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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59
ANO DE 1967 20 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IX LEGISLATURA
SESSÃO N.º 59, EM 19 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Mário Bento Martins Soares
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 52
Deu-se conta do expediente:
Usaram da palavra a Sr.ª Deputada D Maria de Lourdes Figueiredo Albuquerque, para se referir à atitude dos povos de Goa, Damão e Diu no recente plebiscito, e os Srs. Deputados Mano Galo, acerca da acção da Fundação de Calouste Gulbenkian, Saturio Pires, sobre problemas da economia de Moçambique, Agostinho Cardoso, para fazer comentários acerca da distribuição de verbas no Orçamento Geral do Estado, e Antão Santos da Cunha, para se referir ao problema, em estudo, do seguro automóvel e as recentes disposições do Ministro das Finanças sobre o assunto.
Ordem do dia. - Continuação do debate do aviso preito do Sr Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Arlindo Soares, Pais Ribeiro, Leonardo Coimbra e Sousa Magalhães.
O Sr Presidente encerrou a sessão as 10 horas e 50 minutos.
O Sr Presidente: - Vai fazer-se a chamada
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Albano Carlos Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
André da Silva Campos Neves.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Dias Ferrão Castelo Branco.
António Furtado dos Santos.
António José Braz Regueiro.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
António dos Santos Martins Lima.
Arlindo Gonçalves Soares.
Armando Acácio de Sousa Magalhães.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Salazar Leite.
Avelino Barbieri Figueiredo Batista Cardoso.
D. Custódia Lopes.
Deodato Chaves de Magalhães Sousa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid de Oliveira Proença.
Fernando de Matos.
Filomeno da Silva Cartaxo.
Francisco António da Silva.
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Francisco Cabral Moncada de Carvalho (Casal Ribeiro).
Francisco Elmano Martinez da Cruz Alves.
Francisco José Cortes Simões.
Francisco José Roseta Fino.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gustavo Neto de Miranda.
Henrique Veiga de Macedo.
Hirondmo da Paixão Fernandes.
Horácio Brás da Silva.
Jaime Guerreiro Rua.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Duarte de Oliveira.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Barros Duarte.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Henriques Mouta.
José Janeiro Neves.
José Manuel da Costa.
José Mana de Castro Salazar.
José Pais Ribeiro.
José Bocha Calhorda.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Vicente de Abreu.
Leonardo Augusto Coimbra.
Luciano Machado Soares.
Luís Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel José de Almeida Braamcamp Sobral.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria de Lourdes Filomena Figueiredo de Albuquerque.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário Bento Martins Soares Mário de Figueiredo.
Martinho Cândido Vaz Pires.
Miguel Augusto Pinto de Meneses.
Paulo Cancella de Abreu.
Rafael Valadão dos Santos.
Raul Satúrio Pires.
Raul da Silva e Cunha Araújo.
Rogério Noel Peres Claro.
D. Sinclética Soares Santos Torres.
Teófilo Lopes Frazão.
Tito Lívio Maria Feijóo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr Presidente:-Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 52, que já ontem foi distribuído Está em reclamação Se nenhum dos Srs. Deputados deduzir qualquer reclamação, considero-o aprovado.
Pausa
O Sr Presidente: - Está aprovado.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Telegramas
De apoio às intervenções dos Srs. Deputados Cutileiro Ferreira e Antão Santos da Cunha sobre o comércio do bacalhau,
De aplauso ao discurso do Sr Deputado Augusto Simões sobre o Instituto de Educação Tísica em Coimbra;
De congratulações com a intervenção do Sr Deputado Neves Barata pedindo a criação da Faculdade de Teologia em Coimbra.
O Sr Presidente: -Tem a palavra a Sr.ª D. Maria de Lourdes Figueiredo de Albuquerque.
A Sr.ª D. Maria de Lourdes Figueiredo de Albuquerque: - Sr Presidente Peço hoje a palavra para uma cinta intervenção, a fim de manifestar o nosso regozijo pelo brilhante exemplo de coragem dado pelos nossos compatriotas do Estado Português da índia, garantindo, não obstante toda a sorte de dificuldades criadas pelo
Governo da União Indiana, um resultado favorável a que Goa, Damão e Diu se mantenham unidos.
Alegou esse Governo querer averiguar qual o desejo do povo de Goa quanto à, sua integração no estado de Madrasta e de Damão e Diu no de Guzerate, apesar de todas as declarações anteriores solenemente proclamadas, e por diversas vezes, garantindo o respeito pela integridade dos territórios que constituem o Estado da índia e o direito que lhes assiste de recusarem a integração na própria União Indiana.
Contudo, fez aprovar um projecto de lei que autorizasse a realizar em Goa, Damão e Diu um referendo, que teve lugar em 16 do corrente.
Vim a saber há poucos momentos o resultado anal dessa consulta popular 172 191 votos contra a integração de Goa no Madrasta e 138 170 a favor.
Estes números não representam perfeitamente o sentir do peno de Goa, porque sabemos que lá se encontram cerca de 200 000 indianos do Madrasta, aos quais foi concedido direito de voto, negando-se, porém, a concorrência às urnas aos
100 000 goeses que vivem na União Indiana Acresce que os goeses que declararam querer manter a nacionalidade portuguesa foram privados desse direito.
Se o plebiscito tivesse sido organizado em bases sérias, isto é, se todos os goeses, e só eles, pudessem concorrer às urnas, o resultado seria muito mais esclarecedor da sua verdadeira vontade apesar de dezenas de milhares de contos que os Madrastianos gastaram na sua propaganda.
Os resultados em Damão e Diu foram muito mais expressivos, pois 85 por cento votou contra a integração no Guzerate, demonstrando, assim, que querem viver uma história comum com Goa, como fizeram durante quatro séculos e meio.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Por notícias dadas pela Reuter sabemos que foram proibidas em Goa quaisquer manifestações de regozijo e comícios públicos Alas o povo, mal contendo a sua alegria, saiu para a rua às dezenas de milhares para exteriorizar o seu entusiasmo.
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As autoridades indianas dispensaram os manifestantes com gases lacrimogéneos.
De qualquer maneira, o resultado da consulta popular, conduzida pela própria União Indiana e por métodos que lhe são peculiares é uma primeira indicação da vontade dos Goeses dentro das duas opções que lhes foram propostas. Mas se acaso lhes fosse permitido, eles desafiaram a União Indiana a deixar realizar uma consulta com o fim de indagai se desejam permanecer dentro da União Indiana ou fora dela, e nenhumas dúvidas tenho. Sr. Presidente e Srs. Deputados, em afirmar que os Goeses, Damanenses e Diuenses em peso optariam pela liberdade que lhes é negada pela força brutal de uma potência que não sabe respeitar nem a lei nem a moral.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
A Oradora:-Para terminar é desta Câmara representativa que desejo manifestar o nosso grande apreço pelas provas que acabam de dar os nossos compatriotas de Goa, Damão e Diu, compartilhando com eles essa natural alegria, que afinal, é a alegria de todos nós.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
A oradora foi muito cumprimentada
O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados colegas. Vou ocupar-me de um assunto que a qualquer de nós será grato focar - e que, se todos o focássemos, cada qual por seu aspecto, suponho que não o esgotáramos, já que se pode dizer que se trata de um assunto multifário por excelência. Refiro-me à conhecida e benemerente Fundação de Calouste Gulbenkian.
É já no próximo ano de 1968 que se passa o centenário do nascimento de Calouste Gulbenkian - uma efeméride que não podemos deixar de considerar notável referindo-se, como se refere, a uma personalidade ela própria indiscrepantemente notável. Ora bem me parece - e terei sem dúvida, aplauso unânime quanto à, ideia- que há que celebrar esse centenário a toda a altura das circunstâncias, olhando Calouste Gulbenkian quer como homem do Mundo que honrou o Mundo, quer olhando-o como homem que viu em Portugal o país eleito - portanto, honrando Portugal - para os seus últimos dias de vida e paia o começo mais concreto, ainda que sobretudo espiritual, de uma outra vida essa na memória de todos nós através de uma linha monumental de benemerência tornada possível pela conduta memorei que levou na sua vida física - linha monumental de benemerência, sim, considerada dos mais variados ângulos.
A gratidão que Portugal tem de demonstrar - correspondendo à própria gratidão que Calouste Gulbenkian demonstrou por nós- e que Portugal, dizia, tem de demonstrar no ano que vem por foi ma especial - e até outros países o terão de fazer -, acontece que ela, gratidão nossa, como que tem uma repartição de fina espécie quanto, pois, principalmente ao caso português.
Devida ao homem, Calouste Gulbenkian, por ter escolhido Portugal paia aqui se vir a instalai, pelos bons desígnios da Providência um centro polarizador e ao mesmo tempo madiante de ideias e benefícios a prazo curto ou longo - benefícios e ideias da mais emocionante polivalência.
Devida, essa gratidão nossa, à circunstância de, podendo Calouste Gulbenkian ter-se encaminhado para outro país que não o nosso - pois outros havia ainda em paz, embora longe da Europa -, ter preferido Portugal para se afastar dos males de que tantos e tantos milhares de pessoas estavam a fugir,
evida, também, essa gratidão de todos nós, a circunstância de esta ponta mais ocidental da Europa, que o Portugal, estar então como hoje, felizmente, em
condições de incitar tantos e tantos foragidos a virem até cá, esperando melhores dias para regresso às pátrias de origem, passados que fossem os trágicos dias dos anos de 1939 a 1945,
Gratidão nossa ainda à circunstância de Calouste Gulbenkian ter encontrado entre nós um outro homem de subida categoria - o Dr. José de Azeredo Perdigão - que soube rodear os últimos anos da vida daquele - os anos que passou em Portugal - do sentimento de agrado pleno e de reconhecimento a Deus e aos homens pela paz em que acabou os seus dias - um ano após ter também expirado nessa beatífica serenidade a sua mulher, D. Nevarte Gulbenkian - paz, tranquilidade, serenidade que lhes tinham fugido nesses tempos de tragédia que imediatamente precederam a sua vinda para terras portuguesas e que só anos depois retomariam a terras dessa Europa além.
Sr. Presidente, prezados colegas. Não me deterei na consideração de quantos benefícios a Fundação Gulbenkian já espalhou, sob a égide do seu patrono, por tantas instituições nacionais e estrangeiras - a par de os empregar também em várias instituições de índole múltipla que directamente mantém. Isso seria tarefa de que nunca mais me desempenharia, tão vasta tem sido essa obra de benemerência - bastando que se saiba que na inspiração da Fundação esta a cláusula 10.ª do testamento de Calouste Gulbenkian, dispondo, como bases essências da benemerência a realizar.
b) Os seus fins são de caridade, artísticos, educativos e científicos,
c) A sua acção exercer-se-á não só em Portugal, mas também em qualquer outro país onde os seus diligentes o julguem conveniente
De como a vontade de Calouste Gulbenkian tem sido cumprida fartamente a imprensa portuguesa e estrangeira a tal se tem referido com o realce devido a obra de tanto alcance no valor e no espaço e ainda no tempo. Por isso pois não me deterei nessa enumeração exaustiva de benefícios distribuídos pela Fundação Gulbenkian, apenas nesse capítulo me cumprindo expressar admiração pelo volume e pela qualidade da actuação do seu conselho de administração composto de tão distintíssimas personalidades de todos conhecidas. Aliás se mais não houvera em vontades fragmentárias manifestadas de qualquer maneira pelo patrono da, Fundação e que o mesmo conselho cumpriu religiosamente - e cumpre ainda - , bastante o enunciado daquelas duas alíneas da cláusula 10.ª do testamento paia se ter noção completíssima do vulto da Fundação nos seus fins, sem esquecer que os seus meios correspondem inteiramente a tal vulto, e isso o aponta alguém quando diz que as fortunas famosas dos Fugger, dos Rotschild e dos Morgan talvez fossem mais volumosas do que as deixadas por Calouste Gulbenkian à sua Fundação - mas não as formou fundamentalmente e as guiou um só homem e nem tiveram o singular destino dos bens de Calouste, esse homem fascinante que, pelo testamento que firmou, quis retirar esses seus bens do "privatismo", dando-lhes um destino social de inconfundível porte.
E passo então ao ponto que desejaria focar, trazendo-o para esta Casa da representação nacional, pois julgo não se lhe poder dar mais elevada moldura (sem desconte-
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cer, em todo o caso, que outros, muito melhor do que eu, o saberiam fazer)) exactamente o de se ir pensando na solene celebração do centenário do nascimento de Calouste Gulbenkian, a ocorrer, como já disse, no próximo ano de 1968.
Sem ser intenção do conselho de administração da Fundação de Calouste Gulbenkian promover a elaboração de "uma biografia com o nível e a dignidade que uma obra de tal natureza deve ter paia não diminuir ou até ofender a memória do biografado" Vou mais longe não é apenas intenção, mas também preocupação. Louváveis intenção e preocupação, e louvável atitude. E, certamente estarão algumas atenções já voltadas para a tarefa - uma tarefa que deverá ser levada a cabo por inteligência não traída pelo coração e por coração não traído pela inteligência mesmo porque a personalidade do biografado suportará bem a cobertura que lhe seja dada na biografia pela incondicional imparcialidade dos juízos da história. Uma tarefa que deverá, pois, ser bafejada pela virtude exornante dos historiadores dignos de transportar o passado para o presente - e o passado e o presente para o futuro -, em termos de a verdade surgir diáfana, pura, sem exageros de espécie nenhuma que perturbem as perspectivas exactas a que deve ser observado hoje e vindouramente esse que todos temos como enorme vulto humano, vulto para o qual, em todos os casos, desejaremos que o veredicto da história dê a palavra de conformidade homenageante sobretudo porque justa.
É que prezados colegas Calouste Gulbenkian é detentor de um nome que lhe deu honra por herança, o que ele honrou por sua vez- o que tudo se confirma pelo que fizeram seus pais, Sarkis e Dnouhi, que a Arménia venera como que em termos de santos, e pelo que Calouste fez, no prosseguimento da obra paterna, tornando-se, como filho mais velho do casal ilustre, herdeiro da tradição familiar - uma tradição de gente abastadíssima que encontrava o seu melhor prazer em fazer bem pelas mais variadas formas.
E que a tradição familiar Gulbenkian, no capitulo filantrópico tem um impressionante fascínio, disso se tua testemunho do que disse um biógrafo dos pais de Calouste.
A sua modéstia só era igualada pela sua infinita bondade, levavam uma vida toda devoção e abnegação
arkis, o pai, era de uma simplicidade exemplar Homem de fortuna, tinha horror à vaidade e à ostentação, não obstante o calor de Constantinopla e o rigor dos seus Invernos, ele ia tranquilamente a pé, com qualquer tempo, paia os seus escritórios.
Ao meio-dia fazia, no próprio gabinete, uma refeição simples, quase sempre composta de um pouco de queijo, de um pouco de pão e de um cacho de uvas.
Não era por avareza que ele levava esta existência de uma simplicidade legendária, pois não recusava nada às pessoas que o cercavam - e era só ele que se privava de todo o supérfluo.
Dir-se-ia um enviado do céu que se consagrava inteiramente à sua missão de benfeitor, sacrificando-se completamente à obra que havia empreendido.
A morte desta nobre figura e de sua santa esposa foi para o povo arménio um luto, cuja memória se conserva no coração de todos em reconhecimento e bênçãos.
Foi assim que um biógrafo sintetizou em beleza o perfil daqueles de que Calouste nasceu, tudo a dizer-nos que aqui se dá a magnífica circunstância de o detentor
de um nome pleno de nobreza - detentor que se chamou Calouste- ter sido honrado por havê-lo herdado, e tê-lo honrado pulo lustre que lhe foi juntando, nisso residindo sem dúvida o mais belo traço que pode desejar-se na ligação do nome familiar de quem deu a herança e de quem a recebeu.
Isto é Calouste Gulbenkian com ter herdado um nome cheio de nobreza, honrou-se amplamente com isso mas acrescentou a esse nome novas e preciosas pedras de enobrecimento.
Os limites morais e materiais de uma biografia dedicada à figura enorme de Calouste Gulbenkian não abrangerão apenas a vida deste. Terão de demonstrar pelo menos à vida dos seus progenitores. E porque a essencialização das vidas que se continuam terá os seus tempos de pesquisa e de lançamento à letra de forma para completa edificação dos espíritos daqueles que se debrucem sobre tal essencialização - a fim de o próprio pormenor não destruir a visão larga de condutas humanas que se marcam por se ter o pé em tema e os olhos no céu-, porque assim é, bem me parece que não teremos essa biografia de Calouste Gulbenkian tão cedo, talvez nem menino em 1968, o que se é louvável pelo carácter que a ela se pretende imprimir, tal não deva constituir impedimento a que nesse ano de 1968 - e em comemoração do centenário do nascimento do patrono da Fundação - apareça, mesmo em forma sinóptica, o que poderíamos desde já chamai "A história maravilhosa de um homem grato às virtudes da hospitalidade" a que se juntaria outra que poderia chamar-se "A história maravilhosa das virtudes da hospitalidade"
Duas histórias maravilhosas que em volume pequeno, sugestivo e posto ao alcance de todos os portugueses, no País e nos vários núcleos dos portugueses radicados no estrangeiro (tão portugueses, eles, como nós cá de dentro), dissessem como tudo se passou desde que por alvores de 1942, quando, estando praticamente toda a Europa em fúria, chegou aos arredores de Lisboa, sem alardes -talvez com o espanto no rosto e na alma - um casal que finalmente repousava dos tormentos que faziam estremecer as terras donde vinham fugindo o casal Calouste e Nevarte Gulbenkian.
São esses os votos que formulo, a par de formular a minha homenagem ao nome de Calouste Gulbenkian, à sua Fundação e a todos os que estão cumprindo religiosamente as determinações testamentarias daquele vulto que está continuando a ser legenda de benemerência da mais fina estupe!
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Satúrio Pires:-Sr. Presidente. Ao iniciar as minhas intervenções no presente período legislativo, quero renovar a V. Ex.ª os mais respeitosos cumprimentos aos meus ilustres colegas as mais cordiais saudações e formular as preces mais sentidas paia que Deus continue a proteger Portugal e a iluminar os Portugueses nesta caminhada cheia de perigos, mas também de certezas, que todos estamos empreendendo de olhos fixos no futuro.
Não nos desconcertam os desvarios do Mundo mergulhado no selvático jogo de
interesses materiais, ou na fraqueza, ou no desânimo, ou na ignorância, ou no ódio cego, ou na inveja, ou na fome de espírito ou de pão.
Somos de novo guias de justiça e humanismo
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Encerraram solenemente, ao findar o ano de 1966, as comemorações do 40.º aniversário da Revolução Nacional.
Está em julgamento dos homens de boa fé uma política e uma boa obra. Nós, os que a ela damos, desde longos anos, a modesta contribuição de muita fé e de algum esforço, não receamos esse juízo e sabemos compreender e agradecer ao homem que encarnou o espírito renovador e reintegrador e tem conduzido a Nação com inteligência superior e pulso firme por cima de todas as incompreensões, perigos e até ameaças.
As comemorações deram-nos também para além do sentimento mais coeso da unidade nacional, a certeza do dever de prosseguir à luz dos princípios seculares e sempre renovados que o regime de Salazar soube definir e pôr em acção.
Mas, ao mesmo tempo, elas serviram de incentivo para meditar-mos e procurar-mos corrigir naturais lacunas ou desvios, que o tempo foi mostrando, acelerando soluções de problemas aos quais as circunstâncias do momento que passa impõem maior urgência.
E com este espírito de colaboração, mas também de habitual independência, que venho da província portuguesa de Moçambique apontar o que me parece ser de ponderar e de acelerar soluções que não devem ser proteladas, sob o risco de se avolumarem as dificuldades.
Moçambique atravessa de novo a sua época heróica, defendendo-se com seu sangue do inimigo cobarde que a pretende, em vão ferir de morte, e, simultâneamente, procurando valorizar-se, crescer, impor-se como exemplo e como farol naquele continente africano que a Europa, tão mal e tão cedo, abandonou à cobiça de outros povos.
Trago hoje a esta alta assembleia política, de novo, alguns problemas de economia daquela província africana, na certeza de que não será de sobejo chamar a atenção da administração pública e do País para situações que me parecem prioritárias.
Outro sentimento não me move que não seja o mais entranhado amor àquela longínqua da Pátria, onde cada alma cada pedra e cada árvore nos evoca Portugal.
Os pontos que vou enunciar situam-se não somente no campo económico, mas também no social e, quiçá, essencialmente político. Não entrarei em detalhes que não se afigurem de todo necessários ao entendimento dos factos, atendendo à natureza eminentemente política desta Casa.
O tema será "A fixação de portugueses oriundos da metrópole e a promoção social das populações portuguesas autóctones no quadro do desenvolvimento de Moçambique".
Os problemas da população e da produção andam interligados, quer na doutrina, quer na prática. Diz o conhecido economista Ridgway B. Knight.
1.º Nos países subdesenvolvidos a taxa de crescimento da população ultrapassa a da produção agrícola,
2.º Salvo se medidas adequadas forem tomadas, ver-se-á desenvolver uma séria penúria de produtos alimentares nas proximidades do ano de 1980, época em que 1000 milhões de habitantes se virão acrescentar à população mundial.
Para F. Parroux, desenvolvimento é a combinação de mudanças mentais e sociais e o subdesenvolvimento não é um fenómeno essencialmente económico mas um tacto social com incidência económica não é somente, a economia que pode ser subdesenvolvida, mas a sociedade no seu conjunto.
Mostra, em seguida, esta figura:
[Ver figura na imagem]
Entrando propriamente no tema proposto, podemos afirmar que qualquer política que defina uma ou preconize os meios atraentes a uma maior ocupação do ultramar por portugueses autóctones ou oriundos da metrópole terá de ponderar uma serie de factores e condicionamentos, sem o que se estiolará, ou, quando muito, obterá resultados pouco compensadores.
Procurarei sumariamente analisar esses condicionalismos e situá-los no complexo sócio-económico de Moçambique, bem como na sua realidade geográfica.
Esta província é habitada, no seu imenso território, por mais de 6 milhões e meio de portugueses muito irregularmente distribuídos, no norte do Zambeze, estão dois terços da população autóctone, cerca de 4 milhões, para apenas 40 000 de origem metropolitana, ao sul do Zambeze vivem 2 milhões de autóctones e aproximadamente 120 000 portugueses brancos, concentrados sobretudo nas zonas urbanas de Lourenço Marques Beira.
Nos seus 784 961 Km2 de superfície há uma densidade média de 84 habitantes por quilómetro quadrado.
A agricultura constitui o suporte quase único da sua economia, embora a ocupação industrial procure, um pouco atabalhoadamente ainda, suprir algumas décadas de atraso.
A agricultura organizada para a exportação é de natureza tipicamente empresarial e comporta tradicional e perigosamente os mesmos seis produtos lançados, uns na insegurança das cotações dos mercados externos, encaminhados outros para o abastecimento da indústria metropolitana. A acrescentar a estes produtos, há que considerar o caju, que representa já um valor inestimável na nossa balança comercial e que dentro em breve, com sua completa industrialização em Moçambique, será uma riqueza de base segura.
O valor dos principais produtos exportados em 1965 cifra-se nas seguintes figuras:
Contos
Algodão em rama, não tinto 564 794
Castanha de caju 516 883
Sisal 274 376
Açúcar de cana 245 722
Copra 208 263
Chá 163 921
Castanha de caju (amêndoa) 91 516
O valor total das exportações no mesmo período foi de 8 107 070 contos, enquanto o das importações atingiu cerca de 5 milhões de contos (4 980 000 contos)
A balança comercial de Moçambique apresentou portanto um deficit de 1 873 898 contos.
O preço médio da tonelada importada e exportada pode ver-se no seguinte quadro referido aos últimos cinco anos:
[Ver quadro na imagem]
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O desequilíbrio é tanto mais de ponderar se atentarmos em que o grosso das importações não é equipamento industrial ou maquinaria paia investimentos ou melhoramentos, mas abrange muitos produtos de alimentação e consumo que a província poderia produzir e mercadorias que deveria fabricar suprir ou dispensar.
Com excepção da Índia consumidora da castanha de caju não industrializada, e da Espanha a balança comercial com os outros territórios ou países é largamente deficitária.
Faço aqui um parêntese para me lembrar do notável investimento industrial que representaria o desenvolvimento planificado do turismo, cujo valor ficou bem patenteado no último Congresso Nacional de Turismo realizado em Lourenço Marques, e em especial na magistral lição que nessa ocasião proferiu o ilustre Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho, Sr. Dr. Paulo Rodrigues.
A produção industrial de Moçambique mantém-se num estado ainda incipiente e, sobretudo, não estruturado, acusando no entanto um valor de produção em progressivo aumento de 2 788 560 contos em 1964, passou para 3 103 701 contos em 1965. É de notar que as indústrias se aglomeram principalmente nas áreas de Lourenço Marques e Beira, verificando-se, porém, já um núcleo nascente e prometedor na região de Nacala.
É este o panorama actual da produção organizada e de carácter empresarial.
A agricultura autóctone permanece ainda em sistema de economia de subsistência, com excepção do agricultor de algodão e de caju. Mas tanto um como outro não possui, de uma maneira geral, uma mentalização suficiente para produzir racionalmente nem ao menos com vista a uma ocupação eficiente da terra, nem à garantia de uma economia familiar ou de grupo que assegure o futuro próximo ou a progressiva elevação do nível de vida e aumento do poder de compra.
A assistência é muito deficiente, o crédito nulo, a orientação apenas esporádica e a educação precária.
Como o factor humano é a base de todo o desenvolvimento económico visto que a economia é feita pelo e para o homem, enquanto estes 6 milhões de portugueses não souberem trabalhar, enquanto não estiverem educados e mentalizados para o trabalho, enquanto não se lhes despertar, neles próprios, a vontade de se elevarem de produzirem, de serem elemento activo no crescimento e na valorização sócio-económica do território sectorial e do conjunto nacional não será possível obter êxito durável para uma sólida promoção social.
Algumas tentativas com sucesso já tiveram lugar, mas dispersas e não planificadas. São no entanto amostra suficiente do que se pode realizar e, mais que isso, do que é de extrema urgência levar a cabo.
O que não deverá manter-se é uma situação em que uma pequena minoria da população activa suporta o peso morto de alguns milhões de homens inactivos, aguentando com a responsabilidade de produzir e defender um território imenso, arcando da administração pública.
Antes de mais haverá que actualizar e corrigir legislação fiscal inadequada e em seguida proceder a um esforço total em que todos sejam de vontade e inteligência obtemos activos do ressurgimento e da ascensão a melhores níveis de vida e a formação de uma esclarecida consciência colectiva.
Ao Estado incumbe suprir grande parte das lacunas existentes mas a todos é exigida uma cooperação eficaz, sem o que falhariam todas as iniciativas, por melhor que se apresentem.
Esquematicamente consideraremos fundamentais os seguintes pontos:
Necessidade de concessão de terrenos titulados os agricultores que dêem provas de satisfatório aproveitamento das terras que cultivam. Esta medida é fundamental para a possibilidade de obtenção do crédito necessário para o arranque,
Ensino agrícola, assistência social e técnica ao agricultor,
Organização do crédito agrícola,
Estabelecimento das infra-estruturas indispensáveis, acessos de transportes, armazéns, silos, vias de escoamento dos produtos e cabotagem,
Garantia de mercados,
Formação de capatazes e monitores,
Parques de máquinas e altaias
Anunução rural e vulgarização agrícola,
O cooperativismo
A análise de cada um destes pontos levar-nos-ia bem longe no tempo, que é justamente limitado pelo Regimento desta alta Assembleia.
Deixarei para outra intervenção o problema do cooperativismo e limitar-me-ei sinteticamente aos pontos que antecedem.
Considerando a necessidade de fixar à terra o agricultor autóctone e ao mesmo tempo acabar com a agricultura deambulante permitindo ao mesmo tempo o recurso ao crédito para a racionalização da exploração agrária, afigura-se urgente a aplicação ponderada, mas firme, da doutrina do artigo 226.º, conjugada com a do artigo 240.º, do Regulamento da Ocupação e Concessão de Terrenos nas Províncias Ultramarinas, posto em vigor pelo Decreto n.º 43 894.
Este artigo 226.º permite a concessão e titulação dos terrenos de 2.ª classe pelos vizinhos de regedoria, segundo determinadas normas. Indispensável, porém se torna uma interpretação adequada, ou mesmo talvez a alteração do artigo 88.º do mesmo regulamento, para que tal regalia não seja na prática dificultada.
A concessão de terrenos titulados é a única forma de ir transformando em propriedades úteis os 90 e tal por cento dos terrenos baldios que entorpecem o crescimento económico da província. Este espírito está, aliás, largamente consignado logo no preâmbulo do decreto, do qual transcrevo os seguintes passos:
Assim, ao abrigo das disposições deste novo regulamento, todos poderão obter concessões os seus direitos de propriedade são registados na Conservatória do Registo Predial e e admitida a transmissão desses direitos.
E mais adiante
Por outro lado, nas povoações passa a contar-se com zonas destinadas à habitação de classes de recursos mais modestos, a fim de lhes permitir a resolução do problema habitacional, em conformidade com os seus meios.
O ensino agrícola em Moçambique estruturado pelo Diploma Legislativo n.º 2115, prevê no seu artigo 1.º a criação de:
a) Ensino elementar agrícola,
b) Ensino prático de agricultura,
c) Ensino médio agrícola
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Este ensino abrangeria desde os primeiros graus de preparação agrária ate à formação de regentes agrícolas.
Parece de maior interesse e de primeira prioridade a execução gradual deste plano já instituído por lei, pois de outra forma de pouco serviria uma legislação sem dúvida perfeita se não se lhe seguisse a efectuação prática.
Nos momentos difíceis que a Nação atravessa e em que é legítimo exigir o sacrifício e o esforço total dos seus filhos, é altura própria para arrancar em todos os campos.
E este, mais que nenhum outro, está nos próprios alicerces de qualquer política de valorização, ocupação e crescimento.
Insisto neste ponto, não por espírito de crítica fácil, sempre cómoda, mas com o objectivo de alertar e colaborar.
Temos a estrutura jurídica adequada, temos com certeza os homens à altura de a executar. Minguam, é certo, os meios de acção, mas não podemos pretender que todo o imenso edifício do futuro da Nação se possa obrigatoriamente confinar às disponibilidades normais das receitas públicas ordinárias. Trata-se de fomento e, portanto, estamos perfeitamente integrados na doutrina que antecede e justifica o decreto que publicou o Orçamento Geral do Estado para 1967.
Não estamos de facto trabalhando apenas situados no presente. Aliás, o presente é o minuto fugidio entre o passado e o futuro.
A formação dos quadros primários para uma racionalização agrária é a condição de força para qualquer tentativa de povoamento. Não podemos começar pelo fim ou pelo meio. Há que começar pelo princípio, e não estamos em situação de perder tempo.
E ainda a defesa do património nacional que o exige defesa essa que tanto se faz de armas na mão como vergados sobre a terra e a máquina e guiados pelo conhecimento inteligente.
Outro ponto é a animação rural, cuja criação já por várias vezes me tem ocupado, pois que acredito na sua utilidade.
A animação será a preparação de homens conscientes, de agricultores, que vão ficar agricultores na sua pequena comunidade rural, sem outra vantagem que não seja a formação que receberam e que vão partilhar com os seus vizinhos. Não serão agricultores-pilotos, nem agentes privilegiados da Administração. Permanecerão membros da sua comunidade.
Obteremos assim homens escolhidos, ensinados e mentalizados em centros de formação mas que voltarão a ser integrados no seu meio rural. Pelo seu exemplo e poios resultados que obtiverem nas suas próprias culturas, promoverão à sua volta um movimento de curiosidade e depois de imitação e mais tarde de compreensão, que levará progressivamente a sua pequena comunidade a uma produção racional e à escolha de melhores métodos.
Não provocará desconfiança nem resistência. Será um método natural de promoção sócio-económica.
É indispensável obter-se uma mudança de atitude por parte do autóctone mas essa mudança é mister sei conseguida em profundidade. É preciso que seja ele próprio a desejar o seu desenvolvimento, a aderir voluntariamente e a consagrar as suas forças ao trabalho útil.
Pelo conjunto de animadores, que vão ser informados e alertados (ia dizer acordados) durante os seus estágios a animação vai incitar o mundo rural a tomar consciência de si próprio, das suas possibilidades doa seus recursos e a entrar livre e profundamente no caminho do desenvolvimento.
O sistema pode funcionar de várias formas, mas já há experiências com bons resultados nalguns territórios subdesenvolvidos da antiga África francesa.
Segundo o economista Grulio Fossi, um dos problemas dos países subdesenvolvidos, e em particular das zonas rurais desses países, é que as novas preocupações do Estado nos domínios económico e social são mal compreendidas por parte da população. O Estado para eles é ainda aquele dos séculos passados, que exercia essencialmente três funções: manutenção da ordem pública, administração da justiça e, sobretudo, colecta de impostos. Nos tempos mais recentes as populações viram um outro aspecto do Estado o de grande construtor de estradas, barragens, canais de irrigação e também fabricas.
Mas não compreenderam, e, aliás, talvez não lhes explicassem, qual a relação entre eles e esses imensos investimentos.
A animação rural será ainda.
Tomada de consciência pala população das suas possibilidades paia o seu próprio desenvolvimento e para o da Nação,
Participação neste desenvolvimento,
Estruturação desta participação
A promoção humana ultrapassa largamento o quadro social, cultural e político no qual há a tendência de a querer limitar e revela-se em definitivo um fruto poderoso do progresso económico.
Nem todos estes pontos podem evidentemente ser satisfeitos de jacto, nem com as receitas ordinárias dos magros orçamentos provinciais.
Resta-me ditar se a grandiosidade do empreendimento não justificará uma distribuição do ónus por mais de uma geração, já que o proveito social e económico, e nacional dos resultados virá beneficiar as gerações vindouras.
O que não me oferece dúvida é que sem uma intensificação do esforço total neste sentido, ou seja, elevar para a participação activa no desenvolvimento a maioria da população autóctone, até agora quase a ela alheia serão vãs as tentativas de um povoamento intensivo tão fundamental como desejado de Moçambique por gentes oriundas da metrópole.
Nós, Portugueses, podemos à vontade abordar com fina objectividade estes problemas que nos preocupam.
Na verdade apesar de todas as nossas carências o nosso ultramar marcha muito na vanguarda de todos os territórios independentes ou pseudo-independentes da chamada África negra ou Segunda África qualquer que seja o aspecto que se encare liberdade, educação, nível de vida, paz, progresso ou bem-estar social. E isto, apesar de todos os auxílios em pessoas e em bens que a cegueira de países responsáveis lança em amontoada abundância sobre aqueles povos afundados ainda na mais profunda e obscura inquietação tribal.
E porque temos consciência da nossa missão, da nossa mística e da nossa civilização, não necessitamos esconder seja o que for.
A grandiosidade da obra a prosseguir, os riscos a correr, os passos a emendar, a tarefa de criar com sacrifício, suor e sangue só nos servirão de estímulo para andar melhor e mais depressa.
Esta tem sido a nossa política e ela permite-nos manter a cabeça erguida no tumulto das paixões e dos interesses não confessados dos grandes países, como dos pequenos estados bárbaros e semi-selvagens.
Quero mais propriamente referir-me ao povoamento.
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O português da metrópole sobretudo o de economia mais débil e de instrução mais deficiente, está habituado a emigrar com o objectivo natural de melhoria de vida para si e sua família.
Além da tradicional corrente migratória para o Brasil e outros países da América Latina intensificou-se nestes últimos anos o êxodo destes portugueses para os países industrializados da Europa, que lutam com falta de mão-de-obra não especializada.
É um fenómeno que não se pode continuar de forma satisfatória sem que aqueles mesmos emigrantes sejam oferecidas condições favoráveis noutros pontos do território nacional, isto é, no ultramar.
A imigração de portugueses em França vai em perigoso progresso. Segundo a revista population, havia em França, no fim de 1964, 93 301 trabalhadores portugueses permanentes, totalizando com as famílias 118 563 pessoas e representando 17,2 por cento do conjunto de trabalhadores estrangeiros. Em 1965 este número aumentou de 13 805 no 1.º trimestre daquele ano.
Que manancial poderoso de actividade não representaria em Moçambique esse válido fluxo de trabalho e de força!
Nesta província ainda não temos preparadas as condições mínimas necessárias para uma fixação em massa desses emigrantes, nem tão pouco estamos ainda aproveitando satisfatoriamente esse riquíssimo campo de acção constituído pelos militares desmobilizados ou no fim da sua comissão de serviço de defesa da fronteiras ameaçadas pelo inimigo vindo do exterior.
De um estudo a todos os títulos válido e de uma conferência proferida pelo engenheiro silvicultor de Moçambique Camilo Silveira da Costa, que a estes problemas tem dedicado a sua inteligência, larga experiência e capacidade profissional indiscutível, transcrevo os seguintes passos:
O militar-colono deverá dedicar-se às culturas mais aconselháveis para as características ecológicas da província e dentro destas aquelas que melhor possam contribuir para o equilíbrio da nossa balança económica.
E mais adiante
Tendo em vista a fixação do militar desmobilizado às terras de Moçambique, soma aconselhável e útil que durante a parte final do tempo de prestação do serviço militar lhe fossem ministradas noções elementares sobre agricultura, isto é, quais as culturas mais usuais, como se cultivam, aplicação de fertilizantes, medidas a tomar contra a erosão, rotações de cultura, combate às pragas, doenças das plantas, práticas culturais mais vulgares, etc.
Depois de apresentar e analisar as condições do meio nos seus múltiplos aspectos, o Eng.º Silveira da Costa sugere várias formas imediatas para aproveitamento e fixação do militar-colono.
Segundo a sua opinião, as zonas mais propícias a esta fixação seriam
Distrito de Lourenço Marques - Região do Maputo e Moamba
Distrito de Gaza - Alto Limpopo
Distrito de Inhambane - Mambone vale do Inhassuma e Cunhalcio
Distrito de Manica e Sofala - Regiões de Mossunize (Espungabara), Manica, Barué, Chimoio e Gorongosa.
Distrito da Zambézia - Regiões de Milange, Gurué, Alto Molocué, Namarror, Lugela e Ila
Distrito de Tete - Marávia, Macanga e Angónia
Distrito de Moçambique - Ribaué, Malema e Namapa
Distrito de Niassa - Planalto de Vila Cabral, Marrupa, Valadim e Amaramba
Distrito de Cabo Delgado - Planalto dos Macondes, linha Montepuez e Porto Amélia.
Esta rede de ocupação devidamente estudada no seu pormenor e sistematizada nas suas prioridades circunstanciais poderia servir de ponto de partida, pois abrange zonas onde as condições climáticas e ecológicas ajudariam o Estado e a iniciativa privada a levar a cabo obra duradoura.
Sobejam ao nosso povo extraordinárias qualidades virtudes . É mister coordená-las.
A grandiosidade do fim justifica o esforço e o sacrifício.
Aproveitando as próprias zonas onde actuam as operações contra o terrorismo as bases militares serviriam de apoio a todos os que se queriam fixar como agricultores. Esses teriam até o escoamento assegurado para os seus produtos, numa colaboração perfeita entre a espada e a charrua, sem falar no apoio material para a reparação e assistência às máquinas agrícolas, segurança e defesa.
Algumas experiências se estão já processando nesse sentido.
É verdadeiramente extraordinário o poder de adaptação do povo português às mais precárias condições climáticas, à falta de conforto e ao isolamento.
O que se está já passando com casos individuais e pequenos núcleos quase isolados é animador. O heroísmo sereno, humilde, consciente, do povo vindo de muito longe, das terras risonhas do Minho, das montanhas abruptas do Norte ou das planuras sem fim do Centro e do Sul, para se arreigar com o mesmo amor e indefectível vontade às terras quentes, silenciosas e estranhas de Moçambique, para ele totalmente desconhecidas.
Não devemos desperdiçar tanto valor, tanta tenacidade, tantas maravilhosas qualidades ancestrais.
Há que aproveitá-las e em força, porque o tempo não espera.
Mas repito, não poderemos pensar que teremos resolvido o problema do povoamento da província do seu crescimento económico e da sua promoção social com centenas ou mesmo alguns milhares de famílias que aqui se radiquem.
Elas podem representar, sim, pólos de desenvolvimento, baluartes de civilização, centros de ocupação e cultura, pontos seguros de apoio para a nossa missão em terras portuguesas de África.
Mas à sua volta integrado no conjunto, é preciso que o português preto produza também, trabalhe, ocupe e se fixe na sua propriedade, ganhando consciência, construindo um mercado inteiro capaz e participando num nível médio de vida, sem o qual a indústria não pode prosperar, nem os capitais afluírem, nem a economia crescer.
Diz o economista Amo H. Johnson que se tem prestado pouca atenção ao facto de que a produtividade da produção de um país não pode ser estimulada nem utilizada sem a elevação do nível de vida e sem a expansão das vendas de bens e de serviços, de maneira a absorver a produção e a formar assim o emprego e os lucros proporcionados à melhoria da capacidade de produção.
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O Instituto do Algodão de Moçambique, sob a direcção do Eng.º Mário de Carvalho, iniciou há alguns anos e manteve uma série de experiências de colonização de agricultores de algodão, não só para militares desmobilizados, como também para famílias autóctones, em regime que pode chamar-se pré-cooperativo, com resultados bastante positivos.
Tenho comigo uma série de fotografias elucidativas do trabalho feito nessa época por aquele Instituto junto de agricultores e que constitui o início de uma obra a pedir continuidade e expansão.
Os clubes agrícolas, também iniciativa do mesmo Instituto, são mais uma obra que não se deve perder, pois que aqui começa a verdadeira vulgarização agrária.
Haverá que aproveitar todas as experiências feitas num conjunto director e aglutinador.
É esta uma das funções para que foi criada a Junta Providencial de Povoamento. A esse organismo compete realizar todo o complexo e evitar sobreposições e dispersões.
Creio que um dos problemas que mais afligem esse organismo é a penúria das dotações mas mal posso compreender e aceitar que uma obra de tão transcendente importância e finalidade não se anteponha com prioridade a tantas outras instituições de menor urgência e certamente de muito mais baixa produtividade.
É necessário procurar os meios indispensáveis ao funcionamento deste organismo, pois de outro modo de nada servirá arquitectar orgânica espectacular se ela não estiver apta a funcionar ao menos com o mínimo de recursos.
Deste lugar apelo para que a administração pública não descure tão momentoso problema.
Conheço profundamente as dificuldades de toda a ordem que enfrentamos mas há que
distinguir o que é essencial do que é menos ou possa aguardar melhor oportunidade e dias mais desafogados.
O Decreto n.º 46 893 que criou as Juntas Províncias de Povoamento de Angola e Moçambique, foi publicado em Setembro de 1961.
Em Dezembro desse mesmo ano, o Diploma Legislativo de Moçambique n.º 2180 regulamenta esse regulamento limitando-se pouco mais do que a copiar as disposições do decreto, com pequenas alterações no seu ordenamento jurídico.
Uma das disposições que me parece ser de maior interesse é o n.º 12 do artigo 3.º do decreto, que diz:
Estudar, impulsionar, dirigir e vigiar a formação e o desenvolvimento de núcleos de povoamento agrário, entendidos como núcleos de população especialmente ocupada na exploração do solo pela agricultura, silvicultura, pecuária e piscicultura.
Estes dos diplomas contêm as normas necessárias para ser cumprida a missão de que foram incumbidas as juntas.
Procurei obter em Moçambique, junto de entidades responsáveis, elementos concretos sobre o trabalho já levado a cabo pela Junta Providencial de Povoamento, mas não consegui ser suficientemente esclarecido.
Parece-me, no entanto, que, fora a integração de núcleos de povoamento criados por anteriores entidades, ainda não se deu pròpriamente o arranque obedecendo a uma planificação sistemática conforme previsto na lei.
Esta programação deverá abranger ainda segundo as disposições do decreto e do diploma legislativo, tanto agricultores emigrantes como autóctones estes e aqueles irmanados na mesma tarefa fecundante do povoamento e ocupação do território.
Em Moçambique sem falar neste momento do colonato do Limpopo, e segundo o que particularmente pude colher como informação válida, existem já alguns núcleos de colonos brancos e pretos dirigidos, auxiliados e facilitados pelo Estado embora o seu número não seja ainda muito significativo.
Os colonos fixados até agora pelas brigadas do arroz, do tabaco, do chá, do Revuè e de Gaza pelo Instituto do Algodão e pelas Comissões de Povoamento do Niassa, Vila Cabral e Cabo Delgado atingem o montante aproximado por excesso de 500 emigrantes e poucos milhares de autóctones.
Todo este conjunto passou agora para a alçada da Junta Providencial de Povoamento.
Disponho de um quadro onde constam com pormenor e discriminação os números exactos.
Quero fazer uma referência especial aos jovens núcleos agrícolas do Sussundenge e do Zonué e ao colonato de Nova Madeira em Vila Cabral.
O primeiro fica a cerca de 40 km de Vila Pery em terras férteis e clima benigno, tendo fixadas 46 famílias europeias e dedicando-se à cultura do milho, tabaco escuro e quenafe. Este colonato concedeu porém talvez facilidades demasiadas aos colonos, o que, além de caro, não é tão propício a «aguçar o engenho».
O outro pequeno núcleo do Zonué cultiva o tabaco claro, de melhor aceitação no mercado.
O colonato de Nova Madeira, perto de Vila Cabral, constitui um alto exemplo da ocupação em zona de terrorismo, revelando as extraordinárias qualidades do seu orientador, Eng.º Madureira e a heróica determinação dos seus colonos, vítimas já muitas vezes de ataques de bandoleiros.
Cada família entra na posse de 100 ha tem um pequeno subsídio para construir a sua casa provisória e é assistida social, material e tècnicamente apenas na exacta medida das suas necessidades alfaias, adubos, sanidade, materiais de construção, compra de gado, etc.
Está assegurado o escoamento dos seus produtos.
As culturas são os cereais , legumes, pomar, etc.
Estão ali instaladas aproximadamente 30 famílias.
Estas e outras experiências e tentativas mostram de sobejo o caminho a seguir e a necessidade vital da obra de conjunto que exige o interesse nacional.
Vou terminar por hoje.
Fui talvez longe de mais, abusando da vossa paciência, o que me apresso a lamentar.
Que do pecado me absolva a natural paixão que todos nós, Portugueses sentimos pelas coisas do nosso ultramar. E quem lá vive, e de lá vem, traz sempre mais vivo esse pensamento avassalador.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Pedi a palavra, Sr. Presidente, para breve comentário a alguns aspectos do Orçamento Geral do Estado no que se refere ao sector da saúde e assistência e à sua repercussão sobre a execução do Plano Intercalar de fomento nesse quadrante de tão grande importância na vida nacional.
É que ao ler e comparar textos e números verifiquei que o carácter de prioridade de investimentos nítida e indubitàvelmente atribuída ao combate à tuberculose, promoção da saúde mental, protecção materno-infantil e reequipamento dos hospitais na lei de autorização de receitas e despesas para 1967 desaparecera no Orçamento geral do Estado.
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com efeito, no relatório da proposta de lei, capítulo "Ordem de prioridade", n.ºs 116 e 117, adentro de uma escala de preferências, refere-se claramente essa relativa prioridade. Vejo-a reaparecer com carácter genérico no artigo 15.º, n.º 5, do texto da lei aprovada por esta Assembleia e especìficamente na alínea a) do artigo 17.º da referida lei, nos seguintes termos.
Artigo 17.º Continuarão a ser intensificados os investimentos sociais e culturais designadamente nos sectores de saúde, de investigação, de ensino, da formação profissional e dos estudos nucleares, para o que o Governo, dentro dos recursos disponíveis, inscreverá ou reforçará no orçamento para 1967 as dotações ordinárias correspondentes a investimentos previstos na parte não prioritária do Plano Intercalar e destinadas
a) Ao combate à tuberculose, à promoção da saúde mental, à protecção materno-infantil e ao reequipamento dos hospitais.
a) Ao combate à tuberculose, à promoção da saúde mental, à protecção materno-infantil e ao reequipamento dos hospitais.
Ora ao debruçar-me sobre o Orçamento Geral do Estado encontrei textualmente logo na introdução o seguinte:
Para além da satisfação das despesas de administração e da salvaguarda do equilíbrio do orçamento e das contas, as finalidades a realizar subordinam-se ao seguinte sistema da prioridades precedência dos encargos da defeca nacional promoção acelerada do desenvolvimento económico, consequente intensificação das actividades formativas culturais e científicas, auxílio financeiro e técnico ao ultramar com vista ao seu progresso económico e social.
Quer dizer o disposto na alínea a) do artigo 17º da lei aprovada pela Assembleia quanto à prioridade relativa atribuída a alguns sectores da saúde e assistência foi eliminado no relatório do Orçamento Geral do Estado referiu-se à "consequente intensificação das actividades formativos culturais e científicas" a que se não acrescentou os sectores sanitário-assistenciais referidos na Lei de Meios. Isto parece paradoxal porquanto a promoção da saúde pública constitui, ao lado das actividades formativas, culturais e científicas, um elemento "consequente" e fundamental do desenvolvimento económico ao valorizar e multiplicar o capital humano.
Por outro lado, sou levado com pesar a uma conclusão algo insólita, salvo melhor opinião ou pertinente esclarecimento que neste aspecto o Orçamento Geral do Estado apresenta orientação que não coincide de perto com a de Meios primeiro proposta pelo Governo e depois aprovada pela assembleia Nacional.
E, se nos dirigirmos para o plano dos números observamos o seguinte no mapa comparativo das dotações orçamentais em 1966 e 1967, a p. 2370 do suplemento ao Diário do Governo que publica o Orçamento Geral do Estado (Decreto n.º 47 470), vê-se que a despesa ordinária do Ministério da Saúde e Assistência foi aumentada em 62 300 contos, mas que desta verba 46 500 contos se destinam ao subsídio eventual ao funcionalismo.
Depreendo assim que apenas 13 800 contos seriam aplicáveis efectivamente às dotações dos serviços. Mas na mesma página lê-se que destes 46 500 contos 39 000 se destinam a cobrir "parcelarmente" os encargos dos serviços com autonomia administrativa ficando ainda de conta do Ministério da Saúde e Assistência o encargo para este efeito a repartir pelos diversos serviços.
Concluo, portanto que uma quantia cujo montante desconheço neste momento (e que não tive tempo de pedir através de requerimento nesta Assembleia) deve ser deduzida destes 15 800 contos para cobrir "parcelarmente" o subsídio eventual no funcionalismo do Ministério. Mas a p. 2372 do mesmo Diário do Governo observo com franco aplauso, que pela primeira vez no Orçamento é inscrita a verba de 2760 contos para a Escola Nacional de Saúde Pública, recentemente criada e que à Caritas Portuguesa é atribuído o auxílio de 5000 contos metade dos quais vem através de subsídio concedido pelo Tesouro ao fundo de Socorro Social e inscrito nas dotações do Ministério da Saúde e Assistência. Os 13 800 contos acima referidos, deduzidos da "cobertura parcelar", provàvelmente avultada, do subsídio eventual ao funcionalismo, que já referi e de 5260 contos resultantes das duas últimas verbas citadas, devem corresponder à seguinte realidade as verbas do Orçamento Geral do Estado disponíveis pelo Ministério de Saúde e Assistência para manutenção dos serviços e novas realizações não devem ser superiores (ou talvez venham a ser inferiores) às de 1966. Esta realidade aparece-nos mais provável ainda se reflectirmos em que o aumento do custo de vida vem pesar gravemente na manutenção dos estabelecimentos asilares materno-infantis, patronatos e outros, pelo encarecimento dos produtos alimentares e de apetrechamento, este último não isento do imposto de consumo de 7 por cento.
Quanto aos estabelecimentos hospitalares em certas áreas do País, alguns devem poder considerar-se compensados em grande parte neste aspecto pelas receitas provenientes de doentes da previdência e pelas derramas lançadas pelas câmaras municipais, aliás extremamente variáveis de concelho, e que é pena não terem sido substituídas por um imposto adicional que desse uniformidade a estas receitas. Devo, todavia, acrescentar que não possuo elementos numéricos a este respeito. Parece, portanto, lógico, na verdade, que haja sido eliminada na introdução do Orçamento Geral do Estado a menção da prioridade a que me venho referindo e que existia na Lei de Meios.
Poderia pôr-se a hipótese de o Ministério da Saúde e Assistência poder compensar o "tratamento menos favorecido" do Orçamento Geral do Estado por força de outras dotações. Não é de crer que isso seja possível.
Com efeito, a parte que lhe cabe das verbas das apostas mútuas desportivas acha-se, por imposição legal consignada a outras finalidades - reabilitação e educação de diminuídos - sectores em que as necessidades se encontravam quase totalmente por satisfazer e para o que não tem havido contribuição do Tesouro. E as receitas dessa origem não serão mesmo bastantes para os programas a realizar.
Por outro lado o Fundo de Socorro Social ainda que as suas receitas estejam um pouco aumentadas por força de um recente diploma legislativo, terá necessariamente de fazer face aos encargos resultantes do subsídio eventual de custo de vida, que, como já disse e consta expressamente do relatório do Orçamento não se acha inteiramente coberto pelo Tesouro.
Sabe-se também que as dotações do importante sector da protecção aos velhos e inválidos e sobretudo o da assistência aos menores não sofrem qualquer actualização desde 1961. Isto sem contar que devem ser tomadas em conta novas necessidades, em especial neste último sector. O debate sobre o aviso prévio em curso nesta Assembleia acerca dos problemas da juventude vem mostrando a acuidade do problema, a que o sector assistencial respectivo não pode ficar indiferente, isto é, no que
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se refere à mocidade sem amparo ou com preçário amparo de família.
Os encargos com o aumento do custo de vida destes dois sectores suponho que só poderão ser satisfeitos - decerto parcialmente - através do Fundo de Socorro Social.
Ora, mesmo sem referir instituições particulares entre os estabelecimentos destas modalidades constam-se as Casas Pias de Lisboa e de Évora os Asilos de Alcobaça, Marvila etc. São alguns milhares de pessoas a alimentar e a vestir com as mesmas dotações de há cinco anos. Parece-me assim poder afirmar que o sector da saúde e assistência não terá modo de compensar a posição que lhe é atribuída no Orçamento Geral do Estado.
E entro, Sr. Presidente na segunda parte do meu trabalho as dificuldades na execução do Plano Intercalar de Fomento no sector da saúde e assistência.
Houve duas ordens de dificuldades na execução do Plano.
Novas construções
Demora na elaboração dos projectos do novo edifício do Instituto superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge, essencial à reorganização deste.
Demora na elaboração dos projectos nos novos hospitais regionais.
Estes atrasos devem-se sem dúvida ao elevado número de obras em curso em particular às que foram integradas nas comemorações do 40.º ano da Revolução Nacional. Mas não deixa de ser motivo de preocupação verificar que até nestes casos, em que existem disponibilidades financeiras e em que foi possível recorrer a técnicos estranhos nos quadros dos serviços as delongas na elaboração dos projectos ou na execução das obras retardam a entrada em funcionamento de unidades que são de extrema necessidade. Falta de técnicos, e os que tomam conta dos projectos, assoberbados de trabalho têm de demorar a sua conclusão. Por isso ainda não foram iniciadas as construções dos novos edifícios dos hospitais regionais de Aveiro, Castelo Branco, Faro, Portalegre, Viana do Castelo e Évora (continuação).
Mesmo em relação às que haviam já sido iniciadas à data da aprovação do Plano Intercalar, em Beja, Bragança e Funchal, verificam-se demoras que excedem o que seria de acertar.
Concretamente e no que respeita ao funchal para além do atraso justificado e até aconselhável que resultou do facto de a execução do projecto não se limitar à primeira fase, como fora inicialmente previsto, mas inclui a segunda, e das dificuldades provenientes da falta de empreiteiros a interessar-se pela obra, houve ultimamente uma demora de cerca de quatro meses na publicação de um diploma destinado a permitir que a adjudicação se fizesse por mais de um ano económico. Em consequência destes atrasos, além dos prejuízos para a assistência aos doentes acumulados num velho hospital resultou o inevitável encarecimento da obra. Aqui também não havia dificuldades financeiras porque, como é sabido, as verbas para a construção dos novos hospitais regionais provêm de fundos da previdência e acham-se depositados, e portanto disponíveis.
Vejamos agora o que se passa no sector especializado da protecção materno-infantil.
Os programas incluídos no Plano Intercalar eram muito modestos relativamente às necessidades e à situação do País - instalação de dispensários nas sedes de distrito que ainda os não possuem remodelação dos que existem funcionando com escasso rendimento e ainda o desenvolvimento das actividades de educação sanitária no sector materno-infantil.
Foram previstos 15 000 contos, sendo 3000 contos do Fundo de Socorro Social, a conceder 1000 em cada ano. Concedeu o Tesouro 6300 contos em 1965 e igual quantia em 1966. Para 1967 estão autorizados 1300 contos, ou seja, menos 3500 contos do que a verba necessária para perfazer o total de 12 000 contos. Isto representa uma "quebra" de 29 por cento nas realizações previstas.
Acresce a circunstância de que segundo se pode prever, o Fundo de Socorro Social vai achar-se impossibilitado de conceder os restantes 1000 contos, uma vez que tem de fazer face a novos encargos entre os quais avultam aqueles que resultam do subsídio eventual do custo de vida no volume não coberto pelo Ministério das Finanças e os que provem do aumento do preço dos produtos de dietética infantil.
Disse o Eng.º Rui Vieira na sua brilhante intervenção nesta Assembleia, a propósito da Lei de Meios.
Espero que do relatório da proposta da Lei de Meios, onde se escreveu que "o combate à mortalidade infantil, embora registe assinaláveis progressos necessita de ser continuado até à realização satisfatória dos fins que importa alcançar", se passe à verdade dos factos dotando-se o respectivo Ministério com as verbas necessárias à cobertura total do País e provando-se assim, que "é este um domínio que interessa particularmente ao Governo"
Pois o Orçamento Geral do Estado não confere carácter prioritário à protecção materno-infantil, nem nas dotações nem no relatório contràriamente ao que foi proposto na Lei de Meios e aprovado pela Assembleia Nacional.
Numa rápida referência ao sector de saúde mental direi que se prevê no Plano Intercalar para centros de saúde mental 30 000 contos e para hospitais psiquiátricos 12 800 contos.
Este financiamento seria assegurado através do Orçamento Geral do Estado e pela Fundação Gulbenkian.
Na parte que respeita ao Tesouro, a execução do que se previra no Plano implicaria para o ano corrente uma verba de 13 000 contos. Pois foram concedidos apenas 2000 contos, e mesmo assim haverá dificuldade na manutenção de serviços existentes devido ao aumento do custo de vida. Também aqui se não verifica posição prioritária no Orçamento Geral do Estado.
Quanto ao reapetrechamento hospitalar, cujas verbas não haviam sido inicialmente incluídas no Plano Intercalar, mas já nele figuram para o orçamento de 1965 com 20 000 contos, a redução para 13 000 contos verificada em 1966 manteve-se para o ano corrente, contrariamente ao que seria de esperar.
Na realidade, e a agravar a situação em 1967, não haverá apenas que considerar que o equipamento a adquirir será inferior em 3000 contos. É que mesmo sem falar noutros agravamentos de custo que se sabe existirem, bastará a incidência dos 7 por cento de imposto de consumo sobre a aparelhagem e materiais para isto representar nova diminuição de cerca de 1000 contos. Aqui ainda não posso encontrar qualquer disposição prioritária.
Quanto ao combate à tuberculose, o quarto dos sectores prioritários a que se refere a alínea a) do artigo 17.º da Lei de Meios pode obter ao que parece, compensação relativa nas suas despesas orçamentais, sem quebra apreciável do rendimento dos serviços e dos seus
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programas, em parte devido às receitas obtidas com os beneficiários da previdência. É o único sector dos quatro prioritários que não sofreu quebra apreciável mo Orçamento Geral do Estado.
O Plano Nacional de Vacinação, a que se refere o texto do Plano Intercalar, está a ser coberto por verbas próprias da Direcção-Geral de Saúde e em grande parte pela Fundação Gulbenkian. E seja-me permitido prestar homenagem" à generosidade daquela benemérita Fundação para com o sector da saúde e assistência, subsidiando largamente os seguintes empreendimentos - aqueles de que tenho conhecimento:
Campanha nacional de vacinação, campanha piloto da erradicação da tuberculose no distrito de Leiria, que começa a prolongar-se já por alguns concelhos do distrito de Coimbra, campanha antituberculosa na Guiné em 1961, construção do novo edifício do Instituto Superior de Higiene do Dr. Ricardo Jorge, construção do edifício do novo Centro do> Dr. António Flores, para luta contra o alcoolismo, Hospital de S. João de Deus, de Montemor-o-Novo, reequipamento da Maternidade de Júlio Dinis, do Porto, construção do Centro de Traumatizados do Crânio do Hospital de S. José, etc. Vai subsidiar o serviço do banco de urgência do mesmo Hospital e tem dado verbas volumosas para várias iniciativas do Instituto Português de Oncologia.
Sr. Presidente: Chego ao fim deste meu trabalho afirmando que um dos objectivos dele é reconhecer haver sido lógico, infelizmente, em face dos números e argumentos que citei, ter-se retirado a prioridade a determinados sectores da saúde- e assistência do texto do Orçamento Geral do Estado, já que essa prioridade não tinha correspondência suficiente nas dotações atribuídas., Não ignoro, e faço justiça ao Governo, de que só ponderosas razões de equilíbrio orçamental e de prioridades consideradas de ordem superior levaram a este desacerto e contraste em relação à Lei de Meios votada por esta Assembleia.
O outro objectivo é pedir ao Sr. Ministro das Finanças, a cujo esforço e alta competência novamente presto homenagem nesta tribuna, para que esta prioridade venha a realizar-se no orçamento ao longo do ano económico corrente, a tempo de as verbas atribuídas poderem ser eficazmente utilizadas antes do ano acabar, e assim se possa cumprir o que se previu quanto no Plano Intercalar no sector sanitário assistencial do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É afinal insistir e generalizar um pouco aquilo que se diz e se promete no n.º 49 do relatório do Orçamento Geral do Estado:
Deve notar-se, no entanto, quê os subsídios relativos às assistências materno-infantil e psiquiátrica não atingem de momento os montantes necessários para se realizarem os objectivos previstos no Plano Intercalar de Fomento. Procurar-se-á, porém, reforçar esta verba durante o ano, se as circunstâncias o permitirem, para se completarem os esquemas propostos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: Pedi a palavra a V. Ex.ª para um breve apontamento, a que, no entanto, atribuo alto significado político, e, por isso mesmo, digno da atenção desta Câmara.
Teve larga repercussão pública o desejado aumento dos prémios de seguro no ramo automóvel.
Sem outro interesse no problema senão aquele que resulta da minha qualidade de segurado, estive atento às reacções que tão profunda e inesperada modificação provocou, reacções de que a imprensa se fez justificado eco.
Não me proponho trazer quaisquer achegas para o fundo da questão, que, para além do interesse restrito e sem valia a que já aludi, ultrapassa, naturalmente, a minha competência e as poucas luzes que possa ter sobre a problemática técnico-económica do seguro de acidentes de viação.
E outro o alvo das minhas considerações.
O ilustre Ministro das Finanças, perante o clamor da opinião pública e as diligências das entidades representativas dos interessados, resolveu suspender a entrada em vigor dos novos prémios, cuja unilateralidade a muitos parecia evidente.
Esta suspensão - no quadro da nossa vida pública - demonstra uma rara coragem política a que não estamos habituados e, por isso, deve ser assinalada e enaltecida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E esse é o meu primeiro propósito. O segundo visa destacar o acerto e a ortodoxia do caminho que se seguiu para encontrar a melhor solução para o problema.
O Sr. Ministro das Finanças revelou-se, mais uma vez, coerente com os princípios que inspiram a nossa vida administrativa e situou-se no terreno - que é o nosso- numa clara e inequívoca representatividade.
O modo como foi constituída a comissão encarregada de estudar o assunto é disso testemunho eloquente.
E há ainda outra nota a evidenciar.
O Sr. Ministro das Finanças não se deixou enlear pelo errado tabu de um falso prestígio de autoridade.
Exercitou a sua - que é a maior -, como era de seu direito e - sem desrespeito - de seu dever.
É que a autoridade só se prestigia quando exercida nos escalões superiores para corrigir os erro se evitar os desvios dos escalões inferiores; quando se afirma como elemento frendor da irresponsabilidade em que muitos sectores se comprazem.
Representatividade autêntica e verdadeiro prestígio da autoridade.
Duas coordenadas importantes de uma vida política sã, a merecer o nosso aplauso, com a independência e a simplicidade com que noutra altura e seja em relação a quem for nos permitiremos censurar ou criticar a Administração. E o nosso dever.
Na vida colectiva não contam apenas as grandes iniciativas, os grandes empreendimentos em que se busca fama e glória; contam também os grandes pequenos actos de que a vida é feita, no seu dia-a-dia, a fidelidade a princípios de métodos que qualificam um regime e uma política.
A posição tomada pelo Sr. Ministro das Finanças constitui, ao mesmo tempo e quanto a nós, uma bela lição de coragem e humildade do poder.
Porque soube ser humilde nesta emergência, o Governo exaltou-se. Ultrapassou a rotina e os preconceitos, viu acrescido o seu prestígio.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Aqui fica expressa a nossa concordância, que muito nos agrada expressar em mais oportunidades e em relação a outros departamentos. (Risos)
Sr. Presidente Brilhou, por instantes, um raio de esperança na nossa vida política.
Mais uma razão para o nosso louvor e para o nosso agradecimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Presidente: - Vai passar-se a
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral sobre a educação da juventude.
Tem a palavra o Sr. Deputado Arlindo Soares
O Sr. Arlindo Soares: - Sr. Presidente: Ao subirmos pela primeira vez a esta tribuna reiteramos a V. Ex.ª Sr. Presidente, as nossas homenagens de profundo respeito e altíssima consideração pelas nobres virtudes e méritos que exornam a vossa prestigiosa figura, pedindo-vos desde já e a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, a quem renovamos igualmente as saudações de muito respeito, simpatia e consideração, a maior indulgência para as descoloridas palavras que vamos proferir e às quais procuramos certamente sem o conseguir dar um cunho essencialmente prático.
Sr. Presidente: Numa modesta comunicação que apresentámos ao I Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais iniciávamos as nossas considerações com as seguintes palavras
A chamada sabedoria popular é um manancial inesgotável de preciosos ensinamentos. Nas quadras admiráveis que andam na boca da nossa gente encontramos quase sempre, comprimidos nas apertadas malhas da redondilha conceitos magníficos de filosofia, e verdades incontroversas que não escaparam à sagacidade do desconhecido autor. Os provérbios populares de que é tão rica a nossa etnografia, muitos dos quais não deslustrariam a pena do velho Salomão, contêm, sempre, sínteses maravilhosas, sentenças e juízos que não oferecem discussão, porque exprimem a realidade que o senso do nosso povo apurou à custa de uma experiência intensamente vivida. Os nossos adágios e anexins são, na general idade, indiscutíveis axiomas que pena é não andarem sempre presentes na nossa memória, para que saibamos cumprir a toda a hora as suas proveitosas asserções. As bases de toda a segurança estão contidas num rifão que todos nós conhecemos mas que escapa por vezes à nossa lembrança. "Vale mais prevenir que remediar". É sou corolário exacto estontio também já velho e relho "Homem prevenido vale por dois". Na verdade, toda a segurança assenta na prevenção, e aquela sábia máxima aplica-se a todos os domínios da actividade humana. Não é sòmente à segurança no trabalho que o velho provérbio se ajusta. Ele adapta-se perfeitamente a todas as regras de vida quer somática, quer anímica, e deveria ser tomado como norma a seguir no nosso procedimento, seja qual foi o labor a que nos dediquemos. Prevenir é na verdade melhor que remediar.
Mas como é manifestamente impossível tudo prevenir, porque há factores imprevisíveis e imponderáveis e nem sempre a cautela anda a par connosco, é também necessário saber remediar. Remediar bem é ainda em múltiplas situações, uma arma de prevenção.
Vozes: -Muito bem!
O Orador:-Estas considerações julgamo-las válidas para justificar a nossa intervenção no debate do aviso prévio do nosso ilustre colega Dr. Braamcamp
Sobral, a quem felicitamos sinceramente pelo brilho, elevação e proficiência com que o apresentou e cuja relevância e oportunidade nos furtamos de encarecer, dada a premência do problema que está à vista de todos nós, pois é por de mais manifesta, a crise de educação da juventude que não nos atinge somente a nós mas é, por toda a parte, triste estendal de desvarios misérias e vergonhas e motivo de séria inquietação para governantes e governados. Em nosso modesto, entender, os vícios da educação tem vindo, em grande parte a acumular-se por ter sido esquecida aquela outra máxima popular que diz "De pequenino é que se torce o pepino" reforçada por outra velha sentença que afirma "O que o berço dá a tumba o tira". Na verdade, não poderá falar-se na educação da juventude sem se falar na educação da infância, magno problema que infelizmente se tem entre nós minimizado, descurando-se as fatais consequências.
Somos dos que acreditam na categórica afirmação de Eve Seligman "A educação do homem começa no primeiro dia da sua vida"
Não vamos embrenharmo-nos em considerações sobre a divina arte da puericultura ciência e arte que estão fora do nosso limitado âmbito profissional, e de que nesta Câmara temos um proficiente cultor na pessoa do nosso prestigioso colega Dr. Santos Bessa, a quem muito jubilosamente felicitamos pela sua escolha para regente da cadeira de Pediatria da velha e gloriosa Universidade de Coimbra como insto prémio do seu incontestável mérito como clínico abalizado e homem de ciência que à protecção da criança tem dado o melhor labor da sua robusta inteligência e o acrisolado amor do seu magnífico coração. Queremos apenas deixar aqui consignada a nossa inteira adesão às sábias considerações que daquela ilustre psicóloga e pedagoga nos atrevemos a transcrever.
Uma boa conselheira médico-pedagógica poderá responder exactamente à maior parte das questões relativas à alimentação e aos cuidados materiais a ter com a criança. Mas os cuidados materiais não são tudo, como o prova o exemplo das crianças postas numa creche dentro das primeiras semanas de vida, onde embora recebam excelentes cuidados estiolam e não se desenvolvem senão quando a mãe ou uma ama de leite se ocupam inteiramente delas. A mãe, ou quem a substitua -está provado que a consanguinidade não é essencial -, é a primeira intermediária entre a criança e o exterior. A sua natureza, a sua atitude, não só para o bebé, mas para quem o rodeia, contribuem para dar à criança o sentimento de segurança de protecção, sentimento que será a primeira condição para que tenha mais tarde confiança no mundo dos adultos. A mãe que grita e ralha aos filhinhos mais velhos enquanto dá de mamar ao bebé, que, sempre agitada e atormentada não esta em sossego na altura da mamada nem dá à criança a paz e protecção que ela reclama, transmite-lhe com o leite a sua agitação e a própria insegurança.
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Infelizmente este é o panorama habitual na vida vertiginosa que hoje se processa.
Uma mãe calma, inteligente, sabe que é mais razoável não estragar a criança cedo de mais nem insensibilizá-la exageradamente. Sabe que é necessário o contacto directo mas sabe também habituar a criança a pequenas renúncias quando o momento se apresenta, sabe habituá-la a que os seus desejos não sejam imediatamente satisfeitos, para que mais tarde a criança a não tiranize. O bebé que foi demasiado amimado ou tratado com um rigor insentato sentirá mais tarde dificuldade em viver com os seus semelhantes, pois não se soube considerar a sua necessidade de paz interior e de segurança.
Se logo na primeira infância a educação da criança envolve problemas de extrema delicadeza o que não dizer da segunda infância - a idade da teimosia e da desobediência?
Nesta idade a criança não só descobre a sua vontade pessoal, como também tenta explorar e experimentar cada vez mais as coisas que a rodeiam. Na alegria das descobertas não tem consciência de nenhum mal, de nenhum perigo. Não compreende as proibições e os castigos severos da mãe que impedem as suas explorações, responde-lhes por vezes com revoltas. Como proteger a criança do perigo que não compreende por falta de perspicácia sem paralisar ao mesmo tempo a sua necessidade de actividade e o prazer da descoberta? É muito difícil, no mundo em que tudo está previsto só para os adultos.
Com razão diz a ilustre escritora Ilse Losa, que à vida da criança e aos seus problemas tem dedicado toda a sua inteligência e feminilidade.
A expressão "a criança tem direito à infância" pode, à primeira vista parecer paradoxal, sobretudo para quem infância signifique apenas um período da vida determinado pela idade e desenvolvimento físico. Se assim fosse a expressão não teria qualquer sentido, visto que todos os homens passam por esse período. Mas se considerarmos infância a época em que são dadas à criança todas as possibilidades de expansão possibilitando-lhes os brinquedos adequados, um desenvolvimento gradual da sua personalidade, uma alimentação racional e, numa palavra todos os elementos fundamentais para a sua felicidade, de modo a ser criança no verdadeiro sentido da palavra então verificamos que há muitas e muitas crianças sem infância.
Diz Maria Montesson.
A criança constrói o elemento mais importante da vida do homem - é o construtor do homem.
Na realidade o homem será amanhã aquilo que em criança vier a fazê-lo. Não será por isso demasiado insistir em que só poderemos ter jovens e adultos devidamente formados se as crianças - os seus construtores - tiverem recebido também uma segura e perfeita formação. Vejamos porém como se processa entre nós a educação infantil, nomeadamente na época mais difícil e que, por isso mais rigoroso cuidado e cautela deveria merecer-nos, a da segunda infância.
Qual a situação em que se encontra a grande maioria das crianças desta idade, principalmente nos meios urbanos ou industrializados, embora nos meios rurais comecem, infelizmente, a verificar-se idênticas condições?
Fechadas igualmente em casa encarregadas da vigilância e protecção de irmãozitos mais novos e, quantas vezes até encarregadas das tarefas domésticas inclusive de cozinhar sujeitas aos mesmos perigos, a ponto de ter sido instituído o prémio da Fundação de Valflor para os pequeninos que se mostrem mais heróicos na defesa dos inocentes perante o perigo.
Na rua, sujeitas aos mesmos riscos de origem física, carregando ainda mais a triste nódoa dos nossos acidentes de viação, e aos perigos morais que desnecessário se torna encarecer.
Entregues a "amas" mercenárias, sem qualquer preparação e, quantas vezes cheias de taras e vícios que, consciente ou inconscientemente, transmitem às pequeninas almas em botão. Como nota exemplificativa ponderemos dizer que uma arma por muito favor, leva a uma pobre mulher a dias 311$20 por mês por ter à sua guarda duas crianças de quatro e dois anos dando-lhes de comer, sabe Deus como e o quê, pois por via de regra, a ama exige 50$ por semana só por tomar conta de uma criança.
Em patronatos creches, infantários e orfanatos que crêem desempenhar um serviço de colossal importância fornecendo à criança uma frugal e desajustada refeição e uma enverga para se deitar.
Em casa entregues quase sempre só simbolicamente, às criadas, que, salvo raras excepções, lhes imprimem como as amas, taras, complexos e vícios.
Em casa com as mães, assoberbadas de trabalho e por isso, sem aquele mínimo de paciência para aturar as suas traquinices e a natural ânsia de curiosidade a que já aludimos. Mesmo nas classes mais abastadas, e dado o actual condicionalismo da habitação, composta geralmente, por apartamentos de reduzidas dimensões, essas situações tendem a complicar-se cada vez mais.
Em jardins-escolas sem os mínimos requisitos de uma boa e salutar orientação, nos quais à criança, num jardim ou numa sala, durante a maior parte do tempo entregue a si própria, ou lhe é ministrada prematuramente a instrução primária, com todos os inconvenientes de uma pedagogia anacrónica e despropositada ou ainda as pseudo-professoras fazem os trabalhos e jogos dos meninos para que estes resultem "mais bem feitos".
Em jardins-escolas bem orientados o que infelizmente é rara excepção, dada a conhecida falta destas preciosas instituições particulares já que não temos entre nós estabelecimentos oficiais deste tipo.
É este sem qualquer intenção de o enegrecer demasiado, o quadro do ambiente em que geralmente vivem as crianças da segunda infância.
Não será ocioso insistir em que o cérebro e a alma da criança se assemelham à cera de moldar no qual ficam marcadas, no mínimo pormenor, todas as impressões, por mais ligeiras que sejam e que, se o desenvolvimento das circunvoluções cerebrais podem esbater ou até apagar algumas dessas marcas, outras há porém que permanecem indeléveis como as cicatrizes por vezes avolumadas como os quelóides ou as neoformações resultantes dos traumatismos repetidos. No domínio do tempo a criança só conhece o presente porque não vive, como nós, o passado e o futuro e, por isso, vive o presente com uma intensidade to-
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tal, dele lhe ficando armazenadas no seu íntimo com todos os seus contemos as mais leves impressões e, sobretudo aquelas em que houve falta de amor e ternura, de que as suas almas em embrião se mostram particularmente ávidas.
A criança é um ser que necessita de ternura e carinho, mas é também um permanente ninho de amor. Gosta de receber, mas também necessita de dar. Por isso, se uma inteligente orientação do espírito favorece o seu desenvolvimento mental, a ternura facilita o desenvolvimento da alma. A criança que não recebe carinhos nem os dá sofre indiscutivelmente um recalcamento e empobrecimento doloroso do seu íntimo que há-de fatalmente reflectir-se na eclosão do seu carácter.
A criança necessita de ser amada, mas com um amor benevolente, não com um amor sufocante ou por simples amor por dever. Na época em que vivemos, nesta era tecnicista em que o egoísmo é pedra de toque de toda a vida social, onde pára o amor? Será ousado dizer que até naquelas pessoas que se dizem cristãs, sequazes de uma doutrina que tem no amor o seu fundamento, o conceito do amor anda confundido com o do prazer?
O amor só será verdadeiramente amor quando corresponda a uma dádiva total.
Será o panorama que atrás deixámos levemente esboçado uma amostra de amor?
Como lógica consequência do estado em que vive hoje a maioria das nossas crianças, criadas e educadas sem amor e privadas do mínimo de condições necessárias ao seu natural desenvolvimento físico e intelectual, o que vemos nós? Crianças tristes, apáticas, aborrecidas e implicativas sempre à procura de coisas novas pelas quais, logo a seguir, perdem todo o interesse. Crianças excessivamente irrequietas, barulhentas, excitadas e agressivas, gastando as suas energias em correrias, gritos e conflitos comprazendo-se em agredir os objectos, as coisas, os animais e as outras crianças, quando não os próprios adultos,
Crianças viciadas, fechadas, incapazes de se abrirem em múltiplos aspectos de tal trama que, no ano lectivo passado, de 40 crianças que iniciaram a 1.ª classe da instrução primária, em determinado estabelecimento de ensino, 18 tiveram de passar ao ensino individual,
Crianças descrentes nos adultos e por isso, incapazes de aceitarem os seus conselhos e exemplos, crianças que trazem em si já morta a curiosidade, que é timbre da infância, e mortas também para o estudo, e assim chegam à juventude também mortas para o trabalho, de tal modo que só lhes interessa passar de classe ou no exame, considerando o seu melhor triunfo passar sem saber.
Como lógica consequência destas situações, o que vemos nós normalmente na terceira infância, na juventude e na idade adulta?
Jovens e adultos que trazem dentro de si a distracção e o barulho indiferentes ao que devem a si próprios e à sociedade, incapazes de um trabalho profundo, sempre apressados e carregados de preocupações e problemas inúteis ou prejudiciais, em estado de constante tensão interior,
Jovens e adultos inibidos hermèticamente fechados para os outros, dominados apenas pelo espírito de concorrência e por mútua desconfiança.
Jovens e adultos distantes de Deus.
As causas determinantes deste estado de coisas residem principalmente
Nas actuais condições de vida em que o egoísmo, a pressa, a ânsia de subir, seja por que forma for, são o sentido e o querer da maioria,
Nas dificuldades da mesma vida a que estão sujeitas ainda as classes sociais menos favorecidas,
Na falta de jardins-escolas modelos,
Na escassez de educadoras de infância devidamente preparadas para o exercício desta sublime missão,
Na ignorância, indiferença e desinteresse de muitos pais, que, não estando preparados para julgarem o trabalho que naqueles jardins modelos se realiza, facilmente se satisfazem com as instituições destinadas à segunda infância, e que na sua maioria como já dissemos, funcionam como meros depósitos de crianças.
Na falta de conhecimentos dos próprios directores dos colégios, a quem muitas vezes só os move o desejo imoderado de satisfazer os pais das crianças, sem a mínima preocupação de os mentalizar,
Na dispersão de subsídios e fundos de assistência, particulares ou oficiais tantas vezes despendidos ingloriamente numa assistência meramente paliativa e que poderiam ser canalizados para obras de maior projecção como os jardins infantis.
É do conhecimento geral que não possuímos hoje o ensino infantil oficial. Não vamos analisar as causas que determinaram o encerramento das poucas escolas infantis que noutro tempo existiram e que certamente se revelaram inúteis ou até prejudiciais. Somos dos que crêem que a instrução deve iniciar-se, tal como está legalmente estabelecido só aos 7 anos ou em casos muito especiais, aos 7 incompletos. O mesmo não podemos dizer da educação infantil, que deve como já dissemos iniciar-se o mais cedo possível, e por isso se tornam absolutamente indispensáveis os jardins infantis, que como também todos sabemos, são entre nós de carência confrangedora. Os poucos que existem devem-se à benemérita Associação dos Jardins-Escolas de João de Deus, sob a égide do egrégio lírico autor da Cartilha Maternal, às escolas de educadoras, ao zelo de alguns párocos e de alguns centros sociais e à feliz iniciativa de alguns generosos empresários.
Pelo que respeita a educadoras de infância, também, como é obvio, não possuímos ainda hoje escolas oficiais que lhes dêem a necessária preparação.
Segundo apurámos, existem, graças à iniciativa particular ao todo, na metrópole pois ignoramos o que se passa nas nossas províncias ultramarinas cinco escolas de educadoras, três na capital, uma em Coimbra e uma no Porto - a Escola de Educadoras de Paula Frassinetti, sob a sábia e zelosa orientação das irmãs Doroteias.
Sem desprimor para outras, e porque temos acompanhado de perto a sua actuação, podemos afirmar que este estabelecimento de ensino é uma instituição que merece o respeito, a admiração e a gratidão de todos os nortenhos, pois, apesar da sua curta existência, o trabalho ali realizado na formação das jovens educadoras é deveras notável, como notáveis são também os preciosos frutos que se vão já verificando da inteligente e carinhosa dedicação destas mesmas jovens nos locais por onde vão passando, quer durante o estágio, quer no exercício da sua espinhosa mas nobilitante missão.
O Ministério da Educação Nacional, crente da necessidade e utilidade destas profissionais, não tem posto dúvidas em oficializar-lhes os diplomas mas estamos em crer que não tardará o dia em que o ensino terá de ser também oficializado e alargado o número de escolas para satisfazer as necessidades que hão-de vir a sentir-se com a criação, que reputamos urgente, de novos jardins-escolas e a sua instalação junto dos colégios de escolas, hospitais, centros sociais e paroquiais e grandes empresas
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Cremos que todos estarão de acordo com o que deveríamos fazer neste magno campo da educação.
Educar a criança em todas as suas dimensões, facultando-lhe uma abertura harmoniosa para o mundo e para Deus, pois, como diz Maurice Tièche.
A educação é a arte de conduzir para fora da ignorância, de preservar as crianças dos erros aos quais o ser humano está sempre exposto, e de as orientar para a verdade, a justiça e o bem.
Só assim poderemos pensar em construir o futuro
Precisamos, pois, de educar com desvelo com amor, mas também com perfeito conhecimento da forma de agir. Assim, teremos de atender particularmente.
Ao seu desenvolvimento físico, muscular e sensorial, ao seu equilíbrio interior (domínio corporal, distensão nervosa, actuação silenciosa, etc), ao desenvolvimento estético criando-lhe beleza no meio ambiente, mas beleza harmoniosa e simples, isenta de luxo, facultando-lhe meios de expressão e de observação das maravilhas que o Criador pôs entre nós, ao desenvolvimento moral, procurando desinibi-la para que se abra e mostre como é, promovendo a gestação da consciência e a formação da vontade para que saiba aprender a escolher e a persistir, ao seu desenvolvimento social pela criação de hábitos estruturantes, pela facilitação da comunicação com os outros e aos outros, favorecendo-lhe ainda a mesma abertura nos outros meios sociais, à sua formação cristã, que terá de ser realizada na vida a cada momento e por quem viva a presença de Deus em todas as coisas.
Este o grande, o difícil, o esgotante papel da educadora, que é também tarefa de todos nós.
Para assim a podermos educar, e à juventude que há-de suceder-lhe, e remediar enquanto é tempo muitos dos males passados torna-se imperioso.
Mentalizar todos, em todos os lugares, por todos os meios e em todas oportunidades,
Fomentar, quanto possível, repetimos a criação de jardins-escolas infantis modelos.
Insistir junto das direcções dos colégios para a manutenção dos mesmos jardins, com educadoras devidamente preparadas,
Insistir no mesmo sentido junto dos directores de empresas que empreguem pessoal feminino para que nos seus jardins a orientação seja dada a autênticas educadoras,
Coordenar esforços e canalizar como já dissemos, para este fim comum os subsídios e fundos de assistência dos organismos particulares e oficiais, interessando os párocos e as entidades oficiais responsáveis pela criação daqueles jardins.
Apraz-nos aqui registar que naquele I Congresso Nacional de Prevenção, a que já aludimos foi apresentada uma comunicação pelo Centro de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em que se propugnava pela urgente necessidade da criação em larga escala de lares e creches para tomarem conta dos filhos dos operários enquanto estes trabalham, em seguimento a um apelo que havia sido feito em Setembro de 1959 no Boletim do mesmo Centro para que os empresários, o Estado, os organismos corporativos e as Câmaras municipais colaborassem na obra tão essencial de se criarem aqueles lares ou creches para receberem, alimentarem e educarem os filhos das operárias ou de operários viúvos durante o tempo do trabalho, com vista à prevenção de sinistros daquelas mães e pais preocupados com o abandono a que necessariamente têm de deixar os filhos.
Sejam embora diferentes as razões invocadas, não queremos deixar de dar aqui o nosso inteiro aplauso à ideia, que mereceu a melhor atenção dos congressistas e foi posta em devido relevo nas conclusões do mesmo Congresso. Oxalá ela frutifique, como é de esperar, pelo menos da parte daqueles empresários, e muitos são já felizmente, esclarecidos e adeptos dos ensinamentos da doutrina social da igreja.
Se é demasiado carregado o panorama educacional da segunda infância e, como veremos também na terceira infância no que respeita às crianças física e intelectualmente normais, o que poderá dizer-se dos deficientes mentais ou sensoriais da mesma idade?
O espectáculo é necessariamente mais triste pela crueldade e abandono a que são votados geralmente estes pobres seres humanos. Que o diga o nosso ilustre colega Dr. Leonardo Coimbra com a autoridade que lhe sobeja, adquirida na experiência a que se votou a sua alma de verdadeiro apóstolo da caridade, caridade com C grande, que é sinónimo de amor, na sua mais alta expressão ao erigir uma obra, o seu Centro de Recuperação de Crianças, que deveria merecer o carinho e a veneração de todos nós e à qual tem dado o melhor da sua robusta inteligência, do seu magnânimo coração e até as parcas economias cerceadas com sacrifício aos proventos saídos do suor do seu esgotante trabalho profissional. Que nos perdoe o querido confrade esta alusão à sua obra, pois sabemos que ferimos a sua sensibilidade e a sua conhecida modéstia mas que não podemos deixar de citar aqui para que os Poderes Públicos e as almas generosas dela se lembrem com a ajuda material de que tanto necessita já que de outro apoio não carece quem como o Dr. Leonardo Coimbra possui o talento e todas as virtudes para edificar, estruturar e pôr em movimento uma obra-prima a que nos atrevemos a chamar divina porque tocada inegavelmente pelo dedo do Criador
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Analisemos agora a traço largo, o que se passa no campo da educação da chamada terceira infância. Aqui também não são melhores as perspectivas que se nos apresentam. Na sua grande maioria, as crianças dos 7 aos 11 anos, a frequentar o ensino primário elementar, são hoje bem diferentes do que eram num passado não muito distante. Fruto da nossa época, com o dessoramento de costumes filiado nas causas que atrás mal esboçámos, não podiam deixar de ressentir-se dos males de que enferma a sociedade actual e dos quais são culpados a Família, a Escola e a Igreja. Já pelas aldeias, que foram durante muito tempo o reduto em que se mantinham intactas ou menos atingidas as virtudes ancestrais da grei, campera infrene o mesmo dessoramento e uma onda de imoralidade destrói a muralha que lhe opunha a clássica honestidade do homem do campo criado à moda antiga, menos culto, mas mais educado do que o citadino da mesma classe social, sujeito a maiores tentações, perigos e vícios de que se deixava ser presa. É certo que em todos os tempos e em todos os lugares houve bom e mau e que, se a esperteza saloia não era epíteto que desse qualidade ao provinciano, as excepções não confirmavam, neste caso, a regra geral. No meio rural aquele em que temos vivido por inata vocação, vão-se perdendo a pouco e pouco - e com que desgosto o dizemos - hábitos sadios, física, espiritual e moralmente, que eram o orgulho da nossa gente e faziam do agrado populacional uma autêntica comunidade, quando não uma autêntica e estreita
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família. A amizade, a solidariedade, o respeito mútuo, as atenções recíprocas manifestadas nos actos mais simples da vida, desde as tradicionais saudações nos encontros quotidianos e a toda a hora (Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo - Venha com Deus), que tantas vezes pronunciámos ou a que respondíamos e que constituíram cadeias admiráveis para uma convivência fraterna, foram-se destroçando pressurosamente e o espírito comunitário deu lugar ao isolamento e ao egoísmo, que são já também traço característico do ambiente rural. As crianças das escolas não podiam ficar imunes à enfermidade que se foi gerando. São, por isso, menos educadas do que eram no nosso tempo de criança e de jovem, e infelizmente os vícios vão-se acumulando de forma assustadora. Estas crianças mostram-se, como as da segunda infância, fortemente inibidas, mas com uma inibição consciente. São por via de regra mais fechadas, preguiçosas, grosseiras, atrevidas, desconfiadas, rebeldes, egoístas e velhacas. Começam já a usar como arma defensiva a mentira e a dissimulação, que hão-de constituir um dos vícios mais perniciosos e constantes da juventude.
O que mais fere à primeira vista é a sua ausência de limpeza e de asseio, o quase horror à higiene, a descompostura, a falta de cortesia, a incivilidade manifestada nos mais simples gestos e atitudes, nas brincadeiras de mau gosto, nos atropelos e destemperos de linguagem, nas brigas violentas com que, com desmedida frequência, terminam os seus folguedos. Para tudo isto se nota uma indiferença geral, quando não uma palavra de desculpa - coisas próprias da idade -, a começar quase sempre pelos pais. Para ilustrar este descritivo, que fica muito longe da realidade, citaremos dois factos que há poucos dias nos foram relatados: um senhor de toda a respeitabilidade, homem de fino.trato e de rara delicadeza de maneiras, impressionado pela conduta das crianças da escola, de classes, aliás, já avançadas,, com as quais diariamente se cruzava e que, conhecendo-o perfeitamente, não esboçavam sequer à, sua passagem um gesto de cumprimento, resolveu tomar a iniciativa de as saudar com os bons-dias.
Tanto bastou para que aquele a quem mais directamente se dirigiu o fitasse com olhar espantado e desconfiado e dasatasse a fugir, no que foi seguido pelos restantes, como se aquela saudação constituísse uma afronta ou ameaça.
Uma professora de reconhecidos méritos, directora de uma escola, foi procurada pelas restantes colegas em serviço no mesmo edifício que se queixavam que as alunas dela, que as conheciam perfeitamente, as não cumprimentavam nos seus encontros fora da escola. Chamadas à ordem e aconselhadas a serem corteses e delicadas para aquelas professoras, como, aliás, para toda a gente, resolveram pura e simplesmente limitar os cumprimentos à sua professora à entrada e saída da aula, mas fugiram daí em diante de a cumprimentar na rua, como costumavam, escondendo-se de qualquer forma à sua passagem.
O travão da escola não tem tido, e terá cada vez menos, se o não afinarmos melhor, aquele efeito que seria para desejar, para diminuir os malefícios que o descuido da familia, quando não o seu mau exemplo, e a exposição ao ambiente social, de que facilmente se impregnam, hão-de fatalmente produzir na sua formação.
Recordamos com imensa saudade os tempos já distantes da nossa meninice e a figura, gentil do nosso professor primário, jovem idealista, saído há pouco da Escola Normal, designação que tinha então a Escola do Magistério Primário, e que, imbuído das ideias demo-liberais da época, trazia consigo um programa de renovação de doutrinas e métodos a que devotadamente se consagrava. Era sua preocupação trazer o ateísmo ao ensino, contrapondo à Igreja a sua escola, instalada no edifício da antiga residência paroquial, em estado de decadente ruína, cujo tecto esburacado resvestíamos de papel de seda por altura das festas escolares, aliás frequentes, das quais a mais solene era, sem dúvida, a da árvore, a cujo culto procurava discretamente enfeudar as nossas almas moças, embora nesse tempo não lhe compreendêssemos a intenção, de que só mais tarde nos viríamos a aperceber, e com o qual pretendia substituir o culto de Deus.
Mau grado a sua descrença religiosa, de que felizmente veio a recompor-se, era o nosso professor um homem honesto e digno, que procurava educar-nos clvicamente, proporcionando-nos ampla abertura para a vida social do nosso meio, tornando-se um camarada e um amigo, não só nos tempos lectivos, mas nas horas de recreio, compartilhando dos nossos brinquedos, em parcerando, com vista a um equilibrado desenvolvimento físico, nos nossos jogos, dos quais o eixo
O Estado e a Igreja desde há muito se vinham apercebendo da necessidade de promover uma melhor educação moral das nossas crianças e jovens, e assim, em 7 de Maio de 1940, ao celebrar-se a Concordata entre a Santa Sé e a República Portuguesa, ficou estabelecido que o ensino ministrado pelo Estado nas escolas públicas seria orientado pelos princípios da moral cristã, e que consequentemente ministrar-se-ia o ensino da religião e moral católicas nas escolas públicas elementares, complementares e médias aos alunos cujos pais ou quem suas vezes fizesse não tivessem feito pedido de isenção. Mais ficou acordado que para o ensino da religião católica o texto deveria ser aprovado pela autoridade eclesiástica e os professores nomeados pelo Estado de acordo com ela,
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em nenhum caso podendo ser ministrado o sobredito ensino por pessoas que a mesma autoridade eclesiástica não tivesse aprovado como idóneas.
Pela Portaria n º 21 490, de 23 de Agosto de 1963, foi regulada a matéria no que toca ao ensino primário, em conformidade com aquelas disposições da Concordata e a experiência havida até essa data com a sua execução.
Por essa mesma portaria o ensino da moral e da religião, cuja matéria constitui uma disciplina única passou a ser ministrado por uma das seguintes entidades e segundo os programas e textos aprovados.
a) Pároco da freguesia,
b) Outro sacerdote
c) Agente de ensino
d) Outra pessoa que aceite o encargo
A incumbência do ensino pertence à pessoa que foi indicada pelo prelado da diocese e que obtenha a concordância do Ministro da Educação Nacional presumindo-se essa concordância na falta de declaração em contrario, excepto quanto à indicação prevista na alínea d), que terá de ser expressa, ficando ainda regulado que o agente de ensino quando indicado e entenda ter motivo legítimo de escusa, pode submeter o caso a apreciação ministerial.
Se a indicação lêem em qualquer das entidades referidas que não seja o agente de ensino, deverá o mesmo conceder-lhe as facilidades necessárias para o desempenho daquela missão.
Pela circular n º 613, de 19 de Novembro do mesmo ano, da Direcção-Geral do Ensino Primário, foram dadas instruções aos directores dos distritos escolares para o cumprimento da portaria, determinando-se entre outras coisas que, recaindo a indicação em agentes de ensino, este será ministrado no segundo tempo de quinta-feira devendo nos lugares em que haja mais de duas classes parte do ensino ser feito no dia reservado às actividades da Mocidade Portuguesa e da Mocidade Portuguesa Feminina. Se a indicação recair noutra entidade, o ensino será dado em dia e hora a combinar com o director da escola, e para o caso de haver mais de duas classes, nas mesmas condições já indicadas devendo o agente do ensino permanecer na sala de aula para que sejam concedidas as facilidades previstas na portaria e ainda para que mantenha sempre o contacto com os seus alunos.
Dando o nosso aplauso às disposições da Concordata, no que se refere à natureza do ensino daquelas matérias, parece-nos todavia que o ensino ficou prejudicado com a sua inclusão numa só disciplina, dada a faculdade de o aluno poder ficar dispensado da assistência às aulas e o agente de ensino da sua regência pelo facto, certamente o mais invocado de terem credos diferentes dos da religião católica. Sendo o imperativo do preceito moral o querer o bem por si mesmo e a moral cristã doutrina universal e conjunto de preceitos que visam o mesmo fim, parece-nos a priori que ela não prejudica os outros credos religiosos, nada obstando a obrigatoriedade do seu ensino, limitando-se por isso a liberdade de frequência ao ensino da religião. Assim sendo deveriam todos os agentes de ensino ser obrigados a ministrar o ensino da moral e os alunos sujeitos a assistir obrigatoriamente às respectivas aulas e a prestarem as respectivas provas o que agora se não faz. Parece-nos por outro lado ilegítimo e até vexatório no actual estado de coisas, que os agentes de ensino não indicados ou dispensados da regência sejam forçados a permanecer na sala de aula durante as lições sujeitos à crítica embora muda, dos seus próprios alunos. No que toca à aplicação das disposições da portaria, e por tudo quanto sabemos estamos convencidos de que o ensino da moral e da religião nas escolas primárias
não tem aquela eficiência que todos desejaríamos. Os párocos, assoberbados com outras actividades do seu múnus pastoral, nem sempre prestam ao assunto a atenção que ele merecia e, receosos de ferir susceptibilidades, também nem sempre informam com a devida cautela o seu prelado sobre a idoneidade do agente de ensino para ministrar aquela disciplina, acontecendo que são na quase totalidade aqueles agentes os encarregados da função, na grande maioria dos casos sem a preparação e a vocação necessárias para se desempenharem de tão importante e transcendente missão e sem a coragem moral de pedir a dispensa. Os mais honestos confessam abertamente que não podem perder tempo com aquela tarefa, pois que, estando o ensino, infelizmente também, já a enfermar da doença endémica da estatiscomania característica da nossa era em que, em tudo, se prefere a quantidade, a qualidade se lhes exige que no fim do ano lectivo passem de classe ou apresentem a exame, de molde a obterem aprovações nas disciplinas a ele sujeitas, dos terços dos alunos.
É certo que muitos professores conscientes das suas obrigações vão aproveitando tal como nas instruções anexas aos programas se recomenda as outras disciplinas nomeadamente as de Língua Portuguesa e História Pátria para difundirem preceitos morais e de educação cívica pois que quanto às actividades da Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina também, na generalidade, o seu desprezo e quase completo. Temos pela classe dos professores primários o maior respeito e a mais viva simpatia e o que atrás dissemos não constitui crítica demolidora à sua actuação, pois conhecemos perfeitamente o seu espírito de sacrifício e as dificuldades e privações de toda a ordem do seu trabalho, tão mal agradecido e sobretudo tão mal remunerado. Chega a parecer incrível que, apesar da fuga alarmante, sobretudo dos agentes do sexo masculino, ainda se mantenham ao serviço tantos titulares já que os seus proventos são hoje inferiores aos de um vulgar trabalhador rural ficando de longe, aquém do ordenado de qualquer operário, mesmo do mais desqualificado pedreiro.
Torna-se por isso urgente rever a situação destes servidores do Estado, em cujas mãos depositamos o melhor do nosso património - os nossos filhos.
Temos também de redobrar os esforços para minorar a sorte de tantas famílias, particularmente nos meios rurais promovendo a criação de associações do tipo das obras de bem estar rural em funcionamento já nalguns concelhos com resultados fortemente animadores, sobretudo no campo da educação onde, no dizer autorizado do Prof Engenheiro Leite Pinto se avançou a um ritmo que lhe parece lento, atentas as fortes exigências e grandes anseios que a escola hoje desperta.
Sr. Presidente: Vamos terminar a nossa enfadonha conversa. Não o faremos porém sem, apesar da nossa aparente descrença, e tal como os ilustres colegas que no debate intervieram já com os seus preciosos depoimentos que viemos deslustrar, manifestarmos a nossa fé ardente na nossa juventude, que, mau grado todas as vicissitudes e erros de que nós os mais velhos, irmãos, pais, avós e educadores somos os maiores culpados, há-de saber empunhar o facho que lhe legaremos para construir um futuro melhor. A nossa fé reside no exemplo magnífico que nos estão dando os briosos soldados que das nossas províncias ultramarinas vertem o seu sangue em defesa da Pátria que o mesmo é dizer em defesa de todos nós. Honra seja dada ao nosso glorioso exército e a todas as forças armadas em cuja escola se ministra e vive a melhor educação e forja o melhor carácter
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José Maria Escrivá apresenta-nos no seu maravilhoso livrinho de meditação - Caminho - este pensamento que muitas vezes nos ocorre «Paradoxo é mais acessível ser santo que sábio mas é mais fácil ser sábio que santo». A instrução pode fazer um sábio, mas só a educação pode fazer um santo.
Tenhamos fé na nossa juventude pois a lição que está aprendendo na guerra injusta que nos movem os inimigos da civilização cristã de que fomos os apóstolos por todo o mundo que descobrimos há-de conduzi-la, com a ajuda de Deus para aqueles mesmos caminhos que fizeram da nossa pátria o berço sagrado de tantos heróis mártires e santos.
A essa mocidade que está por sua vez a dar ao mundo a melhor Lição diremos nós como Maurice Tiéche na sua exortação aos jovens da Segunda metade deste século «Edificar os vossos conhecimentos e aperfeiçoar as vossas técnicas, mas sempre conforme as instruções divinas. É assim, e só assim que vos tornareis os felizes colaboradores d Aquele que edifica a cidade futura hoje sonho, mas realidade amanhã».
O que importa não é tanto Ter diante de si um futuro maravilhoso quando se é jovem, é o manter através das vicissitudes da vida a visão muito clara do ideal e dirigir todas as suas forças para a sua realização.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pais Ribeiro: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional. Ao ser-me novamente concedida a honra de subir a esta tribuna permita-me V. Ex.ª que lhe apresente as minhas mais respeitosas saudações e interfere as afirmações com que há aproximadamente um ano pretendi expressar as nobres qualidades da personalidade invulgar de V. Ex.ª.
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados apresento também as minhas afectuosas homenagens.
A imprensa à Emissora nacional e à Radiotelevisão Portuguesa renovo os meus melhores cumprimentos já que arautos dos nossos esforços e boa vontade comparticipam no nosso desejo de bem-servir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois da profundidade com que o palpitante assunto do aviso prévio do Sr. Deputado Braamcamp Sobral tem sido tratado por ele e por todos os que nos antecederam nos seus variados aspectos científicos moral, religioso e social, julgamos ser nosso dever como médico de saúde pública trazer o nosso contributo a tão debatido problema focando-o ainda que modestamente sob o ângulo não menos importante, da educação sanitária da juventude.
Tem constituído sempre a educação dos jovens - através do longo caminhar dos séculos - fulcro de inquietação e cuidados de todos os seus responsáveis. Nos nossos dias porém o âmbito da preparação da juventude adquiriu novas dimensões. Importa assisti-la em todas as facetas de que se reveste a sua personalidade - biológica, psicológica e social - já que além da sua complexa constituição orgânica ela é dotada também de inteligência e alma.
Dada a complexidade dos problemas que constituem a educação dos jovens impõe-se uma actuação de equipa em que tem o seu papel específico não só o psicólogo e o pedagogo mas também o médico e o psicotécnico, a enfermeira de saúde pública e a assistente social cabendo ainda neste conjunto o urbanista cuja colaboração se reveste de um carácter decisivo.
No mundo contemporâneo torna-se indispensável ministrar à juventude uma esclarecida educação sanitária de modo a consciencializá-la dos direitos e deveres que a legislação vigente respectivamente lhe concede e impõe adentro da esfera médico-sanitária com a finalidade de conservar a saúde e prevenir a doença. Urge esclarecê-la acerca dos múltiplos agentes que permanentemente ameaçam a sua integridade física e mental elucida-la quanto à salubridade do ambiente que lhe é devida quer na escola quer na oficina, na fábrica como nos escritórios, onde a cada momento a espreitam factores físicos, químicos ou biológicos possíveis determinantes de uma diminuição física, despertá-la para os cuidados que lhe cabem tanto na esfera da sua saúde como na conduta a seguir para o seu semelhante, aconselhá-la no que respeita ao uso vantajoso e regrado do desporto, etc, já que a mens sana precisa para se realizar em todas as suas virtualidades de se alcançar num corpo são. Em suma, importa criar-lhe a noção fundamental do benefício que lhe advirá da preferência da medicina preventiva sobre a medicina curativa como já pretendia Salazar há cerca de três décadas quando na X conferência Antituberculosa dizia «O que mais importa não é que nos ensineis a curar o mal seria que nos ensinásseis a evitá-lo».
Uma vez que constitui manancial económico de um país a sua população expressa não só em quantidade mas em qualidade imprescindível se torna fornecer-lhe as infra-estruturas necessárias para que possa conservar a saúde e desenvolver as suas possibilidades quer no campo do trabalho quer no da instrução no plano físico e mental. Tendo em perspectiva tal finalidade não basta construir-lhe hospitais dispensários e centros sociais mas também e sobretudo proporcionar-lhe uma boa estrutura social uma habitação higienizada um nível familiar exemplar e uma educação adequada. É em função de tais princípios que se deve apreciar aquele aspecto importantíssimo da inadaptação social dos jovens que aqui já tão bem foi focado e do qual já múltiplos estudos tentaram processar as causas o que tem como base fundamental a atmosfera da vida social em que o jovem vive um lar frequentemente desorganizado alojamentos deficientes em salubridade e compartimentação a rua com todas as suas tentações. A acrescentar existe ainda segundo cremos a influência nociva de alguns programas de cinema e televisão a exagerada programação escolar os anúncios aliciantes de certos filmes e certas leituras onde a sexualidade e a violência se dão as mãos. A inadaptação crescente e alarmante da juventude segundo Berthet não é mais do que a inadaptação do meio as necessidades da criança.
Em presença de tais factos urgente se torna fomentar realizações que neutralizem as deficiências apontadas e que se enquadrem nos sectores familiar, escolar, profissional e médico-social.
Desde sempre o conflito de gerações se verificou, reacção traduzindo as alterações fisiológicas e intelectuais dos jovens que no desejo de se afirmarem como pessoa autónoma (tomada a consciência de si próprios) se manifestam exuberante e agressivamente até quando qualquer contrariedade se lhes opõe. Tal reacção na nossa época porém, reveste-se de aspectos mais preocupantes baseados não só no desinteresse dos adultos que pecam por emissão voluntária ou involuntária activa ou passiva mas ainda pela rapidez e violência das mutações técnicas e sociais a que assistimos.
No sentido de uma orientação positiva, têm os educadores responsáveis de tomar sobre si a tarefa de uma compreensão constante e carinhosa (que o egocentrismo
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dos adolescentes impõe, pois os cega a tudo o que não constitua parcela da sua geração), e que os ensine a querer e a pensar por si próprios permitindo-lhes e facilitando-lhes o desabrochar da sua personalidade. Protege-los contra o prestígio dos conformismos de geração, lutar contra o mimetismo e a intoxicação das massas, eis o que nos parece a profilaxia mais adequada.
Porém para combater com eficácia os falsos mitos que a sociedade moderna lhes proporciona há que despertar nos jovens um ideal elevado baseado na reabilitação autêntica dos valores humanos.
Cabe à educação sanitária alicerce da saúde pública, o papel específico de conferir à juventude as noções de higiene e biologia que constituam a base da sua consciência sanitária.
Evidente se torna sei totalmente impossível e ultrapassa o nosso intento, traçar, ainda que em simples resumo o conjunto dos problemas que a educação sanitária suscita no campo vastíssimo da sua planificação. Constituindo ela um dos mais activos meios de prevenção ao nosso alcance muitas vezes se confunde exclusivamente com a informação e a propaganda. Porém porque estabelece a acção determinante de um comportamento em harmonia com os dados da protecção de saúde e ainda porque implica a integração e a aplicação espontânea desses princípios de higiene na vida quotidiana, ela não poderá cingir-se a essas embora importantes, coordenadas.
Se bem que a influencia da informação e da propaganda nus lindos dias em virtude do desenvolvimento e da eficácia dos seus meios de difusão tais como revistas rádio, televisão, sejam factores valiosos não podem, contudo, restringir unicamente a si toda a acção educativa que ela comporta. Para a educação sanitária ser eficaz necessita da acção indirecta constituída pela propaganda e informação actuando em larga escala no plano da colectividade e por meio de pessoal e material especializados. Mas, além disso, exige também uma acção directa que actue em pequenos grupos admitindo o espírito crítico individual e se exerca através dos que, mercê das suas ocupações profissionais e sociais podem ter influência no comportamento daqueles com quem contactam. Esta última acção manifesta se de longe, a mais eficiente. Mas para que a saúde pública atinja aquele grau que lhe compete e um bom nível social exige, torna-se ainda necessário aproveitar o despertar da criança e na sua receptividade verter os princípios basilares da higiene e da epidemiologia.
Não compete apenas ao médico seus colaboradores e auxiliares a ministração da educação sanitária. Ela deverá sei iniciada não só no próprio lar, mas, muito especialmente, na escola onde a inteligência é matéria dúctil o maleável e absorve com avidez os ensinamentos que iniciam a sua preparação cultural.
Sendo o professor primário artífice especializado na modelagem dos espíritos nas suas múltiplas facetas, ele poderá ter um papel preponderante neste campo, tornando acessíveis e agradáveis aos seus alunos não só as noções de uma eficaz higiene individual, de uma alimentação equilibrada de uma regularização da sua actividade e descanso mas também demonstrando-lhes o alto significado e as vantagens que lhes podem advir de uma eficiente profilaxia. Assim, criará no seu espírito a necessidade de se protegerem contra as doenças infecto-contagiosas e predispô-los-á para bem receberem as imunizações necessárias. Todavia para cabalmente poderem desempenhar esta missão de verdadeiro interesse nacional deveria o programa do curso do magistério possuir uma disciplina sobre esta matéria a cargo do médico escolar ou do médico da saúde pública. Desta forma se estreitaram mais e mais os laços que unem a acção educativa à acção preventiva.
Compete-nos confessar que grande tem sido já o auxílio prestado pelos professores primários no plano nacional de vacinação. De um âmbito mais lato, porém seria ainda a sua valiosa colaboração se, a par do interesse e boa vontade manifestados, tivessem a ajudá-los a preparação sanitária que atrás preconizamos.
Acrescentaremos que a administração da educação sanitária não deve parar ao nível da instrução primária. Ela terá de acompanhar o desenvolvimento intelectual e físico do aluno, mesmo nos cursos secundários, técnicos e superiores, já que uma maior abertura à problemática da vida comporta uma exigência maior da respectiva acção curativa. Sòmente as características deste ensino, no decurso da adolescência, terão de modificar-se e, sem deixar de manter a sua acuidade, deverão substituir o carácter de monólogo paternalista pelo de informação e diálogo, acompanhado de uma documentação tanto escrita como áudio-visual apropriadas. É nessa altura que se torna mais complexa a patologia do estudante, em virtude de o seu estado físico e mental se encontrar ameaçado por um maior número de agentes nocivos.
E a idade não só das várias doenças transmissíveis mas também das afecções rinofaríngeas (com as suas perigosas repercussões cardíacas, renais e articulares), das doenças venéreas, de possíveis alterações endócrinas, dos sofrimentos gastroduodenais, da cárie dentária e do terrível flagelo social - a tuberculose -, ao combate da qual o nosso Governo vem dedicando aturado e dispendioso esforço.
Não mencionámos ainda entre outras afecções em voga hoje no campo estudantil, o doping, ou seja, o uso e abuso de drogas, quer estimulantes, quer de acção sedativa. Há que fomentar nos estabelecimentos de ensino secundários e superiores a repulsa por tão prejudicial medicação, que constitui uma terapêutica abusiva, de consequências francamente nocivas para o organismo.
Todo este cortejo patológico, que exige uma despistagem precoce e uma cura oportuna, veria diminuídos os seus efeitos e limitada a sua incidência se a juventude, convenientemente alertada, fosse consciencializada da maneira como deve opor resistência a tão nefasta agressividade.
Fácil se torna justificar a urgência destes ensinamentos essência pura de uma verdadeira política sanitária, se apreciarmos, por exemplo, o que se passa mesmo nas escolas superiores, onde a relutância dos alunos em colaborar espontaneamente com os serviços da luta antiberculosa é manifesta, apesar de o Ministério da Saúde e Assistência, por intermédio do Instituto de assistência Nacional aos Tuberculosos, lhes proporcionar, gratuitamente assistência técnica, exames microrradiológicos, provas tuberculíneas e vacinações pelo B.C.G. conjunto este que se manifesta arma eficiente contra a tuberculose, cujo índice de morbilidade ainda se encontra elevado no nosso país. Pois apesar de todas as facilidades que lhes são oferecidas, verifica-se que uma percentagem considerável dos alunos só comparece nos serviços de rastreio, por lhes ser exigida a ficha de presença para a regularização das suas inscrições universitárias.
Para fazer face a tão patente incompreensão, negligência ou comodismo, impõem-se a criação de centros médico-sanitários polivalentes, destinados não só a alunos universitários, mas também a alunos dos ensinos técnicos e secundários.
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Tais estabelecimentos, além de um real valor científico, necessitariam, para o bom resultado do seu funcionamento, de possuir o calor humano, capaz de suscitar uma abertura psicafectiva, e assim fomentar uma maior receptividade naqueles que o frequentam.
Aí, a par da educação sanitária e das medidas de prevenção, ser-lhes-iam facilitados, exames periódicos, os quais permitiriam fixar, sem perda de tempo, diagnósticos e tratamentos, evitando desta forma complicações susceptíveis de ocasionar longas incapacidades, altamente prejudiciais para os trabalhos escolares.
Aí ser-lhes-ia facultada a luta contra as doenças venéreo-sitilíticas, no triplo aspecto da despistagem, vigilância e tratamento. Verificando-se actualmente um recrudescimento destas doenças, urge fomentar uma educação bem conduzida, de modo a criar no espírito do adolescente um receio proporcional ao perigo que o ameaça e a destruir-lhe o optimismo e a segurança que o cocktail antibiótico-sulfamídico lhe ocasiona,
Aí caberia ainda a missão importantíssima da protecção e defesa da saúde mental, cuja incidência é cada vez mais preocupante pela velocidade acelerada que manifesta.
Demonstram as estatísticas um nítido predomínio das alterações psíquicas, funcionais ou psicossomáticas isto é, das nevioses, sobre as afecções orgânicas propriamente ditas.
Pelo surto de tais perturbações são responsáveis as exigências sociais da vida moderna, que, cada vez mais complexa, traumatiza continuamente o indivíduo, provocando-lhe uma incapacidade de reacção.
A mobilidade trepidante dos nossos dias obrigando o homem a uma defesa constante contra o ruído, a agitação, o automatismo e a falta de repouso, dificulta-lhe a possibilidade de adaptação.
Aí actuariam em larga escala os serviços de estomatologia, em regra tão necessários nesta idade, e que são muitas veres protelados pela perda de tempo que o seu tratamento ocasiona, nos consultórios particulares Esta doença, que apresenta características de flagelo social reclama um esforço importante de educação sanitária que esclareça os interessados dos perigos que ameaçam os seus dentes e os aconselhe a exames sistemáticos, forma única de uma despistagem precoce e actuante.
Tal despistagem exige, além do exame clínico-estomatológico, a contribuição do exame radiológico, já que, aqui, como em muitos outros casos, a dor é sintoma tardio,
Aí funcionai iam também serviços de contrôle médico das actividades desportivas, cujo valor é desnecessário encarecei, já que, actualmente o desporto se transformou numa necessidade vital. Sendo ao mesmo tempo modo de acção e modo de expressão o desporto apresenta várias facetas que carecem do interesse do pedagogo do sociólogo e principalmente, do médico higienista. Na realidade, por qualquer ângulo que se apreciem as actividades desportivas, porque constituem um aumento da actividade física normal obrigam a um contrôle médico cuidado, no sentido de verificar a existência de quaisquer contra-incapacidades temporárias ou definitivas.
Convém ainda acentuai a sensibilidade de que se revestem estas apreciações, uma voz que uma incapacidade para determinado desporto pode não impedir a prática de outros de menor desgaste físico e compatíveis com a resistência orgânica do desportista.
E evidente que a ministração da educação sanitária a que nos temos referido não é específica da juventude académica, mas, diz respeito a todos os indivíduos da
mesma idade, quaisquer que sejam o seu nível social e o sector profissional a que pertençam.
Simplesmente quando se trata da juventude operária, além destes preceitos de prevenção e higiene, há que tocar, mais acentuadamente ainda, quer a salubridade do ambiente e a segurança no trabalho, quer as múltiplas doenças profissionais, entre as quais sobressai, pela sua agudeza a fadiga mental - mais insidiosa e de cuia mais difícil que a inuscular -, podendo evoluir desde a simples astenia física até ás neuroses graves, com perturbações do sono e da memória e alterações psicafectivas, as quais, com as suas consequências viscerais,
conduzem a afecções psicossomáticas.
Cabe às empresas e aos respectivos médicos a tarefa do elaborar uma medicina preventiva e uma medicina da saúde, onde a educação sanitária individual e colectiva atinja a sua verdadeira essência, num contexto social e profissional de actividade e responsabilidade.
Para confirmar o alto significado e o ratei esse nacional de que se reveste a educação sanitária, quando alcança aquele grau de plena realização e actualização a que tem jus, não resistimos à tentação de referir algumas cifras obtidas nos serviços de vacinação contra a poliomielite. Tais resultados que se obtiverem mercê de uma conveniente preparação psicológica da população através de uma judiciosa propaganda levada a cabo pelos serviços centrais e periféricos da Direcção-Geral de Saúde com a colaboração dos párocos, professores, imprensa, Radio-televisão Portuguesa e Emissora Nacional, claramente traduzem a eficiência da cobertura profiláctica que foi possível atingir contra tão indesejável doença, determinante de diminuições físicas deformantes.
A média do número de casos de poliomielite notificados no quinquénio de 1961 a 1965 foi de 273,8 casos anuais, e o número de casos notificados em 1966 foi de 13, isto é, 14 meses após o início da vacinação, verifica-se uma redução de 94,4 por cento, ou sejam menos 260,8 casos por ano.
A falta de concordância existente entre os que citamos e os apresentados por sr. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência na sua entrevista provém do facto de as cifras que apontamos já terem sofrido a rectificação efectuada no fim do ano de 1966.
Em face de tais dados, avalie-se o quantitativo de lágrimas e sofrimento que se evitaram e o potencial humano que, roubado a uma incapacidade permanente parcial ou total, se ofereceu à Nação válido e apto a contribuir para o seu engrandecimento moral e material. Avalie-se também o benefício económico obtido com tal medida apiedando, comparativamente, o custo do tratamento e recuperação exigido pelo total de casos anuais com a despesa feita com o plano nacional de vacinação durante igual período de tempo e determinar-se-á o saldo positivo alcançado que e verifica superior a 1 milhar de contos, constituindo, assim, comparticipação importante dos serviços de saúde em prol do Estado. Isto mesmo sem entrarmos em linha de conta com a despesa ulterior, exigida pela diminuição física das crianças atingidas.
Efectivamente, processou-se esta campanha como uma das mais necessárias e oportunas medidas de S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência, que, com superior visão e esclarecida inteligência, vem criando as infra-estruturas indispensáveis pana elevar o País a um nível médico-sanitário igual ao daqueles outros que, nesse sector, marcham na vanguarda.
Para a concretização desta tão elevada aspiração muito deverá concorrer a anunciada reforma dos serviços de saúde o assistência pelo que se torna urgente a sua pro
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mulgação. Encontrando-se, segundo consta totalmente elaborada desde alguns meses surpreende a demora desta publicação, uma vez que a sua execução em nada afecta a Fazenda nacional. Na realidade, os encargos que porventura suscite terão cobertura no aumento de receitas originado pelo desenvolvimento dos serviços.
Ainda, para não ser atraiçoado o nosso destino de nação civilizadora, importa solucionar rápida e eficazmente o problema da saúde pública (que atinge o âmbito de verdadeiro problema nacional), não vá até agora, o deficiente estado sanitário da população constituir alvo dos inimigos de Portugal o pretexto para ataque à, sua política.
Porém, como pedia angular de todo esse edifício da saúde subsistirá sempre a educação sanitária já que à medida que se forem erradicando as doenças, existentes, novos perigos teremos de enfrentar, ocasionados pela própria civilização, exigindo uma permanente actualização dos preceitos de higiene, para um reajustamento conveniente e indispensável. Entre estas, doenças oriundas da civilização salientar-se-ão, sem dúvida com pertinaz insistência, os acidentes, as poluições atmosféricas, as doenças terapêuticas e de nutrição, as intoxicações pelo ruído e as alterações mentais com a delinquência juvenil.
E a esta luz que teremos de apreciar a educação sanitária, para lhe conferir o valor intrínseco a que tem direito e dizermos com Duhamel «o futuro das ciências médicas está na prevenção das doenças, ela satisfaz simultaneamente a ciência e a moral»
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O sr. Leonardo Coimbra: - Sr. Presidente: É sempre com calorosa sinceridade que presto a V. Ex.ª o testemunho da mais alta consideração.
A Família, a Igreja e o Estado constituem as três entrelaçadas esferas em que se processa o destino temporal e eterno de cada homem, chamado a realizar-se nos misteriosos caminhos da existência.
A comunidade conjugal surge naturalmente possuidora do direito impostergável de ser reconhecida como o primeiro patamar e o básico meio educativo para a formação da personalidade humana.
E o seu âmbito de acção, como disse Pio XI (Dicina Illius Magistri), «compreende não só a educação moral e religiosa, como também a física e civil principalmente enquanto mantém relações com a religião e a moral».
Em princípio, a sociedade civil e o Estado não têm poder para retirar à família esses direitos fundamentais, erro tantas vezes cometido à face da história.
A realidade não é feita de compartimentos estanques e tudo flui, plàsticamente e se interpreta. Por isso sobre o Estado, com o seu formidável aparelho de acção, incide a obrigação de promover o bem comum, humano e social, e absorver e suprir, assim, as radicais carências que limitam a família.
Mas ao suprir não pode substituir e o espírito de serviço da pessoa humana deve manter-se na mesma linha criadora de respeito pela dignidade do homem criado para se identificar e uma a própria e transcendente realidade divina.
Por seu turno a família não deve também abdicar de toda a margem de iniciativa criadora do seu contributo para o bem comum, promovendo iniciativas culturais particulares criando escolas e institutos pedagógicos ou de investigação, organizando associações de pais com vista ao esclarecimento da problemática pedagógica em nível de diálogo construtivo, etc.
Mas a família como sociedade-base, constituída imediatamente por Deus na ordem natural carece do apoio do Estado e da Igreja para realizar completamente a sua finalidade de formação da pessoa humana na dupla ordem de valores temporais e eternos em que se fundamente o destino do homem.
O Estado, como responsável pelo bem comum temporal, deve procurar assegurar que a sociedade atinja, através da educação integral, a possível e conveniente perfeição.
A Igreja, como comunidade espiritual de salvação, na ordem sobrenatural da graça, procura pelo desabrochar da liberdade espiritual e do amor, incorporar os homens em Cristo e, por seu intermédio, em Deus.
Assim se definem, a traços largos, os direitos e deveres das três sociedades harmoniosamente unidas em suas finalidades concorrentes e que comandam a linha axial de uma verdadeira educação que tem em vista a formação, em liberdade interior e conquista criadora, da verdadeira imagem do homem autêntico.
E é neste complexo contexto que surge a pessoa humana a afirmar a sua presença criadora no espaço estimulante que lhe deve ser assegurado pela educação de âmbito tão dignificante e humano quanto possível.
São duas sociedades de ordem natural, a Família e a Sociedade Civil, e a terceira, que é a Igreja tendo em vista fins de ordem sobrenatural.
E sempre que surgem intromissões recíprocas, por desvios teocráticos ou totalitarismos de Estado, representam violações da eminente e includível dignidade do homem, pois a verdadeira educação deve conduzir a um humanismo integral e cristão.
Portugal, profundamente enraizado na fecunda matriz de uma longa tradição cristã, deve caminhar corajosamente para a realização de um humanismo integral que lhe assegure uma inabalável identidade histórica.
Com vista a assegurar esse caminho, com todas as suas exigências de generosidade individual e colectiva e de valorização moral e espiritual dos homens, é preciso promover uma educação integral com as suas características de liberdade interior, espontaneidade e criação.
O individualismo burguês deu as suas trágicas provas, e os totalitarismos e colectivismos, gregários e materialistas, também não respeitam o homem total, corpo e espírito, chamados à ressurreição em Cristo.
Como diz J. Maritain, a verdadeira educação deve conduzir «a uma civilização personalista e comunitária fundada sobre os direitos humanos e satisfazendo as aspirações e as necessidades sociais do homem» (Pour une philosophie de l´education).
E esse é o caminho amplamente aberto à nossa frente na medida em que aceitamos a activa devoção ao bem comum.
O que é necessário é recomeçar continuadamente a marcha, cada vez mais rápida e firme para recuperar o atraso e atingir o ritmo que o mundo exterior de nós exige.
Os grandes problemas das mais evoluídas sociedades contemporâneas, tendo como finalidade a promoção do homem como valor primeiro, encontram-se centrados em três núcleos essenciais a assistência, a educação e o bem-estar dos povos.
Todos são fundamentais, mas a educação é a que mergulha mais fundo na intimidade viva da própria pessoa humana.
A educação tem como finalidade mobilizar os meios próprios para promover o desenvolvimento das aptidões sociais e criadoras do homem social e não das suas capacidades de simples reservatório menésico de conhecimentos abstractos
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Como disse Leonardo Coimbra, já em 1910
A educação deve dar o homem a si mesmo, à família, à humanidade, ao universo
E o filósofo Lavelle,, a propósito das relações com o outro (observação que constitui raiz dinâmica da verdadeira educação), observa
O maior bem que podemos fazer aos outros não é o de lhes comunicar a nossa, riqueza, mas o de lhes revelar a sua
E toda a orientação educacional que não utiliza linha de dinâmica interior criadora, ou qualquer programação geral que a desconheça, representa um prejuízo humano e social incalculável, por ser contrário à verdadeira natureza psicológica do homem.
Na «Declaração sobre a educação cristã», de Paulo VI, promulgada pelo Concílio, é afumado que todos os homens têm direito à educação que responda à vocação própria e à necessidade intrínseca que o homem sente de se valorizar e, realizar. Assim
Os homens com uma consciência mais aguda da sua dignidade e da sua responsabilidade desejam, com efeito, participar cada dia mais activamente, na vida social, sobretudo na vida social e política (Preâmbulo)
Por isso se verifica o duplo fenómeno de explosão escolar (dependente, é certo, da explosão demográfica) e o prolongamento da escolaridade obrigatória nas nações mais evoluídas.
As novas gerações através de perigos cada vez maiores, procuram cada vez mais esforçadamente dominar o seu destino.
E a educação é o caminho para essa indispensável maturação espiritual no promover o desenvolvimento harmonioso da humanidade com todas as suas aptidões físicas, intelectuais e morais.
O dilema entre a morte e a vida no plano planetário impõe-se dramaticamente, e só a educação de raiz cristã, sobrelevando o homem acima do todos os valores criados, pode ser a resposta ao surdo rumor de morte do vulcânico mundo que nos cerca.
É, pois, de gravidade insuperável e emergente para o futuro da Pátria a estruturação de um válido programa pedagógico como o projecto do estatuto da educação, que foi anunciado pelo respectivo Ministério e cuja publicação é uma esperança.
Mas de nada servirá se mantiver o tradicional sistema de improvisações, adaptações e soluções de emergência. Desse modo, manter-se-á a inextricável teia de aranha e o enredamento de efeitos precários resultantes de causas distorcidas e ineficientes.
É fundamental parte de uma reforma de base que requer uma administração com verbas suficientes para resolver os problemas humanos e as exigências de equipamento técnico requerido por um programa educacional verdadeiramente eficiente.
Esses problemas envolvem a emergente necessidade de se tornar possível um recrutamento selectivo, uma preparação psicopedagógica adequada e a satisfação e promoção dos justos interesses e direitos inerentes à nobilíssima, quando autêntica vocação de professor.
Nas suas mãos de estatuários está em grande parte o futuro das raças e nações, porque a juventude plástica e moldável é a grande matriz da história.
Desse facto emerge a eminente dignidade do professor e a necessidade de assegurar e promover a viabilidade de uma carreira essencial à vida e progresso das nações.
A educação constitui«um direito sagrado», que exige os maiores esforços e sacrifícios dos governos e dos povos para promover a integração activa, harmoniosa e fecunda da juventude nos grupos que constituem a comunidade humana, de modo a elevar o nível geral das pátrias e da humanidade, unificada pelos laços da paz, que só elevado nível de educação pode assegurar.
De pouco servirá elaborar programas se os professores, por carência de número, de preparação e de condições materiais de exercício, os não puderem executar.
A preparação psicopedagógica do professor é indispensável. O seu objectivo não é difundir o saber abstracto, mas a formação dos jovens com as suas tensões psicológicas e potencialidades humanas, a despertar ordenadamente para a acção e integração social conveniente e criadora.
O professor que sòmente se interessa por transmitir conhecimentos é como um injector mecânico.
Ele é imensamente mais que isso, mas precisa de ser preparado e promovido profissional e socialmente. É preciso substituir um ultrapassado «conceito judicial» da pedagogia por um conceito criador e dinâmico.
Mas o autêntico professor, além da vocação (e aqui surge o problema da escolha selectiva), precisa de uma formação segura. E o que se revela capaz de despertar vocações, iluminar inteligências e forjar caracteres é um artista criador, não de telas ou obras de arte, perecíveis, mas de pessoas vivas, infinitamente mais promissoras e válidas.
Nenhum técnico se pode improvisar, e menos ainda o professor.
E entretanto, é o que sucede. Nas escolas secundárias existem numerosas vagas a preencher e parece manter-se o êxodo dos elementos mais valiosos, com mais fácil colocação em actividades mais bem remuneradas e oferecendo mais garantias familiares e sociais.
E a actividade docente vai-se processando entretanto, com elementos improvisados e destituídos da formação psicopedagógica indispensável para o exercício sério e válido de missão de tão alto significado, por recrutamento realizado ao acaso das circunstâncias.
Como afirmou o Prof Mário de Vasconcelos e Sá (Primeiro de Janeiro de 18 de Dezembro de 1963), com a sua reconhecida experiência e autoridade pensa que
Não é com 50 por cento de professores sem formação (òbviamente psicopedagógica) no nosso ensino secundário que se pode obter um bom aproveitamento e um bom ensino. Por melhores que sejam os planos de estudo e os programas, os resultados serão nulos se não houver bons professores.
Esse é, pois, o problema essencial.
Também uma reforma do ensino deveria acabar com a especialização excessiva antes do nível universitário.
O ensino primário e secundário deveria Ter em vista sòmente a formação da vontade e a abertura da inteligência à indagação, possibilitadas por uma diminuição da sobrecarga erudita, inerte e estéril, e pela intensificação da alegria de conhecer e encontrar.
Como disse Leonardo Coimbra, seria
Em vez de muito saber carregando a memória a inquietação da inteligência indagadora repetindo em síntese o trabalho de pesquisa criadora
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Esta orientação, única verdadeiramente fecunda, exige vocações docentes à altura da eminente dignidade da missão pedagógica, porque os programas deveriam perder o carácter quantitativo e desumanizado para impor relações vivas e pessoais, atitude imensamente mais exigente de valor e competência pedagógica.
Uma pedagogia dinâmica, directa e viva, requer uma formação séria e uma vocação esclarecida. Pelo contrário, muitas vezes o professor preocupa-se mais com o que o aluno pode fixar em lugar do que é capaz de fazer. E onde ficará então o lugar para a vida interior pessoal, para a imaginação, a alegria de encontrar, que é a base da inteligência e da invenção?
Como disse o Prof Delfim Santos, espírito lúcido e poderosamente bem informado de pedagogo e filosofo, cuja memória amiga exalto como a de um prestigioso valor nacional inesquecível
A criança portuguesa nunca foi estudada convenientemente e os programas são transposições para Portugal do que se faz neste ou naquele país estrangeiro. Educamos em função de ideias que tomamos de empréstimo, sem as aferirmos experimental e sèriamente. Isto é a primeira falsificação da nossa pedagogia que é uma pedagogia de resultados de confirmações estatísticas para acalmar os interessados, de mecanização do ensino e de total carência de ideais formativos. É uma pedagogia sem alma que inspira tédio e desconfiança. Os professores, tornados funcionários do ensino, ou melhor, administradores do saber que corresponde às alíneas dos programas - que visam, única e simplesmente, à erudição, ao relato do facto, ao descritivo da experiência, à reprodução do resultado -, não têm tempo para a missão que mais importa desenvolver nos seus alunos a compreensão, a elaboração mental, a funda interrogação numa palavra, isso que se chama a formação da personalidade.
Prepara-se para exame e todos os anos se comprova na época respectiva, a falência do ensino, o absurdo dos métodos a mentira dos resultados
É uma página de análise desassombrada e de válida experiência que obriga a encarar o problema nos termos em que, na mesma conferência sobre «Formação de professores», terminou por concluir
O Sr. Ministro da Educação nacional, mais uma vez clarividente no que é necessário urgentemente fazer lançou a ideia da fundação de um Instituto Superior de Educação
Na realidade, este organismo constituiria o fecho da abóbada de que tudo está suspenso como orgão indispensável para corrigir as deficiências do ensino e, simultâneamente, assegurar o verdadeiro prestígio dos professores e salvaguardar os interesses da juventude que se prepara enquanto prepara, também o futuro da Pátria.
Leonardo Coimbra, em 1926, defendia a criação de um Instituto Superior de Educação Nacional, já então necessário, e hoje urgentemente imposto, pelas iniludíveis exigências de um mundo em prodigiosa aceleração cultural e técnica.
Mas estas afirmações não se dirigem aos professores, que respeitamos, como profundamente respeitamos todos os que trabalham com generoso esforço e dignidade, colocando o bem comum à frente dos mesquinhos interesses pessoais.
Dirigimo-nos, sim, ao emperrado e burocrático esquema que, como todas as realidades sociais, é preciso ser animado de um espírito aberto, progressivo e generoso. E esse espírito é o que sentimos animar as palavras do Sr. Ministro da Educação Nacional, Prof Galvão Teles, na comunicação realizada sobre o Estatuto da Educação Nacional em Dezembro de 1966.
Todos consideramos os professores autênticos, inapreciados heróis de uma batalha obscura contra um condicionalismo ancilosante que os embaraça ou impede de ser e agir como desejariam.
Em turmas superlotadas sem garantias económicas, sociais e familiares que lhes assegurem a necessária tranquilidade e segurança, progressivamente desiludidos e cansados por uma carreira de longa e exaustiva preparação, mas que não oferece nem garantias nem estímulo, sem prestígio à altura da esplendida dignidade da sua missão, ilaqueados pelas exigências inadiáveis da pressão económica que dispersa e bloqueia, os professores suportam uma pesada carga sobre seus humanos ombros.
Alguma coisa de análogo existe com a situação do médico submerso nas dificuldades de um hospital de campanha superlotado de necessidades prementes e que não poderá agir no melhor nível das suas capacidades porque lhe faltam as indispensáveis e apropriadas condições.
Urge pois, encarar de frente, como um problema primordial as condições de valorização humana e social da Nação concomitantes premissas de reestruturação fundamental do ensino. Sejamos práticos e pensemos se será possível recrutar professores em número e com preparação suficiente nas condições actuais.
Como exemplo, vejamos entretanto o que sucede no ensino técnico elementar. O currículo de estudos demora, em média doze anos acrescido de dois anos de estágio. Começando a trabalhar, receberá cerca de 2670$ por 24 horas semanais, o que seria o número de horas conveniente para o bom aproveitamento. E sabemos a importância que os pedagogos atribuem aos primeiros anos como base de preparação definitiva. Mas o professor procurará receber mais cerca de 1200$ por meio de horas extraordinárias o que se torna necessàriamente fatigante.
Talvez seja estranho mas ocorre-me uma comparação com os salários de alguns trabalhadores braçais (trabalho à tarefa dos estivadores) que podem atingir 5500$ mensais (220$*25 dias).
Como salvar assim uma carreira essencial para o progresso económico-social do País, se o decreto em preparação e que visa a fusão do ciclo preparatório do ensino técnico com o 1.º ciclo do ensino liceal (o que representa um notável progresso) não vier refundir de base e corajosamente o presente estado de coisas.
Pesa sobre nós a obrigação de sermos coerentes e lógicos e, se afirmarmos o valor essencial do espírito, temos de o servir e criar condições que lhes sejam favoráveis para engrandecimento das gerações futuras.
Sr. Presidente: Depois de 40 anos de notáveis realizações cujos ecos comemorativos terminaram ainda há pouco, já não é possível considerar secundário o que é primacial e passível de contemporizações o que é indiscutível e primordial.
O ensino - porque o sagrado depósito de esperanças e promessas encerrado no misterioso futuro da pátria no-lo exige - precisa, urgentemente, de funda reorganização pedagógica, e não de pequenas e sempre claudicantes reformas parciais.
Entre nós, a preparação pedagógica, quando se pretende, é feita numa cadeira anual chamada «Pedagogia e Didáctica», ou seja duas meias cadeiras enquanto em S. Paulo
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o curso de Didáctica Na Faculdade de Educação da Universidade de S. Paulo demora quatro anos.
Mas para ser examinador nem sequer é preciso esse discreto curso.
Levianamente se julga, por vezes, do valor e do trabalho dos jovens, do interesse das famílias, tantas vezes economicamente exauridas, e sobretudo dos superiores interesses da Pátria, urgentemente carecida de técnicos e do fecundos valores humanos. E o sério problema dos exames, agravado pela falta de contacto entre o professor e o aluno, tornado anónimo em turmas superlotadas e cujo destino e suas repercussões no progresso social pode depender de variadas contingências.
Algumas breves referências estatísticas permitirão abalizar a extensão do problema.
Assim, no ensino primário existiam 2300 vagas em 1965, e, como o êxodo continua e a recuperação se não anuncia, a situação mantém-se candente e sem solução.
Nos 26 anos que vão de 1936 a 1962, a população geral das nossas escolas passou para o dobro. Em 1952, ultrapassava já 1 milhão, para atingir, em 1962, l 263 487 alunos. Mantendo-se este ritmo dos últimos anos, é de presumir que a população escolar aumentará ainda 50 por cento no período até 1969-1970, anos em que a guerra que nos foi imposta e a competição no plano internacional vão tornar mais exigentes e difíceis.
Tomando como base a frequência dos liceus em 1964, seriam precisos 180 novos professores, e, entretanto, dos três liceus normais saem 45, ou seja a quarta parte dos necessários.
Entretanto, só o Porto e Lisboa, por exemplo, precisariam, como um mínimo certamente já ultrapassado, de mais treze liceus, dos quais nove em Lisboa e quatro no Porto.
Por outro lado, o rendimento é baixo, e, assim, no ensino profissional o aproveitamento foi de 15,5 por cento saindo poucos dos muitos técnicos de que o País urgentemente precisa.
Se consultarmos os dados do Instituto Nacional de Estatística, encontraremos outros sinais pouco animadores. Assim, em 1960-1961 existiam, em números totais do ensino oficial, 8151 homens e 24 592 mulheres.
E no pessoal docente com monos de 30 anos e, portanto, com carreira mais longa, somente 1870 professores e 11 094 professoras, o que significa um afastamento da juventude da carreira docente, que cada vez menos interessa aos homens novos, que procuram carreiras mais aliciantes.
A fé de todos nós nos tesouros de fecundidade oculta do povo português e no destino indestrutível da Pátria é inabalável. Mas essa visão optimista deverá servir somente para agudizar o nosso sentido de responsabilidades perante as exigências de uma história magnífica que a Providência rasgou para ser dignamente vivida por nós e pelos nossos filhos, mas que certamente não perdoam distracções que mutilam.
A vaga do entusiasmo pela cultura sobe continuadamente como feliz sinal de energia colectiva pois, de outro modo, o nosso destino comunitário correria sério risco do delinquência num mundo ávido e sempre em acelerado progresso. Mas, é urgente criar condições de correspondência a essa sede de progresso para evitar o perigo de frustração das camadas juvenis e a reacção pelo desinteresse e fuga (emigração) ou de revolta e oposição a uma sociedade que não soube acolher seus justos e nobres anseios. Os que não têm recursos não podem estudar e grande número de jovens permanecem perigosamente desaproveitados.
Apenas 10 por cento da população portuguesa têm facilidade de elevar os filhos ao nível universitário, 30 por cento ainda podem consegui-lo com grandes dificuldades e os restantes 60 por cento não dispõem de ajudas que estimulem o aproveitamento de valores sociais e humanos de virtualidades imprevisíveis e sempre valiosas.
O Prof Leite Pinto, quando Ministro citando números, afirmou «que as 18 escolas de magistério primário diplomam por ano 1400 novos professores. Como todos os anos são abatidos ao efectivo 800, só temos 600, quando as necessidades do acréscimo da população exigem 1000 lugares de professor».
Referindo-se ao ensino secundário, o mesmo professor afirmou que, em 1950, «havia 856 professores com Exame de Estado e 54 eventuais. Hoje (1937) são 779 os professores pedagogicamente preparados e 425 os que só possuem formação académica (apenas com a licenciatura e alguns até sem ela). Em sete anos a percentagem dos eventuais passou de 5 para 35 por cento», concluiu.
Ora o problema longe de melhorar tem-se agravado progressivamente mercê da divergência cada vez mais acentuada entre as disponibilidades de exauridos quadros e o progressivo desejo de cultura das novas gerações.
Não nos deteremos em mais pormenores estatísticos, detalhadamente expressos no Boletim do Instituto Nacional de Estatística, por todos convergirem para a mesma alarmante conclusão.
Ainda num inquérito realizado pela Juventude Operária Católica, em 1956, entre 2500 jovens operários, 81 por cento não continuaram os estudos por falta de recursos e por necessidade de auxiliar a família.
A técnica deu ao homem a solução de muitos dos seus problemas, uma economia mais rica, uma possibilidade de vida mais digna. Mas todo o trabalho está condicionado por um saber. Para progredir é preciso planear e executar, e para tal são preciosos técnicos, médicos, engenheiros, operários, professores, e a formação destes exige escolas em número e qualidade suficientes.
De outro modo, o progresso, que é vital no plano internacional da concorrência - e ainda há poucos dias o Sr. Ministro da Economia dirigiu um apelo às actividades privadas, comerciais e industriais, para que se organizem com a urgência possível, por motivo da entrada no Mercado Comum -, tornar-se-ia impraticável ao nível dos escalões que assegurem continuidade e progresso por insuperável carência de elementos técnicos de trabalho.
E para ela caminhamos se os números continuarem a revelar os divergentes parâmetros das necessidades que sobem e os meios pedagógicos em exaustão progressiva, bloqueados pela carência de professores em incessante emigração.
E o Prof Leite Pinto afirmou também
A escola continua a não poder esperar, pois é a oficina onde se forjam as almas daqueles que devem manejar as armas e também as alfaias e ferramentas
Assim somos levados a concluir que devem ter prioridade os investimentos na educação nacional para o desenvolvimento económico e social do País, sem prejuízo da defesa nacional e dos investimentos com a assistência, mas como resultado de uma melhor mobilização da capitalização estéril e não interessada na promoção do bem comum.
Numa orientação sempre construtiva e valorativa, sublinhamos que um imenso esforço se tem realizado já na construção de edifícios escolares
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Só na metrópole se despenderam 3 500 000 contos em construções escolares e no ultramar não é menor o ritmo (Dr. Leite Pinto, Da Instrução Pública a Educação Nacional, p 26), trabalho em que conclui, finalmente
Só construiremos o futuro dignamente dando a todos os portugueses uma larga educação de base e tomando possível, por selecções sucessivas em todo D povo educado a escolha do lugar que a cada um deve competir com vista ao bem comum - ao bem comum da Pátria Portuguesa, de aquém e de além-mar
É preciso que o ensino inverta os sinais e, em lugar de por exemplo, o 2.º ciclo constituir, como alguém disse uma «secção de empacotamento de cultura»
sobrecarregado com matérias que não passam de impecilhos que desgastam energia e tempo, se determine no sentido das realidades úteis e capazes de melhor valorizar os jovens e servir o bem concreto e os homens situados num mundo doloroso a dominar.
O liceu deveria preparar somente para as carreiras especializadas de nível universitário e a cultura geral surgiria mais facilmente se o aluno libertado encontrasse na escola um apoio cultural humanístico em que colaborasse activamente com os professores em sessões culturais envolvendo palestras, projecções, etc , versando as insondáveis riquezas do pensamento humano, da vida o do Mundo.
Mas mais ainda e também preciso que exista uma preparação gradativa, o que nem sempre parece existir se virmos, por exemplo, o que se passa com as Matemáticas na Universidade do Porto onde, entre Julho e Agosto do ano anterior, foram obtidas 18 por cento de aprovações ou seja 82 por cento de reprovações.
Ora não creio que os alunos perdessem bruscamente capacidades. Qual é, pois, o significado deste sintoma?
Julgo que se desvirtuou na mente de alguns o sentido da missão social da escola, que é de preparar homens para a vida, e para tarefas sociais e profissionais que interessam mas ao rumo da Pátria que o julgamento abstracto do saber em termos de ciência pura. A escola destina-se essencialmente a realizar e promover valores humanos e o juízo eliminatório deve possuir uma feição prudentemente confiada e incentivante, porque onde se revelam os valores positivos é no diálogo com as exigências da vida, e não no artificioso e precário condicionalismo dos exames.
E não esqueçamos este facto permanente e sério como o ensino é oneroso, muitos jovens são eliminados do nível para que tinham capacidade quando poderiam vir a constituir mais sólido alicerce do edifício social.
Era preciso gravar em todos os frontões escolares que o ensino só tem a finalidade de fazer que cada homem, dentro das suas virtualidades, seja eficazmente ajudado a realizar-se o mais generosamente possível.
Sr. Presidente: O curso da nossa gloriosa tradição histórica colocou-nos diante de uma falésia que é preciso transpor.
Como montanhistas que cavam mais fundo na rocha os degraus de suporte, utilizemos tudo o que existe e é bom e sólido.
De mãos dadas, em espírito de profunda coesão e fraterno entendimento, arranquemos cada dia melhor e com renovado e mais veemente entusiasmo.
Deixemos para trás o pó da rotina, pior que o dos cemitérios, porque esse foi sagrado pelos mortos.
Comecemos por reanimar o esplendido corpo que já existe. Para além do que é preciso ainda fazer, impõe-se como medida de economia humana e administrativa, utilizar a fundo tudo o que já é realidade promissora.
Esqueçamos as piscinas sem água, os pavilhões gimno-desportivos sem bulício, porque, enquanto estes estão silenciosos e tranquilos, se enchem os café e os filmes duvidosos são avidamente absorvidos.
Com o seu lapidar espírito de síntese, o Sr. Presidente do Conselho lançou um dia esta alternativa profundamente séria
Ou refazemos a vida, refazendo a educação ou não fazemos nada de verdadeiramente útil.
Mais que nunca esta frase é actual no momento da história em que estamos empenhados a fundo, simultaneamente numa frente externa militar e numa frente interna de progresso económico e técnico impossível sem a potencialização do elemento humano.
Não podemos optar senão pela segunda alternativa, mas temos de o fazer
urgentemente, sem delongas e sofísticas burocráticas, sem demissão de sacrifícios e esforços, mas com o espírito sempre novo e sempre fecundo que é o de uma verídica devoção ao próximo e ao bem comum postos acima de quaisquer outras razões ou motivos.
Nesta geratriz dinâmica pensamos que algumas soluções de arranque vão ser necessárias e desejamos que surjam impostas pelo Estatuto da Educação Nacional, em preparação.
E se o problema inicial é o da carência de professores de todos os ramos, porque não repetir a válida experiência da Inglaterra?
Compelida pelos seus problemas, criou escolas normais de urgência, que permitiram formar, durante um ano de trabalho intenso, professores de nível normal. Recrutou, assim, 30 000 professores com tão bons resultados que se mantém o sistema como processo normal de prospecção.
Os liceus normais, com a sua frequência sempre a diminuir, apenas preparam cerca de um quarto dos professores necessários, as escolas de magistério um terço e as de ensino técnico cerca de um sexto das necessidades sempre crescentes.
Ora, não podendo nós continuai dependentes das reduzidas escolas que possuímos - de magistério primário, liceus normais e escolas técnicas - , não seria possível constituir um núcleo do mesmo tipo e função?
Como não funcionaria sem candidatos, impunha-se simultaneamente rever a situação do professor no aspecto económico, social e psicológico.
Supomos que seria possível incentivar o interesse e melhorar o rendimento escolar se, como acontece no Ministério do Exército, os professores e mestres ou auxiliares que dessem provas de maior capacidade e dedicação ao ensino fossem destacados por ocasionais prémios e louvores.
Se tudo os bons professores fazem para estimular os alunos e se os melhores recebem louvores e prémios, e podem, mesmo, conseguir bolsas de estudo, porque não tornar esse benefício extensivo ao corpo docente se não com a oferta de bolsas de estudo, ao menos com a atribuição pública de prémios e louvores?
No ensino primário já a ideia está em marcha, e nos instituto franceses em Portugal são oferecidas bolsas aos alunos mais classificados para nem a França realizar cursos de férias.
Chegar ao fim de um ano esforçado e sentir, assim, o prazer espiritual de um reconhecimento seria um estímulo fácil e construtivo
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Sem esta simples e não onerosa medida, o mérito continua a Ter como único prémio um dobrado lote de canseiras. Mas se já seria justo destacar a autêntica e sacrificada vocação do trabalho rotineiro pelas distinções honoríficas e prémios, porque não elevar mais longe certos casos especiais e chegar à concessão de bolsas de estudo e aperfeiçoamento para os melhores?
Em Hamburgo existe um instituto onde de cinco em cinco anos, os professores de escolas primárias e liceus buo chamados para aperfeiçoamento e afundo da adaptação psicopedagógica às exigências mutáveis e crescentes.
Sem esquecer as valiosas instituições existentes, esperamos que a, investigação científica e a pesquisa técnica, que são os motores dos países da, vanguarda, ocupem também o lugar que lhes compete na promoção económico-social do País.
Que as camadas jovens, em cujas mãos esta o futuro, sejam chamadas à carreira do magistério pelo estabelecimento da simplicidade de acosso e garantias de vida compensadora.
Que surja um plano geral de organização e ensino verdadeiramente coordenador, com reformas de base, e não com mais sobrecarga para professores e alunos, e feita de sucessivas medidas fragmentárias e insubsistentes que o presente já não consente.
Para uma campanha de educação nacional, porque não aproveitar a maturidade dos jovens desmobilizados, durante o período de possível desemprego, com os seus riscos de inadaptação social e emigração, para constituir com eles núcleos regionais para prolongar como uma milícia de paz, o esplendido exemplo de preparação artesanal o agrícola que o Exército tem desenvolvido no ultramar?
Assim lhes prestaríamos uma homenagem e uma ajuda psicologicamente útil para o seu inevitável desenraizamento e um apoio na transição da vida, mas que revestiria plenamente em benefício na Nação.
Auxiliar o ensino particular nas zonas pobres e difíceis do País, compensando a sua não rentabilidade, de modo a estimular a sua multiplicação. Em tudo caminhar modesta, mas francamente, para o critério não sumptuário das construções, que deveriam ser simples, alegres e funcionais.
Criar bibliotecas públicas anexas às escolas e como prolongamento da sua função.
Finalmente, desenvolver uma ampla política social de promoção do acesso da juventude à cultura, único modo de valorizar as potencialidades humanas e elevar o nível do bem-estar social comum.
E esta política deveria começar na primeira infância, com o recomeço do ensino infantil oficial (entre os 4 e os 7 anos), que prepara as faculdades das crianças para o ensino primário, enquanto as protege dos inumeráveis perigos da rua numa idade essencial par a formação da personalidade da criança.
Somente poderei aludir à obra notável dos Jardins-Escolas de João de Deus, obra que se perde como rebento de árvore na vastidão da torrente. A escolaridade gratuita, obrigatória e prolongada impõe-se como realidade existente em todos os países de vanguarda.
Há ainda o grave problema da criança inadaptada e psìquicamente diminuída, cuja protecção entre nós está em incremento, com algumas instituições médico-psicodagógicas oficiais em Lisboa, e no Porto com uma clínica psicopedagógica em desenvolvimento e fortemente apoiada pelo Ministério da Saúde e Assistência e instituições várias, entre as quais se destaca a Fundação Gulbenkian mas que nada representam em relação ao volume do problema.
Tendo já tratado deste assunto candente em intervenção anterior, direi agora somente que, por inferência estatística, é de presumir existirem entre nós cerca de 100 000 crianças carecidas de assistência médico-psicopedagógica, cujos resultados uma experiência de sete anos me diz ser notavelmente compensadora.
É de desejar que se multipliquem todas as medidas já existentes de protecção à juventude, como são as residências, lares, cantinas, associações, clubes, convívios e múltiplas actividades culturais e desportivas, tudo com a finalidade de tornar a escola apetecível e removedora e proteger a juventude, cujo dinamismo não ordenado se desencadeará de outros modos. Porque o jovem é sempre um potencial dinâmico e se desorbita e entra em conflito, é porque a falta de ideal do adulto, os seus conformismos burgueses, o desgostam e afastam como desencadeadas energias turbilhonares.
Daí a imensa responsabilidade do adulto que deve ser o arquétipo que permita a identificação do jovem ávido de indecisos ideais.
Se as exclusões de alunos podem chegar a 60 e mesmo 80 por cento, é por carências do meio perturbador e do ensino em série, e não por degenerescência de uma mocidade que nos exalta e honra quando dela precisamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque não uma censura de espectáculos e livros que a proteja da inundação de corrupção com ouropéis de modernidade, mas que não oferece achados para além das novas cambiantes do escândalo?
E, pelo contrário, porque não se galardoam oficialmente as editoras que pugnem pela difusão do livro formador de almas nobres e úteis cidadãos?
Se soubéssemos e quiséssemos erguer uma barreira de alegria saudável em volta da nossa juventude, poderíamos encaminhar os seus impulsos generosos para fins superiores de interesse humano.
Porque não retomar a Mocidade Portuguesa, como felizmente foi anunciado e reanimá-la de modo a reforçar a sua finalidade de órgão capaz de impulsionar uma mais forte consciência cívica ao serviço dos valores cristãos e melhorar, assim, uma mocidade abandonada a si própria?
E como as suas mãos sustém a matriz da história e a sua tensão dinâmica é a flecha que parte, a nós pertence imprimir a boa direcção ao clan criador que irá prolongar, no tempo, as fronteiras da Pátria.
Sobre a juventude pesa a terrível responsabilidade de se preparar para viver num mundo que o poder da técnica e a desorientação dos homens tornou terrivelmente complexo e perigoso. Um dia terá de o defrontar para o dominar ou por ele ser subvertida. Mas hoje essa responsabilidade antes de lhe ser entregue é facho que está em nossas - talvez distraídas - mãos.
Todo o esforço já realizado de promoção do ensino tem de continuar infatigavelmente para os manter no ritmo da nossa existência histórica.
E assim deverá ser por pressões de convívio internacional, e por sermos herdeiros de uma epopeia de séculos mas também para nos mantermos dignos dessa magnifica juventude que se bate e morre pelo futuro de uma pátria comum que, trabalhando ou morrendo, todos somos chamados a servir generosamente.
É alentador assistir ao esforço que o Governo está a realizar e que as despesas com a educação e assistência têm sido revigoradas sucessivamente. Isso dá-nos a certeza de que a solução virá, mas quanto mais rápida e realística melhor, por se tornar mais económica e rentável.
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Mas tudo o que é desejável no Portugal de aquém o e igualmente para além das fronteiras do mar, pois o corpo, sendo uno as funções deverão ser solidárias. De outro modo caminharemos para a decadência da alma portuguesa estiolada pela crise de uma educação ultrapassada, e as nossas instituições, famílias e vida social poderão soçobrar numa letargia mortífera.
Na imensa solidão do homem, a educação é o magnifico caminho que o ajuda a encontrar-se a si próprio e a preparar-se a enriquecer o espírito e servir em amor fraterno o bem comum e humano para caminhar para Deus, seu fim último e feliz acabamento.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Sousa Magalhães: - Sr. Presidente: Permita-me V: EX.ª que as minhas primeiras palavras sejam dirigidas ao ilustre Deputado Sr. Braamcamp Sobral para o felicitar por ter trazido a esta Assembleia, com o seu aviso prévio sobre a problemática da educação da juventude, a oportunidade de ser largamente debatido tão importante como momentoso assunto. Depois da sua tão brilhante exposição e das oportunas intervenções dos Srs. Deputados que me antecederam nesta tribuna pouco ou nada resta acrescentar alguns aspectos que se me afiguram importantes dentro do papel que os pais e educadores têm a desempenhar na formação da nossa juventude.
O tema em discussão é tão importante e actual que, nos últimos anos e em quase todos os países, a política seguida neste campo, assumiu aspectos que ainda há poucas décadas não eram encarados. No momento presente, a nova política da educação da juventude visa à preparação das crianças para a vida, à sua integração no mundo dos adultos e ao combate das diferentes causas de desadaptação física e social.
E a principal causa dessa desadaptação resulta do facto de atravessarmos uma época de mudança de civilização - e mudança muito rápida. As condições materiais e morais de vida a que se habituaram as gerações mais amadurecidas já não são as que defrontam os jovens de hoje. Pais e educadores sentem alguma incerteza no que devem propor ou inspirar como ideais de vida. Em sociedades mais simples e estáveis do passado, a transição de uma geração para outra fazia-se sem grandes sobressaltos, por se manterem os usos e costumes, e com eles certos valores sociais e morais, básicos na inspiração da conduta. Hoje a situação é diversa Antigos padrões culturais estão a ser revistos ou postos em duvida, sem que outros se tenham estabelecido para os substituir, servindo assim, a um desejável equilíbrio nas relações humanas.
Não é impossível, e é mesmo provável, que um dia, talvez não muito mais longínquo, novas estruturas morais, mais livres, mais pessoais, se hão-de propor através dos indivíduos aos próprios grupos sociais. Mas por agora a confusão é inegável. As noções morais, ainda eficazes naqueles que as receberam de uma firme educação ou as adoptaram por escolha da razão e do coração, mostram muita fragilidade nos que, cada vez mais numerosos, não as puderam beber numa ou noutra daquelas fontes, nem puderam reuni-las numa síntese livremente aceite.
A revolução dos costumes provocada em meados do século passado pelo início da industrialização é cem vezes menos importante do que a que resulta das múltiplas descobertas científicas que hoje se processam a uma cadência sem precedentes.
A electrónica, a automatização, o emprego da energia atómica e a conquista do espaço alterarão radicalmente a nossa maneira de viver. O trabalho de amanhã exigirá uma preparação diferente do de hoje e haverá menos tempo ocupado. Será preciso saber utilizar novas distracções, e tudo permite recear que tal como no caso do automóvel e do cinema, elas se proporcionem num ritmo perigoso para a higiene mental dos indivíduos.
O equilíbrio humano arrisca-se a ficar cada vez mais comprometido. A continuarmos pelo caminho que pisamos pode prever-se que a ausência de ar puro, a concentração urbana, a alimentação desvitalizada, os alojamentos demasiado pequenos, o ruído, produzirão seres agitados, insones, irritados, incapazes de apreciar a calma e a paz interior.
Mais tarde, sem duvida, uma "cidade de ouro" poderá nascer da ciência e da técnica. Novas formas de vida podem substituir-se a esta desordem. Mas enquanto esperamos é preciso atravessar uma fase difícil da evolução da história.
A característica dominante da nossa época é a insegurança. O medo da desvalorização da moeda desencoraja a economia e faz temer os dias da velhice. Medo de ver desencadear-se um novo conflito mundial e, neste caso, a que terríveis catástrofes estaríamos sujeitos!
Medo das radiações atómicas provocadas pelas experiências nucleares.
Medo dos desastres de automóveis. Medo da depressão nervosa. Esta insegurança cria em cada um de nós uma angústia mais ou menos viva, mais ou menos consciente, conforme o temperamento de cada um.
E esta ansiedade traduz-se na agressividade e no egoísmo e é este o drama de tantos lares e de tantos indivíduos.
A dissociação familiar caminha, assim, a par da civilização científica com o trabalho dos dois esposos e a dispersão das distracções. Arrasta a um deixa correr e a negligências terríveis na educação das crianças e é estamos convencidos uma das causas essenciais, talvez mesmo a causa principal, da conduta anti-social de um número cada vez maior de jovens.
Isto explica por que as crianças e adolescentes dos meios mais dotados de bem estar estão hoje em tanto ou mais perigo do que os rapazes e as raparigas dos bairros pobres.
É evidente que seria tolice pretender que a miséria e a fome não são em si factores favoráveis ao mau comportamento dos jovens sujeitos a um ambiente que os instigue à passagem ao acto anti-social. Mas os motivos profundos da delinquência têm, em geral outras causas que não a fome, a falta de alojamento ou de cuidados físicos. O que constatamos é que uma parte cada vez maior da nova geração se assemelha, terrivelmente a uma certa juventude americana. Os teddy-boys britânicos, os halbstarhs alemães os ilfelloni italianos nada têm que invejar dos adolescentes de Nova Iorque ou Chicago lançados por mau caminho.
Em França a delinquência juvenil desenvolveu-se de maneira inquietante. De 10 978 "problemas com jovens de menos de vinte anos" em 1954 passou-se progressivamente a mais de 42 000 em 1965.
Nos Estados Unidos presentemente segundo um inquérito recentemente feito por uma grande revista francesa a numerosas famílias norte-americanas o maior problema é a delinquência quase dobrou, e actualmente mais de 500 000 jovens comparecem por ano, perante os tribunais de menores.
Até mesmo a imprensa soviética se queixa do mau comportamento dos filhos de alguns altos funcionários do regime!
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Entre nós felizmente não tem havido tantos casos nem tão graves como nos países que acabei de citar e a delinquência juvenil, segundo números oficiais aqui referidos pelo ilustre Deputado Sr. Dr. Pinto de Meneses, acusa uma percentagem muito mais baixa do que nos países que acabei de citar.
Mas nem por isso devemos deixar de estar muito atentos (ainda mais atentos) para evitar que essa percentagem cresça na mesma proporção em que tem descido nos, países atrás mencionados.
Ocorre-me por isso formular desde já a seguinte pergunta.
Porque é que uma criança ou um adolescente só porta mal?
Embora sejam perguntas de difícil resposta, parece-me oportuno analisar algumas das principais causas apontadas como responsáveis pelo mau comportamento juvenil.
Factores psíquicos, erros e carência educativas e deficiência religiosa dos pais estão entre as mais importantes Maria Montessori, grande educadora e psicóloga italiana, afirma num dos seus livros que são os primeiros anos de uma criança que constróem a sua personalidade e preparam mais do que geralmente se pensa o seu futuro de homem ou de mulher.
A criança ainda não fala, nem anda, e já recebe impressões e toma hábitos que a impregnam e se incrustam nela para sempre. Tem tanta necessidade de ternura de firmeza, de calma e de harmonia, como de ar puro, sol, movimento, limpeza, alimentação adequada e descanso suficiente. Precisa de não ser motivo de conflito entre os pais, descurada em proveito dos irmãos, tem necessidade de ser tratada já com o respeito que geralmente se dá a seres mais velhos e mais conscientes.
As frustrações e privações de amor, os conflitos, afectivos aparecem, assim, mais ainda que os factores fisiológicos, como causa primária e essencial de um grande número de comportamentos aberrantes nos jovens.
Muitos deles, podemos mesmo dizer a maior parte, foram mal amados.
Por motivo de demasiada dureza, demasiada negligência ou liberdade da parte dos pais, ou em virtude de um profundo desacordo entre estes, foram frustrados, sacudidos, abandonados à sua solidão. É muitas vezes também a separação do meio familiar e o cessar das relações calorosas que criam na criança essa angústia que os estranhos são incapazes de acalmar.
Podemos dizer da afeição materna que ela é a vitamina psicológica da criança. A ausência ou insuficiência deste afecto é a causa mais certa dos maus começos juvenis.
As estatísticas francesas mostram que 80 por cento dos jovens inadaptados sociais, dos quais se sabe o suficiente para organizar um processo minucioso, saem de lares dissociados pela morte ou pelo abandono de um dos esposos, mais frequentemente pela separação ou o divórcio seguido de novo casamento ou concubinagem.
A criança é a lamentável vítima desta situação, infelizmente favorecida pelas modernas condições de existência, e sê-lo-á talvez toda a sua vida.
Se há tantos menores delinquentes nos países mais evoluídos, é porque os pais não se ocupam suficientemente, ou ocupem-se mal, dos filhos, e estes desenvolvem-se, como querem e agem à vontade.
Os pais, absorvidos pelos negócios e distracções, vivem bastante separados, dos filhos, a quem dispensam poucos cuidados.
Os efeitos de semelhante educação são, na maior parte dos casos, deploráveis, e os sociólogos assinalam-nos insistentemente. Crianças e adolescentes demasiado livres sentem-se abandonados. Tentam consolar-se agrupando-se em bandos e clubes mas a compensação é insuficiente. Procuram então emoções novas em zaragatas, atentados, corridas de automóveis, jogos sexuais, álcool e até mesmo em drogas.
Num recente congresso de associações familiares um congressista citou o caso de um rapaz que via tão pouco os pais (à hora das refeições olhava-se mais para a televisão) que ignorava a profissão do pai. Mesmo não falando em situações tão espantosas, é preciso reconhecer que aumenta sem cessar o número de pais que desamparam os filhos, ao ponto de escandalizarem os seus descendentes. Os jovens preferem ser dirigidos com justiça e bondade, entenda-se, a serem abandonados aos seus instintos e caprichos. Desde muito novos que ouvem dizer, para se verem livres deles «Vai brincar com os teus colegas» ou «Aqui tens dinheiro, vai diverte-te». Deixam-nos cada vez mais em liberdade absoluta sem que eles saibam ainda fazer bom uso dessa liberdade. E eles sofrem com isso, uma emancipação demasiado precoce não os satisfaz, pois preferiam que a tutela que os guia e protege afrouxasse progressivamente, mantendo uma discrição respeitosa dos seus sonhos e segredos.
A situação inversa também se encontra, embora mais raramente, e dá como resultado um outro género de revolta do rapaz ou da rapariga. Com efeito, há ainda lares onde o tirano o «carrasco doméstico», não é a criança, mas o pai e a mãe, que, se estão descontentes castigam, e castigam sem dó.
Mas no nosso meio social tais, métodos já não têm razão de existir... Os jovens vêem muito bem, na escola, nas ruas, nos estádios ou nas salas de cinema de que liberdades gozam os membros da sua geração para suportar a tirania dos seus progenitores. Mais tarde ou mais cedo tentam escapar-se-lhes o que pode dar também ocasião a ser causa directa de delinquência infantil.
Uma personalidade vexada, refreada, procurando afirmar-se e libertar-se pode fazer tantas tolices como se fosse deixada continuamente ao acaso.
Sente-se frustrada em ambos os casos, e em ambos os casos quererá uma compensação. A pressão demasiada de princípios morais e religiosos pode provocar, tanto como a sua ausência, efeitos funestos sobre os comportamentos juvenis.
Mostrámos, assim, que grande parte dos casos de delinquência ou de inadaptação social nos jovens tem muitas vezes, origem na atmosfera do lar, mas é evidente que há outras causas, tais como o contexto social actual, alojamentos acanhados, leituras nocivas, cinema televisão, más companhias, erros e carências educativas e a influência religiosa dos pais.
Supomos que o seu mau comportamento não e o resultado de um só destes factores, mas sim a conjugação de vários que vão fazer pressão sobre a sua vida emocional, impedindo-a de ter um desenvolvimento normal, seguro e feliz.
Não há dúvida de que todo aquele que se debruça sobre os problemas de mau comportamento juvenil chega à triste conclusão de que uma grave inconsciência do conhecimento dos deveres dos educadores constitui uma das causas prováveis desse mau comportamento. Em certos casos a ignorância sobre a maneira de encarar estes deveres é quase completa.
Poderemos sublinhar as deficiências das escolas, de resto já muito conhecidas, muitos professores com pouca formação psicopedagógica para compreenderem os seus alunos, sobrecarga dos quadros docentes, programas absurdos em função da maturação cerebral daqueles a quem se dirigem, métodos de ensino já antiquados, etc.
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Compreende-se assim que muitos jovens fujam à influência da escola que devia ser uma das melhores defesas contra a inadaptação social.
Recentemente foi decretada a obrigatoriedade da 6.ª classe, o que constitui, na realidade uma excelente medida, mas é preciso preparar professores, fornecer-lhes os meios para o bom desempenho da sua nobre missão e, principalmente, pagar-lhes em conformidade com o trabalho que se lhes deve exigir.
Com efeito, hoje o conceito do professor-funcionário está ultrapassado para se falar do exercício de uma missão a que já se tem chamado "sacerdócio" pelo que tem de alto e sagrado. O professor deverá ser um colaborador da família que lhe
Entrega a criança em idade fortemente impressionável para que a ajude a fazer dela "alguém", podemos mesmo afirmar que a família e o professor serão os construtores da Nação, pois, em cada jovem lançam os alicerces de um cidadão válido e consciente.
Fora da escola é dos pais, como já acentuei que cabem as maiores responsabilidades na instrução e educação de seus filhos, mas, infelizmente, quantos e quantos falham nessa sua missão!
Especialmente a influência religiosa dos pais na educação dos seus olhos deixa muito a desejar.
Muitos embota praticantes sinceros, pensam que a educação e a formação religiosa de seus filhos dependem única e exclusivamente do padre e do catequista. E ficam-se na prática exterior, que faz parte integrante das tradições familiares, julgando que fazer mais seria indiscreto se não prejudicial. Esquecem-se do princípio pedagógico fundamental de que toda a educação é colaboração e que, por, consequência o educador, mesmo padre e agindo como padre não pode quase nada sem a sua influência.
Não há nada mais prejudicial à formação religiosa das crianças do que a neutralidade e mesmo a complacência dos pais. Estes, se quiserem podem facilmente adquirir uma grande influência intelectual sobre os seus filhos
A maior parte tem bastante ascendência moral para se fazer obedecer, mas
sente-se mal preparada quando se trata de exercer uma influência religiosa.
E sem a influência religiosa dos pais, sobretudo sem o seu exemplo, é quase tão difícil formar a consciência de uma criança ou de um adolescente como formar, sem autoridade intelectual ou ascendência moral, a sua inteligência e a sua sensibilidade.
A razão é simples pois, com o nosso mau exemplo, estamos a negar princípios que incutimos no espírito dos nossos filhos, como verdadeiros, e isso em vez de lhes dar aquela coesão de pensamento e de querer que é objecto do esforço pedagógico abala-os e condu-los ao pior caos.
Que deveremos então fazer? Não nos interessam os estudos dos nossos filhos? Não temos com eles um cuidado especial? Da mesma forma (diremos mesmo com maior razão) a vida religiosa dos nossos filhos deve ser para nós um cuidado constante. Se é necessário fiscalizar e controlar de muito perto a prática religiosa exterior, há uma influência interior que os pais podem e devem exercer.
No fundo, a prática religiosa deve abranger toda a nossa vida não só quando recebemos os sacramentos, mas também quando trabalhamos e nos divertimos, quando afirmamos ou julgamos, quando repreendemos ou felicitamos. É isto, que podemos observar ainda nas famílias em que se dá à religião o seu verdadeiro sentido. O que quer que se faça aí tudo é considerado, sempre, sob o ângulo dos verdadeiros princípios.
Se se fala por exemplo, ao filho do seu futuro esse futuro não deve ser só dinheiro, honrarias ou satisfação pessoal, mas sim um futuro onde ele desempenhe uma missão providencial. Quer se trate de dever cívico, de exemplo a ser dado de devotamento social de distracções a aceitar, de leituras a fazer, de espectáculos a ver - tudo depende de um princípio único, que, por isso mesmo, unifica a acção e consequentemente, a reforça.
É isso o que importa, muito mais do que fastidiosas declarações de princípios.
E é exactamente esse tipo de clima familiar que nós pais e educadores devemos implantar em nossas casas, pois sem ele pouco ou nada poderemos fazer.
E aqui está a verdadeira resposta a um problema que, a muitos tem parecido insolúvel.
Como é que jovens criados num ambiente cristão, em virtude de um método de educação especificamente católico, imbuídos da moral evangélica dirigidos e orientados durante anos não somente por pais cristãos, mas também por padres e religiosos, como é que esses jovens, depois de bem pouco tempo, abandonam a prática religiosa ou a reduzem ao mínimo?
Respondemos, sem hesitar que não se pode colher mais do que se semeou.
De facto, os pais, quando se trata da formação intelectual, moral e sentimental de seus filhos, exigem imperiosamente esse esforço porque sabem que todo o seu futuro dele depende. Mas se o exigem, também, e da mesma maneira quando se trata da sua formação religiosa o problema acima enunciado nem mesmo se porta!
Sr. Presidente. Vou terminar, mas antes não quero deixar de salientar o que já aqui foi dito algumas vazes"Que a educação terá de ser um sistema fechado e a formação integral dos jovens portugueses deverá resultar da conjugação de esforços da Família, da Escola e da Igreja".
Para conseguir esse objectivo, impõem-se:
1 Que lutemos para que as estruturas familiares tradicionais não sejam totalmente destruídas,
2 Que criemos escolas de preparação de futuros pais à semelhança do que já se vem fazendo nalguns países e mesmo entre nós ao nível paroquial. Cito o exemplo dos cursos de noivos e futuros pais, que funcionam com pleno êxito, há alguns anos, na paróquia de Santo António das Antas da cidade do Porto.
3 Que seja divulgada a psicologia da criança para que não continue ignorada e incompreendida, o que se poderá fazer
31 Pela Igreja, através dos seus servidores revelando a alma da criança e cristianizando os ambientes em que vivem,
32 Por todos os meios de propaganda modernos nomeadamente o cinema, a rádio e a televisão
33 Por brochuras acessíveis, largamente difundidas
4 Que sejam criados jardins-escola e creches destinados a todas as crianças em idade pré-escolar, especialmente para aquelas cujas mães têm longas horas de ocupação fora do lar.
5 Que seja promovida uma educação escolar e uma formação profissional que lhes permitam entrar no mundo dos adultos com máximo de possibilidades.
Sabemos Sr. Presidente, que estes problemas têm merecido a melhor atenção do Ministério da Educação Nacional onde se encontram homens dinâmicos, realizadores e sabedores e que já muito têm feito nesse sentido.
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Mas gostaríamos que constituíssem um objectivo prioritário, porque o dinheiro gasto com a instrução e educação da nossa juventude não seria gastar.
Seria como aquele grão de mostarda.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanha, à hora regimental, sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
António Calapez Gomes Garcia.
António Carneiros Lopes.
António Júlio de Castro Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando Afonso de Melo Giraldes.
Fernando Alberto de Oliveira.
Henrique Ernesto Serra dos Santos Tenreiro
James Pinto Bull.
João Ubach Chaves.
José Coelho Jordão.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme Bato de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Dias das Neves.
Manuel Henriques Nazaré.
Sebastião Alves.
Sebastião Garcia Ramirez.
Tito de Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Álvaro Santa Rita Vaz.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Ferreira da Cruz.
António Magro Borges de Araújo.
Artur Alves Moreira.
Artur Correia Barbosa.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Aulácio Rodrigues de Almeida.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Gonçalo Castel-Branco da Costa de Sousa Macedo Mesquitela.
João Mendes da Costa Amaral.
José Pinheiro da Silva.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Folhadela Carneiro de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Ester Guerne Garcia de Lemos.
Rui Manuel da Silva Vieira.
Rui Pontífice de Sousa.
Sérgio Lecercle Sirvoícar.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA