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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 52

ANO DE 1966 17 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IX LEGISLATURA

SESSÃO N.º 52, EM 16 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmo. Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

A Sr.ª Deputada D. Maria de Lourdes Albuquerque assinalou o 5.º aniversário da invasão e ocupação do Estado da Índia Portuguesa pelas tropas da União Indiana.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães falou sobre o novo Código Civil.
O Sr. Deputado Peres Claro referiu-se ao 40.º aniversário da criação do distrito de Setúbal.
O Sr. Deputado Ferrão Castelo Branco também apreciou o Código Civil.
O Sr. Deputado Soares da Fonseca esclareceu que o silêncio da Assembleia quanto à ratificação do Código Civil era afirmação de clara ratificação.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Manuel Braamcamp Sobral efectivou o seu aviso prévio sobre a educação da juventude.
O Sr. Deputado Nunes, de Oliveira requereu a generalização do debate, a qual foi concedida pelo Sr. Presidente.
A Assembleia aprovou um voto de confiança & Comissão de Legislação e Redacção para elaborar o texto definitivo da Lei de Meios para 1967.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
António Calapez Gomes Garcia.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Correia Barbosa.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro),
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.

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Francisco JDSÓ Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Maria de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D. Maria do Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaral Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares.
Mário de Figueiredo.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar.
Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente:- Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

rtes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio Nacional das Empresas de Cinema, do Grémio Nacional das Empresas de Teatro, do Grémio Nacional das Empresas de Diversões Públicas, do conselho geral e da direcção da União dos Grémios de Espectáculos, manifestando inteiro acordo e aplauso à intervenção do Sr. Deputado Pinto de Meneses.
Da direcção da Associação Bejense Protectora das Crianças, de apoio caloroso à intervenção do Sr. Deputado Lopes Frazão.
Do Grémio de Industriais de Lanifícios da Covilhã aplaudindo a intervenção do Sr. Deputado António Santos da Cunha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, antes da ordem do dia, a Sr.ª Deputada D. Maria de Lourdes Albuquerque. Convido a Sr.ª Deputada a subir à tribuna.

A Sr.ª D. Maria de Lourdes Albuquerque: - Sr. Presidente: Cabe-me hoje a honra de subir a esta tribuna para evocar uma data particularmente dolorosa. Conforta-me, porém, verificar que esta mágoa é compartilhada por todos que me escutam.
Custou-me subir estes degraus pisados pelos mais altos vultos da Nação e daqui mesmo quero prestar-lhes a minha homenagem, assim como a V. Ex.ª, Sr. Presidente, como preito e admiração pelo exemplo que recebemos de V. Ex.ª
Aqui me encontro impelida unicamente pela sensibilidade de cidadã sincera, que sou, para recordar um dos maiores ultrajes à justiça, à paz e aos direitos do homem.
É uma recordação angustiante, mas necessária, para que os nossos compatriotas saibam no Estado da Índia que não os esquecemos e que a nossa actividade se traduzirá cada vez mais numa acção constante pela reivindicação dos nossos direitos.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Aproxima-se o 18 de Dezembro, data que manchou as páginas da história da humanidade, diminuindo ainda mais a Organização das Nações Unidas, por deixar em farrapos a sua Carta, para não falar já da forma como foram traídos, e pelos seus mais dilectos discípulos, os princípios de Gandhi, que haviam granjeado prestígio para a índia.
Os altos interesses das grandes potências, a subserviência vergonhosa que as faz fugir às responsabilidades assumidas, cega a razão e a sobrevivência de quase 1 milhão de indo-portugueses, parece não preocupar os que se arvoram em defensores de minorias.
A destruição do Estado da Índia é um crime consentido por essas mesmas nações, que deveriam prezar o que durante séculos heróis e santos conseguiram realizar para a civilização ocidental.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Há meses, em Londres, falando com alguns deputados conservadores e trabalhistas britânicos, foi-nos dado verificar que havia falta de esclarecimento sobre as verdadeiras razões dos tristes acontecimentos que estão a ter lugar no Estado da Índia desde 18 de Dezembro de 1961. E nem todos tinham bem presente a diferença existente entre os Indo-Portugueses e os vizinhos do outro lado da fronteira.
Gostámos de lhes fazer notar que a Grã-Bretanha sempre reconhecera essa diferença, comprovada pela preferência dada aos Indo-Portugueses em relação aos Indianos, seus súbditos, nos cargos públicos e de confiança durante a dominação britânica na índia. Foi igualmente oportuno fazer-lhes lembrar que na antiga África Oriental Inglesa a administração daquelas colónias britânicas estava, em grande medida, confiada aos Goeses, mercê da sua preparação, zelo pelo trabalho e uma honestidade que não encontravam nos seus súbditos.

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Aos milhares de indo-portugueses que se alistaram no exército britânico na segunda guerra mundial eram ministradas as mesmas regalias dos Britânicos, contràriamente com o que se fazia em relação aos Indianos.
Estes são alguns aspectos que provam essa preferência, originada por um reconhecimento tácito da diferença existente.
A impressão que temos, no entanto, é que a maioria se não debruçou, nem por uns instantes, a reflectir nas razões dessa diferença.
Os Indo-Portugueses, de ascendência puramente asiática numa muito elevada percentagem, e uma minoria de ascendência europeia - ao contrário do que muitos pensam -, não são senão uma simbiose de duas culturas, o fruto de uma perfeita integração de hábitos e costumes de dois povos distantes, trabalho brilhante que só Portugal conseguiu levar a efeito.
Essa realização era um valor, não só para Portugal, mas para o Ocidente e, ouso mesmo dizer, para o mundo inteiro. Deveria ser preservada a todo o custo, mas a sua destruição sistemática é consentida pelo próprio Ocidente.
Mas que pesam os valores de espírito no mundo em que vivemos? Interessa, sim, não correr o visco de perder mercados. É tudo uma questão de lucro ...
No mundo em que o conflito de raças toma formas cada vez mais virulentas, é de todo necessário estabelecer-se um clima de compreensão, pondo de parte rancores e ódios e cultivando aquelas qualidades que ligam os homens entre si. E não há nenhum exemplo melhor que a política seguida por Portugal em África, na Ásia e na América, criando essas magníficas realizações que são exemplo vivo dessa política: a Índia Portuguesa e esse portentoso Brasil, paradigma para todas as nações, em que povos de diferentes etnias coabitam numa fraterna harmonia.
Para citar sómente o caso de Goa, vários foram os visitantes da Península Indostânica que frisaram as diferenças nítidas que ressaltavam de um simples exame, tais como Gilberto Freire, André Siegfried, coronel Remy, Peter Lessing e tantos outros, inclusivamente indianos.
Vou mencionar apenas dois depoimentos: Graham Greene, após uma visita a Goa e à União Indiana, escrevia no Sanday Times e no Figaro Littéraire um longo artigo em que dizia ser dispensável a colocação de marcos fronteiriços entre Goa e a União Indiana, tão acentuada era a diferença entre as gentes e as coisas.
E o Prof. J. B. Trend, da Universidade de Cambridge, no seu livro Portugal afirma: «Ao fim de 450 anos, os enclaves portugueses na Índia têm uma aparência portuguesa.» E mais adiante: «Eles pensam como portugueses, embora falem uns com os outros em língua própria indo-europeia, o concanim.» E diz mais: «Os Goeses não são uma criação da nova União Indiana. Eles são uma criação de Albuquerque.»
Tudo isto é por de mais conhecido de VV. Ex.ªs e de toda a grei luso-brasileira.
Mas o mundo anglo-saxónico, arrastando o Ocidente, aferrado ao velho conceito de Kiepling, fruto da época vitoriana, parece não compreender outra política senão a de vivência de raças em compartimentos estanques. E em sucessivas abdicações tem vindo a curvar-se perante as exigências mais absurdas do que se convencionou chamar o Terceiro Mundo, fazendo da força a única lei. Uma força que se procura mascarar com termos sonoros, mas sem qualquer significado válido.
Pasma-se, mas não se ousa acreditar. Fala-se na paz, justiça, humanidade, a todo o momento. Mas estas palavras perderam já todo o conteúdo por que ansiaram e lutaram os povos durante séculos.
É um crime contra a paz a recente independência da Rodésia, na qual não se verteu uma gota de sangue. Mas não o é o envio de tropas egípcias ao Iémene, não o é o ataque da União Indiana ao Paquistão, as incursões terroristas em Angola, Moçambique e Guiné, como o não foi há cinco anos a agressão armada contra Goa, Damão e Diu ...
É um crime contra a humanidade a ida dos colonos portugueses para Angola e Moçambique. Mas a invasão infrene das massas famintas da União Indiana aos territórios portugueses da Índia, a fim de abafar pelo número a resistência daqueles territórios à ocupação estrangeira, parece a mais natural das atitudes.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Esta inversão de valores, este desvirtuamento de conceitos noutros tempos considerados imutáveis, marcam hoje uma era de progresso ao invés, nos grandes debates nos organismos do areópago de Manhattan.
Para nós, porém, paz, justiça e humanidade terão sempre o real significado pelo qual pugnaram as gerações passadas, e Portugal caminhará na mesma senda, mantendo através dos tempos o seu espírito ecuménico.
Os nossos representantes nas Nações Unidas vêm defendendo brilhantemente esses mesmos princípios com uma argumentação elevada, a qual não encontra oposição honesta e coerente.
Armado em defensor de povos, Nehru repetidas vezes garantiu que Goa não seria integrada em qualquer dos estados vizinhos contra a vontade dos naturais, vontade essa que nunca quis consultar ...
Por outro lado, o Sr. K. K. Shah, numa conferência de imprensa no Hotel Mandovi, quando lhe foi chamada a atenção para as promessas feitas pelo primeiro-ministro, respondeu sem hesitar: «Numa democracia - disse ele - não há nada perdurável; a política pode ser mudada a cada- instante se o povo assim o desejar.» E explicou: «Este não é um problema só destes territórios (Goa, Damão e Diu), mas do povo de toda a índia, porque é o Parlamento que providencia os fundos para a manutenção dos territórios da União.»!
Por seu lado, Krislma Menon, num afã justificativo, afirmava ter «libertado» Goa, visto a Índia não poder conquistar seu próprio território!
Mas, por fim, após esse laborioso trabalho, o advogado que representou o Governo Indiano no Supremo Tribunal de Justiça da Índia, opondo-se a uma pretensão de um comerciante de Damão para ver revalidada a sua licença de importação emitida pela Administração Portuguesa, aduziu, entre outros fundamentos, que uma vez que Goa fora adquirida por conquista, o novo soberano não estava obrigado a honrar os compromissos tomados pelo soberano anterior - destruindo de uma penada todo um castelo de cartas persistentemente levantado.
O malogrado primeiro-ministro Lal Bahadur Shastri não quis ficar atrás na causa da «paz». Na Conferência do Cairo, os representantes das nações afro-asiáticas que nela intervieram assentaram, por sugestão ou sob proposta do primeiro-ministro da União Indiana, que deviam ser respeitadas as fronteiras que existiam na data em que os estados ganharam a sua independência, e concordaram em não reconhecer os frutos da agressão.
Pouco depois, de regresso à Índia, numa entrevista a jornalistas em Karachi, acentuava o primeiro-ministro

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que «as mudanças operadas pela força não podem ser reconhecidas». - Isto para consumo externo ...
Os povos não podem continuar na loucura desenfreada em que vivem, provocada para servir interesses inconfessáveis de alguns. A chamada «descolonização» já custou cerca de três milhões e meio de vidas sacrificadas no seu altar. Tenhamos fé que surjam momentos de lucidez para que se recomponham as coisas em prol da humanidade.
Temos de empregar todos os meios ao nosso alcance para esclarecer a opinião pública internacional, que continua pouco conhecedora dos nossos anseios e da nossa razão de ser e agir.
Com muita frequência verificamos que os seus juízos sobre os nossos problemas se formam através de intensa propaganda dos nossos detractores.
Já Bonie Lubega, jornalista africano, originário do Uganda, deu a mão à palmatória sobre o que pensava quanto a Goa e sua «libertação», no seu opúsculo Shoud Goa bedong to Índia?
Diz-nos a propaganda indiana que são grandes os melhoramentos levados a cabo em Goa, que se têm construído prédios, aberto Faculdades. Em longos cinco anos seria difícil fazer menos. A construção de edifícios não tem beneficiado os naturais. Em inúmeros casos estes tiveram de cumprir ordens de despejar suas casas próprias para nelas serem alojados funcionários de ocupação.
Quanto às Faculdades, convém que se saiba que na Escola Médica de Goa, de velhas tradições, ocupam cerca de dois terços de lugares estudantes da União Indiana é apenas um terço fica à disposição dos goeses. Assim, na impossibilidade de conseguirem admissão na Escola Médica, os nossos estudantes vêem-se obrigados a optar por qualquer Universidade da União Indiana. É este um plano gizando mais rápida indianização do Estado Português da Índia ...
S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho, no seu memorável discurso de 3 de Janeiro de 1962, frisava: «Não aceitamos a realidade do acto consumado, a questão não terminou, pode dizer-se com verdade que é mesmo agora que começa.» Mais adiante: «A União Indiana pode fazer guerra contra nós, mas não pode sem nós estabelecer a paz.»
A campanha sem tréguas dos Goeses, Damanenses e Diuenses contra os invasores demonstra exuberantemente a realidade.
E é tão grande a ausência de paz no Estado Português da Índia que há poucos meses, na gigantesca manifestação contra o Governo fantoche, incorporaram-se cerca de 2000 mulheres e senhoras da nossa melhor sociedade.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Porém, muitas delas, até com idade superior a 70 anos, experimentaram a cadeia e as pesadas cargas de bastões infligidas pelos «libertadores» oficiais.
A sua luta é intensa, servindo-se das únicas armas que possuem: uma fé inquebrantável e uma esperança firme em melhores dias no seio da sua família, a grande família lusitana.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Há meses, o advogado de defesa do Mons. Francisco Monteiro dizia num tribunal de Goa na sua alegação oral: «O povo português compartilhou sempre connosco todas as conquistas feitas no campo da liberdade e dos direitos cívicos, conquistas que custaram não pouco sangue e dinheiro, sem que nos tivesse cabido o mais pequeno sacrifício ou, sequer, o menor esforço.» E mais adiante dizia: «Imperioso se torna confessar que por mais de 400 anos Portugal e o Estado da Índia, por lima longa interpenetração de espírito e coração vieram fundindo e caldeando numa obra única os seus anseios e ideais.»
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estão nesta Câmara os legítimos representantes da Nação Portuguesa. E com todos nós e com todo o povo português que conta o Estado da índia. Ele exige mesmo, como português que é, o nosso auxílio e apoio intensificados por esta causa nacional.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Ilustres Deputados tom vindo erguendo sua voz para protestar contra o inqualificável crime e evocar a data que enlutou a Nação inteira.
Todas estas manifestações são motivo para que os que lá ficaram se sintam mais acompanhados e confortados, o que lhes dá ânimo para a sua luta do dia a dia.
Sr. Presidente: Aproxima-se o Natal, quadra festiva em toda a parte do mundo. Mas para o Estado Português da Índia será uma quadra sombria, como nos últimos anos. As tradicionais estrelas de bambu que luziam à porta das casas já não brilham. A festa da família já não é festa, é um dia de tristeza e saudade, com lugares vazios à mesa, porque há muitíssimos lares com os seus membros separados por milhares de quilómetros de distância, sem possibilidades de se juntarem. Ergamos, pois, as nossas preces para que a vinda do Redentor traga aos nossos irmãos uma luz nova ...!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Albano de Magalhães:- A tradição desta Assembleia faculta ao Deputado estreante no uso da palavra a honrosa oportunidade de cumprimentar o Presidente.
Irei, assim, usar dela, sem que queira ousar por ela.
Quem durante a 1.ª sessão legislativa pôde, frequente e atentamente, acompanhar os passos serenos e seguros de V. Ex.ª, subindo os degraus da escada que o conduzem à cadeira da presidência, imperiosamente viu surgir no seu espírito, em imagens sucessivas, o mestre de Direito, o investigador do mesmo mundo, o governante prudente, o político insigne e disciplinado e o administrador experiente, que são a um tempo a razão de segurança e serenidade dessa escalada e a confirmação consoladora a colher da indiscutível eleição de V. Ex.ª para presidente desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que Deus lhe mantenha sempre a mesma segurança, certeza e serenidade em todos os passos que o duro e árduo caminho da causa pública lhe imponha ter que dar.
Dos meus ilustres colegas imploro o seu perdão, já que caducou o direito de os saudar.
Devo, porém, uma palavra de agradecimento pelo são acolhimento dispensado e uma outra, de reconhecimento da boa e já inesquecível camaradagem vivida e experimentada.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Atinge-se hoje o termo do prazo constitucionalmente concedido a esta Assembleia para ratificar ou não o decreto-lei que publica o novo Código Civil.
No decurso das dez sessões subsequentes à sua apresentação, sempre em todas elas se ouviu a voz de um ou mais Srs. Deputados.
Sob os mais variados aspectos se tocou no novo código e da forma mais diversas se entendeu encarar o seu aparecimento aqui, dado a conhecer pelo Sr. Ministro da Justiça, munido da autorização obtida ao abrigo do § único do artigo 113.º da Constituição.
Pessoalmente, cumpre-nos confessar que em nada nos surpreendeu o quilate da sua comunicação.
Apenas nos sentimos revolvidos uns anos atrás e, com a mesma precisão e clareza, ouvimos atentamente mais uma deliciosa lição de um dos mestres que jamais nos deixará esquecer os ensinamentos colhidos nos gerais da Universidade de Coimbra.
Chegado o termo do prazo concedido a esta Assembleia para tomar posição definida quanto ao decreto-lei publicado, verificou-se inexistir o número mínimo de dez Deputados que entendesse dever requerer que o referido diploma legal fosse submetido à apreciação desta Assembleia.
Forque tal aconteceu, e só por esse facto, está vedada a qualquer Deputado a porta de apreciação do Código Civil.
Resta-nos, pois, indagar das razões de tal tomada de posição.
Por muito que procure, só as consigo descortinar em razões de ordem histórica, técnica è, finalmente, política.
A história, como descrição cronológica dos acontecimentos narrados em natural e fria sucessão, dá-nos sempre a conhecer no tempo as razões da evolução desses mesmos factos.
Pois a posição desta Assembleia em relação ao diploma sujeito a ratificação também na história que presidiu à sua elaboração .encontra actualidade e apoio.
Data de 4 de Setembro de 1944 a publicação do Decreto-Lei n.º 33 908, que autorizou o Ministro da Justiça de então, o Prof. Adriano Vaz Serra, a promover os trabalhos de elaboração de um projecto de revisão geral do Código Civil.
Para esse efeito, desde logo ficou amplamente autorizado o Ministro da Justiça para nomear um ou vários jurisconsultos ou uma comissão, bem como os colaboradores que fossem julgados necessários.
Não cabe na dimensão deste trabalho, nem oportuno seria, atendendo ao seu escopo, distinguir nomes ou exaustivamente referir todos aqueles que de uma forma permanente ou episódica contribuíram, directa ou indirectamente, para levar a bom termo a obra autorizada.
Certo é que ao cabo de 21 anos o projecto se encontrava concluído.
E, no cumprimento do disposto no artigo 3.º do já referido diploma de 4 de Setembro de 1944, foi o projecto enviado aos organismos e às pessoas que era conveniente ouvir.
Ainda na execução do normativo legal, foi fixado um prazo dentro do qual o projecto foi viva e largamente discutido.
E, expirado este, as observações feitas foram recolhidas o, sujeito o projecto a revisão, consoante o determinava o artigo 4.º e último do referido decreto, vieram algumas delas a influir no texto definitivo do Código Civil.
Tudo afinal se cumpriu rigorosamente.
A esta Assembleia competirá, pois, registar com agrado que a actuação dos Ministros que sobraçaram a pasta da Justiça desde 4 de Setembro de 1944 até à presente data cumpriram escrupulosa e rigorosamente o que estava estatuído.
Passemos agora a analisar se, sob o ponto de vista técnico, a Assembleia deveria ter avocado a apreciação do Código Civil.
A negativa é evidente.
Não porque colha a razão já aqui ouvida do carácter heterogéneo da composição da Assembleia.
A essa heterogeneidade faz frente a feição especializada da Câmara Corporativa, em cujo elenco se integram jurisconsultos insignes, mestres de Direito abalizados.

Vozes: - Muito bem.

O Orador: - Mas porque, se submetido o decreto a apreciação, um de dois caminhos se encontraria: ou a Câmara Corporativa emitia parecer favorável ao decreto-lei em apreciação, hipótese que admitimos mais certa, por óbvias razões; ou dele se afastaria neste ou naquele ponto, e, ao iniciar-se o debate na Assembleia, o Deputado que consciente e seriamente quisesse intervir seria colocado nesta posição:
Por um lado, e antes de mais, havia que pesar nesta passagem do relatório do Decreto-Lei n.º 33908:

Quase pode dizer-se que a propósito de cada um dos seus preceitos haverá que ter em conta uma biblioteca, tantas as opiniões emitidas no decorrer dos tempos sobre as relações privadas, tão rica por vezes a sua evolução legislativa e tão diferentes as soluções do direito comparado ...

Por outro lado, e tendo presente a primeira, haverá de convir-se em que nenhum Deputado, qualquer que seja a sua actividade profissional, mesmo que de jurista se trate, conseguiria descortinar horas livres para se ocupar com idónea e devida preparação do texto ou textos em discussão.
O labor permanente dos juristas escolhidos que para além de duas décadas de anos se debruçaram sobre a complexidade dos problemas do jus civile dá à Assembleia a garantia e tranquilidade de que sob o ponto de vista técnico o trabalho está globalmente perfeito.
E até hoje ninguém nos demonstrou ou convenceu de que tecnicamente era capaz de fazer melhor.
Deixemos, pois, à doutrina e à jurisprudência, e sobretudo a esta, a que na apreciação dos casos concretos da vida real e na sua concatenação aos preceitos legais- se depararão, por certo e eventualmente, dificuldades de ordem técnica, a missão de darem a conhecer com o tempo as insuficiências técnicas do Código Civil.
E quando elas, que hão-de existir necessariamente, forem de molde a impor alterações, sempre à Assembleia sobrará competência para lhes dar o devido remédio.
Resta-nos, finalmente, abordar o aspecto político.
O problema terá de situar-se, a meu ver, num plano relativo.
Tenhamos presente o ponto de partida.
O novo Código Civil nasce da necessidade reclamada de uma revisão geral do Código de Seabra.
Ao estabelecer-se o plano geral de revisão, com o Decreto-Lei n.º 33 908, de 4 de Setembro de 1944, perguntou-se assim:

Valerá a pena sacrificar em certa medida os usos estabelecidos para se elaborar um código que satisfaça melhor as necessidades da época em que vivemos?

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Decorridos 22 anos sobre a pergunta formulada, sentimo-nos à vontade para responder.
O código elaborado satisfaz efectiva e indiscutivelmente melhor as necessidades da época em que vivemos.
Tanto basta para que politicamente mereça o inteiro apoio da Assembleia Nacional.
Mas nós cá ficamos, perplexos e atentos na teorética inquietude do nosso espírito, a aguardar que a Nação, por intermédio das suas vozes mais qualificadas para o efeito, a doutrina e a jurisprudência, nos dê a conhecer a dimensão exacta e a localização histórica e geográfica do edifício Código, na cidade do Mundo do Direito.
Por ora, apenas nos compete denominá-lo empreendimento de vulto, como o é, afinal, qualquer trabalho de codificação de direito civil.
E, por se tratar, indiscutivelmente, de assunto de reconhecido interesse nacional, foi o Sr. Ministro da Justiça autorizado pelo Sr. Presidente do Conselho a comparecer nesta Assembleia para dele se ocupar.
O seu aparecimento caiu bem nos membros desta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas na verificação da sua presença logo tomou vulto no meu espírito uma série de considerações de natureza política que em Abril de 1966 ouvimos pronunciar ao leader do Governo.
São do Dr. Soares da Fonseca as seguintes palavras:

Afirmei no início que há de mister salvaguardar a instituição parlamentar, por se afigurar necessária e até indispensável.
Se conforme a expressão de alguém lhe falte capacidade técnica, não lhe deve faltar coragem política. Se não lhe assiste o direito de derrubar governos, compete-lhe e ontrolá-los e exercer sobre eles eficaz «acção reivindicativa» - sobre eles e sobre a tecnocracia, que procura muitas vezes ser o verdadeiro governante, atrás das cadeiras ministeriais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pois bem. A conjugação destas duas posições, a razão de presença do Sr. Ministro da Justiça nesta assembleia e as palavras deitadas ao vento pelo leader Dr. Soares da Fonseca, que no seu próprio expressar «sem as dirigir pessoalmente a ninguém, desejaria que se não perdessem nas nuvens», dá-nos autoridade de sobra para lembrar aos governantes que, sempre que se trate de assuntos de reconhecido interesse nacional, devem antes de se fecharem nos seus gabinetes e fazerem decretos-leis saídos dos bastidores do Governo e burilados na máquina d* tecnocracia, por vezes tão alheada e contrária às realidades sociais, políticas e económicas, vir e expor esses assuntos a esta Câmara, para que nos seja dado o ensejo de oportuna e prudentemente os apreciar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece ser assim, Sr. Dr. Soares da Fonseca, que poderão ter sentido útil e coerente as palavras que proferiu.
E, para que o vento não as leve, para que elas não se percam nas nuvens, há que alertar os governantes, levantá-los das suas cadeiras ministeriais e fazê-los tomar consciência da necessidade de aqui virem.
É a história do Regime, face ao disposto do § único do artigo 113.º da Constituição, não nos aponta um caso sequer em que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho tenha negado autorização a qualquer Ministro, quando solicitada.
Vêm estas considerações a propósito da apresentação feita pelo Sr. Ministro da Justiça do novo Código Civil.
Dentro do âmbito da nossa intervenção, haverá que pôr aqui ponto final e concluirmos reconhecendo a utilidade da presença do ilustre estadista nesta Câmara.
Tenho dito:

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para assinalar aqui o aniversário da criação do distrito de Setúbal, que ocorre no próximo dia 22 do mês corrente. Mas não o faria se não se desse a circunstância de coincidirem nos mesmos anos de existência o distrito de Setúbal e o actual regime político. É que nós, os que vivemos nesse distrito, estamos em condições únicas para poder testemunhar, com os exemplos das nossas realizações, o que neste país aconteceu nos últimos 40 anos.
Terras bem diversas eram as que foram agrupadas a constituir o novo distrito. Diversas na situação geográfica e por isso distribuídas por três províncias e por três dioceses; bem diversas na etnografia, por se distribuírem umas ao longo dos rios Tejo e Sado e por larga zona da costa atlântica, enquanto outras são de intensa exploração agrícola; diversas socialmente, pelo predomínio ou de pescadores, ou de lavradores, ou de operários. Terras muito diversas, mas tão consciencializadas ao longo dos anos, sobretudo nas últimas duas décadas, na sua unidade político-admmistrativa, que constituem hoje um verdadeiro bloco de interesses, um distrito verdadeiramente coeso. Nele se concretizou a unidade nacional, reflexo de uma política que teve sempre como um dos seus primados a união de todos os portugueses à volta das razões de ser da Pátria Portuguesa. Ao longo de 40 anos, tal como aconteceu no plano nacional, homens responsáveis lutaram e sofreram para consolidar, desenvolver e afirmar um distrito, que hoje é o primeiro como força industrial e há-de ser, quando quiserem, o primeiro como realidade turística. A esses homens quero aqui prestar a minha homenagem, não esquecendo todos os demais, todos aqueles, de qualquer condição social, que, cada um no seu posto de trabalho, de direcção ou de influência, carregaram e afeiçoaram deliberada e amorosamente a sua pedra.
Milhares de operários, ao lado dos que buscam no mar os peixes e na terra os frutos, arrancam diariamente às máquinas, pelas muitas e variadas fábricas que se arrumam pela península de Setúbal, as possibilidades de uma vida melhor para todos os portugueses, e os seus filhos superlotam os dois liceus e as oito escolas técnicas, em que se transformaram o único liceu e a única escola de há 40 anos, de há 20 anos, além de oito grandes colégios liceais, de iniciativa particular; e a) Igreja, atenta às necessidades espirituais dos também seus filhos, abriu caminho sério à criação próxima da nova diocese de Setúbal.
Percorrer hoje qualquer dos treze concelhos que formam o distrito de Setúbal é receber salutar lição de quanto se pode fazer a bem do bem-estar e dignificação dos povos, quando se trabalha em paz e na intenção dos povos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São edifícios novos em ruas novas; são redes de água e luz e saneamento a cobrirem quase todas as povoações; são realidades e perspectivas de fontes de

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riqueza; é confiança no futuro - essa riqueza inigualável; é, sobretudo, insatisfação no desejo de fazer mais.
Há olhos atentos debruçados sobre o distrito de Setúbal. É que ele está cheio de potencialidades, de certezas e de promessas; é que ele é o futuro. Mas para que assim seja muitos homens o fizeram presente, e neste momento em que se recordam aqueles que em 40 anos souberam transformar este país em motivo de orgulho de todos nós, tive por oportuno lembrar os que no meu distrito de Setúbal, acompanhando desde o início a passada, souberam justificar a confiança que os homens primeiros do Estado Novo tiveram no único distrito que houveram por bem criar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ferrão Castelo Branco:-Sr. Presidente: Já nesta Assembleia vários e ilustres Srs. Deputados usaram da palavra, por forma elevada, acerca da publicação do Código Civil - notável monumento jurídico que, na expressão do ilustre Ministro da Justiça, Prof. Doutor Antunes Varela, «é a maior obra legislativa que no decurso deste século os juristas portugueses puderam oferecer ao País».
Com permissão de V. Ex.ª, também eu, modesto profissional de direito, não quis deixar de, com a minha fala, vir homenagear todos os insignes juristas que, com o Sr. Ministro da Justiça, também civilista eminente, foram os autores do Código Civil publicado em 25 de Novembro último e, Sr. Presidente, vir também aqui dizer algumas palavras mais.
O Código Civil vigente foi altamente influenciado pelo Código Civil de Napoleão de 1804, data de 1867 e entrou em vigor em 1868.
Como é sabido, ele está imbuído da doutrina dominante ao tempo: o «jusnaturalismo individualista».
No decurso destes 98 anos o mundo sofreu profundas alterações e os velhos códigos, se não se desactualizaram por completo, devem-no, como este, à reforma de muitas das suas disposições e à publicação de variadas leis extravagantes.
Só assim pôde o Código Civil do visconde de Seabra reger por tanto tempo - e durante tão dilatadas décadas, em que a transformação das instituições foi tão grande - as relações privadas dos indivíduos.
Em tempo em que tudo andava mais devagar, conseguiram as Ordenações Filipinas, publicadas em 1603, vigorar - ainda que modificadas e completadas por numerosa legislação avulsa - mais de 200 anos.
Mas, como bem se nota no estudo que precede o projecto do Código Civil:

Os códigos modernos não podem deixar de reflectir, com maior ou menor intensidade, um fenómeno caracterizado dos nossos tempos: a socialização e o direito civil ou, como outros lhe têm chamado também, a publicização do direito privado.

E é assim que, no novo código, se adoptam os princípios da socialização, tomado este termo no seu bom sentido, como, justificadamente, se admite no douto estudo em causa.
Não é minha intenção fazer uma apreciação crítica às inovações introduzidas no novo diploma legislativo, mas tão-somente tecer algumas considerações, ainda que breves e aligeiradas, acerca da forma como no novo estatuto jurídico é regulado o regime da propriedade.
As minhas considerações, todavia, são mais de ordem política - à feição de homem que representa gentes que sobre a propriedade imobiliária exercem o domínio e que dela tiram o essencial à sua existência.
Eu próprio, debruçado quotidianamente sobre os assuntos que com a propriedade rústica se prendem, não posso também deixar de contemplar as normas inovadoras que regulam a propriedade imobiliária e vejo que, de entre o conjunto das suas disposições reguladoras, se atingem e concretizam as novas directrizes do direito moderno, isto é, vejo que, com efeito, a função social da propriedade está nele expressa e claramente regulamentada.
E se assim se fez, se assim se legislou, foi-o em concordância com o que, quer na Constituição Portuguesa, quer no Estatuto do Trabalho Nacional, se determinou, em termos bem claros e inequívocos, que ca propriedade, o capital e o trabalho desempenham uma função social», que o mesmo é dizer que tanto a propriedade como o capital ou o trabalho têm de ser explorados, aplicados e utilizados no sentido de bem poderem servir a comunidade e não serem aplicados sómente em proveito daquele que a detém, que faculta o capital ou que põe à disposição de certo empreendimento a força do seu braço ou a razão da sua inteligência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No Código Civil vigente define-se direito de propriedade, como sendo ca faculdade que o homem tem, de aplicar à conservação da sua existência, e ao melhoramento da sua condição, tudo quanto para esse fim legitimamente adquiriu, e de que, portanto, pode dispor livremente» (artigo 2167.º).
No novo código - artigo 1305.º -, ao determinar-se o conteúdo do direito de propriedade, diz-se:

O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

Enquanto no Código de 67 se firmava o princípio individualista do direito de propriedade - embora com a limitação constante do artigo 2170.º-, o novo diploma vem proclamar o princípio da função social da mesma, mas fá-lo por forma que, ficando indemne a propriedade privada, as condições da sua fruição é que ficam sujeitas às restrições que a lei determine e que terão em vista a finalidade colectiva.
Parece-me, desta forma, que, de uma maneira harmoniosa, se combinou o individual e o social, pois que, neste enunciado do conteúdo do direito de propriedade, se conciliou tanto um direito subjectivo intangível como uma função social a ter em alta conta.
Para a maior rentabilidade da propriedade fundiária, existe agora, no seu lugar próprio, a dimensão exacta do que se contém no direito de propriedade, e não interessa que a exploração da terra seja feita pelo mesmo empresário, em grandes ou em pequenas áreas, pois o que na verdade interessa ao fim social que a lei tem em vista é que a dimensão da exploração agrícola possa permitir uma actividade rentável, princípio este já por várias vezes enunciado pelo notável Ministro da Economia, Dr. José Gonçalo Correia de Oliveira.
Situada na parte geral do código, ao regulamentar-se o exercício e tutela dos direitos, está consagrada a teoria do abuso do direito, e ali - artigo 334.º - se define o

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seu conteúdo ao preceituar «é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito», disposição esta que, como acentua o ilustre Ministro da Justiça, Prof. Doutor Antunes Varela, na sua memorável comunicação a esta Assembleia no passado dia 25 de Novembro, «constitui, na verdade, um manancial inesgotável de soluções, através das quais a jurisprudência pode cortar cerce muitos abusos, harmonizando os poderes do proprietário com concepções actuais e futuras acerca da propriedade».
E se, como se espera da nossa íntegra magistratura judicial - a quem rendo o preito da minha melhor homenagem -, ela fizer, como por certo fará, bom uso deste poder, não haverá que temer «a arma de gume tão afiado», como observar o Sr. Ministro da Justiça, que este preceito põe na mão dos julgadores.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Entendo que o novo código, tanto nesta matéria de direito de propriedade, como nos outros institutos nele regulados, rompeu com certos princípios tradicionais, mas sem que, no entanto, tenha introduzido inovações demasiadamente ousadas, e, por isso, não pode ela deixar de merecer a minha aprovação.
E termino, Sr. Presidente, homem ligado às coisas da terra, com a frase do Prof. Lucien Aulagnon:

A melhor defesa da propriedade privada contra os assaltos das doutrinas dissolventes consiste em chamar sobre este direito o respeito que ele merece, permitindo conciliar as exigências da ordem jurídica com as necessidades da justiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Soares da Fonseca:- Sr. Presidente: Com a de hoje, terão decorrido dez sessões necessárias para que se considere concedida por esta Câmara a ratificação do Código Civil.
Não apareceu até agora, e estou seguro de que também não aparecerá hoje, qualquer embaraço a esta ratificação.
Quer isto dizer que, a partir do fim da presente sessão, o texto integral publicado no Diário do Governo de 25 de Novembro será texto definitivo. O Código Civil estará, assim, ratificado.
Lá fora, porém, e até aqui dentro, alguns Srs. Deputados menos experientes da vida parlamentar (quanto os invejo, Sr. Presidente!) têm perguntado porque não se faz ou se não fez a ratificação expressa deste diploma.
Entende-se, neste modo de ver (e não lhe negarei moralmente razão), que um diploma legal como este, tão excepcional pelo seu mérito, de significado tão profundo na vida da Nação, tão - digamos - «monumental» em si mesmo e na perdurabilidade a que se destina, e tão amorosamente concebido e afeiçoado pelos mais altos valores (e muito altos eles são) do nosso direito civil, bem merecia forma solene de uma ratificação expressa.
Simplesmente, nenhum Sr. Deputado a pediu e, conforme a interpretação que tem sido dada aos textos constitucionais e regimentais, só a deveria pedir se tivesse alguma emenda a propor.
Assim, o silêncio unânime dos Srs. Deputados a este respeito é que deve tomar-se como eloquente demonstração da nossa aprovação total ao diploma em feliz hora enviado pelo Sr. Ministro da Justiça para o Diário do Governo.
As palavras aplaudentes da iniciativa da publicação do Código Civil, que em todas estas sessões, no período de antes da ordem do dia autorizadamente aqui foram proferidas por Deputados especialmente qualificados para o efeito, quiseram sobretudo demonstrar que a Assembleia Nacional não foi insensível à atitude do Governo em publicar o diploma no período do funcionamento efectivo da Câmara.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fique o descolorido deste breve apontamento como explicação de que o nosso unânime silêncio ratificativo é a afirmação legal da nossa clara ratificação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai efectivar-se o aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Braamcamp Sobral.

O Sr. Braamcamp Sobral: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional, Srs. Deputados: Ao anunciar, em Março último, um aviso prévio sobre a educação da juventude, indiquei esquematicamente os aspectos do tema escolhido, que, em meu entender, maior necessidade havia de focar e desenvolver na planificação geral que se impõe.
Outros esquemas poderiam naturalmente ser traçados e, porventura, mais lógicos e mais perfeitos, mas disciplinadamente procurei enquadrar-me naquele que oportunamente gizei, ainda que por conveniência de exposição não siga sempre a ordenação dos tópicos indicados.
Qualquer dos capítulos da agenda, ou mesmo qualquer das alíneas, contém por si só matéria suficiente para exaustivo estudo e prolongada exposição, que não são obviamente praticáveis.
Aliás, análises parcelares muito profundas nestas circunstâncias prejudicariam certamente a visão de conjunto de todos os factores que têm de ser considerados na educação da juventude, visão que importa acima de tudo salvaguardar, para que, sublinhada a importância de cada um daqueles factores e traçadas as coordenadas em que devem no conjunto situar-se, resulte bem patente a sua íntima conexão e a indispensabilidade, portanto, de se coordenar e orientar superiormente a missão educativa que cumpre realizar.
Não deixa, contudo, e naturalmente, de me perturbar a vastidão do tema escolhido, e parece-me, aliás, tão difícil abarcá-lo como vencer a tentação de enveredar na análise das questões basilares, por campos anexos e afins daqueles que devem efectivamente centralizar as nossas atenções, tornando obviamente mais pesada a nossa tarefa. Pesada e provavelmente perdida, pois estou seguro de que serão mínimas ou nulas as probabilidades de obter para o nosso trabalho a utilidade prática que justificadamente se ambiciona, se aquela tentação nos vencer ou se, dentro mesmo dos limites que se estabelecerem para o exame geral que preconizo, não condensarmos as nossas ambições na definição das linhas de rumo essenciais a uma acção imediata, que nós firmemente desejamos, que outros ansiosamente aguardam e da qual todos beneficiarão.
Contam-se, com certeza, por muitas centenas os estudiosos que já falaram ou escreveram acerca da educação e não são já poucos os que têm opinado restritamente sobre a educação em Portugal.

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Presumo, e apenas por algumas obras que conheço, que sobre a problemática enunciada as linhas gerais doutrinárias estão já traçadas; as fundamentais definições, redigidas, e os erros mais graves, apontados.
Presumo ainda que estão também identificados os mais importantes riscos que se aceitam quando se desvia a acção educativa dos rumos certos fundamentadamente indicados pelos seus autores.
Não me seria fácil, portanto, evitar a repetição de conceitos ou conclusões que com muito maior autoridade e muito mais erudição têm sido formulados sobre o? problemas básicos; que nos vão ocupar.
E não foi nem é meu propósito evitá-lo. Pelo contrário, considero até muito mais útil para todos recordar lições daqueles cujo muito saber está largamente comprovado e delas partir para as considerações necessárias sobre a educação da actual juventude portuguesa, do que procurar introduzir novas fórmulas da minha autoria, indubitavelmente menos perfeitas e menos sólidas. E, como admito, talvez com pretensioso optimismo, que as minhas, palavras podem vir a ser conhecidas fora desta sala, tenho igualmente presente no meu espírito o que a nossa experiência quotidiana de pais nos recorda a todo o momento:

Que a repetição dos mesmos ensinamentos a curto ou longo prazo é proveitosa;
Que a meditação sobre as verdades eternas que devem guiar a nossa conduta nunca é demasiada;
Que a educação é uma campanha permanente na qual as vitórias se alternam com as derrotas, sendo estas quase sempre consequência de tréguas forçadas ou voluntárias que nós próprios estabelecemos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus senhores: Todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto que gozam da dignidade de pessoa, têm direito inalienável à educação, correspondente ao próprio um, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias.
Esta afirmação da Igreja, que o Concílio Vaticano II entendeu reeditar num dos seus documentos, contém, para além da afirmação de um direito, as bases de um programa.
Também a Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela O. N. U. em 1948, preenchendo a lacuna que a sua antecessora deixara em aberto, afirma que todas as pessoas têm o direito de beneficiar da educação e esclarece que a educação visa o desenvolvimento integral da personalidade humana e o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais:
Na nossa Constituição Política não se indica expressamente nos direitos dos cidadãos portugueses o direito à educação, mas afirma-se que a educação é obrigatória e estabelece-se que é da obrigação do Estado defender a família como base primária na educação e facilitar aos pais o cumprimento do dever de educar os seus filhos.
Penso, pois, que a nossa primeira atitude de espírito no estudo que nos propomos fazer é a de que estamos a defender um direito inalienável da nossa juventude.
Esta defesa constituirá, assim, para nós, não um simples gesto, altruísta ou uma atitude meramente desportiva, mas o cumprimento de um dever tão indiscutível como o direito que vemos defender.
E não deixará com certeza de fortalecer os nossos propósitos o justificado entusiasmo que naturalmente nascerá do facto de estarmos a estudar em conjunto os problemas que afectam directamente o presente e o futuro dos nossos filhos, e mais importante do que isso, dos filhos de todos os outros pais portugueses que aqui representamos, e os pais bem merecem a desvelada atenção desta Câmara, tanto é o esforço e o sacrifício e tantas são as pesadas renúncias desses pais na educação dos seus filhos.
Algumas vezes, sabemos, esses sacrifícios e essas renúncias, por má preparação dos pais, conduzem os filhos a caminhos errados, mas a intenção deles é sempre e antes de mais prepará-los para a vida.
Também algumas vezes, e quase sempre por ignorância, alguns pensam sómente na vida temporal, mas a sua dedicação é sincera, devotada e honesta.
O amor dos pais pelos filhos não é uma frase feita, é uma realidade autêntica e vivida.
O desejo dos pais de preparar convenientemente os seus filhos para-a vida não é uma fantasia inventada; é uma constante verificada na generalidade das famílias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Qualquer que seja a preparação ou a formação dos pais; qualquer que seja o grau do seu esforço, do seu sacrifício, da sua renúncia; qualquer que seja o peso das suas obrigações, das suas apreensões, uma coisa é certa: em todos os momentos e em todos os actos, no seu subconsciente ou na sua vontade, os pais centram nos seus filhos a sua maior afeição e as suas maiores esperanças.
E nem a incompreensão e a ingratidão de alguns filhos, por vezes infelizmente verificadas, retira destes a prioridade absoluta, voluntariamente estabelecida pelos pais, quando rezam, quando pensam e quando tomam as suas resoluções.
Paradoxalmente, porém, os mesmos pais, que dão sempre prioridade aos problemas dos seus filhos, quando investidos apenas na qualidade de cidadãos, com maiores ou menores responsabilidades, na governação ou na política, passam para segundo ou terceiro plano, quando não para último, os problemas da educação nacional, pondo assim em risco, incoerentemente, o futuro dos seus próprios filhos e o da Nação.
É incrível, é inexplicável, mas é verdade.
Contudo, a importância e a prioridade dos problemas da educação constantemente nos são relembrados eloquentemente na simples observação quotidiana da vida nacional.
A simples leitura nos periódicos, do noticiário dos acontecimentos locais (nas cidades ou nas aldeias); a nossa deslocação rotineira como peões, automobilistas ou passageiros de transportes colectivos; os relatos dos nossos filhos sobre a vida escolar, nos estabelecimentos de ensino que frequentam; os contactos pessoais, com ou sem guichet, com os vitalícios ou eventuais detentores de processos ou informações que necessitamos de conhecer; a observação sempre possível da conduta profissional dos que nos rodeiam, etc., acumulam diariamente para cada um de nós provas irrefutáveis da necessidade imperiosa de uma educação nacional em qualquer das suas versões mais ou menos especializadas.

Conhecida que é a inspirada ponderação havida na redacção dos textos conciliares e a cautelosa escolha das primeiras palavras de cada um, é curioso sublinhar que o prémio da Declaração sobre a Educação Cristã se inicia com as seguintes palavras: «Gravissimum educationis momentum in vita hominis.»

Quem pode ter efectivamente dúvidas acerca da gravíssima importância da educação na vida do homem?
Qualquer que seja a sua missão na Terra, a educação é condição básica do seu êxito.

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Mas, apesar de não haver dúvidas acerca da validade daquela afirmação, parece-me que continuamos procedendo, em Portugal, como se estivéssemos convencidos do contrário.
O Rev.º P.e Domingos Maurício escreveu na Brotaria, já lá vão mais de vinte anos: «Quando em todo o mundo cristão os problemas da educação se ventilam acaloradamente, em Portugal continuamos num sono bem-aventurado de Pangloss optimista que desfruta o melhor dos mundos.»
Tinha muita razão, e bem pesado tem sido o nosso sono, do que só alguns, há pouco tempo e muito lentamente, começam a acordar.
O corrente ano tem sido, porém, especialmente fértil em legislação e monólogos públicos ou semipúblicos, que se têm sucedido até hoje de manhã, sobre temas que se incluem na problemática da educação da juventude.
Prestará, pois, a Assembleia Nacional oportuna colaboração realizando conveniente diálogo sobre o assunto, que parece começar agora a preocupar seriamente muitos portugueses.
Como ainda neste ano de 1966 se procurou assinalar solene e significativamente o início há 40 anos da Revolução saneadora e salvadora da nossa pátria, analisando as quatro décadas passadas e traçando rumos para o futuro, eu espero confiadamente que VV. Ex.ªs, com a vossa autoridade e com o vosso saber, tomem como pretexto as modestíssimas palavras que hoje vos ofereço e estabeleçam o desejado diálogo. Desejado e necessário, pois os rumos que foram ou venham a ser traçados para o futuro não podem ser respeitados sem que seja preparada a juventude; primeiro, para entendê-los, depois para segui-los e, por último, para realizar a obra à qual são por tais rumos conduzidos.
E, ainda que outros possam pensar de maneira diversa, suponho que não pode considerar-se dispensável a nossa contribuição ao estudo do problema que eu insisto em considerar o problema n.º 1 da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados: Desejando falar-vos sobre a educação da juventude, julgo perfeitamente justificado começar por indicar os critérios básicos que aceito sobre o conteúdo da palavra «educação»; e para tal vou partir da seguinte definição, que entre outras possíveis me parece expressiva: a educação consiste essencialmente na formação do homem, qual deve ser e como deve comportar-se na vida terrena para conseguir o fim sublime para que foi criado.
Como primeira corolário desta definição deverá, pois, entender-se que não é verdadeira a educação que não seja orientada ao fim único e outra não existe, portanto, perfeita e completa que não seja a educação crista.
O significada etimológico do verbo latino que deu origem à palavra «educar» tem um sentido de movimento: «conduzir para», o que pressupõe naturalmente uma orientação, e esta só pode assentar na formação da vontade da consciência e do carácter do homem.
A educação apresenta naturalmente aspectos especiais diversos e sobre eles convirá fazer algumas indicações esclarecedoras
Educação intelectual. - A informação da inteligência, ou mais concretamente a instrução, tem papel preponderante na educação, pois a acção e a vida sem as luzes da inteligência suo forças desorientadas, que só conduzem à destruição. Contudo, deve frisar-se uma vez mais, tão frequente é a tendência para confundir a parte com o todo (instrução com educação): a instrução faz homens cultos, mas só a educação faz homens honestos.
Pode ainda melhor evidenciar-se a distinção dizendo, por exemplo, que constituem a educação todos os processos conscientemente adaptados por uma dada sociedade para realizar nos indivíduos os ideais que são aprovados pelo agregado social a que eles pertencem; e que constituem a instrução todos os meios definidos e todos os métodos adoptados, sob a direcção de uma instituição especial (que por via de regra é a escola), para o atingimento de certos fins particulares inteiramente ou na maior parte de índole intelectual.
Se a educação não é possível sem instrução, também esta não é eficiente sem aquela.
Como disse Mateo Liberatore, a ciência não ordenada à vida virtuosa é uma arma colocada nas mãos de um mentecapto.
Educação moral e religiosa. - O Santo Padre Pio XII sublinhou numa radiomensagem este aspecto essencial da educação, dizendo:
Uma educação que abstraia da moral e da religião fica privada da sua parte melhor e principal, despreza as faculdades mais nobres do homem, priva-se das forças mais eficazes e operantes, termina na falência misturando incerteza e erros, com a verdade, vícios com as virtudes e o bem com o mal.
Efectivamente, a educação neutra que alguns defendiam é inadmissível. Falar hoje de neutralidade religiosa é já um anacronismo científico e pedagógico, embora haja sempre quem siga correntes opostas de opinião.
Para mim não há dúvidas de que a religião católica está no centro da verdadeira educação.
Educação social e profissional. - Maritain diz que a educação do homem para a vida deve guiar o desenvolvimento da pessoa humana na esfera social, despertando e fortalecendo o sentido da sua liberdade, assim como o das suas obrigações e responsabilidades.
E nesta educação do homem para a vida tem necessariamente posição relevante a educação profissional, que torna possível ao homem enfrentar as graves responsabilidades que a família e a sociedade lhe exigem, e é óbvio que nem o homem pode isolar-se no seu egoísmo, nem a família pode viver em autarquia.
A educação social tem, porém, de assentar nos princípios católicos, únicos que impõem a fraternidade com todos os homens.
Educação cívica e política. - Pode dizer-se que a educação cívica é a formação ordenada para o bem público temporal próprio da sociedade civil, de tal forma que o homem se torne unr verdadeiro e perfeito cidadão, quanto à observação das leis, ao cumprimento dos deveres cívicos ou de qualquer múnus relacionado com o bem-estar da sociedade.
A educação política, conexa com a primeira, orienta-se directamente para o Estado e aplica-se na preparação para a administração e governo dos negócios públicos, defesa interna e externa da paz e fomento do bem público.
Aludi apenas em termos genéricos a alguns aspectos da educação. Outros há também importantes, como, por exemplo, a educação física, militar, artística, que têm de ser objecto de particular atenção na educação da juventude. Mas convém sublinhar que a educação, que podemos chamar de «educação integral», é uma só e a resultante da coordenação dos aspectos focados e de outros dos quais não falei - e que completam ou se integram nos primeiros.
Educar é formar o homem no sentido duplo temporal e transcendente.

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Dentro dos critérios expostos, julgo poder então sintetizar o que deve pretender-se com a educação da nossa juventude: fazer de cada jovem um homem, de cada homem um bom português e de cada português um bom cristão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Postas estas preliminares questões sobre o direito à educação, os conceitos orientadores e ainda sobre a importância e prioridade dos problemas que à mesma dizem respeito, importa agora verificar a quem cabe a missão de educar.
A educação é uma obra evidentemente social, pois o homem nasce no seio de três sociedades distintas, cuja unidade harmónica tem de existir para que a obra se realize.
Duas destas sociedades são de ordem temporal: a família e a sociedade civil; a outra, de ordem sobrenatural: a Igreja.
Consequentemente, em ordem à natureza e à graça, a acção educativa pertence a estas três sociedades.
Vejamos, então, quais os direitos que assistem a cada uma delas e os deveres que se lhes impõem.
A família é o primeiro meio natural da criança, que quando nasce traz consigo o seu destino de homem e uma missão a cumprir.
Para tal necessita, desde logo, de indicações sobre o que deve fazer e o que deve evitar; sobre o que é bem e o que é mal; e estas indicações só podem e devem ser dadas pelos pais.
Assim deve começar a ilustração da inteligência e a formação da vontade mós caminhos do honesto e do justo, o que é o mesmo que dizer que assim começa a educação.
O fim primário do matrimónio é a procriação e a educação da prole, e neste princípio se fundamenta S. Tomás, quando esclarece que, estando o matrimónio, pela sua própria instituição natural, ordenado principalmente para aquele fim, não visa sómente a geração, mas o seu desenvolvimento e promoção até à, perfeição do homem como tal. E, naturalmente, os primeiros responsáveis por essa educação são os pais.
O direito dos pais à educação dos filhos é, pois, como diz Pio XI, um direito anterior a qualquer direito da sociedade civil e do Estado, e, por isso, inviolável. E o próprio Código do Direito Canónico estabelece que os país têm gravíssima obrigação de procurar com todo o empenho a educação dos seus filhos, tanto a religiosa e moral, como a física e cívica, e têm igualmente a obrigação de promover o seu bem-estar temporal. Esta afirmação, recordada mais tarde por Pio XII, é reforçada com solene aviso de que os pais têm o direito primordial à educação dos seus filhos.
Para além destas, quaisquer que sejam as fontes procuradas, e aqui se inlcluem, por exemplo, a nossa Constituição e o Código Civil, hoje aqui ratificado, e quaisquer que sejam os caminhos percorridos, sempre encontramos, como conclusão final, que os direitos inatos, directos, inalienáveis e imprescritíveis sobre a educação são reivindicados em primeiro lugar para a família por qualquer das outras sociedades atrás mencionadas.
Observe-se, porém, que estes direitos têm limitações.
A sua primeira limitação é definida pela verdade e pela virtude.
Os pais, para formarem os seus filhos intelectual, moral, física e religiosamente, têm de respeitar as leis da verdade, da ética, da natureza e da Igreja.
A segunda limitação é estabelecida pelos direitos dos outros. Sendo, como se disse já, inviolável, a respeito do Estado, o direito educativo dos pais. ele não pode processar-se em colisão com o bem comum da sociedade, de que o Estado, por direito próprio, é detentor.
A terceira limitação (da ordenação posta não deve aduzir-se decrescente valor das mesmas) é imposta pela subordinação aos direitos da Igreja, convindo desde já esclarecer que tal subordinação só garante e aperfeiçoa os direitos educativos da família.
Um dos documentos papais mais antigos que tenho visto referenciado é da autoria de Eugénio IV e datado de 1439. Afirma já claramente que o primeiro bem do matrimónio é a geração e a educação da prole para o culto de Deus. E, bem o sabemos desde sempre, a Igreja, quando reentrega aos pais os seus filhos, depois de baptizados, impõe-lhes a obrigação de os educarem cristãmente, isto é, como inicialmente se referenciou, com vista ao fim sublime e único para que são criados. Este mandato já os pais, aliás, haviam recebido da Igreja na celebração do seu matrimónio. Mas estas obrigações impostas às famílias cristãs trazem também consigo o propósito de mentalizar as famílias no sentido de oferecerem e aceitarem na educação dos filhos a indispensável colaboração da Igreja, pois a esta, por mandato infalível e universal, conferido directamente por Cristo, compete a função constitucional de ensinar, e dela não pode, nem deve, abdicar. Mas os direitos da Igreja são mais vastos. São de jurisdição directa, total e exclusiva sobre tudo o que se refere à parte religiosa da educação e da jurisdição indirecta e particular sobre a sua parte profana e civil, pois, em consequência dos primeiros, lhe assiste naturalmente o direito de expurgar destes segundos aspectos da educação tudo o que seja incompatível com a pureza de costumes e a salvaguarda da fé.
Vejamos agora a intervenção do Estado na educação.
Como acentua e encíclica Divini Illius Magistri, que continua a ser o documento base da Igreja para a educação cristã da juventude (agora reforçada pela declaração conciliar já mencionada), a educação não pode pertence: à sociedade civil do mesmo modo que pertence à família e à Igreja, mas sim de um modo inteiramente diverso, que corresponde ao seu próprio fim.
À Igreja e à família pertence por um título que o Estado jamais pode evocar e que podemos chamar o título da paternidade. Ao Estado pertence, em consequência do seu próprio fim, o qual é promover o bem «comum temporal da comunidade, fazendo desfrutar as famílias e os indivíduos da paz e da segurança e do maior número de benefícios espirituais e materiais que na vida presente podem ser obtidos e devem ser conservados.
Neste condicionalismo, assistem naturalmente ao Estado também alguns direitos na educação da juventude, pois é seu mister torná-la válida em todo o sentido para a execução de todas as tarefas necessárias à permanente defesa dos interesses nacionais.
Não pode, efectivamente, o Estado cumprir a sua missão se os cidadãos não forem honestos, respeitadores das leis e dos direitos alheios; conscientes dos seus deveres e zelosos defensores dos interesses da Nação.
Tem, pois, o Estado o direito de, através das suas escolas, de especiais instituições de carácter educativo, de outras vias de acção directa e indirecta junto da juventude, orientar a sua educação no sentido de a tornar útil e eficiente no cumprimento presente e futuro de quaisquer missões que sejam do interesse da Nação e merecedora dos benefícios que esta lhe confere.
Neste sentido, sem colidir, claro está, com os princípios orientadores da educação cristã, que a própria Constituição Política obriga a seguir, e sem interferir nos direitos inalienáveis da Família e da Igreja, o Estado tem o direito de, naquilo que respeita directa e imediatamente ao bem

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comum, promover e fomentar a educação política, cívica, intelectual, militar, social ou profissional, indispensáveis parcelas da desejada formação integral dos jovens cidadãos, que amanhã são detentores dos destinos da Pátria. E, como consequência natural do seu fim próprio já definido, assisto integralmente ao Estado o direito de vigilância, inspecção e condicionada regulamentação das actividades privadas de carácter educativo.
Destas, considerações julgo ter resultado bem visível, ainda que em desenho imperfeito, a necessária e cuidada colaboração das três sociedades, Igreja, Família e Estado, na educação da juventude, para que não se choquem, nem se interceptem, mas simplesmente se completem, as autuações de cada uma em função dos direitos que lhes assistem. E parece não ser muito fácil esta íntima colaboração em completo respeito pela esfera de acção de cada uma, pois nem a Igreja, nem a Família, nem o Estado estão isentos de deslizes, actuando num caso ou noutro fora d is sectores da sua jurisdição, e nem sempre nesses deslizes terá havido a atenuante do desejo muito humano de suprir as faltas das outras.
Mas os direitos implicam normalmente deveres, que são consequência directa ou indirecta daqueles. Não se pode, pois, deixar de aludir aos deveres da Igreja, da Família e do Estado para com a juventude, mas em relação às duas primeiras sociedades impõe-se-nos fundamentalmente analisar os deveres que por elas não são cumpridos por não serem cumpridos para com elas os deveres do Estado.
O que não quer dizer que não se anotem também, como apontamento esclarecedor de ideias expostas, determinadas aperfeiçoes ou imperfeições da Igreja e da família no cumprimento das suas obrigações, nas quais a acção do Estado se não tem de fazer sentir, positiva ou negativamente. Mas a nossa análise aqui deve ser feita, sobretudo, sobre a acção ou inacção do Estado que se faz naturalmente sentir através de actos do Governo ou da Administração, consequentes da Constituição e das leis ou resultantes da ausência ou imperfeição destas.
A Constituição Política Portuguesa atribui a esta Assembleia, especificamente, a necessária competência para esta análise; o momento actual aconselha-a; a juventude merece-a e a Nação poderá recolher dela os desejáveis benefícios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Meus senhores: Na observação dos meios onde o jovem nasce, cresce e se faz homem, e dos elementos externos que maior influência podem ter na modelação do seu carácter, veremos seguidamente as circunstâncias em que está sendo educada a nossa juventude, ou não está, e quando possível sugerir-se-ão os caminhos que se julguem conducentes às mutações que venham a revelar-se aconselháveis.
Começarei pela família, por ser o meio familiar o primeiro que ao jovem é dado conhecer.
Como é do uso e de direito dizer-se, a família é a célula fundamental da Nação.
Protegê-la é, portanto, um imperativo indiscutível, e respeitá-la, a primeira consequência directa deste imperativo.
A Constituição Política que nos rege indica expressamente, no artigo 14.º, que, em ordem à defesa da família, pertence ao Estado e autarquias locais:

1.º Favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade e a instituição do casal de família;
2.º Proteger a maternidade;
3.º Regular os impostos de harmonia com os encargos legítimos da família, e promover a adoptação de salário familiar;
4.º Facilitar aos pais o cumprimento do dever de instruir e educar os filhos, cooperando com. eles por meio de estabelecimentos oficiais de ensino c correcção ou favorecendo instituições particulares que se destinem ao mesmo fim;
5.º Tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes.

É nosso mister procurar saber em que medida o Estado Português, na prática, (protege e respeita a família, em conformidade com a sã doutrina da Constituição.
A primeira condição que tem de verificar-se para que os pais possam cumprir o sagrado dever de educar os seus filhos é, com certeza, a existência de um lar, onde os filhos possam nascer e crescer sob a vista e orientação dos seus pais.
E a existência de um lar pressupõe naturalmente a habitação higiénica de espaço mínimo necessário ao agregado familiar c a remuneração do trabalho do pai para prover à alimentação, ao vestuário e à educação dos filhos.
Com vista à primeira condição indicada e no cumprimento do que estabelece a Constituição, vária legislação específica tem sido promulgada sobre a questão habitacional e vastíssima obra tem sido realizada neste campo pelo Governo.
Estamos, contudo, ainda longe de atingir as legítimas aspirações de todos nós, mas conforta-nos verificar que a campanha iniciada para se conseguir uma casa para cada família prossegue, e dela já resultou a construção e distribuição de muitos milhares de casas destinadas às classes econòmicamente mais débeis.
Mas há que prosseguir com melhor andamento no futuro, porque as necessidades crescem em ritmo superior ao da construção, e sobretudo não deverá descurar-se a ponderação cuidada sobre os erros cometidos nesta actividade; quer na localização, no tipo e qualidade das moradias, quer ainda na sua conservação e posse. Com maior ou menor gravidade, esses erros cometeram-se e por todas as razões é aconselhável que se não ignorem e que se não repitam.
Por outro lado, não sendo ainda, nem durante alguns anos mais, em número suficiente as moradias de renda limitada necessárias a todos os que não podem suportar encargos elevados com a sua habitação, algumas medidas poderiam ser tomadas no sentido de ajudar a resolver este problema, que atinge também, e com especial acuidade, a chamada «classe média». Muitas famílias, não podendo incluir no seu orçamento a importância total da renda relativa à habitação de divisões mínimas; exigidas pelo seu agregado familiar, têm de optar por uma casa mais pequena e uma desaconselhada promiscuidade entre os elementos da sua família, ou pela coabitação com outra família ou hóspedes que ajudem a suportai* o peso da renda. E esta coabitação não conduz normalmente a uma coexistência pacífica.
A criação de um subsídio de habitação ou nova melhoria e substancial das condições e valor do abono de família já existente seriam medidas aconselháveis para evitar os males apontados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não posso naturalmente deixar do referir-me também às famílias que quanto à habitação se encontram nas piores situações.

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Os aglomerados populacionais, sem casa, satélites das grandes cidades, suo uma fatalidade dos nossos dias; indesejável, claro, mas inevitável.
Não podem os Poderes Públicos, nem ignorá-los, nem abandoná-los. E não podem prescindir do apoio da Igreja na acção moral, social e material que neles têm de desenvolver.
Todos os esforços são necessários para impedir quanto possível o seu alargamento, cabendo cumulativamente às sociedades educadoras importante contribuição na acção permanente que nesses bairros deve ser realizada em defesa das famílias que neles se aglomeram (não tenho coragem de dizer que neles habitam) e que devem merecer de todos nós a maior consideração e a melhor ajuda fraterna, que moral e materialmente lhes pode ser dada.
A legítima aspiração de todos nós que, para além de um adequado auxílio a estes bairros, se evite a descoordenação tantas vezes verificada das boas vontades que neles se reúnem com o único desejo de realizarem trabalho útil; boas vontades que até nalguns casos se perdem, em consequência de uma ridícula e condenável luta pela hegemonia da caridade.
Graças a Deus, são muito reduzidas no nosso país a taxa de criminalidade e a de delinquência juvenil, mas sabemos que está na origem da quase totalidade destes casos a falta de lar na infância e adolescência dos jovens, que, mercê do seu mau procedimento, são envolvidos nas malhas da lei.
Se a existência de uma habitação com espaço suficiente e condições aceitáveis de salubridade e higiene concorre (pesadamente para a criação do bom meio familiar, que é condição base da qual os pais hão-de partir para a procriação e educação dos seus filhos, não é menos valiosa para o mesmo fim e para os mesmos pais a existência de proventos resultantes do seu trabalho que sejam suficientes à alimentação, vestuário, manutenção da saúde e educação da sua prole.
Com vista à criação desta segunda condição base de defesa da família, a colaboração do Estado está muito longe de corresponder às imposições da Constituição atrás mencionadas.
Tem havido, é certo, e como já tive ocasião de salientar nesta sala há cerca de um ano, louváveis acertos na política dos impostos, atendendo ao valor em que é tida a instituição familiar, mas, quanto à remuneração do trabalho, há que reconhecer que estamos muito afastados das soluções aceitáveis do problema.
A política que tem sido seguida na fixação dos quadros e vencimentos dos servidores do Estado impõe-lhes, quando chefes de família, dificuldades insuperáveis (agravadas com o constante aumento do custo de vida) na manutenção do seu lar e da sua família.
Por falta de remuneração suficiente, esses chefes de família vêem-se obrigados a enfraquecer o regime alimentar, a reduzir o vestuário às vezes para além dos limites da dignidade, e não raramente acumulando dívidas, e daqui resulta, com não pequena frequência, a quebra da harmonia na família, a falta de saúde, a limitação da natalidade e outras consequências que destas se geram em cadeia e que se projectam sempre com forte incidência no ambiente do lar e na educação dos filhos.
Quanto aos que procuram ganhar o pão de cada dia fora dos quadros do Estado, mas em actividades ainda de certo modo amparadas e enquadradas pelos organismos corporativos, a orientação seguida nos contratos de trabalho têm melhor defendido os chefes de família quanto aos vencimentos e salários.
E são, sobretudo, mais ousados os passos dados no sector da providência. Com os seus escolhos e deficiências, as medidas já adoptadas contribuem, de certo modo, para a melhoria económica de muitas famílias, mas há que prosseguir sem descanso até que possam beneficiar-se todos, incluindo aqueles que trabalham também por conta de outrem, mas sob o signo diário da irregularidade e da instabilidade.
A sua remuneração está sujeita à quantidade e qualidade de trabalho que em cada caso lhes é exigido e quase sempre ao critério pessoal de quem os contrata.
Esta contingência, aliada à circunstância de o contratante não poder, por outros condicionalismos que lhe são impostos, pagar acima de valores limites pouco elevados para o contratado (é o caso corrente e significativo da lavoura, por exemplo), conduz naturalmente o chefe de família à aceitação de um salário insuficiente, com as consequências indicadas o, facilmente previsíveis, ou ao abandono do lar por períodos mais ou menos prolongados, na busca de condições suficientes à subsistência dos seus.
É óbvio o grave reflexo destes factos, verificados presentemente em escala apreciável, na procriação e educação dos filhos.
Há, portanto, neste campo árduo caminho a percorrer e urgentes decisões a tomar, sem o que continuaremos a poder afirmar, como li algures, que o salário familiar não passa de uma aspiração constitucional.
A existência de um lar TIOS moldes sumariamente preconizados da remuneração suficiente do chefe de família, condições sem as quais não pode criar-se no meio familiar o clima propício à educação, não serão, bases suficientes se os pais não estiverem preparados para o exercício da sua função de educadores.
E creio bem que esta preparação exige dos pais primordialmente o seguinte:

a) Compenetração do mandato educacional recebido, e dos fundamentos do mesmo;
b) Reconhecimento de que a unidade e a complementaridade aos dois exigida na procriação são de igual forma exigidas na educação;
c) Certeza do valor inestimável e não igualável da sua acção pessoal directa junto dos filhos e consciência plena da influência que a sua conduta tem na modelação da alma, da mentalidade e do carácter daqueles a quem deram a vida.

Uma observação panorâmica das famílias portuguesas à luz destas simples considerações sem dificuldade nos leva à conclusão de que bem poucas são as que, num aspecto ou noutro, se não debatem com fortes dificuldades para darem aos seus filhos e nas suas casas a preparação de que carecem e que pelos pais deve ser dada.
E quantos abdicam pura e simplesmente da sua missão perante as dificuldades que não podem ou não sabem vencer?
É evidente que a família tem de receber da Igreja e do Estado o necessário apoio para levar a cabo a realização da sua obra fundamental.
E é bem patente, na generalidade dos casos, a premência com que solicitam, e a ansiedade com que aguardam, esse apoio.
Cabe aqui, penso ou, uma palavra sobre uma questão que julgo dever ser considerada atentamente, pelo lugar que pode ocupar na prospecção e na identificação dos problemas familiares que carecem da intervenção do Estado e também na adopção dos caminhos que conduzem à sua solução.
Refiro-me à circunstância de não estar prevista nas leis actualmente em vigor a válida intervenção dos chefes do família no estudo, na elaboração e regulamentação

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das disposições estatais que visam a defesa das suas famílias e a educação dos seus filhos, qualquer que seja o aspecto considerado.
E, não estando prevista a sua legal audiência e colaboração, não podem utilmente os chefes de família agrupar-se em Portugal, como seria bem desejável, em associação representativa das várias camadas sociais e das várias regiões e necessariamente ramificada por toda a Nação.
Por isso, estão e continuam votadas a insucesso todas as iniciativas de associação de pais de âmbito nacional que têm surgido, por muito louváveis que sejam os seus principais objectivos e as suas bases estatutárias.
Não são, contudo, poucos os países em que tais associações existem, com peso na opinião pública e nas decisões dos seus respectivos governos, e dizem os inquéritos realizados por organismos internacionais especializados que a sua utilidade para os respectivos governos é tanto mais sensível quanto mais sólida é a sua estrutura e mais elevado o respeito das autoridades pelas suas diligências e opiniões.
A satisfação desta justa reivindicação dos pais portugueses permitir-lhes-ia abandonar a inaceitável posição passiva a que estuo reduzidos perante todas as decisões tomadas por quem de direito e directamente dizem respeito à defesa das famílias de que suo chefes e das quais têm de ser, portanto, os primeiros defensores.
Os resultar os obtidos em algumas das pequenas associações de pais ou de encarregados de educação que existem junto de determinados estabelecimentos de ensino confirmam, sem esforçada boa vontade, a enorme utilidade que ter a para a Nação, e consequentemente para as famílias que- a constituem, uma bem estruturada e alicerçada associação de pais.
Cumprindo ao Estado defender a família, não pode este, sem risco de ser imperfeita ou incompleta a sua actuação, deixar de conhecer e respeitar o testemunho dos pais.
Só eles poderão exprimir com inteiro conhecimento de causa as sua? verdadeiras dificuldades e, sobretudo, os perigos enormes que no mundo actual rodeiam as seus filhos.
Nenhuma experiência que não seja a deles pode ser mais válida e mais útil na consideração de problemas que respeitam as suas famílias.
Além disso, a união das famílias, mercê da organização preconizada, aumentaria a cada uma a fortaleza de ânimo necessário paia assumir determinadas atitudes que tantas vezes se impõem para defesa dos filhos, e que sós ou pouco acompanhadas não têm coragem de assumir.
E falemos agora um pouco da escola.
Tal como o meio familiar, tem uma decisiva importância na formação da juventude o meio escolar, no qual grande parte dos jovens absorve muito do seu tempo.
Uni certo paralelismo entre os dois meios não pode deixar de transparecer, pois a escola, como o lar, precisa de ter o espaço suficiente e as necessárias condições de higiene e conforto, e os professores, como os pais, precisam de ser convenientemente remunerados, para que possam, isentos de preocupações materiais, dedicar aos educandos o tempo e a atenção que merecem e de que necessitam.
De outra forma se não obtém também na escola o clima propício e aconselhável ao trabalho educativo que nela deve realizar-se.
Quanto a este indispensável condicionalismo, na também forte desnível entre o que tem podido obter-se em matéria de instalações e o que se não tem conseguido na remuneração aceitável dos professores.
Há, portanto, que acentuai e louvar a vasta obra já realizada na construção de estabelecimentos de ensino, não isenta, naturalmente, de erros de orientação e de execução, que importa ponderar e eliminar no futuro; e, por outro lado, que lastimar mais uma vez os critérios vigentes na fixação dos quadros e dos vencimentos dos agentes de ensino, causa base de forçados e também defeituosos critérios no seu recrutamento, selecção e promoção.
Permanecendo na mesma linha de observação, direi ainda que a existência de um edifício escolar amplo, higiénico e funcional, e a remuneração suficiente dos professores, condições básicas à existência de um meio escolar propício à função educativa, não serão suficientes se os professores não estiverem preparados para o cumprimento integral do seu dever.
E penso eu que esta preparação exige dos professores, primordialmente, o seguinte:

a) Compenetração de que, por definição não discutível, são educadores, tendo, portanto, para além da obrigação de instruir o dever de educar, não só através da própria instrução, mas em todas as oportunidades que diariamente se lhes deparam no contacto com os seus alunos;
b) Reconhecimento de que são em primeiro lugar delegados das famílias, que lhes confiam um verdadeiro mandato educativo, que não podem adulterar, nem trair, e sómente em segundo lugar servidores do Estado ou da sociedade que os contratou para ensinar, perante as quais são igualmente responsáveis;
c) Certeza de que são poderosos modeladores do carácter dos seus alunos, pela sua palavra, pela sua conduta, pelo seu exemplo, em todas as circunstâncias c em todas as ocasiões, sem poderem esquecei- que os alunos têm sempre os olhos neles postos e normalmente a fio têm muita benevolência para as suas famílias.

Abusando do paralelismo utilizado, sou forçado a concluir, e agora à luz destas considerações, que a escola está, na maioria dos casos, muito afastada do cumprimento da sua nobre função de educadora da juventude.
Algo de muito positivo tem sido feito ou preparado com vista ao desenvolvimento e à melhoria da instrução, e, para falar apenas do que é mais recente, menciono para exemplo o Projecto do Mediterrâneo e sua regionalização, a telescola e a elaboração da carta escolar do País, iniciativas e trabalhos de que podem orgulhar-se os seus autores e que tiveram e terão, não só projecção nacional de vulto, mas também projecção internacional.
Mas a instrução em Portugal tem vivido sempre sob o signo da probreza, como ainda há dias referiu um dos antigos Ministros deste pelouro, e, além disso, tristemente empurrada para trás de outros sectores menos importantes da vida nacional.
Não considerando a experiência efémera de 1870 a 1892, o Ministério da Instrução criado em 1913 conheceu até 1926 nada menos de 54 ministros, o que dá uma média em 13 anos de um Ministro por trimestre.
E este panorama não se modificou, infelizmente, logo após a Revolução Nacional, pois no segundo semestre de 1926 houve quatro Ministros, dos quais um esteve dois dias e outro não chegou a tomar posse; e até 1936, com exclusão do período de acalmia assinalado pela presença continuada de dois anos e meio do Prof. Cordeiro Ramos, cuja acção está já e bem na história da instrução pública, passaram por aquele Ministério mais dez ministros.

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Parece, pois, que só a mudança de nome trouxe estabilidade de governo ao pelouro da instrução.
Há, pois, algumas razões, não obstante as vultosas verbas que se mencionam no Orçamento Geral do Estado (vultosas, mas insuficientes) e esforçado labor de alguns governantes de larga competência, para a escola se encontrar ainda hoje na situação em que tudo é deficitário em relação ao número de alunos que a frequenta.
E enquanto não forem criadas ao professorado as condições que tornem dignificante e estimulante esta nobre profissão, enquanto não forem criadas aos professores condições para que sejam só professores, a escola continuará a não ter as condições indispensáveis para poder leccionar, com o rendimento e aproveitamento que deve exigir-se, o número sempre crescente dos que desejam ter acesso à cultura, como continuará a não ter, pela impossibilidade de selecção e de rápida mentalização e promoção do professor, as condições mínimas necessárias ao exercício da sua função educadora.
O Sr. Prof. Costa Pimpão disse recentemente:

Não é sem apreensão que podemos abeirar-nos do assunto em face do crescimento explosivo que estamos verificando nos diversos sectores do ensino e da impreparação da escola portuguesa para dominar o fenómeno por outros meios que não sejam da solução ad hoc de emergência ou improvisada. Para acudir ao impetuoso arranco para a cultura que se está verificando em Portugal, houve que procurar por toda a parte quem se prestasse a um arremedo de ensino, isto em todos os graus, mesmo no ensino superior, embora neste, por enquanto, com menor gravidade. Há uma ciência da educação; e quem a não possuir não pode ser professai. Por este motivo, os agentes de ensino são cada vez em maior número; em contrapartida, há cada vez menos professores.

A instrução, parcela da educação, é um dos tais campos anexos e afins, nos quais desejo vencer a tentação de cair nas minhas reflexões, pois é sector suficientemente vasto para ter lugar à parte nos estudos desta Assembleia.
Aliás, e na presente sessão, vão ser apresentados especificamente os problemas do ensino liceal, e espero que noutras oportunidades se analisem os dos outros ramos de ensino.
Só aludo à função instrutiva da escola porque, como já afirmei na parte inicial do meu trabalho, ela é indispensável à função educadora.
E parece-me a este propósito extremamente importante sublinhar que concorrem para um erro de incalculáveis consequências todos aqueles que não querem entender que a escola não é apenas um lugar de instrução, mas, acima de tudo, um lugar de educação.
"Sagrada oficina das almas" foi a feliz expressão utilizada por Salazar, em 1934, para se referir à escola.
E este voto então formulado, e certamente por todos nós perfilhado, tem ainda, decorridos mais de 30 anos, que continuar a ser um voto, e não, como seria para desejar, uma definição.
E por quanto tempo mais terá de continuar a ser um voto?
Eu não sei responder a esta pergunta, mas sei que está um pouco nas mãos de cada um de nós abreviar aquele tempo.
Vimos, quanto à família e quanto à escola, a preponderante importância da preparação dos pais e dos professores para o exercício do seu múnus educacional.
Reconheço que não é tarefa fácil tal preparação, e, como vos disse em Março último, o problema da educação ou reeducação dos adultos não cabe no âmbito deste aviso prévio. Mas, repito, se ao mesmo não é dada a atenção que se impõe, compromete-se gravemente a educação da juventude.
Não podemos esperar tranquila e confiadamente que cheguem a pais os filhos que agora pretendemos formar, pois até lá muitos jovens se perderão pelo caminho se ao menos não for, quanto possível, neutralizada a acção nefasta sobre a juventude, dos adultos que não escasseiam, cuja formação é bem diferente daquela que ambicionamos para os nossos filhos e que, mercê das suas posições, obtidas sabe Deus como e por culpa de quem, os enquadram e orientam na actualidade, quer queiramos, quer não.
A ligação entre a família e a escola, necessária às duas instituições, tem, como pode facilmente deduzir-se da circunstância de ambas concorrerem para a educação dos mesmos jovens, uma muito particular importância.
Nalguns casos, mas não frequentes, tem sido possível obter um entendimento mútuo entre as duas, e com bons resultados colhidos.
Pena é que esta aliança não exista sempre, pois nem os pais podem dispensar-se de conhecer e acompanhar a conduta dos filhos na escola, nem os educadores escolares podem dispensar-se de conhecer, através dos pais, as características, as tendências ou dificuldades pessoais dos seus alunos.
Impondo-se, portanto, uma consciencialização, de parte a parte, das vantagens dos assíduos contactos entre a família e a escola, tem de reconhecer-se, porém, que depende fundamentalmente desta a possibilidade destes contactos.
Alguns factos facilmente observáveis levam-nos, contudo, a pensar que não sou muito acompanhado nesta minha convicção, pois, embora por vezes a escola nos faça crer por palavras e escritos que assim pensa, na prática revela, antes, que constitui uma perturbação não desejável para o seu funcionamento o contacto pessoal com os encarregados de educação dos seus alunos, e, em vez de os facilitar, dificulta-os.
Estou certo de que cada um dos presentes poderia, com um ou dois casos em que tivessem tido directa intervenção, confirmar facilmente a minha suposição.
É claro que há sempre honrosas excepções, e até já atrás referi, por exemplo, os casos de associações de pais de alunos criadas por iniciativa da escola. Mas ... são excepções.
Como exemplo, curioso da indiferença dá escola pela família pode mencionar-se a inexplicável divergência que todos os anos se verifica entre as datas do início e do termo das férias do Natal e da Páscoa nos vários graus de ensino e nos vários estabelecimentos.
Se há razões que tornem necessário este desfasamento que tanta perturbação causa nas famílias e maior nas que são numerosas, a indiferença permanece, pois suponho que nós, pais, nos podemos considerar credores de uma justificação que nunca nos foi dada.
As considerações feitas aplicam-se à família e à escola em geral, mas deve acentuar-se que qualquer das instituições apresenta múltiplos aspectos.
Há famílias nas cidades, nas vilas, nas aldeias, nos lugares e nos bairros de lata.
Há famílias ricas, pobres ou, como às vezes se diz, remediadas, sem se saber bem com que remédios. Há famílias com poucos filhos ou de prole numerosa, numa escala que vai de um a vinte ou talvez mais. Há famílias cristãs, ateias ou apenas ignorantes e indiferentes em matéria de religião. E outras variantes mais podiam ser indicadas.

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Quanto à escola: há primárias, médias, complementares e superiores. Há oficiais e particulares; há escolas militares, corporativas, técnicas e profissionais; há escolas de reeducação e especializadas.
Há escolas superiores integradas em Universidades e escolas superiores fora da Universidade, etc., e todas estas, e outras dependentes, consoante os casos, de elevado número de dioceses independentes entre si, de variadíssimas ordens religiosas e de, pelo menos, sete Ministérios distintos.
Não é difícil apercebermo-nos de como são difíceis de resolver, em tantas e tão diversas circunstâncias, os problemas das duas instituições em causa e os da necessária ligação da escola com a família.
Mesmo unidas, a família e a escola não podem dispensar, na educação dos jovens que lhes estão entregues, a acção da Igreja.
Mais do que isso, devem desejá-la e solicitá-la, pois é sua missão fundamental ensinar e educar, sendo detentora para tal de uma doutrina velha de séculos, que os ventos da história, quaisquer que sejam, só tornam mais viva a sua verdade o a sua actualidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Funda-se no amor, palavra que tristemente entre os homens, por respeitos humanos não justificados, só tom utilização doméstica.
E, contudo, define como nenhuma outra a única permanente necessidade do homem, desde que nasce até que morre, t o único antídoto eficiente contra o ódio espalhado por todo o Mundo.
"As coisas da educação", disse em certo momento o Sr. Prof. Galeão Teles, "devem construir um sistema e revestir-se do mais alto espiritualismo, deve nimbá-las e embelezá-las um puro idealismo, todo feito de desinteresse, de abnegação, de sacrifício, de sacerdotal devoção, porque se trata de nada menos do que darmo-nos aos outros, trancarmos de nós próprios o que há-de ajudá-los a formarem-se, a desenvolverem harmoniosa e saudavelmente as suas personalidades, a tornarem-se úteis a si mesmos e à sociedade, a fazerem-se criaturas de Deus dignas do Ser supremo que rege todos os outros seres, visíveis o invisíveis."
Penso eu que só a Igreja pode dar a luz e a força necessárias para pôr em prática esta sã teoria.
A sua intervenção na família pode verificar-se através de toda a sua actividade pastoral e apostólica.
Expressamente, não pode deixar de registar-se na saudável evolução de uma grande parte das nossas paróquias, como preciosa ajuda às famílias e à educação, o notável progresso dado ao ensino da catequese, à realização de cursos de preparação para o matrimónio e aos movimentos de casais, estes também, nalguns casos, fora do âmbito paroquial.
Só há que lamentar que a falta de sacerdotes em Portugal (problema do qual a generalidade dos pais se abstrai, esquecendo que deles depende em boa parte a solução) torne difícil uma mais ampla acção da Igreja junto da família, através de uma maior generalização daquelas e outras actividades apostólicas.
Quanto à, colaboração da Igreja à escola, ela obedece ao exercício de direitos reconhecidos e a especiais prerrogativas já indicadas.
A sua acção faz-se sentir, por um lado, através dos estabelecimentos de ensino que funda, mantém e directamente orienta.
São, infelizmente, poucos para as necessidades do País, por isso bem desejaríamos vê-los multiplicados.
Mas tem faltada à Igreja, neste particular, o necessário apoio do Estado, na amplitude conveniente e justa, apoio que se preconiza expressamente na Constituição Política e na Concordata e que se torna indispensável para que os pais possam efectivamente usar do direito de opção para os seus filhos entre o ensino estatal e o religioso.
Mais largamente se faz sentir a acção da Igreja através do ensino da religião e da moral nas escolas elementares, complementares e médias, do qual ensino a Igreja é responsável.
Neste segundo aspecto da contribuição da Igreja à escola, é aquela que está em falta.
Há permanentemente muitos lugares por ocupar de professores de Moral, portanto muitas dezenas de jovens privados da fundamental disciplina do seu plano de estudos, pois é a única da qual, com ou sem professor, têm de prestar provas todos os dias.
E, a agravar esta circunstância, verifica-se, algumas vezes, que as pessoas incumbidas pela Igreja do ensino da religião e da moral não possuem preparação didáctica, nem. conhecimentos pedagógicos, para a formação dos jovens. Casos há em que, pouco conscientes da sua elevada missão, a sua acção é até por vezes contrária aos interesses da Igreja e da Nação.
Anote-se, ainda, que em muitos casos em que os professores de Moral são sacerdotes, para além do ensino das disciplinas atrás indicadas nas turmas que lhes são distribuídas, esquecem que outras missões devem ser realizadas junto do aglomerado populacional dos estabelecimentos de ensino onde estão colocados, pelo que a presença da Igreja na escola não se faz sentir em todos os possíveis aspectos e circunstâncias, como seria para desejar.
Estas deficiências que afectam a educação da juventude seriam certamente muito menores se um competente serviço de inspecção da Igreja à actividade dos professores de Religião e Moral levasse ao conhecimento da hierarquia os gravíssimos erros que se estão a praticar neste particular.
A responsabilidade assumida pela Igreja nesta matéria, que, aliás, lhe advém por direito indiscutível, impõe-lhe, creio eu, no momento presente, em face do crescimento constante da população escolar e das considerações postas, uma cuidada e urgente revisão do assunto.
Depois do meio familiar e do meio escolar, teremos de ter presente o meio onde trabalham os jovens cuja preparação escolar não passa da classe primária.
O grupo é significativamente numeroso, e o meio onde trabalha, muito variado.
No escritório, na oficina, na fábrica, no campo, na loja, no café, no hotel, no clube nocturno, por toda a parte há jovens, no difícil período da adolescência muitas vezes sem lar, mais ainda, sem qualquer contacto com a Igreja e sujeitos a muitos perigos morais.
Quem educa estes jovens? Quem se preocupa com esta riquíssima parcela da comunidade portuguesa, à qual é, quando crescida, solicitada, dentro das suas possíveis aptidões, a colaboração activa no progresso nacional e exigida a total dedicação à Pátria?
Nestes jovens, em muitos casos entregues a si próprios, a educação chega-lhes apenas através dos seus patrões ou dos seus companheiros de trabalho, anais ou menos adultos, ou pelos jornais, pela rádio, pelo cinema, pelo teatro e pela televisão.
Ficarão, naturalmente, mal educados, se alguém não zela para que escolham os melhores companheiros, prefiram as melhores leituras, sintonizem os rádios para as melhores estações e vejam os melhores espectáculos.
Preocupa-se o Estado com estes jovens?

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Eu creio que sim, pois há até legislação promulgada sobre aspectos gerais e particulares com eles relacionados.
Mas, na prática, há sintomas perceptíveis desta preocupação ou resultados apreciáveis de qualquer acção nesse sentido?
Muito fracos. Deve, contudo, entre outras, acentuar-se a feliz iniciativa dos centro extra-escolares da (Mocidade Portuguesa, cujo alargamento progressivo logicamente devia esperar-se, em face dos resultados (prometedores que foram obtidos, mais que se não verificou porque a dedicação heróica daqueles que nesta campanha se lançaram não foi correspondida no auxílio material que obviamente se tornava indispensável à sua consolidação e progresso.
Bem podia renovar-se, adaptada às circunstâncias actuais e reforçada com os necessários meios, esta experiência.
A organização corporativa em relação aos jovens não escolares podia também constituir a adequada infra-estrutura para a realização da sua necessária educação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se tem sido e é nalguns casos apoio da instrução, lógico se torna, em face do que já foi dito, que constitua idêntico apoio à educação, sem o que aquela se torna inútil ou prejudicial.
Para além do meio familiar, do meio escolar e do meio profissional, que na educação da juventude têm primordial importância, como já foi assinalado, exercem sobre os jovens pesada influência na formação da sua mentalidade e na modelação do seu carácter outros meios e outros factores que devem ser mencionados.
Perante esses meios e esses factores, a Família, como a Igreja e o Estado, têm de estar atentos e actuar em cada caso em conformidade com a sua competência e com os objectivos pretendidas.
E com vista a esta actuação penso que todos os educadores devem ter em primeiro lugar a preocupação de não esquecer que a sua missão se exerce sobre os jovens actuais que vivem no mundo actual e em segundo lugar a preocupação de os preparar para todas as contingências e todos os riscos a que estão sujeitos neste mesmo mundo actual.
E certo que na medida do possível, consoante as circunstâncias e as idades, deverá procurar evitar-se ou retardar-se o contacto dos jovens com aquilo que sabemos ser-lhes morai ou fisicamente (prejudicial, mas as contingências da vida moderna afectam muito o êxito das possíveis iniciativas levadas a efeito nesse sentido e até por vezes dentro de certo condicionalismo casuístico as desaconselham.
Por isso o educador deve sobretudo procurar dotar os jovens das necessárias condições de imunidade e de defesa contra todos os- ambientes e todos os factores nos quais têm fatalmente de viver e dos quais têm de enfrentar as inevitáveis consequências.
Em certas circunstâncias melhor do que tentar impedir a juventude de conhecer o mal será prepará-la para dele se defender quando, tiver de enfrentá-lo.
A juventude actual, portanto, tem de ser preparada para, física, moral e intelectualmente, saber sempre reagir contra as más influências e delas se defender, impondo convincentemente o que é bem e o que é certo, qualquer que seja a natureza do adversário ou das circunstâncias em que tem de conduzir-se.
Como consequência imediata desta necessária preocupação dos educadores nascerá naturalmente a necessidade de conhecer e de estudar as características determinantes da actual juventude, de conhecer e estudar a forma de a tornar receptiva à educação que lhes deve ser transmitida, de conhecer e estudar os processos adequados a tal transmissão.
Neste último e pequeno parágrafo que acabo de ler está afinal o enunciado da mais ampla e difícil tarefa que há a realizar no âmbito da educação da juventude, e não pode dispensar-se quem deseje chegar às melhores soluções de considerar as diversas correntes de opinião que tenham já sido ou venham a ser formuladas sobre a matéria, nem escusar-se a um pesado mas construtivo esforço de tentar compreender as gerações diferentes da sua, sobretudo e naturalmente as mais jovens.
E vamos agora analisar alguns dos factores que mais influência exercem na formação da juventude. Começaremos pelas leituras não escolares.
Nesta rubrica incluo os livros, as revistas e os jornais.
Duas exposições relativamente recentes realizadas em Lisboa, que já mereceram referência elogiosa nesta Câmara, revelaram com uma evidência que dispensa mais argumentação alguns factos inegáveis: o interesse crescente do jovem pela leitura, a influência que nele exerce o livro e a muito sensível falta de publicações portuguesas (originais ou traduzidas) próprias para jovens.
Embora possa assinalar-se nalguns sectores responsáveis mais clara consciência da situação e comecem a esboçar-se ideias e iniciativas (e algumas particulares de muito valor) no sentido de aumentar a produção e divulgação da boa literatura para jovens, é tão acentuado o desnível entre a má e a boa literatura à disposição da juventude que quase podemos dizer que o Estado ainda não começou na prática a obra de capital importância que neste sector tem a realizar.
Tem quase dez anos o Decreto-Lei n.º 41051, no qual se criou a Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores, que incluía na sua competência proceder ao estudo e à realização de inquéritos sobre a orientação a imprimir à literatura para menores e o desenvolvimento e orientação de bibliotecas e centros de leitura especialmente destinados aos mesmos menores, propondo ao Governo as medidas adequadas.
Creio bem que nestes dois últimos lustros teria havido tempo para realizar neste sector algo de valor, mas só o Governo poderá esclarecer-nos das razões que obstaram à realização do trabalho preconizado na lei, e do qual se foi realizado, se não vêem resultados.
Esta mesma Comissão tem por obrigação apreciar todas as publicações, periódicas ou não, nacionais ou estrangeiras, declaradamente destinadas à infância ou à adolescência, ou que pelo seu aspecto ou conteúdo possam como tal ser reputadas, e sem o seu parecer favorável não podem ser postas à venda.
Seria curioso inventariar as publicações que se venderam sem autorização da Comissão, por não lhe terem sido enviadas para apreciação, e o volume das multas cobradas por estas faltas cometidas durante os dez anos já decorridos.
Acresce que, misturadas com estas publicações, outras há também ilegalmente e livremente à venda, à disposição de menores e maiores, cujo conteúdo erótico e pornográfico estimula os mais baixos instintos do jovem e do jovem-adulto.
Tantas vezes tem vindo a público este grito de alarme e afinal tudo continua na mesma.
Em quadradinhos mais pequenos ou maiores, por módica quantia se obtêm por toda a parte as histórias mais indecorosas e indecentes que podem imaginar-se.

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São aliás as únicas publicações baratas que existem, apesar de consideradas nalguns locais como objecto de mercado negro.
E claro que a necessária acção policial que se impõe para cumprimento da disposição constitucional, já mencionada, ao abrigo da qual se deve evitar a corrupção dos costumes, é necessária e exigível, mas não resolve por si só o problema.
O que é preciso é que a juventude tenha muitas e boas leituras à sua fácil disposição.
E só o Estado à escala nacional pode e deve resolver este problema.
E não só livros, mas revistas e jornais, próprios para jovens, úteis atraentes e baratos, devem ser introduzidos e disseminados por todas as formas possíveis em acção educativa, pertinaz, que os conduza naturalmente por preferência da boa literatura a abandonar a que é má, desfavorecendo e minimizando um mercado de maus produtos que tão nefasto é aos nossos filhos.
E a acção positiva e negativa da grande imprensa diária que hoje é avidamente lida pelos jovens tem na sua formação importância incalculável.
Por isso ire penaliza que alguns jornais não procurem reduzir ou erítar os relatos pormenorizados e didácticos de assaltos e roubos; as longas e macabras reportagens de crimes horríveis, que a todos causam a maior repulsa, e por vezes abusem das tristes biografias de Hollywood e das obrigatórias fotografias das beldades, que, sem a menor noção de decoro, pousam em qualquer atitude e com qualquer roupa para a câmara dos fotógrafos.
Estou convencido de que no dia em que os responsáveis desses jornais admitirem a hipótese de ver um seu filho a contas com a policia, ou com o tribunal, ou a caminho de tais consequências, por deformação moral nascida da prosa ou das imagens dos seus jornais, não deixarão de pugnar pela sua moralização, ainda que pensem ver reduzida nos primeiros tempos a sua receita. E verão talvez, mas só nos primeiros tempos da evolução, porque os apreciadores do imoral, do mórbido, do doentio, serão substituídos com certeza, em curto prazo, por número mais elevado de apreciadores da boa informação, da boa cultura, da moral e dos bons costumes.
O apelo aqui fica. Talvez alguns oiçam e se compenetrem do alcance da sua insubstituível contribuição e da razão de ser deste apelo.
Os espectáculos são outros factores que na época presente mais influenciam a juventude.
O Decreto Lei já referenciado, n.º 41 051, de 1 de Abril de 1957 (o dia é comprometedor), estabelece que a comissão antes mencionada, em colaboração com a União de Grémios dos Espectáculos e grémios integrados, fomentará a realização de espectáculos para crianças com carácter de regularidade nas cidades e vilas do País onde a exploração dessa modalidade se mostre viável e ainda que deve promover este género de espectáculos e propor ao Governo is medidas que considerar oportunas para fomento deste género de espectáculos.
Presumo que nunca terá considerado viável a exploração da moda idade (e o erro começa em fazer depender estes espectáculos de exploração comercial) e, se propôs medidas ao Governo, provavelmente não terá sido atendido.
O facto é que nada se tem feito dentro desta orientação nem para as crianças nem para os jovens, porque o Governo parece ainda não se ter apercebido de que na hora actual (a esta hora já começou há alguns anos) o cinema, o teatro, o espectáculo musical, a rádio e a televisão, são (como a literatura de que já falámos) os mais eficientes meios de que podemos dispor para educar a juventude nos chamados tempos livres.
E preciso, pois, considerar o espectáculo que por qualquer daquelas vias é oferecido à juventude, não apenas como diversão ou meio de informação e cultura, mas também, e sempre, como uma fórmula poderosa de educar.
Não é nunca neutra a influência do espectáculo na juventude. Se não é educativo, é com certeza deseducativo.
A criação de espectáculos educativos para a juventude através dos departamentos que o Estado orienta, ou nos quais interfere, concretiza-se em alguns casos esporádicos, ou de maior assiduidade, consoante as origens, mas tem sido neutralizada por todos os outros a que juventude assiste e dos quais nada aproveita e só mal recebe.
Pode dizer-se que é apenas no sentido de evitar a má influência dos espectáculos na juventude que o Estado tem actuado.
Mas esta actuação merece também alguns reparos.
Há uma Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos, dependente da Presidência do Conselho, constituída por elementos indicados pela própria Presidência, pelo Ministério da Educação, pelo Ministério da Justiça e pela Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores. Anote-se desde já que o presidente desta Comissão de quinze membros, e que é naturalmente o primeiro responsável pelo trabalho da mesma, não interfere nem na nomeação, nem na exoneração, dos seus colaboradores.
Deveria naturalmente esta Comissão ter em exclusivo a responsabilidade de exibição e classificação dos espectáculos públicos, e para isso a possibilidade em cada caso de conhecer antecipadamente os elementos que constituem o espectáculo que se pretende realizar.
Mas tal não sucede.
A Radiotelevisão Portuguesa, por exemplo, com excepção para os filmes de grande metragem e alguns outros para os quais julga conveniente obter o parecer da Comissão, exibe os seus filmes sob parecer de censores próprios, e as reportagens de actualidade sob a responsabilidade única do autor do telejornal.
O Teatro Nacional de D. Maria II, agora a viver no Avenida, leva à cena em Lisboa, ou onde a sua companhia representa, as peças que o seu director autoriza e classifica.
As peças de teatro representadas por companhias estrangeiras e alguns espectáculos de music-hall ou de ballet, por dificuldades de circunstância, são frequente e forçadamente dispensados dos ensaios gerais para apreciação da Comissão.
Os espectáculos do Teatro Nacional de S. Carlos são da responsabilidade única do seu director, que, portanto, os autoriza e classifica.
Pelo que atrás disse acerca da inviável ou talvez até desaconselhável atitude de afastamento dos jovens de certos aspectos o mundo em que vivemos, o problema fundamental em causa nestas considerações não está nos limites da exigência ou da benevolência, mas na divergência de critérios que sob a orientação e em nome do mesmo Governo podem ser aplicados pelos seus diversos delegados.
A descoordenação patente merecia a devida e superior atenção.
Mas ainda neste assunto dois pontos mais devem ser focados. A inadaptabilidade dos escalões de classificação em vigor (6, 12 e 17 anos) às características dos espectáculos actuais e da juventude actual. E a falta de fiscalização (insuficiente em Lisboa e inexistente fora de

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Lisboa) nas casas de espectáculos quanto à frequência de menores cujas idades são inferiores à de classificação dos ditos espectáculos.
Em face do exposto se conclui que desta lamentável situação só resultam trabalhos, dificuldades e razões de queixa, quer para a Comissão, quer para os distribuidores, quer para os empresários, com sacrifício de alguns e prejuízo de outros, com desagradáveis consequências para a educação da juventude.
Ao dizer há pouco que o problema fundamental em causa era o da divergência de critérios não quero que se entenda que o problema do condicionalismo dos espectáculos não deva continuar a merecer a atenção do Governo, pois a qualidade da matéria-prima que pode ser importada para os nossos espectáculos tem piorado, do ponto de vista moral, de ano para ano. E se o Estado zela pela qualidade dos produtos que se vendem para a nossa alimentação física, não deve ser menos zeloso na exigência de qualidade dos que se vendem para a nossa alimentação espiritual.
As circunstâncias indicadas, que tornam difícil e muitas vezes inútil o trabalho de uma comissão que dentro do condicionalismo que lhe impõem cumpre honesta e eficientemente a sua missão, há que acrescentar o facto de se venderem livremente pequenos livros ou revistas que relatam com pormenor e com imagens os filmes cuja exibição é entre nós proibida, ou condicionada, e contudo é da inteira competência da Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores exigir a apresentação deste estilo de publicações para sua apreciação e parecer.
E por último, no que diz respeito aos factores que mais influenciam a juventude, uma palavra rápida acerca do mais moderno: o turismo.
A nossa secular e já histórica portanto hospitalidade, tão apreciada por todos nós quando nos deslocamos na nossa terra e por todos os que de outras terras nos visitam, começa a transformar-se perante o turista numa condenável subserviência, e dela resulta um clima de fácil aceitação para tudo o que o turista traz, quer ou impõe.
Uma velha e infeliz característica dos Portugueses: pensar e dizer que o que vem de fora é melhor do que aquilo que existe cá, embora, e com razão, esteja hoje menos acentuada, está ainda na base daquela inaceitável subserviência.
Confesso que me preocupa ouvir com certa frequência que para desenvolver o turismo em Portugal é preciso e necessário ter o espírito aberto à condescendência para com os costumes e hábitos que certos estrangeiros semi ou completamente selvagens exibem sem vergonha nas suas terras e desejam exibir também nas nossas.
E preocupa-me porque não vejo muitos lutarem contra esta ideia, que, para além do mais, considero, para o problema que estou tratando, um atentado contra a educação da nossa juventude e um atentado contra a Constituição Portuguesa, que, como já referi, impõe claramente que se evite a corrupção dos costumes.
Cada terra com seu uso, diz a sabedoria popular, e como mais uma vez esta tem razão, é bom que sejam os turistas a conhecer e adaptar-se aos usos da nossa terra, do que nós a copiar os deles, que são bem piores.
A fácil concessão gera a habituação e a habituação gera o mal irreparável.
Não está em causa o desejável e abençoado incremento do turismo em Portugal, mas a defesa contra os seus possíveis inconvenientes.
E como resposta aos assustados que pensam que os turistas fogem se não os deixarmos fazer tudo o que lhes dá na real gana, posso recordar que muitas vozes se levantaram em Espanha há anos contra o cancelamento do jogo, porque essa medida acabava irremediavelmente com o turismo. Está à vista a razão que lhes não assistia.
Conheço e tranquiliza-me a maneira de pensar do actual comissário de Turismo, mas o problema que apontei não depende apenas da sua orientação, mas fundamentalmente das autoridades locais, que devem estar de olhos bem abertos. E alguns sei que estão e não hesitam em fazer seguir pelos caminhos mais rápidos para a fronteira mais próxima todos1 aqueles que com a sua conduta e hábitos pecaminosos possam perverter a juventude local.
Para além das que resultam do que já foi dito, estarão certamente no pensamento de todos os educadores, no que respeita aos aspectos físico, cultural e social da formação da juventude, entre outras, as seguintes aspirações:

Generalizar a prática da educação física;
Fomentar o desporto e fazer dele uma escola de educação desde a aprendizagem à competição;
Preencher os tempos livres dos jovens não só com actividades físicas, mas também com actividades culturais devidamente orientadas e igualmente bem necessárias, nelas se incluindo a divulgação da educação musical, estética e outras de carácter artístico, bem como o conhecimento através de visitas de estudo do património artístico e cultural português;
Dar feição educativa às realizações de carácter social de tão vasta gama de aspectos, necessariamente a considerar nos jovens escolares e não escolares que habitam, ou que por largo tempo não habitam, com as suas famílias. E interessar os jovens nestas realizações;
Dar às residências de estudantes e às cantinas para jovens as condições básicas indispensáveis para que possam constituir sempre, para além da sua função social, locais de convívio para a juventude, saudáveis em todos os seus aspectos;
Estimular nos jovens o gosto pela vida ao ar livre, no campo e no mar;
Encaminhar a formação das raparigas no gosto do lar e no respeito pela nobre missão de mãe.

Algo de muito importante se tem feito já no sentido de dar satisfação a estas aspirações, devendo salientar-se a excelente contribuição dada pelas organizações nacionais Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, que melhor e mais ampla não foi por não haver clara visão das suas qualidades.
Não seria efectivamente aceitável falar sobre a educação dos nossos jovens sem referir as nossas duas organizações nacionais de juventude, o que por elas tem sido feito e o que delas deve esperar-se em favor dos rapazes e raparigas de Portugal.
Quanto à Mocidade Portuguesa Feminina não me proponho analisar os seus problemas e dificuldades, que outros farão com melhor conhecimento de causa, nem os resultados obtidos da sua acção, mas pelo pouco que sei e vi estou seguro de poder afirmar que tem levado a cabo, quer nos centros, quer nos lares e casas de acolhimento, obra notável na formação das raparigas, não obstante as permanentes e naturais dificuldades com a constituição e manutenção dos seus quadros de dirigentes, onde aliás tem registado as maiores dedicações em qualquer época e qualquer lugar.
Bem merece a Mocidade Portuguesa Feminina o mais amplo apoio para poder continuar a alargar a sua actividade e a cuidar quanto possível da preparação das raparigas, tendo sempre em vista que são futuras mães portuguesas.

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Quanto à Mocidade Portuguesa é difícil nesta ocasião, em face do condicionalismo que lhe vem sendo criado de há alguns anos para cá, e muito em especial o que resulta do Decreto-lei n.º 47 311, entrado em vigor há dias, formular uma opinião acerca do que na realidade se espera da sua acção.
Como sairia fora da orientação que estou procurando seguir se me propusesse fazer aqui a análise deste decreto-lei e da outra legislação anterior sobre a matéria, não o farei.
Mas entendo dever desde já, a propósito deste assunto, fazer dois simples comentários.
No trailler do decreto-lei atrás mencionado, que o titular da pasta da Educação Nacional fez publicar nos jornais do cia 10 de Novembro, afirmava-se que com aquele diploma se dava satisfação a uma aspiração de várias gerações, realizando uma reforma que há vários anos vinha sendo objecto de solicitações reiteradas.
Ora eu sinto necessidade de esclarecer que às aspirações da minha geração o presente diploma não pode dar satisfação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a minha geração, e só por isso a refiro, é precisamente aquela que fez a Mocidade Portuguesa.
E; voluntária e gratuitamente, fê-la com dedicação, entusiasmo, muitos sacrifícios e notório idealismo.
E tanto se enriqueceu, na própria organização que fez nascer e ajudou a criar, que ainda hoje, decorridos 30 anos sobre a sua plena juventude, essa geração é capaz de lutar com o mesmo ardor para que se não perca o valioso capital do trabalho nela realizado e da experiência nela adquirida num espírito de renúncia e doação raramente atingidos entre nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi esta mesma geração, aliás, a que mais proclamou e mais se bateu pela indispensável adaptação da Mocidade Portuguesa aos tempos modernos, que continua a ser e extremamente necessária.
Mas a alteração de orgânica, de processos, de esquemas de trabalho, de motivos de interesse e de vida activa para os filiados, que há vários anos reclama, não afecta os princípios básicos da organização, cuia reafirmação ainda hoje a não intimida, nem obviamente elimina as características fundamentais a que tem de obedecer uma organização da juventude.
Há um abismo, meus senhores, entre uma organização de juventude e uma organização para a juventude.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para nós a questão da Mocidade Portuguesa está há muito, e continua, como no Hamlet, em ser ou não ser.
Mas a ser impõe-se um ser afirmativo, vertical e muito claramente definido. Respeitado e colocado no lugar que lhe compete na vida nacional.
Um ser, sem vergonha do passado, adaptado ao presente e projectado para o futuro.
A um ser tolerado ou consentido preferimos para bem da juventude um não-ser.
E para muitos seria esta a decisão desejada, mas por motivos diversos.
Mas o Governo, que há longos anos hesita entre o ser e o não-ser, medindo, por um lado, a responsabilidade pesada que qualquer das decisões lhe acarretaria e esquecendo, paradoxalmente, por outro, a maior responsabilidade que assumiu, protelando ano após ano a solução que lhe cabia ditar, aderiu agora a uma solução intermédia.
Intermédia e transitória, na qual sob o manto diáfano do ser se encontra a nudez forte do caminho aberto para o não-ser.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Governo parece efectivamente ter entendido que devia passar a Mocidade Portuguesa à situação de reforma, e fê-lo com uma antecipação de dez anos em relação ao que é de uso para com os servidores do Estado e da Nação, provavelmente por reconhecer que os enormes sacrifícios que à organização foram exigidos durante os 30 anos da sua atribulada existência lhe davam jus a repousar mais cedo.
E vejo ainda que não foram esquecidas as justas homenagens que em circunstâncias semelhantes costumam ser prestadas: a condecoração e o louvor público: e naturalmente, no desejo de ir ainda mais longe nas suas homenagens, perpetuando na memória de todos tão prestimosa instituição, foi o seu nome dado à nova Direcção de Serviços agora criada no Ministério da Educação Nacional pelo Decreto-Lei n.º 47 311.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os que nunca conheceram ou entenderam o espírito da Mocidade Portuguesa; os que não acompanharam de perto a sua luta e a sua acção; os que nunca tiveram oportunidade de avaliar a espantosa força de voluntária dedicação em contraste com a fraqueza confrangedora da obrigatoriedade remunerada; os que nunca se aperceberam que a Mocidade Portuguesa era uma organização de rapazes para rapazes, não podem compreender a minha versão-síntese dos acontecimentos do corrente ano respeitantes àquela Organização Nacional e tomarão provavelmente por ironia despropositada o que é puro objectivismo.
Mas não pensem uns e outros que estou sequer apreensivo com os factos. A Mocidade Portuguesa tem vitalidade de sobra e nos seus quadros dirigentes e graduados de forte dedicação e rija têmpera.
Não será decerto aceite o repouso que generosamente lhe oferecem; e com o treino que ela já tem de lutar, a crise vencer-se-á, e, com a graça de Deus e a bem da Nação, a Mocidade Portuguesa retomará, no lugar que lhe compete, o desempenho cia sua alta missão.
Mas o problema da Mocidade Portuguesa é apenas mais um dos problemas, a considerar na educação da juventude, e, se foi referido aqui com mais relevo, isso deve-se apenas à circunstância de ser a única organização nacional de juventude para rapazes, existente no País, e que sérias experiências realizou, e notáveis resultados delas colheu, em muitos e variados aspectos da formação dos mesmos rapazes.
Ao incluir no esquema deste aviso prévio uma alínea intitulada Organizações da Juventude, o meu objectivo era realçar a importância da contribuição que estas organizações, e não só a Mocidade Portuguesa ou Mocidade Portuguesa Feminina, podem e devem dar à árdua missão dos educadores.
Nada substitui o poder de iniciativa dos jovens nem o interesse com que desejam pôr em prática as suas ideias.
Nada substitui o poder de penetração e de persuasão dos jovens nos seus próprios meios.

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Nada substitui a força do seu querer, a sua ambição de ser útil ,e a sua generosidade.
Os responsáveis e os educadores tem de saber aproveitar toda esta enorme riqueza e eliminando as imperfeições da imaturidade, fazê-la render em proveito da própria juventude. É com ela, com a sua colaboração activa, que a obra da sua própria educação, em âmbito nacional, tem de erguer-se.
Com esfera de acção local ou nacional, específicas ou generalizadas as associações de jovens e os movimentos de juventude, cujos objectivos não afectem obviamente os rumos já definidos para a, sua formação integral, devem portanto merecer dos responsáveis a atenção, o apoio e a orientação que lhes suo devidas.
Prescindir da colaboração da juventude no estudo e na resolução dos problemas que lhes dizem respeito é, sobretudo nos tempos actuais, erro grave que não pode cometer-se.
O segundo comentário é este:
A publicação de um decreto-lei de tão transcendente importância para a juventude, isto é, para o futuro da Nação, treze dias antes da reabertura dos trabalhos desta Assembleia não pode deixar de considerar-se, uma deselegante atitude para com este órgão da soberania nacional, pois, tendo sido a Assembleia Nacional que, sob feliz e oportuna proposta do Prof. Carneiro Pacheco, criou a Mocidade Portuguesa, bem se justificaria que fosse tempestivamente informada e ouvida sobre os diferentes rumos que o Governo deseja agora imprimir-lhe e as novas características que lhe impõe.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vejo ainda nesta decisão um triste- reflexo de auto-suficiência do "Ministério da Educação Nacional, procedendo à "laboriosa concepção e modelação desta obra legislativa" dispensando a colaboração desta Assembleia Nacional e a da Câmara Corporativa.
Como Deputado, e pelo muito respeito que me merece esta Assembleia, registo o facto com manifesta mágoa.
Como autor deste aviso prévio posso pelo menos congratular-me com a circunstância de este importante documento ter sido publicado ainda a tempo de o poder aqui referir e incluir na relação dos problemas da educação da juventude que carecem de análise e revisão.
Porque há alguns aspectos muito semelhantes num caso e noutro, não posso deixar de recordar, a propósito, o benefício que o Ministério da Educação Nacional pôde ainda receber, in extremis, quando publicou o célebre Decreto-Lei n.º 40 900, sobre as actividades circum-escolares da Universidade.
O notabilíssimo parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator o Prof. Guilherme Braga da Cruz, e no qual, note-se, tão corajosamente se fez justiça à actuação já então ignorada da Mocidade Portuguesa, permitiu a esta Assembleia conhecer ainda com mais profundidade o problema em causa e impedir com a sua intervenção alguns erros cujas consequências poderiam ter sido graves.
É pena que as fáceis conclusões a tirar deste acontecimento de triste memória pela perturbação que causou nas Universidades e na vida política do País tenham sido totalmente esquecidas ao fim de uns escassos dez anos.
Meus senhores: Nem o Presidente desta Assembleia, nem as minhas possibilidades intelectuais e físicas permitem, graças a Deus, a repetição do feito parlamentar de Camoesas, à qual me conduziria a vastíssima matéria que tem sido objecto desta minha intervenção.
Tive por isso de conformar-me em deixar apenas ligeiros apontamentos sobre algumas das questões referidas e de limitar-me nalguns casos a sugerir quase apenas pelos títulos os problemas que os mesmos encerram.
Contudo, espero ter-vos deixado uma ideia da vastidão da problemática da educação da juventude; a diversidade e quantidade de elementos que nela intervêm, e bem assim a necessidade da sua coordenação.
A Família, que precisa, como já se disse, do apoio da Igreja e do Estado para cumprir integralmente a sua missão de educadora, não pode, contudo, e qualquer que seja o condicionalismo que se lhe impõe, abdicar do exercício da sua função primordial, nem esperar comodistamente que as outras sociedades a ajudem, sem procurar dia a dia, e pelos seus próprios meios, dignificar-se, impor-se e fazer-se respeitar, reagindo sempre com coragem e decisão contra todos os factores que possam corrompê-la ou minimizá-la. E têm naturalmente a maior responsabilidade na sua conduta as famílias que pela sua formação e posição devem constituir de alguma forma o enquadramento, o apoio e o exemplo das outras.
A Igreja, recentemente renovada e actualizada pelo Concílio Vaticano II, terá de reflectir em Portugal aquela renovação e actualização que, relativamente aos problemas que neste momento estamos tratando, obviamente reforçam e ratificam a obrigação que tem desde a origem: ensinar e doutrinar.
Se necessita, e lhe é devido, em vários aspectos, o apoio e auxílio do Estado, que deve, portanto, exigir, também lhe incumbe por si própria estruturar-se e controlar-se de forma a obter de todos os seus membros (clero e leigos) a melhor harmonia de métodos, o maior rendimento do seu trabalho, fixando e mantendo a orientação exacta e única que deve presidir às suas atitudes e aos seus ensinamentos, na mais ampla expressão desta palavra.
São pesadas, pois, as responsabilidades da Família e da Igreja, e não pequenas as culpas que podem atribuir-se-lhes em certos desvios verificados na conduta dos jovens. Quase todas por abdicação, inadaptação, falta de autoridade e demasiado alargamento na concessão e no consentimento, e mau exemplo por indisciplina e desobediência perante os superiores e as leis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Estado: Dentro da actual estrutura governamental, e em face das considerações produzidas, verifica-se que a intervenção do Estado, quer em defesa da Família e da Igreja, sociedades educadoras por excelência, quer na contribuição que lhe cabe na educação e na instrução da juventude, se processa através da maioria dos seus departamentos oficiais, com forte predominância dos que dependem da Presidência do Conselho, dos Ministérios do Interior e da Justiça, dos Ministérios que enquadram as forças armadas, dos Ministérios das Obras Públicas, das Corporações e da Saúde e também do Ministério da Educação Nacional.
Este último Ministério, que devia ter, mas não tem, o exclusivo teórico e prático da orientação da instrução, dificilmente poderia, como bem se compreende, abarcar a orientação da educação de toda a juventude nacional. Mas o seu nome, e a circunstância de, em coerência com os fundamentos sólidos da sua denominação, terem sido nele criados determinados órgãos que admitem na sua

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competência a possibilidade de actuar para além da população escolar que enquadra, criaram em muitos que sobre este problema não meditam com alguma profundidade a falsa ideia de que a educação nacional é matéria exclusa do Ministério da Educação Nacional.
O próprio Ministério, usando com frequência da palavra "educação" ou de outras da mesma origem etimológica em circunstâncias: em que, em meu fraco entender, outras de sentido monos amplo seriam mais adequadas, contribui fortemente p: ira a eterna e perigosa confusão entre instruir e educar, de que já repetidamente falámos.
Compreendo bem as louváveis razões que levaram a substituir o nome de instrução pública por educação nacional.
Se aqui estivesse em 1936, certamente teria como toda a Assembleia apoiado e aprovado calorosamente a iniciativa.
Mas temos de ser realistas. Os problemas da instrução e os problemas da educação da juventude em 1966 são totalmente diferentes em volume e em diversificação dos de 1936.
Um Ministério da Educação Nacional que, em obediência ao seu nome, abrangesse na hora actual a orientação de todas as acúvidades atrás referidas e que no seu conjunto conduzem à formação integral de toda a juventude seria um superministério, inviável, creio bem, aos olhos de todos.
Além disso, são constantes do tempo presente a descentralização e a consequente coordenação. Legislar noutro sentido é enriquecer o Diário do Governo com textos de beleza e inspiração idêntica à melodiosa abertura de Mendelssohn.
Cuidar da investigação cientifica e do ensino de toda a população escolar, incutindo nesse ensino e através da escola oficial ou particular o indispensável vínculo educativo, são as tarefas básicas do actual Ministério da Educação Nacional e como estamos longe de vê-las realizadas, creio bem que deviam considerar-se até melhores dias não apenas como básicas, mas como únicas, e em vez de sobrecarregar com mais responsabilidades que não podem suportar, o Ministério e a escola, deviam antes ser-lhes retiradas as que têm para além daquelas duas tarefas e atribuir-lhes os necessários meios legais e materiais para poderem cumprir o que deve antes de mais exigir-se-lhes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Talvez lhe vá efectivamente melhor nestas circunstâncias o nome de Ministério da Ciência, recentemente preconizado.
E como disse, toda a população escolar, deve concluir-se que à que encarar frontalmente a situação de todas as escolas que do actual Ministério da Educação não dependem, de forma que efectivamente este Ministério possa no futuro responsabilizar-se pela sua orientação e função.
Para além da especificação própria do ensino de cada uma, e que exige naturalmente a colaboração e até mesmo a supervisão de departamentos oficiais especializados, todo o jovem ou adolescente português deve receber na escola que frequenta, qualquer que ela seja, exactamente a mesma formação moral, política, histórica e social, numa palavra, a mesma educação cristã e nacional.
E a orientarão superior do ensino e a impressão do cunho educativo desse ensino só pode caber a uma entidade, e essa ceve certamente ser a que hoje se chama Ministério da Educação Nacional.
A actual orgânica governamental e administrativa, tendo presentes as notas atrás recordadas, não tem, repito, permitido uma orientação única na instrução e muito menos torna possível uma orientação única na educação.
E numa época em que a todo o passo, e justificadamente, se exige uma política nacional para qualquer das actividades fundamentais da vida portuguesa, com igual justificação e maior premência se deve exigir uma política nacional na educação da juventude. E também com a mesma premência se deve exigir que essa política seja fiel e generalizadamente cumprida por todas as entidades e por todos os educadores que naquela educação intervenham.
Tenho para mim, como indispensável, que para podar dar-se resposta conveniente a estas exigências da hora actual haverá que criar na dependência directa da Presidência do Conselho um órgão próprio coordenador e orientador da educação da juventude, no qual terão representação efectiva a Igreja, a Família e a Escola (esta através do seu Ministério coordenador e orientador), e bem assim todos os outros departamentos oficiais que devam ter intervenção na formação e defesa da juventude portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E porque se afirma ter posição cimeira nas preocupações do Governo a educação da juventude, eu sugeri que este órgão se colocasse em posição cimeira na estrutura governamental, para que as suas realizações passem a ocupar lugar de nível idêntico ao das preocupações já existentes.
Na enumeração protocolar dos nossos governantes a saúde e a juventude ocupam precisamente os últimos lugares.
Como nem sempre podemos ou sabemos aplicar a doutrina do Evangelho, penso que têm sido fatídicas aquelas posições para os dois primeiros valores que à Nação cumpre defender para que possa salvaguardar todos os outros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma razão mais que me levou a sublinhar que o órgão orientador e coordenador da educação da juventude deve estar junto da Presidência do Conselho. E inteiramente justo e torna-se indispensável para o cumprimento da sua missão.
Creio que é por aqui que deve começar-se para que se não perca muito do esforço feito e muito do trabalho já realizado, que a dispersão torna fracamente positivos em relação aos seus valores próprios.
Srs. Deputados: Chego ao fim das minhas considerações com a noção plena de que não cheguei a passar do prefácio, mas o meu fundamental objectivo não poderia ir além de uma simples apresentação por ideias, por tópicos ou por enunciados da vastíssima problemática da educação da juventude, procurando que dessa apresentação resultassem tão claras quanto possível as consequências da actual desorientação e descoordenação das entidades, das pessoas e dos actos que naquela educação desempenham papel primordial e fazer concluir como consequência primeira das considerações produzidas a necessidade urgente da definição de uma política da educação da juventude e da execução integral dessa política.
Certamente terei dado mais relevo ao que se não fez ou que se faz mal do que ao muito de positivo que o saber e a vontade firme de alguns têm podido realizar.

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17 DE DEZEMBRO DE 1966 947

Como estamos numa sessão de trabalho, com tempo condicionado, dei efectivamente mais importância neste momento, para a necessária consciencialização de todos nós, aos aspectos negativos. Há que conhecer e enfrentar os erros, para que possam ser emendados.
Contudo, desejo sublinhar que, sendo eu cristão, pai e cidadão português no pleno uso de todos os meus direitos e procurando estar consciente dos deveres (embora os cumpra mal) que qualquer destas condições me impõe, quando falo da Igreja, da Família ou do Estado, não me sinto de forma alguma excluído de qualquer destas sociedades, nem esqueço, portanto, a minha quota-parte de responsabilidade nas deficiências que foram apontadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensemos nos jovens de Portugal e nas responsabilidades que sobre eles vão recair amanhã.
Todos os dias a Pátria pede à nossa juventude que morra por ela e a juventude responde virilmente a este apelo.
Se à juventude se pede o máximo, não pode haver tranquilidade nas consciências enquanto o máximo não lhe for dado.
Tenho dito!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes de Oliveira: -Peço a palavra para requerer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª
Convoco a Comissão de Educação Nacional para estudo do aviso prévio que acaba de ser efectivado. A data da reunião da Comissão será marcada pelo seu presidente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Proponho um voto de confiança à nossa Comissão de Legislação e Redacção para redigir o decreto da Assembleia que foi votado ontem.

Submetido à votação, foi aprovado o voto de confiança.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima sessão realizar-se-á no dia 10 de Janeiro e terá como ordena do dia o debate sobre o aviso prévio que acaba de ser efectivado.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Mendes da Costa Amaral.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Casta Evangelista.
Manuel Nunes Fernandes.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Paulo Cancella de Abreu.
Sebastião Alves.
Simeão Pinto de Mesquita de Carvalho Magalhães.
Tito de Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Álvaro Santa Bita Yaz.
António Júlio de Castro Fernandes.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando de Matos.
José Henriques Mouta.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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