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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 53
ANO DE 1967 11 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 53, EM 10 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António Moreira Longo
SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - foram aprovados os Diários das Sessões n.ºs 44, 45, 46 e 47.
Quanto ao n º 45, o Sr Deputado Antão Santos da Cunha fez algumas rectificações, que foram aprovadas.
Deu-se conta do expediente.
O Sr Presidente comunicou estarem na Mesa, para o cumprimento do disposto no § 3º do artigo 109º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 289, 293, 294, 295, 296, 298, 299, 330, 301, 302, 303, l, 2, 3 e 5, inserindo diversos decretos-leis.
O Sr. Presidente referiu-se ao falecimento, no período das férias parlamentares, dos antigos Deputados Srs. António Maria Pinheiro Torres, Laurénio Cota Morais dos Reis e Gaspar Inácio Ferreira, mandando exarar nu 4 acta votos de pesar.
O Sr Presidente anunciou já ter sido entregue à Assembleia a proposta de lei da caça, que entrara em discussão a seguir ao aviso prévio que constitui a ordem do dia da sessão de hoje
Essa proposta de lei (...) as Comissões de Legislação e Redacção e de Economia, para estudo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Manuel Nazaré, para anunciar um aviso prévio sobre o ruralato africano em Moçambique. Nunes Barata, que também anunciou um aviso prévio nobre o Êxodo rural do continente a emigração da metrópole e o povoamento do ultramar, Hirondino Fernandes, sobre assuntos de interesse para a- região de Bragança, Francisco do Casal Ribeiro, acerca de problemas de trafego rodoviário, Jerónimo Jorge, para se referir à execução do programa naval em curso, e Peres Claro, sobre n tráfego de passageiros entre as duas margens do Tejo.
Ordem do dia. - Iniciou-se o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre educação da juventude.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Nunes de Oliveira e Pinto de Meneses
O Sr Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos .
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados.
Alberto Pacheco Jorge
Albino Soares Finto dos Reis Júnior
André Francisco Navarro
Antão Santos da Cunha
António Calapez Gomes Garcia
António Dias Ferrão Castelo Branco
António Furtado dos Santos
António José Braz Regueiro.
António Júlio de Castro Fernandes
António Manuel Gonçalves Rapazote
António Moreira Longo.
Armando José Perdigão
Artur Águedo de Oliveira
Artur Proença Duarte
Augusto Salazar Leite
Aulácio Rodrigues de Almeida
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando Cid de Oliveira Proença
Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões
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Gabriel Maurício Teixeira
Henrique Veiga de Macedo
Hirondino da Paixão Fernandes
Horácio Brás da Silva
James Pinto Bull
Jerónimo Henriques Jorge
João Duarte de Oliveira
João Ubach Chaves
Joaquim José Nunes de Oliveira
Jorge Barros Duarte
José Alberto de Carvalho
José Coelho Jordão
José Dias de Araújo Correia
José Fernando Nunes Barata
José Henriques Mouta
José Janeiro Neves
José Manuel da Costa
José Maria de Castro Salazar
José dos Santos Bessa
José Soares da Fonseca
José Vicente de Abreu
Júlio Dias das Neves
Luís Arriaga de Sá Linhares
Manuel Colares Pereira
Manuel Henriques Nazaré
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral
Manuel Marques Teixeira
D Maria Ester Guerne Garcia de Lemos
D Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário de Figueiredo
Martinho Cândido Vaz Pires
Miguel Augusto Pinto de Meneses
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos
Raul da Silva e Cunha Araújo
Rogério Noel Peres Claro
Sebastião Garcia Ramirez
Sérgio Lecercle Sirvoicar
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Teófilo Lopes Frazão
Tito Lívio Maria Feijóo
Virgílio David Pereira e Cruz
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa e em reclamação os Diários das sessões n.ºs 44 45 46 e 47.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Em relação ao Diário das sessões n.º 45, que insere um aparte que teve a honra de fazer a intervenção do Sr. Deputado Sousa Magalhães verifico que o referido aparte saiu com algumas incorrecções que são as seguinte:
Na linha 23 do aparte, onde se lê «perante as medidas» deve ler-se «perante a falta de medidas»
Na linha 33, onde se lê «negada», deve ler-se «exigida depois e sob evidente coacção »
Na linha 2 da 2.ª coluna, a seguir à palavra «prejuízos», deve acrescentar-se «nos sectores que orientam e (...)»
O período seguinte deveria Ter a seguinte redacção «pelo que ao sal respeita - casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão - a indústria quer o sal necessário e a bom preço, a produção quer a justa compensação para os seus investimentos, a contrapartida para o aumento de salários e do custo de materiais, etc., o comércio - que tem uma função importante a desempenhar - que, naturalmente (...) sua legítima margem de lucro».
Na linha 12 da mesma coluna e a seguir à palavra «primários» a redacção deve ser a seguinte «da organização corporativa servidos por quem não tem outro interesse que não seja o do bem comum e criando situações deploráveis como a que V. Exa. Referiu e que eu há pouco sublinhei».
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deduziu qualquer reclamação aos Diários referidos, considero-os aprovados com as correcções ao Diário n.º 45 comentadas pelo Sr. Deputado Antão Santos da Cunha.
Pausa
O Sr. Presidente: - Estão aprovados.
Deu-se conta do seguinte.
Expediente
Telegramas
Do aplauso à intervenção do Sr. Deputado Pontífice se Sousa,
Do clube Fluvial Portuense felicitando o Sr. Deputado Elísio Pimenta pela sua intervenção.
De felicitações ao Sr. Deputado Lopes Fragoso pela sua intervenção a favor dos regentes dos postos escolares.
De aplauso à efectivação do aviso prévio pelo Sr. Deputado Braamcamp Sobral.
De apoio às palavras do Sr. Deputado Pinto de Meneses sobre a situação tributária dos exibidores de filmes.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no n.º (...) do artigo 109 º da Constituição estão na Mesa os Diários do Governo n.ºs 289, 293, 294, 295, 296, 298, 299, 300, 301, 302, 303, 1, 2, 3, e 5 respectivamente de 15, 20, 21, 22, 23, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 1966 e 2, 3, 4, e 6 do corrente mês que inserem os Decretos-leis seguintes:
N.º 47 381 que (...) o Ministério da Marinha a celebrar contratos com entidades nacionais e estrangeiras para a construção das quatro primeiras corvetas de uma série de seis, incluindo o respectivo equipamento e apetrechamento(...), bem assim para a aquisição das máquinas principais para as restantes corvetas.
N.º 47 385, que dá nova redacção de aplicação retro activa ao artigo 21º do Decreto-lei n.º 40 674, que regula a actividade da Caixa de Previdência do Ministério da Educação Nacional no que se refere à aplicação dos seus capitais na resolução do problema da habitação dos associados.
N.º 47 392 que aumenta a pasta de 1 de Janeiro de 1967 da importância de
15 000 000$ de subsídio ordinário anualmente concedido à junta Autónoma de Estradas nos termos do n.º 1) da base I da Lei n.º 2068, destinada ao pagamento ao seu pessoal de encargos com o subsídio eventual de custo de vida, a que se refere o Decreto Lei n.º 47 137.
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N.º 47 393 que da nova redacção do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 46449 que (...) o Fundo de Fomento do Desporto.
N.º 47 394 que abre um (...) no Ministério das Finanças (...) a respectiva importância (...) adicionada à verba inscrita no artigo 307º capítulo 12º do actual orçamento dos Encargos Gerais da Nação.
N.º 47 398 que atribui para todos os efeitos a classificação anterior aos concelhos a que se refere o artigo 2 do Decreto-Lei n.º 46 139 e regula a promoção à classe imediata dos funcionários que ocupam cargos de chefe de secretaria e tesoureiro dos mencionados corpos administrativos - Sujeita ao regime do § 2º do artigo 7º do citado diploma os chefes de secretaria das câmaras municipais dos concelhos urbanos que continuaram a pertencer à 1ª ordem em virtude do disposto no referido artigo 2º.
N.º 47 404, que introduz alterações no Decreto-Lei n.º 46 255 que estabelece novas disposições legais para a produção e comércio de óleos comestíveis - Revoga o artigo 39º do referido decreto-lei e o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 46 783.
N.º 47 413 que define a obrigatoriedade e a forma de colaboração das autoridades policiais com a Inspecção-Geral de Crédito e Seguros para a prevenção e repressão de infracções que se repercutem sobremaneira sobre a vida económica da Nação.
N.º 47 414 que permite ao ministro do Exército, enquanto decorrerem nas províncias ultramarinas operações militares ou de polícia destinadas a reprimir as ameaças e perturbações dirigidas contra a ordem e tranquilidade públicas, autorizar que em qualquer arma ou serviço a promoção de oficiais do Exército ao posto imediato se faça com dispensa da frequência dos cursos de promoção normalmente estabelecidos.
N.º 47 417, que substitui a lista dos direitos fiscais anexa ao Decreto-Lei n.º 46 142 e considera aplicáveis, a partir de 1 de Janeiro de 1967 as taxas constantes da lista anexa ao presente diploma.
N.º 47 419, que prorroga até 31 de Dezembro de 1967 o disposto no Decreto-Lei n.º 40 049 que permite manter aos subsidiados pelo Comissariado do Desemprego presentemente ao serviço a actual situação.
N.º 47 424 que (...) o Instituto de Física e Matemática estabelecimento de investigação científica que fica na dependência do Instituto de Alta Cultura.
N.º 47 429 que dá nova redacção ao n.º 3 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 46 377 (preenchimento de lugares dos quadros do pessoal docente do Instituto Técnico Militar dos Pupilos do Exército).
N.º 47 431 que autoriza a Administração-Geral do Porto de Lisboa a outorgar pelo prazo de vinte anos à Sodipel - Sociedade distribuidora de Papel S A R L a concessão de uma parcela de terreno situada na direita do rio Tejo na zona do Poço do Bispo, na área da sua jurisdição a fim de nela ser instalado um armazém destinado à movimentação de mercadorias do seu comércio importadas ou destinadas à exportação.
N.º 47 432 que autoriza a Administração dos Portos do Douro e Leixões para a execução do programa de realizações do porto de Leixões integrado no Plano Intercalar de Fomento a contrair no ano de 1966 o empréstimo de 25 000 contos mediante contrato com a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
N.º 47433 que da nova redacção ao artigo 1º do Decreto-Lei n.º 40 262 que estabelece os termos em que se constituiu a Caixa de Previdência dos Ferroviários.
N.º 47 434 que da novas redacções a várias disposições do Decreto-Lei n.º 46 925 que promulga a reorganização do sistema estatístico nacional - atribuiu ao subdirector do Instituto Nacional de Estatística o vencimento correspondente à letra C do quadro do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 42 046.
N.º 47 443 que considera aplicável aos trabalhos a executar pela Câmara Municipal do Porto para além do ano corrente e até 1 de Janeiro de 1972 em ampliação do Plano de Melhoramentos para a cidade do Porto (...) no artigo 2.º do Decreto- Lei n.º 40 616, o regime estabelecido nos artigos 6º e seguintes do mesmo diploma.
N.º 47 448 que eleva em mais 250 000$ a importância que, pelo artigo 16º da Lei n.º 21(...)8, o Governo tem autorizado a despender com as necessidades de defesa militar, em harmonia com os compromissos tornados internacionalmente - Abre um crédito no Ministério das Finanças para a respectiva importância ser adicionada à verba inscrita no artigo 306º, capítulo 12º, do orçamento dos Encargos Gerais da Nação.
N.º 47 451 que autoriza a 1ª repartição da Direcção-Geral da Contabilidade Pública a ordenar pagamentos até ao montante de 400 000$, em conta da verba descrita no n.º 3 do artigo 40º capítulo 2º do actual orçamento dos Encargos Gerais da Nação, das despesas realizadas pela Comissão Coordenadora da Investigação para a O T A N com a visita a Portugal do Comité Científico da Aliança.
N.º 47 452 que abre um crédito no Ministério Finanças, devendo a respectiva importância ser adicionada à verba inscrita no artigo 307º capítulo 12º do actual orçamento dos Encargos Gerais da Nação.
N.º 47 466 que estabelece o sistema para a cobrança pelos organismos de coordenação económica das taxas que lhes são devidas pela entrada no continente e ilhas adjacentes dos produtos sujeitos à sua disciplina económica.
N.º 47 467 que extingue a delegação da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, na ilha de S. Jorge, Açores criada pelo artigo 3º do Decreto-Lei n.º 45 685 transitando todas as suas atribuições para a Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo.
N.º 47 470 que regula a cobrança da taxa que incide sobre os vinhos e derivados, destinada às despesas de intervenção a cargo da Junta Nacional do Vinho, bem como o sistema para a sua cobrança - Revoga o Decreto-Lei n.º 46 861.
N.º 47477, que torna aplicável o disposto no artigo 14º e seus § 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 26 757 ao provimento dos cargos de presidente e vice-presidente das instituições de previdência da 1ª e 2ª categorias referidas na base III da Lei n.º 2115, da Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família e do Instituto de Obras Sociais previstos na mesma lei bem como ao provimento dos cargos de presidente e de vice-presidente das caixas sindicais de previdência constituídas ao abrigo da Lei n.º 1884, até à integração destas instituições no sistema da citada Lei n.º 2115.
N.º 47 480 que institui o ciclo preparatório do ensino secundário, que substitui tanto o 1º ciclo preparatório do ensino profissional- Cria no Ministério a Direcção de Serviços do Ciclo Preparatório.
N.º 47 481 que da nova redacção a vários artigos do Decreto-Lei n.º 42 152 que promulga a organização da Academia Militar.
N.º 47 484, que determina que passem a ser elaboradas por processo mecanográfico as relações de vencimentos do
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pessoal militar e civil do Ministério do Exército a que se entenda por vantajoso aplicar aquele sistema.
N.º 47 487, que autoriza a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones a custear as despesas a efectuar com as reuniões da Comissão Consultiva Internacional Telegráfica e Telefónica da União Internacional da Telecomunicações, a realizar em Portugal em 1967 e 1968.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Morreram durante as férias os antigos Deputados Dr. António Maria Pinheiro Torres que foi Deputado na II e IV Legislaturas, General Laurénio Cota Morais dos Reis que foi Deputado na VII Legislatura, o Coronel Gaspar Inácio Ferreira que foi Deputado na IV V e VI Legislaturas.
Interpreto o sentido da Assembleia mandando exarar na acta um voto de profundo pesar pela morte destes antigos Srs. Deputados.
Como VV. Exas. Sabem, já foi entregue à Assembleia a proposta de Lei da caça a qual deve entrar em discussão a seguir ao aviso prévio cujo debate vai continuar hoje.
Vou envia-la às Comissões de Legislação e Redacção e economia para os Srs. Presidentes quando o entenderem conveniente, as convocarem e fazerem funcionar para efeitos do respectivo estudo.
Tem a palavra para anunciar um aviso prévio o Sr. Deputado Manuel Nazaré.
O Sr. Manuel Nazaré: - Sr. Presidente: tenho a honra de apresentar a seguinte nota de aviso prévio.
Praticamos em África uma política de assimilação.
Acontece, no entanto, que ao arrepio desta política se tem deixado manter a tradição africana da fruição colectiva das terras e o consequente nomadismo das populações.
Considero uma e outro menos características tipicamente africanas que consequência de condições de ambiência e da falta de estruturas.
O Africano é quanto a mim, tão permeável ao sentimento da posse da terra e da sua fruição como qualquer outro homem. Somente lhe não têm sido facultadas as condições necessárias para explorar e valorizar a terra como coisa verdadeiramente sua, da qual ninguém o poderá privar.
Há assim que fazer proliferar no ultramar o agricultor proprietário-nativo.
Para tanto, é indispensável rever o regulamento da concessão de terrenos e tomar providências tendentes no estabelecimento de uma organização económico-social
Susceptível de levar o mais rapidamente possível às populações a melhoria das condições de vida com natural repercussão na prosperidade material do ultramar.
Do problema acabado de aludir a que chamarei propriedade rural africana ou ruralato africano em Moçambique, penso ocupar-me em aviso prévio, por entender que a sua alta importância e a sua especial urgência plenamente o justificam.
O Sr. Nunes barata: - Sr. Presidente: pretende tratar em aviso prévio a problemática do êxodo rural no continente da emigração da metrópole e do povoamento do ultramar.
Na verdade, não só a ordenação económico-social dos territórios metropolitanos como ainda o desenvolvimento das vastíssimas parcelas do ultramar impõem em todo o espaço português um crescimento demográfico acentuado, uma reordenação das populações, a sua valorização económico-social, em suma a definição e execução de uma larga política de população.
Mais concretamente pretendo demonstrar.
1 Que o combate ao êxodo rural no continente é uma exigência do desenvolvimento harmónico desta parcela da Nação e um imperativo para o revigoramento das fontes naturais da população.
2 Que a intensa emigração verificada dos territórios metropolitanos para países da Europa e da América nos últimos anos afecta profundamente as estruturas económicas, sociais e até mentais da nação.
3. Que o povoamento dos territórios portugueses de África assume, na hora que passa, uma importância excepcional não só para a defesa e valorização das populações naturais ou radicadas nesses territórios como ainda para um conveniente aproveitamento dos respectivos recursos.
Para a obtenção destes desígnios afigura-se-me que o Governo deve ter presente:
1 Quanto ao êxodo rural - A consagração, na mais larga escala de políticas de valorização da agricultura do fomento do bem-estar rural e de localização industrial e a definição e execução de esquemas de desenvolvimento regional.
2 Quanto á emigração - A valorização do mercado interno do trabalho, a protecção do emigrante e a orientação dos excedentes demográficos sempre que possível para as províncias ultramarinas.
3 Quanto ao povoamento do ultramar - O desenvolvimento económico-social dos territórios de recepção, pois o incremento nos afluxos populacionais para o ultramar será condicionado pelas oportunidades de emprego que Angola ou Moçambique ofereçam. Ainda aqui o problema não será apenas o de possuir capitais, mas, principalmente o de dar uma orientação conveniente aos instrumentos.
A multiplicidade de organismos dependentes de vários Ministérios que no espaço português se ocupam da população e do emprego, justifica uma coordenação a nível
Superior e recomenda uma articulação nos serviços de forma a evitar conflitos positivos ou negativos de competência ou atribuições.
No caso do povoamento do ultramar, para lá das tarefas que devem competir ao sector do planeamento e integração económica, afiguram-se-me oportunas alterações nas estruturas dos organismos executivos do povoamento.
Na verdade para lá da referida coordenação a nível nacional dos serviços que se ocupam dos movimentos da população e do emprego imposta.
a) Criar no Ministério do Ultramar um organismo central do tipo de uma Junta de povoamento do ultramar.
b) Rever nas províncias ultramarinas a estrutura e funcionamento das juntas provinciais de povoamento, tendo em conta as lições da experiência já colhida e a oportunidade de uma coordenação dos serviços provinciais que se ligam às tarefas de desenvolvimento economico-social das populações.
O Sr. Hirondino Fernandes: - Sr. Presidente: Bragança fica lá em cima no extremo nordeste de Trás-os-Montes. Quinhentos e tantos quilómetros que ainda an-
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teontem andámos para chegar ate Lisboa são nove a dez horas a rodar por uma estrada que parece não mais ter fim é quase um dia inteiro de comboio, se o mesmo andar a horas, porque, de contrário, vai paia dois!
Deixámos Bragança anteontem e, pelo caminho, e depois já aqui nos fomos compreendendo as razões que, em tempos assistiram a todos quantos um dia gritaram, do alto das suas intermináveis serranias. "Para cá do Marão governam os que cá estão".
Não atitude de rebeldia como já alguém frisou, incompreensível, aliás em gente boa como aquela, antes continuação triste de abandono a que pensaram e durante muito tempo com razão terem-nos votado a natureza e os homens.
Um dia, porém tal abandono cessou, a suas terras chega a estrada depois chega o comboio e mais tarde haverá de chegai a rádio a televisão, etc. Bragança ficava agora menos só, podia descer no Terreno do Paço e ouvia e via ainda que com deficiências, o que por aqui por esta Lisboa e pelo resto do País e pelo Mundo fora também se ia passando. Deixaria de ter razão o prolóquio "Para cá do Marão " porque a Bragança chegara finalmente embora, a civilização, a luz -luz e civilização que haveriam de se intensificar e que nos últimos 40 anos iluminaram montes e vales cidades e aldeias. Dai o se ouvir hoje uma só voz - a única capaz de sair de um povo agradecido - a de admiração e respeito por quem tanto nos deu.
Mas, Sr. Presidente, o caminho andado despertou sempre o desejo de mais além e Bragança, vendo-se menos só continua no entanto, a sentir-se pouco acompanhada. Com efeito é necessário um dia para chegar até Lisboa, e o que é mais aflitivo ainda é que é igualmente necessário por vezes perder quase um dia, dentro do mesmo distrito, para ir de uma aldeia a outra aldeia, agora que se dá uma volta à Terra nuns muito escassos minutos! Bragança está menos só, muito menos só sem dúvida, mas continua ar (...) da só!
De quando em quando os jornais têm destas graças nos primeiros dias de Março do ano findo eles espalharam a notícia de que o distrito de Bragança ia ficar ligado à capital por carreira aérea, com escala por Viseu e Coimbra. Rejubilaram de alegria, como é bom de ver todos os habitantes do distrito - Viseu, Coimbra e Lisboa ficavam à mão ali a dois passos. Era a companhia que se deseja, era a possibilidade do abraço que avidamente se aguarda.
E os olhos fugiam para aquele aerodromo que em Bragança começa a construir-se - prova real da veracidade de quanto se afirmava. E já havia quem visse e ouvisse cruzando o espaço os aviões da sonhada carreira!
Breve porém tal sonho se desfez, os trabalhos rápido pararam e Lisboa cá continuou até quando tão longe no tempo?
Lisboa continuava longe e as aldeias do distrito pouco mais perto estavam umas das outras, algumas não têm estrada e muitas estradas tornam-se agora, durante o
Longo e sempre impiedoso Inverno, verdadeiros lamaçais onde os automóveis não andam.
Por outro lado, faltam as carreiras de camionagem. Há empresas a pretenderem estabelecer, ao que cremos, uma que outra carreira não haja, faltam estradas que lhes permitam o mantê-las, e depois faltam autorizações para a exploração. De contrário, se não continuamos sós, pelo menos não estamos muito acompanhados.
Outro dia chegava-nos à escola que temos a honra de dirigir, uma pobre mulher que ia saber do aproveitamento da sua filha. Cedo ainda, dissemo-lhes que voltasse noutra altura que indicámos. Foi embora, e nós com ela, pensando
nos 16 km que precisavam de andar a pé para apanhar a carreira que a havia de levar novamente a Bragança!
Por outro lado, e com não menos acuidade, Bragança precisa de camionetas de carga que completem assim, este tipo de comunicações, que estão deveras longe de satisfazer as necessidades locais. Refiro-me agora e concretamente a Vimioso, onde não há incompreensivelmente, um único veículo pesado de aluguer.
A notícia de mais 968 licenças, sendo 566 para veículos ligeiros e 412 para veículos pesados fornecida pelo S N I aos órgãos de informação veio trazer, em 29 de Novembro de 1966, um raio de esperança, porquanto como sede do concelho, Vimioso passou a contar, pelo menos, com uma licença de pesados. Infelizmente, porém parece tal não Ter sucedido, pelo menos até à data, e aquela vila continua sem ver satisfeito o seu pedido de há treze anos - que tem levado sempre que de tal necessite, a recorrer a Bragança ou Miranda distantes boas dezenas de quilómetros. Por que preço não vai ficar um frete nestas condições muitas vezes para uma distância de dois ou três quilómetros, se o proprietário do veículo tem que andar quase uma centena? Quando é que Vimioso verá satisfeitos pedidos que há treze anos vem formulando?
Do caminho de ferro, Sr. Presidente, eu não queria falar. V. Exa. Conhece as necessidades e dificuldades da linha do Tua, e da do Douro também desde os fraguedos a ameaçarem ruir até ao balastro nem sempre tão sólido quanto seria para desejar. Não vale pois a pena apontá-las. Permita-me apenas que, dentro deste capítulo, eu lembre a necessidade daquele desvio da linha em Bragança - desvio que o destino fadou para nunca mais se concluir! Quando poderá a cidade começar a seguir livremente os rumos que os urbanistas lhe traçaram e que a não mudança impede? Para que servirá um decreto-lei de 3 de Junho de 1958 que concede dois anos para a conclusão da obra?! E, depois permita-me que lembre também as vantagens que o distrito sente naquela ligação a Vila Franca das Naves, ligação a que um ilustre colega, na sessão finda, já aludiu.
Então quando pudermos voar até Lisboa, quando pudermos chegar a Vila Franca das Naves e quando, dentro do mesmo distrito, dispusermos das facilidades apontadas - mais algumas estradas, melhoria noutras, em muitas, e mais uma que outra carreira -, então sim, então Bragança sentir-se-á menos só.
Menos só, mas ainda não inteiramente acompanhada, visto que nem sempre o homem precisa de sair de sua casa para estar junto dos demais, basta ouvi-los, contenta-se com vê-los, como sempre e por toda a parte - imagina-o quem não pode experimentá-lo. O pior será, para aqueles que não podem fazer nem uma coisa nem outra.
Não sabemos se o Sul do distrito ouve em condições satisfatórias a Emissora Nacional. Em Bragança tal não acontece, são interferências e ruídos que mais não têm fim, durante o dia inteiro, por melhor que o aparelho seja.
Estudou-se, em tempos, assim cremos, a possibilidade da instalação de um emissor regional ali. Depois não sabemos que mais se passou. O projecto arquivou-se certamente, e as gentes de Bragança lá têm continuado à espera do seu emissor regional - que-lhes diga claramente o que vai pelo País -, coisa que parece acontecerá até meados de 67, segundo nos informam. Não
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sirá porém, caso para duvidar mais uma vez? Pelo sim, pelo não, a gente lá vai pagando as suas taxas - à espera de ouvir mais que os citados e incómodos ruídos.
Continuamos, assim, sós, porque, neste capítulo, a Radiotelevisão Portuguesa não foi ajudar muito. Ficou de pé a boa vontade, talvez mesmo o essencial: o retransmissor de Bornes. Falta agora que se aumente a sua potência ou se assista convenientemente, não sabemos, de modo n, podermos ver em melhores Condições os programas que interessam. É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é precisamente quando os programas interessam que as avarias surgem.
Não tomámos nota dos vários dias em que, desde a sessão finda, estivemos sem televisão. Referimos apenas dois programas - o do dia 13 de Maio e o da inauguração da ponte sobre o Tejo (6 de Agosto). A poucos fora dado o prazer de chegar até Fátima ou de vir até Lisboa. Os demais preparavam-se, porém, para assistir por meio da TV às comemorações de um e outro acontecimento. Pois parece de propósito, embora acreditemos em que tal não sucede: é sempre nestes dias de especial relevância que a televisão avaria, para depois continuar assim por horas e horas, quando não por dias e dias.
O telefone, esse, subiu, realmente, à- serra, e tem trepado a todos ou quase todos os lugarejos. Bragança deseja, porém, e vivamente, os automáticos que lhe descongestionem a superlotação das linhas em que se encontra e lhe tragam a rapidez nas ligações, que, tal como está, nem sempre tem. Então, com o emissor regional da Emissora Nacional, com a RTP a funcionar quando os programas interessam e com telefones automáticos, Bragança ficará menos só.
Menos só, mas ... ainda não inteiramente acompanhada. Em todo o distrito há apenas uma biblioteca pública, e numa das terras com menos população - Vila Flor.. A capital, essa, continua sem ter que dar a ler a milhares de almas. Tem os estudantes as suas bibliotecas privadas do Liceu e da Escola Técnica; nada possuem os outros que não sejam os que a Fundação Calouste Gulbenkian, numa campanha altamente louvável, lhos vai oferecendo dia a dia.
Em Dezembro do ano findo falava o Diário da Manhã na instalação, mais ou menos breve, do Arquivo Distrital numa das salas do Castelo, e no consequente aparecimento de uma sala de leitura no lugar onde presentemente aquele da encontra instalado: a biblioteca, erudita, do Museu do Abade de Baçal. Feliz mudança, se ela se verificasse: ganhava a cidade uma sala magnífica de leitura, ampla o central; de históricas e poéticas, tornavam-se também práticas e úteis, as salas do velho castelo.
Depois, só nos faltavam livros, muitos livros. Bragança não tem uma biblioteca pública onde se possa ir buscar o livro que se pretende, e não vemos possibilidades do, dentro em breve, a conseguir. Têm de perder o gosto pela leitura aqueles que algum dia o adquiriram; não o poderão jamais tomar os que se iniciam nas letras. Penaliza-nos, deveras, o facto: quereríamos continuar a ver muito futebol e muito atletismo e muitos outros desportos, mas quereríamos ver também um mais arreigado amor pela leitura séria e. construtiva. Toda a capital do distrito deveria ter a sua biblioteca, para onde, obrigatoriamente, fosse enviado um exemplar de todas as publicações do País. Assim, tal como as coisas estão, é que poucos podem criar o gosto pela leitura, e tem de- o perder muitos dos que algum dia o adquiriram, porquanto câmaras de magros recursos como a de Bragança do modo algum podem, sozinhas, instalar u manter uma biblioteca que seja digna do nome - e só destas reza a história.
Bragança precisava, efectivamente, da sua biblioteca, que rasgasse novos horizontes às suas gentes. Viver c elevarmo-nos acima das muralhas em que as nossas montanhas nos colocaram; viver é abraçar o homem das Beiras e o Timor; viver é conhecer o homem das antas e o do mais alto -arranha céus nova-iorquino; viver é conhecer o homem em toda a sua dimensão - e esse conhecimento sem o livro não é possível.
Sr. Presidente: Bragança precisa de muita coisa, realmente: precisa do aeródromo; precisa de estradas e novas carreiras de camionagem; precisa do seu emissor regional; precisa da sua biblioteca pública, e tudo fica aguardando, calma e serena, na. certeza de que tudo terá.
Por toda a parte sã começaram, de há muito, a cruzar estradas; por toda a parte se levantaram já óptimos edifícios públicos; em toda a parte retiniu o telefone e a muito lado chegou a água potável o a luz. No meio de cada aldeia ergue-se, risonho e branco, o edifício da escola. Que o pequeno mundo de juventude e alegria que alberga não chegue a conhecer o prolóquio que nós ainda conhecemos e que atrás citámos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cazal-Ribeiro: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A repressão dos abusos praticados por automobilistas inconscientes ou inaptos; a regulamentação severa da circulação - de toda a circulação, note-se bem -, de harmonia com o aumento incessante do tráfego urbano e rodoviário; a eventual limitação de velocidade - generalizada proporcionalmente aos máximos estabelecidos para qualquer veículo automóvel; a tendência para a supressão do estacionamento» ou a sua adequada ordenação nos locais onde, pelas suas características, se imponham medidas especiais; enfim, tudo quanto se faça para moralizar (não encontro termo mais adequado) o tráfego rodoviário ou urbano não implica que se olhe para o automobilista como para um indesejável, uma espécie de leproso, a quem se espera ver numa gafaria, longe de tudo afastado do convívio de todos ...
Hoje em dia, e de uma maneira geral, o automobilista é um indivíduo que usa o sen automóvel com a mesma indispensabilidade que o lavrador o arado, o cirurgião o bisturi, ou o jurista o código de que carece para cumprir a sua missão na vida e na sociedade de que faz parte. Como tal tem que ser olhado, embora- fazendo-o cumprir regras e obedecer a legislação que não lho permita, de facto, indesejável, muitas vezes mais por abandono e falta do fiscalização do que por outro motivo pior!
Por toda a parte, nuns países mais do que noutros, claro está, se tomam medidas tendentes a evitar, ou diminuir, os efeitos de um mal inevitável, porquanto é impossível aumentar a capacidade de circulação nas estradas e nas artérias urbanas com a mesma rapidez e facilidade com que aumentam os parques automóveis, resultado da- melhoria constante do nível de vida das populações, e, até da imposição, repito, das exigências da vida moderna. A acrescer a- isto, há ainda que considerar a concorrência, das marcas dos automóveis existentes no mercado, o que luva os seus representantes a tornarem possível a orçamentos muitas vezes mais limitados a aquisição de um curro que para além da já referida o indiscutível utilidade - indispensabilidade, por vezes - se torna num luxo, ou, melhor, numa comodidade acessível e, portanto, generalizada. Daí o aumento vertiginoso
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do número de veículos em circulação constituir um fenómeno que reputo de irreversível, com todas as vantagens para os seus proprietários, para quem os vende, mas com todos os inevitáveis inconvenientes para a facilidade de escoamento e segurança com que se processa o tráfego, quer nas grandes cidades, quer em determinadas estradas, principalmente naquelas que lhes dão mais próximo fácil acesso.
Tenho estado a referir-me apenas a automóveis ligeiros de passageiros e a outros veículos a motor, de duas rodas.
Há, no entanto, a considerar, pelo menos entre nós, a marcada e crescente preferência para o transporte de mercadorias e de passageiros por intermédio de camionagem, o que contribui também para aumentar, em ritmo elevado, o número de carros pesados que circulam nas estradas e nos grandes centros urbanos. Mais evidente no primeiro caso, o transporte de mercadorias; e no segundo, o de passageiros. Note-se, contudo, que as carreiras de passageiros em autocarros de serviço suburbano e interurbano vão aumentando cada vez com maior intensidade. Também o surto turístico que se está verificando influi, sobretudo em determinados períodos do ano, para o aumento substancial do tráfego urbano e rodoviário.
Os problemas de tráfego não são, porém, apenas de carácter nacional. Eles constituem, sem dúvida, um fenómeno que se regista por toda a parte e, repito, é irreversível, salvo, claro está, um cataclismo de todo indesejável - uma guerra, por exemplo, com as inevitáveis restrições e condicionalismos que sempre acarreta sobre todas as actividades.
Mas, entre nós, não é só a legislação que regulamente os transportes e a circulação que se torna premente rever e actualizar; há, quanto a mim, que olhar pelo estado das vias de comunicação terrestres, tantas e tantas vezes causa imediata de acidentes que bem poderiam ser evitados. Há, ainda, que atentar ao estado dos veículos que por aí circulam, obrigando-os, depois de um certo tempo de uso, a uma fiscalização aturada.
Há que pôr em vigor, efectivamente, como .em toda a parte existe, a chamada «prevenção rodoviária», tendente, entre outras coisas, a criar nos utentes das estradas e das ruas uma noção, que muitos não têm, do perigo que provocam e correm com a sua indisciplina e inconsciência.
Há que estabelecer o seguro obrigatório contra terceiros, e não vejo, infelizmente, na recente disposição do Grémio dos Seguradores, à qual me referirei mais adiante, qualquer coisa que lhe diga respeito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há, finalmente, que concentrar no mais reduzido número possível de entidades aquilo que hoje em dia anda demasiadamente disperso, tornando improdutiva a manifesta boa vontade das autoridades responsáveis em obviar o mal a que me refiro e que, tendo muitas causas, não parece ter muitas soluções ...
Em Lisboa, por exemplo, os assuntos são estudados pela Câmara Municipal; aprova-os a Direcção-Geral de Transportes Terrestres - quando não os reprova; fiscaliza a Polícia de Segurança Pública, através da sua Secção de Trânsito - quando tem elementos para o fazer... Julgo, aliás, que, nos nossos grandes centros urbanos, o critério, e, quanto a mim, mau critério, é sempre o mesmo.
Claro está que tem de haver um regulamento base para que, caindo na caricatura, não se circule pela esquerda numa cidade e pela direita nas estradas ... Impõe-se. e justifica-se, portanto, um regulamento chamo, que seja, contudo, moldável a casos especialíssimos, sem que o facto constitua o péssimo princípio de estabelecer regras sabendo-se de antemão que não são aplicáveis ou sequer controláveis.
Estudei o assunto, por razão de funções que exerci em tempos, apaixonadamente. Não me considero, contudo, um perito na matéria, embora, talvez imodestamente, admita que a conheço suficientemente bem para emitir uma opinião.
Esteve na base de vários dissabores, pelo menos o da incompreensão quanto às minhas intenções, o tempo que hesitei em me referir neste lugar a um problema ao qual penso voltar de novo, através de um aviso prévio, se, realmente, ele não tiver a necessária evolução, mas evolução rápida e efectiva.
Julgo, porém, que, para já, me cumpre o dever moral de chamar a atenção do Governo quanto à necessidade de que se corrijam certas anomalias que sobre o tráfego continuam a verificar-se e que, custe o que custar, têm de ser, pelo menos, remediadas.
Encarando o problema de frente e com a maior objectividade, tem que se concluir que é também indispensável rever parte da nossa rede rodoviária. Há, com efeito, estradas que carecem de modificação imediata, quer quanto ao seu pavimento e bermas - abaulados alguns e perigosamente arenosas outras -, quer quanto ao seu perfil antiquado.
E indispensável que se construam novos troços que eliminem curvas, lombas e, sempre que possível, traiçoeiras passagens de nível. Parece também de aconselhar a revisão dos métodos com que se procede à sua conservação. Assim o impõe o volume de tráfego rodoviário nacional, quer no que se refere ao número, quer à tonelagem de certos carros pesados.
É evidente que o momento que o País atravessa não permite ao Governo uma acção tão rápida e profunda como seria para desejar nesta matéria. Não se pedem auto-estradas, mas entre isso e o processo por que se pretende por vezes remediar o mal vai um abismo, e, hoje em dia, para transpor um abismo, há vários processos a utilizar...
Aquele, porém, de se ver um cantoneiro com uma caldeirinha a pôr alcatrão com pazadas de areia, aqui e além, é perfeitamente ineficaz, moroso e obsoleto. Tão ineficaz como certas medidas restritivas ultimamente tomadas quanto à limitação generalizada (e .não acompanhadas de outras que as completem) da velocidade dos carros ligeiros de passageiros. Apenas estes parecem merecer a atenção das entidades responsáveis, como se um carro ligeiro de transporte de mercadorias a 80 km à hora não fosse muito mais perigoso do que outro, de turismo, a 100 ou mesmo 120 km à hora.
Exemplificando: obriga uma pessoa com pressa -um médico, por exemplo - a circular, de Lisboa a Beja, a 90 km à hora (velocidade máxima), demorando para o efeito mais de duas horas, quando, com plena segurança (quase que sem tráfego), essa viagem poderia ser efectuada em muito menos tempo; mas continua a permitir-se que um carro ligeiro de transporte (e algumas mercadorias transportadas são de lastro difícil) circule na estrada de Torres-Vedras, por exemplo, a 80 km por hora!
Continuam também a circular verdadeiros veículos de museu, com pneus lisos e remendados, direcções desalinhadas, travões e suspensão às vezes inexistentes, o que constitui, só por si, um verdadeiro perigo, sem que nada se faça para o evitar. Daí a obrigar-se um carro a ir todos os anos a uma inspecção vai uma distância que o são critério de quem legisla bem pode evitar - se assim quiser, claro está.
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A demonstrar a ineficácia, só por si, da medida restritiva de velocidade para carros ligeiros de passageiros, posso apresentar os seguintes números extraídos dos jornais de 27 de Dezembro e 3 de Janeiro passados:
Em 1065, durante as festas do Natal e Ano Novo, sem quaisquer limitações de velocidade ou maior fiscalização, antes pelo contrário, registaram-se 7 mortos e 82 feridos. Em 1966, em igual quadra, vigorando o limite máximo de 90 quilómetros horários e com fiscalização reforçada, registaram-se 14 mortos - precisamente o dobro - e 85 feridos, um pouco mais do que o número verificado em 1965.
Claro que pode (tratar-se apenas, e certamente que assim é, de uma coincidência. Mas não o teriam sido também os bons resultados obtidos e anunciados quando no fim das férias grandes se tomaram as mesmas medidas?
Devo, contudo, acentuar, mais uma vez, que não sou, de modo algum, contra as referidas restrições de velocidade. O que entendo é que elas devem ser aplicadas proporcionalmente a todos os veículos e apenas nas estradas onde, por quaisquer razões e em centos períodos, aumente o tráfego nelas registado. Generalizar, além de incómodo para todos, não parece ser realmente medida que se traduza em benefício seja para quem for!
Para finalizar, e porque falo em automóveis, em tráfego e em segurança rodoviária, não quero deixar de protestar, e faço-o veementemente, contra a recente disposição anunciada (pelo Grémio dos Seguradores - ao que se diz, superiormente autorizado - e através da qual o público foi informado - à última hora - de uma verdadeira revolução no regime do seguro automóvel que vigorou até 31 de Dezembro próximo passado.
Certamente nesta Câmara, com mais autoridade do que eu, vozes se levantarão contra aquilo que, em meu entender, constitui uma enormidade, que não só poderá ter reflexos contraproducentes para as em/presas seguradoras, o que é lá com elas, como torna o proprietário de qualquer automóvel, se persistir em mante-lo no seguro (excluo destas considerações o seguro contra terceiros, que entendo dever ser obrigatório), numa verdadeira e indefesa vítima. Além do estabelecimento de uma franquia - infixa, aliás - a que não estávamos habituados, só encontro, na mudança verificada, a limitação de vantagens até agora concedidas e o aumento de encargos de toda a espécie.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, há nos seguros de risco total aumentos que atingem quase 100 por cento; os de responsabilidade civil chegam a atingir 80 por cento
dmito, sinceramente, que houvesse que rever ias antigas tabelas, mas que se procurasse introduzir-lhes então, simultaneamente e na medida do possível, inovações, mas não com benefícios ou vantagens unilaterais. Os únicos grandes beneficiados são, neste caso, as entidades seguradoras e os raros privilegiados que durante dois anos não sofram quaisquer acidentes ou cujo valor não exceda, para já, 1000$! Até os angariadores de seguros viram reduzidas as suas comissões, ao que parece para não se sobrecarregar ainda mais o aumento registado nas tabelas agora revistas. (Mas porque não se levou em linha de conta o lucro das companhias seguradoras em todos os outros ramos, onde as garantias são muito menos contingentes?
Parece-me que, existindo a Câmara Corporativa, o seu parecer seria não só precioso, mas indispensável, num assunto de tal monta. Esta Assembleia bem podia também ter sido chamada a dar a sua opinião, como sempre, isenta e construtiva. Reputo de altamente inconveniente a forma como se agiu. O número e a qualidade de entidades interessadas é de tal natureza e as verbas em jogo de tal importância que o assunto deveria ter sido, quanto a mim, conduzido de outra forma, pois sem sequer foram ouvidos organismos que, de certo modo, representam os interesses particulares, agora em vias de serem tão gravemente afectados.
Insisto que não deveria ter-se ignorado de maneira tão flagrante a economia particular. Parece, neste caso, ter razão o velho adágio popular que diz que «o seguro morreu de velho».
Seguindo afirmação de pessoa responsável, do Grémio dos Seguradores, «a medida teve o agrado e aceitação geral». Geral, nos seguradores, bem entendido, porque, se houvesse um grémio ou um sindicato dos segurados, meu
Deus, aonde chegaria o clamor dos protestos!
Posto isto, permito-me sugerir a quem de direito que se suspenda a medida anunciada como tendo entrado em vigor no passado dia 1 de Janeiro e que está provocando, em todo o País, ias mais justificadas reacções.
Que sejam ouvidas todas as entidades interessadas ou quem as represente, e que então se ponha em vigor, mas mais humanamente, uma nova tabela de seguro automóvel, que, defendendo os legítimos interesses das companhias seguradoras, não recaia totalmente sobre os segurados. Mais uma vez parece verificar-se que será no meio termo que se encontra a virtude.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: Dos factos mais relevantes registados no período decorrido entre esta sessão e a anterior, dois há que considero de elementar justiça dever salientar. Refiro-me ao encerramento das Comemorações do 40.º Aniversário da Revolução Nacional, realizadas com o alto e patriótico objectivo de celebrar o passado e construir o futuro», e à recepção do primeiro navio do novo plano naval - o escoltador .Almirante Pereira, da Silva-, que no passado dia 20 de Dezembro foi incluído na Lista dos Navios da Armada.
Quanto às Comemorações do 40.º Aniversário da Revolução Nacional, tivemos provas evidentes de que elas se desenrolaram em contínuo sucesso, num ambiente de elevado patriotisto, e incluíram inaugurações de obras públicas do maior interesse e projecção; exposições a reavivar o ocorrido durante esse período de quatro decénios e o esforço que nele se despendeu a bem da grei; sessões solenes em todas as capitais de províncias e distritos e, nomeadamente, uma série de eruditas conferências em Lisboa, proferidas por individualidades de conceituado mérito e do maior relevo na nossa vida pública. A culminar as Comemorações, efectuou-se ainda nesta Casa a sua sessão de encerramento, no dia 29 de Dezembro, cerimónia que teve a realçá-la a alta presidência do Chefe do Estado, além do brilhantismo das orações proferidas e das espontâneas manifestações de patriotismo que provocaram.
Todos temos ainda bem viva na memória a forma como se sucederam essas solenidades, pelo que me parece supérfluo sobre elas me alongar. É, porém, de inteira justiça aqui renovar o nosso reconhecimento ao Governo que as promoveu e os nossos parabéns à comissão que chefiou, gizou e orientou os trabalhos, pela inteligência, bom senso e acrisolado patriotismo que, passo a passo, manifestou na sua actuação, o que nos leva a poder afirmar que ela bem cumpriu e bem mereceu a confiança que lhe foi testemunhada pela sua nomeação.
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Sr. Presidente: Desejo agora recordar a cerimónia, grata ao coração de qualquer português e particularmente ao meu, de marinheiro, da entrega à Armada do escoltador oceânico Almirante Pereira da Silva. Ao realizá-la, procurou a Marinha, com o seu «Ministro em primeiro plano, dar-lhe especial relevo, descerrando na Base Naval do Alfeite uma placa de respeitosa e sincera homenagem ao Sr. Presidente do Conselho no dia da entrega do navio, cerimónia que decorreu num ambiente cheio de elevação, com a presença dos almirantes, outros oficiais generais e de muitas altas patentes.
O acto teve profundo significado, e relembro aqui as palavras gravadas nessa placa, singelas, mas ao mesmo tempo eloquentes, palavras a consagrarem aos vindouros a acção no âmbito da marinha de guerra, do estadista que há tantas décadas dá o melhor da sua inteligência e da sua vida ao engrandecimento de Portugal.
São essas palavras:
Homenagem da Armada a S. Ex.ª o Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Doutor António de Oliveira Salazar, pela construção da 1.ª fase do programa de renovação naval, constituída por: sete escoltadores oceânicos, quatro submersíveis, seis corvetas, na data da entrega da primeira unidade, 20 de Dezembro de 1966.
Não quero ainda deixar de salientar a merecida homenagem que com a escolha do nome para esta nova unidade naval se prestou a um marinheiro insigne, o que põe em evidência mais uma vez a isenção e o modo coimo a Revolução Nacional faz timbre em fazer justiça a todos aqueles que prestam serviços de relevo ao País.
A realização deste programa para a marinha de guerra significa um passo em frente no caminho da actualização e do fortalecimento do potencial militar naval do nosso país, (pois origina uma indiscutível «melhoria da sua capacidade defensiva, o que é particularmente digno de registo na atormentada e difícil época que se atravessa.
E na repercussão que esse plano teve na opinião pública é de inteira justiça assinalar o magnífico editorial de O Século.
Se, por um lado, é de salientar o que esse material militar naval representa para a corporação da Armada,, tradicionalmente tão briosa no cumprimento dos seus deveres, tão devotada ao serviço da Pátria, sempre pronta a dar o seu sangue, em defesa dos sagrados direitos de Portugal - como o atestam as mais belas páginas da nossa história, gloriosamente revividas no presente e certamente continuadas no futuro -, também, por outro lado, é fora de dúvida que o navio recebido e os outros a construir correspondem, pura e simplesmente, à satisfação de uma inadiável e imperiosa necessidade nacional e são instrumentos imprescindíveis, que permitirão às nossas forças navais agir com maior amplitude, eficiência e segurança no cumprimento da sua sagrada missão de defesa da Pátria. Os encargos decorrentes dessas construções nunca poderão ser motivo de polémica, pois a defesa da nossa integridade territorial e da soberania da Nação justifica plenamente os compromissos que houve de tomar para estas aquisições; e também nunca é de mais repetir que tal só foi possível, tanto neste como noutros sectores da vida nacional, pelo excepcional talento político e administrativo de Salazar, a quem desta tribuna renovo as minhas respeitosas homenagens.
Sr. Presidente: Para o desenvolvimento da nossa marinha de guerra, nas últimas décadas, tivemos um programa naval, concluído em 1935, de quatro avisos, cinco contratorpedeiros e três submarinos, dos quais existem ainda, em serviço operacional, um contratorpedeiro e, em serviços auxiliares, três avisos - o que significa, pelo menos, uma demonstração de alta capacidade que a Armada tem para a manutenção e condução do material que a Nação, com vista à sua defesa, lhe confiou.
Entre 1944 e 1964 adquiriram-se oito fragatas três submarinos, em Inglaterra e nos Estados Unidos da América, pertencentes ainda aos seus programas navais da segunda guerra, mandou-se construir um petroleiro e, dentro do programa de assistência militar, a fragata Pêro Escambar, em Itália.
Em 1964, para cumprimento dos compromissos assumidos na Aliança Atlântica e satisfação de necessidades prementes da nossa defesa no ultramar, o Governo, perante á insuficiência de efectivos de que para o efeito dispúnhamos, decidiu aprovar e mandar executar o plano naval em curso - constituído, na sua maioria, por navios que, além de outras, tem. a missão de vigilância e defesa dos litorais e de protecção das comunicações marítimas com o nosso ultramar e com os países aliados e amigos.
Simultaneamente, e além destas exigências, houve que enfrentar outras, decorrentes da guerra subversiva que nos movem em África e que exigem tipos especiais de navios para actuarem em vias fluviais e lacustres. Daí resultou a construção de uma longa série de unidades (lanchas de desembarque u fiscalização, etc.) para patrulha, vigilância e acção directa, as quais têm permitido aos nossos valentes marinheiros, na Guiné, em Angola e em Moçambique, actuar eficazmente, quer em missões navais, quer em missões de apoio e cooperação com as forças terrestres e aéreas.
As unidades navais construídas nos termos dos acordos de auxílio mútuo, assinados entre Portugal e os Estados Unidos, que incluem o escoltador Almirante Pereira da Silva, destinam-se a ser utilizadas nos termos do Tratado do Atlântico Norte. Os Estados Unidos participaram para esse fim com 50 por cento do custo dos navios. Portugal participou com os restantes 50 por cento e contribui ainda com a quota-parte do elemento humano, não menos valiosa, constituída pelos seus oficiais e marinheiros, prontos a todos os sacrifícios. Assim, mais uma vez virá a honrar os compromissos firmados, atitude que, lamentavelmente, não é comum, nem é seguida ou compreendida por critérios pragmatistas que regem frequentemente as relações internacionais na época conturbada que atravessamos.
Como é óbvio, a entrada ao serviço do escoltador Almirante Pereira da Silva e em futuro próximo a das outras unidades similares da classe Dcaley, agora em construção em estaleiros nacionais, não solucionam por completo os nossos problemas navais.
Consequentemente com II sua inteligente e habitual previsão, o Governo debruçou-se sobre o problema e tomou as suas decisões. E assim, em 15 de Agosto de 1962, foi tornado público o actual programa de renovação da Armada, que permitirá, dentro de poucos anos poder-se dispor, além dos três escoltadores tipo Dealcy, de mais outros quatro escoltadores tipo Commaiidant Rivièro, de quatro submarinos e de seis corvetas, ou sejam dezassete unidades, modernas, capazes de contribuírem valiosamente para a defesa de Portugal no mar.
acentuar que aos novos escoltadores foram atribuídos nomes de oficiais da nossa geração ou de finais do século passado, ao contrário do que normalmente se fazia, evocando, por sistema, as grandes figuras de antanho. Essa decisão é inteiramente digna de aplauso. Com efeito, Portugal já não vive apenas do passado; nem sómente no passado possui grandes nomes a me-
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recerem consagração. Portugal, a despeito dos seus 800 anos, não envelheceu; mantém-se na plena pujança, na altiva virilidade de que desde as eras quinhentistas e seiscentistas não tem deixado de dar provas, sempre que as circunstâncias o exigem.
Os nomes escolhidos para os novos navios — Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Pereira da Silva, Magalhães Correia e João Belo — podem, na realidade, ombrear, por direito próprio, nas amuras dos nossos navios de guerra, com os antigos nomes de Álvares Cabral, Bartolomeu Dias, Pêro de Alenquer, Gil Eanes, Pedro Nunes, Diogo Gomes e João de Lisboa.
Mas, Sr. Presidente, há ainda um ponto que julgo deve merecer a nossa cuidadosa atenção.
13 que não basta concretizar o programa em curso. Há que não esquecer o futuro, que não se mostra risonho, nem sequer tranquilizador. A renovação da marinha de guerra é processo que não pode considerar-se concluído, mesmo com um programa bem elaborado, porque este é forçosamente limitado. O processo não pode ser estático. Tem de ser contínuo, dinâmico, progressivo, se se quer que a Nação usufrua a indispensável segurança. Há, pois, que continuar na senda em tão boa hora trilhada.
Confio que assim sucederá, pois à frente da pasta da Marinha encontra-se um governante decidido, prestigioso e entusiasta, a quem se deve muito do que até hoje se realizou e que, a bem da Nação, não deixará de continuar a pôr os seus reconhecidos méritos e excepcionais predicados ao serviço da Armada.
Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: — Sr. Presidente: Quando há dias intervim na discussão da Lei de Meios, invoquei a minha qualidade de homem da rua para transmitir alguns reparos sobre o funcionamento da máquina administrativa do Estado. Isto de ser homem da rua é ocupar um belo posto de observação da vida, em todos os seus aspectos, mas exige às vezes o pagamento de pesado tributo, porque faz-se este plano, mais aquele, resolve-se isto e aquilo, reúnem-se sábios e anacoretas, e no fim de contas . . . quem sofre as últimas consequências é o homem da rua.
Sr. Presidente: Ontem fui ao Cais do Sodré às sete e meia da tarde para passar para a Outra Banda, e só consegui passar ao fim de duas horas, encharcado e gelado até aos ossos. E o mais trágico é que me encontrei nesta inconcebível aventura com milhares de pessoas que todos os dias atravessam o Tejo e para quem a demora de ontem foi mais uma das tantas que tem havido.
Foi o caso que o vendaval ontem caído sobre Lisboa fez interromper as carreiras dos cacilheiros. O transporte no rio ficou assim reduzido aos ferry-boats, e, como apenas dois estão ao serviço, para tantos cais disponíveis e tanta despesa feita, formou-se uma bicha enorme e grossa de gente para comprar bilhetes. Feita a compra, ia-se para outra bicha, grossa e enorme, para entrada nos barcos que se revezavam no mesmo ritmo calmo e indiferente dos dias de sol. Uma hora estive na bicha dos bilhetes, à chuva e ao vento, porque ali não há abrigos. E desisti, pois apenas três barcos vi partir entretanto. Ouvi dizer às pessoas que me rodeavam que os outros barcos estavam sonegados, à espera do aumento de preço das tarifas. Quis ir então pela ponte. Dirigi-me a um empregado da Carris a perguntar onde podia tomar transporte para me levar a Alcântara. Indicou-me o local e disse-me que já tinha mandado vir autocarros. No local indicado centenas de pessoas esperavam esses autocarros, e, entretanto, como demorassem, iam tomando de assalto os raros táxis que por ali passavam vazios. Fui num deles com três desconhecidos, três companheiros de infortúnio. Havia inundações junto à estação da C. P. em Alcântara-Terra. O táxi despejou-nos, por isso, a algumas centenas de metros do chamado «Centro-Norte», onde se toma transporte para a Outra Banda. Calcorreando esses metros sob a ventania inclemente e fria, vi-me metido numa multidão enregelada que esperava outros autocarros da Carris e das empresas Beira-Rio e Piedense. E outra hora ali esperei, à chuva e ao vento, porque ali também não há abrigos e não havia serviço organizado de transportes. Tudo se passava no mesmo ritmo calmo e indiferente dos dias de sol.
Finalmente, fui espremido para dentro de um autocarro da Carris, de roldão com outros desgraçados como eu. A ponte era uma beleza ... O Cristo-Rei abria-nos os braços ... E lá fomos despejados no Centro-Sul. Aí sim, aí há um telheiro; o que não havia era transporte para Almada. Parece que autocarros vermelhos apareciam de vez em quando. Eu não vi nenhum, e, farto de chuva e frio, quase sobre as 10 horas da noite, meti-me a pé, cortando o vento e a chuva, patinhando na lama, direito à Cova da Piedade, onde, sob um minúsculo alpendre, aguardei um autocarro verde, que me levou enfim a casa. Às 11 horas da noite estava finalmente ante os olhos reconfortados da família a comer a minha sopa quente.
Não venho aqui pedir medalha nenhuma por actos heróicos; não havia medalhas que chegassem neste pais para os milhares de pessoas que, várias vezes no ano, ao longo de muitos anos, antes da ponte e depois da ponte, têm sofrido as inclemências do tempo e as insuficiências dos homens . . .
Não sei quem manda no Tejo, quem diz aos barcos para parar ou para andar, aos autocarros para partir e chegar, quem é responsável pela existência e pela coordenação dos transportes. Não sei nada. Mas, seja quem for, daqui o convido a ir comigo a Cacilhas numa noite de vendaval, sem carro, nem motorista, assim mesmo, como homem da rua.
Ah, mas uma coisa ganhei com a triste experiência de ontem: foi a lição magnífica de. uma multidão, esquecida e maltratada, que, sob a chuva e o vento, enregelada e longe do jantar, tudo aguentou com um optimismo invejável, gracejando com o seu infortúnio, aceitando os factos com a indiferença fatalista da repetição sem remédio. Grande lição! Aqui lhe deixo o meu aceno de profunda admiração.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: — Vai iniciar-se o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.
O Sr. Nunes de Oliveira: — Sr. Presidente: Ao iniciar esta intervenção, simples e despretensiosa no conteúdo, mas grata à minha inteligência e à minha sensibilidade, cumpre-me começar por prestar a mais sincera homena-
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gem a todos quantos em Portugal têm desenvolvido os maiores esforços e sacrifícios no sentido da valorização da nossa juventude, sem nunca esquecerem que ela representa, antes de tudo, o melhor capital de que a Pátria pode dispor no futuro.
Por outro lado, também não devemos esquecer, pois seria injusto, a preocupação sempre crescente do Estado Português com as condições de vida, com o bem-estar, com o desenvolvimento físico, com o ambiente de estudo da -juventude, embora nem sempre com aquela intensidade que seria para desejar, mergulhado numa -letargia para a qual não se encontra justificação aceitável.
Os grandes princípios, as grandes certezas, também não deixaram de ser superiormente definidos, e o certo é que vêm sendo invocados através dos tempos por muitos dos que devotadamente vivem as inquietações da juventude, que é sã e generosa e aprecia quem bem a oriente. E, nessa linha de pensamento, ainda recentemente o ilustre titular da pasta da Educação Nacional produziu as palavras que não resisto à tentação de transcrever:
Pomos acima de qualquer controvérsia Deus, como primeiro princípio de que deriva tudo o mais. Consideramos intangível a Pátria, como expressão intemporal e unitária do todo nacional, na pluralidade dos territórios por que se reparte geograficamente. Lutamos pela pureza da família, em cujo intimismo, e só nele, pode o ser humano encontrar a verdadeira felicidade e a melhor escola de virtudes. Respeitamos e queremos sempre dignificada a autoridade legítima, em equilibrada conciliação com a liberdade necessária. Ardemos na ânsia de uma cada vez maior justiça social, que proporcione a todos aquilo a que têm jus, na relatividade dos seus méritos. Comungamos num princípio de fraterna compreensão e solidariedade entre os povos, alheios como somos a nacionalismos agressivos, que o nosso Governo sempre' declaradamente condenou.
Numa palavra, não queremos senão ver os jovens educados no culto e prática das virtudes lusitanas, que fizeram a grandeza dos nossos maiores e que brotam, como linfa pura e cristalina, dessa fonte perene e sempre viva que é o cristianismo.
Parece, por consequência, que, uma vez envolvidos na magnitude do assunto em debate, não ternos de apontar carências de ideário, mas apenas chamar a atenção do Governo, e porque não a atenção das famílias e a da própria Igreja, para aspectos que, não sendo novos, nos aparecem sempre actuais e que importa não menosprezar para que se não corra o risco fácil da invasão da Casa Lusitana — que as correntes turísticas, diga-se de passagem, favorecem — por essas ondas de materialismo e de corrupção dimanados de um mundo que continua enfermo e desorientado, com as repercussões mais prejudiciais nas actividades individual, familiar, social e política, conducentes à negação dos melhores valores espirituais e tradicionais que fizeram de nós um povo grande e civilizador e que é necessário não consentir que se percam.
Alguém escreveu há longos anos, e porque as circunstâncias do momento com certeza o justificavam, que toda a arquitectura da civilização ocidental havia sido sacudida até aos alicerces. Esta afirmação, longe de ter perdido o sentido da oportunidade, pode ser hoje referida talvez com motivos mais fortes e jamais igualados.
E se nem tudo está ainda em ruínas, apesar dos desmoronamentos a que temos assistido, isso se deve em grande parte à pertinaz e esclarecida política que temos desenvolvido, à verdade da nossa política ultramarina
multissecular, «no sentido da vocação histórica de Portugal com os exemplos de que é fecunda a história, exemplos de patriotismo, desinteresse, abnegação, valentia, sentimento da dignidade própria, respeito absoluto pela alheia», servindo-me de palavras do Sr. Presidente do Conselho.
Mas, porque integrados num mundo que prima pela incerteza, insegurança e ansiedade, que a nós, adultos, nos traz em profunda inquietação, não nos pode surpreender uma certa excitação em que por vezes mergulham os mais jovens, como que a denunciar uma acção destruidora dessa serenidade de espírito que, por si só, constitui já uma poderosa defesa.
A vida humana na terra, como disse S. S. Pio XII «tem os seus altos e os seus abismos, ascensões e declínios, move-se entre virtudes e vícios, entre conflitos, sobressaltos e tréguas, vitórias e derrotas», mas porque assim é, mais se justifica uma cuidada formação moral, intelectual e política da juventude, mais interessa ouvi-la e acolhê-la, mais importa saber aconselhá-la e orientá-la nas suas mais justificadas aspirações, aproveitando a sua generosidade de forma a que possamos construir um futuro verdadeiramente digno das nossas tradições, no culto dos mais altos ideais. Para isso, ó fundamental educar, mas educar é uma arte que não está, se me é permitido repetir palavras já por mim pronunciadas, ao alcance de qualquer, e que compete à família e à Igreja, à escola e ao Estado, se possível numa colaboração mais próxima, confundidos num pensamento comum que crie um espírito e uma alma nacionais.
E para que sintamos como o problema da educação desperta entusiasmo, embora complexo pelas múltiplas facetas que encerra, e que é da mais transcendente importância, bastará referir que dele se ocuparam algumas encíclicas papais, a ele se têm dedicado muitos estudiosos, e no nosso país alguns trabalhos de real merecimento foram igualmente publicados. Seria por demais supérfluo da minha parte, até porque o autor do aviso prévio a esses aspectos se referiu pormenorizadamente, voltar a repetir os motivos que fundamentam os direitos da família, da Igreja, da escola e do Estado em matéria de educação. Apenas conviria analisar até que ponto qualquer dessas instituições tem correspondido à missão que por direito lhes está confiada e também em que medida a entreajuda que deve existir se terá na realidade verificado. Neste ponto, também o autor do aviso prévio produziu pertinentes considerações, e de alguns aspectos me ocupei há cerca de três anos no aviso prévio que então tive o prazer de apresentar.
Foi-me dado nessa altura o ensejo de pôr em evidência o resultado de uma observação que, hoje mais do que nunca, se encontra radicada no meu espírito e que se refere à tendência que muitos pais têm de alijar a responsabilidade de educação dos filhos exclusivamente para a escola, como sé esta pudesse porventura substituir totalmente os pais nas suas funções de educadores dos próprios filhos. Mas para que aqueles cumpram, do que necessitamos antes de mais é de uma instituição familiar à altura da elevada missão que lhe está confiada, de modo que os pais se sintam na verdade compenetrados e Intimamente convencidos da grandeza e da transcendência dessa missão, altamente honrosa, que lhes cabe na educação dos filhos, missão tão delicada e importante que, nesse aspecto, bem se pode dizer que a Pátria neles põe as suas maiores esperanças.
E à escola, à Igreja e ao Estado que iremos pedir?
Certamente tudo aquilo que transcende o âmbito familiar e que lhe é em absoluto complementar.
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A escola, insista-se mais uma vez, não pode rejeitar o papel que lhe cabe no seu duplo objectivo de instruir e de educar. Para tal, o professor tem de ser pedagogo e psicólogo, e daí o cuidado que deverá haver no seu recrutamento e na sua preparação. Quanto a este último aspecto, a criação de cursos especiais no sentido de os tornar bons formadores de caracteres e bons orientadores só pode merecer o nosso vivo e incondicional aplauso. Essa intenção vem vincadamente expressa no Decreto-Lei n.° 47 311, recentemente publicado, que reorganiza a Mocidade Portuguesa e constitui também o assunto principal de um dos capítulos do projecto do Estatuto da Educação Nacional, há pouco tempo ainda anunciado ao País.
Mas os professores, seja qual for o grau de ensino considerado, só podem dar assídua assistência aos seus alunos e desejáveis exemplos de dedicação à missão que lhes foi outorgada se a ela se consagrarem totalmente, não dispersando a sua actividade noutras posições em que o seu esforço e o seu trabalho é mais conveniente e justamente remunerado. E, como é do conhecimento geral, melhor situação lhes é proporcionada por organismos privados e até pelo próprio Estado em determinados centros de investigação de si dependentes.
Enquanto os responsáveis não reflectirem devidamente nisto, suponho que será apenas idealismo pensar-se num bom escol de professores.
Só dispondo desse escol, o que não me parece impossível, desde que se lhes dê a necessária formação e se lhes criem condições de vida favoráveis, nós poderemos estar confiantes no desenvolvimento e eficiência das actividades escolares e circuncurriculares, por forma a que a juventude sinta em profundidade uma excelsa «devoção à Pátria, o sentido da unidade nacional, o gosto da disciplina, pro-cessando-se à luz dos princípios e valores que informam a vida portuguesa, em vista à valorização da pessoa humana, dentro de um espírito de justiça social, de respeito das sãs tradições». (Decreto-Lei n.° 47 311, artigo 2.°, n.° 2).
Entretanto, quer o decreto-lei, quer o projecto do Estatuto a que me referi, não deixam de evidenciar outros objectivos da mais alta relevância, como sejam a educação religiosa, moral, cívica, artística e física (não fosse a saúde do corpo, como alguém disse, indispensável ao equilíbrio do espírito) e a acção social escolar nos seus múltiplos aspectos.
Mas, retomando o fio das considerações que vinha fazendo, direi que considero da maior importância as relações família-professor e professor-aluno, importando que se estreitem tanto quanto possível. Se no primeiro caso delas pode resultar obra mais frutuosa, desde que os pais se preocupem de igual modo com o aproveitamento e conduta dos filhos — pois nenhum professor que o é na verdadeira acepção da palavra repudia esse contacto —, no segundo caso — relações professor-aluno — será proporcionado ao primeiro infundir mais confiança e segurança ao aluno e permitir assim da parte deste uma maior abertura da sua maneira de ser e de proceder. Mas, ainda como complemento de toda esta acção, a Igreja, como instituição de primeira grandeza, que com o seu facho luminoso inundou de luz toda a filosofia da educação e toda a cultura de séculos, terá de continuar a desempenhar, através dos tempos, um papel de relevo na formação moral © religiosa dos povos.
Que esta colaboração é de inestimável alcance confirma-o o que se passa no ensino primário, e nos meios rurais de um modo especial, onde não se encontram com tanta frequência os problemas que muitas vezes aparecem nos centros urbanos, exactamente pela boa compreensão, pelo bom entendimento e pelo diálogo que quase sempre existe entre a família, o professor e o pároco. E esses problemas vão adquirindo maior agudeza na medida em que consideramos os diversos estádios da evolução do estudante, começando a esboçar-se com as mais acentuadas complicações no decurso do ensino secundário, altura em que a formação doutrinal começa a tomar expressão.
Não queria prosseguir, e numa altura em que tanto se fala de um plano de acção educativa, sem deixar aqui um breve apontamento sobre a necessidade de, numa reforma de planos de estudos no ensino secundário, se atender à formação especificamente feminina que se torna necessário dar às raparigas. Não é possível, por evidente, num plano educativo estandardizado, esquecer o papel fundamental que a escola deve ter na educação da mulher. Nesta matéria, dada a fonte autorizada e ponderada donde emana, passo a palavra ao Prof. Doutor Braga da Cruz, aquando de uma conferência proferida a propósito da encíclica Divini Illius Magistri. Depois de uma referência ao acesso que a mulher conseguiu a quase todas as profissões até há pouco só exercidas pelo homem, disse: «... e, à margem da profissão, não deixa de ser mulher, esposa, dona de casa, mãe de família, educadora! Parece axiomático, em face disto, que a mulher deve ter uma formação educativa essencialmente diferente da do homem, e que essa diversidade de educações deve começar logo no ensino secundário, tanto mais que a grande maioria não chega a tirar senão esse curso.»
Tenho esperança de que não se deixará de atender a este importante aspecto num plano de acção educativa, se se pensar atentamente nos reflexos futuros de uma tal omissão.
Pelos motivos já anteriormente expostos, conclui-se que o Estado deve promover, por sua vez, excepcionais condições para a execução de um plano educativo, mas pode e deve, além disso, encarar medidas vigorosas e eficazes contra a utilização de meios que dispõem de extraordinária influência na introdução de hábitos e costumes que cumpre acautelar. Quero referir-me especialmente à divulgação de publicações pornográficas e ao cinema, que, em maior ou menor grau, estão eivados dos mais perigosos efeitos depravadores e desmoralizadores, revestindo-se, portanto, de um amplo e delicado interesse quando está em jogo a educação dos jovens.
Mas pode e deve, sim, encarar medidas concernentes à utilização em larga escala de revistas, e ainda da rádio, do cinema e da televisão, como «poderosíssimos meios de divulgação que podem redundar, se bem governados pelos sãos princípios, em grande proveito para a educação e instrução», generalizando considerações de S. S. Pio XI, a levarem a palavra e a imagem ao próprio lar familiar.
Finalmente, mais uma palavra sobre algumas medidas que vêm sendo intensificadas pelo Governo e que muito representam na vida dos estudantes. Estão neste caso as residências ou lares a proporcionarem efectivamente boas condições de estudo, além de trazerem largos benefícios nos campos social e educativo, mormente em relação àqueles estudantes que não dispõem de condições económicas que lhes permitam viver com dignidade e um mínimo de conforto. Dos seus resultados passo a dar o testemunho, do que se passa na Universidade do Porto, de cujo quadro docente faço parte, onde existem actualmente seis lares universitários para rapazes totalmente subsidiados pela reitoria e administrados pelo Centro Universitário e dois lares da J. U. C., um para rapazes e outro para raparigas, e seis lares de ordens religiosas, também para raparigas, subsidiados em parte pela reitoria, albergando todos eles um total de 150 rapazes e 245 raparigas.
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Até há pouco, cada um desses lares de rapazes, directamente dependentes do Centro Universitário, era orientado por um professor designado pelo reitor da Universidade, sistema que provou plenamente e que me parece o mais indicado, o qual mantinha íntimo contacto com os residentes e estabelecia com eles periodicamente um convívio e um diálogo dos mais acalentadores resultados práticos, pois que acabavam por impor a si mesmos uma consciente disciplina e responsabilidade, em face da merecida liberdade que lhes era concedida. E os estudantes reconheciam e acolhiam com o melhor agrado aquela utilíssima orientação que lhes era graciosamente prestada e adoptavam, por si, iniciativas das mais salutares.
Com igual interesse podia dissertar quanto às cantinas cujo alcance educativo e social se deseja pôr em evidência, pelo que é de aplaudir todo o esforço que se faça no sentido de difundir este exemplo de assistência escolar. Entretanto, para que a sua finalidade não seja traída, necessitam de conveniente dotação, de forma a que a soma de benefícios aumente progressivamente, facultando assim aos estudantes alimentação suficiente e sadia a preços modestos. Por este meio podem ainda beneficia" elementos do corpo docente, a prodigalizar uma convivência professor-aluno a todos os títulos de grande utilidade.
Na Universidade do Porto, por exemplo, funciona uma cantina, dependente do Centro Universitário, que serviu no ano lectivo de 1965-1966 aproximadamente 126 600 refeições, tendo vindo este número a aumentar de ano para ano, a preços modestos por refeição.
Além disso, funcionam três bufetes e dois snack-bars, respectivamente na sede do Centro Universitário, na Faculdade de Ciências, na Faculdade de Engenharia e nas Faculdades de Medicina e Farmácia, com apreciável frequência de professores e alunos, o que origina e estimula uma convivência, repito, da qual todos poderão recolher algum proveito, quando bem compreendida e orientada.
Não existe intrinsecamente uma crise da juventude. O que tem existido é uma injustificada indiferença no modo como se encara o seu desenvolvimento na fase mais crucial da formação da personalidade.
Que cada um, seja qual for a missão que lhe está confiada, promova um sério exame de consciência e se pergunte das responsabilidades que lhe competem na formação e orientação dos nossos jovens.
Nesta vasta seara que é a da educação da juventude não há lugar para tibiezas, indecisões ou indiferentismos.
A juventude é boa, é sã, é generosa.
Esforcemo-nos por a ajudar a resolver os seus problemas, porque, se assim fizermos, poderemos estar esperançados e confiantes em que seja o penhor seguro do futuro da Pátria!
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Meneses: — Sr. Presidente: O problema da educação é daqueles que mais preocuparam os homens, em todos os tempos. Pode dizer-se que toda a literatura tem por objecto a adequação dos espíritos a figurinos ou normas de conduta, sendo, assim, toda ela, formativa para o bem ou para o mal. Se alguma coisa, de facto, apaixona extremamente o homem, é ver o seu semelhante adoptar as formas de comportamento que julga útil ditar-lhe. E, como a idade mais modelável para esta sujeição da vontade e consequente aceitação dos valores que os adultos estimam é a juventude, resulta daí que todos os políticos, pensadores e pedagogos se esforçaram v esforçam por chamá-la à execução de procedimentos por eles idealizados ou experimentados como melhores. A este ânimo de formar almas semelhantes à sua (no seguimento ou imitação do acto com que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança) junta-se a necessidade social de tornar os mais novos aptos para a vida da comunidade. Deduz-se, pois, daqui que a educação é um dever indeclinável de todos, sem excepção. Realmente, se há campo de actividade em que ninguém pode escusar-se de servir como atleta, é este da formação da juventude, porque cada um de nós, na escola, na oficina, no escritório ou na rua, joga (permita-se-me a expressão), perante os olhos da multidão exigente dos moços, as responsabilidades do seu cargo, categoria, estado e condição.
Por isso, aqui estou, Sr. Presidente, com uma achega para este debate, no qual não terei a veleidade de apresentar à Assembleia um esquema de educação que possa na corrente época ensinar os nossos rapazes a viverem, porventura, mais correcta e fecundamente que nós, nem sabia, como, aliás, suponho que ninguém, outorgar-lhes a eles, que estão na idade dos sonhos impossíveis, a carta constitucional da felicidade.
Limitar-me-ei, portanto, sem pretender ser profeta na minha terra, a meia dúzia de prevenções sobre alguns factores que julgo poderão influir decisivamente sobre a nossa juventude, para sobre elas se assentarem algumas providências cautelares. E, antecipando-me a reparos certamente pertinentes, declaro que, apesar da minha profissão, não me ocuparei senão acidentalmente da educação na sua conexão com o ensino, nem dela como meio de promoção social e económica, nem como forma de enriquecimento intelectual e cultural. A razão é porque, estando anunciado já para esta sessão legislativa um aviso prévio sobre o ensino liceal, penso que será essa então a melhor oportunidade para expor a minha opinião sobre tão complexo problema.
Mas, antes de fazer as aludidas prevenções, devo, para justificar a mirada sobre o mundo juvenil para além dos presentes dias, responder a esta candente questão: estará em crise a nossa juventude?
Entende-se por crise da juventude um estado geral de baixa moralidade, caracterizado pela existência de grandes vagas de jovens grosseiros, ociosos, indisciplinados, inadaptados, delinquentes e desprovidos de elevados ideais. O número desses jovens deve ser tal que impressione a opinião pública e, sobretudo, os educadores e os governantes.
A luz desta definição, vejamos o que se passa no nosso país.
Em primeiro lugar, diz-nos a observação directa que o nível geral de civilidade, nos seus aspectos mais notados de compostura nas maneiras, arranjo no vestir e moderação nas palavras, é sensivelmente elevado. A sociedade moderna não tolera facilmente a grosseria de palavras e gestos e estigmatiza certas formas de rudeza ainda há tempos consideradas banais. Há, inegavelmente, um aprimoramento de maneiras, uma subida do nível de correcção e delicadeza, e diga-se, em homenagem à verdade, que neste aspecto a nossa juventude ocupa a dianteira. Ora, se é certo que a observância das normas de cortesia não é um índice absoluto, é, todavia, uma expressão muito significativa de aperfeiçoamento moral. O homem delicado é, em regra, um homem educado, pela posse que revela de qualidades de carácter, como o autodomínio, a reflexão, o respeito por si e pelos outros e até a docilidade de ânimo. Mercê de múltiplos factores, entre os quais me parece de salientar a subida do nível de vida, a juventude actual é mais urbana e comedida que a dos tempos passados.
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Em segundo lugar, não se verifica entre nós a existência de bandos de jovens animados do frenesi da destruição e cansados de viver, como aquele que há dez anos irrompeu na Suécia e deu o lamiré às conhecidas vagas de tedy-boys em toda a Europa. Eram turbas de novos que se digladiavam furiosamente para sentirem que existiam. Eram turbilhões de exaltados que cultivavam o cinismo e a descrença, semeavam o equívoco e praticavam a violência. Desgarrados, com orgulhosa irreverência do viver comum, davam-se a actos de histerismo e agressão. Era o reino da indisciplina, do exagero, da intolerância e da sexualidade, a denunciar um tremendo drama nas consciências, que trazia apavorados os educadores e os governos. Porém, essas convulsões não nos atingiram senão por reflexos esparsos e efémeros, que não chegaram a constituir uma cena da peça da vida, quanto mais um acto inteiro dessa peça.
Mas então as perturbações universitárias de há anos? Não traduzem um profundo e latente estado de crise? Depois das intervenções dos ilustres Deputados, em 1964, na discussão de um aviso prévio sobre este mesmo tema da educação da juventude e dos despachos de 5 e 29 de Março de 1965 e da nota oficiosa de 29 de Outubro do mesmo ano do Ministro da Educação Nacional, o País ficou inteirado de duas coisas importantes: primeiro, o número dos perturbadores não excedia 2 por cento dos estudantes universitários, e, como a juventude não é só a universitária, não era relevante na massa juvenil da Nação; segundo, essas agitações eram provocadas, alimentadas e subsidiadas pelo conhecido deus ex machina da internacional comunista. Por consequência, não se podem interpretar como sintomas de grave doença moral.
Isto, porém, não significa que não houvesse, e não haja, razões propiciatórias da dócil anuência, por parte de outros estudantes, aos aliciamentos dos mandatários desse deus ex machina.
Independentemente do módulo característico do comportamento juvenil, qual é a fácil receptividade às palavras dos conhecidos mandarins da subversão, e do gosto, nela natural, de dar nas vistas, por exuberância de atitudes colectivas, não há dúvida de que a mocidade ó sensível às injustiças, e, se elas existem, como de facto existem, tende a encabeçar as responsabilidades, não nos seus autores, às vezes antípodas ideológicos do regime, mas sim nos responsáveis do mesmo regime.
Depois, como é generosa por condição, sobrepõe ao espírito crítico o sentimentalismo e deixa-se dominar pelo ressentimento contra o superior, resultando daí que, num diferendo entre a autoridade e qualquer um do seu grupo, julga virtude defender sempre o segundo, ainda que totalmente desprovido de razão.
Mas há mais explicações para esses acontecimentos. Os rapazes portugueses desconheciam o que eram os hórridos perigos da guerra, as pavorosas convulsões públicas, as lutas civis e outras calamidades a que a Providência nos havia poupado. O que disso sabiam devia-se à leitura, ao cinema, ou a referências orais. Não passava, felizmente, de um conhecimento platónico. E então os universitários, esses, na generalidade, pertencentes a famílias de bens ou proventos suficientes, viviam nas delícias da paz, sem um susto no ânimo ou beliscão na pele. Faltava-lhes, por isso, um termo real de comparação, trágico ou dramático, com que pudessem conferir e estimar os benefícios da vida de que desfrutavam. Daí o pendor para aceitarem o que lhes impingiam sobre o viver de algumas sociedades estranhas como paraísos terreais e, por consequência, a propensão para minimizarem o que é nosso, às vezes melhor e mais justo que
os modelos de que lhes falavam. E desta ingénua aceitação à insubordinação contra o status quo vai um passo.
Depois, o snobismo inerente, em todas as épocas, a certas camadas juvenis mais permeáveis à moral hedonística. Para esses, aproveitar o mais possível o gozo lícito ou ilícito das técnicas e convivências humanas é um postulado do seu egoísmo e da renúncia à vida cristã, por definição e por promessa, agónica e sofredora. Ora, ensina a experiência dos povos que é nestes espíritos, assim desgarrados dos hábitos gerais de trabalho e modéstia, que, por um inexplicável fenómeno de incoerência, se recrutam os mais inconformistas e revoltados arautos das reivindicações sociais.
Não obstante estas razões subjacentes, e outras mais que omito por brevidade, as perturbações universitárias não passaram, no corpo da nossa juventude, de um acesso de febre, e estão, a meu ver, muito longe de denunciar graves sintomas de crise.
Passemos então à análise de outro indicador, de maior 'valor probatório, visto respeitar a toda a população minorense e oferecer, por isso, uma estimativa mais exacta do seu nível de moralidade. Refiro-me à delinquência juvenil.
A nossa população dos 5 aos 20 anos era em 1965, o último de que possuímos estatísticas publicadas, de cerca de 2,7 milhões. Pois bem: o número de menores internados, no fim desse ano, em estabelecimentos tutelares do Estado foi de 1720, dos quais 1298, ou seja mais de metade, em institutos de reeducação. Isto significa que, em cada série de 2500 menores, não chegam a 2 os entregues à vigilância e correcção dos Poderes Públicos. Por outro lado, o número dos julgados, durante o mesmo ano, nos tribunais tutelares foi de 3514, dos quais 1696 sofreram apenas admoestações e foram entregues ao poder paternal. Se aos 3514 acima referidos juntarmos 2524 condenados pelos tribunais comuns, temos que a acção da justiça abrangeu ao todo nesse ano 6038 menores, o que, na massa geral, não chega a 7 por cada 2500, e fica em menos de 0,25 por cento. Quanto aos casos de menores tratados em 1965 pela Polícia de Segurança Pública, o seu número foi de 4338, e pela Guarda Nacional Republicana, de 5972, no total de 10 310, ou seja 0,4 por cento. Perante estes dados, temos de convir que é felizmente baixo o índice de criminalidade juvenil.
Mas, se daqui passarmos a um subindicador complementar do que até agora analisámos, isto é, à disciplina nas escolas, também podemos tirar conclusões úteis. Para o efeito, escolhi três estabelecimentos de ensino oficial considerados dos mais rigorosos e exigentes quanto ao comportamento dos alunos, e os três de sectores diferenciados: um internato, uma escola técnica e um liceu. O internato foi frequentado em 1964-1965 por 605 alunos, e destes, punidos 164; em 1965-1966 por 601 alunos, e destes, punidos 115. Porém, castigos que implicassem relativa gravidade, apenas 11 em 1964^1965 e 7 em 1965-1966. Quanto à escola técnica, o número de alunos dos cursos diurnos e nocturnos foi em 1964-1965 de 2317, e deles, punidos apenas 21; e em 1964— 1965, de 2410, e deles, punidos apenas 30. Isto é, em 1964-1965 a média dos alunos punidos não abrangeu 1 por cento, e no ano seguinte passa ligeiramente essa percentagem. Quanto ao liceu, foi frequentado em 1964— 1965 por 3129 alunos, em relação aos quais se registaram 192 penalidades; e em 1965-1966, por 2558 alunos, com o total de 121 castigos. Supondo, pois, que cada penalidade recaiu em aluno diferente (e não foi assim), teríamos em 1964-1965 G por cento, e no ano seguinte
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5 por cento, de alunos punidos. E isto sem contar que a quase totalidade dessas penas não saiu do teor paternal preventivo.
Creio ocioso deduzir destes números quanto eles representam na matéria vertente, isto ó, a da crise da juventude.
Finalmente, julgo necessário aludir ao comportamento da nossa juventude nos campos de combate do ultramar. Todos os chefes militares são unânimes em reconhecer e louvar o alto moral da tropa, o seu espírito de sacrifício, a sua bravura, enfim, o seu heroísmo. Toda a Nação tem acompanhado, emocionada e orgulhosa, o comportamento generoso da mocidade combatente. O melhor sinal da sua forte coesão moral está em que os casos de deserção são praticamente irrelevantes. Ora este comportamento não resulta apenas da noção do dever e do instinto de defesa da comunidade; resulta, especialmente, do seu alto nível de moralidade, traduzido na posse de elevadas virtudes de abnegação, rasgo, disciplina e ardor patriótico; resulta, em suma, do facto de ela não ter perdido o sentido heróico da existência, que é sempre o que salva as nações nas suas tragédias, e a sociedade nos seus colapsos.
Por conseguinte, dos aspectos sucintamente apreciados, e que resumo (aprimoramento de costumes, disciplina social, baixíssimo índice de criminalidade e nobilíssimo comportamento na defesa da Pátria), sou forçado a concluir que não há crise da juventude portuguesa.
Porém, como é bem de ver, isto não quer dizer que não haja problemas. Há-os, como já aqui tem sido demonstrado. E para que eles não se agravem, desejaria referir (e é esta a segunda parte da minha intervenção) alguns factores cuja incidência pode vir a ensombrar os dias de amanhã e suscitar uma autêntica crise juvenil. Esses factores são: a alteração do estilo de vida da família, as migrações para as cidades e para o estrangeiro, o turismo, a deseristianização da sociedade, a influência do livro, imprensa e meios áudio-visuais e o ambiente dos estabelecimentos de ensino superlotados.
Quanto ião primeiro factor, isto é, a alteração do estilo de vida da família, sabemos que a mulher tende a exercer os mesmos misteres e ocupações que os homens e a viver, por isso, grande parte do dia útil fora de casa. Esta e outras realidades já levaram os autores do projecto do Código Civil a reconhecer «o acentuado declínio de concepção patriarcal da sociedade familiar, que força o legislador a (modificar a posição da mulher nas relações pessoais e patrimoniais com o marido, bem como a situação dos filhos sujeitos ao poder paternal ou à acção tutelar». De facto, o papel da mulher dos nossos dias torna-se cada vez mais amplo, porque ela alarga a sua concorrência na cultura, no ofício, no exercício dos direitos civis e até nos hábitos e no traje. Paira os rapazes e raparigas, os deveres a cumprir e as virtudes a praticar identificam-se dia a dia; a tal ponto que ameaça desaparecer a distinção clássica entre virtudes masculinas e femininas. Eu não digo que isto seja um bem. Mas é um fenómeno que se desenvolve de encontro ao nosso idealismo, e não 'há maneira de o cancelar; resta apenas orientá-lo. No capítulo da educação, esta nova feição de vida da mulher, que alguns chamam «emancipação feminina», tem repercussões muito sérias sobre as almas juvenis, pois a sua ausência do lar, e consequente falta de amparo e carinho, gerará nelas uma concepção do mundo ainda mais pavorosamente desumanizada. Concomitantemente, o cansaço provocado pelo ritmo trepidante da vida moderna impele os esposos a buscarem uma compensação passando os fins de semana longe do meio onde trabalham, do lar onde apenas vão comer
e dormir c também longe dos filhos. Deixa, assim, o lar de ser aquele presídio onde se refugiavam das perseguições e incompreensão da sociedade e aquela lareira onde todos se aqueciam e viviam, em comum solidariedade, as emoções dos êxitos e os travos das derrotas. Numa palavra: relaxam-se os vínculos familiares, que só o convívio diuturno pode manter e fortalecer, e sobre os filhos deixa de pairar a asa protectora, a um tempo austera e amorosa, da autoridade do pai e do afecto materno. Agrava-se, por consequência, o vácuo moral das crianças e adolescentes, sem proveito de qualquer espécie para o seu futuro de adultos.
Passemos ao segundo fenómeno: as migrações para as cidades e para o estrangeiro. Os entendidos dizem que o afluxo de gentes dos meios rurais para os citadinos é uma condição necessária do progresso económico, porquanto consideram a redução de percentagens da população ocupada ma agricultura um sinal da industrialização em marcha. Deve ser assim. Mas os educadores sentem que essa valorização económica exige um custo moral muito elevado e acham que, em parte, a corrente poderia ser estancada, recorrendo-se à melhoria das condições de vida regional. O certo é que o choque brutal da transição do meio ambiente sofrido pelos novos, atirados para a clausura urbana, agrava o número dos inadaptados. A perda de contacto com a natureza reflecte-se na sua saúde moral e física. A família perde-se num aglomerado incaracterístico, e os novos habitadores de um bairro ou zona citadina, que não lhes fala a linguagem da vizinhança e solidariedade, vêem-se condenados a um conjunto de complexos de asfixia e insegurança social. A ruptura de hábitos destas levas humanas, lançadas na massa anónima e muitas vezes hostil de milhares de indivíduos, traz-lhe a consciência desencorajante típica dos deslocados e gera nos novos o sofrimento da frustração. Para mais, está provado que o amontoamento urbano favorece o acerbamento das perturbações da adolescência e que o número de delinquentes é mais elevado nestas condições.
Mas piores do que estas migrações internas são as que tomam o rumo do estrangeiro. Longe da Pátria, os jovens emigrantes (e só em 1964 emigraram 21 958 indivíduos com menos de 24 anos, e em 1965, 33 606) correm, além dos riscos atrás apontadas, o do desenraizamento e descaracterização da personalidade. Sujeitos a influências ideológicas nem sempre sérias, sem pontos de apoio moral e intelectual, perdem, e isto é o mais grave, a sua consciência cívica, o seu amor à terra de origem. E, na hipótese de regresso, trazem na bagagem o desprezo pelas formas do nosso viver, se não o impulso de revindicta pelo abandono a que se julgam votados.
Terceiro factor: o turismo. Visto como propulsor do progresso económico, não há dúvida de que merece todos os desvelos dos governos. Representa, digamos, uma forma de expor tacão de produtos, em que o cliente se desloca para adquirir, paga a coisa e o frete e remunera os serviços, sem que o fornecedor tenha que sair do estabelecimento. Mas, analisado sob o aspecto educacional, nem tudo nele são rosas e aromas. Pode, e isso tem sucedido, contribuir para que a juventude, a idade mais datada da capacidade de assimilação, se deixe cativar de certas praxes de vida, não digo libertinas, mas quase, e seduzir por hábitos que contrariam a nossa habitual discrição pública.
Quarto factor: a descristianização da sociedade. Apesar das grandes manifestações colectivas de fé, há muitos espíritos preocupados com o futuro da espiritualidade cristã. E isto é particularmente notado após a celebração do Concílio Vaticano II, não pelas decisões deste memora-
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vel sínodo da Igreja, mas pela interpretação que lhes foi dada por alguns órgãos da imprensa, e sobretudo pelos relatos deformadores que faziam das suas sessões e debates. Houve alturas em que tudo, inclusivamente os dogmas, parecia estar em discussão. Ora, esta deturpação, aliada ao chamado progressismo católico, trouxe a confusão a muitos espíritos. De facto, aceitar o «sentido da história» como se Deus e os homens não pudessem intervir na rota da vida, considerar que a salvação está apenas na extinção da fome na terra, postergando aos olhos das massas o sentido ultraterreno da nossa existência, ou, como diz o Credo, da «vida do mundo que há-de vir», admitir a tese de que as ideologias do sim e do não vão ter, por caminhos diferentes, ao mesmo ponto de concentração, dar do estado da Graça uma noção tão aberrante que se possa receber a Eucaristia após uma noite de orgia, isto e o muito mais que se tem lido e ouvido não pode deixar de desorientar e perverter. Este caos doutrinário junto ao materialismo e ao laicismo dos tempos levantou anseios e interrogações sobre o futuro de algumas sociedades cristãs. Por mim, creio que haverá nesta visão pessimismo exagerado, mas do que não restam dúvidas é de que cresce o número dos subalimentados espirituais, não tanto pela falta de instituições pastorais, mas porque as orelhas vão endurecendo perante a desorientação e a contradição de alguns que deviam ser fiéis medianeiros da Palavra. Daqui o deduzir-se que podem vir tempos em que a mocidade esteja paganizada e se torne um campo missionário de difícil penetração. Seria então o máximo da sua crise, o clímax da sua tragédia.
Em quinto lugar, a influência do livro, da imprensa e de outros meios de comunicação. E sabido o domínio que estes meios de cultura exercem e é sabido também que, muitas vezes, não respondem às necessidades de aperfeiçoamento moral da juventude; pelo contrário, exaltam o fútil, ostentam o torpe, fazem a apologia da indisciplina e ridicularizam os mais sagrados valores. Perante estes instrumentos de excitação, as técnicas de preservação tornam-se impotentes, ficando, por isso, devassado aos semeadores do cepticismo, da sexualidade e da perversão o campo da idade que é a primavera da vida. Num colóquio celebrado há pouco num estabelecimento de ensino de Lisboa foi afirmada esta realidade apavorante: entram anualmente em Portugal milhões de exemplares de livros e revistas em que os temas são o banditismo, o ódio, o sexo, os estupefacientes e a prostituição. E, se esta avalancha de corrupção vinda do estrangeiro juntarmos a escória produzida dentro do País, temos que os nossos rapazes e raparigas estão sendo mortalmente intoxicados em proveito de organizações e agentes que enriquecem fabulosamente nesta nefanda actividade. O nosso mais elementar instinto de defesa reclama também contra esta modalidade de terrorismo uma repressão implacável.
Por fim, o ambiente das escolas superlotadas. No ensino secundário (no superior nem se fala) vai-se tornando cada vez maior a distância entre professores e alunos. A comunicação entre eles, em tempos praticada como função de alto valor pedagógico, tende a esvanecer-se, à medida que o volume da massa discente aumenta. Turmas passantes de 40 alunos não permitem que o mestre individualize o seu ensino e possa acompanhar os menos dotados. As lições são explicadas para um nível médio de inteligências, e pouco ou nada aproveitam aos infelizes retardatários. Vai-se assim estabelecendo como regra o «arrange-se como puder». Ora este «arrange-se como puder» ocasiona naqueles que não podem ter explicadores consequências dramáticas, porque perdem o gosto do estudo e as possibilidades de recuperação, ficando, por isso, perdidos na estrada da vida muitos jovens de merecimento inexplorado. Por outro lado, como o professor não aufere o quantum satis para ocorrer à subsistência da família, aproveita os tempos livres para se dedicar a outras ocupações longe do estabelecimento a que está agregado. Ê bem de ver que, assim, não há vagar para se estabelecer entre professor e aluno a corrente afectiva indispensável a toda a boa acção educativa. Falta o calor das relações humanas, sem o qual a escola passa a ser um dicastério, onde não se fala mais a linguagem do coração. Se a isto se juntar um plano de estudo tão vincadamente utilitarista que as disciplinas formativas se acham projectadas para uma posição de subalternidade e o negativismo de um que outro professor, os resultados não poderão ser encorajadores.
Sr. Presidente: Nesta célere exposição das circunstâncias que poderão complicar os problemas da nossa juventude não tive a pretensão de ser sequer suficiente. Mas muito menos o seria se não acabasse por apresentar algumas soluções, embora não em relação a todas (pois o factor descristianização da sociedade sobreexcede as minhas forças, e o da superlotação dos estabelecimentos de ensino será aprofundado quando se discutir o aviso prévio sobre o ensino liceal).
No tocante ao primeiro factor, isto é, a alteração do estilo de vida da família, entendo que se deve legislar no sentido de a mulher com filhos ser obrigada a menos horas de trabalho que os homens e as outras mulheres, ainda que se haja de compensar as empresas com benefícios fiscais e outros. Sabemos que a Organização Internacional do Trabalho pretende reduzir o número de horas laborais para todos os trabalhadores. Pois, se não podemos por enquanto aderir a uma convenção desse teor, visto precisarmos de manter o ritmo do nosso desenvolvimento económico, abramos excepção, ao menos, para as mães de família. Estas disporão de mais tempo para as lides domésticas e, sobretudo, para a assistência e educação dos filhos, mister em que verdadeiramente são insubstituíveis.
Quanto aos problemas originados pelas migrações internas, um dos meios de atalhar as suas graves repercussões sobre os novos seria a construção de centros gimno-desportivos e de outros de cultura e recreio nos bairros novos que se vão formando na cintura das cidades. É imperioso que as edilidades e os seus urbanistas, sempre que incumbidos de planear novas zonas habitacionais, não, se esqueçam de contar com ginásios, piscinas e centros de cultura e recreio, porque são, em plano diferente, tão necessários como a igreja, a escola e o mercado. De resto, a educação física no nosso país, não obstante a obra imensa já realizada (imensa, digo bem, para quem partiu do inexistente), ainda não atingiu o desenvolvimento exigido pelas necessidades da população juvenil. Há muito, mesmo muito, a fazer neste aspecto, e não podemos esquecer que a educação física é, não um complemento gratuito, mas um meio indispensável de aperfeiçoamento; moral e intelectual.
Quanto aos menores emigrados para o estrangeiro, convém fazer tudo para que não se desenraízem do essencial da sua mentalidade de origem. Para isso, deveriam criar-se escolas e liceus nos meios onde a sua densidade fosse maior, assim como lares de diversão e leitura, tanto para eles como para os adultos. E não lhes deviam faltar, além da assistência religiosa e social, missões frequentes de teatro e cultura. Creio estarmos perante uma realidade merecedora de inadiáveis cuidados
Sobre o turismo, pertence à escola e à imprensa manter uma insistente campanha de defesa dos valores nacionais, apregoando as indiscutíveis excelências de algumas formas
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do nosso viver, exaltando as vantagens que comportam, em relação a outros países, muitos dos nossos usos e costumes, e, acima de tudo, a conveniência em se manterem as características próprias do nosso povo quanto a bondade de trato, discrição de maneiras, apego terrantês, forte religiosidade e outras expressões sublimes de convivência humana.
Sobre a influência do livro, do filme e outros instrumentos de sociabilidade, direi que não basta estabelecer à volta do corpo nacional um cordão sanitário contra as ondas de depravação que o pretendem submergir. É preciso aumentar a produção, mas em escala centuplicada, de bons livros e bons filmes. O Estado tem criados os órgãos especializados para esse efeito: a Comissão de Literatura para Menores e o Instituto de Meios Audio-Visuais, além de outros. É necessário estimular a criação artística, premiando-a e subsidiando-a, e também transpor para a linguagem, traduzindo e adaptando, as maravilhosas espécies que o estrangeiro possui. Mas este trabalho reclama meios, decisão e urgência. Se há idade que não sabe nem pode esperar, ó a mocidade, impaciente por condição e sôfrega por necessidade.
No fim destas considerações, que julguei de interesse para a Assembleia, apraz-me reafirmar que não vejo o presente estado da nossa juventude com o pessimismo que alguns manifestam sobre ela, e julgo que estão a contemplar as coisas com lentes deformadoras das realidades. A juventude, tempo de vida entre a dependência e a autonomia, entre o desprendimento e a responsabilidade, não pode ser uma idade indiferente e mortiça; foi e será sempre dotada de certa tensão espiritual, de certa inadaptação ao modo de ser dos adultos. E ainda bem, porque é preciso que ela seja ainda melhor do que nós. Eu creio na juventude, porque creio na força da verdade, da beleza e da vida.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães. Aníbal Rodrigues Dias Correia. António Augusto Ferreira da Cruz. António Barbosa Abranches de Soveral. António Calheiros Lopes. Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Francisco António da Silva.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Nunes Fernandes.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Alves.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Augusto César Cerqueira Gomes.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
Gustavo Neto de Miranda.
Jaime Guerreiro Rua.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Bento Martins Soares.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
O Redactor — Luiz de Avillez.
Imprensa Nacional de Lisboa