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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 44
ANO DE 1966 10 DE DEZEMBRO
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 44 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 9 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs. Fernando Cid de Oliveira Proença.
Mário Bento Martins Soares
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente comunicou que, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, recebera da Presidência do Conselho o Decreto-Lei n.º 47363; de vários Ministérios, respostas a requerimentos de três Srs. Deputados, e da Presidência do Conselho, o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967 e uma proposta de lei sobre o serviço militar.
O Sr. Deputado Cancella de Abreu referiu-se ao falecimento da Sr.ª Doutora D. Domitila de Carvalho, cuja figura enalteceu.
O Sr. Deputado Pinto de Meneses assinalou o 1.º centenário da morte de el-rei D. Miguel I e traçou o perfil do soberano.
O Sr. Deputado Tito Arantes examinou o novo Código Civil, e pôs em relevo a sua extraordinária importância.
O Sr. Deputado Marques Teixeira agradeceu ao Governo a decisão de mandar construir o novo edifício para o Liceu de Viseu.
O Sr. Deputado Aulácio de Almeida referiu-se à audiência que o Santo Padre Paulo VI concedeu à delegação da União Católica dos Industriais e Dirigentes do Trabalho.
Ordem do dia. - Começou a discussão da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Meneses e Virgílio Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram l5 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Manuel Gonçalves Bapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
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Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mêsquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Bráz da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Rocha Zalhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Amerim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lurdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Bogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião A.Ves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
D. Sinclótica Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Tito Lívio Alaria Feijóo.
Virgilio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 281, 1.º série, de 5 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 47 363, que concede à Junta dos Construções para, o Ensino Técnico e Secundário as condições indispensáveis para promover no ano corrente e em 1967
a execução das obras de construção de edifícios para as escolas do ensino técnico profissional a seu cargo abrangidas pelo Plano Intercalar de Fomento em execução, cuja conclusão se verificará além de 31 de Dezembro de 1967.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, a requerimento do Sr. Deputado Miguel Augusto Pinto de Meneses, apresentado na sessão de 9 de Março último.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios do Interior e da Educação Nacional, a requerimento do Sr. Deputado Armando de Sousa Magalhães, apresentado na sessão de 4 de Março último.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelos Ministérios da Economia e do Ultramar, a requerimento do Sr. Deputado José Fernando Nunes Barata, na sessão de 8 de Março último.
Estes elementos vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.
Por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, foi enviado à Assembleia o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Ainda por despacho de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, foi enviada à Assembleia a proposta de lei do serviço militar, a qual vai ser enviada à Câmara Corporativa para efeitos de parecer.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: A força das circunstâncias impediu-me de agradecer mais cedo a V. Ex.ª e à Assembleia o seu voto de pesar por motivo do falecimento do último dos meus saudosos irmãos, o quarto no curto espaço de dois anos e poucos dias. Faço-o agora muito sensibilizado e reconhecido.
Em segundo lugar, sentindo não poder traçar a biografia de todos os antigos Deputados falecidos durante o interregno parlamentar e mencionados por V. Ex.ª, eu limito-me a consagrar algumas palavras à memória da Doutora D. Domitila de Carvalho, falecida recentemente.
A Doutora D. Domitila de Carvalho foi, a todos os títulos, uma grande senhora.
Grande pela sua estrutura moral, pois foi grande em todas as suas virtudes, e grande no talento e no saber, revelados durante uma vida quase secular, de que legou à posteridade um exemplo imperecível.
A sua vasta biografia foi traçada, com verdade e justiça, na imprensa, da qual -especialmente de A Voz - foi brilhante colaboradora durante longo espaço de tempo.
Vinda da humildade, os seus predicados ligados a uma vontade forte levaram-na a ser a primeira mulher que frequentou a Universidade de Coimbra, onde, numa carreira escolar brilhante, se formou em três Faculdades: Matemática, Filosofia e Medicina, onde o seu acesso careceu de um despacho ministerial.
Durante dezenas de anos exerceu a clínica em Lisboa e, simultaneamente, o professorado e a reitoria em liceus femininos da capital.
Fez parte da primeira e da segunda legislaturas da Assembleia Nacional e portanto logo que as suas portas foram abertas à mulher portuguesa; e não passou desapercebida a sua passagem por aqui, pois esteve sempre atenta aos problemas da juventude e do ensino, apresentou um projecto de lei para a criação, nas escolas secundárias e liceus femininos, de cursos de puericultura e de higiene geral; e interveio num debate sobre a presença dos menores nos espectáculos públicos e sobre reformas do ensino, etc.
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Atingido o limite de idade há 25 anos, ainda há memória da grandeza e do alto significado da consagração que, nesse passo da vida, recebeu; e o Governo condecorou-a, merecidamente, pelos serviços que prestou à instrução pública.
Quase centenária, conservou a viveza do seu espírito cintilante, a grande fé em Deus, o amor da Pátria e a firmeza inabalável das suas convicções, até que a morte, lei da vida, a arrebatou. A Bainha Sr.ª D. Amélia consagrou-lhe sempre particular estima.
A excessiva modéstia não conseguiu esconder ao futuro a justa reputação que alcançou.
Inteligente, culta, médica distinta, pedagoga e parlamentar ilustre, a Doutora D. Domitila de Carvalho foi, também, notável conferencista, escritora e inspirada poetisa. Os seus lindos versos são o espelho da sua alma e a imagem do seu coração.
Vozes: -Muito bem, muito bem O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Começo por apresentar a V. Ex.ª, no começo desta sessão legislativa, os meus cumprimentos de muito respeito e de ilimitada admiração.
Um dos mais preciosos resultados do Regime da Revolução Nacional foi a modificação dos nossos costumes políticos. Obra de base, como toda a que visa a reforma de uma mentalidade, será tida um dia numa avaliação igual ou até superior à das portentosas realizações materiais destes 40 anos. E, embora não se fale muito nela, pois é, como a saúde, um bem que só verdadeiramente se estima quando se perde, constitui, todavia, uma conquista tão valiosa que é, só por si, suficiente para prestigiar e exalçar um governo. Em boa verdade, ao clima de perseguição sistemática e de intolerância feita norma responde actualmente um ambiente de benevolência e compreensão, que não exclui, antes pressupõe, uma forte e consciente detenção de autoridade. Sem essa modificação dos nossos costumes políticos não teria sido possível um acontecimento como o da grandiosa trasladação solene, em 1932, através das ruas de Lisboa, dos restos mortais de D. Manuel II.
De facto, só em ambiente de paz e compreensão se consegue harmonizar as correntes várias do pensamento político e prestar a todos a devida justiça, eliminando situações imerecidas, agravos infundados e excepções odiosas à face da moral e da história. Só assim foi possível que a Assembleia Nacional revogasse em 1952 a lei do banimento.
Este incomensurável trabalho de reeducação política há-de ter o justo louvor no juízo da posteridade. Mas nós, os que vivemos este processo de recuperação, também sabemos avaliar a extensão do seu alcance e o valor da sua execução prática. E, sobretudo, sabemos quão difícil e ingrato ele foi, pois não é em vão que se formam e informam erroneamente as gerações durante quase um século e se conduzem os espíritos para a aceitação de preconceitos sectários e para o desprezo dos homens e das instituições que fizeram e ampliaram todo o património nacional.
Ora, é justamente este clima de compreensão e de harmonia que me permite evocar nesta Assembleia um dos maiores monarcas de Portugal, aquele que, no testemunho dos próprios adversários, foi o mais amado do povo português. E se faço esta evocação é, sobretudo, para vincar que o acto de justiça que o Governo vai praticar calará fundo na sensibilidade nacional.
D. Miguel I, rei de Portugal por força do mandato inequívoca e espontaneamente ditado em cortes celebradas com todos os requisitos e solenidades do direito vigente, foi, com suas virtudes, suas ideias e seus sentimentos, a vera imagem do nosso povo.
Educado por mestres da envergadura intelectual e moral de um visconde de Santarém, um dos maiores historiadores portugueses de todos os tempos, D. Miguel revelou invulgar capacidade na gestão dos negócios do Estado e aptidão excepcional para apreciar e decidir os assuntos delicados da Administração. E, se não pôde executar os planos concebidos pelo seu ministério, formado por intelectuais da alta categoria de um frei Francisco Alexandre Lobo, foi tão somente porque o estado permanente de guerra, movida do exterior, não lho permitiu.
Fiel às raízes da consciência nacional, crente sincero e afirmativo, alma generosa e franca, quis ser um guardião das justas tradições pátrias, e, como está demonstrado, um dinâmico propulsor do progresso educacional e económico do País.
Os calamitosos sucessos das invasões francesas, que puseram Portugal à beira da ruína, haviam gravado inextinguível impressão no seu temperamento de adolescente e provocado sensações dolorosas que são a chave do seu carácter e explicam o seu apego tenaz às instituições seculares em oposição aos princípios revolucionários que as hostes napoleónicas pretendiam impor pelo ferro e pelo aço.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Procurou, por isso, traduzir sempre a mais perfeita identidade com o modo de sentir e agir do nosso povo. Não se conhece um só acto governativo do seu reinado de seis anos que não visasse o~ bem-estar dos Portugueses. E só assim se explica que, no dia da Convenção de Évora Monte, os seus oficiais e soldados resistissem a ameaças e subornos e, num gesto de raiva contra a crueldade do destino, quebrassem, vencidos, mas não convencidos, as espadas, e rasgassem os uniformes, e não tivessem uma só palavra de recriminação contra o seu rei. E só assim se explica também o messianismo formado à volta da sua pessoa, messianismo tão profundo que resistiu à erosão dos tempos, constituiu um dos mais formosos timbres da lealdade do génio lusitano e formou, imediatamente, o fermento donde saiu a doutrina redentora dos mestres da Contra-Revolução, que foi, como sabemos, o alimento espiritual da Revolução de Maio de 1926.
Vozes: - Muito bem l
O Orador: - No exílio, para onde partiu sem recursos financeiros, porque distribuíra todo o dinheiro pelos seus soldados, no exílio - dizia - mostrou sempre até à morte os altos predicados da sua alma, perdoando as ofensas, defendendo sempre o nome de Portugal e educando os seus filhos no amor entranhado à Pátria.
Por isso, e por sua exemplar conduta de governante, o seu nome passou imaculado, envolto num halo de saudade imarcescível, para os corações portugueses. Tanto mais que nenhum dos desvarios e incessantes falências políticas, que se seguiram à sua proscrição, lhe pode ser assacado. Nenhuma responsabilidade lhe cabe no caos em que se» transformou, durante quase 100 anos, a administração do Estado.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Também não lhe pode ser imputado o divórcio entre a nação real e o Poder Público, que foi, com raras intermitências, uma característica nossa de
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1834 até 1926. Assim como também não a dissolução .da estrutura social da Nação até aí mantida através das corporações multisseculares; nem ainda a redução da independência e número das autarquias municipais, que constituíam um dos mais seguros baluartes da liberdade e autonomia populares.
Vozes: -Muito bem
O Orador: - Nem ainda a extinção das ordens religiosas e o consequente abaixamento do nível espiritual do País. Nem também a decadência da agricultura, devido à pulverização da propriedade. Em suma, não lhe pode ser atribuído o estado de ruína geral em que Portugal caiu, com o facto de o camartelo da política triunfante haver derrubado, com a funesta precipitação que se sabe, o edifício da sociedade antiga, e, para tanto, a estrutura jurídica que a modelava. Não, nada disto lhe pode ser atribuído; e bem diferente teria sido o conspecto da existência nacional se D. Miguel e o seu povo tivessem saído vitoriosos.
Porém, a sorte e sobretudo o estrangeiro não quiseram assim. Os homens daquele tempo, apesar da sua excepcional categoria intelectual, não souberam tornear os ventos da altura, ventos esses que, afinal, como ventos estranhos que eram, deixaram atrás de si a miséria, a desolação, o ódio e a dor.
Mas a hora que vivemos não é para lamentos nem recriminações. A maré fervente das paixões já passou. A nossa hora é de criação fecunda; e recuperação do tempo perdido. Hora de conjugação de esforço e trabalho. Hora de harmonia e justiça. Hora, portanto, ideal para o Governo abreviar as diligências necessárias para que os despojos mortais de D. Miguel I sejam trazidos à posse da Nação, além do mais, em homenagem ao povo de então, que tanto o amou e tanto sofreu com o seu exílio.
O País sentirá imenso júbilo quando o Governo de Salazar concluir, com este acto, o primeiro capítulo das grandes restituições morais e políticas, que ele tão sábia e tão justamente encetou e desenvolveu.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tito Arantes: - Sr. Presidente: Realizou-se há dias nesta Cisa uma sessão que, quer pela elevação com que decorreu, quer pela transcendência da matéria tratada, há-de ficar histórica nos anais da Assembleia Nacional.
Não foi certamente sem um fortíssimo motivo que o Sr. Presidente do Conselho deliberou, pela primeira vez, segundo me parece, utilizar a faculdade que lhe está assegurada pelo § único do artigo 113.º da Constituição, de autorizar um Ministro a comparecer perante a Assembleia para a atar de um assunto de reconhecido interesse nacional.
Julgo não atraiçoar o sentimento do Sr. Presidente do Conselho dizendo que interpreto esta sua decisão - independentemente da homenagem que ela envolve para o Prof. Antunes Varela - como destinada a chamar a atenção, não só desta Câmara, mas de todo o País, para a importância absolutamente ímpar do acto a que se ia assistir, e para, com o excepcional prestígio do seu nome, celebrar a publicação dessa obra monumental que é o novo C6digo Civil português.
Eu não sei se toda a gente lá fora dá conta exacta do que representa um Código Civil na vida de uma nação.
Pode haver quem suponha que é mais uma lei, ou mais um corpo de leis, semelhante a tantas outras.
Há muitas pessoas cuja vida nunca foi interferida pelas disposições do Código das Custas, do Código do Registo Predial, do Código da Caça, do Código dos Direitos de Autor, do Código da Estrada, do Código da Propriedade Industrial, do Código de Processo Civil, do Código Penal (felizmente), etc.
Já o mesmo não pode dizer-se do Código Civil.
Qualquer homem, desde que nasce até que morre direi melhor: desde antes de nascer, porque o código ocupa-se dos nascituros, até depois de morrer, porque o código ocupa-se das sucessões -, vive permanentemente em Código Civil.
Quando contrai casamento, quando lhe nasce um filho, quando herda de um parente, quando atinge a maioridade, quando arrenda uma casa, quando manda fazer um fato, quando pede uma soma emprestada, quando toma um compromisso, quando de outro compromisso se liberta - o homem praticou, ou está em face, de um acto cujo regime e cujas consequências são os determinados no Código Civil.
Daí que o Código Civil interessa a toda a gente e domina todos os restantes ramos do direito, porque as regras que dirigem a interpretação das leis, o preenchimento das suas lacunas, a resolução dos seus conflitos, a repressão das suas fraudes, também estão insertas no Código Civil - tal como os princípios que regem a nossa própria personalidade jurídica ou os que regulamentam toda a matéria de provas.
O Código Civil constitui, portanto, o estatuto fundamental de todo o direito privado de um País - cujo conteúdo tem de ser apto a corresponder à conjuntura económico-social de cada época, os novos usos que se foram estratificando e até aquelas noções morais que foram evoluindo.
As transformações explosivas, a que o mundo tem assistido depois da primeira guerra mundial, apressaram o envelhecimento dos velhos códigos, pelos quais se regia a vida das nações.
Este desfasamento, como agora é moda dizer, entre o espírito dessas leis e as mutações trazidas pelos novos tempos, criaram uma incompatibilidade e um tal mal-estar que se revelam pelos simples títulos de vários livros publicados pelos mais consagrados juristas: Le droit en retard sur les faits; La vie du droit et l'impuissance des lois; La revolte des faits contre le droit; La crise du contrat et le rôle du juge; Du droit civil au droit public; Le déclin du droit; Les métamorphoses du droit civil d'aujourdhui; La revolte du droit contre le Code, etc.
Em face do clima assim revelado, não espanta que, mais ou menos por todos os países, se tivesse reconhecido a necessidade de proceder a uma nova codificação do direito civil.
Assim é que em Itália, onde o antigo código datava de 1865, em 1937 começaram os trabalhos para a sua revisão, e em 1942 foi publicado o código novo.
Em França, onde o Código de Napoleão data, como é sabido, de 1804, foi nomeada em 1945 uma comissão de reforma, a qual, após cerca de dezassete anos, terminou os seus trabalhos, publicados em quinze volumes.
Mas, ao que parece, o trabalho já foi julgado desactualizado, e há cerca de quatro anos foi nomeada nova comissão ad hoc, que se reúne semanalmente sob a presidência do Ministro da Justiça.
Na Grécia, em 1946 publicou-se o novo Código Civil.
Na Holanda, o novo projecto já está publicado, e conta-se que dentro de dois ou três anos seja transformado em lei.
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Na Rússia, em Dezembro de 1961, o Soviete Supremo votou os fundamentos da legislação civil da U. R. S. S. e das repúblicas federadas, os quais deviam servir a estas como base para a elaboração dos seus códigos.
Na Hungria, em 1959, na Polónia e Checoslováquia, em 1964, foram publicados os novos códigos.
Tudo isto vem para dizer que não é de estranhar que também em Portugal o Governo tenha, em 1944, tomado a deliberação de promover os trabalhos de elaboração de um projecto de revisão geral do novo Código Civil.
Houve o cuidado de especificar que não se tratava apenas da actualização do Código de 1867.
Tratar-se-ia da elaboração de um código novo, não por preocupação de originalidade, mas porque o diploma antigo não poderia corresponder às necessidades actuais, somente pela substituição deste ou daquele texto.
E indicaram-se, para tanto, como razões justificativas:
a) As incertezas a que tem dado azo a redacção de variados artigos;
b) O facto de haver tantas leis posteriores alterando o código que já só com impropriedade pode afirmar-se que ele está em pleno vigor;
c) A circunstância de não serem as mais felizes certas soluções dadas pelo código a algumas matérias importantes;
d) O facto de o código não regular, ou só regular deficientemente, determinados institutos ou figuras jurídicas, algumas de alta relevância;
e) Os vícios de técnica de que o diploma enferma, quer quanto ao método de arrumação das matérias, quer quanto à própria terminologia jurídica empregada.
Finalmente, e é de certo o mais .importante:
f) O facto de o código de Seabra ter sido composto sob um signo eminentemente individualista, que hoje se encontra inteiramente superado pelas noções do direito social, da solidariedade e da humanização do direito.
Esta última consideração era suficiente para determinar que o novo código fosse realmente um código novo, e não apenas uma actualização do antigo.
Na verdade, esta diferente posição assumida pelo legislador repercute-se em quase todos os institutos jurídicos.
No direito de família, o legislador, imbuído de individualismo, atribui ao chefe de família, quer como pai, quer como marido, poderes quase despóticos.
Em matéria de propriedade, desconhece a função social da mesma e não estabelece peias ao uso e abuso do proprietário.
E em matéria negocial, ou seja principalmente em matéria de contratos, erige o princípio da autonomia da vontade e da liberdade negociai como soberano em todo esse capítulo.
Ao contrário, o legislador do direito social entende que o outorgante mais forte não pode abusar do seu poder económico, de forma a explorar imoralmente aquele que muita vez contratou em estado de necessidade.
Ao passo que pelo código de Seabra o contrato constituía lei entre as partes, pelo novo código as estipulações contratuais podem, em determinados casos, ser revistas à face de princípios de boa fé ou de finalidade social.
A inovação, já consagrada legislativamente lá fora; defendida entre nós pode dizer-se que unanimemente pela doutrina, e já uma que outra vez timidamente aplicada pelos tribunais, é manifestamente de aplaudir.
Mas não há que esconder o melindre da questão, uma vez que se vai atribuir aos julgadores a faculdade de reverem, e possivelmente alterarem, aquilo que as partes, pelo menos aparentemente, quiseram estipular com liberdade.
Aliás, este é só um dos pontos, embora dos mais impressionantes, em que o novo código confia ao prudente arbítrio dos julgadores a resolução de inúmeros casos que dependem exclusivamente do seu critério sobre a boa fé, o motivo grave, o dolo, a razoabilidade, os usos, a equidade, o agravamento sensível, a desproporção, a imoralidade, a diligência, o interesse social, o fim social e económico, a normalidade, a justa causa, o justo receio, a culpa, o abuso, os bons costumes, a justiça, a equidade, a harmonia, a equivalência, a desculpabilidade, o justo valor, a utilidade, a necessidade, o prejuízo apreciável, etc.
Isto sem falar no grande alargamento das hipóteses em que se recorrerá ao suprimento judicial.
Ao fazer esta enumeração, não está no meu espírito discordar da frequência com que o novo código utiliza estes conceitos flexíveis de que fala Renard, conceitos válvulas no dizer de Wunzel, ou standards jurídicos na terminologia americana.
Como observa Manuel de Andrade, bem se compreende que eles sejam susceptíveis de evoluir, ajustando-se às mais variadas circunstâncias, que tenham virtualidades inesgotáveis de adaptação à vida real, e que assim as normas que os utilizam não envelheçam, pois o seu conteúdo perenemente se renova.
Mas o que é inegável é que pelo novo código se lança sobre os ombros dos julgadores uma tarefa muito mais pesada e espinhosa do que aquela, já não leve, que até aqui sobre eles impendia.
Disse o Sr. Ministro da Justiça, na comunicação notável, a todos os títulos, que no passado dia 2 aqui realizou, que os nossos magistrados estão à altura da missão que lhes é destinada, e que para tanto inclusivamente contribui a preparação teórica com que hoje saem das Faculdades de Direito, bem superior à que era ministrada há algumas dezenas de anos atrás.
Não o ponho em dúvida.
O meu receio é somente que, com a pobreza das remunerações que espera a nossa magistratura, os diplomados em Direito, em vez de se dedicarem a ela, prefiram outras profissões mais rendosas, e não forçosamente mais exaustivas.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Faço este apontamento muito intencionalmente, porque, como vai entrar em discussão a Lei de Meios, onde se enumera uma reforma administrativa, em que se integra a reestruturação dos quadros do funcionalismo público, entendo que é a ocasião de o Governo rever, a nova luz, a classificação dos vencimentos dos magistrados e dos oficiais de justiça, para que a independência, que sempre têm mantido, não continue, como agora, a ter de classificar-se de heróica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Creio que seria de algum interesse relembrar a esta Câmara quais os pontos principais em que o Projecto do Código Civil, há meses publicado, se afastou do Código Civil anterior.
Mas como, por um lado, isso tornaria esta minha intervenção demasiado extensa e, por outro, tal assunto já tem sido com frequência objecto de esclarecimento
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público - desisto de o fazer e limitar-me-ei a uma comparação bem mais reduzida: as principais alterações que o Sr. Ministro da Justiça introduziu no projecto apresentado, após o longo e libérrimo debate público que sobre o mesmo se travou - e onde terá de reconhecer-se que nem todas as críticas formuladas se inspiraram no desejo sincero de colaborar no aperfeiçoamento de um padrão jurídico memorável, como é o Código Civil de uma nação.
Quanto :a parte geral:
Dizia-se no artigo 4.º do projecto que os tribunais «podiam resolver segundo a equidade» neste, naquele e naquele outro caso.
No código introduziu-se um só - os tribunais só podem resolver segundo a equidade -, para não haver dúvida de que a enumeração desses casos é rigorosamente taxativa.
No artigo 9.º, n.º 4, do projecto indicavam-se os trabalhos preparatórios, devidamente publicados, como um elemento de interpretação da lei.
Do código desapareceu essa menção.
Segundo o artigo 11.º, as normas excepcionais podiam, em certos casos, ser aplicadas analògicamente.
Pelo código não podem.
Quanto á matéria de obrigações:
Pelo artigo 442.º, nos contratos promessa, havendo um sinal passado, a indemnização, em caso de incumprimento, não podia exceder esse sinal.
Pelo código já pode, desde que assim se estipule.
Segundo o n.º 2 do artigo 483.º do código só existe obrigação de indemnização, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei.
O projecto era omisso nesta declaração, embora já mencionasse o dolo ou mera culpa como requisitos para o pedido de indemnização.
O artigo 507.º do projecto e do código divergem acerca de um caso c e solidariedade entre responsáveis pelo risco e responsáveis culposos.
Quanto ao da direito da família:
Desapareceu a alínea d) do artigo 1601.º do projecto, que tanta celeuma levantou em certos sectores da opinião, segundo a qual as ordens maiores canónicas e os votos solenes e equiparados constituíam, regra geral, impedimento dirimente para o casamento.
Desapareceu do artigo 1672.º a necessidade de a mulher requerer o seu depósito judicial como preparatório de divórcio, separação ou anulação de casamento, bem como desapareceu a possibilidade de o marido requerer no sentido da mulher lhe ser judicialmente entregue.
Mas como ficou de pé a possibilidade de a mulher requerer para o marido a receber na sua residência - creio que aqui haverá um motivo de satisfação para todas as senhoras que pretendiam que o novo código lhes estabelecesse condições de superioridade em relação aos maridos ...
Da aproximação dos artigos 1778.º e 1792.º do projecto resultava que o divórcio só podia ser directamente pedido em caso de adultério, práticas anticoncepcionais ou de aberração sexual ou em caso de determinadas condenações penais.
Os outros casos -vida e costumes desonrosos, abandono do lar ou factos gravemente ofensivos da integridade física ou moral do requerente - eram directamente apenas causa de separação litigiosa; e só indirectamente
de divórcio, quando ao cabo de cinco anos aquela se convertia neste.
Pelo código deixou de haver tal distinção, e os fundamentos directos de divórcio passaram a ser os mesmos da separação litigiosa.
Além disso, pelo código ficou reduzido a três anos o prazo, que era de cinco, tanto para a separação por mútuo consentimento após o casamento, como para a transformação da separação em divórcio.
Pelo artigo 1982.º do código passou a ser permitida não só a adopção solene relativamente a filhos de progenitores incógnitos, mas também de progenitores falecidos.
Segundo o projecto, havendo um filho ilegítimo, o adoptivo herdaria o dobro daquele, visto ser equiparado aos filhos legítimos.
Deixou de ser assim pelo n.º 2 do artigo 1984.º do código.
De harmonia com o artigo 1869.º do projecto, a perfilhação dos filhos adulterinos (salvo consentimento do cônjuge do adúltero) era considerada secreta, e só podia ser invocada em determinadas condições taxativamente estabelecidas.
Eliminado esse preceito do novo código, tal perfilhação deixa de ser secreta, independentemente da vontade do cônjuge do adúltero.
E o artigo 20.º do decreto-lei introdutório expressamente determina que os assentos secretos, anteriormente lavrados em tais condições, tornam-se públicos mediante averbamentos oficiosos sempre que sejam passadas certidões do respectivo registo de nascimento.
Quanto a sucessões:
À única diferença importante que julgo de assinalar, mas essa de real interesse, é que, como é sabido, pelo projecto, não havendo descendentes nem ascendentes do falecido, mas somente irmãos e cônjuge sobrevivo, quem herdava ab intestato eram apenas os irmãos. Ao cônjuge sobrevivo era entretanto conferido o direito de optar pela partilha do património segundo o regime da comunhão geral ou da separação de bens, qualquer que fosse o regime adoptado, e, salvo estipulação em contrário, na convenção antenupcial ou testamento (artigo 1719.º).
Pelo código (artigo 2146.º) voltou-se ao regime actualmente vigente: os irmãos do falecido herdam a nua-propriedade dos bens e o cônjuge sobrevivo o usufruto.
Esta resenha, que procurei tornar breve, mas mesmo assim não pude evitar que fosse enfadonha, teve dois objectivos: em primeiro lugar, proporcionar àqueles que durante estes seis meses estudaram o projecto que foi publicado um travelling sucinto das principais alterações introduzidas no código, facilitando-lhes de algum modo nova apreciação mais rápida do trabalho realizado e, em segundo lugar, enaltecer o Sr. Ministro da Justiça pela objectividade e espírito científico de que deu eloquente prova, não hesitando em atender as críticas formuladas, quando lhe pareceram justas, e alterando sem qualquer ressaibo de mal-entendido amor-próprio soluções a que certamente havia chegado depois de longo tempo de estudo e de meditação.
Muito bem!
O Orador: - Todos os juristas portugueses, todos os políticos, todos os estudiosos, tiveram meses para estudar o projecto do código e fazer chegar a quem de direito as observações que entendessem.
Trata-se, sem dúvida, de uma obra notabilíssima, onde trabalharam com a maior dedicação, a maior competência
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e, direi, com entranhado amor, os primeiros civilistas portugueses contemporâneos, que formam um escol que honraria qualquer Faculdade de Direito do Mundo.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Decerto que nem todas as soluções encontradas congregarão votos unânimes.
Há assuntos sobre os quais nunca se chegará a acordo. Já o secretário-geral da primeira comissão de reforma do Código Civil Francês assinalava as importantes discussões havidas no próprio seio dessa comissão especialmente a propósito do divórcio, da situação da mulher casada e dos filhos ilegítimos.
Tal qual como cá.
Quero dizer com isto que a obra realizada será inteiramente perfeita?
Naturalmente que não.
A suprema perfeição não está ao nosso alcance lográ-la.
Usando da palavra nesta Câmara sobre o projecto do Código Civil de 1867, disse Dias Ferreira que:
Se todos nós lêssemos e examinássemos o código muitas vezes, ainda assim de futuro se encontrariam nele muitos defeitos a corrigir e muitas dificuldades a remover.
E prosseguiu:
A reforma que nós discutimos é a mais monumental, a mais útil, a mais vasta, a mais elevada de todas quantas têm vindo à tela da discussão depois que se inaugurou entre nós o regime constitucional.
E o mesmo Dias Ferreira, mais tarde, no seu comentário ao código, havia de escrever:
Melhor fora que ele tivesse sido votado pelos Poderes Públicos sem o terem lido, tal qual vinha das mãos da comissão revisora , porque se teria evitado a única modificação profunda que lhe fizeram e que é contrária aos princípios da escola liberal e incompatível com a civilização adiantada da nossa sociedade.
Sr. Presidente: Foram muitos os colaboradores que trabalharam no novo código neste longo período de mais de vinte anos.
Já o disse, em artigo que tive ensejo de publicar em O Século, quando do aparecimento do projecto, que todos eles bem mereceram da Nação.
Mas, como então, entendo - sem desdouro para ninguém - dever destacar como obreiros máximos desta obra monumental, e por ordem cronológica das suas intervenções, os eminentes Profs. Vaz Serra, Pires de Lima e Antunes Varela.
A Assembleia Nacional só pode honrar-se em prestar aos autores do código a homenagem do seu respeito e do seu reconhecimento - fá-lo, mas lembrando também nesta hora o nome venerável do visconde de Seabra, que ao cabo de 100 anos merece ser rendido com as salvas da ordenança.
E com a mesma solenidade com que em França na velha monarquia era celebrada a sucessão de um rei, que no próximo dia 1 de Junho em todos os tribunais de Portugal se proclame emocionadamente: o código está morto, viva o código!
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: na primeira sessão legislativa desta legislatura, precisamente a 17 de Março último, apelei, empenhada e confiadamente, para SS. Ex.M os Ministros das Obras Públicas e da Educação Nacional no sentido de ser encontrada, com a urgência possível, a solução do problema que envolvia a construção do novo edifício liceal da cidade de Viseu. Aproveitando a oportunidade, mas sem que fosse tocado pela presunção de trazer achegas novas de razões e de factos conducentes a melhor fundamentar a premência de resolução de tão magno assunto, comprovadamente polarizador da mais viva ansiedade e palpitante interesse das pessoas responsáveis e de toda a esclarecida população não só da cidade, mas de grande parte do próprio distrito de Viseu, no entretanto produzi alguns argumentos e expus pontos de vista que em meu entendimento não devia omitir.
Pois bem, Sr. Presidente, com extraordinário júbilo, em homenagem à verdade e liminar espírito de justiça, não quero deixar de exprimir o pensamento de que o objecto da minha intervenção estava, e sempre estivera, latente e vivo no âmbito das obsidiantes preocupações daqueles dois ilustres estadistas, aos quais se fica a dever a sua materialização. Pois foi, Sr. Presidente, com o maior alvoroço de contentamento que li nos jornais do mês decorrente a notícia de haver sido efectuado o concurso público para a adjudicação da empreitada de construção da referida unidade escolar, que irá preencher, por modo amplamente satisfatório, uma grave deficiência existente no sistema dos estabelecimentos de ensino secundário, de carácter liceal, enquadrado por uma vasta zona pedagógica.
Estão, em consequência, de legítimos parabéns a população escolar, os educadores, os pais, as entidades oficiais, as forças vivas e, enfim, a população da cidade de Viseu e de grande parte do distrito de que é cabeça aquela histórica, formosa e progressiva urbe. Todos nós, eles e eu, nos sentimos empolgados por comuns e iguais sentimentos de profundo regozijo, de imensa felicidade e da maior e perdurável gratidão, constituindo a dádiva melhor que queremos oferecer, em plenitude, aos muito ilustres titulares das pastas dos Ministérios das Obras Públicas e da Educação Nacional - o primeiro dos quais, sabe-me bem acentuá-lo, honrou já a todos nós, Visienses, com a grata aceitação do título de cidadania que tornou o Sr. Eng.º Arantes e Oliveira um dos «nossos» e muito considerado, justamente respeitado, naturalmente querido.
Daqui dirijo os mais distintos sentimentos de apreço a SS. Ex.ªs em homenagem aos seus raros atributos pessoais e no reconhecimento dos seus méritos de homens públicos como intérpretes fiéis e diligentes executantes dos consagrados princípios de uma política que já imortalizara o homem de génio que a concebeu, a viabilizou, lhe deu alma e vida - política, Sr. Presidente, de verdade e de realidades, toda ela estruturada, dominada e dinamizada pelo alto objectivo de servir, sem solução de continuidade, os mais respeitáveis interesses gerais da Nação.
O que em serena consciência se afirma, Sr. Presidente, recebeu também, no caso justificativo do uso que ora faço da palavra, o mais claro e inequívoco testemunho de confirmação, e na exactidão da feliz legenda que bem define o sentido das comemorações do ano jubilar da resgatadora Revolução Nacional: não só celebrar o passado, mas também construir o futuro; o notável melhoramento a que venho aludindo integra-se, à maravilha, no nobre sentido da melhor correspondência às exigências do porvir - porvir que o é, na realidade, quanto à data da
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sua concretização, utilização e rendimento efectivos e naquilo que a esperançosa e querida juventude, sua beneficiária, e que é a nossa preocupação instante e nosso indeclinável dever dirigir, formar e orientar, aponta para o dia de amanhã ...
Ao finalizar as minhas modestas considerações direi, francamente direi, que me dói não ter sabido traduzir, por insuficiência de expressão, o que neste momento me toma o espírito e me faz vibrar a alma. Tenho, porém, a consciência de possuir comigo, e possuí-lo em plena e íntima vivência, aquele saber que o nosso D. Francisco Manuel de Melo classificara como o melhor saber dos homens o saber ser agradecido. Essa é a minha grande consolação e isso me basta, Sr. Presidente.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Aulácio de Almeida: - Sr. Presidente: No dia 25 de Novembro findo foi recebida pelo Santo Padre, em audiência particular, uma delegação da U. C. I. D. T. portuguesa, União Católica dos Industriais e Dirigentes do Trabalho. Tal recepção revestiu-se de alguns aspectos tão significativos que bem merecem uma palavra de comentário nesta Câmara. Em primeiro lugar, a importância que lhe atribuiu o Santo Padre e o Vaticano. Sua Santidade não se limitou a meros cumprimentos protocolares, mas aproveitou a oportunidade para fazer um discurso doutrinário, em francês, com a parte final em português, cheia de carinho para com a Nação fidelíssima. Logo a emissora do Vaticano o transmitiu para todo o Mundo, em várias línguas, com referências à entidade a quem foi directamente dirigido. A televisão italiana filmou a delegação portuguesa a encaminhar-se para o Palácio do Vaticano e o Osservatore Romano dedicou ao facto as honras de primeira página em dois dias seguidos.
Outro aspecto a assinalar é a profundeza de conceitos que o presidente da U. C. I. D. T., Sr. Dr. João Simões de Almeida, introduziu no discurso com que saudou o Santo Padre. Muito oportunamente não se esqueceu de salientar o carácter multirracial e pluricontínental da Nação Portuguesa.
Também a nossa diplomacia revelou que estava atenta. Como consequência, não faltou o embaixador no Vaticano à missa celebrada pelo Sr. Cardeal D. José da Costa Nunes na Igreja de Santo António dos Portugueses como ainda se dignou honrar a delegação da U. C. I. D. T. com uma digna recepção no magnífico palácio da nossa Embaixada.
E justo, pois, que fique neste lugar uma palavra de filial reconhecimento para com as carinhosas palavras do Santo Padre assim como um bem-haja à U. C. I. D. T. portuguesa.
Quero terminar estas breves anotações com um voto: que todos ou industriais portugueses sejam fiéis às palavras do Santo Padre, quando, na referida alocução, lhe indicou somo deviam exercer a sua profissão: com bondade, com competência e com sentido social.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Antes de passar à ordem do dia, quero informar VV. Ex.ªs que amanhã haverá duas sessões, uma de manhã, às 11 horas, e outra
à tarde, à hora regimental. Marcando duas sessões para amanhã, evitarei a VV. Ex.ªs o incómodo de terem de estar aqui segunda-feira. Quero, no entanto, anunciar a possibilidade de em algum ou alguns dias da próxima semana ter de marcar também duas sessões. Como VV. Ex.ªs sabem, estamos ligados por imperativo constitucional de ter a lei de autorização de receitas e despesas para 1967 votada no dia 15.
Informei desde já VV. Ex.ªs disto e dos cuidados que tive de ter precisamente para não os sujeitar à violência de saírem no sábado e estarem aqui na segunda-feira de manhã.
Convoco os membros das Comissões de Economia e Finanças para se reunirem, no fim desta sessão, para ouvir a exposição do Sr. Ministro das Finanças, precisamente sobre a proposta de lei de autorização de receitas e despesas.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Meneses.
O Sr. Sonsa Meneses: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As obrigações da profissão só agora permitiram que pudesse subir a esta tribuna, pela primeira vez nesta legislatura. VV. Ex.ªs não perderam nada com isso; pelo contrário, ganharam tempo e pouparam paciência. Eu é que me debati, ou melhor, a minha consciência é que se debateu entre os deveres da função parlamentar e as responsabilidades que o Governo me confiou no desempenho de outras funções.
Ao fim e ao cabo determinei-me pela resposta à seguinte pergunta: onde, num determinado momento, posso ser mais útil ao meu país? E, por uma simples coincidência de horários, de programas de trabalho e de circunstâncias especiais, sobre as quais mais adiante falarei, tive sempre que optar pela minha ausência na Assembleia.
Mas, para ter a certeza de que não havia defeituosa visão na opção que fazia, procurei aconselhar-me junto de pessoas com elevada responsabilidade de função nesta Casa e fora dela.
Estou assim tranquilo, se não em relação a VV. Ex.ªs, pelo menos em relação a mim próprio.
Sr. Presidente: O não ter subido a «esta tribuna na 1.º sessão da IX Legislatura não teria tido importância nenhuma se nessa atitude não estivesse implícita uma falta grave para com V. Ex.ª. E esta é não ter podido saudar o Dr. Mário de Figueiredo, como presidente da Assembleia Nacional, como homem público, como amigo respeitado. Faço-o agora, atrasado no tempo, mas sempre actual no estado dos meus sentimentos.
Tive a honra de começar a trabalhar com V. Ex.ª, nesta Casa, há cinco anos. Como todos os que começam, entrei receoso, entrei duvidoso sobre a utilidade da função e sobretudo sobre os métodos e os condicionamentos do trabalho político numa Assembleia deste tipo, numa Assembleia que representa correntes de opinião, mas sem partidarismo político.
Logo de entrada houve algumas intervenções violentas da parte de colegas nossos sobre a questão ultramarina portuguesa - recordo que estávamos em fins de 1961 e que Angola tinha começado em Março desse ano.
Era natural, a paixão dominava o raciocínio, a emoção exaltava as atitudes.
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Depois veio a proposta de lei relativa ao emparcelamento da propriedade rústica, sobre a qual a Câmara discutiu ardorosamente e se dividiu na sua votação. E, coisa curiosa, venceu a corrente de opinião menos conservadora e menos tradicional da Câmara.
Bastam-me estes dois exemplos citados por ordem cronológica para chegar aonde quero.
V. Ex.ª, Sr. Presidente, apareceu então com toda a pujança da sua inteligência, com toda a capacidade do seu poder de síntese, com toda a tolerância do seu temperamento de homem político, com toda a generosidade do seu coração de homem de bem.
Creio que ninguém pode dizer que não usou da plena liberdade de expressão dentro desta Casa. Creio que ninguém, com verdade, pode dizer que alguma vez foi coagido a dizer o que não queria.
Esta foi a primeira lição que V. Ex.ª me deu, e, como para ela tinha uma grande receptividade, convenci-me de que não havia razões para receios ou dúvidas. Depois, ao longo das sessões da VIII Legislatura, V. Ex.ª foi ensinando, pelo exemplo, que a defesa dos interesses do Estado era a condição primeira da actividade política, que o interesse colectivo se devia sobrepor ao interesse individual, que não há boa administração pública sem uma determinada disciplina política... e não me alongo mais, apenas me permitindo recomendar aos Srs. Deputados que entraram de novo nesta legislatura a leitura do extraordinário depoimento político que o Dr. Mário de Figueiredo fez a esta Câmara no encerramento da legislatura passada.
Faltar-me-ia falar do amigo respeitado. Não o faço, talvez não fique bem. Apenas direi que a amizade, quando provém da inteligência e do coração, é o sentimento mais belo que se pode possuir.
E esta a minha homenagem, Sr. Presidente, e muito obrigado.
Srs. Deputados: Cerca de 50 por cento dos Srs. Deputados não estiveram aqui na legislatura passada. Por isso repetirei, ao mesmo tempo que lhes apresento os meus afectuosos cumprimentos, aquilo que disse a primeira vez que subi a esta tribuna: ofereço toda a minha modesta colaboração e a minha leal cooperação para tudo quanto respeite à defesa dos interesses do Estado e à boa governação do povo português.
Aos restantes Srs. Deputados, companheiros de quatro anos de trabalho, saúdo com respeito e amizade e digo-lhes que aqui estou como dantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao discutir-se a Lei de Meios hesita-se sempre sobre qual o caminho que se deve seguir.
De facto, tratando-se de um enunciado dos princípios gerais do regime jurídico financeiro que o Estado se propõe adoptar no ano fiscal seguinte, parece que o caminho mais conforme seria, para que a discussão da proposta de lei se situasse dentro do objectivo em causa, analisar, de uma maneira geral, as grandes opções da política financeira que o Governo estabelece na proposta e, incidentalmente, referir e discutir, a favor ou contra, determinados aspectos particulares do seu texto. E assim têm cabido na discussão da proposta, ao longo dos anos, praticamente todos os assuntos que interessam à Nação, como um todo, como os que respeitam aos interesses regionais e locais.
Como é sabido, a Constituição não permite que o orçamento do Estado seja submetido à apreciação e aprovação da Câmara, ao contrário do que acontece na maioria dos países da Europa ocidental. A disposição constitucional é sã, porque assim evita as especulações e as distorções que os diferentes sectores de opinião, através de grupos de Deputados, poderiam exercer sobre as receitas e as
despesas do Estado, tirando ao orçamento o equilíbrio global que deve ter de acordo com as opções estabelecidas.
Essa disposição é ainda lógica em relação à estrutura política do Estado, que não aceita os partidos políticos e que não dá à Câmara poderes para aumentar e diminuir as receitas e as despesas do Estado.
Diz-se em certos sectores da crítica que a Câmara ao discutir e aprovar a Lei de Meios passa um cheque em branco ao Governo, que com ele poderá administrar a vida do País, como lhe aprouver.
A crítica não é válida, porque para que fosse seria necessário, primeiro, que o Governo não fosse capaz, segundo, que se desviasse, na elaboração do orçamento e na sua execução, das opções estabelecidas e aprovadas na Lei de Meios, terceiro, que não se submetesse à crítica da Câmara sobre a forma como executou o orçamento e, finalmente, que não aceitasse essas críticas como elementos de valor para a sua actuação futura.
As duas primeiras condições têm ao longo destes 40 anos sido satisfeitas e creio que, salvo casos especiais, ninguém de boa fé as pode contestar. A terceira traduz-se na discussão e aprovação da Conta Geral do Estado, que esta Câmara realiza todos os anos com toda a liberdade e competência. Finalmente, pode dizer-se que as críticas, quando bem fundamentadas, são aceites pelo Governo e são objecto de consideração de acordo com as possibilidades existentes na administração de anos futuros.
Vem tudo isto a propósito para dizer que é mais fácil (falo de um ponto de vista pessoal) abordar e discutir a Conta do Estado do que a Lei de Meios, desde que se queira ser objectivo e coerente, como parece convir nos tempos que correm, no campo da actividade política.
Apesar disso, tentarei abordar um problema da vida nacional e internacional para o qual o Estado tem contribuído, ao longo dos anos, com muitas dezenas de milhares de contos e sobre o qual algumas dúvidas, por vezes fundamentadas, têm sido levantadas.
Trata-se da nossa posição como País membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, conhecida nos países de língua francesa como O. T. A. N.º e nos países de língua inglesa como N. A. T. O.
O problema tem especial oportunidade, julga-se, no presente momento e em relação à Proposta da Lei de Meios que estamos discutindo, por duas razões:
A França deixou a partir de 1 de Julho de 1966 a parte militar da Organização, obrigando assim a transferir todos os órgãos militares da aliança para fora do seu território.
O Tratado poderá ser denunciado em 1969 e a Organização deixar de existir em 1970.
A primeira obrigará a despesas adicionais em 1967 que o País terá de pagar na respectiva proporção e para as quais, julga-se, o Ministério das Finanças terá de estar preparado.
A segunda terá de ser analisada no quadro da política geral portuguesa e, como consequência, nas implicações financeiras que dela resultem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Organização do Tratado do Atlântico Norte nasceu em 1949 e na sua existência foi capital para a vida da Europa ocidental. De facto, imediatamente após o fim da segunda guerra mundial, a União Soviética anexou territórios habitados por 24 milhões de indivíduos e estendeu a sua dominação política sobre cinco países independentes da Europa (Polónia, Bulgária, Hungria, Roménia e Checoslováquia), assim como sobre uma parte da Alemanha, isto é, uma região contando cerca de 94 milhões de habitantes.
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Os países da Europa faziam o tremendo esforço da reconstrução; havia por toda a parte fome, miséria e ruínas. O terreno era fértil para o comunismo estender os seus tentáculos e os partidos comunistas da França e da Itália prestavam a indispensável ajuda.
Nos Estados Unidos da América, o pragmatismo político, baseado na experiência das atitudes nazistas, estabelecia que aquelas anexações da U. R. S. S. eram o prelúdio do uma nova guerra, agora entre o continente americano e o continente europeu, este, todo ele, transformado em bloco comunista.
Duas grandes decisões tomam então os Americanos: ajuda económica intensa aos países do Ocidente da Europa, conhecida sob o nome de Plano Marshall, e a criação de uma aliança político-militar com a missão de defender a Europa da ameaça comunista.
Nasceu assim a. O. T. A. N., e doze países, entre os quais Portugal, pela mão do nosso respeitado Prof. Caeiro da Mata assinaram o respectivo Tratado. Poucos anos depois, mais três países da Europa - Grécia, Turquia (1951), República Federal da Alemanha (1955) -entraram na Aliança, e esta passou a ser constituída por quinze estados. De fora praticamente só ficaram três países aquém da «cortina de ferro» - a Suécia, a Espanha e a Suíça; a Áustria é um caso de neutralidade imposta.
Formou-se assim um grande e poderoso bloco político servido por uma forte e aperfeiçoada máquina militar que defendia uma população de 494 milhões de indivíduos e uma área de 212,5 milhões de quilómetros quadrados.
A ajuda dos Estados Unidos da América, económica e militar, era poderosa e o bloco soviético a pouco e pouco foi-se dissuadindo da ideia de se apoderar do Ocidente europeu.
A O. T. A. N.º tinha cumprido a primeira missão pura que fora criada e cada um dos seus membros deve-lhe estar agradecido por isso.
Verifica-se agora que o reconhecimento dos Estados é um pouco como o «de muitos homens: só dura enquanto existem, as razões que o motivaram.
Os Estados Unidos da América assentam a sua política europeia na O. T. A. N. e, porque nela são os grandes senhores e os grandes patrões, fácil lhes foi até há pouco tempo conduzir os destinos do Ocidente europeu.
Por exemplo, as potências europeias abandonam os seus impérios coloniais com a bendição e sob pressão americana. O processo não está ainda concluído, a mais poderosa de todas aquelas potências, o Reino Unido, ainda não desarmou completamente, e nós, como é sabido nem considerámos a pressão americana, embora lhe soframos os efeitos.
Atrevimento, ousadia, inconsciência desse pequeno Portugal, pensarão muitos dos nossos aliados da O. T. A. N.
Respeito pelo passado, imposição da história, certeza na existência de uma sociedade plurirracial visão clara das realidades presentes da África, pensamos nós e pensam também alguns dos nossos aliados.
1 Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Muitos partidários da O. T. A. N.º esperavam que, definitivamente passado o período da descoloni-zação, certas tensões existentes entre os Estados Unidos e os seus aliados, que foram particularmente sensíveis durante os anos posteriores a 1950, começariam a desaparecer. E possível, mesmo, que a política europeia dos Estados Unidos tenha acreditado nisso.
Pura ilusão, porque, primeiro, alguns países não aceitaram aquela pressão e, segundo, todas as velhas potências coloniais continuaram politicamente ligadas à fortuna das suas antigas colónias, e num caso, a Grã-Bretanha, a ligação toma mesmo a forma de compromissos militares importantes.
Então, como a descolonização tinha sido aceite a fortiori e como ela trouxe ao inundo maiores preocupações e anseios do que vantagens e benefícios, natural é que as potências que se descolonizaram atribuam agora aos Estados Unidos as responsabilidades dos seus erros.
E, as tensões e as desconfianças dentro da O. T. A. N aumentam, em lugar de diminuírem.
Outro exemplo, o da crise do Suez. A França e .a Inglaterra tentam, pela força e em combinação com os Israelitas, garantir os seus direitos no canal. A Rússia ameaça e os Estados Unidos da América solidarizam-se com ela. Os Franco-Britânicos retiram, vencedores militarmente, mas vencidos politicamente. A Grã-Bretanha esquece ou faz que esquece a atitude do seu poderoso aliado O. T. A. N, mas a França regista a pérfida atitude dos Estados Unidos e quando De Gaulle chegou ao Poder ,em 1958 fácil era de ver que essa cicatriz havia de sangrar.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: A O. T. A. N.º tornou a não funcionar e os Aliados, naturalmente, interrogaram-se se a Aliança só intervinha quando os Estados Unidos da América estavam de acordo.
Mais uns conclusivos exemplos poderia citar, mas, para não me alargar demasiadamente, apenas mais um.
Os países do continente europeu que são membros da O. T. A. N. começaram desde há alguns anos a aperceber-se de que existe uma relação directa entre a ascensão dos Estados Unidos à situação de potência universal única e as suas próprias inquietações. Actualmente, por exemplo, o conflito vietnamiano é uma barreira que impede a melhoria progressiva das relações entre o Leste ,e o Oeste, visto este no seu conjunto O. T. A. N. Porque assim é, alguns países da aliança se declaram abertamente contra a guerra do Vietname e procuram, ao mesmo tempo, abrir diálogos directos com a U. R. -S. S. e .países satélites sobre questões económicas, financeiras e culturais. E pode-se dizer que a França tem obtido êxitos consideráveis nos últimos tempos nas conversas que tem tido com o bloco oriental.
Isto quer dizer que alguns países da Europa ocidental cada vez mais se libertam da chefia americana no que respeita à condução dos negócios do Mundo.
Quer dizer ainda que a O. T. A. N cada vez perde mais a sua posição de coordenadora e disciplinadora da actividade política dos seus membros.
Por outro lado, se os Estados Unidos se comprometem numa longa guerra no coração da selva do Sudeste Asiático, podem ser obrigados a retirar da Europa parte ou a totalidade dos seus meios de defesa.
E se decidem empregar as armas nucleares contra o Vietname do Norte e mesmo contra a China, a Aliança Atlântica corre o risco de se desagregar, porque os Governos Francês, Italiano, Escandinavos e, eventualmente, Britânico podem ser levados, por força das respectivas opiniões públicas, a declarar a sua oposição aos Estados Unidos da América e talvez mesmo a denunciar os seus acordos com eles.
Estes exemplos, que são realidades recentes ou actuais, justificam por si sós a crise por que passa presentemente a O. T. -A. -N.
No que a nós, Portugueses, respeita, só verdadeiramente o problema da chamada «pressão descolonizadora» nos preocupa directamente e tem sido objecto de lutas e canseiras, a maior parte delas silenciosas, no campo da nossa política externa. Mas não poderemos esquecer que somos tam-
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bem um país europeu e que, embora vivendo de costas para a Europa, como é costume dizer-se, cada vez mais com ela vivemos por força das nossas relações com a Espanha e também pela criação dos grandes espaços económicos europeus, nos quais, através da E. F. T. A. ou Mercado Comum, teremos de entrar em profundidade.
Chego assim ao .problema que nos preocupa e se pode condensar nas seguintes duas questões:
Merece a Aliança Atlântica a nossa confiança presente e futura?
Valerá a pena suportar alguns esforços de natureza política, militar e financeira para nela continuarmos?
Todos sabemos que a Organização não nos tem apoiado quando dela temos precisado. Ouvimos mesmo, com mágoa, alguns Estados membros, fora da Organização, em outras assembleias mundiais, fazer críticas, algumas vezes acerbas, à nossa política ultramarina. Não os podemos obrigar a calar, porque muitas vezes os seus porta-vozes exprimem fortes pressões das respectivas opiniões públicas. Também será difícil convencer os países que foram antigas colónias, como o Canadá e os Estados Unidos da América, ou aqueles que viram sempre nos territórios ultramarinos apenas e só fontes de comércio, de riqueza e de exploração da mão-de-obra local, como a Dinamarca e a Noruega, convencê-los, dizia eu, do superior espírito que nos anima.
Mas poderemos tentar sempre defender as nossas teses, citar os nossos exemplos, demonstrar as nossas intenções, apresentar os nossos números e, como o dia a dia o confirma, estabelecer os paralelismos entre as independências prematuras na África e a nossa concepção política ultramarina.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -Poderemos tentar e temos já feito, com uma certeza: a de que não dispomos nas assembleias internacionais de outro local onde possamos ser ouvidos com respeito ou pelo menos com delicada atenção senão no Conselho do Atlântico Norte ou nos seus elevados órgãos de direcção. Na O. N. U., na U. N. E. S. C. O. e companhia é o que se sabe - reina a paixão, impera a indisciplina, domina a inconsciência de mais de 50 por cento dos seus representantes.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Isso levou o Sr. Presidente do Conselho a dizer recentemente que continuamos na O. N. U. mais por respeito a nós próprios do que por fé na Organização.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Depois ainda, não menos importante, a vida internacional moderna faz-se com base nos contactos pessoais e na presença diária dos representantes nacionais nas conferências, comités, grupos de trabalho, etc.
Todos os dias, portanto, cada país se expõe, através dos seus delegados, a ser julgado, sobre a forma como estuda e decide os problemas sobre o interesse que dedica à Organização, sobre a capacidade de discussão e inteligência que possui, sobre o nível das suas elites e, até, sobre sua receptividade social e o seu espírito de tolerância. Numa palavra, prestigia-se ou desprestigia-se.
Tudo isto é indispensável para a formação do conceito que se tem sobre um determinado país e, portanto, tudo isto tem que ser objecto de atenção por parte da Administração Central, dando o apoio oportuno àqueles que estão encarregados de o representar nessa vida internacional.
Tudo isto pode ser feito na O. T. A. N. com o mesmo dinheiro, mas com um pouco mais de organização e de trabalho.
Assim o País personaliza-se e depois, facilmente, encaminha a solução dos seus problemas, preparando-os de dentro para fora.
Não devo citar exemplos, mas poderei dizer que bem recentemente alguns êxitos foram obtidos precisamente porque se verificou um coordenado e oportuno trabalho entre a Administração Central e o embaixador de Portugal na O. T. A. N.. Que de futuro seja sempre assim.
E passemos à confiança futura que a Organização nos deve merecer.
O futuro da Organização não se adivinha claro. A atitude da França, retirando-se da sua parte militar, cria problemas difíceis de resolver e de qualquer modo tira à Aliança muito da sua eficiência e do seu poder defensivo.
Se o tempo não fosse limitado e se VV. Ex.ªs já não estivessem fartos de me ouvir, valeria a pena resumir as razões da atitude francesa, que, discutível fora da França, encontrou apoio na maioria da opinião pública francesa.
Limitar-me-ei, por isso, a tirar uma breve conclusão sobre as consequências dessa atitude.
A França não faz falta à integração militar da Aliança pelo que ela representa de potencial económico, financeiro, militar e humano em relação ao potencial global da O. T. A. N.. Faz falta, sim, pela sua posição geo-estratégica no conjunto da Aliança, o que significa que esta, territorialmente, ficará cortada a meio no sentido longitudinal, passará a dispor de muito menor profundidade territorial, terá de concentrar mais os seus dispositivos de apoio aéreo e logístico e as suas unidades de combate, o que é o mesmo que dizer, em guerra nuclear, que ficará mais exposta, mais vulnerável, às acções do inimigo.
Este facto, por si próprio, impõe uma revisão da estrutura da Aliança, e o problema está em saber qual o sentido da sua evolução.
Razões de ordem política, nelas incluída a tendência para diminuir a influência americana dentro da Organização, pode levar muitos países membros a querer adaptá-la às exigências e às necessidades de uma Europa mais independente.
Mas não me parece que se deva depositar esperança, por exemplo, na ideia de que a O. T. A. N. possa alargar a sua zona de responsabilidade para sul do trópico de Câncer. A parte militar da Aliança poderá encarar essa possibilidade e mesmo preparar planos para o efeito, mas a parte política, que é quem decide, não a deverá aceitar. Isto porque essa hipótese de alargamento poderia levar muitos Estados africanos e das Américas Central e do Sul a desejarem ser membros da Aliança, o que em boa lógica teria que ser aceite, mas que viria complicar imensamente as coisas.
Para nós, algumas das vantagens que poderíamos obter com esse alargamento da área de responsabilidade seriam fortemente prejudicadas pelo ingresso daqueles Estados.
Depois, mesmo que a Aliança continuasse a quinze membros com a área alargada para sul, isto criaria responsabilidades e perigos enormes para ela, por os Estados africanos atlânticos estarem a ser submetidos a pressões de blocos opostos e em constante metamorfose política.
Finalmente, esse alargamento transformava o Tratado noutra coisa muito diferente do do Atlântico Norte.
Parece-me, por consequência, que a Aliança, no futuro, se continuará a confinar ao Atlântico Norte.
E, sendo assim, natural será perguntar se se deve continuar na Aliança, uma vez que parece remota a possibilidade de o bloco soviético atacar a Europa.
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Não sou eu que darei a resposta a esta dúvida, é o nosso colega Dr. Soares da Fonseca, Vice-Presidente desta Assembleia, que a vai dar quando, na recente conferência dos parlamentares da O. T. A. N., a que presidiu e dirigiu com extraordinária inteligência e saber, declarou a certa altura do seu magnífico discurso de abertura:
Tudo o que atrás se diz parece poder permitir afirmar que se é verdade que estes últimos meses não fizeram eclodir nenhuma crise em Berlim, nem nenhuma agressão directa na zona atlântica, não é menos certo que o comunismo, longe de confinar as suas ambições à consolidação status que existente na Europa oriental, divisão da Alemanha compreendida, continua a explorar todas as possibilidades de prejudicar o Ocidente ou de enfraquecer as suas posições económicas e militares.
Chego assim à parte final das minhas considerações, a que mais directamente importa à proposta de lei que estamos discutindo.
Pelo que interiormente se disse, parece justificada a nossa continuação na Aliança e parece, mesmo, que um esforço de natureza política deve ser. feito no sentido de marcarmos uma presença mais activa na Organização.
Quanto ao esforço de natureza militar, ele é condicionado pelo esforço de defesa que estamos fazendo no ultramar e, consequentemente, não será fácil nem possível aumentá-lo. Aliás, os órgãos superiores da Aliança conhecem perfeitamente a situação e sabem que, se não podemos pôr à disposição mais tropas, navios e aviões, temos dado as maiores facilidades para a instalação, no território nacional, de dispositivos de segurança, infra-estruturas aéreas e marítimas, depósitos, comunicações, etc., que constituem elementos de muito valor para o conjunto da defesa do Ocidente.
Quanto ao esforço financeiro, ele será particularmente elevado no próximo ano, por força da atitude francesa e das transferências de órgãos e comandos que dela resultam.
Assim, a nossa participação para os orçamentos militar e civil da Aliança, que era de 0,65 por cento, passará a 0,78 por certo no orçamento militar pela retirada da França deste orçamento.
As transferências dos quartéis-generais do Gomando Supremo da Aliança para Casteau, na Bélgica, do Comando Centro-Europa, para Maastrich, na Holanda, e do Colégio de Defesa O. T. A. N.º para Roma, devem obrigar o Tesouro português a um dispêndio de cerca de 6000 contos, para a realização das duas fases já programadas. Se a 3.a fase dessa transferência vier a ser financiada pela Aliança, haverá que contar com uma despesa adicional de mais 3000 a 4000 contos.
Quanto às despesas da parte civil, ou política, da Organização, a maior despesa a considerar em 1967 respeitará à transferência do Conselho do Secretariado Internacional. Esta transferência já foi decidida pelos Governos da Aliança e apenas se discute agora a modalidade a adoptar.
Duas soluções estão em estudo: ou a construção de um edifício novo na região de Bruxelas ou o arrendamento de um edifício em vias de conclusão no centro desta cidade. Nada por enquanto se pode adiantar sobre a solução que será adoptada, por o assunto estar ainda, como já disse, na fase de estudo. Poderão os Ministros da Aliança decidir o assunto nas reuniões que vão ter na próxima semana.
De qualquer maneira, o nosso Ministério das Finanças deverá prever no orçamento de 1967 uma verba de 6000 a 8000 contos para fazer face à hipótese mais provável e mais vantajosa, que será a construção de um novo edifício.
Estas despesas, previstas para 1967, que em circunstâncias normais da vida portuguesa não teriam grande significado, vão constituir agora motivo de alguma preocupação para o Ministro das Finanças. Mas a sua efectivação será inevitável para garantir a nossa presença no seio da Organização do Atlântico Norte, como tudo parece aconselhar.
Para que se não julgue que a O. T. A. N.º só nos tem obrigado a gastar dinheiro sem qualquer proveito da mesma natureza, é indispensável fazer mais três apontamentos:
1.º A O. T. A. N.º construiu já ou tem em vias de construção no território do continente português e das ilhas adjacentes infra-estruturas num valor estimado de 1170 000 contos, para os quais o Governo Português contribuiu apenas com 95 000 contos. Estas infra-estruturas são de utilidade económica para o País.
2.º No campo da investigação científica, a O. T. A. N. concedeu 292 bolsas de estudo a diplomados portugueses, no valor de 20400 contos; concedeu subsídios para compra de equipamentos, material científico e remuneração de tarefas a 19 professores das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, fazendo um gasto de 7100 contos; estabeleceu oito cursos de Verão em Lisboa e Coimbra e com eles despendeu cerca de 5200 contos.
Para esta despesa total de 32 700 contos, que a Organização fez em benefício da investigação científica em Portugal, o Tesouro português apenas contribuiu com cerca de 4400 contos.
3.º A criação, ontem anunciada nos jornais, do Comando Naval da Área Ibero-Atlântica, além de representar respeito e consideração pelo nosso país e traduzir apreço à fidelidade das nossas atitudes, trará, sob o ponto de vista económico, num futuro breve, interesse à vida portuguesa.
É tempo de concluir. Nenhum trabalho de análise deverá deixar de ter a sua síntese. Esta é que Portugal deverá continuar a ser potência europeia, ao mesmo tempo que o é afro-asiática.
Esta dualidade obriga a esforços tanto maiores quanto mais difíceis são as circunstâncias do momento.
Nós, Portugueses, temos conhecido na vida de povo independente e soberano mais dificuldades do que facilidades. Tem sido uma luta constante, ao longo dos séculos, na qual a morte dos nossos irmãos apareceu sempre onde foi preciso defender os interesses supremos da grei. Não a temem todos aqueles que presentemente defendem a terra portuguesa. Por aqui não devemos ter receios. Mas devemos continuar a fazer o possível e o impossível para manter e elevar o moral da retaguarda, para fazer progredir rapidamente, correndo, se necessário, riscos calculados, a armadura económica do País, para manter o valor da moeda.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Trabalho intenso, coordenação completa, sentido mesmo exagerado de economia dos dinheiros públicos, definição clara dos objectivos a atingir e esforço perseverante para os alcançar são atitudes de espírito e de acção indispensáveis a resolução das dificuldades actuais.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Na abertura solene desta legislatura o Chefe do Estado -vincou bem que os grandes problemas a encarar nos próximos anos continuarão a ser a defesa da integridade nacional e o desenvolvimento do espaço português.
A proposta da Lei de Meios para 1967, que vamos discutir, orienta toda a nossa política financeira para estes grandes objectivos.
Acompanha a proposta um notável relatório em que o Sr. Dr. Ulisses Cortês, além de mostrar o seu talento de economista e técnico de finanças eminente, também mostra uma qualidade indispensável ao bom governante - o seu apurado sentido político.
Impressionam o dinamismo, motor da proposta e o seu desejo saudável de progredir. Nela a permanência dos princípios fundamentais da nossa política financeira é, com largueza de vistas sobre o futuro, harmoniosamente conciliada com a flexibilidade de soluções adequadas aos novos problemas que temos de enfrentar para a defesa da Nação e para a construção do futuro.
O plano financeiro do Governo para 1967 continuará a assentar numa escala de prioridade em que a defesa da Nação prefere a qualquer outro objectivo para dar às forças armadas os meios necessários a uma luta eficiente, mas este imperativo será harmonizado com a intensificação do desenvolvimento de todas as parcelas do espaço português. Para isso indica o artigo 15.º da proposta a ordem de precedências:
Encargos com a defesa nacional; despesas resultantes de compromissos internacionais e para ocorrer a exigências de defesa militar; investimentos públicos previstos na parte prioritária do Plano Intercalar de Fomento; auxílio económico e financeiro às províncias ultramarinas; outros investimentos de natureza económica, social e cultural.
Desde a eclosão da luta que nos foi imposta, a estratégia orçamental tem procurado cobrir as despesas militares extraordinárias com os saldos das receitas ordinárias, mas sem agravamento imoderado da pressão fiscal, e recorrer ao crédito para prosseguir a política de desenvolvimento, dado o carácter reprodutivo das despesas de fomento.
Em 1965 o excedente das receitas sobre as despesas ordinárias não só cobriu, mas até superou amplamente, e isto pela primeira vez no último quadriénio, os encargos extraordinários de defesa do ultramar. Em 1966 tem prosseguido o reforço da situação financeira do Estado e para 1967 não se propõe nenhum agravamento da carga tributária.
A frente financeira mantém, pois, a sua firmeza e consolida a sua estrutura; por isso o Sr. Dr. Ulisses Cortês e os seus mais directos colaboradores, Dr. Faria Blanc e Dr. Tarujo de Almeida, bem merecem as felicitações desta Assembleia e até a sua gratidão.
No que respeita ao desenvolvimento, as estatísticas indicam que o produto interno bruto a preços correntes terá aumentado em 1965 a um ritmo que se conta entre os mais altos dos países da O. C. D. E. e excede amplamente a taxa média de 6,1 por cento ao ano estabelecida como meta a atingir no crescimento da economia portuguesa para o triénio coberto pelo Plano Intercalar de Fomento. Como no ano corrente se prevê a continuação de um comportamento global favorável, embora a taxa inferior à de 1965, verifica-se que, não obstante
o grande esforço de defesa a que a cobiça estrangeira nos obriga, o desenvolvimento do País prossegue a ritmo animador.
Vozes: - Muito bem, muito bem l
O Orador: - A aceleração do desenvolvimento económico é em muitos países acompanhada de desajustamentos entre a procura e a oferta de bens e serviços, e quando o poder de compra posto em circulação não encontra resposta correspondente na oferta, os preços sobem.
Entre nós tem-se acentuado nos últimos anos a expansão dos meios de pagamento em poder do público e a moeda em circulação. Apesar desta expansão, o nível médio dos preços manteve-se até 1963 com moderada variação, o que assegurava a estabilidade do valor da moeda e um progresso seguro da melhoria do nível de vida correspondente à subida dos salários.
Mas a situação perturbou-se a partir daquele ano com a alta dos preços pagos pelo consumidor, com especial incidência no «cabaz das compras», representativo dos produtos da alimentação, sem que o lavrador, em geral, beneficie dessa alta.
O fenómeno reclama a maior atenção do Governo, precisa de ser acompanhado com lucidez pela política financeira e pela política de preços e terá de ser controlado com muita firmeza. Há necessidade de medidas estabilizadoras, em que a estabilização económica não significa estagnação, mas sim evolução regular, sem variações bruscas.
No 1.º semestre de 1966 já se registou abrandamento da taxa de expansão dos meios de pagamento internos.
São várias as causas do aumento da procura de bens e serviços: a elevação dos rendimentos de muitas famílias, que melhoram e aumentam os consumos, as transferências dos emigrantes, que pesam consideravelmente sobre a procura interna, o afluxo crescente de turistas (de grande interesse pelas divisas que deixam e que no ano corrente já devem andar pelos 6 milhões de contos), etc.
A insuficiência da oferta provoca a elevação dos preços, mas entre nós essa subida está a ser agravada pelas especulações abusivas de muitos que procuram explorar ao máximo, criando um psicose altista.
Quanto à subida artificial dos preços, vou referir alguns casos da vida real:
O Grémio dos Armadores da Pesca de Arrasto tem em Lisboa vários postos de venda ao público. O peixe que nesses postos é vendido ao público e às peixeiras ao preço da tabela é logo a seguir vendido por estas na rua com lucros superiores a 50 por cento.
No caso dos produtos hortícolas também o intermediário ganha muito mais que o bondoso lavrador. As hortaliças são diariamente vendidas em Lisboa no mercado abastecedor a preço baixo (o qual paga todo o ciclo de produção do lavrador, o transporte para o mercado e os encargos de venda no mercado abastecedor de Lisboa); mas esses produtos hortícolas são vendidos na mesma manhã, pelos vendedores ambulantes e nos lugares, a preços duas e três vezes superiores àqueles por que foram comprados horas antes no mercado abastecedor.
Quanto à fruta, são bem conhecidos os preços a que a paga o consumidor, mas desses preços finais só uma parcela chega ao lavrador.
Já se está a trabalhar no sentido de rever alguns circuitos de distribuição e comercialização, mas é urgente
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andar depressa e aperfeiçoá-los para corrigir as grandes diferenças entre os preços pagos pelo consumidor e o pouco que recebe o produtor.
Vozes: -.Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se o lavrador beneficiar em maior escala dos preços pagos pelo consumidor, sentirá um estímulo para produzir mais e aumentar a oferta de bens. Deste modo se poderá caminhar no sentido de uma estabilização de preços no consumidor e impedir que os aumentos dos ordenados sejam devorados pela ganância e esta comprometa o binário salário-preço, que se procura manter equilibrado.
Para os abusos de especulação, está a parecer frágil a repressão dos Poderes Públicos. A repressão terá de endurecer, punindo implacavelmente e em condições de eficácia.
Sr. Presidente e Sr. Deputados: Não existe estreita coordenação entre as economias da metrópole e do ultramar, que, em parte, são complementares, e deste facto derivam prejuízos para as nossas províncias ultramarinas e metropolitanas.
Por isso, coordenar as economias do espaço português dentro de uma política de fomento global é uma grande necessidade. Dessa coordenação podem resultar esquemas que assegurem riqueza para todas as parcelas do território e povoamento intensivo e estratégico no ultramar.
E necessário aumentar a oferta de vários bens e, dentro das nossas aptidões, ir estimulando a produção, principalmente de bens alimentares; há necessidade de combater as pressões inflacionistas, porque a subida artificial dos preços dá origem, quase sempre, à redução do nível de vida e a dificuldades que geram o mal-estar e o descontentamento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: Vamos agora considerar alguns aspectos do comportamento do mercado de capitais.
O secretárío-geral da O. C. D. E., ao apresentar o relatório de 1966 sobre a actividade daquele organismo, salientou que o mundo ocidental se vai ver a braços nos próximos anos com três grandes problemas, que se podem designar por três palavras muito simples: dinheiro, comércio e alimentação. Diz ainda que aqueles problemas, se põem à escala mundial e não são fáceis de resolver.
Ora a vida de Portugal está hoje e estará no futuro cada vez mais ligada à vida de outros povos do globo; por isso, a escassez do capitais de outros países poderá, com taxas de juro aliciantes, atrair as nossas poupanças e provocar uma certa fuga de capitais nacionais.
Sobre este problema, o Sr. Governador do Banco de Fomento Nacional, Prof. Eng.º Daniel Barbosa, no excelente discurso que fez em Maio próximo passado na assembleia geral daquela prestigiosa instituição, refere, com toda à sua competência:
O Banco procura assim, por seu lado, fazer face a um problema que não pode deixar de constituir preocupação para todos nós: o que resulta de uma certa fuga de capitais nacionais para o estrangeiro, exactamente num momento em que precisamos de concentrar e aplicar no País todas as possibilidades de recursos de que possamos dispor.
E mais adiante, o ilustre governador do Banco de Fomento mostra a vantagem de «... procurar ir, a pouco e pouco, ajustando as nossas taxas de juro às condições normais do Ocidente europeu».
É preciso actuar com o claro sentido das realidades e tornar aliciante a captação das largas possibilidades internas do financiamento, porque a Nação precisa de fazer elevados investimentos se quiser manter o ritmo, já em curso, de desenvolvimento económico e de promoção cultural e social.
Como o mercado financeiro nacional mostra dificuldades em realizar operações a longo prazo, faz-se sentir sobre o mercado monetário uma forte pressão da procura de fundos para operações que não são de crédito comercial. Há, pois, necessidade de reactivar o mercado financeiro para proporcionar à nossa economia maiores meios de financiamento a longo prazo.
O Governo vem realizando esforços de adaptação da estrutura financeira às condições actuais do País, e nessa linha o ano de 1965 foi assinalado por salutar actividade legislativa que traduz a atenção consagrada pelo Sr. Ministro das Finanças ao problema da mobilização de recursos para o investimento produtivo, quer através da canalização da poupança interna para o mercado do dinheiro, quer pelas garantias e seguranças concedidas à importação de capitais estrangeiros a colocar no nosso país.
Relativamente ao mercado financeiro, a mais importante providência já tomada é a que autoriza o Ministro das Finanças a isentar, total ou parcialmente, dos impostos de aplicação de capitais e complementar os juros de obrigações emitidas por empresas cujos empreendimentos estejam abrangidos nos planos de fomento ou tenham superior interesse para o desenvolvimento económico nacional.
Esperamos que a aplicação desta medida e a sua conjugação com novas providências anunciadas no artigo 22.º da proposta venham outra vez estimular, e já em 1967, a oferta do crédito a longo prazo.
As operações de compra e venda de prédios continuam em grande ritmo e há uma volumosa capacidade de poupança que, por falta de atractivos apropriados, não está a alimentar e dinamizar um desenvolvimento económico bem estruturado.
O acesso aos empréstimos internacionais a longo prazo está a tornar-se muito dispendioso.
Seria vantajoso rever as taxas de juro actualmente correntes no nosso país, principalmente no respeitante às obrigações, porque as nossas baixas taxas constituem motivo de retracção à mobilização nacional da poupança privada.
Na actual situação do mercado de capitais, as empresas do sector eléctrico não conseguem recorrer à emissão ao público de obrigações à taxa de 5 por cento, visto não haver tomadores para o papel, e isso porque essa taxa de 5 por cento se reduz (pela dedução dos impostos a menos de 3,4 por cento). E indispensável a melhoria dos juros reais das obrigações para os aproximar dos obtidos noutros mercados. Também se facilitaria o futuro se as obrigações emitidas pelo sector eléctrico fossem consideradas como aptas para aplicação em reservas matemáticas em empresas seguradoras.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O sector eléctrico é caracterizado por exigir todos os anos grandes investimentos e por uma rotação lenta do capital, necessitando, por isso, de crédito a longo prazo.
No sexénio de 1960-1965 os investimentos na electricidade excederam os 6,5 milhões de contos; para o período do III Plano de Fomento o sector eléctrico necessitará (segundo as previsões) de investimentos da ordem dos 15 milhões de contos, e para o IV Plano de Fomento será
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preciso muito mais, porque o crescimento dos consumos de electricidade é exponencial.
Até agora, dada a confiança do público na política de electricidade anunciada e seguida pelo Governo, tem sido fácil canalizar para este sector as poupanças privadas através do lançamento ao público de novas emissões de acções.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas andam no ar tendências que, a concretizarem-se, poderiam conduzir a tempos muito difíceis para o sector eléctrico.
Há quem anseie por mudanças de estrutura.
Mas, a que conduziu sob alguns aspectos a mudança de estrutura do sector eléctrico realizada em França, na Inglaterra e na Itália?
A França, por inspiração político-ideológica, nacionalizou vários sectores da sua actividade, entre os quais o da electricidade, tendo criado a Electricité de France (E. D. F.).
Publicações fidedignas dizem:
Em França, a estrutura das empresas que asseguravam a produção, o transporte e a distribuição de electricidade era extremamente dispersa; 150 produtoras, 90 transportadoras e cerca de 1500 distribuidoras.
Apesar desta multiplicidade de empresas, afirma-se nesses documentos que «no caso da indústria eléctrica francesa não existiam motivos específicos de natureza técnico-económica que postulassem a nacionalização». Fizeram a nacionalização e, apesar de todas as ajudas do Estado, «o problema financeiro apresenta-se em definitivo como o nó crucial de uma organização nacionalizada, como a E. D. F.». Por mais de uma vez o Estado já a teve de dispensar da obrigatoriedade do reembolso de empréstimos.
Na década 1955-1965 as tarifas de venda da electricidade em França subiram. Na alta tensão as taxas do encarecimento situaram-se entre os 14 e os 34 por cento, e na baixa tensão as taxas de encarecimento da electricidade foram ainda mais altas, situando-se entre os 24 e os 68 por cento, umas e outras segundo as categorias de consumidores.
Recentemente, em editorial de 1 de Outubro próximo passado, o diário parisiense Le Monde insere um artigo em que mostra as grandes dificuldades financeiras da E. D. F., as do presente e as futuras.
Na Inglaterra, o primeiro governo trabalhista posterior à segunda grande guerra pôs em prática um vasto programa de nacionalizações. Quanto à parte eléctrica, o relatório Herbert diz:
A Direcção-Geral da Central Electricity Authority (C. E. A.) ocupava em 1956 cerca de 2000 pessoas, ao passo que os correspondentes órgãos de controle antes da nacionalização apenas dispunham de 500 pessoas. Uma certa exuberância de pessoal caracterizaria toda a indústria eléctrica.
E o citado relatório também se refere ao processo excessivamente lento e trabalhoso seguido no estudo e realização de novas instalações.
As tarifas de venda de electricidade em Inglaterra têm vindo a subir; o preço médio de conjunto das doze Área Boards acusou no período 1961-1966 um encarecimento de 16 por cento, e o erário público está a contribuir também para os financiamentos da rede eléctrica.
A Itália nacionalizou em 1963 o sector da electricidade, criando a Ente Nazionale per Energia Elettrica (Enel).
Antes da nacionalização, afirmavam que um dos grandes benefícios da mudança de estrutura consistia na administração centralizada dos serviços comuns, que conduziria a um menor emprego de pessoal dirigente e executivo. Ora, segundo os valores estatísticos oficiais, o número total de colaboradores existentes no fim de 1962 nas empresas eléctricas (incluindo as autoprodutoras, que não foram nacionalizadas) era de 58 890 elementos, ao passo que o pessoal da Enel, no fim de 1964, era de 70447.
Naquele curto período o aumento de pessoal dirigente foi de 22 por cento e no fim de 1965 havia ao serviço da Enel 80 400 pessoas, resultante de aumentos efectivos e da absorção de outras actividades.
O relatório apresentado ao Parlamento sobre as contas de 1964 da Enel salienta as dificuldades financeiras deste novo organismo e prevê que o endividamento da Enel aumente durante o quinquénio 1965-1969 em cerca de 600 000 milhões de liras em cada ano.
Esse relatório insiste na necessidade de se criar um fundo de dotação.
Ao terceiro ano de nacionalização, a imprensa italiana observava:
Pouco a pouco via-se delineando a habitual empresa do Estado que não paga os impostos, que não consegue alcançar benefícios na gestão e que tem muitas dívidas.
E em Julho do ano corrente, os representantes das actividades económicas regionais, das entidades locais, etc., assinalavam que «com a instituição da Enel parece terem deixado de chegar ao seu destino os impostos ou taxas anteriormente pagos pelas empresas eléctricas privadas às correspondentes entidades municipais».
Estas realidades levam os que no nosso país têm alimentado, com as suas poupanças, a notável obra de electrificação realizada a não acreditar em vantagens de mudanças de estrutura. E por isso estes exprimiram ordeiramente e através do seu organismo corporativo que, «se se pretendesse caminhar no sentido da fusão das empresas mistas da rede primária, caminhar-se-ia para ã socialização, mais ou menos rápida, da indústria da electricidade, solução que contraria a orientação definida por lei e defendida pelo Governo e não apresentaria vantagens de natureza económica e social, conforme o prova a experiência alheia».
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como dentro das nossas fronteiras se encontram dificuldades para pôr em prática certas mudanças de estrutura, parece que se procuram apoios no Banco Mundial e nas teorias da Electricité de France (E. D. F.).
Quanto ao Banco Mundial, os objectivos de aperfeiçoamento com efectivo interesse devem ser alcançáveis sem mudanças de estrutura e até talvez mais facilmente do que com elas.
Quanto à missão E. D. F., fizeram uma breve visita a Portugal em Junho próximo passado uns senhores da Electricité de France, enviados pela O. C. D. E., e apresentaram em Outubro um projecto de relatório sobre a estrutura da rede eléctrica primária de Portugal. Talvez, por ter sido feito à pressa, esse projecto de relatório é pobre e tem vários erros.
A par de uns erros inofensivos, como o de dizer que o projecto de Fratel levanta problemas hispano-portugue-
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sés, quando toda esta obra se situa em território nacional, o de dizer que o projecto de Atães apresenta interesse para regularização das cheias do Douro, quando se trata de uma obra que, por ser a fio de água e baixa queda, não introduzirá modificação no regime de cheias deste rio, e vários deste teor, que imediatamente se reconhecem, cutros há que podem induzir em erro.
por exemplo, o Expert jurista, talvez enganado pelos intérpretes, pretende que «o espírito e mesmo a letra da Lei n.º 2002 de 26 de Dezembro de 1944, já considerava, na sua base XVII, a eventualidade da concentração que se tenta realizar». Mas a referida base XVII o que cita é a conveniência de evitar pequenas actividades dispersas pela concentração de instalações existentes, isto é, obras já feitas naquela data de 1944.
Mas o que agora pretendiam concentrar eram as grandes empresas da rede primária, criadas todas elas posteriormente a essa data: A H. I. C. A. e a H. E. Z. em 1945, a C. N. E. em 1947, a H. E. D. em 1953 e a E. T. P. em 1954.
Com a estrutura existente pôs-se em pé uma grande obra onde já estão investidos 12 milhões de contos e com a qual se tem alimentado o crescimento dos nossos consumos de electricidade, consumos esses que em 1965 atingiram um valor dez vezes maior que o registado vinte anos antes.
Em todo o projecto de relatório da missão E. D. F., e talvez por influência dos intérpretes, se nota uma hostilidade ao organismo corporativo do sector eléctrico - o G. N. I. E. - não querendo aceitar o direito de associação que está na base da nossa orgânica corporativa.
Haverá erros a corrigir na rede primária?
Haverá aperfeiçoamentos a introduzir? É possível, porque onde há vida há problemas a resolver, sendo por isso raras as soluções definitivas. Mas, se há, podem não ser de estrutura interempresarial.
Haverá que confiar aos portugueses do sector público e privado também um papel activo no estudo de aperfeiçoamentos, devendo estes ser integrados na ética do Estado Português. E, assim, os organismos corporativos devem ter nisso papel activo, visto serem elementos de colaboração com o Estado e para este caso concreto estarem muito aptos a prestar colaboração válida.
Ora, sabemos que para prosseguir o estudo da orgânica e funcionamento da rede eléctrica primária e «para propor o procedimento a adoptar, com vista à sua reestruturação», foram designados recentemente pelo departamento da Economia três administradores por parte do Estado e um inspector dos serviços eléctricos. Mas, como o Estado Português é corporativo, espera-se que essa comissão seja ampliada com representantes do organismo corporativo do sector - o G. N. I. E. - e que os seus representantes a designar para este fim específico possam, com maior independência, também ter papel activo neste estudo da rede primária.
Vozes: - Muito bem, muito bem I
O Orador: - Entre as soluções devemos preferir o que é melhor, e não o que é novo, devemos reprovar o que estiver mal e impedir o que for nocivo. Nas mudanças de estrutura há um nó crucial que se não pode esquecer - o problema dos financiamentos.
A rede primária tem já investidos 12 milhões de contos e, se não afrouxar o nosso progresso económico, não será arrojado premer que daqui a uns dez anos o investimento global da rede primária possa andar pelos 30 milhões de
contos e daqui a uns vinte anos seja da ordem dos 60 milhões de contos.
Para esse crescimento rápido precisamos de captar as poupanças privadas, dando aos detentores de pequenas economias a possibilidade de participar na formação do capital das grandes empresas, precisamos de aproveitar todas as forças empreendedoras disponíveis, sejam elas públicas ou privadas. A fusão desejada por alguns seria considerada por muitos como o primeiro passo para uma futura nacionalização e, se viesse a concretizar-se, poderia dar lugar à debandada das poupanças privadas.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma debandada das poupanças privadas causaria grandes perturbações ao crescimento indispensável do sector eléctrico e, por este ser de base e dos mais importantes, essas perturbações causariam estrangulamentos no processo de expansão económica e teriam consequências muito graves na vida do País. Por isso, parece-me oportuno deixar aqui esta matéria para serena análise e reflexão.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A nossa vida rural está muito enfraquecida, é preciso fortalecê-la, não só devido a razões económicas, mas também por sérios motivos de ordem moral e social.
Só através de um desenvolvimento regional equilibrado, em que a agricultura e a indústria progridam com firmeza, embora em ritmos diferentes, se criarão fontes de trabalho nas zonas rurais e as condições capazes de estancar o surto desordenado da emigração.
Precisamos de realizações equilibradas e bem localizadas para criar os meios de proporcionar à actividade agrícola e à vida local uma efectiva participação no desenvolvimento económico e social do País.
O progresso da agricultura está intimamente ligado à descentralização das indústrias.
Na Bélgica, 90 por cento da indústria estão localizados nas margens dos canais e dos rios navegáveis.
No nosso país, também a navegabilidade do rio Douro, já em fase de realização, deve orientar para as zonas do interior da sua bacia hidrográfica e fixar nelas diversas actividades industriais.
Com esta finalidade já vai sendo altura de se proceder a estudos para o estabelecimento de uma zona industrial nas proximidades do futuro porto fluvial da Régua. Nessa zona poderá ser criado um pólo de desenvolvimento com actividades que aproveitem as potencialidades humanas dos filhos da região, valorizem os recursos nativos e ainda proporcionem outras actividades.
Em vez de emigrantes, devemos passar a fornecer ao estrangeiro mão-de-obra incorporada nos produtos de exportação.
Ainda no distrito de Vila Real, que é dos menos industrializados do País, a instalação de uma fábrica de celulose na bacia do Tâmega virá desempenhar largo papel na fixação à terra e na melhoria de vida de milhares de naturais dessa vasta área, visto que muitos dos trabalhadores da indústria continuariam a residir nas suas aldeias, levando assim pela forma mais directa bem-estar e progresso ao povo.
Esta região subdesenvolvida tem nas matas a sua maior riqueza, sendo já considerado o segundo perímetro florestal do País, e ninguém tenha dúvidas de que os lavradores darão todo o apoio ainda a uma maior florestação se for
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instalada nessa zona a fábrica que lhes garanta preços compensadores para o material lenhoso.
Mas há que vencer grandes pressões daqueles que procuram manter esta floresta como reserva de abastecimento às suas fábricas distantes.
O factor distância de transporte do material lenhoso limita no aspecto económico o raio de abastecimento de cada unidade fabril, e, por isso, a instalação da fábrica na própria bacia do Tâmega será a única maneira de evitar que a produção silvícola regional seja prejudicada em cerca de 30 000 contos anuais perdidos em transportes inúteis, além de todos os outros prejuízos para o desenvolvimento económico e social da região. Isto numa 1.ª fase, porque com a ampliação futura o esbanjamento em transportes seria ainda maior; transportes com base em matérias- primas de importação que causariam desgaste das estradas e congestionamento no tráfego sem qualquer compensação.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Também a secção dos produtos florestais da Corporação da Lavoura, «verificando a riqueza florestal, actual e potencial, da bacia do rio Tâmega, entendeu de recomendar que na escolha definitiva da localização de alguma das fábricas já autorizadas ou a autorizar seja ponderada a conveniência de não onerar a produção de tão importante zona florestal com excessivos encargos de transportes até à fábrica ou fábricas que os possam utilizar».
Cientes da necessidade de assegurar a esta região atrasada a indispensável promoção económica e social, vieram já ao Governo as entidades oficiais (administrativas, políticas e corporativas) apoiar esta justa pretensão da lavoura da bacia do Tâmega.
Nós, conhecedores do drama da agricultura e dos problemas daquelas famílias agrárias, que ao abandonarem a terra deixam atrás de si o vazio, solicitamos para o caso a melhor atenção do Governo. E este, como defensor do bem comum, que é, ao acautelar as necessidades das indústrias instaladas, não pode deixar de defender os legítimos interesses dos lavradores.
Para este problema, de enorme relevância na vida regional, solicitamos a decisão do Governo tão depressa quanto for possível, e que a solução seja a adequada à plena realização do interesse geral.
Sr. Presidente: Ao intervir no debate da proposta da Lei de Meios para 1967, quero salientar o grande interesse com que apreciei o valioso parecer da Câmara Corporativa. Ao seu ilustre relator, Dr. Dias Rosas, dirijo, por isso, desta tribuna, uma palavra de merecido apreço.
E, antes de terminar, dou a minha aprovação na generalidade à proposta da Lei de Meios para 1967.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Tal como foi anunciado, amanhã haverá duas sessões, uma às 11 horas da manhã e outra à hora regimental.
A ordem do dia será a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:
Aníbal Rodrigues Dias Correia
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Simão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
António Magro Borges de Araújo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Augusto Duarte Henriques Simões.
D. Custódia Lopes.
Fernando de Matos.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
José Henriques Mouta.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Raul Satúrio Pires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA
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