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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 35

ANO DE 1966 18 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 35, EM 17 DE MARÇO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria de Lourdes de Albuquerque, que fez considerações sobre a actual situação dos naturais do Estado Português da Índia; José Vicente Abreu, para recordar a acção do tenente piloto aviador Joaquim António Braga Gonçalves, recentemente falecido em combate no ultramar; Antão Santos da Cunha, acerca de diversos aspectos do presente momento político nacional; Vala-dão dos Santos, sobre problemas de interesse para os Açores; Tito Arantes, que chamou a atenção do Governo para a situação dos inválidos milicianos da guerra de 1914-1918; Mário Galo, para se referir a questões afectas ao condicionamento industrial, e Campos Neves, para solicitar a restauração da Faculdade de Farmácia na Universidade de Coimbra.

Ordem do dia. - Continuação da discussão das Contas Gerais do Estado e da Junta do Credito Público relativas a 1964. Usou da palavra o Sr. Deputado Manuel João Correia. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Eita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Begueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto deAraújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes
Fernando Alberto de Oliveira
Fernando Cid de Oliveira Prença.
Fernando de Matos
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco José Boseta Fino.

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Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Bua.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Du-arte.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos B essa.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Nunes Fernandes.
Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria de Lourdes Albuquerque.

A Sr.ª D. Maria de Lourdes Albuquerque: - Sr. Presidente: Tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª as minhas saudações e a minha sincera admiração pela maneira elevada como V. Ex.ª dirige os trabalhos desta Câmara.

Não é sem emoção que faço, pela primeira vez, uso da palavra nesta Casa, por onde passaram as figuras mais notáveis da vida portuguesa e me antecederam, como representantes do Estado da índia, homens de invulgar envergadura, como Bernardo Peres da Silva, Constâncio Roque da Costa Estêvão Jeremias Mascarenhas, Francisco Luís Gomes, Cunha Gonçalves, Froilano de Melo, Sócrates da Costa e tantos outros que deixaram bem marcada, pelo seu saber, a sua passagem, como políticos, homens de leis, de ciência e de letras.

Dada a escassez dos meus recursos, sinto quão grande é a responsabilidade que em mim pesa neste momento, responsabilidade essa que ainda se torna mais pesada quando penso que a minha terra elegeu para seus primeiros Deputados às Cortes de Lisboa, em 1822, o Dr. Bernardo Peres da Silva, Dr. António Lima Leitão e o meu trisavô o advogado Constâncio Roque da Costa.

Bem gostaria de ver no meu lugar um dos tantos filhos ilustres da minha terra, que, certamente, o preencheria com o brilho que me falta.

O Sr. Serras Pereira: - Não apoiado!

A Oradora: - A VV. Ex.ª s, Srs. Deputados, os meus melhores cumprimentos.

Tenho a consciência da fraqueza dos meus méritos, mas sei que possuo um sentimento profundo e uma firmeza na luta pela verdade e pela justiça, mesmo que isso acarrete sacrifícios e dissabores para mim e para os meus.

Não tenho dons oratórios e não sei usar frases agradavelmente altissonantes. Há mesmo em mim uma espécie de pudor que me inibe de falar no "amor" à Pátria, e julgo não ser necessário, como o não é, dizer aos nossos pais e entes queridos da família quanto os amamos. Tanto uma como outros precisam de provas constantes da nossa dedicação e não só de palavras.

Podeis, pois, contar com uma colaboração modesta, embora leal e séria, sem nunca me furtar a qualquer sacrifício em prol da Nação.

No momento que estamos a atravessar, todos os esforços são necessários, tanto os mais modestos como os mais valiosos, para vencermos a batalha contra nós desencadeada por interesses estranhos. E estou certa de que a venceremos com um idealismo puro e sério, com a conjugação permanente e crescente da ideia e sua materialização, com a mobilização geral das boas vontades, uma decisão firme de servir num misto de humildade e grandeza, pondo de parte as eventuais divergências e ressentimentos, com a máxima preocupação da função a cada um atribuída, num supremo esforço de paz e reconstrução.

Yozes: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Neste momento que para mim é solene, o meu pensamento voa para aquelas longínquas mas sempre presentes terras de Goa, Damão e Diu - o Estado Português da Índia -, onde a sua população se encontra diante de poderoso ocupante que usa todos os meios para a despersonalizar.

Impelida por um sentimento de grande admiração, orgulho e ternura, não posso deixar de recordar a nossa briosa mocidade indo-portuguesa, que tem dado inúmeras provas da sua grande coragem e persistência na defesa do património que lhe foi legado pelos seus maiores.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Tive a felicidade de verificar por mim própria que, sem fazer política, aqueles jovens não con-

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sentiam que a personalidade da sua terra, carinhosamente criada em séculos de história, fosse impunemente destruída. Honra lhes seja feita!

A mocidade goesa teve, durante vários anos, o privilégio de ter como seu orientador e guia espiritual, tanto no Liceu de Afonso de Albuquerque como no Lar dos Estudantes, Mons. Sebastião Francisco Xavier dos Remédios Monteiro. Na modésfa que o caracteriza, sempre quis ser tratado simplesmente por "Padre Chico".

Mons. Monteiro, um homem bom e de firmes princípios, devotou a sua vida por tudo quanto visasse a valorização da inteligência e do carácter da mocidade goesa, como um verdadeiro apóstolo ao seu serviço e da Igreja Católica.

A uma e outra está ele intimamente ligado; por isso se torna precioso um elemento da sua envergadura e com justa razão ele goza de geral estima e respeito.

Mas, meus senhores, por muito estranho que pareça, como parte de um programa bem elaborado de intimidação, destruição e despersonalização da comunidade goesa, ou, melhor, indo-portuguesa, as autoridades da União Indiana emitiram uma "notificação", ao abrigo do Foreigners Act de 1946 - sem formularem qualquer outra acusação - para Mons. Monteiro sair de Goa, por ter declarado, em Abril de 1962, que desejava manter a nacionalidade portuguesa.

Recebida a "notificação", o Rev.º Mons. Monteiro declarou à autoridade competente que não era estrangeiro na sua própria terra e negou-se a sair, atitude essa que lhe acarretou a prisão, o julgamento e a condenação!

Mas essas mesmas autoridades negam às centenas de goeses detentores de passaporte português - documento que Mons. Monteiro não possui - o visto de saída da índia. Qual será a explicação dessa dualidade de critérios?

Mons. Monteiro nunca se dedicou a qualquer actividade política, mas sim à apostólica e à humanitária, como secretário da Cruz Vermelha Portuguesa em Goa. É sabido que não pode haver contra ele qualquer razão de queixa. Foi-lhe dito pelos detentores do Poder que devia proibir os rapazes de falar em português e que retirasse da capela a imagem do Beato Nuno Alvares Pereira. Mons. Francisco Monteiro repeliu com energia estas tentativas de intromissão na vida do Lar. A explicação está, sem dúvida, na intenção de desmoralizar a mocidade goesa através deste sacerdote, que goza de grande prestígio, agora aumentado pelo sofrimento que lhe é imposto.

Tudo isto diminui, decerto, a autoridade dos que o querem fazer vergar, e por isso foi negado provimento ao recurso ao Tribunal de Sessões de Goa, interposto por Mons. Monteiro da decisão do Tribunal de Bardez, que o condenara.

Há uma pergunta a formular que aqui se me impõe, que muito me preocupa como membro da Igreja Católica e da comunidade indo-portuguesa, a única em todo o subcontinente indiano onde os católicos, hindus e maometanos viviam numa perfeita harmonia com a maior compreensão humana; facto que tem um valor inestimável na sociedade em que vivemos e pela nossa, própria liberdade. Afinal este convívio pacífico e colaborante entre os afilhados a diversos credos que se verifica em Goa há mais de quatro séculos é hoje aconselhado com insistência pelo II Concílio do Vaticano como forma de harmonia entre os povos.

O que terá feito a autoridade eclesiástica em defesa deste seu tão fiel servidor?

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Até cá apenas sabemos que foi por ela exonerado do cargo de director do Lar dos Estudantes, que fundara e dirigia com unânime aplauso dos alunos e suas famílias.

E nós, meus senhores, o que é que temos feito, praticamente, para defender esse português, que na sua simplicidade faz actuais os valores que são a glória da Nação Portuguesa: o cristianismo realizado numa vida de honra e lealdade? E ninguém duvida de que estas duas virtudes precisam de informar a vidade todos nós. para que as transmitamos aos que se preparam para a vida de amanhã.

Sabemos que pela lei internacionalmente aceite, e que a União Indiana se comprometera a respeitar quando assinou e ratificou as Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, as pessoas protegidas e designadas no artigo 4.º da 4.a Convenção estão ao abrigo das disposições da mesma Convenção. E, como muito bem esclarece: o artigo 6.º, mesmo depois de passado um ano de terminadas as operações militares e enquanto a potência ocupante exercer as funções de governo do território em questão.

Pelo artigo 8.º:

Não podem sequer renunciar parcial ou totalmente aos direitos que lhes são assegurados.

Pelo artigo 27.º:

"... as pessoas protegidas têm direito, em todas as circunstâncias", ao respeito da sua pessoa, da s-ua honra, dos seus direitos de família, das suas convicções e práticas religiosas, dos seus hábitos e costumes. Serão tratadas, sempre, com humanidade e protegidas especialmente contra todos os actos de violência e de intimidação.

O artigo 47.º diz:

As pessoas protegidas que se encontrem em território ocupado não serão privadas em caso algum, nem de qualquer modo, do benefício da presente Convenção, quer em virtude de qualquer mudança introduzida como consequência da ocupação nas instituições ou no Governo do referido território, quer por um acordo concluído entre as autoridades do território ocupado e a potência ocupante, ou ainda por motivo de anexação por esta última de toda ou parte do território ocupado.

O artigo 49.º estipula que:

As transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como a deportação de pessoas protegidas do território ocupado para o da potência ocupante ou de qualquer outro país, ocupado ou não, são proibidas, qualquer que seja o motivo.

Vê-se através desta e outras disposições da 4.º Convenção e pelo artigo 11.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que é inteiramente assegurada a protecção dos direitos essenciais à vida do homem, independentemente da sua nacionalidade, raça, cor ou religião. Ora, para com os indo-portugueses tais direitos foram postergados.

Os indo-portugueses são eminentemente tradicionalistas, agarrados às suas coisas e aos seus velhos. A família é, na Índia Portuguesa, a maior tradição, aquela que salva, que desenvolve e que contribui para o engrandecimento de um homem, como aquela que evita a queda,

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cria responsabilidades e serve de grande contenção na sua maneira de ser e proceder. Assim, tudo quanto vem da família é conservado e transmitido de geração em geração.

Os bens dos goeses, poucos ou muitos, resumindo-se às vezes numa simples casa com o prédio anexo - a gor-batt -, como lá se chama, passam de pais a filhos numa sequência ininterrupta, não entrando no comércio das coisas, a não ser por um desastre ou um caso de força maior. Voluntariamente, o goês não se desfaz da casa que herdou, à qual está ligado de tal modo que, por muitos anos que viva em outras terras para melhorar a sua vida ou angariar os meios dela, a ela regressa para viver os seus últimos anos e acabar os seus dias.

Já Maquiavel dizia ao soberano, no Príncipe, que o súbdito podia ser morto, que a família o esqueceria, mas que não deviam ser nunca tirados os bens a um súbdito, porque isto nunca podia ser esquecido nem perdoado.

Pois as autoridades indianas até aí quiseram vibrar um golpe, exercendo a sua política de intimidação. Sob pretexto de não deixar perder os bens "abandonados", publicaram o Evacuee Property Act em 1964, que é a forma mais escarrada de sequestro de bens de todas as pessoas que abandonaram o Estado da Índia após a pseudoliber-tação de Goa, Damão e Diu mantendo a sua nacionalidade portuguesa, marcando como data relevante 6 de Dezembro de 1961.

Caem sob as providências desta lei todos os bens pertencentes aos nacionais portugueses, mesmo que tais bens estejam a ser administrados por procuradores devidamente autorizados, ainda que sejam co-proprietários ou interessados nesses bens, porque, diz a lei, tal procuração carece de ser aprovada previamente pelo "gestor" para ter validade; os bens de qualquer nacional português que tenha a intenção de ir viver para fora da Índia ficam abrangidos por essa lei. Até mesmo os bens vendidos pelo próprio, antes da sua saída, estão sujeitos a serem sequestrados ao abrigo da mesma.

Esta lei, que contraria tudo quanto o homem até agora conquistou na sua marcha para a civilização e para o progresso, também infringe a 4.a Convenção de Genebra, atrás citada, no seu artigo 33.º, artigo este que, entre outros, tem plena validade mesmo após um ano de terminadas as operações militares, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 17.º

Os defensores dessa lei dirão que se trata de propriedades abandonadas pelos que saíram e que ela visa não as deixar deteriorar por falta de administração necessária. Simplesmente, o âmbito da lei é tão vasto que nitidamente se vê ter sido seu escopo sequestrar os bens daqueles indo-portugueses que saíram mantendo a sua nacionalidade portuguesa.

Essa lei concede ao "gestor" poderes para dispor dos bens dos nacionais portugueses como entender, incluindo a faculdade de os poder ceder! Para no caso de surgirem quaisquer obstáculos foi promulgado o Eemoval of Difficulties Act - Lei para Remover as Dificuldades -, a fim de poderem ser legalizados todos os abusos. Mais uma e gritante arbitrariedade das autoridades indianas a acrescentar a tantas de que têm sido vítimas as indefesas populações de Goa, Damão e Diu.

O Estado da Índia está hoje sob um regime puramente policial. Os seus habitantes vivem sob uma permanente ameaça e insegurança, onde os roubos, violações e assaltos são a ordem do dia, enquanto a autoridade se ocupa a vigiar as chamadas actividades políticas das populações, que nada mais reclamam além da liberdade a que têm direito a todos os títulos, naturais e jurídicos, reconhecidos pelo mundo civilizado.

A polícia, sentindo-se dona do poder sem qualquer consideração mesmo por velhos e senhoras que vivem sozinhos, viola os domicílios1 quandoentende, a qualquer hora do dia e até de noite. Tendo-se servido, logo após a invasão, do pretexto de procurar os elementos do Exército Português, foram revistadas casas particulares e comerciais, sendo, em alguns casos, saqueadas; seguidamente alegando existir ouro escondido; mais tarde, para descobrir os^ cúmplices e quaisquer documentos relativos ao caso das bombas que explodiram em Junho de 1964, e actualmente a pretexto de verificar se há açambarcamento de géneros alimentícios.

Estes casos levaram o ministro da Justiça do governo fantoche, Tony Fernandes, a confessar que "nunca no tempo dos portugueses fora assumida tal atitude".

Este regime é mantido pelo Governo da União Indiana, que se arroja de ser a maior democracia do Mundo e que, para silenciar o povo, elaborou e promulgou o De-fense of Índia Bules, ao abrigo do qual e do Evacuee Property Act se alastra o nepotismo e a prepotência. O insuspeito New York Times, na sua edição europeia de 28 de Fevereiro de 1966, transcreve em notícia de Nova Deli o seguinte:

Trinta e quatro pessoas de destaque da vida pública indiana acusam o Governo em carta aberta ao Presidente da República, Radhakrishnanan, e primeiro-ministro, Indira Gandhi, que a União Indiana está a seguir os métodos de um estado policial, mantendo o estado de emergência desde 1962, o que não se justifica, e declaram que, ao abrigo do Defense of Índia Bules, têm sido detidas, sem culpa formada, milhares de pessoas não só pró-Pequim ou pró-Paquistão, mas também os manifestantes pela crise da fome, da língua, os interessados nos assuntos políticos, os que escondem seus tesouros e pessoas suspeitas por variadas outras razões.

Um dos conhecidos signatários desta carta é o antigo procurador-geral da República M. C. Setalvad, presidente da Associação de Juristas da índia, que defendeu o ponto de vista indiano contra nós no Tribunal Internacional da Haia.

A Lei Penal Portuguesa, igual para o continente e todo o ultramar, foi abolida e substituída pelo Código Penal (este ainda é elaborado pelo administrador da Companhia das índias, Macauley) e Processual indianos, que não passam de uma legislação colonial, arcaica e odiosa.

Em 16 de Dezembro de 1963 saiu em portaria, "por ordem e em nome do governador-tenente de Goa, Damão e Diu", determinando que nãoseria, de futuro, inserida na 2.ª e 3.ª séries do Boletim Oficial muita matéria que até aí se vinha publicando, tal como despachos e portarias do Governo referentes a nomeações, designações, reconduções, fixação de remunerações referentes aos funcionários, autorizações para pagamentos de abonos pelos trabalhos extraordinários. Que cessaria também a publicação na 3.ª série de extractos de contratos de arrendamentos, compras e vendas, balancetes, contratos de fornecimentos ao Governo, etc. A l.ª série já não traz os diplomas legais que são postos em vigor no território. Diz a mesma portaria que a razão da não publicação da referida matéria tem por fim promover a economia de papel ...

Pouco depois da invasão, o governo de ocupação aboliu o "visto" do Tribunal Administrativo, com o fim, por certo, de levar avante os seus intuitos sem que a lei os possa controlar.

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Tendo em linha de conta as atitudes assumidas pelas autoridades indianas, nomeando milhares de funcionários da União Indiana, fixando-lhes vencimentos, concedendo-lhes subsídios e outras benesses, adjudicando grandes obras aos empreiteiros que apresentaram propostas muito mais caras, podendo-se aqui mencionar o caso da reconstrução das pontes de Candeapar, Banastarim e Borim e a construção da ponte sobre o Mandovi, parece nítida a intenção de essa portaria ocultar ao público os actos do governo de ocupação na administração, privando-se assim de elementos para os poderem apreciar.

Para completar o quadro existe uma vontade expressa de acabar com a língua portuguesa e tudo quanto seja português. Esse ódio tão acentuado parece inexplicável, mas o certo é que um sentimento hostil se faz sentir mais em relação aos indo-portugueses, certamente pela sua lealdade a Portugal, do que aos próprios portugueses europeus.

Essa nação quê pregou a "não violência" - o que hoje não passa de um mito - e por meio dessa doutrina de Gandhi conquistou muitas simpatias manchou-se de sangue a poucos meses da sua independência, tornando-o uma das suas. primeiras vítimas.

A chamada "libertação" trouxe consigo um cortejo de ódios, vinganças e prepotências.

Num comício que há tempos teve lugar em Margão, sob a presidência do Sr. Loximona Rau Sar Dessai, a que assistiram 25 000 pessoas, foi demonstrada a diferença nítida que existe entre nós e os do outro lado dos Gates. Foi repudiado com firmeza o desejo de o Governo do Maharastra integrar Goa no seu território.

Os Srs. Borcar e Sar Dessai, por se terem manifestado contra a integração de Goa em qualquer dos estados vizinhos, num outro comício realizado em Margão, foram violentamente espancados pelo comandante da polícia indiana, tendo sido necessário interná-los no hospital em estado grave.

Outro exemplo revoltante é o caso do Purxotoma Ca-codcar. No seu regresso de Nova Deli, depois de abertamente ter declarado não concordar com a integração da sua terra no Estado do Maharastra, o Sr. Cacodcar foi raptado do quarto do hotel onde vivia, na cidade de Bombaim, Estado de Maharastra.

A polícia maharastriana responde a instantes perguntas dos goeses sobre o paradeiro do seu conterrâneo que não consegue descobri-lo ...

Quando uma pequena delegação de goeses, aproveitando a passagem por Dar-es-Salaam do secretário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da União Indiana, Dinesh Singh, o procurou para manifestar a sua inquietação pela intenção de o Governo da União Indiana integrar Goa num dos estados, este alto funcionário respondeu que os goeses não deviam envolver-se em assuntos tão altamente políticos, que não deviam pensar em termos tão acanhados como manterem-se numa unidade separada, mas que deviam enfrentar os benefícios do desenvolvimento e progresso que estava tendo lugar na Índia como um todo. Disse-lhes que a economia de Goa era tão frágil que não poderia sequer sustentar o salário de um simples governador e que insistirem os goeses em não se juntarem a qualquer dos grandes estados como Maharastra ou Mysore serviria apenas de material de propaganda portuguesa!

No Parlamento indiano exige-se do Governo a bomba atómica e este ano a defesa foi dotada com 7 976 700 000 rupias, equivalente a cerca de 50 milhões de contos na nossa moeda, quase um terço do orçamento global; uma verba record, segundo informação dada ao Parlamento pelo Ministro das Finanças, Chaudurry.

E estranho que essa verba para a defesa da "não violência" seja concedida precisamente num ano em que a crise de fome é a maior do século, como bem comenta o New York Times.

Todo este fadário reflecte-se na Índia Portuguesa. Os seus habitantes têm de formar, desde a madrugada, longas bichas para poderem obter uns grãos de arroz que mal lhes saciam a fome. Todos os outros géneros alimentícios atingem preços incomportáveis nos orçamentos debilitados.

Sr. Presidente: Tudo quanto aqui se disse não são informações secretas, mas sim realidades de domínio público. Honestamente ninguém poderá negá-las.

Não quero dizer com isso que nos outros tempos tudo fosse perfeito. Não. Havia medidas a tomar, erros a corrigir, um longo caminho a percorrer para maior desenvolvimento daquelas terras.

Mas é incontestável que muito se fizera e se estava fazendo numa obra que não era de fachada. A nossa gente, mesmo a mais pobre, tinha três refeições completas por dia e cada família um tecto próprio onde se abrigar.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

A Oradora: - O bloqueio económico imposto pela União Indiana como medida certa para nos asfixiar concorreu precisamente para o ressurgimento das nossas terras. Dentro de escassos anos estava perfeitamente equilibrada a nossa balança comercial e só com a prata da casa vivíamos com relativo desafogo.

Os enormes sacrifícios feitos pelo Governo da metrópole nessa ocasião, a fim de suprir todas as faltas em consequência do bloqueio, a solidariedade de todos os portugueses contribuíram não só para manter os indo-portugueses com o moral elevado, mas para que os laços de sempre se estreitassem ainda mais.

Lembro-me, comovida, que nesse mesmo espírito, quando a Índia Portuguesa estava prestes a ser invadida, a população, aflita, acorria aos pés do seu santo protector e no percurso dessa peregrinação à velha cidade orava-se por Goa e orava-se por Angola. Eram, de momento, as duas províncias martirizadas.

Pergunto eu: O Mundo está apto a compreender este nosso sentimento?

Sr. Presidente: Embora os meus colegas pelo círculo do Estado da-índia o tenham já feito, também desejo aqui manifestar, não só como representante daquela província, mas também como membro que fui da Comissão Social Pró-Goa, o meu profundo reconhecimento ao Governo Central pela maneira fraterna e carinhosa como os deslocados do Estado da Índia foram aqui recebidos desde que começou a evacuação das famílias. Nos múltiplos problemas que surgiram foram sempre procuradas e encontradas soluções, permitindo-me salientar a dedicação da Presidência do Conselho, dos Ministérios do Ultramar, dos Negócios Estrangeiros, da Educação Nacional e do Interior; este último tem, desde Maio de 1962, a seu cargo, através da Junta da Emigração, os deslocados do Estado da índia.

Conheço bem de perto, pelos contactos constantes com esses serviços, a maneira como são tratados os assuntos dos deslocados. Não é um trabalho feito sómente por lhe ter sido atribuído. Pois o Decreto n.º 44 492 atribui-lhe unicamente o encargo da recepção, manutenção e posterior colocação. Tudo o mais quanto tem sido feito é um trabalho ditado pelo coração, porque nem sempre os problemas humanos estão no âmbito da legislação.

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Estou certa de que esta Junta continuará a ter a seu cargo toda a assistência aos deslocados, mesmo aos que não possam ser integrados pelo trabalho, pelo menos enquanto não for criado um organismo centralizador, que se impõe, para tratar dos assuntos do Estado da índia.

Às três organizações nascidas do ideal de bem servir a Humanidade, a Pátria e a Igreja, a saber: a Cruz Vermelha Portuguesa, Movimento Nacional Feminino e a Caritas Portuguesa, muito devem os indo-portugueses que por elas foram recebidos e acolhidos quando chegaram à metrópole. O extraordinário trabalho desenvolvido por essas organizações tocou-lhes bem fundo na sua sensibilidade.

Cumpre-me aqui fazer especial referência à longa assistência de vários anos dada pela Caritas Portuguesa, que, graças à boa vontade da sua presidente, proporcionou meios de valorizar os deslocados menos preparados, criando escolas da língua para crianças e adultos, dando aulas de corte, costura, bordados, rendas e de culinária, e minorando, na medida do possível, as dificuldades materiais de muitas famílias.

Bem hajam por esta grande obra!

O Mundo, fascinado com a civilização milenária da índia, da sua espiritualidade e talvez pelos seus marajás, parece não dar conta dos métodos dos tempos medievais empregados pelos seus dirigentes. Só assim se compreende que assista, passivu, aos crimes por ela perpetrados.

O imperialismo indiano, com o aval dessa espiritualidade, esforça-se por se apossar não só das terras mas até das consciências dos povos por meio de uma das mais poderosas máquinas de propaganda do Mundo.

A confusão criada em muitos espíritos carece de todos os meios de esclarecimento, dentro e fora de Portugal. E verdade que a imprensa tem relatado alguns factos, mas necessário se torna dar-lhes todo o relevo para se apreender coinpletamente o significado e o seu reflexo nos nossos territórios da Índia Portuguesa.

Não lhe negamos qualidades e sempre mantivemos com essa nação relações de boa vizinhança. Mas a ganância dos seus governantes, e principalmente a deliberação de se imiscuírem nos nossos assuntos internos contra a nossa vontade - basta dizer que entre 80 000 goeses que vivem em Bombaim a polícia indiana não conseguiu obter 50 assinaturas a favor da integração, não obstante a coacção exercida e até a expulsão de alguns, usando a calúnia e a falsa propaganda, criou entre nós e eles um verdadeiro abismo.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Tentei aqui dar uma pálida ideia, muito pálida mesmo, da actual situação em. Goa, Damão e Diu. Os nossos patrícios estão lutando contra o usurpador com os meios ao seu alcance. Mas é triste reconhecer que, praticamente, se encontram sós. Para que não se sintam abandonados temos de cumprir o dever de lhes dar todo o possível e urgente apoio...

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - ... com a força do direito que nos assiste, e não podemos, como o Mundo também não deve, assistir, por comodismo ou interesse, ao genocídio lento mas constante de um povo que traduz uma das realizações mais brilhantes do intercâmbio de duas civilizações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - E terminarei este meu apelo com um grito de alma: Salvem aquele nosso povo e a terra que serviu de berço ao venerável padre José Vaz e de túmulo ao apóstolo do Oriente, S. Francisco Xavier!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. José Vicente de Abreu: - Sr. Presidente: No passado dia 3 do corrente perdeu a vida no ultramar, em defesa da nossa soberania, o tenente piloto aviador Joaquim António Braga Gonçalves. A notícia veio nos jornais e todos ficámos sabendo que mais um heróico combatente tombou em África, na defesa dos superiores interesses da Pátria.

Sucede, porém, que laços de família ligam o extinto a uma ilustre família de Eivas, motivo por que vim a tomar conhecimento de factos que de tal modo me impressionaram que não quero deixar de os referir nesta Câmara para prestar homenagem à memória desse jovem oficial, que soube sempre sentir-se fiel a si próprio, constituindo um exemplo das mais altas virtudes militares e morais.

Tive na minha mão cartas suas, enviadas à sua extremosa esposa, sogros e pais, cartas que são um hino de louvor ao esforço que estamos fazendo em África e sobretudo uma manifestação do mais puro e elevado portuguesismo.

Ainda na metrópole, e a propósito de comentários de que teve conhecimento (em que se atribuía a morte de um seu camarada a deficiência de material e consequente desapreço pela sua vida), afirmava o tenente Braga Gonçalves, em carta escrita a sua mulher (de Lisboa para Elvas):

... Se alguma vez me acontecer o mesmo, não consintas a quem quer que seja que, na tua frente, responsabilize seja quem for pela minha morte, pois ninguém quer que se lhe aumentem as contribuições, todos querem maiores proventos, e não compreendem que somos um país pobre a lutar com países ricos, que somos pequenos a lutar com grandes e que temos que nos cingir aos limitados meios de que dispomos para defender o que é nosso e um ideal pátrio.

Já em Moçambique (Nampula), em carta datada de 28 de Janeiro deste ano, escreve à esposa:

... Quanto à minha vida não é muito sossegada, mas eu gosto, pois luto por algo que sinto, porque somos nós que temos de fazer em pouco tempo o que os nossos antepassados não puderam fazer em 400 anos de civilização.

Em 1 de Fevereiro diz:

... Lembra sempre aos nossos filhos que o pai os adora e que tudo quanto faz é a pensar neles e na mãe para que nada lhes falte: carinho, muito amor, conforto e honra.

No dia 9 escreve de Mueda:

... O trabalho aqui é duro, pois voa-se muito, estamos mal instalados e a minha responsabilidade é grande, pois sou eu que comando o aeródromo de manobra, que tem uma área de trabalho enorme; o que vale é a camaradagem e a vontade fantástica que toda a rapaziada tem de agradar e trabalhar, quase só por um ideal, pois que da nossa retaguarda o apoio não é famoso! ... Se na metrópole sonhassem o que aqui sofre o nosso maravilhoso e excepcional soldado, talvez que isto fosse de outra forma; mas isso são contas largas de 400 anos! Só o que te peço é que na

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tua frente não permitas, a quem quer que seja, que amesquinhe ou diminua o trabalho do soldadinho que aqui sofre e aqui morre para que muitos egoístas se possam pavonear. Só te digo que gosto disto e que tudo farei pelo melhor.

No dia 14, também de Mueda:

... Quanto ao meu trabalho, vai indo bem; os meios não são os melhores, mas com o espírito de sacrifício dos meus pilotos, com a sua garra, o seu idealismo e com "uma mãozïnha de S. Pedro" (como diz a rapaziada), tudo se vai fazendo, de maneira a não darmos descanso ao "turra amigo".

Outra carta de Mueda, datada de 19:

... Como tu sabes, adapto-me bem a qualquer ambiente, e como, felizmente, não sou medroso, estou como peixe na água, aqui em Mueda; todos os comandantes do Norte já me conhecem e consideram, pois ando sempre alegre, apesar de voar de manhã à noite. Aliás somos nós, pilotos, que damos moral às forças terrestres e os soldados deliram connosco.

De uma carta escrita aos pais, de Mueda para Estremoz e datada de 24:

... Agradeço o vosso apoio e a vossa compreensão em tudo, pois somos tão poucos e andamos cá tão pouco tempo que temos que nos perdoar e amar mais do que nunca.

De outra carta escrita aos sogros:

... Já comecei a trabalhar, e bastante, pois todos os que aqui estamos somos poucos para o muito que há a fazer.

* Podem ficar descansados que usarei de toda a prudência necessária, não esquecendo as responsabilidades de família que tenho, mas, acima de tudo e contra todos os riscos, tenho de cumprir aquilo que a minha consciência de homem e de português me dita.

Última carta, escrita aos sobros e remetida de Mueda:

... Agradeço imenso as vossas palavras, que são sempre bem recebidas, principalmente nesta situação, onde o que nós mais precisamos é de força moral, pois que força física não falta.

Neste momento, e já há dez dias, encontro-me mesmo na zona de intervenção de Mueda, onde cornando o aeródromo de manobra 51, cuja área abrange, toda a parte leste de Moçambique. A responsabilidade é demasiado grande para um simples tenente, mas os chefes assim o entenderam e não os espero desiludir, mais a mais que com este extraordinário soldado português, seja piloto, pára-que-dista ou infante, não é difícil comandar. Aliás, ninguém sonha o que aqui passam os nossos homens, todos animados por um espírito de sacrifício, por um ideal, com uma capacidade de sofrimento, que só vivendo e sofrendo com eles se pode avaliar.

Hoje assisti ao espectáculo que mais me impressionou em toda a minha curta vida. Levei o capelão a uma companhia acampada mesmo na pior zona do terrorismo e confesso que não vos consigo descrever o que foi aquela missa campal (se campal se pode chamar a uma clareira no meio do capim, sendo o altar um caixote). Vi lágrimas em todos os olhos, olhos de homens que há oito meses estão naquela
zona a viver em buracos no chão (isto é verídico), a passar fome e para quem a morte e o medo nada valem! Até eu me senti na obrigação de os acompanhar naquela cerimónia, e não me envergonho de dizer que nos meus olhos também havia lágrimas. Como vêem, a guerra também tem Compensações e aqui aprendem-se grandes lições, dadas, quase sempre, pelos nossos extraordinários e humildes soldados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas cartas dispensariam quaisquer comentários. Mas eu desejo fazer sobressair a profunda lição que delas se colhe e que muito útil será para tantos.

Vivemos uma vida normal, 16nge das privações correntes em países que se encontram em guerra.

Por vezes achamo-nos a lastimar a falta deste ou daquele produto, sem nos lembrarmos dos sacrifícios dos que se batem longe dos seus e nos enviam ainda ensinamentos como aqueles que acabei de ler.

Se o peixe rareia por uns dias no mercado, porque o mar, zangado, não deixou trabalhar os nossos corajosos pescadores, logo se anuncia uma importação, como se a Nação não pudesse sentir privações e não tivesse de estar preparada para elas.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Li as passagens mais interessantes das cartas do tenente Braga Gonçalves para que a Câmara e o País possam meditar no que elas têm de sublime e de elevado, para que possamos fazer o nosso m.Cra culpa e "nos mentalizemos de que estamos todos efectivamente em guerra" - como muito bem disse há dias, nesta Assembleia, o ilustre Deputado Dr. Braam-camp Sobral - e para que tenhamos a noção de que, para além deste doce sol e desta pacata vida, há três frentes de combate, onde lutam e morrem os nossos irmãos e os nossos filhos.

Que Deus guarde a alma daquele destemido e heróico moço, símbolo das virtudes da raça e exemplo a apontar e a destacar da já longa galeria de bravos que têm honrado, de forma sublime, a gloriosa farda do Exército Português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antâo Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Esta Assembleia, independentemente dos homens que, em certo momento, a compõem, para em tudo se manter fiel às raízes históricas e aos textos constitucionais que estão na base da sua criação, há-de procurar ser a expressão autêntica da vida política do País.

Por assim o entender, talvez possa invocar, ao retomar hoje a palavra nesta Casa - com os melhores cumprimentos e respeitosas saudações para V. Ex.ª, Sr. Presidente -, e porque os anos rolam, impiedosa-mente, sobre nós, uma tradição parlamentar de sentido e fidelidade política.

O primeiro esteve presente, como linha dominante, na escolha dos temas das intervenções que tenho feito e na participação interessada e activa que tomei nos problemas em que o factor político se afirmava de maneira mais forte e saliente.

A segunda, a fidelidade, esteve sempre clara nas preocupações doutrinarias de que dei testemunho, sem me deixar perder nas abstracções de um puro ideologismo ou nas renúncias e conveniências de um pragmatismo

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frio, antes procurando o enlace equilibrado das duas posições, como expressão de um sadio realismo político.

E estou mesmo em crer que até aqueles que só agora tomam parte nos trabalhos parlamentares se terão já dado conta desse -meu modo de pensar e agir.

Pode estar na lembrança de todos, ou de alguns, a fugaz intervenção que tive na discussão na especialidade da chamada Lei de Meios para 1966, durante a qual procurei fazer, em termos inequívocos, a defe&a do carácter autónomo do nosso corporativismo.

E ao recordar, eu próprio, essa intervenção, aproveito a oportunidade para uma necessária e justa rectificação.

A discussão fazia-se sobre o articulado da lei, no confronto entre a proposta do Governo e a redacção sugerida pela Câmara Corporativa.

Anotei então - e, ao que me dizem, com excessiva severidade - a posição que a Câmara Corporativa expressava, em certo artigo da lei, quanto ao controle do Estado sobre as receitas e despesas dos organismos corporativos.

Simplesmente, essa expressão - como me foi dado verificar depois - não correspondia ao verdadeiro pensamento da Câmara. Houve uma desconexão entre o texto proposto e a sua fundamentação doutrinária.

A verdadeira e real posição da Câmara Corporativa é de defesa da autonomia da organização de que promana.

E, parque assim é, tenho o maior gosto em o reconhecer e proclamar, sem enjeitar uma quota-parte de responsabilidade em equivoco que não provoquei, é certo, mas que, em condições de mais atenta reflexão, poderia ter esclarecido e não agravado.

Sr. Presidente: O tema a que me acabo de referir - o da autonomia da organização corporativa face ao Estado - é, em si, aliciante e não pode considerar-se esgotado.

Insere-se na temática mais vasta da intervenção do Estado na vida económica e na vida social.

Essa intervenção é uma fatalidade dos nossos tempos. Aceitando-a, só temos de procurar os métodos mais hábeis para a realizar.

Temos os nossos e devemos respeitá-los.

Não podendo libertar-se dessa posição intervencionista, o Estado Português, fugindo às implicações totalitárias que a ética em que se estrutura repudia, busca fórmulas de garantia para a salvaguarda dos direitos das pessoas e das instituições, procurando as soluções dos problemas em que tem de intervir através de um quadro representativo dos interesses legítimos de umas e de outras.

Isto é assim, no plano doutrinário e no plano legal.

Mas, no plano prático, há um sem-número de reservas a fazer e que não vale a pena iludir.

Olhemos, por exemplo, para o que se passa no campo económico.

Circunstâncias graves - como as da última guerra - romperam o equilíbrio entre a força da acção governatíva e a representação efectiva e válida dos interesses das diferentes actividades.

Proliferaram os órgãos de intervenção estatal, quer inseridos nos próprios serviços públicos, quer pela extensão de organismos chamados de coordenação económica, cuja natureza pré-corporativa e transitória é, por de mais, evidente.

Mas - e sempre salvo honrosas excepções e o reconhecimento de serviços de valia de alguns deles - a muitos faltou sempre,ou algumas vezes, competência especializada para a intervenção a que foram chamados, agravada, então como agora, por uma suficiência e sobranceria injustificadas que comprometem quase sempre a bondade das soluções.

E patente a impreparação da nossa burocracia para fazer face às delicadas tarefas do intervencionismo, quer a mesma tome assento em prestigiosas cadeiras de direcções-gerais, quer se acomode nos gabinetes de alguns desnecessários, e teimosamente sobreviventes, organismos de coordenação económica ...

O Sr. Gabriel Teixeira: - Muito bem!

O Orador: - Se à impreparação a que aludimos ajuntarmos a pluralidade de entidades intervencionistas, se reflectirmos um pouco na carência absoluta de realismo que a todos, mais ou menos, domina, se verificarmos como a virtude da humildade anda arredia dos seus procedimentos, teremos assinalado, em traços largos, os males que corroem uma máquina que, até por interferir com a vida de todos, carece de urgente e profunda revisão.

Há escusadas duplicações, desperdícios de bens e mau aproveitamento das poucas competências que, com interesse geral, podiam ser mobilizadas.

Na complexidade de uma estrutura mal articulada, e que não respeita elementos essenciais da sua eficácia - uma autêntica e válida representação dos interesses das actividades nacionais -, fácil é cair no caminho do arbítrio e da insegurança, que vive paredes meias com a irresponsabilidade.

E chegamos, sem querer, a esta paradoxal situação: o Estado intervém naquilo em que não deve, e não intervém - no exercício da sua acção tutelar que é essencial para todos - naquilo em que devia intervir.

Intervém em pormenores para os quais os seus agentes não têm competência especializada, pelo que o Governo se solidariza, tantas vezes, com soluções inadmissíveis, e se vincula, mesmo no terreno político, a procedimentos reprováveis.

Por outro lado, e atento o carácter supletivo da sua intervenção, demite-se o Estado dos seus poderes de intervenção superior, de orientação geral, e nem sequer garante, em muitos casos, a defesa dos direitos das entidades ou pessoas sujeitas à acção indiscriminada e prepotente dos órgãos periféricos que o representam.

Está criada uma situação delicada, que compromete, em vários sentidos, o carácter representativo das nossas instituições, invalida todos os esforços de revigoramento da vida corporativa, desacreditando o sistema e o Begime, desencorajando, naturalmente, os que o servem com idealismo e desinteresse.

E se olharmos de relance o nosso panorama social, também aí topamos com algumas deficiências, decorrentes quer de um paternalismo ultrapassado, quer da falta de dinamização da representação profissional, quer do aparente receio de partilhar responsabilidades.

Nos domínios da representatividade corporativa - no plano económico e no plano social - tem-se a sensação de que o Governo, mesmo quando ouve, não escuta.

E preciso que ouça e escute, que o mesmo é dizer: tem de inserir nas soluções os contributos válidos que lhe são presentes, tem de buscar e aceitar uma vasta solidariza-ção de interesses, sem o que a vida colectiva se estiola na indiferença e na impotência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Dado o rumo que as minhas considerações tomaram, pedia licença para fazer mais uma breve anotação.

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Como há pouco referi, procuro exercer a minha acção parlamentar sob o signo de uma preocupação dominante: a política.

E se este é o terreno em que me situo, ninguém estranhará que eu mantenha o meu espírito desperto para as realidades da vida política portuguesa.

Para além de certas belas palavras e de alguns meritórios esforços, pelo que diz respeito à acção política não vejo razões de tranquilidade e de confiança.

Por isto, ou por aquilo, não foi possível até agora a institucionalização do Eegime, não foi possível estruturar convenientemente as forças políticas para o seu apoio, nem criar fontes renovadoras da sua vitalidade e da sua continuidade.

E isto eu o reputo essencial.

Já o disse nesta Casa e repito-o agora com a mesma séria e profunda convicção: não basta governar para a Nação; é preciso governar com ela.

Esta modesta forma de expressão parece não estar longe do alto pensamento de Salazar, quando, vai para um ano, se queixou de não ter conseguido que o Governo se convencesse da necessidade de um apoio político.

Que a minha pobre voz se perca no deserto da rotina e da indiferença, pode não ser um bem ...

Mas que o sábio e prudente aviso de Salazar não tenha despertado, alvoroçado, a consciência dos responsáveis é que não pode admitir-se.

E, como um dia aqui afirmei, não se culpe a União Nacional por responsabilidades que não tem.

Estou à vontade para o dizer, pela dupla circunstância de não exercer neste momento quaisquer funções directivas nos seus quadros, e ... por as ter exercido já noutras oportunidades.

A despolitização a que assistimos - lesiva para o interesse nacional, que eu identifico com o destino da nossa Eevolução - filia-se por inteiro em acções, ou omissões, de quem detém e exerce o poder governativo, que em muitos sectores se considera como elemento único da nossa vida política.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E um erro grave que carece de pronto remédio se quisermos manter forte e viva a chama do ideal revolucionário do 28 de Maio, se quisermos projectá-lo no futuro como alicerce seguro da continuidade do Eegime.

O desequilíbrio de poderes a que aludi pode ilustrar-se com vários exemplos, que vão desde a frágil actuação política desta Câmara na sessão legislativa prestes a findar até à defeituosa estruturação das comemorações do 40.º aniversário da Eevolução Nacional, comemorações aqui assinaladas já por ilustres colegas e por V. Ex.ª, Sr. Presidente, em termos de alto nível intelectual e doutrinário, a que dou, naturalissimamente, a minha mais franca e total adesão.

Mas quando digo que as comemorações estão mal estruturadas, quero referir-me aos quadros que se criaram para as realizar.

Não compreendo, nem aceito, que, havendo, como há, uma força política de apoio ao Eegime - a União Nacional -, se lhe não tivesse confiado, como condição dfi sua força e do seu prestígio, e com as colaborações oficiais indispensáveis, a tarefa de levar por diante as referidas comemorações.

O Orador: - O que se passou só pode ter resultado de uma reprovável minimização do factor político e de uma pertinaz afirmação do desequilíbrio de poderes já salientado.

Tudo o que é institucional não funciona, ou funciona deficientemente.

O que vem de dizer-se não envolve o menor desrespeito ou desconsideração seja para quem for, nomeadamente pela comissão nacional encarregada das comemorações, a que preside - quero crer que com pesado sacrifício - um amigo querido, o nosso antigo colega nesta Casa Dr. Baltasar Eebelo de Sousa.

Eu nunca trato dos problemas nesse terreno.

Determino-me por critérios, que, podendo ser errados, se esforçam por ser fundamentados e por ser justos. De resto, temos de vencer o falso tabu político de que cada opinião discordante é uma heresia e de que cada crítica ou reparo é um agravo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Considero excessiva a presença estatal no plano das comemorações. Desejaria que ao menos as erguessem com mais fundas raízes nas terras e nas gentes, com um carácter mais fortemente representativo das forças sociais e cívicas da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Colho a sensação de que tudo se burocratiza.

Ora, eu tenho para mim que estes 40 anos de acção governativa mereciam mais e melhor, e, sobretudo, merecia-o - e há-de tê-lo - o ilustre Chefe do Governo, Dr. Oliveira Salazar, a quem o País deve o testemunho inequívoco do seu agradecimento e da sua confiança.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para além de fórmulas pouco significativas, à margem de "vedetismos" que ninguém compreende ou aceita, o povo português, fiel às suas melhores tradições, ao espírito de justiça que domina o seu carácter, e ao avisado sentido que sempre tem do interesse nacional, saberá encontrar os caminhos autênticos para afirmar aquele reconhecimento e a sua fidelidade às linhas mestras do ressurgimento nacional.

Menos que a consagração de uma obra - espantosa em tantos domínios, mas incompleta noutros que temos por essenciais ... -, as comemorações que se avizinham deverão lançar o Eegime em nova e decidida arrancada, sacudindo, com naturalidade, o peso morto do conformismo e da rotina, afirmandoo seu espírito de vanguarda como expressão da validade actual do seu travejamento ideológico e como imperativo da lição que colhemos, dia a dia, em nossas próprias casas, de um mundo que se consome e des.trói, no meio de tremendas confusões e condenáveis denúncias, na anarquia e na subversão.

Sr. Presidente: A continuidade da Eevolução depende, fundamentalmente, da fidelidade que soubermos manter ao magistério político de Salazar: doutrina e acção.

Nenhuma revisão quanto aos princípios essenciais, às grandes certezas, até porque se identificam com a própria sobrevivência nacional.

Eevisão de algumas estruturas e de métodos, actualização de processos administrativos, isso sim, e depressa, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - ... se quisermos estar à altura das nossas responsabilidades e viver segundo a dureza dos tempos, e na busca interessada de soluções para alguns complexos problemas da nossa vida colectiva.

Defesa e unidade nacional. Mais e melhor trabalho. Janelas francamente abertas para a vida da Nação e para o Mundo, como corolário da nossa maturidade política.

Solidarização e corresponsabilidade de interesses como condição de acerto das soluções e de confiança. Institucionalização do Eegime. Revolução Nacional em tudo e para todos. Preocupação social e insatisfação criadora. Firmeza e coragem dignas dos que na "frente" se sacrificam e morrem.

Estou em crer que vale a pena, em clima que é de guerra, travar esta decisiva batalha e ... vencê-la.

Si1. Presidente: Quase sem dar por ela, deixei-me arrastar pa-a um campo de considerações, ou, se se preferir, para uma problemática - como agora é moda dizer - que em muito se aproxima das linhas mestras do pensamento que já noutra altura pus à consideração da Câmara.

Então, para o expor e desenvolver, decidi-me por certo caminho.

Mas, fundamentalmente, interessam-me os objectivos.

Noticiou-se há dias - e o facto foi aqui qualificadamente anunciado pelo ilustre Deputado Dr. Castro Fernandes - a próxima realização de um congresso plenário da União Nacional.

Não se poderá dizer que o congresso venha cedo, mas é possível que ainda venha a tempo.

Não me desagrada esse terreno para o debate de ideias em que me empenho.

Pois vamos ao congresso com a fé e o entusiasmo das primeiras horas.

Ao cabo de uma carreira pública activa de 30 anos - em posições mais ou menos destacadas, nunca na "reserva", sempre na "brecha" - , ninguém estranhará que nos mantenhamos vigilantes.

E a preocupação natural de quem, encarando com realismo a vida política e não abdicando dos princípios que considera melhores para bem servir o interesse nacional, não renuncia à luta e lança, de quando em vez, o seu brado de alerta.

Certamente que não agradamos a todos, mas basta que alguns nos compreendam.

De vários quadrantes chega até nós a voz amiga de muitos camaradas fiéis: Alerta está!

Por isso não desistimos.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Valadão dos Santos: - Sr. Presidente: Aquando da discussão da Lei de Meios, um dos assuntos mais debatidos foi, sem dúvida, o da situação do funcionalismo. A esse respeito o sentimento desta Câmara foi unânime. E soube-se então - com geral agrado e por intermédio do leader desta Assembleia - que o Governo se estava debruçando com o maior interesse sobre este problema deveras grave e delicado, não obstante as imensas dificuldades, por todos reconhecidas, da hora presente. Veio assim o ilustre Deputado Dr. Soares da Fonseca corroborar mais concretamente o que, aliás, estava expresso na própria proposta da Lei de Meios.

Nessa altura, Sr. Presidente, apoiei incondicionalmente as razões tão douta e oportunamente expostas pelos meus ilustres colegas a favor de uma classe que nos merece todo o carinho e compreensão. E se então não tomei parte no debate, foi porque praticamente nada mais havia a acrescentar.

Acontece, porém, que a 30 de Dezembro do ano findo o Diário do Governo publicava o Decreto-Lei n.º 46 798, que diz:

... aos funcionários dos quadros da Câmara Municipal do concelho de Vila do Porto, bem como aos dos quadros da Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada e aos dos serviços do Estado a cargo da Junta Geral, quando colocados na ilha de Santa Maria, é aplicável o regime prescrito no artigo único do Decreto-Lei n.º 44 109, de 21 de Dezembro de 1961.

Ora, o regime prescrito neste citado preceito diz-nos que:

Os funcionários do Ministério das Obras Públicas destacados por conveniência de serviço nos arquipélagos da Madeira ou dos Açores terão direito ao subsídio de 30 por cento das respectivas remunerações certas na ilha de Santa Maria e 15 por cento nas restantes.

No preâmbulo deste decreto lê-se que alguns departamentos do Ministério das Obras Públicas têm deparado com grandes dificuldades em recrutar pessoal nas ilhas adjacentes para preenchimento das vagas nos quadros técnicos e administrativos - note-se, administrativos - dos serviços que ali mantêm em funcionamento.

E logo a seguir:

Este problema mereceu já a atenção do Governo, que oportunamente adoptou medidas legislativas relativamente a alguns casos particulares de outros Ministérios, mediante os quais foram fixados gratificações e subsídios variáveis consoante os locais de trabalho do pessoal destacado do continente.

Sr. Presidente: O Decreto-Lei n.º 46 798, de 30 de Dezembro findo, veio mostrar quanto o Governo está atento às nossas necessidades e a sua boa vontade em resolver nas ilhas adjacentes uma situação que, parece-nos, ainda se apresenta mais grave do que aquela do continente. Só merece por isso o nosso mais caloroso e incondicional aplauso e concordância. Simplesmente - por um acto de verdadeira justiça -, há que estender esses benefícios, preceituados nos decretos atrás citados, a todos os funcionários, seja qual for a sua categoria, de todas as ilhas adjacentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E porquê? Beportando-me aos Açores - pois são o meio que de mais perto conheço, embora pense que à Madeira devem assistir as mesmas ou mais fortes razões -, reportando-me apenas aos Açores, ia dizendo, verifica-se que não só os funcionários dependentes do Ministério das Obras Públicas estão beneficiando desse subsídio -e que, por consequência, não se trata apenas de técnicos -, mas também, com muita razão e justiça, determinados funcionários, e em diferentes ilhas, dependentes dos Ministérios do Interior, da Justiça, das Finanças, das Comunicações, etc.

Quer dizer: há já um grande número de servidores do Estado gozando de uma regalia que, aliás - não me canso de o afirmar -, é justíssima, enquanto outros, não

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raras vezes com a mesma categoria e residentes na mesma ilha, nada usufruem. É que, Sr. Presidente, há um factor (sempre ou tantas vezes esquecido) para o qual nós, ilhéus, jamais tivemos qualquer compensação, antes, e pelo contrário, por vezes, só prejuízos e incom-preensões, e que é o nosso fatalismo geográfico, a nossa insularidade.

Não há nenhum madeirense ou açoriano que não se orgulhe de ter (nascido ali, que não se ufane da sua ancestralidade autenticamente portuguesa, que não vibre com as maravilhas deslumbrantes e sem igual com que a Natureza, num assomo de prodigalidade, dotou aquelas ilhas do Atlântico e que não reconheça as qualidades excepcionais de trabalho, de persistência, de adaptação e de honestidade dos seus conterrâneos.

Ë por isso que nós, com algumas responsabilidades, embora pequenas, nos sentimos na obrigação, no dever moral, de lutar pelos justos e rectos interesses de uma população para a qual a vida se apresenta, tantas vezes, tão árdua e dura, e que se julga nem sempre tratada em pé de igualdade com os seus irmãos do continente.

A nossa insularidade e as barreiras alfandegárias -outro ponto que tem de merecer, quanto antes, a atenção cuidada e pronta do Governo ...

O Sr. Agostinho Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - ... e que é, entre outras, uma das principais causas da nossa asfixia económica - são os principais motivos para que a vida nas ilhas se torno mais difícil e desnivelada em relação à do continente.

Tudo ali nos chega mais caro, em virtude, como é óbvio, dos transportes, despesas com embarques e desembarques, despachos, etc. Basta dizer que a construção das nossas casas fica 20,a 30 por cento mais dispendiosa do que as do continente, pois de cá são importados o ferro, o cimento, o tijolo, os azulejos, etc. Toda a qualidade de vestuário e calçado, todos os géneros de primeira necessidade, como o arroz, azeite, óleos, massas alimentícias, sabão, etc. (com excepção da carne, leite e seus derivados), enfim, tudo aquilo que faz parte integrante da vida do dia a dia e que constitui as nossas necessidades mais elementares e inadiáveis é importado do continente e como tal paga fretes e impostos locais.

E até se quisermos mandar completar a instrução dos nossos filhos, quer numa Universidade, quer num instituto industrial, ela nos fica muito mais onerosa (em relação ao continente), se atentarmos ao preço das passagens e à impossibilidade de passarem todas as férias (Natal, Páscoa, etc.) em casa. A nossa insularidade faz com que paguemos tudo isso mais caro sem que recebamos qualquer compensação. Ou, melhor, eu direi que já se vê que já se vislumbra essa compensação justa, justíssima. Os decretos acima citados são o princípio, são uma porta aberta que, beneficiando, um grande número de funcionários, todavia não atinge todos, como seria para desejar.

Não nos parece moralmente! certo que servidores muitas vezes, como já afirmei, dai mesma categoria, trabalhando na mesma repartição - e até na mesma sala - se encontrem em tamanha desigualdade. Aoaote-sp mais uma vez que não se trata apenas de funcionários técnicos, mas também de funcionários administrativos. O decreto em questão é bem claro. E os nossos funcionários administrativos representam uma grande, uma enorme percentagem. Ademais, como já tivemos ocasião de citar, vários servidores de diversos Ministérios estão usufruindo desse recto benefício. Há que o alargar para já a todos os outros funcionários, sem olhar a categorias, e em todas as ilhas, dependentes dos diversos Ministérios e das autarquias locais, independentemente de qualquer aumento geral nos vencimentos que se venha a verificar. Há que alarg-ar para todos o prescrito no artigo único do Decreto-Lei n.º 44 109, de 21 de Dezembro de 1961.

Pois não é verdade que, por exemplo, e além das razões já expendidas, S. Miguel começa a encontrar no turismo uma boa fonte de receita, trazendo grandes benefícios, é certo, mas afectando as magras e depauperadas bolsas do funcionário público? Pois também não é verdade que na ilha Terceira, se encontra estacionado, desde há muitos anos, grande número de tropas de um País cujo nível de vida é o mais alto do iMundo, tornando ainda mais cara a vida e colocando numa tremenda e desprestigiante desigualdade os parcos recursos dos servidores do Estado, muito especialmente daqueles que auferem vencimentos mais baixos? É ou não verdade que uma parte dos funcionários das ilhas das Flores e do Corvo não vê para o seu tremendo, e angustiante isolamento qualquer compensação de ordem material?

É, pois, Sr. Presidente, pela justiça flagrante das razões expostas que ouso chamar -a atenção do Governo para que os bemefícios1 consignados nos decretos acima citados, e em tão "boa hora promulgados, se estendam a todos os funcionários, sem excepção, de todas as ilhas adjacentes pois todas elas são Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: Ao falar pela primeira vez nesta legislatura, cumpro o grato dever de apresentar a V. Ex.ª os meus, mais -respeitosos cumprimentos e o protesto da minha admiração pelas suas altas qualidades de inteligência, de carácter e de coração.

A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, dirijo também as minhas melhores saudações.

Um dos pontos mais frequentemente debatidos nesta Assembleia, agitados na imprensa e referidos até por vozes autorizadas do Governo tem sido e da situação económica em que se encontra o nosso funcionalismo e da- necessidade premente que se verifica de os seus vencimentos serem substancialmente melhorados.

Quando em Dezembro de 1958 se procedeu à última actualização, ninguém poderá dizer que os funcionários ficaram numa situação folgada.

Atendeu-se o mais que se pôde, mas certamente menos do que se quereria e menos do que seria recomendável.

Confessou-se que às categorias mais elevadas do funcionalismo nem sequer fora possível compensá-las na medida da diminuição do poder aquisitivo da moeda, calculado em relação a 1936.

E quanto às categorias m-ais modestamente remuneradas, embora a actualização, sob esse aspecto, tenha sido satisfatória, a verdade é que ela não pôde ser de molde a garantir a esse funcionalismoaquele mínimo de nível de vida que estava, e permanece, nas aspirações da Revolução Nacional.

Mas nestes sete anos, desde 1 de Janeiro de 1959 até agora, a vida encareceu pelo modo que- todos nós nos damos conta, e os vencimentos do funcionalismo continuam inalterados, criando para muitos uma situação angustiosa e para todos uma situação de dificuldade, desigualdade e injustiça que é urgentíssimo remediar.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Os chefes, os técnicos e os funcionários mais elevados desertam para as empresas particulares, onde lhes pagam o dobro e o trabalho não é mais árduo.

Só ficam a servir o Estado aqueles que têm a abençoada paixão desse serviço, aqueles cuja fortuna lhes permite esse luxo, ou então os menos aptos.

Nas categorias mais modestas, o panorama é diferente, porque aí não há o perigo - pelo menos tão frequente - de os respectivos servidores do Estado, cujo número deve rondar os 100 000, serem desafiados pelas empresas particulares.

Mas porque as necessidades desses são mais prementes, e porque não têm esse refúgio, maior é o seu desânimo e o seu crescente descontentamento.

O problema, à parte o seu aspecto humano e social, que é sem dúvida o mais importante, reveste tamibóm um aspecto funcional, visto o Estado correr o risco de ver afectados o rendimento e a eficiência dos seus serviços.

E o prolongamento deste estado de coisas traz também implicações de natureza política, que, por seu melindre, me parece ocioso encarecer aqui.

Eu sei que os réditos do Estado não são ilimitados e que temos uma enorme despesa extraordinária, a que de modo algum podemos fugir, proveniente da guerra que de aléon-fronteiras nos está sendo imposta.

Sei também que para a elevação do nosso nível de vida é indispensável dar a prioridade aos investimentos mais rentáveis e reprodutivos.

E sei ainda que todos estes problemas estão na mente, e no coração, do eminente Ministro das Finanças, a quem daqui saúdo carinhosa e respeitosamente pela sua abnegada dedicação ao serviço da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas atrevo-me a rogar-lhe que não só resolva bem, como é seu timbre, esta questão candente, mas principalmente que a resolva depressa - ainda que para tanto, se indispensável, haja de pedir mais algum sacrifício aos que estiverem em condições de sofrê-lo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tracei este apontamento ligeiro sobre o problema geral da situação do funcionalismo, porque considero necessário insistir, frisar e repisar sobre a urgência que há em resolvê-lo.

Mas a verdade é que o objectivo concreto da minha intervenção de hoje só indirectamente se prende com aquele problema, tem um alcance muitíssimo restrito e reveste-se de características absolutamente especiais.

Quero referir-me à situação, também profundamente deplorável, dos inválidos da I Grande Guerra.

Pelo Decreto n.º 16 443, de Junho de 1929, que aprovou II Código de Inválidos, estes conservavam as antiguidades que lhes competiriam se continuassem a figurar nas escalas das respectivas armas e serviços, sendo a sua promoção, depois de intercalados, regulada pela forma como fosse a do militar que estava colocado à sua esquerda, na escala da arma ou serviço militar.

Coerentemente, os inválidos tinham direito a todas as regalias e vencimentos inerentes aos seus postos como se continuassem pertencendo às suas armas ou serviços de origem, e estivessem arregimentados nas unidades da guarnição de Lisboa, sem direito, porém, à respectiva gratificação de guarnição e impedido.

Porém, em 31 de Dezembro de 1937, o Decreto-Lei n.º 28 404, que aumentou os vencimentos dos militares do activo, reserva e reformados, inexplicavelmente excluiu os inválidos de guerra desse aumento, dispondo no seu artigo 22.º que:

As pensões dos actuais mutilados e inválidos de guerra consideram-se definitivamente fixadas no montante- que a cada um está presentemente atribuído, cessando para os mesmos mutilados ou inválidos o direito à promoção estabelecido pelo Código de Inválidos, que será havido como revogado pelo presente diploma.

A partir de então os inválidos ficaram sem legislação própria, e numa situação inferior aos da reforma ordinária, o que se me afigura sumamente injusto.

Creio poder afirmar que os seus vencimentos são hoje pouco superiores aos dos seus camaradas do activo situados dois postos abaixo; quer dizer, um capitão, por exemplo, por ter tido a desgraça de ser mutilado na guerra de 1914-1918, ganha hoje pouco mais do que um simples alferes.

Ora, se atendermos a que os vencimentos das nossas forças armadas estão tanto ou mais desactualizados do que os do funcionalismo civil - fácil é de concluir quanto será aflitiva a situação daqueles que na I Grande Guerra verteram o seu sangue em proveito da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A reparação desta gritante injustiça nem sequer levantará problemas de tomo ao erário público: os oficiais inválidos sobrevivos da guerra de 1914-1918 eram em Janeiro de 1965 apenas 132.

Creio que seria uma reparação honrosa que se lhes prestava promovendo-os aos postos a que teriam direito, de harmonia com o Código de Inválidos, que o citado artigo 22.º do Decreto n.º 28 404 em má hora revogou.

Aliás, uma medida desta natureza não seria sem precedentes.

Com efeito, por variadas vezes, nos termos do Decreto-Lei n.º 46 001, de 2 de Novembro de 1964, o Governo tem, muito louvavelmente, regularizado a situação de alguns oficiais que, por motivos políticos, tinham sido punidos injustamente há algumas dezenas de anos e colocados na situação de reserva ou de reforma.

A hora de reparação veio, sendo esses oficiais colocados nos postos que lhes competiriam se tivessem continuado no serviço activo.

É uma medida semelhante que eu me atrevo a solicitar, não só para aqueles que foram vítimas de um injustificado ódio político, mas também para aqueles que viram cortada a sua carreira militar por se terem incapacitado ao serviço da Pátria.

Eu disse que esta medida, abrangendo, no máximo, umas dúzias de oficiais, não poderia trazer grandes encargos para o Estado.

Contra isto poderá argumentar-se que não seria justo conceder os benefícios a que me refiro apenas aos inválidos da I Grande Guerra, sem os conceder igualmente aos inválidos da guerra que actualmente nos é movida no ultramar. E que tal benefício, tornado extensivo a todos, já então poderá pesar de forma incomportável no orçamento do Estado.

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Evidentemente que não há nenhum motivo para distinguir entre uns e outros, já que todos lutaram e estão lutando bravamente pela sagrada defesa da honra e dos interesses nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Somente a desactualização da moeda em 30 anos - que tantos são passados sobre o Decreto-Lei n.º 28404 - faz com que hoje a situação dos inválidos de 1914-1918 seja mais difícil, e às vezes mais angustiosa, do que a daqueles que só há 3 ou 4 anos tiveram também a desgraça sublime de se incapacitarem nos campos de batalha.

Para estes, o problema da sua não promoção aos postos que lhes competiriam se continuassem a figurar na escala não assume desde já o aspecto cruciante de que se reveste para os inválidos da I Grande Guerra, há 30 anos despojados de um direito que lhes estava assegurado.

Daí que me pareça absolutamente admissível que o Governo - se reconhecer que não pode imediatamente, como seria justo, promover todos os inválidos da guerra de 1914-1918 e das. actuais campanhas de África aos postos que lhes competiriam se continuassem a figurar nas escalas das respectivas armas e serviços - ao menos decrete essa medida de reparação material e moral para aqueles, que infelizmente já poucos são, onde tal situação injusta se repercute por forma mais dolorosa e insustentável.

E quando esse ponto crítico chegar, se houver de chegar, para os inválidos da moderna guerra de África, então que o Governo nessa altura tome as medidas indispensáveis para que esses heróicos militares não cheguem a conhecer as privações que hoje se deparam aos seus camaradas, que há 50 anos se incapacitaram, como eles, na defesa do mesmo ideal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dizia o artigo 20.º do Código de Inválidos textualmente que estes tinham o direito de usar um distintivo bem visível, de fonma a chamar a atenção dos seus concidadãos para o carinho e auxílio que lhes devem merecer estes bons e leais servidores da sua Pátria.

Decerto ninguém quererá que esse distintivo bem visível, destinado a chamar a nossa atenção, continue a ser a forma modestíssima - para não empregar expressão mais impressiva - como esses bons e leais servidores têm de viver e apresentar-se em público!

Porque em absoluto confio no alto espírito de equidade e no coração dos Srs. Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, concluo este meu apelo na certeza de que tudo o que for possível se fará para resolver com justiçae urgência iwn problema que, se é restrito quanto às pessoas nele directamente interessadas, é nacional pelos princípios e pelos sentimentos que nele estão em jogo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados Colegas: Vou referir-me, nesta minha intervenção, ao Decreto-Lei n.º 46 666, de 24 de Novembro do ano passado, diploma que instituiu, como se sabe, o novo dispositivo do condicionamento industrial entre nós, nos âmbitos nacional e territorial - um dispositivo que, naturalmente, causou estranheza a muita gente, até pelo simples motivo de não haver sido objecto, como aconteceu, por exemplo, ao condicionamento revogado, de um debate nesta Assembleia Nacional, ainda na forma, claro, de projecto acompanhado do respectivo parecer da Câmara Corporativa, que tão bons pareceres tem emitido.

Diz-se no preâmbulo desse Decreto-Lei n.º 46 666 haver o propósito de uma redução progressiva do condicionamento industrial, até ficar limitado "àqueles casos em que ele tenha significado e utilidade nacionais". E acontece que essa redução progressiva anunciada entra já no espírito de empresários ou candidatos a tal condição, não como fenómeno paulatino, mas sim como fenómeno rompante, o que, só por si, leva imponente perturbação a tais espíritos, até porque está a ir-se mais longe ainda que em meros pensamentos tocados pelo alarme de trabalhos que se diz estarem já cometidos a entidades várias, no sentido, mesmo, da eliminação pura e simples do condicionamento, visto que o quereriam substituir por regulamentos afectos a sectores de indústrias ou por quaisquer outra(r) fórmulas, em que tal condicionamento se limitaria às meras questões de higiene, segurança e condições de trabalho, toda a economia de suporte (dimensionamento proposto, oposições, respostas e informações de interessados em qualquer nível) ficando fora da consideração sistemática do Estado, como acontecia durante o condicionamento que se revoga.

Com efeito, esse pensamento de alarme vai encontrar a sua primeira razuo de ser num passo do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 46 666, que nos diz que ao Governo "o que fundamentalmente interesssa do ponto de vista das obrigações do Estado é que nos estabelecimentos industriais se respeitem as normas estabelecidas em matéria de segurança, higiene e de condições de trabalho e que os estabelecimentos fabris lancem no mercado produtos que obedeçam a normas de qualidade mínima". E confirma-se tal alarme noufcro passo do preâmbulo - que nos diz que, respeitados esses requisitos, "a responsabilidade de definir as condições de dimensão, de viabilidade económica e de capacidade técnica terá de pertencer, num país em economia de mercado como o nosso, aos empresários privados que se propõem realizar os empreendimentos".

Ora, por outro lado, vê-se ainda nesse preâmbulo o seguinte passo:

A concorrência leal que surja por parte de qualquer nova unidade fabril dificilmente será condenável, pois que se traduzirá, normalmente, em factor de progresso económico e de redução de preços, desde que nos fabricos se obedeça, como acima se referiu, a normas mínimas de qualidade ...

Os juízos de valor sobre a capacidade técnica da empresa só serão indispensáveis nos casos em que o Estado seja chamado a auxiliar a criação dos novos empreendimentos ...

Então, sim, o auxílio do Estado, que pode traduzir-se em encargo da Nação, terá necessariamente de rodear-se das cautelas possíveis quanto ao êxito do empreendimento.

Em aparte direi: isso de exercer apenas vigilância nas condições de segurança, higiene e de trabalho - ao sair-se de um condicionalismo muito mais apertado (em que, aliás, tal vigilância também se processava) -, isso, em boa verdade, é bastante pouco como função do Estado, já

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que muito e muito mais difícil, muito e muito mais árduo, é o que se deixa aos empresários industriais privados ou candidatos a essa condição - essa tarefa de calcular-se o dimensionamento producional na base fundamental do conhecimento dos mercados, para o que tais empresários eu tais candidatos, se encontram, por via de regra, inermes, ao contrário do que será de supor aconteça com o Estado, que haverá de ter os seus departamentos especializados à altura de melhor conhecerem esses termos desejáveis de dimensionamento, como que em tipo de infra-estrutura.

Afirma-se no referido preâmbulo:

Em virtude da nossa participação nos movimentos de integração económica europeia, deixará de haver, na maior parte dos casos, motivo que justifique a reserva do mercado do continente e ilhas adjacentes para um número restrito de unidades produtivas, uma vez que esse mercado será enormemente alargado e passará a estar aberto à concorrência estrangeira.

E como se dá ao pensamento do leitor estarem ao nosso alcance os mercados estrangeiros - naturalmente, à cabeça os formados pelos países nossos parceiros na E. F. T. A.

Ora, também aqui farei um aparte: com o devido respeito, considero excessivamente optimista essa ideia de os mercados estrangeiros - mesmo os da E. F. T. A. restante - estarem ou ficarem abertos a toda a indústria metropolitana.

Respeito muito as ideias de quem quer que seja - mesmo que não seja o caso de quem legisla -, mas não vejo que tivesse sido até hoje feita a prova de que os referidos mercados ficarão abertos a toda a nossa indústria - acreditando, sim, em que, se medidas firmes não forem tomadas a favor da nossa indústria - principalmente no âmbito da reorganização (vincadamente nos aspectos concentracionários) -, será o nosso mercado interno que ficará inteiramente à mercê da concorrência da indústria desses novos parceiros na E. F. T. A. e, mesmo, da de outros países com os quais venhamos a ter tratado do mesmo género, sem nos esquecermos do que podei-á vir do G. A. T. T.

Sr. Presidente: Alais do que de mim próprio, socorrer-me-ei, em palavras a seguir, de asserções ou trabalhos de personalidades de relevo, alheias ao elenco dos legisladores, porém, sem deixarem de ser conhecedoras profundas dos movimentos (e dos próprios fundamentos dos mesmos) que estão a afligir a indústria nacional. Personalidades às quais presto as minhas homenagens pelo contributo que têm dado à divulgação dos nossos principais problemas industriais - divulgação no sentido amplamente construtivo.

O Sr. Dr. Fernando Cruz, que é personalidade que todos bem conhecemos e cuja opinião é altamente considerada, escreveu, há tempos, um estudo sobre Política Industrial, suscitado pela realização do II Congresso da Indústria Portuguesa, estudo que contém palavras de amplo sentido responsável e que desejo dar à consideração de quem me ouve. Aquele observador da nossa vida económica, principalmente no campo industrial, cuja legaílstica encontra nele mestre incontestado (aliás, é também industrial de reconhecida visão), vai servir-me, com o que escreveu, de suporte de muito apreço, como veremos.

Nesse seu estudo, o Sr. Dr. Fernando Cruz submeteu o assunto do condicionamento industrial à própria óptica do que ele - estava-se em 1957 - chamou uma "zona
europeia de trocas livres", exactamente a actual e muito falada E. F. T. A., de que Portugal metropolitano é membro, como se sabe.

Considero de muita importância a opinião do Sr. Dr. Fernando Cruz a tal respeito, opinião que trarei para aqui na sua expressão fundamental. O antigo secretário-geral da prestigiosa Associação Industrial Portuguesa (outro pergaminho que acredita o referido jurista e economista como autoridade nestes assuntos por de mais complexos da indústria nacional) começou por formular a seguinte interrogação:

... considerando as características da estrutura económica portuguesa, as coordenadas dentro das quais se operou a sua evolução, as limitações da posição relativa do nosso mercado e a orientação da Europa no sentido da constituição de uma zona de trocas livres, que atitude deve tomar-se perante o condicionamento industrial?

E, intermediàriamente, vai dizendo:

Começamos por dizer que há um ponto fundamental que não temos visto suficientemente evidenciado: a nossa falta de tradição industrial.

De qualquer modo - fosse por falta de gente, lançada na voragem das conquistas, fosse por dificuldades do meio, fosse por qualquer outra razão -, as iniciativas industriais nunca proliferaram. Impressiona reler hoje os autores que a partir do século XVI se ocuparam dos problemas económicos portugueses. Ressalvadas as diferenças inerentes às circunstâncias de tempo, quantas palavras de um Duarte Ribeiro de Macedo ou de um Manuel Severim de Faria mantêm plena actualidade!

Quando os países da Europa sofriam as profundas modificações de estrutura determinadas pela chamada Revolução Industrial, Portugal - ainda apoiado nos restos dos rendimentos do Brasil e resolvendo com péssimas soluções de emergência as dificuldades financeiras que começavam a avolumar-se - mantinha-se um país agrícola, inteiramente subordinado à importação de produtos manufacturados, muitos dos quais produzidos a partir de matérias-primas locais.

Isto significa que, enquanto os países que criavam indústrias formavam em devido tempo uma consciência económica nacional, acumulando experiência, constituindo quadros técnicos, fixando correntes comerciais, Portugal manteve-se na linha das anteriores- circunstâncias de vida que já não podia conservar.

Sem curar de discutir razões, pretendemos apenas apurar este facto: andávamos sempre arredados da indústria.

Assevera ainda o Sr. Dr. Fernando Cruz:

É que a falta de tradição industrial não envolve apenas insuficiência de quadros e meios de trabalho: trouxe consigo a falta de mentalidade económica, problema de natureza individual que se avoluma terrivelmente nos domínios do colectivo e aí se desdobra nas mais variadas manifestações, escalonadas ao longo dos diversos sectores da vida portuguesa, da produção ao consumo, da escola à política.

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E, muito pertinentemente, num sentido exacto das profundas realidades do caso industrial português, o Sr. Dr. Fernando Cruz vai afirmando:

Para ser correctamente equacionado, o problema da industrialização de Portugal não pode deixar de tomar como pontos de referência a nossa falta de tradição industrial, a falta de uma mentalidade económica generalizada, a grave insuficiência de quadros, a falta de propensão ao investimento e as outras características do meio e da população.

Apesar dos notáveis progressos operados nos vários campos em que o problema se levanta (e para os apreciarmos com justiça é preciso sempre não esquecer o ponto de partida), parece-nos indispensável nunca perder de vista estas coordenadas, sobre as quais têm de assentar as nossas construções.

É natural que as dificuldades sejam mais árduas, pois temos de percorrer em poucos anos um caminho que outros, mais ricos, trilharam em séculos.

E aqui cabe interromper este depoimento, para se referir uma asserção do respeitável actual bastonário da Ordem dos Engenheiros, Sr. Eng.º Mercier Marques, que todos conhecemos como sendo também uma notável figura da nossa indústria. É essa asserção - escrita num trabalho a que deu o título sugestivo de Mentalidade Industrial (1957) - a seguinte:

Esta revolução industrial, já em marcha (a que se processa, entre nós), mas que se acentuará fortemente nos vinte anos que vão seguir-se, exigirá um esforço complementar muito importante, sem o qual se arriscaria o seu êxito.

Considere-se no entanto que o Sr. Eng.º Mercier Marques, ao falar do esforço que é preciso fazer-se para se entrar, qualificada e fortemente, no campo da industria-1zação nacional, vai dizendo que tal esforço será de todos - Estado e industriais -, em bom trabalho de conjunto. Sr. Presidente: Retorne-se ao Sr. Dr. Fernando Cruz - sem deixar de prevenir que ainda voltarei a referir-me ao Sr. Eng.º Mercier Marques-, pois são da mais elevada qualidade as suas considerações sobre os assuntos cia nossa indústria.

Considera, ainda, pois, o Sr. Dr. Fernando Cruz, no seu referido trabalho Política Industrial:

a) O condicionamento é necessário como elemento de correcção das insuficiências de actuação de muitos empresários, que, por falta de experiência e até de informação ...

h) O condicionamento é necessário como factor de estímulo à iniciativa dos empresários esclarecidos ...

c) O condicionamento é necessário como fórmula susceptível de criar confiança nos detentores de capital

E continua a asseverar:

Por outro lado, podemos serenamente escrever que grande número de iniciativas industriais não teriam sido realizadas sem a confiança gerada em empresários e capitalistas pelo condicionamento industrial.

E aduzimos umarazão mais, que reputamos de muito importante [...]: os sectores industriais libertos do condicionamento não acusaram, em virtude de tal medida, progresso susceptível de ser assinalado. Nem quanto a equipamento, nem quanto a qualidade, nem quanto a salários, nem quanto a produtividade, encontramos melhoria que possamos referir.

E passa a citar casos em que indústrias retiradas cio condicionamento caíram ou em formas artesanais de exploração, pois as maiores unidades ou se desagregaram, ou entraram em período de abertas dificuldades, ou em pulverização sem remédio, o que, tudo, conduziu a nível franco de insuficiência, numa clara desvantagem para a economia portuguesa.

O Sr. Dr. Fernando Cruz, ao referir-se ao binómio "condicionamento e concorrência", afirma:

Insistimos: não pretendemos negar a fundamental utilidade da concorrénccia interna: apenas desejamos lembrar que, numa estrutura limitada, pouco evoluída, c-oino a nossa, enquadrada no conjunto da economia europeia, julgamos perigoso sobrevalorizur o seu alcance.

Níío negando, embora, que o condicionamento industrial pode conduzir a situações indesejáveis, vai afirmando que será de sublinhar que a Administração tem ao seu alcance vários meios de interferir nas condições de abastecimento do mercado

[...] e que nem sempre o aumento da. concorrência por via da ampliação da indústria, por ser o mais simples, se revela o mais vantajoso para o consumidor.

E cabe-me agora ver como o Sr. Dr. Fernando Cruz se referiu ao condicionamento colocado em face das perspectivas de constituição de uma zona europeia de trocas livres.

Asseverando, aquele sagaz e experiente observador da uossa vida industrial, que as perspectivas de constituição - estava-se em 1957 - de uma zona europeia de trocas livres tinham, pelo menos, um interesse directo e imediato, "...o de nos fazer olhar os problemas da industrialização por um prisma europeu, pondo de parte as limitações, por vezes incompreensíveis, levantadas, aos campos de análise e resolução das questões ...", é categórico na pergunta e resposta que formula:

[...] qual a posição do condicionamento em face de tais perspectivas?

Essa é a pergunta. E responde:

Por nós, começamos por dizer que o problema da adesão à zona de trocas livres [...] é independente da existência de um sistema interno de dirigismo económico.

A constituição de uma zona de trocas livres [... ] apenas coloca o problema de preparar a nossa estrutura económica para um embate que será sern dúvida muito duro, desenvolvendo, acelerando e consolidando a nossa industrialização. Porventura teremos até de encarar necessidades de reconversão que conduzam à formação de indústrias colocadas em condições de enfrentar a concorrência.

Posto assim o problema, só uma conclusão julgamos possível: a premência de manter e aperfeiçoar o condicionamento, completando mesmo os seus elementos de interferência.

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Sr. Presidente, prezados Colegas: Estive propositadamente a transcrever "em exaustivo" as opiniões do Sr. Dr. Fernando Cruz, mesmo porque elas têm também uma notável actualidade; aliás, são essas as grandes, as construtivas, as proveitosas, opiniões - as que, cumpridos os elementos proféticos ou ainda mantidos com vida, à espera desse cumprimento, valem porque nos fazem ligar o passado ao presente e este ao futuro.

E que não nos devemos esquecer de que, como nos ensinam os bons pensadores, "... aquele que não compreendeu o passado está condenado a revivê-lo uma vez mais!".

Fiz há pouco referência ao Sr. Eng.º Mercier Marques, bastonário da Ordem dos Engenheiros, e, repito, figura notável dos nossos meios industriais. E como que vem, no seu trabalho Mentalidade Industrial, responder àqueles que têm os empresários industriais portugueses, pelo menos na sua maioria, senhores de uma nova mentalidade - essa mesma "mentalidade industrial". Vejamos, então, o que nos vai dizendo o Sr. Eng.º Mercier Marques:

As causas remotas da nossa falta de mentalidade industrial e as da nossa lenta e precária industrialização confundem-se e têm provavelmente as suas raízes na própria história do País.

Asseverando que só recentemente se criara ambiente para iniciativas industriais de apreço, favorecido pela nossa não interveição na II Grande Guerra, o Sr. Eng.º Mercier Marques diz:

Na realidade, nada na história do povo português contribuiu para lhe criar uma mentalidade industrial.

O nosso passado é, indiscutivelmente, uma pesada herança. Os extraordinários feitos dos Portugueses, recompensados pela conquista de riquezas prodigiosas, perdidas a seguir, criaram-lhes uma mentalidade sui generis tão profundamente vincada que não foi possível até hoje sobrepor-lhe qualquer outra mais construtiva em relação aos tempos modernos, em que forçosamente têm de integrar-se.

E, afirmando que a nossa falta de mentalidade industrial não se verifica em um ou outro sector, mas que é, sim, quase geral, o ilustre bastonário da Ordem dos Engenheiros não hesita em dizer:

Finalmente, o próprio Estado tem também de criar a sua mentalidade industrial.

Sr. Presidente: Estive a citar o depoimento do Sr. Eng.º Mercier Marques com todo o interesse - porque ele não parece que concorde exactamente com a quase euforia que se apossou de muitos que sem fundamento nenhum julgam (ou dizem julgar ...) que essa "mentalidade industrial" já se instalou entre nós - erro tremendo que aos prevenidos cabe ir desfazendo convenientemente, ao mesmo "tempo lhes competindo contribuir para o aperfeiçoamento de instituições como o condicionamento industrial, que, tendo embora defeitos, tem também vantagens fartas, ponto sendo que se eliminem os defeitos e se reforcem as causas das vantagens.

Se voltarmos numa última vez ao Sr. Dr. Fernando Cruz, veremos que este jurista e economista disse, ainda na sua Pòliima Industrial:

[...] sabe-se que existe sempre um nível mínimo de produção conducente aos melhores custos.

E a sua ideia era que esse mínimo andava e anda ligado às questões do dimensionamento producional dos estabelecimentos, isso que, no preâmbulo do Decreto n.º 46 666, parece não merecer que o Estado continue a encarar convenientemente, nestas actuais delicadíssimas circunstâncias, como sendo uma tarefa em que tem de se envolver, deixando pura e simplesmente tal tarefa para os próprios empresários industriais ou candidatos a essa condição.

E cabe então aqui socorrer-me de um outro especialista de alto coturno - o Sr. Dr. João Cruzeiro, através de um seu estudo apresentado ao Colóquio sobre a Posição de Portugal perante a Cooperação das Economias Europeias, realizado em 1960, estudo a que deu o título de A Dimensão dos Estabelecimentos Industriais em Portugal e Nalguns Países Estrangeiros. É o que farei dentro de pouco.

Sr. Presidente: Isto de se calcular a dimensão que um empreendimento industrial haverá de ter - coisa é ela de uma dificuldade enorme! - e, por isso mesmo, não podendo ser deixada ao acaso de quem pense no empreendimento - senão que tem, na emergência que atravessamos, de ser supervisionada pelo Estado!

Porque bem sabemos que um desperdício de capitais ou o aniquilamento de outros já investidos - uma e outra coisas não se compadecem com uma mudança radical de formas de intervenção ou não intervenção do Estado -, demais a mais sabendo-se que o Estado tem mais facilidade pelos seus serviços especializados - falo apenas, para não me alongar, na Direcção-Geral dos Serviços Industriais e no Instituto Nacional de Investigação Industrial - em saber algo mais sobre as dimensões adequadas do que as gentes do lado privado.

E, mesmo assim, as dificuldades são enormes! Até porque não são só enormes quando se considera a dimensão à escala de mercados integrados a que tenhamos aderido - um G. A. T. T., uma E. F. T. A., amanhã uma C. E. E. -, elas, tais dificuldades, são já enormes mesmo quando se considerar apenas o mercado nacional!

Acho então oportuno trazer para aqui o depoimento do Sr. Dr. João Cruzeiro pelo seu trabalho a que me referi há pouco - um trabalho que fez com a qualidade de assistente do Instituto Nacional de Investigação Industrial.

Pois o Sr. Dr. João Cruzeiro, logo na nota introdutória, vai dizendo:

Por outro lado, a participação do nosso país num movimento livre-cambista veio dar maior urgência à necessidade de reorganização da nossa indústria, a qual há-de normalmente assentar no esclarecimento de diferentes problemas, entre os quais o do dimensionamento das unidades de produção. Por esta razão e também porque praticamente não existem em Portugal publicados nenhuns elementos de informação internacional sobre a dimensão, julgámos útil apresentar os dados estatísticos imediatamente disponíveis sobre este problema, acompanhados de um breve comentário, que, pelas razões que a seguir se indicam, deverá ser entendido como uma simples hipótese de interpretação dos mesmos.

Os dados que o Sr. Dr. João Cruzeiro apresenta e com os quais deseja dar uma ideia do dimensionamento a que obedecem os estabelecimentos industriais que aponta (e que divide por várias actividades: têxtil de lanifícios, têxtil do algodão, curtumes, artigos de borracha e amiante, adubos, tintas e lacas, vidro e cabos eléctricos), esses dados são os advindos da mera consideração de número de estabelecimentos; e pessoal empregado nas suas quantidades por vários países: o nosso, alguns outros da

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E. F. T. A., alguns do Mercado Comum (C. E. E.) e, praticamente em todos os casos, os Estados Unidos da América. Mas o próprio autor vai afirmando, muito de acordo com a boa ética da observação, que não é suficiente considerar-se apenas o número de estabelecimentos e a quantidade de pessoas empregadas neles, porquanto "... a uma estrutura aparentemente semelhante em função do pessoal ocupado podem corresponder tecnologias diversas e, portanto, diferentes capacidades efectivas de produção".

E acontece que um qualificadíssimo especialista, como é o Sr. Dr. João Cruzeiro, teve de socorrer-se, para o seu trabalho, de estatísticas para os vários países em confronto nos quadros que apresentou, que algumas são de 1947 e outras de 1948, 1949, 1951, 1953, 1954 e 1955! Ora, se um especialista desta craveira, integrado no Instituto Nacional de Investigação Industrial, não conseguiu estatísticas mais actualizadas para o seu trabalho - de Julho de 1960-, que se poderá dizer dos empresários industriais ou candidatos a tal condição quando por si ou mesmo por serviços que tenham em funcionamento queiram estudar dimensionamentos a âmbito internacional e mesmo a âmbito meramente nacional?

E até a dificuldade aumentará se considerarmos que qualquer industrial que tenha no pensamento dimensionar-se a este ou àquele âmbito não estará precavido contra a ilusão de óptica psicológica que o poderá levar para dimensionamento a âmbito, digamos, da média do mundo ocidental, e ficar desarmado imediatamente perante a indústria congénere que se tenha dimensionado a meros âmbitos da E. F. T. A. ou da C. E. E. ou dos Estados Unidos - conhecidos nas suas médias (no pressuposto de que seria possível obteivse essa média dimensional).

E permito-me dar em quadros, que peço - devido ao seu poder elucidativo, ainda que em campo de exemplificação teórica - fiquem anexados a estas minhas palavras no respectivo Diário das Sessões, exemplos dessa eventual ilusão de óptica psicológica, que quem dela for vítima não gostará de contar a história a ninguém, se é que mesmo virá a fcer tempo de tal se aperceber! - quadros que me foram amavelmente fornecidos por um outro grande especialista nestes assuntos, o Sr. Prof. Guilherme Rosa - personalidade a quem a imprensa diária o outra, além de revistas qualificadas, têm prestado homenagem de relevo -, e que os construiu para uma das muitas monografias de índole económica e financeira que tom publicado.

Sr. Presidente, prezados Colegas: Assim sendo, não parece justo, nem certo, que o Estado se alheie, nesta emergência gravíssima, da responsabilidade que há já dezenas de anos assumia conjuntamente com os industriais ou candidatos a essa condição, submetendo os pedidos de instalação ou de ampliação de indústrias a estudo próprio - dele, Estado - e à própria discussão com a indústria já instalada quanto à bondade desses pedidos.

Ainda, se as coisas andassem repousadas para todos os industriais jáinstalados, lá se poderia compreender que nas esferas governativas se pensasse na mudança do status quo, mas, mesmo assim, com paulatinas medidas!

Porém, as coisas estão longe de se mostrarem repousadas para os industriais - melhor dizendo: para o todo da vida nacional -, se é que temos consciência de tantos e tantos motivos para circunspecção:

Ele é a guerra de defesa territorial em que fomos lançados pela maldade e incompreensão internacionais, até porque na incompreensão se instalam países que se diziam ou se dizem amigos e que estão integrados na defesa de ideais contrários aos que nos querem obrigar a deixar entrar nesses territórios que defendemos e defenderemos.

Ele é toda a fenomenologia da integração económica europeia e a mais largo âmbito (como o G. A. T. T.), com todo o arsenal dos países mais industrializados do Mundo a ficar apontado para nós - nós que andámos extrapolados das grandes realidades surtas da própria Revolução Industrial dos fins do século XVIII, alvores do XIX, e que só acordámos para tais realidades quando os outros já se poderiam dar ao luxo da tranquilidade do espírito na ocupação de mercados, mercê de dimensionamentos que foram criteriosamente tomando com o concurso do tempo, mas que continuam ainda atentos aos lugares que ocupam, coisa que bem lhes suscita o velho dito "j'y suis et j'y reste", que, nem por haver sido tonitruado por um militar, o general Mac-Mahon, no Forte Malakoff, durante a guerra da Crimeia, deixa de ser lapidar na boca de qualquer industrial que tenha feito a ocupação de um mercado!

Ele é toda uma fenomenologia decorrente da intetegração económica do espaço português - no que de obstáculos não deixam de surgir à indústria metropolitana, que, seja lá pelo que for, estava e está impreparada para tal circunstância -, de mais a mais envolvendo toda uma temática e toda uma problemática que o condicionamento ora estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 46 666 impõe.

Ele é todo o conjunto de implicações de uma reforma tributária que caiu ex abrupto sobre a vida económica do País - principalmente na sua indústria, onde, digam o que disserem, os aumentos da tributação constituem aumentos dos custos de produção, a tornarem consideràvelmente menos firme a armadura do produto a escoar pelas fábricas nacionais nos movimentos concorrenciais que formam, cá e lá fora, os produtos similares estrangeiros, não importando qual o nível de tributação a que estão sujeitos esses produtos estrangeiros nos seus países de origem, na certeza, sim, de que são produtos que, não só já têm maior mercado interno próprio, mas também se assenhorearam há muito das melhores correntes comerciais pelo Mundo fora.

Ele é todo um conjunto de receios quanto ao que poderá surgir ainda - também ex abrupto - e o que poderá surgir ex abrupto nem sequer o sabemos, naturalmente, sem embargo de se poder dizer que pior do que estar-se em dificuldades é não se saber se as dificuldades já acabaram!

Sr. Presidente, prezados Colegas: Considero tão grave a ideia do abandono ou quase abandono do condicionamento industrial entre nós que preferi não me limitar a trazer para a tribuna da Representação Nacional só a minha opinião, simplesmente expressa como tal, mas sim, como o fui dizendo, dar a minha concordância a opiniões alheias já consagradas e respeitáveis - porque de personalidades (propositadamente escolhidas entre as portuguesas) profundamente conhecedoras dos nossos meios industriais -, e por isso as fui buscar para esta minha intervenção, intervenção que quase se poderia dela dizer que é fundamentalmente uma intervenção de boas opiniões justificadamente alarmadas, uma vez que, numa situação criada, como a actual, não é de aceitar-se que o Estado se exonere do jeito de acompanhar o processo de evolução da nossa indústria, mas com o condicionamento industrial nas mãos o com todos os seus departamentos

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especializados em boa função, pois, como o disse, isso será uma como que infra-estrutura posta a favor dos empresários industriais privados.

Aliás, deve o Estado mostrar-se atento quanto a qualquer abuso, donde quer que possa surgir, mas até isso pressupõe uma intervenção, que não um abandono - um abandono espectacular -, como o pedem aqueles que suponho não estarem ao par do verdadeiro interesse de uma indústria que, acima de tudo, precisa do amparo moral e efectivo do Estado!

Sr. Presidente, prezados Colegas: Sou industrial e sei bem o que é isso de se conduzir uma grande indústria no encapelado mar que já a rodeia, e encapelado, às vezes, porque em pouco ou nada são escutadas quando se pretende modificar (ou se modifica) um status que que, devendo mudar-se, embora, estaria ou estará certo que o fosse ou seja por gradual aplicação de medidas mutativas - que não por "saltos mortais", como no dizer de pessoa muito categorizada ao referir-me o que se julga ir passar-se com o condicionalismo industrial! -, mesmo porque natura non facit saltus, no incumprimento desta máxima não podendo deixar de considerar-se o quanto de traumatizante resultará para a indústria já instalada!

Tem defeitos o condicionamento industrial que se revoga, considerando os tempos que correm? Mas ninguém o negará! Só que não se pode sair de afogadilho de um para outro estádio sem profundos traumatismos, principalmente porque estão em jogo patrimónios enormes, patrimónios que foram confiadamente postos ao serviço da Nação!

Se há algo que modificar - e há -, que se considere francamente que "no meio é que está a virtude"!

E que se considere também que lá fora parece que as coisas correm em termos de mais "protecção" às indústrias internas, como se prova por um comunicado que as agências de informação divulgaram - por sinal pouco tempo depois da emissão do Decreto-Lei n.º 46 466 -, comunicado que teve o seguinte teor (arquivado pelo nosso Banco de Portugal numa publicação sua):

Ao discursar numa reunião da Associação Nacional dos Industriais, o presidente da General Electric exprimiu a sua inquietação relativamente ao que se chamou tendência a favor de uma reaparição do nacionalismo nos negócios económicos em numerosas partes do Mundo. Aquela individualidade insurgiu-se contra novas restrições impostas ao comércio internacional e aos investimentos. Este movimento, uma vez desencadeado, será difícil de se reprimir ecair-se-á então numa escalada de proteccionismo.

Ora, diante de um estado de espírito como o que ressalta do comunicado transcrito, de mais a mais referindo-se a um discurso de tão destacada personalidade no mundo dos negócios, não me parece muito de interesse, em matéria de cautelas, isso da eliminação total, ou mesmo em parte apreciável, do nosso condicionalismo industrial!

Aliás, devo dizer que a Corporação da Indústria tem entre mãos estudos em certa profundidade de problemas - e, naturalmente, de soluções adequadas- que se prendem com o binómio "regulamentos e condicionamento", certo estando eu de que o resultado desses estudos não contrariará o ponto de vista que me conduziu nesta minha intervenção.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Campos Neves: - Sr. Presidente: Ao usar pela primeira vez da palavra nesta Assembleia, desejo teste-munhar publicamente o meu maior respeito e a mais elevada consideração por V. Ex.ª, professor distintíssimo e eminente homem público, que com raro brilho, inexcedível zelo e invulgar inteligência sempre serviu a Pátria nos elevados cargos que foi chamado a desempenhar, desde Ministro a Presidente da mais alta assembleia política do País.

Pertenceu V. Ex.ª àquela geração académica de há meio século, que, com Salazar, Cerejeira, "Manuel Eo-drigues e outros, deixou marcada com traços indeléveis a sua passagem pela Universidade de Coimbra e que mais tarde tanto se viria a prestigiar, quer no exercício do magistério, quer na renovação da política do País ou da Igreja.

Para V. Ex.ª, Sr. Presidente, os meus mais respeitosos cumprimentos e a expressão da minha maior admiração e apreço.

Srs. Deputados: quero igualmente aproveitar esta ocasião, não só para saudar muito cordialmente VV. Ex.ªs, mas ainda para lhes oferecer toda a minha leal, embora modesta, colaboração e lhes desejar as maiores felicidades no desempenho do vosso mandato parlamentar.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi hoje a palavra para expor a VV. Ex.ªs um problema que foi já motivo de brilhantes intervenções na VIU Legislatura desta Assembleia por parte dos ilustres Deputados Drs. Santos Bessa e Nunes Barata, mas o qual, mesmo assim e apesar do interesse que a imprensa e as forças vivas locais lhe têm dedicado e das várias exposições enviadas superiormente, quer pelo Senado Universitário de Coimbra, quer pela Escola de Farmácia, o Governo não procurou ainda resolver. Trata-se da restauração da Faculdade de Farmácia de Coimbra.

Sr. Presidente: Orgulha-se a Universidade de Coimbra - a mais velha e tradicional- Universidade portuguesa - de nela se vir professando o ensino da Farmácia ininterruptamente desde o reinado de D. Sebastião.

Foi desta gloriosa Universidade - que V. Ex.ª tanto dignificou como mestre dos mais ilustres - que durante séculos saíram todos quantos no País se dedicaram à difícil e complexa tarefa da preparação dos medicamentos - os boticários letrados de então.

Só muito mais tarde foram instituídos cursos de Farmácia nas Universidades de Lisboa e Porto.

O verdadeiro ressurgimento da farmácia portuguesa foi iniciado, podemos dizê-lo, com a Keforma de 1902, que, unificando o ensino farmacêutico, lhe deu a categoria de superior e lhe atribuiu, pela primeira vez, verdadeiro prestígio científico. A esta tão celebrada reforma, a que para sempre ficou ligado o nome do conselheiro Ernesto Bodolfo Hintze Ribeiro, cuja memória perdurará eternamente no coração agradecido da classe farmacêutica, seguiu-se, em 1921, outra igualmente importante, pela qual as três escolas existentes foram elevadas à categoria de Faculdades.

Infelizmente, porém - "não há bem que sempre dure" -, as recém-nascidas Faculdades de Lisboa e de Coimbra não tiveram muito tempo para se congratularem com a sua criação. Com efeito, motivos meramente económicos levaram o Governo, em 1928, a extinguir as Faculdades de Direito de Lisboa e de Letras do Porto e, sem qualquer outra razão justificativa que não fosse a de uma contrapartida à extinção destas duas Faculdades, a extinguir também a Faculdade de Farmácia de Coimbra. Quatro anos depois, uma nova reforma do ensino farmacêutico reduz a Faculdade de Farmácia de Lisboa à categoria de escola e cria, agora, a Escola de Farmácia

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da Universidade de Coimbra, onde, apesar de tudo, o ensino, embora gracioso, não havia deixado de se processar.

Radicada no maior centro de influências, a capital - lá diz o velho brocardo: "perto dos olhos, perto do coração" -, a Faculdade de Direito de Lisboa não deixou, praticamente, de continuar o seu labor. Há poucos anos foi restabelecida a Faculdade de Letras do Porto e, provavelmente como compensação ipelos danos causados, aí foi criada também uma nova Faculdade, a de Economia. Porém, a Universidade de Coimbra, vítima menos culpada do Decreto n.º 15 365, de 12 de Abril de 1928, pois das três Faculdades então extintas a de Coimbra era, de longe, a que menos encargos trazia ao erário público, continua a aguardar que lhe seja feita a tão justa como necessária reparação.

Sr. Presidente: Desconhecemos quais possam ser as verdadeiras razões do Governo para manter a Escola de Coimbra no seu estado actual. Com efeito, esta atitude não pode encontrar justificação na sua frequência, já que um exame atento dos números nos revela que, não considerando os dois últimos anos da Faculdade de Farmácia do Porto, não professados na Escola de Coimbra, a frequência média daquela ao longo dos últimos oito anos apenas excedeu a desta em 36 alunos por ano lectivo. Ora, este valor não tem qualquer significado, uma vez que é perfeitamente admissível e lógico que a maioria dos pais prefiram inscrever os seus filhos, logo de início, na Faculdade, pois, deste modo, eles não sentirão os inconvenientes de uma mudança, a meio do curso, de Universidade, de ambiente, de professores, etc.

Não poderá também ser invocada a falta de .professores, pois o actual corpo docente da Escola, compreendendo quatro professores e quatro assistentes - três dos quais já doutorados -, é apenas inferior em três elementos ao corpo docente da Faculdade de Farmácia do Porto e, com um pouco de sacrifício e alguma boa vontade, poderiam dividir entre si o encargo da regência das restantes dez disciplinas da licenciatura. De resto, pequeno seria, de facto, o sacrifício, já que, dos três assistentes doutorados - primeiros-assistentes -, dois não estão encarregados de qualquer regência e o terceiro apenas tem a seu cargo a regência de uma disciplina semestral.

De igual forma me recuso a aceitar razões de ordem financeira. Pois não é verdade que data já dê 1902 a instituição de um selo "para as especialidades farmacêuticas, produtos de perfumaria e toucador, cujo produto deveria destinar-se exclusivamente a ser aplicado na valorização do ensino farmacêutico? Não é certo, também, que este selo tem rendido sempre verbas consideráveis, que só no ano de 1965 atingiram o valor aproximado de 38 000 contos?

Não tivessem estas importantíssimas verbas sido desviadas do verdadeiro fim para que foram criadas e a farmácia portuguesa conheceria hoje bem maior prosperidade, podendo tais fundos constituir valioso contributo, se não mesmo custear na sua totalidade as despesas com a restauração das duas Faculdades de Farmácia - a de Coimbra e a de Lisboa -, a construção das suas novas e tão necessárias instalações, o seu completo reapetre-chamento, o real fomento da sua investigação científica, etc.

E notem VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que a elevação da Escola de Coimbra à categoria de Faculdade apenas representaria um encargo anual da ordem dos 700 contos.

Não se pense, Sr. Presidente, que uma única Faculdade de Farmácia chegue para as crescentes necessidades do País.

Na única Faculdade existente em Portugal apenas se licenciaram nos últimos dois anos lectivos uma média de 49 indivíduos por ano.

A indústria farmacêutica sofreu nos últimos 25 anos um incremento notabilíssimo, que se pode avaliar pela comparação dos valores de medicamentos selados no País ao longo desse período: em 1940 selaram-se especialidades nacionais no valor de 56 000 contos, valor que em 1965 ascendeu, nas mesmas condições, a cerca de 900000 contos. Tal surto de desenvolvimento justifica plenamente que esta indústria encontre já hoje grandes dificuldades no recrutamento de licenciados em Farmácia, e muito particularmente do sexo masculino. Para ela, os farmacêuticos não licenciados cada vez interessam menos, devido à sua menor soma de conhecimentos.

Empenhada em tremenda luta competitiva com a indústria similar estrangeira, a indústria farmacêutica nacional procura, dia a dia, melhorar a qualidade dos seus produtos, racionalizar a sua produção, valorizar-se, enfim, cada vez mais, por forma a alcançar o desejado crédito que lhe permita a conquista, quer do nosso mercado, quer dos mercados estrangeiros. Só assim a classe médica portuguesa lhe poderá vir a dar relevante preferência em relação aos medicamentos especializados estrangeiros, cuja importação atingiu, em 1965, o valor aproximado de 846 000 contos: só assim a nossa reduzida exportação de medicamentos poderá vir a atingir valores mais consentâneos com os interesses económicos do País.

Entristece-nos verificar que o valor total da nossa exportação de especialidades farmacêuticas não ultrapassou, em 1964, os 124 000 contos, quando a de um bem mais pequeno país, a Dinamarca, atingiu, no mesmo ano, a importante cifra de 800 000 contos. Porém, na opinião dos responsáveis pela indústria farmacêutica italiana - uma das mais conceituadas no Mundo -, a indústria farmacêutica só alcançará pleno rendimento e a imprescindível valorização e prestígio quando dispuser de uma maior automatização e quando a percentagem de diplomados em Farmácia atingir 80 por cento do pessoal fabril, por forma a que, oportuna e eficientemente, se possam controlar, nos seus múltiplos aspectos, as diferentes fases da produção e a estabilidade dos medicamentos.

Entretanto, a panorâmica actual da nossa indústria pouco diferirá da de 1963, altura em que se verificava uma anedia inferior a quatro farmacêuticos licenciados por cada empresa de produtos farmacêuticos, de menos de um farmacêutico profissional por cada laboratório e de cerca de um licenciado por cada 24 operários. Acontecia até que vários laboratórios não dispunham nesse ano de mais de um farmacêutico licenciado.

Importante passo em frente na valorização desta indústria &erá dado quando ela puder dispor de um número de licenciados tal que, permitindo-lhe fomentar a investigação científica, no campo da síntese química, como no tecnológico, farmacológico e analítico, a leve a atingir o desejado desenvolvimento, projecção e crédito.

Tal é a importância da investigação no vasto campo da farmácia que os Estados Unidos da América nela consomem anualmente cerca de 6 por cento do valor das suas vendas de medicamentos.

Mas onde ir recrutar um tão elevado número de técnicos necessários? O número de diplomados pelas nossas três Universidades está longe de satisfazer as múltiplas solicitações: a sua maior parte é absorvida pela "farmácia de oficina"; percentagem apreciável dedica a sua actividade às análises clínicas ou a indústrias e diversas

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outras ocupações, que nada têm de comum com a indústria farmacêutica.

Quanto à primeira das actividades citadas - a "farmácia de oficina" -, admite-se que cerca de 60 por cento das farmácias existentes se encontram hoje em situação ilegal, por virtude de os seus directores técnicos lhes não prestarem a assistência que a lei determina. Quando uma reforma da inspecção do exercício farmacêutico proporcionar o tão desejado como imprescindível alargamento do quadro de inspectores, reduzido actualmente a um único elemento, findarão tais situações de ilegalidade e várias centenas de diplomados virão a ser necessários para ocupar as vagas resultantes.

De notar é ainda que, muito embora seja sobretudo grande a necessidade de licenciados, predominam dentro da classe farmacêutica os diplomados com o curso profissional de três anos, os quais, dotados de formação técnica suficiente para dirigir a "farmácia de oficina" no seu trabalho de rotina, isto é, na preparação das fórmulas magistrais ou na simples cedência dos medicamentos, não possuem, no entanto, os conhecimentos considerados indispensáveis ao desempenho integral da profissão farmacêutica, quer no campo da indústria, quer no das análises clínicas, bromatológicas e toxicológicas. Por isso mesmo, em nosso entender, não são os diplomados com o curso profissional os que oferecem maiores probabilidades de fixação nas zonas rurais, mas antes os licenciados, pois que, habilitados como estão a participar nos diversos ramos da actividade farmacêutica e parafarmacêutica, são os que aí dispõem de melhores condições de subsistência em nível económico condigno.

Na verdade, supomos que o sector das análises clínicas e bromatológicas virá num futuro próximo a atrair apre-ciável número de licenciados para os pequenos centros, onde, associando à preparação e venda dos medicamentos a execução de alguns tipos das referidas análises, darão, assim, valiosíssimo contributo para uma mais perfeita cobertura sanitária do País, obra do maior alcance social, em que tão empenhado se encontra o nosso Ministério da Saúde.

O Sr. Nunes de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça obséquio.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Tenho estado a seguir com a maior atenção as palavras de V. Ex.ª, e na sequência dessas considerações quero dar um breve apontamento. Não posso dizer em concreto neste momento qual o número de licenciados que se fixaram nos meios rurais, mas, pelo que sei, posso afirmar que o número de licenciados que hoje se fixam nesses meios é bastante superior ao número daqueles que possuem o curso profissional. E isto é muito importante para o princípio que V. Ex.ª está a defender ...

O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª, que considero da maior pertinência e um notável complemento à minha exposição.

Se é certo que vários dos nossos licenciados procuram já hoje semelhantes centros para a realização de uma tal dupla tarefa, a verdade é que estamos muito longe de atingir, neste campo, o grau de desenvolvimento alcançado por outros países, como, por exemplo, a França, onde um despacho de 3 de Junho de 1947, encorajando o farmacêutico na realização de vários tipos de análises na sua farmácia, resolveu, em grande medida, o problema das análises clínicas nos meios rurais.

Do que fica exposto-se pode concluir que estamos bem longe de dispor do número de diplomados de que necessitamos e que é especialmente acentuada a carência de licenciados.

A conversão da duas escolas actuais em Faculdades permitiria a continuação do.s seus estudos, até à licenciatura, a grande numero dos que nela terminaram, ou venham a terminar, o curso profissional, e a quem a falta de recursos não permita a deslocação para o Porto, por um período nunca inferior a dois anos.

Quando em 1963 correu com insistência, no Centro do País, que a Faculdade de Farmácia de Coimbra iria ser, dentro em breve, uma realidade, muitas dezenas de farmacêuticos profissionais se dirigiram à Escola procurando a confirmação da notícia, pois, a ser verdade, o facto representaria para eles a única possibilidade de, embora tardiamente, conseguirem a licenciatura.

A restauração das Faculdades de Coimbra e Lisboa, elevando para três o número de Faculdades de Farmácia, viria diminuir o manifesto desequilíbrio que se verifica existir entre Portugal e alguns dos mais progressivos países estrangeiros, no que respeita à relação entre o número de tais Faculdades e a sua população. Com efeito, enquanto entre nós passaria a existir uma Faculdade para cada 3 milhões de habitantes, aproximadamente, esta relação, noutros países, que mencionamos a título de exemplo, é a seguinte: Brasil, uma para 2 727 000; Bélgica, uma para 2 250 000; Itália, uma para 2.180 000; Suíça, uma para 2 800 000.

Meus Senhores: São do relatório do Prof. Doutor Andrade de Gouveia, magnífico reitor da Universidade de Coimbra, lido na abertura solene das aulas, em 20 de Outubro de 1965, as palavras que se seguem:

Impõe-se a restauração da Faculdade de Farmácia, pois, na sua categoria actual de escola, unicamente com a possibilidade de conceder diplomas do curso profissional, verificam-se perniciosas consequências na sua frequência, limita o rendimento da instituição, atrofia a necessária expansão dos estudos farmacêuticos no País e mantém o seu corpo docente - aliás distintíssimo - numa posição de manifesta injustiça.

Sr. Presidente: Acreditando fervorosamente na justiça dos nossos governantes, fazemos ardentes votos por que, uo vasto programa de realizações a efectuar nas comemorações do 40.º aniversário da Revolução Nacional, que se avizinham, seja incluído o restabelecimento da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra.

Yozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público relativas a 1964.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel João Correia.

O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: Um capítulo das contas públicas que me despertou a atenção foi o dos impostos que possam reflectir o desenvolvimento económico da província e a solidez dos resultados obtidos pelas empresas.

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São animadores, por um lado, os números que se nos deparam, mas é francamente desanimadora a imagem da receita proveniente do imposto de rendimento.

Vê-se que aumentou consideràvelmente a cobrança dos direitos de importação, dos direitos de exportação, de outros impostos indirectos e de alguns dos impostos directos gerais, mas registou quebra, a partir de 1968, o imposto de rendimento, depois de um aumento espectacular de 118 000 contos em 1962.

Com efeito, a cobrança do imposto de rendimento elevou-se em 1963 a 277 000 contos (menos 6900 contos do que no ano anterior) e foi de 263 000 contos em 1964, ou seja menos 14 100 contos do que no ano transacto.

Não estão publicadas as contas do exercício de 1965, mas vê-se na previsão do orçamento que se esperava uma quebra na receita proveniente deste imposto, como igualmente se espera outra, de 13 200 contos, na sua arrecadação durante o ano em curso.

É clara, portanto, a situação: diminuição contínua, a partir de 1963, das receitas provenientes do imposto de rendimento.

Isto revela um sintoma muito grave, pois reflecte um enfraquecimento nos resultados que estão a ser obtidos pela actividade privada da província, que é afinal quem contribui, através dos impostos que paga, para as receitas do erário público.

Vejo com preocupação a má situação a que se chegou, que é consequência, sem dúvida, da enorme invasão de encargos que, nos últimos anos, dcscuidadamente, se tem feito incidir sobre as actividades económicas.

Usando de uma expressão popular, diria que se tem esticado demasiadamente a corda e que ela começa a ceder. Há o perigo de que se parta, e então assistiremos" à derrocada das empresas e das próprias contas públicas, que não -registarão receitas para fazer face aos seus encargos, transformando os seus tradicionais saldos positivos em saldos negativos e criando uma situação que ninguém deseja e que todos devemos fazer por evitar.

O grande economista português Araújo Correia, cujas advertências nem sempre têm sido ouvidas (para mal de todos nós!, diz com muito acerto e oportunidade, a p. 290 dos seus Estudos de Economia Aplicada, que "é, no final de contas, na indústria e na agricultura que reside a base da receita do Estado" e que "os rendimentos colectáveis não podem desenvolver-se sem o alargamento dos rendimentos da propriedade agrícola ou industrial".

Não tem sido esta a política que se tem seguido em Moçambique.

Não se tem facilitado o desenvolvimento das actividades económicas. Tudo é complicado, tudo é difícil, tudo se envolve na teia emaranhada das formalidades e das dificuldades burocráticas, criando o desânimo, criando o desgosto, criando a desistência. Vive-se preo-cupadamente na expectativa do aparecimento de novas formalidades, de novas dificuldades, de novas exigências que surjam inesperadamente, como se se procurasse pôr à prova - dir-se-ia - a capacidade de resistência dos empresários, dos que arriscam o seu dinheiro ou até o dinheiro dos outros, dos que pretendem dar plena expansão à sua -iniciativa, dos que desejam contribuir para o desenvolvimento económico de "Moçambique.

Os serviços públicos envolvem-se numa orgânica cada vez mais complicada, que se reflecte perniciosamente na actividade privada e de que resultam aumentos consideráveis nas despesas públicas. Daí uma grande parte das dificuldades do orçamento.

Com a criação frequente de novos impostos e a promessa de outros, estabelece-se um estado de pânico e

de desgosto, de receio para a actividade privada de se lançar em novos empreendimentos, de fuga dos capitais, que sempre evitaram as aventuras da instabilidade.

Creio que tem havido pouco cuidado na consideração deste problema.

O primeiro passo a dar, se quisermos agir com bom senso, será proporcionar o robustecimento económico das empresas, pois elas é que pagam grande parte dos impostos que poderão contribuir poderosamente para o aumento das receitas públicas.

Mas dir-me-ão que a situação financeira da província não é brilhante e que o orçamento precisa de registar majores receitas.

As infra-estruturas que é preciso lançar para o desenvolvimento de "Moçambique não poderão ser custeadas pelo orçamento ordinário da província. De resto, esta tem sido a política que o Governo tem seguido através dos planos de fomento. Mas o que não- pode dispensar-se é que &e estudem convenientemente os planos de fomento de modo a que possam executar-se as obras; que os financiamentos sejam concretos e postos à disposição da província a tempo de evitarem a suspensão frequente dos trabalhos. Planos de fomento em que os fundos postos à disposição dos serviços, missões e brigadas apenas chegam para o pagamento dos vencimentos dos funcionários, nad-a restando ou pouco restando para a execução das obras, é pura perda de dinheiro, de tempo, de energias e de objectivos a alcançar. E isto, infelizmente, acontece.

Por outro lado, o orçamento ordinário da província vê-se cada vez mais sobrecarregado com o peso morto de enormes despe&as consequentes da sistemática criação de novos quadros ou do aumento dos quadros do funcionalismo público. É aqui neste aspecto que muita despesa pcderia reduzir-se ou eliminar-se completamente se se racionalizassem os processos de trabalho nos serviços públicos. Esta necessidade é reconhecida por alguns chefes dó& próprios serviços.

Ainda há pouco, num discurso que proferi no Conselho Legislativo de Moçambique, referi-me ao encargo que representa para o orçamento a complicada máquina administrativa do Estado, que ocupa muitas vezes funcionários em serviços que seriam dispensáveis e obriga ao desempenho de formalidades inúteis e desnecessárias. Tudo isto obriga a despesas- com vencimentos de funcionários, com material de expediente, com o tempo que faz perder à actividade privada, com o reflexo ruinoso que tem na vida da própria província. Defendi então o critério - e continuo a defender - de que é preciso reorganizar totalmente os serviços públicos, racionalizando os seus processos de trabalho, tornando-os mais económicos e eficientes.

E o próprio director dos Serviços de Fazenda que diz, no relatório que precede o orçamento geral para o ano 1 económico de 1964, ser urgente o estudo "da fusão de alguns serviços e da (racionalização dos processos de trabalho de todos, com vista, pelo -menos, não só à redis-tribuição de unidades, que faltarão nalguns sectores e sobrarão noutros, como também à simplificação e actualização de orgânicas por de mais incomunicáveis e, como tal, geradoras de inconvenientes sobreposições".

Parece-me que não é preciso dizer mais.

Ora, é precisamente no capítulo dos impostos, na forma da sua cobrança, que a Fazenda pode economizar funcionários, muitas horas de trabalho, e que pode também facilitar enormemente a vida do contribuinte.

Vejamos sucintamente alguns aspectos relacionados comos impostos de rendimento, de defesa e profissional.

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Não há nenhuma razão para que se mantenha o imposto profissional, cujo rendimento, segundo se afirma, não está em relação com a despesa do seu lançamento e cobrança, além de a injustiça da sua incidência recair sobre modestos vencimentos1 de pequenos empregados. E um imposto que acarreta ao contribuinte grandes perturbações com formalidades e que no que respeita à Fazenda ocasiona tamanha soma de despesas e trabalhos que se põe em dúvida se da sua cobrança resulta, de facto, saldo líquido compensador.

Vítor Gomes, vogal do Conselho Legislativo de Moçambique, disse, numa intervenção que fez acerca do imposto profissional, que estava certo "de que, se atribuíssemos um valor ao trabalho que os particulares e os funcioná-rios de Fazenda têm com este imposto, acharíamos uma cifra muito superior à que é cobrada".

Estou à vontade para defender a tese da revisão do imposto profissional, pois tenho a meu favor a opinião do prdprio director dos Serviços de Fazenda, Carlos Cordeiro, que, no relatório que precede o orçamento da província para o ano de 1963, diz precisamente o seguinte acerca daquele imposto:

Só por eufemismo fiscal se pode aceitar como rendimento a paga pelo aluguer da força de trabalho..

Justamente por isso se entende necessitar este imposto de muito especial revisão, certo que, se o seu complexo processo de exigibilidade acarreta grande soma de preocupações aos que tenham de satisfazê-lo, menos certo não é que faz pesar sobre os responsáveis pelo seu lançamento e cobrança cuidados e trabalhos que não estão de acordo com a sua produtividade.

Julga-se, por isso, que deverá abrir-se para este imposto, no futuro, a perspectiva da sua integração no imposto de rendimento, ou, talvez melhor, a da abolição deste com a correspondente sobrevalorização daquele.

Dá-se o mesmo caso com o imposto de defesa no que diz respeito às preocupações que ocasiona e às despesas que acarretam o seu lançamento e cobrança. E um imposto que não existe em qualquer outra parcela do território nacional.

Haveria, portanto, que fundir estes dois impostos - o de defesa e o profissional - no imposto de rendimento, que é afinal aquele que, se for fixado em bases justas e equitativas (pagar pouco ou nada quem pouco ganhe; pagar mais quem tiver maiores rendimentos), poderá ser um imposto ao qual o Estado vá buscar uma boa parte das receitas de que precisa para o equilíbrio do seu orçamento.

Não é necessário tomar grandes medidas, fazer grandes reformas tributárias, até porque - tem sido sempre assim - tudo quanto venha de novo, em vez de simplificar, virá complicar mais a vida do contribuinte e exigir o aumento dos quadros do funcionalismo público, o que representa despesa para o Estado.

Penso que até poderíamos ir um pouco mais longe: integrar no imposto de rendimento o selo de defesa nacional. É difícil, é trabalhosa, é dispendiosa, a forma de pagamento deste imposto. E o pior é a fuga ao seu pagamento que o actual sistema proporciona.

Em suma, preconizo que se faça uma revisão dos impostos que citei, de modo a que o Estado, não vendo diminuídas as receitas deles provenientes, facilite enormemente ao contribuinte a modalidade do seu pagamento, que deverá ser fixada em bases de maior justiça fiscal.

Sr. Presidente: Vou terminar estas considerações.

Vê-se que o imposto de rendimento diminui de ano para ano, como sintoma - bem triste sintoma - de que a actividade privada, através das suas empresas, regista cada vez lucros menores, não obstante a província estar a desenvolver-se.

E um mau sintoma, que dará como resultado a perda da iniciativa, o desencorajamento dos investimentos e a estagnação do crescimento económico. E que "o lucro - escreve Eaymond Barre no seu Manual de Economia Política - preenche indispensável função no crescimento da economia".

Os serviços públicos, quando propõem a publicação de mais regulamentos ou a determinação de mais medidas restritivas e impeditivas que asfixiam as empresas, não se apercebem talvez de que, com o seu zelo burocrático, estão a provocar o esmagamento económico da província, a derrocada das suas empresas, o desânimo, o desgosto, o desinteresse dos empresários.

Pode falar quem, está do lado de fora doa serviços públicos, quem trabalha nas actividades económicas, quem se esforça nas empresas para que a província tenha comércio, indústria, agricultura e pecuária, quem proporciona trabalho a muitos braços e pão a muitas famílias, quem paga ao Estado os impostos que hão-de equilibrar o orçamento.

Tem havido uma certa irreflexão e uma certa imprevidência, e os resultados começam a ver-se.

Posso dizer que há muito desânimo entre aqueles que em Moçambique labutam na actividade privada, pois nunca sabem, quando podem surgir novos impostos ou novas dificuldades a embargai- o passo dos seus empreendimentos.

Esteve na forja recentemente um novo regulamento da contribuição industrial para Moçambique, que viria dar uma machadada mortal nas actividades económicas.

São fáceis de prever os resultados que adviriam se tal regulamento chegasse a ser promulgado: a interrupção de actividades, dando lugar ao desemprego; o desaparecimento de novas iniciativas; a retracção dos investimentos; a fuga dos capitais que porventura estivessem destinados a Moçambique.

Com efeito, seriam muito graves as repercussões de um novo imposto que, com a sua sobreposição a dois outros impostos já existentes - o de rendimento e o de defesa -, viria elevar a carga fiscal, no seu escalão mais alto, para 50 por cento do rendimento real, enquanto na metrópole essa percentagem não vai além de 23 por cento., nos casos de mais pesada tributação.

É preciso, ao legislar-se em matéria de impostos, não esquecer as implicações que os mesmos possam ter na conjuntura económica.

Numa província como Moçambique, onde a questão do povoamento representa um dos seus problemas mais agudos, não vejo que se possam desenvolver actividades económicas para a fixação de novas populações com um regime tributário que desencoraja o investimento.

O Sr. Gonçalo Mesquitela: - Muito bem!

O Orador: - Não me compete apresentar um plano de revisão do sistema tributário da província, mas o Governo é que não pode coiitinuar a preterir o estudo do assunto em toda a sua profundidade; deve promulgar disposições que solucionem de uma vez para sempre, de modo a que

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não restem dúvidas ou hesitações, uma situação que gera intranquilidade e que não pode manter-se por mais tempo.

O Sr. Moreira Longo: -Muito bem!

O Orador: - Criem-se impostos - pais os impostos são indispensáveis à vida dos países -, mas impostos construtivos, impostos justos, impostos fáceis de pagar, impostos que não empobreçam os contribuintes ou destruam as empresas.

"O público admite e os industriais acreditam". diziam Jean Fourastié e André Laleuf num inquérito às técnicas de produção dos Estados Unidos, intitulado Revoluçã no Ocidente, "que o encargo de preparar o futuro pertence, essencialmente, à empresa. Os industriais (no caso de Moçambique diríamos os empresários, por nesta designação estarem incluídos os agentes impulsionadores de ou- trás actividades económicas) são, pois, considerados responsáveis, e sentem-se de facto responsáveis, pela prosperidade nacional, mas, em compensação, o Estado e a Nação dão-lhes carta branca para prepararem o futuro."

Quero apenas acrescentar que é tempo de o Estado acarinhar, apoiar, defender, impulsionar de modo definitivo os que com a sua iniciativa, com o seu trabalho, com o seu dinheiro, querem tornar o País mais rico, mais próspero, mais progressivo, mais respeitado, para bem de todos os que nele habitam II para prestígio do seu Governo.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi minto cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Vou encerrar, a sessão. Amanhã haverá sessão à hora regimental, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antonio Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mêsquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Ubach Chaves.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Sousa Eosal Júnior.
Tito Lívio Maria Feijóo.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
André Francisco Navarro.
António Calapez Gomes Garcia.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
Armando Acâcio de Sousa Magalhães.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
James Pinto Buli.
Joaquim de Jesus. Santos.
José Alberto de Carvalho.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José Soares da Fonseca.
Luciamo Machado Soares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Rogério Noel Feres Claro.
Sinclética Soares Santos Torres.

O REDACTOR - Luiz de Avilleg.

Quadros utilizados pelo Sr. Disputado Mário Galo no seu discurso:

QUADRO I "Objecto X"

Período considerado: 1 ano- Quantidades: expressas em unidades- Valores: expressos em moeda portuguesa Qualidade: aceite em todos os mercados - Mercado: assegurado

Pressupostos:

l - Todas as fábricas &e organizaram para o aproveitamento integral das suas capacidades c demais condições do custo de produção o comercialização;

2- Em virtude dis&o e por quaisquer outras circunstâncias, aceita-se que a cada descida de capacidade ijrual a 10000 unidades corresponda um aumento (proporcional) no custo de produção unitário igual a 200a:

3- O preço do venda unitário é uniforme - 30005-, prevalecendo-se as grandes fábricas da circunstância de as pequenas não poderem "viver" sem tal preço de venda (d).

(a) O que nos permite considerar, quando for promovido um abaixamento do preço do ronda, como ficará cada fábrica, económicamente falando, consoante os termos do sen próprio dimensionamento.

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624 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 35

QUADRO II

Conjunto de grupos de fábricas (E. F. T. A.)

[Ver tabela na imagem]

Quadro III

Conjunto da grupos de fábricas (C.E.E.)

[Ver tabela na imagem]

QUADRO IV

Conjunto de grupo de fábrica (E.F.T. e C.E.E.)

[Ver tabela na imagem]

QUADRO V

Conjunto de grupo de fábrica (Estados Unidos da América)

[Ver tabela na imagem]

QUADRO VI

Conjunto de grupos de fábricas (E.F.T.A.C.E.E. e Estados Unidos da America)

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18 DE MARÇO DE 1966 625

[Ver tabela na imagem]

QUADRO VII

Conjunto de grupos de fábricas (Resto do mundo ocidental)

[Ver tabela na imagem]

Conjunto de grupos de fábricas (Mundo ocidental)

[Ver tabela na imagem]

Conjunto de grupos de fábricas (Mundo ocidental)

[Ver tabela na imagem]

Conjunto de grupos de fábricas (Mundo ocidental)

[Ver tabela na imagem]

QUADRO IX

Conjunto regional de fábricas (Mundo ocidental)

Quadro especialmente construido para expressão de dimensõese médias

Página 626

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