Página 503
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
ANO DE 1966 10 DE MARÇO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 31 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 9 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos Srs.Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Pinto de Meneses requereu informações sobre o número e rendas de prédios ocupados pelo Estado e organismos corporativos.
O Sr. Deputado Braamcamp Sobral anunciou um aviso prévio sobre a educação da juventude.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira criticou o regime a que estão sujeitos os transportes rodoviários de mercadorias feitos por unidades pertencentes a particulares.
O Sr. Deputado Sebastião Alves evocou a figura do grande escritor e economista José Acúrsio das Neves. O Sr. Deputado Sérgio Lecerele Sirvoicar falou sobre os deslocados de Goa.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do aviso prévio sobre o problema habitacional das classes economicamente débeis do ultramar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Neto de Miranda, Castro Salazar e Gonçalo de M esqui tela.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 16 horas c 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados: .
Alberto Henrique de Araújo. Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco..
António Furtado dos Santos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Página 504
504 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda. José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerele Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente:-Estão presentes 89 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da direcção do Grémio de Lanifícios da Covilhã e da Comissão Concelhia da União Nacional da Covilhã a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Pontífice de Sousa.
Dos directores dos Externatos Liceal de Alijo e de Nossa Senhora da Penha, de Castelo de Vide, a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Duarte de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Pinto de Meneses.
O Sr. Pinto de Meneses:-Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
Ao abrigo do disposto na alínea d) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que pelo Governo me sejam fornecidos, em relação a cada Ministério, as seguintes elementos:
1) Número de prédios particulares, com indicação do número de andares em cada um, arrendados pelo Estado em Lisboa para instalação de serviços e outros fins;
2) Número de prédios particulares, com indicação do número de andares em cada um. arrendados pelos organismos de coordenação económica;
3) Montante mensal e anual das rendas pagas.
deseja-se que todos estes elementos sejam referentes a 1965.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para anunciar um aviso prévio, o Sr. Deputado Braamcamp Sobral.
O Sr. Braamcamp Sobral: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado mês de Dezembro, estão VV. Ex.ª" decerto recordados, foi-me aqui sugerido que tratasse oportunamente em aviso prévio a problemática da educação da juventude, à qual eu me referira naquele mesmo mês no debate sobre a Lei de Meios.
Muito me honrou aquela sugestão e mais ainda por ter sido feita pelo ilustre leader desta Assembleia, devendo, contudo, lastimar-se que a uma larga visão na escolha do caminho a seguir se contraponha tão curta visão na escolha do avisante.
As minhas limitações culturais e intelectuais, que julgo conhecer bem, e a inexperiência parlamentar aconselhavam naturalmente a não aceitação do aliciante convite e a deixar para os mais aptos a importante iniciativa; mas depois de alguma hesitação acabei por me refugiar na tranquila conclusão de que o forte estímulo que tenho recebido de muitos dos meus ilustres colegas é garantia segura de uma colaboração suficiente para suprir as muitas lacunas e deficiências do aviso prévio que agora anuncio e me proponho efectivar.
Página 505
10 DE MARÇO DE 1966 505
analisados, fez-me, ainda e também, hesitar o receio de que não venha a ser convenientemente aproveitado o esforço que vamos desenvolver.
Este receio filia-se na leitura de tantas, tão judiciosas e pertinentes intervenções feitas nesta Sala que envelhecem com o decorrer dos anos nas páginas dos Diários das. Sessões sem terem merecido sequer uma simples análise dos mais directamente interessados nos assuntos debatidos.
Alicerçado porém num optimismo sólido, que graças a Deus me não tem abandonado, não deixei também que este receio me paralisasse.
Suponho estar ciente da grandeza do empreendimento, no qual, e afinal, me está apenas destinado o accionamento da alavanca que fará (e queira Deus que faça) movimentar um amplo complexo de consciências, de vontades, de legítimos anseios e deliberadas acções, cujo denominador comum terá de ser o propósito firme de educar a juventude de Portugal.
trata-se de uma causa nobre, de uma causa única, origem e base de todas as outras causas nacionais, e certamente nenhum de VV. Ex.ªs, como nenhum dos responsáveis pelo Governo, pela política ou pela administração do nosso país, poderá com tranquilidade de consciência deixar de dar-lhe a sua incondicional cooperação.
Em minha fraca opinião, a oportunidade para este aviso prévio teria sido talvez há dezoito ou vinte anos, no começo do pós-guerra e dez ou doze anos depois de se ter iniciado a execução do feliz plano do Prof. Carneiro Pacheco, único projecto «pós-Revolução» que encarou à escala nacional os problemas da juventude.
Nessa ocasião teria sido possível fazer um balanço completo do caminho percorrido dentro da preconizada reforma e sem dúvida se teriam adoptado as medidas necessárias à sua consolidação e adaptação.
Ter-nos-íamos assim preparado para a evolução que o Mundo inteiro, e portanto o nosso mundo português, viria a sofrer como consequência da última guerra mundial; evolução que trouxe naturalmente grandes implicações na educação da juventude.
Mas não estamos em 1946 ou 1948. Estamos em 1966, e estaremos no limiar do ano de 1967 ou" .nele próprio quando for efectivado o aviso prévio que estou a anunciar.
Em maior quantidade são- portanto nesta ocasião os erros acumulados, mais acentuados os desvios da linha de acção em relação aos rumos traçados, mais evidente o desfasamento e o esquecimento das leis promulgadas. Mais violento o choque das gerações e mais difícil de estabelecer o equilíbrio e a compreensão entre elas.
E pior do que tudo o aumento do número de jovens que, abandonados a si próprios ou guiados por mãos que não nos mereciam confiança, entretanto cresceram, adquiriram habilitações e estão, como adultos, contribuindo para a deseducação da actual juventude, que enquadram profissional, política e socialmente.
Para além, pois, do agravamento das questões que resulta deste atraso de vinte anos, é bem sério o problema de reeducação dos adultos mal formados ou da anulação da sua perniciosa acção junto da juventude.
Este problema, fácil de enunciar, mas pouco fácil de resolver, não cabe no âmbito deste aviso prévio, mas a sua não solução satisfatória e urgente .compromete, sem dúvida, a realização de qualquer plano de formação de jovens que venha a ser traçado.
É, por isso, uma , realidade que devemos ter presente.
Mas outras mais terão de ser consideradas, pois, como esta, condicionam de certo modo o estudo e .a análise e, consequentemente, as decisões sobre as questões fundamentais que oportunamente serão expostas e debatidas.
Bem diferentemente do que há anos abras, podem hoje identificar-se, embora dificilmente definir-se, sob a mesma afirmação ideológica de base, diversos grupos detentores de correntes de opiniões distintas e, por vezes, desconcertantemente antagónicas.
Só há que lastimar quanto .aos bem intencionados, incluídos nesses vários grupos, o desperdício de energia e de tempo em discussões ou lutas que só .podem conduzir, e têm conduzido, à desvalorização dos ideais que, afinal, pretendem no seu íntimo reafirmar e fortalecer.
Não é menos para lastimar que, cegos ou surdos pelas suas paixões, «e .deixem facilmente manobrar pelos mal intencionados, profissionais hábeis na táctica da infiltração e da desunia;.).
E, como tem havido acentuado desnível .entre a acção doutrinada das esquerdas (permanente, actualizada e persuasiva) e a acção doutrinária das direitas (esporádica, inadequada e pouco convincente), tornam-se muito perigosos os efeitos corrosivos de um crescente desentendimento, que se vai notando, entre aqueles que, seguros nas suas convicções, deviam estar unidos na salvaguarda dos mesmos valores indiscutíveis.
Ao extremismo do «tudo está mal» opõe-se muitas vezes o extremismo, talvez pior, do «tudo está bem», e assim se verifica que aqueles que se apresentam como defensores dos mesmos princípios e procuram atingir os mesmos fins estão, por vezes, lamentavelmente colocados em sectores ideológicos adversos, teimosa e perigosamente firmes em posições que à luz da razão e da lógica são insustentáveis.
Referi-me em .primeiro lugar à desorientação no campo ideológico pela sua grave repercussão na divisão dos Portugueses e por considerar que a, unidade é antes de qualquer outra a condição necessária ao êxito de um .empreendimento.
E é ainda a propósito da unidade, que reputo, como disse, indispensável, .que não quero deixar de referir uma outra realidade que constitui obstáculo sério à realização dos nossos propósitos.
Ë a .acentuada tendência, que pode chamar-se «individualista», que leva com frequência muitos de nó? a negar a outros a colaboração necessária ao alargamento ou consolidação d.e um empreendimento louvável, para consumir em obras idênticas, mas que chamamos nossas, os valores pessoais e materiais de que podemos dispor.
Quanta energia, capital e trabalho se dispersam assim em iniciativas felizes, mas de futuro duvidoso, que. mercê de uma concentração e coordenação adequadas, tornariam possíveis empreendimentos verdadeiramente nacionais.
A dispersão de esforços com objectivos comuns é. com efeito, tristemente vulgar entre nós.
A leviandade com que se analisam e criticam as instituições, as leis, as decisões do Governo ou da Administração é também uma realidade a encarar.
Por falta de conhecimento de causa, por má fé ou para defesa de interesses pessoais lesados, apontam-se muitas vezes, através de lastimáveis críticas destrutivas e demagógicas, erros e injustiças que efectivamente não existem, criando-se assim perturbações e cisões de consequências irreparáveis.
Página 506
506 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
Usa-se e abusa-se da proverbial brandura dos nossos costumes, mas exige-se fora das respectivas esferas de acção inflexibilidade na aplicação das leis e dos regulamentos.
Não é menos certo, porém, que algumas análises críticas, fundamentadas e construtivas, provocam, não raramente, nos responsáveis que deviam apreciadas reacções que tornam inteiramente inibitório o diálogo ou o trabalho de colaboração.
Umas vezes tomam essas críticas como uma afronta pessoal, outras vezes procedem como .se elas não tivessem sido feitas; e, talvez mais frequentemente, procuram através dos serviços demonstrar que o que se decidiu ou se fez está certo ou em vi-as de aperfeiçoamento e que a discussão não é, portanto, necessária, conveniente ou oportuna.
Desprezam-se assim irreflectidamente prováveis soluções mais completas ou mais perfeitas.
Neste último caso, «os serviços», designação abstracta de uma rede labiríntica onde com frequência e paradoxalmente os papéis param e as responsabilidades circulam .sem se deterem, denunciam, claro está, uma errada versão da palavra «servir» e obrigam a concluir que a noção de responsabilidade dos servidores está também algo deformada.
A época em que vivemos é, infelizmente, pródiga em exemplos de inconsciência das responsabilidades assumidas.
E se é efectivamente grave o não cumprimento do dever, a insensibilidade ou indiferença de cada um pelas suas faltas ou pelas faltas daqueles que de si dependem é, em meu entender, extremamente miais grave.
Todos sabemos que o bem comum, cuja- promoção deve ser a .primeira das nossas legítimas aspirações, só pode conseguir-se pela conjugação harmónica dos princípios da ordem e da autoridade, e estes firmam-se, naturalmente na Liberdade, na inteligência e na dignidade da pessoa humana.
Numa escala larga de valores todos somos detentores legais de alguma autoridade. É preciso que cada um de nós saiba exercê-la com vista ao bem comum e .sejamos, portanto, conhecedores do condicionalismo básico atrás enunciado.
Todo aquele que não sabe mandar contribui fatalmente para o aumento do número dos que não desejam obedecer.
Srs. Deputados: Não foi o desejo de criar apreensões .«VV. Ex.ª que me levou a referir aqui e agora, algumas realidades que devemos ter presentes no estudo e debate da problemática enunciada.
Nem pretendo dramatizar uma situação que é grave, mas não dramática.
. Entendo simplesmente que é com base nas realidades que devemos pensa«r e agir; e nestas, que procurei identificar, estão precisamente as fundamentais causas de algumas das características condenáveis que uma parte da juventude portuguesa nos apresenta. Estão neste grupo, por exemplo, a desorientação ideológica, a indisciplina, o desrespeito e o cepticismo.
E, por outro lado, são estas mesmas realidades consequências lógicas da má formação, enquanto jovens, dos que hoje são adultos e responsáveis.
A desunião, o individualismo, a crítica gratuita, o complexo de infalibilidade ou da perfeição, a falta de diálogo e colaboração, a inconsciência das responsabilidades, o exercício deficiente de autoridade, são defeitos que só podem, e gradualmente, eliminar-se através de uma acção educativa da nossa juventude.
Não é difícil encontrar nos arquivos relativos aos últimos 40 anos da vida nacional declarações do Governo e legislação promulgada que constituem exemplos inequívocos da «tenção e Ida preocupação que aos nossos governantes tem merecido a formação da juventude.
Devo, contudo, observar que são bem visíveis as distâncias e até as divergências entre as intenções e as leis, e, sobretudo, entre estas e -a sua execução.
Acresce ainda que nem sempre que se fala de educação se quer efectivamente falar em educação.
O amplo significado desta palavra é frequentemente minimizado quando aplicado na limitada acepção de instrução ou ensino.
Não obstante, num sector ou noutro há, evidentemente, ideias claras, certas e eficientemente postas em prática, segurança nos princípios e recta interpretação de normas defensáveis.
Mas a acção educativa por .parte do Estado, e disso se ressente, e naturalmente da Família e da Igreja não é fruto de um trabalho de conjunto e não obedece a uma orientação única superior.
Dedicações isoladas e heróicas, sob o risco permanente de verem ruir o seu trabalho pela acção destrutiva dos seus mais próximos vizinhos, têm, contudo, sabido aproveitar as enormes virtudes da nossa raça e as indiscutíveis qualidades da nossa juventude, na qual continuo a confiar abertamente.
O Sr. Presidente: - Eu quero lembrar a V. Exª. que não está a fazer um .aviso prévio. Conforme determina o artigo 50.º do Regimento, o Deputado que (pretenda versar assunto importante de administração pública ou sugerir ao Governo a conveniência de legislar sobre determinadas aspirações pedirá a palavra mediante aviso prévio, indicando por escrito à Presidência o assunto de que deseja- ocupar-se, resumindo os fundamentos da sua discordância, quando a haja, e articulando ou sumariando as proposições que vai formular.
Assim, dada a extensão do aviso prévio de V. Ex.ª, não posso deixar de lhe chamar a atenção, e faço-o precisamente para que tal não constitua precedente. Autorizo, no entanto, V. Exª. a continuar, vincando que tal não constitui nem pode constituir qualquer precedente.
O Orador: - Sr. Presidente: Escutei com o maior interesse as palavras de V. Exª. e desejo esclarecer que considero estas considerações necessárias à explicação do esquema do aviso prévio que neste momento precisamente ia começar a indicar. Beputo efectivamente basilares estas considerações.
O Sr. Presidente: - Ainda estive para não chamar a atenção de V. Exª. porque pensei que estava a chegar ao fim a sua exposição, mas quando me pareceu que muito ainda havia a expor, não pude deixar de fazer a V. Exª. estas considerações.
O Orador: - Tinha, de facto, chegado ao fim das minhas considerações e ia entrar na exposição do esquema do aviso prévio.
Página 507
10 DE MARÇO DE 1966 507
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aviso prévio que me proponho efectivar sobre a educação da juventude obedecerá ao esquema seguinte:
1) Introdução:
1) O direito à educação e o dever de educar;
2) A prioridade dos problemas da educação;
3) Conceitos de educação;
4) Objectivos fundamentais do aviso prévio.
II) Educação directa:
1) - Missão da família;
2) Missão da Igreja;
3) Missão da escola.
III) Educação indirecta:
1) O livro;
2) A imprensa;
3) O espectáculo público;
4) A rádio e a radiotelevisão.
IV) Orientação educativa nos locais de reunião de jovens:
1) Residências de estudantes;
2) Cantinas;
3) Associações e clubes;
4) Convívios.
V) Orientação educativa nas actividades de jovens:
1) Diversões;
2) Actividades desportivas;
3) Actividades culturais;
4) Actividades profissionais.
VI) O Estado e a educação da juventude:
1) Protecção à família;
2) Cooperação com a Igreja;
3) Estímulo e apoio às iniciativas privadas com fins educativos;
4) Orientação e prática do ensino;
5) Organizações de juventude;
6) Coordenação em alto nível da educação nacional.
E vasta a agenda, porque é vasto o assunto e não pode interessar-nos senão uma visão e uma solução global.
As soluções parciais conduzem, por exemplo, à possibilidade, infelizmente verificada, de um mesmo aluno no mesmo estabelecimento de ensino ser educado na aula de Moral segundo a doutrina de Cristo e na aula de Filosofia segundo a doutrina de Marx.
Este é um exemplo entre milhares que podiam ser apontados.
Creio, pois, que não podemos, nem devemos, evitar um amplo julgamento da questão que vos apresentei.
Mas entenda-se desde já que neste julgamento a juventude é testemunha. Esperemos que possa ser nalguns casos testemunha de defesa, mas devemos preparar-nos para que seja sobretudo testemunha de acusação.
Réus somos todos os que neste país temos responsabilidade na sua educação.
Seremos bem felizes se a sentença que for proferida pela nossa consciência no final do julgamento apenas nos impuser que rectifiquemos os erros cometidos.
Se assim for, que Deus nos ajude a cumprir com resignação e entusiasmo essa leve sentença.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou, para terminar, repetir algumas palavras que já foram proferidas, não aqui, mas em Viseu, no dia 1 de Dezembro de 1929, em conclusão de uma exposição clara de ideias e propósitos sobre «a educação e a reforma da mentalidade».
Foi seu autor o Sr. Prof. Doutor Oliveira Salazar, que . muito nos tem querido ensinar e com o qual muito temos que aprender.
As suas palavras foram estas:
Isto é uma renovação? Será! Digamos até se quisermos que é o início de uma revolução, útil como nenhuma ao abrir o caminho por onde forçosamente hão-de enveredar aqueles que tiverem nalguma conta a prosperidade deste país.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: -Sr. Presidente: Muito estimaria não ter oportunidade para esta intervenção se. como tanto se deseja, já tivesse sido modificado o regime a que estão sujeitos os transportes rodoviários de mercadorias feitos por unidades pertencentes a particulares.
Largamente a imprensa tem debatido o que se passa neste capítulo, e citarei como exemplo o artigo de O Século de 11 de Fevereiro passado, sempre em plena concordância com as variadas vozes que nesta Câmara se têm ocupado de" tão magno problema.
Não compreendo, Sr. Presidente, que o Governo da Nação nada ou muito pouco tenha feito para atenuar es desastrosos efeitos dos condicionalismos impostos aos transportes de mercadorias feitos por particulares.
Ë já lugar-comum, mas sempre verdadeiro, afirmar que o problema dos transportes está na base do desenvolvimento, de todos os desenvolvimentos, de qualquer região, mas muito especialmente das afastadas do litoral ou de cursos de água navegáveis. Daqui resulta, sem receio de qualquer contestação válida, que toda a política que defenda uma descentralização das actividades produtoras, tanto industriais como agrícolas ou mineiras, num plano de igualdade, como é conferido na lei, não pode criar situações de desigualdade, que gravemente prejudicam, impossibilitando até, os desenvolvimentos regionais.
Tentarei, Sr. Presidente, provar que a situação criada à camionagem particular é, além de vexatória, um sério entrave ao progresso das regiões apontadas e, talvez até, uma anomalia legal. Duvido, Sr. Presidente, que seja apenas uma anomalia legal. Explicarei:
1.º Os transportes efectuam-se porque as circunstâncias de localização dos centros de produção e consumo não coincidem.
2.º Toda a exploração exige escoamento dos produtos para realização dos indispensáveis fundos, circunstância que se não pode excluir.
Página 508
508 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
Creio. Sr. Presidente, que as circunstâncias apontadas, e outras haverá, não são diversas, nem no tempo, nem no espaço. São imutáveis e, por consequência, permanentes. Julgo que provei não haver diversidade das circunstâncias.
Vejamos agora, Sr. Presidente, o que se passa com a natureza das coifas.
Entendo que as coisas, no caso vertente, só podem ser os produtos a transportar e os mesmos transportes utilizados. Ora os produtos a transportar têm natureza igual em todo o Mundo. O trigo, organito, a cortiça, o mármore, as palhas, os adubos, o vinho, os gados e tudo mais têm a mesma natureza- em Évora, em Macau, em Bissau e em Díli. Quanto aos meios de transporte sei, e sei de ciência certa, que" um camião, um reboque e um tractor têm a mesma natureza tanto no Norte como no Sul, tanto no Leste como no Oeste.
Parece-me que está provada a~ imutabilidade da natureza das coisas.
Se conseguir, e julgo que sim, Sr. Presidente, concluir pelas certezas que acabo de referir, surge, ao meu espírito de homem simples e despido de sofismas, a dúvida, a grande dúvida, sobre a legitimidade do decreto que taxou a camionagem a partir de círculos com raios quilométricos diferenciados, isto é, criando uma desigualdade para com os cidadãos que exercem actividade semelha/ate, igual até em locais geograficamente distanciados.
Diz a Constituição Política, § único do artigo 5.º:
A igualdade perante a lei envolve o direito de ser provido nos cargos públicos, conforme a capacidade ou serviços prestados, e a negação de qualquer privilégio de nascimento, nobreza, título nobiliárquico, sexo ou condição social, salvas, quanto à mulher, as diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família, e, quanto aos encargos ou vantagens dos cidadãos, as impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas.
Não sei, Sr. Presidente, como se possa conciliar o preceito constitucional com o estabelecido quanto aos encargos impostos à camionagem particular.
Julgo que. com as medidas adoptadas, se foi longe de mais. O proprietário de um camião de carga particular sofre uma tríplice punição:
.1." O infortúnio da posição geográfica que o inibe de tirar rendimento igual, em carga transportada, em igualdade de tempo, ao seu concidadão que tem a sua exploração mais perto dos locais de consumo ou embarque.
2.º Maior despesa nos consumos de combustíveis, lubricamente e pneus, todos, como sabemos, passivos de pesados impostos.
3.º Desigualdade tributária expressa em maior imposto, quando, contra todas as regras e princípios, tem maior despesa e menor rendimento, isto é, maior desequilíbrio económico.
Sr. Presidente, creio, mas já com alguma dúvida, porque esta intervenção é a segunda feita por mim, que o Governo da Nação não deixará de atender ao que acabo de expor.
Mas há mais, infelizmente mais, que causa preocupações, despesas- inúteis e até injustiças.
Vou referir alguns factos:
Os chamados «economicamente débeis», e são, neste sector dos transportes particulares, algumas larguíssimas dezenas, centenas talvez, dão a faceta mais dramática e dolorosa. Refiro-me aos modestos vendedores ambulantes, aos feirantes e aos cinemas e circos, que levam alguma distracção e alegria aos que não podem deslocar-se aos meios urbanos que possuem esses atractivos. Por razões climáticas, por razões económicas, por razões geográficas, são obrigados a deslocações que se nos afiguram disparatadas, mas são, no fundo, determinadas por razões de sobrevivência.
Deslocam-se em períodos que não têm concordância com os que a lei determina para o pagamento dos impostos, utilizam os veículos em raios díspares, mas sempre, ou quase sempre, com quilometragens escassas nos finais das suas épocas de deslocação.
Não utilizaram, nem desgastaram, as rodovias senão em coeficientes mínimos, mas a lei é inexorável; pagaram, têm lutas com a burocracia e, no fim, acabam por perecer à míngua de réditos. Quem há por aí que os não conheça? ... Porque os ignora a lei que estou criticando? E que dizer, Sr. Presidente, quando o utente do camião tem a ideia de adquirir um reboque para aumentar as suas possibilidades de transporte? ...
Vou dizer:
Adquirido o reboque, e depois das indispensáveis formalidades burocráticas, o reboque fica passivo de taxa semestral, quando a taxa do camião rebocador é trimestral, primeira anomalia, como adiante explicarei.
Logo a seguir o utente verifica que o uso do reboque lhe reduziu a velocidade de cruzeiro em 25 por cento, de 40 km para 30 km por hora. O camião rebocador tem uma chapa que lhe marca a velocidade máxima de 40 km, mas o reboque, que lhe está absolutamente ligado, tem o limite máximo de 30 km. e esse limite é. por consequência, o limite máximo do- conjunto. Porquê?
Diz-se que por segurança!
Mas se o conjunto rodar na auto-estrada de Vila Franca, que, outra anomalia legal, pagou, pode circular a ... a não sei quantos quilómetros à hora. Os preceitos de segurança aí são diferentes?
Vale a pena pergunta, a quem possa responder, se é porque melhoraram as condições da unidade em circulação ou, o que eu creio, se por melhores condições da via utilizada? ...
Se a resposta, for positiva em relação à segunda condição, teremos de aceitar, sem contestação, que necessita revisão o sistema rodoviário.
Encaremos a hipótese de o proprietário de camião com reboque decidir suspender a exploração de uma tão «rentável» actividade.
Começa por requerer, nos termos do § 1.º do artigo 4.º do Decreto n.º 46 C66, de 7 de Dezembro de 1964, com a antecedência de 15 dias - há quem entenda que são 30 -, entregando, entre outros documentos, o livrete de circulação, pelo que o camião não poderá circular e, por isso, perde 15 dias, pelo menos, do período de licenciamento que já pagou. E quanto ao reboque? Como a licença é semestral, perde «somente» 15 e mais 90 dias, isto é, 105 dias.
Contudo, o utente tem o direito de reclamar.
Requer, expõe, espera e ... desespera.
Mas, aspectos diferentes abundam, vou passar a considerar duas situações dissemelhantes em circunstâncias c; naturezas iguais:
O utente de um camião que de Évora transporte mercadorias para o porto de Lisboa e um utente que da margem esquerda do Douro transporte mercadorias para Leixões.
Página 509
10 DE MARÇO DE 1966 509
O segundo utiliza a auto-estrada e a ponte da Arrábida (e ... nada paga.
Haverá diversidade nas circunstâncias ou na natureza das coisas?
Quem pode responder aos homens que, obstinadamente, teimam em viver para além do Tejo?
Não resisto, Sr. Presidente, em transcrever o que, em ofício, me diz um presidente de uma câmara, um heróico presidente de uma câmara situada nos confins do meu Alentejo, acerca dos problemas que acabo de referir:
A série de leis e regulamentos publicados pelo Governo nos últimos anos tem forçado o contribuinte ao cumprimento de bastantes formalidades de ordem burocrática que por vezes chegamos a pensar ser necessário possuir um procurador para resolver todos os assuntos dependentes dos serviços públicos.
Entre os referidos diplomas coloquemos neste momento em evidência o Decreto-Lei n.º 45 331, de 28 de Outubro de 1963, que estabeleceu o sistema de licenciamento para circulação de veículos automóveis de carga mistos (motociclos, automóveis ligeiros ou pesados e tractores) e de reboques afectos a transportes particulares de mercadorias, que não só veio aumentar o cumprimento de formalidades de ordem burocrática pelos proprietários respectivos, mas criou outras dificuldades de muito maior importância que terão graves repercussões no desenvolvimento económico do País.
Analisando profundamente o assunto, verificaremos que, graças à rede de estradas e caminhos actualmente existentes no País, estabeleceu-se um intercâmbio entre os grandes centros e os meios rurais de tal forma importante que hoje uns não podem viver sem eles.
Com a publicação do citado decreto-lei foram especialmente afectados o comércio, a indústria e a agricultura, pois qualquer dos ramos se encontra privado de promover o transporte dos seus produtos até aos locais onde pretende que sejam consumidos ou transaccionados, tornando-se o facto mais evidente quanto maior for a distância que separa as respectivas localizações da capital do País.
Se não vejamos um caso concreto: o meu concelho, por exemplo, visto ser este o que melhor conheço e portanto a ele me posso referir com verdadeiro conhecimento de causa.
Sendo este um concelho essencialmente agrícola, carece inúmeras vezes de colocar os seus produtos nos centros de maior consumo, designadamente em Lisboa.
Pois bem, se um produtor deste concelho pretender colocar determinado produto na capital, encontra-se em desigualdade de circunstâncias com qualquer outro que, mercê da situação da sua exploração agrícola, possa obtê-lo numa zona mais próxima daquele centro, e, portanto, este último poderá licenciar os seus veículos automóveis para um raio de acção inferior, a menos que o primeiro utilize veículos estranhos à sua exploração, recorrendo ainda a mudanças da mercadoria durante o percurso, sujeitando-a a deteriorações que as mesmas possam originar, o que irá contribuir para o agravamento dos encargos respectivos.
Tudo isto vem contribuir para a desvalorização dos meios menos evoluídos, emigração da população para os grandes centros, abandono das terras, que através dos séculos têm sido a base da economia nacional,
e por fim o descontentamento de todos aqueles que têm devotado a sua vida à manutenção da ordem e à integridade da Pátria.
O que acabo de ler, Sr. Presidente, poderia ser assinado pela esmagadora maioria dos presidentes das câmaras municipais do País.
Para lembrança da Câmara quero referir que os impostos que tão impopulares e nocivos se tornaram têm, economicamente, as seguintes expressões para um camião médio, 5000 kg:
Imposto de circulação no 3.º ano, o próximo:
Até 30 km -450$;
Até 50 km -2160$;
Até 100 km -4500$;
Além de 100 km - 11 250$;
Imposto de compensação - 7560$.
Dispenso comentários à clareza cruel dos números apontados.
Não se infira, todavia, Sr. Presidente, que desejo chegar à conclusão que nenhum imposto é devido. Entendo que teremos de pagar.
Mas devemos pagar com relativa justiça e, sobretudo, sem complicações burocráticas de que, seja dito em abono da verdade, estamos saturados, aborrecidos até.
Substituam os impostos e as limitações de áreas por um aumento, justo e equitativo, nos combustíveis. A facilidade seria notória, tanto no pagamento como no recebimento, e, o que seria humano, só quando se circulava se pagava imposto, o que, a todos os títulos, se me afigura a fórmula mais correcta.
O regime em vigor, diga-se sem qualquer reserva, é impopular, é desumano, é, sobretudo, impolítico, porque criou e mantém milhares de descontentes. Porque esta Câmara é, acima de tudo, uma Câmara política, o facto tem de ser aqui referido e ao Governo da Nação compete remediá-lo.
Assim o espero.
Antes de terminar, Sr. Presidente, e porque é pertinente, desejo referir uma grave preocupação das gentes da nossa terra servidas, principalmente, pelas estradas municipais.
Passo a ler o que, em ofício, me é referido por um Exmo. Sr. Presidente de uma câmara municipal do meu distrito:
Sendo das atribuições das câmaras municipais deliberar sobre a construção, reparação e conservação das estradas e caminhos a seu cargo, estas deliberações encontram-se, porém, subordinadas a leis especiais, conforme dispõe o n.º 1.º do artigo 46.º do Código Administrativo.
Ora, as leis especiais que estabelecem as normas para classificação das estradas nacionais e municipais e caminhos públicos e fixam as suas características técnicas, muito embora tenham sido elaboradas criteriosamente, com a colaboração e os pareceres dos técnicos ao serviço das competentes entidades, encontram-se hoje bastante desactualizadas, carecendo, por isso, de uma revisão geral, no sentido de lhes serem introduzidas alterações adequadas ao grande desenvolvimento usufruído pelos diversos meios de comunicação.
Quando da elaboração das leis vigentes que fixaram as características que serviram de base ao Plano rodoviário, certamente por desconhecimento da evolu-
Página 510
510 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
cão que iriam sofrer de futuro os meios de transporte, ou por questões de ordem económica, foram classificados como caminhos municipais um grande número de rodovias onde presentemente todos os transportes, quer de pessoal, quer de mercadorias, são efectuados por veículos automóveis, encontrando-se comple-tamente postos de parte os veículos hipomóveis.
Como grande parte dos veículos utilizados são auto pesados, e estes servem indistintamente todos os aglomerados populacionais, quer as suas vias de acesso sejam estrada ou caminho municipal, vêem-se por vezes em sérias dificuldades para efectuarem cruzamentos com outros veículos quando circulam nas últimas destas rodovias, causando consideráveis prejuízos não só nas bermas respectivas, mas também nos pavimentos, uma vez que não foram construídos com características suficientes para suportarem aquela tonelagem.
Outro factor, não de menor importância, é o transporte do pessoal respeitante aos diversos aglomerados que pela sua vida têm necessidade premente de utilizar transportes colectivos. Este, cada vez que pretende utilizar as carreiras de camionagem, tem forçosamente que percorrer a pé um número elevado de quilómetros, visto que os autocarros apenas circulam nas vias cujas faixas de rodagem lhes permitem cruzamentos sem perdas de tempo.
Para melhor esclarecer V. Exª. posso ainda afirmar que este corpo administrativo já esteve em contacto com a empresa Belos, a fim de que fosse criada uma carreira de autocarros destinada a servir todas as povoações deste concelho que se encontram interligadas por caminhos municipais. Aquela empresa alegou então ser-lhe impossível estabelecer carreiras entre povoações servidas por vias de comunicação cujas características não permitem o cruzamento normal de veículos automóveis pesados, por tal impossibilitar o cumprimento, dos horários previamente fixados.
O fundamento apresentado por aquela empresa não nos surpreende, pois conhecemos perfeitamente as dificuldades em causa, nem tão-pouco deixou de ser considerado pelo legislador, uma vez que na alínea d) do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio de 1945, foram previstos alargamentos de plataformas não muito distanciados e por forma a garantirem a visibilidade que permita o cruzamento de dois veículos automóveis.
Porém, já nessa altura se verificava que estes alargamentos não poderiam de forma alguma satisfazer as necessidades do trânsito automóvel comportado por todas as vias de menor categoria, e então no § único do citado artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 34 593 ficou prevista a possibilidade de que os caminhos municipais pudessem excepcionalmente usufruir das características adoptadas para as estradas municipais, mediante justificação bem fundamentada e devidamente informada pela Junta Autónoma de Estradas.
Hoje, se estabelecermos uma comparação entre o trânsito de veículos automóveis existentes há vinte anos e o actual, verificamos que este aumentou de uma forma assustadora, podendo até concluir-se que o tráfego presentemente comportado por qualquer caminho municipal pouco difere do que naquela época utilizava as estradas nacionais e é sem dúvida superior ao que então se verificava nas estradas municipais.
Após estas breves considerações, eu não tenho a menor relutância em afirmar que a maioria dos caminhos municipais actualmente existentes, se não a sua totalidade, comportam um tráfego tal que justificaria plenamente a adopção de características idênticas às que se encontram fixadas para as rodovias da categoria imediatamente superior.
Portanto, bom seria que o Governo procedesse à revisão do assunto, procurando estabelecer normas precisas para que no futuro todas as povoações fossem servidas não por caminhos municipais, mas por estradas municipais, sendo, para o efeito, extinta no Plano rodoviário a primeira das citadas categorias, e bem assim convenientemente revogada a respectiva legislação.
Tudo o que disse, Sr. Presidente, obriga o Governo da Nação a agir com urgência, para que se não continuem a verificar factos atentatórios do legítimo processamento, que se impõe, dos desenvolvimentos regionais.
Todo o País espera os actos de justiça que deixo recomendados, a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sebastião Alves: - Sr. Presidente: No ano que há-de ficar assinalado pelo comemorar de 40 anos de paz e de restauração da vida portuguesa, parece-me de flagrante oportunidade trazer a esta Câmara a memória de um grande escritor que pela obra que nos legou bem merece ser liberto da poeira do esquecimento em que as distorções da historiografia liberal o têm sepultado.
Nasceu em terras da Beira, há precisamente dois séculos, José Acúrsio das Neves. Licenciou-se em Direito, ingressou na magistratura e cedo começou vasta produção intelectual, que ora abrangeu temas de história e economia, ora se desdobrou em obra de fundo político, ou panfletos anti-revolucionários que, se por um lado execravam certas inovações ideológicas de importação, por outro exaltavam as instituições genuínas do País.
Em todas as páginas que escreveu deixou bem definido um conjunto de ideias que no terreno político em muito coincidem com a linha de rumo dos últimos 40 anos: foi, pois, um verdadeiro precursor da revolução de Maio.
Acresce que hoje, como no princípio do século passado, a Pátria está a ser assaltada pela cobiça estrangeira. E José Acúrsio das Neves combateu ideias, mas combateu sobretudo os «afrancesados», como então se dizia, as gentes que, por cobardia, subserviência ou ambição, se haviam mancomunado com os invasores. E combatia, depois, os do Mindelo, quase todos afrancesados» também, ou foregidos dos cárceres, uns, ou rapazolas em busca de aventuras, outros. Todos transportados, municiados e pagos por países cobiçosos daquilo que era nosso.
Anotando o paralelismo, salienta-se a actualidade do escritor e da sua obra.
Mas há mais, e agora surpreendente. De entre a vasta bibliografia económica que deixou avultam estudos, nos quais, como adiante se verá, se contém um verdadeiro plano de fomento, que para a época podemos considerar profético.
Curiosamente, este plano abrangia as províncias ultramarinas.
Viveu José Acúrsio das Neves entre dois séculos, na fronteira de dois mundos políticos: um, que desabaria tolhido de pavor, perseguido por interesses estranhos à
Página 511
10 DE MARÇO DE 1966 511
sua gente, minado no interior por condicionalismos que o tempo não deixou vencer; outro, turbulento, desordenado, ávido de poder, sanguinolento muitas vezes, a tactear caminhos que haviam de reduzir em cinco gerações esta Europa de hoje a uma quase colónia da América ou da Rússia.
Colocado em tão favorável ângulo de observação, auscultou, estudou e interpretou o viver do seu tempo com um saber e uma clarividência que ainda hoje são inteiramente válidos quase todos os seus conceitos económicos e políticos.
Por cima do ambiente e do momento português daquela primeira vintena de Oitocentos, agiganta-se, pela vastidão dos seus conhecimentos e pela inteireza do seu carácter, este pensador genuíno, que se mostra sempre português de lei, quer enove conceitos, quer aclare ideias, quer divulgue doutrinas que lhe pareçam úteis à Pátria e à defesa das suas instituições.
O seu pensamento económico é, provavelmente, dos mais esclarecidos da sua época. Era-o pelo menos em Portugal. Conhecedor das correntes mercantilista e fisio-crata, estudara Adam Smith e outras doutrinas então em voga, mas ao aplicá-las ao País modifica-as e adapta-as à índole dos portugueses e às características da sua produção e comércio.
Colocado, como acima disse, entre dois mundos, tenta exaurir de ambos o que parecia prático e exequível: as corporações deverão persistir, mas adaptadas aos novos tempos e à vastidão de novas funções; a iniciativa privada deverá ser a base das acções económicas, mas o Estado deverá intervir, ainda que moderadamente, onde e quando as circunstâncias o aconselhem. Não é, pois, um conservador, por mais espantosa que pareça a observação.
Estabeleciam-se, ao tempo, na Europa as primeiras fases do desenvolvimento industrial. Atento e arguto, vê aí a terapêutica para os males maiores que afligiam a magra economia portuguesa à saída das invasões.
E de tal maneira e com tal asserto propugnou pela industrialização do País que um autor contemporâneo o classificou já de «primeiro grande defensor da indústria moderna em Portugal» e ainda «precursor da política de fomento».
Compulsando-lhe a obra, temos, de facto, de reconhecer que o foi com uma lucidez e uma previsão raras nos seus contemporâneos.
Ao tempo, os estudos de economia em Portugal eram menos que rudimentares. Ele próprio nos deixou este desabafo:
No nosso paíz posto que abundante dos homens sábios em todos os outros ramos scientíficos e de erudição, tem penetrado mui pouco, ou não se tem generalizado os conhecimentos de economia política. Estamos tão pobres a este respeito, que o menos que acontece ao pronunciar-se o nome desta sciência, mesmo entre pessoas, que pela sua profissão a devião ter estudado, he ser recebido com hum sorrizo; e comtudo as suas máximas são as que rendem às nações industriosas o alto gráo de esplendor e riqueza, de que gozão; e por isso he ella a que occupa mais seriamente a atenção dos Governos illustrados desde S. Petersburgo até Madrid. Esta falta de conhecimentos da nossa parte he huma das causas, que mais tem influído no atrazamento em que nos achamos.
E continuava:
A Nação, que possue as matérias primeiras, não as deve mandar em bruto aos estrangeiros, para de-
pois as receber manufacturadas: princípio muito repizado, mas que he necessário repetir-se muitas vezes, pois que ainda não nos temos aproveitado delle. Escavemos as nossas ruínas e acharemos ainda alguns materiaes para o novo edifício.
E noutro passo:
A indústria he sómente quem pôde salvar-nos porque só ella dá a riqueza, base principal da força, e prosperidade dos povos.
Partindo daí, não cessará de insistir para que se desenvolvam e aprofundem estudos de economia em Portugal.
Numa Memória sobre os meios de melhorar a indústria portuguesa, em que visava sanear necessidades instantes da economia nacional, e que constituía todo um «plano» que tocava a agricultura, a indústria, o comércio, a marinha mercante e as próprias finanças, recomenda mesmo primazia a tais estudos.
Quando hoje se fala de planos de fomento, de desenvolvimento planificado e de coordenação económica, temos de ficar surpreendidos que alguém em 1820 se debruçasse sobre os mesmos problemas.
Há aí, de facto, algo de profético!
Noutra obra que ainda hoje, e sobre vários aspectos, poderá ser útil aos estudiosos de economia, intitulada Variedades sobre Objectos Relativos às Artes, Comércio e Manufacturas, Consideradas segundo os Princípios da Economia Política, perpassou toda uma doutrina de acção económica que ora defende a mecanização da indústria, ora aconselha a aplicação da máquina a vapor à navegação, aqui recomenda moderação na divida pública, mais adiante pede se fixem os sãos princípios em que se há-de basear um crédito suficiente e orientado. Tudo dito em termos sóbrios como convinha à obra científica.
Sempre actual mesmo para o nosso tempo, discreteia também sobre o comércio externo, sem cujo desenvolvimento harmónico «não haverá prosperidade na agricultura e nas indústrias».
No mesmo escrito, e ainda sobre o comércio exterior, analisa o discutido tratado de «Methuen», para observar agudamente que em contrapartida das «vantagens dadas aos lanifícios ingleses, nós não exportamos mais vinho por força do tratado». E mais adiante assacava-lhe outras consequências funestas: «perecia a nossa indústria e fechavam-se as fábricas», rematava.
Nos planos político e humano foi tal a sua estatura moral, tão grande o seu saber, tão claro o desinteresse com que serviu a Pátria e a genuína Monarquia portuguesa, que nenhum dos seus críticos e biógrafos se atreveu
Teve, todavia, vida atribulada este grande vulto do pensamento português.
Provieram-lhe em grande parte as desgraças de ter tido a coragem de escrever uma história das invasões francesas, publicada em vários volumes e opúsculos.
Aí a consciência do escritor e a probidade do historiador inibiram-no de calar nomes e factos indignos de alguns portugueses que, servindo, «colaborando», como agora se diria, com o exército invasor, haviam traído a Pátria e a Monarquia.
Lá aparecem, com o epíteto nada honroso de «afrancesados», os cabecilhas que franquearam as portas de Abran-
Página 512
512 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
tes, sem resistência, e os que foram em procissão a Sa-cavém receber amigavelmente Junot.
Ao sair da revolução de 20, verificara, com amargura, que. algum ministro do primeiro governo liberal tinha sido recrutado entre os apontados na sua «história como tendo pactuado e provavelmente negociado com os franceses».
Era a traição que ascendia a governo. A liberdade, que era só para os libertadores, não lhe perdoou o historiar dos factos. Começou aí o rosário dos seus infortúnios. Fora imediatamente- demitido de todos os seus cargos, sem processo nem julgamento. Vieram depois as perseguições e o cárcere, que não só o não abateram, mas ainda lhe avivaram o ânimo para mais 14 anos de vida e lutas.
As exortações aos Portugueses, que haviam começado com o caso das invasões, recomeçaram agora como novo vigor. Verbera a desordem na Administração, os desmandos da maçonaria, a liberdade feita licença, as delapidações dos patrimónios público e particular, os atentados ao culto e à religião. Sobre o credo de 89 escreveu rapidamente que a «liberdade e a igualdade bem definidas são direitos preciosos da humanidade e perdem-se pelo excesso com que se pretendem gozar».
Pede um rei sem alcunha, entendendo por alcunha o atributo de constitucional que os liberais pretendiam. A sua concepção do poder real, todavia, pressupunha a coexistência da liberdade dos cidadãos integrados nas estruturas sociais. Sem essa integração não seriam possíveis nem o progresso, nem a paz, nem a felicidade.
Nas Cortes de 1828, ditas dos Três Estados, defende e prova a legitimidade de D. Miguel, estribando-se em doutrina certa, estabelecida pelas Cortes de Lamego e de 1641 e ainda pela tradição.
Aí aparece bem firme a garra do jurista que, deixando de lado toda a subjectividade, argumenta sobre leis e normas aceites pela Nação e consagradas pelos séculos.
Esclarecido quanto ao que convinha ao País, mostra-se sempre firme no carácter e inabalável nas convicções. Nunca perde a serenidade, nem nas pugnas políticas, nem mesmo quando redige panfletos. Em tudo o que a política se refere, entende que se devem buscar as opções basilares à acção, entre os- limites do possível.
Não devem destruir-se as instituições existentes, mas afeiçoá-las aos novos tempos e necessidades.
A abstracção que informa todo o credo liberal opõe argumentos tão válidos que o tempo os não gastou. Tão válidos em 1834 como em 1966.
Toda a sua obra mostra um homem inteiro, dos que nunca souberam voltar o rosto à adversidade.
Até o estilo em que se expressa, conciso e directo quando aborda questões económicas, vigoroso e contundente quando investe com os adversários, revela sempre inteireza de ânimo e uma rija têmpera de carácter. Ele próprio se auto-retratou muito fielmente nestas palavras de antologia:
Haveis de conhecer-me porque sempre me achei comvosco tanto nos tempos de crise como nos de bonança; e posto que a prepotência dos meus inimigos se tem divertido assaz com a minha sorte, não mudo de linguagem: o meu carácter está pintado nos meus escritos; e se he necessário usar de mascara, renuncio para sempre o apparecer em publico.
E .este carácter, e a obra grande que nos legou, que trago à lembrança desta Câmara.
Bem mereceu e merece da posteridade e da Pátria José Acúrsio fias Neves que a Revolução de Maio, de que foi
precursor, o relembre e glorifique, divulgando-lhe a obra, exaltando-lhe a memória, apontando-o às juventudes como mestre e como exemplo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -E nós não permitamos que a ingratidão e o esquecimento que a sua época lhe votou cristalizem em remorsos de indiferença nas nossas consciências.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sérgio Sirvolear: - Sr. Presidente: Ao inscrever-me para usar hoje da palavra era meu propósito imediato trazer ao conhecimento" da Assembleia e do Governo certos problemas relativos aos deslocados goeses em geral, e em particular aos de três países da África oriental - Quénia, Uganda e Tanzânia. E também o de tentar contribuir com algumas sugestões para a resolução de tais problemas.
Mas pareceu-me conveniente e justificado aproveitar a oportunidade para reafirmar princípios já definidos pelo Chefe do Estado, pelo Governo e por alguns ilustres membros desta Câmara, bem como para procurar desfazer alguns equívocos potencialmente perigosos, tudo bem entendido sobre o caso de Goa.
Princípio que nunca será de mais proclamar é o da integridade territorial da Nação.
Quando na sessão inaugural da presente legislatura S. Ex.ª o Presidente da República afirmou solenemente (cito com a devida vénia) que:
A ocupação dos territórios (do Estado da índia) por forças estrangeiras contra a decisão do Tribunal Internacional de Justiça, contra os preceitos da Carta das Nações Unidas, contra o mesmo Conselho de Segurança ...não invalidou o direito à soberania portuguesa.
E que:
O mero estado de facto não legitimou o tempo decorrido ...
foi um princípio de acção, e não uma ficção jurídica, o que o venerando Chefe do Estado estabeleceu com a sua voz autorizada entre todas.
Também quando esta Assembleia ouviu, num silêncio atento e muito especial, as intervenções dos «Srs. Deputados Sales Loureiro, Cid Proença, Santos Cunha e Santa Rita Vaz, nas sessões de Dezembro de 1964 e 1965, não demonstrou apenas a devida e merecida estima pelo brilho da (intervenção e pela personalidade dos oradores; revelou também, e sobretudo, a consciência máxima . de que o problema de Goa continua em aberto.
Enfim, .a frase incisiva -verdadeira expressão do sentimento e do interesse da Nação de que a questão de Goa começou em 18 de Dezembro de 1961 apontou a todos os portugueses o caminho da luta e de esperança, não o da resignação.
Mas perguntar-se-á: se a Nação aceita e vive o princípio da integridade territorial, com particular acuidade no caso do Estado da índia, porque gastar tempo abordando o mesmo tema?
Perdoem-me VV.. Ex.ªs
Eu sei, como jádisse, que a Assembleia não precisa de ser doutrinada.
Página 513
10 DE MARÇO DE 1966 513
Mas todos sabemos da necessidade de extirpar até à raiz as dúvidas e as hesitações que infelizmente sempre nascem e às Tezes permanecem em espíritos pusilânimes ou pouco esclarecidos.
E pareceu-me bom que desta Casa se iniciasse o combate para a coesão das almas em torno de uma causa que já é nossa.
Na verdade, com alguma surpresa, embora sem grande inquietação, encontrei já, onde menos seria de esperar, pessoas que pensam e se comportam como se em 18 de Dezembro de 1961 se tivesse arrumado inexoravelmente a questão de Goa.
São esses pensamentos - não as pessoas em cujo espírito surgem- que me parece necessário combater com tenacidade implacável para que sobre certezas vividas a Nação possa reconstruir paciente, mas vigorosamente, a sua integridade territorial.
Há pouco, ao referir-me à ideia basilar de que a questão de Goa começara em 18 de Dezembro de 1961, afirmei que era um princípio de acção.
Só assim a posso entender.
Só assim a afirmação da integridade territorial - e ela não consente a menor excepção terá o alto sentido que todos lhe queremos reconhecer.
Só assim não serão inúteis os sacrifícios heróicos de Aniceto do Rosário, António Fernandes, Madeva Naique, Oliveira e Carmo e tantos outros.
Só assim a Nação inteira acompanhará os esforços desenvolvidos por goeses, damanenses e diuenses de todas as classes sociais, que, independentemente da religião que professam, vêm, quase sem auxílio material, e desde 1954 note-se bem, desde 1954, sete anos antes da invasão, data em que a União Indiana começou a reivindicar a posse de Goa -, dentro e fora dos territórios ocupados, nomeadamente em Bombaim, lutando incansavelmente para organizar a resistência ao invasor.
A esse invasor e ocupante que a população goesa nem sequer compreende, que hostiliza cada dia mais e mais. Não se trata apenas das humilhações, da fome, que hoje se tornou uma realidade quotidiana, cifrada em 30 g de arroz por pessoa.
Não. Não se trata apenas de uma questão de custo de vida, de salários, de bens materiais.
O que existe é mais profundo e duradouro; é uma enorme diferença e oposição de culturas entre ocupante e cativos, a irredutibilidade do sentimento nacional nos goeses e a total impossibilidade daí decorrente de integração dos goeses ma sociedade política indiana.
Tão grande diferença, que já encontrou expressão em actos de violência, como as bombas que rebentaram durante seis horas na noite de 19 de Junho de 1964 nas principais localidades de Goa; numa conferência de goeses vindos de todas as partes do Mundo e reunidos em Paris de 3 a 6 de Dezembro de 1963; e mais significativo ainda em quadras e canções populares anónimas que circulam em Goa e em que a gente simples diz com quem está o seu coração e alimenta a esperança da liberdade.
Falávamos de princípios e agora afastei-me sem querer do tema desta intervenção.
E que é difícil falar do problema de Goa sem paixão.
É difícil, mas é necessário.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Necessário é acima de tudo ficar bem gravado de uma vez para sempre na consciência de todos os portugueses que, sendo absoluto o princípio da defesa da integridade territorial, as fronteiras da Nação
tanto se defendem em Mucaba ou em (Mueda pelo valor dos nossos militares, como nas Universidades da metrópole, pela formação da juventude, como ainda em todos os terrenos possíveis, pela preparação tenaz da libertação do Estado da índia.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Enquanto Goa mão for libertada não podem nem devem descansar os portugueses.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Goa, Damão e Diu não serão nunca um tributo consentido à rapina do imperialismo da União Indiana, porque, atrevo-me a dizer: Portugal sem Goa está não apenas amputado de uma parte do seu território e sofrendo as dores das populações cativas, está também diminuído de forças espirituais para a realização da sua grande tarefa civilizadora.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outra ideia motora da nossa luta será à de confiar nas oportunidades que não é difícil descortinar para um futuro mais ou menos próximo e confiar também em que, através dos organismos apropriados, elas sejam aproveitadas sem demoras e com decisão.
Mas sinto que não posso referir-me a este assunto concreto dos meios de luta sem principiar por mencionar, por dever da mais elementar justiça, no grande combate em que todos andamos -devemos andar- empenhados, a acção da nossa diplomacia, a qual, com elevação e dignidade raras no mundo de hoje, tem afirmado por forma irrespondível a razão que nos assiste, lançando no campo internacional as sementes dos sucessos futuros. Aos Goeses é particularmente grata tal actividade, na medida em que lhes dá razões para manter viva a chama da esperança.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - É óbvio que nesta matéria de processos de acção nem há vantagem em os tornar públicos, nem parece este foro o lugar apropriado para entrar no seu pormenorizado exame. Não haverá, contudo, inconveniente em, por um lado, assegurar aos que se deixam perturbar pela aparência das forças materiais, tantas vezes na história, e hoje mais ainda, transitórias, que o único comportamento compatível com o interesse nacional é o de conservar intactas a coragem e a determinação enquanto se aguarda a nossa hora; mas, por outro lado, prevenir contra uma excessiva confiança no desenrolar dos acontecimentos os que pensam poder aproveitá-los sem uma séria e constante preparação para neles intervir na altura própria. Com esta atitude e a diligência precisa chegaremos, se Deus quiser, à vitória final da causa portuguesa, que, repito, só será completa quando for restabelecido em Goa, Damão e Diu o direito das gentes.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Reafirmados os princípios, quis-me parecer também útil dizer algo mais, com o propósito de eliminar uma possível causa de erro na opinião pública. Refiro-me a certas acusações que tenho ouvido, vindas também de horizontes inesperados, e que responsabili-
Página 514
514 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
zam o Governo por erros passados, recentes ou remotos, atribuindo-lhe a causa da invasão e ocupação do Estado da índia.
Fala-se nomeadamente Falou-se e fala-se em leis de excepção, em (procedimentos administrativos discriminatórios, em suma, em situações de injusta desigualdade criadas aos Goeses. E afirma-se sem mais explicações que aí estiveram as causas profundas da queda de Goa sob a dominação estrangeira. Para os que assim pensam deveria constituir desde logo motivo de meditação o facto de esta maneira de ver encontrar muito pouca ou nenhuma audiência junto dos. próprios Goeses, quer os do povo humilde, que raro se embaraça com tais subtilezas, quer os próprios intelectuais, que se fizeram paladinos da igualdade integral à sombra da Bandeira Portuguesa. Na realidade, uns e outros sabem a completa irrelação que existe entre tais erros - pura questão de família a dirimir entre portugueses-- e os motivos ideológicos, económicos e até de .pequena política eleitoral que levaram a chamada União Indiana a invadir e ocupar o Estado da índia. Aliás, embora nós, goeses, ouvíssemos algumas vezes Os erros existiram e não julgo que sejam privilégio deste ou daquele regime. Certamente há que procurar evitá-los de futuro. Para tanto, parece bastar a fidelidade sistemática às tradições portuguesas. Sempre, que a elas se retorna constrói-se a Nação com a solidez suficiente para resistir às temporárias vicissitudes da história. Vozes: -Muito bem, muito bem! O Orador: - Constrói-se a Nação como afinal se construiu em Goa durante gerações, acumulando o tesouro de uma cultura comum e única que hoje permite suportar o sofrimento da separação. Assim, é bom que tiremos daqueles erros as lições que comportem, mas é melhor ainda não lhes atribuir papel e importância que não tiveram. Não quero abusar da vossa paciência e por isso entrarei já numa exposição, ainda que muito breve, da situação dos deslocados goeses, atrevendo-me a apresentar também pequena contribuição para melhorar a sua sorte. Nesta Assembleia foi já exprimida por duas-vezes, pelo Sr. Deputado Santa Rita Vaz, a gratidão dos Goeses face às diligências e carinho com que o Governo- Central tem procurado resolver, e tem resolvido em muitíssimos casos, a dramática situação dos compatriotas desterrados de Goa, sua terra natal. Quanto à simpatia dá população portuguesa em todos os nossos territórios e aos actos de boa vontade sem conta, a essa e a esses não é possível agradecê-los por palavras; que talvez ofendessem os que tão natural e fraternamente estenderam a mão a quem dela precisou por força! das circunstâncias. Vozes: - Muito bem, muito .bem! O Orador: - Sem pretender acrescentar às palavras então ditas, somente com intuitos- construtivos, referirei o seguinte relativamente à actividade oficial: Desde Maio de 1962 que foram recebidos pela Junta Nacional da Emigração, & quem então foi cometida a recepção, acolhimento e posterior colocação de todos os que, após a invasão, optassem por vir para a metrópole, milhares de deslocados. Não é, porém, possível estimar o total dos goeses que desde Dezembro de 1961 conseguiram, apesar de inúmeras dificuldades materiais, e contra a má vontade das autoridades indianas, refugiar-se nos territórios livres. Desse número, a quase totalidade foi colocada, pela meritória acção de muitas entidades oficiais e particulares, quer em Portugal, quer no estrangeiro. E de notar que centenas ingressaram nas forças armadas, onde alguns se têm distinguido por actos de bravura em combate na frente de África, havendo já atribuídas medalhas de valor militar. Hoje, como é do conhecimento geral, a situação em Goa, Damão e Diu é, mesmo materialmente, muito má. Assim, é natural e humano que muitos mais goeses tentem escapar para os nossos territórios. Na previsão deste facto, impõe-se a continuação da assistência aos deslocados do Estado da índia. Mas não só. Efectivamente, terminou em Dezembro último o prazo de dois anos dado aos goeses da antiga África Oriental Britânica para requererem a naturalização como nacionais das novas nações ou abandonarem as mesmas. Não disponho até ao presente momento de informações seguras sobre a efectivação da medida. Mas, não havendo representação dos interesses portugueses nessas nações, que a isso se têm oposto, conviria prepararmo-nos desde já para a eventualidade de muitos dos cerca de 30 000 goeses que ali vivem quererem vir para Portugal. Vozes: -Muito bem, muito bem ! O Orador: - E preciso ter presente que, na sua legítima luta pela vida, a maior parte desses goeses vive há anos na África oriental; alguns nasceram mesmo lá; e estes últimos não falam português; raros têm habilitações portuguesas, não por sua culpa, mas porque não tiveram onde aprender a nossa língua; bastantes já não são novos e dificilmente se adaptam, sem auxílio, a novos ambientes. Perto de uma centena já veio para Moçambique, tendo tido nessa província todas as dificuldades inerentes às características citadas. E no entanto vieram. Vieram por não querer mudar de nacionalidade. E é provável que mais, muitos mais, queiram vir. Pareceria lógico e justo estudar o aproveitamento desses imigrantes, já portugueses1, já aclimatados à África, já profissionalmente valiosos no povoamento de algumas províncias ultramarinas. São, acima de tudo, portugueses que deram as suas provas. Se os ajudarmos, a recompensa será dupla: política e económica. Vozes: - Muito bem, muito bem ! O Orador: - Ora, ao contrário do que aconteceu com os deslocados do Estado da índia, nenhuma entidade está incumbida de os receber, encaminhar e colocar, nem organizada para essa tarefa. Estou certo de que o desejo das autoridades e do público em geral, tanto aqui como nas províncias de África e
Página 515
10 DE MARÇO DE 1966 515
do Oriente, é o de as amparar e que a resposta ao apelo de solidariedade era a mesma que sempre tem sido: portuguesa.
Imensas medidas se poderão tomar, contando, aliás, já com quatro anos de experiência de auxílio aos deslocados da índia; ocorrem-me: o estabelecimento legal de preferências e de equiparação nas habilitações; centros de recepção e adaptação; escolas de portugueses para adultos; serviço de procuradoria, etc.
Mas, uma vez que há que continuar com a assistência aos deslocados da Índia e que urge prever e organizar o auxílio aos refugiados do Quénia, Uganda e Tanzânia, permito-me sugerir a coordenação de todas as boas vontades, já tantas vezes concreta e eficazmente manifestadas por entidades oficiais e particulares. A sugestão que, para tanto, vou fazer terá apenas o mérito de constituir base ou até simples começo de estudo e é apenas nesta medida que a apresento.
Pela Lei n.º 2112, de 17 de Fevereiro de 1962, e Portaria n.º 19 175, de 15 de Março de 1962, ficou estabelecido que o Governo-Geral do Estado da Índia ficaria com sede em Lisboa enquanto durasse a ocupação e que as funções do respectivo governador-geral seriam desempenhadas por S. Ex.ª o Ministro do Ultramar.
Mas dispensa demonstração a impossibilidade de o ilustre titular da pasta do Ultramar, assoberbado de trabalho e preocupações as mais diversas, desprovido dos meios instrumentais necessários, dedicar aos problemas relacionados com a actual situação do Estado da Índia e dos Goeses a especialíssima, constante e laboriosa atenção que exigem.
Ao iniciar esta intervenção referi com a devida vénia uma afirmação de S. Exª. o Chefe do Estado.
Vou do mesmo modo invocar agora, quase .ao terminar, outra.
Disse S. Exª. o Presidente da República:
Não há de estranhar-se que o Estado Português da Índia continue presente na Assembleia Nacional.
Pela parte que nos toca, e julgo interpretar o pensamento de todos VV. Ex.ªs, não só não estranhamos, como consideramos necessário e útil, que os eleitos pelo círculo do Estado da Índia levantem e discutam problemas nacionais, com particular relevância para os que àquela província respeitem.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - E um deles será o que agora se põe: há Deputados que abordam as questões; pois é preciso dar meios a quem as tem de resolver.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os Goeses pedem que para o seu Governo-Geral sejam estudados meios em pessoal e material que lhes permitam desempenhar as suas delicadas e vitais funções, especialmente na hora presente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E afigura-se aconselhável que os problemas de Goa sejam tratados por agentes que exclusivamente se lhes dediquem.
Seja, porém, esta ou outra a solução encontrada, confiam, e entre eles me conto, em que, com a mesma firmeza nos princípios e a mesma persistência na acção,
todos havemos de lutar e que, com a ajuda de Deus, Goa voltará. Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Henriques Nazaré sobre o problema habitacional dos económicamente débeis do ultramar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Neto de Miranda.
O Sr. Neto de Miranda: - Sr. Presidente: O problema em debate - está reconhecido já nesta Câmara, como nos meios universais - é da maior oportunidade e está em razão directa com a preocupação que alguns povos atravessam e os desejos que as camadas responsáveis de outros pretendem eles alcancem.
O homem, na sua essência e na sua volição, porque o seu psiquismo é um produto da inteligência, não conhece limites na sua própria natureza e, enquadrado numa sociedade que o emancipa e não o pode restringir pelo seu próprio exemplo, tem necessariamente de caminhar num plano de verticalidade para manter a horizontalidade da sua interdependência. Só assim se compreende que a política económica que hoje orienta o Mundo tenha, no meio ambiente de cada um, um fim de promoção social assente no valor do homem, nas suas capacidades de realização intelectual e física. Sem riqueza não é .possível fornecer os meios da elevação dos povos e mesmo avaliar dos princípios que devem necessariamente comandar os estádios da sua evolução, para que da forma indiscriminada como esses princípios possam ser postos em prática não derivem, ao invés do que se pretende, perturbações que aniquilem ou retardem o processo evolutivo.
Considerado, assim, e disso pode o povo português orgulhar-se desde sempre, que o homem não conheceu no homem outro valor, que não seja o da sua própria essência; não temos de nos preocupar com a eventual acusação de que temos sido menos atentos no esforço da melhoria das condições de vida do nosso semelhante, note-se, semelhante em qualquer latitude pátria. O que tem sucedido é nem sempre sermos tão prontos, como desejávamos, na actuação dos escassos meios de que- dispomos. Mas isso é outro ponto de vista, que não o humano.
O aviso prévio que está em debate foi trazido a esta Câmara com a altruística intenção de se procurar uma solução para o problema habitacional no ultramar. O Sr. Deputado Henriques Nazaré, no seu louvável intuito, rodeou o problema de considerações válidas no seu aspecto social e humano e ninguém de boa fé pode negar-lhe o maior interesse na sua discussão. E ela servirá necessariamente aos fins em vista, embora o caminho a percorrer tenha sólidas implicações de ordem económica, espiritual, de usos e costumes e tradicionais implicações de ordem ecológica.
O problema, a meu ver, tem de ser. resolvido, como o vem sendo em Angola, como adiante se verá, em função das características geográficas e económicas dos espaços daquela província e da radicação do indivíduo no próprio meio.
Página 516
516 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
O contributo que esta minha intervenção possa eventualmente ter para uma análise mais profunda do problema situa-se apenas na prática do que se tem seguido naquela província, quer por uma intervenção directa do Governo, quer, paralelamente, pela intervenção do sentimento consciente de cada um perante um problema que a todos interessa. E ainda mais se considerarmos que o nivelamento das condições sociais de uma maioria beneficia o todo. E o todo está na própria Nação.
O que se tem feito, seja em que paralelo for do território nacional, abre perspectivas futuras à consolidação dos espaços interterritoriais e à mensagem multirracial que vimos difundindo em louvor da igualdade dos homens, filhos de Deus.
Vou agora entrar propriamente na essência do problema e terei necessariamente de me tornar um tanto fastidioso na narração da forma como vem sendo encarado e resolvido o problema habitacional das classes economicamente débeis em Angola.
Mas se o não fizesse por .essa forma, afigura-se-me que trairia o fundamental em benefício do superficial, o que não é compadecente com o interesse e a importância do problema, que se reveste ainda de aspectos que transcendem o tecto para se situar na promoção social dos que sob ele se acolhem.
De facto, são tantos os factores predeterminantes da conveniência de uma ou de outra solução habitacional que quem avisadamente deseja proceder terá de obter um resultado que não fira ou imponha, em benefício do conjunto, uma solução negativa no aspecto particular.
Ocorre-me a este respeito que nem todos os tipos de habitação definitiva são aceites pelas massas rurais, e posso afirmá-lo, em obediência a uma experiência por mim vivida, porque há efectivamente fenómenos de ancestralidade tradicional que escapam, por todos os meios, à imposição de novos sistemas de convivência familiar. E tão importante é este aspecto do problema que o Governo da província determinou em 1962 um inquérito sobre a habitação, que foi levado a cabo pelo Instituto de Investigação Científica, e cujos resultados foram publicados. Como exemplo, apontarei que o estudo etnológico dos pescadores da ilha de Luanda impôs um tipo de construção definitiva adaptável ao seu tradicional viver.
Detenhamo-nos, pois, um pouco sobre os principais aspectos que o assunto reveste em Angola.
Embora em contraste com a tradição africana, a organização em cidades parece ser um dos fenómenos mais característicos da África de hoje.
Dadas as implicações sociológicas, políticas e económicas que reveste o movimento para as grandes cidades, o fenómeno assume no nosso ultramar particular significado perante a política de integração que se prossegue.
Este facto assume maior relevância se pensarmos que grande parte da população que se avoluma em volta das cidades é o produto de um desenraizamento tribal, com todos os seus problemas e ligado a formas primitivas de habitação.
O viver dessa gente representa um dos aspectos mais salientes da vida social das cidades, que o processo técnico do urbanismo não pode ignorar, dado o supremo objectivo nacional de simbiose racial e cultural em cidades plenamente integradas.
Dado que as nossas cidades no ultramar são plurirraciais pela natureza dos elementos em presença, há que tomar na devida conta o processo normal da transformação das cidades e proceder à sua estruturação, de modo que favoreça a evolução do grupo desenraizado, que, desligado do seu quadro de origem, carece de ser integrado em novo grupo social.
Em Angola o crescimento urbano só a partir de 1940 começa a tomar incremento, mercê de uma melhoria das condições económicas da província.
Entre 1940 e 1950 deu-se uma duplicação da população branca, acompanhada por um valor muito aproximado da população preta, tornando-se o aumento mais vigoroso a partir de 1950.
À medida que aumenta a massa branca, verifica-se um maior afluxo da população autóctone para as cidades, onde se acumula sem vigilância e engrossa o número de desempregados.
Das cidades de Angola, apenas em Sá da Bandeira o número de brancos excede o de africanos e em Moçâmedes há um certo equilíbrio, enquanto nas outras cidades a população preta ultrapassa fortemente a dos brancos.
Em 1940 a população urbana correspondia a 5,4 por cento do total e em 1960 a 11 por cento. Isto dentro do critério estabelecido pelo censo de 1960, que considerava como população urbana a que se constituísse em aglomerações de 2000 ou mais indivíduos, donde resultavam 29 aglomerações populacionais, das quais 16 são cidades, que reuniam 84 por cento da população urbana.
Luanda é a cidade onde o acréscimo populacional assume maior importância. De 1941 para 1960 a cidade teve um aumento absoluto de 163 512 habitantes, ou seja 267,9 por cento, o que corresponde a um aumento anual de 8170 indivíduos.
Em 1940 a cidade tinha 61 028 habitantes. Passados 10 anos atingiu 141 647. Em 1960 a população orçava por 224540 habitantes.
O tipo somático que tem tido maior comparticipação no volume global da população é o preto, cujo acréscimo na última década foi de .39,8 por cento.
No que diz respeito à população branca, que era de 15 por cento em 1940 e 1950, atingiu 25 por cento em 1960. Quanto aos mestiços, verifica-se que a comparticipação tem decaído, mas mesmo assim entre 1951 e 1960 o seu número aumentou 39,3 por cento.
A consulta do quadro seguinte, do qual consta a população de Luanda por tipos somáticos nos últimos três censos, dá-nos uma ideia mais completa do crescimento populacional da cidade como ponto de partida para o estudo dos problemas resultantes:
[...ver tabela na imagem]
Página 517
10 DE MARÇO DE 1966 517
Em Angola, numa compreensão esclarecida do problema habitacional nas zonas urbanas, cedo se tomaram medidas adequadas. Assim, em 1922, pela Portaria n.º 183, de 27 de Outubro, determinava-se a construção nas cidades de Luanda, Lobito, Benguela e Moçâmedes de bairros destinados a funcionários do quadro geral auxiliar e a operários e trabalhadores autóctones com residência permanente naqueles centros urbanos.
Posteriormente, foi publicada outra legislação, como os Diplomas Legislativos n.º 2093, de 17 de Novembro de 1948, 2261, de 21 de Junho de 1950, e 2799, de 9 de Maio de 1956. Neste último, reconhecendo-se que a tarefa era demasiado grande para ser exclusivamente suportada pelo Governo, previa-se a constituição de cooperativas de construção e a intervenção de empresas e outras entidades particulares na construção. A grande inovação deste diploma diz respeito ao acesso à posse das respectivas moradias, mediante a sua integral liquidação, feita através de taxas de ocupação.
Estas iniciativas são continuadas pelo Diploma Legislativo n.º 2822, de 1 de Maio de 1957, em cujo preâmbulo se refere que «no primeiro plano das preocupações da administração da província tem figurado, e figura, o problema da habitação»; Determinava-se quê a construção de casas- económicas passa a ser levada a efeito pelo Estado, pelos municípios, por sociedades cooperativas ou anónimas, por organismos corporativos ou de coordenação económica, por instituições de previdência social, empresas concessionárias de serviços públicos e outras entidades idóneas- d(c) direito público ou privado, singulares ou colectivas.
No sentido de obviai1 aos inconvenientes que resultam da dispersão do assunto por vários diplomas, reuniram-se num único texto legislativo todas as .normas sobre casas económicas e, ao mesmo tempo, procurou-se coordenar e centralizar todas as actividades próprias.
Chegou-se, .assim, à publicação do Diploma Legislativo n.º 3117, de 12 de Junho de 1961, que criou a Comissão Administrativa do Fundo dos Bairros Populares, à qual compete superintender, fomentar e auxiliar a construção de habitações destinadas às classes menos abastadas.
Este diploma procurou dar um novo impulso para a solução do problema do alojamento através da construção de bairros populares, definidos como «o agrupamento de habitações de diversos tipos que se edificassem nos centros urbanos, industriais ou agrícolas, destinados às classes menos abastadas».
Estes bairros compreendem, no seu conjunto ou isoladamente, unidades de casas económicas, unidades de casas de renda limitada e unidades sociais.
As primeiras são casas de renda resolúvel, que devem chegar à posse dos interessados através de amortizações fixas; as segundas, como se deduz da própria expressão, devem proporcionar alojamento a baixa renda; as unidades sociais são construídas pelos arrendatários dos talhões concedidos exclusivamente para esse fim.
Embora se verificasse que este plano se integrava no aspecto dos melhoramentos locais, nomeadamente no que diz respeito à construção de habitações populares e abastecimento de água e electricidade a povoações, reconheceu-se serem ainda grandes as- necessidades neste capítulo, tendo em vista o progresso económico e social que se processa na província.
Assim, e porque importava alargar cada vez mais estes benefícios, em especial ao sector mais modesto das populações, e também porque se tornava necessário obter receitas de maior amplitude para garantir a execução do
plano de melhoramentos que abrangessem todas as localidades da província, foi instituído o Fundo dos Melhoramentos Locais, dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, cujas receitas provêm em grande parte de um imposto sobre a importação.
Este Fundo destina-se a fomentar a execução de obras de interesse social, nomeadamente: habitações populares, abastecimento de água e fornecimento de electricidade às povoações, esgotos, arruamentos e outros trabalhos- de carácter urbano e edifícios para fins de carácter social e assistencial.
Outra via de solução do problema habitacional que foi marcada pelo Governo traduz-se na publicação do Diploma Legislativo n.º 3301, de 15 de Setembro de 1962, em complemento da Portaria Ministerial n.º 4, de 30 de Junho do mesmo ano, pelos quais foi criado o Fundo de Acção Social no Trabalho de Angola, o qual se acha devidamente regulamentado.
As receitas do Fundo, que provêm da execução do Código do Trabalho, legislação complementar e comparticipação das entidades empregadoras e trabalhadores, são destinadas exclusivamente a apoiar os programas de carácter educativo, recreativo e económico-social a realizar em benefício dos trabalhadores e seus familiares e a promover a aptidão profissional.
E precisamente nos programas de carácter económico e social que se incluem as iniciativas tomadas pelo Fundo em matéria de habitação.
As receitas consignadas à construção de habitações definitivas ou aproveitamento daquelas que o possibilitem constituem fundos de fomento de habitação que funcionam nas sedes de alguns distritos. Outra parte dessas receitas destina-se à aquisição de máquinas manuais para fabrico de blocos e tijolos, que são cedidas gratuitamente aos grupos interessados nas construções. Tem ainda o Fundo como missão conceder empréstimos aos construtores, que não excedam 10 000$, reembolsáveis em prestações mensais de 100$.
Outra forma que favorece enormemente o problema da habitação situa-se na obrigatoriedade das empresas que tenham ao seu serviço trabalhadores efectivos de fornecer-lhes habitação gratuita.
Esta determinação, desde há muitos anos contida em medidas legislativas sobre trabalho, demonstra claramente como tem sido dominante a preocupação do Governo em instalar convenientemente os trabalhadores, de forma a criar neles o gosto pela habitação higiénica e funcional, conduzindo-os assim a imitá-la e adoptá-la.
De salientar também que, além do alojamento individual, merece cuidado particular o alojamento familiar, completado com a construção de cozinhas, refeitórios, distribuição de água potável, balneários, sanitários e escolas, sempre que os trabalhadores efectivos sejam casados e se desloquem fia sua residência habitual acompanhados da família, com filhos em idade escolar.
E de assinalar com simpatia o papel que as empresas particulares, agrícolas ou industriais vêm desempenhando neste capítulo, numa esclarecida e patriótica colaboração com o Governo, de modo a atingir-se rapidamente a solução desejada.
Vejamos agora o que se passa no meio rural.
O problema da habitação reveste também neste aspecto particular importância, dada a política de reordenamento das populações rurais que, notavelmente, se processa em Angola.
A fim de instalar devidamente essas populações, foram criados e divulgados vários projectos de instalação indi-
Página 518
518 DIARIO AS SESSÕES N.º 31
vidual, respeitando-se usos tradicionais e mesmo de natureza familiar.
Com base nesses projectos, têm sido largamente construídas habitações, quer nos núcleos de povoamento espalhados pela província, quer em colonatos, quer em regedorias.
E a este propósito devo assinalar que se vem notando o melhor interesse das entidades responsáveis na forma mais consciente como deve ser feito o reordemamento. As realizações efectuadas neste campo nos distritos. do Uíge e da Huíla entre 1962 e 1964, com manifesto devotamento dos respectivos governadores, são bem elucidativas e têm sido devidamente apreciadas pelas mais diversas entidades estrangeiras que têm visitado Angola. Actualmente decorre no distrito de Luanda a instalação de várias regedorias em que é problema habitacional e de promoção sócio-económica se desenvolve em ritmo apreciável, sob a orientação do respectivo governador e apoio da Junta Provincial de Povoamento, que dedica particular atenção ao problema da habitação, quer em núcleos de povoamento alienígena, quer em regedorias de vizinhos.
A imperiosa necessidade de reinstalar as populações recuperadas nas zonas afectadas pelo terrorismo desencadeou no distrito do Uíge um movimento de boas vontades, onde também se salientou a prestimosa colaboração dos serviços militares, no sentido de se proceder à instalação daquelas populações.
Isto fez nascer naquele distrito 83 povoações obedecendo a uma concentração que permitiu um eficaz apodo de ordem social, no qual há a salientar a instalação de 263 novas escolas, com um total de 11 230 alunos (1964), além da construção de pôs-tos sanitários devidamente apetrechados, numa clara demonstração da preocupação do Governo em melhorar o estado sanitário das populações.
Esta política de reordenamento rural das populações, tornada extensiva, como já referi, a outros distritos, tem sido a base de várias realizações- no campo habitacional, alínea das mais importantes do programa de promoção social global que se desenvolve actualmente.
De facto, o plano de reordenamento para o distrito da Huíla, iniciado em 1962, estabelecia como das primeiras prioridades a melhoria habitacional, seguindo-se-lhe o ensino da alfabetização, assistência sanitária e aproveitamento hidroagrícola e abastecimento de água, numa tentativa de - modificação do. meio, melhorando tanto quanto possível a sorte das populações rurais, quê, dedicando-se essencialmente à pastorícia, necessitam de um tratamento especial destinado a contrariar as suas características transumantes. Isto, por si só, mostra bem que o problema habitacional não pode encontrar uma solução rápida, mas outra ou outras que se adaptem perfeitamente às condições do meio ambiente. Ao abrigo deste plano foram construídas algumas centenas de casas de habitação, postos e alpendres escolares (53) e residências para monitores e regentes escolares (32), além de outras obras de apoio técnico e sanitário.
Também nos distritos de Malanje, Huambo, Bié e Cuanza Sul está a processar-se a política" de reordenamento rural como contributo evidente para a solução" do problema habitacional naqueles meios, independentemente de outras acções similares nas zonas urbanas.
Feita, assim, uma análise do problema da habitação, na sua génese e nas medidas legislativas tomadas para se lhe dar solução adequada e de harmonia com os meios postos à disposição do Governo, que se cifram em centenas de milhares de contos, suponho ser do melhor interesse para esclarecimento do problema, no que se refere
propriamente à execução dos princípios postos, dar a conhecer à Câmara, como contributo de uma melhor incidência de solução para a complexidade das situações que esse mesmo problema comporta, como se vai processando a estrutura habitacional das classes economicamente débeis dos aglomerados urbanos mais importantes de Angola, especialmente Luanda.
Assim, até Agosto d(c) 1965 estavam já construídas nos centros urbanos cerca de 6100 residências, das quais 4560 em Luanda.
J2 em Luanda que o problema habitacional assume aspectos mais alarmantes, como facilmente se conclui pelos números que indiquei atrás, tomados na devida conta os problemas de toda a ordem que esses números representam.
. Nos «muceques» de Luanda vivem cerca de 155 000 habitantes, alojados em 40 000 fogos, aproximadamente.
Computando o crescimento da população em 10 por cento ao ano, e tomando como base a despesa de 20 contos por habitação, mesmo sem entrar em linha de conta com o custo do terreno, seria necessária uma importância de 80 000 contos anuais para alojar modestamente a massa populacional correspondente àquele crescimento.
Mas além das dificuldades financeiras, que se tentam sempre suprir, as instalações dessas, populações têm implicações de ordem urbanística, social e até política que não facilitam a viabilidade imediata de uma solução definitiva.
- Sabemos que a maioria da população, de rendimentos modestos, não está ainda suficientemente evoluída para a convivência em prédios de vários fogos, o que não implica que se não tenham procurado soluções a curto prazo. Entre elas, estão a ser consideradas:
a) A urbanização sumária dos terrenos do Estado, câmaras ou particulares para a instalação, a título precário, de populações economicamente débeis que vão afluindo a Luanda;
b) Auxílio à construção das respectivas habitações, quer sob o ponto de vista técnico, quer pelo fornecimento de materiais;
c) Construção de instalações colectivas de carácter social e higiénico;
d) Assistência educativa, social e médica.
Para além destas medidas respeitantes à população que vai afluindo a Luanda, é também preocupação do Governo o reordenamento dos actuais «muceques», grupos de todas as etnias - paredes meias, substituindo-se por vários bairros populares, que hão-de desempenhar melhor função integradora das etnias em presença. De facto, nos ainda existentes «muceques» de Luanda a convivência multirracial é um facto, e naqueles bairros populares, como os de Gazenga e S. Paulo, cujos habitantes provieram de «muceques», mantém-se o mesmo processo integrador, acelerado pela actuação de centros coordenadores de assistência e outros complexos de ordem educacional e social: escolas, centros culturais, igrejas, postos sanitários, jardins- escolas , etc.
Para que este reordenamento dos «muceques» continue a fazer-se, mas por uma forma mais acelerada, o Governo-Geral, e em que tem papel principal a Secretaria Provincial de Obras Públicas, preconiza:
a) Preparação de bairros de realojamento provisório, constituídos por residências melhoradas, construídas pela Comissão Administrativa do Fundo dos Bairros Populares, com ou sem auxílio dos interessados;
Página 519
10 DE MARÇO DE 1966 519
b) Ordenamento urbano dos «muceques» por zonas, obedecendo a uma determinada disciplina urbanística, com o fim de estabelecer arruamentos, reduzir a densidade de ocupação e construir fontanários, balneários, escolas e centros de acção social e assistencial.
Completamente, desenvolve-se a promoção dessas populações, de modo que do conhecimento dos seus problemas, aspirações e necessidades se possa realizar uma acção educativa intensa nos aspectos religioso, social, profissional, doméstico, assistencial e de instrução.
Também nessas medidas se preconiza o recurso às técnicas do desenvolvimento comunitário, que se apresentam como a solução mais eficiente para ajudar uma população a melhorar o seu nível económico e social, tendo em consideração que os homens preferem fazer as coisas que desejam.
Finalmente, e em consequência dos resultados obtidos pelo programa já posto em prática, há lugar à transferência de famílias, à medida que estiverem -socialmente preparadas, para zonas de habitação definitivas. O programa, como se verifica, é do maior alcance social e evidencia com clareza a posição que o Governo toma em tão magna questão.
Voltando ao reordenamento urbano dos «muceques», devo esclarecer que os bairros populares de Gazenga e S. Paulo, constituídos por 3331 habitações, beneficiam já uma população de 20 000 habitantes e orçam por 70 000 contos, acrescidos de mais de 30 000 em relação a habitações de outros centros urbanos, e isto no ano» de 1963.
Quanto ao sistema posto em prática do realojamento das populações, os trabalhos executados em dos «muceques» - Prenda e Rangel - nos últimos dez meses mostram já a construção de 589 moradias, completadas com os referidas centros sociais e assistenciais.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Seguramente, e disso tenho consciência, fui mais longo na intervenção do que desejava; mas se reduzisse, em comodidade própria, a total expressão do problema relativamente a Angola teria cometido um erro: o de não contribuir para o esclarecimento desta Câmara.
Não é de mais repetir: o problema habitacional das classes economicamente débeis não é só do ultramar e da metrópole. E de todas as nações.
Mas quanto ao que a nós respeita, já vimos como em Angola se vem, desde há muito, procurando dar solução. E é oportuno destacar neste aspecto quanto de interesse actual o Governo da Nação lhe vem dedicando, com particular expressão para as determinantes do Sr. Ministro do Ultramar, sempre atento à sua evolução. Como também é justo exprimir uma palavra de muito louvor para o Governo da província, que encontra no seu governador-geral a maior preocupação e devotamento à promoção social das populações.
A caminhada é, seguramente, longa, mas percorrê-la com entusiasmo sempre renovado e sinceridade de execução é criar nos povos a certeza de que adquirem a consciência de saberem que são elementos válidos e promotores das sólidas raízes lusitanas em terras do ultramar, que o mesmo será dizer da Nação.
Que todos o saibam compreender e saibam também esperar.
E quando digo que todos o saibam compreender tenho presente a opinião do Prof. George Hardy, da Universidade de Paris, que, ao referir-se à colonização europeia do século XIX, baseada unicamente numa exploração puramente económica, dizia:
Há que salientar como única excepção Portugal, cuja colonização militante e fortificante apareceu às outras nações como uma perigosa loucura e como um exemplo a não ser seguido.
Mas nós continuámos o nosso caminho possuídos de melhores sentimentos, como o continuaremos com a mesma fé e a certeza de que outro não temos melhor que melhor mantenha a indivisibilidade da herança henriquina.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador fui muito cumprimentado.
O Sr. Castro Salazar: -Sr. Presidente: Começo por felicitar o Sr. Deputado Henriques Nazaré pela oportunidade do seu aviso prévio e pela maneira clara, inteligente e franca como expôs o seu ponto de vista. Evidentemente que podemos não concordar com esta ou aquela solução apontada, mas no que naturalmente todos estamos de acordo é que o problema do alojamento dos economicamente débeis do nosso ultramar existe em maior ou menor grau em todas as províncias, é premente, na maior parte delas e impõe-se para ele, quanto antes, uma solução.
Contudo, é preciso não esquecer que o problema da habitação na maior parte das nossas províncias ultramarinas é um capítulo de uma problemática muito mais vasta: o subdesenvolvimento. Enganamo-nos a nós próprios se pensamos que a solução está só em construir casas para as classes menos favorecidas, que muitas vezes nem sabem como as utilizar; paralelamente há que desenvolver uma grande campanha de promoção social das populações atrasadas, aumentar as fontes de riqueza, combater o subemprego, a miséria- e a ignorância.
Já aqui foi dito, mas não é de mais repetir: o problema habitacional não afecta só o nosso ultramar; ele é mundial, revestindo, é certo, aspectos diferentes, conforme as regiões onde se observe e o seu estado de desenvolvimento. O papa Pio XII, preocupado com problema tão angustiante, disse numa alocução feita em 1948:
Temos manifestado muitas vezes a nassa preocupação relativamente à necessidade urgente, angustiante, de obter para milhares, milhões de indivíduos e de famílias, alojamentos que lhes assegurem um mínimo de higiene e de bem-estar, de dignidade e de moralidade. Quer dizer que, a nossos olhos, a obra da construção é de primeiríssima importância.
Estas palavras, apesar de terem sido pronunciadas há cerca de dezoito anos, continuam a ter a mesma actualidade.
Ë doutrina da Igreja, aceite por todos os povos civilizados, ser um direito -natural do homem o direito à vida; desse direito deriva o direito conatural ao alimento, vestuário, habitação, ete. No que diz respeito à habitação, esta deve ser de molde a conservar a vida e a saúde, a salvaguardar o pudor e a permitir aos membros da família uma vida doméstica digna do homem.
Infelizmente, nos aglomerados suburbanos das grandes cidades, quer se chamem «muceques», bairros de lata ou bairros de caniço, as condições de habitabilidade das bar-
Página 520
520 DIARIO DAS SESSÕES N.º 31
raças, onde se amontoam famílias inteiras na maior promiscuidade, estão longe de permitir uma vida sadia ao corpo e ao espírito.
O problema habitacional das classes menos evoluídas não afecta só - em África - os grandes aglomerados populacionais, embora aí se imponha uma mais rápida solução, por razões de ordem sanitária, social e política: ele afecta também as classes rurais, e, embora em moldes diferentes, necessita também de ser encarado. Embora admitindo prioridades, temos de considerar o problema no seu todo e caminhar depressa.
Em Angola, na Guiné e em Moçambique, estamos atravar nas frentes de combate uma batalha dura, que eu creio firmemente havemos de ganhar. Mas temos de ganhar também na retaguarda uma grande batalha, que é a batalha pela elevação do nível de vida das populações nativas. O facto de se estar a discutir na mais alta Assembleia política do País o problema da habitação das classes economicamente débeis do nosso ultramar e o interesse que este debate tem suscitado entre os Sr s. Deputados, não só das províncias ultramarinas, mas também da metrópole, demonstra bem quanto este problema nos preocupa e como todos estamos interessados em encontrar para ele uma solução. O problema é de todos nós, e não me parece que a sua resolução pertença somente ao Estado.
Pertence em primeiro lugar ao indivíduo, que tem obrigação grave de procurar por todos os meios ao seu alcance alojamento condigno para si e sua família. Não podemos desobrigar o indivíduo desse dever, e, se o fizermos, estamos a prestar um mau serviço à sociedade; pelo contrário, devemos incutir nele o desejo de possuir uma habitação digna e levá-lo a fazer todos os esforços ao seu alcance para o conseguir.
Pertence também aos particulares e empresas privadas, que, por imperativo de justiça social, devem investir capitais no fomento habitacional, facultando às classes pobres habitações com um mínimo de conforto e higiene e de rendas acessíveis.
E nos grandes aglomerados populacionais onde os investimentos particulares se tornam mais necessários no fomento habitacional dos economicamente débeis, pois é aí que as classes pobres se mostram mais incapazes de, pelos meios ordinários, resolverem o problema do seu próprio alojamento. É aí também que, dada a grande aglomeração, é maior a promiscuidade, maior a falta de salubridade e higiene, maior o perigo de contágio das doenças transmissíveis e, por força das circunstância(r), menores os laços familiares e maior a imoralidade. É aí. ainda que se nota mais a chocante desproporção - que é um grave mal social - entre aqueles que possuem aposentos que ultrapassam muito as suas necessidades e os que têm habitações que não permitem condições de vida humana, criando um mal-estar social e fazendo, não poucas vezes, acumular ódios entre aqueles que são vítimas destas injustiças, como muito bem foi salientado pelo Sr. Dr. Henrique? Nazaré.
O investimento de capitais por parte dos particulares e empresas privadas no fomento habitacional das classes pobres é, acima de tudo, um dever social.
Às câmaras municipais pertence a obrigação de ceder terrenos a título gratuito ou a preços baixos para a construção de bairros de rendas económicas, urbanizar esses terrenos, proceder ao seu saneamento e instalação de água e luz. Deve pertencer também às câmaras municipais o encargo de construir casas para as classes indigentes, ou, pelo menos, subsidiar as organizações de caridade que se proponham construí-las.
Ao Estado pertence, finalmente, estimular, coordenar e ajudar os esforços dos particulares, dos agrupamentos privados e das autarquias locais na solução do problema habitacional, e só no caso de carência de iniciativas privadas o Estado tem o direito e a obrigação, como responsável pelo bem comum, de tomar sobre si esse encargo.
Da conjugação dos esforços de todos - Estado, autarquias locais e particulares - estou convencido que surgirá para cada província a solução que melhor se adapte ao seu caso particular.
Em S. Tomé e Príncipe, como em todas as regiões subdesenvolvidas, há também um problema de habitação, que se enquadra no ambiente próprio do subdesenvolvimento, como se enquadra o problema do subemprego, da pequena produtividade do trabalho, da falta de gente qualificada, da falta de higiene, na inexistência do conceito de família, etc. Por isso está o Governo da província empenhado em resolver todos estes problemas harmoniosamente e em conjunto, tendo já elaborado para tal um plano de acção social.
No que diz respeito ao problema habitacional, pensa-se em S. Tomé e Príncipe que a casa deve ser desejada intensamente pela população e ser feita pelo interessado- sempre que possível-, embora com o auxílio do Estado; isto para que não aconteça o que sucedeu há muitos anos com um bairro que se construiu para pescadores.
Foi mandado construir pelo Estado um bairro para pescadores nativos de S. Tomé, constituído por lindas vivendas de alvenaria, com todos os requisitos modernos, junto à praia onde eles tinham as suas toscas e mal acabadas barracas. Todos pensavam na alegria dos pobres pescadores ao sentirem-se instalados em tão belíssimas moradias, onde nada faltava - pensava-se - para serem felizes.
Simplesmente, essas casas não tinham sido desejadas por eles; davam-lhas de mão beijada, mas eles não se sentiam seus proprietários, e, além disso, a desproporção entre as suas choupanas e as casas que lhes queriam dar era tal que eles não sabiam viver nelas. Recusaram-se a mudar, e ainda hoje vivem nas suas barracas de madeira e andala.
O Diploma Legislativo n.º 688, de 21 de Maio de 1964, determinando a criação de bairros populares em centros urbanos onde o Estado possui terrenos, e a Portaria Provincial n.º 3691, de 31 de Dezembro de 1964, que regulamenta o Fundo de Acção Social no Trabalho, são dois documentos importantíssimos para a resolução do problema habitacional das classes economicamente débeis em S. Tomé e Príncipe, quer pelo sistema de autoconstrução, quer pela construção de casas em regime de propriedade resolúvel.
Pelo Fundo de Acção Social no Trabalho concede o Estado empréstimos aos que desejam construir a sua própria casa pelo sistema de autoconstrução e estejam nas condições exigidas para usufruírem desse benefício.
Para isso mandou o Governo da província elaborar, por um arquitecto competente e conhecedor do meio, projectos de casas que são um misto da casa tradicional de S. Tomé e da casa evoluída. São três os tipos de casa- tipo A, B ou C -, conforme o número maior ou menor de compartimentos, e estão já a ser construídas algumas para servirem de modelo. Vai-se assim avançando por etapas, passando-se da casa de madeira para um tipo intermédio de madeira e alvenaria, mas já com um mínimo de conforto e higiene.
Na ilha do Príncipe já foram construídas três casas por este sistema, e no orçamento do corrente ano do Fundo de Acção Social no Trabalho foi inscrita a verba de 200 con-
Página 521
10 DE MARÇO DE 1966 521
tos destinada a desenvolver na província este sistema de construção de casas económicas.
A construção de casas pelo sistema de propriedade resolúvel tem também merecido do Governo da província o melhor interesse, tendo para isso o Fundo de Acção Social no Trabalho contribuído este ano com a verba dê 500 contos. A primeira destas casas está já a ser construída e dentro de dois ou três meses iniciar-se-á a construção em série.
Como se vê, o Governo da província tem já estruturada a sua política de construção de casas para as classes de economia débil; dentro do plano .geral de melhoria do nível de vida das populações, preferiu-se enveredar pelo sistema de autoconstrução e de propriedade resolúvel. O sistema de autoconstrução parece ser o que melhor se coaduna com as características da gente de S. Tomé e é dele que se esperam os melhores resultados, tanto do ponto de vista de fomento habitacional como do de promoção social.
Além do Estado, outros organismos estão a dar o seu contributo para a solução do problema habitacional na província, tendo em vista as classes de fracos recursos económicos. Assim, o Sindicato Nacional dos Empregados do Comércio, Indústria e Agricultura de S. Tomé e Príncipe construiu num dos pontos mais centrais da cidade de S. Tomé, em terreno cedido e urbanizado pela Câmara Municipal, um bairro de pequenas, mas airosas, casas destinadas aos seus associados. A Caixa de Previdência dos Funcionários igualmente procedeu à construção de 35 casas e tem em projecto a construção para breve de um bloco de 24 moradias.
Não é só de agora que o problema habitacional preocupa o Governo da província. A política habitacional em S. Tomé e Príncipe vem-se processando há já muitos anos; haja em vista o que o Governo tem vindo a exigir às empresas agrícolas quanto a instalações condignas para os seus empregados em regime de contrato. Porém, o primeiro passo decisivo para uma política de habitação para as classes de economia débil foi dado com a publicação do Decreto n.º 36 888, de 28 de Maio de 1948, que tinha em vista a fixação de trabalhadores não contratados e a construção de bairros para seu alojamento, quer pelo Estado, quer pelas empresas agrícolas. Com base neste importantíssimo diploma, o Estudo construiu dois grandes aldeamentos: um em Santana, com 98 casas, e outro nas Neves, com 57 casas. Por seu lado, as empresas agrícolas ergueram seis aldeamentos, com um total de 143 casas.
O critério seguido em política de habitação era diferente do de hoje, mas o objectivo era o mesmo: a melhoria das condições de vida das populações de fraco poder económico. Para obstar a alguns inconvenientes, e no rumo da nova política habitacional, foi feita pelo Instituto do Trabalho, Previdência e Acção Social nova regulamentação do decreto citado acima, regulamento que foi aprovado pela Portaria n.º 3767, de 6 de Março de 1965. Pretende-se nesta nova regulamentação facilitar a venda aos interessados das moradias que ocupam, mediante o pagamento de mensalidades suaves, entrando-se assim no sistema de propriedade resolúvel.
Quero fazer um parêntesis para dizer que, para se dar real valor aos números que apresentei até agora e continuarei a apresentar, é preciso não perder de vista as dimensões da província em área e população: 1000 km de superfície e 60 000 habitantes.
Em 1957 foram publicados pelo Governo da província os Diplomas Legislativos nos 489 e 491, com vista ao incremento da construção, por parte dos particulares e das empresas privadas, de casas de renda limitada Pena é que as entidades particulares não tivessem correspondido à esperança que nelas se depositou ao publicarem-se estes diplomas.
A política habitacional levada a cabo em S. Tomé e Príncipe pelo Estado em benefício dos seus servidores pode considerar-se verdadeiramente notável, dado que, praticamente, todo o funcionário casado vive em casa fornecida pelo Estado. Para esse efeito foram construídas 309 casas em S. Tomé e 32 no Príncipe, encontrando-se actualmente em construção mais oito casas. Não quero deixar de salientar quanto esta política de habitação veio beneficiar os pequenos funcionários, sem dúvida de economia débil, como sejam: guardas da Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana, guardas fiscais e mesmo certos funcionários de carteira, que auferem - como, aliás, proporcionalmente, todos os outros funcionários da província - ordenados baixíssimos, numa terra onde o custo de vida é dos mais altos, se não o mais alto, de todo o ultramar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Disse-lhes muito sucintamente o que penso sobre o problema da habitação dos economicamente débeis e o que se está a fazer e se fez já na província de S. Tomé e. Príncipe para solucionar este problema.
Evidentemente que as soluções não podem ser as mesmas para todas as províncias e nem dentro destas o podem ser para todas as regiões. O problema toma aspectos diferentes conforme se situe nas grandes cidades, nos pequenos aglomerados ou no meio rural. Todos esses aspectos merecem ser estudados e as soluções encontradas para cada um deles devem ser aplicadas tanto para os grandes meios como para os pequenos.
Continuo a pensar que deve ser dada prioridade aos grandes centros na solução do seu problema habitacional, mas que não se fique por aí O problema é premente tanto no meio urbano como no meio rural e não me parece boa política solucionar um e não resolver o outro. Entendo também - repito-o - que a solução do problema habitacional só resultará, se, paralelamente, se forem resolvendo os outros problemas próprios do subdesenvolvimento. Estou certo de que assim sucederá, pois a obra já realizada pelo Governo na elevação do nível de vida das populações do ultramar, a todos os títulos notável, é disso segura garantia.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Gonçalo Mesquitela: - Sr. Presidente: Ao intervir neste debate, em que sou um dos últimos oradores, quero endereçar ao nosso ilustre colega Dr. Manuel Nazaré as minhas felicitações pelo seu aviso prévio.
Considero oportunissimo o tema escolhido e a sua importância geral, porque estou certo de que a sua intenção foi também a de demonstrar aos que, sofrendo as consequências da depressão Claude em Lourenço Marques, poderiam, com menos justiça, supor que o seu problema não merecia senão a atenção das autoridades provinciais. O aviso prévio e o interesse que despertou nesta Assembleia e na opinião pública deve-lhes ter trazido a certeza de que de há muito que é nacionalmente procurada a solução não só para o que agora os aflige em Moçambique mas também para todo o País. E ainda que, uma vez mais, as instituições portuguesas lograrão encontrá-la.
Há, no entanto, alguns pontos em que me permitirei fazer as observações que a vivência do meio africano me sugere.
Página 522
522 DIARIO DAS SESSÕES N.º 31
Ao encararem-se as realidades daquele continente e dos portugueses que ali ainda estão ligados à sua vida tradicional é frequente que os espíritos europeus, habituados à metrópole e às soluções aqui adoptadas, reajam diferentemente de nós, os que ali diariamente contactamos com os hábitos e as gentes de África. Daí o que poderia ter parecido exagerada sensibilidade por parte do ilustre Deputado avisante, Dr. Manuel Nazaré.
Será, contudo, no equilíbrio destes dois ângulos de visão que a solução portuguesa tem de sei- encontrada. Por isso, ainda bem que foi este meu ilustre colega por Moçambique a levantar a questão. Sendo o único dos Deputados da província que- reside na metrópole, e há tantos anos que temos de considerar a sua formação e a sua sensibilidade como europeias, trouxe-nos a nós, Deputados que vivemos permanentemente em Moçambique, o contributo ide pontas de vista que completaram os nossos e muito nos irão auxiliar a encontrar o ponto sensato da solução. Espero que, em contrapartida, possamos ter contribuído para o seu esclarecimento., o que importa muito, por estarmos irmanados pela defesa dos interesses comuns dos Moçambicanos, que a todos nos elegeram para, por igual, os representar nesta Assembleia Nacional.
Para a justa visão do problema, das suas dimensões e das medidas tomadas para lhes responder no País inteiro, muito contribuíram também outros ilustres Deputados que se pronunciaram, mostrando como em todo o Portugal os «cancros» urbanísticos existem e se tem tentado dominá-los por medidas adequadas. Mas, paira além disso, de uma das intervenções aqui realizadas se conclui que, neste preciso momento, muitos países se, debatem com as mesmas questões, tendo já sido posta a preocupação à escala das Nações Unidas, cuja colaboração foi pedida por largo número deles. E, pois, um fenómeno humano e universal, não se circunscrevendo a Moçambique, a Portugal ou sequer a um só continente.
Do que aqui foi dito podemos concluir que tem sido preocupação antiga das autoridades - designadamente do Ministério do Ultramar e dos governos provinciais - promover a sua solução em todo o território português, sem que, contudo - e tal como sucede em todos os países, sejam eles subdesenvolvidos ou de alto teor de vida -, se considere atingível a solução ideal: cada família com a sua casa, cada homem com a sua habitação. Mas estas conclusões não afastam o intuito desta Assembleia de ver desenvolvidas as medidas possíveis, de maneira que cada vez melhores soluções se adoptem para que menos portugueses deixem de ter um tecto sob o qual se abriguem em condições humanas, cristãs e dignas. Insere-se aqui a feliz expressão do aviso prévio:
Parece ao nosso alcance uma decidida declaração do guerra às condições em que vivem as populações na periferia dos aglomerados urbanos.
E o incremento desta luta que se pede, e solidarizo-me inteiramente com os que aqui o fizeram e apoiaram. É preciso, é inadiável, que. se acelerem os estudos e a sua execução, sem que se considere legítimo o argumento de que são difíceis e de dispendiosa realização, para aceitarmos que o tempo corra sobre a inércia.
Em todo o caso, e como já foi salientado, a solução tem que ser possível, e não poderá ser uniforme, pois há que atender aos meios diferentes a que se, aplica. Nem, tão-pouco, deve ser gratuita na sua generalidade.
Referindo-me agora especialmente a Moçambique, gostaria que ficasse expressa uma distinção, que julgo essencial. É a que respeita aos economicamente débeis e aos
que vivem integrados numa civilização distinta da nossa, porque ainda tribal ou fortemente arreigada a ela.
E aqui permito-me recordar o apelo que não há muito fiz nesta Assembleia para que se considere como urgente e no primeiro plano das preocupações nacionais a promoção social dos autóctones para o nosso estádio de cultura e civilização, o que só julgo possível através de povoamento planificado e decididamente executado. Este caso da habitação ilustra claramente a minha recente intervenção.
Estamos perante três realidades humanas distintas: a que se caracteriza pela sua exclusiva vida tribal; a dos que iniciam a destribalização e se pretendem integrar na civilização ocidental, que tem precisamente como uma das suas características1 o urbanismo, e a dos que, já integrados na urbe, sofrem pelos desníveis económicos de uma organização social que, desde sempre, tem trazido consigo essa consequência dolorosa.
Ora os ainda tribalizados não podem considerar-se economicamente débeis. Este conceito é específico da nossa civilização e da nossa cultura. A tribo e o clã integram o indivíduo em comunidades que se bastam a si próprias, em que o homem e a família estão equilibrados com o meio físico e social em que s& inserem. Aí não há economicamente débeis ou fortes, porque não chega a haver economia, a não ser nos rudimentos de subsistência e na propriedade comunitária. E não há também individualmente conflitos ou frustrações daí derivados.
Haverá atraso cultural, haverá uma zona de humanidade que pretendemos fazer deslocar do seu plano tradicional para o nosso, convictos como estamos, de que isso corresponde melhor à dignidade do homem e dos grupos humanos. Mas não há conflito, porque, na sua concepção, não há mais pobres ou mais .ricos, não há legislação que não seja a aceite e compreendida por todos, nem outra hostilidade para além da natureza, em que há que incluir também a dos homens.
Estes não são economicamente débeis e são normalmente felizes.
Depois, nas camadas que iniciam a dolorosa subida para a conquista da nossa civilização - tão mais dolorosa quanto tem de ser brusca, sem os cambiantes que séculos largos nos permitiram -, temos a considerar factores negativos muito diferentes dos da exclusiva debilidade económica.
Esta já aqui se faz sentir, mas o homem que era antes suficiente na sua tribo ou no seu clã, o indivíduo que construíra a sua dignidade, em torno de bases que agora não são aceites, esse sente-se atingido no mais íntimo da sua personalidade. Já não se sente apto para nada, não percebe as leis que o passam a reger, não identifica por si os poderes que agora se pretendem impor. A própria natureza deixou bruscamente de ser uma realidade tutelar, conhecida e manejável, para passar a ser hostil, na sua dependência da propriedade privada e limitada em extensão, na existência de uma economia monetária, na necessidade estranha e nova do trabalho regular e monótono.
E esta a zona social de penumbra. Aqui o homem á desconfiado ou até revoltado, porque não se integrou ainda. Tudo o que vive lhe é estranho: porque já está desenraizado das origens primitivas. É a custo de largas feridas de sensibilidade e de cicatrizes profundas que se formam na sua- antiga personalidade que a adaptação se faz. Isto é, no entanto, válido para o Preto, para o Branco ou para o Amarelo. Por todo o ultramar são conhecidos os casos de destribalização do europeu, em que este, transplantado para África, não consegue adaptar-se ao
Página 523
10 DE MARÇO DE 1966 523
meio urbano diferente que encontra, vindo tanta vez a constituir os destroças humanos conhecidos pela sugestiva designação do «branco cafrealizado».
Nesta zona de penumbra encontramos gente de todas as raças. Por isso no «caniço» de Lourenço Marques ou nos antigos «muceques» de Luanda- encontramos muitos brancos, misturando-se famílias inteiras das mais diversas cores de pele. O fenómeno é transportado pelos nossos até para a Rodésia e para a África do Sul, onde as autoridades locais o pretendem reprimir com dureza, por não compreenderem o problema como nós.
O branco que, por ser analfabeto, pede ao preto que lhe escreva a carta para a Europa quanta vez não integra esta zona de penumbra, buscando ambos resistir humanamente contra o meio que lhes é estranho e adverso, porque desintegrados do da origem e ainda não adaptados ao que se lhes depara.
Vêm depois os que, embora já integrados, não trouxeram consigo, ao fim do largo caminho que tiveram de percorrer; os meios para se fazerem impor na sociedade urbana: a preparação para o trabalho normalizado, a instrução, a riqueza em numerário ou em imóveis, o talento urbano. Esses são os que podemos considerar como economicamente débeis. Pretos ou brancos, são os que formam as massas de trabalhadores não especificados, vinculados à servidão dos seus poucos meios de luta e de vida em sociedades urbanas e industrializadas, ganhando rudemente o pão amargo que comem. Trazem já consigo a civilização e a cultura ainda mal assimiladas ou carentes dos apoios a que estavam habituados e acumulam-se nessas áreas de pecado social que são os alum, os «caniços», as «favelas» ou os cost sidc de todo o Mundo.
Para a solução a adoptar há, portanto, que distinguir no que nos preocupa entre estas realidades, ou pelo menos entre os grandes grupos que constituem e que se interpenetram demogràficamente.
Como muito bem aqui foi salientado, é útil tentar-se orientar o início da solução por forma a agir-se ainda na própria povoação tradicional, principalmente no que respeita aos rudimentos de urbanização, a elementares noções de higiene e ao uso de utensílios domésticos que podem ser adaptados a uma eventual e futura- forma evoluída de existência colectiva.
Aqui estamos em plena tarefa de promoção social no campo familiar. Mas cuidado. Atentemos em que esse é o mundo da mulher, e que a mulher africana, na vida tribal, não é a mulher independente, com iniciativa, que se possa impor. A natureza dos laços que a ligam ao chefe da família tornam-nos primitivos. Por isso, o marido não a incita a aceitar as novidades, nem ela se lhes atreverá espontaneamente. É obra delicada em que estão a trabalhar, em Moçambique, com lentos mas notáveis resultados, os Serviços de Promoção Social da Mulher Africana, com a introdução de rudimentos de puericultura, de costura .empírica para uso diário, de noções de aproveitamento racional dos alimentos e sua conservação, generalidades de higiene individual e doméstica e pouco mais.
Há que conjugar esta acção com a que se exercer, paralelamente, sobre o marido, porque quem constrói e decide da habitação é ele. A habitação e a urbanização são indiscutivelmente preciosos instrumentos de preparação das massas para noções mais elevadas de vida urbana. Mas conjuguem-se esforços em torno dos diversos componentes da família, não vá o remédio, por falta de dosagem ou de aplicação certa, converter-se em veneno.
Ainda nesta matéria, outra observação a anotar. Ao desencadear-se este processo teremos de contar desde logo com a escola para a criança. Para o Africano em geral, tribalizado ou não, a promoção está ligada à instrução. Não a regateemos, e através dela teremos outro instrumento poderoso para, insensivelmente, se agir na transformação que se pretenda fazer na vida urbana e na habitação tribais.
Cautelosamente estudado o habitai de cada área e definidos, para ela, os métodos a seguir, poder-se-á trabalhar no sentido de obter que; por acção recíproca, a vida e a habitação tribais se interpenetrem na transformação para uma existência, diária e constante mais evoluída.
Consideremos agora mais de1 perto a cidade nas suas áreas de influência. Ainda aí se deverão estabelecer zonas de transição, em que o autóctone que vem da vida tribal encontre compreensão e ensino e ajuda para a existência nova e hostil que escolheu, mas sem o retirar por completo do seu meio habitual.
Foi este um dos maiores méritos da solução, aqui citada, que o presidente cia Câmara da Matola levou a efeito no bairro popular. Por mais de uma vez tive ocasião de lhe dar o meu apoio integral, porque resido precisamente na sede desse concelho. Na base da solução está a criação dos meios para poder dar ao homem a noção de que passa a ser proprietário da terra para nela construir o seu lar.
E para isso começou-se por atalhar o terreno, concedê-lo e dar as ajudas iniciais, para que, respeitando as suas idiossincrasias, ele a construa, sabendo de antemão que terá de a melhorar até se integrar mais tarde no conjunto urbano. E também por fornecer ao aglomerado, desde entrada, a autoridade comunitária, os arruamentos, a água, os esgotos, a energia eléctrica e os centros escolares, de assistência médica e social, tarefas que a Câmara e os seus serviços se reservaram.
Para tanto, foi necessário libertar-se de peias burocráticas o demoras escusadas. Mas não foi descobrindo o ovo de Colombo que o administrador Abel Baptista estabeleceu o sistema. Foi conhecendo a fundo as diversas camadas da população do seu concelho. Foi vivendo em Moçambique longos anos. Foi por ser africano de vida e português de sentimento.
Ë que ao lado do bairro popular a que me referi está o bairro social, todo de alvenaria, para economicamente débeis e no qual há a mistura de raças habitual entre nós foi domínio do pequeno operário, do funcionário mais modesto, do artífice. Também foi construído com ajuda razoável cia Câmara, mas pelos próprios ou em esforço comum de vizinhos.
E junto deles está o Bairro do Fomento, financiado pela Sociedade Anónima Fomento Predial em termos de crédito que tornam possível a muitos, que nunca tinham podido pensai nisso, possuírem a sua casa em propriedade resolúvel. Se aí predomina o branco ou o mestiço, é porque normalmente são estes que já têm a preparação que lhes permite auferir o suficiente para suportarem rendas-prestações e porque - isto é fundamental - estão plenamente integrados Jia nossa cultura urbana, que valoriza a casa e o lar, como realidade à qual são devidos os maiores sacrifícios familiares.
A essa concepção correspondeu a Sociedade Fomento Predial com pleno sentido social, financiando os interessados em pura técnica capitalista. Encontrou, contudo, a solução que, com a ajuda da Câmara Municipal, já permitiu a construção de cerca de 243 casas, estando a completar-se as restantes para o número programado - 445. A Sociedade investirá cerca de 45 000 contos até Junho deste ano, para permitir que perto de 2000 pessoas tenham casa própria, de valor que oscila entre 74 contos a 143 contos, pagáveis em dez anos.
Página 524
524 DIARIO DAS SESSÕES N.º 31
Como se vê, na Matola não se procurou resolver 0 problema só de brancos ou de pretos, nem só o dos economicamente débeis. Está aí o segredo humano e social da obra do administrador Abel Baptista. Com o seu conhecimento da África, dos homens e das instituições, imaginou e, executou um sistema em que, avizinhando todos, agrupou aquelas diversas categorias culturais e sociais em núcleos que poderão viver felizes entre si e prestar aos mais atrasados o imprescindível contributo da experiência e do exemplo.
Mas também aí, naturalmente, havemos de concluir dentro em pouco que há bairros de, alvenaria e bairros de maticada ou adobe, enquanto não construírem definitivamente. E também que nestes últimos a maioria dos seus habitantes, se não a totalidade, é de pretos. Quererá isto significar discriminação habitacional provocada por factores raciais? De modo algum. No bairro social e no Bairro do Fomento há brancos, pretos, amarelos e mestiços. Poucos destes vivarão no bairro popular, porque este foi concebido, e muito bem, para ser bairro de transição, onde os que ainda vero embuídos do seu tradicionalismo- tribal e ainda não atingiram o mínimo de proventos necessários encontram um ambiente, mais próximo do seu e vão, em conjunto, comi a ajuda dera vizinhos., da Câmara e de outras entidades, percorrendo a dura ascensão para a vida urbana moderna.
Era esta outra das observações que me permito fazer ao trabalho, do avisante, Dr. Manuel Nazaré. O que lhe pareceu se: a linha de discriminação racial entre a cidade bela e cómoda de cimento e os tugúrios dantescos do «caniço» em Lourenço Marques não é mais do que a divisória entre a cidade dos já integrados ma civilização urbana e a dos que vivem os mais árduos estádios da destribailização pretos ou brancos, porque no «caniço» da capital ou na Munhava da Beira vivem todas ,as raças, com maior proporção de negros pelas razões expostas, mas promiscuamente, sem que, na maior parte dos casos, haja a distingui-los mais do que os sentidos opostos em que caminham: o preto elevando-se, para a civilização urbana; o branco afundando-se numa concepção primitiva de vida.
Nestes todos há muitos que são na verdade economicamente débeis e que, devidamente ajudados, passarão para um nível superior. Mas não generalizemos o fenómeno como se só desses se tratasse. Os inquéritos realizados dizem-nos que há- no «caniço» conjuntos familiares1 com rendimentos entre cinco: e seis contos mensais e que não esbulhem a cidade de cimento por exagerado espírito de economia, por preferirem ainda o .ambiente mais próximo primitivo ou até por timidez, que só o tempo e o convívio mais demorado farão perder, em relação à complexidade da urbe. O último inquérito realizado abribui a cerca de 10 per cento dos habitantes da área referida este nível de possibilidades económicas. São eles que têm a geleira e o rádio coros funcionando na palhota e, por vezes, até o automóvel, de que se servem como qualquer de nós.
Já se vê que não é de aceitar a explicação de que há discriminação habitacional por raças. Admiti-lo seria deturpar injustamente, a realidade e, o que é pior, destorcer o verdadeiro ângulo por que as soluções têm de ser procuradas.
Olhemos por fim para a cidade de cimento. Também não é verdade que aí não vivam pretos como inquilinos ou proprietários. Só a estes me refiro, porque, como serviçais, vivem alguns milhares em comunhão de habitação com os seus patrões.
Também concordo plenamente com as sugestões já aqui feitas de que nela deverão inserir-se bairros ou zonas para economicamente débeis ou de renda- limitada, sem qualquer distinção de raças, aliás fora dos nossos costumes. Mas também há cuidados a ter.
Em minha opinião, parece-me que seria altamente inconveniente permitir a noção de que, sem mais qualquer razão que a da cor da pele, tais parcelas da cidade são gratuitamente conquistadas. Nunca o Português foi racista. Não é agora que poderemos negar-nos, iniciando processos de racismos, embora negro, entre nós Parece-me preferível que se escolham tais áreas por forma que a cidade as venha a absorver e abraçar na sua expansão normal. Se for possível para já Se não, dentro de pouco tempo Com o actual crescimento urbano essa absorção far-se-á rapidamente.
Basta atentarmos nos hospitais, nas cadeias e nos cemitérios, que há pouco ainda estavam nas periferias e hoje se situam no centro das novas zonas habitacionais.
Mesmo assim, vejo a grande dificuldade derivada da propriedade plena desses terrenos e dos altos valores que atingiram. Sem legislação especial para o efeito, qualquer solução deste tipo será financeiramente inviável.
Mas, tendo presente todo o respeito que merece a propriedade privada, não posso esquecer-me também da função social que a ela está ligada. Estamos perante realidades em que este aspecto funcional tem relevância total. Muitos dos terrenos que podem servir para solucionar o problema, foram concedidos há longos anos, alguns há perto de cinquenta, pelo Estado ou pelo Município, com condições de ordem genérica ligadas ao seu aproveitamento.
A falta de planos precisos de urbanização, dificuldades de até ali se estenderem os abastecimentos de água, de energia eléctrica" e de esgotos, a f alta de arruamentos, etc., fizeram com que esse aproveitamento não fosse possível ou até autorizado, dentro das normas gerais de urbanização. Justifica-se, assim, legislação especial que estabeleça condições de estímulo fiscal ou outras que promovam nesses terrenos a construção dos bairros mencionados, limitando-se em curto número de anos o período para o seu aproveitamento. Findo esse prazo, os que ainda se mantivessem inertes deveriam ser objecto de rápida e justa expropriação pela Câmara Municipal, sendo entregues para utilização à Junta das Bairros e Casas Populares ou ao próprio Município.
Este problema das expropriações no ultramar carece de urgente estudo e revisão, pois tem sido um dos maiores óbices a qualquer solução.
E quem construiria? As empresas privadas que a isso se dediquem e que há que fomentar e animar, os organismos oficiais que já de há muito o fazem - e são em elevado número em Moçambique - e as cooperativas que se devem criar. Sob este aspecto estou inteiramente de acordo com a opinião expendida pelo ilustre Deputado Dr. Janeiro Neves Os dinheiros públicos, principalmente os do Estado, devem, de preferência, ser utilizados nas infra-estruturas desses bairros e num primeiro investimento que permita o arranque das cooperativas de construção.
Também a este respeito existem problemas legais. Há anos que estão feitos estudos e propostas para que se legisle sobre tais cooperativas, aguardando, no entanto, decisão superior Parece ser o momento de as pôr em vigor, pois serão indispensáveis para o trabalho a realizar, visto que permitirão reduzir em muito os custos e aproveitar sistemas de autoconstrução, pelo menos parcial, por parte dos interessados, que assim substituiriam o capital, que não têm, pelo trabalho que podem prestar,
Página 525
10 DE MARÇO DE 1966 525
na prossecução dos seus próprios interesses como proprietários.
Em síntese, parece-me que podemos tirar deste debate as seguintes conclusões:
1.º No que respeita à habitação, o problema universal cuja incidência estamos a sentir em Moçambique de forma particularmente aguda, em especial nos grandes centros urbanos, não é específico da vida portuguesa ou ultramarina, mas aflige todo o Mundo, quer em paises subdesenvolvidos, quer mesmo nos- de mais alto teor de vida.
2.º Reflecte em grande parte o reverso da medalha, em que a outra face é o desenvolvimento acelerado da vida económica e da promoção social das populações.
3.º A sua solução em Moçambique impõe-se com urgência para que, através do interesse do homem pela .soía habitação familiar, aquela promoção possa ser ainda incrementada e dirigida com a rapidez que as questões sociais vão exigindo entre nós. Deve considerar, por isto, também os esforços a realizar nos próprios aglomerados tribais, como forma de ir difundindo noções ainda elementares de urbanização no próprio habitat gentílico primitivo.
4.º Não poderemos, no entanto, deixar de ter em conta os diversos estádios de cultura da maioria da população e os cuidados a ter para evitar uma destribalização descontrolada, embora seja de desejar que, através de rápida e eficiente promoção social, os elementos próprios de cada um sejam aproveitados na sua ascensão para fases mais adiantadas de civilização, com o sacrifício mínimo da personalidade individual.
5.º Nos centros a que afluem as massas rurais a questão da habitação deve ser encarada com decisão, sem apenas se procurar a solução técnica para «arrumar» grupos humanos, mantendo principalmente em vista integrar os diversos sectores da população em soluções de conjunto que desenvolvam a(r) mais atrasados e que, através de relações de vizinhança, tornem ainda mais forte a tendência inata dos Portugueses para a coexistência inter-racial.
6.º Nas soluções a adoptar para os centros urbanos devem criar-se distintamente: zonas de transição, bairros para economicamente débeis e bairros de renda limitada, mas de forma tal que a permeabilidade entre eles seja possível pelo estímulo da própria promoção sacial nas suas diversas fases. Em todas estas áreas terá de ser resolvido o problema dos transportes a horas próprias e com as tarifas necessárias para servirem aquela população com comodidade, humanidade e eficiência.
7.º As soluções já adoptadas no concelho da Matola paira este efeito, cem base na autoconstrução e no interesse activo dos municípios e de entidades oficiais ou privadas financiadoras da construção, parecem ser de generalizar, para que, com o máximo possível de disponibilidades, se obtenha o máximo de rendimento habitacional.
8.º Impõe-se a urgente revisão da legislação para que a solução do problema especial da habitação, que se pretende ver resolvido, não seja impedida por disposições legais que não estão adaptadas às realidades actuais, designadamente no que se refere ao regime de concessão de terrenos, ao aproveitamento de terrenos vagos de há muito sem outra função que a de especulação, ao regime de expropriação económica e expedita dos que não sejam aproveitados, ao regulamento de construções urbanas e formalidades burocráticas a ele inerentes e à constituição de cooperativas de construção e de consumo 9.º Não se pode também perder de vista que o problema da habitação é mais socio-político do que económico, pelo que as medidas a tomar para a construção e urbanização devem ser sempre coordenadas com outras que, simultaneamente, atendam a factores integrantes de promoção social, como a escola, a assistência médica, os serviços de assistência social, a recuperação dos elementos que retrogradam e outras que se imponham.
Sr. Presidente: Antes de terminar quero prestar a minha homenagem aos esforços que de há muito se têm feito na província para a solução desta tão grave e delicada questão. Não posso neste momento deixar de lembrar o muito que ali deixou feito o nosso ilustre colega nesta Assembleia comandante Gabriel Teixeira como governador-geral de Moçambique.
Nem seria justo esquecer a dedicação com que o actual governador-geral, general Costa e Almeida, tem seguido este assunto. E a notável obra nem sempre compreendida no passado, do secretário provincial de obras públicas, major de engenharia Nuno Vaz Pinto, que com verdadeiro sentido humano e cristão e alta competência técnica, tem estudado e promovido soluções, que, apoiadas com os meios necessários, teriam talvez permitido que a questão da habitação em Moçambique estivesse nesta altura em fase mais adiantada de evolução.
Finalizo com o sincero voto de que as recomendações desta Assembleia tenham o condão de desencadear as necessárias medidas e o fornecimento dos indispensáveis meios financeiros e humanos para incrementarmos a obra que vem sendo realizada e que há que continuar acelerada, mas sensatamente, para que cada vez possa haver menos portugueses sem casa e mais famílias com o seu lar.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: -Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
José Alberto de Carvalho.
Página 526
526 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 31
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Vicente de Abreu.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Castro Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Jaime Guerreiro Rua.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Nunes Fernandes.
Paulo Cancella de Abreu.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Sinclética Soares Santos Torres.
O REDACTOR — Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA