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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 46

ANO DE 1966 12 DE DEZEMBRO

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 46 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 10 de DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr.Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares

Nota. - Foram publicados três suplementos ao Diário das Sessões n.º 42, os quais inserem: o 1.º, o parecer n.º 4/IX da Câmara Corporativa, acerca do projecto de lei n.º 2/IX (lei da caça e do repovoamento cinegético) e do projecto de proposta de lei n.º 2/IX (regime jurídico da caça); o 2.º, a proposta de lei da caça; e o 3.º, a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Cid Proença falou sobre o novo Código Civil.
O Sr. Deputado Peres Claro referiu-se à Ponte de Salazar.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a Lei de Meios para 1967.
Usaram da palavra os Srs. Deputados António Santos da Cunha, Rui Vieira e Pinto de Meneses.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Calheiros Lopes.
António Furtado dos Santos.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco José Cortes Simões.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.

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José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Pais Ribeiro
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecerde Sirvoicar.
Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cid Proença.

O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: Aproveito a primeira oportunidade que na presente legislatura se me oferece para aqui lhe reafirmar a muita admiração, que o Clássico nos ensina a considerar entre todas devida, pela capacidade de talento e do saber ao nível da rectidão da consciência.
E, se V. Ex.ª mo permite, acrescento-lhe os protestos da amizade respeitosa e gratísssima, que a mais directa colaboração dos últimos cinco anos só tem podido radicar e fortalecer.
Sr. Presidente: Que o novo Código Civil entre em vigor precisamente no ano 67 deste século será, porventura, apenas uma feliz coincidência.
Não curemos nós de averiguar, em todo o caso, até que ponto terá sido destramente forçado o ajustamento das datas; antes nos importe reconhecer quanto o simbolismo da conta redonda, um século, convém às circunstâncias temporais que constituem a justificação primeira do código novo.
O confronto das duas épocas tão dissemelhantes encontra-nos em situação de parte fatalmente interessada e carecidos de perspectiva óptima para julgamento. Ainda assim, deixa entrever o bastante para adiantarmos que, no campo do pensamento jurídico, como no das realidades sociais, a proximidade dos tempos é muito relativa.
Em mais do que um sentido, fica verdadeiramente noutro século o ano de 1867. E nele o momento histórico em que uma carta de lei do Sr. D. Luís, dada no seu Paço da Ajuda, encerrou o processo constitucional, que sobre o projecto do visconde de Seabra, discutido e revisto (como ponderaram os ilustres deputados a cortes) «por uma comissão de consumados jurisconsultos em quem a madureza da reflexão era alumiada pelos ensinamentos da experiência é pela compreensão dos elevados princípios da ciência filosófica que tende a dominar a legislação dos povos cultos ...», construiu o primeiro Código Civil português.
Das falas que a propósito então aqui se ouviram, num rapidíssimo debate, resulta que todos se queixavam da escuridade e do emaranhado dos mil e um preceitos legais dispersos e que no ânimo geral andava o propósito de não nos deixarmos ficar muito tempo atrás dos países que se nos haviam antecipado com seus códigos.
Agora também tivemos as nossas razões. E o Sr. Ministro da Justiça, na dupla autoridade de governante e de civilista, esmiuçou algures todas as que pareceram impor o estatuto de direito privado que, embora mantendo fidelidade «aos valores eternos da personalidade humana» e não repudiando «as tradições perduráveis da comunidade nacional», se achasse impregnado «das mais nobres aspirações da época que vivemos.»
1967, depois de 1867.
Pois bem, Sr. Presidente: Se tal conexão de datas - fortuita ou deliberada, tanto vale ao caso - se afigura significativa, não pode estranhar-se, muito menos levar-se a conta de exagero desaforado, que a nossa Câmara política tome o facto de o novo código vir a público neste ano jubilar da Revolução por coincidência também feliz e a vários títulos merecida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Certo é que desvirtuaríamos a questão posta à inteligência dos Portugueses e, do mesmo passo, a tristes limites confinaríamos a própria ambição se na lei monumental víssemos pretexto dê mesquinha vanglória partidária. Para quem o sentido do interesse nacional e o culto de ideais superiores comandem a vida, ter servido bem a Nação e servido o direito compensa bastante para não apetecer outra vitória.
Não tanto pela dimensão invulgar do seu articulado, a obra é das maiores e mais influentes que, no mundo do espírito ou das realizações materiais, esta geração terá podido erguer.
E, sem pensar que a sua substância por natureza desencadeia a controvérsia, é das que justificam todas as atitudes menos a da impassibilidade. Difícil parece que outra lei, ou facto, ou instituição, interesse assim fundamente e omnìmodamente a grande generalidade dos homens - a quem tutela a personalidade, regula as relações de família, limita e supre as manifestações de vontade negocial, condiciona o uso das coisas e, para além da morte, o destino a dar-lhes.
A expectativa, o desvanecimento, o regozijo, que a sua publicação justifica serão, naturalmente, os da Nação; não apenas os de alguns de nós.
Tenhamos, contudo, por verdade objectiva que na génese dos grandes empreendimentos, de que o código é paradigma, e na boa sequência da sua trabalhosa execução estão as condições singularmente favoráveis de um determinado clima político.

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Os antecedentes da nossa vida colectiva aconselham, efectivamente, a não garantir que em circunstâncias menos propícias, quanto a calma da vida pública, estabilidade do Poder, constância de pensamento governativo, se conseguisse, sem sobressalto, soluções de continuidade, tergiversar de rumos, levar a termo a empresa desejada. Por maioria da razão se recordarmos a sorte mofina de tantas obras de menor tomo e exigência.
Parece, por outro lado, demonstrado que o mais vivo estímulo para a acção reside na firmeza dos princípios que a projectem, ainda que integralmente a não informem. E da fé inabalada nas suas virtualidades.
O estado de espírito dos cépticos representa, na hipótese, valor negativo, aos pragmáticos em política não deve pedir-se melhor do que expedientes de administração ou governo pelo governo; mas de quem tem uma doutrina esperamos sempre que renove toda a sorte de estruturas. Vamos a ponto de exigir-lho quando e na medida em que as instituições e os factos legais contradigam as verdades com que pretendem abonar-se.
O valor potencial de certas iniciativas reside, portanto, em que lhes não mora na origem um gesto avulso de lucidez quanto a elenco de problemas delimitado, mas em que, por estrita obediência às raízes da formação ideológica e mental, se pratica um acto consequente.
Acontece, entretanto, que os pressupostos doutrinários permanecem para além do seu específico domínio e nas soluções predominantemente técnicas não raro se vislumbra a marca da sua presença. Constitui, de resto, característica saliente (e dramática!) da evolução do mundo contemporâneo que a ânsia de buscar o apoio de um sentido unitário da vida reduza a muito pouco os planos de interesse em que os homens se encontram como em terreno de absoluta neutralidade espiritual.
Isto situa com justeza uma zona de críticos sistemáticos do código e isola os motivos por que os seus reparos incidem sobre determinados pontos com exclusão dos mais, ainda que por tabela o mau humor atinja o conjunto do articulado e inclusive o propósito em si da recodificação do direito civil.
Tudo se passa como se «os alicerces pré-jurídicos de certas instituições», a que entre nós aludiu o Sr. Ministro da Justiça, sejam trazidos à colação, fora do lugar próprio e a destempo, em jeito de quem enuncia uma essencialíssima questão prévia.
Esta existe, sem dúvida, e acima de rasteiros objectivos sectários; se é levantada, movimenta as posições antagónicas e não só aquela onde còmodamente se situem os discordantes.
Como notou um ilustre filósofo do direito, também neste sector o positivismo deixou de poder ditar «veto radical a quanto subentenda especulação ultra-empírica». Respeitamos, sim, a majestade da lei; mais nos obriga a reverência do direito e dos seus fundamentos transcendentes.
Daí, não nos ser indiferente o que a ordem jurídica estabeleça, por exemplo, sobre negócios usurários, sobre o regime do contrato laborai, sobre o uso, abuso e limites do direito de propriedade.
Daí, andar em jogo mais alguma coisa do que simples disciplina formal se se trata de estorvar um tanto ou de manter abertas todas as facilidades de dissolução do vínculo contratual civil do matrimónio.
Na lógica da mesma preocupação, reputaríamos inconcebível, claro está, que o código não integrasse a matéria das disposições concordatárias relativas ao casamento canónico. Tanto como desrespeito ao acordado de potência para potência, quanto como regresso, na ordem interna, ao olímpico desdém pela consciência da grande maioria dos Portugueses.
Assim vem o calor da controvérsia à aliás não muito demonstrada frieza do austero direito civil ...
Todos estes problemas, e os que implicando melindres de outra natureza se lhes avantajam em número, sabemos que desafiaram trabalho imenso de investigação científica, de pesquisa de soluções equilibradas de entre as soluções possíveis oferecidas à opção inteligente dos especialistas.
Felizmente que estaria deslocado o apontamento mordaz de Vieira - sobre os príncipes baralharem os metais e trazerem desencontrados os conselhos e os conselheiros. Desta feita «votou cada um no que professa», com lucro visível da empresa, que aproveitou do saber e diligência dos mais doutos.
O tê-los sabido e podido congregar, com ressalva da sua independência intelectual e sem compromisso de livre consciência, não representa decerto mérito despiciendo de um estilo de vida nacional adequado ao aproveitamento pleno de todos os valores da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: O tratamento em pormenor do regime dos diferentes institutos, por mim, não me atreveria a pô-lo em causa. E suspeito de que, se a tanto me afoitasse, alguém me repetiria o argumento produzido por um deputado dá Câmara de 1867, quando esta em 21 e 22 de Junho desse ano se ocupou do projecto de Seabra. Que interferir com a generalidade das disposições do código equivalia a arriscar-se a tocar na economia do sistema e que, a pretender-se fazê-lo com a requerida seriedade, deveria dispor-se, não do período corrente de um debate parlamentar ou sequer de toda a sessão legislativa, mas de uma legislatura por inteiro.
As coordenadas de orientação geral do código, essas, são as que verdadeiramente imprimem carácter e obrigam a escolher.
O seu exame consciencioso, que a exaustiva e concludente exposição do Sr. Ministro decisivamente terá ajudado, permite convencer, em meu modesto juízo, de que, devendo constituir «o símbolo representativo de uma época» (a nossa época) e dar «á imagem fiel de um povo» (o nosso povo), o novo Código Civil duvidosamente poderia ser, em substância, muito diverso do texto agora pendente de ratificação.
Sr. Presidente: Sem embargo do efémero da sua condição - um século mal completo passa daqui a pouco sobre o início da vigência de um código revogado -, o novo código exibe um pouco da perenidade das criações do espírito.
Ficará como testemunho expressivo do que agora somos e sabemos fazer. Pelo mérito intrínseco, que a análise crítica lhe estabelece. Pela orientação, cujo sinal o individualiza; segundo as concepções da época, a que não poderia furtar-se; segundo a influência da colectividade por quem e para quem existe, que vincula e serve, que onera e defende, espelha e molda.
Traz também vozes de outra ressonância. Fala de circunstâncias que lhe são exteriores e afinal incorpora, porque sem elas não seria, ou não seria como é nem valeria o que vale.
As que há vinte e dois anos inspiraram a decisão de lhe dar vida. As que, ao longo deles, acompanharam e balizaram o esforço beneditino da construção jurídica. As que, noutra esfera de interesses, mas no mesmo mundo de

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valores, presentes e incisivas, asseguraram que a ideia em potência fosse acto hoje felizmente cumprido.
Eis um documento, dos mais representativos, e fidedignos, e sólidos documentos deste período histórico, que, por graça infinita de Deus, foi de paz fecunda e foi de trabalho esforçado dos Portugueses. Ad rei memoriam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: No dia 6 de Agosto passado abriu ao trânsito, após cerimónia espectacular, a ponte sobre o Tejo, a ponte sobre aquele rio que tem não sei quantas pontes a atravessá-lo, da nascente à foz, mas a que faltava a que mais era desejada - a ponte que ligasse Lisboa à Outra Banda.
Cerimónia espectacular - disse -, pois decorreu em tão feliz aproveitamento do cenário natural que não só o espírito mas forçosamente os olhos nela se deleitaram. Mas tudo embora, foi no espírito que sobretudo sentimos a satisfação daquele dia memorável em que a ponte ficou, no sector das obras públicas, como imorredouro marco de uma política de construção e reconstrução que, aplicada nos últimos 40 anos, dê lês a lês do País, a ele dotou de tal conjunto de coisas novas que só obra como a ponte seria capaz de dar remate condigno, como a Igreja de Santa Engrácia é, no capítulo das conclusões, o morrer do símbolo político das coisas que ficam por acabar.
Ao dar-se à ponte o nome do Sr. Presidente do Conselho - o único que se lhe poderia dar, em inteira justiça - e ao inaugurá-la a coincidir com os 40 anos do regime político de que o Dr. Oliveira Salazar é o realizador, vinculou-se a ponte a uma política, embora nacional e unitária. Tal aconteceu com esse monumental documento que é o novo Código Civil, cuja linha doutrinária consagra a reacção contra o liberalismo individualista, a qual define o actual regime político.
Sr. Presidente: exultaram as gentes com a inauguração da Ponte de Salazar e porque, no dia seguinte, tivesse e venerando Chefe do Estado de deslocar-se a Setúbal, foi a gente deste distrito que, em nome de todas as demais, foi para a estrada tornar triunfal uma viagem de 30 km, encheu Setúbal ao longo das suas ruas, de nascente a poente, e disse ao Chefe do Estado o seu obrigado, o seu emocionado e orgulhoso obrigado. Quantos assistiram a essa manifestação sabem quão vibrante, quão sincera ela foi, pois como nenhuma outra a gente do distrito de Setúbal, em especial a da zona servida pela estrada nacional n.º 10, sentiu que a ponte lhe pertencia, não apenas por assentar um dos pés em terra sua, mas sobretudo per realizar enfim a esperança da travessia cómoda de um rio que nem sempre é amável para quem o procura diàriamente.
Sr. Presidente: A ponte, como eu a vejo, é uma vitória sobre nós próprios, sobre um povo que adora as improvisações, pois sabe que delas se sai sempre airosamente, embora com as dificuldades ,em que parece comprazer-se. É uma vitória sobre nós próprios, porque, realizada no presente, foi feita para servir no futuro. Quando o plano de rega do Alentejo for uma realidade, como o Algarve o é já hoje como potência turística, a ponte rodoviária será o grande caminho para a penetração num e noutro sentido. A ponte não foi, pois, construída para serviço da Outra Banda, nem que essa Outra Banda vá até Setúbal. Servi-la-á talvez quando se completar com ï exploração ferroviária. A ponte, como infra-estrutura que é, está ali à espera do desenvolvimento futuro próximo do Sul do País. Como não são de nosso jeito tais antecipações, há já quem murmure.
Sr. Presidente: Quem governa os povos, mesmo um simples regedor, sabe que ao lado das necessidades objectivas, que alguns procuram, existem, com a força colectiva do sentimento, as necessidades sentidas. Para os povos ribeirinhos de Lisboa, para aqueles que, com frequência, e tantos dia a dia, têm de atravessar o Tejo, a ponte sempre foi o grande desejo, a mais sentida das necessidades. E como não, se o corpo acaba por cansar-se de meses de nevoeiro, de anos de vendaval, da angústia dos abalroamentos, da dúvida das horas certas? A ponte era o grande desejo e foi, nas vésperas da inauguração, a grande esperança, tanta que a Câmara Municipal de Almada se bateu por uma ligação mais directa do centro da vila à entrada da ponte, quando já tinha o caminho amplo e fácil pela Cova da Piedade. Esperança acrescida com o desaparecimento dos ferry-boats para o Terreiro do Paço, os quais às horas de ponta levaram sempre, e quase só, mais gente do que carros. Desaparecimento desses autênticos barcos de passageiros sem que outro qualquer transporte fluvial os substituísse. Esperança acrescida ainda com a publicação de um discricionário decreto sobre mais-valias de terrenos antes e depois da ponte, dos terrenos compreendidos na área do Plano Director de Lisboa.
Vai por aí uma quase especulação sobre a utilização da ponte, com repercussões já na chamada grande imprensa. A construção da ponte foi, sem dúvida, a satisfação de uma necessidade objectiva, mas não podemos esquecer que ela foi sempre uma necessidade sentida pelos que demandam o Tejo com frequência. Procurar o equilíbrio entre os dois princípios é tarefa política, porque política - repito - é a arte de governar os povos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Santos da Cunha.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Aqueles que como nós - eu e V. Ex.ª, a quem presto mais uma vez as minhas respeitosas homenagens - têm acompanhado passo a passo a vida do Regime e a ela sacrificaram o negrume dos seus cabelos podem e devem, legitimamente orgulhosos, ao comemorar-se o 40.º aniversário da revolução nacional, erguer altivamente a fronte e, olhando para trás, para o muito que de grande se tem feito neste país nas últimas quatro décadas, entoar um hino fervoroso de agradecimento e louvor a Deus.
Na verdade, não só renovámos - nós os do Regime - a face das cidades, vilas e aldeias deste país, num conjunto magnífico de obras, que vão desde a eliminação de fontes de chafurdo e da construção de pequenos caminhos de aldeia até às pontes da Arrábida e do Tejo, e das pontes da Arrábida e do Tejo às grandes obras portuárias e hidroeléctricas e à construção de bairros residenciais que são o orgulho dos grandes centros, como transformámos ; radicalmente o viver do nosso povo, dignificando-o e eno-

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brecendo-o, criando-lhe novos meios de subsistência que lhe permitem uma vida melhor e outorgando-lhe leis sociais que nos colocam a par dos povos mais adiantados do Mundo. E tudo isto se fez, e toda esta monumental obra se realizou, num período acidentado da história do Mundo, que forçosamente nos havia de acarretar grandes implicações. Primeiro a guerra civil em Espanha, fogueira marxista a arder perigosamente junto às fronteiras do continente, e logo, a seguir a última grande guerra, a cuja fúria destruidora nos foi possível fugir e a ela poupar a nossa juventude, devido à sábia política de Salazar, sem contudo deixarmos de sofrer os inevitáveis reflexos de ordem económica e social que todas as guerras acarretam. Quando a Nação, liberta desses pesadelos, se preparava para, num esforço que tem sido constante, se devotar mais afincadamente à tarefa do seu engrandecimento, o estrangeiro, nações que se dizem civilizadas e amantes da paz, instala o terrorismo nos nossos territórios ultramarinos e, com ele, a guerra que contra ele sustentamos e sustentaremos, acarretando-nos assim sacrifícios de toda a ordem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: Tudo o que de grande foi possível fazer teve por base o equilíbrio das finanças e a ordem na administração pública. Dessa orientação, que, desde que o Sr. Presidente do Conselho entrou no Governo, tem sido firmemente mantida, é testemunho a proposta de lei que a Câmara está analisando. Essa orientação desejávamos, porventura, mais firme, como oportunamente o advogou o Prof. Eng.º Daniel Barbosa na sua notabilíssima conferência «Novos rumos da política económica», ao afirmar:

Ora a realidade leva a reconhecer que, num momento em que nos debatemos com uma guerra, em que as despesas ordinárias se comprimem fortemente para que parte das receitas ordinárias possa cobrir despesas extraordinárias que se não podem deixar de efectivar, levam-se a efeito no País determinadas aplicações dos dinheiros públicos que de forma alguma obedecem ao princípio de selecção que atrás referi; e se tal facto, em circunstâncias normais, se poderia considerar, não quero dizer já como um desperdício, mas, pelo menos, como uma prodigalidade, no momento actual, perante as nossas necessidades militares, perante os mais altos interesses da Nação, somos obrigados a considerá-lo como uma atitude merecedora da mais severa crítica. Acresce, de resto, que se a nossa concepção orçamental vive inelutàvelmente à base de princípios que, mesmo nas circunstâncias mais propícias, se não deixaram alterar, não seria compreensível que fosse exactamente agora que tais princípios sofressem violação ou derrogação.
Ora o certo é que diversos Ministérios dispõem de receitas próprias, que não deixam de provir da economia da Nação pelo facto de poderem - tantas vezes - ser aplicadas fora daquele controle que automàticamente resultaria da sua inscrição obrigatória no orçamento do Estado.
Podendo ser frequentemente aplicadas, aqui e além, sob o critério de quem as administra, deixa de ser respeitado o princípio da unidade orçamental.
E julgo que este ponto não pode ser menosprezado quando exactamente se procura aplicar como se deve, e se impõe, os dinheiros da Nação.
É evidente que esse equilíbrio, essa ordem que o ilustre economista e governador do Banco de Fomento vê seriamente ameaçada, está na base da obra que comemoramos alegremente e tem que estar no mais fundo das nossas preocupações ao querer construir o futuro.
Sem essa ordem, sem esse equilíbrio, nem sequer nós, os progressistas do Regime - emprego o termo «progressistas» como designação daqueles que querem mais e melhor, dos que não se conformam com o que está feito, e não como rótulo dos que andam para aí empenhados em fazer as pazes entre Deus e o Diabo, como se tal fosse possível -, poderíamos acalentar sonhos de caminhos mais amplos, mais rasgados, que depressa nos conduzam aos objectivos que a todos os bons portugueses animam. Sem essa ordem, sem esse equilíbrio, não nos seria possível, legìtimamente, manifestar todo o nosso desejo de que do esforço feito, da obra realizada, se tirem as necessárias ilações, ou seja, todas as possíveis consequências.
É dentro deste espírito, é dentro do reconhecimento destas verdades, que me permito fazer algumas considerações sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967.
Começarei por avisar o Governo - não vá ele deixar-se perder na miragem de algumas disposições tomadas- de que o problema da nossa agricultura continua sem medidas sérias que possam debelar a crise que a aflige e que cada vez mais se agrava.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se julgue que a leve actualização de preços consentida para alguns produtos da terra contribuiu para melhorar a situação, pois essas actualizações estão longe de cobrir os encargos de mão-de-obra, que duplicaram e triplicaram em alguns casos, quando é possível encontrá-la, e do preço dos adubos, sulfatos e outros artigos imprescindíveis ao amanho da terra.
O desequilíbrio acentuou-se mais e a fuga dos campos é cada vez maior. O trabalhador rural atravessa legal ou ilegalmente, conforme pode ou não dispor de influências, a fronteira ou, então, deixa-se aliciar pelo chamamento que outras actividades lhe fazem.
Creio que neste momento mais do que nunca se impõe a promulgação de medidas de ordem social que prendam o homem ao campo, que ele ama e de onde sai forçado pela penúria, e ponham fim à legítima fuga que o mesmo encetou.
Essas medidas não podem ser outras senão as de estender ao trabalhador rural todo o esquema de previdência, a começar pela concessão do abono de família, que tem um efeito imediato e um efeito psicológico verdadeiramente insubstituível. Nada de ilusões: abono dê família à frente de todas as regalias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na última visita que o Sr. Prof. Gonçalves de Proença fez ao meu distrito, o titular das Corporações escutou, de todos os dirigentes rurais a quem foi dado usar da palavra, justas e oportunas reclamações que o delegado do Instituto Nacional do Trabalho em Braga, ao inaugurar a Casa do Povo de Rossas, polarizou dizendo: «É que os problemas do mundo rural não se resolvem com belos edifícios, de pedra e cal, tijolo e cimento, primorosamente decorados com motivos rústicos ou cores macias. Neste sentido, e perante a gravidade de tais problemas, são hoje entregues a V. Ex.ª

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o projecto do centro-piloto de adestramento agrícola e o plano de cobertura corporativa e sanitária do distrito. O primeiro, magnífica iniciativa da Federação das Casas do Povo do Distrito de Braga e da autoria dos distintos técnicos Srs. Eng.ºs João de Vasconcelos e Manuel de Almeida, virá a ser consoladora realidade no sector da formação profissional dos homens do campo. O segundo, gizado sobre a orientação e impulso da Delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, e que a Federação pretende agora executar, facilitará a delicada e importantíssima missão da Comissão de Política Social e Rural quando se decidir autorizar ou determinar que os trabalhadores inscritos como sócios efectivos das Casas do Povo seja ca incluídos nas caixas regionais de previdência e abo ao de família, e ainda, cumulativamente, na Caixa Nacional de Pensões, para efeito de beneficiarem de uma ou mais modalidades de seguro do esquema destas instituições, dando-se assim cumprimento ao disposto no n.º 2.º da base VIII da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1966.»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já em Celorico de Basto, terra de boa gente, de são princípios e excelente formação, concelho essencialmente agrícola, o Ministro, levado não só pelo ambiente que nos rodeava, como por aquele acentuado cunho humano que nele se destaca, havia dito: «Tomei para ponderação das palavras de encerramento desta cerimónia o momento litúrgico que atravessamos - o Advento; Advento que é anseio renovado de todos para que desça mais felicidade e haja mais bem-estar entre os homens. Também em política social estamos a atravessar um verdadeiro advento, que é preocupação orientada no sentido de fazer chegar a todos os cantos de Portugal mais riqueza, mais justiça social.»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - «Nem todos os passos serão fáceis, mas é indispensável que assim aconteça, de forma que essa justiça social possa abranger todos os sectores da vida nacional. E esperamos que isso venha a acontecer, mas será indispensável que ao anseio dos governantes se junte a vontade dos governados.» E glosando o mesmo tema, o Ministro acentuou: «Eis o que me sugere o Advento e, tal como nu liturgia, espero que o Natal dos trabalhadores rurais esteja próximo.»
Estas afirmações foram feitas na presença de altos funcionários do Ministério, de que destacarei o vice-presidente do Concelho Superior da Previdência, por o saber investido na presidência da comissão encarregada do estudo de tão candente problema. É evidente que o mesmo só pode ser resolvido com o auxílio do orçamento do Estado, a exemplo de outros países, mas tem de ser encarado sem demora, se não queremos ver uma maior deserção dos campos, com todas as suas consequências para a vida social e económica do País.
Como dizia um presidente de uma das Casas do Povo inauguradas, é justo que os filhos da lavoura - e tantos são - que se encontram a combater no nosso ultramar, ao chegarem à terra encontrem a mesma protecção social que auferem, lê há muito, os seus camaradas de armas que vivem nas: cidades. Até por isso, é justo que, como disse o Sr. Ministro das Corporações, ao Advento que se vive suceda o Natal que se aproxima.
Sr. Presidente: Mas se a situação da agricultura é a que todos sabemos, não é risonha a da maior indústria do meu distrito, que está, na verdade, a atravessar horas difíceis e precisa da atenção imediata do Governo, pois, a não ser atenção imediata, julgo que em muitos casos será dispensada por tardia. É necessária especial atenção ao sector económico, a denunciar males que pedem remédio e amanhã pode ser tarde para lhe acudir.
Em 4 de Novembro foi entregue, pelo Grémio Nacional das Indústrias Têxteis, ao Sr. Secretário de Estado do Comércio, uma exposição verdadeiramente elucidativa, que temos pena não poder aqui, integralmente, reproduzir, porquanto nela é retratada fielmente a situação.
Ali se diz que a indústria têxtil, dando acolhimento ao que lhe foi solicitado pelos planos de fomento, a partir de 1953, procurou equipar-se convenientemente, contando-se por 3 milhões de contos os investimentos feitos. Só no triénio de 1963-1965, e só em referência a importações, as máquinas adquiridas pela indústria atingiram uma cifra verdadeiramente impressionante, da ordem dos 3 milhões de contos. As condições de produtividade sem dúvida que se modificaram de uma maneira benéfica, de modo a poder colocar a indústria em condições de melhor concorrência no mercado internacional, como seria necesário. Mas isso obrigou a largos investimentos e levou-a a ter de recorrer em larga escala ao crédito.
Como se diz na referida exposição, «hoje a verba relativa a investimentos atinge tais proporções que os valores das amortizações tendem a igualar os da mão-de-obra».
A indústria, na sua grande e esmagadora maioria, é uma indústria prolífera e não pode recorrer aos habituais meios de financiamento por acções e obrigações. A maior parte das. fábricas, como muito bem se afirma na exposição a que me venho reportando, são de tipo familiar, e bem é que o continuem a ser, pois são famílias que constituem como que uma nova aristocracia, com função própria e utilíssima no meio onde vivem. É uma indústria pobre, mas que se vê obrigada constantemente a fazer novos investimentos se não quiser ver-se ultrapassada.
Abandonada ou quase abandonada pelo Banco do Fomento, que noutros- sectores industriais tem já feito sentir a sua benéfica acção - a começar por algumas indústrias no meu distrito e na minha cidade -, sem merecer o direito de recurso aos fundos da previdência social, para os quais no entanto é larga contribuinte, a indústria tem sido até aqui amparada pela banca comercial e pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
É de louvar o apoio que a indústria têxtil tem encontrado na banca comercial - e também na Caixa em alguns casos -, sem o qual não lhe seria possível o desenvolvimento que atingiu, desenvolvimento que é um dos maiores penhores do progresso económico do Norte do País. Sucede, porém, que, a partir dos meados do ano corrente, a indústria se vê a braços com uma retracção da banca e isto quando os mercados externos começaram a tornar-se difíceis e o problema das transferências das nossas províncias ultramarinas se agravou, criando dificuldades incomportáveis.
Conhecemos - pois como político que somos queremos estar e estamos dentro dos problemas que interessam fundamentalmente à nossa região - situações que exigem rápido auxílio e intervenção sem demora, sem o que o encerramento de algumas fábricas será inevitável.
Impõe-se, mas isso imediatamente, que sejam mais largamente financiados os fornecimentos de matéria-prima, nomeadamente do algodão ultramarino, pedindo-
se, desde já, o apoio decisivo do Banco de Portugal para o efeito, isto é, que este dê à banca comercial os meios de liquidez necessários ao auxílio que se impõe.
A exposição que o Grémio dirigiu ao Sr. Secretário de Estado da Indústria mereceu esperançoso e bem elaborado

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despacho do Sr. Ministro da Economia, a que aqui nos queremos referir com o maior louvor e transcrever mesmo alguns passos mais salientes. Diz o Sr. Ministro:

A minha conclusão é esta: o espantoso progresso realizado por este ramo de actividade industrial portuguesa nos últimos anos, quer em matéria de modernização do seu equipamento, quer no plano da sua contribuição para o equilíbrio da balança de pagamentos do País - e a situação especial de que desfruta no mercado da E. F. T. A. tem contribuído grandemente e irá, a partir do próximo dia 1 de Janeiro, contribuir ainda mais para o aumento da sua exportação -, esse progresso, visível e indiscutível, dizia, justifica que, neste momento conjuntural difícil, todo o apoio seja dado pelo Governo a um sector da produção que, como nenhum outro, tem mostrado saber aproveitar, não só em seu benefício imediato mas também na linha do real interesse da Nação, os estímulos que recebe do Governo.

E depois de manifestar a sua gratidão às indústrias pelo esforço feito e se referir a algum mal-entendido que bom é que desapareça, o Sr. Ministro terminou por dizer:

Compreendendo as dificuldades conjunturais graves apontadas neste ofício e reconhecendo que elas não decorrem do facto de este sector da produção se encontrar em crise, mas, bem ao contrário, em plena fase de expansão, o Ministro da Economia submete a exposição em causa, com o presente despacho, à muito alta consideração de SS. Exas. os Ministros das Finanças e das Corporações, como preparação das conversas que, com ambos, terá a seguir. E não tem dúvida de que, dentro das possibilidades actuais, se encontrará a solução que domine a situação de momento, pois. não ignora o interesse e a teimosia inteligente com que o Sr. Ministro das Finanças, como tal e como Ministro da Economia, sempre lutou pelo progresso industrial, como sabe da disposição em que sempre o Sr. Ministro das Corporações está de ajudar o processo de desenvolvimento económico, sobretudo nos casos, como o presente, em que grandes massas de mão-de-obra estão em causa. Um grande argumento temos em nosso favor: não se trata, aqui, de atrasar a morte ou suavizar a agonia de um sector condenado da produção nacional, mas de ajudarmos, decididas, um corpo válido, de presente seguro e de futuro ainda mais promissor, a vencer uma crise de crescimento que se verifica em condições desfavoráveis do mercado do dinheiro que lhe não são imputáveis.

Como diz o Sr. Ministro da Economia, a indústria têxtil não é um sector condenado da produção nacional, mas um corpo válido de presente seguro e de futuro ainda mais promissor. Temos, pois, que encarar o seu desenvolvimento e com ele os das indústrias que lhe são afins.
Sr. Presidente: Dentro delas, e por lhe estar intìmamente ligada e, como esta, merecer e precisar de auxílio pronto, está a indústria metalomecânica produtora de máquinas têxteis, que tem presentemente capacidade para satisfazer grande parte das necessidades em equipamento da indústria têxtil nacional.
O valor da sua produção nacional é já da ordem dos 70 000 contos, o que é de grande importância para a economia de divisas. Escusado será realçar o que de vantagens traria para o País o seu desenvolvimento, que, aliás, tem sido incitado pelos departamentos estaduais. Entendo oportuno referir-me à acção que neste incitamento, como noutros que largamente frutificaram, teve o malogrado Eng.º Ferreira Dias, recentemente desaparecido do número dos vivos e a cuja memória são devidas as maiores e as mais sentidas homenagens, como um dos grandes servidores da era de desenvolvimento industrial que estamos atravessando.
É urgente a resolução - sob pena de paralisação total da sua laboração, como já aconteceu em algumas empresas - de dois problemas que lhe dizem respeito, um dos quais ligado ao que acima digo, ou seja: financiamento à produção e vendas; eliminação da discriminação aduaneira relativamente às peças patenteadas que têm de ser importadas.
Quanto ao primeiro problema, pode ser resolvido com um certo esforço relativamente ao financiamento da produção, visto que as empresas estão devidamente estruturadas para tal. O financiamento das vendas reveste um aspecto mais difícil, na medida em que é necessário lutar com a concorrência de grandes empresas estrangeiras, e a têxtil tem no assunto sérias dificuldades, como é evidente e se conclui do que acima afirmei.
Como se sabe, nos principais países construtores de máquinas, estas empresas têm o apoio de instituições oficiais e particulares em relação a adiantamentos por conta das encomendas e a seguro de crédito, o que lhes permite oferecer à indústria têxtil largos prazos de pagamento, que vão de três a sete anos o mais.
Ora, desejando a indústria metalomecânica nacional participar cada vez mais no fornecimento de equipamento à indústria têxtil, por aqui se poderá avaliar facilmente as dificuldades que tem de vencer. Até há poucos meses a banca comercial facilitava o desconto a papel até três anos, o que permitia na realidade o escoamento da sua produção. O corte abrupto destas necessárias facilidades por parte da banca comercial implicou desde logo grandes perturbações no cumprimento dos contratos até aí elaborados e uma certa retracção nos que estavam para ser firmados.
O problema reveste-se de tal importância que, se não for resolvido com a maior urgência, seguramente que apenas restará a este sector da metalomecânica nacional a suspensão das actividades respecivas, com único benefício da concorrência estrangeira, que verá assim o caminho aberto para estabelecer depois condições que mais lhe satisfaçam, em prejuízo de uma e outra indústria - têxtil e metalomecânica.
Há ainda que assinalar a grave perda da mão-de-obra especializada e que tantos anos levou a criar, que se dispersaria por outras actividades ou buscaria o estrangeiro, o que seria pior.
O aniquilamento deste sector da metalomecânica irá sem dúvida alguma ter ainda outras repercussões na indústria têxtil, na medida em que deixará de lhe prestar a assistência técnica a que está habituada desde há bastantes anos.
Também a solução deste grave problema consiste no apoio financeiro pela banca. Não deve ele ser dissociado do que acima reclamo.
Quanto aos direitos de importação, parece-me de fácil solução e para ele peço a atenção do Sr. Ministro das Finanças e do ilustre Subsecretário de Estado do Orçamento, bem como o Sr. Director-Geral das Alfândegas - a cujo saber e dedicação pela causa pública presto aqui as minhas homenagens -, pois há que anular a discriminação existente entre a concorrência estrangeira e os construtores nacionais.

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Com efeito, estes têm de pagar direitos sobre as peças que aplicam nas ,suas máquinas, enquanto a concorrência estrangeira beneficia da possibilidade de solicitar isenção relativamente às máquinas que vende no País. Não está certo e é necessário eliminar o ilogismo desta situação.
Sr. Presidente: Por certo terei que, de novo, pedir a V. Ex.ª me conceda a palavra durante o debate em que estamos tomando parte.
Vivo no meio dos povos, ouço as suas reclamações e sinto como minhas, a magoarem-me a carne, as suas dificuldades. É imperioso, é dever de consciência a que não posso fugir, trazer aqui os ecos desses anseios, desses lamentos.
Que outro papel mais nobre e mais adequado posso buscar para a minha qualidade de Deputado da Nação?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rui Vieira: - Sr. Presidente: A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1967 é, na sua essência e nos seus objectivos, muito semelhante à do ano que agora finda. Concebida muito ajustadamente à realidade da vida portuguesa, oferece-nos as mais sólidas directrizes para uma equilibrada política económica e financeira e indica-nos os objectivos principais de uma vasta política social e cultural do País, com subordinação expressa e indiscutível à preservação da integridade territorial da Nação e às despesas resultantes de compromissos internacionais e para ocorrer a exigências de defesa militar.
Justificados, em extenso e pormenorizado relatório, os vários capítulos e artigos da proposta de lei, com o profundo conhecimento que o Sr. Ministro das Finanças tem dos nossos problemas, apenas nos podemos permitir fazer alguns breves comentários sobre um ou outro aspecto que parece dever merecer uma reflexão mais demorada dos governantes.
Antes, porém, é justa uma palavra de louvor por verificar-se o enorme cuidado do Governo em manter a mesma oriente cão financeira de há uns bons anos a esta parte, pela qual procura, além de um estável equilíbrio interno, a defesa do valor externo da moeda nacional. Como se diz no relatório da proposta, «é preocupação dominante do Governo não só assegurar o equilíbrio rigoroso das contas públicas [...], como velar pela manutenção da estabilidade financeira interna e da solvabilidade exterior do escudo, bases indispensáveis da prossecução dos objectivos de aceleração do ritmo de acréscimo do produto nacional e da sua repartição mais equilibrada».
Todas as medidas tendentes a preservar e consolidar estes princípios de ordem financeira, que fundamentam uma economia sadia, se justificam. Por isso se compreende fàcilmente que, tendo de assegurar-se a defesa da integridade de todo o nosso território e procurar-se o desenvolvimento económico e social de toda a Nação Portuguesa, se sugiram na própria proposta de lei critérios de rigorosa economia, que deverão ser observados por todos os serviços do Estado, corpos administrativos e organismos de coordenação económica e corporativos.
Também cem muito agrado se lêem os «estímulos gerais ao desenvolvimento» que o Governo se propõe conceder, em miséria fiscal, a empreendimentos industriais e a explorações agrícolas e pecuárias.
Dentro das directivas apontadas destaco as que se referem à agricultura, ao turismo, à habitação e ao ensino e investigação. Em qualquer destes sectores, porém, é muito necessário acrescentarem-se aos benefícios legais existentes, no campo da política fiscal, outros auxílios fortes para o seu desenvolvimento, não só através de largas medidas de financiamento às empresas privadas, senão também por meio de uma mais completa planificação de infra-estruturas, no domínio público, por forma a criar-se um ambiente mais propício ao progresso do País. É evidente que o Governo tem a plena consciência das necessidades que existem em todos estes campos, e na própria proposta de lei há destacadas referências, nomeadamente nos capítulos sobre «disposições tributárias» e «política de investimentos». O que é sobretudo de desejar é que se encare mais atentamente e mais coordenadamente o desenvolvimento económico-social do País e se dê a devida importância aos principais indicadores de subdesenvolvimento que classificam e delimitam a maior parte do nosso território e fazer incidir sobre eles a atenção de todos os responsáveis e canalizar as necessárias verbas ou conceder os indispensáveis estímulos para a resolução dos problemas que lhes estão afectos.
Pareça que neste aspecto toda a política de fomento do ensino e da investigação, da formação e aperfeiçoamento de técnicos e da «construção e instalação de escolas que garantam um mais fácil acesso ao ensino e a sua indispensável difusão» deve merecer indiscutível amparo governativo. Amparo que nem sempre significa concessão de maiores dotações orçamentais, mas às vezes equivale apenas a dispensar mais cuidado, por exemplo, à renovação de processos de ensino ou à coordenação e reestruturação da investigação aplicada.
Ainda dentro dos «estímulos gerais ao desenvolvimento» cabe uma palavra de plena concordância ao que se diz no relatório da proposta de lei quanto a turismo: «No que se refere às actividades com relevância na obtenção de receitas turísticas, encara-se conferir maior maleabilidade ao regime de concessões dos benefícios existentes, em harmonia com princípios gerais de remodelação das isenções fiscais com objectivo económico.»
Se para todo o território nacional esta extensão de auxílios tem o maior interesse, sem dúvida que para a Madeira reveste-se de particular significado, atentas as reconhecidíssimas condições ímpares desta região para o turismo. Eu sei que não é só com isenções fiscais, nem apenas com benefícios de ordem tributária, que se fomenta esta actividade; de qualquer modo; são ajudas prestimosas que o Estado concede à iniciativa privada, e que evidentemente não dispensam a concretização oficial de uma acção mais eficiente para atrair um maior número de turistas às regiões mais indicadas. Relativamente à Madeira tem de reconhecer-se o esforço do Governo no estudo e construção dos verdadeiros alicerces do progresso turístico e económico do arquipélago, como os aeroportos do Funchal e de Porto Santo e a ampliação e apetrechamento do porto do Funchal. Aguarda-se agora que, em complemento do plano turístico da Madeira, elaborado pelo arquitecto Teixeira Guerra para o Secretariado Nacional da Informação, venha a constituir-se em Câmara de Lobos, com o auxílio do Estado e por iniciativa daquele departamento, um atractivo de grande poder de chamada de turistas no aproveitamento da zona do ilhéu e seus arredores. Neste apontamento fica registada a esperança de que o Governo impulsionará com a urgência que convém a concretização desta obra de base, que, entre outras, seguramente permitirá um mais rápido crescimento turístico e económico da Madeira.
Sr. Presidente: No ano passado, ao intervir pela primeira vez na Assembleia Nacional, trouxe a esta tribuna todas as minhas preocupações nascentes da alta taxa de mortalidade infantil do País.

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Hoje não vou repetir considerações que, aliás, são já conhecidas de VV. Ex.ªs, mas não quero deixar passar a oportunidade de afirmar mais uma vez a vergonha que representa para todos nós, e particularmente para o Governo, o possuirmos uma das mais altas, se não a mais alta, taxas de mortalidade infantil da Europa. Tem de ser feito um grande esforço, não digo já para se alcançarem os índices da Europa do Norte e do Centro, que vão de 15 a 27 por mil, mas, pelo menos, para se descer de 64,93, que foi a taxa da metrópole em 1965, para a taxa média de 40 por mil atingida por alguns países mediterrânicos, como a Espanha, a Grécia e a Itália.
A lentidão com que decresce a nossa mortalidade infantil faz supor desinteresse, que, a verificar-se, não seria abonatório da consciência dos governantes. Eu sei que temos de encarar dificuldades financeiras e técnicas e até a incompreensão, muitas vezes, de uma população de baixo nível educacional e social. Mas, neste momento, há que estruturar urgentemente um plano geral de protecção materno-infantil, ou melhor, de protecção à criança, e começar a actuar em profundidade, tal como tem já feito o Ministério da Saúde e Assistência em regiões ou zonas muito limitadas. É que, como diz o director do Centro Internacional da Infância, Étienne Berthet, «a formação do capital humano e a luta contra o desperdício de capacidades intelectuais devem constituir objectivos prioritários em todos os países do Mundo, particularmente naqueles que possuem um desenvolvimento económico e social medíocre».
Espero que do relatório da proposta da Lei de Meios, onde se escreveu que «o combate à mortalidade infantil, embora registe assinaláveis progressos, necessita de ser continuado até à realização satisfatória dos fins que importa alcançar», se passe à verdade dos factos, dotando-se o respectivo Ministério com as verbas necessárias à cobertura total do País, e provando-se, assim, que «é este um domínio que interessa particularmente ao Governo».
No aspecto de política hospitalar, a que a proposta de lei se refere muito ao de leve, apraz-nos registar, como madeirense, a recente publicação dos Decretos n.ºs 47 355, 47 356 e 47 357, de 30 de Novembro findo, pelos quais é autorizada a Comissão de Construções Hospitalares a celebrar contrato para a execução de novas empreitadas referentes, respectivamente, à construção de parte do tosco, ao fornecimento e montagem de aparelhos elevadores e às instalações eléctricas do hospital regional do Funchal, estabelecimento que tem merecido dos responsáveis, especialmente do Ministro das Obras Públicas, o maior carinho e atenção.
Permito-me, no entanto, apelar mais uma vez para o Governo no sentido de se acelerarem todas essas obras do novo hospital ou de se completarem e apetrecharem, tanto quanto possível, dois ou três dos seus pisos, a fim de se descongestionar o velho e superlotadíssimo Hospital dos Marmeleiros, da Santa Casa da Misericórdia do Funchal. A situação excepcionalmente dramática deste estabelecimento, no conjunto hospitalar do País, pela sua insuficiente capacidade de alojamento, atenta a população que tem de servir, justifica esta referência e este apelo, o qual creio poder ser atendido totalmente desde que o ritmo de construção não seja o que vem a ser praticado, mas cresça acentuadamente. Se assim se não actuar, permanecerá, por muito tempo, a terceira cidade do País, ou melhor, o distrito do Funchal, com graves deficiências na principal peça da sua estrutura de base de defesa da saúde, o que vai corresponder, para uma população de perto de 280 000 almas, a ter de encarar, durante mais alguns anos, a hipótese de um internamento, quando necessário e urgente, nas condições primárias, de higiene e comodidade, que oferecem as muitas dezenas de camas espalhadas pelo chão nas enfermarias e nos corredores.
Sr. Presidente: É notória a preocupação do Governo em tornar harmónico o desenvolvimento económico-social de todo o País, assegurando-se às regiões mais atrasadas a necessária promoção em todos os campos. Por isso, suo novamente incluídos nesta proposta de lei os artigos 18.º e 19.º, referentes, o primeiro, à programação regional e, o segundo, ao fomento do bem-estar rural.
Sendo bastante exígua a capitação do rendimento nacional e muito defeituosa, ainda, a repartição da riqueza, compreende-se fàcilmente que se procure por todos os meios aumentar o produto nacional, estimulando-se a criação ou a instalação de indústrias, amparando às actividades agrícolas, fomentando o turismo. Mas todas estas medidas têm certamente maior interesse quando delineadas após estudos conscienciosos primeiramente respeitantes a regiões limitadas e só depois executadas segundo uma óptica que abranja todo o território. O que é necessário é começar imediatamente com os estudos de programação regional, e não os limitar apenas a uma estruturação de carácter económico, embora seja este o de maior dominância.
Tendo o nosso país muitas regiões de evidente subdesenvolvimento, onde são escassos os meios de formação educacional, onde é insuficiente a cobertura sanitária, onde é deficiente a alimentação, onde a protecção social não existe, onde a produtividade do trabalho é baixa, onde a habitação não tem o mínimo do conforto que a dignidade do ser humano exige, a programação regional tem de ser uma planificação de problemas e assuntos, os mais diversos, que se têm de encarar segundo a incidência e importância de que se revestem na zona em estudo.
Para essa programação abarcar as questões basilares de uma região têm de constituir-se comissões locais de planeamento de âmbito muito mais lato do que o das comissões técnicas regionais criadas pelo despacho do Ministro da Economia de 15 de Março último. Além disso, delas devem fazer parte técnicos de planificação regional do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, que disciplinarão os trabalhos e serão, mais tarde, os relatores do que mais urgentemente importa fazer ou fomentar nas zonas estudadas e em todo o País.
Nas circunstâncias presentes de dificuldades de ordem financeira e técnica, não é tarefa fácil «assegurar às zonas atrasadas a indispensável promoção económica e social». Há, todavia, que mentalizar dirigentes para o que urge estudar e, sobretudo, começar por hierarquizar as necessidades mais prementes e inadiáveis e estabelecer os verdadeiros pólos de desenvolvimento económico.
Também o impulso que se pretende dar ao bem-estar rural, e para o qual se prevê novamente acção de vulto nos domínios de estradas e caminhos rodoviários, abastecimento de água potável, electrificação, habitação, saneamento, urbanização e instalação de serviços diversos, necessita, òbviamente, um complemento de natureza educacional e social, que o próprio Estado já desenvolve nalgumas zonas. A este complemento tem também de ser dado carácter de indispensabilidade e de maior expansão, para que à melhoria, de ordem material que se venha a processar nos serviços públicos corresponda uma subida na capacidade da população para mais conscientemente os apreender e utilizar e, até, se desenvolva mais ràpidamente o seu nível de conhecimentos e as suas aptidões. Estou a lembrar-me da utilidade palpável que resulta para as re-

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giões rurais do nosso país a instalação, por exemplo, dos serviços da Obra das Mães, dos centros de extensão agrícola familiar, dos centros de formação agrícola juvenil, do serviço de promoção social comunitária, de centros de saúde pública e, ainda, das Casas do Povo, se lhes forem dadas possibilidades largas de actuação aberta e eficiente.
Aguarda-se com o maior interesse a publicação das novas bases de reestruturação das Casas do Povo, incluídas em recentes estudos da Comissão de Política Social Rural sobre «previdência social e organização corporativa do trabalho rural», para aquilatarmos da actual dimensão das atribuições e competência destes organismos sobre o desenvolvimento das comunidades locais (a nível de freguesia) e sobre a promoção social e cultural dos seus associados, além das suas funções de representação e de previdência e assistência. Se, além do estabelecimento dessas normas teóricas e de princípios de actuação, se dinamizarem as Casas do Povo para que formem leaders ou responsáveis locais, e estes saibam integrar-se nos respectivos meios e estudem conscientemente os problemas que lhes respeitam, passamos a dispor de uma estrutura de base muito útil para, de colaboração com as câmaras municipais e outros organismos, se levar a bom termo uma política eficaz de bem-estar rural.
Sr. Presidente: Volta-se a falar na proposta da Lei de Meios para o próximo ano em «providências sobre o funcionalismo», dedicando-se-lhes os artigos 20.º e 21.º
O Decreto-Lei n.º 47 137, de 5 de Agosto último, estabeleceu um subsídio compensatório da alta do custo de vida aos funcionários públicos, de 20, 22 e 25 por cento sobre o respectivo vencimento. O estudo-base destas medidas legislativas justifica o porquê de tais percentagens, limitadas em grande parte, pelas dificuldades financeiras que o Governo atravessa e pela necessidade premente de se acudir a outras despesas de natureza prioritária.
Embora esse subsídio tenha sido acolhido com todo o interesse, atenta a elevação progressiva dos preços no consumidor, sobretudo dos bens alimentares e das rendas de casa, e a para ir principalmente de 1963, verifica-se que a percentagem de vencimento atribuída como abono não cobre já o notável acréscimo que sofreu o custo de vida nos últimos anos.
Refiro-me ao geral do País, mas posso particularizar o que respeita ao distrito do Funchal, onde o turismo, a extraordinária proliferação do comércio, o custo dos transportes e as taxas e impostos cobrados na alfândega com diversos fins são responsáveis por uma subida de preços no consumidor muito mais acentuada do que a referida pelo Instituto Nacional de Estatística. Neste caso, como, aliás, em todas as zonas turísticas do País, onde é flagrante a maior elevação do custo de vida, parece-me que seria da mais elementar justiça a atribuição de um outro acréscimo de vencimento, conforme a própria lei já o determinou, sem que até hoje se lhe tenha ligado qualquer importância.
O subsídio atribuído pelo Decreto-Lei n.º 47 137 não é definitivo e foi autorizado a título transitório, «porque se espera estudai, sem demora, a viabilidade financeira de uma reforma geral de vencimentos». Oxalá, de facto, Be realizem esses estudos com a necessária urgência, porque do relativo bem-estar do funcionário público depende obviamente a produtividade do seu trabalho e, portanto, o rendimento de toda a máquina técnica e administrativa do Governo. Parece-me verdadeiramente chocante que, sem termos em linha de conta o pessoal dos corpos administrativos e de outros organsimos, haja ainda hoje, por exemplo, mais de 87 000 funcionários públicos (57 por cento do total) cujo vencimento mensal, já acrescido do último subsídio eventual, não atinge sequer os 2000$.
Poderia referir o baixo valor absoluto dos vencimentos do pessoal superior, dirigente ou técnico, do ensino e da investigação, magistratura ou da administração, da defesa ou da segurança pública, funcionários que o Estado tem urgente necessidade de proteger cada vez mais das solicitações das actividades privadas; mas, em face do actual custo de vida no nosso país, os irrisórios vencimentos dos servidores mais modestos sobressaem negativamente e são motivo de forte preocupação. Esperemos confiantes a reforma administrativa, a que novamente o Sr. Ministro das Finanças alude na proposta da Lei de Meios para o próximo ano, no seu artigo 20.º, nela se devendo incluir, como sugere a Câmara Corporativa, o Estatuto da Função Pública, cuja publicação foi já prevista para o fim de 1963 no Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962.
E aguardemos que toda a soma de benefícios a conceder aos funcionários do Estado e referida no artigo 21.º (intensificação de assistência na doença, instalação de cantinas subsidiárias, actualização de ajudas de custo e concessão de maiores facilidades no que respeita ao problema da habitação) se concretize de modo palpável e em toda a sua extensão, para que o serviço público seja prestado com interesse crescente e com plena satisfação de todos os que a ele recorrem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto de Meneses: - Sr. Presidente: Bastaria louvarmo-nos na superior inteligência do Ministro que subscreve a proposta e na comprovada competência dos fiscalistas que ajudaram a elaborá-la para estarmos seguros de que a lei não oferece reparos de maior monta nos seus aspectos essenciais, ou seja, nos capítulos da defesa nacional, estabilidade financeira, promoção económica, justiça tributária e melhoria do nível de vida dos Portugueses.
Mas, embora não haja, e a meu ver não há, realmente, que objectar quanto às grandes rubricas do programa orçamental para 1967, merecendo, por isso, a nossa aprovação genérica, todavia certos pontos só ganham em ser glosados com algumas reflexões e vincados com algumas propostas concretas.
É o que vou fazer ràpidamente.
Na alínea c) do § único do artigo 3.º pré vê-se novamente a maior moderação no arrendamento de prédios particulares por parte do Estado.
É uma medida restritiva muito louvável, mas que não poderá ser grandemente favorecida, devido às necessidades decorrentes da expansão dos serviços públicos. A orgânica administrativa cresce cada vez mais e não se poderá confinar, fàcilmente, nas instalações existentes, muitas delas inadequadas e insuficientes. Por isso, o que me parece aconselhável é pensar, em termos de futuro, na edificação da Cidade dos Serviços Públicos, ou, se preferirem, na Cidade do Governo. Já no ano passado defendi esta tese, e em Março requeri me fossem fornecidos por todos os Ministérios elementos com que pudéssemos avaliar dos montantes mensais e anuais despendidos pelo Estado com o arrendamento de prédios particulares e saber o número de andares ocupados pelos serviços oficiais.
No entanto, até hoje, apenas recebi esses elementos dos Ministérios da Economia e das Corporações, o primeiro dos quais foi exemplarmente pronto em mós fornecer, pois apenas demorou quatro meses a fazê-lo. Esta brevidade

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deu-me a certeza de que o meu pedido é de fácil satisfação, o que me leva a estranhar que os outros Ministérios ainda o não tenham feito. Ora, com esses elementos não pretendo mais - repito - do que demonstrar a necessidade de o Estado construir edifícios próprios, tanto quanto possível junto uns dos outros, para que todos os que demandam os departamentos centrais da Administração não tenham de perder tempo em deslocações tão longas como agora. Pretendo, além disso, evidenciar que tal concentração aligeirará substancialmente a falta de habitações, falta esta que se agrava dia a dia, como todos sabemos.
Insisto, por consequência, no requerimento que fiz, e do qual, olhando à bondade do meu intuito, espero que possa surgir uma solução, ainda que parcial, dos problemas enunciados. Entretanto, louvo a excelência do objectivo da mencionada restrição, apesar da convicção em que estou de que, a manter-se o circunstancial vigente, ela não pode passar de um formoso e louvável propósito.
E passo a outro assunto. No artigo 6.º diz-se que o Governo promoverá a conclusão dos estudos necessários à adaptação dos regimes tributários especiais. Uma das indústrias abrangidas neste artigo é a do espectáculo. A imposição fiscal sobre o cinema, em vigor desde 1927, obedece à fórmula de 7 por cento sobre dois terços da lotação, acrescida, desde 1943, a título de lucros de guerra, do adicional de 25 por cento. Para o teatro a fórmula é idêntica: 3,5 por cento sobre o máximo de metade da lotação e um mínimo de 30 por cento da mesma. Aparentemente, a tributação é suave, e assim foi considerado ao princípio, quando o imposto se chamava, e era efectivamente, único, pois nele estavam incluídos os serviços prestados pela Polícia e pelos bombeiros e não havia o Socorro Social, a previdência e muitos outros encargos que pouco a pouco foram surgindo. Por outro lado, como não existia também a concorrência da televisão e da circulação automóvel, a média da frequência situava-se, folgadamente, nos 60 por cento dos lugares disponíveis. Mas agora está dito, redito e demonstrado que, de há uns quinze anos a esta parte, não é assim.
A média geral da assistência aos cinemas não atinge os 40 por cento. Todavia, a meu ver, pela comodidade e segurança que oferece ao Estado e aos empresários, não há que mudar a forma da tributação; há sim que alterar os seus termos, abaixando a percentagem e a base de incidência do imposto, diminuindo a primeira e aproximando a segunda da média real do número de espectadores. Isto quanto ao cinema. Quanto às modalidades de teatro, variedades e tauromaquia, iria mesmo mais longe, pois é necessário dotar as zonas turísticas de centros de diversão, já que não podemos aliciar os visitantes apenas com bons ares, boas iguarias e com o nosso património cultural e artístico.
De facto, não se pode aguentar a corrente forasteira sem se lhe oferecerem centros de distracção. Se estes continuarem a faltar, ver-nos-emos, mais cedo do que se pensa, perante um fenómeno de diversão noutro sentido, como nos dizem que está acontecendo com a Madeira, donde os turistas se desviam para as.Canárias, por aí encontrarem melhores formas de recreio, passatempo e distracção. Portanto, assim como se concederiam, e muito bem, facilidades de vária ordem, inclusive isenções fiscais, à indústria hoteleira, é de fazer o mesmo às empresas que exploram ou venham a explorar recintos de espectáculos nas regiões turísticas do País.
E já que estou falando do espectáculo não posso deixar de declarar que todo ele está carecendo de uma profunda e urgente reforma. Assim, a Lei n.º 2027, sobre o cinema nacional, que vai fazer vinte anos, contém disposições hoje insustentáveis. Por exemplo, proíbe a dobragem para garantir a genuinidade do espectáculo, mas o exemplo dos países vizinhos evidenciou que só foi possível atingir um bom nível de produção nacionalizada e aumentar a frequência permitindo a dobragem dos filmes.
Outra disposição igualmente insustentável é a que obriga ao pagamento de uma taxa de 10 000$ pela exibição de um filme de fundo estrangeiro. Por força dessa disposição, tanto paga um filme que esteja no cartaz 1 semana como o que esteja 52 ou mais; ora, a todos se afigura equitativo que a taxa seja paga em função do tempo de exibição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também é hoje indefensável o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 41 062, de 10 de Abril de 1957, que veda aos ambulantes a exploração de filmes de formato reduzido. Não se vê razão suficiente para manter tal proibição, porquanto as formalidades que rodeiam o cinema itinerante garantem um exercício moral e politicamente honesto.
E, para não alongar a série dos desajustes verificados neste sector, só apontarei mais três: a celebração de contratos, por parte de entidades portuguesas, com firmas estrangeiras para a produção de filmes de curta metragem, com grave esquecimento ou preterição dos produtores nacionais, capazes de os produzir com garantias técnicas iguais ou superiores; a exigência da Lei do Teatro, que faz impender apenas sobre algumas casas de espectáculos o ónus de contribuir para o respectivo Fundo; e os escalões de idade estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 40 051, de 1 de Abril de 1957, que a psicologia, a moral e a vida prática permitem que passe um deles dos 17 anos para os 16.
Finalmente, alguns comentários ao artigo 20.º da proposta de lei. Volta a inscrever-se nele a determinação de melhorar a situação económico-social dos servidores do Estado. Como fui um dos que há um ano defenderam a urgência do cumprimento deste ponto da lei, regozijo-me com a publicação, em 5 de Agosto passado, do Decreto-Lei n.º 47 137, no qual o Governo deu satisfação aos anseios desta Câmara. E, se bem que os termos fixados nesse diploma não correspondam, especialmente para os funcionários das categorias mais baixas, às necessidades reais, e não abranjam, como seria justo, os aposentados, há que reconhecer a verdade e sinceridade com que se afirmou a impossibilidade de, nesta altura, levar mais longe o aumento, e sobretudo confiar em que o problema, que agora teve uma solução de emergência, venha a ser resolvido com a esperada reforma administrativa.
Todavia, há um aspecto dessa melhoria que julgo poder realizar-se sem delongas, e é, quanto a mim, o mais urgente de todos: a criação da pensão de sobrevivência.
Creio que não vale a pena aludir aqui à situação deplorável em que ficam as famílias de alguns, ou antes, da maioria dos funcionários após a morte destes. Sem possibilidade de amealhar um centavo para o futuro dos seus, quase todos os servidores vivem angustiados com a ideia da miséria que a sua morte trará aos lares de que são chefes. São tão conhecidos os quadros da vida das viúvas e menores desamparados com a morte dos pais funcionários que, repito, não vale a pena recordá-los. Ora, este risco de angústia e miséria, que temos de evitar cristãmente, só pode ser prevenido com a pensão de sobrevivência. As pensões do Montepio dos Servidores do Estado são pouco menos que irrisórias, e é manifesto que o recurso aos seguros de vida se apresenta inviável para a generalidade dos funcionários, devido ao incomportável

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dos respectivos prémios para um nível razoável das pensões. Quanto ao Montepio, os números dizem tudo. Em 1964 e 1365, os pensionistas eram, respectivamente, 24 100 e 24 306, e as pensões pagas nesses anos montaram, também respectivamente, a 73 633 e 74 954 contos. Isto convertido em médias dá por mês pouco menos do que 300$ em 1964 e 350$ em 1965. Devemos concordar que são médias insignificantes para a subsistência de um agregado familiar e até para a subsistência de uma pessoa só. Pois, mesmo assim, foi necessário o Estado subsidiar com 54 350 contos em 1964 e 55 500 em 1965; de outro modo, a média das pensões não iria além de 100$ mensais.
Há que abrir, neste capítulo, uma rasgada e urgente política de protecção, se quisermos, repito, dissipar os horizontes sombrios de milhares de portugueses. E para isso não é preciso senão estender a todos os Ministérios o que foi legislado pelo do Ultramar através do Decreto n.º 47 109, de 21 de Julho deste ano. Considero este diploma o mais sério, eficaz e progressivo de quantos se publicaram sobre esta matéria de há anos a esta parte. É, por isso, o Ministro do Ultramar merecedor da nossa mais profunda simpatia e aplauso. Nesse diploma estatui-se o essencial para se evitarem as graves repercussões da morte dos chefes de família. Não vou aqui analisar, embora o merecesse, esse notabilíssimo decreto, verdadeira lei de ouro de previdência estadual. Só digo que está estruturado com tão ampla visão e tão rasgado cunho de humanidade que, depois dele, não há mais nada a desejar, senão que se torne extensivo aos servidores dos outros Ministérios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima sessão realizar-se-á na terça-feira dia 13 do corrente, com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:

André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António José Braz Regueiro.
Armando José Perdigão.
Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
José Coelho Jordão.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Júlio de Castro Fernandes.
António Magro Borges de Araújo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria de Castro Salazar.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Leonardo Augusto Coimbra.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Raul Satúrio Pires.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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