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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 27

ANO DE 1966 3 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 27, EM 2 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 85 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Deputado Aguedo de Oliveira falou nobre o problema dou comunicações no distrito de Bragança.

O Sr. Debutado António Santos da Cunha referiu-se à indústria de fundição de metais não ferrosos.

O Sr. Deputado Peres Claro fés considerações sobre o nitriu industrial de Setúbal e a crise habitacional consequente.

Ordem do dia. - Iniciou-se o debate acerca, do aviso prévio do Sr. Deputado II enriques Nazaré relativo ao problema habitacional das classes economicamente débeis do ultramar.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Janeiro Neves, Moreira Longo e D. Custódia Lopes.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às I8 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Eita Yaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Begueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.

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D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Calhorda.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Per es Claro.
Bui Manuel da Silva Vieira.
Bui Pontífice de Sousa. Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 97 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente Telegramas

Do presidente da Câmara Municipal de Viseu a apoiar a última intervenção do Sr. Deputado Henrique Mouta.

Da Sociedade S. Vila-Novense a aplaudir o discurso do Sr. Deputado Valadão dos Santos.

Carias

Sobre a situação dos servidores do Estado. De Maria dos Prazeres Rodrigues acerca da situação económica dos regentes escolares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aguedo de Oliveira.

O Sr. Agnedo de Oliveira: -Sr. Presidente: Segundo as informações que obtive, encontra-se em estudo pelos serviços da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses o troço d a via ferroa entre o entroncamento do Pocinho, no Douro, e a estação de Vila Franca das Naves, na Beira Alta.

Está em estudo o prolongamento da via larga, e não a continuação da via reduzida, como se supôs. Estes estudos estão a ser preparados para o Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres, que me dizem ser um organismo realmente dinâmico do Ministério das Comunicações.

Louvo, portanto, que isto se faça, porque se atalha e favorece de comunicações o Nordeste transmontano com a capital e a grande área do País ao sul do Douro.

As voltas pelo Porto, ao longo do Douro, tornam as viagens mais do que caras, incómodas, sujeitas a transbordos e dificuldades e morosas. Apesar de as largas viagens de táxi serem também assaz onerosas, muitas pessoas do distrito se dirigem habitualmente a Celorico da Beira e à Guarda para apanhar comboios que os transportem ao Centro e ao Sul do País.

As autoridades assim o fazem.

Pensemos primeiro nas deslocações da população e pensemos depois no transporte de mercadorias.

Não se pode pôr um problema de comunicações numa base técnica ou sociológica estreita, e o que se tem passado no meu distrito de Bragança força-me a algumas considerações destinadas a superar as limitações e condicionamentos da visão do assunto.

O problema a que me reporto recorda os nomes de Emídio Navarro e do conde de Paço Vieira, os quais, por meio de garantia de juros e empréstimos, favoreceram as ligações com o resto do País através da capital nortenha.

Lembremos que eles tiveram de lutar contra zonas de interesses, oposições deliberadas, contraposições destinadas mais a confundir do que a esclarecer, vencer o cepticismo e vencer a indiferença, pois o distrito, no seu retraimento, parecia uma estância quieta no conjunto do mapa eleitoral com fraca capacidade de protesto. Exceptuado o distinto parlamentar Abílio Beça.

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Pela riqueza do seu subsolo, pela capacidade de alguns dos seus vales, pelas possibilidades florestais e, sobretudo, pela energia dos seus habitantes, o distrito era uma terra promitente da qual se fugia por atraso e distanciação dos grandes centros e mercados e. aos quais a debilidade das empresas não podia realmente pôr termo, pela fraqueza das suas possibilidades.

Já várias vezes nesta Câmara me referi ao erro cometido e à anomalia, da via internacional que da Beira Alta se devia dirigir para Espanha, ao longo dos vales de Vilariça, Mirandela e Macedo, para entroncar com as linhas de Zamora e Salamanca, uma das quais, a mais moderna, nos está abraçando na fronteira e foi desviada sem ser capaz de atravessar o Douro.

Além deste atraso no tráfego internacional e de relegar-se o que poderei chamar a espinha dorsal da economia regional, foram estabelecidas linhas estreitas de penetração Corgo, a do Tua e a do Sabor, caríssimas, dificílimas de serviço, deficientes em relação ao que poderia fazer a via larga.

A do Tua a Mirandela, sempre no meio de abismos e penhascos, lembra ".s ilustrações de Gustavo Dori à obra de Dante!

A do Pocinho a Carviçais possui rampas e patamares dignos do transandino de Lima a Curco! O prejuízo do desvio daquele traçado, que era o razoável, não pode computar-se.

E porque isto se fez, provocou-se uma crise financeira de tremendas consequências monetárias e económicas para o País. a "Salamancada" - em que se pagou preço alto de qrelnas de valores, de retraimentos e de precipitações nos negócios, uma recessão geral de significado histórico.

Leia-se Silva Cordeiro ou Marnoco.

Esse erro do passado pesa sobre nós, sobre o sistema de vida do distrito, provoca separações com a economia de relação espanhola e com grande parte do País.

Importa às gerações corrigir e não agravar, recompor, sem pagar os maiores custos, e retomar o fio perdido da civilização e do desenvolvimento, quer dizer, do atraso e da mesquinhez das condições de vida, sempre laboriosas.

Em 1930 campeava ainda a ideia retrógrada de semear as altas Beiras com uma rede miúda de vias reduzidas.

De Viseu ao Tua e a Lamego. de Aguiar da Beira a Trancoso, de Foz Côa a Vila Franca das Naves, de Viseu a Gouveia, pequenas veieis de via reduzida tomaram o peito de Portugal metropolitano na planificação ferroviária.

Começara a revolução da camionagem.

O grande mestre Dautry, que foi depois comissário da energia atómica, aconselhava, como mais expedito e económico, que as vias férreas de pequena bitola fossem levantadas e substituídas por autopistas com um serviço aperfeiçoado de camionagem.

Haveria vantagens gerais e. ainda as de tempo, prontidão e custos mais baixos.

Os seus argumentos pareciam correctos.

Por isso é de repelir a ideia de novos desvios, de passagem pela via reduzida e de ampliações tais.

Também se cada região pretende distender o projecto de uma linha para si, não teremos apenas um debate parlamentar, teremos uma questão doutoral e criamos o clima propício do cruzar de braços ou ao estiolamento longo da iniciativa, o que não se compadece com uma economia dinâmica e exigente.

Portanto, creio ser de louvar o estudo de uma via larga entre o entroncamento do Pocinho e Vila Franca das Naves que venha a ligar, perto da fronteira, a Alta e Beira Baixa com o Douro.

Poderia ser mesmo feita a ligação em Mangualde, Celorico e até na Guarda. Admito.

Aias haveria vantagem em que se retomasse o velho projecto de abrir o distrito à economia internacional e que a via larga, servindo Moncorvo. Vila Flor e o coração do distrito, se aproximasse depois das linhas espanholas de Salamanca e de Zamora.

Há que considerar Mirandela como o núcleo ferroviário principio do distrito e Macedo de Cavaleiros como o centro cooperativo da futura indústria agrícola.

Fontes e Oliveira Martins eram apologistas das relações internacionais. Mas vários homens de Estado tomavam-se de apreensões políticas e militares quanto à facilidade de passagem pelas fronteiras.

Portanto, um argumento histórico, um argumento económico e um argumento social estão proclamando que se promova o desenvolvimento por meio de uma via larga através do Nordeste.

Nesta época de grande construção nacional, de fomento em larga escala e de capitalismo mitigado, nós, no distrito de Bragança, não estamos só interessados em que se desperte o torpor secular dos recursos naturais da região.

Estamos interessados em que ali fique alguma coisa nos resultados.

Estamos interessados em que a indústria seja desconcentrada e ali tenha também u seu solar.

Queremos que acabe, uma vassalagem melancólica e que não se agrave a subalternização e o atraso.

Mas devo concluir.

O Sul do meu distrito está interessado em que o seu cabedal de riqueza nativa - a força hídrica e os minérios de ferro - não deixe as suas fontes apenas para fazer a felicidade alheia ao promover a riqueza geral, em termos medidos.

Está interessada em que se promova ali a redução e o tratamento do minério para que ali fique em salários, em lucros, em circuito e em poder comprador grande parte das riquezas naturais dessa região.

O que se passa com emigração e com aldeias silenciosas é de molde a merecer a atenção dos Poderes Públicos, porque a vida social e económica estiola e asfixia.

Nós pusemos, nos últimos anos grandes esperanças nas visitas dos ilustres Ministro da Presidência e do Subsecretário de Estado da Indústria, que .ali foram estudar os problemas de economia nacional e que, por certo, reflectiram atentamente sobre os problemas locais e. a- fraqueza originária.

Atrevo-me a pedir ao ilustre Ministro da Presidência, dotado de esplêndida cultura e de espírito de rectidão, que chame a si os nossos problemas.

Não sei se a hora da justiça chegou para nós.

Apressado pela idade, tenho as naturais impaciências.

Júlio II perguntava a Miguel Angelo.: "Quando acabais?".

Vivemos uma época de repartição justa dos benefício", trazidos pelos bens naturais.

A exportação da riqueza nativa não pode conduzir a uma diminuição na área subdesenvolvida e a um ulterior acréscimo nas regiões de desenvolvimento pleno.

Esta norma levanta os continentes, os países e as regiões, e, os seus argumentos não sofrem contestação hoje.

Mais dia menos dia a hora da justiça soará para o nosso retardamento e falta de indústrias.

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Escusado será dizer que confio na benignidade do poder, na compreendo e consciência dos poderosos, no bom ânimo dos meus patrícios e sobretudo, no vigor incontrastável das nossas razões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Tem especial interesse para o País o problema que me proponho tratar o merece da administração pública cuidadosa atenção.

Não deixarei do, pessoalmente, o expor a quem de direito, mas entendo que é meu dever denunciar a situação a que me vou referir em público, para que governantes e governados possam verificar, mais uma vez, que há pormenores da nossa vida económica que vivem em perfeito descontrole.

Todos sabemos que ao esforço militar em que estamos empenhados tem de corresponder um esforço económico, sem o qual nos será impossível atingir os altos objectivos que são, neste momento, coordenada principal de toda a vida da Nação.

Sr. Presidente: É o Norte a região do País onde de há muito se fixaram as indústrias em que a fundição de metais não ferrosos constitui fonte de trabalho para as máquinas que transformam os produtos brutos de fundição em artigos de utilização corrente.

Desde os mais variados acessórios para a indústria automobilística até aos acessórios para canalizações de água e esgotos e às mais variadas peças de máquinas, esta indústria, de tão arreigadas e antigas tradições nos distritos de Braga e Porto, tem abastecido os mercados nacionais em artigos de consumo corrente e de qualidade, contribuindo para o desenvolvimento da economia nacional num ramo em que a, nossa independência só foi possível pela mobilização das qualidades de iniciativa e pelo espírito de sacrifício dos pioneiros que, desajudados há já dezenas do anos, venceram todas as dificuldades para levantarem as suas instalações.

Esta actividade industrial, se é incontestavelmente uma riqueza posta, ao serviço da Nação, é também a única fonte de receita que permite á vida de muitas centenas de famílias cujos membros lhe dedicam toda a sua actividade laborai. Especificamente na região de Braga e seu termo, não andaremos longe da verdade afirmando que cerca de 7000 pessoas vivem da actividade industrial ligada à fundição de metais não ferrosos, principalmente à fundição de latão e bronze. No distrito do Porto vivem desta indústria mais de 80 000 pessoas.

Neste enquadramento de interesses de ordem familiar, regional e nacional, já há cerca de dez anos se vêm verificando nuvens no horizonte. Dificuldades de abastecimento de matérias-primas atingiram um ponto culminante em 1958; posteriormente estabilizou-se o fornecimento dessas matérias-primas, mas verificou-se ultimamente, em 1964, um noivo recrudescimento das dificuldades de abastecimento que põem em grave risco a sobrevivência desta actividade industrial, cujos empresários se vêem impossibilitados de manterem o andamento normal das explorações e de acompanharem as exigências dos mercados que, dada a elevação constante do nosso nível de vida, se vão manifestando tanto em volume de consumo como em qualidade d(c) produtos fabricados. Merecem especial carinho estas indústrias, umas grandes, outras pequenas, mas todas pesando na nossa economia e de uma maneira especial na economia da região nortenha, dado o número de pessoas que a ela estão ligadas, principalmente nos dois distritos a que já me referi: Porto o Braga.

Para só nos referirmos ao aspecto de abastecimento de matérias-primas, analisaremos o que se passa no que se refere ao zinco e ao cobre, por serem esses a base fundamental das ligas de fundição no ramo que absorve a maior percentagem de mão-de-obra e de produção.

A existência, no País, de minas d".º cobre em laboracão até há pouco tempo permitiu que a produção mineira da metrópole, no quadriénio 1961-1964, fosse da ordem das 12 700 t; a importação de cobre bruto nesse mesmo período foi de cerca de 27 1801. Foram importadas, no mesmo período, cerca de 20 000 t de zinco, assim como 17 530 t de produtos semiacabados de cobre e cerca de J060 t de semiacabados de zinco. O consumo de cobre e de zinco, no País, durante este quadriénio foi assim de cerca de 57 400 t e 21 060 t, respectivamente.

Grande parte dos metais brutos produzidos foram empregados no fabrico de semiacabados (chapas, tubos, cavilhas, etc.), que, juntamente com os importados, alimentaram indústrias específicas e deram produtos não aproveitados nessas indústrias, como retalhos, pontas e lima-lhas, que foram utilizados em indústrias de fundição, fornecidos directamente pelos sucateiros compradores ou indirectamente pelos mixordeiros de metais fabricantes de lingotes sem especificação de composição.

A indústria de fundição de metais tem estado, pois, quase exclusivamente dependente do comerciantes de sucatas e de recuperadores, na quase totalidade irresponsáveis técnica c juridicamente.

Dada a escassez de cobre que se verifica no mercado internacional, a nossa conhecida posição deficitária desse metal tem sido agravada com exportações criminosas de lingotes e de sucatas, algumas idealizadas legalmente, outras feitas ilegalmente, através de contrabando efectuado pela fronteira espanhola.

Com efeito, as estatísticas mostram que a produção mundial de cobre se elevou de 46Q7 milhões de toneladas em 1968 para 4760 milhões em 1964 e que o consumo subiu de 5385 milhões de toneladas para 5898 milhões nos mesmos anos. O acréscimo de consumo em relação a produção te vê de ser compensado por recurso às reservas, mas o problema é mais tragicamente agudo para a Europa, porque a sua produção mineira atinge uns escassos 7,5 por cento do consumo.

É evidente que esta situação deficitária teria de levar, como de facto levou, à elevação de preços, ao açambarcamento e à especulação, que são as consequências naturais de tais situações. Para enegrecer mais ainda o quadro, verificaram-se uma série de acontecimentos políticos que tiveram grande repercussão no comércio internacional do cobre.

Primeiro a independência do Congo, que, produzindo cerca de 300 000 t anuais de cobre, deixou de figurar na lista dos exportadores a partir de 1964; depois ainda a suspensão das exportações por parte da Austrália, do México e do Peru. E, finalmente, o conflito da Inglaterra com a Rodésia veio dificultar o escoamento do cobre produzido na Zâmbia. O cobre produzido neste país foi, em 1964, de 632 400 t, ou seja cerca de 13,25 por cento da produção mundial. Por aqui se verifica a importância que representam as dificuldades de escoamento do cobre aí produzido e ainda o cuidado que aquele novel país tem me recido a algumas potências..

O mercado do cobre está assim privado do cobre do Congo, da Zâmbia, da Austrália, do (México e do Peru, que, no conjunto, abasteceriam o mercado mundial em mais de í milhão de toneladas anuais ; esta privação, junta ao natural aumento de consumo, obriga os países não produ-

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tores a procurarem cobre por qualquer preço e em qualquer mercado. Há uma verdadeira corrida a este metal.

Esta posição do mercado internacional teria, necessariamente, de se reflectir no. mercado nacional, já desfalcado pela lamentável paralisação das minas de S. Domingos no ano de 1965. E assim, como se já não fosse suficiente o natural reflexo da escassez do cobre no mercado internacional, do qual estamos dependentes, que se traduz, naturalmente, por uma elevação de preço de custo, ainda comerciantes de sucata e recuperadores se serviram da situação para, com uma ausência total de escrúpulos e responsabilidades sociais, desfalcarem a nossa magra, economia de uma matéria-prima que é vital para a nossa indústria.

Assim, em Maio de 1964 recrudesceu a exportação de cobre e de suas ligas; o montante dessas, exportações, em cobre bruto, desperdícios e sucatas, foi de cerca de 260 t em 1963 - em 1964 atingiu o valor estatístico de 1115 t. Para uma economia sem dúvida deficiente em cobre como a nossa, e sabendo-se o panorama internacional da economia de cobre, não se pode inferir que os organismos de que depende o nosso comércio externo tivessem deixado de ser uns beneméritos dos trusts internacionais do mercado do cobre. Note-se ainda que nestes dados estatísticos não estão incluídas- as exportações de ligas de cobre fabricadas ad hoc nem a exportação clandestina para Espanha, que nunca foi eficazmente detida, embora passasse por boas bases de repressão.

As estatísticas internacionais referentes a Espanha deixaram de revelar a origem das suas importações; sabe-se apenas que elas passaram de ce

A omissão das origens das exportações espanholas é muito significativa, mas começa a tomar expressão quando se sabe que as estatísticas internacionais são editadas pelo trust europeu da Metallgesellschaft, A. G., e que as compras em Portugal são negociadas pelos seus agentes em Espanha, Ernesto Melber, Cometal, S. A., e Lurgi Espanola, S. A. Há muitas maneiras de lançar mão do que legitimamente pertence aos outros e até de lhe minar a retaguarda económica, de mais a mais quando se sabe que estão desatentos os organismos que não o deveriam estar; sobre o assunto da exportação de ligas de cobre e de cobre puro já mais do que uma vez se pronunciaram os Grémios dos Industriais Metalúrgicos e Metalomecânicos do Norte e o seu congénere do distrito de Braga. Desde 1957 que alguns industriais mais realistas tentaram denunciar os vícios do processo e as consequências a que este conduziria, tanto em relatórios como em resposta a inquéritos de associações industriais, a organismos corporativos e algumas entidades oficiais. Esses alarmes não foram ouvidos, como seria para desejar e se impunha.

Só um pouco mais tarde, quando a situação atingiu a acuidade que a caracteriza actualmente, é que surgiram mais vivos os protestos e as reclamações nos grémios, que os fizeram subir às entidades corporativas hierarquicamente superiores. Os resultados dessas exposições parece não terem sido brilhantes, pois a exportação de sucatas de cobre transformadas em lingotes tem servido para mascarar a proibição de exportação de sucatas a granel. O mesmo se tem também verificado com a saída do País de outros tipos de metais, tais como o alumínio.

Há que estabelecer aqui, contudo, um preito de simpatia para com entidades oficiais que por força talvez das exposições que foram feitas, deram um primeiro passo para a resolução deste problema do abastecimento de matérias-primas à indústria de fundição: a nomeação de uma comissão técnica de normalização, que terá, no futuro, uma influência muito valiosa tanto no progresso técnico da indústria de fundição como no estabelecimento do ambiente de abastecimento de matérias-primas para essa indústria.

Afirmamos, sem receio de desmentido, que a situação actual, tão alarmante que importantes actividades industriais estão em via de encerrarem as suas actividades por falta de matérias-primas para laboração, foi denunciada em devido tempo, mas não foi compreendida no momento, e daí resultaram situações irremediáveis de momento. Importa agora, analisados muito sumariamente os factos, procurar decisivamente soluções válidas para evitar males maiores.

Importa, naturalmente e com toda a urgência, proceder a um apuramento de responsabilidades de quem, directa ou indirectamente, contribuiu para o agravamento do quadro da falta de matérias-primas da nossa indústria de
fundição de metais não ferrosos; mas importa, sobretudo, evitar imediatamente que, legal ou ilegalmente, continuem a sair do País as sucatas que são o sangue e a vida de algumas dezenas de milhares de portugueses que vivem da actividade dos seus membros dentro desta indústria, e há também que procurar, no mercado externo, as fontes de abastecimento para laboração das indústrias consumidoras antes que elas venham a soçobrar completamente.

Quando se fala e se raciocina à base do espaço económico português, que é uma realidade legal e humana que anda na alma de todos nós, e analisando mais uma vez os elementos estatísticos que nos são facultados pela publicação da Metallgesellschaft; A. G., verifica-se, com mágoa e com esperança, que as nossas províncias de Angola e Moçambique exportaram, entre cobre refinado e bruto, 14 118 t em 1963 e 16 698 t em 1964. Essas exportações foram canalizadas para a Alemanha, Bélgica, França e, sobretudo, para o Japão e Estados Unidos da América. Onde está a política de integração económica do espaço português?

É por isso urgente que estas exportações das nossas províncias ultramarinas sejam canalizadas, com toda a urgência, para o mercado metropolitano, e com tanta mais razão quanto é certo que um grande contingente da produção de artigos nacionais é absorvido pelas necessidades dessas mesmas províncias.

Orgulhosamente sós, como observou o Sr. Presidente do Conselho, combatemos o bom combate em África. Empenhada como está a Nação na defesa do seu património espiritual e material em terras que formam parte integrante da sua unidade política, não pode o Governo descurar a base que constitui a alavanca capaz de nos permitir a defesa de direitos que nos foram transmitidos em herança valiosa pelos nossos antepassados, que, como a geração actual, sacrificaram bens e haveres, e não raras vezes a própria vida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A manutenção deste valioso património constitui, de momento, o maior empenho e a maior tarefa da nossa geração; nela se tem empenhado a Nação conscientemente, indiferente a todos os sacrifícios, com a tranquilidade e a serena paz interior que só pode ser a tradução psicológica do bom cumprimento de um dever.

É dever de função do Estado, através da sua máquina administrativa, servir os interesses superiores da grei. A missão do Estado só será cumprida na medida em que os órgãos que o integram executem um programa cujo

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desenvolvimento conduza à criação de um ambiente onde o interesse colectivo seja a base de toda a actividade individual, que deverá exercer-se de tal modo que o seu resultado tenha sinal positivo para o interesse da colectividade. Tudo que se faça em contrário é ilegítimo e criminoso o, como tal. deve ser reprimido. É verdadeiramente antinacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se deve esquecer que a base da nossa acção em África tem de ser, necessariamente, um ambiente suo na. nossa economia, como se disse; sem isso será inglório o sacrifício de vidas e bens com que os portugueses da metrópole contribuem para a defesa dos direitos de Portugal e do mundo ocidental nas terras viciosas do hemisfério sul.

É a economia de uma nação desfalece na medida em que são minados os factores de produção: matérias-primas para transformar e mão-de-obra para efectuar essa necessária transformação.

Mas por hoje falamos só de matérias-primas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Mercê da sua privilegiada, situação geográfica e da diligência das suas autoridades, compreendida pelo Governo, Setúbal foi das terras que mais sentiram o surto industrial do País, ao ver instalarem-se nela algumas das novas fábrica.

Setúbal, que vivia na expectativa, tantas vezes não desiludida, de vir o mar a negar-lhe, de um momento para o outro, o peixe que era razão quase um única da sua economia, era terra onde .apenas novos edifícios oficiais davam notícia do progresso em que felizmente o País singrava. Meses houve, com exasperante periodicidade em que, se não fora o crédito concedido pelos comerciantes retalhistas (e aqui lhes quero prestar justa homenagem), a cidade se teria visto a braços com outros graves problemas, além do da fome.

Foram-lhe as novas indústrias o sangue vivificador e logo ao seu anúncio, o fenómeno, que noutras terras se deva já, nela irrompeu na euforia da construção civil, rasgando-se novas avenidas, erguendo-se prédios modernos em número nunca visto, na alegria das suas cores, na ousadia dos seus traçados ... E a cidade se transformou na sua fisionomia de terra triste, daquela tristeza apática que as muitas necessidades dão, ao sopro da confiança que souberam dar-lhe e ela sentiu quando a procura de braços começou.

Hoje Setúbal é terra onde o trabalho não falta e a que não afecta já, por abranger agora apenas um sector da população, a crise conserveira que a falta de sardinha pode provocar. A velha população foi acrescentada de algumas centenas de qualificados empregados e operários de especialidade trazidos pelas novas empresas; a procura de mão-de-obra provocou um rápido aumento de salários e atraiu, sobretudo da zona rural do distrito, centenas de trabalhadores rurais. E de um momento para outro surgiu, agudo e insistente, o problema que um progresso assim rápido e profundo sempre traz consigo: a subida do custo de vida.

É dramática a visita diária das donas de casa ao mercado. Enquanto parte da população pode comprar aos preços que subiram à sombra dos seus vencimentos melhorados, outra parte, a maior, assiste de olhos famintos à corrida dos números e traz na alcofa para casa ao preço normal dia pescada de outrora o pobre peixe-rei, que dantes se dava aos gatos. Em poucas terras se sentirá, como em Setúbal, tão acentuadamente, a exiguidade de vencimentos do funcionalismo público, pelo contraste com. o funcionalismo privado, traduzido no que tem de pôr-se diariamente em cima da mesa. E só disso se fala ...

Mas um sinal mais positivo da promoção social que então se deu em certa camada da população foi a ocupação de quantos prédios se construíram de rendas entre 600$ e 2500$ e a construção de uma centena de fogos por empregados das empresas particulares, ao abrigo da Lei n.º 2002, isto é, com empréstimos da previdência, por salutar acção de uma brigada da Junta da Acção Social, que por Setúbal se demorou largos meses. Se se entende por problema da habitação a falta de habitações, pode dizer-se que em Setúbal não existe esse problema, pois há sempre casas por alugar.

Todavia, um inquérito há pouco feito pela Câmara Municipal veio dizer que a quarta parte da população de Setúbal vive em barracas feitas dos mais diversos materiais ou em casas abarracadas, muitas delas mais desconfortáveis que tocas de bichos - que estes as fazem à medida das suas necessidades. A área média das 2254 barracas existentes é de 15 ma, pouco mais do que o espaço ocupado por um táxi, com 2,5 compartimentos de média e só 1,4 quartos, o que dá, tomando-se a média de 4,9 moradores por barraca, o número de 3,5 indivíduos por cada quarto. Os aglomerados dessas barracas, conhecidos por «bairros da lata», são como cogumelos nascidos em podridões dos campos, enquanto à volta a Natureza se desfaz em graças. Entre os prédios modernos que vão surgindo, são de chocante contraste, e estou a falar, Sr. Presidente, sem pressupostos estéticos. O que estou a querer dizer é que a gente da minha terra ... é verdadeiramente boa gente.

Tenho aqui na minha frente um álbum com algumas dezenas de fotografias das barracas a que me refiro. E um álbum que custa folhear, sobretudo nestes tempos em que tanto se ouve falar em milhares de casas a inaugurar pela Federação de Caixas de Prevalência só neste ano, em que se vêem espalhados de extremo a extremo do País bairros económicos ou de casas económicas, o último dos quais, de 204 moradias, inaugurado a semana passada no Barreiro pelo venerando Chefe do Estado, que continua a insistir na casa digna para cada família portuguesa. Custa a folhear este álbum das barracas em que vivem tantas centenas de beneficiários da previdência, digo milhares, porque já em 1950 80 por cento da população empregada trabalhava por conta de outrem. Hoje Setúbal é uma cidade fortemente industrializada, e maior há-de ser hoje essa percentagem.

Como gotas de água, erguem-se, sim, em Setúbal três bairros económicos: um de 400 fogos, para famílias pobres, mandado construir pela Câmara Municipal há 17 anos; outro, de 220 fogos, de casas económicas, mandado construir pelo Ministério das Obras Públicas, e que só agora parece ir ter ocupadas as últimas 23 moradias que ciosamente a previdência guardou devolutas tantos anos; o terceiro bairro, de 188 fogos, propriedade da Junta Central das Casas dos Pescadores, que há 13 anos o inaugurou em terreno adquirido por irrisória quantia, à Câmara Municipal para a construção de 500 fogos. Se se acrescentar a isto 380 moradias construídas entre 1958 e 1962 ao abrigo do Decreto-Lei n.º 44 645, que facilitou a autoconstrução, com projectos e assistência técnica gratuita da Câmara e auxílio financeiro das empresas aos seus operários, teremos um forte dado positivo no quadro da habitação económica em Setúbal, em

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que a própria cidade aparece, através da sua Câmara Municipal, como a grande campeã.

Sacrificando-se uma vez mais (interessada finalmente a previdência no problema social de Setúbal), a Câmara, há mais de um ano, pôs à disposição da previdência três vastos e bons terrenos, para um total de 1200 fogos, de rendas compreendidas entre 260$ e 380$ mensais. Logo se fez urgente projecto para a 1.ª fase dessa grande construção; em Maio do ano passado vieram as bases do acordo à aprovação da Câmara, que logo devolveu o documento; a Câmara concluiu e teve logo aprovado e comparticipado o projecto da urbanização, em que vai gastar, descontada a comparticipação 1200 contos, tendo recebido só 800 contos pelo terreno. Pois tanta rapidez, quase em record, posta na solução do problema, que é justo e premente, foi gorada por inexplicável demora na assinatura do acordo. Se um simples papel fez perder um ano de casa melhor a quase dois milhares de pessoas, temos encontrada a explicação para os treze anos de silêncio da previdência e poucas esperanças ficam para a* duas fases seguintes.

Sr. Presidente: Está patente em Setúbal uma exposição notável - a do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos. Nela vim a aprender que onde há surtos de industrialização há aumento de tuberculose. Que mau viveiro vai ser a promiscuidade deste mundo de barracas infectas a que me referi! Urge acabar com ele, e nesse sentido aqui deixo veemente apelo à Federação de Caixas de Previdência para dedicar a Setúbal a atenção de que ela necessita e que merece pelo que por si mesma tem feito e, se for possível até, que à Câmara seja feito um empréstimo para ela poder atender aos moradores das barracas que não são beneficiários da previdência, já que muitos beneficiários têm sido auxiliados pela Câmara, há quase vinte anos. Dar-se-á assim passo decisivo na solução do problema habitacional da classe menos favorecida de meios de subsistência - operários empregados comerciais, trabalhadores da terra e do mar, artífices e modestos serventuários municipais, gente que contribui com o seu esforço para a economia da cidade e sem a qual a cidade não saberia passar. E não Mo daqueles - funcionários públicos e empregados aqui e ali - que por dignidade não vivem em barracas, mas têm casas alugadas na parte velha da cidade com rendas que absorvem grossa fatia dos seus fracos proventos ou vivem nelas numa promiscuidade de famílias igual à das barracas.

E se a Junta Central das Casas dos Pescadores estudar maneira de mandar construir as 312 casas que ainda faltam para as 500 que prometeu, mas de forma que as rendas sejam mais acessíveis do que as de agora, então sim, então Setúbal ficará com toda a sua população a viver dignamente e cada um de nós, em sua casa, poderá dormir melhor, em paz de consciência.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se o debate acerca do aviso prévio do Sr. Deputado Henriques Nazaré sobre o problema habitacional das classes económicamente débeis do ultramar.

Tem a palavra o Sr. Deputado Janeiro Neves.

O Sr. Janeiro Neves: - Sr. Presidente: Ao ter a honra de pela primeira vez usar da palavra nesta Câmara, peço a V. Ex.ª que aceite os protestos da minha maior consideração e respeito. Já conhecia o que a vida de V. Ex.ª tem sido de dedicação pelo bem comum, quer através da cátedra, quer como homem público, designadamente como membro do Governo. Agora tenho tido a oportunidade de, dia a dia, apreciar a forma elevada, firme e digna como V. Ex.ª preside a esta Assembleia, pelo que aquela consideração e respeito aumentaram.

Assim, cumprimento V. Ex.ª respeitosamente.

Srs. Deputados: Sendo a primeira vez que tenho a honra de fazer uso da palavra nesta Assembleia, afigura-se-me conveniente definir, embora em curtas palavras, a minha posição.

Coloco acima de tudo a Pátria e, também como VV. Ex.ªs - digo-o pelo que tenho ouvido nesta Sala, aliás sem surpresa, mas gostosamente -, não compreendo Portugal sem o ultramar, pelo que defenderei sempre e instransigentemente a integridade do nosso território. Defesa por todos os meios: pelas armas e pelo trabalho.

Estou aqui como um dos representantes de Moçambique. Nessa qualidade quero assegurar-lhes que, tal como vós e eu, também todos os moçambicanos defendem Moçambique em Portugal, isto é, todos querem continuar a ser portugueses.

Esta asserção, nos tempos que coifem, pode traduzir-se desta forma: a nossa geração é portuguesa, quer que os seus filhos continuem a ser portugueses e de modo nenhum admite traições. Podem os nossos maiores descansar, pois não será por nós ou pelos nossos filhos -temos a obrigação de os educar neste sentido - que serão traídos. Temos a noção exacta da. honrosa herança que nos deixaram.

Disto que vos disse, meus senhores, resulta uma consequência que, por ser de natureza política, deve aqui ficar claramente expressa: as populações que represento e eu agradecemos ao .Sr. Presidente do Conselho, do mais fundo do coração, tudo o que tem feito para que Moçambique continue a ser Portugal e asseguramos-lhe que pode contar connosco.

Vai também para todos aqueles, civis ou militares, que nas várias frentes lutam pela defesa da Pátria o mesmo agradecimento e promessa.

Além desta minha posição, podem VV. Ex.ªs contar com a minha inteira lealdade.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre-me justificar a razão por que pedi a generalização do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Henriques Nazaré.

Duas ordens de razões me determinaram.

Por um lado, a situação! do alojamento dos económicamente débeis envolve interesses de tão grande relevância que me pareceu da maior conveniência provocar um mais detalhado exame do problema nesta Câmara, certo de que a generalização do debate, a pão: de uma crítica construtiva do muito que se tem feito, poderá trazer sugestões que ajudem o Governo a adoptar medidas que permitam, no mais curto prazo, uma solução boa. A benefício de explicação ulterior não direi uma solução óptima. Digo apenas uma solução boa.

Por outro lado, na sua intervenção o ilustre Sr. Deputado Henriques Nazaré expôs determinados pontos de vista que se me afigura merecerem um esclarecimento.

Com efeito, o Sr. Deputado referiu-se a uma «discriminação urbanística» onde se nos deparam, de um lado, óptimas habitações ocupadas por europeus e, do outro lado, populações autóctones em precária situação habitacional, afirmando mais adiante que «o que é preciso evitar, quanto antes, é que a residência do português europeu

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seja sempre de alvenaria e a do português africano seja sempre - com honrosas excepções, que não atenuam, o problema - de caniço», referindo ainda, relativamente às populações aborígenes, que enquanto lhes abrimos as portas, da alma e da lei lhes fechámos as portas das nossas casas.

Estas afirmações podariam levar a supor quê o mau alojamento das populações autóctones se deve a qualquer intenção, que foi provocado.

Ora, quanto a mim, e isto é que acho necessário fique bem esclarecido, a causa do problema é apenas de natureza económica: só ocupa casas de alvenaria com requisitos indispensáveis quem dispõe de meios para a comprar ou arrendar. E é assim em Lourenço Marques e na Beira, e é assim em Lisboa, em Nova Iorque ou no Rio de Janeiro.

O curto espaço de tempo que mediou entre a intervenção do Sr. Deputado Henriques Nazaré e a que, neste momento, faço, impediu-me de, com maior detalhe, me debruçar sobre outros aspectos aqui ontem focados, pelo que, sem prejuízo de, provavelmente, voltar a pedir o uso da palavra sobre o aviso prévio em debate, exporei a VV. Ex.ªs o que penso sobre a situarão habitacional dos económicamente débeis.

O problema levantado não é específico do ultramar português. É em todos os países dos mais graves que se põem à Administração, quer pela sua natureza, quer pela sua dimensão. Tenho para mim que, sem estar resolvido, não se podem encarar seriamente os da saúde, higiene e promoção social.

O aviso prévio circunscreve o âmbito do problema ao ultramar.

Limitarei as minhas considerações à, situação dos económicamente débeis residentes nas zonas urbanas de Moçambique. Justifico: por um lado, conheço melhor o problema nessas zonas; por outro lado, acho que é junto das cidades que se fazem sentir com mais intensidade as suas perniciosas consequências.

Lamento não dispor de elementos estatísticos bastantes para melhor fundamentar os meus pontos de vista.

A necessidade de alojar os económicamente débeis é uma consequência do urbanismo. O urbanismo em África tem as mesmas causas que nas demais regiões do Globo e são do conhecimento geral, pelo que me dispenso de as apontar. Acresce que, de momento, não é combater o urbanismo, mas remediar um dos seus efeitos, o que temos em vista.

Ponhamo-nos perante o facto: os económicamente débeis estão mal instalados em «bairros» - passe o termo - sem ruas, sem água, sem esgotos e sem luz e vivem em barracas - de lata ou madeira nos países em certo sentido considerados «desenvolvidos»; de «caniço» em África. E fácil de ver, e por isso não carece de demonstração, que os problemas de saúde, higiene e promoção social não podem resolver-se antes que aquele estado de coisas se modifique. Já o tinha dito.

Só mais uma repetição: o fenómeno não é específico do ultramar português, afecta todas as nações. É bom repetido para que não fiquem quaisquer dúvidas ou possam ser tiradas ilações para determinados fins. O que também é bom é ter a coragem de, publicamente, se confessar que ele existe, de o examinar como é e tentar resolvê-lo.

Bem haja, por isso, o .Sr. Deputado Henriques Nazaré. É oportuníssimo o aviso prévio de S. Exa.

A instalação dos econòmicamente débeis está atribuída u Junta dos Bairros e Casas Populares. Como se diz a p. 4 do Relatório-Sintese daquele organismo relativo ao período de 1960-1963, o objectivo principal tem sido «... a construção, em zonas urbanas e suburbanas, de casas dotadas de condições funcionais indispensáveis para a população de fracos recursos».

Nesse sentido já promoveu aquela Junta, no período de 1960-1964, a construção de 800 casas, a par de algumas infra-estruturas.

Mais recentemente, aquele organismo tem permitido a ocupação de talhões a título precário e a construção não definitiva (o que aliás está previsto no seu regulamento), procurando minimizar, por todos os modos ao seu alcance, os efeitos de tão grave problema.

Convém referir que, até aos fins do corrente ano, devem ter-se investido, para o efeito, cerca de 65 000 contos, assim distribuídos

Contos
De 1960 a 1964, inclusive 40 500

Dotações do orçamento para 1965:

Da província 4 500

Do Plano Intercalar de Fomento 10 000
14 500

Dotações do orçamento para 1966:

Da província 3 000

Do Plano Intercalar de Fomento 7 000
10 000
65 000

Antes de prosseguir, julgo conveniente procurar determinar a dimensão do fenómeno.

Considerando que um agregado familiar médio deve ser composto por cinco pessoas (casal e três filhos), pode estimar-se em 80 000 o número de famílias a alojar, ou seja o número de casas a construir, distribuídas pelas seguintes cidades:

[Ver Tabela na Imagem]
Cidades Indivíduos Famílias ou casas

Quanto custará o alojamento destas famílias?

Do exame das realizações e despesas correspondentes efectuadas pela Junta dos Bairros e Casas Populares nos anos de 1960 a 1964, inclusive, podemos apurar um número médio de 50 contos por casa ou família, considerando, além do custo da casa, o de algumas infra-estruturas indispensáveis, serviços gerais e centrais.

Com efeito, a Junta, naqueles anos, para a instalação de cerca de 800 famílias, construiu igual número de casas e gastou cerca de 40 000 contos, como vimos.

Assim, para a construção de 80 000 casas haverá que despender 4 milhões de contos, cifra fantástica para as nossas possibilidades. Corresponde sensivelmente ao montante anual das receitas da província.

E, portanto, óbvia a impossibilidade de resolver o problema imediatamente.

Mesmo que se pense solucioná-lo em dez anos, haverá que gastar 400 000 contos por ano.

Porém, se pensarmos que o aumento das necessidades anuais é da ordem dos 10 por cento (e quem assistiu e assiste ao desenvolvimento do fenómeno não achará ex-

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cessivo), teremos que duplicar a despesa anual, que passará para os 800 000 contos. Quer dizer: teremos que gastar, por ano, vinte vezes mais do que se gastou em cinco anos.

Isto não significa que o Governo se tenha alheado do problema, é bom frisá-lo. Gastou-se o que se podia gastar. E se considerarmos as despesas que, de há cinco anos para cá, somos forçados a fazer com a guerra que infamemente nos é imposta, temos de convir que muito se fez.

Os números apontados só têm um intuito: dar a dimensão do fenómeno e justificar a posição que adiante defenderei.

Países há onde o fenómeno tem dimensões muito maiores que no nosso, não obstante abundar ali o dinheiro. Chega a ser tanto que os seus possuidores, para o gastarem, fomentam conflitos armados directa ou encapotadamente sendo nós, em várias frentes, uma das suas vítimas.

Cabe examinar agora os factores geralmente apontados como impeditivos ou retardadores de uma satisfatória instalação dos económicamente débeis. São os seguintes: escassez de meios financeiros, inexistência de terrenos livres adequados e dificuldades de expropriação.

Quando, adiante, apresentar sugestões para uma solução, examinarei mais detalhadamente cada um deles.

Como referi, o objectivo que s(c) tem pretendido atingir é a atribuição, a cada agregado familiar de economia débil, de uma casa de construção definitiva, integrada num bairro com os indispensáveis requisitos de higiene e salubridade. Nada mais louvável, nada mais humano.

Simplesmente, não dispomos, de momento, de meios financeiros bastantes e não se descortina que, a curto prazo, a situação se modifique de modo substancial.

Sendo assim, em vez de nos propormos o fim óptimo - será ocasião para uma vez mais se dizer que o óptimo é inimigo do bom -, afigura-se preferível que, de olhos postos na realidade, procuremos uma solução mais modesta, mas viável, que permita resolver os actuais inconvenientes de ordem sanitária e higiénica, que são, quanto a mim, os mais graves.

Não pretendamos substituir imediatamente a palhota por uma construção definitiva. A evolução, assim o impõem as circunstâncias, tem de ser lenta. Os males vêm mais da falta de esgotos e água e da construção a esmo, que permite aglomerados a todos os títulos condenáveis e cuja localização permite que se criem situações como a que recentemente afligiu e aflige Lourenço Marques e deve afligir a Beira, do que da palhota. Ela, em si só, não é a principal causa do mal e é o tipo de habitação que mais se coaduna com a maneira de viver da grande maioria das populações recém-chegadas à cidade: Não podemos modificar, de jacto, os seus hábitos.

Desde que num espaço razoável exista apenas uma habitação, desde que esta tenha esgotos e esteja assegurado o abastecimento de água e, se possível, luz, teremos dado um enorme passo em frente e o resto do caminho percorrer-se-á sem grandes escolhos.

Para o efeito haveria .que, no mais curto espaço de tempo, tomar medidas que permitissem a localização e implantação de bairros, o atalhoamento respectivo, a abertura e construção de ruas, a construção de esgotos, a construção de redes de abastecimento de água e a instalação de iluminação, pelo menos, pública. Feito isto, atribuir-se-ia a cada família económicamente débil um talhão onde poderia construir a sua habitação provisória ou definitiva. Aliás a Junta, nos últimos tempos, já enveredou um pouco por este caminho.

Se a construção da habitação provisória não oferece dificuldades de maior, com a definitiva já assim não sucede. Quem a construirá? Com que fundos, se é precisamente a debelidade económica do interessado a causa do problema?

À custa de investimento público já vimos não ser possível e, na falta de instituições de previdência que, a exemplo do que sucedem metrópole, chamem a si esse encargo, acho que a única solução será a formação de cooperativas, superiormente orientadas quando necessário e, se possível, inicialmente subsidiadas. Para construção de casas o investimento público só deve ir até aí.

Note-se que na acção a desenvolver pelas cooperativas só pode contar com o trabalho dos interessados.

Fica, assim, apontada uma primeira sugestão: que o investimento público se limite às infra-estruturas e, se possível, mas, moderadamente, se estenda a um subsídio inicial a cooperativa de construção.

Prossigamos.

Entre os inúmeros e complexos interesses a que a Administração tem de fazer face devem distinguir-se os interesses gerais da Nação e os locais.

Certamente por se verificar, como ensina o Prof. Marcelo Caetano, que «a tradição e a razão indicam a conveniência de entregar u administração das próprias comunidades - concelho ou freguesia - a realização dos interesses relativos à convivência, consequente da vizinhança e que os interessados estão em muito melhores condições de exprimir, de avaliar e de prover do que a distante burocracia, do Estado, mesmo representada por agentes locais» (cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 7.ª edição, p. 381), certamente por isso fixa a nossa lei, regra geral, atribuir a prossecussão dos referidos interesses gerais aos órgãos do Estado e os específicos das comunidades «relativos à convivência consequente da vizinhança» às autarquias locais.

Digo regra geral porque precisamente uma das excepções é constituída pelos interesses em exame, cuja prossecução está atribuída, à Junta dos Bairros e Casas Populares.

Sem, de modo algum, pretender menosprezar o bom trabalho até aqui realizado por aquele organismo, acção essa que merece o nosso melhor apreço, entendo que, em atenção ao princípio atrás enunciado, aquelas atribuições deviam ser transferidas para os órgãos das autarquias locais, mais precisamente, para as câmaras municipais.

Cabe até perguntar: se interesses semelhantes dos «não económicamente débeis» são prosseguidos pelas câmaras municipais, porquê tratamento diferente para os débeis?

E fica apontada uma segunda sugestão: que passe a constituir atribuição das câmaras municipais a instalação dos económicamente débeis.

Vejamos agora como superar as restantes dificuldades, das quais, aliás, só se afigura de mais difícil remoção a escassez de meios financeiros.

Não obstante, ter posto de parte o investimento público total na construção de casas, as despesas a fazer com as infra-estruturas enunciadas são, mesmo assim, vultosas. Julgamos não andar longe da verdade se lhes atribuirmos um valor correspondente a 10 por cento do total no início apontado, ou seja 400 000 contos para as necessidades actuais ou, para um programa de 10 anos, o dispêndio anual de 800 000 contos (considerando os aumentos anuais).

Sr. Presidente, peço licença para fazer um pequeno parêntesis.

É hoje um lugar comum dizer-se que os capitais não têm pátria. Lê-se assim nos escritos da especialidade e

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ouve-se dizer que o capital não se coloca onde os outros o desejam, mas onde os seus detentores encontram melhores condições para o fazer.

Se o princípio for de aceitar em tempo de paz, não o é em tempo de guerra. E é tempo de guerra o que vivemos.

Por isso faço daqui um duplo apelo: aos detentores de capital - que na paz em que até há poucos anos vivemos encontraram óptimas condições de o acumular - para que meditem bem a situação presente, e que não substituam no nosso lema «Deus, pátria e família» alguns daqueles valores ou não coloquem outros à sua frente; ao Governo para que, no sentido de facilitar aquela tomada de posição, crie favoráveis condições de investimento nos sectores onde mais se faz sentir a falta de capitais, designadamente na construção de casas económicas.

Em suma: mostremos por obras que os capitais de portugueses têm pátria, são portugueses.

Feito este parêntesis, retomemos o fio das nossas considerações.

A par da redução que considero indispensável para que se possa encarar realisticamente a solução dó problema, preconizei que as atribuições em causa transitassem para as câmaras municipais.

Dir-se-á: se, como é do conhecimento geral, as câmaras lutam com enormes dificuldades financeiras, vamos ainda sobrecarregá-las com mais e dispendiosos encargos?

Há pouco referi que o caso em exame constituía uma excepção à regra do princípio orientador da repartição de competências para a prossecução de interesses gerais e locais.

Cabe agora referir algumas outras excepções, mas em sentido contrário. São estas: sobre as câmaras municipais do ultramar impendem os seguintes encargos - correspondentes a 8 por cento das suas receitas ordinárias -, que, a meu ver, correspondem a interesses gerais da Nação:

l por cento para o Instituto de Medicina Tropical (base XVIII da Lei n.º 1920, de 29 de Maio de 1935, e artigo 7.º do Decreto n.º 26 288, de 28 de Janeiro de 1936);

l por cento para o Instituto Ultramarino (Decreto de 11 do Janeiro de 1891 e Lei de 21 de Maio do 1896);

l por cento para a Comissão Central de Assistência Pública (artigo 4.º do Diploma Legislativo n.º 484, de 29 de Janeiro de 1936, e regulamento aprovado pela Portaria n.º 2767, de 17 de Junho de 1936);

5 por cento para a instrução primária (artigo 1.º do Diploma Legislativo n.º 395, de 30 de Dezembro do 1933).

Ora, o que me parece é que deverão pôr-se as coisas no seu devido lugar, exonerando as câmaras de obrigações que não lhes competem e atribuir-lhes as que devem ter.

Contra esta sugestão opor-se-á, esquecendo a escassez das respectivas receitas e as enormes despesas, que antes de constituído o Fundo para a Construção de Casas - hoje Junta - as câmaras municipais se mostraram incapazes do solucionar o problema. A solução é simples: basta que se estabeleça na lei a obrigação de as câmaras despenderem anualmente, para o efeito, determinada percentagem das suas receitas ordinárias e se fiscalize o cumprimento da lei. Se essa percentagem fosse fixada nos mesmos 8 por cento que sugeri que as câmaras deixem do despender, teríamos que só por ano, a Câmara Municipal da Beira (faltam-me elementos das restantes) despenderia para a instalação de económicamente débeis cerca de 7500 contos.

Ora, se considerarmos que naquele concelho há necessidade de instalar 8000 famílias, pode estimar-se a correspondente despesa (dentro do raciocínio anteriormente feito) em 40 000 contos. Admitindo, realisticamente, que em menos de dez anos é, nas condições actuais, impossível solucionar o problema, teremos (ainda dentro do mesmo raciocínio.) que será de 8000 contos o dispêndio anual a efectuar. Há assim apenas uma diferença anual de 500 contos, que na prática, estou certo, se anularia.

E o que se diz para a Câmara Municipal da Beira julgo poder dizer-se para as restantes.

Fica aqui, portanto, outra sugestão: exonerar as câmaras da obrigação de contribuírem para as despesas gerais das respectivas províncias e obrigá-las, por outro lado, a promover a instalação efectiva dos económicamente débeis.

Objectar-se-á perguntando onde ir buscar o dinheiro que o Estado deixa de receber se a solução for adoptada. Responderei: parte ao que hoje despende através da Junta dos Bairros e Casas Populares. Para o restante só aumentando as receitas próprias ou incentivando a afluência de capitais. Ficou apontada uma sugestão quando afirmei que os capitais de portugueses são de portugueses.

Prossigamos nas apreciações das dificuldades apontadas.

Inexistência de terrenos livres adequados ao fim em vista. - Ouve-se com frequência advogar o princípio de que os bairros em questão devem ser construídos dentro da própria cidade, e não em zonas periféricas. Concordo que seria o ideal, mas, procurando sempre encarar as coisas realisticamente, não vejo forma de o conseguir. Não faz sentido instalar económicamente débeis em zonas caras, pois, em última análise, serão eles a pagar o terreno onde a sua casa será construída. Aliás, para não irmos mais longe, basta pensarmos no que se passa em Lisboa, onde os «bairros económicos» - e repare-se que alguns não são apenas para económicamente débeis - se situam em zonas periféricas, ou que o eram quando foram construídos.

O que se deverá fazer é providenciar para que o transporte para e dos locais de trabalho se faça ao menor custo possível.

Dificuldades na expropriação. - Embora os terrenos susceptíveis de aproveitamento sejam periféricos, a verdade é que a sua maioria, se não a totalidade, é propriedade de particulares que, geralmente, neles não introduziram a mais pequena benfeitoria. No tempo que se diz ter sido da «árvore das patacas» requereram a respectiva concessão, gastaram pouco mais que meia dúzia de escudos e ficaram proprietários de extensões razoáveis.

Assim, há necessidade de proceder a expropriações, sendo da maior conveniência que se estabeleça um processo simples e rápido quando o fim da expropriação for o que temos em vista.

Fica apontada, portanto, mais uma sugestão.

Planos de urbanização. - A sua falta impede a determinação dos terrenos adequados e vai-se passando o tempo. E simples: fixem-se prazos curtos, mas razoáveis, para que as câmaras elaborem os respectivos planos. Dir-se-á que a maioria das câmaras não dispõem de técnicos para o efeito. Nesse caso basta socorrerem-se da faculdade prevista no artigo 540.º da Reforma Administrativa Ultramarina, que lhes dá a possibilidade de requisitarem às repartições e serviços do Estado o pessoal técnico de que não carecem permanentemente.

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Para finalizar, resumirei as sugestões que anteriormente fiz e julgo poderem ser aproveitadas para a solução do problema:

1.ª Limitar o investimento de dinheiros públicos às infra-estruturas e, moderadamente, quando possível, a subsídios iniciais a cooperativas, procurando por todos os meios fomentar a construção de casas de alvenaria à custa de capitais privados;

2.ª Transferir para as câmaras municipais o encargo da instalação dos económicamente débeis;

3.ª Dar às câmaras municipais os meios financeiros indispensáveis para o efeito, exonerando-as, por exemplo, de encargos financeiros que não lhes competem;

4.ª Estabelecimento de um processo de expropriação simples e rápido;

5.ª Promover que as câmaras municipais elaborem com a maior urgência os respectivos planos de urbanização.

É esta a minha modesta contribuição. Se dela nada se puder aproveitar, resta-me a consolação de a ter produzido de boa fé e sempre de olhos postos no interesse público.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: Seria injustiça, que não desejo cometer, se ao iniciar esta intervenção sobre o problema habitacional constante do aviso prévio anunciado pelo Sr. Deputado Henriques Nazaré não dedicasse as minhas primeiras palavras à obra notável de promoção e acção social que em toda a província de Moçambique se tem desenvolvido e está bem patente em favor de todas as populações que sempre protege-mos e acarinhámos.

De há muito que o problema relativo à habitação, mormente o que se refere às classes mais necessitadas, vem sendo objecto de grande preocupação dos nossos governantes, que têm procurado por todos os meios ao seu alcance solucionar este inquietante problema.

E para atingir tão humanitário fim ali foram criados fundos especiais destinados à construção de bairros populares de vários tipos e de casas de habitação em regimes diversos, o que largos benefícios tem proporcionado a quantos necessitam e ali trabalham em prol do desenvolvimento daquela nossa bem portuguesa província de Moçambique.

Tanto na metrópole, onde o Governo Central tem desenvolvido uma gigantesca acção de extraordinário alcance social, construindo ininterruptamente bairros económicos, onde se têm alojado milhares de famílias pobres que antes viviam numa verdadeira miséria em casebres improvisados sem as mínimas condições de salubridade, como em todo o nosso ultramar, onde famílias em número elevado viviam em arremedos de palhotas cobertas de colmo, sem nenhumas condições de conforto e higiene, tudo tem sido considerado no sentido de só resolver este premente problema, que não ó, aliás, exclusivo nosso, mas existe infelizmente em todo o Mundo, mercê de circunstâncias várias, de entre as quais parece salientar-se um forte e natural afluxo de população em redor de determinados centros urbanos.

Faz parte desta legislatura um ilustre Deputado cuja presença por largos anos na província de Moçambique como seu mais alto magistrado ficou bem vinculada pelo progresso e desenvolvimento que S. Ex.ª imprimiu em todos os sectores da vida daquela província, sem exclusão do problema, habitacional, que mereceu sempre a sua maior atenção e agudeza de espirito.

Já então, e decorreram muitos anos, ali foram criados fundos especiais destinados à construção de bairros económicos para acudir à precária e difícil situação das populações mais carecidas.

Esses fundos, em tão boa hora criados, foram convertidos em bairros de tipos vários que se espelham em todos os distritos, onde se instalaram e vivem, em circunstâncias que podemos considerar boas, milhares de famílias de várias condições sociais e grau de civilização.

Quero referir-me, como por certo já se deve ter presumido, ao Sr. Comandante Gabriel Teixeira, a quem Moçambique muito deve, ao seu dinamismo, ao seu saber e à grande experiência da vida ultramarina que granjeou ao longo de largos anos naquelas terras, nas quais deixou o seu nome indelevelmente gravado, e às quais ficou ligado pelo espírito e pela alma.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim se iniciou uma era de plena acção no campo social, que tem sido consideràvelmente ampliada pelos sucessivos governadores, que a este problema se têm dedicado, mandando construir em todos os distritos, por ordem de necessidades, moradias e bairros de vários tipos, para prover à carência habitacional, em cujo campo a iniciativa privada afrouxou o ritmo de construções e até nalguns distritos se desinteressou quase completamente, apenas porque lhe tem faltado o necessário crédito, que tanto tem prejudicado o desenvolvimento da construção civil em Moçambique.

A obra admirável, a todos os títulos meritória, que está sendo levada a efeito no distrito de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, não pode, pela sua grandeza assistencial e de protecção ao nativo, deixar de merecer a nossa maior admiração, e, por isso, a ela dedico algumas palavras, embora a traços largos.

Ali se encontram já construídos aldeamentos em vários pontos, cobrindo vastas áreas, onde milhares de famílias nativas se instalam e se acomodam com certa higiene e determinadas condições, que muito melhoram a sua vida. Nestes aldeamentos, onde as principais necessidades foram previstas, encontram as populações rurais as maiores facilidades para uma vida melhor, contando com determinada defesa contra os ataques dos terroristas, que em determinadas zonas, se esforçam por criar um clima de miséria e de insegurança.

Nas cercanias desses aldeamentos completam esta obra de auxílio às populações nativas do interior do distrito áreas de enormes superfícies de terras destroncadas e lavradas, prontas para as culturas de produtos oriundos daquelas regiões, onde as populações autóctones podem facilmente, deste modo, obter resultados altamente rentáveis, que lhes permitem uma auto-alimentacão e de seus familiares, podendo comerciar a parte excedente para fazerem face às suas restantes despesas.

No âmbito assistencial e de amparo às populações rurais não tem o Governo descurado um só elemento que possa ser aproveitado para melhorar as suas condições de vida, criando Leis especiais que muito protegem o trabalhador.

E tão grande tem sido a preocupação e o interesse por tão humanitária obra que se tem por vezes chegado a tocar as raias do exagero. Tudo tem os seus limites,

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e o que for para além ou para aquém deles está naturalmente deslocado, carecendo, portanto, de justo e equitativo acerto.

Abrangendo todos os sectores das actividades privadas e estatais da província, tento no campo industrial como no da agriculturas tudo as nossas leis prevêem e obrigam para que ao trabalhador sejam concedidas, para além dos respectivos proventos que auferem, determinadas regalias que lhes permitem uma melhoria de vida.

E entre essas regalias de que o trabalhador goza, segundo as nossas leis proteccionistas e morais que abrangem toda a classe trabalhadora, acho que vale a pena, a título elucidativo, enumerar as principais concedidas em Moçambique, o que não se verifica na maior parte dos novos estados africanos, que, arvorando-se em paladinos das populações negras, só lhes têm criado uma vida cheia de dificuldades, que as encaminha para o caos, onde se gera a miséria e o crime, reinante nessa África embriagada pela magia das independências.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As vastas obras sociais que o sector empresarial tem levado a efeito em favor do trabalhador autóctone são da maior relevância, não podendo, pelo seu valor, permanecer na obscuridade, pelo que entendemos salientar aqui algumas das principais.

O alojamento condigno para o trabalhador e seus familiares quando o acompanhem constitui obrigação das empresas.

A assistência médica e hospitalar é obrigatória e é concedida a título gratuito, tanto para o trabalhador como para as suas famílias.

Para além das infindáveis somas despendidas em acampamentos construídos a título definitivo e em hospitais devidamente apetrechados para a assistência de milhares de pessoas, têm as empresas gasto também somas apreciáveis com a construção de escolas, cinemas e campos de jogos, na altruísta iniciativa de colaborar activamente na obra digna e justa que o Governo vem edificando de há muito.

Veio este apontamento a propósito, Sr. Presidente, para dar uma ideia esclarecedora, embora pálida, da larga acção social que há muito se vem desenvolvendo em Moçambique e nas restantes províncias ultramarinas, na louvável intenção de melhorar e elevar cada vez mais o nível das populações nativas, cujo bem-estar e progresso constituiu sempre a nossa maior atenção.

Não pode, por isso, alegar-se nunca, sem adulterar a verdade e a justiça, que não nos tenhamos debruçado interessadamente sobre tão vasto problema, procurando melhorar o nível de vida das populações através de uma intensiva escolarização e assistência de toda a ordem, na qual está implícito o próprio alojamento.

Não fora o desgaste, em somas infindáveis, a que somos obrigados com a defesa da nossa integridade territorial e das populações contra os inimigos vindos de além-fronteiras, que pretendem criar em Moçambique um clima de hostilidade e desordem, a que felizmente as nossas populações não aderem, combatendo até a presença de tal banditismo, teríamos levado a cabo uma mais ampla acção, do maior benefício para todos, que já hoje constitui obra notável que muito nos dignifica e não receia confrontos.

Porém, Sr. Presidente, não obstante o muito que temos feito em matéria de assistência e promoção social das nossas populações africanas, muito mais e melhor se impõe fazer, para que mostremos ao mundo, que nos ataca injustamente, a nossa capacidade de país civilizador em África, e para continuarmos, como até agora, a merecer sempre o respeito e o reconhecimento de todos quantos se orgulham de ser portugueses.

Sejam quais forem as vicissitudes a que os chamados ventos da história nos obriguem, jamais poderemos afrouxar o ritmo do progresso que temos desenvolvido em favor das nossas terras africanas e da sua gente, que não abdica nunca do" direito de querer ser sempre portuguesa.

Sr. Presidente: Pelo que me tem sido dado observar, verifico que este problema assume maior gravidade no sector das populações de orçamentos médios e baixos e das populações consideradas pobres.

Parece, portanto, que as maiores necessidades residem naqueles centros, podendo a sua premência condicionar-se nos seguintes escalões:

Moradias de rendas médias, isoladas ou em bairros de conjunto;

Bairros económicos de rendas baixas;

Bairros populares de construção simples e modesta para alojar as populações de remuneração baixa, que actualmente vivem em palhotas arvoradas em casas, no meio de bairros indígenas, cujas rendas se podem considerar exageradas e de caracter especulativo;

Bairros conhecidos por «bairros indígenas» e também por «bairros da lata» para alojamento de milhares de famílias nativas que vivem ainda em autênticos montões de paus e capim, sem as mínimas condições de higiene e salubridade, onde a moral e a ordem constituem palavra vã, pela dificuldade de acesso para tão necessárias visitas da autoridade sanitária e administrativa.

Os primeiros tipos de construções acima referidos, de moradias de rendas médias, e bem assim os bairros de casas económicas de rendas baixas, devem, a meu ver, constituir obra a desenvolver pela iniciativa particular, se para tanto uma política de crédito especial e a baixo juro lhe for facultada e funcione em larga escala na província de Moçambique, como se impõe, para um maior e mais rápido desenvolvimento, tanto neste como noutros sectores da vida daquela província.

Aliás, é prática de há muito seguida, pois o Montepio e a Caixa Económica Postal, especialmente esta última, a quem a província muito deve da sua linda urbanização pelas grandes somas de capital que concedeu durante longos anos para a construção de edifícios e moradias, tem constituído, até há pouco, um forte esteio no fomento da construção civil em toda a província.

Infelizmente, devido a razões contrárias à sua vontade esse auxílio afrouxou de tal modo que a iniciativa particular, que vinha sendo animada de uma forte vontade de investimentos no sector da construção civil, está praticamente desinteressada, apenas por falta desse auxílio, o que traz um maior agravamento ao problema da habitação, já de si tão precário, com os consequentes prejuízos para a classe operária de construção civil, que ali tinha garantido o seu sustento e de sua família.

Os bairros populares e bairros indígenas devem constituir obrigação adstrita às câmaras municipais, para cujo fim se torna indispensável a concessão de subsídios especiais, a título gratuito.

E esse auxílio não pode fazer-se esperar para que a missão das câmaras seja cada vez mais profícua e satisfaça convenientemente às necessidades prementes das áreas da sua jurisdição.

A concessão de subsídios destinados à construção de bairros económicos e dos chamados «bairros indígenas»

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constitui uma obrigação moral a que o Governo não deixará do atender em face da exiguidade dos orçamentos camarários, que não lhes permitem progredir como desejariam.

As despesas obrigatórias, a que por lei não podem eximir-se, com subsídios para vários fundos metropolitanos, enfraquecem os orçamentos, já de si tão depauperados por falta de receitas próprias.

O auxílio do Governo às câmaras municipais, traduzido em subsídios especiais destinados a enfrentar o problema da habitação em Moçambique, seria sem dúvida um gesto da maior projecção, que traria como consequência a resolução do problema habitacional, constituindo simultaneamente uma fonte de receita proveniente das respectivas rendas.

Dentro dos seus limitados recursos, as câmaras municipais, tanto moçambicanas como de todos os pontos do País têm feito verdadeiros milagres na sua administração, o que só a uma grande vontade e dedicação dos seus dirigentes e de todo o pessoal se deve o surto de progresso que em todos os cantos se verifica.

Não será desmedido, portanto, pedir nesta mais alta Assembleia do País um maior auxílio para todas as câmaras, sem qualquer exclusão de latitudes, o que lhes permitirá um maior desafogo e mais rasgados movimentos na nobre missão que lhes compete em favor das suas áreas em prol do bem estar dos seus munícipes.

Sr. Presidente: Parece não haver dúvida quanto à necessidade de acelerarmos o passo de modo a progredirmos mais acentuadamente no caminho há muito aberto e trilhado, na serena e persistente política de progresso social a que o Governo se tem dedicado.

A base de uma alicerçada política de fomento habitacional reside principalmente, nos seguintes pontos:

Aumento considerável das verbas atribuídas aos fundos de construção;

Concessão de subsídios às câmaras municipais para este fim especial, a título gratuito, como compensação das suas exíguas receitas;

Fomento de uma política de crédito a baixo juro para fins especiais de construções de moradias e bairros económicos em todos os distritos da província de Moçambique.

Esta uma das missões que compete ao Governo desenvolver junto das entidades e instituições de crédito.

Numa política, de auxílio em favor do problema habitacional, devem as câmaras municipais prestar todas as facilidades, abandonando completamente o sistema de uma doentia, e prejudicial burocracite muito, em voga, que só conduz ao desânimo e muitas vezes até à desistência de quem na mais louvável intenção, deseja trabalhar em prol do desenvolvimento das terras onde vive.

No seguimento dessa política de auxílio devem as câmaras conceder, sem complicações e devidamente já titulados, terrenos para construção de determinados tipos de casas e bairros, facilitando também a entrega gratuita de plantas já aprovadas a quem pretenda construir.

A iniciativa particular merece todo o auxílio em crédito e facilidades burocráticas. Em todos os sectores da vida de Moçambique esta iniciativa tem constituído sempre elemento da maior relevância, que ao progresso daquela província tem dado o melhor da sua dedicação e esforço.

Sr. Presidente: Seja qual for o ângulo por que queiramos observar este assunto, vislumbramos sempre aspectos e implicações de carácter vário que convém acompanhar com o maior interesse, pois ele tem afinidades directas com o problema social, humano e até político.

O auxílio às populações nativas esteve sempre na ordem do dia das nossas preocupações e a ela a nossa Administração tem dispensado sempre especial carinho.

Estou certo de que em reforço da política verdadeiramente humanitarista que temos seguido em favor da civilização que temos oferecido ao Mundo, o Governo não deixará de considerar este assunto no próximo Plano de Fomento.

As populações bem merecem tudo o que em favor da sua felicidade podermos dar-lhes, porque quando e onde for necessário elas saberão oferecer o seu maior sacrifício para a salvação da nossa querida Pátria.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: Em breve intervenção antes da ordem do dia e a propósito do ciclone que assolou o Sul da província de Moçambique tive ocasião de expor, muito sucintamente, a esta Câmara o problema habitacional das muitas famílias que vivem na zona suburbana da cidade de Lourenço Marques, para o qual se tornava urgente encontrar uma solução.

Foi com muita satisfação que li há alguns dias uma nota oficiosa do Governo-Geral da província de Moçambique, distribuída, à imprensa, na qual se diz que o Governo procurou encontrar uma solução tão rápida quanto possível, nomeando para isso uma comissão que foi incumbida de, no prazo de vinte dias, se pronunciar sobro o plano de trabalhos previamente elaborados.

Ao subir a esta tribuna para participar no aviso prévio sobre a habitação dos económicamente débeis no ultramar, é-me grato começar por poder congratular-me com esta atitude do Governo da minha província, que veio rapidamente em auxílio das muitas famílias que por força da catástrofe ficaram sem os seus lares, ao mesmo tempo que procura tomar medidas concretas e práticas na resolução de um problema que se vai agravando com o rápido e crescente aumento das populações à volta da cidade.

Sr. Presidente: É do conhecimento comum que o problema habitacional é um problema mundial, e tão complexo que a maioria das nações não conseguiu ainda encontrar para ele soluções eficazes e definitivas.

Na última, sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, onde o ploblema da habitação no Mundo foi debatido na 3.ª Comissão, verificou-se que este problema está ainda longe de ser solucionado em quase todos os países do Mundo e que se apresenta acentuadamente grave nos países em vias de desenvolvimento da África, na Ásia e na América Latina.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - A título de informação da universalidade do problema e da sua gravidade nos diferentes países do Mundo, transcrevo para VV. Ex.ªs algumas declarações feitas por delegados durante os trabalhos da 3.ª Comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua última sessão e que estão consignadas nas actas.

Disse o delegado do Ceilão:

A habitação continua a ser um dos problemas mais prementes nos países em vias de desenvolvimento. Uma grande parte da população mundial vive em

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alojamentos insalubres e num meio físico doentio. Calcula-se que metade da população da Ásia, da África e da América Latina vive em alojamentos sórdidos, sobrepovoados e insalubres. A situação agrava-se devido ao crescimento demográfico rápido nestas regiões.

Um grupo especial de técnicos de habitação e de desenvolvimento urbano, que se reuniu em 1962, declarou que seriam precisos 24 milhões de casas por ano na África, na Ásia e na América Latina para alojar o acréscimo da população e remediar a carência actual. Isto representa uma construção anual de 10 alojamentos por 1000 habitantes. O facto de a maior parte dos países altamente industrializados não terem eles próprios atingido esta taxa de produção demonstra a amplitude do problema.

No Ceilão a penúria de habitações é um problema nacional de primordial importância. Uma comissão especial da habitação criada pelo Governo pressupôs que seriam precisas cerca de 1000 novas habitações para preencher o atraso existente em 1962 e fornecer o número de habitações necessárias para fazer face ao acréscimo de população previsto entre 1962 e 1972.

E acrescenta:

Este total pode parecer fraco, mas é considerável para um país que tem apenas 11 milhões de habitantes.

O delegado da Colômbia, por sua vez, declarou que «apesar dos 6500 prédios construídos em Bogotá em 1964, a cidade sofre ainda de uma grande falta de habitações, devido no afluxo de emigrantes vindos dos campos, afluxo que se traduz por um aumento de 6 por cento da população da capital durante os três anos que precederam o recenseamento de 1964».

Por sua vez, o delegado da Líbia diz «que o problema da habitação chegou a um ponto crítico na Líbia, em virtude das migrações das zonas rurais para as cidades que se seguiram à, descoberta do petróleo nos últimos anos. O Governo, reconhecendo que convém estudar em prioridade os problemas da habitação, decidiu, em Outubro de 1965, criar um Ministério da Habitação, que substituirá o antigo Departamento da Habitação no Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais.

O novo Ministério ocupar-se-á de projectos-pilotos e de financiamento dos programas a longo prazo».

São do delegado do Paquistão as seguintes palavras:

O problema da habitação urbana pôs-se pela primeira vez no subcontinente indo-paquistanês no decorrer da primeira guerra mundial em seguida a uma urbanização rápida; no Paquistão este problema agravou-se com o afluxo de refugiados. No decurso dos últimos anos um crescimento económico rápido canalizou para as cidades uma multidão cada vez mais numerosa, o que, com a taxa elevada de crescimento demográfico, criou uma situação grave que requer uma solução urgente.

Os delegados dos países africanos, entre eles o da Libéria e do Ghana, foram unânimes em afirmar a gravidade do problema habitacional nos seus países e as dificuldades financeiras que têm para resolvê-lo.

O problema habitacional decorre da própria evolução do mundo moderno.

Com a industrialização das cidades e o êxodo crescente das populações dos campos para aquelas em procura de melhor nível de vida, vão-se criando nas zonas urbanas crises de alojamento, ao mesmo tempo que se formam nas zonas suburbanas aglomerados populacionais em condições precárias de habitação, com todas as suas más consequências sociais. A influência do meio habitacional no carácter do homem e na estrutura e estabilidade da família, considerada a célula da sociedade, tem levado os governos a preocuparem-se cada vez mais com a habitação no sentido de se dignificar a família através dela. Mas não são apenas os motivos de ordem social que colocam o problema habitacional entre os primeiros para o progresso dos povos. A importância desempenhada pela habitação no rendimento do trabalho é factor muito de considerar na produtividade e economia dos países.

Daí que se tenha procurado estimular as empresas e entidades particulares na construção de casas para os seus trabalhadores e empregados. As condições de vida influem, sem dúvida, no crescimento económico dos povos, o qual será tanto mais rápido e equilibrado quanto mais aceitáveis forem aquelas. Sabendo-se que o desenvolvimento económico é um meio indispensável para assegurar o bem-estar do homem, procuram os governos criar através da habitação o meio físico favorável a esse desenvolvimento.

Assim, no nosso país se procura também dar um passo decisivo na resolução do problema habitacional, conjugando-se os esforços do Estado com os das entidades privadas. Pelo que nos tem sido dado observar e apreciar, têm-se construído ultimamente numerosos bairros de casas económicas para as famílias de fracos recursos e também para os operários e trabalhadores de empresas.

Sente-se um esforço comum do sector público e privado para um mesmo fim: a elevação do nível de vida das famílias através da habitação. Criou-se na metrópole, pois, uma verdadeira política habitacional, para a qual concorrem o Governo, com legislação apropriada e meios de financiamento, as câmaras, os vários organismos corporativos, as instituições de previdência social, as sociedades cooperativas, as empresas industriais particulares e outras entidades privadas. Há já também uma certa experiência nas variadas soluções a dar aos beneficiários das habitações quanto à aquisição destas, desde a casa económica à, propriedade resolúvel, casas de renda limitada o outras que visam satisfazer as diferentes categorias populacionais de menor rendimento.

No ultramar, onde o problema habitacional é muito mais complexo, devido ao específico condicionalismo social e económico dos diferentes territórios e povos, não só criou até hoje verdadeiramente uma política habitacional, e urge que se crie.

Para falar apenas da província de Moçambique, que nesta Câmara represento, têm nela existido alguns esforços louváveis no sentido da construção de habitações para as famílias menos favorecidas, mas poucos e dispersos, pois que, por falta de meios materiais, de coordenação e consciencialização das populações, não se tem conseguido realizar empreendimentos de vulto que satisfaçam as grandes necessidades das populações.

Foi em 1922 que o Governo providenciou financeiramente no sentido da construção de habitações para os autóctones, entregando o encargo das realizações às câmaras municipais, que em 1943-1944 construíram em Lourenço Marques um bairro de casas económicas na Avenida de Angola, o actual Bairro da Munhuana, e, por essa mesma data, um bairro na Beira, na Munhava, e mais tarde, um outro no Macuti. Também em Porto Amélia se construíram algumas poucas casas económicas.

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Em Setembro de 1958 foi publicado o Diploma Legislativo n.º 1794 com o fim de concentrar num só organismo a acção dispersa, das câmaras municipais na construção de casas para os populações menos evoluídas. Remodelado este diploma em Outubro de 1962 e por força do Decreto-Lei n.º 43 893, de 6 de Setembro de 1961, resultou do organismo já criado a Junta dos Bairros e Casas Populares, que tem como objectivo a construção em zonas urbanas e suburbanas de casas económicas com as condições funcionais indispensáveis para as populações de fracos recursos.

Entrou-se então no estudo de planos do arranjo urbanístico para a construção de bairros populares e dois foram construídos nas proximidades da, capital, um na Machava, com 350 fogos, e outro na Matola, este pela, respectiva Câmara, com 100 fogos, hoje muito mais extenso.

Sabemos da existência de mais estudos para mais bairros populares em diversas localidades da província.

Porém, dificuldades de vária ordem, sobretudo a falta de meios materiais, têm impedido e retardado a execução de um vasto plano de urbanização das zonas suburbanas de Lourenço Marques, onde vivem em condições precárias de sanidade milhares de famílias cuja situação se agravou ultimamente com as inundações provocadas por fortes chuvas.

A preocupação de se dar alguma solução a este grave problema, tem-se manifestado largamente através da imprensa e levou até, por iniciativa de uma agremiação profissional - a Caixa dos Enfermeiros Nativos -, à formação de um grupo constituído por representantes de várias associações e colectividades locais, a que aderiram personalidades especializadas em vários domínios e que se propôs fazer um estudo sobre o problema, o qual foi submetido à apreciação das entidades.

Procurou esse grupo de trabalho ser o intermediário entre a opinião pública interessada e os Poderes Públicos, dando a estes uma colaboração que em problema tão complexo é de apreciar, porquanto, tratando-se dos próprios interessados, eles manifestam espontaneamente as suas necessidades e aspirações. Contudo, caberá a instituições próprias, com pessoal especializado, a elaboração de inquéritos pelos quais se possa planear a construção de habitações e a urbanização dentro de critérios seguros e científicos.

Na metrópole, por iniciativa do então Ministro das Corporações, Deputado Dr. Veiga de Macedo, que ao problema habitacional deu muito da sua inteligência e entusiasmo, criou-se em 1956 o Serviço de Inquéritos Habitacionais, que veio a ter consagração legal em 1962 e cuja colaboração tem sido eficiente e útil na realização de planos de construção e urbanização. Em Moçambique poucos inquéritos se têm feito, devendo, porém, referir-se um inquérito habitacional de 1963 no Bairro da Munhuana, em Lourenço Marques, por uma equipa de assistentes sociais do Instituto de Educação e Serviço Social de Moçambique. Julgo que na resolução do problema habitacional se torna indispensável começar-se por fazer inquéritos às diferentes populações no sentido de se caminhar mais seguramente no plano da construção das casas.

Embora se sinta que o problema habitacional dos económicamente débeis vem suscitando um interesse crescente por parte das populações, há que consciencializar as diversas camadas sociais nesse sentido. Por outro lado, na formação de uma verdadeira política habitacional importa coordenar eficazmente a acção das entidades que interferem directamente na resolução do problema, tais como a Junta dos Bairros e Casas Populares, as câmaras, a Comissão de Planeamento da, Região ao Sul do Save, as obras públicas, o Instituto de Educação a Serviço Social, para que se não dispersem esforços e se sobreponham tarefas. Parece-me de interesse a criação de um organismo ou instituto que se ocupasse do problema geral da habitação e fosse o elemento que coordenasse e dirigisse a política habitacional da província.

Não basta, porém, construir as casas para que o problema habitacional fique resolvido. A política habitacional terá de ser acompanhada, de perto por uma eficaz política social e educacional.

Devido aos diferentes graus de cultura, de economia, e às diversas proveniências étnicas das populações, o problema habitacional no ultramar toma aspectos bem diferenciados do da metrópole.

Construir casas em atender a esses aspectos seria um erro.

Deverá atender-se à heterogeneidade da população sob o ponto de vista social e económico sem que isto represente de modo algum segregação. Ter-se-á em conta este aspecto na construção dos vários tipos de casas que, além de simples e arejadas, deverão estar adaptadas à mentalidade das diferentes camadas populacionais, para que sejam facilmente aceites por estas e em condições de construção tais que possam ser facilmente modificadas pelos próprios habitantes à medida que o seu progresso económico e social o exija, o qual se fará através de uma bem orientada política educacional e social.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Ainda que o aspecto económico seja de ponderar, o problema habitacional dos económicamente débeis no ultramar reveste-se de um carácter eminentemente social e humano.

A educação contribui em larga medida para a aproximação das diferentes etnias e camadas sociais, e é através dela que se vão progressivamente integrando as diferentes populações era comunidades multirraciais dentro dos sãos princípios que têm norteado a política portuguesa.

Na construção dos bairros populares deverá também atender-se a este importante aspecto das comunidades consentâneo com os interesses sociais, morais e políticos da Nação e que hoje, mais do que nunca, importa reforçar e preservar. Temos já alguns bairros bem significativos da verdade dessa política, entre eles o da Machava, em Lourenço Marques, e o das zonas suburbanas de Quelimane. Neste aspecto é justo salientar a política de convivência multirracial desenvolvida pelo então governador-geral almirante Sarmento Rodrigues, que procurou também dar um impulso ao problema habitacional dos económicamente débeis, libertando para a construção de casas terrenos do Estado que estavam reservados para outros fins.

Com a crescente expansão da escolaridade e com o progresso sensível da educação das massas, populacionais, vem-se verificando, ultimamente, sobretudo nas populações urbanas e suburbanas das cidades, uma acentuada ânsia de ascensão social que se manifesta na mudança mais rápida de hábitos tribais e na criação de novas exigências ao gosto europeu. Nesta camada da população, cujo progresso social não é muitas vezes acompanhado pelo desenvolvimento económico, a habitação económica, funcional e higiénica exercerá, sem dúvida, uma acção relevante a completar a aculturação e a contribuir para a unidade e fixação da família.

É de salientar o papel da habitação na promoção social da mulher, nativa, ainda tão carecida dela. Sendo esta o membro da família que permanece por mais largo tempo na habitação, onde se ocupa do lar e cuida dos filhos fácil é de prever que a melhoria das condições de aloja-

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mento despertará nela o gosto pela casa, o desejo de aprender ou de melhorar os seus fracos conhecimentos, lista influência da habitação na mulher contribuirá, sem dúvida, para a sua mais rápida promoção social, a qual se reflectirá na educação dos filhos e em todo o agregado familiar e na própria sociedade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Prevê o Governo da província a execução de um vasto plano, transferindo as famílias económicamente débeis aglomeradas em terrenos insalubres das zonas suburbanas para terrenos do Estado com boas condições de habitabilidade, assegurando-lhes ao mesmo tempo facilidades de transportes e comunicações. Ao Estado e às autarquias caberá também a criação das infra-estruturas necessárias e a urbanização dessas áreas, ficando a cargo dos interessados a construção das suas casas com o apoio do Estado em técnicos e algum material (pedra e areia). É uma medida louvável e humana, pois que muitos dos interessados não poderão, pelo seu baixíssimo poder económico, contribuir de momento com outro capital que não seja o seu próprio trabalho. A participação dos habitantes na construção das suas próprias casas em terrenos devidamente saneados e urbanizados interessará, sem dúvida, as populações, consciencializando-as para a construção de habitações dignas, num passo decisivo para a solução prática e urgente deste difícil problema.

Convém, porém, não esquecer que o problema renascerá se não o atacarmos numa das suas causas principais: o desenvolvimento harmonioso das cidades e do meio rural. Só pelo progresso económico deste através da agricultura poderemos conseguir a fixação do homem do campo à terra, evitando-se assim que se desloque para a cidade, a acrescentar progressivamente o número dos que, deslocados do seu habitat, se alojam de qualquer modo à, volta dela.

O estímulo à iniciativa local nos meios rurais, a criação da propriedade privada de tipo familiar e o seu desenvolvimento através de um apoio financeiro e técnico, além da criação própria de pequenas indústrias relacionadas com o meio, tudo isto acompanhado por um bem orientado desenvolvimento comunitário, poderiam contribuir grandemente para evitar a corrente das emigrações rurais, o que permitiria também a estas populações gozar dos benefícios e das vantagens da industrialização e da vida urbana.

Parece-nos que nos estudos da solução a dar ao problema habitacional dos económicamente débeis no ultramar não se poderá dispensar, de nenhum modo, este aspecto do problema. O êxodo das populações rurais para as cidades em procura de trabalho que lhes assegure melhor nível de vida é um fenómeno que se verifica em todo o Mundo e que só poderá ser remediado com a descentralização e criação de fontes de riqueza nos meios rurais, o que trará por consequência a criação de empregos devido ao estabelecimento de equipamentos necessários para a sua produção.

Convirá, pois, que no planeamento habitacional dos económicamente débeis do ultramar se tome em linha de conta o planeamento regional, a fim de se estabelecerem programas de conjunto que visem o desenvolvimento da agricultura e a criação de centros industriais e comerciais, além de uma vasta rede de centros educacionais e sociais através do território, numa bem equilibrada e harmoniosa planificação que integrará progressivamente, pela sua valorização, as populações rurais, sem que para isso se tenham de deslocar dos seus meios.

A estabilização das populações rurais pelo seu desenvolvimento económico e social parece-nos ser um dos meios mais eficazes na solução do constante e complexo problema habitacional das zonas suburbanas.

Um outro aspecto que merece também a nossa atenção neste importante problema que estamos apresentando é a criação no ultramar de indústrias de materiais e elementos de construção utilizando sempre quanto possível matérias-primas locais, a fim de tornar menos oneroso o custo das habitações.

A formação de mão-de-obra especializada através de um programa, de formação profissional acelerada viria auxiliar também grandemente a construção das habitações que carecem de pessoal técnico para que se façam mais rapidamente e em condições de segurança.

Para tudo isto, porém, importa obter meios de financiamento amplos e criar reformas fundamentais. Seria uma veleidade pensar-se que só o Estado poderá realizar tão vasta tarefa. Há que interessar nela as empresas agrícolas e industriais e as entidades privadas, não só do ultramar, mas da metrópole, que nele tenham os seus interesses, e ainda as próprias populações beneficiárias, a fim de que, juntamente com o Estado, se possa atingir resultados satisfatórios e seguros.

A experiência da metrópole, que gostaríamos de ver extensiva ao ultramar, salvaguardando os condicionalismos destes territórios, poderia vir em ajuda da resolução de um problema que carece de amplos recursos financeiros.

Ao Governo caberá dar todo o apoio à, solução deste problema por meio de providências firmes quanto aos terrenos inaproveitados e a sua utilização para fins de utilidade pública, e neste aspecto se inspiraria no que foi preconizado no Plano Intercalar de Fomento na parte relativa á metrópole, no capítulo viu «Habitação» - acerca da expropriação de terrenos para utilidade pública, criando também uma regulamentação apropriada de modo a facilitar a cooperação das entidades privadas ou dos particulares na construção de habitações e estimulando as iniciativas nesse sentido.

O problema habitacional dos económicamente débeis no ultramar, para além do seu interesse regional na valorização económica e social dos territórios e dos povos, apresenta-se em toda a sua complexidade, com um vinculado interesse nacional que não podemos esquecer.

Dar um lar a cada família é uma obra digna e humana, mas contribuir por meio dele para que as populações do ultramar se integrem cada vez mais na comunidade portuguesa a que pertencem é, neste momento histórico da vida da Nação, um dever.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Enquanto nas fronteiras dos territórios e nas frentes de batalha os nossos valorosos soldados corajosamente defendem as populações do ultramar contra os inimigos que persistem em perturbar a nossa paz interna, façamos nós um esforço para cooperar com o Governo na manutenção dessa paz através de meios sociais e económicos, entre os quais a habitação para as populações económicamente mais débeis.

Sr. Presidente: Terminarei como comecei: Por afirmar que o problema habitacional dos económicamente débeis não é um problema particular desta ou daquela cidade, deste ou daquele território. É um problema geral, mundial, mais agudo nuns países do que noutros, mas sempre existente e que continuará a sê-lo enquanto no Mundo a economia dos povos não puder acompanhar a sua explosão demográfica.

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3 DE MARÇO DE 1966 451

Contudo, é necessário enfrentá-lo com coragem e firmeza e tentar encontrar para ele soluções adequadas, ainda que parciais, para que se não agrave cada vez mais, à medida que o tempo passa, com risco de se tornar insolúvel.

É esta a razão que me leva a apoiar o presente aviso prévio apresentado a esta Câmara pelo Sr. Deputado Dr. Manuel Nazaré, a quem agradeço as amáveis palavras que me dirigiu ao tratar deste problema, que considero de entre os mais urgentes a resolver na província de Moçambique, e de cuja solução dependerá, sem dúvida, um mais rápido progresso das populações do ultramar.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O debate continua amanhã, sobre a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas, e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão

Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Francisco José Roseta Fino.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Ubach Chaves.
José Dias de Araújo Correia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Paulo Cancella de Abreu.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Magro Borges de Araújo.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Fernando Alberto de Oliveira.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Jaime Guerreiro Rua.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Sinclética Soares Santos Torres.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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