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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA - GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 54
ANO DE 1967 12 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 54, EM 11 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex. mos Srs.
Fernando Cid de Oliveira Proença
António Moreira Longo
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 52, inserindo o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção referente ao decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1967
SUMARIO: - O Ur Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos
Antes da ordem do dia. - Fui aprovado, com rectificações, o Diário das Sessões n.º 48.
O Sr. Presidente anunciou encontrarem-se na Mesa, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Diários do Governo n.ºs 303 e 7, 1ª série , que inserem os Decretos-Leis n.ºs 47 479, 47488 e 47489
Foram recebidos tia Mesa os elementos solicitados pelo Sr Deputado Elmano Alves sobre portagem na Ponte do Marechal Carmona, os quais lhe vão ser entregues
O Sr. Deputado José Alberto de Carvalho foi autorizado a depor como testemunha no 3 º juízo criminal do Porto
O Sr. Deputado Amaral Neto apresentou quatro requerimento» solicitando elementos a fornecer pelos Ministérios da Economia, das Finanças Comunicações e Previdências das Corporações e Previdência Social.
O Sr. Deputado Nunes Barata, evocou a figura e a obra de Antero de Figueiredo, a propósito do centenário do seu nascimento
O Sr Deputado Tito Lívio Feijoo fez considerações acerca do Decreto n.º 47314, respeitante ao arrendamento rural e à parceria agrícola em Cabo Verde
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre o aniso prévio do Sr. Deputado Braamcamp dobrai relativo a educação da juventude
Usaram da palavra, os Srs Deputados Águedo de Oliveira, Marques Teixeira, José Alberto de Canalha e Martinho Vaz Pires
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 19 horas
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
André Francisco Navarro.
António Santas da Cunha.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Dias Ferrão Castelo Branco
António Furtado dos Santos
António José Bráz Regueiro
António Júlio de Castro Fernandes.
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António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
ugusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Francisco Cabral Meneada de Carvalho (Cazal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondino da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
osé Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme Rato de Melo e Castro.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Mana de Castro Salazar.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pais Ribeiro.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Júlio Dias das Neves.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
D Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
Rui Pontífice de Sousa.
Sebastião Garcia Ramirez.
Sérgio Lecercle Sirvoicar
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Livio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa e em reclamação o Diário das Sessões n.º 48.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: Peço a V. Ex.ª o obséquio de mandar proceder a algumas rectificações a uma intervenção minha que vem [...] nesse Diário são as seguintes:
[...]
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deduzir qualquer reclamação, considero aprovado retendo Diário com as rectificações solicitadas pelo Sr. Deputados Pinto de Mesquita.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Está aprovado.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109 da Constituição estão na Mesa os Diários do Governo n.º 303 e 7 1.º série respectivamente de 31 de Dezembro e 9 do corrente mês que userem os decretos-leis Seguintes.
N.º 47479 que aprova para actuação de vários regulamentos adicionais modificando o Regulamento Sanitário Internacional.
N.º 47488, que promulga a primeira fase da reforma da actual orgânica da Administração-Geral dos Correios Telégrafos e Telefones aprovada pelo Decreto-Lei n.º 36133 - Revoga os Decretos-Leis n.º 48536, 38682, 40634 40765 41134 e 41807.
N.º 47489, que promulga a primeira fase da reforma da actual orgânica da Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones aprovado pelo Decreto-Lei. N.º 136135 - Revoga os Decretos- Leis n.º 48536, 38682, 40634 40763 41134 e 41807.
N. 47489 que promulga a 1.ª fase da actual orgânica da Administração Geral do Porto de Lisboa aprovada pelos Decretos Leis n.º 36976, 3833 e 42624 e anda o Decreto Lei 41823 e determina que de Ter aplicação á referida Administração geral as disposições do Decreto-Lei 37190.
Estão na Mesa os elementos perdidos ao Ministério das Comunicações pelo Sr. Deputado Fernando Alves, na sessão de 13 de Dezembro do ano findo, respeitantes á receita da portagem colocada na Ponte do Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira pela Direcção Geral dos Transportes Terrestres.
Vão ser entregues aquele Sr. Deputado.
Está na Mesa um ofício do 2.º juízo criminal do Porto pedindo autorização para que o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho possa depor naquele tribunal no dia 27 de Fevereiro como testemunha em audiência de julgamento do réu Albano Frederico Morais da Silva adjunto do director escolar do Porto.
Na incerteza de a Assembleia estar ou não nessa altura em funcionamento ponho desde já o problema á Câmara.
Ouvindo o Sr. Deputado em causa, declarou que não via inconveniente para o exercício da sua função parlamentar em que lhe fosse concedida a referida autorização pelo que no caso de a Assembleia estar em funcionamento submetido á aprovação da Assembleia estar em funcionamento submetido á aprovação da Assembleia estar em funcionamento submeto á aprovação da Assembleia a concessão de tal autorização.
Submetido o assunto a aprovação foi concedida autorização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto.
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O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: Pedi a palavra para apresentar alguns requerimentos, que possa ler.
Nos Termos constitucionais e regulamentares requeiro que pelo Ministério da Economia mesa para prestadas as seguintes internações com relação ás importações de batata para abastecimento público durante o ano de 1960.
1) Cópias dos despachos que autorizam com as informações ou propostas incidiram .
2) Cópias dos anúncios programas e condições dos concursos para diversas importações.
3) Relações dos concorrentes e das suas propostas com especificação das que foram preferidas.
4) Discriminação das partidas recebidas, por quantidades e datas, e dos respectivos preços de venda aos armazenistas e preços fixados para venda ao público.
5) Preços praticados para a batata de consumo de produção nacional dos produtores para os armazenistas e nas vendas ao público antes da primeira importação de batata.
6) Estimativas da produção nacional de batata no ano de 1966 e das quantidades presumidas disponíveis para abastecimento público pelos fins dos meses de julho, Agosto e Novembro próximos passados e bem assim dos consumos médicos mensais.
Nos termos constitucionais e regimentais, requeiro que pelos Ministérios da Economia e das Finanças me sejam prestadas as seguintes informações, com respeito a vales concedidos pelo Estado a operações de financiamento de empresas privadas.
1) Relação nominal das empresas beneficiárias reportada a 31 de Dezembro de 1966 com especificação das datas, fins e montantes dos diversos avales em efectividade dos encargos dos mesmos porventura decorrentes para o etário público e se estes são ou não reembolsáveis.
2) Relação nominal das eventuais devedoras ao Estudo a titulo de reembolso dos encargos considerados no final da questão anterior nos fins dos anos de 1965 e de 1966 respectivas importâncias e previsões de liquidação.
Nos termos constitucionais e regimentais requeiro que pelo Ministério das Comunicações, me seja prestada amortização concreta e bem descriminada, de como, foram aprovados os quase 18000 contos despendidos pelo Gabinete de Estudos e Planeamento dos Transportes Terrestres nos três anos de 1963 a 1965 inclusive especificando os estudos e planos já concluídos e os que estivessem em curso nos fins do último dos referidos anos.
Nos termos constitucionais e regimentais requeiro que pelos Ministérios das Finanças, da Economia e das Corporações me sejam prestados as seguintes informações.
1) Relação nominal das empresas privadas de que o Estado ou quaisquer organismos de coordenação económica ou corporativos (incluíndo caixas de abono de família e de providência e respectivas federações) accionistas ou detentoras de obrigações especificando as empresas as entidades nas condições acima indicadas que em cada qual estejam interessadas e os montantes e naturezas dos respectivos interesses.
2) Relação igualmente discriminada dos dividendos e juros consequentemente percebidos em cada um dos anos de 1964 , 1965 1960.
O Sr. Nunes Barata : - Sr. Presidente, Srs, Deputados. No passado mês de Dezembro a cidade de Coimbra, por emotiva da sua benemérita biblioteca municipal associa-se as comemorações do primeiro centenar o do nascimento de Antero de Figueiredo.
Uma exposição bibliográfica realizada na biblioteca municipal e colaboração promovida pela Câmara Municipal de uma lápide em casa onde o escritor nasceu constituírem oportunidades para que Coimbra estabelecesse a memória de mais este seu ilustre filho.
Antero de Figueiredo encontrou-se ligado a Coimbra não só pelo nascimento como anda pela Universidade de 1886-1887 a 1887-1890 mato culpou-se nos preparatórios da Faculdade de Medicina. Ai conversa com as primeiras figuras da mocidade coimbrã do tempo. Dessa convivência da-nos conta Agostinho de Campos em saborosa evacoação.
Em Outubro de 1887, fomos para Coimbra, Alberto de Oliveira e eu, e ali conhecemos Alberto Osório de Castro, António de Melo (Toy), l'agénio Sanches da Gama, João de Meneses, Eugénio de Castro António de Figueiredo, António Fogaça e os brasileiros Francisco Bastos e Artur Pinto Rocha. António Nobre chegou ao Mondego, com um atraso de dois anos no seu comboio de preparativos.
Em 1889 dividiu-se a literatura coimbrã em dois grupos o mais númerosos dos quais organizou a Bohimna Nota e outro Os Insubmissos. Aqueles poetas de 17, 20 anos - com excepção de Eugénio de Castro - « eram alunos de que seria talvez praticamente mais proposta das Dificuldades se em Portugal os estudos possam praticos» Antero de Figueiredo não estudava. Direito, não elaborou em nenhum, dos jornais também - crise raro - nunca fez versos.
Oficialmente era por esse tempo estudante da Faculdade de Filosofia com vista á de Medicina Literariamente ( ) 1 a e comentava o que lia em lugar de escrever. Falando-nos dele, - António Nobre arredondava anda mais os seus olhos redondos chamava-lhe com grave respeito a crédito.
Mas a doença também não permitiu a Antero Figueiredo prosseguia em Coimbra os seus estudos em 1890, vinda pela Espanha, França, Suíça e Itália. No Inverno de 1891 a 1892 parte para os Estados Unidos da América como secretário particular do Ministro Brasil em Washington. Em 1892, encontramo-lo viajando pela Inglaterra, e em 1895, a concluir em Lisboa, o curso superior de Letras.
A doenças e as viagens tal como a experiência coimbrã, tiveram profunda influência no destino de escritor.
Mas o seu itinerário vinha a ser mais extenso o mais profundo. Uma longa existência - Nasceu em 28 de Novembro de 1886, faleceu em 10 de Abril de 1933 - permitiu-lhe ser espectadora consciente de uma das épocas mais ricas da história. Um amor da [...]
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feita expressão tomou o seu testemunho indispensável a quem desejar conhecer algo do muito que vivem nos últimos cem anos.
Fernando de Sousa (in O Alcance Relegioso na Obra Literária de Antero de Figueiredo) evidenciou três períodos que destinguem e obra literária de Antero de Figueiredo.
De 1893 a 1910 é exaltação da paixão amorosa de que Tusina (1893) Alem (1893) Partindo da terra (1897). Palavras de Aquilo (1893). Começos (1908) Doida de Amor (1910) são testemunhos. A essa época (1905) pertence ainda Recordações e Viagen, obra que no juízo de Adelino Figueiredo deu notariado ao nosso escritos obra de lhe as portas tribunais do êxito literário.
Evacuando e descrevendo as suas reminiscências Antero de Figueiredo compraz-se principalmente em constitua estados sentimentos da consciência onde triunfam o devaneio e a saudade colonista ( )
A época que vai de 1913 a 1924 é caracterizada principalmente pelo romance histórico D. Pedro e D. Luis (1913) Leonor Teles (1916) e D. Sebastião (1924 são «trechos de história postos em arte» seguindo expressão do próprio autor. É ainda Adelino Figueiredo que acentua Ter-se produzido com as obras D. Pedro D. Luis e Leonor Teles um género novo na lucratura portuguesa genérico híbrido, que participa da probidade científica Internados e da liberdade artística do [...]
Mas o poder para uma especial literatura de viagens reafirma-se nessa época com formadas em Portugal (1918) e Espanha (1923).
Formadas em Portugal, que ao tempo, Júlio Pintas classificou a obra prima de Antero de Figueiredo consagrou no seguimento das suas obras históricas, «o pesado reflectido, vemaculo erudito profundo picoempulo sobretudo com as realidades humanas na posse plena e calma do seu polabilissimo talento verbal»
Pinheiro Torres por seu turno saudaria com entusiasmo o nacionalismo do autor ao escrever.
As suas jornadas são um livro nosso, internamente nosso é a nossa terra, são as nossas passagens, sãos os tipos característicos do povo, são os nossos escritores e artistas integrando-se por completo nas passagens e terra portuguesa. Este livro tão belo como oportuno fica como uma boa acção evocadora e despertadora de energias como um documento de que as únicas coisas portuguesas não são o calão e o fado.
Espanha mereceu a Jaime de Magalhães Lima num trabalho que intitulam o Herdeiro da Ade de Ramalho Oriagão uma interpretação de que me apraz destacou o seguinte passe.
A Espanha começa por animar que «viajar é ver pintar modelar abrir ante a beleza- novidade» mas tão largamente vê em tal policroma pinta tão miúdamente modela e tão extensivamente vibra que por simpatia meprível com o nosso guia, se apossa do nosso e pirito o pressentimento de que vou pintar, modelar e vibrar ante a beleza não é só viajar é viver.
A terrena é última fase na obra de Antero de Figueiredo se verdadeiramente se micia a com a publicação de Senhora do Amparo (1920) atinge as culminâncias em O Último Olhar de Jesus (1920) [...] (1936) Amor Supremo (1940) e Pessoas do Bem (1942).
Senhora do Amparo marca do seu autor Ele próprio escreveu.
Cheguei áquela época da vida em que se faz o seu balanço do tempo ganho e do tempo perdido, dos nossos acertos, dos nossos defeitos e das nossas qualidades e não me dobro, triste, sobre o saldo que sou antes colho de tudo claro ensino. Cheguei áquela fase da existência em que a visão retrospectiva a mentira, a injustiça, a ingratidão dos homens longe de me causar contra eles, antipatias e azedumes, se me provoca lágrimas que fazem bem aos seus pecados.
Espelhos da sociedade contemporânea de 1920 Senhora do Amparo como acentuou Domingos Marício (uma Mensagem Artística de Antero de Figueiredo) é, também espelho da alma de Antero de Figueiredo nas fases progressivas da sua obra, sob o ponto de vista religioso.
Não for ele, nos primeiros anos da sua carreira de escritor um processo da beleza exterior, sensível nas formas pagãs da natureza maminada e da vida ou um mágico bruxo crédulo nos exotersinos individuais e sociais do ritual dessa beleza. Não o seduziam fanaticamente, as grandes parvões humanas, penetradas de um vago idealismo romântico, mas na realidade, encharcadas em sensualidade crua, como em D. Pedro e D. Luís, no músico João ou em Gabriela. A própria interpretação religiosa da natureza e da arte, feita em Recordações e Viagens ou em Jornadas em Portugal não se reveste toda de sentimentalidade formalista, exterior preconcebida porque orientada pela persuasão de quem vislumbra na religião simples fonte maravilhosa de belos efeitos emotivos mas donde anda ausento o profundo e verdadeiro sentido, na visão das coisas, que ela envolve Com Senhora do Amparo deixa de ser assim.
Mas a evolução isensional da sensibilidade mística de Antero de Figueiredo só em o Último olhar de Jesus encontra a consagração perfeita.
Fiz-me para além do mezzo del comum de nostra vita tendo alcançado aquele ponto da curva existência onde começa a descida da encosta, o declive para a morte.
Este período poderá tornar-se primavera florida, este famoso se serenamente reconfortados com a força de tudo que tem de ser e resignados ao que é mevitável souberinos viver com sábia calma e penetrante lucidez fazendo nele a visão dos erros cometidos considerando-o evito de confessionário constituindo-o astero tribunal onde, voluntariamente a nós próprios nos julgamos e sentenciamos.
A sinceridade na arte! Identificação com o escultor Leonardo o artista admirável das páginas de O Último Olhar de Jesus, reconhecer não ser possível vislumbrar a face divina sem ao mesmo tempo, se alimentar de divino frequentar o sobrenatural conviver com o intuito.
A estética cristã purifica-lhe ao escultor Leonardo o espírito restituam-lhe a fé mas ainda em forma imperfeita porque o grande problema da sua simplicidade na arte religiosa é este para a traduzir a
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beleza das coisas divinas é preciso vive-las em fé, esperança e caridade quer dizer, é preciso viver a religião. Ora para atingir o ideal artístico da expressão de beleza divina é preciso subir às alturas da santidade, tal é a conclusão de O Último Olhar de Jesus (Domingos Maniero, III trabalho citado)
Aquilo que já se chamou a «grande trilogia» de Antero de Figueiredo e constituindo por Fátima [...] Supremo e Pessoas do Bem. Na verdade a consagração do sobrenatural em Fátima completa-se com a homenagem do valor e beleza moral do estado religioso em Timor Supremo e ao apostolado leigo em Pessoas do Bem.
Ao escrever Fatima, Antero de Figueiredo ligou-se profundamente ao mais transcendente acontecimento religioso do nosso seculo.
Misterioso Dom do Céu! Na hora de Portugal (e do Mundo!) dos homens em guerra na hora do pensamento e do sentimento religioso em crise pelos desvios da razão, pela descrença pela ignorância, pela leviandade pelo pensar livre de muitos e pela religiosidade de tantos pela filosofia-incerteza e pelo ensaio, tentativa pelas duvidas inquietações hesitações perplexidades indiferenças apatias - em tal hora trágica ante a perspectiva do nafrágio na treva na anarquia na dissolução desce do Ceu a hora salvadora a Pincel.
Fátima não constitui apenas o itinerário espiritual da alma simples de uma pastorinha que atinge a mais alta ascese religiosa mas o espectáculo ramo de uma multidão identificada em propósito, violação e pesca.
Ah! Como seria belo ver engrossar, avolumar este papel humano, velo rolar por toda a terra, para em seguida sempre cada vez maior constituir o universal sentir e pensar da humanidade religiosa!
Mas foi ainda a convivência com a testemunha central dos acontecimentos de Fátima que o terá conduzido a realização de Amor Supremo. Desse caso particular de vocação religiosa claustrel, ei-lo interessado pelo magno problema da vocação religiosa em geral.
[...] ainda Domingos Mauricio que em [...] de Amor romanceou na mocidade as loucuras do afecto terreno e inundano, chega [...], no apogeu da virilidade artística a expressão mais alta dos seus [...] como cantor de parvo da divina caridade em Amor Supremo.
~Sr. Presidente: Não constituirá exagero atribuir que Antero de Figueiredo teve entusiastica audiência em muitos dos que constituiram a minha geração de Escolas de Coimbra.
Evocá-lo constitui ainda para mim um preito de gratidão pelas horas de prazer espiritual que me prodigalizou pela seriedade dos temas em que me introduziu.
O que dei a entender permitiria concluir que o maior legado de Antero de Figueiredo tem a beleza da sua própria trajectoria espiritual.
Mas para lá desta lição, outras e bem numerosas a tiram da obra do escritor, o amor e Portugal, a fideliddae, a língua portuguesa a sensibilidade a arte o apego aos grandes problemas do homem e aos movimentos de sentido colectivo e sobretudo a fidelidade a grande mãe natureza.
Escutemo-lo em Jornadas em Portugal quando em primores de estilo fala da Patria amada atende-mos nesse lugar [...] que é a descrição da lei artística da prosa
Acompanhamo-lo em Senhora do Imparo quando nos evoca um dia de luz no Geres ouçamo-lo na peregrinação à majestosa catedral quando em Toledo (1934), seus olhos pávidas antevêem numa hora profética, a turba dos revoltosos que um dia arruinaram as ruínas da cidade de Grego, meditemos, enfim nessa assombrosa reconstituição que é a precisão dos fogaréus, em Braga - e coordenemos que aquele futuro glorioso que em 1893 no prefácio de Tristão João Penha lhe inaugurava se concretizou.
Na verdade, aliando a originalidade do pensamento à correcção musical do texto, o grande prosador da língua portuguesa que foi Antero de Figueiredo bem poderia dizer, com autoridade.
[...]
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Tito Livio Feijóo: - Sr. Presidente: Em 13 de Novembro do ano que há pouco findou foi publicado, pelo Ministério do Ultramar, o Decreto n.º 47 314 sobre arrendamento rural e pareceria agrícola em Cabo Verde.
Todos os que , por dever do ofício ou por simples amor à terra, tiveram oportunidade de se debruçarem sobre os problemas da província já certamente verificaram que entre eles o de arrendamento da propriedade rural tem especial relevância. Creio ser mesmo um dos maiores problemas sociais do arquipélago e com interferência profunda em todos os trabalhos de infra-estrutura que se projectem com vista à melhoria do rendimento agrícola do território e a consequente elevação do nível de vida das populações rurais.
Para que se faça uma ideia da projecção que o mesmo terá na província, basta que diga que 70 por cento da população são constituídos pelos agregados familiares agrícolas que vivem das 29 249 empresas que ocupam 40 por cento da população activa. Destas empresas entre as quais apenas existem 78 com dimensão superior a [...], 8385 são exploradas em regime de arrendamento e 16 987 sob a forma de parceria.
Tendo em conta os números que indiquei, pode-se dizer que o decreto agora publicado vai atingir favoràvelmente conforme terei a seguir ocasião de mostrar, 89,2 por cento da população activa da província empregada da agricultura.
Se atendermos a que os mais altos níveis de produção agrícola e de conservação do solo e da água se obtém não em propriedades exploradas em parceria ou sob a forma de arrendamento, mas sim naquelas em que predomina a administração directa se entrarmos em linha de conta com outros factores francamente desfavoráveis existentes no arquipélago, muitos deles pelo menos por ora insusceptíveis de melhoria pelo emprego da técnica se juntarmos a tudo isto a circunstância de na província 33 000 há terem presentemente condições de aproveitamento agrícola e se finalmente, considerarmos que ainda hoje, em todo o território, cuja superfície é de 4033 Km2 as manhas do regadio nem sequer chegam a atingir os 1400 há é fácil descortinar quão difícil é neste momento a agricultura naquelas ilhas, onde como se viu o arrendamento e a parceria imperam como formas mais vulgarizadas da exploração do solo.
O arrendamento rural e a parceria agrícola regulavam-se na província pelo Decreto n.º 2637, de 21 de Setembro de 1916, que se aplicava a todos os contratos cujo valor da renda ou da quota de parceria não fosse superior a 200$.
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Ou seja a 4000$ a face da valorização estabelecida pelo Diploma Legislativo n.º 389 de 25 de Fevereiro de 1933.
Determinava o errado decreto que o contrato de arrendamento devia ser escrito e sujeito à autentificação notarial. Mais tarde a Portaria Providencial n.º 234 de 17 de Junho de 1917 dispensou o reconhecimento notarial e estabeleceu que apenas haveria lugar ao pagamento do imposto do selo quando o valor da renda fosse superior a 13$, ou seja a 300$, à face da valorização estabelecida em 1933.
Com a publicação do novo decreto foi-se mais continua-se a exigir e diga-se de passagem muito bom, o contrato escrito mas sem quaisquer restricções em relação ao valor da renda ou da quota. Limitaram-se ao máximo as formalidades legais a cumprir pelas partes e inclusivamente se dispensou a autenticação notarial e se estabeleceu que tanto os contratos de arrendamento como os de parceria são isentos de quaisquer encargos e portanto daqueles resultantes do imposto do selo.
Poder-se-á perguntar se existe de facto alguma razão forte que justifique a obrigatoriedade de em Cabo Verde os contratos de arrendamento rural serem escritos, quando é certo que na metrópole se permitem, à face da lei n.º 2114, de 13 de Junho de 1962 para casos idênticos contratos verbais. Responderei sem rebuço que sim e admite apresentarem as razões em que me baseio. Bem informado andou S. Exa. o Ministro do Ultramar ao tornar, para a província obrigatório o contrato escrito em todos os arrendamentos rurais mesmo a despeito de o contrato verbal ser geralmente aceite pela legislação em vigor em quase todos os países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem o decreto ùltimamente publicado, além de muitos outros o mérito de Ter alargado a obrigatoriedade do contrato escrito a todos os arrendamentos rurais e de simultâneamente ter conseguido tornar mais o acesso dos interessados à sua concretização mercê da anulação draconiana de todos os trâmites prescindíveis e da isenção de quaisquer encargos.
Assim, atendendo às condições sócio-económicas próprias do arquipélago, e com perfeito conhecimento daquilo que a pátria nos tem indicado acerca das relações entre o proprietário e o rendeiro - quantas vezes também específicas de Cabo-Verde - se legislou tornando expedito simples o acessível ao mais aletrado dos arrendatários o contrato escrito que para o caso repito especialissimo da província é a única garantia que se poderá obter do desejado equilíbrio social que todos os que amam a justiça pretentem ver instalado no binário proprietário-rendeiro, base em que assenta quase toda a economia da província e pedra de toque - cuja sensibilidade já não raras vezes se tem feito sentir - dos mais relevantes problemas sociais daquelas ilhas que, tão desatorturadas de bens materiais alojam no entanto uma população que embora possa contornar-se, ao ponto dos mais altos sacrifícios com a pobreza com que a natureza a dotou jamais a sua sensibilidade e o seu sentido apurado daquilo que é justo ou injusto poderiam ficar indiferentes as regras que o poder dos homens institui para regular a forma de convivência humana quando estão em jogo interesses quer morais quer materiais.
Não tenho dúvidas de que se só através do contrato escrito e legalmente visado se consegue, na prática controlar as relações senhores-rendeiro. A desperto de o problema do regime de exploração da terra em Cabo Verde Ter sido nestes últimos 50 anos, objecto de vários diplomas legais posso aqui afirmar que jamais se vislumbram neles qualquer utilidade palpável tendo todos sido durante a sua vida inoperantes, e justamente porque o que regulavam era na maioria das vezes insusceptível de ser controlado.
Os contratos, quando porventura reduzidos a escrito eram do tipo [...] e sem qualquer defesa para o rendeiro e quando verbas - o que aceitei a quase sempre - eram de impossível controle, esse controle que permite sem alardes mas antes com cuidada descrição e verdadeiro sentido de equidade estabelecer a justiça social e de tal forma que haja o devido respeito pela propriedade alheia sim mas também igual consideração pelo trabalho do rendeiro e pela sua dignidade humana.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orados: - Ao pretender-se realizar um contrato de arrendamento rural sobressaem dois aspectos fundamentais a sua duração e o valor da renda.
Os técnicos de economia agrária costumam classificar os arrendamentos quanto ao prazo em curtíssimos, curtos, médios, longos e muitos longos. Curtíssimos são aqueles cuja duração vai até um ano. Naturalmente em Cabo Verde os contratos de arrendamento celebram se por este prazo.
No entanto o decreto ainda em vigor embora estabelecera que a duração nunca poderá ser inferior a um ano agrícola completo prevê na hipótese de ser inferior a três o direito de prorrogação até completar este prazo desde que o rendeiro tenha cumprido verbalmente todas as clausulas constantes do contrato.
Ora na prática que se dá? O proprietário quando não pretende a prorrogação arranja sempre e sem dificuldade uma pretensa razão para não a conceder e desta forma faz automàticamente cessas o contrato ao fim do curtíssimo prazo de um ano. É claro que o rendeiro, por seu turno, sabendo que na prática nenhuma garantia possui de obter a desejada prorrogação procura [...] da terra o máximo rendimento, sem de forma alguma se interessou pelos mais rudimentares cuidados quanto à manutenção do fundo de fertilidade do solo.
A respeito dos chamados «arrendamentos curtíssimos» dizia o seguinte o saudoso Prof. Lima Basto.
[...] a manutenção e o melhoramento do solo que tanto importam ao interesse nacional de modo geral e ao interesse do proprietário de modo particular, nunca são devidamente [...] pois nestes arrendamentos coisa alguma [...] o rendeiro a aplicar o seu talento de administrados, o seu trabalho e o seu capital nesse sentido todos os seus esforços se concentram pelo contrário encontrar o máximo proveito das circunstâncias que se lhe apresentam no curto prazo que lhe concedem correndo o risco de dispor hoje de uma terra e amanhã de outra convém-lhe Ter os seus capitais sob a forma mais liquida possível e não os mobilizar em [...] ( )
O decreto recentemente publicado resolverá sem duvida o momentoso problema do prazo dos contratos do arrendamento rural na província que de futuro jamais poderá ser de duração inferior a três anos. Também estabelece que findo este prazo ou outro de superior duração que porventura tenha sido fixado se presume renovado o contrato por mais três e assim sucessivamente e até ao limite de 30 anos desde que o arrendatário se não tenha despedido ou o senhorio o não despeça no tempo e pela forma estabelecida no Código de Processo Civil.
Também a esse respeito o decreto em apreço foi mais longe do que a lei n.º 2114 porquanto nele se estabelece,
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e muito que o senhorio só poderá opor-se às três primeiras renovações quando porventura pretenda explorar a propriedade pelo prazo mínimo de seis anos, por conta própria ou por seus descendentes e desde que faça a prova de não possuir outros bens que excedam o valor dos bens arrendados. No entanto, na hipótese de o proprietário ou seus descendentes cessarem a exploração da propriedade no decurso do citado prazo de seis anos sem
motivo de força maior o arrendatário cessante além da garantia de poder reocupar o prédio também terá direito a uma indemnização equivalente ao rendimento ilíquido da propriedade correspondente ao tempo durante o qual deixou de o explorar.
Havia, evidentemente, toda a razão em que se considerar como aliás se considerou o directo do proprietário do poder não aceitar a prorrogação, desde que decidisse explorar o prédio por conta própria ou dos seus descendentes. De forma alguma se poderia pensar em atribuir ao rendeiro prerrogativas que de modo algum nos pudessem levar a esquecer em manifesta distorção os princípios que regem a propriedade privada em toda e qualquer parte do território nacional aliás com raízes tão profundas entre nós e que o actual regime político sempre tem assegurado.
A despeito dos muitos problemas sociais e económicos que a existência de proprietários rurais absentistas possa suscitar, nesta ou naquela latitude do espaço português não podemos nem devemos, esquecer, mesmo embalados pelo entusiasmo que nos possa merecer a administração por conta própria, que o arrendamento e a parceria são formas legítimas da exploração da propriedade rústica e que ao lado das garantias que, muito justamente deverão ser concedidas ao rendeiro, há também que colocar em situação de absoluta paridade os legítimos direitos do proprietário. Se por um lado é preciso que o rendeiro sinta a segurança da continuidade - condição essencial ao êxito da exploração - por outro lado necessário se torna que o proprietário seja também rodeado da suficiente garantia quanto à conservação, em boas condições dos capitais fundiários. Sem que se dêem simultâneamente, estas duas circunstâncias, não será possível que do sistema de arrendamento resultem para um e outro os justos rendimentos que ambas legitimamente ambicionam.
Não há dúvida de que à face das novas disposições contidas no decreto em apreciação, o rendeiro deixou de estar sujeito às duras contingências a que há pouco me referi e que se tem servido para nele criar o desânimo e quantas vezes ódios que se vão avolumando com o tempo e que teriam sido por outro evitados se o equilíbrio da relação proprietário-rendeiro se tivesse mantido sempre como uma realidade viva e não como um mito criado à sombra dos inoperantes Decretos de 1914 e de 1916.
Felizmente a face das novas disposições legais possui o rendeiro das propriedades rurais de Cabo Verde a usufruir dos benefícios, unanimemente reconhecidos dos chamados «arrendamentos longos». A técnica continua que só a partir do 6.º ano é para ele economicamente viável intensifica as culturas do solo. Com os períodos de duração agora estabelecidos e que em regra, poderão atingir os doze anos ficarão protegidos neste aspecto, os interesses das partes. Por um lado possibilitou-se ao arrendatário poder tirar a justa recompensa construída pela melhoria de rendimento resultante da instalação de benfeitoras. Por outro lado, jamais o proprietário assistirá à destruição constante do fundo de fertilidade das suas terras, que no futuro o rendeiro passará a utilizar aliás também no seu proveito de forma racional introduzindo nelas novas técnicas culturais só susceptíveis de aplicação económica nos arrendamentos a longo prazo.
Conforme [...] tive ocasião de frisar um outro aspecto fundamental a encarar no contrato de arrendamento é precisamente aquele que diz respeito à fixação de renda.
O diploma que presentemente regula a matéria de que estou tratando não apresenta qualquer norma sobre o cálculo do montante da renda, a despeito de a legislação anterior ou seja o Decreto n.º 962 de 21 de Setembro de 1914, Ter previsto que na fixação da renda se atenderia, principalmente à natureza extensão e situação dos terrenos a existência de culturas já realizadas e finalmente ao rendimento provável da propriedade calculado por média estável. Quer dizer o legislador deste último decreto esboçou a preocupação de no estabelecimento do valor da renda se aproximar tanto quanto possível da chamada «renda justa» ou seja aquela que no dizer do Prof. Lima Basto corresponde apenas ao somatório dos juros dos capitais fundiários as taxas normais.
O decreto agora publicado, embora não indique concretamente a formula a adoptar no calculo estabelece no entanto que a renda deverá ser fixada pelos [...] «dentro dos limites em que deve ser considerada justa».
Prevê também que na falta de acordo a sua fixação competira a uma comissão arbitral presidida pelo juiz municipal e de que fazem parte obrigatòriamente os representantes dos proprietários e os rendeiros da região.
No intuito a todos os títulos louvável de facilitar a questão pode o governador da província a face do novo diploma estabelecer para cada zona ou para cada tipo de exploração os limites máximos e mínimos das rendas relacionando-as quando conveniente com o rendimento colectável e, para o efeito ouvirá sempre que possível os representantes das partes ou a comissão a que há pouco me referi.
Com as disposições indicadas estou certo de que ficarão convenientemente salvaguardados os legítimos interesses das partes quanto ao estabelecimento do valor da renda.
O alcance político e social de uma renda justa é sem dúvida relevante e muito especialmente porque vai, em Cabo Verde destronar a odiosa maneira como até agora tem sido fixadas as rendas, salvas raras excepções, sem o mínimo respeito pela valorização e dignificação do trabalho e que em última análise representa um verdadeiro itentado aos legítimos interesses não só do rendeiro como até mesmo da maioria dos donos das terras que embora por vezes médios proprietários, pela extensão dos prédios ao fim e ao cabo dada a má qualidade dos mesmos tem um nível de vida tão baixo que em pouco ou nada se destinguem do modesto rendeiro que ao longo de uma vida de intenso trabalho chega ao fim sem que jamais tenha conseguido ver-se recompensado dos esforços e dos sacrifícios que tão devotadamente aplicou na exploração da terra.
É falsa a convicção generalizada tanto no arquipélago como na metrópole do que na província os grandes e médios proprietários rurais são na generalidade ricos.
É certo que existem mas em número bastante reduzido grandes senhorios na sua maioria puros absentistas que podem ser considerados abastados não somente pelo número e pela extensão das terras que possuem mas antes e principalmente, porque são elas salvas poucas excepções, os únicos possuidores na província. No fundo não são mais do que os actuais detentores dos prédios outrora pertencentes aos ricos morgados e que por herança ou por compra, lhes vierem parar às mãos. Poucos dos actuais proprietários dessas terras exploram-nas por conta própria e pouquís-
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simos os que vão introduzindo nelas benfeitores aconselháveis pela técnica. Ora não há duvida de que, em regra, ninguém melhor do que o proprietário pode tirar da terra os mais altos níveis de produção e ao mesmo tempo assegurar o seu conveniente equilíbrio. Só por excepção poderá acontecer o contrário e quando isso aconteça as causas são fàcilmente detectáveis e em regra removíveis sem grande dificuldades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me admira que para os partidários da economia liberal a intervenção dos Poderes Públicos na determinação do valor da renda não seja bem vista porquanto para eles está acima de tudo a lei da oferta e da procura imperando despreocupadamente e sem atender a quaisquer solicitações mesmo que [...] das mais relevantes razões sociais.
A função social da renda justa é hoje universalmente reconhecida, e na sua determinação do Estado é cada vez mais acentuada. O que no decreto em apreço se estabeleceu a este respeito é sem dúvida, de grande projecção social e económica. Porém tanto neste aspecto da chamada «renda justa» como em vários outros constantes do diploma agora publicado, o êxito que ansiosamente todos esperam depende, em certa medida, da regulamentação a ser feita na província e acima de tudo do bom senso probidade da persistência e do entusiasmo de que se deverão revestir no problema cientes de que agindo dentro dos sãos princípios da moral e da justiça, estão dando um contributo valioso à província.
Entre os variadíssimos factores que podem condicionar a estabilidade económica do rendeiro e simultâneamente interferir na variação do valor dos capitais fundiários do correspondente proprietário figura a erosão do solo, que em Cabo Verde encontra infelizmente todas as condições favoráveis ao seu desenvolvimento.
O problema da erosão é mundial e as suas consequências como se sabe, manifestam-se, não só pela diminuição constante da percentagem de solo arável em relação à área total do território, como ainda pelo abaixamento gradual do índice de produtividade das terras entregues à lavoura. Por outro lado, os exemplos de esterilidade do solo pela intensificação desordenada das culturas feitas à margem de todas as bases científicas e de todos os fundamentos técnicos são números. Em Cabo Verde, o problema existe, sem dúvida em todos estes aspectos.
Até agora os rendeiros, pelas razões que há pouco indiquei, estavam sempre na contingência de terem de abandonar os terrenos, de um ano para o outro, e, por isso, não se sentiam estimulados no sentido de os conservar em boas condições de fertilidade e de neles realizar trabalhos de defesa contra a erosão por mais elementares que fossem. A este respeito dado o regime de arrendamento até agora vigente os serviços técnicos oficiais da província jamais se sentiram encorajados a desenvolver uma campanha séria e persistente entre os rendeiros e proprietários no sentido de para o efeito contribuírem dentro das suas possibilidades. Dada agora a maior duração dos contratos que, por via de regra, poderão atingir os doze anos, penso que certamente os mesmos serviços já alguma cisa poderão fazer em relação a tão grave problema.
O excesso populacional das ilhas tem dado lugar a que por falta de terras livres e simultâneamente com aptidão agrícola, o povo aproveite zonas sem dúvida impróprias e já por si bastante diminuídas pela erosão natural e assim contribuía para que nelas se instale a erosão acelerada que em pouco tempo, especialmente nos terrenos de pendor acentuado, acaba por deixar completamente ou o substituto rochoso. Esta corrida, digamos assim, às terras não susceptíveis de cultura agrícola e a subsequente instalação nelas das mais diferentes culturas arvenses tem contribuído de forma relevante para arruinar solos que, embora impróprios para a exploração agrícola serviriam quantas vezes para o estabelecimento de manchas florestais que por seu turno, dariam um contributo valioso à província.
Se por um lado, entendo que a erosão deverá ser combatida tanto pelo proprietário como pelo rendeiro, dentro do humano limite das suas possibilidades técnicas e financeiras, por outro lado, penso que o Estado de forma alguma poderá esquivar-se de intervir indirectamente, com ajuda material e apoio técnico se isso bastar, ou até mesmo chamar a si em certos casos, a resolução completa do problema se para tanto for necessário.
Outra disposição, sem dúvida original na legislação sobre arrendamento rural em Cabo Verde e de real interesse, que agora aparece no novo decreto é aquela que reconhece ao arrendatário no caso de ser cultivados directo, o direito de preferência na compra do prédio arrendado, salvo se a renda tiver por fim pôr termo a uma indivisão. Julgo desnecessário enaltecer perante VV. Exas. O alto alcance desta disposição, que bem evidencia o cuidado que o legislador mereceram as legítimas aspirações dos rendeiros. Complementarmente, também se prevê, para a sua concretização que os arrendatários que se encontrem nas condições legais de poderem exercer esse direito de opção poderão ser concedidos empréstimos pelo Estado, através da caixa de crédito agro-pecuário da província, para efectuarem a compra dos prédios por eles arrendados. Houve a preocupação de não consentir que o direito de opção agora estabelecido passasse a ser, para a maioria dos rendeiros, mero platonismo, e, por isso, o decreto consagra a possibilidade de o Estado intervir com apoio financeiro e de forma que se possa assistir à materialização desse direito mesmo em relação àqueles que não dispõem de recursos que permitam a aquisição a pronto pagamento, das terras que trabalham.
Sr. Presidente, Srs Deputados: Já me alonguei demasiadamente e devo estar por isso quase a esgotar os 30 minutos regulamentais. [...], em face da magnitude do problema que despretensiosamente tenho vindo a tratar nesta minha intervenção de Ter dito tão pouco do muito que sobre ele, sem dúvida, havia para dizer.
Julgo Ter esclarecido VV. Exas. Suficientemente e de forma a poderem avaliar da importância das medidas legislativas recentemente decretadas sobre o «regime de arrendamento rural em Cabo Verde» que de maneira alguma representam solução de emergência adoptada apressadamente para satisfazer solicitações momentâneas de natureza política mas sim posição definitivamente tomada e resultante do produto de intenso estudo e de longa meditação de alguns anos.
Com a publicação do novo decreto fica Cabo Verde a dever a resolução de um dos problemas sociais mais graves dos existentes na província ao ilustre Ministro Prof. Silva Cunha, que com o brilho da sua inteligência e o profundo conhecimento das gentes e dos problemas do ultramar vem desenvolvendo uma actividade a todos os títulos notável nos vários sectores do seu Ministério,
E muito especialmente em relação aos grandes problemas sociais dos nossos territórios ultramarinas. Recordo-me também neste momento entre as medidas mais recentemente por ele tomadas em tal campo, do diploma
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pelo qual a meses foi criada a Obra Social do Ministério do Ultramar cuja protecção tem um alcance tão grande que tudo quanto se possa dizer a seu favor ficará muito aquém dos seus reais merecimento. Um outro instrumento legal e com o qual o ilustre Ministro recentemente deu amplas garantias, muito justamente às famílias de milhares de servidores do Estado separados pelas diferentes parcelas do Estado, espalhados pelas diferentes parcelas do ultramar é aquele que institui a pensão de sobrevivência. Pela sua especial relevância penso ocupar-me dele proximamente nesta Assembleia.
Para que o decreto sobre o arrendamento rural tenha na pratica toda a eficiência que tão cautelosa e doutamente o legislador pari passu nele procurou introduzir necessário se torna que na respectiva regulamentação a ser feita pelo Governo da província se não perca jamais de vista que o principal objectivo a atingir é
Precisamente a conveniente salvaguarda dessa eficiência.
Não tenho dúvidas de que o actual governador, comandante Sacramento Monteiro que pelos altos méritos revelados no governo da província, foi recentemente reconduzido em tão elevado cargo com manifesto júbilo de toda a população dedicara o melhor da sua inteligência ao problema que aliás conhece como poucos. Em Cabo Verde, ninguém mais do que ele se congratulou com a medida legislativa agora decretada e para a qual deu o seu expediente e valioso contributo. Por todas estas razões estou certo de que o regulamento, que [...] da lei deverá ser publicado até ao dia 1 de julho próximo correspondera integralmente aquilo que dele espera o Ministro do Ultramar cuja actuação neste e noutros problemas da mesma natureza vem evidenciando quanto o Governo da Nação esta disposto a realizar em prol da justiça social que deve remar em todos os territórios portugueses estejam eles na Europa, Ásia, África ou Oceânia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: Peço que relevem hoje meter foice em seara alheia numa messe tão prometedora onde vigora o trabalho e o talento de magníficos semeadores.
Creio que acção educativa, planeamento educativo são primeiro que tudo questões de [...] a isolar e a [...] depois. São de admitir milhares mas nem tudo será possível obter-se. Há que construir mas também deve haver corrigir.
Vem isto a propósito de um capitulo abandonado.
Ou por [...] - vem isto a propósito de uma clareza que eu tenho encontrado diante de tantos inteligentes e esclarecidos estudos monografias e debates sobre a formação das gerações futuras.
Não sou especialista não possua autoridade, mas um dever representativo leva-me a chamar a atenção para essa zona branca do debate.
Os educadores, os mostres, os planeadores, os formadores de juventude devem dizer-nos o que pretendem dos homens de amanhã.
Que tipo de português querem ajudar a construir?
Que será entre nós [...]?
Qual o padrão humano que se levanta no horizonte para onde dirigem as suas vistas?
Que pretendem os senhores [...]?
Quando eu frequentava a velha Universidade do Mondego, começava a despontar uma nova disciplina - a psicologia dos povos a psicologia colectiva.
Alfred Fouillée Wundt tarde, Le Bon, Sighele tinham passado das multidões e das grandes massas humanas ao exame cuidado da sensibilidade, inteligência, querer e actuação das que então se chamavam «raças históricas».
Melhor ou pior [...] o retrato moral das nações a sua aprendizagem de vida activa o poder de dominar a natureza, a sua personalidade, herança e costumes.
Abria-se um largo campo aos educadores aos políticos aos orientadores aos mestres enfim.
Depuseram então sobre nós os escritores mais vivos e mais críticos, como Silva Cordeiro, Bento de Sousa, Ramalho Ortigão, Eça e Fialho. Continuaram os viandantes e observadores estrangeiros e dar largas a sua admiração incontida mas também a violência das suas críticas tais como [...].
Exalçavam as nossas virtudes mas salientavam também o que pareciam desvios, defeitos e propensões menos recomendáveis ou diminuições para a vida activa.
Havia polémicas vivas como a de Malheiro Dias e a de Sergio, sobre o comportamento heroico e a acção menos previdente ou de consequencias funestas. Claro que estes estudos, observações reflexivas, reparos de grande escala, continuam mas eu, que não sou especialista estou aqui na tribuna a pedir apenas que não se deixe esquecido um tal capitulo.
E não tento sequer esboçar o leito português para abrir o caminho aos esclarecimentos deste debate fico aquém.
E por isso aponto apenas dois ou três aspectos relevantes da nossa maneira de ser.
Discute-se muito o nosso apego a estados de alma de pressível a uma melancolia excessiva que fàcilmente descamba em fraqueza, em fatalismo [...].
Repara-se na versatilidade latina que conduz à superficialidade, a ciência de ouvido ao gongorismo novo o qual urge combater.
Aponta-se a falta de aplicação regrada a preparação de afogadilho a impaciência em chegar aos objectivos, a precipitação com que uma marcha impetuosa se vê depois cortada pela apatia ou pelo desejo de regressar.
Levanta-se também o problema do «homem novo» numa economia de expansão, de abundância e de progresso sem limites, mas sem escravização à materialidade do comportamento e à plenitude do reino dos negócios.
E cada povo pode assim ser visto com o seu código de forma á luz dos seus ideais no desejo incontido de vencer, de resistir, de aguentar, para vencer de novo.
Pode acrescentar mais e mais. Claro que sobre tais dúvidas pontificam racionalistas, pragmatistas, ideólogos e grandes doutrinadores, todos querem e [...] o seu homem novo.
O nosso nacionalismo construtivo de amplitude e de vocação unitária e universal também quererá [...] melhor, plasticizar com superioridade as gerações que se erguem e começam a sua caminhada.
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Acredito que os educadores e os mestres nem sempre possam fazer milagres, mas têm que edificar mais alto.
Saiu-lhes das mãos a juventude ardorosa que se bate nas fronteiras, que luta pela vida activa e construtora que continua mas em ascensão.
Os escultores hão-de modelar melhor mas para o fazerem, têm de proceder ao exame de consciência colectiva, conhecer uma teoria de motivações, escolher e optar tantas vezes entre os caminhos para chegar à hipótese seguinte.
Desde os Gregos ilustres que o comportamento da cidade dita o ponto de partida para a educação - para a educação e para as leis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: Antes do mais, apraz-me exprimir sentimentos de simpatia e admiração ao ilustre Deputado Dr. Braamcamp Sobral pela feliz iniciativa da apresentação do seu aviso prévio. É redundante tentar explicitar e realçar o seu fundamento, oportunidade e projecção tão evidentes são estes méritos e muitos mais de que se reveste pelo que rendo ao nosso Exmo. Colega sinceras e vivas homenagens.
Ao subir a esta tribuna para prestar também o meu depoimento acerca da matéria em causa se o faço de coração aberto e em plena consciência de um dever que se cumpre gostosamente porque a devoção se lhe antecipa determinando e definindo a atitude assumida não alimento presunções, nem trago comigo velocidades de qualquer espécie. Sei que não carreio elementos novos que poderiam acaso imprimir a minha intervenção traços de originalidade e sou incapaz de tentar disfarçar a modéstia do que poderei aduzir e juntar ao debate de uma ternática sobre a qual aliás têm vindo a debruçar-se em estudo aprofundado, distintas individualidades de espírito alumiado pela flama patriótica, pelas luzes da inteligência do saber e da cultura, muitas delas tendo integrado ou participando actualmente do elenco da representação nacional.
Persiste em mim a viveza da chama de um ideal de sempre, acompanha-me um pensamento antigo que mais se tem encarado com o dobrar dos tempos e dos quais gosto de dar fé e testemunho como algumas vezes já acontecera no âmbito desta mesma Assembleia, a partir do ano de 1945. Entendo por outro lado, que neste vasto terreno, na imensa seara da educação nacional, os operários nunca são de mais e que deverão ser bem-vindos todos os obreiros que, animados de [...] intenção põem no cumprimento da missão a que se devotam toda a boa vontade, o esmero dos seus cuidados no que dão do melhor de si mesmos sob a clara compreensão da transcendência do objectivo que se propõem e no qual fora e acima do pendor de qualquer razão particular prevalece e se impõe o nobre sentido do pensamento e da certeza de que, doando-se à colectividade, vêm afinal a beneficiar-se a si próprios como componentes das famílias da grande família nacional.
Eis porque, Sr. Presidente, me decidi a fazer ouvir hoje a humildade da minha voz, decerto dissonante no coro daquelas outras, harmoniosas e eloquentes, que escutamos ou ainda vamos ouvir com a reverente atenção suscitada pelo nobre propósito de todos quantos se empenham na defesa e divulgação dos princípios e dos valores que informam a mais bela e fecunda cruzada que digamo-lo interfere com as raízes e constituir o crime da frondosa e pujante árvore secular da Pátria que reverdeja e floresce e fritifica através das gerações que constituirão as suas [...] mais viçosas e lha garantem perpetuidade.
Efectivamente para que a Nação Portuguesa se mantenha e se prolongue na integridade da sua alma à luz dos altos ideias do humanismo cristão, princípio universalista e fraternidade de etnias que é vinco da sua [...] e sinal da sua acção civilizadora e missionária importa essencialmente que acarinhando de esforços com uma convicção e um fervor que não afrouxam e sempre se nimbem do caracter de um autentico apostolado ao cumprimento da tarefa, primeira e promissora como nenhuma outra tendente a promover e conduzir a integral formação da gente moça na qual está a melhor resposta quanto ao futuro que nos espera.
Não há duvida de que a fortaleza da árvore depende da robustez das raízes que a prendem a terra sendo igualmente certo estar a sua vitalidade condicionada pela seiva que nela circula. E não chamaram já a bem a mocidade a seiva da continuidade e da grandeza da Pátria a melhor das esperanças da Pátria? Por isso entendo que em seu benefício como testemunho de devoção e amor por ela e através dela a bem do porvir da Nação devem todos e cada um empenha-se em dar carinhos e decididamente um contributo valido à sua solida formação moral, espiritual, cívica e política.
Em consequência do que fica dito resulta naturalmente e em primeira linha a série de preocupações polarizadoras do nosso espirito e que em sua efectiva concretização hão-de apontar para o primado da alma, o culto dos valores a conduta social, a paixão de servir o bem comum. Sob o signo e a luz desta bela cruzada ressaltara a ideia dominante a assinalar firmes [...] de acção no sentido de que os nossos jovens não se cruzem ou rendam a princípios, doutrinas ou ordens que não tenham Portugal por seu mais alto objectivo e fim.
Este pensamento que para nós tem foros de axioma foi já expresso pelo nosso distinto colega Dr. José Manuel da Costa que também vive intensamente pelo coração e pela inteligência os problemas da gente mora tanto como o sentem e lhes consagram as suas melhores atenções com toda a vivência do seu espírito, profundeza conceitual e densidade de ideias no sentido acima apontado as melhores almas aquelas que podem em verdade considerar-se as almas eleitas da nossa terra. Se situo em plano cimeiro e por puro acto de justiça o Sr. Presidente do Concelho para ser correcto não esquecerei ilustres homens públicos, dentro ou já fora da governação parlamentares conspícuos, que estão ou estiveram ao serviço da eficiência e da dignidade da acção da representação nacional siciologos, pedagogos, escritores, jornalistas, eminentes, figuras da Igreja e enfim, vultos destacados do pensamento e da cultura portuguesa aos quais presto a minha homenagem e administrativamente evoco na transparência e autenticidade das manifestações do seu espírito do mais extremo portuguesismo.
Com a noção das limitações que em mim reconheço afirmo, todavia, imanarem-se as minhas ansiedades com as que focam o seu espírito e dele algumas vezes me hei-de socorrer no desbobinar do que há-de seguir-se como contexto da minha apagada intervenção. Perante a matéria, densa e complexa constitutiva do substrato do importante aviso prévio do Dr. Braamcamp Sobral, não terei por forma nenhuma, nem de perto nem de
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longe, a pretensão de o encarar de modo global. Decididamente não.
Restringir-me-ei apenas a fazer alguns apontamentos, procurarei fixar ligeiras anotações, enfim, tentarei bordar considerações simples, naturalmente de valia reduzida mas ditadas por recta intenção a propósito de um grande problema que se reputa [...] de importância basica fundamental, direi mesmo decisiva, para a causa sacrossanta da Pátria no entreabrir das suas perspectivas do futuro. Nesta conformidade, adentro das apertadas linhas da minha orientação, ocupar-me-ei da importância fundamental da família na educação dos jovens.
Se Salazar já em 1933 considerava a família como célula social irredutível, núcleo originário da freguesia, do município e portanto da Nação, ela é por natureza o primeiro dos elementos políticos orgânicos do Estado constitucional, se definiu e caracterizou o agregado familiar como origem necessária da vida, fonte de riquezas morais, estímulo dos esforços do homem na luta pelo pão de cada dia se na verdade a família é o elemento capital da sociedade, o fundamento de toda a organização social e política e pode dizer-se que é origem das forças morais que fazem a grandeza e a prosperidade das nações, o seu carácter primacial de essencialidade, digamos no que toca à educação emerge dos artigos 12.º, 14.º e 42.º da nossa Constituição Política.
Neste capítulo também a família, na realidade não pode, não deve enjeitar as suas peculiares responsabilidades sob pena de trais gravemente, funestamente a sua altíssima e insubstituível missão. Em nota remissiva repetirei que na sua preparação, constituição e vida social um dos principais fins da família é educar, cumpre restritamente aos pais modelar a alma dos filhos formar o seu caracter esclarecer o seu espirito, robustecer a sua consciência temperar a sua vontade.
A família tem de ser a primeira escola dos filhos e se se pode e deve sublinhar que a educação começa no princípio de igual sorte não deve postergar-se a regra, o postulado de que o ideal educativo não tem só por finalidade a busca de um resultado intelectual e físico mas também e sobretudo conquistas de ordem moral espiritual e cívica. No âmbito destas considerações, direi que nos iluminam a inteligência, enchem-nos o espírito e a sensibilidade os ensinamentos contidos nas encíclicas documentos e discursos notabilíssimos de eminentes príncipes da Igreja.
Aí se condensa a melhor e a mais sabia doutrina sobre a constituição e estrutura da família e os deveres recíprocos dos pais e dos filhos, constituindo lição, sempre profunda e oportuna, a meditar e a seguir, mormente nos tempos [...] em que alguns progenitores dão triste sinal de cerecerem de preparação para obviar aos sagrados compromissos assuntos não possuem a consciência dos altos deveres que lhes incumbem ou deploravelmente negligenciam o seu cumprimento falhando ainda e consequentemente na colaboração que importa manter e estreitar com a escola a qual por seu turno não pode fechar-se e tem que lhe ser [...] e receptiva em ordem a boa educação dos que a procuram e frequentam. E o que está a raiz deste quadro cujas cores tem alguns [...] sombrios? Quantas vezes a falta de observância dos grandes princípios a desvinculação daquelas virtudes e daqueles valores que dão sentido e dignidade a vida, o culto excessivo prestado às exigências de uma vida mundana oca, fátua sem finalidade nem grandeza.
Deste modo, a família que devia ser fonte e escola de vida como afirmara Pio XII e no campo social o mais solido princípio da ordem que deveria ser segundo o pensamento de João XXIII a força e a robustez das aldeias, das cidades e das nações quando fundada sobre a laboriosidade, sobre o respeito mutuo e sobre o temor de Deus - a família dizer sob a influência dos tempos decorrentes mercê dos traços naturalistas e materialistas que são intrínsecos do cariz da vida dos nossos dias e infelizmente vítima de ameaças que abalam a sua estrutura que afectam a sua unidade, que ferem a sua coesão que comprometem a sua estabilidade, que lhe diminuem o calor humano, que a desfalecem do seu potencial afectivo «como obra de amor e refúgio das [...]. Diga-se porém que examinada a situação à escala mundial não seremos nos, Portugueses quem mais terá a lamentar se pela densidade e generalização das manchas que ensombram o panorama familiar.
Dentro do princípio de que as excepções confirmam a regra, realço desde já a consciência da mulher portuguesa quanto a dignidade da sua condição de esposa e de mãe - na observância dos seus deveres conjugais, na obra sublime da educação dos filhos, no contributo para o aperfeiçoamento da sociedade, na comunhão do seu amor com a ideia augusta da Pátria! E como é de facto poderosa a influência das mães na formação do espírito, na têmpera do carácter e na modelação da alma dos filhos, erguendo diante de si o primado dos ideais superiores que dão autenticidade e grandeza a vida!
Tenho sempre gosto Sr. Presidente em referir e com estremecimento de alma o glorioso nome do vate insigne, do lusitaníssimo poeta de Deus e da Pátria, nascido no meu querido concelho de S. Pedro do Sul, que em vida se chamou António Correia de Oliveira.
O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem, muito bem!
O Orados: - Faço-o agora, de modo particular e com premeditada intenção porque a sua inspiração de [...] rara limpidez e beleza conceptual conseguiu sintetizar em duas expressivas quadras a acção conjunta da mãe e do professor na educação dos jovens.
Sr. Mestre [...]
Eu faço o bom a meu lado
Aqui tem um chão lavrado
É semear e colher
Aqui tem um coração
Puro cristal vivo e esperto
Faça dele um livro aberto
Como esse que tem na mão!
Sr. Presidente: Se tantos de nós - ar de nós - já estamos privados dos tesouros de bondade e de ternura com que as nossas santas mães enchiam de doçura o nosso coração e de benções a nossa vida temo-las permanentemente presentes na nossa saudade e na nossa alma e não cessamos de rezar a Deus por elas. Mas sempre nos edificamos com bondizer o poema de vida de tantas mães da nossa terra que fazem do seu lar um verdadeiro santuário enflorando-o de virtudes morais e cristãs. É que elas dão com efeito solene testemunho de como sentem e vivem toda a profundidade e justeza do pensamento de Pio XII, segundo o qual na família encontra a nação a raiz natural e fecunda da sua grandeza e potência.
Neste lance histórico da vida nacional mercê do clima de guerra que nos foi [...] criminosamente imposto. Os nossos jovens em rasgos de gargalhada, de determinação de destemor de dávida total à Pátria vêm sublinhando com o sangue generoso das suas veias o cometimento de [...], de verdade na epopeia e de glória [...] que bem podem constituir o canto [...]
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Os Lusiadas! Se a sua alma vigorosa vibra sob a influência forte da alma eterna da Nação, junto do coração de todos eles palpita o coração das suas mães, que não só entende e sente mas intensamente se alvoroça com o sentido profundo da sua histórica missão no Portugal de além-mar.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que decalque e aqui reproduza os termos de uma carta lida por mim com indizível emoção, no jornal A Voz de 25 de Janeiro do ano findo.
Carta de uma mão portuguesa ao seu primogénito combatente em África
Meu filho a sua vida, que tenho a felicidade de lhe ter dado vai começar a ser completamente diferente é um homem! Deus, na Sua infinita bondade e generosidade, permitiu quis que eu, sem o merecer de todo colaborasse com Ele na obra da sua existencia. Para completar a minha alegria, deu-lhe uma alma grande e pura. Perante esta prova do seu amor por mim, curvo-me de gratidão e engulo as lagrimas que sinto me caem, ao ver que o meu menino já não é um menino, é um homem. Nesta vida que vai começar, cumpra o seu dever como cristão católico e portugues. Custe o que custar tem de ser pertenço dentro das suas possibilidades que são muitas. Querer e poder, de facto tem de querer para mostrar a todos que quando se tem a honra infinita de ser português, e-se honesto leal e valente até ao heroísmo. Se de sr. for exigido o sacrifício máximo a vida pois aceite, meu filho, com os olhos postos na cruz de Cristo, cruz que fomos nós que mostrámos ao mundo inteiro e na bandeira verde e rubra que represente a pátria mais amada de todas as pátrias. Tudo ela lhe merece e deve dar-lho com alegria e amor. A sua alma é grande, porque a alma portuguesa é grande como este Portugal eterno amado e indivisível. Eu sou sua mãe, que o adoro e de que maneira ofereço-o a Deus e à Pátria. Mas saiba bem que este oferecimento e como arrancar o coração do peito num gesto de coragem e de abnegação total! Meu filho, sei que saberá ser português, eu prometo que saberei ser sua mãe. Os grandes cuidados e saudades que por si serei, sirvam para completar a sua formação de homem de carácter forte. A terra que vai pisar nas penosas e difíceis marchas militares, pise-a mas com amor, foi feita pelos actos heróicos dos portugueses e regada com o sangue bendito dos mais valentes homens do mundo. A palavra «heroísmo» foi ensinada por portugueses de alma grande e amor ardente. Só eles a sabem ensinar. Vá, meu filho. Olhe em frente com esperança, fé, alegria e coragem. Eu cá fico com a certeza absoluta de que tenho um filho que cumprirá sempre. Deus o guarde.
Eu abenço-o. Mãe - M R V C
Comentarios? Quais? Beijando as mãos de tão distinta senhora, de excelsa mãe, de grande portuguesa, só tenho estes os das lágrimas de profunda comoção que a custo consigo estancar.
É consabido que a par da família, a Igreja e a escola incumbem o papel da maior relevância na formação das gerações que sobem para a vida. A Igreja com a siblimidade da sua doutrina e acção espiritual e a abundância das suas benções e das suas graças como depositária e irradiadora da eterna mensagem d'Aquele que é o caminho, a verdade e a vida, a escola que seja a sagrada oficina das almas na expressão lapidar do Sr. Presidente do Concelho, o qual tendo deixado em dia inapagável dos anais da historia da vida público nacional e mestrado brilhantíssimo exercido na gloriosa Universidade de Coimbra nunca deixou de ser professor pois que efectivamente o é - «professor de fé, de confiança, de crença, de portuguesismo».
O Sr. Elísio Pimenta: - V. Exa. da-me licença? A proposito das brilhantes considerações de V. Exa. sobre o papel da mãe na educação, permito-me referir um episódio que nunca se apagará da minha memoria. Tenho a honra de pertencer ao último curso regido pelo Sr. prof. Oliveira Salazar. Invoco o testemunho do Sr. deputado Ubach Chaves ao recordar a profunda comoção com que o grande mestre de Economia Política nos falou precisamente da missão da mãe na família ao fazer a crítica das doutrinas neomaltusianas.
O Orador: - Alma da escola só pode resultar de quem nela administra o ensino sob a forma de um sacerdócio tendo já sido avisadamente afirmado que os professores e só os professores podem dar aos estabelecimentos de ensino a alma de que eles carecem. É de uma excelente, incomparável, mas também da maior delicadeza e carregada das almas transcendentes responsabilidades, o minus da educação lhe obriga e vincula o Estado que no rigor da expressão garrentiana deve fazer da sua parte o que lhe compete por obrigação para que esteja apto a exigir o que lhe compete por direito.
Vozes: - muito bem!
O Orador: - Deve dizer-se em abono da verdade que o Governo do Estado Novo vem igualmente desenvolvendo, quanto aos problemas de natureza educacional uma acção extensa e intensa adoptando medidas adequadas, definindo directrizes e assinalando os rumos que devem ser seguidos em total plenitude por forma coerente, rectilineamente e sem soluções de continuidade.
Pelo que diz respeito a acção a desempenhar pelos educadores, evoco o sentido doutrinário e de orientação das palavras do ilustre Ministro Prof. Galvão Teles ao afirmar que «os que velam pela educação têm de se erguer a uma filosofia têm de viver pela inteligência e pela sensibilidade uma doutrina, um sistema coerente de princípios de ideais, de valores embebidos no humus fecundo das suas tradições cristãs e ocidentes para que estejam habilitados a acompanhar e a orientar os educandos naquela integral formação que deve ser fim e apanagro de uma verdadeira acção educativa. Têm os educadores nas suas mãos o destino intelectual e moral de tantos jovens, de tantas gerações sucessivas que os procuram com as inquietações e anseios de quem desabrocha para a vida e que lhes compete acalentar e satisfazer no que neles couber e também corrigir as suas naturais hesitações ou os seus excepcionais transvios »
Em correspondencia a um elementar espirito de justiça e com sentido de admiração, cita-se o projecto do Estatuto da Educação Nacional apresentado ao País pelo ilustre titular daquela pasta através da sua notável comunicação feita no dia 16 de Dezembro do último ano. A sua leitura demonstra a [...] ser um trabalho de fôlego extenso profundo naturalmente relevantes para a magra causa da educação.
Sem que me alongue, mas para dar a medida da sua envergadura e da sua amplitude basta citar os títulos em que se divide princípios fundamentais, objecto do ensino, formas de ensino, ensino ministrado em estabelecimentos particulares, agentes de ensino, acção social
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escolar, educação religiosa moral cívica artística e física, educação permanente e investigação científica englobando ainda outras matérias consideradas importantes e necessárias em ordem à actualização e valorização de elevado papel a desempenhar, a bem dos superiores interesses nacionais, pelo alto departamento estatal atras referido.
Sr. Presidente: Retomando o fio do que vinha dizendo afirmo ser com efeito, de delicadeza e de transcendencia a missão do professor, as tarefas que a educação envolve, revestem-se do maior significado e tem a mais profunda projecção. O modo como forem excitadas pode ser formativo ou deformativo e, assim, conduzir a resultados fecundamento positivos ou desastrosamente negativos, e daí o surto das mais fundas implicações de ordem moral, psicológica, social, e até política. Na realidade, o educador deve possuir a mais apurada consciencia das agudas e irrecusáveis responsabilidades do elevado mister que lhe for confiado e para ele como advertir o Prof. Marcelo Caetano, a ciencia que explica e os alunos que orienta não podem deixar de constituir parte integrante da sua vida e preocupação constante do seu coração.
Formar o homem é o objectivo da alta missão do educador, sempre senhor da certeza de que o problema fundamental da pedagogia é o problema dos fins.
Apraz-me trazer à colação o que me ficou gravado na memória da leitura que fizera, vão já volvidos largos anos, de artigos doutrinários da autoria do nobilíssimo espírito, de reconhecida hierarquia intelectual e moral de quem em vida inalteravelmente bem vivida se devotou e apaixonou pelas grandes causas nacionais. Retiro-me, Sr. Presidente, saudosa e comovidamente a Pinheiro Torres que Deus tera em Sua santa guarda.
Que é a educação? É dar a conhecer e trazer, sentir aos educandos o carácter superior da existência, desvendar-lhe o sentido da vida e o ministério da Criação, ensinar-lhe a responder com o espírito, o coração e a alma a estas perguntas. Donde venho? Para onde vou? E firme na resposta que a doutrina, a razão e a fé, em consórcio fecundo lhe derem, conformar com ela a sua vida.
Radicar uma sólida formação e estruturação de consciencia, Ter o sentido da vida e o conhecimento das verdades e das certezas eternas deve ser o fruto de uma esclarecida acção educativa. A questão a resolver, a batalha da educação a ganhar e sobretudo moral. Amemos a ciencia, cultive-se a técnica, promova-se o progresso material mas para cima e além há uma conduta da vida, há civilização moral, o culto dos valores, os direitos do espírito e primado da alma.
O Sr. Veiga de Macedo: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faça o obséquio.
O Sr. veiga de Macedo: - Estou a ouvi-lo com o maior interesse e prazer. Creio bem, pelo que observo, que o mesmo sucede com todos os que aqui se encontram.
Apraz-me por isso e antes de mais, felicitá-lo pelo valioso e belo discurso que está a proferir e cujo tema de fundo - o da educação - é de trancendente relevância.
E permita-me ainda que diga quão grata se apresentou ao meu espírito a justíssima homenagem que houve por bem prestar ao grande homem, ao grande portugues, ao grande catolico que foi o Dr. Alberto Pinheiro Torres e que, por adiar a estes atributos admiráveis uma forte vocação pedagógica e missionária foi também grande educador - na família, no professorado, na empresa, na vida social.
Como discipulo que me honro de Ter sido no Colégio de Almeida Garrett, no Porto dessa extraordinária figura moral e intelectual sempre presente na memoria agradecida do meu coração e sem dúvida de quantos foram beneficiários do seu fecundo magistério, não quero deixar de me associar comovidamente a evocação tão merecida e significativa e até tão oportuna e necessária numa época como a nossa por de mais inclinada a postergar os melhores valores, a não exaltar os homens que como Alberto Pinheiro Torres da vida fizeram doação integral e luminosa a causa da Pátria e do Espírito.
O Sr. Antonio Santos da Cunha: - desejo acrescentar algumas palavras as que acabar de pronunciar o Sr. Deputado Veiga de Macedo.
Não foi na verdade, sem a mais viva emoção que ouvi aqui recordar a figura grande sob todos os títulos, do Dr. Alberto Pinheiro Torres intelectual de valia parlamentar distintíssimo orador de raça mas acima de tudo, uma figura de alta estatura moral.
O Dr. Alberto Pinheiro Torres, bracarense do nascimento, era filho de um distinto médico do Hospital de S. Marcos, de Braga e foi criado no culto da Honra e do dever e do serviço dos mais altos ideais. Assim, ainda em plena monarquia liberal, quando o liberalismo divorciando-se dos mais puros sentimentos da Nação, os seus sentimentos religiosos, preparavam o advento da República Democrática o Dr. Alberto Pinheiro Torres apareceu na primeira linha como defensor dos direitos da Igreja. Foi, sem dúvida, um grande parlamentar e um grande escritor relembrando aqui os seus magníficos artigos no jornal O Comercio do Porto. Era um santo, recordo a sua acção como presidente vicentino. Honro-me, como bracarense, de que em Braga tenha nascido tão alta figura que viveu e morreu no Porto, sendo sem dúvida uma alta e nobre potencia do Norte e da nação.
O Orador: - As segundas palavras do ilustre Deputado Sr. Dr. Veiga de Macedo e todas as outras do ilustre Deputado António Santos da Cunha vieram ao encontro do meu pensamento e enchem-me de júbilo. As primeiras do Sr. Dr. Veiga de macedo encara-os cheio de emoção como um produto do seu requintado espírito e da beleza da sua alma.
Muito obrigado a V. Exas.
Sr. Presidente: Em [...] fidelidade,. Neste domínio como nos demais, aos princípios informadores da doutrina e da ética da Revolução Nacional que nas solenidades comemorativas do seu ano jubilar não se limitou a celebrar com orgulho legítimo o passado, mas também a encarar com confiança e com fé, a construção do futuro o que importa e se impõe é mantermo-nos indissoluvelmente ligados ao sentido das responsabilidades dos compromissos assumidos, firmes na unidade de acção, atentos as realidades circundantes com o espírito a um tempo vigilante, corajoso e resoluto, em ordem a que no chão fecundo da bela e promissora seara portuguesa não medre o escalracho daninho proveniente da má semente lançada pelos que procuram satânicamente murar a nossa cultura tradicional.
Estejamos não só em guarda mas em permanente acção ofensiva contra os filhos das trevas que, através da de turpação da nossa história, da minimização dos valores morais e espirituais, da ameaça à nossa crença em Deus e ao nosso ideal de lusitaneadade, por meio da pregação de falsas ideologias da infiltração de doutrinas avariadas de certa literatura corruptora de publicações pornográficas do modo não so moral e perversor mas até simplesmente desatento como pode ser feita a exploração das técnicas do cinema, da rádio e da televisão, da nocividade de cartazes e anúncios escandalosos que por ai
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[...] pulalam visam pértida e criminosamente a desorientação, a sabotagem e ao envenenamento da alma para a generosa do mundo infantil e juvenil. Tão [...] e monstruosa campanha a pedir urgentemente a adopção de sérias medidas preventivas quando não de uma [...] acção policial [...] e terceiros, no mais íntimo do nosso ser ao reflectirmos que dela são ou podem vir a ser vítimas inocentes os que são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue! Que todas as pessoas conscientes estejam pois á altura das graves responsabilidades que lhes cabem e constituam uma frente unida e combatam o bom combate - combate frontal e maciço e contínuo como salvaguarda da [...] espiritual como garantia da perpetuidade moral, digno mesmo, da própria mortalidade da alma da Pátria. A causa da educação é uma causa de grandeza e de beleza ímpares. Cooperemos todos com ela, demo-nos totalmente a ela.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr Presidente. Ponho termo ás minhas desluzidas considerações com um sentimento forte de esperança e de fé na constância da obra de verdadeiro apostolado da Mocidade Portuguesa - essa patriótica organização a que ficará para todo o sempre vinculado o nome prestigioso do Prof. Carneiro Pacheco - a qual é fonte límpida de puro civismo e de [...] portuguesismo, vivendo de virtudes morais e patrióticas [...] de altos e belos ideais de lusitanidade, escola fecunda a luz de cujos ensinamentos se têm forjado o carácter e a alma de portugueses sem mancha alguns deles já [...] à causa sagrada da pátria e que pelos seus feitos valorosos adquiram o direito de terem os seus nomes guardados nas páginas mais refulgentes da nossa história
Eles deram digno testemunho de que bem compreenderam sentiram e viveram a certeza de que «somos uma alma e somos uma Pátria somos Portugal - o Portugal de aquém e de além-mar, tão [...] na sua fisionomia e tão igual a si mesmo em toda a parte» Honremo-nos honrando a sua memória e fixemo-nos na ideia de que tão edificantes exemplos sempre hão-de continuar a [...]
Disse
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr presidente. Após a Segunda guerra mundial, a esperança num advento de nova [...] de paz, justiça e harmonia entre os povos encheu de alegria a humanidade. No entanto logo no começo dessa era foram frustradas as esperanças substituída a paz, a concórdia, a justiça pela chamada guerra fria precursora da guerra quente que esgota as [...] das nações desviando para outros fins os meios necessários, a promoção do bem-estar e da educação, factores essenciais, a paz e ao entendimento entre os homens.
Uma incerteza e uma instabilidade afectam hoje os campos da vida humana com marcada incidência no ritmo do progresso educacional que sofre de maneira marcada a influência crescente do desenvolvimento das carências à margem dos valores materiais e espirituais do homem.
Se é certo que o desenvolvimento tecnológico contribuiu e continua a contribuir, no sentido da criação de condições para um maior bem-estar e para melhores condições materiais de vida não é menos certo que a excessiva confiança nos métodos científicos como únicos meros de solução para todos os problemas da vida humana tende a destruição da parte espiritual dessa mesma vida (crenças costumes, padrões morais, limitações de liberdade, barreiras que desde sempre constituíram com autoridade incontestável a mais elevada razão da superioridade do homem na sua convivência social, vão perdendo o sentido entre as novas gerações. Deve-se este tacto a uma criada interpretação que levou o liberalismo surgido depois da guerra a uma atitude céptica e cínica em relação aos valores tradicionais e ao culto da razão, primeiramente com o único desejo de mudar e em seguida como uma forma de permitir ao homem uma mais larga gama de possibilidades da criação anseio a que, no seu critério se opunham esses valores na medida em que lhes cortam a liberdade em qualquer ramo da data ou do pensamento, quando essa liberdade ofende os valores éticos de uma civilização. A nova tendência invadiu as letras, as artes e a música procurando invadir o próprio campo da filosofia e da educação produzindo assim um homem desesperado incrédulo sem qualquer [...] a que possa ocorrer quando perdido na sua própria tempestade se considera imensamente infeliz.
Parece-me pois oportuno o presente aviso prévio não só pela análise que proporcionada do nosso sistema educativo como ainda pelo muito que via a contribuir para a reforma dos conceitos que desde há muito influenciam esse sistema. Antes pois das breves considerações que vou fazer, julgo dever mau exprimir a minha admiração e felicitação ao avisante nosso ilustre colega Dr. Braamcamp Sobral não só pelas considerações já feitas e de grande alcance como ainda pela iniciativa que tomou.
Certo é que o ilustre Ministro Galvão Teles, na sua comunicação ao País de 16 de Dezembro findo ao anunciar o projecto do Estatuto da Educação Nacional equaciona os diferentes problemas da nossa estrutura educativa a procura dar-lhes solução. Nessa comunicação feita em moldes [...] o que sem dúvida constitui notável documento a ilustrar as Comunicações do 40.º Aniversário da Revolução Nacional, são apontadas as linhas gerais em que deverá assentar uma reforma de educação e ensino e fica por ela feita a afirmação de que para a solução destes +problemas duas objecções se põem dinheiro e tempo.
Não deixa no entanto de ser oportuno este aviso prévio como decreto o não ter o que o ilustre Deputado Nunes de Oliveira efectivou na legislatura anterior pois que certamente nas diversas intervenções se [...] sugestões válidas a considerar na redacção definitiva do estatuto.
Antes de mais e fundamentalmente é lógico que procuremos encontrar um conceito de educação que satisfaça as interrogações da juventude e ao mesmo tempo se enquadre nas nossas próprias tradições. Numa expansão dos intercâmbios humanos em que as trocas de experiência e pontos de vista ajudam ao estudo das reformas nas nações, isto é, num estudo comparado dos sistemas de educação, verificamos que nas linhas gerais esses sistemas se regem pelas mesmas fórmulas mas que na sua estrutura completa eles são influenciados pelo conjunto das forças actuantes que constituem a cultura e a personalidade de cada povo.
Todo o desenvolvimento comunitário com as suas exigências de adaptação das populações às novas práticas não é compatível com o atraso e a ignorância o mesmo se dando com todos as tentativas de permeabilização em relação às técnicas sanitárias, à higiene, ou à puericultura, que são a base indispensável para uma ética, desenvolvimento e promoção social dos povos. Sem compreensão e capacidade de comunicação os princípios e as técnicas [...]
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Abliteram-se ou quedam-se estáticos no mesmo momento de transmissão.
Ora, se o ensino coloca o homem pm condições de base no campo da promoção, sómente a educação o transforma e capacita para evoluir do seu próprio e necessário meio para uma consciente e deliberada integração. Daí o dizor-se que a escola deverá preocupar-se com proporcionar ao educando a capacidade de viver, no sentido integral da sua pessoa, a sua própria vida, o que equivale a dizer que ela o deve colocar em posição de viver a sua vida de criança enquanto criança ou a sua vida adolescente ou adulta, quando atingida essa fase do seu desenvolvimento, sem encontros perturbadores e reflexos alteradores da sua personalidade. Deverá, assim, a escola colocar o jovem em posição deliberada para uma vivência e assimilação dos direitos e deveres do indivíduo, que, sendo possuidor de um carácter e de uma personalidade que o distinguem tem capacidade de compreender e aceitar os caracteres e as personalidades dos seus semelhantes, que, por força do significado insofismável de humanidade;, tem de aceitar como seus conviventes.
Desta forma que ao educador se põe como necessidade primordial na sua acção o conhecimento profundo e cuidado da tipologia dos povos em que se integra o seu ambiente, que o mesmo é dizer, aquela tipologia que determina o meio em que vivem os seus educandos, com a certeza antecipada de que toda a acção educativa só terá eficiência na medida em que se processa a dialéctica subtil, mas real, entre as duas grandes forças geradoras e condicionadoras da personalidade, a natureza e a história do indivíduo. Esta a razão da minha proposta, na intervenção que fiz durante o debate do aviso prévio sobre educação e ensino, para que dos programas das escolas do magistério venha a constar a cadeira de Sociologia. Ao concluir-se ser o moio um composto indossolú-vel, deve ter-se em conta que o ser humano é também um composto de corpo e alma, no qual se cadinha uma passividade receptiva com uma actividade selectiva e criadora, capaz de alterar esse meio, aliviando a inegável dependência em que se situa, de forma a torná-lo dependente do eu que o vive, de maneira a orientá-lo no sentido dos princípios básicos que virão a ser os indutores de todo o desenvolvimento e de toda uma série de hábitos e costumes.
15 sob esta óptica que a tsduuaçào forma aquilo a que chamamos personalidade.
Srs. Deputados: É por todos acoite que a educação é uma ciência que tende à formação, consciente e intencional, do ser humano.
Os conceitos usados em filosofia da educação são, na maioria, derivados de um estudo metafísico do processo educativo e constituem, em certa medida, um esforço para o tornar passivo de uso experimental. Geralmente significa que o educador tem de realizar uma escolha.
Temos então que, sendo a finalidade da educação um problema de valor, ela sómente pode encontrar soluções através da filosofia ou da religião, pois que depende da concepção que se tenha do homem, da vida e do universo. Esta dependência justifica a diversidade de conceitos de educação formulados pelos diferentes sistemas filosófico-pedagógicos, e pela sua muito especial subordinação à concepção de vida e da hierarquia de valores espirituais e materiais se explica a diversidade de tipos de educação que surgiram através do surto da história. Um só conceito se manteve fiel durante todo esse tempo: o conceito cristão.
Dir-se-ia então que as linhas comuns aos sistemas de educação deveriam ser aquelas que proporcionam ao homem todas as possibilidades de posse e gozo dos bens
quo o mundo oferece, tendo em conta o direito natural que a si e aos seus semelhantes assiste a esse mesmo gozo e posse e ao acesso ao conhecimento livre e consciente da finalidade última da pessoa humana.
A educação terá, pois, de se orientar no sentido de que a criança terá de viver no reino de César e deve poder tirar dele todo o proveito de que a sua condição humana necessita para se elevar, na sua dignidade de filho de Deus. Essa dignidade exige, como norma corrente e genericamente aceite, o uso dos direitos de acesso ao bem-estar, o direito de propriedade, o direito ao trabalho, o direito de pensamento próprio e o direito ao uso da liberdade. Compete ao Estado e a todos os que mantêm em suas mãos o dever da preparação das pessoas para a vida colocá-las em condições de poderem compreender que o gozo desses direitos é um bem inalienável de todas as pessoas, condicionado na terra aos direitos dos semelhantes o em obediência às leis do Estado.
O direito natural ao uso dos bens materiais, porque intimamente conexo com o direito de outrem, oferece ao homem uma base material segura que lhe permitirá elevar-se no cumprimento dos seus deveres morais e cívicos, tornando-o capaz de atender e satisfazer, e-m justa liberdade, aquela soma de obrigações estáveis e decisões de que é responsável perante o Criador e o Estado.
A unidade da pessoa humana como um ser dual, em harmónico desenvolvimento moral, intelectual e físico, é, sob este conceito, finalidade obrigatória.
Baseados nestas certezas, podemos tentar formular um conceito de educação, sem que de tal resulte que as crianças que educamos deixem de ser um guineense, um são-tomense, um minhoto, um angolano ou um algarvio, pois, subordinadas ao padrão comum, não deixarão de existir as subculturas que, permitindo diferenças dentro do mesmo grupo nacional, nem por isso impossibilitam a vivência em comum com os seus concidadãos.
Estruturada no conceito de pátria comum, sagrada e una, a nossa educação será aquela que sempre tivemos como fundamento de toda uma história, promovendo os povos a uma vida de convivência e amor, na íntima unidade de filhos de Deus, no gozo pleno da civilização e do progresso. E, se assim formamos um português, não deixaremos, sem dúvida, de formar um cidadão do mundo, pois que melhor cidadão não poderá haver do que aquele que sabe encontrar na virtude das suas tradições, na formação do seu espírito e no amor a Deus e à pátria as forças e a compreensão capazes de colocarem a ciência o a técnica ao serviço da humanidade.
Sr. Presidente: Na linha tradicional da constituição da sociedade, aparece como célula primeira a família, grupo base em que assenta toda a estrutura educacional e donde devem partir os estímulos e influxos promotores das iniciativas a tomar neste campo. Porém, uma das maiores e mais profundas modificações operadas no sistema social deste século verificou-se precisamente na família, a qual se desligou e perdeu unidade de vida, espalhando-se os seus membros, pais e mães, na maior parte do seu dia, nos locais de trabalho, onde, no desejo de maior comodidade e menos perda de tempo, se criam cantinas onde os pais almoçam, deixando os filhos entregues a vizinhos ou a si próprios. A vida em apartamentos cada vez de menor espaço incita a uma redução da família, e leva os pais ao consentimento, e até mesmo ao incitamento à troca da casa pela rua, numa perda total de convívio e na constituição de uma família que se não conhece, que se agride e que se não perdoa.
A família, que noutros tempos era o tronco da sociedade, ciosa da formação dos seus filhos e intransigente na conservação dos bons hábitos, maneiras, religião,
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ideias e ideais, já não consegue controlar essa função, ultrapassada pelo cinema, pela rádio, pela televisão, pela literatura infantil mal controlada, que, ao ocuparem o tempo livre das crianças abandonadas a si mesmas, as modelam em paralelos irreais ou desajustados.
A par de tudo isto, uma realidade que se não pode ignorar condiciona também todo o aspecto cultural e educacional do nosso tempo: a emancipação da juventude.
Á luz desta realidade, que se deve, em grande parte, aos factos que apontei e que tem também a sua razão no desenvolvimento da psicologia, desenvolvimento esse que marcou este século como sendo o século da criança, exigindo o estudo e adopção de novos métodos, que temos de encarar o problema educativo. O afrouxamento da autoridade dos pais e dos adultos, a incongruência nas suas atitudes em relação aos princípios que defendem, a sua abdicação quase total em favor dos jovens na determinação da sua acção, determinam novas exigências no campo da educação, as quais levam necessariamente analise sob nosso prisma das organizações juvenis existentes, e até a uma visão diferente no aspecto qualitativo e quantitativo do problema escolar, no sentido de uma contribuição válida e eficaz para a formação e desenvolvimento da personalidade.
Será então que temos de nos pôr a questão, em sentido de uma tomada de posição para o futuro, se nos últimos quarenta anos nos demos conta desta evolução e se fizemos tudo para a acompanhar e dar-lhe o remédio indispensável e a tempo.
Deixámos obscurecerem-se os conceitos sobre educação e em dezenas de anos nada fizemos para os implantar como esteios válidos e fortes que foram sempre a amarra do nosso povo nos momentos difíceis da história. Reafirmando nos programas a validade desses conceitos, não tivemos a força de os fazer cumprir, quer não fazendo intervir no resultado do curriculum escolar a sua apreciação, quer ignorando-os nos interrogatórios dos exames.
Tivemos até agora uma organização da juventude, a Mocidade Portuguesa, desviada dos seus verdadeiros fins, ainda inalteràvelmente válidos nos dias da hoje, e não reencaminhada para eles, muito embora todos se tivessem dado conta de que ela já não era aceite por essa juventude a quem se destinava. Ainda eficiente e de acção muito prestimosa e digna de especial elogio no sector universitário, falhou completamente no grau secundário do ensino e no primário e viveu destorcidamente um quadro de senilidade no sector extra-escolar. Os erros cometidos e a evolução dos conceitos de educação aconselhavam de há muito a sua revisão, pelo que o ilustre ministro Galvão Teles, no seu discurso de 9 de Novembro de 1964, julgou oportuno afirmar:
Há que ir ao encontro dos legítimos anseios dos jovens, dentro dos limites já assinalados, dando maior preponderância ao espírito de iniciativa, à sua colaboração activa e ao seu poder de realização. Há que afastar práticas enfadonhas, que seriam de inteira inutilidade e teriam o efeito contraproducente de arrefecer entusiasmos, de repelir adesões. Há que evoluir, aceitando o moderno sem esquecer o permanente. Há que sacudir rotinas e inércias, possíveis tendências burocratizantes, para manter sempre viva a chama, sempre agudo e actuante o espírito de inovação e aperfeiçoamento. Há que procurar uma ligação mais perfeita com a escola, dentro de um salutar princípio de recíproca ajuda ou colaboração. Há que levar os jovens a terem um pensamento estruturado, a possuírem perfeita consciência de propagação desses ideais.
Na linha das suas afirmações, foi promulgada a reforma dessa organização, enquadrando-a no âmbito escolar, com o que parece confessar-se a incapacidade da escola na sua função educativa. A execução da reforma dirá se são certos os meios já demonstrados, meios que se põem em relação à nossa eficiência quanto à premente necessidade de formação de uma mentalidade sociológica e de uma consciencialização política da juventude. Esperamos poder assistir à evolução dessa organização no novo sentido da sua estrutura, e cremos que a experiência que temos de uma iniciativa falhada será suficiente para que evitemos os males que influíram nesse fracasso, males que mais se devem aos homens do que aos princípios. De qualquer maneira, é justo que deixemos expressa a nossa confiança no (Ministro que soube dar corpo a uma ideia que todos nós trazíamos como primordial na linha das nossas preocupações, oferecendo com essa confiança a nossa credulidade em que se criarão as condições materiais indispensáveis à concretização do espírito que anima a reforma, dando-lhe possibilidade de poder viver para além da escola, como resposta a um chamamento que a própria juventude livremente lhe faça.
Temos mantido a ideia de instruir sem educar, e nada fizemos pela saúde dos pequenos estudantes, que, sem escola e sem ocupação durante uma grande parte do dia, a perdem em actividades descontroladas. Os pavilhões gimno-desportivos, que em louvável iniciativa se vão espalhando pelo País, mantêm-se fechados precisamente nessas horas em que tantos milhares de crianças se espalham pelas ruas e caminhos, na vagabundagem e ociosidade. Que reconfortante não seria ver esses pavilhões transformados em colmeias humanas, onde o chilrear da juventude desse deles testemunho de válida contribuição para o desenvolvimento e sanidade física e moral dos jovens ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fechadas as escolas infantis, que em tão boa hora começaram como promissor farol de esperança, elas conservam-se mudas e desertas, páginas em branco no programa da Revolução Nacional, entregue todo esse ensino à actividade privada, caro e, portanto, inacessível a uma grande camada da população portuguesa, aquela, precisamente que mais necessitada está dele. E poder-se-ia entrar no caminho de ensino particular subsidiado, tentando-se assim resolver uma situação que, estando no zero, de outro modo dificilmente terá solução.
Temo-nos dado conta da existência e propagação de uma literatura juvenil de cordel, de uma literatura tendenciosa que se vende sem concorrentes, e nada fizemos para debelar o seu efeito ou para cercear a sua expansão. E temos uma iniciativa lançada pelo Ministério da Educação Nacional em 1952, quando era Subscretário daquela pasta o nosso ilustre colega nesta Câmara Dr. Veiga de Macedo, que deveria ser acarinhada, subsidiada e expandida, de modo a tornar-se numa verdadeira biblioteca da juventude.
Refiro-me às bibliotecas criadas junto das escolas primárias e à colecção educativa de cultura popular, ambas da responsabilidade da Direcção-Geral do Ensino Primário.
Do valor desta iniciativa, que deveria ser alargada até ao campo da revista infantil, falam melhor os números que encheram os gráficos de uma exposição levada a efeito nas cidades de Lisboa e Porto. Por ali pudemos ver que existem espalhadas pelo território nacional mais de 3000 bibliotecas rurais com um número de volumes que passam os 600000 e que, para além das bibliotecas itinerantes, foram espalhadas 12 415 colecções, num total
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de 1 380 000 volumes, que constituem a colecção educativa formada por 82 obras seleccionadas, de maneira que, em todas as partes do País, ou do estrangeiro, para onde são enviadas, se constituam em verdadeiros «mensageiros da cultura e da língua portuguesa, das nossas tradições, virtudes e aspirações».
Esta iniciativa e a de uma editorial são as únicas iniciativas válidas até hoje levadas a efeito no nosso país neste campo.
Ao movimentar estas bibliotecas, era preocupação do então membro do Governo, no início do Plano de Educação Popular, que sem dúvida estabelece um marco decisivo na luta contra o analfabetismo, não só divulgar os conhecimentos das primeiras letras, mas ainda, e na medida do então, possível, valorizar e completar a formação moral e espiritual do nosso povo. Com tais propósitos, e na realização empenhando-se com entusiasmo, dedicação e profundo conhecimento, o Dr. Veiga de Macedo bem merece, no momento em que estudamos a forma como preservar esses mesmos valores, a palavra de destaque, o espontâneo agradecimento dos que se dedicam às coisas da educação e da valorização do homem. Para cá dos passados catorze anos sobre a publicação desse plano, para cá dos anos que passaram sobre a sua permanência na pasta das Corporações, onde continuou a preocupar-se com os problemas da educação das classes trabalhadoras e de seus filhos, a par de uma política social toda ela orientada no sentido da promoção da pessoa humana no sector do trabalho, mais do que. nunca nos convencemos da validade das suas iniciativas, que, sendo tão oportunas hoje como então, clamam por continuidade e execução.
Com 900 000 crianças nas nossas escolas primárias - e teremos mais de 1 milhão quando atingirmos a escolaridade obrigatória de seis anos -, conservamos um quadro de médicos escolares anedótico, simbólico apenas, neste sector, mantendo centenas de crianças com assento nos bancos escolares portadoras de doenças curáveis, mas que jamais foram vistas por qualquer médico escolar. E, se nos podemos orgulhar de termos um exemplar e eficiente serviço de medicina escolar universitário, se podemos. dar-nos por satisfeitos com a forma como se desenvolve a observação e previdência médica nos nossos liceus e escolas técnicas, certamente que temos de nos envergonhar por permanecermos no deserto das realizações 1:0 campo primário do nosso ensino. E poder-se-iam centralizar os serviços médicos dos Ministérios da Justiça, da Educação e das Corporações em centros de observação e terapêutica médica polivalentes, com sedes nos concelhos, que tomariam a seu cargo a medicina escolar das crianças das nossas escolas primárias.
Temos necessidade urgente de educadores dados em tempo todo à sua função, para que nela esgotem todas as suas capacidades de professores e de educadores, ocupando-se com entusiasmo, carinho e dedicação a desenvolver as iniciativas que levam a uma real e eficaz educação integral, e teimamos em manter remunerações ridículas que não tornam atraente a função docente. Passivamente, assistimos à deserção crescente dos professores de todos os graus de ensino, com incidência especial nos professores- primários, o que poderá tornar inoperante o decreto do alargamento da escolaridade obrigatória, relegando para muito mais tarde a possibilidade de tornar obrigatória essa escolaridade.
Projectamos, planeamos, estudamos soluções no campo fia educação, é somos inconsequentes nas realizações, quer porque teimamos em manter pobre um ministério que deveria poder dispor de verbas suficientes, quer
porque ainda não estamos convenientemente convencidos de que sómente pela educação será possível construir o futuro.
E não se poderá dizer que o Ministério da Educação Nacional não tenha procurado, nos últimos anos, realizar tarefa digna de aplauso. Decretou-se o alargamento da escolaridade obrigatória, remodelou-se o Instituto de Alta Cultura, lançou-se a televisão escolar e educativa, criou-se o Instituto de Meios Audio-Visuais de Ensino e os serviços da telescola, reformaram-se os estudos das Faculdades de Ciências, criaram-se novos liceus e escolas técnicas, o que determinou o alargamento dos quadros de professores, regulamentaram-se as actividades circum-escolares universitárias, criaram-se novas bolsas de estudo e regulamentou-se a sua concessão, construíram-se lares para os estudantes universitários e regulamentaram-se as actividades gimno-desportivas, construindo-se pavilhões, e criaram-se centros de iniciação desportiva nas nossas praias. Mas grandes e profundas reformas são necessárias ainda, começando na base do nosso ensino, tão necessitado de uma reforma total e sensata que anule as incongruências que hoje ali se verificam.
Há que enveredar definitivamente pelo campo das realizações válidas, abandonando o sistema das improvisações e das soluções de emergência, que não deixam de ser inoperantes e criadoras de situações de desigualdade que chocam a justiça em relação a posições criadas. Reformar, sim, mas pela base, no convencimento de que em matéria de educação contam os homens em presença das crianças e dos jovens, homens que estudam caracteres e reacções, que divergem os métodos segundo os tipos, educadores insubstituíveis que formam, acompanham, aconselham, guiam e que vivem e educam. As outras soluções podem contribuir em grande para a difusão da cultura, para uma mais ampla e concreta instrução rica em meios de demonstração e elucidação, mas de modo algum podem resolver o problema educativo, para o qual são precisos os homens e a sua real presença. Será assim que, não se resolvendo o problema instante de tornar atraente a função magistral em qualquer dos graus, não será possível solucionar a crise verificada no nosso sistema educativo.
Digamos mesmo que, se não se resolver com sentido da realidade a situação aflitiva em que se debate esta classe, não podemos pensar em reformar as estruturas de educação e ensino.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não quero terminar esta minha intervenção sem fazer duas referências: uma à Igreja, que, ciente do seu papel e da sua responsabilidade no campo da educação do homem, muito tem contribuído para que se salvem os princípios que consideramos intangíveis e constituem o substrato da nossa civilização. Escolas, colégios, institutos, oficinas e centros de convívio espalham-se por todo o País, levando às terras desprovidas de ensino oficial a cultura e a educação, tornando-se desta maneira, ela Igreja, credora do reconhecimento nacional. Justo é que o Estado, reconhecendo a validade deste esforço, conceda igualdade de direitos em relação ao ensino oficial, acreditando no seu ensino, apreciando a suai colaboração no esforço que vem produzindo para a elevação do nível cultural da Nação e reconhecendo assim o grande valor educativo dessas iniciativas.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - A outra palavra quero endereçá-la a essa juventude que em rasgos de heroísmo escreve grandiosas páginas da nossa história. Isolada na sua batalha pela escolha das suas certezas carecida de diálogo franco e esclarecida, privada de toda a informação, ela, assim mesmo, sabe encontrar dentro de si ancestrais virtudes dos seus maiores.
Pródiga, turística e viril nas horas difíceis ela não [...] à Pátria do seu sangue apenas pedido para os jovens de amanhã [...] de hoje, um pouco de maior atenção de carinho e compreensão.
Termino esta minha intervenção exprimindo um voto de confiança ao Governo da Nação na certeza de que o futuro permitirá a concretização do programa anunciando ao já citado projecto de educação racional, obra grandiosa repito mas que somente o será realmente se deixar de ser um belo projecto para constituir uma louvável realização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martinho Vaz Pires: - Sr Presidente Srs. Deputados com flagrante oportunidade, trouxe o Dr. Braamcamp Sobral a apreciação e debate nesta Assembleia o problema da educação da juventude portuguesa. E digo com flagrante oportunidade porque o problema da educação, depois defendidas as fronteiras e de garantido o pão de cada dia constitui sempre, como agora entre nós a preocupação de maior relevância na vida dos povos.
Um país valerá sempre o que valer a educação do seu povo, e o seu nível de prosperidade corresponderá sempre ao nível da cultura dos seus habitantes. O povos sem cultura nunca têm história, e a sua presença no Mundo, ou n
Não é conhecida, ou então só se nota episodicamente e sempre ao serviço de outros com história e cultura próprias, que prestam àqueles o grande serviço de os orientarem, que prestam àqueles o grande serviço de os orientarem e governarem. Os primeiros têm de aceitar o domínio dos segundos como o aprendiz inculto tem de aceitar a orientação do mestre e experimentado.
A presença singular de Portugal na história do Mundo detestada por uns quantos, admirada por outros e invejada por muitos devesse exactamente à cultura do povo português que tenho aprendido a respeitar e a apreciar os bons do espírito, conseguir alcançar maturidade suficiente para manter, com espanto das próprias grandes potências que o não conseguiram, uma posição única no Mundo contra tudo e contra todos e até contra aquele «invento» absurdo dos últimos tempos com o qual os povos invejosos do nosso bem-estar quiseram quais abuteis esfomeados saciar a voracidade dos seus incontestáveis desígnios e quebrar o ritmo simples e certo da marcha do nosso destino (...) a que o seu autor deu o nome estranho de «eventos da historia» contra tudo e contra todos - dizíamos - Portugal é, por direito próprio e porque soube estabelecer com povos de todas as cores convívio amigo de irmão e transmitir-lhes os bens dessa cultura, o único país que na época presente pode gloriar-se de país multirracial e pluricontinental com parcelas do seu território espalhadas por todos os continentes do Globo.
Essa prospecção que Portugal consegui no Mundo teve sempre como garantia a educação do povo português, pelo que, também através dessa educação, nós queremos que Portugal garanta a si próprio um futuro que mais não seja que a consequência natural do nosso passado e a sequência normal do nosso presente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal, lançado há anos já no sofrimento de uma guerra que é odiosa, porque é injusta, que e cobarde, porque não foi declarada, e que é traiçoeira e desigual, porque é feita do estrangeiro, estando um dos contendores sempre no ataque e o outro sempre na defesa, organizada tão bem quanto possível a guarda das suas fronteiras, mobilizando, para isso, todo o potencial, material e humano de que podia dispor e colocando ao serviço dessa defesa as possibilidades do Turismo Público e a coragem de uma juventude interna, que sem desfalecimento e sem hesitação dá o seu sangue generoso pela continuidade da sua pátria, que quer íntegra, livre e moralidora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal tem defendido e preservado o bem-estar da família portuguesa com incontáveis e incalculáveis benefícios introduzidos na vida do País e postos ao serviço do povo português que no decurso dos últimos 40 anos graças à revolução restauradora, recuperou, além, do equilíbrio financeiro indispensável a consciência do seu destino histórico que um passado glorioso de oito séculos justificava e reclamava.
Portugal tem também desenvolvido invulgar actividade no campo da educação e do ensino com a criação de inúmeras escolas dos vários graus com campanhas nacionais dos jovens e pela educação dos adultos, com a criação de novos órgãos da cultura e da investigação. Mas é exactamente quanto à educação e ao ensino, dada a situação precária em que se encontram na hora presente que urge tornar novas vigorosas providências que venham dar solução capaz a um problema que está a pôr em perigo o prestígio do ensino e o sossego das famílias e pode comprometer até o futuro bem-estar da Pátria e a diminuição assustadora do número de professores simultânea de um aumento verdadeiramente explosivo do número de estudantes.
Vozes: - Muito bem!
O orador: - Para nós é este o problema nacional de maior acuidade logo após a defesa d território pátrio.
Para além da acção educativa a cargo da família e da Igreja, é impossível que a escola chame a si a formação da juventude que amanhã tem de saber segurar nas suas mãos firmes o distrito da Pátria. Mentalizámos a Nação através de campanhas nacionais do mais largo alcance no sentido de vir a criar sede de instrução e de cultura, e criarem-se e constituírem-se escolas em número e importância que pereciam não caber nas nossas possibilidades financeiras, embora muitas mais haja e construir para receber as multidões de estudantes que procuram o ensino e em muitos casos enchem os edifícios escolares duas ou três vezes por dia - e é exactamente nesta altura que se verifica falta de professores em número verdadeiramente alarmante.
Na verdade, ao menos quanto a escolas secundárias, não há professores suficientes para uma terça parte da actividade docente que se realiza - já que por professores queremos significar indivíduos com o Exame de Estado ou concurso equivalente, isto é, com a habilitação legal para o exercício do magistério - e, porque a actividade docente tem de se realizar, cai-se inevitavelmente na necessidade do ensino improvisado entregue tantas vezes a licenciados do ensino improvisado e estudantes universitários sem qualquer preparação específica para o exercício de actividade de tão grande importância e de tão grande responsabilidade
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Muitos contentam-se com dizer que a falta de professores é um fenómeno mundial mas isso não traz qualquer espécie de solução ao nosso problema nem qualquer alívio a nossa angustia, pelo contrário tal porção admite com lamentável naturalidade mas sem remédio a crise mundial do ensino e consequentemente a decadência da educação.
Importa que com toda a urgência se descubra a verdadeira causa do abandono pelo homem e pela mulher da actividade docente em todos os seus graus e se proceda imediatamente a sua reconquista para o exercício da tarefa tão decisiva para o bem-estar da Pátria.
Muito bem!
O Orador: - Uma revista americana publicava já em 1953 um artigo intitulado «Crisis of Teaching» (Crise do Ensino) e o seu autor manifestava grande preocupação pela gravidade do problema e atribuía à deficiente remuneração do trabalho docente a causa verdadeira da falta de professores e da consequente crise do ensino nos Estados Unidos, Estranhava o articulista - já lá vão onze anos - que um professor do ensino secundário daquele país auferisse um vencimento inferior ao salário de um operário fabril de cujas mãos se saíam parafusos.
«Cá como lá» dir-se-ia em linguagem de todos os dias. É na magreza do vencimento que devemos procurar sem qualquer receio de erro, a causa verdadeira do abandono da função docente e da crise do nosso ensino. Outras causas há mas de importância secundária que têm desviado, há já anos os jovens dos dois sexos do exercício da docência a longa duração dos cursos universitários - uma licenciatura em Letras, em hipótese razoável não exigirá menos de seis anos! - o exame de admissão ao estágio, barreira muito difícil de transpor, o estágio pedagógico, de dois longos anos sem remuneração a triste e injusta situação do professor agregado - cuja existência aliás, nada justifica já - que tendo a habitação legal obtida através do Exame de Estado recebe precisamente o mesmo vencimento que um agente de ensino de serviço eventual a quem tenham sido distribuídas as 22 horas lectivas semanais a que o professor agregado é obrigado à situação do professor auxiliar que tem um vencimento igual ao do agregado só com a regalia de o receber nos doze meses do ano a carreira curta do professor efectivo que tem de esperar dez anos por cada promoção e que, quando tiver completado vinte anos de bom serviço - o que pode conseguir com 44 ou 45 anos de idade sem, aliás ter alcançado posto igual ao de coronel - não beneficia - nunca mais! - de qualquer melhoria de vencimento mesmo que tenha que trabalhar outros vinte anos ou mais para chegar a sua aposentação.
Urge pois, prestigiar por todos os meios mesmo com prejuízo da solução de outros problemas nacionais, a função docente em todos os graus de ensino e reconquistar para ela os melhores rapazes e as melhores raparigas, para que se reponha no lugar a que tem direito o prestigio dessa função, para que se eleve até ao nível que possa exigir a qualidade do ensino e para que professores e professoras possam exercer a sua actividade com toda a competência, com toda a dedicação, com toda a dignidade e com toda a independência. Pois o professor só o será verdadeiramente quando se entregar com toda a sua alma e com toda a sua inteligência ao convívio amigo dos seus alunos, para que, sem qualquer outra
Preocupação possa transmitir-lhes o alimento espiritual que eles vêem procurar à escola e que a escola tem obrigação de lhes proporcionar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se assim não for, isto é se a actividade decente continuar, em grande escala entregue nas mãos d agentes de ensino que não tem nem cultura, nem preparação pedagógica nem a habilitação legal para o exercício dessa actividade estão teremos caído todos na lamentável fraqueza de aceitar como nacional uma situação estranha (...) e tão perigosa como o seria o exercício da medicina por quem não fosse médico o exercício da advogacia por quem não advogado ou o exercício da magistratura por quem não fosse magistrado.
Se assim não for ficaremos [...] condenados a assistir à decadência definitiva do ensino à crise inevitável da educação de que serão vítimas certas o bem-estar das nossas famílias, o progresso das nossas instituições até porventura o destino da nossa pátria
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desta tribuna dirijo pois cheio de esperança o meu mais sincero apelo que queria fosse vigoroso e conveniente aos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças para que ponham o melhor da sua invulgar inteligência, o melhor da sua capacidade de trabalho e o melhor da sua dedicação pelo bem público ao serviço da causa nobre do prestígio da função docente criando-lhe em todas os graus as condições necessárias e suficientes para que ela se possa realizar com competência com dedicação e com perfeito sentido das responsabilidades.
A juventude de Portugal saberá agradecer e a história do nosso tempo fará disso registo e um louvor!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã, à hora regimental sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António José Perdigão.
Artur Correia Barbosa.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Francisco António da Silva.
Gabriel Maurício Teixeira.
Henrique Ernesto dos Santos Terreiro.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Ulbach Chaves.
José Coelho Jordão.
José Dias de Araújo Correia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Henriques Nazaré.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral
Manuel Nunes Fernandes.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Sebastião Alves.
Tito de Castelo Branco Arantes.
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Srs. Deputados que faltaram à sessão.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Santa Rita Vaz.
André da Silva Campos Neves.
António Magro Borges de Araújo.
António dos Santos Martins Lima.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
D Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco José Roseta Fino.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
José Pinheiro da Silva.
José Rocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Mário Bento Martins Soares.
Raul Satúrio Pires.
Rui Manuel da Silva Vieira.
D Sinclética Soares Santos Torres.
O REDACTOR - António Manuel Pereira
Imprensa Nacional de Lisboa