Página 695
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
ANO DE 1966 24 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 39, EM 23 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Duarte do Amaral requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério da Saúde e Assistência.
O Sr. Deputado Vás Pires apresentou as bases de um aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
O Sr. Deputado Borges de Araújo referiu-se a algumas inexactidões contidas no Diário das Sessões n.º 19.
O Sr. Deputado Santos Bessa enalteceu a actividade desenvolvida pela Escola de Enfermagem de Artur Ravara.
O Sr. Deputado António Santos da Cunha fez considerações sobre promoção do nível cultural e equipamento industrial do Minho.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu focou alguns problemas da agricultura.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira pôs em destaque algumas questões de interesse para a provinda da Guiné a propósito da viagem efectuada àquela parcela do nosso território ultramarino por um grupo de representantes da Assembleia Nacional.
O Sr. Deputado Coelho Jordão tratou do problema do porto da Figueira da Foz.
O Sr. Deputado Armando Perdigão referiu-se às comemorações do 8.º centenário da reconquista cristã da cidade de Évora.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público relativas a 1964.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Gonçalves Rapazote e Pinto de Mesquita.
Durante a sessão foi recebido na Mesa um requerimento enviado pelo Sr. Deputado Lopes de Almeida solicitando exemplares dos volumes III e IV da publicação Dez Anos de Política Externa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Heis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Página 696
696 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Finto de Carvalho Freitas do Amaral
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Maria de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 105 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
De D. Maria do Rosário Cruz Farrajota de Melo e Sousa e do Sr. Dr. José Pardal de Melo e Sousa, em nome da família do falecido tenente aviador Joaquim António Braga Gonçalves, agradecendo a evocação daquele oficial feita pelo Sr. Deputado José Vicente Abreu no dia 17 último.
Telegramas
Diversos apoiando a intervenção do Sr. Deputado Horácio Silva sobre a irrigação do vale do Cavaco.
De Mário Fernandes agradecendo o discurso da Sr.ª Deputada D. Maria de Lurdes Albuquerque sobre a situação dos portugueses em Goa.
Do director da Escola de Farmácia de Coimbra aplaudindo a opinião emitida pelo Sr. Deputado Campos Neves no sentido de ser restaurada a Faculdade de Farmácia de Coimbra.
Do presidente da Comissão Concelhia da União Nacional da Covilhã considerando pertinente e sadio o discurso do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha proferido no passado dia 17 do corrente.
Diversos aplaudindo as considerações feitas pelo Sr. Deputado Brás Regueiro sobre problemas económicos do distrito de Viana do Castelo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Duarte do Amaral.
O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
Requeiro que, pelo Ministério da Saúde e Assistência, me sejam fornecidos os seguintes elementos relativos à hospitais:
a) Lista das prioridades de construção dos hospitais regionais;
b) Indicação completa do critério seguido na elaboração dessa lista.
Página 697
24 DE MARÇO DE 1966 697
O Sr. Vaz Pires: - Sr. Presidente: Ao usar da palavra, pela primeira vez, nesta Assembleia, cumpro o grato dever de saudar em V. Ex.ª, muito respeitosamente, o professor insigne, o estadista talentoso e o político clarividente, que tem posto o melhor do seu intenso labor e da sua invulgar inteligência ao serviço da Pátria.
Quero ao saudar, com o mais subido apreço, os Deputados da Nação, aqueles que legitimamente representam nesta Câmara a gente portuguesa espalhada pelas «sete partidas do Mundo», e aqui trazem, para os apresentar, debater e tentar resolver, os seus problemas mais instantes e os seus anseios mais justificados.
Saúdo, pois, a grande «família» da Assembleia Nacional, esta centena de bons portugueses, que, durante alguns meses de um período de quatro anos, abandona o seio das suas famílias e o exercício regular das suas profissões para aqui poderem defender os altos interesses das populações que representam e o bem-estar da Pátria.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Pedi a palavra para, ao abrigo do disposto no artigo 5.º do Regimento desta Assembleia, e satisfazendo o desejo de um grupo de Deputados, solicitar autorização para apresentar um aviso prévio sobre o ensino liceal a cargo do Estado.
Este tema geral, para que possa ser apresentado e debatido em toda a sua extensão, será dividido nos seguintes capítulos:
1.º O ensino liceal. - Sua importância para a vida do País;
2.º Os serviços centrais. - A Direcção-Geral do Ensino Liceal; a Inspecção do Ensino Liceal;
3.º Os liceus. - Os tipos de liceus; os quadros docentes dos liceus masculinos, dos liceus femininos e dos liceus mistos;
4.º O plano de estudos. - O curso liceal: anos, ciclos e alíneas; as disciplinas de cada ciclo e de cada alínea; a ligação com o ensino primário e com o ensino superior; os tempos lectivos de cada disciplina; a organização dos horários de serviço docente; as actividades circum-escolares; os programas liceais;
5.º Os professores. - A falta de professores; a carreira do professor liceal desde a entrada no estágio pedagógico até à última diuturnidade; os vencimentos do professor liceal; as obrigações do professor e os cargos especiais que pode desempenhar dentro do liceu; as gratificações;
6.º Os alunos. - Proveniência, interesses e aproveitamento dos alunos;
7.º Os edifícios liceais - As turmas e as salas de aula; as aulas especiais, os gabinetes e o material didáctico; os desdobramentos e as secções;
8.º A administração dos liceus. - Os conselhos administrativos e as secretarias dos liceus.
Na verdade, consideramos de todo o interesse e necessidade que estes problemas sejam aqui debatidos, pois, em nossa opinião, precisam de ser melhoradas as condições de trabalho da Direcção-Geral e da Inspecção do Ensino Liceal; não correspondem às necessidades os quadros docentes dos liceus masculinos, femininos e mistos; não está bem estruturado o plano de estudos nem bem doseados os programas das várias disciplinas; não está bem delineada a carreira de professor liceal nem a função docente está prestigiada com um vencimento que convide ao trabalho; não estão bem distribuídos os alunos pelos liceus e não há edifícios liceais suficientes para a população escolar existente; e não correspondem às necessidades presentes os quadros do pessoal das secretarias dos liceus.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O ensino liceal atravessa, na verdade, uma crise particularmente grave, a que é imprescindível opor urgentemente uma barreira. Esta crise constitui problema nacional da mais alta importância, que tem ser resolvido sem demora, se não quisermos ver comprometido o futuro bem-estar do País. já que dos alunos liceais hão-de sair os estudantes das Universidades e outras escolas superiores, e destes os responsáveis pela orientação de toda a vida da Nação.
Problema da mais flagrante acuidade, a crise do ensino liceal apresenta dois aspectos principais, que correspondem a duas grandes realidades, uma francamente agradável, outra particularmente desanimadora:
1.ª O número de alunos que frequentam os nossos liceus e, felizmente, cada vez maior. - O aumento anual de uns 8 por cento verificado ultimamente traduz-se num número aproximado de 4000 alunos, o que justificaria a criação de quatro novos liceus em cada ano;
2.ª O número de professores do ensino liceal é, lamentavelmente, cada vez menor. - Afasta-se cada vez mais da possibilidade de satisfazer as necessidades criadas pelo aumento progressivo da população escolar. Temos até a impressão - o que muito nos tem angustiado - de que este campa de actividade a que se chama «ensino liceal» é terra abandonada, e não podemos deixar de prever dias sombrios se não se proceder imediatamente a um movimento de reconquista do homem para o exercício desta importante função. Que a exercício desta actividade pública deixou de interessar a homens e mulheres pode provar-se em poucas palavras.
Ora vejamos:
Quando em 1938 fiz o meu exame de admissão ao estágio para professor do 3.º grupo, apresentaram-se, para preencher as 8 vagas desse grupo, nada menos de 37 candidatos, 21 em Lisboa e 16 em Coimbra. No ano lectivo de 1965-1966, para o preenchimento de um número de vagas que supomos ilimitado, apenas se apresentaram 3 candidatos ao exame de admissão ao estágio daquele mesmo grupo, por sinal 3 senhoras: 2 no Liceu Normal de Lisboa, 1 no Liceu Normal do Porto e nenhum no Liceu Normal de Coimbra. Das duas senhoras que se apresentaram em Lisboa, uma não chegou a prestar provas e a outra, desistiu do exame nas provas orais; a candidata que se apresentou no Porto - aliás uma senhora licenciada com 18 valores - fez o seu exame e é, em todo o País, a única estagiária resultante dos exames de admissão ao estágio do 3.º grupo realizados em 1965; quanto a homens... nem um único candidato em todo o País!
Quem é que há-de então preencher as 21 vagas de professor efectivo e as 14 de auxiliar anunciadas para o 3.º grupo em Novembro de 1965?
Mas mais: se se procedesse a uma actualização dos quadros do pessoal docente em correspondência com o aumento da população escolar, teríamos, grosso modo, de multiplicar o primeiro daqueles números pelo factor 3, o que daria um total de 63 vagas de professor efectivo só no 3.º grupo! Quem é que há-de vir a preencher tanto lugar se só temos uma única estagiária aprovada em 1965?
Página 698
698 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Urge, pois, reconquistar o homem e a mulher para o ensino liceal, prestigiar esta função pública e fomentar a formação de competentes professores de carreira, pois é preciso que também através do ensino liceal se promova o bem da juventude, se defenda o interesse das famílias e se trabalhe com entusiasmo para o bem da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Borges de Araújo: -Sr. Presidente: O Diário das Sessões n.º 19, de 4 de Fevereiro findo, que relata a discussão na especialidade do meu projecto de lei sobre a preferência dos cônjuges no provimento de lugares do ensino primário, contém inexactidões, na 1.ª col. da p. 316, que alteram completamente o sentido do aparte que dirigi às considerações do ilustre Deputado Fernando de Matos a propósito da extensão das preferências.
Só agora me apercebi das «gralhas», que são várias, atingindo as próprias palavras do Sr. Deputado Fernando de Matos, pois onde ele disse «preferências», escreveu-se «frequências». Como o Diário em referência foi aprovado sem reclamação minha, que deveria ter feito oportunamente, pedi a palavra a V. Ex.ª sómente para que fique consignada na acta, como esclarecimento que se impõe, a minha declaração de que a frase que proferi foi esta:
Não há alargamento em relação à Lei de 1931, porque esta concedia a preferência a todos os professores casados com funcionários públicos.
O Sr. Santos Bossa:-Sr. Presidente: Desde há muitos anos que venho acompanhando da melhor forma possível os anseios e o labor de muitas das nossas escolas de enfermagem por causa da confrangedora penúria numérica de enfermeiras e da necessidade indiscutível de melhorar o seu nível técnico e social. Estes aspectos dessa nobilísima profissão têm incidências da maior importância em vários sectores da saúde pública e bem merecem que os governantes constantemente se ocupem deles. E não será fora de propósito que nesta Assembleia se ventilem alguns dos seus aspectos com vista a solicitar para eles as atenções dos responsáveis pela orientação superior de que carecem.
Dentro destes princípios, entendi de meu dever deixar aqui uma palavra de reconhecimento ao labor fecundo que, desde há 80 anos, se vem realizando na Escola de Enfermagem de Artur Ravara. Passou em 26 de Janeiro último o 80.º aniversário da criação ali, no Hospital, de S. José, do primeiro curso de enfermeiros, destinado aos empregados de enfermaria e que se ficou devendo ao enfermeiro-mor dos Hospitais Dr. Tomás de Carvalho. Durante três anos se manteve esse curso, destinado a combater o empirismo e a dar consciência técnica àqueles dedicados servidores do nosso mais importante hospital. Não vingou o esforço, não só por causa da qualidade dos recrutados para a sua frequência - a maioria analfabetos -, mas também porque «o programa era impróprio», como dizia Artur Ravara, que foi seu professor efectivo, e porque «se quis filosofar em vez de fazer ensino de coisas necessárias e aproveitáveis», como muito sensatamente afirmava Miguel Bombarda.
Depois de um interregno de doze anos, em 12 de Setembro de 1901, foi criada a Escola Profissional de Enfermeiros para indivíduos de ambos os sexos. Os documentos que se referem à actividade desenvolvida até 1915 não lhe atribuem acção meritória e, por isso, foi remodelada, tendo sido criada a Escola Profissional de Enfermagem, que
em 1930 passou a Escola do Enfermagem de Artur Ravara. Podemos dizer que desde 1918 a despeito das dificuldades de instalação e de material, tem sido altamente salutar a actividade desta Escola, não só pelo número de diplomados, mas também pelos aperfeiçoamentos técnicos sucessivos por que passou e pelo espírito de escola que soube incutir aos seus diplomados. Aqui, como tantas vezes acontece, a obra não rale pela monumentalidade da construção nem pelo deslumbramento da fachada, mau pelo espírito que cria, pela ética que consegue incutir. O valor real desta Escola está afirmado pela maneira como se têm comportado os 5000 diplomados que, entre auxiliares de enfermagem, enfermeiros do curso geral e enfermeiros com o curso complementar, pôs ao serviço da nossa saúde pública.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Julgo, por isso, da maior justiça, neste momento em que surge uma nova fase do nosso ensino da enfermagem, prestar a minha sincera homenagem a quantos contribuíram para essa obra, ao mesmo tempo que exprimo o desejo de que sejam dadas a esta Escola, dentro dos Hospitais Civis de Lisboa, instalações condignas para continuar a sua nobilíssima missão. Os Hospitais Civis de Lisboa foram o germe do ensino da nossa enfermagem em Lisboa e a sua Escola tem pergaminhos que é indispensável respeitar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Ao falar daquela Escola, não posso deixar de recordar a dos Hospitais da Universidade de Coimbra, cujo curso de enfermeiros começou cinco anos antes, em 1881, a qual também teve o seu interregno e cuja oficialização teve lugar em 1919. A Escola de Angelo da Fonseca tem tido também labor de vulto e dedicações do maior apreço, entre as quais é justo destacar as do Dr. Costa Simões, do Dr. Inácio, do Prof. Bissaia Barreto e do patrono da instituição. São mais de 2000 os diplomados por ela, e, por isso, também ela merece ser respeitada e auxiliada.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não só a estas, mas a muitas outras escolas oficiais e particulares se deve um admirável labor tendente a reduzir a escassez numérica das nossas enfermeiras, mas também a promover o seu contínuo aperfeiçoamento técnico e a melhoria da sua situação social. Não nos esqueçamos de que foi a escola particular das Missionárias de Maria que criou, em primeiro lugar, o curso de especialização em enfermagem tropical e que foi outra do mesmo género - a de S. João de Deus - a que criou o primeiro curso de enfermagem psiquiátrica.
Várias têm sido as reformas que se ficaram devendo à Revolução Nacional e em que se empenharam os Subsecretários da Assistência e os Ministros da Saúde, sempre com a preocupação de atrair maior número de alunos, de melhorar o seu recrutamento e de lhes garantir melhor nível técnico. Assim, tem sucedido através de vários diplomas publicados em 1942, 1947 e 1952. O impulso dado à preparação técnica da enfermagem é um dos aspectos políticos de que se pode orgulhar a Revolução Nacional. A reforma de 1952 marcou um notável progresso no que toca à preparação profissional dos enfermeiros e foi pena que não pudesse ter a acompanhá-la um outro regime de condições de trabalho e a indispensável alteração dos respectivos vencimentos.
Página 699
24 DE MARÇO DE 1966 699
Desde 1947 que a equiparação dos vencimentos, à parte certos lugares de chefia e inspecção, está feita com manifesta injustiça com pessoal que não pode ter preparação do seu nível e, portanto, a mesma categoria.
Não há ninguém que não reconheça que a enfermeira de hoje tem um mais vasto e delicado campo de actuação e que tem de dominar, ao lado de muitos conhecimentos técnicos, muitos problemas psicológicos, de educação sanitária, de saúde pública, etc. A sua preparação tem de ser cada vez mais eminentemente polivalente.
É nesse sentido que se marcha.
O actual Ministro da Saúde e Assistência afirmou já o seu particular interesse por este tão importante sector da saúde pública, através dos seus discursos, do seu despacho de 16 de Julho de 1965 e do Decreto n.º 46 448, de 20 de Julho de 1965. As alterações que este decreto veio introduzir no Decreto-Lei n.º 38 884, de 28 de Agosto de 1952, revelam o propósito firme de melhorar o recrutamento dos alunos das escolas de enfermagem e de aperfeiçoar a sua preparação técnica. Por isso mesmo, aqui rendo a S. Ex.ª as minhas homenagens.
Seja-nos permitido, porém, chamar a atenção do ilustre Ministro para o monstruoso programa que foi elaborado por um grupo de 25 elementos, entre os quais se encontram nomes que merecem o nosso maior respeito e outros que ali vemos com certa surpresa. Ao compulsá-lo, tem-se a impressão de que:
Se fez tábua rasa dos mais elementares princípios pedagógicos;
Se esqueceram as nossas actuais condições;
Se ignora a preparação que trazem para os cursos de auxiliar de enfermagem e de enfermagem geral as respectivas alunas;
Se não atentou devidamente no que seja. fazer o ensino simultâneo no período preliminar de treze cadeiras em quinze semanas de aulas, estudando ao mesmo tempo a anatomia, a fisiologia, a bioquímica, a patologia geral e a farmacologia e a terapêutica, entre outras, sem o mínimo respeito pelas precedências que é indispensável observar;
Se não consideraram devidamente as graves consequências de acumular num curso de enfermagem geral a frequência de 41 disciplinas.
Ninguém de boa fé poderá responsabilizar o ilustre Ministro pela aprovação deste programa - a responsabilidade cabe a quem o elaborou.
O Sr. Salazar Leite: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faça obséquio.
O Sr. Salazar Leite: - Tenho estado a seguir com o maior interesse as considerações de V. Ex.ª, porque, formado em Medicina em Lisboa e tendo feito toda a minha vida de médico no Hospital de Santo António dos Capuchos, onde funciona a Escola de Enfermagem de Artur Ravara, não quero deixar de associar-me ao que V. Ex.ª disse sobre ela. Mas quando V. Ex.ª fez referência ao novo programa de enfermagem, chamando-lhe «monstruoso programa», no meu espírito surgiu bruscamente a ideia de que no nosso actual nível de vida, nas condições em que vivemos, embora com o reconhecimento de que se deve sempre procurar aumentar o nível técnico do pessoal de enfermagem, será contraproducente, até ao ponto em que deixa de atrair ao desempenho das funções de enfermeira indivíduos que, por não sentirem coragem para abarcar todas as disciplinas, deixaram de
seguir esse curso, privando-se assim os médicos do seu mais directo colaborador, do qual não pode prescindir. Todo o médico consciente tem de olhar para a competência do seu pessoal auxiliar, mas muitas vezes acontece que os indivíduos que procuram a escola de enfermagem não têm condições para abarcar um programa da ordem daquele que V. Ex.ª aponta.
Era só esta dúvida que eu queria pôr, secundando as palavras de V. Ex.ª
O Orador: - Estou inteiramente de acordo com V. Ex.ª e foi exactamente o receio que tenho de agravarmos ainda mais a situação deplorável do ponto de vista numérico da nossa enfermagem que aqui me trouxe hoje.
O Sr. António Santos da Cunha: - Também pedia licença para dizer alguma coisa sobre a matéria, visto que estou directamente ligado a ela. (Mas antes de o fazer queria ter uma palavra de homenagem para o grande esforço que neste momento se está a desenvolver no sector hospitalar. Não há dúvida nenhuma de que se está a trabalhar com entusiasmo, dedicação e até fora dos moldes usuais.
Mas a verdade é que não posso deixar de dar a minha solidariedade a V. Ex.ª nas afirmações que está a fazer. Clínicos ilustres responsáveis pela escola que está sob a minha autoridade dizem-me que é impossível nas circunstâncias actuais ministrar os programas que estão aprovados. Não tenha, pois, V. Ex.ª receio, tenha a certeza de que vai dar resultado contraproducente, porque já neste momento estão a baixar os números de candidatos a enfermeiros e todos nós sabemos o déficit que nessa matéria a Nação tem. Era o depoimento que eu queria trazer em consciência.
O Orador: - Muito obrigado pelo enriquecimento que V. Ex.ª veio dar a esta pálida intervenção que estou a fazer a respeito da enfermagem.
Vozes: - Não apoiado!
O Orador: - Não se me afigura sério nem útil que no curso de auxiliares de enfermagem - que são admitidos com a preparação do 2.º grau da instrução primária - se perca tempo a ensinar o que foi a alimentação na Antiguidade e o que será no futuro; a ensinar a influência da alimentação nas grandes massas humanas; a procurar que compreendam dietas hipossódicas, hipo e hiperlipídicas, hipo e hiperglucídicas, a falar-lhes da tríade ecológica da saúde, do valor da patologia como ciência médica, da relação da patologia com as ciências médicas de base e com a terapêutica, dos mecanismos mais correntes da fisiopatologia, do emprego das substâncias radioactivas, da curieterapia, da roentgenterapia, dos isótopos radioactivos, dos simpaticolíticos, dos simpaticomiméticos e dos antimiotóticos; que se pretenda ensinar-lhes doenças do sangue e do sistema rectículo-endotelial, doenças endócrinas e do metabolismo, as perturbações do metabolismo do colesterol e quejandas coisas que hão-de ser forçadas a decorar sem perceber, com manifesto prejuízo da sua preparação técnica fundamental.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pelo que se refere ao programa do curso geral de enfermagem, basta dizer-se que só para fazer a enumeração dos capítulos e dos assuntos que constituem o programa das suas 41 disciplinas foi preciso um volume de 185 páginas! (Risos).
Página 700
700 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Ali se fará o ensino da bioquímica, logo no período preliminar, a quem nunca estudou química; se obrigará ao estudo da constituição química do sangue, do líquido cefalorraquidiano, do suco entérico, do suco pancreático e outros; se imporá o conhecimento das enzimas, do equilíbrio ácido básico, das nucleoproteínas, dos nucleótidos, do metabolismo do iodo, do ferro, do cálcio, do fósforo, do sódio, do potássio e do cloro.
Também não deixarão os alunos de estudar a composição química das bactérias, a sua actividade metabólica ...
O Sr. Henrique Simões: - Isso não é metabólico, é diabólico.
O Orador: - ... e a sua estrutura antigénica.
Mas isto não basta: onde a coisa atinge o delírio é na história da enfermagem, pois é necessário em três horas conhecer a assistência aos doentes e seu tratamento:
1) Nos povos primitivos. - A medicina pré-histórica e a medicina das civilizações mediterrânicas de 2700 anos antes de Cristo a 200 depois de Cristo aproximadamente. Medicina! Atente-se bem! (Risos).
2) No Egipto. - Os médicos, Himhotop, . as especialidades, o combate à doença, o Papiro de Ebers (tão respeitada a cópia do livro ou do índice donde foi extraído que até nem falta o y ao Papiro nem o apóstrofe ao Ebers!).
3) Na Assíria.
4) Na Mesopotâmia.
5) Na Palestina.
6) Na Grécia. - 600 a 373 anos antes de Cristo (373! ... atente-se na precisão do termo do período). (Risos).
Divindades com poder de curar (Esculápio, «Panaceé», «Hygicia»).
Os santuários médicos, Asclépiades.
Hipócrates - 356 (?) anos antes de Cristo.
Escola Médica.
7) Em Roma. - 300 anos antes de Cristo e 200 depois de Cristo.
8) Primeiros séculos do Cristianismo.
Paula, Marcela Fabíola - 347 a 390 depois de Cristo.
A criação de Xenodochion - Nosocomium - S. Cosme e S. Damião.
Mais duas horas são consagradas à Idade Média (1096 a 1453).
Mais três horas para a Renascença (1500-1700) - Paracelso, «Vasale» (1514-1564), Ambroise Paré, Williams Harvey, Malpighi, Loewenheck (1632-1723).
S. João de Deus, D. Leonor, S. Vicente de Paulo - mais duas horas para o século XVIII e mais quatro horas para o século XIX. Para o século XX houve manifesta economia - basta uma hora para estudar a evolução da enfermagem do nosso tempo! (Risos).
E não é só o programa que está em causa - é também o sacrifício dos estágios pedagógicos que tanto agravou a já grave falta de pessoal dos vários serviços; é a redução substancial do contacto das alunas com os doentes e com a vida da enfermaria e é a própria redução da familiarização com as técnicas de enfermagem. O prejuízo que se fica devendo a esta orientação afecta-nos por vários processos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Julgo, Sr. Presidente, que esta amostra é significativa e bastante para nos dar uma ideia nítida do que é este programa.
O Sr. Elísio Pimenta: - V. Ex.ª poderá informar-me se esse programa foi aprovado superiormente?
O Orador: - Não sei se foi aprovado, mas poderei informar V. Ex.ª de que está em execução desde Outubro.
O Sr. Castro Fernandes: - Mas quem aprovou esse diploma?
O Orador: - Não poderei dar uma informação precisa a V. Ex.ª, mas sei que está em execução e que foi distribuído em Agosto pelas escolas oficiais para ser apreciado e nelas ser aplicado em Outubro. Não sei se também teria sido distribuído pelas escolas particulares. E fica-se com a impressão de que numa comissão em que há 25 indivíduos não pode haver reuniões de revisão que dêem resultado útil. Deduzo que cada um apresentou o programa que elaborou e alguém os reuniu em volume.
O Sr. Castro Fernandes: - A comissão era constituída só por médicos ou faziam parte dela outros técnicos?
O Orador: - Da comissão faziam parte poucos médicos, mas não sei se eram professores da Escola de Enfermagem. Quanto a técnicos de enfermagem e de outra natureza, a comissão teve muitos, mas não tenho aqui à mão a sua constituição para poder dar uma informação precisa.
O que é que se pretende com isto? Pretende-se agravar ainda mais o problema crucial da nossa enfermagem, aterrorizando as candidatas? Julga-se possível executar a sério tal programa com a preparação geral que trazem as alunas? A quem cabe a responsabilidade do elenco que organizou os programas?
Que finalidade se quer conseguir com tal sistema?
Meus Senhores: Volto a dizer como o fiz há dias: por multo que custe a certos sectores e a certas «técnicas», os médicos não podem ser excluídos da solução a dar aos problemas da saúde, e este da preparação da enfermagem é um dos mais delicados da saúde pública e onde a colaboração dos médicos é indispensável.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Conhecemos suficientemente os perigos de certos pretendidos rumos para dever fazer esta prevenção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho para mim que se teria feito melhor trabalho aproveitando o que de bom há na reforma de 1952, juntando-lhe, cautelosamente, os elementos de aperfeiçoamento que a experiência tivesse aconselhado. Mas, para tanto, era necessário ouvir os que vivem realmente esses problemas, com os pés assentes na terra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, como complemento, com as indispensáveis condições de atracção de candidatos aos nossos cursos de enfermagem geral e especializada. A situação actual reveste tal gravidade que, ainda não há muito, um ilustre director de serviço dos Hospitais Civis de Lisboa angustiosamente se me dirigia, expondo-me a situação em que, ai este respeito, se encontrava o seu serviço de lactentes, e que eu entendo não reproduzir aqui por diversas razões e ainda porque os responsáveis pela direcção dos Hospitais bem a conhecem, embora reconheçam,
Página 701
24 DE MARÇO DE 1966 701
para outros problemas secundários, prioridades que eu não compreendo.
Sr. Presidente: Como a circular de 19 de Julho de 1965, enviada às escolas de enfermagem pelo Sr. Director-Geral dos Hospitais, admite revisões do programa para vencer dificuldades ou esclarecer dúvidas, julgo de meu dever afirmar que essa revisão se deve fazer imediatamente.
Por isso mesmo, aqui deixo o meu apelo ao ilustre Ministro da Saúde e Assistência para que, no mais breve prazo possível, constitua uma comissão de professores e de monitores das escolas de enfermagem, oficiais e particulares, das que têm prática do ensino e que se não deslumbram com figurinos americanos ou de outra origem, para que se faça a indispensável revisão deste monumental programa e se evitem as graves consequências que da sua aplicação é justo prever.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: o nosso P.e António Vieira, aquele que nunca perdia a oportunidade de zurzir os príncipes quanto aos abusos do Poder perante facto lamentável da sua época, pronunciou a célebre frase: «Nem louvo nem condeno; admiro-me com as turbas.» Ora, foi esse o pensamento que me veio à memória perante facto insólito que se passou quanto às considerações que ontem aqui proferi.
Sr. Presidente: Vou hoje referir-me a um dos dois problemas que julgo mais importantes para prosperidade social da região que represento e mesmo de todo o Minho. São eles o da promoção do nível cultural da sua população e o do equipamento industrial requerido pelos tempos que correm para garantir o futuro humano das nossas terras. Deste último problema depende, a meu ver, da sua resolução, digo, depende o podermos impedir o êxodo migratório em massa no progresso indefinido do que se tem verificado nestes últimos anos. Quando todo o Norte do Douro for dotado das estruturas industriais que se organizam já em boa parte da activa zona de entre Ave e Cávado, teremos garantido a sobrevivência da nossa riqueza populacional e prestado ao País o contributo económico de que somos capazes. Todavia, não é a este problema que hoje quero directamente referir-me. Constitui antes objecto primordial desta minha intervenção o problema cultural.
Embora nem todos o vejam, o alcance deste supera, em muito, o do que anteriormente enunciei.
Com efeito, é impossível criar as estruturas económicas requeridas pelos tempos que correm sem preparar o homem como verdadeiro autor, realizador ou cooperador de todo o trabalho que a máquina e todo o equipamento dos meios de população podem realizar. Ora nisto reside um dos graves pecados sociais que se têm cometido. É um pecado que brada aos céus e nos está inferiorizando perante o mundo civilizado. O elemento humano, a sua formação adequada, criteriosa, selecta e ampla, desde o nível da mão-de-obra ao do técnico, do dirigente e do empresário, foi e continua a ser perigosamente descurado. O problema é, portanto, de cultura. E esta cultura não se cifra à que rudimentarmente nos pode ser dada ao nível das escolas primárias, que alfabetizam a população, nem mesmo das escolas secundárias, que a preparam mais directamente para a vida.
Não é possível, não é legítimo, sem uma violação dos direitos humanos mais essenciais, manter regiões já suficientemente desenvolvidas, para mais com disponibilidades concretas, reais e comprovadas, alheias a uma justa participação naqueles escalões de formação superior, capazes de habilitar o homem para as mais altas funções sociais. E não há quem se dê conta da disparidade com que os recursos educacionais, mercê das circunstâncias, se encontram distribuídos. Enquanto para os que moram nas cidades principais e nos centros em que se aglomeram as instituições de ensino a formação nos diversos graus é acessível, não o é, de forma alguma, para as classes mais pobres, distanciadas desses centros. Importa encontrar meios de garantir a todos a devida igualdade. Braga pode prestar neste sentido uma valiosa contribuição. Necessita-a. Postula-a. Pede-a insistentemente, como o fez ainda há pouco.
Mais ainda: Braga dispõe hoje de recursos fáceis de aproveitar e mesmo de entidades culturais, bem conhecidas no País e já hoje em funcionamento. Já o ouvi e estou de acordo: não proceder ao seu aproveitamento e esbanjar ou impedir as riquezas de que dispõe equivaleria a pretender que os mananciais do Cávado, que banha as suas regiões, continuassem na inércia, sem produzir a energia de que são capazes, enquanto nós teríamos de importá-la de outras regiões com enormes sacrifícios e perdas. Todos compreendem o absurdo e porque o compreendem o condenam.
A cidade de Braga não aspira só desde hoje a estudos de nível universitário. Todavia, hoje dispõe deles e diversas escolas e instituições ministram já ou estão aptas, outras delas, a ministrar em breve, a formação superior que se pretende.
Dispõe Braga de um dos melhores seminários teológicos portugueses. Estamos informados sobre as suas disponibilidades de pessoal, sobre os seus métodos, sobre as suas actividades. Todos sabem que o curso de Teologia, que no Seminário Conciliar apresenta uma frequência de mais de 100 alunos, superior, portanto, a qualquer outra do continente ou do ultramar, segundo as estatísticas, é realizado após oito anos de curso secundário, excedendo portanto, por preparação, nível, métodos, professores e toda a mais orgânica, o plano de formação secundária e média. Tem-se teimado em não prestar a devida atenção a esta realidade. Será dos poucos países onde tal sucede. É uma perda notável, em que parece não se reparar.
Todavia, temos mais, mesmo muito mais.
A Faculdade de Filosofia é uma realidade notável na cultura e no quadro das escolas superiores do País. Não haverá hoje muito quem o ignore. As suas obras estão à vista. Como presidente da Câmara de Braga, pude observá-lo, pude patrocinar, na medida das disponibilidades, o seu trabalho, contar com a sua cooperação constante para o bem comum. Recordo as intervenções que, a propósito desse trabalho, nesta Câmara tiveram colegas meus, alguns deles saudosos, já levados pela morte, outros vivos ainda. Foram os primeiros a fazer justiça e nem sempre eram do meu distrito ou província. No Diário das Sessões constam intervenções e referências de Urgel Horta, do Dr. Mendes Correia, do Dr. Cerqueira Gomes, do Deputado Cutileiro Ferreira e vários outros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu mesmo tive ocasião de me referir, por mais de uma vez, e não desistirei de o fazer as vezes que julgar necessárias, a esta instituição insigne, que ao País não custou até hoje verbas oficiais e levou o seu nome a muitos países estrangeiros, prestigiando Portugal.
Vozes: - Muito bem!
Página 702
702 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
O Orador: - Sr. Presidente: A imprensa diária tem dado frequentemente nestes últimos meses diversas notícias acerca das obras em curso para novas e condignas instalações da Faculdade de Filosofia de Braga. O assunto augura-se-me ter importância que ultrapassa os limites regionais, atingindo, sem exagero, um significado nacional; é por isso que se justifica a minha presente intervenção, no sentido de chamar a atenção do Governo, e direi mesmo do País, para este acontecimento de indiscutível relevância cultural.
Efectivamente, Sr. Presidente, o Instituto Superior de Filosofia de Braga, hoje Faculdade Pontifícia, conta já para cima de 30 anos, todos eles dedicados ao serviço da cultura portuguesa. Não quero abusar da atenção desta Assembleia apresentando o elenco, mais ou menos completo, desses serviços. De resto, eles são bem conhecidos. Ainda assim, seja-me lícito recordar pelo menos alguns factos mais salientes dessa admirável actividade, desenvolvida ao longo destes últimos 30 anos.
No ano escolar de 1944-1945 o corpo docente do então Instituto iniciou a publicação da Revista Portuguesa de Filosofia. No decorrer dos 21 anos que já conta de publicação, a mencionada revista foi-se impondo cada vez mais pelo valor e alto nível científico dos trabalhos nela apresentados. Eles honram indiscutivelmente a cultura superior da Nação. Para o demonstrar bastaria a rede de permutas que a revista mantém com outras congéneres, sobretudo estrangeiras, e que ascendem a mais de 300. É de notar que não poucas dessas permutas foram solicitadas à Faculdade de Braga, e não pedidas por ela, sendo ainda digno de registo que dois desses pedidos vieram um de Moscovo e outro de Pequim, este último relativo a três revistas diferentes.
Ao lado dela surgiu em 1949 a colecção «Filosofia», que já conta 21 tomos de dissertações ou ensaios filosóficos, estando mais dois actualmente no prelo. Alguns desses volumes encontraram notável aceitação, como se prova pelo facto de se encontrarem esgotados, ou já em segunda edição, ou ainda pela circunstância de terem sido galardoados com prémios literários.
Outro acontecimento que não posso silenciar é o I Congresso Nacional de Filosofia realizado em Braga no ano de 1955, sob o patrocínio da Câmara Municipal, mas promovido pela Faculdade de Filosofia. Além de numerosos professores portugueses das nossas Universidades e de outras personalidades eminentes no domínio da cultura, participaram nele também professores e filósofos espanhóis, franceses, italianos e alemães. O valor dos trabalhos então apresentados consta das actas pouco depois editadas, em grosso volume.
Ainda na mesma ordem de realizações deve também mencionar-se o I Colóquio sobre História da Filosofia em Portugal, levado a efeito em 1959 e promovido pelo Centro de Estudos Humanísticos do Porto, em associação com a Faculdade de Filosofia de Braga. Será ocasião de dizer que os pergaminhos de Braga, neste campo como noutros, não se traduzem por palavras, mas por factos concretos que a ninguém é lícito desconhecer ou diminuir.
Citei apenas alguns factos e todos de âmbito nacional; mas não se limita a este âmbito a actividade cultural da Faculdade bracarense. Já em 1951 ela iniciou o intercâmbio cultural com a Sociedade Científica de Goerres, participando desde então nas suas assembleias anuais na Alemanha. Este intercâmbio com o estrangeiro começara antes; mas foi sobretudo a partir de então que a presença da Faculdade de Filosofia de Braga em congressos internacionais, em colóquios ou outras assembleias do mesmo género, se manifestou com inalterável constância.
Seria interessante organizar um gráfico desses actos de presença, que se têm realizado desde a vizinha Espanha, a Itália e a França até à Alemanha, e desde a longínqua República Argentina e do Brasil irmão até ao México, onde há dois anos, no Congresso Internacional de Filosofia ali realizado, o único representante da cultura portuguesa foi o Magnífico Heitor da Faculdade de Braga, Prof. Doutor Bacelar de Oliveira.
A esta atitude corresponde naturalmente a de muitas personalidades estrangeiras e nacionais, de grande renome, que vão frequentemente proferir as suas conferências no salão da biblioteca da Faculdade.
Desejo referir-me a mais dois importantes aspectos do assunto de que estou a tratar. O primeiro é o seguinte: é quase incrível o ter sido possível levar a efeito trabalho cultural de tamanho vulto em condições materiais tão deficientes como aquelas em que a Faculdade trabalha. Bem certo é que as instituições valem muito mais pelas pessoas que as dirigem do que pelas instalações materiais em que funcionam. Ainda assim, o vulto que esse trabalho atingiu, e que vai constantemente aumentando em razão da perserverança de tão infatigável actividade, exige imperiosamente novas instalações. Para não falar dos locais destinados a lições e conferências, manifestamente deficientes, quero lembrar que a biblioteca já não comporta muitos dos milhares de volumes que actualmente a enriquecem. É indispensável, portanto, resolver quanto antes tão importante problema.
Mas há outro aspecto ainda que, como português, não posso passar em silêncio. Como disse, são frequentes os contactos da Faculdade de Braga com personalidades eminentes do estrangeiro, que ali vêm não raro pronunciar as suas conferências. E deveras indecoroso apresentar a esses estrangeiros as actuais instalações da Faculdade, que estão longe de ser condignas. Que dirão eles ao presenciarem que obra tão valiosa e por eles muito prezada não está funcionando nas instalações que lhe são devidas e necessárias? Este aspecto não interessa apenas, à cidade de Braga, mas a todo o País.
É por isso que não julgo descabido lançar daqui o meu apelo aos Poderes Públicos, e mesmo a todos os portugueses em condições de exercerem um eficaz mecenatismo, para que se não desinteressem das obras em curso, e que as auxiliem com a sua simpatia e, na medida do possível, com o seu auxílio material.
Quero ainda prestar daqui, publicamente, as minhas homenagens e com as minhas homenagens o meu vivo reconhecimento, que é o da cidade e da região, a todos aqueles que, directa ou indirectamente, têm contribuído para que a construção do novo edifício da Faculdade de Filosofia de Braga passe, como começou já a passar, do campo dos sonhos ao campo das mais firmes realidades.
São devidos louvores à comissão promotora, composta por individualidades bem conhecidas na vida nacional, muitas das quais estranhas à região, mas que bem compreendem assim o quanto os filósofos de Braga podem contribuir, e já têm contribuído, para o prestígio de Portugal nos meios científicos internacionais e para uma melhor mentalização da vida portuguesa. Essa mentalização de raiz profundamente cristã e nacional não pode ser descurada e muito menos impedida.
Louvores merecem também os Ministérios das Obras Públicas e do Ultramar, que já marcaram, por mais do que uma forma, a sua presença na iniciativa, que, no entanto, esperamos seja mais larga, como se impõe.
Vozes: - Muito bem!
Página 703
24 DE MARÇO DE 1966 703
O Orador: - É também devida uma palavra de viva simpatia e reconhecimento às Universidades portuguesas e aos seus eminentes mestres, que nunca, em qualquer circunstância, têm deixado de com o prestígio do seu nome, acarinhar a novel escola, herdeira de gloriosas tradições, que se vai cada vez mais avantajando para honra e glória da Igreja e de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Sobre a Faculdade de Filosofia de Braga nada mais quero dizer senão lembrar o que disse o venerando arcebispo primaz, Sr. D. Francisco Maria da Silva.
Trata-se de criar por este e por outros meios um suporte intelectual para a fé de um milhão de católicos, quantos são os habitantes desta arquidiocese.
Outros meios vão surgindo, como o deseja o ilustre prelado bracarense, de modo a elevar o nível educacional dessa viva realidade que é «um milhão de católicos». Não um milhão de católicos para efeitos de estatísticas, mas um milhão de católicos de fé e de obras, como, graças a Deus - muitas temos que dar -, é a gente do Minho, a gente daquela vetusta arquidiocese, igreja gloriosa, mãe de outras igrejas e primaz também, não só de nome mas de facto, como o afirma a sua pujança religiosa, que há que resguardar e defender das intempéries.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outros meios vão surgindo. Louvemos o Senhor e os que são instrumento dos seus desígnios.
Outra instituição a que quero referir-me é ao Instituto de Serviço Social de Braga. Está ele já projectado e aprovado oficialmente. Dispõe já de uma sede. Principiará a funcionar dentro em breve, estando em treino ou em estágio o respectivo pessoal docente específico. A este juntar-se-á aquele que em Braga ou nas Universidades trabalha já com os melhores louros de labor científico na educação superior. É este Instituto organizado e realizado pela corporação das Irmãs do Sagrado Coração de Maria, educadoras dignas dos maiores encómios, como há dias aqui referi, pela contribuição até hoje prestada à educação portuguesa.
O seu Instituto Social, anunciado, com sede preparada e equipada, é aguardado com o maior interesse. Será mais uma instituição superior, pois como «cursos superiores» são reconhecidos os seus congéneres.
Os actuais problemas rurais e, sobretudo, os dos meios industriais ou em vias de industrialização não se resolvem sem mentores, orientadores e assistentes, que sejam como que os executores de uma missão sacerdotal no domínio do trabalho junto das famílias e dos indivíduos. É notória a falta de pessoal que possa desempenhar-se cabalmente dessa tarefa que se impõe.
Resta-nos esperar do Instituto do Coração de Maria, tão intimamente ligado a Braga e à sua região, a maior urgência na solução dos problemas do Instituto Social já publicamente anunciado; e dos Poderes Públicos o requerido e valioso auxílio para tornar a criação desta escola rápida e eficaz.
Sr. Presidente: Também no campo do ensino musical algo dei novo se passa na minha terra, que um dia aqui referirei mais detalhadamente, mas não quero deixar de embora ao de leve, dizer alguma coisa sobre a já notável acção desenvolvida pelo Conservatório Regional de Música.
Mais uma vez seremos levados a encarecer a iniciativa particular no campo da educação e a afirmar que não é possível que o nosso problema educacional seja resolvido só no campo estatal. O valor do ensino particular é indiscutível e merece, como não nos cansaremos de repetir, ser incentivado.
A acção do Conservatório Regional de Música estende-se a todo o distrito e até a alguns concelhos estranhos ao mesmo, pois acorrem às suas aulas alunos de todos os pontos da região. É, na verdade, um «Conservatório de Música Regional».
No último ano lectivo a sua frequência foi já animadora, pois mais de duas centenas de alunos frequentaram os seus cursos de Música. A sua acção desdobrou-se ainda em outras actividades, como a iniciação musical, para o que muito contribuiu o jardim infantil, que o Conservatório sustenta, e ainda a classe de ginástica.
Não tem recebido qualquer subsídio do Estado, e, se não fossem os subsídios da Junta Distrital de Braga e da Câmara Municipal, não lhe seria possível realizar a obra que tem realizado.
Mas verdadeiramente de encarecer é o auxílio que lhe tem prestado a Fundação de Calouste Gulbenkian, sendo credores dos mais vivos agradecimentos quer o ilustre presidente da Fundação, Doutor José Azeredo Perdigão, quer a digníssima senhora que dirige a secção de Música da benemérita instituição, que por todo o País às mãos cheias vem incrementando iniciativas que estão decisivamente contribuindo para o engrandecimento do País. Espera-se que a Fundação, a que Braga deve já serviços inestimáveis, bastando citar a escola de enfermagem, que tem o nome do seu fundador, venha a prestar ao Conservatório «linda maiores serviços do que os que lhe tem prestado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A construção de um edifício que pudesse arrancar o Conservatório das precárias instalações em que se encontra seria verdadeiramente resolver o problema número um do mesmo, já que tudo merece quem abnegadamente o dirige e o seu sacrificado e competentíssimo corpo docente.
Podemos dizer que da acção do Conservatório tem resultado um recrudescimento da notável tradição musical de Braga, que os seus seminários nunca deixaram morrer. Merece, pois, esta instituição o carinho das entidades oficiais e a continuação do que lhe têm prestado as autarquias da região, pois sem o seu auxílio não poderá sobreviver. Do auxílio da Fundação Gulbenkian muito o Conservatório, que tanto lhe deve, tem a esperar, e espera, pois todos sabemos o quanto a Fundação Gulbenkian tem contribuído para a difusão da arte musical em todo o País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não podemos esquecer, por exemplo, os seus festivais musicais, que anualmente inundam de encanto as principais cidades portuguesas, e o auxílio que tem prestado às delegações do Círculo de Cultura Musical.
Sr. Presidente: Há que ter em conta esta realidade: mais de 8000 alunos de estabelecimentos de ensino secundário e superior se albergam nos muros da Bracara Augusta. Faculdade de Filosofia, seminários diocesanos e de ordens religiosas, escolas do magistério e de enfermagem, liceu, conservatório, numerosos colégios e escola técnica constituem um núcleo de peso na vida escolar do País.
Página 704
704 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
A maior parte desta população escolar recebe a luz do saber de estabelecimentos particulares, que vêm assim a contribuir para o enriquecimento da nossa pátria.
Braga é centro de uma região económica com predominância na vida nacional. Numerosos centros industriais a rodeiam e ela própria - a cidade - se vem afirmando como cidade industrial.
Braga reclama, pois, como uma das suas mais instantes necessidades, a criação do instituto industrial e de um instituto comercial.
O Dr. António Martins da Cruz, que plena e proficientemente ocupou uma cadeira desta sala na última legislatura, várias vezes - e não só ele como outros Srs. Deputados, no número dos quais me tenho de incluir - chamou a atenção do Governo para a necessidade de se criarem fora dos centros universitários institutos de Ensino médio, para que assim possam os mesmos ser frequentados pelos filhos das famílias menos favorecidas e ainda, e é necessário não descurar o problema e, pelo contrário, atacá-lo de frente, possibilitar a formação dos técnicos indispensáveis ao desenvolvimento económico da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não me demorarei a repetir os argumentos, as razões que pesam para que um instituto de ensino médio seja criado em Braga.
Na mão de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional foi depositada já larga e bem fundamentada exposição, que mereceu a promessa do necessário estudo.
Senhores do Governo, Srs. Ministro da Educação e Subsecretário da Administração Escolar: temos, na verdade, que encarar estes problemas a sério, problemas fundamentais para a nossa sobrevivência no mundo dos nossos dias.
Braga, distrito com uma população de perto de meio milhão de habitantes, tem de possuir um estabelecimento que possa dar complemento à educação que recebem os alunos das Escolas Técnicas de Barcelos, Guimarães, Fafe, Vila Nova de Famalicão e ainda da recentemente inaugurada escola de Ponte de Lima, e não só aos diplomados por estas escolas como também pelos dos liceus de toda a região, em que esperamos em breve incluir o de Barcelos, como foi pedido recentemente pelas forças vivas da bela princesa do Cávado.
Um grupo de pais de família e pessoas interessadas no desenvolvimento da região fez distribuir um memorial, de que queremos aqui citar alguns passos, por bem elaborados e elucidativos: seja como for, não há dúvida de que uma região que à sua volta reúne uma população de quase 500 000 habitantes, representativa de uma fracção superior a 1/20 da população total de Portugal continental, justifica perfeitamente o pedido que pretende fazer-se ao Governo da Nação.
A população escolar deste distrito dispõe dos seguintes estabelecimentos de ensino secundário: em Braga, liceus feminino e masculino, escolas técnicas, industrial e comercial, Escola do Magistério Primário. Outros liceus em Guimarães. Escolas técnicas com cursos industriais e comerciais em Barcelos, Fafe, Guimarães e Vila Nova de Famalicão.
Apesar destes estabelecimentos de ensino secundário, o certo é que a população escolar do mesmo distrito, especialmente aquela que não dispõe de condições de bem-estar familiares suficientes para suportar grandes despesas com os seus filhos - e são, às vezes, bastante numerosas tais famílias -, sente, a pequena distância dos seus primeiros passos do ensino liceal ou técnico, industrial ou comercial, uma forçada limitação no aproveitamento das suas faculdades intelectuais, pois não poderão jamais deslocar-se para Lisboa ou para o Porto para continuar nos institutos de ensino médio a carreira que desejariam seguir e da conclusão da qual, frise-se, resultaria para o País um valioso património educacional, com a formação de novos elementos juvenis aptos para ocupar tantas das tarefas modernamente exigidas pelo surto de desenvolvimento técnico-económico que esta empobrecida região necessita encontrar rapidamente para bem-estar dos seus filhos e maior riqueza do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parece assim que, quando em todo o Mundo e particularmente na Europa se processa em velocidade enormemente acelerada uma modificação e ampliação dos sistemas de ensino, cultural ou técnico, chamando à sua frequência um número cada vez maior de alunos interessados, é legítimo pedir com a maior insistência, para satisfação breve, a instalação na cidade de Braga, como centro de influência da sua região, de estabelecimentos de ensino médio, nomeadamente dos institutos industrial e comercial, que presentemente só existem nas cidades de Lisboa e do Porto.
Na realidade, dentro das actividades industriais já presentemente existentes nesta região do Minho, é notória a necessidade de encontrar, cada vez em maior número, diplomados por institutos industriais que possam trabalhar em departamentos técnicos da actividade têxtil, metalomecânica, da indústria da borracha (pneus), da construção naval, de electrotecnia, da química e de minas, tão carecidas de dirigentes tecnicamente preparados e qualificados para ocupar lugares de responsabilidade e orientação.
Como consequência do mesmo surto de desenvolvimento económico e ainda pelo condicionalismo imposto pelas modernas disposições de natureza fiscal, particularmente reguladas pelas Portarias n.ºs 20 317, de 14 de Janeiro de 1964, e 21 247, de 27 de Abril de 1965, também os diplomados pelos institutos comerciais são necessários cada vez em maior número, não só para as actividades privadas como até para os serviços oficiais da fiscalidade, carecidos, como as outras actividades privadas, de técnicos qualificados para o desempenho das novas funções, cada vez mais complexas.
Não pode a iniciativa particular suprir esta falta basilar: ensino técnico médio em Braga. Não fora assim e ela o faria como o tem feito noutros ramos de ensino. Espera-se, pois, que o Governo, obedecendo a uma imposição de ordem nacional, justamente realçada, como aqui já frisei, pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, ao regressar da reunião da O. C. D. E., crie sem demora os institutos que se pedem.
Não se diga que não há dinheiro. O que não há, o que se espera que venha a haver, é uma hierarquização das despesas públicas de modo a dar prioridade aos problemas que, como este de que estou tratando ao encerrar as minhas considerações sobre os problemas de ensino ligados à minha terra, têm forçosamente de constituir preocupação dominante de qualquer governo respeitável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lutemos contra o imobilismo e a rotina, para que este país venha- a possuir a estrutura necessária à elevação do nível cultural dos seus filhos. Só assim esta nação poderá ocupar o lugar a que tem direito. Só este
Página 705
24 DE MARÇO DE 1966 705
é o caminho a seguir, se não queremos ser justamente acusados de não resolver os problemas que na verdade interessam ao País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal só será um país pobre se nós o quisermos, isto é, se o nosso talento não chegar para mais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal pode e deve ser um país rico. Mobilizemos todas as nossas energias, com fé e audácia, e venceremos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: Anunciara-se auspicioso em relação à generalidade dos produtos da terra o ano agrícola de 1965.
Permitiram-no as condições favoráveis do tempo no decurso dos primeiros meses do ano; e a tal ponto que a lavoura chegou a alimentar fundamentadas esperanças de boas colheitas e, consequentemente, de uma apreciável compensação para esforços empreendidos e encargos resignadamente suportados.
Pode mesmo dizer-se que, de um modo geral, as sementeiras e plantações, bem como a promessa das árvores fruteiras e a fartura dos prados, se revelavam propícias a uma previsão optimista em todas as regiões, não obstante a diversidade e a vária natureza dos solos, com frequência impróprios para culturas neles empregadas, e as diferenças climatéricas.
Numa palavra: deu-se, durante um certo espaço de tempo, a antevisão de alguns melhores dias para a nossa agricultura e, daí, consequente projecção favorável na economia do País.
Era esta a feliz realidade que se oferecia aos nossos olhos, eram estes os vaticínios que formulavam as instâncias competentes e as pessoas entendidas e experimentadas nas certezas... e nas desilusões.
Mas ...
Mas o tempo foi passando, e este, no seu decurso, trouxe consigo, mais uma vez, o insucesso e portanto nova desilusão.
E que, depois de uma implacável seca, que nalgumas regiões foi total e continuou durante meses seguidos da Primavera e do Verão, veio o Outono, e, com ele, as abundantes e frequentes chuvas do equinócio. E foi um dilúvio, que se prolongou até há dias!
Não há fome que não dê em fartura; e assim, essas chuvas, além de tardias para algumas culturas e de excessivamente fortes e prolongadas para outras, e até prejudiciais para colheitas do Outono e para os restantes trabalhos do campo e das eiras, vieram afectar grandemente aquelas justificadas previsões optimistas.
Aumentaram, é certo, em quantidade alguns produtos, como, por exemplo, os vinhos, mas estes, por outro lado, pioraram em qualidade; a azeitona, de que se anunciara uma safra abundante, sofreu derrube com a seca e depois com a acção dos ventos e das chuvas, e muito arroz, apesar de ser anfíbio, morria afogado nas águas onde se semeia ou planta, floresce, cresce e amadurece, e, por fim, foi germinar nas eiras, onde se seca e descasca!
Entramos assim num Inverno tempestuoso, demolidor - embora em geral temperado -, com prolongadas cheias que não se limitaram a depositar os nateiros fertilizantes, e originaram grande atraso nas sementeiras e noutros trabalhos agrícolas e destruíram muito do que estava realizado.
São às vezes bem singulares os caprichos da Natureza!
Não são, porém, de considerar, em relação a 1965, apenas as contingências do tempo que de tal modo afectaram a vida e a produção agrícolas.
Há a assinalar também que, especialmente na estação calmosa desse ano, foram frequentíssimos os incêndios, deflagrados em todo o continente, especificadamente nas províncias do Norte; e tão frequentes, extensos, violentos e vorazes eles foram que causaram muitos milhares de contos de prejuízos irreparáveis a inúmeros proprietários, com evidente projecção na economia nacional.
É de supor que a sua frequência, o número de hectares atingidos pelos incêndios e os danos causados não tiveram precedente. As consequências calamitosas afectaram, como é natural, especialmente extensas e espessas matas, criadas e desenvolvidas durante dezenas e dezenas de anos e, como sucede aos pinhais, só de possível reconstituição em igual período d(c) tempo e em proveito das gerações imediatas.
E deu-se a estranha circunstância de os incêndios terem deflagrado, frequentemente, em curtos intervalos de tempo, nas mesmas regiões, nos mesmos locais e na mesma propriedade, revelando-se assim a toda a luz a evidência de crimes de fogo posto.
Mas guardemos este grave problema para outro momento. Bem o merece no que diz respeito à possível obrigatoriedade da limpeza periódica das matas e no amparo e entusiástico louvor devidos à abnegação e ao heroísmo das corporações de bombeiros e das populações.
Hoje voltarei apenas a fazer mais algumas considerações sobre um dos problemas a que já aludi: o do vinho.
Na sessão de 17 de Março de 1965, ou seja há um ano e poucos dias, ocupei-me com algum desenvolvimento da Portaria n.º 21 006, de 28 de Dezembro de 1964, que estabeleceu a taxa de $40 sobre cada litro de vinho da colheita desse ano, vendido pelos produtores da área da Junta Nacional do Vinho (excepto os da região demarcada dos vinhos verdes) e destinada à satisfação de vários encargos daquela Junta e aos investimentos atinentes à regularização do mercado.
E julgo ter demonstrado que, não obstante as boas intenções havidas, estas soçobravam em presença da realidade nada insignificante, pois correspondia a 8$ o almude e era suportado só pelos produtores e igual para todos, fosse qual fosse a região, fosse qual fosse a qualidade, fosse qual fosse a graduação, fosse qual fosse, enfim, o custo da produção. Custo forçosamente muito elevado, pois trata-se, praticamente, de uma cultura que exige o emprego permanente de mão-de-obra, tratamentos e outras actividades constantes e caras.
Também imaginei ter demonstrado a ilegalidade ou, pelo menos, a grave circunstância de a Portaria n.º 21 006, no § único do n.º 4, ter determinado que a taxa de $40 incidisse sobre todo o vinho constante do manifesto da produção e, no n.º 12, referir-se à taxa ainda não paga, respeitante a vinhos manifestados. Isto não obstante o Decreto n.º 26 408, de 9 de Março de 1986, que aprovou o Regulamento da Estatística Agrícola, determinar logo no artigo 1.º que o manifesto anual feito pelos agricultores se destina exclusivamente a fins estatísticos!
Foi confiados nesta expressa restrição legal que os agricultores começaram a perder a sua aversão contra os manifestos, criada porque sempre tiveram receio de que eles se destinassem a fins tributários.
Página 706
706 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
As tradicionais chuvas do equinócio vieram surpreender os trabalhos das vindimas em todo o País, embora soja, certo que, em muitas das regiões vinícolas, a colheita estivesse apenas no seu início. E, assim, não podia deixar de ser grande a influência do estado do tempo na maturação, na graduação, na quantidade e na qualidade. Diferença tal que muitos vinicultores chegaram a imaginar que melhor fora, em lugar de tanta fartura, uma produção proporcionalmente menos abundante em todo o País, .pois, acrescentavam, obter-se-iam melhores preços do mercado e resolver-se-ia a crise da abundância e do preço VII das produções de 1964 e 1965, ainda armazenadas.
E certo que, na realidade, não restaram dúvidas de que se fazia mister não dispensar a intervenção da Junta Nacional do Vinho no mercado. Mas repito: não me parece ser aceitável o processo empregado.
Tenho para mim como admissível que o débito de 1 234 000 contos que a Junta acusa deveria ser coberto pelo Estado, pelo menos naquilo que exceda o valor venal do vinho por ela armazenado, ou pelo Fundo de Abastecimento, ou, se possível, mediante o Banco de Fomento ou outros empréstimos caucionados.
O vinho está considerado como uma das nossas maiores fontes de riqueza e já há três dezenas de anos ou mais os cartazes berrantes das esquinas proclamavam que ele dava de beber a um milhão de portugueses.
Ignoro e não será, porventura, fácil determinar a quanto montam, sob todos os aspectos, na presente data, os benefícios da aplicação da Portaria n.º 21 006. Mas uma coisa é certa, por a portaria a impor expressamente, e ela consiste em serem os produtores que suportam e sofrem o encargo de $40 em litro de vinho (8$ o almude) da colheita de 1964, vendido dentro da área da Junta, com excepção apenas da região dos vinhos verdes.
Realmente com algum proveito objectivo para eles?
A resposta pode ser afirmativa se, por exemplo, o imposto tiver sido ultrapassado por um preço superior ao que a Junta lhe tiver pago pelo seu vinho ou abonado como financiamento.
Não há dúvida de que a Junta Nacional do Vinho vê, assim, reduzido o seu passivo, mas é u custa de todos os vinicultores da sua área; todos, sem excepção daqueles que porventura em nada tenham beneficiado com a intervenção dela no mercado.
Surgiu agora o Decreto-Lei n.º 46861, de 7 de Fevereiro, que, além de conter o relatório habitual, é precedido também do douto e profundo despacho atrás referido, assinado pelos ilustres Ministro da Economia e Subsecretários de Estado de Agricultura e do Comércio. Extenso o substancioso documento, onde «se apontam algumas das bases em que deve assentar e alguns dos objectivos para que deve tender a política da vinha e do vinho».
O novo decreto-lei tornou extensiva, durante 1966, a aplicação aos vinhos e seus derivados, relativos à produção de 1965, da taxa de $40 por litro estabelecida na Portaria n.º 21 006 para a colheita de 1964. Modifica favoravelmente algumas das determinações desta portaria e impõe que a cobrança da taxa se realize no circuito comercial (no armazenista ou no retalhista). Estabelece excepções, regula as formas de liquidação e de pagamento da taxa, etc.
É uma nova providência circunstancial, transitória para a definitiva estruturação dos problemas da vinha e do vinho, à semelhança do que já sucedeu, na verdade, com êxito, relativamente às produções pecuárias, aos cereais e ao azeite.
Compreende-se, mas o pior é que, apesar das regras, restrições e precauções estabelecidas neste novo decreto, será dificílimo, digo mesmo, será impossível, evitar que sejam os produtores que, em última análise, venham a suportar o encargo. Por vezes, fatta Ia legge, fatia Ia malizia ...
A taxa incide, é certo, sobre o circuito comercial do vinho, e, portanto, são os responsáveis por ele e pagam-na os armazenistas, os retalhistas, etc., mas uns e outros levam logicamente este encargo em conta ao fazerem os seus cálculos dos preços a aceitar ou a oferecer. Parece-me que não há maneira de evitá-lo com semelhante sistema de tributação. E, sendo como é, assim, bem forte é a razão que assiste ao despacho de 7 de Fevereiro em referência, onde se diz:
As medidas tomadas para a campanha em curso e aquelas que o futuro venha a exigir não poderão ser entendidas nem bem aceites pelo Pais e, sobretudo, pela lavoura, que precisa de um mercado estável capaz de lhe assegurar, permanentemente, preços que cubram os seus custos completos de produção, se não for apresentada, com toda a clareza, a situação em que nos encontramos e as determinantes.
Isto se confessa nobremente, mas, a meu ver, não podiam, realmente, ser bem aceites, pela lavoura especialmente, providências da natureza das que foram tomadas na Portaria n.º 21 006 e no Decreto-Lei n.º 46 861, apesar das boas intenções que os determinaram.
Provesse a Deus que eu estivesse enganado.
Em todo o caso louvem-se as incontestáveis boas intenções.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: Fui um dos treze Deputados que tiveram a honra, a maior honra, em ir representar esta Assembleia Nacional na província da Guiné. Entendo, Sr. Presidente, que é uma inalienável obrigação expor, perante V. Ex.ª e os ilustres Srs. Deputados, o que foi essa viagem, o que vimos, o que aprendemos e, principalmente, o que julgamos de nosso dever solicitar do Governo da Nação.
Começarei, Sr. Presidente, por agradecer a presença, para cumprimentos de despedida, no aeroporto, dos nossos ilustres colegas Srs. Deputados Ubach Chaves, Henrique Tenreiro e Jerónimo Jorge. Sensibilizou-nos o facto, e nenhum dos que partíamos esquecerá essa amável atenção. Muito obrigado.
Depois de uma agradável viagem até à ilha do Sal, à parte algum injustificado receio de novatos em viagens aéreas de longo curso, como era o meu caso pessoal, tivemos o contratempo, aliás benéfico contratempo, de uma estada de cerca de sete horas, por avaria do avião, nessa ilha do nosso Cabo Verde.
Gentilmente atendidos pelos serviços dos Transportes Aéreos Portugueses e pelos comandos militares locais, houve oportunidade de percorrer a ilha e visitar os seus pontos mais interessantes. Não irei descrever, em pormenor a ilha do Sal, mas, e digo-o sem qualquer espírito de crítica destrutiva, parece-me que há muito, mesmo muito, para fazer. Há escassez de água e de forragens. Há escassez de estradas e há, e isto deve dizer-se, uma escassez de visão para problemas vitais para a ilha.
Não basta um aeroporto e um simulacro de hotel. Precisam-se outros meios.
Página 707
24 DE MARÇO DE 1966 707
Há que procurar água, construir silos para forragens, estabelecer vias de comunicação, escalonar frigoríficos em pontos de estratégia comercial e industrial.
Não se compreende, por exemplo, uma superabundância de mariscos e crustáceos, com preços locais quase irrisórios, quando, a cinco horas de voo, em aparelhos convencionais e duas horas e meia em avião a jacto, os mesmos têm valores que suportam todos os factores de custo. Uma exportação destes e certamente de outros produtos permitiriam réditos para Cabo Verde que, conjuntamente com a situação privilegiada que goza nos planos de fomento, consentiriam o estabelecimento de níveis de vida que, forçoso é confessá-lo, não foram ainda atingidos. Chamo para o facto a atenção do Governo.
Mas, Sr. Presidente, o nosso destino é a província da Guiné.
Ali nos esperavam sensações novas, problemas variados e, sobretudo, uma admirável lição de portuguesismo. Lamento, Sr. Presidente, não poder transmitir à Câmara, por escassez de recursos próprios, o que foi a estada dos seus representantes nessa província de mágicas belezas e estuante de potenciais económicos.
A chegada da delegação da Assembleia Nacional ao aeroporto de Bissau foi uma verdadeira lição de consideração e respeito pelo elevado órgão da soberania nacional que representávamos. Não quero propor contrastes, mas, Sr.. Presidente, todos o sentimos. Foi diferente, oposto até, partir de Lisboa e chegar a Bissau.
Honra à Guiné Portuguesa!
Tudo, tudo, Sr. Presidente, que nessa bela província representa algo, estava no aeroporto, apesar do atraso da nossa chegada. Desde S. Ex.ª o Governador e Ex.ª Esposa até modestos soldados comprovincianos nossos, todos fizeram os 10 km que separam Bissau do aeroporto.
Fazia calor, para nós abrasador, de 60 graus ao sol, mas ele era frio, comparado com o escaldão que todos, mas todos, puseram na recepção.
Salve; bom povo da Guiné!
Fomos encontrar dirigindo os destinos da Guiné, tanto nos aspectos civis como nos militares, alguém que já se creditara como um dos maiores valores da nossa geração e, seja dito, da nossa ética política, do nosso querer e do nosso sentir. O governador, general Arnaldo Schulz, dispensa elogios. Vale pelo que é e pelo que executa. Sua Excelência recebeu-nos, e honrou-nos, como homem grande que é. Passou das cadeiras douradas do Terreiro do Paço para a primeira linha de defesa dos interesses nacionais, onde se jogam os destinos de Portugal, com as armas na mão, com a natural singeleza dos verdadeiros patriotas. Está executando, sob todos os aspectos, uma obra que ficará na história, na história da província e na história de Portugal.
Sei que estou a ferir a sensibilidade de Sua Excelência e que não aceitará as minhas palavras com benevolência; não importa. Na vida sempre procurei ser justo, e na vida parlamentar, acima de tudo, isento do pecado de idolatria. Sua Excelência, como já disse publicamente em Bissau, aceitará as minhas palavras como uma deformação óptica provocada pela insuperável amizade que nos une.
Não é assim. Tenho a certeza de que eu, pobre de mim, serei o mais humilde dos seus admiradores. Creio bem que a homens desta têmpera se ajusta a frase lapidar do poeta máximo da nossa língua:
Ditosa Pátria que tais filhos tem.
A Guiné, Sr. Presidente, atravessa um período que ficará, indelevelmente, gravado no livro de ouro dos seus destinos. Estamos dando, nessa província, uma lição que
o mundo, estou certo, acabará por compreender não há como em países mentores do mundo, discriminação racial ou religiosa. Cumprimos os mandamentos da lei de Deus. Somos justos e humanos e só por isso nos defendemos. Convém desde já esclarecer de quem nos defendemos.
Defendemo-nos dos que pretendem ocupar, sem condições para tal, o nosso lugar de civilizadores. Não são, contra o que por aí se diz, nossos inimigos os naturais da Guiné Portuguesa. Os nossos inimigos, e inimigos ferozes, são mercenários pagos, creio bem, contra vontade dos humildes naturais de países que, por ideologias que se contradizem, têm por governantes audaciosos fautores de guerra artificiais e que, por isso mesmo, não se sabe onde começam, onde se activam e quando terminam. São as chamadas guerras subversivas. A Guiné, por razões que já claramente nos foram expostas por um ministro qualificado para o fazer, está na linha dos ataques que nos movem. Sabemos agora, pela visita que fizemos, Sr. Presidente, que toda a população da Guiné é portuguesa e está com Portugal Os terroristas nunca foram portugueses e, se algum o foi, há muito que deixou de o ser.
Observámos na Guiné, Sr. Presidente, uma firme decisão de permanecer portuguesa. Os povos nativos, tanto cristãos como maometanos ou idólatras, são intrinsecamente portugueses e não se mostram dispostos a deixar de ser o que adquiriram pelo nascimento. Sejamos, e seremos dignos desses povos, e eles serão eternamente nossos irmãos.
Cabe aqui, Sr. Presidente, uma modesta referência ao papel dominantemente patriótico que as forças armadas - Exercito, Marinha e Aviação - estão exercendo na Guiné. As força armadas defendem a integridade do solo pátrio, mantêm a soberania, asseguram as comunicações, defendem as populações e, numa palavra, continuam Portugal.
Devem estar orgulhosos, e com justo motivo, as mães, os pais, os irmãos e as noivas dos nossos bravos soldados. Eles bem merecem de todos nós, e todos nós somos, simplesmente, a Pátria.
Não lamentemos os nossos soldados, não sejamos indignos dos seus esforços, não criemos clima de mórbido saudosismo, criemos a necessária psicose de satisfação pelo dever cumprido. Creio que seria útil a criação de uma insígnia para os que têm filhos ou noivos no ultramar, usando-a enquanto eles estivessem ao serviço da Nação e usufruindo, além do respeito de todos, algumas regalias que fossem consideradas possíveis. Seria, a meu ver, uma singela homenagem aos que tudo sacrificam pela Pátria. As forças armadas, como sempre, estão a ser dignas do papel que lhes cabe desempenhar nesta hora grave do nosso querido Portugal.
A par do que, na defesa do solo sagrado da Pátria, as forças armadas estão fazendo, importa destacar um aspecto muito saliente do seu labor. Nos três ramos das forças armadas, que, na Guiné o verifiquei, trabalham em verdadeira irmandade, houve necessidade de montar serviços, logísticos creio eu, para manutenção das possibilidades de combate das forças em campanha. Esses serviços, Sr. Presidente, estão a instruir, a preparar, a especializar, artífices civis de alto valor técnico. Lembro, ao acaso, o que se está verificando nas instalações, navais sob a proficiente direcção do Sr. Comodoro Ferrer Caeiro: um corpo de guarda marinha com a alma e o saber de um oficial general. Nessa escola, os serviços de marinha, como os de outras armas, são verdadeiras escolas, está a ser formado um escol de técnicos que vai dos estofadores aos técnicos electrónicos, passando pelos carpinteiros, serralheiros, torneiros, electricistas, mecânicos e tantos mais.
Página 708
708 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Esse escol, Sr. Presidente, tem uma esmagadora maioria de nativos, que, naturalmente, serão os iniciadores de actividades que, até agora, se não consideravam possíveis. Esta é, como outras, uma contradição da guerra: cria meios de vida, de sobrevivência, de paz.
Sr. Presidente, já disse algo da Guiné, mas, esta é a verdade, ainda não disse o que é e o que pretende a Guiné.
 Guiné, à parte o que nos ensina a geografia, é um conjunto que sofre a crise clássica do crescimento. Necessita vitaminas, exercício e reformas.
As vitaminas, para o caso especial de um crescimento económico, são o capital, o trabalho, os transportes e as estradas.
Para a província da Guiné têm de ser canalizados vastos capitais; para investimentos que, todos o sabem, serão altamente rendosos. Na agricultura há vasto campo de acção esperando iniciativas válidas. Há cultivos que já se fazem em larga escala - o arroz e a mancarra -, mas que podem ser altamente melhorados. E essa melhoria, Sr. Presidente, pode efectuar-se, com iguais probabilidades de êxito, tanto nos processos, recorrendo a mecanização racional, como na selecção das sementes.
Se, normalmente, a Guiné se basta na produção de arroz, eu creio, todos o acreditam, que poderá passar à posição de exportador, com as vantagens que lhe convêm.
Na cultura da mancarra e na extracção de óleos vegetais pode, sem grandes dificuldades, passar-se a uma situação muito superior àquela que até hoje tem usufruído. Nas frutas, nas madeiras, na pecuária, nas pescarias,, no turismo, que fontes inesgotáveis de riqueza! Referirei, a título de simples curiosidade, que vi as cofragens de betão armado serem feitas com madeira de bisselão, a mesma que se emprega, lá, para os estrados dos camiões. E pensar-se quanto custa, aqui na metrópole e por esse mundo fora, um metro cúbico dessa madeira!
No capítulo de pecuária a província é altamente rica. O último censo acusava mais de 200 000 cabeças de gado vacum. Há, contudo, certa dificuldade na obtenção das reses, porque a mais elevada percentagem de cabeças de gado - há rebanhos de 9000 cabeças - está na posse de nativos que os possuem por mero espírito de ostentação. Não os desejam vender, são, na curiosa expressão local, um «ronco».
Quando se estabelecer uma rede de frio polivalente, e esse será um passo decisivo, estará resolvido o magno problema da distribuição de frutas, carnes e peixes em todos os sentidos. O interior fornecerá carnes e frutas e o litoral os apetecidos peixes e mariscos.
As peles são outra grande fonte de riqueza que, creio bem, poderiam ser preparadas na província. Julgo saber que uma experiência está em vias de ser ensaiada.
Quanto às pescarias, muito, quase tudo, está por fazer. Só agora se começou a portentosa obra de um porto de pesca e fluvial, obra que bem dignifica os que a projectaram e dirigem. Não se compreende que a indústria conserveira ainda não tenha tentado este fabuloso centro piscatório. Porque não estudam este problema aqueles que já vão procurar no estrangeiro campo para a sua actividade?
Para consumo público vai ser ensaiado o sistema de cooperativa de pesca. Parece-me que o êxito está assegurado.
Quanto ao turismo, Sr. Presidente, não sei que melhores e mais fáceis aspectos nos possam ser oferecidos num ambiente tão próprio como o da Guiné. Existe tudo. Cor local, facilidade de acesso, instalações, variedade de paisagens e sossego nessa maravilha que é Bubaque, no arquipélago dos Bijagós. E, por toda a província, há manancial inesgotável de locais onde as férias passam sem que jamais esqueçam.
A própria cidade de Bissau não foge à regra. Tem beleza, comodidades, colorido e, para os senhores exigentes, um comércio digno das grandes capitais.
A Guiné, Sr. Presidente, deu-nos salutares lições em todos os .capítulos. Quero referir, embora com singeleza, porque singelas são aã coisas grandes, os problemas assistenciais.
O hospital regional não nos envergonha e o centro de estudo e luta contra a doença do sono tem renome internacional. Os corpos clínicos e de investigação exercem uma acção que não quero deixar de louvar com o orgulho que, como português, senti ao visitar esses estabelecimentos. A assistência materno-infantil pode servir de modelo em qualquer parte da metrópole.
Já vou muito alongado, Sr. Presidente, e sinto que pouco disse do muito que haveria para dizer. Outros Srs. Deputados serão mais justos e mais fluentes nas suas apreciações. Eu próprio, noutras oportunidades, voltarei a prestar ajuda às pretensões, todas justas, da nossa querida Guiné, pois, porque não confessá-lo?, a Guiné conquistou o meu coração.
Não quero terminar, Sr. Presidente, sem render as minhas homenagens ao bom povo da Guiné, a quem saúdo, e solicitar do Governo da Nação pronta acção na resolução dos seguintes problemas de extrema urgência:
1.º Revisão das tarifas dos transportes marítimos.
2.º Aumento das carreiras aéreas.
3.º Revisão da posição da província perante os planos de fomento que se deseja:
a) Igualdade de tratamento com as províncias de Cabo Verde e Timor, ou seja, não obrigatoriedade de pagamento por parte da Guiné;
b) Eliminação de juros;
c) Alargamento dos prazos dos vencimentos.
O Governo da Nação daria decisivo impulso, como tanto se deseja, ao desenvolvimento da província da Guiné se atendesse, e julgo que o deverá fazer, ao que tenho a honra de acabar de solicitar.
A Guiné, Sr. Presidente, tudo merece.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Coelho Jordão: - Sr. Presidente: Ao usar pela primeira vez da palavra nesta Assembleia, apresento a V. Ex.ª os mais respeitosos cumprimentos e rendo as melhores homenagens ao professor insigne, ao jurista sabedor de sólida e invulgar cultura da nossa veneranda Universidade de Coimbra, que, pelo fulgor da sua inteligência cintilante e pelo aprumo nobre do seu carácter, ocupa por direito próprio a presidência da mais alta Assembleia política do País, e que é credor da maior admiração e respeito de todos.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, presto expressivo preito de admiração e homenagem.
Srs. Deputados: Cumprimento VV. Ex.ªs, com os propósitos mais veementes de inteira lealdade e total colaboração.
Sr. Presidente: Os Deputados pelo círculo de Coimbra trataram, na última legislatura, em aviso prévio, por forma magistral e profunda, do desenvolvimento económico da zona do Mondego.
Página 709
24 DE MARÇO DE 1966 709
E já recentemente o ilustre Deputado Dr. Nunes Barata fez uma brilhante intervenção sobre o mesmo problema.
O Sr. Santos Bessa: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se me leve. no entanto, a mal, que, Deputado pelo círculo de Coimbra, mas ligado à Figueira da Foz, eu trate aqui, mais uma vez, do seu porto, que, se é problema vital para o desenvolvimento da sua economia e para o seu progresso, é também da mais alta importância para todo o distrito e até para toda a região do Centro do País.
Creio bem que não cometerei erro ao afirmar que legislatura alguma passou sem que as vozes mais autorizadas aqui trouxessem a importância daquele porto e o pedido ao Governo da premência da sua construção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Dispondo o continente de uma costa marítima bastante extensa, nunca deixaram os Governos de se preocupar com o aproveitamento e desenvolvimento portuário variando o sistema de intervenção estatal consoante as épocas, mas vendo nele sempre a melhor fonte de riqueza e crescimento económico.
Nem sempre, porém, o Estado teve uma intervenção directa no melhoramento e exploração dos portos, transferindo esta responsabilidade para organismos regionais ou até para particulares.
Sendo sempre relativamente elevados os investimentos em melhoramentos portuários, requer-se, num planeamento de intervenção, a mais cuidada disciplina para que não ocorra a indesejável dispersão de esforços e dinheiros, que permitirá fazer alguma coisa em muitos portos, mas com certeza não fará nada de economicamente válido em qualquer deles.
Daí a divergência de opiniões e critérios, desde os que defendiam a existência de grandes portos, concentrando-se no menor número possível todas as actividades marítimas e criando nesses, então mas exclusivamente, todas as melhores facilidades de amplo exercício, até aos que preconizavam uma seriação de portos por grupos de funções, desde o comércio internacional até à pesca, e em cada um destes grupos fazer então a melhor disciplina de concentração.
E indiscutível que a existência de um porto, por pequeno que seja, é sempre um factor de desenvolvimento económico e de progresso.
Entre nós, o primeiro estudo planificado de política portuária surgiu com o Plano Portuário, de Outubro de 1929, segundo-se-lhe a Lei da Reconstituição Económica, de 1935, a 2.º fase do Plano Portuário (1944) e depois os planos de fomento.
Por aqui se vê a grande importância que o Governo do Estado Novo tem vindo a dar a uma consciente política de portos, como fomentadora de influência basilar no desenvolvimento económico do País.
Pelo Decreto n.º 15 644, de 1928, em que se estabeleceu o primeiro programa de obras portuárias, classificavam-se os portos em quatro classes, figurando na 1.º classe: Lisboa e Douro-Leixões; na 2.ª classe: Viana do Castelo, Aveiro, Figueira da Foz e os portos do Algarve, em que a Figueira era considerada «porto comercial de especial importância, pelo facto de ser testa da linha da Beira Alta» e em que se consignava para a realização das obras a quantia de 32 000 contos.
Terminada em 1944 a primeira fase do Plano Portuário de 1929, é publicado então o Decreto n.º 32 922, notável estudo sobre planificação portuária, que vem sendo a base orientadora dos planos sucessivamente programados. Ali se diz do porto da Figueira:
E um importante porto, tanto de pesca longínqua como costeira; tem já certo comércio marítimo; as suas ligações ferroviárias, pondo-o em contacto com a zona central do País, permitem um importante desenvolvimento do seu tráfego marítimo.
As verbas globais despendidas nos portos em cada um dos planos foram:
1.ª fase (1929-1944) - 142 144 contos.
2.ª fase (1944-1952) - 206 064 contos.
I Plano de Fomento. (1953-1958) - 240 000 contos (a).
II Plano de Fomento (1958-1964) - 443 000 contos (a).
O investimento do Plano Intercalar está no nível do II Plano de Fomento.
Destes números ressalta o grande incremento que se deu a partir de 1958 às obras de melhoramento portuário, e também não pode deixar de se anotar o esforço e. o nível técnico que os respectivos serviços necessitam ter para permitir o ritmo do trabalho alcançado.
E presta-se-lhes justiça afirmando também que hoje, apesar de reduzidos em número, dada a situação do funcionalismo público, os que restam mantêm ainda a mesma chama viva de entusiasmo, de dedicação e que só um esforço invulgar consegue que o ritmo de trabalhos não afrouxe.
Vincar aqui este facto é prova de gratidão para com uma plêiade de técnicos distintíssimos, que comandam e impulsionam um dos sectores mais importantes do desenvolvimento económico do País.
Mas tem correspondido, realmente, o movimento portuário aos avultados investimentos realizados?
Terão os portos do continente capacidade para suportar o aumento de movimento resultante do crescimento que o País atravessa?
Para responder a. estas perguntas analisemos o movimento de mercadorias e pescas dos portos do continente.
Em 1951, o movimento total de mercadorias nos portos do continente foi de cerca de 7 milhões de toneladas, enquanto em 1964 foi aproximadamente de 11 milhões de toneladas, o que dá uma taxa de crescimento anual de 5 por cento.
Deste movimento referenciado ao ano de 1964, 7 milhões de toneladas cabem ao porto de Lisboa, 2 milhões ao de Leiria, 1 milhão ao de Setúbal, 530 000 t ao Douro, sendo as restantes 330 000 t distribuídas por todos os outros portos do continente.
A taxa média do crescimento anual é de cerca de 5 por cento e a manter-se - tudo indica, aliás, que se mantenha ou até aumente - o movimento de mercadorias nos portos do continente no fim do III Plano de Fomento, deverá atingir um volume da ordem dos 18 milhões de toneladas.
O porto de Leixões, que tem uma taxa de crescimento de 6,4 por cento, deverá ficar colmatado antes do fim do III Plano de Fomento; e o porto de Lisboa, com uma taxa de crescimento de 4 por cento, terá atingido um nível de movimento tal, que razões de vária ordem, entre
(a) Não incluindo os portos de Lisboa e Leixões.
Página 710
710 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
as quais não serão despiciendos a capacidade de escoamento de tráfego das nossas estradas e caminho de ferro, problemas sociais, concentração demográfica, etc., não poderão deixar de exigir que o excesso de movimento seja dirigido para outros portos do País.
Já o Decreto-Lei n.º 33 922, de 1944, no seu preâmbulo conclui, ao analisar as vantagens da concentração comercial, «que subsiste uma limitação considerável à concentração comercial nos dois únicos grandes portos do continente (Lisboa e Douro-Leixões), desde que se pretenda evitar o aniquilamento de centros de produção muito importantes para a economia nacional».
Os portos de Lisboa, Leixões-Douro e Setúbal, movimentam 97 por cento do total de mercadorias, restando 3 por cento para os restantes portos do continente, sendo:
Toneladas
Viana do Castelo 21 000
Aveiro 95 000
Portos do Barlavento do Algarve 48 000
Portos do Sotavento do Algarve 145 000
A situação da Figueira neste momento, e perante estes números, é bastante expressiva, pois em 1967 tem asseguradas mais de 150 000 t por ano, pelo que a se 2.ª fase das obras não tiver início imediato terão de ser orientadas para outros portos, com graves prejuízos para as indústrias aqui instaladas e para o fomento económico da região.
A evolução das pescas é também acentuada, verificando-se que no período de 1953-1964 a taxa de crescimento acumulada foi de 3,7 por cento em quantidades e 5,8 por cento em valor (todas as espécies, não incluindo o bacalhau) e que a taxa de crescimento da pesca da sardinha foi de 3,9, e 4,7 por cento, respectivamente em quantidade e valor.
A taxa de crescimento nos diferentes portos, referente a todas as espécies, incluindo o bacalhau, foi de:
[...ver tabela na imagem]
Portos Quantidades Valores
A Espanha, no seu plano quadrienal de melhoramentos de portos, prevê uma taxa de crescimento anual superior a 10 por cento para as pescas e 8 por cento para as mercadorias.
Pescas (quantidades): Toneladas
1957 462 000
1962 913 000
1968 (previsão) l 300 000
As taxas de crescimento anual do movimento de mercadorias e pescas no nosso país ainda não atingiram taxas tão elevadas, mas não se ignora o grande surto económico que o País atravessa e que se irá reflectir num maior movimento portuário, pelo que nada custará aceitar que as nossas taxas de crescimento tendam para as da vizinha Espanha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Seja como for, é no entanto incontroverso que o movimento portuário, quer em mercadorias, quer em pescas, terá um aumento progressivo constante que as infra-estruturas existentes dos nossos portos não suportarão.
Qual é a situação do porto da Figueira?
Sr. Presidente: O porto da Figueira, que em pouco mais de um século fez desenvolver e florescer uma povoação que se veio a situar entre as primeiras do País, começou, a partir do fim do século passado e princípios deste, a não ser a barra que se oferecia fácil e franca à navegação, reflectindo-se na economia da cidade, que cada vez era mais débil e depauperada.
Longos trabalhos e muitos estudos se foram fazendo no decorrer dos anos, mas só no fim do I Plano de Fomento se apresenta um projecto cuidadosamente estudado e ensaiado no Laboratório de Engenharia Civil, e foi então o Sr. Ministro das Obras Públicas, engenheiro Arantes e Oliveira, governante das mais altas virtudes e capacidade realizadora, devoção total ao engrandecimento do País e bem-estar das populações, a quem presto, cumprindo um imperativo de consciência, as maiores homenagens, foi, dizia, o Ministro Arantes e Oliveira, quem lançou o arranque das obras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A conclusão das obras desta 1.ª fase, que têm vindo a ser executadas de acordo com a programação, deverá verificar-se no corrente ano, e a inauguração será dentro das festas comemorativas do 40.º aniversário da Revolução Nacional.
Grandes e altos benefícios trouxeram logo estas obras, e a sua influência começa a sentir-se não só no progresso cio concelho, como da região, com o aparecimento de muitas actividades e o desenvolvimento de outras.
O sector das pescas teve um desenvolvimento rápido.
A quantidade de sardinha vendida na lota passou de 8759 t e 21 664 contos, em 1962, para 16 586 t e 36 860 contos, em 1965.
[...ver tabela na imagem]
Página 711
24 DE MARÇO DE 1966 711
Se compararmos o movimento deste porto com os principais portos de pesca da sardinha, verifica-se que o porto da Figueira se colocou em segundo lugar, estando em:
1.º Leixões - 59 249 t e 171 000 contos;
2.º Figueira - 16 586 t e 36 860 contos;
3.º Peniche - 13 663 t e 31 200 contos;
4.º Setúbal - 13 500 t e 30 500 contos;
5.º Portimão - 9000 t e 31 000 contos.
Este facto é altamente significativo da sua importância como porto de pesca, pois, apesar de não ter ainda o equipamento necessário a uma exploração eficiente, consegue, só pelas suas condições naturais, situar-se no 2.º lugar, de entre os portos pesqueiros de sardinha do País.
E isto, Sr. Presidente, apesar de a indústria de conservas estar reduzida a uma unidade, do que resulta a maior parte do peixe ter de ser transportado em camionetas para os outros centros industriais, com os inconvenientes de agravamento de encargos de transporte e menor valorização do peixe na lota, por falta de concorrência.
A concessão de alvarás de capacidade conveniente para a construção de fábricas na zona do porto é medida que se impõe e que valorizaria o trabalho do pescador e a rentabilidade do armador.
[ver tabela na imagem]
Pesca da sardinha
Anos Toneladas Contos
A pesca de arrasto costeiro dispõe de quatro unidades, e brevemente de mais uma que se encontra em construção, tendo no último ano tido um movimento de 1400 t e 8900 contos.
A esperança de um porto utilizável em boas condições trouxe ao concelho da Figueira da Foz e à sua região um pólo de interesse para a localização de indústrias. Concluída e prestes a arrancar, encontra-se uma fábrica de carbonetos, instalada nas margens do rio, cujo capital investido é de cerca de 100 000 contos. A sua produção destina-se não só ao mercado interno, como também ao mercado externo.
Em fase de construção, devendo ficar concluída no fim do corrente ano, uma fábrica de celulose, cujo investimento, da instalação é de cerca de 1 milhão de contos, e cujo produção de 80 000 t anuais de pasta, na 1.ª fase, se destina à exportação.
Uma fábrica de aproveitamento de algas, duas de rações, uma de adubos orgânicos, uma de derivados de produtos resinosos e ainda as existentes que têm vindo a aumentar as suas instalações e produção - fábricas de vidros, malhas, cimentos, cal hidráulica, cerâmicas e plásticos -, além dos estaleiros navais, uma para navios de ferro e dois para navios de madeira, constituem uma infra-estrutura de grande valor, que já marca o seu lugar na economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No distrito de Coimbra, muitas outras unidades industriais se estão a instalar.
O plano de aproveitamento do Mondego, que se tem a esperança seja uma realidade dentro em breve, virá trazer a toda a região do Mondego condições de riqueza e progresso extraordinários, que se irão reflectir não só no sector agrícola como também no industrial.
Em todo este vasto hinterland que vai desde a foz do Mondego, pelas nossas Beiras, até à fronteira, o porto da Figueira, estando em boas condições de funcionamento, será o principal pólo de influência e factor de singular importância para todo o seu franco desenvolvimento.
Não será optimismo exagerado prever que o porto da Figueira, em 1970, tenha de movimentar mais de 500 000 t, considerando apenas as actividades existentes que têm necessidade de utilizar o porto. Só a fábrica de celulose da Leirosa, pretende iniciar em 1967 a exportação de 80 000 t de pasta e ainda utilizar este porto para as 25 000 t de fuel-oil necessários à sua laboração.
A fábrica de carbonetos pretende movimentar cerca de 25 000 t por ano.
A exportação de madeiras, resinosos, produtos da indústria cerâmica, vidros, cimentos, conservas de peixe, a importação de carvão para as fábricas de cimentos, petróleos, gasolinas, óleos, e todo o movimento da frota pesqueira (sardinha, arrasto e longo curso - bacalhau) permitirão um movimento ao porto, cuja previsão não será, como disse, exageradamente optimista.
Do projecto do porto consta ainda a construção de equipamento para actividades náuticas, de recreio e de desporto, e que hoje tão grande influência têm para um turismo de qualidade.
Desnecessário será referir a importância da indústria de turismo, e que ainda recentemente o Deputado Nunes Barata aqui trouxe em números expressivos, para afirmar que muitos países, no estudo dos seus portos, colocam em plano primacial as instalações portuárias destinadas àquelas actividades.
Sr. Presidente: Não é só o concelho da Figueira que sente já um revigoramento nas suas actividades económicas, desde que começaram as obras do porto, mas esse revigoramento reflecte-se por todo o distrito e seu hinterland, e que bem patente ficou, ainda recentemente, no X Congresso Beirão.
Mas para que este ritmo de crescimento e desenvolvimento se mantenha, ou antes, aumente numa progressão constante, contribuindo para evitar o êxodo rural que tanto se tem acentuado nesta região e revitalizar a sua economia, é necessário que as obras não parem, nem diminuam de ritmo, mas antes se intensifiquem, e a par delas se criem novos pólos de crescimento industrial, centros de turismo, centros culturais, etc.
O Governo tem-se afirmado por uma política de fomento coerente, devidamente estudada e planificada, que dá garantia de uma obra iniciada ser concluída. O caso do porto da Figueira está nesta linha de rumo e, por isso, ao trazer aqui a esta Assembleia o agradecimento ao Governo de uma população activa e trabalhadora, para quem a existência do porto é problema de vida ou de morte, trago também a esperança e a fé de que a 2.ª fase se seguirá imediatamente à conclusão da fase agora em curso e prestes a concluir-se.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas tem demonstrado o maior interesse por este grande empreendimento e a determinação de que sejam concluídos rapidamente os ensaios de laboratório para o rápido andamento da obra.
Os altos investimentos feitos já nesta obra exigem, além de outras razões económicas e sociais, a sua conclusão, para que assim possam ter uma reprodutividade conveniente.
Página 712
712 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Vicinelli, notável economista, diz que «todo o investimento que não seja imediatamente utilizado corresponde a um desperdício económico. Avaliando em 5 por cento a taxa de juro praticada, toda a actual despesa a que não corresponda qualquer resultado conduz automaticamente a uma despesa dupla dentro de um período de cerca de doze anos.»
Outras razões, porém, de âmbito nacional, impõem a urgência do funcionamento em condições razoáveis do porto da Figueira.
Ao analisarmos atrás o movimento portuário em mercadorias, verificou-se que 97 por cento deste movimento se faz através dos portos de Lisboa, Leixões-Douro e Setúbal e indicou-se a impossibilidade (Leixões) ou inconveniência (Lisboa) de canalizar para estes dois grandes portos todo o acréscimo de movimento na produção actual. Viu-se ainda que o movimento de outros portos do País não atinge, em cada um, as 100 000 t.
Demonstrámos a posição do porto da Figueira, que no próximo ano de 1907 terá à sua disposição para movimentar, só das actividades instaladas na região, cerca de 150 000 t, prevendo-se que venha a atingir as 500 000 t em 1970, ocupando ainda o segundo lugar como porto de pesca de sardinha.
Lamour, em trabalho da O. E. C. E., afirma que «o desenvolvimento da economia agrícola deve ser estreitamente associado ao desenvolvimento simultâneo e complementar da economia industrial na região em tratamento», mas estas, Sr. Presidente, só poderão desenvolver-se nesta região com a presença efectiva de um porto funcional e devidamente apetrechado.
Só assim ele poderá servir o vasto e rico, em potencialidade, sector central do País, de inegável vitalidade demográfica. As redes ferroviária e rodoviária, que já hoje põem o porto em favorável conexão com o hinterland que pode servir (nomeadamente um interessante sector de território espanhol), contribuem também para assegurar que ele influenciará decisivamente a vivificação económica regional.
Ainda recentemente, em 8 de Janeiro próximo passado, o jornal O Século, grande defensor dos altos interesses regionais, e a quem o porto da Figueira tem merecido o maior entusiasmo, publicava em artigo de fundo uma análise da posição do porto da Figueira na valorização da economia regional e do País, das obras realizadas e das que falta realizar, e concluía:
A criação do grande porto que a Figueira da Foz merece e para o qual oferece excepcionais condições, além de fomentar o desenvolvimento regional numa das mais importantes áreas do País, poderá ser, no futuro, indiscutivelmente, um vigoroso instrumento de progresso da economia nacional.
Sr. Presidente: Vai comemorar-se dentro em breve o 40.º aniversário da Revolução Nacional. Vão comemorar-se 40 anos de paz, de tranquilidade, de trabalho honesto, de progresso e de uma política de verdade.
Ao Sr. Presidente do Conselho, estadista dos maiores do nosso tempo, e a quem dedicamos a maior veneração e respeito, se deve a grandiosa obra em todos os sectores realizada e jamais conseguida em qualquer outra época. A Figueira estará presente nestas comemorações com a inauguração das obras da 1.ª fase do seu porto, e não teriam melhor oportunidade as gentes daquela bela cidade, que de tão longe têm vivido intensa e apaixonadamente este problema do porto, para testemunhar o seu profundo agradecimento e prestar homenagem ao Sr. Presidente do Conselho.
Sr. Presidente: Vou terminar com um voto e com a fé de que a inauguração da 1.ª fase das obras do porto da Figueira seja também o início da execução da 2.a fase daquelas obras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Perdigão: - Sr. Presidente: E ao jubiloso ano das comemorações do 8.º centenário da reconquista cristã da cidade de Évora que me desejo referir!
Teria sido em 1165 ou 1166 que a bravura de Geraldo S m-Pavor conduziu à valiosa reconquista da que foi Liberalitas Julia, Yeborath ou Elbora-Erbora.
Já importante na Península durante a dominação romana, Évora, depois de retomada para a cristandade, pode dizer-se que esteve sempre presente nos mais destacados e decisivos factos da história de Portugal.
Nela assentaram corte ou simplesmente viveram vários reis, entre os quais salientamos: D. Afonso V, D. João II, D. Manuel I, D. João III, D. Sebastião, D. Henrique, D. João V, e outros ali estiveram respirando a lusitana espiritualidade que se evola de todos os recantos e de todas as suas pedras.
Sob a abóboda majestosa da sua catedral magnífica, cuja construção se iniciou em 1186, esteve Afonso IV. o Bravo, a rezar antes de sair para o Salado, onde foi ajudar à viragem dos ventos da história, até aí favoráveis à dominação moura na Península.
Mem Rodrigues de Vasconcelos, capitão da Ala dos Namorados, era filho de Évora, como o eram muitos dos que estiveram em Aljubarrota empenhados na defesa da Pátria, açoitada de novo pelos ventos da história que ainda hoje temos de ir arrepiando. .,
De Évora saiu D. Nuno Alvares Pereira, o primeiro fronteiro-mor do Alentejo, quando a caminho dos Atoleiros.
Ali estiveram Gil Vicente, Garcia e André de Resende, Nicolau Clenardo, Jerónimo Osório, D. Francisco de Melo, Aires Barbosa, Vasco da Gama, Pedro da Fonseca, António Ribeiro Chiado, este nascido na cidade, Jean Petit, Afonso de Baena, Jean Comartin, e tantos outros que alto brilho deixaram no firmamento artístico e histórico da mui nobre e sempre leal cidade de Évora.
Em 1559, o cardeal-rei, o primeiro arcebispo da Arquidiocese de Évora, funda a Universidade, que viria a ter larguíssima e importante projecção na vida ao tempo, e também no Mundo de então, que instalada foi em maravilhoso edifício que ainda hoje podemos admirar na sua magnífica traça primitiva e invulgar conservação.
E que dizer da galeria respeitável e veneranda dos arcebispos que cingiram a mitra metropolitana de Évora já bem caracterizada pelas altas figuras que em nosso tempo ali pontificavam?
Tão viva tem sido a cintilação dos arcebispos de Évora que bastará citar um exemplo, para que dele se tirem todas as ilações: Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, o primeiro arcebispo franciscano que Évora mereceu, e a quem ficou devendo inestimáveis serviços, como a criação da biblioteca e do museu, e um período de esplendor nas artes, nas ciências e nas letras.
O País igualmente muito lhe ficou a dever, sabendo-se que a Biblioteca Nacional foi formada, depois do incêndio que inutilizou a antiga Biblioteca Real, com base na Biblioteca da Real Mesa Censória e na grande livraria que Frei Manuel do Cenáculo obteve de Diogo Barbosa Machado.
Página 713
24 DE MARÇO DE 1966 713
Recordemos que a actual biblioteca da Academia das Ciências foi inicialmente a biblioteca do Colégio de Jesus, fundada pelo grande Cenáculo.
São, pois, estes oito fecundos séculos ao serviço da Pátria e da cristandade os que agora comemora a cidade branca da planície alente j anã.
O programa das comemorações, pela dignidade e sóbrio luzimento com que foi concebido e está a ser realizado, bem merece uma palavra de regozijo e um esforço da meditação.
Tiveram os seus responsáveis, encabeçados pelo dinamismo do presidente, o louvável propósito de, fugindo à exuberância das ostentações, que no momento actual seria incongruente, levar todos os sectores da população a viverem delicados momentos de exaltação patriótica, artística, religiosa e histórica, através de conferências, de exposições, de teatro, de música, de paradas militares, de ópera, de sessões culturais e de festejos de feição popular, tudo organizado com a preocupação de deixar uma mensagem de espiritualidade e de nobreza na alma de todos nós.
A abertura solene das comemorações, efectuada no dia 9 de Outubro de 1965, foi presidida pela figura veneranda do nosso Chefe de Estado, que assim quis distinguir a urbe.
Lembro também os dias grandes que foram os da entrega das três primeiras medalhas de ouro da cidade, assinalando nos festejos centenários a grande gratidão dos Alentejanos e o seu muito apreço pelas beneméritas pessoas que têm distinguido a província e a cidade com o melhor do seu carinho, do seu labor e dos seus bens materiais e morais: os Srs. Condes de Vilalya e o Sr. Ministro Arantes e Oliveira, que deu à cidade as duas grandes notícias de que iríamos ter em breve a nossa nova escola técnica e de que iríamos beneficiar, muito de perto, com a estrada internacional Europa-4.
Do que ainda falta realizar, e muito é, também se pode dizer que afina pelo mesmo diapasão: alto critério na eleição de números de apurada sensibilidade, todos concebidos para deixar na memória dos Alentejanos indeléveis recordações.
A edilidade, que tem sido insuperável nos seus esforços, quis marcar, de forma muito feliz, o importante ano que se está vivendo e tomou a esplêndida deliberação de levar a todas as freguesias rurais do concelho os principais melhoramentos que o progresso exige: a água domiciliária, a rede de esgotos, o lavadouro e a boa estrada municipal de ligação à sede do concelho.
Como todas as aldeias já dispõem de electricidade, de telefone e de escolas, fica-se com a grata satisfação de verificar que, adentro do concelho, e no século viu da reconquista, se conquistaram para aquelas populações todos os bens de equipamento público, que podem constituir o substrato material a um real progresso económico-social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devo deixar aqui uma palavra de gratidão a todos os que contribuíram para que tão significativa, como útil realidade, pudesse verificar-se ainda no ano das comemorações: a Câmara Municipal de Évora e os Ministérios que cooperaram em tão prestimosa tarefa.
Comemorações que ficam bem marcadas nos espíritos e bem patentes aos olhos, estas comemorações do 8.º centenário da reconquista de Évora.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as da Junta do Crédito Público, relativas a 1964.
Rapazote.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Os cumprimentos que quero renovar-lhe, Sr. Presidente, não se guardam friamente nas fórmulas estereotipadas, são aquecidos pela recordação muito viva do mestre insigne e temperados no respeito que infunde a dignidade do político e a qualidade do homem.
Aqui lhos deixo, nesta nova legislatura, com a simplicidade costumada, mas admiração sempre acrescida.
E peco-lhe que os aceite como lhos dou.
Sempre tenho entendido que a discussão das Contas Gerais do Estado deveria constituir uma actividade fulcral desta Assembleia, porque é o veículo natural de acesso ao ventre da própria Administração.
A regularidade exemplar da sua apresentação e a extensão do notável e cuidadoso parecer da Comissão de Contas permitem um longo e proveitoso debate que. abarque todos os sectores da vida pública.
E, se à feição própria da Assembleia não pode sorrir a inutilidade das querelas políticas, muito lhe deve interessar a crítica justa dos actos do Governo e a fiscalização da sua actividade administrativa.
Porém, enquanto a crítica dos actos do Governo supõe o preciso conhecimento dos seus motivos determinantes e a delicada averiguação dos resultados, a mais ampla fiscalização da Administração pode exercer-se lendo as Contas e aferindo da sua bondade pelo sucesso ou insucesso da actividade global da Nação.
Mas será preciso que essa leitura seja atenta para dominar matéria tão vasta como aliciante.
Os pareceres hão-de mergulhar, profundamente, na intimidade dos números, hão-de inquirir e concluir, sendo da maior vantagem que a sua devassa ponha à vista os benefícios e os malefícios da administração, a saúde e as doenças que afligem a comunidade nacional.
Contas públicas e fiscalização pública das Contas são aquisições fundamentais do Regime, absolutamente essenciais à prossecução de uma política de verdade.
O Governo precisa tanto dos nossos aplausos como das nossas críticas e indesculpável seria que a Assembleia prescindisse de um trabalho de base capaz de abrir e arejar os departamentos onde, porventura, se tenha acumulado a poeira do tempo e o trabalho da traça, e de autorizar um razoável julgamento político.
Quando verdadeiramente se procuram as faltas e as culpas, não há que falar de optimismo nem de pessimismo, mas de emenda dos erros e do acto de penitência que os redime tornando ainda mais perfeita a própria perfeição.
Página 714
714 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Não acredito que a Administração se queira erguer, então, no seu pedestal de virtudes, embora relapsa e impenitente de seus erros, para usar a linguagem do Tribunal da Santa Inquisição.
O parecer acusa um rendimento decrescente da agricultura, põe em relevo a gravidade do mal, arrisca um diagnóstico e preconiza um remédio.
A temática da minha intervenção neste debate das Contas vai desenvolver-se em redor dessa situação patológica e há-de incidir sobre aspectos particulares da vida económica e administrativa do meu círculo, confirmando o diagnóstico feito e medindo o alcance do tratamento proposto.
Vem deste jeito o diagnóstico do mal:
Talvez haja gente de mais a imiscuir-se, nos problemas da terra e organização e técnica a menos.
A receita traz o rótulo das epístolas de Horácio:
Paupertas impulit audax.
Efectivamente, a pobreza da agricultura está a necessitar de audácia, de muita audácia.
Gente de mais a imiscuir-se nos problemas da terra e a imiscuir-se primeiro para a vexar de impostos, para a carregar de gravames, para a tutelar, para a desconsiderar e, finalmente, para a desiludir de uma protecção que a não protege ou para a amparar de conselhos que a não servem.
O pecado não é de hoje.
Relendo velhos e bons discursos políticos encontrei uma página que, mais de trezentos anos passados, não perdeu nem actualidade, nem frescura, nem grandeza.
Tem a perfumada doçura das coisas antigas e a serenidade própria daqueles que se encontram fadados para contemplar, paralelamente, as coisas de Deus e dos homens.
Criando Deus o primeiro homem, encarregou-o de cultivar e guardar o Paraíso e deu-lhe com este preceito toda a inteligência para o exercício da agricultura.
E deve-se ponderar que só ele foi instituído no estado de inocência, pois todas as outras artes e ofícios o foram depois da queda.
Quando ponho os olhos na miséria e abatimento, no desprezo e na pobreza a que chegou este tão importante estado, atribuo parte de tão grande dano a que a maioria dos gravames impostos recai sobre os fracos ombros deste afligido grémio, contra quem se aparam sempre as cavilosas penas dos escrivães, se afiam as espadas dos soldados e se encaminham as prejudiciais quimeras dos arbitristas.
Voltarei ao discurso chamado dos lavradores, mas, entretanto, fico-me na consideração do estado de inocência em que foi instituído o exercício da agricultura e na sua pobreza e abatimento.
"Miserável estado - dizia Cícero -, que vive sempre com trabalhos certos e esperanças incertas."
Mas, estado de inocência, digo eu, em que só podem ganhar os que já fizeram da agricultura um comércio por grosso e se estabeleceram muito depois da queda.
Acusada a agricultura de não enriquecer suficientemente a Nação, aumentando o produto nacional, é preciso averiguar, realmente, das suas culpas e das suas queixas.
Os lavradores de Trás-os-Montes têm um carácter muito bem definido, apurado em séculos de convívio comunitário.
Possuídos de uma forte personalidade e natural independência, a pobreza nunca os diminuiu, antes exaltou a sua sobriedade, tenacidade e inteligência.
O meu velho caseiro o Chico António - instruía-me, na eira de Santo Amaro, nessa admirável filosofia:
Compadre, se nós, os pobres, fôssemos tão estúpidos como os ricos, morríamos todos de fome.
... E talvez não morressem, porque ali não tem faltado uma malga de caldo para um pobre.
Refere Oliveira Martins que, naquelas terras, "vigoravam com a maior energia as tradições primitivas da propriedade comunal e os aforamentos faziam-se com um certo povo que repartia entre si os encargos, como entre os Romanos na Cúria municipal, ou entre os Russos no Mir, e como entre nós depois se repartiu a sisa".
Esta vida comunitária, este governo próprio, deu-lhe uma autonomia que tem expressão na legendária independência das gentes e assegurou-lhe uma alta politização que é marca transparente da sua personalidade.
Lavradores sóbrios, tenazes e independentes, sairiam facilmente da sua pobreza se lhes fossem assegurados os meios de que têm necessidade.
Nunca lhes faltou vontade nem audácia. Não teme sacrifícios um povo que é capaz de emigrar logo que se abre uma perspectiva de melhoria das suas condições, que se adapta aos trabalhos mais rudes e costuma lutar, ainda que a luta seja dura e incerta, para vencer os homens ou a Natureza, as ribas agrestes do Douro ou as hostes napoleónicas.
O crescimento da agricultura de Trás-os-Montes depende das medidas concretas da Administração.
Aquela região oferece possibilidades imensas de fomento florestal, frutícola e pecuário e recursos naturais para uma grande variedade cultural.
A terra fria e a terra quente, com os microclimas que por ali se podem delimitar, permitem considerar uma extensa gama de produções que assegura um relativo conforto contra as crises do tempo e dos mercados.
A terra e o homem guardam, portanto, uma grande promessa.
Se não cresce a agricultura, repito, é porque lhe tem faltado o Governo.
A política das obras públicas, lenta, desactualizada e cheia de vertigens, não tem sido dirigida ao rápido crescimento económico; os impostos não favorecem o campo; as comunicações são difíceis, os transportes são uma calamidade pública; o crédito agrícola é praticamente inexistente e a própria política dos preços tem sido inoperante.
Os meios clássicos do arranque de uma região debilitada - redução da carga tributária, energia barata, crédito orientado, transportes eficientes e baratos, preços garantidos - estão ausentes do processo de crescimento de Trás-os-Montes.
Ausentes esses meios e presentes os que têm sinal contrário - impostos e taxas excessivas, energia proibitiva, transportes caríssimos,- crédito inoperante, preços marginais degradados.
As populações agrícolas desamparadas, lamentavelmente desamparadas, prosseguem a sua pobre economia de subsistência, acantonadas nas aldeias, entregues à consciência dos pequenos comerciantes locais, sem incentivo para produzir.
Essa situação, verdadeiramente angustiosa, conduziu, logicamente, à emigração maciça.
A economia desmaia, a autoridade dos vizinhos, que o velho funcionamento dos conselhos assegurava, foi dês-
Página 715
24 DE MARÇO DE 1966 715
truída e substituída tantas vezes por uma autoridade falsificada, dependente ou incapaz, e a organização de uma verdadeira polícia rural é mais do que precária, inexistente.
Assim a propriedade, a conservação dos frutos, a defesa das plantações, a protecção das culturas estão entregues à malfeitoria própria dos tempos.
A vida das aldeias decorre sobre o signo do abandono e da emigração, de pouco servindo a electricidade que chega, o telefone que se instala, o fontanário que se levanta, a estrada que se constrói.
Tudo precisa, de gente que lhe dê vida, que consuma, que telefone, que circule, mas o acto de consumir, de telefonar, de circular, tem um primeiro ponto de apoio, que é a própria bolsa, bolsa que não pode abrir-se se estiver vazia.
Enquanto não for considerada a economia daquelas populações, olhando para esse fundamental aspecto da sua vida, para a produção e venda da vaca, do porco, da batata, do leite, do vinho, do azeite e dos frutos, os telefones e os fontanários, os fios eléctricos e as estradas serão os monumentos de um tecnicismo desarticulado, compartimentado, do progresso postiço fabricado nesta capital do erro purificado, onde não chegou ainda o cheiro da terra húmida e o bafo da gente, onde nunca se sentiu pulsar a vida estuante de uma verdadeira comunidade rural.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aqui se logrará encontrar o êxtase de estatística, o delírio dos esquemas e dos custos, mas não se pressentirá a vida.
Até essa preciosa água que generosamente levaram às .nossas aldeias corre no Inverno enlameando as ruas e acaba no Verão, porque os serviços de abastecimento, que cuidam de dar de beber a tantos litros por cabeça, não conhecem os costumes das aldeias e a ordem das necessidades das populações rurais.
Não sabem efectivamente estes serviços que os verdadeiros aldeões cuidam primeiro das cabeças dos alhos, das pitas e dos porcos; as deles, porque são reis da criação, são as últimas a ser servidas.
Temos gasto dinheiro sem jeito nem gosto, esquecidos de pequenas e fundamentais realidades que não se ajustam aos comandos únicos da nossa gigantesca administração, centralizada, deformada e desumanizada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Abri há dias as primeiras páginas do noticiário responsável do novo congresso do partido comunista da U. R. S. S.
O jornalista interrogava-se sobre se finalmente, a terra iria ser entregue ao agricultor russo.
Fartos de ver explicar na imprensa oficial que as fraquezas da economia rural resultavam directamente dos Invernos e das Primaveras, alguns economistas que nasceram com o hábito de falar a verdade começaram a dizer que era sobretudo preciso dar a terra aos produtores ou, na linguagem eufemística do partido, "humanizar os métodos soviéticos de exploração da terra de modo que os trabalhadores se sentissem interessados numa alta produtividade- e em cada uma das horas do dia responsáveis pelas suas explorações".
Era preciso que cultivassem com toda a segurança a mesma terra 20 ou 30 anos, fazendo o seu regulamento próprio, quer dizer, as suas tradições".
E mais. Sr. Presidente e Srs. Deputados, "era preciso desenvolver por todos os meios, junto dos trabalhadores, o sentimento da propriedade da produção".
Numa palavra, livres de planificações, de esquemas e de estatísticas, as terras seriam distribuídas aos lavradores para que realmente produzissem.
A Rússia procuraria, desesperadamente, arrepiar caminho e criar tradições, enquanto nós, depois de alguns séculos de mercantilismo em que desprezamos a terra e os lavradores, queremos acabar por destruir as nossas, culpando os agricultores de suas fraquezas, das suas estruturas e necessidades, em lugar de os honrar pelo seu amor à terra e sobriedade do seu viver.
Efectivamente, em primeiro lugar, temos de honrar os lavradores, descobrindo-nos diante deles, concedendo-lhes o lugar que lhes pertence na vida pública, lugar de que foram despojados pela supremacia dos funcionários - economistas, importadores e regulamentadores -, pelos industriais e pelos comerciantes, e, depois, temos de os libertar das suas incomensuráveis dificuldades.
Volto ao discurso de há três séculos:
E estimavam tanto os Romanos a agricultura que muitas famílias tomavam os apelidos dos legumes que semeavam.
Os Fábios, das favas; os Lentulos, das lentilhas; os Cíceros, dos chícharos ou gravanços.
A própria terra agradecia ver-se cultivada por mãos triunfadoras, os imperadores cuidavam tanto dos campos para as sementeiras como dos campos de batalha para as vencer.
Curos e Fabrícios sempre que as tréguas surgiam tomavam o arado para que o valor se não debilitasse com o ócio.
Esta nobre profissão que costumava andar pelos senadores, cônsules e ditadores veio a ficar, como pondera Plínio, em jornaleiros e escravos.
A actualidade do discurso está na verificação do abandono da terra e no perigo que esse abandono comporta.
Os romanos saíam do arado para o senado e nós havemos de defender a sua situação aqui, último reduto da terra empobrecida e maltratada.
Oliveira Martins, estudando o problema da emigração portuguesa, escrevia no fim do século passado:
Não declamemos contra a emigração, pois que não sabemos corrigir as fontes da moléstia; não a agravemos com a insensatez de .um vão palavreado; nau juntemos à miséria o ridículo.
E citava Bocco de Zerbi, sublinhando o relatório que precedia a lei italiana:
Não se deve impedir abertamente, nem por vias oblíquas, a emigração. Ainda quando se quisesse não se podia. E não se devia porque a emigração opera como um moderador espontâneo para temperar os efeitos do aumento da população, quando esta não é proporcional ao aumento dos meios de subsistência.
Não existe balança com a qual nos seja possível comparar a soma de bens com a soma de males que vem da emigração.
Hoje, a população rural sai dos campos para a cidade e sai do País para o estrangeiro.
Para desencorajar estes movimentos é indispensável inverter os pólos de atracção, encorajando a economia da terra pela redução dos impostos, das taxas, da ener-
Página 716
716 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
gia, dos transportes, pela concessão de créditos e pela eficiente assistência técnica, em ordem a estimular realmente a iniciativa das organizações agrícolas e dos lavradores.
A vida municipal está dominada pela supremacia dos funcionários e dos serviços centrais.
Pedimos demasiadamente a protecção do Estado.
Que organize, que dirija, que regule, que determine, e ficamos contentes quando nos dizem que se estuda, se projecta, se planifica e se inaugura.
Quando lhe pedimos tudo não devemos estranhar que ele se endeuse e se agigante, que nos esmague ou que nos ensombre.
Corremos, então, atrás de padrões que não nos servem, procuramos atingir marcas que são impossíveis de obter, criamos miragens que se esfumam e se desfazem.
A burocracia, mesmo a mais eficiente, começa a trabalhar em circuito fechado, segundo conhecidas leis, e não deixa que o ritmo da produção corresponda às nossas reais possibilidades.
Para desenvolver as zonas atrasadas do interior têm de ser concedidos incentivos reais, palpáveis, eficientes, e não apenas uns melhoramentozinhos que em bem ordenada economia haviam de ser enquadrados ou subordinados aos planos locais de desenvolvimento.
É necessário mandar para essas regiões governantes que tenham olhos e ouvidos, rodeados de equipas técnicas capazes de auxiliar as organizações existentes e as actividades privadas, caminhando, naturalmente, sem pressas, no meio do povo, com ânimo de valorizar económicamente as comunidades rurais.
A burocracia, concentrada e absorvente, chama para os grandes centros e, concomitantemente, trava o desenvolvimento de periferia quando rigorosamente devia usar os foguetões retardadores de marcha das chamadas assimetrias espaciais.
Vemos encher de facilidades a vida dos grandes aglomerados, encorajando enormes investimentos, ao mesmo tempo que empobrecem, anemiadas, as regiões de maior ruralidade.
Quando nos debruçamos seriamente sobre esta triste situação temos de sentir calafrios.
É a vida regional apagada e sem recursos, com estruturas administrativas ineficazes e, portanto, caríssimas e mal pagas.
Serviços demasiados, duplicados e triplicados, mas com rendimento inferior, todos muito aptos para mandar e poucos para realizar.
A administração municipal, adormecida ou asfixiada de encargos, compartimenta-se nos mesmos espaços do século passado quase como a deixou a reforma de Mouzinho.
Nesse tempo cada légua levava uma hora de caminho enquanto hoje pode percorrer-se, contra relógio, em cinco minutos, e pároco que ainda não demos por isso.
Comparando os processos de trabalho da nossa máquina administrativa com os de qualquer organização evoluída, temos a tentação de pensar que o maior serviço que prestaríamos à Nação seria primeiro paralisá-la, pura e simplesmente, porque vai fora do compasso, e depois sacudi-la e pô-la em marcha com o andamento requerido.
Seria a forma de acertar o passo.
Concentrar o comando, descentralizar realmente e não teoricamente, simplificar e convencer a mesma administração de que também é responsável pelo aumento do produto nacional, o não apenas beneficiária do crescimento.
Onde a organização corporativa tomou expressão assistimos a recuperações fulgurantes que põem em xeque todas as outras estruturas administrativas regionais.
Constrói-se, trabalha-se e produz-se melhor, mais depressa e mais barato, competindo com as próprias empresas privadas. E justo é salientar que alguns serviços o têm compreendido claramente.
O tratamento dos grandes espaços rurais debilitados por uma economia indefesa tem de ser realizado a quente, com a ajuda e a intervenção directa das populações interessadas.
A máquina administrativa e política corresponde à era do melhoramento e do cacique - da inauguração e dos votos.
Não é capaz de mobilizar os produtores para uma actividade concertada.
O ponto de apoio desse arranque tem de ser a organização corporativa, prestigiada, dignificada, valorizada, emancipada da tutela do listado, independente o autodeterminada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Nordeste transmontano constitui já um exemplo vivo das virtualidades potenciais de um arranque desse tipo.
Dinamizada a Federação dos Grémios por uma acção inteligente e viril e apoiada vigorosamente pelos serviços do Ministério da Economia, pôde aquele organismo conceber uma estrutura fabril e comercial capaz de intervir eficazmente na comercialização dos produtos agrícolas regionais.
Ao mesmo tempo preocupava-se com a reconversão agrária, procurando as soluções que favoreceriam o crescimento rápido das produções mais lucrativas, a defesa do solo e o aproveitamento das águas e dos climas.
Tudo foi pensado em ordem a criar riqueza e a melhorar as condições económicas das populações, interessando nessa valorização a capacidade do homem transmontano.
As intervenções da Federação na comercialização da noz, da cereja, da castanha e da amêndoa devem ter produzido já benefícios de muitos milhares de contos e as primeiras intervenções na defesa do preço do gado provocaram alterações espectaculares nas feiras e mercados.
O azeite, o vinho, a lã e o figo são outros tantos produtos cujos esquemas de armazenagem, tratamento industrial e comercialização estão em marcha.
Fábricas, estábulos, lagares, armazéns, estrategicamente localizados, cooperativas e grémios em cadeia são elementos criados com o indispensável apoio de um estado-maior de técnicos para empreender o trabalho aliciante da recuperação económica daquela região debilitada e exangue.
Onde mexiam muitos passaram a mexer poucos e à rotina sucedeu a audácia.
A tese do ilustre relator das contas públicas tem aqui uma ilustração de ordem prática.
Organização e técnica, audácia e dedicação exemplares, são os elementos fundamentais da recuperação que se preconiza.
Nada disto, porém, será possível se a Administração não compreender, e não colaborar, apreciando e aprovando os esquemas, assegurando os créditos, concedendo as facilidades necessárias, acompanhando as realizações e deixando a iniciativa e a decisão a cargo dos organismos que se mostrem aptos a conceber e a realizar.
A acção da Federação dos Grémios do Nordeste foi consagrada, há pouco tempo, numa reunião magna de
Página 717
24 DE MARÇO DE 1966 717
milhares de lavradores realizada no complexo agro-industrial do Cachão.
A vitalidade dessa organização não pode ser sacrificada à mesquinhez das verbas nem à suficiência e independência de alguns serviços.
Estão preparadas novas instalações fabris, elaborados projectos da reconversão agrária da Vilariça, de Bornes, de Macedo, organizadas cooperativas, iniciado o trabalho das fábricas, e nada disto pode parar, sob pena de sacrificar ao futuro e de trair a terra.
A situação a que chegámos requer efectivamente audácia, mas os homens que se juntaram no Cachão não são daqueles que desistam ou se rendam.
Contam decerto connosco e contam com o Governo, de cujas intenções já nem sequer podem duvidar.
Organização, técnica e audácia são os remédios para combater a pobreza agrícola e são. efectivamente, aqueles que os lavradores do Nordeste já escolheram para sair da miséria em que foram lançados por erros alheios.
Fizeram-no com uma dignidade e um sentido da responsabilidade que ninguém legitimamente lhes pode recusar.
Os grémios, como todos os grupos humanos, tendem para uma politização progressiva à medida que ganham força e autoridade.
Pois é sumamente desejável, dentro do nosso sistema de instituições políticas, que esses grémios sejam conhecidos como uma força política realmente actuante, pondo nas suas reivindicações e nos seus programas de acção a veemência própria de uma verdadeira acção política.
As autoridades não podem desconhecer essa força, têm de reconhecê-la e não devem minimizá-la.
Politicamente seria desastroso configurar uma luta entre a autoridade e as forças políticas que as instituições reconhecem e mais difícil ainda seria compreender que essas forças políticas não respeitassem a mesma autoridade.
A vitalidade da organização, a estruturação de uma nova força reivindicando um determinado esquema de valorização regional e lutando pela sua execução, são valores inestimáveis para á realização daquilo a que se costuma chamar institucionalização do Regime, e eu gosto de considerar, singelamente, como funcionamento efectivo das nossas instituições.
E termino, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na esperança de ter considerado o tema que me propus analisar com toda a liberdade que esta tribuna assegura, e com o sentido da responsabilidade que o bem comum requer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: No encalço dos oradores que, a propósito das contas públicas de 1964, me precederam nesta tribuna, e de que recordo os Srs. Deputados Alberto de Araújo e Virgílio Cruz, presto mais uma vez homenagem à clareza e verdade com que as mesmas se apresentam processadas.
Constituem tais virtudes já uma tradição, cujo início foi marcado pelas reformas fiscais, quando o Sr. Presidente do Conselho foi chamado a gerir, em 1928, a pasta das Finanças, e que tem sido escrupulosamente seguida pelos seus ilustres sucessores.
Bem hajam, porquanto desta maneira acessível se apresentam em geral ao alcance de quem queira examiná-las e, em particular, para nós, que por lei temos de apreciá-las e assim nos vem facilitar a sua aprovação.
A este louvor é de associar o devido ao ilustre relator da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia, Sr. Deputado Araújo Correia, que por forma incansável, com rigor e independência de critério, ao imito, nos vem ilustrando os necessários capítulos de tão vasta matéria, quer metropolitana, quer ultramarina.
Com a ajuda de tão seguro guia, não se nos apresenta imprudência a confiada aprovação de tais contas, fazendo embora também nossas as recomendações que, a seu propósito
Estamos inteiramente de acordo com o que nele se aconselha de os investimentos públicos se orientarem quanto possível em função da esperada produtividade; as observações a que a seguir nos apontamos as fazemos em nome desse objectivo.
Partilhamos também das preocupações que sempre postula- o recurso ao crédito, que prementes circunstâncias de defesa da Nação impõem, na certeza de que o aumento das receitas ordinárias, verificado já em 1964, embora sem deixar de reclamar prudência, a nosso ver, corrige, perspectivas pessimistas.
Não podemos, contudo, concordar com o, a nosso ver, ilusório conceito inserto no relatório de que «a história ensina que decadência económica é mãe da decadência política» (p. XXI), certo como logo se acrescenta que «o poder político anda associado ao poder económico».
Mas a verdade que a história demonstra, estamos disso convictos, e embora se processem nestes dois termos reacções de interdependência, é a de que a precedência sob o ponto de vista público se estabelece da prosperidade ou decadência política para a económica. Felizmente que na própria introdução, logo a p. XXIX, encontramos vacina para tão perigoso conceito quando se reconhece que «todos os esforços e sacrifícios (onde os económicos têm lugar dominante) ruirão» a romper-se a necessária unidade nacional. E não será este o primeiro axioma de sanidade política?
Que o Sr. Deputado Araújo Correia nos perdoe a discrepância amistosa e passemos ao rol das observações que sobre as contas nos ocorre fazer e nos foram surgindo a propósito das despesas do ano em causa.
1.º Despesas militares:
Quanto ao imperativo destas, duas observações:
Na lógica dos acontecimentos, a despesa em três frentes elevam-nas a quase 4 370 000 000$.
Em todo o caso, aplicando-se-lhes a prioridade legal foi possível pagá-las na maior parte pelo excesso das receitas sobre as despesas ordinárias.
Mais que uma coincidência feliz, isto representa, passados quatro anos sobre o estado de guerra, um como que o tomar-se consciência da quase normalidade de uma tal situação. Isto tende a levar-nos à como que aceitação de que tal estado se tenha de processar como normal no nosso espírito. Não foi em estado de milícia permanente, multissecular, até Afonso IV, que a nacionalidade se formou?
Isto sem falar da projecção ultramarina, não foi com a guerra, restauração e sucessão de Espanha, mais de 60 anos, que a nossa independência se consolidou?
Sem a nossa intervenção na guerra de 1914, seria explicável o sobressalto do 28 de Maio que nos libertou do apodrecimento constitucional?
Página 718
718 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 39
Outro aspecto, este não das despesas mas das receitas que a guerra nos traz.
Os imponderáveis de valor anímico, que vêm acrescentar-se e dinamizar oportunamente as novas gerações, que pareciam tender nacionalmente a um envelhecimento precoce.
Esses invisíveis não se contabilizam, infiltram-se através do materialismo opaco dos números, mas nem por isso deixam de ser ofuscantes ao máximo.
Lembremos a propósito o P.e António Vieira do sermão de 1645 pelo bom sucesso das armas portuguesas, quando, para além do corpo da milícia, exclamava: «Alma dos reinos, principalmente em seus princípios é a opinião», e logo adiantava: «Dificultosa empresa em que não imos só conquistar as forças de um reino e muitos reinos, senão os juízos do mundo. Este ponto é o que nos deve pôr em maiores cuidados que a mesma guerra.»
Quanto à milícia, com tal autoridade me quedo.
2.º Silvicultura:
Um aspecto fausto do incremento da área beneficiada, sobretudo com sementeira de penisco e plantação de eucaliptos e que desde 1930 subiu da ordem dos 23,500 ha para a dos quase 250 000 ha, em 1964. Isto sobretudo desde a execução do Plano de Fomento. Outro, menos fausto, o aspecto quanto à receita ordinária já decorrente desse serviço. Com efeito, existindo em 1948 cerca de 44 000 ha arborizados, a receita da sua exploração não vai além de 40 000 contos, não chegando para pagar as despesas ordinárias, que nesse ano passaram de 44 000 contos.
Nesses modelares serviços do Estado; quanto à técnica dos investimentos, há qualquer coisa que sob o ponto de vista da comercialização dos respectivos produtos não está actual, que não é possível concretizar, suficientemente, mas para o que o relatório chama justamente a atenção governativa, e nós com ele!
Lembramo-nos sempre como o Dr. Marnoco e Sousa nos ensinava de quanto rendimento a Prússia ao tempo tirava das suas florestas estatais.
3.º Plano de rega do Alentejo:
Prossegue este plano grandioso, e de perspectivas reconfortantes pela presumida improdutividade, a sua realização, e assim se verifica, gastos nele, de 1962 a 1964, mais de 422 000 contos.
Amorteceu neste último ano em relação ao anterior o ritmo de investimentos, em cerca de 37 000 contos. Decerto que a necessidade de se acudir a mais urgentes despesas o determinou.
Isto não impede que seja da maior utilidade não esmorecer neste empreendimento, em que, embora o aspecto de rendabilidade, porque agrícola, não venha a vislumbrar-se espectacular quanto a numerário, deverá ser importantíssimo do ponto de vista de uma solução demográfica nacional mais bem distribuída.
4.º Ponte sobre o Tejo:
Recordo hoje aqui a posição que a propósito tomei - caudatário no caso do Sr. Eng.º Araújo Correia - antes da sua construção, no sentido da dilação desta para ulteriores calendas, ou seja, para quando se revelasse insuficiente um serviço devidamente actualizado de ferry-boats.
Hoje, factos consumados, não deixarei de encarecer os aspectos positivos que tão magnificente quão funcional obra pública nos acrescentou nacionalmente. Até sob o ponto de vista da sua estética, inserção na paisagem, a sua realização impõe-se a meus olhos como feliz, tanto na parte da renda do tabuleiro metálico como do viaduto de acesso norte, projectando-se visualmente em suave curva contra a colina da Ajuda.
Na margem sul o módulo desta construção teve até a vantagem de melhor integrar a figura vertical do Cristo no ambiente de horizontalidade da série de colinas em que se eleva, mediante a passagem de prumo da próxima torre de suspensão para a linha horizontal do respectivo tabuleiro.
Perdoe-se-me esta divagação. Isto sem falar de outros valores imponderáveis a tão momentosa obra ligados, como seja a da subestrutura financeira que a tornou possível e a que ela corresponde como diadema de uma época, e da competência técnica da engenharia portuguesa, a que eu presto alta homenagem na pessoa do Sr. Ministro das Obras Públicas, a cuja prestante e multímoda actividade o País tanto deve.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Isto não impede que, ainda em concordância com o Sr. Eng.º Araújo Correia, eu formule as seguintes reservas quanto à sua realização pelo que respeita aos acessos, cujo montante de despesa se aproxima do custo da própria ponte.
Ora, penso que, salvo o devido respeito, aqui se não tem vindo atendendo ao custeio da mais imediata produtividade do investimento.
Há dias, como um qualquer, que aliás sou, tive a curiosidade de visitar o fervei opus dos trabalhos dos nós de acesso da margem norte.
Não se teria cedido aqui a um critério antes de imediata perfeição técnica - a cuja tentação os engenheiros, como os arquitectos, como no seu campo os médicos, não escapam - em prejuízo do aproveitamento imediamente económico do investimento que o administrativo reclama?
Não seria possível dentro de um critério de razoável exploração da obra, dentro dos planos de perfeição ulterior, encontrar soluções do seu aproveitamento mais reduzido para o movimento a prever sei lá, para cinco ou dez anos?
E essa economia não permitiria desde já instalar na ponte o caminho de ferro, aproveitando-se embora para o efeito provisoriamente as estações de Campolide ou do Rossio?
Que essa ligação ferroviária seja indispensável, quem o duvida? Além da sobrevivência das linhas transtaganas, quem põe em discussão paralela e marginal ao mar, mar-base das nossas fronteiras, a vertebral de Monção a Vila Real de Santo António, que pode finalmente atravessar, face a Lisboa, o fosso do Tejo?
Quanto à ponte, isto é história pregressa, mas creio merecer aproveitar-se a lição para futuro.
5.º Porto de Leixões:
Os investimentos reprodutivos que este porto nas suas perspectivas do próximo incremento comportam estão à vista de todos.
Basta ter observado os navios - dez ou doze, eu os vi! - que mesmo fora do porto anterior aguardam lugar para acostagem, para se inteirar da urgência do problema, já da terminação da primeira parte da 2.ª doca, já de logo se encarar o seu prolongamento previsto. Isto sem falar da parte do porto a acrescentar para o tráfego petroleiro, que se terá de processar de outra sorte.
Estes investimentos são daqueles que directamente e indirectamente melhor devem aproveitar à economia de todo o norte do País, ergo nacional.
Página 719
24 DE MARÇO DE 1966 719
Sem sobre este ponto me querer alargar boje, aproveito, todavia, a ocasião de chamar para ele a atenção do Governo. Tem em mãos o III Plano de Fomento. Que neste o financiamento correspondente se cifre em importâncias relevantes, já que no Intercalar se foi tão parco, são os melhores votos dos Portuenses e seus vizinhos.
Sr. Presidente: Com esta sugestão ponho termo a estas desataviadas considerações, e concluo prestando o meu voto de aprovação às contas em discussão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá, como hoje, duas sessões, uma às 11 horas e outra à hora regimental, ambas sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Requerimento enviado para a Mesa durante a sessão:
Requeiro, ao abrigo do Regimento, que me sejam fornecidos exemplares dos volumes III e IV da publicação oficial Dez Anos de Política Externa.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 16 de Março de 1966. - O Deputado, Manuel Lopes de Almeida.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António José Braz Regueiro.
Armando Cândido de Medeiros.
José Fernando Nunes Barata.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel Nunes Fernandes.
Raul Satúrio Pires.
Rui Pontífice de Sousa.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Sinclética Soares Santos Torres.
Tito Lívio Maria Feijóo.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA