse para o turista, pois não atravessa qualquer localidade de relevo, mas, sim, de interesse para o automobilista comerciante ou industrial que se dirija para Leiria ou para Coimbra e Porto.
Ao contrário, o troço de estrada que liga Montejunto a S. Jorge passando por Caldas da Bainha e Alcobaça, com derivantes para: Óbidos, a 5 km de distância das Caldas; Foz do Arelho, a 10 km; - Bombarral, a 18 km; Peniche e Baleai, a 24 km; S. Martinho do Porto, a 4 km da bifurcação de Alfeizerão; Nazaré, a pouco mais de uma dúzia de quilómetros de Alcobaça, podendo o turista passar por Caldas, S. Martinho do Porto, Nazaré e Alcobaça, é uma verdadeira estrada de turismo, com as mais variadas cambiantes na paisagem e com as esplêndidas praias da Foz do Arelho, com a sua lagoa de Óbidos, que é a maior e mais bela do País; do Baleai, que é a única no seu género, pois chega a estar cercada de água por todos os lados; de S. Martinho do Porto, com a sua característica concha; da Nazaré, com as suas águas límpidas na época calmosa e protegidas do lado norte; de Peniche e de tantas outras que se estendem ao longo da costa do distrito de Leiria e da província da Estremadura.
Os clamores que me chegaram são provindos especialmente dos industriais de restaurantes e hotéis, cuja frequência diminuiu em cerca de 70 por cento, e alguns deles, que ficam situados fora das povoações, e que viviam da camionagem, tiveram de encerrar as suas portas; dos industriais e comerciantes de faianças e doces regionais, que viram as suas transacções reduzidas na mesma percentagem; dos comerciantes em geral, porque também sofreram diminuição nas suas vendas, pois quem passa nas Caldas, em Alcobaça, em Óbidos, no Bombarral ou em Peniche ou Nazaré quase sempre compra uma lembrança, um produto regional, e normalmente toma uma refeição, para depois continuar a viagem.
Os aspectos económicos e turísticos da região apontada merecem ser acautelados e até fomentados, razão por que vou dirigir mais um apelo ao Sr. Ministro das Obras Públicas para, em continuação da política de realizações a que já estamos habituados, providenciar no sentido de ser melhorado o pavimento e de serem rectificados os troços das estradas que ligam Montejunto a S. Jorge passando por Caldas da Bainha e Alcobaça, que são os concelhos mais afectados nas suas indústrias, no seu comércio e no seu turismo, de modo que o automobilista, ao chegar à bifurcação de Montejunto, quando seguir para o norte, ou à bifurcação de S. Jorge, quando vier para o sul, não hesite em optar pela estrada que conduz às Caldas da Bainha, se ela oferecer iguais condições de comodidade e andamento.
E certo que a solução compete aos técnicos, mas parece-me que o caso ficaria solucionado se fossem cortadas, ou até desaparecessem, as curvas acentuadas que existem no troço de estrada que liga Alfeizerão a Alcobaça e melhorasse o pavimento em alguns pequenos troços da mesma estrada.
Eu sei que já foi dotada a obra da ponte de Tornada, que ameaçava ruir, e sei também que foi ordenado pelo mesmo Ministério o completo alcatroamento do macadame que ainda existe na estrada denominada Foz do Arelho-Fátima, até Santa Catarina, dentro do concelho das Caldas, o que já é muito na época de guerra que atravessamos; mas, em minha consciência, sinto-me na obrigação de falar nesta Câmara .neste assunto de tanto interesse, satisfazendo assim as súplicas que ouvi à boa gente daquela região para que este problema tenha uma solução adequada, na medida em que o merecem e dentro dos limites que for possível.
E porque o turismo de todos os referidos concelhos vai por certo ser afectado pelas razões já apontadas, e tendo ainda em atenção que a cidade das Caldas da Bainha tem a funcionar permanentemente, durante todo o ano, o seu hospital termal, caso único em Portugal, e que foi o primeiro de entre os que existem no Mundo a curar doentes com a água, dirijo-me também ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência, caldense ilustre e nosso bom amigo, Dr. Paulo Rodrigues, que está sempre disposto a atender os seus conterrâneos, até mesmo sem marcação de audiência prévia, a quem faço igual pedido na medida em que lhe seja possível concorrer para a solução deste problema, o mesmo é dizer para o turismo daquela região, que oferece ao turista nacional e estran-
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geiro motivos de atracção e de beleza incomparáveis, aumentando assim ainda mais a obra já notável do turismo nacional, que a sua meritória acção tem levado a efeito. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Convoco para amanhã, pelas 15 horas, as Comissões de Defesa Nacional e de Obras Públicas e Comunicações, para efeito de elegerem os seus presidentes e secretários.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade, o projecto de lei sobre a preferência no provimento de lugares do ensino primário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Buli.
O Sr. Pinto Buli: - Sr. Presidente: Depois de ter escutado com a maior atenção as intervenções dos ilustres Deputados que me precederam no uso da palavra, só por um imperativo de consciência me atrevo a subir a esta tribuna para prestar um ligeiro esclarecimento quanto à extensão ao ultramar .das preferências no provimento de lugares de ensino primário, solicitada por dois membros desta Assembleia.
Deputado pelo ultramar e funcionário com alguma responsabilidade do respectivo Ministério, mal pareceria se deixasse em suspenso, sem qualquer esclarecimento, os dois apelos aqui feitos para que as vantagens do projecto de lei em discussão fossem tornadas extensivas aos professores primários das nossas províncias ultramarinas.
Antes de entrar propriamente na matéria em debate, permita-me, Sr. Presidente, que manifeste a. minha satisfação por verificar que os problemas da instrução e da educação continuam merecendo a atenção- desta Câmara e, o que é mais louvável, grande interesse dos Srs. Deputados.
Sr. Presidente: No limiar do 40.º aniversário da Revolução Nacional, que se pensa comemorar condignamente em todo o território português, acho que se devem aproveitar nesta Assembleia todas as oportunidades para dar realce a tudo o que possa tornar mais conhecido o muito que já se fez e o que se continua fazendo no campo do ensino desde essa data distante, mas sempre presente, de 28 de Maio de 1926.
Assim, e porque o ensino tem sido das actividades em que mais se tem evidenciado a acção do Governo nestas últimas décadas, não quis deixar de tomar parte neste oportuno debate acerca do projecto de lei sobre a preferência no provimento de lugares de ensino primário, que o nosso ilustre colega Deputado António Magro Borges de Araújo em boa hora apresentou a esta Assembleia.
É, pois, gostosamente que trago o meu modesto contributo a este debate, na certeza de que, como sempre, será bem recebida a participação dos representantes dos círculos eleitorais ultramarinos nestas discussões. E, ao felicitar o Ex.mo Colega Dr. Borges de Araújo pela oportunidade e alcance da proposta de lei que estamos discutindo, quero afirmar-lhe que darei o meu completo apoio à sua iniciativa e a quaisquer outras que visem melhorar as condições de vida de todos os professores em geral e dos. primários em particular, dada a situação precária que atravessam nesta hora crucial da nossa história e em que exigimos deles os maiores sacrifícios e canseiras para a nacionalização dos vários grupos étnicos dispersos pelo inundo português, de forma a conseguir-se um equilíbrio mais harmónico entre as várias camadas populacionais das nossas parcelas ultramarinas, garantia segura de uma sã e perfeita compreensão entre todos os portugueses neste mundo conturbado em que vivemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação dos professores primários, esses incansáveis e devotados agentes de ensino que nos habituámos a apreciar e a respeitar desde a nossa infância e cuja simpatia e lembrança nos acompanham pela vida fora, merece a nossa maior atenção e interesse, não só no que diz respeito às vantagens materiais que possam tornar mais atraente o exercício da função, mas, sobretudo, na obtenção daquele mínimo de bem-estar tendente a perpetuar o elo familiar, pela possibilidade de os respectivos cônjuges poderem viver na mesma localidade.
Se outras vantagens não lhes pudermos conseguir para já, façamos tudo para que este projecto de lei seja aprovado por unanimidade, porquanto aqueles modestos servidores do Estado poderão contar, pelo menos, com a possibilidade de terem comunhão de mesa e habitação com os seus familiares, o que, além dos benefícios sociais, traduz uma melhoria do orçamento caseiro pela acumulação de dois magros vencimentos sem dispersão de despesas.
Esta medida, que à primeira vista parecerá de reduzidíssimo alcance, poderá ter no futuro um largo reflexo, desde que venha a constituir um estímulo para a atracção de elementos do sexo masculino ao curso do magistério primário, onde estão rareando cada vez mais.
E no caso particular das nossas províncias de além-mar esta simples medida preferencial, que em tempo oportuno mereceu a atenção dos responsáveis pelo sector do ensino do Ministério do Ultramar, poderá servir igualmente de atractivo para que alguns casais de professores primários da metrópole se sintam tentados a mudar o seu lar para aquelas terras distantes, mas bem portuguesas.
Nesta conformidade se pensou quando da promulgação da Portaria n.º 19 870, de 24 de Maio de 1963, e da última reforma do ensino primário no ultramar, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45 908, de 10 de Setembro de 1964, esse notável diploma que talhou à nossa medida toda a estrutura do ensino primário nas nossas províncias ultramarinas e conseguiu estabelecer a unidade educativa no espaço português, abolindo as obsoletas designações de ensino rudimentar, ensino de adaptação ou ensino rural para nativos africanos e timores em vias de desenvolvimento e ensino primário ou ensino primário comum para a demais população ultramarina ou metropolitana, designações que os nossos inimigos aproveitavam muitas vezes nas tertúlias internacionais para fundamentarem as suas inconsistentes afirmações da existência de uma hipotética discriminação no campo do ensino nas nossas províncias de África.
Por isso, ao referir-me a tão importante quão oportuno diploma que integrou na nossa concepção igualitária a nova estrutura do ensino primário, que passou a ser uno para toda a Nação, sem sombras de qualquer discriminação étnica ou cultural, não posso deixar de prestar as minhas homenagens aos ilustres estadistas comandante António Augusto Peixoto Correia e Prof. Doutor Joaquim da Silva Cunha pelo alcance de tão oportuna medida e a minha admiração pelo labor, competência e entusiasmo que tanto o Ex.mo Director-Geral do Ensino daquele Ministério como os seus directos colaboradores vêm dispensando à causa do ensino no ultramar e melhoria do seu quadro docente.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas suas inúmeras intervenções nesta Câmara acerca da educação e da instrução o nosso ilustre e mui lembrado colega da legislatura finda Dr. António Martins da Cruz referiu, e muito bem, que «raras actividades da vida nacional terão nos últimos anos sentido um ritmo de crescimento tão intenso como o ensino em todas as suas modalidades» e que «um quadro de professores competentes, actualizados e progressivos, activos e empreendedores, respeitados e prestigiados, satisfeitos na sua profissão, dela orgulhosos, deve ser um objectivo a ter sempre em conta como factor essencial de qualquer organização escolar para que esta possa realizar os seus objectivos», que, em última análise, se podem resumir «na conveniente preparação e consequente aproveitamento futuro das gerações juvenis, pedras vivas da Nação, que constituem, sem dúvida, a sua maior e mais expressiva riqueza».
Por outro liado, tive o prazer de escutar, quando da sua estreia parlamentar na presente legislatura, as preocupações do nosso prezado colega Deputado Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral e que traduziam igualmente as preocupações de muitos outros pais desta encantadora metrópole acerca da influência perniciosa a que estão sujeitos os seus filhos nos contactos a que a vida escolar os obriga, sem terem, muitas vezes, professores com nível suficiente para os proteger e orientar.
E ao escutar tão objectivas quão oportunas referências e preocupações, lembrei-me daquilo que se passa no nosso ultramar, onde a maioria dos jovens estudantes estão sujeitos a influências muito mais deletérias e com a desvantagem de muitos deles não terem aquela estrutura familiar que lhes possa servir de escudo contra tais males.
Por todas .estas razões e ainda porque a ânsia de elevação cultural dos jovens portugueses ultramarinos é cada vez maior, sou forçado, dadas as minhas funções oficiais, a encarar com certa objectividade os problemas relacionados com o ensino e a educação das massas nativas e, assim, tenho para mim que estes problemas deviam ser sempre debatidos no âmbito nacional, para que todas as medi chis que viessem a ser promulgadas pudessem beneficiar imediata e simultaneamente todos os residentes no espaço português.
Evitar-se-iam assim situações desiguais para agentes de idêntica categoria e qualificação pelo simples facto de estarem servindo em parcelas diferentes do território nacional.
Isto vem a propósito de as preferências constantes do projecto de lei apresentado pelo nosso colega Deputado Borges de Araújo, e agora em discussão, terem já sido há tempos promulgadas para o ultramar, conforme se poderá verificar nas transcrições que adiante farei da Portaria n.º 19 870, de 1963, e da reforma do ensino, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45 908, de 1964.
E, se analisarmos bem as providências estabelecidas nas referidas disposições legais, constataremos que elas têm um alcance mais amplo do que aquilo que agora se propõe, pois abrangem não só as preferências respeitantes à colocação dos cônjuges na mesma localidade, mas também preferências quanto ao próprio provimento no respectivo quadro de professoras casadas com professores primários em serviço no ultramar.
Assim, a Portaria n.º 19 870 preceitua que:
1) Os professores primários casados com professoras do mesmo grau de ensino gozam de preferência absoluta na sua colocação ou nas localidades onde um deles estiver colocado ou nas mais próximas, conforme vier a ser definido pelos governos das províncias.
2) Nas primeiras nomeações simultâneas será respeitado o disposto no número anterior.
3) Em igualdade de circunstâncias de provimento ou de colocação a preferência actuará, sem prejuízo do disposto nos números anteriores, em favor do professor cônjuge do funcionário dos quadros do Estado ou dos corpos administrativos ou de indivíduo fixado com actividade permanente na localidade, feita a prova desta permanência pela autoridade administrativa competente.
4) Independentemente do disposto no n.º 1), as professoras viúvas, judicialmente separadas ou divorciadas, com filhos matriculados ou a ingressar em estabelecimentos de grau superior, têm preferência absoluta na sua colocação em centros onde funcionem tais estabelecimentos.
5) No conjunto das preferências estabelecidas pela presente portaria será, em igualdade de circunstâncias, dada prioridade aos professores com maior número de pessoas de família a seu cargo, aos cônjuges funcionários de menor categoria e aos não funcionários de mais modesta situação económica.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 45 908, de 1964, que aprovou a reforma do ensino primário no ultramar, completando as disposições da Portaria n.º 19 870, estabeleceu novas medidas preferenciais ou de excepção, tais como:
a) As vagas de professor do sexo masculino do quadro docente de cada província podem ser providas, sem dependência de concurso, mediante simples requerimento dos interessados, desde que comprovem a sua idoneidade moral e cívica e sejam diplomados pelas escolas do magistério;
b) As professoras de ensino primário diplomadas para regência de classes especiais pelo Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira podem igualmente ingressar nos mesmos quadros sem dependência de concurso;
c) As professoras casadas com professores pertencentes ao quadro docente de cada província e com os funcionários dos quadros de .inspecção e dos serviços de educação terão preferência no provimento de vagas de lugares femininos nos mesmos quadros e de colocação na localidade onde o marido prestar serviço.
Analisadas em conjunto as disposições constantes nos dois diplomas legais atrás referidos, verifica-se, como afirmei rio início da minha intervenção, que as preferências agora propostas no projecto de lei em debate já se encontram em vigor no ultramar desde 1963 e que na prática a sua aplicabilidade é mais lata, pois abrange e beneficia as professoras casadas com funcionários de qualquer quadro, com militares e mesmo com particulares. No caso concreto da província da Guiné, num quadro de professores primários diplomados, 53 são do sexo feminino, R destas apenas uma é casada com professor primário.
Das restantes 52, todas as casadas se encontram colocadas na localidade onde trabalha o marido, no caso de este ser militar na localidade onde esteja aquartelado o seu batalhão ou companhia, desde que tenha escola.
Todas estas medidas preferenciais e de excepção constantes da Portaria n.º 19870, de Maio de 1963, e do Decreto-Lei n.º 45 908, de Setembro de 1964, não tiveram outra finalidade senão melhorar o nível de vida do professor primário no ultramar, consolidar a unidade do lar, facilitar e intensificar o recrutamento de elementos qualificados para o preenchimento de inúmeras vagas que exis-
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tem em todo o ultramar provenientes do alargamento dos respectivos quadros.
Mas, apesar de todas estas facilidades e da melhor boa vontade do Ex.mo Director-Geral do Ensino Primário e dos funcionários superiores daquele departamento do Ministério do Ultramar, os quadros do professorado ultramarino mantêm-se desfalcados, prejudicando grandemente a eficiência do ensino.
Para obviar a tais inconvenientes, encontram-se em pleno funcionamento as escolas do magistério primário de Angola e de Moçambique e todos os distritos das mesmas províncias, e as províncias de governo simples passarão a ter muito em breve, pelo menos, uma escola de formação de professores de posto escolar, nova classe de agentes de ensino que, com alguns anos de serviço e boas informações, poderão prosseguir a sua formação nas escolas do magistério primário.
Com estes novos agentes de ensino, enquadrados por inspectores e subinspectores, em número de vinte nas províncias de Governo-Geral e de dois nas de governo simples, pensa-se estabelecer a total ocupação das zonas rurais mais recônditas do nosso ultramar e estou certo de que estes jovens e entusiastas professores de posto escolar constituirão a guarda avançada nesta campanha de paz e alfabetização que estamos travando simultaneamente com esta guerra sem quartel que os bandoleiros nos movem do exterior.
E mau grado os nossos inimigos, continuaremos abrindo novas escolas oficiais e missionárias, intensificaremos a formação de professores locais, ao mesmo tempo que facilitaremos o recrutamento de elementos novos na metrópole, concederemos mais bolsas de estudo para o magistério primário, abriremos lares para rapazes e raparigas, para que, num trabalho de conjunto levado a cabo por portugueses de todas as etnias, possamos acelerar o passo nesta marcha em que estamos empenhados para a difusão da língua e cultura portuguesas e elevação sócio-económica das massas nativas do nosso ultramar.
Esclarecidos os pontos fundamentais que me levaram a tomar parte neste debate, só me resta dar a minha aprovação na generalidade ao projecto de lei em discussão, com votos sinceros para que na sua aplicação prática se encontre o mesmo entusiasmo que nos animou na sua apreciação.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: -- Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental sobre a mesma ordem do dia. Quero dizer: sobre a generalidade do projecto de lei em discussão, e, se houver tempo, entraremos ainda na especialidade. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Francisco José Roseta Fino.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
André da Silva Campos Neves.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Fernando de Matos
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Rato de Melo c Castro.
José Pais Ribeiro
José Pinheiro da Silva.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA